1 Gestão das Relações de Trabalho no Serviço Público: Missão Impossível? Um estudo comparativo de três mandatos na Prefeitura de Belo Horizonte Autoria: Gisela Resende Garcia, Antonio Carvalho Neto Resumo Este artigo busca analisar a gestão das relações de trabalho na administração pública, após a concessão de direitos sindicais aos servidores públicos pela Constituição de 1988. Partimos de autores que discutem a burocracia, a cultura política, o corporativismo e o sindicalismo no setor público, como Weber, Crozier, Durkheim, Olson, Enriquez, Chauí, DaMatta e Cheibub, entre outros. Pesquisamos três diferentes mandatos, entre 1989 e 2000, na Prefeitura de Belo Horizonte, comparando a relação que cada gestão estabeleceu com as entidades sindicais que representam os servidores públicos. As trinta entrevistas em profundidade realizadas com todos os gestores públicos e dirigentes sindicais nos doze anos pesquisados e a extensa documentação analisada revelaram que o corporativismo predomina na relação entre os sindicatos e na relação destes com o poder público. Verificamos que a descontinuidade política e administrativa da gestão pública favorece ações personalistas nas relações de trabalho, bem como a indefinição dos interlocutores por parte dos gestores. Os resultados encontrados indicam que, ainda que o município tenha reconhecido a legitimidade da representação sindical, não se chegou a implantar um sistema de gestão das relações de trabalho mais participativo, devido a impedimentos colocados pelas duas partes. 1 - Introdução A Constituição Federal do Brasil (CF/88) trouxe diversas inovações para as relações de trabalho (RTs) no serviço público, como o reconhecimento do direito de sindicalização e de greve para os servidores, a obrigatoriedade do Regime Jurídico Único(RJU)i e a implantação de Planos de Carreira. As mudanças proporcionadas pela CF/88 nas relações de trabalho no setor público, somando-se ao fato de haver pouca literatura que discute as relações de trabalho na administração municipal, como um todo, abrangendo todas as categorias funcionais, nos motivaram no aprofundamento desta temática, que resultou na elaboração de uma dissertação de mestrado, da qual originou o presente artigo. Neste texto, discutiremos as características das RTs no setor público após a CF/88, apresentando o estudo de caso sobre as três gestões municipais da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) no período de 1989-2000, tendo como foco a relação destas gestões com as 10 entidades que representam os servidores públicos municipais. Na primeira seção do referencial teórico, discutimos a influência da cultura política brasileira nas relações de trabalho. Na segunda seção, faremos breve incursão no debate teórico sobre as relações de trabalho no serviço público, enfocando o corporativismo e o sindicalismo. A seguir, apresentamos os resultados da extensa e abrangente pesquisa realizada, seguidos das considerações finais. 2 – Relações de Trabalho no Serviço Público 2.1 - Burocracia e Cultura Política brasileira Crozier (1981) irá refletir sobre a burocracia, analisando-a como um problema social. Na visão deste autor, as organizações não devem ser encaradas como máquinas. Para compreendermos sua dinâmica, é necessário levar em conta o desempenho do conjunto 2 humano que a constitui, coordenando suas ações de forma racional e, principalmente, viabilizando entre elas o jogo da cooperação. As relações de poder é que irão dominar esse jogo da cooperação e configurar as relações no âmbito da organização. Para Crozier (1981) as relações de poder numa dada organização não se dão somente entre diferentes níveis hierárquicos, elas podem ocorrer também entre pessoas em posições semelhantes. A base do poder reside no irresistível, no indispensável, em guardar segredos, tornar-se insubstituível e inacessível aos outros. Esse jogo do segredo, da necessidade de resguardar o que lhe é específico, visando garantir algum grau de poder, de certa forma dificulta a comunicação nas organizações, à medida que a retenção de informações faz parte do jogo de poder, atingindo a eficiência da organização. Nas organizações, todos os seus membros, independente do cargo que ocupam, possuem um mínimo de poder, pois as ações que desenvolvem, em algum momento, dependem de suas decisões. A comunicação é fator preponderante para a eficiência organizacional, e, para que ela exista, não é necessário e nem mesmo possível eliminar as relações de poder, mas sim reconhecer tais relações, viabilizando a negociação direta. Em outros termos, podemos dizer que, para Crozier, a negociação é sinônimo de comunicação e, conseqüentemente, promotora de eficiência das organizações. É precisamente do caráter da negociação (pedra angular das RTs) entre gestores públicos e os representantes dos servidores que trata este artigo. As administrações públicas, segundo Crozier (1981), possuem um sistema de relações de poder mais fluído que as empresas privadas, já que as primeiras estão sujeitas a uma diversidade de incertezas intervindo ao mesmo tempo, além da pressão política. Na análise de Crozier (op. cit.), verifica-se a influência da dimensão cultural, como a resistência à dinâmica da burocracia estatal. Tal percepção sintoniza com algumas reflexões de Chauí (1995) e DaMatta (1993), dentre outros, que indicam a presença de traços culturais brasileiros nas ações e relações encontradas na burocracia estatal do nosso país, tais como o clientelismo, o personalismo, o corporativismo, a privatização do espaço público como características presentes nas relações sociais, que se reproduzem no âmbito burocrático estatal, causando forte impacto nas RT’s, como ficou evidenciado no nosso estudo. Michels (1982), um autor crítico da burocracia, salienta que ela apresenta uma tendência a tornar-se um fim em si mesma, pois, à medida que as instituições se ampliam e, conseqüentemente, as burocracias aumentam, criam-se grupos de especialistas que vão se mantendo no poder e cada vez mais vão restringindo o acesso aos grupos que tomam decisões, deixando em segundo plano os fins da instituição. De certa forma, a idéia da constituição de grupos de especialistas coincide com a visão de Crozier (1981), segundo a qual a manutenção das informações em segredo favorece a permanência no poder. Há autores, como Pereira (1999), que acreditam que determinadas características do sistema político e administrativo brasileiro, como o nepotismo, a corrupção, o clientelismo e o corporativismo, são determinados pelo modelo administrativo adotado na gestão pública. Fundamentados em outra visão, há autores que designam traços culturais e históricos que influenciam as diferentes características da burocracia e da política brasileira, de forma independente do modelo de gestão administrativa que o Estado tenha adotado. Chauí (1995), ao analisar a cultura política no país, menciona três mecanismos (mitológico, ideológico e político) que determinam o imaginário social e político dos brasileiros. Na visão desta autora, o principal mito que sustenta a imaginação social brasileira é o mito da não-violência. Chauí (1995:77) nos diz que: "(...) a ideologia autoritária, que naturaliza as desigualdades e exclusões sócio-econômicas, vem exprimir-se no modo de funcionamento da política". E tanto o mito da não-violência quanto o autoritarismo social permeiam as instituições políticas. Este autoritarismo não assumido coloca significativos impedimentos à disposição, à abertura para negociar, por parte dos gestores públicos. 