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14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
203
204
[p. 1]
IHS
Freguesia de N. Senhora do Amparo
da Vila de Itapemirim
Atualmente sem Vigário 23ª Freguesia visitada
A 21ª Freguesia do Bispado por mim visitada foi a de Conceição de Linhares
em 1880; e depois visitei a de S. João Batista de Niterói defronte da Corte em
1884. As notícias de Niterói foram publicadas no Periódico Apóstolo da Corte. Muito sinto que até hoje eu não tenha podido achar tempo, vagar e tempo
para continuar as notícias da Visita, que ficaram suspensas nas Três Ilhas
perto de Linhares. Já vejo que se não escrever dia por dia, depois amontoam-se trabalhos, e crescem as notícias de sorte que ou nada ou tudo por alto.
Melhor é pois escrever cada dia o que cada dia ocorrer, embora haja muita
repetição enfadonha, muita coisinha sem interesse: no futuro algum curioso
poderá joeirar o noticiário e separar o trigo da palha. Escrevamos pois sobre
esta Visita, que é na Província do Espírito Santo. Mas ai! ai! Que tristes e
saudosas recordações! Meu Deus, que saudades! [p. 2] Em 1880 parti da
Corte para Vitória trazendo em minha companhia o Rdo. Pe. Francisco de
Paula Teles. Oh! Quanto esse Pe. trabalhou, quantos serviços prestou! Valia
por dez alentados Missionários, ele que era tão fraquinho de constituição.
Ah! de febre amarela morreu nos meus braços em Petrópolis em Abril de
1883. Também veio comigo o Rdo. Cônego Tibúrcio Antão da Fonseca, que
por incomodado me deixou em Linhares e de mal em pior foi morrer em
Lorena, Província de S. Paulo de tísica. Muito trabalhou no confessionário.
Veio o meu criado Justiniano, que muito trabalhou no arranjo de toda bagagem e serviços domésticos de toda sorte e foi morrer no Palácio Episcopal
da Corte, vítima de febre amarela, um mês mais ou menos antes de meu Pe.
Teles. Muito doente ficou o Capuchinho Fr. João de Ganges,1 que por isso
me deixou na Serra, e hoje se acha na Bahia ou em Pernambuco. Veio também o Cônego, hoje Monsenhor João Pires de Amorim. O Pe. Eugênio do
1
Gangy no texto do primeiro volume.
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Couto se acha na Corte. Teles, Tibúrcio, Justiniano, aceitai minhas saudades,
meus agradecimentos os mais cordiais! [p. 3] Depois da morte de meu Teles
fiquei só em Palácio; e depois de várias peripécias vieram para minha companhia em Palácio o Cearense Manoel Furtado de Figueiredo, natural da Freguesia dos Milagres, que tinha acabado seu curso no Seminário e já era Diácono. E além deste o já Diácono Espírito-santense Antônio Alves Ferreira
dos Santos, da Freguesia de S. Pedro do Cachoeiro de Itapemirim. A ambos
conferi o Presbiterado em 21 de Março de 1885. E se não fossem estes não
sei como poderia sair em Visita. Bem vontade tinha eu sempre de cumprir
este dever Episcopal, mas muitas circunstâncias me estorvaram a saída. É
para notar também que no mesmo ano 1883 pouco depois da morte de meu
Teles fui obrigado pelos amigos e até aconselhado pelo próprio Imperador
em Petrópolis a espairecer um pouco e desafogar minha dor que foi extrema
e profunda porque o Pe. Teles era para mim um tesouro, um amigo verdadeiro alter ego, meu grande adjutório, meu companheiro de 9 anos e 9 meses e até
meu santo Confessor. Fui a Minas com o Exmo. amigo Sr. Arcebispo da
Bahia, D. Luís Antônio dos Santos, antes Bispo do Ceará; e juntos nós com
o Sr. Bispo de Mariana [p. 4] fomos ao Caraça, onde eu e D. Luís fomos
outrora alunos, e aí eu por ser mais moço que o Arcebispo e mais robusto
que ambos sagrei a vasta e bela nova Igreja toda de pedra e arquitetura gótica.
Depois voltou D. Luís para a Corte e eu acompanhei D. Benevides por um
grande giro que fez até Macaúbas. Em Mariana sofri pela vez primeira horríveis dores de reumatismo no braço esquerdo, que me atormentaram por 5
dias e noites. Preguei no fim dos Exercícios do Clero Marianense. Cessado o
reumatismo veio-me certa inflamação no olho esquerdo tal que me julguei
cego desse olho, e dias passei quase no escuro. Depois acompanhei o Exmº
Marianense na Visita Episcopal de S. Amaro, e Cidade de S. José del Rey,2
servindo eu de pregador todo esse tempo, e com D. Benevides tornei ao
Palácio Episcopal onde uma só vez tinha ido de passagem depois da morte
do meu querido Teles. Hospedei o Sr. Bispo e outros Padres de sua comitiva,
o que me aliviou as grandes saudades de meu nunca assaz querido bom Pe.
Teles. Ao chegar à Corte, poucos dias depois faleceu meu [p. 5] amado Vigário Geral da Capela Imperial, Monsenhor Félix Maria de Freitas Albuquerque no Mosteiro de S. Bento e transido de pesar quis segurar-lhe na argola do
caixão até o carro. O trabalho das dispensas é para matar um homem, acres2
Hoje Tiradentes.
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
ceu o dos inumeráveis papéis de justificações. Quase sucumbi de excessiva
fadiga. Nomeei então novo Vigário Geral ao Cônego hoje Monsenhor Protonotário Apostólico Luís Raimundo da Silva Brito. Em 1884 fiz a Visita de
Niterói com grande trabalho, mas muito fruto. A entrada foi belíssima e ali
recebi muitas honrarias a começar do Exmº Presidente Dr. Cesário de Melo
Alvim. Enfim omitindo muitos trabalhos e prostrações e incômodos mesmo
de saúde, e diferentes crismas em S. Francisco de Paula, e S. Ana, e Capela
Imperial e Irmãs e pregações na Capela Imperial na Quaresma e fora dela em
Pontificais e mesmo diante do Imperador e Corte, e não mencionando o
minucioso e fatigante trabalho de fazer e até corrigir as provas tipográficas
do Calendário da Diocese; e deixando de [p. 6] parte as aflições de espírito
quando o Ministro Maciel quis apoderar-se dos bens dos Frades e Freiras, e
me obrigaram a escrever e publicar um Protesto a Sua Majestade Imperial,
pondo de parte as angústias, quando sacrilegamente certos empresários arrombaram de dia impune e sacrilegamente os muros da clausura do Convento da Ajuda com escândalo de todos os Católicos e reprovação da generalidade da Corte e Império, pelo que publiquei um solene Protesto; não falando
das incertezas angustiosas da nomeação de novos Monsenhores e novos Cônegos até ver nomeados os que em pessoa lembrei ao Monarca... [trecho
riscado] não desenvolvendo as despesas e o trabalho da fundação por mim
feita do Colégio de Ofícios e Artes de S. Rosa dirigido pelos Salesianos da
Congregação fundada pelo celebérrimo D. Bosco, a quem os pedi em 1877
quando fui [p. 7] a Roma pela 2ª. vez depois de Bispo saudar Pio IX – calando o acabrunhador Relatório desde 1819 dos Legados de Aljuba e Conceição
para obter comutações do Internúncio Monsenhor Mocenni3 Arcebispo de
Hieropoli...4 Mas para que alongar-me? Já se [pode] ver que antes da Visita
de Niterói como depois se não saí a Visita Geral não foi para brincar e divertir-me mas multa tuli fecique, sudavi et alii. Enfim graças a Deus e como por
encanto resolvi-me a sair em Visita. Na Corte alastrava a febre amarela, e eu
receava perder meu Padre Alves, que muito me ajuda e mui inteligentemente
no formar as árvores genealógicas dos nubentes que pedem dispensa e além
disso tendo os pais no Cachoeiro de Itapemirim ainda não os havia visitado;
resolvi pois arredá-lo da Corte, levá-lo aos pais e ao mesmo tempo visitar
Itapemirim, onde há pouco faleceu o Vigário da Freguesia e Vara Pe. Manoel
3
4
Mario Mocenni.
Heliópolis.
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Pires Martins, e depois Cachoeiro, onde mora a família do Padre Alves. [p. 8]
Em meado de Janeiro deste 1886 comuniquei meu pensamento ao Monsenhor João Pires de Amorim e este animou-me a levar a efeito meu desejo e
ofereceu-me para vir adiante esperar-me em Itapemirim e preparar o preciso.
Pensava ele que eu iria no Vapor de 30 de Janeiro, mas foi impossível, por ser
preciso despachar muitos requerimentos de dispensas e arrumar o preciso.
Ele veio a Itapemirim, mas eu telegrafei-lhe que a 30 não podia partir. Neste
ínterim tive de ir a Petrópolis duas vezes. Fique sabido que por não haver
Vigário em Itapemirim e por eu querer aproveitar a boa vontade do Monsenhor Amorim passei-lhe uma Provisão com todos os poderes Paroquiais.
Mas como poderia eu sair a Visita só com os recém-ordenados Figueiredo e
Alves, mormente sendo este segundo mocinho que ainda não tem 24 anos e
foi ordenado com 22 anos e meio? É porém de saber que em uma das idas
minhas a Itu em S. Paulo, eu havia pedido ao Pe. Aureli Superior que me cedesse um Jesuíta, a saber o Pe. Rafael Tuvere. Tendo o Pe. Aureli vindo para
a Corte habitar na Residência que os PPes. Jesuítas agora de pouco têm na
Corte [p. 9] e fundar o novo Colégio Anchieta que por estes dias abriram em
Nova Friburgo, eu lembrei-lhe a promessa de me ceder o Pe. Rafael e ele de
pronto o fez vir de Itu seguir comigo para esta Visita. Trabalhei excessivamente desde o meado de Janeiro e nos últimos dias depois que avisei de minha ida a Monsenhor pelo telégrafo cresceu o trabalho tanto que me parecia
dever sucumbir. Na véspera da partida apenas dormi 2 horas, o mais tudo foi
trabalhar a morrer. Nem sei como pude fazer tanto. Enfim tomadas as passagens que paguei por mim e pelos meus e embarcadas quase todas as cargas
e bagagens chegou a ocasião do embarque que foi no Domingo 14 de Fevereiro de 1886.
Domingo 14 de Fevereiro 1886: Às 4 horas disse Missa na Capela do Palácio e ainda despachei papéis e fiz mil pequenas coisas e afinal ajuntei em um
lenço o resto dos papéis que tinha sobre a mesa, e pronto... O Monsenhor
Vigário Geral e Pe. Eduardo [p. 10] Cristão e Pe. Scaligero estavam em Palácio. Alguma coisa depois das seis horas descemos o morro da Conceição e de
sege fomos para o Arsenal da Marinha. Aí devido às artes e pedidos e arranjos do Monsenhor estava de portas dentro do Arsenal postada uma guarda
de honra penso que do corpo naval com bandeira desfraldada e Oficiais com
espadas em continência como também os soldados com as armas. Foi-me
mostrada em uma folha a ordem do Ministro respectivo (da Marinha) para
não só comparecer tal guarda, penso, mas para trajar o segundo uniforme.
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Mais perto do cais estava outra guarda menor, mas com sua banda de música. O Sr. Barão de Ivinhema de farda e espada no talim cumprimentou-me e
acompanhou-me e fez-me notar que aquela segunda guarda era dos Artífices.
No Arsenal estavam alguns Monsenhores Protonotários, alguns Cônegos,
alguns Monsenhores Camareiros do Papa, vários Sacerdotes, os Seminaristas
que não tinham ido às férias, o Sr. Guilherme Morrissy e mais um ou outro
secular. Gostei de ver aí o Rdo. Vigário do S. Cristóvão já restabelecido ou
muito melhorado do tremendo [p. 11] ataque de congestão que lhe havia
entortado a boca (agora direita). Gostei de ver aí o ilustrado e bom Pe. Mestre S. Maria, Beneditino, que há pouco sofreu tanto da uretra a ponto de se
julgá-lo perdido. Os dois bem tinham querido ir à Conceição pagar-me as visitas que eu lhes havia mandado fazer, mas o morro? Assim fizeram a fineza
de virem ao Arsenal e aí esperarem por mim, quase todos talvez sem ainda
terem celebrado Missa. Mais Sacerdotes haveria se não fosse Domingo e o
embarque cedo. O Barão de Ivinhema quis me acompanhar até eu saltar na
grande lancha a vapor, a mesma de que se tem servido o Imperador, e da qual
este ali mesmo tinha caído no mar. Ali entramos quase todos e um ou outro
entrou em outra lancha a vapor posta à minha disposição para o bota-fora.
O Vapor chama-se Mayrink. No portaló me receberam o Comandante e o
filho do Conde de Matosinhos, que é o Chefe da Companhia a que pertence
este Vapor e o Maria Pia da carreira da navegação da Província do Espírito
Santo. Achei o Vapor maior do que eu pensava, posto que não seja [p. 12]
nem mesmo como os da carreira do Norte até o Pará. Boa e asseada Câmara
e boas acomodações. Deram-me um camarote à parte. No tope do Vapor ia
a Bandeira Nacional por eu ir a bordo. Passamos por alguns encouraçados
Brasileiros e alguns outros vasos de guerra, e notei que ao menos algumas
vezes havia saudação mútua arreando-se três vezes vagarosamente a bandeira
de popa, e mais de uma vez bem ouvi o toque de corneta em saudação. Ao
passarmos a Fortaleza de Vilaganhão [sic] houve salva de peças, como eu já
esperava, porque me tinham disso avisado Vigário Geral e Pe. Eduardo. Até
a Fortaleza veio Vigário Geral e os Padres do bota-fora, não no Mayrink mas
na lancha que nos trouxe; e aqui depois da salva se retiraram dizendo-nos
muitos adeuses com lenço, e chapéus etc. O dia estava claro e o mar placidíssimo. Nunca [p. 13] achei tão bela a posição da cidade vista do mar como
desta vez. Saímos barra fora. Meus companheiros de viagem apostólica eram
Pe. Rafael Tuvere, Jesuíta, PPes. já citados Figueiredo e Alves e criado José
Paim. Na hora do almoço o Comandante fez-me assentar no topo da mesa
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em sua cadeira e fez que em seguida à esquerda estivessem os Padres, ficando
ele à minha direita. Nesta ocasião e sempre e em tudo o Comandante me
tratou com toda consideração oferecendo-se a si e a tudo do Vapor a meu
dispor. Os empregados de bordo também se mostraram sempre mui cheios
de atenções e boa vontade. Os passageiros eram poucos, e mui atenciosos.
O Comandante já tinha comandado navio em que haviam navegado D. Luís
Arcebispo da Bahia, D. Sebastião Bispo do Sul. O jantar foi um pouco mais
cedo, porque segundo disse o Comandante havia-se de passar por dentro do
Cabo Frio, para atalhar caminho e abreviar viagem, [p. 14] retardada pelo
vento que constante soprava pela proa, e talvez os passageiros quisessem ver
a passagem. Eu gostei de ter tido esta ocasião de passar entre o continente
e a Ilha em que está o cabo, e os dois faróis, o antigo abandonado no mais
alto da ilha e o novo que funciona mais em baixo. A ilha é grande. Passamos
pelo canal entre praias de alta penedia, o mar estava muito mais agitado do
que antes; vi ao longe N. Sra. dos Anjos, convento hoje abandonado dos
Franciscanos, e mais adiante avistamos alguma coisa da Cidade de Cabo Frio.
Estavam fundeados por ali dois vapores da Companhia do Cabo Submarino.
Daí por diante começou-me o enjoo, e que aturou até quase acabar a viagem,
felizmente em mim ele não produz os horrores do costume. Como tive que
rezar o Breviário do dia, cresceu-me o enjoo e vomitei por vezes nesta noite
e dia seguinte. Senti não ter visto os baixos do Cabo de São Tomé que o Comandante me disse ter passado por dentro penso que pela volta das 3 horas
da madrugada.
Segunda-feira, 15 de Fevereiro: Levantei-me mais tarde e ainda meio enjoado [p. 15] subi ao tombadilho. Vi algumas casas que ficam na foz do rio
Paraíba perto da Cidade de S. João da Barra. A cor do mar torna-se por largo
espaço pardacenta pelas águas do rio que ali deságua. Ao longe viram-se
montes, serras e alguns picos já na Província do Espírito Santo; de alguns
ouvi os nomes como Itabira, Frade, Freira, etc. (não lhe vi figura disso). Enfim lá está Itapemirim! Lá vem o vaporzinho para passageiros e duas lanchas
para as cargas. Fundeou o Mayrink perto de uma ilhota ou lajedo chamado
ilha dos Ovos (porque em certa quadra ali muitos pássaros desovam). Como
a barra do rio Itapemirim não dá entrada a navios um pouco maiores, os
vapores fundeiam ao longe, o que traz muitos incômodos, sobretudo quando
o mar está agitado. O vaporzinho como chamam é de rodas, é muito maior
do que uma falua ou mesmo do que qualquer lancha a vapor ou bonde marítimo da Corte. Não entramos para baixo da tolda para evitar calor e fica210
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mos assentados em cima, e largamos para a barra – perto da qual fica outra
ilhota chamada Taputera ou Itaputera. [p. 16] Entramos a barra, já se sabe
ao som de foguetes, e desembarcamos no trapiche [do] estabelecimento do
Português Sr. Simão Rodrigues Soares, que é o tudo daquela paragem, que
também muito ou quase tudo lhe deve. Ali à entrada do grande trapiche estava Monsenhor Amorim e a banda de música de N. Sra. dos Milagres com sua
bandeira azul, e várias pessoas. Monsenhor levantou vivas a mim e à Religião,
tocou a música e no atravessar o trapiche muitas meninas me atiraram flores
e aquela gente por ali beijou-me o anel. Subi para a casa do Sr. Simão, grande,
vistosa, e que serve como hotel a quase todos, mas isto por generosidade do
Sr. Simão que hospeda a muita gente por amizade ou favor, e quase todos
são seus conhecidos que vão ou vêm da Corte. Das janelas da casa vi várias
paragens do mar e vizinhança; mas nada vi de beleza e a terra é arenosa, e o
rio pardacento pelas areias. Tive pena de ver os muros denegridos de uma
Capela começada e não continuada; dei a entender que era pena não prosseguir. De longe se veriam as paredes alvas do tempo em vez das negras mu[p.
17]ralhas tristonhas que se veem como vi de longe. Ali o Sr. Custódio, sócio
do Sr. Simão, convidou-nos para ir tomar uma canja em sua casa, aceitei,
mas sempre houve mais do que canja, posto que não grande almoço. Enfim
embarcamo-nos em um vaporzinho, e conosco o Sr. Simão e outros e a banda de música e deixamos a Barra com suas poucas casas, algumas fábricas e
trapiche e vistosa casa do Sr. Simão e começamos a subir o Itapemirim, rio
pardacento, largo sim, mas sem beleza nem margens vistosas – não sei como
é lá para cima. Por terra se vai em 20 minutos da Barra à Vila, pelo rio em
razão das voltas leva-se quase o triplo do tempo. Dobrado certo cotovelo do
rio, ao som de música e de foguetes desembarcamos na Vila de Itapemirim
à margem direita do rio. Monsenhor Amorim já ali estava vindo da Barra a
cavalo. Havia alguma gente ali, e me beijaram a mão. As meninas e meninos
das escolas me atiraram flores. Certo sujeito levantou a voz chamando a atenção do povo para me dar vivas e os deu; achei graça de vê-lo falar de chapéu
na cabeça: soube depois que era escrivão da Vara Eclesiástica e Presidente
da Câmara Municipal! Dali fomos para a casa da Recebedoria Provincial por
cima da qual mora o Juiz de Direito Ernesto [p. 18] Pinto Lobão Cedro.
Aí na sala da Recebedoria tinha-se preparado o altar e o mais para ali paramentar-me. Enquanto se esperava, o Dr. levantou a voz e fez certo discurso
de felicitação por minha chegada, e de esperanças por muito bem que se
faria ao mesmo tempo pedindo escusa pela pequenez e pobreza do lugar etc.
211
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Respondi em quatro palavras agradecendo, e dizendo que esperava que correspondessem ao trabalho da Visita. Me senti incomodado de dor de cabeça
e vontade de vomitar, mas assim mesmo mudei a batina, tomei a roxa e paramentei-me e de mitra e báculo pus-me debaixo do pálio. Reparei que alguns
que pegavam nas varas do pálio iam segurando seus chapéus de cabeça e de
sol. Tomaram-se seis meninos e vestiram-se com as compridas sobrepelizes
ou alvas que eu trazia para servirem como se usa em França. Isto sempre dá
seu realce. Monsenhor Amorim ia de capa d’asperges no meio dos meninos,
o Padre Rafael de sobrepeliz como também os PP. Alves e Figueiredo a meus
lados. Começaram a cantar as Ladainhas de Nossa Senhora, mas como [p.
19] poucos cantavam e mal, pararam e a banda de música fez ouvir os sons
de seus instrumentos. Adiante ia a Irmandade do Rosário com suas opas e
cruz alçada e fileiras de meninos e meninas de escola. Poucos foguetes, nada
de arcos. A gente da Vila não é entusiasta, antes fria, e não tinham tido tempo
bastante para se aprontarem e meu último telegrama chegou demorado e até
Monsenhor estava no Cachoeiro quando soube e veio às carreiras! À porta
da Matriz houve as cerimônias de costume e depois preguei. Vim depois
para a casa preparada para mim, onde fiquei e os 2 Padres e o criado José,
indo Monsenhor e Padre Rafael para outra vizinha. Na mesa comemos todos
juntos. Não houve luminárias. No 1º. dia o Juiz de Direito jantou conosco. A
esta Itapemirim veio 2 vezes o Sr. Bispo D. José Caetano em 1812 e em 1820,
e ainda dominava o Gentio bravio.5 Em 1820 o Sr. Bispo chegou no dia 1º
dia de Janeiro.6 Assim leio no roteiro de sua Visita escrito de próprio punho.
[p. 20] Terça-feira, 16 de Fevereiro: Passei o dia adoentado e até de cama.
O muito cansaço, trabalho na Corte, o enjoo, balanço do mar, e a água ruim
de Itapemirim me abateram, e sofri de cabeça e estômago. Aqui se bebe a
água do rio; quando é guardada por muitos dias dizem que é boa, ou menos
má, mas bebida sem estar guardada por muitos dias é má, pesada, gosto de
brejo. Neste dia recebi telegrama do Vigário da Vitória em cumprimento. De
tarde ouvi as respostas dos meninos na Doutrina ensinada pelo Monsenhor
Amorim. Admira ouvir o quão bem respondem os meninos, que dizem coisas que até são mais da Teologia. O método de dizer duas ou três vezes um
ponto e fazer os meninos responder juntos produz efeitos maravilhosos: é o
que tenho visto por mim mesmo desde a primeira visita. Desde que Amorim
5
6
Coutinho, D. José Caetano da Silva, O Espírito Santo..., p. 155.
Coutinho, D. José Caetano da Silva, O Espírito Santo..., p. 150.
212
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chegou aqui se tem ocupado com os meninos, que gostam até porque acaba
a lição com doces que o Monsenhor dá comprando dos tabuleiros que aparecem logo que se ouvem as vozes dos meninos.
Quarta-feira, 17 de Fevereiro: Disse Missa na Matriz ajudado pelos PPes.