3 DaMatta (1993) vai analisar a cultura do "jeitinho" e do "sabe com quem está falando?", mostrando-nos que o espaço da casa, ou seja, a esfera privada, se refaz e se reproduz no espaço público. A partir dessa constatação, DaMatta (op. cit.) afirma que o corporativismo, bastante comum na burocracia brasileira, é uma reelaboração do espaço público ao introduzir nele o mundo da casa e da família. Santos (1992) considera que vivemos num "hobbesianismo social", já que o processo de regulação desconsidera aspectos culturais e leva o governo a governar muito, mas no vazio. Do ponto de vista cultural, verifica-se que a lei é temida pelo povo, não se confia na Justiça e não se admite o conflito. Esta negação do conflito é um forte empecilho a relações de trabalho onde os atores sociais tenham oportunidade de amadurecer, exercitando a negociação. Ou seja, negociações passíveis de produzir um mínimo de consenso entre as partes, o que certamente seria mais positivo para a sociedade. Como podemos observar nas diferentes análises apresentadas, resguardando as especificidades de cada uma delas, a herança ibérica, a herança escravocrata, as antigas aristocracias e oligarquias rurais produziram costumes, hoje arraigados na cultura brasileira, que geram um autoritarismo social oculto sob o mito da não-violência, do não-conflito, e levam o espaço privado a se reproduzir freqüentemente no espaço público, seja nas formas clientelistas, corporativistas, ou nepotistas, dificultando a existência de ações universalistas. 2.2 – Corporativismo, Sindicalismo e Relações de Trabalho no Serviço Público Para Siqueira (1991:21), as RTs caracterizam-se como uma categoria social, sujeita a múltiplas determinações e que consistem no "(...) conjunto das complexas relações que se estabelecem para a realização do trabalho no interior das organizações". Um aspecto importante destacado por Siqueira (1991) é o caráter político da esfera pública como o maior diferencial entre os setores público e privado. O setor público traça suas metas visando os interesses da sociedade, e as suas decisões precisam considerar os custos e benefícios sociais, levando em conta o aspecto multidimensional das preferências sociais, procurando o bem-estar e a equidade social. A autora complementa essa visão, dizendo que "estão, portanto, as organizações públicas sujeitas a um conjunto de restrições organizacionais de ordem política, passando as variáveis organizacionais a ter pesos diferentes das demais organizações..." (Siqueira, 1991:32) Uma outra peculiaridade do setor público, segundo Siqueira (1991), é a descontinuidade administrativa. Segundo a autora, verifica-se que, se por um lado à mudança garante a alternância democrática no poder, possibilita maior participação, favorece inovação e provavelmente maior criatividade, por outro, dificulta o término de projetos iniciados, que por aspectos políticos e ideológicos são interrompidos, independente do conteúdo qualitativo e dos resultados que tais projetos produziriam. Cheibub (2000) afirma que, para compreender as relações de trabalho no serviço público, em comparação ao setor privado, é fundamental analisar o contexto (principalmente político e econômico) em que tais relações ocorrem. Em outros termos, é importante destacar que o Estado geralmente "não corre o risco de fechar as portas" como as empresas que se encontram num mercado competidor. 2.2.1 - Os Grupos Profissionais: relações corporativas ou solidárias? Durkheim (1999) aponta que, nas sociedades contemporâneas, pautadas pela especialização das atividades, o maior efeito da divisão do trabalho seria tornar as funções solidárias e não divididas, integrando o corpo social e assegurando a sua unidade. A solidariedade social, para o autor, é um fenômeno totalmente moral, que promove integração 4 social, variando conforme as normas que regem cada grupo. Para este autor, o grupo profissional é de caráter moral, pois, ao conviver conjuntamente, os membros passam a ter deveres uns para com os outros, contendo-se assim os egoísmos individuais, gerando um sentimento mais vivo de solidariedade, fazendo prevalecer os interesses da corporação e não os individuais. Weber (1991), por outro lado, acredita que as ações sociais não se realizam todas numa mesma direção. Os indivíduos, ao se associarem ou relacionarem socialmente, não necessariamente precisam ser solidários. O sentido que cada indivíduo dá à sua ação será distinto e unilateral, podendo ser bilateral caso o sentido das ações sejam convergentes. Ao tratar da questão da solidariedade, ele nos diz: “Todos os detalhes desse assunto não podem ser expostos de forma geral, mas apenas na análise sociológica de situações particulares.” (Weber, 1991:30). A principal diferença entre Weber (1991) e Durkheim (1999), nesta discussão específica, verifica-se em torno da existência ou não de laços de solidariedade. Na visão durkheimiana, a relação social pressupõe necessariamente solidariedade, já que esta é inerente à sociedade. Contrariamente, para Weber, não há nenhuma obrigatoriedade de que nesta relação haja solidariedade; a relação é, por ambos os lados, objetivamente, “unilateral”. Ela só é bilateral quando há correspondência quanto ao conteúdo do sentido. Na concepção de Enriquez (1997:91) "(...) um grupo só se estabelece em torno de uma ação a cumprir, de um projeto a executar, de uma tarefa a ser bem conduzida." No interior do grupo há um sistema de valores, que os membros interiorizam a fim de tornar o projeto do grupo uma realidade. Para o autor, a crença é uma das principais características de um grupo; todos devem acreditar no projeto para que ele se realize. A visão de Enriquez (op. cit.) assemelha-se à concepção de Weber (1991) e Durkheim (1999), no que diz respeito aos motivos que levam os indivíduos a se associarem. A questão de um projeto comum para a constituição do grupo é algo consensual entre todos estes autores, resguardadas as especificidades de cada um deles. Uma visão diferenciada dos grupos sociais vem de Olson (1999), que estabelece um debate com as teorias tradicionais de grupos sociais. Segundo Olson (op. cit.), em geral, os indivíduos agem centrados no próprio interesse, especialmente se há questões econômicas envolvidas. Este autor entende que o altruísmo seria a exceção e não a regra. A questão central em Olson é que, mesmo os indivíduos tendo se agrupado para atingir interesses comuns, eles também buscam atingir interesses individuais. Passemos, a seguir, a discutir o sindicalismo no serviço público. 