Figueiredo e Alves, e dei Comunhão a 10 pessoas, fazendo-lhes uma pequena instrução antes de dizer o [p. 21] Misereatur. Depois da Missa já sem
paramentos e ao retirar-me disse em voz alta que eu lhes faria o que pudesse,
que os que precisassem casar-se viessem a mim mas que me não falassem
em dinheiro nem viessem com choradeiras de serem pobres, porque eu não
atendia senão a seu bem independentemente de fortuna. E porque sei por experiência que muitos não querem dar um passo nem tomar nenhum trabalho
quando querem casar-se, reprovei tal modo e disse que quando querem comprar ou ter uma canoa, ou uma vaca e penso que disse uma porca, esperam,
gastam dinheiro, dão passos, etc., e como nada fazem quando se trata de ter
uma mulher legítima. Reconheço que melhor fora dizer isto por outros termos, mas a gente também é tão rude ou simples! O pior é que depois soube
que houve quem se zangasse e dissesse que eu tinha chamado de porcas a todas as mulheres de Itapemirim! Ora esta. Assim assentei em emendar a mão
de tarde. O texto foi: adduxit eam ad Adam, e falei do respeito devido à mulher,
e disse desta quanto pude de nobre e grande segundo a Sagrada Escritura.
Deus formou Eva, e ele mesmo a levou e entregou a [p. 22] Adão, pelo que
deve ser sabido que nenhum homem a pode ter sem a receber de Deus pelo
Sacramento. Disse muita coisa, e fiz saber que o dizia porque tinham torcido
ou mal compreendido o que eu de manhã havia querido dizer. O sermão foi
pelas 6 horas e acabou já com escuro, e como de costume durou por hora e
meia, e foi ouvido com muita atenção e silêncio. Antes cantou-se o Bendito,
mas pouca gente respondeu. Ao entrar e sair muito beija-mão de homens e
mulheres, por onde vi que eu nada havia perdido perante o povo. O Monsenhor Amorim tem trabalhado muito, e serve como Vigário: muitos batismos,
papéis de casamento e casamentos. Concedi e concederei que corram os 3
pregões no mesmo dia a intervalos ou em dois dias consecutivos perante
concurso de povo, que costuma haver nas Visitas Episcopais. Assim o povo
não perde a ideia dos pregões, satisfaz-se a lei, ou pelo menos se dá dispensa
ficando o vestígio do dever de ser o matrimônio precedido de pregões. Concedi e concederei que se confessem mesmo mulheres de noite na Matriz com
luzes e à vista do povo. Neste dia [p. 23] recebi telegrama do Padre Antunes
da Vitória. Veio ter comigo um velho (Teixeira) pai do Sacristão, que tinha um
213
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ano quando o Sr. D. José Caetano esteve em Benevente em 1812 e se lembra
de quando ele voltou em 1820: li-lhe alguns trechos do roteiro do Sr. Bispo e
nomes de pessoas lá citados e o bom velho quase cego se recordava e tinha
conhecido.7 De tarde veio do Cachoeiro no vaporzinho de carreira o Vigário
visitar-me. Era a primeira vez que nos víamos; ele é natural de Sergipe e parente do finado Monsenhor Melo falecido há pouco e que foi Ecônomo do
Cabido em Sé vaga e quem me entregou o Palácio e rendas da Mitra quando
vim em 1869. Desde ontem andava eu incomodado por ouvir dizer desde o
vapor Mayrink que um irmão do Monsenhor Amorim se achava à morte na
Colônia, longe daqui e a perto de 3 léguas do Cachoeiro. Monsenhor tinha
avisado para se chamar o Vigário, e havia razões para se pensar que não morreria sem Sacramentos e assim não mandei nenhum de meus [p. 24] Padres
que estavam prontos de boa vontade e um deles o Pe. Rafael esteve para sair
com todos os preparativos mesmo para Missa e Viático. Quando vi o Vigário
e soube que não tinha ainda sido chamado, fiquei inquieto, e só sosseguei
quando ele fez-me saber que iria a cavalo no dia seguinte à casa do homem.
Quinta-feira, 18 de Fevereiro: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 40
pessoas, em grande parte meninos. Não falo das Missas dos outros Padres
e comunhões que eles dão nem dos Batismos e Confissões que fazem. Ao
dar a Comunhão fiz uma pequena prática, e de tarde preguei. Choveu bem
durante o sermão. O Vigário do Cachoeiro seguiu a cavalo para a Casa do
irmão de Monsenhor. Neste dia visitou-me a mulher do senhor que me trata
aqui, e disse-me ela que fora educada pelas Irmãs de Caridade e lá me tinha
visto. Começaram os tais trabalhos de casamentos, e justificações, e dispensas
ou Provisões. Oh! é um martírio! Dois Cearenses me [p. 25] trouxeram de
presente ovos e farinha. Tenho notado que as noites têm sido frescas e as manhãs, e de dia o calor tem sido pouco e moderado. Se eu não tivesse ouvido
falar de calores desta terra a julgaria fresca ou pelo menos temperada, mas
julgo que faltando viração, a coisa será outra.
Sexta-feira, 19 de Fevereiro: Disse Missa e dei comunhão a 40 pessoas mais
ou menos e dei as Bênçãos Nupciais a 1 casal, já recebido por Monsenhor
Amorim. Soube-se que morreu o irmão do Monsenhor e sem sacramentos!
Quando o Vigário chegou à fazenda, já o homem tinha sido levado para a
mesma Vila do Cachoeiro. Na casa o Vigário sem o enfermo, na Vila o enfer7
Coutinho, D. José Caetano da Silva, O Espírito Santo..., p. 145-6.
214
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mo sem o Vigário que o tinha ido procurar! Outros Cearenses me trouxeram
seus presentinhos e como uso mandei dar-lhes um santinho. Vieram beijar-me o anel dois pretos velhos que acabavam de receber sua carta de liberdade
por terem passado os 65 anos. Estavam muito contentes, e embora dissessem
que [p. 26] a liberdade veio tarde encontrando-os já acabados contudo estavam a pular de prazer. Com graça diziam que agora de manhã podiam ficar
dormindo ou ir trabalhar, e coisas deste gênero. E têm razão. De tarde ou à
boca da noite preguei sobre Nosso Senhor Jesus Cristo. Concluí clamando
de joelhos: Jesus, posso morrer de repente, antes que eu morra, misericórdia.
Não só eu como o Pe. Figueiredo temos sofrido de certa disenteria, e eu também do estômago. Julgo que em boa parte por causa da água. Aqui se bebe
do rio Itapemirim, que deve ser guardada dias e dias para ser boa ou menos
ruim; e se é apanhada estando o rio cheio, já não é tão boa.
Sábado, 20 de Fevereiro: Disse Missa na Matriz, dei comunhão a umas 60
pessoas, e as Bênçãos Nupciais a 3 casais. Ralhei no dar a comunhão, e vendo
certa mulher mui frescamente meter os dedos na boca e ir pegando na partícula, não sei se por pensar que caía! Pobre gente. Depois da Missa levaram-me café a um recanto da Sacristia e depois de preparado tudo para a crisma,
fiz do faldistório uma larga e forte prática sobre a [p. 27] crisma, para impedir sacrilégios e evitar Padrinhos indignos. Deus sabe o que há não obstante.
Soube que alguns Maçons (poucos) desta Vila, alguns aliás sisudos, tinham
resolvido abster-se de ser Padrinhos, devido isto em parte a Monsenhor
Amorim e em parte talvez à notícia que têm do que houve na Visita da Vitória em 1880. Parece-me que um certo sujeito daqui propositalmente se retirou para Vitória para não estar aqui na Vila comigo. Deus o abençoe! Crismei
em seguida 68 pessoas. Já vejo-me a braços com os tais casamentos; que
martírio! De tarde não preguei. Houve muita gente de fora e começou a
animar-se mais esta Vila. Passei o dia quase sem beber água desta terra e senti melhoras. Recebi telegrama da Corte em que o Cônego Gouveia dizia que
brevemente viria no primeiro vapor. Vejo pois que ele cumpre o que disse
quando eu no cais do Arsenal da Marinha ao embarcar-me disse-lhe: Por que
não vai? Se quer, vá. Ao que ele respondeu dizendo sim. Neste dia todos os
Padres confessaram. Recebi o do[p. 28]mingueiro Constitucional, órgão do
partido conservador, no qual se dava notícia de minha chegada. Havia um
artigo sobre o Púlpito em que se encarecia a obrigação de pregar, dava-me
elogios. Dizia ele que alguns tendo mal ouvido e interpretado minhas palavras apregoavam pelas ruas um impossível; entretanto (conclui) o eminente
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
Prelado tinha estado na altura de seu dever, suas palavras foram mal interpretadas. Dizer que o Altar de Cristo não é balcão onde se mercadeja a carne de
porco, é uma verdade... Ora esta! Nem falei em balcão, nem de carne de
porco! Em outro artigo sobre Cristianismo dá louvores a mim e muito espera da visita e conta que depois da Missa Pontifical de 17 disse que estranhara
ter um indivíduo perguntado o preço do casamento; e que amancebados não
podem servir de padrinhos ou para crismar como diz o tal Periódico. Ora
Missa Pontifical? Onde, só se é por ser eu Sacerdos et Pontifex, ou por celebrar
acolitado por 2 PP. Alves e Figueiredo! Nem estranhei perguntar de preço,
mas sim avisei que ninguém [p. 29] me falasse em dinheiro ou em ser pobre,
pois eu a todos faria o que pudesse. Mas continua o Constitucional: No entretanto como é que muitos Padres... são... os primeiros a viverem amancebados
e apesar de tudo batizam, confessam, dizem Missa, etc... Portanto S. Ex., diz
o Periódico, pode ficar sabendo que se o povo pergunta pelo preço do casamento é porque muitos Padres... impõem o preço dizendo: custa 22$000 se
quiser casar e 5$000 se quiser batizar, sendo este o preço na Igreja, a dinheiro
à vista. Espera enfim o Constitucional que eu a exemplo de Jesus Cristo expulsarei os mercadores do templo. Valha-me Deus! Embora se possa atenuar o
acrimonioso e duro dos tais trechos, contudo até certo ponto há para que um
cristão envergonhar-se e um Bispo lamentar-se. Não sei quem escreveu, mas
restaria saber se esse secular é de mãos limpas e coração puro, e solteiro casto ou casado fiel... Não são só os Padres os que têm a lei de Deus sobre si:
mas enfim nós Padres devemos ser o sal da terra e a luz do mundo. [p. 30]
Mas ai! aqui em Itapemirim a alusão era dolorosíssima. A 13 de Novembro
1885 nesta mesma casa em que estou faleceu o Pe. Manoel Pires Martins,
Vigário da Vara desta Comarca Eclesiástica e da Freguesia desta Vila. A casa
não era dele mas alugada. Este Padre tinha [espaço] anos e foi dos últimos
ordenados de meu Antecessor; era bem entendido em complicações de parentesco, o que não é senão de poucos; e em riscar mapas e escrevê-los era
um prazer. Não há muito levou à Corte e me ofereceu um livro grande em
fólio todo escrito de seu próprio punho, e trata de tudo que é relativo a todos
os lugares pertencentes à Comarca Eclesiástica de Itapemirim, isto é, à parte
mais importante da Província, a mais populosa e quase metade de seu território. Este mesmo Padre depois da morte do Pe. Wanzeler, Vigário da Vitória, lá esteve mandado por mim como Vigário da Freguesia e da Vara e como
Arcipreste da Província, do que tudo ele pediu exoneração. Se então ele tivesse tido tempo e vontade de [p. 31] escrever sobre a Comarca da Vitória
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
como o fez acerca desta Itapemirinense, teria dito quase tudo que poderia ser
dito sobre o Espírito Santo e seus escritos dariam a mais completa história de
toda esta antiga Capitania hoje Província do Espírito Santo. No escrito a que
me refiro o Padre trata da população, e escolas com mapas em que se declaram os sexos, condições, idades, se analfabetos; dá notícias históricas de cada
Freguesia etc. etc. etc. E por cima como curiosi[da]de tem a lista dos Papas
desde o princípio penso que desta Província, e dos Bispos deste Bispado, e
teve a paciência de transcrever todas as minhas Pastorais, que não são poucas
e algumas muito extensas e copiou em papel transparente mapas geográficos
dos territórios desta comarca eclesiástica. Tudo estava escrito em papel encorpado, e com muita nitidez, e o livro estava encadernado em couro verde
com seu oferecimento em letras de ouro. Não há muito o [p. 32] Padre indo
à Corte fez-me dar o livro para fazer correções e aditamentos, ao que cedi
com bem pouca vontade, como adivinhando. Morre o Padre e o livro parou
na mão de um parente que reconhece ser meu o livro e está disposto a mo
entregar em mão própria, mas não o tem feito até hoje, apesar de avisos e
pedidos. O moço mora em Piúma ou por essa banda, e não tem tido ocasião
de estar comigo, e está à minha espera em Benevente, o que não sei se poderá ser desta vez. Eu no Palácio da Conceição tenho um belíssimo trabalho do
Pe. Martins, todo ornado de flores, castiçais, alâmpadas, festões, e muitos
enfeites, e tudo de conchas e conchinhas de diferentes cores e tamanhos, e
tudo feito com muito esmero e beleza. É um Oratório de perto de 2 palmos
de altura com alguns degraus e seu [sem?] dossel, e no espaldar em cima o
retrato do Venerável Servo de Deus Pe. José de Anchieta. É trabalho belíssimo e que prova o gênio e gosto artístico do Padre: estimo em muito este
mimo que o Padre enviou-me. Também o Padre [p. 33] entendia de música
e sabia o Francês etc. Infelizmente o pobre Padre viveu em pública mancebia
incestuosa com uma sua parenta viúva e teve uma porção de filhos, que eu
tenho visto quase a todo momento, porque a pobre mulher e filhos moram
em casa alugada ou emprestada aqui defronte da em que estou, separada só
pela rua. A princípio eu nada sabia, e até pensava o contrário, mais tarde ouvi
algum rumor. Perguntei aos Missionários que aqui estiveram, mas disseram
que nada tinham visto nem ouvido a respeito; e o mesmo Monsenhor Amorim muito seu conhecido apesar de interrogado por mim nunca soube dizer
que o Padre era amancebado. Hoje sei que o Padre sabia disfarçar mandando
a família para outra casa, quando aqui havia pessoas de fora ou tinha hóspedes. Entretanto publicíssimo era o caso, e uma boa porção de filhos o prova217
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
va. A pobre mulher era viúva, e tem filhos do matrimônio, e assim de algum
modo se poderia colorir o escândalo. Em bastantes vezes escrevi ao Pe. Martins, ora [p. 34] perguntando-lhe pelos Padres que houvesse amancebados
em sua Vara, ora lamentando que os houvesse, ora dizendo que eu não me
resolvia a vir aqui em Visita por causa da mancebia dos Padres etc. Ele nunca
me respondia cabalmente, posto que me falasse de defeitos de outros, que já
não estão cá ou morreram. Como ele me parecia ser mais fácil ganhar pela
paciência e bons modos, sempre lhe fiz o bem que pude, dando sempre avisos; até que em 1885 foi ele outra vez à Corte e me pediu renovação de Provisões e mostrou desejos de ir para o Alegre onde já esteve ou para o Calçado, Freguesia civil não ainda confirmada pelo Bispo. Chamei-o à parte para
uma sala mais interior do Palácio e sem mais rodeios e ex abrupto pus-me de
joelhos a seus pés, disse que desde tempo sabia de seus escândalos, que havia
sido generoso por demais, que bastava, que se emendasse, e sem promessa de
fazê-lo eu não me levantaria. Ele sempre ficou aturdido, mas não fez muitas
demonstrações de estar comovido, devido em parte a seu caráter [p. 35] que
sempre me pareceu seco como se diz. Não obstante disse-me que já estava
tratando de acomodar a dona, que havia tomado suas resoluções a respeito e
prometeu-me emendar-se. Exigi dele que se fosse confessar, o que ele fez no
Seminário de S. José. Aqui em Itapemirim soube que o Padre voltando fez
alguma espécie no ficar separado da amásia, e esta mesma interrogada por
mim disse-me que o Padre tinha dado ordem de retirar-se. Pobre Padre, depois de algum tempo de ter voltado para Itapemirim apanhou uma febrezinha de que nunca mais sarou e a 13 de Novembro 1885 faleceu. Pediu Padre
para o confessar, e mandaram chamar o do Cachoeiro, mas este não foi por ter
casamentos que fazer nesse dia: altos juízos de Deus! Houve quem lembrasse
ao Vigário Martins para pedir perdão a Deus, ao que ele anuía com acenos, e
segundo me foi contado, ele abraçado com o Crucifixo dizia: Perdão, meu
Deus, perdão, e ficou sem fala e morreu com 48 anos incompletos pois nasceu
em Março de 1838. Está sepultado no meio da Capela-mor de sua Matriz. [p.
36] Vimos o pobre Pe. Vigário pedir um Padre e não tê-lo; e agora estando aqui
Bispo e tantos Padres, certo Português morreu sem Sacramentos, por não querê-los. Julgo que não foi espírito ímpio, porque lá foi o bom Monsenhor Amorim visitá-lo e falar-lhe em confissão, mas ele se esquivava e até dizia ao Monsenhor: Isto parece sermão de encomenda, mas dizendo-lhe Amorim que ele
podia morrer de repente quando não pensasse, ele tremeu todo e disse que
nesse caso fosse-o absolver. Coitado! Era um pobre em tudo.
218
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
Domingo, 21 de Fevereiro: Disse Missa, dei comunhão a umas 35 pessoas,
preguei 2 vezes, uma de manhã outra de tarde, crismei de manhã 200 pessoas. O Dr. Leopoldo que por vezes tem sido Deputado geral desta Província
e Fazendeiro visitou-me e almoçou comigo. Para aproveitar a presença do
povo deixei para este dia alguns atos próprios da Visitação Episcopal. Assim
de manhã reuniu-se a Irmandade do Rosário com suas opas, e tomei o pluvial
preto e [p. 37] processionalmente fomos para o Cemitério, que é pertinho da
Matriz. É um vastíssimo recinto todo murado de tijolos fora o lado da frente
que é cercado de grade de pau sobre pequeno muro. Não sei para que tanta
vastidão. Este Cemitério é Municipal, como outros o que é bem contra o
Direito, que o tem como coisa consagrada a Deus! Grande parte está coberta
de capim alto, e a que estava capinada devia isto a Monsenhor Amorim. É um
quadrilátero irregular, bem murado, mas sem nenhum gosto nem ordem nas
mesmas covas. No meio mais ou menos há uma Cruz porém sem proporção
com a área e até pequena. Cumpriu-se o disposto no Pontifical e cantado.
Antes de começar eu voltei as costas para a parte coberta de capim, disse
que não tinha intenção de vir ali sufragar oficialmente as almas de pagãos
que ali estivessem sepultados, ou daqueles a quem a Igreja nega seus sufrágios públicos. No fim protestei contra aquele capinzal dentro do recinto do
Cemitério, mas reconheci que estava bem murado. [p. 38] Pertinho está o
Cemitério do Rosário; é pequenino, todo cercado e estava limpo ou capinado; ali em voz baixa rezamos um responso extra-oficial ou extra rubricam. Já
que falo em Cemitérios direi que depois vi outro Cemitério não grande que
fica atrás da Sacristia, abandonado, sem muros, e coberto de arbustos. Como
em seguimento e pelo morro acima há outro vasto Cemitério abandonado,
coberto de arvoredo ou mato, e que foi o antigo Cemitério da povoação de
Itapemirim e ali estão os restos dos antigos potentados da Vila. Em outros
tempos ou lugares, o Bispo tomaria conta, daria melhor destino etc.; hoje
porém que pode fazer um Bispo a este e outros respeitos? Outrora houve
outra Igreja no lugar, que D. José Caetano em 1820 achou bem começada;
nada resta hoje.8 Segundo ouvi dizer aqui quando o dono do terreno ou
vizinho quis fazer certa obra, achou nas escavações muitos ossos, que foram
levados para o Cemitério novo. Quando de volta entramos na Matriz, lá já
estava [p. 39] o cadáver do homem ontem morto sem Sacramentos e pois
sucedeu como eu desejava, a saber que a Visita ao Cemitério precedesse ao
8
Coutinho, D. José Caetano da Silva, O Espírito Santo..., p. 152.
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enterro, para não pensar o povo que se fora ao Cemitério por causa do tal.
Houve muitas confissões de noite na Matriz o que se tem aqui tornado ordinário com licença minha.
Segunda-feira, 22 de Fevereiro: Disse Missa e dei comunhão a 40 pessoas.
O mesmo terão feito todos ou alguns dos outros Padres. É para notar que
muito cedo começam as confissões cuja maior parte cabe ao Pe. Rafael Tuvere Jesuíta, que gosta muito de confessar e está sempre pronto em relação
a qualquer. Nessa Missa dei as Bênçãos Nupciais a 2 casais, e já se sabe não
falta a prática. Depois de tomado meu café com um mingauzinho preguei e
em seguida crismei 147 pessoas, e com os Padres fomos para casa almoçar.
Neste dia o bom Monsenhor Amorim me disse que bastante trabalho lhe
dava certo menino, que por estu[p. 40]pidez não sei por que lembrou-se de
cuspir a partícula e esfregá-la com o pé, como se fosse cuspo. Ora esta! Toca
a lavar o chão, e ralhar com o pobre rapazinho! Houve bastante gente na
Vila, não só de povo, como de Ilmos. Srs. Jurados por causa do Júri. Muito
contentes se me apresentaram dois pretos velhos, que acabavam de receber
sua alforria por terem passado de 65 anos. Tardou-lhes a liberdade, mas antes tarde do que nunca no sentir deles. Recebi alguns pequenos presentes de
pobres; como galinhas, marreco, beiju, etc. De tarde preguei pela segunda vez
e como de costume acabou-se o sermão já de noite, e seguiram-se as confissões; foram muitas e os Padres tornaram para casa às 11 e meia da noite.
Terça-feira 23 de Fevereiro: Como de costume pelas 7 horas fui dizer Missa e
dei a comunhão a umas 40 pessoas; depois preguei e crismei 230 pessoas. Indo
eu para a Matriz celebrar encontrei um sujeito (penso que Português) que tendo na mão um [p. 41] pequeno livro mo ofereceu dizendo com voz muito melíflua se eu aceitava um exemplar do Novo Testamento. A resposta que dei foi
uma palmada por baixo da mão dele que atirou a Biblieta para longe. O tal não
se zangou, e se contentou em repetir: está bonito, bem está bonito... Eu contei
o caso no sermão e preveni o povo sobre a difusão da Bíblia pelos Protestantes.
Creio que pouco ou nada fará o Protestantismo por aqui e que inútil é difundir livros por povo que não sabe ler. Meu aviso foi salutar, porque um bom
homem mandou-me examinar se eram bons três livros, que enviou, a saber, o
Devoto Instruído (muito meu conhecido) por um frade do Varatojo,9 o Ripanso, e
uma Bíblia inteira do Pe. Figueiredo em um volume sem notas impressa em
9
Convento de Varatojo.
220
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Londres. Devolvi os 2 primeiros e condenei ao fogo a tal Bíblia, onde em
vão procurei os 2 livros dos Macabeus, que o mesmo Pe. Figueiredo traduziu
e provou serem canônicos. Eis aí a tal Religião dos Protestantes. Tudo para
eles é a Bíblia, mas da Bíblia só guardam o que querem a capricho. [p. 42]
Neste dia veio acabar de preparar seus papéis de casamento certo acaboclado
muito pernóstico. Mentiu-me e fez mentir, e por detrás de mim fazia acenos
a outros para não responderem-me a verdade em certos pontos. A noiva
também mentiu e rementiu e apertada por mim por que é que mentia, disse
na cara do noivo e de outros que a tinham ensaiado para tal mentir. Valha-me
Deus. E por um triz nulo ia ser o casamento. Sei que me vi atrapalhado por
todo o dia. Não se sabe como fazer com tal gente: se diz que tudo se fará,
que dispensar-se-á tudo que for possível, não obstante mentem. Outras vezes
querem tudo feito em uma hora... E se for preciso certidões... se houver de
provar-se óbito, zangam-se às vezes, dizem que vão continuar amancebados,
que já procuraram a Igreja. E nada dão nem querem de emolumentos... E
quando é preciso alvará de licença do Juiz de Órfãos, querem por força que
os Padres casem, e dizem que se eles não casam é porque não querem. Custa
a ter paciência... e a mim faltou-me por vezes a paciência em Itapemirim,
como por minha miséria tem faltado em outros lugares e outras vezes.