2.2.2 - Sindicalismo e Relações de Trabalho no Serviço Público Alguns autores se dedicaram a estudar o sindicalismo no setor público, como: Cheibub (2000), Nogueira (1999), Guedes (1994), Brito Filho (1996) e Romita (1997). Na década de 80, no setor privado inaugura-se uma nova fase do sindicalismo no Brasil, o chamado “novo sindicalismo”, e o setor público, mesmo diante das proibições legais para a organização de sindicatos e a realização de greves, inicia uma nova etapa da sua história no movimento sindical, também dentro desta corrente. O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SIND-UTE/MG), que será também objeto de nossos estudos, foi um dos fundadores do novo sindicalismo no Brasil. Segundo Nogueira (1999), o sindicalismo no setor público possui uma forte tendência a constituir organizações corporativas e fragmentadas por categoria, tanto por área de atuação quanto por órgão onde trabalham os servidores. A fragmentação do corpo funcional no setor público em diversas categorias, que são representadas por várias entidades associativas (EA's), baseia-se fundamentalmente na livre associação sindical, prevista na CF/88, para o 5 serviço público, diferentemente do setor privado, para o qual foi mantida a unicidade obrigatória. Esta regra constitucional possibilitou um pluralismo sindical no setor público. Criaram-se muitas entidades e houve, inclusive, sobreposição de representação. Em 1978, com as greves desencadeadas pelos trabalhadores das indústrias do ABC paulista, os servidores públicos, especialmente professores e médicos residentes, através de associações profissionais que agiam como sindicatos de fato, iniciaram as primeiras greves significativas do funcionalismo público depois de 1964. A proibição legal dos servidores públicos em constituir seus sindicatos e realizar greves, na visão de Guedes (1994) possibilitou um tom altamente politizado a este movimento, principalmente no confronto com o governo militar autoritário, o que ocorreu também com o sindicato dos metalúrgicos do ABC (este no setor privado). Na área jurídica, há um acirrado debate em torno da greve no serviço público. Alguns juristas afirmam que a Carta Magna é soberana e que, se ela menciona em seu texto o direito de greve, a partir deste momento ele passa a se constituir como um direito. Outra corrente defende que, enquanto não houver lei complementar, o direito não existe. No cotidiano dos tribunais brasileiros, esta última corrente tem prevalecido. O Supremo Tribunal Federal, através do Mandado de Injunção nº 20-4, DF, decidiu pela inviabilidade e ilegitimidade da greve no setor público sem a edição de lei complementar. No entanto, Romita (1997:117) coloca que “(...) apesar disso, e quem sabe por isso mesmo, as greves de servidores públicos estatutários são muito freqüentes...” Brito Filho (1996:75) enfatiza que “as relações de trabalho no setor público não podem estar mais sujeitas ao absolutismo da administração pública, sem possibilidade de atuação dos servidores públicos e de seus sindicatos, como forma de influenciar na formulação de regras que lhes são aplicáveis.” A OIT (1976) revela que muitos países têm diminuído o caráter unilateral do Estado na determinação das condições de trabalho do servidor público. A inexistência de mecanismos legais que forcem o Estado-empregador a negociar com os seus funcionários muitas vezes faz com que estes optem pela greve, utilizando-a como instrumento para forçar o Estado ao diálogo. Cheibub (2000) acredita que tal estratégia das entidades sindicais é fator responsável pelo aumento significativo das greves no setor público nas décadas de 80 e 90. Ou seja, um fator causador de greves é a própria recusa do Estado em abrir negociações. Mesmo diante de tantas dificuldades, a promulgação da CF/88 possibilitou a criação de muitas entidades sindicais e o sindicalismo no serviço público viveu momentos importantes para a sua consolidação, o que consideramos o período de sonhos. Na década de 80, existiram situações conflituosas entre o Estado e as EA’s dos servidores públicos, mas é importante ressaltar que, apesar dos conflitos acirrados, ocorreram muitas conquistas para esta categoria. A crise por que passa a viver o sindicalismo no serviço público a partir dos anos 90 também é sentida pelo “novo sindicalismo” no setor privado, devido à maior internacionalização da economia e à ampla reestruturação produtiva das empresas. Guedes (1994) acredita que o período de apogeu do sindicalismo no setor público se encerrou e que, se as entidades sindicais não alterarem a sua agenda e iniciarem um diálogo profundo, apontando questões importantes para a sociedade e para a economia brasileira, continuarão, mesmo que indevidamente, sendo alvo de severas críticas da sociedade em geral. A política instaurada no país desde a era Collor e continuada por Fernando Henrique Cardoso, defensora de um Estado, “enxuto”, equivocadamente designa o Estado brasileiro como estando “inchado”, ou melhor, com excesso de funcionários públicos, fatores relevantes na elaboração da reforma administrativa conduzida pelo então ministro Bresser Pereira. O período Collor dá início ao pesadelo do sindicalismo no serviço público brasileiro, já que o Estado vem freqüentemente limitando salários e número de pessoal. 