Quarta-feira, 24 de Fevereiro: Disse Missa, dei comunhão a umas 30 pessoas e preguei de tarde, mas não crismei neste dia em parte por causa de ser
tempo de Júri. Neste dia recebi telegrama do bom Pe. Casella Vigário da
Serra cumprimentando-me e dizendo-me que acaba de chegar de Linhares.
Chegou aqui o espanhol Pe. André Vigário de Benevente para visitar-me.
Chegou da Fazenda dos Alpes do Rio Castelo o Sr. Agostinho Ferreira dos
Santos pai do meu Pe. Alves, que veio visitar o filho e pedir-me para o levar
agora consigo para ver a mãe. Trouxe consigo um filho chamado Julião de
13 anos. Neste dia [p. 43] vários Portugueses da Barra do Itapemirim amancebados vieram tratar de seus casamentos, e deram-me que fazer porque era
necessário inquirir testemunhas de solteiro. O Simão da Barra veio de propósito agradecer-me muito a licença que dei para a continuação da Igreja começada na mesma Barra em honra de N. Sra. dos Navegantes, e eu soube que
por lá foi tanta a alegria, que logo saíram com banda de música e foguetes,
e roçaram o terreno e abriram uma subscrição para a obra. O mesmo Simão
prometeu um conto de réis, eu assinei 100$000 e apliquei para lá uma multa
de dispensa, multa exigida pelo Rescrito Apostólico que tenho. Neste dia veio ter
comigo a meu chamado a pobre coitada viúva e parente e incestuosa amásia
221
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
do Vigário Martins. É senhora já madura e mãe de muitos filhos, sendo três
do seu primeiro e único marido. Um destes filhos legítimos é um talentoso
e excelente moço que estuda no Seminário Episcopal da Corte. Muita gente
havia de fora na Vila. [p. 44] É bom notar que segundo aqui muitas vezes
ouvi dizer, em Itapemirim os partidos são extremos, e os homens se repelem
e pisam por partido. Eu já tinha ouvido dizer que os conservadores desta Vila
queriam que eu mudasse o Pe. André Bertolo de Benevente para Itapemirim,
e que os liberais queriam que o Vigário do Alegre viesse para cá. Neste dia ao
entrar da noite compareceu uma comissão do Delegado (coisa mui à toa e é
acusado de viver com uma escrava sua) e de outros senhores da terra, entre
os quais um da família do finado Barão de Itapemirim. Deram-me a ler um
abaixo assinado; li apenas algumas linhas e vi que pediam o dito André para
Vigário desta Vila, então lhes fui dizendo: Não, senhores, não posso, não hei
de despir um altar para vestir outro sem razão: esse Padre não virá para Vigário aqui como tampouco não virá o do Alegre para cá. Ficaram enleados e
se retiraram e depois mandaram buscar o papel da súplica, que devolvi-lhes.
Que prestígio terá um Padre quando um partido o tem como prova de sua
influência sobre o outro? Vigário de uma Freguesia não pode nem deve ser
criatura de [p. 45] um partido. Depois o mesmo Padre me disse que ele nada
tinha encomendado, e que lhe havia desagradado a lembrança da tal Comissão! Será assim? Não sei; certo é que na Corte recebi carta do mesmo Padre
pedindo Itapemirim. Talvez as uvas estivessem verdes...
Quinta-feira, 25 de Fevereiro: Disse Missa e dei comunhão a cerca de 70
pessoas e as Bênçãos Nupciais a 7 casais. Neste dia preguei e crismei duas
vezes, de uma a 428 pessoas e de outra a 242 por tudo 670. Fiz neste dia o
ato da Visita do Tabernáculo com todo seu cerimonial, e visitei Pia Batismal
e Altares. O Sacrário é pobre, a Pia é de mármore e boa e está em boa sala
ou capela embaixo da que será torre do lado do Evangelho. Os altares são
6 além do altar-mor. Tais Altares são pobres. Neste dia recebi telegrama do
Superior do Seminário de S. José dizendo que a febre amarela progredia e os
médicos tinham aconselhado fechar-[p. 46]se o Seminário até fins de Março.
Morreu na Vila outra pessoa sem sacramentos! ora esta! Pensavam que bastavam os Sacramentos que foram administrados pelo Pe. Pires (que morreu
em Novembro!). Pobre gente! Neste dia prorroguei a Provisão que tem o
dito Pe. André Bertolo y Miguez para Vigário encomendado de Benevente
e a Portaria que tem para Guarapari. Diz ele que queria ir à Corte procurar
novas Provisões e fazer Exercícios. Dispensei-o dos Exercícios, e prorro222
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guei até fins de Março com obrigação de mandar buscar novas Provisões.
Procedi assim em grande parte por causa da febre amarela na Corte. Neste
dia sucedeu-me uma boa com o Dr. Juiz Municipal Dr. Gregório, homem
honesto, sisudo amigo da Igreja, bom Cristão e que aqui se confessou na
Visita. É homem abstrato. Estava eu apoquentado com certos impertinentes
que queriam tudo já e a seu comando, e eis que vem um sujeito saudar-me,
contentando-se de apertar a mão. Quase sem pensar [p. 47] disse: Beija-se
a mão do Bispo, o que ele logo fez sem replicar. Imediatamente reconheci o
meu Dr. Municipal e fui às nuvens; e assim fui disfarçando o caso e tratando-o muito bem. Felizmente ele me perguntou se o Monsenhor Amorim não
me havia comunicado seu desejo; e eu disse sim, e até quero fazer mais, e o
que não se faz a todos mas que a V. S. farei por especial atenção. E tudo já
eu tinha assentado com o Monsenhor. Em vez de ser eu o Padrinho seria o
Batizante, e o Amorim seria o Padrinho.
Sexta-feira, 26 de Fevereiro: Não disse, mas ouvi Missa do Pe. Alves que
deu as Bênçãos Nupciais a um ou dois casais. De manhã, como aqui quase
sempre tem sido, crismei 116 pessoas, fazendo antes prática. Na Sacristia
certo sujeito veio falar-me para casar dois amancebados, disse que fossem
a casa aprontar os papéis; insistiu e eu tomando-o pelo braço disse: ora vá-se embora. Não fiz bem, mas que impertinente! Levantou a voz e disse:
pois ficam amancebados, e eu [p. 48] pus-me a dizer alto: vão a casa, a casa.
Resmungava o tal e eu disse: cale-se do contrário chamo a Polícia. Ora por
que não tive mais paciência? Além disto para que isto diante de gente. Mas
valha-me Deus! São impertinentes, querem tudo e logo logo sem trabalho,
sem dispêndio, sem demora, esteja eu cansado ou não... Se eu ou o Padre
diz venha logo, ou faça isto ou aquilo, zangam-se e dizem pois bem, fica
sem batismo, fica-se amancebado. E por que não se faz tudo logo? Nem
sempre se pode nem sempre se deve. Lá se foi o homem, e lá se iam viver
em concubinato o casal pelo qual o homem se interessava. Confesso que me
doeu o coração; e assim fiz que chamassem o homem e o casal, e dei graças
a Deus que vieram dispostos a voltarem no dia seguinte. O pobre Sacristão
nada ganhava apesar de tanto trabalho, e de batismos e de casamentos talvez
alguma vez recebesse de um ou outro, mas isto seria raridade. Eu com pena
dele dei-lhe 50$000, como também dei de novo [p. 49] alguma coisa ao pai,
que é o velho Teixeira de que falei no dia 17. Muitos pobres têm recebido
esmolas. Muito trabalho de preparar casamentos ouvindo as partes, tomando
juramentos de testemunhas, examinando os nubentes percorrendo os impe223
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dimentos a ver se estão incursos em algum; e depois toca a passar de próprio
punho as Provisões. É trabalho insano! A não me encarregar disto, quem o
fará? Não há Vigário, o Amorim atarefado com batizados sem conta e com
casamentos e urgente trabalho de arquivar tudo! O Padre Rafael confessa,
e os 2 meus ou não estão práticos nestes pontos ou estão ocupados. Antes
que me esqueça, direi o que tenho feito sobre pregões. Para de todo não se
perder a ideia de pregões, tenho mandado correr três no mesmo dia mas a
intervalos, ou em dois dias consecutivos perante concurso de povo que tem
havido quase o dia inteiro nesta Vila, havendo sempre ou quase sempre ou
para Missas, ou confissões, ou casamentos, ou cris[p. 50]mas, etc. É uma
espécie de dispensa de pregões, que não correm assim como a Igreja ordena.
Mas que fazer onde não há Vigário, onde há amancebados e gente de longe
e que se não casam-se logo vão-se viver em pecado. Eu porém nas práticas
faço ver que todas as facilidades são extraordinárias e por ser tempo de visita,
mas que ordinariamente tudo é de outro modo, e que os Vigários não devem
nem podem fazer tanto, pelo que não se queixem depois vendo que o Pároco
exige mais e procede com mais rigor. Na noite que se seguiu fez muito calor.
Sábado 27 de Fevereiro: Não disse Missa, mas de manhã crismei 103 pessoas fazendo antes uma longa prática. Neste dia paguei 44$ de cera que dei
de esmola à Matriz, e paguei 27$ de compra e selo, de um livro em branco
que dei à Matriz para se continuarem os assentamentos dos matrimônios
desta Freguesia. [p. 51] De madrugada o Pe. Alves saiu a embarcar-se para
seguir rio acima com o pai. Fiquei saudoso. Levou licença que a meu pedido Monsenhor D. Fr. Roque Cocchia Arcebispo de Otranto e Internúncio
Apostólico lhe concedeu para celebrar em casa do pai e casa de enfermos
podendo até dar comunhão a sãos e aqui o Viático. Mal o dia começava e
já à porta gente para tratar de casamentos! Valha-me Deus. Pude preparar o
casamento do casal de ontem, e tive que indagar e interrogar! Seja pelo amor
de Deus. Ficaram contentes e o homem que apareceu zangado ontem estava
macio, reconheceu que foi arrebatado, pediu-me que mandasse bons Padres
para aqui e me disse que ficava contente de me ter conhecido e com afeto
beijou-me o anel e se retirou. Coitado. Eu também disse ao homem que eu
não tinha feito bem impacientando-me. Valha-me Deus: faço tenção de ser
um Jó, mas ai! custa e tudo contribui para irritar nervos e fazer de vez em
quando zangar-me. Nunca porém zango-me enfurecido, não, por mercê de
Deus. [p. 52] Hoje apresentaram-me uma crioulinha talvez de 10 anos pagã,
sem saber doutrina nenhuma, para ser batizada e já e sem demora. Fiz ver a
224
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necessidade de alguma instrução, e pedi que a deixassem ao menos um dia
a aprender com um dos Padres. Era falar a surdos... A máxima é: quando
se pede, ou logo nunca. Quem pode aturar tal!... É de se responder muito maciamente e talvez sem nada lucrar-se. Em um dia destes certa mulher
apresentou um menino talvez de 10 ou 12 anos sem saber nada de doutrina.
A mulher dizia que ela tinha muita fé em Jesus Cristo que Jesus Cristo bem a
conhecia etc. Havia botado sal na boca da criança quando em perigo, havia-lhe lançado água na cabeça dizendo: Eu te batizo em nome do Padre e do
Filho e do Espírito Santo e que o havia feito três vezes porque lhe tinham
dito que os Padres batizavam três vezes, confundindo três vezes o batismo
com três vezes a água. Parecia ter valido o batismo pela água e forma, mas
era preciso examinar, tanto mais que esta [p. 53] gente erra, às vezes mente,
às vezes não passa do sal, e Monsenhor Amorim tem achado aqui boas histórias. Examinar o caso, ensinar alguma coisa para o batismo condicional, se
preciso, demandava tempo, e a mulher queria retirar-se! Disse para ficar um
dia, mas a mulher queria retirar-se contentando-se em dizer que tinha muita
fé em Deus. Aturai destas... Aqui apareceu um rapagão de seus 20 e tantos
anos, pagão, pagão... Foi preciso ensinar o preciso e quanto antes, do contrário adeus... Enfim sempre aprendeu alguma coisa e o Pe. Alves fez o Batismo
segundo o Ritual pro adultis, que é cerimônia longa. Nesta matéria há que
chorar nesta Freguesia vastíssima. À Matriz não querem trazer os meninos de
longe... e por graça de Deus agora trouxeram muitos, mas outros muitos cá
não vieram. Oh! meu Deus, que será deste pobre Bispado... E por cima não
há Padres nem muitas vocações... Operarii pauci, pauci, pauci. [p. 54] Tornou
a aparecer-me um pobre negro aleijado: a parte do ombro ao cotovelo tinha
profundas cicatrizes, e tudo mais faltava até a mão. Coitado! Ele disse que o
senhor não era mau, mas no castigar era bravo, que ele já havia apanhado e
sentido muito por ser adoentado, e já não era rapaz e tinha o braço como eu
via. Tinha fugido com medo de novo castigo. Sempre atirei o barro à parede
como dizem e ao Senhor mandei um cartão de visita pedindo ao Senhor que
perdoasse ao pobre escravo. Que terá valido meu pedido? Não sei. Ao menos
arremedei a S. Paulo escrevendo a Filemon em favor de Onésimo. Digo arremedei porque eu, preto e senhor pouco ou nada nos parecemos com os três
primeiros nem mesmo em posição social, a não ser a mitra do Bispo. Neste
dia o Dr. Juiz de Direito tornou a visitar-me e veio com a senhora que é filha
do Comendador Cherem da Vila de S. João do Príncipe, onde nos tínhamos
visto na minha Visita Episcopal [p. 55] a essa Vila. Durante minha estada
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
aqui no Itapemirim tem-se dado carta de liberdade a vários escravos e escravas de 65 anos. Um deles me veio visitar, era bem velho e já curvado de modo
que o corpo formava um ângulo quase reto, mas não obstante andava depressa. Dei-lhe uma esmola de 500 réis. Parece que o bom preto nunca recebeu
tamanha esmola. Quis vê-lo quando saiu e ouvi que ele folgava com a grande
esmola que lhe tinha dado e ajuntava: os Padres ganham muito dinheiro e
estão batizando e casando e ganhando. Lá se foi firmado em seu bastão.
Soube neste dia que certo sujeito tinha faltado o respeito ao bom e pacífico
Monsenhor Amorim, havia-lhe dito injúrias e o mesmo Monsenhor me disse
que teve medo que o homem lhe metesse o pau. E esta! Mas Monsenhor
portou-se com dignidade e fez-se obedecer no que era justo e todos haviam
feito. Penso que este mesmo sujeito havia-se já zangado porque Monsenhor
não havia querido aceitar os [p. 56] nomes de Amazonas e Estreia que ele
queria dar a duas crianças. Mas que faz o velhaco? Pede ou manda pedir licença para o Pe. Vigário de Benevente fazer uns batizados, no que Monsenhor
teve alívio, e lá passam as duas, o que Monsenhor só depois reparou.
Domingo, 28 de Fevereiro: Disse Missa na Matriz, e indo para lá encontrei
um anjinho em um caixãozinho carregado por meninos e acompanhados
de alguns outros. Feliz dele, estava batizado pelo mesmo Monsenhor Amorim. Ao saber quis vê-lo e toquei-lhe amorosamente na face, dando-lhe mil
parabéns por se achar no céu. Ele que ore por mim e por quem o batizou.
Neste dia apareceu como todos os Domingos o jornal da terra: o já falado
Constitucional. Abocanhou o Monsenhor, e concluiu dizendo: quousque tandem
Catilina abutere patientia nostra, e disse que Monsenhor rasgara uma nota de 2$
porque era pouca tal espórtula. Dizer isto de Monsenhor tão desprendido de
dinheiro, tão generoso e que tanto trabalhava em Itapemirim desde [p. 57]
o meado de Janeiro sem nenhuma retribuição! E esta! Desconfiaram alguns
que era negócio que se prendia aos nomes de Amazonas e Estreia. É verdade
que Monsenhor rasgou tal nota, mas foi para mostrar que ele não carecia do
dinheiro daqui e que por dinheiro não é que trabalhava. Eu em uma das passadas visitas fiz coisa semelhante, julgando fazer bem. Neste dia teve lugar o
batismo da filha do Dr. Juiz Municipal, ainda pequena e de colo, mas espertinha e de cabelos já crescidos. Como o Ritual permite no Batismo dado pelo
Bispo, Monsenhor Amorim fez os Exorcismos e as cerimônias que exigem
paramento roxo. O mais fiz eu paramentado e de mitra e assentado, servindo
Monsenhor Amorim de Padrinho da menina fêmea chamada Agrícola (nome
que é de homem). Antes do ato falei da desgraça de quem não é batizado, e
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
calquei a mão neste ponto, e depois mostrei a felicidade de quem pelo Batismo se faz filho de Deus. E porque havia alguma gente presente comecei a
agradecer muito a Monsenhor Amorim o [p. 58] muito que eu como Bispo
lhe devia pelo imenso trabalho aguentado em Itapemirim generosamente e
sem nenhuma retribuição. Fiz ver que Monsenhor era Dignidade da Catedral
e Capela Imperial, tinha sido Vice-Reitor do Pedro 2º. externato e que tinha
tido entre seus alunos os Príncipes Imperiais, que era Pró-Comissário da
Ordem 3ª. de S. Francisco de Paula na Corte, e Professor no Pedro 2º., etc.
etc., que deveria ser muito agradecido e louvado, e não tratado como fora etc.
Neste ponto Monsenhor chegou-se a mim e me disse que já lhe havia pedido
perdão. Então disse eu nada mais digo, visto que pela humildade tinha sido
reparada a injúria. Que tais os meus homens! Não se sabe como levá-los. A
mim mesmo não sei como trataram com tanto respeito, e que não se reproduzissem os maus modos de que já falei, e a razão é que por vezes tratei-os
com aspereza, e mostrei-lhes que são inferiores aos Vigários e Sacerdotes nas
coisas espirituais [p. 59] e que devem antes obedecer que impor. Às vezes eu
sentia pesar de ter sido áspero, mas às vezes é preciso o reges eos in virga ferrea.
Soube que na Barra uma pobre mulher ao morrer pedira de noite que fossem
chamar um Padre na Vila que dista por terra um quarto de hora ou 20 minutos. Julgaram que incomodariam ao Padre, que era muito tarde, que etc., e lá
se foi a boa mulher sem Padre. Monsenhor sentiu quando soube, repreendeu
aos tais e lhes disse: Eu iria a pé a correr a qualquer hora da noite!... Valha-me Deus agora e ao morrer! Apareceu um homem de Benevente pedindo
para eu mandar casar a filha com certo moço. Não estavam amancebados.
Mas por que não trata disso em sua Freguesia? No fim de contas era para não
pagar ao Vigário; e pelo que se viu já tinha gastado em vir casar-se cá mais
do que o faria em Benevente. Depois do Batismo crismei 116 pessoas, mas
não a criancinha acabada de batizar, por deixarem para o futuro este Sacramento. [p. 60] Apareceu maior número de homens e mulheres a pedirem e
receberem santinhos, verônicas, rosários. Recebi ainda outros presentes de
pão de ló, galinhas, etc. Um bom pardo metido a letrado me saudou em ar
de orador e disse-me que me dava os parabéns e os pêsames, etc. pela visita.
Assentei em passear pela Vila para fazer uma ideia da mesma. Fui pela rua de
cima que chamam Nova, que é muito comprida com uma ou outra casa de
sobrado, uma das quais é a estação telegráfica. As casas são separadas, uma
porção delas de palha outras com ares de abandonadas, e uma antiga onde
o Monsenhor Amorim quando pequeno e estudante vinha passar as férias
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só tem o muro da frente. O sacristão que me acompanhava ia fazendo notas
que aqui e acolá havia casas, que já não existem. Descemos uma rua travessa
para outra rua de baixo que vai junto ao rio como paralela à de cima. Nesta
há mais casas e mais sobrados, e vários edifícios públicos, e é a do comércio,
é [p. 61] porém mais larga de uma do que de outra extremidade. Chama-se
Rua Municipal. Notei a forma de bastantes casas; são como um puxado ou
grande telheiro sem cumeeira, mais alto na frente e sempre abaixando para
trás. A esta Vila já veio o Imperador, e se chamava da Imperatriz uma travessa
de poucas casas que vai do rio para dentro. Nenhuma rua é toda calçada, mas
há iluminação de noite a querosene. Neste passeio entrei a dizer adeus aos
presos da cadeia debaixo da casa da Câmara: havia 5 homens e 1 mulher em
prisão separada além de 1 velho preso mas no saguão fora e parece-me ter
a Vila por menagem. Disseram-me que este velho de cabeça branca morria
de amores pela tal mulher presa e queria por força casar-se com ela. Servia
isto de motejo e risadas. O Juiz de Direito mora ali perto sobre a Recebedoria Provincial, e foi aqui que me paramentei no dia da chegada. Cheguei ao
porto onde havia desembarcado, e ali está um estaleiro ao ar onde se consertam e até fazem barcas, e onde 1 ou 2 dos vaporezinhos do rio foram feitos.
No caminho vimos uma sala [p. 62] de bilhar toda iluminada, onde poucos
estavam a jogar. Pouca gente nas estradas, e a Vila é de pouca população.
No princípio do passeio passei por certa porta onde estavam vários sujeitos
assentados a tomar a fresca e que nem sequer me saudaram. Que fiz eu? Dei
dois passos atrás, tirei o chapéu e disse-lhes: meus senhores muito boas tardes, e ergueram-se todos a um tempo e me cumprimentaram. Dei-lhes esta
lição posto que eles não tivessem culpa e só procedessem como roceiros. No
fim da rua de baixo tomei por uma travessa a da Conceição e cheguei à casa
onde residia, formando o perímetro do passeio um comprido quadrilátero.
Segunda-feira 1º de Março 1886: Disse Missa mais cedo. Em vão esperei
por um a quem eu ontem havia dito que hoje crismaria seu filho ou afilhado.
Decerto é dos tais que ou logo que pedem ou nunca. Voltei mais cedo, porque ti[p. 63]nha muito que fazer; e vai senão quando aparecem de botas e
espora dois sujeitos da Freguesia de Itabapoana com papéis de casamentos,
que traziam respostas a despachos dados 2 e 3 vezes na Corte pedindo novas
informações. Valha-me Deus! Perde-se a paciência. Não podendo fiar-me às
cegas nas novas informações dadas pelo próprio Vigário, que é novo e não
muito prático, julguei-me obrigado a fazer novas perguntas e nova árvore e
que sucedeu? Descobri logo mais outro novo impedimento. Quanta paciên228
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
cia é mister! E passei a Provisão para tantos impedimentos juntos, e foi extensa; e depois de tudo escrito descobri uma omissão importante. Quase
chorei vendo que me era preciso escrever outra, o que fiz. E lá se foram os
homens. Tinham dito que os ornamentos desta Matriz estavam todos rasgados e estragados; vi-os hoje mais devagar e achei que não informaram bem.