6 Azevedo (1999), enfatiza que a concepção vigente de que a máquina administrativa do Estado esteja inchada é um equívoco. Enquanto nos países desenvolvidos como a França, onde 24% da PEA (População Economicamente Ativa) é constituída por funcionários do Estado, na Inglaterra esta categoria corresponde a 21% e nos Estados Unidos 14,5%, aqui no Brasil este índice é de 9,3% nos três níveis de governo (executivo, legislativo e judiciário). Se existem alguns órgãos em que há excesso de pessoal, há vários outros que têm escassez de funcionários. Entretanto, de forma geral, há deficiência de pessoal qualificado. O autor defende a contratação de novos quadros, devendo haver maior investimento na qualificação dos servidores públicos brasileiros. Cheibub (2000) ao analisar as relações de trabalho no serviço público federal na década de 90, constatou o “fracasso” da cooperação mútua, entre o Estado e as EA’sii dos servidores públicos, atribuindo esta dificuldade: a) à baixa institucionalização dos canais de interação entre o governo e as EA’s, verificando a inexistência de canais permanentes de negociação, o que acabou dificultando as relações de confiança entre os atores envolvidos; b) às diferenças entre as estruturas organizacionais e de interesses das EA's que negociavam, dificultando, assim, a definição de estratégias uniformes; c) ao fato de que o governo negociava ora com o Fórum das Entidades, com reivindicações mais amplas, ora com entidades que possuíam reivindicações restritas aos interesses de uma categoria. Por outro lado, os negociadores do Estado não eram os mesmos que tomavam as decisões finais e não havia, em diversas situações, o reconhecimento por parte do poder público da representatividade e legitimidade das EA’s. Cheibub (2000) destaca que as disputas de poder e espaço entre as próprias categorias deixam de lado questões mais amplas e se restringem a atender interesses particularistas de um e outro grupo de interesse. Em outros termos, as relações de poder, no âmbito do Estado, se configuram, por um lado, como relações entre um Estado soberano, centralizador das tomadas de decisões e por outro com um corpo funcional fragmentado, que, a partir da posição que cada grupo funcional ocupa na estrutura burocrática e do tipo de relação que estabelece com o Estado e com a sociedade, obtém maior ou menor número de conquistas para os membros da sua categoria. Guedes (1994) avalia que o sindicalismo do setor público deixa de dialogar com a sociedade sobre temas como a estabilidade e a aposentadoria integral, direitos exclusivos dos funcionários públicos, que são vistos como privilégio. Para o autor, é importante ressaltar o porquê destes direitos, que consistem numa característica do serviço público em todo o mundo, segundo a OIT (1989). Verificamos que há muitos desafios a serem enfrentados pelas entidades sindicais, de ambos os setores, público e privado. Segundo Carvalho Neto (2001), os principais desafios coincidentes são: a) construir uma difícil, mas necessária solidariedade; b) romper com o “cupulismo”, isto é, a separação da direção sindical das bases; c) sair da defensiva e propor um modelo econômico alternativo; e d) procurar antecipar e até mesmo influenciar a estratégia dos gestores. 3 - Considerações Metodológicas Realizamos esta pesquisa a partir de um recorte temporal. Analisamos as três gestões municipais de Belo Horizonte após a CF/88. Na primeira gestão 1989-1992, o prefeito e o vice-prefeito eram do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira); na gestão 1993-1996, o prefeito era do PT (Partido dos Trabalhadores) e o vice-prefeitoiii do PSB (Partido Socialista Brasileiro); e na gestão 1997-2000 o prefeito era do PSB (Partido Socialista Brasileiro) e o vice-prefeito era do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). 7 Os nossos dados foram obtidos a partir de entrevistas em profundidade, realizadas com gestores públicos e dirigentes das EA's. Os gestores públicos escolhidos foram aqueles que atuaram diretamente em órgãos que estavam relacionados às relações de trabalho na PBH. Entrevistamos 15 gestores públicos, sendo que praticamente todos os gestores que atuaram na gestão 1993-1996 quanto às relações de trabalho permaneceram na gestão 1997-2000. Além disto, vários destes gestores, anteriormente, haviam atuado no movimento sindical. No tocante às EA's, realizamos 15 entrevistas com dirigentes de todas as 10 entidades que representam os servidores públicos da administração direta da PBH. As entidades de representação sindical escolhidas para a realização de entrevistas abrangem todas as categorias funcionais da administração direta da PBH. São entidades representativas tanto pela quantidade de servidores que compõem a sua baseiv, quanto pelo poder de pressão que conseguem exercer junto ao poder público nas negociações coletivas. Em geral, entrevistamos representantes que possuíam um tempo maior na instituição, para que pudéssemos obter um conhecimento mais amplo da Entidade (incluindo aspectos históricos, anteriores ao período da nossa pesquisa), da sua relação com os servidores e com a gestão administrativa da PBH. Realizamos também uma pesquisa documental. Coletamos informações no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APC) e nos arquivos de alguns sindicatos. Pesquisamos também leis, projetos de lei, decretos e portarias que regulam as relações de trabalho na PBH. A fim de traçarmos o perfil dos servidores públicos municipais, recorremos aos dados do Banco de Talentos, que foi criado em 1998, pertencente ao Departamento de Recursos Humanos, da Secretaria Municipal de Administração - SMAD, onde tivemos acesso a informações referentes aos aspectos pessoais, além de dados funcionais e das condições de trabalho dos funcionários públicos. Obtivemos também dados do Sistema ArteRH, um Banco de Dados da Secretaria Municipal de Administração. Este banco armazena dados funcionais de todos os trabalhadores públicos municipais, para a elaboração da folha de pagamento mensal e demais informações necessárias para a gestão de pessoal na PBH (administração direta). QUADRO 1 - Entidades Associativas que representam os Servidores Públicos da PBH Sigla da entidade Nome da entidade Associação dos fiscais sanitários da PBH AFISA Associação dos Engenheiros, Arquitetos, Urbanistas, Engenheiros de Agrimensura e APLENA Agrônomos da PBH Associação dos procuradores municipais de BH APROM Associação dos fiscais municipais ASFIM Associação dos servidores da PBH ASEMPBH Associação dos profissionais de nível superior da PBH APNS Sindicato dos servidores públicos municipais SINDIBEL Sindicato único dos trabalhadores da educação SINDUTE Sindicato dos fiscais e técnicos de tributação da PBH SINFISCO Sindicato dos médicos de Minas Gerais SINMED/MG Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte Estudamos as relações de trabalho na Prefeitura de Belo Horizonte na administração direta, ou seja, nos órgãos públicos gerenciados diretamente pelo executivo. Excluímos da nossa análise a administração indiretav, pelo fato desta possuir uma legislação específica e ter autonomia na gestão do seu corpo funcional. A administração direta da PBH estrutura-se em secretarias, administrações regionais e coordenadorias. Cada um destes órgãos subdivide-se em vários outros níveis hierárquicos, tais como Diretorias, Serviços, Seções, Setores, além de, no caso das Administrações Regionais, 8 Escolas, Unidades e Centros de Saúde. Até dezembro de 2000, esta era a estrutura da PBH. Após esta data, implantou-se reforma administrativa não contemplada na nossa pesquisa. Os funcionários públicos municipais, ocupantes dos cargos efetivos (concursados), estavam distribuídos em 42 cargos diferentes, que constituem sete categorias funcionais, nas seguintes áreas: Jurídica; Educação; Saúde; Administração Geral; Engenharia e Arquitetura; Fiscalização e Tributária. A PBH, segundo dados do Sistema ArteRH, de setembro de 2000, possuía 20.259 servidores ativos. Desse total, 18.986 são servidores que possuem somente cargo efetivo (93,7%) e 1273 possuem cargo comissionadovi (6,3%). 4 - Resultados da Pesquisa 4.1 - As Entidades Associativas (EA's) Nogueira (1999), em consonância com Cheibub (2000), afirma que, pelo fato de o setor público possuir livre associação sindical, verifica-se uma proliferação de entidades. Esse pluralismo institucional acabou gerando sobreposição de representação. O SINDIBEL, que legalmente é o sindicato que representa todos os servidores públicos municipais, entrou com um processo na Justiça contra a existência do SINFISCO, que foi criado posteriormente e teria abarcado categorias que faziam parte da base do primeiro. Quanto ao tempo de existência destas EA’s, verificamos que a maioria foi criada na década de 80 e somente três surgiram na década de 90. Observamos que a maior parte dos entrevistados designou uma motivação para a criação da entidade relacionada a aspectos econômicos, tais como: melhorias salariais, gratificações, previdência e planos de carreira. E, ao longo dos anos de atuação das entidades, as principais reivindicações continuaram a ser de caráter econômico, o que não as difere do sindicalismo no setor privado, via de regra. Constatamos que a visão de Enriquez (1997) é compatível com a realidade das categorias funcionais da PBH, visto que observamos uma tendência nesta organização pública para a criação de pequenos grupos com objetivos bastante específicos a cada um deles. Na visão dos dirigentes sindicais entrevistados, verifica-se uma certa unanimidade em apontar a constituição de grupos corporativos como algo natural. Podemos exemplificar com as palavras de alguns dirigentes entrevistados, ao serem questionados sobre como percebiam a relação entre as diversas categorias funcionais da PBH: “Nós entendemos que as categorias devem procurar se organizar no sentido de buscar as demandas específicas.” (APNS) “Isso não é conflito, o tratamento diferenciado é a luta de cada categoria, que tem interesses próprios, características de trabalho próprias, o que é normal.” (APROM) O argumento utilizado pelos médicos é de que, quando estavam em um cargo atrelado a outros profissionais, não possuíam conquistas salariais, devido ao “efeito cascata”, ou seja, se uma categoria ganhasse, todas as outras deveriam obter o mesmo ganho, respaldados pelo princípio da isonomia. Desta forma, nenhuma categoria conseguia obter ganhos, segundo a visão de dirigentes das EA's.As palavras de um dirigente sindical ilustram esta afirmação “Quando os médicos da PBH se desgarraram, eles ganharam muito, porque somos muito organizados.” (SINMED/MG). Conscientes destas diferenças de poder na correlação de forças, algumas categorias optam por não se aliarem a outras na luta por melhorias salariais e trabalhistas, como esclarece a visão de uma ex-dirigente sindical da área de educação entrevistada: “As relações do sindicato com as outras entidades da PBH foram complicadas. Tanto do ponto de vista da base, (os professores hoje 9 são cerca de onze mil, a saúde deve ter umas quatro mil pessoas e os servidores administrativos das várias áreas sempre significaram um número pequeno), uma greve do pessoal administrativo tinha um impacto social muito menor e na mídia também, e isso fazia com que os professores investissem em si próprios. Algumas vezes nós fizemos movimentos conjuntos, mas havia uma dificuldade pelo peso, não é a mesma coisa; a AFISA, que representa poucas pessoas, não tem o mesmo peso de uma categoria que representa um grande número.” Por outro lado, verificamos que as categorias com “maior poder de fogo”, ao conquistarem determinadas melhorias a partir de lutas corporativas, podem, futuramente, favorecer outras categorias com a extensão de tais conquistas a estas. Na PBH, verificamos que isto ocorreu quando os engenheiros e arquitetos receberam uma gratificação com a qual, alguns anos depois, após muita luta, os demais técnicos superiores de serviço público também foram contemplados. As conquistas que os servidores públicos municipais obtiveram ao longo do período analisado foram diferenciadas para cada categoria. Algumas áreas, como saúde, educação, engenharia e arquitetura, apontam que o plano de carreira foi a mais importante.Para os médicos e engenheiros, a conquista de cargos específicos, que resultaram em melhorias salariais significativas, segundo os dirigentes das EA's que representam estas categorias, apontam para o retorno da identidade profissional. Outras entidades que ainda não conquistaram o plano de carreira (áreas jurídica, administração geral, fiscais) destacam que os reajustes salariais na gestão 1993-1996 foram importantes para a categoria. Se as conquistas não são quantitativamente significativas, o mesmo não ocorre com as perdas e com os desafios a serem enfrentados pelas categorias funcionais da PBH.O plano de carreira dos fiscais, dos funcionários da área administrativa, dos procuradores municipais e dos técnicos de nível superior ainda não se tornaram realidade. A reposição das perdas salariais acentuadas nos últimos quatro anos é uma reivindicação levantada pelo conjunto das categorias, até mesmo para aquelas que obtiveram melhorias salariais significativas, como os fiscais de tributos (que têm evidente poder de pressão). A manutenção dos concursos públicos e a redução da terceirização no serviço público municipal também têm sido bandeira bastante defendida pelas entidades que