Há tudo que é preciso e em bom uso, e basta ter roupa branca. Já antes havia
eu feito benzer paramentos, mas então fiz benzer Custódia e âmbula e relicários para o Viático e mais [p. 64] um ou outro objeto. Mais tarde em casa
sagrei por seguro dois cálices e patenas. Esta Matriz tem uma pia nova de
mármore, e lâmpada para o SS. e lanternas (não de prata). A Sacristia é larga
e comprida e tem um comprido e bom arcaz para os paramentos e por cima
da Sacristia há o salão do consistório que nada tem de notar, nem mobília. O
coro da música é espaçoso, por baixo há grandes caixilhos em toda a largura
da Igreja, os quais ficam por cima dos três tapa-ventos cada um defronte de
uma das três portas da frente das quais a maior é a do meio. À entrada da Pia
Batismal há grade de ferro. Subi à torre onde há três sinos. A Igreja não é
pequena, e é toda de pedra até a mesma parte da torre que está feita. A frente é de simplicíssima arquitetura, mas não desagrada, e o mesmo se pode dizer do interior. No retábulo e camarim de trono é que há alguma coluna e
algum friso dourado, mas tudo simples. Na capela-mor há janelas [p. 65]
para a Igreja. A Matriz não está mal tratada. Por cima da porta principal há
uma pequena lápide com a seguinte inscrição que não prima pela elegância
nem pela ortografia: D.O.M. / Delubrum / Beneficencia populi hujus / Constructum
/ P. Paulus Capuccinus /Hunc lapidem posuit. E abaixo se lê em outra pedra ou
madeira: Ano de 1853. Este Pe. Paulo de Casas Novas Capuchinho é aqui falado e com respeito e louvor. Fazer a Matriz que não é pequena e toda de
pedra e à custa de esmola e neste lugar e em 1853 é decerto um padrão de
louvor ao Pe. Paulo e prova de seu prestígio e de seu zelo e dedicação. Neste
dia percorri todos os livros da Matriz. A maior parte é escrito pelo finado Pe.
Pires Martins; tudo limpo, nítido, noticioso, otimamente escrito, que faz gosto ver e ler. O que não é dele em parte está bem [p. 66] mas não tão bem, ou
está errado, e defeituoso ou mal e muito mal. No que deixei escrito em cada
livro dou a cada um o que é seu, e folguei de poder dar os mais singulares
elogios ao finado Pe. Pires Martins. Não sei como o Pe. Martins não tinha um
livro chamado de tombo! Talvez ele o tivesse planejado e o estivesse preparando, porque nestas matérias ele era muito curioso e capaz de muito. Um
dos livros antigos era do rol das desobrigas: até o próprio Vigário estava
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notando que se havia desobrigado. Como este livro era de Benevente mandei
que para Benevente tornasse, mas antes lancei-lhe a seguinte nota: Visto em
Visita. Oh! tempora oh! mores. Achei um livro das Colônias do Rio Novo que era
ao mesmo tempo para batismos, casamentos e óbitos para o que havia três
divisões. Nele vi e fiquei sabendo que nas Colônias do Rio Novo estiveram
de Capelães e fazendo atos Paroquiais vários Padres, que [p. 67] nunca pensei tivessem estado por cá, como Padre Bilbao (Espanhol), Pe. Batalha etc.
Na nota que serviu como de Capítulo da Visita além de notar os defeitos e
lacunas dos assentamentos fiz ver que restava saber com licença e autoridade
de quem exerciam atos Paroquiais, visto que só diziam o fato de terem batizado e casado sem citarem delegação de ninguém. Fui ver que talvez muitos
casamentos tivessem sido nulos. E como entre tais Padres vi o nome de certo Pe. Dalla Rosa lembrei que este Padre exercia atos paroquiais sem autorização, que por isto eu estando em Visita na Vitória em 1880 o havia suspendido e mandado intimar a suspensão,10 e até havia feito que o Ministro
Buarque de Macedo o demitisse da escola, que dizia ele ser subsidiada pelo
Governo Geral. Venci o grande trabalho de percorrer os livros da Paróquia e
se a maior parte dos assentos não fossem do Pe. Pires teria eu mais que fazer.
Entre os que foram Vigários aqui achei o [p. 68] Pe. Manoel José Coimbra,
atual Vigário de Paty de Alferes na Província do Rio de Janeiro. A Matriz tem
uma só torre do lado da Epístola e não está concluída, mas é de pedra. Fui
subir a ela para ver os sinos e também dali ver a Vila e seus arredores. Gostei
deveras. Dali se vê toda a Vila que não é grande e as extensas planícies que se
estendem longe lateque, todas verdejantes e cortadas em diversos sentidos por
muitos renques ou linhas de alto e crescido maricá que estava todo florido de
flores brancas e que por isso davam certo realce a todo o longo horizonte
pelo qual serpeava o tortuoso e barrento Itapemirim. Todo aquele campo
fica alagado quando o Itapemirim toma água e se entumesce e alarga-se
imensamente além de seu leito. Então não se pode transitar e navega-se em
canoas por onde antes se caminhava a cavalo. No fim do horizonte estendiam[-se] os montes e serras com seus picos agulhas e cumes denominados Itabira,
[p. 69] Frade, Freira etc. etc. Visitei Dr. Juiz de Direito, Dr. Juiz Municipal e
o Sr. Capitão [espaço] Costa, sentindo não poder fazê-lo pessoalmente a todos os Senhores que contribuindo com 200$ ou 100$ ou de outros modos
haviam formado a comissão encarregada de hospedar-me. O Sr. Capitão
10
Ver p. 153-4.
230
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Costa como Mordomo estava quase sempre a ver-nos em casa, para que nada
faltasse, e sua boa e velha sogra D. Rosa se tinha encarregado de tomar conta
da casa e da cozinha, e nos tratou com muita dedicação e boa vontade. A filha
desta Senhora D. Rosa é casada com o Capitão Costa e é a que me havia visitado dizendo que me conhecera, quando aluna das Irmãs de Caridade na
Corte. A casa do Capitão Costa é alugada, está perto do rio e é das melhores
senão a melhor da Vila. Aí visitei sua mulher e também a mãe do mesmo
Capital [sic] natural da Ilha de Faial, onde eu estive em 1848 quando pela primeira vez fui a França e Roma. Como da primeira vez nada tinha à mão para
[p. 70] dar aos presos, lá fui vê-los outra vez e a cada um dei 1$000, e a bênção e ficaram bem contentes. De tarde chegaram Cônego Gouveia, esperado,
e os Minoristas Tomás e Bernardino inesperados, mas que tinham vindo por
causa da febre amarela na Corte e ordem do Superior. O Tomás é filho legítimo do primeiro e único matrimônio da pobre amasiada com o finado Vigário. Que pena! É um excelente mocinho e de talento: o Bernardino é filho do
ótimo cristão Capitão Costa, um dos mais ricos Fazendeiros de S. Pedro do
Cachoeiro. O Monsenhor Amorim tinha ido à Barra buscar o Cônego Gouveia. Com este me veio um grande rolo de cartas e jornais. De noite veio
certo velho da Vila pedir-me uma particular conversa, e levado a meu quarto
disse que o Pe. Manoel José Coimbra tinha sido Vigário aí e que seria bem
que eu o passasse de novo para cá. Respondi que não podia ser e que ele era
ocupado em [p. 71] outra Freguesia, e que enfim eu não gostava que ninguém se metesse a pedir-me Vigário. E o homem se foi descontente mas
calado. Antes eu tivesse sido mais diplomático escusando-me com melífluas
palavras; mas custa-me isto e por isso se lá vai um não que parece mais duro
nos lábios do que é no coração. Em casa tudo era movimento e aparente
confusão, porque tudo se preparava para seguir no dia seguinte cedinho no
vapor que nos devia levar ao Cachoeiro. E depois de tudo ir acabar a reza do
Breviário... Nestes casos não deixa de custar e bastante, mas é dever...
Itapemirim: Eu disse 11 Missas (minhas); 738 Comunhões (365 por mim);
10 sermões por mim além de práticas; 4 vezes Bênçãos Nupciais a 13 casais
por mim; 192 [Batismos]: 133 Batismos (1 por mim) depois que cheguei, 59
Batismos pelo Amorim antes que chegasse; 55 Casamentos (sendo 2 [em
entrelinha: 32???] antes de eu chegar); 1650 Crismados. [p. 72] Dos ditos
casamentos, foram tratados perante mim 23, sendo: 13 dispensados, 10 sem
dispensa (1 ficou para se celebrar depois); como também 16 amancebados,
7 não amancebados (1 para depois se celebrar); além de outros começados.
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Dos 55 casamentos realizados supra mais de metade foram de amancebados,
disse Monsenhor Amorim.
F reguesia de S. P edro da V ila de S. P edro do C achoeiro de
I tapemirim V igário C olado P e . M anoel L eite S ampaio e M elo
24ª F reguesia V isitada
Terça-feira 2 de Março de 1886: A noite de 1º. a 2 de Março passei-a em
parte a arrumar papéis [p. 73] e as minhas caixinhas particulares. Mui cedo
estávamos de pé, e a nossa bagagem que se compõe talvez de 18 a 20 volumes de caixas de ornamentos, de livros, e dos Padres, e de vinho para Missa,
de selim e botas e etc. estavam sendo metidas em carroça para o porto. O
mais preciso para a entrada iria conosco, o mais em canoa à parte para ser
menor o peso. A boa D. Rosa nos aprontava um bom mingau de leite e café
e pronto. Fomos à Matriz rezar o Responso pro Defunctis mandado para o fim
da Visita e depois o Itinerário, e seguimos para o porto. Em caminho fomos
encontrando pessoas gradas e pequenas que nos vinham saudar e nos seguiam ao porto. No porto pois estava o Dr. Juiz de Direito, e sua senhora, o
Capitão Costa, e senhora, vários negociantes, e o Tomás (Seminarista) e outros. Feitos os adeuses muitos, e depois de muito beija-mão, nos embarcamos: a nossa comitiva era a mesma da Corte, menos o Pe. Alves, porém com
mais Cônego Gouveia e o Seminarista Bernardino que ia para a casa de seu
pai. Foram também diferentes praças do Corpo Policial porque há pouco tinham fugido os presos da cadeia do Cachoeiro. Havia mais 2 passageiros, o
Dr. [p. 74] Gil Diniz Goulart que viera da Corte com o Cônego Gouveia e é
Presidente da Câmara do Cachoeiro e outro moço Advogado (Dr. Euclides
de Abreu) que viera com o mesmo Diniz da Corte. O Dr. Gil é parente do
Dr. Lopo Diniz da Corte (bom cristão prático e tem servido de meu Advogado). Nosso vaporzinho – chamado Martim Francisco segundo disseram – lá
começou a sulcar as águas do Itapemirim. Enquanto fez fresco estávamos
embaixo da tolda, mas depois o calor era muito e eu como alguns outros
passei para cima da tolda, para onde levaram a cadeira que felizmente tinham
trazido para mim. O dia estava claro e o céu limpo e azulado e o sol brilhante, por tanto calor, sempre crescente. O rio é largo, agora estava baixo e por
isso não vinha o vapor maior, e na parte que hoje navegamos quase sempre
corre por terreno plano e de margens pouco elevadas, e por isso a vista quase sempre se pôde estender. Veem-se bastantes Fazendas em uma e outra
margem, porém foi pena ver que em parte estão abandonadas, as casas umas
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destelhadas, outras a caírem. Uma das principais ou a principal causa de tanto mal foi a política extremada de seus proprietários; assim ouvi dizer repetidas vezes. Não obstante [p. 75] há Fazendas florescentes e garbosas, e que
em qualquer parte fariam boa figura. A primeira destas que passamos não
muito depois da partida é a chamada da Lancha com seu engenho a vapor e
do Sr. Azambuja um dos mais ricos Fazendeiros de Itapemirim. Mais para
cima desta está a Fazenda do Muqui com sua Capelinha ao lado; foi pertencente ao Barão de Itapemirim, e hoje está muito decadente na mesma parte
material. Fica em um alto e se avista de muitos pontos ao longe. O ponto de
vista tomado acima das Fazendas da Lancha e Cutia me pareceu esplêndido,
encantador e belíssimo. Sobre um pequeno monte vê-se a casa que é grande
e comprida e de muitas janelas, com dois lances que figuram dois torreões
nas duas extremidades, e fazem lembrar o Palácio de S. Cristóvão. Quando o
Imperador aqui veio não foi a esta Fazenda, unicamente por não se mostrar
mais inclinado ao Barão do que a outro figurão da Política, apesar do Barão
ser da Casa Imperial e ter certa intimidade com Sua Majestade Imperial, assim ouvi. A beleza porém da paisagem de que trato provém da situação e das
combinações óticas. O palacete [p. 76] parece ainda perfeito, aparece no alto
de um outeiro, que domina um vasto horizonte, e no fim deste se avista,
como em semicírculo, de um lado os montes ou serras que correm para o
lado do Rio Novo, e de outro as serras em que aparecem o pico de Itabira, os
morros ou cumes chamados Frade e Freira. Para mim a paisagem pareceu-me encantadora. Ao passar perto vê-se que o edifício já começa a arruinar-se
e está quase abandonado, e ali no sopé do monte ou outeiro deságua o rio
Muqui que é pequeno, e cujas águas têm passado por brejos, o que no dizer
da gente daqui faz que as águas do Itapemirim daí para baixo sejam piores
que as mais dali para cima. As margens do leito do rio em geral são baixas, a
parte mais elevada que eu vi foi uma como barreira vermelha cortada quase
a prumo sobre o rio em pequena extensão, a que denominam Limão, segundo responderam à minha pergunta. Pouco depois lá pelas 10 horas nosso
vaporzinho atracava no porto da florescente Fazenda chamada Paineiras,
pertencente ao Português Manoel Ma[p. 77]chado, onde se havia preparado
o almoço, que foi profuso. Com muito agrado e bom agasalho fomos recebidos. Dali nosso vapor seguiu rio acima e eu e os Padres e Bernardino e os
dois doutores e mais um ou outro ficamos para seguir por terra a cavalo,
como se havia premeditado e resolvido antes. Não se contava com tantos
cavaleiros, mas apareceram animais selados para todos. Mais ou menos pelo
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meio-dia partimos e fomos quase sempre margeando o lado direito do Itapemirim, pouco subindo e caminhando por planos e planícies, ora abertos ora
cobertos de capoeiras. O calor era intenso; felizmente me coube um bom
cavalo que caminhava ligeiro e era de andadura macia. Atravessada uma grande planície apeamo-nos pelas 3 horas mais ou menos na Fazenda chamada
do Ouvidor do Sul do Sr. Major Joaquim Gomes Pinheiro da Silva, Fazendeiro opulento. Ele foi um dos que formaram a Comissão encarregada em Itapemirim de me agasalhar e [p. 78] prover. A casa da moradia pode-se dizer
um Palacete, de asseio e bom gosto com vasta sala de jantar, quartos e sala de
espera e visita. Tudo indica que é homem de fortuna e bom gosto e o que
mais é de bom trato e hospitaleiro. Pela escadaria da frente havia folhas esparzidas no chão. Esta Fazenda é de café e de cana de que vi o extenso canavial e aqui se criam carneiros. Aqui nos serviram de refrescos e depois de
haver eu descansado foi-me oferecido uma canja ou merenda ou um copo
d’água ou lunch. Entramos para uma bela e grande sala de jantar onde nos foi
oferecido um lauto e profuso almoço com vinhos finos, fiambres e vários
pratos, muitos e delicados doces etc. etc. Tinha-se antes resolvido findar aqui
a marcha a cavalo, mas julgaram depois melhor continuar a cavalo e assim
poder o vapor seguir com menor peso. Seguimos a nossa marcha e por não
haver tempo a perder passamos pela Fazenda da Safra do Dr. Leopol[p. 79]
do sem parar. Na Fazenda União apeamo-nos e passamos para o vapor, que
já nos esperava. Neste dia notei que poucos e raros foram os insignificantes
e encharcados afluentes do rio que vimos. Não mui longe do Cachoeiro passamos por um enorme rochedo atirado no rio à sua margem direita e chamado Pedra do Colégio, sem haver quem explicasse a origem da denominação:
quem sabe se seria marco de algum terreno outrora pertencente aos Jesuítas,
que nesta Província tanto possuíram? Enfim chegamos à Vila de S. Pedro dos
Cachoeiros de Itapemirim; foi pena ser ao entrar da noite, mas ainda se divisavam bem os objetos. O vapor não atracou no seu porto do costume, que é
na margem direita, mas sim na esquerda, onde está a casa que nos prepararam e a Capela que serve de Matriz. O vaporzinho no tomar para a esquerda
pegou na areia, o que demorou um pouco o nosso desembarque. Apenas o
vapor chegou à vista da Vila, [p. 80] subiram foguetes ao ar, estouraram
bombas, e a banda de música da Vila tocou e repetiu por vezes o Hino Nacional. No porto do desembarque se achavam 4 Sacerdotes, o que é maravilha nestas alturas no tempo atual. Eram eles o Vigário desta Vila do Cachoeiro Pe. Manoel Leite Sampaio e Melo, natural de Sergipe, o Português
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Vigário da Freguesia da Penha do Alegre desta Província, o Brasileiro Pe.
Horácio Teixeira Vieira, ordenado há pouco por mim, nascido nesta Vila do
Cachoeiro e que tem servido e vai servir de Vigário de S. Pedro de Itabapoana (nesta Província) com jurisdição sobre a do Sr. Bom Jesus de Itabapoana
(Província do Rio de Janeiro). Estava mais o Português Pe. José Maria Dias,
que já serviu de Vigário de S. Pedro Alcântara do Rio Pardo nesta Província,
e que hoje se acha avulso, como mais deseja. Quatro Sacerdotes no porto do
Cachoeiro é fenômeno que não se pode ver em Cidades! Tal é a miséria dos
tempos. E [p. 81] ajuntem-se os meus presentes, que eram Amorim, Gouveia, Figueiredo, Rafael (Tuvere). O meu Pe. Alves estava ausente na fazenda
dos pais. No porto estavam todas as autoridades da Vila e talvez a maior
parte da população. Deram vivas. Ao desembarcar os RR. Padres e todos
aqueles senhores e senhoras beijaram-me o anel, as meninas da escola vestidas de branco me atiraram flores, e fomos para casa donde devia sair a Procissão da entrada, que não era pertinho. A casa pertence ao bom Cristão o Sr.
Capitão Francisco de Souza Monteiro, pai do Minorista Bernardino, e uma
das melhores fortunas deste Município. Cheguei cansado e muito do sol, e da
viagem. Tomei os paramentos, mitra e báculo, e os RR. Sacerdotes suas sobrepelizes. Ao começar a sair o Sr. Dr. Promotor público dirigiu-me algumas
palavras de congratulação e enfaticamente falou de minhas virtudes, e sabedoria e o que lhe deu na cabeça. Agradeci, disse em resumo o muito que tenho feito a bem da Província (Missões, estudantes pobres, 2 Vigários de Linhares a expensas minhas, minha Visita por dez meses em 1880 etc). [p. 82]
Era noite quando se fez a Procissão, mas tinham arranjado velas que os senhores que iam adiante levavam; o que para muitos foi belo espetáculo, e para
mim parecia-me uma Procissão de levar defunto para a Igreja. O Cachoeirano
– Periódico Domingueiro desta Vila disse a 7 de Março: O numeroso acompanhamento e o grande número de luzes pelas pessoas que tomaram parte na
procissão, a música, o estalar dos fogos e o repicar do sino, ofereciam um
belo e imponente espetáculo, jamais presenciado pela nossa população, naturalmente impressionada e comovida diante do vulto venerando do seu pastor. Não havia Irmandade e felizmente não há aqui, mas havia quem levava a
Cruz e não se via opa. A distância até a Igreja do Senhor dos Passos não era
pequena, e aqui e acolá havia alguns bambus fincados à maneira de arco.
Neste ponto nenhum gosto aqui nem na Vila de Itapemirim. O pálio branco
que serviu era de Itapemirim e de lá tinha vindo emprestado. As seis varas
foram levadas 1 pelo Capitão Souza, 2 Tenente-Coronel Werneck, 3 Vice235
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
-Presidente da Câmara Antônio Machado, 4 Dr. Novais [p. 83] Melo 1º Juiz
de Paz (genro do Capitão Souza e Boticário), 5 Dr. Médico Eugênio Amorim
Deputado Provincial, irmão do Monsenhor Amorim, 6 Dr. Horta de Araújo,
advogado. Em certo ponto do caminho levantou-se uma multidão imensa de
pequenos mosquitos, que não mordiam, mas faziam o efeito de punhados de
areia miúda que fosse atirada à cara. Isso só sucedeu assim nesta passagem,
devido, dizem os da terra às muitas luzes das velinhas (não eram tochas) da
procissão. Fizeram-se as cerimônias do Pontifical. Quando eu do altar quis
passar ao Sólio, tive vontade de rir ao mesmo tempo que fiquei atônito em
ver como tal coisa podia ter passado pela cabeça do Vigário. Havia tapete
sem estrada [sic], uma pequena cadeira de braços coberta de sua colcha, até
aqui vá... um espaldar com seu dossel e tão baixo que o todo parecia uma
maquineta da exposição do SS. e o dossel dava-me pelo pescoço, ficando eu
de pé. Ora o meu Vigário! Mas deveras é um banana... Se eu tivesse dado
importância a certa carta dele [p. 84] ao Monsenhor Amorim, cá não tinha
vindo, porque fazia rir as trezentas mil dificuldades pequeninas que ele dizia
não saber como resolver, pelo que pedia luzes, explicações e mil coisas. É um
banana, de fala mole, e macia, e sem iniciativa. Portanto não pude abaixar-me, de modo que me assentasse em tal cadeira episcopal. (No dia seguinte o
Cônego Gouveia levantou o dossel alguns palmos e tudo serviu. Que grande
problema!) Não preguei porque eram 8 horas da noite e eu estava deveras
fatigado e incomodado. Ao descer os degraus do Presbitério, não sei como ia
caindo de bruços com a cara para diante, mas logo me seguraram, não obstante fui abaixo ficando de ambos joelhos em terra, devido isto a me terem
segurado. Voltamos para a casa da nossa residência, que é a mesma da qual
saiu a Procissão.
Quarta-feira, 3 de Março: Não disse Missa. Preguei de tarde com Bendito ao
SS. [p. 85] cantado antes e depois, como uso, quando não sabem cantar mais.
Comecei o sermão estranhando que viesse pouca gente. Merecem desculpa,
porque a Vila é dividida pelo rio Itapemirim e é preciso pagar a passagem,
e voltar de noite não é das coisas mais fáceis. Almoçou comigo o velho Tenente-Coronel José Pinheiro de Souza Werneck, que já foi desenganado por
vezes e até ungido sempre escapando, o que ele gosta de apregoar, e serve
bem para desenganar os que pensam que a Unção mata. Não tem nenhum
dentinho, e com graça disse ele que para não gastar com palitos tinha largado
todos os dentes, como mostrou abrindo bem a boca. Entre as testemunhas
que se apresentaram para provar o óbito de certa pessoa apresentou-se um
236
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
moço com 6 dedos em cada mão e em cada pé. Como o Pe. José Maria não
tinha falado comigo mandei chamá-lo e compareceu logo. Louvei-o muito
porque sei que se presta à confissão dos enfermos a qualquer hora e lugar
sem atender a incômodos; mas disse-lhe que não aprovava que sem licença
fosse fácil eu batizar por [p. 86] casas e nelas celebrar; e ele prometeu-me
que não o faria mais. Autorizei-o para ir fazer o casamento de certo casal da
Freguesia do Rio Pardo, cujo Vigário Italiano tem de sair já a chamado da
família para negócios domésticos. Passei o dia adoentado, e continuo a estranhar a água. Custou-me muito rezar o Breviário de noite depois do sermão.
Quinta-feira 4 de Março: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 3 pessoas. Ao entrar estranhei ver a Igreja vazia só com 5 ou 7 pessoas. Como para
dar um quinau e excitar o ciúme do público crismei a 1 das três comungantes,
dizendo que era em recompensa de ter comparecido e haver-se confessado, e
assim só a ela crismava e a mais ninguém que se apresentasse. As outras 2 não
tinham de crismar-se. Continuei abatido e adoentado, com dores no estômago e tonturas de cabeça. Tenho estranhado muito a água. Muito calor, como
já esperava, e não erraram os que [p. 87] haviam dito que neste lugar o calor
é muito. É verdade, mas é suportável, embora faça suar muito. Assim mesmo
fui pregar às 6 horas; a gente era pouca. Neste dia o Vigário do Alegre teve
comigo longa conferência. É Português de nascimento, tem desafetos, e tem
passado por bastantes dissabores. Poderia ser melhor e mais zeloso do que
é, mas não deixa de ter razão quando [não?] quer curvar-se à prepotência de
certos sujeitos. Eu já desde a Corte sei que há quem se queixa deste Padre;
mas outros Padres já de lá saíram desgostosos.