representam os servidores da PBH, ponto enfatizado por todos os dirigentes sindicais por nós entrevistados. Em 1996, quando se iniciou a discussão sobre o Instituto de Previdência dos servidores municipais, questão que abrangia o conjunto dos servidores da PBH, as EA's perceberam que isoladamente não conseguiriam atingir os seus objetivos, e resolveram constituir o Fórum de Entidadesvii. Constatamos que o Fórum das Entidades só foi concretizado à medida em que os pequenos grupos corporativos já estavam buscando atingir o seu propósito comum, possibilitando a reunião de esforços na luta por interesses mais amplos. Observamos que o movimento sindical dos funcionários públicos municipais de Belo Horizonte está voltado para as questões específicas, e, de certa forma, possui um caráter imediatista. Não detectamos, nas diversas entrevistas realizadas com os dirigentes das EA's, uma preocupação com desafios que transcendam os muros da administração pública municipal, como por exemplo, a importância da regulamentação das relações de trabalho no setor público de forma ampla, propiciando que a negociação coletiva e os acordos coletivos estabelecidos na mesa de negociação sejam cumpridos por ambas as partes. 4.2 - Análise Comparativa das Três Gestões Públicas Municipais 10 Estabelecendo uma comparação entre as três gestões, verificamos que, apesar dos conflitos existentes entre as EA’s e os gestores públicos da PBH em todos os períodos, há um reconhecimento por ambas às partes de que houve abertura ao diálogo, bem como o reconhecimento da representatividade das EA’S dos servidores por parte dos gestores públicos. Se recorrermos a Crozier (1981), verificamos que, para este autor, a comunicação é um instrumento fundamental para a eficiência da organização. A negociação é uma expressão da comunicação. Esta concepção do autor nos leva a observar que um grande salto foi dado neste período que estamos analisando, isto é, houve abertura para esta comunicação com os trabalhadores, através das suas entidades . Na abordagem teórica, apontamos que a década de 90 foi um período de pesadelo para o sindicalismo no setor público no Brasil. Entretanto, a realidade da Prefeitura de Belo Horizonte, nesta década, com o retorno das eleições diretas para prefeitos das capitais e a gestão de partidos de esquerda, amenizou o pesadelo para o sindicalismo dos servidores públicos municipais da capital mineira. Mesmo diante de diversas dificuldades, o movimento sindical dos servidores públicos tem conseguido um canal aberto para a negociação e alcançado algumas conquistas, como, por exemplo, plano de carreira para a maioria das categorias. Crozier (1981) acredita que as relações de poder na administração pública são mais fluidas do que em organizações privadas. Nosso estudo mostrou que a descontinuidade política e administrativa na organização pública favorecem esta fluidez das relações de poder. Verificamos que, nas gestões 1989-1992 e 1997-2000, a mudança de gestores em cargos significativos da PBH modificaram a correlação de forças nas relações de trabalho, alterando não somente os interlocutores como a forma de negociar e, até mesmo, o conteúdo das negociações. Em outros termos, corroborando a afirmativa de Crozier (op. cit.), observamos que a mudança de pessoas na configuração do poder político alterou todo o jogo de conflito e de colaboração, entre os gestores públicos, bem como na relação destes com os representantes dos servidores públicos. As alterações de pessoas nos cargos públicos, dentro de um mesmo mandato, bem como a descontinuidade política e administrativa proporcionada por mudanças de mandatos a cada quatro anos, nos levaram a perceber que o personalismo esteve presente nas três gestões analisadas. Na gestão 1989-1992, constatamos que Secretários de um mesmo partido político tiveram comportamentos bastante diferenciados, chegando a ser até contraditórios na relação estabelecida com os representantes dos servidores públicos. Este fato demonstra que não se trata somente de um projeto político de governo, nas relações de trabalho, a atuação pessoal de cada secretário foi marcante. Na gestão 1993-1996 também havia comportamentos diferenciados de alguns gestores, existia um certo grau de personalismo. No entanto, nesta gestão, que se configurou com uma identidade ideológica maior (no caso, de esquerda) percebemos uma maior sintonia nas ações dos gestores públicos. Contata-se, nas diferentes entrevistas realizadas, que havia um projeto político maior que, de certa forma, dava direção para os diversos gestores públicos de que tipo de política de relações de trabalho deveria ser implementada. A pluralidade partidária e ideológica na gestão 1997-2000 levou os gestores públicos a agir de maneira bastante individualizada. Observamos que havia projetos pessoais para a gestão das relações de trabalho, e não um projeto político de governo. Ao focalizarmos as EA’S, também verificamos que pessoas de uma mesma entidade analisavam a relação do poder público com as EA’S de formas diferenciadas, às vezes até mesmo oposta. Na avaliação dos gestores públicos entrevistados, a divergência interna nas diretorias das EA’S acaba se constituindo como personalismo, já que a relação com determinada entidade é variável, dependendo de quem a entidade envia para a negociação. 11 Vários gestores públicos, nas diferentes gestões analisadas, ao serem questionados a respeito da relação com as entidades, mencionaram que não poderiam falar em entidades, e sim em pessoas. Em todas as três gestões analisadas, os gestores públicos disseram ter definido políticas globais sobre a gestão de pessoas na PBH. No entanto, observamos, em todas as gestões, que o corporativismo foi favorecido pelo poder público, na medida em que os gestores públicos se dispuseram a gerir as relações de trabalho de forma fragmentada, atendendo a demandas pontuais, deixando de realizar, efetivamente, políticas mais abrangentes. Se as EA’S têm cometido o equívoco de lutar essencialmente por interesses corporativos, os gestores públicos vêm atuando erroneamente em favorecer tal prática. Esta atuação do poder público tem contribuído inclusive para o surgimento de novos grupos corporativos. Entre as 10 entidades que representam os servidores da administração direta da PBH, 3 delas surgiram na segunda metade da década de 90 (SINFISCO, APROM e APNS). Os dirigentes sindicais entrevistados apontaram que vários acordos não foram cumpridos, especialmente na gestão 1997-2000. Muitos não se transformaram em leis, fato este que mostra que os