Sexta-feira 5 de Março: Disse Missa, dei comunhão a 6 pessoas, e de tarde
preguei. Quantos mosquitos hoje! e gostam de se meter pelos olhos da gente.
Hoje o Dr. Promotor público pediu-me uma conferência, toda ela contra o
Vigário do Alegre. Dizia-me o Dr. que ele recebia queixas de contínuo até do
próprio Presidente da Província, que ele era Promotor, mas que antes queria
deixar o cargo do que acusar o Padre, e que eu tomasse providências. Eu respondi que se todos quantos [p. 88] como esse Padre, e se todos que fossem
acusados e de quem houvesse queixas, se todos eles fossem apresentados
para eu puni-los e repreendê-los, neste caso começássemos um processo geral e vasto, do contrário era melhor dar tempo ao tempo. Mais me convenci
que nisto entra partido. Não obstante quando o Vigário despediu-se de mim
para tornar à sua Paróquia dei-lhe conselhos e avisos e certas regras etc. etc.
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
Hoje um Dr. irmão do Monsenhor e o Dr. Novais genro do Capitão Souza
mandaram-me certos remédios, dos quais porém não tomei todos.
Sábado 6 de Março: Disse Missa, dei comunhão a 17 pessoas, crismei a 1
menina de que Monsenhor Amorim foi Padrinho e preguei à tarde. De tarde
pelas 5 horas chegou o Minorista Tomás. Escrevi para a Corte. Um Dr. (Lula)
visitou-me e ofereceu-me hospitalidade na sua Fazenda do Bananal se eu fosse ao Alegre, por ficar a meio caminho. Agradeci e não me servirei por não
ir desta vez [p. 89] ao Alegre, como era para desejar. Desde que aqui estou
o Monsenhor Amorim tem trabalhado imensamente para escrever os assentamentos ao menos de casamentos celebrados por ele em Itapemirim. Não
é brincadeira lançar assentamento de 55 casamentos! O Pe. Horácio Teixeira
ajudou muito, escrevendo o que Monsenhor ia ditando.
Domingo 7 de Março: Disse Missa, dei comunhão a 3 pessoas, e em casa
a pedido de Monsenhor Amorim e para mostrar-me agradecido ao Sr. Machado das Paineiras, cuja filha devia ter por madrinha a senhora do Major
Pinheiro, e que devia tornar a casa, crismei mesmo em casa 3 pessoas. Pelas
10 horas saiu Monsenhor Amorim para embarcar-se no vaporzinho e seguir
para a Corte. Bastantes saudades me deixou e a todos. Ótimo e dedicado
Sacerdote e que sempre me foi dedicado. Desde manhã andaram alguns máscaras do Carnaval e o zabumba do Zé Pereira; e pensei que daí resultaria
algum encontro com os atos da Visita, mas não. [p. 90] Fiz com solenidade
o ato da Visita ao Cemitério, que foi processionalmente e na forma do Ritual.
Seis meninos tomaram as túnicas brancas que trago para tais ocasiões. Muita
gente acompanhou. Chegados à Igreja, preguei.
Segunda-feira 8 de Março: Disse Missa e dei comunhão a 11 pessoas. De
manhã com as cerimônias do Pontifical fiz a Visita do Tabernáculo, da Pia
Batismal (de pau), dos 3 Altares; e no fim o Cônego Gouveia leu em voz alta
e do púlpito minha Pastoral sobre Crisma. Depois de ver e beijar o Senhor
morto sob o altar-mor deixei que o Povo o viesse também beijar. Preguei.
Neste dia concedi licença para um Cemitério além dos muitos que já há nesta
vastíssima Paróquia.
Terça-feira 9 de Março: Disse Missa com comunhão a 6 pessoas, entre
as quais o Sr. Simão da Barra de Itapemirim. E por especial favor depois
da Missa crismei a [p. 91] 4 pessoas, entre as quais o mesmo Sr. Simão, do
qual foi Padrinho o bom Capitão Souza. Logo pela manhã os mosquitos estavam assanhados e eram muitos mesmo em casa. Neste dia benzi todos os
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
paramentos da Igreja e Custódia e sagrei um cálice e visitei a Sacristia. Às 3
horas choveu e roncou trovoada. Máscaras não muitas mais ou menos ridículas passaram pelas ruas inofensivamente. De tarde vieram vários homens
confessar-se em casa. Não preguei.
Quarta-feira de Cinza 10 de Março: Assentei em ir benzer a Cinza e dizer
Missa do outro lado do rio (margem direita). Em caminho para o porto ou
ponto de embarque encontramos a banda de música não sei por quem enviada e que começou a tocar. Eu e os Padres meus e os tais músicos e outros
embarcamos em uma canoa bem comprida e passamos para outra banda. A
música de vez em quando tocava. Há melhores casas dessa banda, e aí é o
maior negócio, e mora a mor parte dos de maior gradação da terra. Parece
que [p. 92] dessa banda o chão é mais barrento e menos areento do que o
da banda de nossa residência; certo é que por ter havido chovido havia muita
lama a pisar e a pisamos toda pela extensão que percorremos até chegar à
pequetita Capeleta de S. João Batista.11 Tomei pluvial roxo e mitra, benzi sine
cantu a cinza estando no sólio, e a tomei do Cônego Gouveia e a impus ao
Clero e depois ao povo, homens e mulheres, Doutores e graúdos e plebeus e
meninos até de colo. Depois fiz uma prática sobre o ato feito e a cerimônia
do dia, e fiz notar que o pulvis es et in pulverem reverteris foi dito por Deus a Adão
depois do pecado original, e que há 6 mil [anos] está-se cumprindo a cada
momento no mundo. Fiz reparar que essa cerimônia não era Crisma nem
sacramento nenhum, e o fiz de propósito com receio que algum simplório se
julgasse crismado por haver recebido cinza na cabeça. Seguiu-se a Missa que
celebrei e na qual dei comunhão a 11 pessoas. Fiz depois a visita da Igrejinha
que parece uma Capelinha das que costumam hoje fazer nos [p. 93] Cemitérios, sem Capela-mor, e formada de 4 paredes. Tem o altar-mor com seu
pequeno trono e ao lado da parte da Epístola no lado do fundo tem outro
de S. Benedito. Tem paramentos novos, sua toalha, e cálice, castiçais. Mandei
11 De caminho cheguei-me à entrada da futura ponte sobre o Itapemirim. É obra im-
portante e a 1ª da Província em seu gênero. Apenas tem os pilares grossos e mui altos
todos de pedra e os grossos muros das entradas. Falta a superestrutura que será de
ferro, e é esperada de sorte que daqui a 5 meses esta Vila terá uma obra monumental
e de imensa vantagem para as duas margens ao longo das quais se estende a Vila. A
ponte fica no centro da Vila, mas na extremidade de cima, talvez por ser o terreno
mais sólido e mais alto ou pelo que for. O empresário tinha vindo da Corte comigo
no Vapor Mayrink. Dizem aqui que ele perderá porque pensou que a obra não lhe
sairia tão cara. [Nota do bispo]
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
benzer ali mesmo dois paramentos antigos em bom uso de duas cores. Não
há Sacristia, mas ao lado do Evangelho há um cochicholo ou vão que serve
de tal e onde há um armário tosco para guardar as coisas. Ao sair o Capitão
Souza me convidou para ir tomar alguma coisa na casa do seu genro Dr. Manoel Leite de Novais Melo. Como ele me disse que era comida de consoada
de dia de jejum e coisa pouca, aceitei e para lá fui. Descida a pequena ladeira
agradeci aos três que me acompanhavam e à música a despedi-os, mas esta
quis ir mais longe. Fui recebido com sumo agrado e alegria do Dr. Novais e
sua mu[p. 94]lher filha do Capitão Souza e sua senhora presente. Em vez de
consoar, jantamos, pois era meio-dia e o que havia era jantar preparado para
a família e para nós também; tudo peixe, visto que nesta Diocese a quarta de
cinza não tem dispensa na abstinência. Depois do jantar apareceu Dr. Horta
de Araújo e Dr. Eugênio Amorim e me convidaram para ir ver o estabelecimento do Grêmio Bibliotecário Cachoeirense. Fui e lá apareceram outros senhores. Há uma pequena Biblioteca e de poucos livros que estão catalogados.
Há algumas coleções cada qual pequena de amostras de nossas madeiras, e
de moedas de diferentes países, de peles de cobras, de crânios de animais (há
um com as canelas de Índio achado em certa famosa gruta12 destas paragens)
e muitas outras curiosidades dos três Reinos da Natureza. Em uma das salas
há diferentes Cartas geográficas desta Província e tam[p. 95]bém do Brasil.
A mais recente que ali está da Província é a de Cintra e Rivière feita em 1878,
de que faço uso desde que vim à Vitória em 1880 e mui errada como são
todas et quidem enormemente. Há uma sala para escola Noturna sustentada
pela Sociedade do Grêmio. Tudo é pequeno, mas asseado e bem conservado.
Em um pequeno livro em branco ajuntei minha assinatura com má letra na
qual desejava a prosperidade do estabelecimento, lembrava o Nosce te ipsum
do Filósofo e Noverim me, noverim te de S. Agostinho e fazia votos para que
nunca ali se desviassem dessas regras. Por largo tempo me entretive ali com
Dr. Eugênio Amorim e Dr. Horta de Araújo e outro senhor, e passaram-se
horas a ver, e sobretudo a percorrer catálogo e alguns livros e a notar com
o dedo erros das cartas da Província verificados por mim mesmo em minha
Visita e erros palpáveis, ex. pôr longe do rio e na margem do sul lugar perto
do qual pernoitei e onde no dia seguinte ouvi Missa [p. 96] [e] preguei etc.
E quantos assim! Aqui vi a História de César Cantù traduzida em Português,
não uma primeira que eu já conhecia de Minas, mas outra contra a qual o ca12
Gruta do Limoeiro, no atual município de Castelo.
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tólico historiador (que eu vi em Roma no tempo do Concílio) reclamou, por
fazer-lhe o tradutor dizer o que ele rejeita. Aqui vi pela vez 1ª tal tradução,
e pelo Prólogo vi que o tradutor serviu-se do que gostou no célebre Cantù, e
tirou ou acrescentou ou alterou o que quis e como quis; e em pontos não só
históricos mas até religiosos e de fé, como unidade da espécie humana etc.
Bem somando tudo o tradutor é um tolo que julgou apanhar a Deus em erro
ou em mentira ou atrasado em ciências, por isso que não está pelo que Cantù
diz de conformidade com o livro inspirado do Gênesis. Quando em coisa
não definida pela Igreja quisesse dar sua explicação, deveria ao menos admitir
expressamente o fato como é narrado. Ex. Não é definido de fé se os 7 dias
da criação são dias de horas ou épocas ou períodos, pois [p. 97] siga o que
entender, mas conserve a letra do Gênesis, dizendo: tudo foi feito em sete
dias, mas por dias entendem-se períodos. Mas no nosso caso e tratando-se
por ex. da unidade da espécie humana mais melindroso é o modo de pensar e escrever. Mas vamos adiante. Percorrendo o Catálogo encontrei certos
escritos novos para mim, e logo os pedi e passei os olhos por eles e com a
devida licença assentei em levá-los para casa para examiná-los mais à vontade
e de espaço. Como estou escrevendo dias depois de trazer os livros fui [vou?]
dar algumas notícias dos tais escritos (segue a narração 27 páginas adiante).13
Digressão n. I: Um deles tem o frontispício seguinte – que declara seu
assunto – Dicionário Bibliográfico Brasileiro pelo Doutor Augusto Vitorino Alves Sacramento Blake, Natural da Bahia. Primeiro volume – Rio de Janeiro
Tipografia Nacional 1883. Este volume contém só as letras A e B, e promete
outros, e quantos serão? [p. 98] A obra parece do formato que chamam 4º.
pequeno ou antes em 8º. grande, não sei, o que sei é que de comprimento é
mais do que um palmo meu bem espichado, está bem impresso e com nitidez; foi oferecido ao Imperador. Tem XXIV páginas como introdução e 440
páginas das quais da página 431 por diante é um Apêndice. Segundo uma
nota manuscrita do Bibliotecário Horta de Araújo – a Gazeta literária N. 3
Ano I diz que neste volume se contêm 613 Autores e são: do Rio 130; Bahia
108; Pernambuco 54; Minas 47; S. Paulo 38; Rio Grande do Sul 39; Maranhão
22; Ceará 19; Pará 17; Alagoas 12; Paraíba 8; Piauí 5; Mato Grosso 4; S. Catarina 4; Espírito Santo 3; Sergipe 3; Rio Grande do Norte 2; Paraná 1; Goiás
1. [Subtotal] 517. Nascidos Europa: Em Portugal 24; Outros países 9. Brasileiros de naturalidade duvidosa 73. [Subtotal] 106. [Total] 623. [p. 99] Mas
13
Ver p. 253.
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pela conta vê-se que há mais de 613. É uma imitação do Dicionário Bibliográfico
do célebre F. Inocêncio da Silva. Há muitos escritos de pouca monta e muitos
escritores que bem podiam ficar em esquecimento; mas enfim o Autor merece louvor pela empresa começada que apenas chega à letra B... Pelo texto
há muitas emendas manuscritas de sobrenomes, lugares de impressão etc.
etc. assinados por um Vale Cabral e por alguns outros. Na obra vem notícia
de D. Antônio Ferreira Viçoso Bispo de Mariana; mas faltam muitos de seus
escritos e de sua vida pouco diz. Os filhos dos naturais desta Província do
Espírito Santo são Antônio Cláudio Soído, Antônio José Vieira da Vitória,
Braz da Costa Rubim. Soído foi Chefe de Esquadra, foi Diretor do Arsenal
de Cuiabá, comandou a flotilha que foi retomar Corumbá aos Paraguaios,
comandou a 1ª divisão da esquadra em operações no Rio da Prata. Há obras
literárias e trabalhos geográficos. Assim [diz] o mesmo Dicionário. O Antônio
José escreveu [p. 100] sobre o bicho da seda. O Braz é conhecido e autor de
trabalhos importantes sobre esta Província.
N. II: A outra obra é Apontamentos para a História dos Jesuítas no Brasil, pelo Dr.
Antônio Henriques Leal (2 tomos em 1 volume tendo o 1º tomo 250 páginas
e o 2º. tomo 280 páginas). À venda no Maranhão Livraria popular de Magalhães e C.ª editores proprietários 23 Largo do Palácio 1874 – Impresso em
Lisboa (se lê no verso do frontispício) tipografia Castro Irmão 31 Rua da
Cruz de pau. Oferecida à saudosíssima memória do meu amigo o Conselheiro Francisco José Furtado (diz à 5ª página). Tem Prefação e Introdução. É a obra
como um resumo das seguintes obras. [1] Crônica da Companhia de Jesus pelo
Pe. Manoel Baltazar Teles (tomo 1 Livro 3); 2 Crônica da Companhia de Jesus do
Estado do Brasil pelo Pe. Simão de Vasconcelos. 3 Seguem-se Notas – A nota
A contém Prólogo e as Instruções secretas (Monita) em 17 Capítulos além do
Prólogo. Em seguimento o Autor dos Aponta[p. 101]mentos pretende provar
a autenticidade destas Monita que ele chama catecismo secreto dos Jesuítas e
Alcorão desses Sarracenos que se esforçam por invalidar a civilização e fazê-la retrogradar para os tempos do obscurantismo dos Filipes 2ºs. e dos Papas
Hildebrandos. E que tal o meu rabiscador? E o que faz rir e até mete nojo a
quem tem lido um pouco, o meu Autor para provar que as Monita contêm a
doutrina dos Jesuítas gasta 18 páginas a citar trechos dos maiores Doutores da
Ordem. Quanto à anfibologia, falsidade e mentira apresenta trechos de Lessio,
Sanchez e Cárdenas e Molina, Manoel de Sá, Suarez. Quanto à delação cita
Instituta Societatis Jesu e Summarium Constitutionis e Congregationis decreti. Quanto à
prevaricação cita Praxis ex Societatis Jesu Schola, Filincius. Quanto à obediência
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cita Della vita e dell’ Istituto di S. Inatio14 fondatore della Compagnia del Pe. Danielo
Bartoli e Instituta Societatis Jesu e Ignatii vita.15 [p. 102] Quanto à rebelião copia
Aforismos de Manoel de Sá e depois não sei por quê Simanca e um Bispo de
Sentis (contra Reis hereges e a favor de guerra contra eles). Sobre roubo e
bancarrota Manoel de Sá, Escobar, Valere Regnald,16 Pe. Carnedi, Tomás
Tomburin, Pe. Trachala, Vasquez. (E o horror é dizer que quem quebra pode
reter quanto baste para manter com honra a família... Ó homem, pois não é
de todos os Autores?...) Sobre Luxúria (Eis um horror! Qui corrumpit violentem
virginem et consentientem, praeter obligationem poenitenti nullam aliam incurrit, quia
puella habet jus usum sui corporis valide concedendi quin possint absolute impedere parentes nisi aeternus quartenus tenentur cavere ne per proles suas offendatur Deus!... E por
estes horrores e obscenidades é que o nosso Autor transcreve em Latim!!...)
cita Charli, Sá, Lacroix, Gobat, Simon de Lessan, Francisco Xavier Fegeli.
Sobre duelo, cilada e [p. 103] assassínio Sá, Henriquez, Estêvão Fagundes,
Escobar, Tanner, Platel, Molina, Lessio, Escobar, Hurtado, Sanchez, Reginaldo, Azor, Filincius, Cárdenas e até Rdo. Pe. Lamy!... E baseado nosso autor
em Pascal diz que sustentaram a doutrina do tirocínio 22 Jesuítas e são Mariana, Del Rio, Gregório de Valença, Tolet, Manoel Sá, Bonarcius (sic),17 Azor,
Hissio (sic), Endemon Jean, Keller, Serrario, Jean de Salas, Suarez, Lorin, Lessio, Tanner, Becari, João Lugo, Escobar, Comitolo, Gretzer, Busenbaum.
Para os Jesuítas Assassino é quem recebe dinheiro para matar alguém traiço14 Sublinhado no original para indicar erro de grafia: o correto é Ignazio.
15 Querem ver que horrores dizem os Jesuítas sobre a obediência vou copiar os 3 tre-
chos, únicos copiados pelo Autor. Que horrores, ó céus, que horrores! Bem mostram
que os Jesuítas são o perinde ac cadaver: Que horrores! São – I Onde não houver pecado devo fazer a vontade de meu Superior e não a minha. – II A 13ª. regra determina
que seja o sujeito inteiramente unido no acordo com a Igreja Católica. Se ela declara
negra uma coisa que nos parece branca, devemos dizer que é negra. Porque convém
crer sem nenhuma dúvida que Nosso Senhor Jesus Cristo e a Igreja ortodoxa sua
esposa têm o mesmo espírito que nos governa e dirige na via da salvação, e que não
foi um Deus diferente que deu outrora os preceitos do Decálogo e que hoje institui
e dirige a hierarquia da Igreja. Eu Bispo D. Pedro duvido que estas palavras deste
trecho sejam autênticas: o estilo não me parece Jesuítico. – O III Se o Santo Padre
me ordenasse de meter-me em um barco sem mastro, sem vela, sem remos e sem
mantimentos e de assim atravessar o mar iria não somente sem murmurar como com
alegria. [Nota do bispo em rodapé às p. 101-103 do manuscrito]
16 Valàre Regnault.
17 Bonartius.
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eiramente, mas não grátis em obséquio a amigos. A nota B diz o Autor lembra-me uma anedota que mais de uma vez ouvi ao nosso Gonçalves Dias do
nosso primeiro Bispo Leitão, vox populi. É para mostrar a devoção dos marujos
Portugueses quando navegavam em companhia de Missionários. Mas [p.
104] desde o princípio o Autor erra porque Pedro Leitão não foi o 1º. Bispo
do Brasil mas o 2º., e isto mesmo no Autor se lê tomo 2 página 6... A nota C
transcreve um Capítulo da Crônica do Pe. Baltazar em que narra o caso da
cabeça do peixe do Pe. Nóbrega. Na nota D transcreve Reduções e Redutores, Capítulo IV do 2º. volume dos Bandeirantes pelo Sr. Conselheiro José da
Silva Mendes Leal. Os Jesuítas são bem esfregados. Segue-se tomo 2. Começa com extratos do Santuário Mariano por Fr. Agostinho de S. Maria. Muita
coisa não tem relação nenhuma com Jesuítas, e o que deles disse o Fr. Agostinho é em louvor. Vem depois resumo da História da Companhia de Jesus da
extinta Província do Maranhão e Pará pelo Pe. José de Morais, resumo feito porque diz o Autor dos Apontamentos adoece dos achaques das outras Crônicas
da Companhia de Jesus. Segue-se Relação anual das coisas que fizeram os Padres da
Companhia pelo Padre Fernão Guerreiro. Pouco fala do Brasil e mais do Japão
e Etiópia.18 Vem depois Vida do Padre José de Anchieta pelo Pe. Vasconcelos. O
resumo é pequeno. Vem outro escrito [que] dá notícia dos Sucessos e [p.
105] expulsão dos Padres da Companhia (do Estado do Maranhão) autora a
Verdade Manuscrito extraído da página 169 à página 260 das Obras de Vários
Autores.19 Depois vem Historiae Societatis Jesu (Parte tertia sive Borgia) auctore R. P.
Francisco Sachino MDCII e segue-se outra parte auctore R. P. José Juvêncio.20
Vem depois Annales Litterarii escrita em latim originalmente, e que vem aqui
em Português, por anos começando em 1581. Falando de 1581 diz: Conta a
Província do Brasil 8 casas, 137 sócios, morreram 3, entraram 5. Em 1587
falando do Espírito Santo diz: Contam-se aqui dez mil neófitos. Tratando do
ano 1593 se vê uma extensa lista das residências e Colégios do Brasil. Vem
18 Do Brasil trata Livro 2, tomo 2, e Livro 4, tomo 4. Se acha na página 502 e seguin-
tes das Memórias para a História do extinto Estado do Maranhão, publicado por Cândido
Mendes. No título 2, tomo 2, capítulo 5 trata da Aldeia dos Reis Magos (Nova Almeida). [Nota do bispo em rodapé às p. 104 e 105 do manuscrito]
19 Faz parte de um manuscrito da Biblioteca pública de Lisboa sob nº E-5-53 com
título de Obras de vários autores. Parece ter sido descoberto pelo Autor dos Apontamentos que diz ter também descoberto outro tendo no rosto: Cunha Cartas para S. A. Real
e que interessa ao Brasil. Vide Nota B cinco páginas aqui adiante. [Nota do bispo]
20 De Jouvency.
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uma curiosa, mas incompletíssima (diz o Autor dos Apontamentos) [lista] dos
Colégios e residências e números de sócios. De 1581 a 1591 e daí a 1560 não
se lê o número de sócios. De 1581 a 1591 e daí a 1600 não se lê o número dos
sócios, apesar de se falar nos mesmos Colégios e residências. Segue-se um
pequeno extrato de Múcio Villeleschi a respeito do Brasil de 1616 a 1624. [p.
106] Na página 189 vem Synopsis annualium Societ. Jesu in Lusit. ab anno 1540
usque ad annum 1725 auctore R. P. Antônio Franco. Diz o Autor dos Apontamentos:
Do volumoso in folio do Padre Antônio Franco só pude extremar os poucos
dados que passo a resumir... Conclui com o catálogo dos Jesuítas que se passaram ao Brasil de 1540 até 1725 e isto ocupa quase 22 páginas só de nomes.
Quererá o meu leitor fazer ideia do espírito com que o Dr. Antônio Henriques Leal escreveu seus Apontamentos leia o seguinte do mesmo, página 253
do 2 tomo: Com a Synopsis do Pe. Franco terminou também aqui a minha
tarefa de compilador e fico que não deixei passar fatos ou feitos notáveis dos
Jesuítas que fossem obrados no Brasil, ainda as patranhas milagreiras nem as
práticas supersticiosas que deixasse de resumir, de apontar e às vezes de extractar trechos inteiros para que meus concidadãos ajuízem por si quais foram os tão preconizados serviços dos jesuítas no Brasil, segundo as crônicas
e relações dos próprios escritores da Ordem, em cujos trabalhos as ninharias
e puerilidades ridículas espantam e enfadam ainda mais por sua frequência e
longa individuação e no entanto tive coragem e paciência de os ler [p. 107] e
de investigar quanto de mais seleto escreveram os renomados membros da
célebre Sociedade com respeito ao que nos toca. O Dr. Antônio Henriques
Leal como cronista da Companhia lembra depois de Sachino a Pedro Posino,
que deixou material indigesto, e Pe. Quirício21 que fala de um ou outro ano;
Daniel[o] Bartoli, que escreveu muito em Italiano sem referência ao Brasil;
Honorato Falci mais ocupado com seus comentários de rerum natura; José
Rincio que formou anais de 6 ou 7 anos e morreu sem concluir; Cordara que
chega a 1624 e José Juvêncio até 1626. O mesmo Dr. Leal cita depois o trecho de uma carta de Ferdinand Denis em francês a ele, em que dá notícias de
manuscritos portugueses dados por Geoffroy Saint-Hilaire à Bibliothèque
Nationale de Paris, onde há cartas inéditas do Padre Vieira, só por ele assinadas por causa de sua cegueira. Diz também que na Biblioteca Richelieu possui também o manuscrito original da famosa obra de Vieira: O quinto império
do mundo. Segue[m]-se depois avisos para não se deixar que os Jesuítas ensi21
Pe. Quirício Caxa.
245
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nem, e lembra aos estadistas Brasileiros que devem estar escarmentados com
as desobediências dos Bispos do Pará [p. 108] e Pernambuco e continua uma
diatribe infernal contra Jesuítas, e tudo de envolta com muita impiedade e
princípios heréticos e horrores das doutrinas dos Jesuítas. Grita contra Irmãs
de Caridade e Lazaristas e Rosários e Imagem de N. Senhora e contra Lourdes e Salette, e relação de fatos sobrenaturais, enfim contra essas superstições
que embrutecem o entendimento e enfraquecem o espírito. Sempre diz: não
nego virtudes nos que as tinham e nos que as têm; mas com elas aí está o fim
ostensivo da instituição de Loiola: o predomínio do Pontífice sobre o Governo civil, a Teocracia de Gregório 7º., mas creio (diz o tal Dr.) que por mais
que trabalhem os clericais não conseguirão fazer parar a roda do progresso
nem desaparecer as conquistas da civilização ainda que fulminadas pelos
raios arrojados do Vaticano. Fio que é louco esforço, pois é incrível que o
mundo retrograde quase no fim deste século – depois da imprensa, depois da
filosofia do século 18, da Revolução de 89...22 Pelo menos quanto ao Brasil
pode o beatério e a hipocrisia religiosa maquinar, que não farão mais do que
convencer com tanta maior evidência da [p. 109] necessidade e conveniência
da separação da Igreja do Estado, que já cala de há muito entre os cidadãos
esclarecidos etc. etc. Todas estas toleimas escrevia o Dr. Leal em 1874. O homem deve arrebentar de raiva sabendo que em Itu os Jesuítas têm 400 alunos
filhos dos homens mais elevados em política e ciências e poder do Brasil; e
que a pedido de muitos figurões da Corte estão abrindo (talvez no corrente
mês de Março) um novo Colégio em Nova Friburgo com o título Anchieta;
e que na Corte há pouco o Pe. Superior Aureli alugou uma casinha para sua
residência como centro de Itu e Friburgo. Na Cidade de S. Paulo os Jesuítas
compraram uma grande casa onde fiquem os seus alunos de Itu, quando vão
fazer exames de preparatórios na Academia. Nessa Província de S. Paulo os
Padres Jesuítas dão contínuas Missões; no Rio Grande do Sul há muitos que
servem de Curas nas Colônias, e agora mesmo com o Bispo do Rio de Janeiro Capelão-mor de Sua Majestade Imperial23 está um Padre Jesuíta que o
ajuda na Visita Episcopal e que hoje mesmo saiu e ainda não voltou de uma
confissão de enfermo que foi fazer a despeito do intenso calor do dia, saindo
às 11 horas da manhã. Neste momento [p. 110] em que escrevo temos 40’
depois de 1 hora de 22 de Março 1886. Ao fim do 2º. tomo seguem-se Notas.
22
23
1789.
Trata-se dele mesmo, D. Pedro Maria de Lacerda.
246
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– Nota A dá notícia de uma obra do P. Vieira pouco conhecida com o título
Maquinações, em 2 tomos. O 1º relativo à Companhia do Comércio, aos bens
confiscados pela Inquisição e às ordens Pontifícias anulando a concessão
régia. Pensa o Dr. Leal que por isso é que Vieira viu-se na Inquisição. No 2º.
tomo vêm comentários às profecias de Bandarra feitos em viagem pelo Amazonas. Nota B: As peças que o Dr. Leal diz estarem num manuscrito são 15
além de papéis sem título. Eu (Bispo Pedro) só tenho as seguintes: Antônio
Vieira Nas esperanças do 5º. Império... respondidas por um anônimo curioso.
Ano 1661. – Instrução secreta que o Sr. Rei D. João IV deu ao Pe. Antônio Vieira... mandando-o à Cúria de Roma Em Outubro 1649. – (Notícia dos Sucessos
que já foi analisada acima). Depois vêm Cartas para Sua Alteza Real por Francisco da Cunha Menezes (Governador e Capitão-General da Capitania). Só
especificarei as seguintes: N 51 Que se não tinham feito ainda os cemitérios
[p. 111] ordenados pela carta régia de 14 de Janeiro 1802 para benefício da
Bahia em virtude de grave enfermidade do Arcebispo Metropolitano. N 56
O Arcebispo D. Frei Antônio Correia morreu no dia 12 de Julho de 1802 de
enfermidade que há muito tempo padecia. Nota C. Traz uma abreviada nota
dos livros que se ocupam (pró e contra) da Companhia: Vêm apenas 45
[obras], das quais 24 em francês; algumas sem nome de quem escreveu, e
outras sem importância literária no meu sentir. Aí vem Chrétineau-Joli Hist.
religieuse etc. – Histoire dramatique et pittoresque des Jésuites par Adolphe Bouché.
Hist. des Jésuites par l’abbé Guettée. – La morale practique des Jesuites par Arnauld.24 Retrato dos Jesuítas feito ao natural (Lisboa 1761). – Dedução Cronológica. Sempre o nosso Dr. Leal diz que é atribuída ao próprio Marquês de
Pombal não só por João Lisboa e o Sr. Inocêncio F. da Silva, como mais positivamente pelo Sr. Latino Coelho no tomo 1 da sua História da guerra peninsular. –Origem infecta da relaxação moral dos Jesuítas Lisboa 1771. – Relação abreviada da república que os religiosos jesuítas das Províncias de Portugal e Espanha
estabeleceram nos domínios ultramarinos. É um folheto em 16º. com 85
páginas sem nome de Autor nem data nem oficina. [p. 112] Examen impartiel
par Chalorais. Reflexões de um Português sobre o memorial apresentado pelos
PP. Jesuítas a ... Clemente 13... em carta ... italiana... traduzido fielmente na
[língua] Portuguesa. Ano 1759. (216 páginas in 16º.) Instrução a Príncipes sobre
a política dos PP. Jesuítas ilustrada com notas. Il Gesuita moderno de Gioberti.25
24
25
Antoine Arnauld.
Vicenzo Gioberti.
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Os Jesuítas em 1860 in 8º páginas 32 Lisboa. Questão Jaurard, discurso de Pedro Luís26 e J. M. Macedo (Recife 1864). Le Juif errant par Eugène Sue. Oh!
Oh!... Os Jesuítas romance por Oliveira Peres (Lisboa 1873). Os Jesuítas perante
a história por Ovídio da Gama Lobo (Maranhão). Bem sei que é a favor dos
Jesuítas e já li-a e ouvi ler; mas não gosto dela; e deveria respeitar mais a Santidade do S. Padre Clemente 14. As Provinciales de Pascal. Clément 14 por Theiner.27 O catálogo como se vê é pobre.
[p. 113] N III. O outro livro da Biblioteca do Grêmio Cachoeirense que pedi
é uma pequena coleção de vários opuscoletos. Nomearei. Biografia de Fr. Pedro
Palácios Fundador da Capela de N. S. da Penha tratando do Convento do
mesmo nome na Vila do Espírito Santo da Província deste nome por ***
Vitória Tipografia do Espírito-Santense Rua Sete de Setembro 47 – 1880. É
obra escrita em bom espírito religioso, mas se com toda exatidão, digam outros. Já eu conhecia este opúsculo. Na maior parte das páginas vêm oitavas
rimadas sobre N. Senhora da Penha e seu Convento.28 O que me fez pedir
este livro foi o seguinte opúsculo que eu não conhecia e que pelo título me
parecia diria muita coisa, mas assim não é, pois diz pouco e muitas toleimas
inverossímeis e ridículas: Crônica da Companhia chamada de Jesus na antiga Capitania do Espírito Santo desde a chegada dos primeiros Jesuítas até a sua proscrição, por J. J. Gomes da Silva Neto. Rio de Janeiro Tipografia da Escola de
Serafim José Alves, Editor 83 Rua Sete de Setembro 83 sem ano. [p. 114]
Que pomposo título! E pouco se diz em 62 páginas de formato pequeno e
tipo graúdo e margens largas e entrelinhadas. Ao menos não dizem toleimas
embora o Autor desse bordoada velha nos Jesuítas, por quem ele não morre
de amores... Na página 14 o Autor reconhece que Pombal mesmo antes de
ser Ministro tinha ódio aos Jesuítas, porque sectário das doutrinas dos filósofos e economistas do século 18. Logo... pressentira nos Jesuítas um obstáculo ao que queria introduzir em Portugal. Para as obras de Lisboa depois do
terremoto Pombal para experimentar o Superior pediu-lhe 4 milhões emprestados dizendo que só a Companhia poderia fazer tal empréstimo. O espertalhão do Jesuíta escusou-se que erravam os que tinham os Jesuítas por
Ordem rica, que já não tinha os estabelecimentos do Paraguai; que o Rei bem
26
27
28
Pedro Luís Pereira de Souza.
Augustin Theiner.
Provavelmente o Poema Mariano, em oitava rima, atribuído a Domingos de Caldas
Barbosa.
248
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podia tomar em Roma empréstimo ainda maior. Pombal ficou picado ao
ouvir falar de Paraguai, assentou em vingar e começou a empenhar-se com
Roma para a reforma da Ordem em Portugal, e fez que o rei despedisse do
Palácio os Confessores Jesuítas. Os Jesuítas de sua parte faziam mil picardias
contra Pombal. Diz o Autor que ainda depois da Bula para a reforma da Ordem por Bento 14 D. José I vacila[p. 115]va em expulsar os Jesuítas do Reino.
Pombal aproveitou-se para mais insistir da tal tentativa de regicídio. O Rei
vacilava e Pombal chegou a pedir demissão (fantasmagoricamente). O Rei
ficou abatido com tal proposta e Pombal condoído diz: Sei que arrisco o interesse [d]o Estado para atender às infundadas apreensões do meu rei. Sei
que V. M. é um hábil jogador de xadrez, ao passo que eu sou um desarado
arrumador das peças. Então propôs uma partida com a condição que se ele
Pombal perdesse não falaria mais em expulsão de Jesuítas, mas que se ganhasse, El Rei não hesitaria mais em assiná-la. Está dito, palavra de Rei – respondeu D. José. Este joga, mas talvez preocupado com o caso foi perdendo
e Pombal estava a clamar: xeque ao Rei, quando entrou um criado fingindo
arrumar os trastes. Esse criado era o mesmo a quem Pombal tinha encarregado de obstar visitas. Mas o tal criado espião dos Jesuítas tinha ouvido tudo
e agora via o xeque ao Rei do Jogo e logo [deu] aviso de tudo ao Superior dos
Jesuítas. No dia seguinte a lei de 3 de Setembro de 1759 acabava com os Jesuítas dos domínios portugueses. [p. 116] A mim que estou resumindo este
episódio do opúsculo parece-me tudo um romance ridículo e com ares de
contos de carocha. Não posso persuadir-me de que esta partida de xadrez
determinasse um fato tão melindroso para Portugal e suas colônias. Se assim
foi, venha mais esta ridicularia fazer ridículos além de bárbaros os inimigos
da Companhia. Segue-se o relativo aos Jesuítas do Espírito Santo. Em uma
das manhãs do mês de Outubro do mesmo ano o leigo da vigia da torre de baixo
deu-se pressa em avisar ao reitor do Colégio desta Capitania, que na barra se
avistava um navio entrando. Era fato extraordinário nesse tempo... O Reitor
subiu à mesma torre e com o seu óculo de alcance verificou ser navio Português... pôs-se a cismar. O Autor passa a narrar o monólogo do Padre consigo
mesmo. Tudo isto cheira a romance e a ficção como o monólogo que decerto o Autor não ouviu... Entra o navio, a gente fica surpreendida, e daí a poucos
minutos mui secretamente o Reitor recebe uma carta volumosa do Superior da
Ordem. Desta carta uma parte era escrita no alfabeto comum com importantes [p. 117] recomendações porém menos secretas, a segunda parte era em
cifras sobre bens e arrecadações de prata, ouro etc. No dia seguinte o navio
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seguiu para Rio Janeiro. Os Jesuítas não suspeitaram que lhes estava iminente
a terrível catástrofe da extinção. O Autor falando aqui do Superior em Portugal diz que era do grau dos Professos, que quer dizer homem eminente em
quase todos os gêneros e experimentado na astúcia, na sutileza e na dissimulação. Pela manhã cedo de 18 de Dezembro houve aviso de um navio de três
mastros à barra, e foi reconhecido ser de guerra. O Reitor chamou o leigo
porteiro, deu-lhe ordens em segredo e com ele desceu a escada secreta pouco
distante da cela (isto me cheira a romance). Vinha nesse navio o Dr. Desembargador João Pedro de Souza de Sequeira Ferraz e escrivão e soldados. O
autor deste opúsculo em nota traz o teor da ordem do conde de Bobadela a
esse Desembargador sobre o que havia de fazer aos Jesuítas. Foi cercado o
Colégio, invadido por soldados, lido o Decreto exterminador de 3 de Setembro, intimados os Padres a darem seus nomes e residências. Diz o Autor que os
Professos eram 6, dos quais 3 no Colégio fora o Reitor, 1 na Fazenda de Araçatiba, 1 na da Muribeca, 1 nos Reis Magos. [p. 118] Diz que os leigos eram 10,
sendo 5 Coadjutores espirituais29 e 4 temporais e um simples.30 Havia no Colégio 2 Noviços e alguns escolásticos. E logo começou o sequestro dos terrenos mais próximos à Vitória, e em seguida o Desembargador e sua comitiva
seguiu em canoas para Araçatiba. Os bens desta Fazenda consistiam em 534
escravos, gados, casas, engenhos, trapiche, muitas datas de terras de léguas de
extensão, metade das Fazendas dos campos em Guarapari. Em nota diz o
opúsculo que a 8 de Abril de 1780 todos os bens desta Fazenda e dependências
foram avaliados em 58.603$480 réis havendo um excesso de 312 cativos.31 Mas
o que fez o Reitor quando apressadamente desceu pela escada secreta por um
corredor subterrâneo ao chegar o navio? Meteu-se em canoa bem equipada,
que mandou vogar a toda força e saltando em terra, ajudado dos companheiros recolheu tudo, inclusive tocheiros e castiçais grandes de prata maciça e
escondeu em certa parte bem secreta. [p. 119] Não obstante Araçatiba foi
sequestrada. O Autor finge que enquanto o Reitor por 4 dias esteve à espera
que chegassem os Padres ausentes, ele quotidianamente e em hora certa chegava-se à janela com os olhos erguidos ao céu e mãos sobre o peito, como extático interpunha mentalmente suas apelações ao Juiz Supremo. O autor vai
29
30
31
Erro, porque estes não são leigos! [Nota do bispo]
Eis um título sem significação. [Nota do bispo]
Cópia fiel dos autos de sequestro, avaliação, arrematação e transpasse dos bens
que pertenceram aos Padres Jesuítas da cidade de Vitória. 66 p., IHGB, lata 124, D.
3. [Vide transcrição integral em www.estacaocapixaba.com.br]
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supondo o que o Padre diria e gasta nisto 10 páginas, que contêm como o
resumo do passado, a apologia da Companhia e seus serviços e como profecias do futuro, profecias a que o Autor é que dá o ser de futureidade. Pelo que
supõe os Jesuítas nesta Província tinham 40 mil prosélitos. O que mais o Jesuíta diz sentir é o esbulho e a perda do que legitimamente a Ordem ganhara; e
a profecia diz o que sabemos ter sucedido na Capitania ou Província e casas
que foram dos Jesuítas. Diz o Autor que a 4 de Janeiro 1760 o Reitor com
seus 15 companheiros seguiu na mesma nau. Os Padres atravessaram as ruas
com as cabeças baixas, e mãos metidas nas mantas da roupeta32 levando alguns os seus breviários debaixo do braço. [p. 120] (Ouçam o seguinte) Ninguém podia suspeitar que o Pe. Reitor e alguns dos Professos levassem consigo certos papéis escondidos. No entanto debaixo das palmilhas dos sapatos
conduziam relações dos objetos guardados ou ocultados, roteiros e outros escritos mais necessários, conforme recomendava o Superior na parte reservada da carta.33 Afinal o Autor para fazer justiça aos Jesuítas reconhece que a
Ordem em sua maioria se compôs de ambiciosos, invejosos, hipócritas, maus
súditos, obedientes só ao Papa; mas enfim trabalharam muito a bem da catequese e civilização e artes. Acaba com grandes louvores a Pombal. Vê-se pois
que a notícia não desempenha o que o título parecia anunciar.
N. IV. Vem um pequenino opúsculo de 36 páginas margens largas, entrelinhado, intitulado: A cela do Padre Anchieta por J. Joaquim Peçanha Póvoa.
Vitória Espírito Santo Tipografia de Vasco Coutinho 1883. Pouco diz e nada
descreve; geme [p. 121] e queixa-se do abandono e de não haver um monumento a Anchieta. E se fosse só isso? O que há de melhor é uma poesia de J.
Zeferino de Sampaio intitulada “Anchieta e Benevente”. Entre outras coisas
diz: Ei-lo pobres ruínas desprezadas / Aos insetos entregues – este convento
/ Onde Anchieta habitou! / E para mais escárnio aproveitaram / Parte desse
Sacrário para cárcere / Quando ele em tal pensou! //Que monumento atesta
que estas plagas / Oscularam a planta do mais digno / Ministro do Altar; /
Que esta Vila nascera a seu aceno; / Que os avós deste povo foram homens
/ Por ele aqui andar! // Nenhum nem ao menos sua obra / Preservou este
povo que caísse / Na ruína em que jaz? / A cela onde morou onde ideava /
A ventura geral – tornada entulho / Benevente é demais. // [p. 122] ... Os
32 Quanta ficção! As mangas dos Jesuítas não são largas. [Nota do bispo]
33 Foi pena não dizer o tamanho e grossura dos sapatos para caber neles tanta coisa!
Ou do contrário pouco havia escondido. [Nota do bispo]
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homens se esqueceram – só os homens / E não a natureza – ela de Anchieta
/ Jamais se olvidará. / Enquanto não secar o Reritiba / E o mar que o recebe,
e enquanto firme / Jazer o monte Agá. Quanto ao Ilmo. Póvoa... É mui conhecido por suas ideias ímpias; e é dos que eu tinha em rol na Visita da Vitória para serem excluídos de Padrinhos... Seu apelido na Vitória é Dr. Pomada
e julgo que bem lhe cai tal alcunha. Este escrito como outros tem alguns
palavrões, algumas ideias alambicadas, alguns pedaços poéticos provocados,
e erros de datas e lugares e apesar de algumas notícias úteis, lá vem de página
em página uma patada, um disparate, um contra-senso, uma impiedade ou
heresia. E foi estudante do Seminário de S. José na Corte e estudou Teologia,
como ele diz no estonteado opúsculo, O túmulo de Fr. Palácios – que com outro, A Cruz de Muribeca, vem no mesmo livro que tomei para ler à Biblioteca
do Cachoeiro, e forma a obrinha chamada Legendas Religiosas da Província do
Espírito Santo, Rio de Janeiro, Tipografia Per[p. 123]severança 1869. É pena
empregar mal seu talento e seu gosto pelas notícias da Província. Neste da
cela de Anchieta, o Póvoa ora parece venerar o Padre ora trata-o amolecadamente. Anchieta e Nóbrega... eram inspirados, e o abade Gaume34 que Deus
lá o tenha e Luís Veillot ultramontano de casaca chama[m] a eles: Apóstolos
do Novo Mundo... O Nóbrega era sagaz, Anchieta crédulo e mezinheiro...
Quando Anchieta vivia em Coimbra fermentava o resíduo chamado colégio
dos Jesuítas onde com 17 anos professou. Passou-se etc. ... Ensinou latim e
sabia não tanto como o Pe. A. Pereira e o Padre A. Vieira, mas ensinava e
bem... Ele (Anchieta) era Provincial, era tudo; até escreveu um poema em
latim. Acabou seu último dia em Iriritiba ou Benevente. No dia 9 de Janeiro
(Peta... foi em Junho. Por que o Póvoa não leu a inscrição que lá está na Vitória?) foi-se. Nós os historiadores ou escritores profanos temos liberdade de
empregar o estilo que nos aprover35 tratando de pessoas santas com a mesma
facilidade do Sr. Bispo Lacerda que diz contra os livres pensadores o que
Calvino não escreveu contra M. Servet. Portanto aquele foi-se referindo-me
a morte do velho e bom Anchieta est modus dicendi episcopi Lacerda. [p. 124] O
homem bem se vê que é gaiato ou metido a tal ainda em obras cujo título de
per si produz recolhimento e ideias alevantadas. E passa uma atrevida descompostura nos Papas chamando-os injustos e atrevidamente brada: A tua
Igreja ó Leão 13 canonizou neste século a 8 de Dezembro 1881 aqueles que
34
35
Jean-Joseph Gaume.
Sic, talvez frisando erro no texto de Póvoa.
252
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neste charco (em relação à glória) chamaram-se Cônego De Rosei,36 Laurant37 o
capuchinho, Labré38 o peregrino e a irmã Clara.39 Onde tinhas a cabeça? Os
da Congregação da Rota40 os Jesuítas não te lembraram pelo menos Anchieta41 ocultando o nome de Pedro Palácios e um mártir da liberdade brasileira
o Tiradentes.42 E ameaça a Igreja se não canonizar Anchieta de passar pelo
tipo do imoral e do iníquo; e se não fizer ficará nos limites do mais lamentável paganismo. É preciso (diz o Póvoa) que aquela montanha de abnegação
role para o abismo da graça! Ora esta, ora esta! Decerto quer dizer que o
humilde Anchieta seja elevado à maior glória do homem sobre a terra, que é
a canonização que o [p. 125] coloca sobre os Altares, como amigo de Deus.
E depois solta o Póvoa o seguinte nojento arroto de estúpida arrogância: É
preciso que a insuficiência das pesquisas do processo eclesiástico seja suprida
pelo nosso testemunho e de outros; ao contrário os povos por onde Anchieta
passou continuaremos inconciliáveis com a teologia. Dai-nos, ó Santo Padre,
dois santos para nossa Igreja: Pedro Palácios – José de Anchieta. Basta de
tantas asneiras! E piores blasfêmias e mais hereticais desaforos escreveu este
Póvoa na sua legenda O túmulo de Frei Palácios.