gestores ainda precisam avançar para garantir canais mais reconhecidos de negociação com os trabalhadores públicos. Percebemos que, a partir da gestão 1989-1992, na sua segunda fase, estendendo para as outras duas gestões, a Secretaria de Administração torna-se porta-voz da PBH na relação com as EA’S. Entretanto, este porta-voz consistia em um negociador limitado no seu poder decisório. Nos relatos dos nossos entrevistados, tanto de gestores públicos, quanto de dirigentes sindicais, nas diferentes gestões, observamos que a área econômica do governo (Secretarias de Fazenda e Planejamento) é que determinava quais eram as regras e os limites das negociações e a Secretaria de Administração, não necessariamente era o órgão que tinha poder para decidir o que deveria ou não ser implementado na gestão das relações de trabalho. Faltou, certamente, que estas três secretarias trabalhassem de forma mais integrada. O fato de interlocutores do governo e tomadores de decisão serem pessoas distintas tornava o processo de negociação na PBH bastante moroso. Para se chegar a um acordo, havia inúmeras reuniões, levando inclusive as EA’S a mudarem de instância negociadora, a fim de buscarem o atendimento de suas demandas. Chegou-se ao ponto de esgotarem o diálogo na PBH e solicitarem o apoio de vereadores para conseguirem avançar nas negociações. Acreditamos que não se trata de contrapor a área econômica e a área de administração no tocante à gestão das relações de trabalho,mas é importante destacar que uma atuação conjunta destas áreas favoreceria um melhor resultado nas negociações com as EA’S. Provavelmente, as negociações seriam mais profícuas, já que o “porta da voz” da PBH (SMAD) e o “poder decisório” (SMFA e SMPL) estariam lado a lado na mesa de negociação. Ocorreram greves em todas as gestões. Na primeira gestão (1989-1992), nos dois primeiros anos, não ocorreram greves porque o governo solicitou uma compreensão por parte das EA’S de que era necessário estruturar a prefeitura naquele momento, após um longo período sem um prefeito eleito. Nos últimos dois anos desta gestão de 1989-1992, houve greve de diversas categorias, como nas áreas de saúde, professores, médicos. A principal reivindicação dos servidores públicos era a reposição da inflação, que se encontrava em patamares elevados nesta época. Os servidores conquistaram o reajuste quadrimestral de salários. Nas gestões 1993-1996 e 1997-2000, em todos os anos ocorreram greves. A gestão 1993-1996 enfrentou um embate forte com as EA’S, pois o fato de haver um governo de esquerda em Belo Horizonte, somado ao reajuste salarial superior a 200% concedido logo no primeiro mês da gestão, criou grande expectativa no movimento sindical dos servidores públicos municipais de que todas as reivindicações seriam atendidas. Não havendo condições do governo atender a todas as demandas específicas das diversas categorias funcionais, a 12 insatisfação resultou em greves, como a dos professores, que durou 33 dias (Dutra, 1996). Ficou patente a dificuldade do sindicalismo em compreender uma maior abertura para a negociação no início da gestão 1993-1996. Verificamos que, nas três gestões focalizadas, existiram propostas de gestão de pessoas por parte do poder público. Na primeira gestão (1989-1992), ocorreu o início da construção de um projeto de gestão de pessoas na PBH, com propostas tradicionalmente presentes nas áreas de “recursos humanos”, tais como, treinamento e seleção de pessoal, que no caso do serviço público ocorre via concurso público, exigência da CF/88. Nas Gestões 1993-1996 e 19972000, que se autodenominavam “democrático-populares”, propunham uma gestão participativa da esfera pública. Nossa pesquisa constatou que havia um conceito de “servidorcidadão”, que consiste em ser, ao mesmo tempo, trabalhador e usuário dos serviços públicos, indo além dos projetos tradicionais de recursos humanos, tais como programas voltados para a qualidade de vida no trabalho. Um instrumento de grande relevância para uma gestão das RT’s de forma mais participativa foi a criação do CONAP (Conselho de Administração de Pessoal) no Estatuto dos Servidores, em 1996, isto é, um conselho onde gestores e servidores discutiriam conjuntamente as políticas de gestão de pessoas. Quando foi regulamentado, na gestão 19972000, teve o seu papel voltado, essencialmente, para a elaboração de critérios de avaliação de desempenho. Entretanto, se a intenção era de uma gestão participativa, as informações coletadas na nossa pesquisa revelam que tal proposta não ocorreu conforme foi idealizada. Verificamos, que não havia parceria na definição de políticas de gestão de pessoas na PBH de forma abrangente. As decisões a respeito de políticas salariais eram discutidas na mesa de negociação com cada entidade, mas as políticas que atingem o servidor amplamente nas suas condições de trabalho, qualificação, entre outros aspectos, eram decididas nos gabinetes dos Secretários e Diretores de Recursos Humanos. Por outro lado, as EA’s também não se mostraram interessadas em participar das definições destas questões. O fato de existir princípios norteadores não necessariamente confirma que estes foram implementados tal como idealizados. Os resultados da nossa pesquisa revelam que muito pouco se implementou em termos de uma política de gestão de pessoas. 5 - Considerações Finais Autores como Cheibub (2000), Guedes (1994) e Nogueira (1999) observam que o número de EA’s no setor público brasileiro se multiplicou a partir da década de 80, e alterouse também a sua forma de atuação: as EA's passam a ter um caráter mais reivindicativo e menos assistencialista. As considerações dos referidos autores são coerentes com a realidade das EA’s que representam os funcionários públicos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). O reconhecimento da legitimidade e da representação das EA’s por parte dos gestores públicos municipais demonstra uma diferenciação das relações de trabalho no âmbito municipal em Belo Horizonte e do governo federal. As análises de Cheibub (2000) indicam que, nas relações de trabalho entre EA’s e governo federal, um dos maiores dificultadores da cooperação entre as partes é o não reconhecimento pelo poder público da legitimidade de determinadas entidades. Percebemos que a preocupação das categorias está voltada para a profissão ou para os cargos que ocupam e não para os interesses da organização (prefeitura), coerentemente com a análise de Michels (1982) sobre a burocracia ter tendência a tornar-se um fim em si mesma, prevalecendo os interesses dos especialistas, que querem manter-se na posição de poder e deixam em segundo plano os fins da organização. 