Continuação de Quarta-feira 10 de Março: Veja 27 páginas atrás.43 No largo tempo enquanto eu estava entretido na Biblioteca do Grêmio caiu muita
chuva, pelo que depois de muita hesitação de minha parte tornei à Casa do
Dr. Novais e tornei a ser recebido com muita alegria de todos e aí pernoitei
com o Pe. Figueiredo e Tomás somente porque Cônego Gouveia e Pe. Rafael
tinham voltado para nossa casa do lado esquerdo do rio.
Quinta-feira 11 de Março: Não disse Missa. Ainda cedo nos embarcamos
36
Coitado! nem sabe escrever os nomes! [Nota do bispo]. Nota nossa: Giovanni
Battista de Rossi.
37 Lorenzo de Brindisi.
38 Benoît-Joseph Labré.
39 Clara de Montefalco.
40 Oh! que ignorante! Confunde Rota com Ritos. [Nota do bispo]
41 Oh! pateta! Quanto têm trabalhado e ainda trabalham os Jesuítas por esta canonização! Já Roma declarou por Decreto constar do heroísmo das virtudes do Venerável
Servo de Deus José de Anchieta. O nosso Dr. Pomada esteve na Vitória quando eu
lá fui à Oração fúnebre de Anchieta! [Nota do bispo]
42 Este disparate é de se lhe tirar o chapéu! [Nota do bispo]
43 Ver p. 241.
253
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ali perto da casa do Dr. Novais para não andarmos muito pela lama até onde
havíamos desembarcado e fomos rio abaixo até defronte de nossa [p. 126]
residência, que não foi muito grande distância. Neste dia eu devia abrir a
crisma, como diz o povo. Ah! meu Deus! Como eu sabia que o pobre Vigário
daqui tem filhos, e ele mesmo humildemente mo confessou em um papel que
me apresentou como Relatório de sua Freguesia, chamei-o e tive larga conferência com ele. Fiz-lhe ver que era isso gravíssimo pecado, e para consolá-lo
disse que me havia constado ter-se ele confessado quando aqui vieram os
Missionários que mandei percorrer esta Província... (Mas ai informei-me do
próprio bom Capitão Souza e soube que não se havia emendado!) O Padre
chorou, ajoelhou-se, prometeu, e disse que a mulher não estava com ele, mas
fora, que lá só ia raras vezes e isso mesmo de dia não para mal mas para ver
o que faltava, e que havia quem tratasse dos negócios da tal mulher, que ele
se havia confessado agora com o Pe. Rafael, e que já havia muita diferença
do passado ao presente. Deus Nosso Senhor é que sabe!... Pode ser... Disse-lhe o que havia de dizer, e até abracei-o e mostrei crer na sinceridade de suas
palavras. Estive para dizer que não servisse de Padrinho de ninguém... mas
à vista do que o Padre dizia de joelhos e com cara de penitente... e porque
enfim Pároco [p. 127] ele é calei-me, embora ficasse sempre um espinho cá
dentro. Fui para a Matriz e preguei sobre Crisma e avisei sobre Padrinhos.
Sempre disse que os amancebados públicos notórios qui nulla tergiversatione
celari possunt não deviam ser Padrinhos nem eu aceitaria a quem soubesse ser
dos tais, mas enfim se há mudança, se as coisas estão mudadas, se se confessaram e deram alguma satisfação, era melhor que não fossem Padrinhos, mas
enfim paciência, eu nada diria. Não nomeei o Vigário, nem o podia fazer,
mas pensei que seria entendida a satisfação que eu dava... Crismei depois 110
pessoas. De tarde às Ave Marias preguei de novo na Matriz e penso que neste
dia é que preguei sobre o honora patrem tuum et matrem tuam. Disse maravilhas!
Deus em vez de formar por si todos os homens como fez a Adão, deixou a
reprodução do homem a Adão e Eva e para isso abençoando-os deu-lhes a
fecundidade e assim como que aos pais constituiu Criadores, e uns pequenos
Deuses, que fossem no correr dos tempos reproduzindo eles mesmos novas
imagens de Deus sobre a terra. Que honra, que missão a dos pais! Como merecem ser honrados! Como logo depois dos 3 mandamentos que pertencem
a Deus, vem bem o 1º. sobre os pais! E deste [p. 128] modo fui discorrendo,
e agradou muito e tanto ao Dr. Eugênio Amorim que na Sacristia onde eu
estava repousando um pouco ele veio beijar-me a mão, dizendo que estava
254
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encantado de tal sermão. O Dr. Gil disse-me o mesmo dias depois.
Sexta-feira 12 de Março: Disse Missa, dei comunhão a 16 pessoas. Antes
da comunhão, quis dizer algumas palavras, o que fiz tendo na mão a âmbula.
Não sei se respirei com mais força ou que movimento fiz, que uma partícula
da âmbula saltou fora e caiu no chão, o que não adverti, mas viu o Pe. Figueiredo. Tal nunca me aconteceu. Fez-se então o que é prescrito em casos tais.
Depois da Missa ali na Sacristia tomei uma xícara de café e fui para o púlpito
e preguei e depois crismei 93 pessoas. Saí de casa às 7 horas e tornei a casa
depois das 12 para jantar (é Quaresma). Apareceram casamentos, poucos e
em parte da Freguesia do Itapemirim. O Dr. Eugênio médico e seu mano Dr.
Juiz Municipal desta Vila [p. 129] me visitaram. Tem continuado o grande
trabalho de lançar os assentamentos dos batismos e casamentos havidos em
Itapemirim, cujos livros vieram comigo para esse fim. O Cônego Gouveia e
Pe. Horácio têm trabalhado neste enfadonho serviço ajudados às vezes pelo
Tomás. Sobre água direi que a daqui apesar de ser melhor que de Itapemirim,
contudo ainda não agrada e é pesada e suja de terra, apesar de guardada e
filtrada. Pedi ao Capitão Souza para me mandar alguma melhor. Veio alguma
que o Dr. Novais preparava em casa passando-a por alguns filtros e enxofre
(cuido). Veio outra de não sei onde; e depois veio outra trazida de perto do
pico do Itabira e trazida como eu pedi em 6 toradas de taquaraçu.
Sábado 13 de Março: Disse Missa e dei comunhão a 41 pessoas, preguei
e crismei 81 pessoas. Apareceram casamentos de fora que aqui se têm feito
com licença minha perante o Vigário desta Vila de S. Pedro dos Cachoeiros.
O dia hoje esteve belo e menos quente. Veio muita gente de fora. Tornei a
pregar de tarde. Apare[p. 130]ceu um preto já algum tanto velho para se casar com uma preta Conga já madura. O preto era Pernambucano; hoje liberto
como a preta, e ambos amancebados. Do estado de solteiro do homem pude
formar juízo prudente; mas do batismo da preta? Custou-me e gastei tempo
para verificar que havia sido batizada ainda pequenina. Quantos pretos da
Costa nulamente batizados por serem batizados já em uso da razão sem nenhuma intenção de serem Cristãos nem saberem para que servia-lhes água
na cabeça. Eis por que tanto me incomodo quando indago sobre batismos
de pretos da Costa.
Domingo 14 de Março: Disse Missa, dei comunhão a 24 pessoas. Fomos
depois jantar por ser Domingo (Quaresma) e deu-se tempo ao Vigário em
dizer a Missa Conventual e seguimos depois para a Matriz a fazer a sagração
255
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
de sinos, como fora ontem anunciada. Os sinos eram 6, dos quais 3 maiores
e com suas porcas ou cabeças que pertenciam à Matriz, e 3 pequenos, dos
quais 2 do Capitão Souza e 1 da Capelinha de S. João desta Vila. Tinham
sido areados pelo Sacristão e estavam ornados com [p. 131] fitas e palmas e
flores artificiais, e se achavam dependurados junto à porta da banda de dentro e pelo chão tinham-se lançado folhas. Tomei os paramentos amito, alva,
pluvial branco, mitra e báculo, e o Cônego Gouveia alva e Dalmática branca,
e tinham sobrepelizes os PPes. Vigário, José Maria, Horácio, Figueiredo, e
os Minoristas Bernardino e Tomás e estavam de túnicas brancas 6 meninos.
A cerimônia foi rezada e a canto segundo o Pontifical. Dos sinos grandes
um foi sagrado em honra do Espírito Santo, outro de S. Pedro, outro de S.
Paulo. Os do Capitão foram em honra de S. Antônio e de S. Francisco, e o da
Capela de S. João foi em honra de S. Benedito. Havia muita gente no corpo
da Igreja e pelas tribunas. Não faltaram muitos cachorros vindos das roças
com seus donos, e quando levavam lambadas que lhes davam ganiam a valer.
Depois da sagração preguei e crismei 119 pessoas. Não gostei de ver certas
meninas virem trazidas pelos pais para serem madrinhas! A uma perguntei
se sabia rezar e pôs-se a chorar, como criança e não a aceitei. Daí a pouco
veio uma filhinha do Dr. Novais e netinha do bom Capitão Souza chamada
Zita. Valha-me Deus! Perguntei se sabia [p. 132] fazer o sinal da Cruz, e o
fez, e perguntei se sabia o Credo e disse que não; e esta? Perguntei se sabia
o Padre Nosso, e o repetiu. Eu queria rejeitar, mas afinal aceitei-a, porque é
menina esperta, sabe mais do que muitos grandes que serviam de Padrinhos,
é menina de família muito religiosa, e que se interessará pela afilhada da Zita
e lhe fará aprender a doutrina e confessar-se etc. Não obstante fiz a menina
prometer 3 e 4 vezes que havia de aprender e ensinar o que era dito mais para
os pais o cumprirem por ela. Apareceu outra menina viva e que me pareceu
bem sincera; quase a rejeitei, mas sabia fazer o sinal da Cruz e repetiu o Credo e prometeu ensinar à afilhada e a mãe por ela como se obrigou, e aceitei-a, e de melhor mente o fiz, porque dizendo eu que começasse ali mesmo a
ensinar o sinal da cruz à afilhada, ela logo desembaraçadamente tomou a mão
da afilhada e foi-a levando à testa dizendo à afilhada: Repita, diga: Em nome
do Padre etc. Achei muita graça neste ato. Nada mais fiz neste dia, que teve
a tarde muito calorosa.
[p. 133] Segunda-feira 15 de Março: Disse Missa, dei comunhão a 16,
crismei 1 preto, e preguei à noite. Neste dia concedi ao Pe. José Maria Dias
faculdade (que ele pediu) para Indulgência plenária in articulo mortis. Concedi
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
de boa vontade e para valer sempre que ele estivesse com Provisão e a concedi por escrito no qual declarava que a graça eu a dava de boa vontade atendendo que como nos consta este Padre presta-se de boa vontade a acudir aos
enfermos sem atender distâncias nem chuva nem maus caminhos; e de novo
o louvei muito por esta dedicação. Quando de manhã vim para a Matriz quis
entrar no Cemitério para vê-lo mais à vontade. Fica de caminho indo de casa
para a Capela dos Passos que serve de Matriz. É como um retângulo comprido, murado de pedra, com uma Cruz de madeira relativamente pequena
no meio. Nada de ornato, nada de simetria; covas rasas sem cruzes, mas com
numeração aberta em marcos de ferro. Há alguns carneiros toscamente formados quase à flor da terra ou com pequenina altura, e alguns têm sua cruz,
e destes carneiros 1 ou 2 encerram gente da família do Capitão Souza. Vi algumas covas abertas à espera de defuntos e estas eram carneiros murados em
torno e no fundo. [p. 134] Há uma Capelinha não de Missa mas de depósito
e que bem poderia ser ao menos na metade convertida em Capela para Missa;
isto mesmo notei ao Vigário. Ao lado desta casa de depósito há uma pequena
quadra totalmente separada e fora dos muros, e serve para os pagãos e os que
não merecem sepultura eclesiástica. Como o Cemitério tornou-se pequeno
formaram para trás outro sem muro mas cercado de achas de boa madeira.
Esta parte ainda é mais tosca que a primeira. As duas partes não são em plano
horizontal mas inclinado pelo declive de uma pequena ladeira. E assim deve
ser para evitar as tremendas inundações do rio Itapemirim. Neste dia voltou
o tal par de pretos de anteontem. Pelo que me disseram ambos, pareceu-me
que a pretinha era impotente, e toca a fazer algumas perguntas e por alto não
só por decência como porque graças a Deus e à Virgem Maria não entendo
de tais coisas. Felizmente estava na ocasião o Dr. Novais, médico, e expus-lhe
o caso, e ele fez-me uma longa dissertação pela qual provado ficava que a preta
era [p. 135] de todo impotente para conceber. Toca a pôr livros abaixo e todos
a carga cerrada notando que a impotência de conceber ou a esterilidade é sim
impedimento para conceber, mas não é o impedimento canônico dirimente
para celebração de matrimônio (embora fique sempre infecundo). A impotência como impedimento dirimente é a impotência coeundi ou de cópula de per
si apta para a geração, como seria de um a quem faltassem os órgãos próprios
ou fosse castrado etc. Expus o caso ao Vigário e outro entendido, e disse-lhes
o que da preta tinha ouvido e ficou assentado que se poderiam casar e ser vir
et uxor, embora nunca houvessem de ser pais. E dei graças a Deus; porque do
contrário continuariam na mancebia probabilissime.
257
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
Terça-feira 16 de Março: Disse Missa e dei comunhão a 16 pessoas, e do
faldistório preguei antes da Crisma e crismei 34 pessoas. De tarde aparecem
um moço e uma moça cada um com seu pai. Eram Italianos do Bispado
de Belluno (Suíça Italiana creio) e tinham vindo da colônia do Rio [p. 136]
Novo pertencente à Freguesia de Itapemirim. A princípio pensei que não
seria fácil o caso, mas não foi assim. Os pais tinham seus passaportes e nestes
se declaravam nomes e idades dos filhos; e além disto tinham certidões de
seus Vigários. Os noivos chegaram muito mocinhos e têm estado há 7 anos
na Colônia, e aqui na Vila havia um Italiano que conhecia embora quase só
de vista a um destes pais e sua casa. Não havia impedimento e tudo ficou
pronto no mesmo e autorizei ao Pe. Rafael Tuvere para casá-los. No mesmo
dia esse Padre os confessou. Como estes pais estiveram em Veneza e seus
filhinhos também, em serviço da estrada de ferro, e como lá estive eu alguns
dias em 1877, tive ocasião de falar sobre essa rainha do Adriático hoje tão
pobre e decaída!
Quarta-feira 17 de Março: Disse Missa, dei comunhão a 13 pessoas e crismei 14 . O Pe. Rafael casou o par Italiano. Quanto ao tal par de pretinhos
tenho a dizer que não me apareciam mais e eu julgava o caso perdido e a
mancebia a continuar. Tive a boa lembrança de pagar a quem atra[p. 137]
vessasse o rio e os fosse buscar. Vieram, deram seus depoimentos e eu verifiquei bem que não havia a impotência canônica e passei a Provisão e mandei
pedir ao Vigário que tivesse paciência e os casasse logo. Valha-me Deus! É
mister muita paciência! Tudo isto se fez quando já se estava em arranjos de
sair da Vila para o Monte Líbano, Fazenda do Capitão Souza. O Vigário casou-os logo e lá se foram em par. Os bons pretinhos me asseguraram que
desde que se confessaram não tinham mais dormido juntos à espera de se
casarem. E não apareciam, porque a preta tinha não sei o quê no pé. Valha-me Deus! Neste dia mandei levar para a casa do Vigário os livros de Batismos, casamentos e óbitos já revistos por mim e levando cada um seu Capítulo da Visita. O Vigário não há de gostar! Carreguei-lhe forte a mão pela
indesculpável negligência pela qual desde 1880 isto é há 6 anos não fez mais
nenhum só assentamento de nada em tais livros! É demais. Ele me disse que
tem tudo apontado e reconheceu seu mal. É um banana! O que, porém está
assente está limpo e em grande parte está bem: [p. 138] falta porém certa
uniformidade, porque ora são breves demais, como os primeiros de sua paroquiação, ora prolixos demais em certas minudências que embora úteis são
mais que dispensáveis. Mas neste último ponto o meu Rdo. Vigário é conhe258
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
cido e bem o sei desde bastante tempo em que uma sua petição ou informação, às vezes omitindo certos pontos precisos, se estende demais em outros
supérfluos. É um moleirão, mesmo no andar e sobretudo no falar. É porém
humilde, e tem qualidades boas; pena é sua incontinência passada e seus tristes escândalos. Penso que hoje ou ontem o pai do Vigário que este louvavelmente fez vir de Sergipe sua pátria pediu-me para eu benzer-lhe a cabeça e
livrá-lo de não sei que espécie de visões. Fi-lo ajoelhar, pus-lhe a mão na cabeça (é o super aegros manus imponent do Evangelho) rezei o Sub tuum praesidium
e a oração Concede e a bênção Benedicti Dei. Chamei o Vigário a meu quarto e
dei-lhe 300$000 para ajudar nas despesas, mormente porque aqui têm estado
Horácio, Tomás e Bernardino e Pe. José [p. 139] Maria, que não eram precisos para a Visita. O Vigário a princípio não quis aceitar, depois disse que eu
os aplicasse aos Salesianos, mas disse que ele o fizesse por si se entendesse e
entreguei-lhe os 300$000 que ele guardou. Assim fiz por certo escrúpulo, não
porque o Vigário seja pobre, que o não é; nem porque só ele tivesse gastado
comigo, não. Nesta Freguesia houve quem roubasse a âmbula, pelo que o
Rdo. Vigário guardava o SS. em um Cálice. Quando eu o soube mandei guardar o SS. em a âmbula que trago em visita. Na Missa de hoje, dia da minha
saída, mudei as partículas para uma pequena âmbula que trazia e deixei esta
para a Matriz. Esta âmbula há muito tempo o Monsenhor Sabatucci44 que foi
Encarregado dos Negócios da Santa Sé me entregou para eu dá-la a uma
Freguesia pobre. Esta tem gente rica, e o Vigário tem algum cobre e terras,
mas não tem Fábrica nem rendimentos, e portanto só de esmolas vive: não
será pobre? Do púlpito já havia-me queixado do furto da âmbula e de não ter
havido restituição até hoje. Antes de crismar as 14 pessoas supra, assentei-me
no faldistório; e entre outros avisos fiz saber o seguinte: 1º – Que ficava desde ali nomeado por mim como Fabriqueiro desta Matriz o Rdo. Vigário [p.
140] desta Freguesia de S. Pedro do Cachoeiro. 2º. que ficassem sabendo
quem era o Pe. Domingos Martinelli. Para entender esta segunda parte convém ler o que escrevi na Visita da Freguesia da Vila de S. Cruz nesta Província em 1880.45 Além disso, é de saber que nunca e aqui mesmo não deixei de
perguntar por tal Sacerdote. Eu estava pensando que ele se achava na Europa
como ouvi dizer, mas há poucos dias certo sujeito aqui me pediu audiência
perante meus Padres e outros e foi lamentando a falta de Padres, e dizendo
44
45
Antonio Sabatucci.
Ver p. 153-4 (sobre o padre Dalla Rosa, e não Martinelli).
259
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que eu bem poderia nomear Vigário de... o Pe. Martinelli, excelente Sacerdote. Quando ouvi tal nome ergui-me indignado e disse alto: Indigno, indigno,
nunca... Pois ele já voltou? e se acha nesta Província... e fui dizendo o que ele
tinha feito nas colônias de S. Cruz etc. etc. Então na tal prática fiz a todos
sobreaviso acerca desse Padre e pedi que por toda parte espalhassem o que
eu dizia, sobretudo aqueles Italianos colonos (noivos e pais) o espalhassem
por todas as colônias. O Padre tem ares de santo, nada sei contra sua honestidade, mas não tem faculdade para [p. 141] nada e se achava suspenso desde
muito. Disse que não me constava que ele ainda agora casasse ninguém, mas
antes tinha confessado, batizado, e até casado; e falei das respectivas nulidades ou iliceidades etc. etc. Pobre Padre! É Italiano ou antes Tirolês ou Lombardo! Que remédio há! O pior é que tenho tido muitas queixas contra o
Vigário do Veado, Bispado de Mariana mas Província do Espírito Santo, que
casa gente das Freguesias de Itabapoana de meu Bispado sem as devidas autorizações! Valha-me Deus. Fiquei de escrever de novo ao meu amigo Sr.
Bispo de Mariana. Que Padres! Cruz! cruz! Enfim chegada a hora da partida.
Ficava em casa o que não seria preciso na Fazenda, estava metido em um
carro puxado por 10 bois o que devia levar-se; e as cavalgaduras estavam
prontas. Eu, Vigário, Cônego Gouveia, Pe. Horácio, Pe. Figueiredo, Pe. José
Maria, Pe. Rafael (6 Sacerdotes além do Bispo) e Minoristas Bernardino e
Tomás, e meu criado José, o Sr. Antônio filho mais velho do Capitão Souza
(e que viera buscar-me) e o Sr. Francisco parente do mesmo seguimos a pé
para a Matriz a pé ao som dos sinos (sobre o que fui antes consultado). Rezamos as pre[p. 142]ces pelos mortos como prescreve o Pontifical e concluída estava a Visita naquele lugar. Em outros lugares de outras Freguesias
nesta ocasião costuma haver muita gente a beijar a mão, despedir-se e até
chorar com muitas lamentações! Aqui nada! Gente pouca, rio grande dividindo a povoação, hora incerta sem poder fixar-se, tudo isto serve de desculpa.
Mas a gente é fria, e algum tanto brusca ou rude e ainda menos afetuosa do
que em Itapemirim... Amorins, Souzas, Novais etc. são exceções e mesmo
pessoais e eu falo do geral e do povo. Deus os abençoe, amém. Demos um
ligeiro esboço desta Vila. Quando o Capitão Souza em 1855 aqui estabeleceu-se, não havia na atual Vila senão um ou outro rancho, uma ou outra casa.
Em 1858 foi criada a Freguesia segundo diz o Vigário no Relatório que me
apresentou. Os primeiros Vigários ambos encomendados foram Pe. Francisco de Assis Pereira Gomes (Mineiro) e Pe. João Luís de Oliveira Osório
(Campista), seguiu-se o atual Pe. Manoel Leite Sampaio e Melo, que é colado
260
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e aqui está desde [p. 143] 1860. É filho de Sergipe e parente do finado Monsenhor Antônio José de Melo, que foi Ecônomo da Mitra na Sé vaga do Sr.
Bispo Conde de Irajá. O Padroeiro da Freguesia é S. Pedro Príncipe dos
Apóstolos. Serviu de 1ª Matriz uma casinha particular (que fica defronte da
casa de minha residência) e separada pelo rio Itapemirim e é aqui que hoje
atraca o vaporzinho do serviço fluvial da Vila à margem direita do rio. Era
coisa tão mesquinha que dois pedaços de tábua formavam o altar. O finado
Sr. Antônio Francisco Moreira edificou uma Capela ao Divino Espírito Santo
à margem esquerda perto da casa do Capitão Souza em que estava nossa residência dando um alqueire de terra para Patrimônio como também o Cemitério. Em 1863 quando aqui esteve de Visita o atual Monsenhor da Capela
Imperial José Joaquim Pereira da Silva, este assistido pelo então Vigário de
Itapemirim Domingos da Silva Braga (falecido) e Padre João Felipe Pinheiro
(ainda vivo mas fora da Província) fez solenemente e com festas a bênção da
Igreja e do Cemitério, ambos levantados pelo dito Sr. Moreira, que cedeu
tudo para servir de Matriz enquanto a Província não a edificasse. Os documentos o Vigário da Vara Pe. Pires levou para o livro do tombo da Vara. O
mesmo Moreira [p. 144] [deu] 2 Imagens (Conceição e S. José com coroas de
prata), cálice, Missal, dois sinos, uma banqueta de madeira dourada. As grandes enchentes do Rio fizeram que a Capela fosse consertada duas vezes à
custa do povo, e a Assembleia só prometendo, mas nada dando apesar das
reclamações do atual Vigário, arruinou-se a Capela e a Senhora Câmara Municipal autorizada pela Província a demoliu e hoje nada resta. Em 1863 a
Província a pedido do Vigário deu algum dinheiro com que se compraram
pluviais, umbela, frontal roxo; casulas e dalmáticas brancas e encarnadas, de
galão de prata dourada, e de cor roxa, com galão de cadarço. Em 1877 o Vigário obteve mais da Província 500$000 e esmolas do povo, e se compraram
a Custódia, âmbula (que foi roubada) e outros objetos de metal e algumas
alfaias. Em 1883 à custa de esmolas das caixinhas e outras do mesmo Vigário
se compraram 4 paramentos com cores separadas. Não há Matriz, mas serve
de Matriz a Capela do Senhor dos Passos levantada pelo bom Cristão Sr.