13 A visão dos dirigentes das EA's de que os grupos corporativos devem defender os seus interesses específicos coincide com a visão de Chauí (1995), DaMatta(1993) e Nunes(1997), isto é, concordam que exista uma tendência de se privatizar o espaço público, onde se utilizam instrumentos corporativistas para a conquista de melhorias trabalhistas e a manutenção ou melhoria da posição da categoria nas relações de poder na PBH. A solidariedade orgânica de Durkheim não foi encontrada nas relações entre as diversas categorias funcionais da PBH, ou seja, percebemos que a divisão do trabalho nesta organização não é percebida pelas categorias como se elas fizessem parte de um todo. Pelo contrário, cada área tende a apontar a sua como a prioritária e a mais importante na organização. A solidariedade que percebemos com a criação do Fórum está mais para a visão Weberiana e Olsoniana, isto é, um pequeno grupo, ao perceber que isoladamente estaria em desvantagem, associa-se a outro grupo para atingir o seu objetivo. Pudemos constatar que corporativismo e solidariedade não são conceitos antitéticos, ao contrário, existe uma interdependência entre eles. O problema está no salto do corporativismo, da visão mais focada no grupo, para uma visão mais ampla, mais difícil de ocorrer. Se há um corporativismo muito forte, sua cristalização pode impedir a solidariedade entre as EA's. Na PBH, como vimos, estamos num estágio ainda embrionário de solidariedade. Analisando a burocracia francesa, Crozier (1981) percebeu que a resistência é uma forma de grupos com maior poder defender a fonte de seu poder.Verificamos que, entre as diversas categorias funcionais da PBH, há grupos corporativos com significativo poder de pressão que resistem fortemente em modificar a sua forma de relacionar com a administração municipal, a fim de manter intacta a sua posição nas relações de poder. Estes grupos preferem manter-se corporativos, lutando por interesses bastante específicos, do que negociar questões mais amplas que atinjam o corpo funcional como um todo. DaMatta (1993), Chauí (1995) e Santos (1992) apontam o personalismo, o corporativismo, a privatização do espaço público e o “autoritarismo social” como contribuintes na configuração de um Estado onipotente no Brasil. Nossa pesquisa indicou que o personalismo é um forte traço da cultura política brasileira. Ficou evidente a dificuldade de fazer valer o interesse da instituição, seja esta a EA ou a PBH, prevalecendo a visão pessoal, individualista, seja representando um grupo político que não tem, da mesma forma, o direito impor suas propostas como se fossem da instituição. A exceção positiva foi na gestão 19931996, onde havia maior coesão ideológica entre o grupo que gerenciava a PBH, embora, como salientamos, também não estivesse livre de traços personalistas. Cheibub (2000) percebeu que, no âmbito federal, havia uma indefinição de quem eram os interlocutores do governo e, muitas vezes, as decisões tomadas não eram implementadas. No caso da PBH, verificamos que havia uma certa definição dos interlocutores. No entanto, os acordos não eram implementados porque aqueles que negociavam não possuíam poder suficiente para decidir o que deveria ser ou não implementado no tocante às RTs. Constatamos que a prioridade em discutir questões salariais não ocorreu somente por parte da PBH, mas também pelos representantes das EA’S que se interessavam, essencialmente, por questões relativas à remuneração da categoria que representavam. Observamos que, na PBH, em todas as gestões analisadas, principalmente as duas últimas (que propuseram a construção de uma gestão participativa), as equipes de governo não se sensibilizaram para a importância da inserção dos servidores na elaboração de um projeto global de gestão das relações de trabalho. Tal projeto não foi construído, efetivamente, nas três gestões analisadas. Entretanto, cabe destacar que, por parte dos servidores públicos, através dos seus representantes, também não existiu um esforço no sentido de participar da construção de uma política de gestão de pessoas de forma mais ampla na Prefeitura. As ações estavam voltadas 14 para interesses específicos de cada grupo funcional e restritas a questões de ordem econômica, o que colaborou para a não consolidação de um projeto de co-gestão internamente na PBH. Acreditamos que a construção de uma política de RT’s na Prefeitura de Belo Horizonte é muito recente. Algo inicial já se construiu, mas há muito ainda o que ser construído. A missão de gerenciar pessoas no serviço público é possível, desde que haja uma efetiva vontade política de implementar tal projeto, com a participação dos servidores, e a criação de uma instância com poderes reais, que seja permanente e não se modifique a cada alteração na composição político-partidária ou a cada pleito eleitoral. Desta forma, provavelmente, conseguir-se-á implementar uma política de gestão de relações de trabalho transparente, democrática, eficiente, ágil e abrangente, garantindo maior profissionalização da administração pública. Referências Bibliográficas AZEVEDO, Sérgio de. Entrevista. 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Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991. i O Regime Jurídico Único consiste num sistema de normas próprias para a administração de pessoal no serviço público, especificamente da administração direta. Esta regulação ocorre através de uma lei que se estabelece o regime estatutário para o funcionalismo público. ii Este termo - Entidades Associativas (EA's) - foi extraído do texto de Cheibub (2000), em que o autor agrupa as diversas categorias de representação dos servidores púbicos, associação de classe e sindicato. iii O vice-prefeito da gestão 1993-1996 tornou-se o prefeito da gestão 1997-2000. iv Por exemplo, a categoria que compõe a base do SIND-UTE (professores e técnicos em educação) equivale a 10.766 funcionários, o que corresponde a 53,1% do corpo funcional da PBH. v A Administração Indireta é composta por 09 órgãos (Autarquias, Fundações e Empresas Públicas, como a BHTRANS – Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte). vi Cargos comissionados são os cargos de chefia/gerência e assessoria, que podem ser ocupados tanto por servidores efetivos (concursados) quanto por pessoas de confiança dos agentes políticos, estes últimos não concursados. vii Entre as 10 entidades pesquisadas, somente o SINMED-MG e a APNS não fazem parte do Fórum das Entidades.