Capitão Francisco de Souza Monteiro, na margem [p. 145] esquerda do rio e
em lugar alto em razão das enchentes. Está feita a Sacristia pequena e estreita,
a Capela-mor toda e metade do que se deve ser corpo da Igreja. Aos lados
dessa Capela e desse corpo há tribunas ou antes galerias com seus arcos recortados e com pretensões ou ares de arquitetura arábica ou gótica. O Capitão Souza pretende concluir a Igreja fazendo outro tanto do atual corpo da
261
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Igreja; e é por isso que não há frontispício. Toda a frente de alto a baixo está
tapada de tábuas caiadas. Esta Igreja tem Patrimônio. Vários senhores e em
parte o povo têm dado alguns trastes e alfaias, mas ninguém tanto como o
Capitão Souza. De alfaias e paramentos está bem provida a Matriz. Há 3 sinos com suas porcas ou cabeças, dos quais 2 estão suspensos não longe da
porta da Matriz e um suspenso mais alto ao lado do Cemitério, sem que porém seja do Cemitério. Da outra banda do rio há a pequena Capela de S. João
Batista; que tem todo o preciso para Missa. No território desta Freguesia há
o Oratório do Sr. Capitão Souza por Breve Pontifício mandado executar por
mim. O Tenente-Coronel tem Oratório mas sem Provisão vigente, porque já
está finda a que por dez anos concedeu meu Antecessor D. Manoel do Monte. [p. 146] A Vila corre ao longo das duas margens do Itapemirim, é povoada comprida mas sem largura. As casas quase todas estão separadas umas
das outras e não estão arruadas. A Vila não oferece beleza nenhuma e talvez
por estar rodeada de montes embora não muito alto[s] é neste tempo excessivamente quente. Bebe-se água do rio. A cadeia é tal que pouco antes de
minha chegada os presos fugiram à vontade dizendo por gracejo que era
tempo de colheita e que iam para a roça. A casa da Câmara não merece menção. Há em um alto uma casa grande e sobrado e que faz figura em um alto
que domina o rio, é um Colégio de meninas pertencente a uma tia do Pe.
Horácio. A casa do Dr. Gil está em um alto e faz sua figura. A do Capitão
Souza em que ficamos por sua bondade é térrea e não está de todo acabada
e nada tem que mereça menção fora as exímias qualidades de seu excelente
dono. Já falei na larga ponte de seis altas e grossas pilastras de pedra além dos
reforçados paredões das extremidades. Espe[p. 147]ra-se em pouco a superestrutura que será de ferro. Parece estar na extremidade da Vila rio acima e
por isso fora de mão; mas aqui é que o Itapemirim começa a ser mais encachoeirado sem dar fácil navegação para cima. Eu gostava de ver de vez em
quando de minha janela ou indo caminho da Matriz ver as barcas chamadas
pranchas subirem ou descerem o rio e às vezes com a vela aberta em seu
único alto mastro. Nesta Freguesia trata-se de começar uma estrada de ferro,
e já se inauguraram os trabalhos a 6 de Janeiro e veio o Presidente da Província.46 Eu não fui ver. Dizem alguns que será a morte desta Vila, não porém
de seus Fazendeiros. Não é comigo.
Cachoeiro: Eu disse 13 Missas; 345 Comunhões (183 por mim); 14 Sermões
46
Antônio Joaquim Rodrigues.
262
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(além de algumas práticas); 1 sagração de 6 sinos; 461 Crismadas pessoas;
34 Batizados pelo Vigário; 10 Casamentos. Dos casamentos: 2 de escravos,
8 de livres; Amancebados 4, Honestos 6; Dispensados 3, Sem dispensa 7.
Do Cachoeiro 4: 1 amancebado, 3 não amancebados; 4 livres; 4 sem dispensa. Itapemirim 5: Escravos 2, [livres 3]; Dispensados 2, [sem dispensa] 3;
Amancebados 3, Não amancebados 2. Benevente 1: Não amancebado 1; 1
dispensado.
[p. 148]
Fazenda do Monte Líbano do Capitão Francisco de Souza Monteiro
da Freguesia de S. Pedro do Cachoeiro.
Quarta-feira 17 de Março (continuação): Concluído o De profundis na Matriz montamos a cavalo perto da Matriz sem assistência de ninguém a não
ser um ou outro menino e quem repicava os sinos. Passamos perto dos belos
pilares da nova ponte e depois junto ao sítio de seu empresário, e não longe
vimos as cachoeiras do Itapemirim. Na Vila as cachoeiras são pedras pelas
quais passam as águas do rio sem alteração de nível, porém nestas paragens
que passávamos há muito maior número de pedras, os níveis são desiguais
sem fazerem catadupas altas, e o rio faz mais alto estrondo e suas águas são
mais espumantes; aqui seria impossível a navegação sem elevadas despesas.
E por aí acima sucedem-se pedras e cachoeiras, donde bem dado foi a esta
Vila o nome de S. Pedro dos Cachoeiros. NB.47 Dos Cachoeiros como se diz
aqui e não Cachoeiras como parece deveria ser mais corretamente. Tínhamos
saído talvez 5 minutos antes das 6 e chegamos pelas 7 horas. [p. 149] A mim
me coube um bom cavalo esperto ligeiro e de calor. Passamos por lugares
onde abundam pedras calcárias das quais fazem cal. Encontramos 2 ou três
conduções destas pedras, postas sobre uma espécie de ângulo formado de
grossos paus sem rodas e arrastados por algumas juntas de bois. A uns 10
minutos da Fazenda, vimos de longe a casa toda com luminárias, que faziam
bom efeito ao longe, sobretudo porque a frente parecia e é extensa com 19
janelas. Começaram logo os foguetes a estourar nos ares, e ouviam-se as
vozes dos 2 pequenos sinos, que há pouco tinham sido sagrados por mim na
Vila. Já pertinho de casa atravessamos a vau a barra do córrego chamado Salgado (em razão de ser [a água] salobra), que ali entra no Itapemirim. E logo
começaram os bambus em arco, não atravessando a estrada mas formando
47
Nota Bene.
263
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arcadas ao longo da mesma. Junto aos arcos viam-se os escravos da Fazenda
de joelhos e como em linhas de atiradores de um e outro lado. Passamos pelo
meio e a todos eu ia lançando a bênção. Foi pena ser já entrada a noite. A
porta da casa e escada estavam alcatifadas de folhagens. O Sr. Capitão nos
recebeu à porta, [p. 150] e no topo da escada algumas meninas me lançaram
flores, e me receberam D. Henriqueta Rios de Souza mulher do Sr. Capitão
Souza, e D. Maricota mulher do Dr. Novais, e D. Bárbara Domitila Rios
sogra do Capitão. O Capitão é Mineiro de S. Miguel de Piracicaba e mulher
e sogra também Mineiras de Paulo Moreira. O Capitão foi crismado pelo venerando Bispo Viçoso e no tempo em que me achava presente como fâmulo
desse Bispo de eterna e saudosa recordação. Soube depois que D. Henriqueta
estava então com febre e por isso viera da Vila sua filha Maricota.
Quinta-feira 18 de Março: Disse Missa no Oratório da Fazenda e fiz saber
aos meus Padres que por faculdade que me deu Pio IX em Visita, todos eles
podiam também celebrar. O Rio Itapemirim passa aqui pertinho e faz um
longo rodeio defronte da casa, dividindo-se em alguns braços que cercam
algumas ilhotas, o que é aprazível à vista. A estrada para a Vila vai margeando
o lado esquerdo do Rio e em grande distância está à vista. Nos morros fronteiros ainda se veem muitos tocos das árvores que foram derribadas quando
se converteu em [p. 151] campo a mata antiga. O Capitão tem muito terreno,
mas a casa se acha na extremidade das terras, e assim do outro lado do rio
outro é o proprietário. Na tarde deste dia fomos dar um pequeno passeio.
Passamos o Salgado em uma pinguela, tornamos atrás e estivemos a ver pescar; mas apenas apanhou-se uma pequena piabanha.
Sexta-feira 19 de Março (S. José): Disse Missa, além dos meus Padres.
De tarde demos um passeio como ontem. Nada o Bernardino pescou nem
sequer um peixinho como ontem. Dei licença para os Padres confessarem
homem e mulher que aqui os procurassem.
Sábado 20 de Março: Disse Missa, dei comunhão a 3 ou 4 pessoas e crismei
1 pessoa. O padrinho desta criança soube que eu nada aceitava de espórtulas
e assim, coitado, veio a mim e me disse em bons modos que como sabia que
eu nada recebia, me agradecia o haver crismado seu afilhado. Eu não gosto
que me falem em espórtulas, e bem podia dizer-lhe que nada havia que agradecer. Não Senhor caí na grosseria de dizer que eu tinha feito meu dever, que
não me falasse em dinheiro, e que [p. 152] eu não precisava do dinheiro dele
nem de ninguém. Fiz mal e poenitet me. Apareceu o Dr. Novais que viera ver
264
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D. Henriqueta, que eu ainda não sabia ter estado mal. Vieram dois homens
cordatos de Rio Pardo lamentar-se que a Freguesia estava sem Vigário por
se ter retirado o Pe. Torraca para Itália; que a Matriz lá nada vale e em vez
de pronta pode-se arruinar; que o Espírito Santo48 está em melhores condições como tem melhor Capela; e que mudasse a Sede da Freguesia. Fiz ver
que sem graves e especiais razões eu não o podia fazer. Lembraram-me ser
conveniente que eu mandasse como Vigário Encomendado o Pe. José Maria
Dias, e eu lhes disse que assim já eu havia pensado e até falado ao Padre.
Neste dia dois Italianos das colônias vieram pedir-me licença para acrescentarem a Capela de seu sítio; ao que logo anuí, por despacho, ressalvando os
Direitos Paroquiais para evitarem-se complicações de futuro. Escrevi várias
cartas para a Corte, preparei o expediente em que iam algumas dispensas de
matrimônio para a Província de S. Catarina. Com data de hoje mandei Provisão de Vigário Geral ao meu Vigário Geral Monsenhor Protonotário Apostólico Luís [p. 153] Raimundo da Silva Brito. Quando em Dezembro de 1883
escolhi este Rdo. então só Cônego honorário para meu Vigário Geral não lhe
passei Provisão por extenso na forma do costume e do Direito, e por isso
declarei-lhe que lhe passava toda minha jurisdição Ordinária. Tem sido pois
meu Delegado ad universitatem causarum sem que nada tenha podido fazer de
jure, mas de delegatione mea. Agora passei-lhe Provisão na qual também declaro
que autorizado pelo Internúncio Monsenhor Cocchia a 12 de Fevereiro deste
1886 o nomeio apesar de não ser Doutor, apesar de ser residente na Diocese,
e se fosse preciso eu o absolvia e dispensava ad hoc de quibus vis censuris poenis
et irregularitatibus. Na Provisão fiz algumas 3 ou 4 reservas sub poena nullitatis, e
outras sem nulidades mas sub praecepto. E quase copiei a Provisão passada em
1869 a meu finado Vigário Geral Monsenhor Félix. Neste dia o Vigário da
Vila voltou não só para a Missa do Domingo seguinte, como também lá estavam à sua espera certo par de noivos de família importante aqui nestas alturas
e parentes da mãe do meu Pe. Alves, que deviam revalidar seu casamento. Foi
o caso que em Janeiro de 1885 tinha eu acabado de assinar a [p. 154] dispensa de mais de um impedimento que os ligava quando carta inesperada do pai
do Pe. Alves chegada naquele instante deu parte (sem ser por denúncia) que
tais noivos tinham sido casados pelo Vigário. E note-se que o Vigário mesmo
tinha escrito a petição e explicado os impedimentos! Fui às nuvens! Telegrafei para o Vigário da Vara de Itapemirim e soube a realidade do fato. E de que
48
Povoado do Espírito Santo do Rio Pardo.
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proveio o mal? Foi que na Corte souberam que eu tinha mandado examinar
os impedimentos pelo Pe. Alves muito entendido nesta matéria e conhecedor
da gente dos nubentes seus parentes. Então os que souberam que se tratava
de tal caso mandaram dizer que a dispensa estava dada ou ficaria dada e iria
pelo próximo vapor. Não chegou e houve quem dissesse que às vezes o
correio se esquece das cartas na ocasião e vem mais tarde. O pobre Vigário
bem se esquivou e torceu, mas asseguraram-lhe que a dispensa estava data
[sic] e só por esquecimento não viera a Provisão. Entretanto tinham designado dia etc. etc. Fez-se o casamento, mas logo o Vigário recebeu ofício meu,
e repreensão etc. e intimou aos noivos a nulidade do ato etc. [p. 155] Esses
noivos felizmente quiseram revalidar o ato. Com as necessárias autorizações
do Internúncio para pública honestidade que os Bispos do Brasil não podem
dispensar fora do caso de provirem de esponsais eu tinha mandado em Janeiro deste 1886 a Provisão. Enfim agora é que se ia revalidar tal casamento, que
graças a Deus a esta hora está revalidado. Na noite deste dia houve muitas
confissões de escravos do Capitão Souza e outras pessoas.
Domingo 21 de Março: Disse Missa e dei a Comunhão a 4 pessoas inclusive
Bernardino e Tomás. Já antes tinha comungado muita gente nas Missas de
meus Padres, a saber, 55 pessoas. Crismei 4 pessoas. Gostei muito de ouvir
de manhã cedo cantarem-se versos meus conhecidos de Minas em solfa que
lá tantas vezes ouvi nos tempos felizes em que morei nessas saudosas montanhas nos Seminários do Caraça, Congonhas e Mariana. É de saber que nesta
casa do Capitão Souza há certo músico barbado de Minas que diz ter cantado
na Sé de Mariana no dia de minha sagra[p. 156]ção. Será assim ou se enganou
e foi na do Sr. Bispo do Ceará D. Luís, hoje digno Arcebispo da Bahia? Certo
é que o homem é de Minas e muito conhecedor de D. Viçoso. Também aqui
há um Mineiro, que aqui fez várias imagens de santos que estão na Vila na
Capela dos Passos e meu conhecido de Mariana, onde trabalhou na tipografia
do Júlio. Não admira pois que aqui em casa de Mineiros se cante como em
Minas. Neste dia mandei para a Vila minha correspondência para seguir no
Vapor próximo. Ao anoitecer os pretos todos vieram à sala diante do Oratório de Missa rezar o Terço de N. Senhora, o que aqui se faz nos Domingos e
Dias Santos. Nos mais dias rezam o Angelus fora da casa e então se faz revista
aos meninos crioulinhos a ver se estão sujos, feridos, etc.
Segunda-feira 22 de Março: Disse Missa. Os Padres deram comunhão a
11 pessoas. O Vigário voltou cedo, e ainda assistiu minha Missa, o que ele
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e o Pe. José Maria têm feito sempre, ainda quando celebram. Eu crismei a 3
pessoas e já se sabe com uma prática antes, mas [p. 157] muito curta. Soube
que o Boticário ou ajudante de Botica do Dr. Novais estava muito mal. Como
é Italiano fiz para lá seguir o Pe. Rafael que foi e dentro de 3 horas já estava
de volta. O homem confessou-se e ficou livre de perigo.
Terça-feira 23 de Março: Disse Missa. De tarde dei um passeio com meus
Padres e o Sr. Capitão Souza. Atravessamos o pátio ou terreiro atrás da casa,
onde está de um lado o lance reservado aos misteres da família, e de outro o
correr das senzalas todas caiadas, passamos além do moinho e dos paióis do
café e milho, e subimos ao eirado que fecha o quadro paralelamente à frente,
em cujo muro está levantada uma Cruz de pau relativamente grande. Deste
eirado vimos o rio que corre apertado no fundo do despenhadeiro, e fomos
mais além gozando da pitoresca vista do rio que vem de longe serpeando
por outeiros e morros, e dividindo-se em diferentes braços. Aqui a vista se
espraia ao longe e lá vimos a Fazenda do Morro Grande pertencente a Dr.
Seabra, com suas senzalas caiadinhas de branco em [p. 158] linha pelo morro
acima. E o passeio continuou adiante sem porém vermos o Itabira, como
se pensava a não ser a pontinha que mal se divisava além do arvoredo dos
montes. Na volta quase às Ave Marias voltavam do serviço os escravos do Sr.
Souza e a cavalo o Sr. Antônio filho do Capitão, que toma conta da Fazenda.
É moço e parece muito quieto, foi estudante dos Paivas no Rio Comprido
da Corte e por doença não continuou os estudos de Engenheiro nem os de
Médico que substituíra[m] os primeiros.
Quarta-feira 24 de Março: Disse Missa. Antes por seguro sagrei o cálice e
a patena, e benzi os paramentos e toalhas. Talvez excesso de prudência; mas
desconfiei que o Pe. N. quando benzeu ao menos alguns já não tinha faculdade que eu não posso dar para além do quinquênio que hoje me dá o Santo
Padre para faculdades não mais decenais mas só quinquenais. Na Corte tive
ocasião de ver que o Pe. N. se julgava inocentemente autorizado, quando não
o estava. Neste dia chegou o meu Padre Alves, e sua chegada me causou muito [p. 159] prazer e alegria. Veio com ele um outro irmãozinho de 12 anos
por nome César. O Vigário partiu para a Vila por ser véspera de dia Santo.
Quinta-feira 25 de Março (Anunciação): Disse Missa. Não dei comunhão,
mas os Padres deram a 9 pessoas. Crismei 11 pessoas quase tudo crianças
fazendo antes uma prática algum tanto extensa, por isso mesmo que havia
alguma gente presente. O Pe. Horácio foi à Vila ver cartas e o acompanhou
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Cônego Gouveia, e voltaram à noite. Soube que tinha voltado para a Corte
gravemente enfermo de bronquite o Dr. Euclides de Abreu, nosso companheiro de Itapemirim aos Cachoeiros: já viera doente da Corte. De noite
acenderam-se todas as velas do Oratório, e a toque de sino reuniram-se todos
os escravos nas salas separados em dois lados, cantou-se três vezes o Bendito
e por ¾ de hora preguei aos pretinhos sobre o mistério da Encarnação e
concluí dizendo como faziam bem os pretos quando dizem Louvado seja
Nosso Senhor Jesus Cristo.
Sexta-feira 26 de Março: Disse Missa e dei a comunhão às Sras. D. Hen[p.
160]riqueta e Bárbara, mulher e sogra do Capitão. Crismei também ao menino César mano do Pe. Alves e serviu de Padrinho o Pe. Horário Teixeira.
O Pe. Figueiredo quer ir à Vila fazer hóstias na casa em que estivemos. Hoje
tem chovido, o que dizem fará grande bem ao feijão, e às roças que já estavam sofrendo de tanto sol, e levantará as águas do rio que têm esta[d]o muito
baixas embaraçando a navegação do tal vaporzinho. Andei hoje tomando informações sobre estradas e rumos se eu daqui prosseguir a Visita sem tornar
à Corte, onde as febres estão reinando. Que farei? No Palácio Episcopal foi
atacado o meu criado Manoel e fora para o Hospital de sua Ordem 3ª. de S.
Francisco de Paula e ia ser ungido. Terá morrido?
Sábado 27 de Março: Disse Missa. O César voltou para casa. Estive ocupado hoje por mais de 4 horas a traduzir a Bula de Leão13 publicando um
Jubileu extraordinário este ano. Presente tinha a tradução Portuguesa no periódico católico Civilização do Maranhão, e a Francesa no Univers, de que aquela
é tradução quase literal e a Espanhola na Revista La Cruz e a Italiana no periódico mensal [p. 161] do Bolletino Salesiano, que me pareceu a melhor e que
mais fielmente traduz o pensamento da Encíclica do Papa. Ainda mais outra
vez convenci-me de que faço bem em não crer na fidelidade das traduções
dos escritos Pontifícios. Resulta daqui que não tenho outro remédio senão
fazer por mim o trabalho da tradução em casos tais. Não obstante as outras
traduções embora não fidelíssimas prestam-me bom serviço. Já ao anoitecer
veio à sala visitar-me D. Henriqueta e por ela soube que era quase hora do
ensino da Doutrina e que o Mestre era o menino José seu filhinho. Quis ver
sem ser visto, e vi. Na sala ao lado do Oratório estavam os crioulinhos em
linha circular e no meio o José junto à mesa sobre a qual havia três velas
acesas. O menino fazia perguntas (lendo) e os crioulinhos juntos respondiam
acompanhando o que o José dizia pelo livro. As palavras de todos eram bem
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espevitadas. E ai dos que crioulos se não espevitarem as palavras porque
segundo me disse D. Henriqueta o José mete bolos nos crioulos. Felizmente
não houve bolos hoje. Os Padres também estiveram espiando e acharam
graça. Depois os pretos todos vieram para o Oratório e como [p. 162] fazem
todos os Sábados cantaram alguns versos Religiosos (a N. Senhora) e três vezes o devoto Senhor Deus misericórdia. Nos mais dias como já disse há o Angelus
rezado por todos no pátio fora mas perto da casa.
Domingo 28 de Março: Além dos Padres também eu disse Missa e dei comunhão a 1 e depois crismei 2 pessoas. Na minha Missa também cantaram.
Ouvi depois a do Pe. Alves. Os pretos da casa ouviram Missa e alguns mais
de uma. Mandei hoje a Itapemirim o pajem do Pe. Horácio com telegramas
ao Secretário Pe. José e a Pe. Hehn49 Congregado Alemão Professor no Seminário a fim de me dizerem como vai a febre amarela para eu saber se vou
ou fico por cá para continuar a Visita. O Rio Itapemirim leva hoje bastante
água. Dei jurisdição ao Vigário dos Cachoeiros para um casamento de gente
de Itapemirim. À noite preguei aos pretos da Fazenda no Oratório onde também estavam meus Padres e família do Capitão. Preguei sobre a presença de
Deus em toda parte. Neste dia aqui esteve o Tenente-Coronel Werneck que
decerto terá seus 80 anos, posto que ele diminua um pouco a [p. 163] idade.
Pediu-me para levantar um Cemitério em suas terras e aí uma Capela de depósito, que eu aconselhei para servir antes para nela celebrar-se. Concederei,
mas mandei ouvir o Vigário.
Segunda 29 de Março: Disse Missa. De tarde chegou-me resposta dos telegramas. Soube por eles que morrera meu criado hortelão da febre e que esta
ainda reinava e havia perigo em eu voltar. Valha-me Deus!
Terça-feira 30 de Março: Disse Missa e dei comunhão ao Bernardino. Em
outra Missa tinha comungado seu mano Antônio.
Quarta-feira 31 de Março: Disse Missa. O Pe. Rafael foi confessar um doente aqui perto, que porém não está desenganado. Dei de tarde um pequeno
passeio. Passei pelo moinho, paiol de milho, chiqueiro onde há bastantes
porcos. Há engenho de serra mais para baixo, e fornos para cal etc...
Quinta-feira 1º de Abril /Sexta-feira 2 de Abril: Disse Missa nesses dois
dias e de mais não me ocupei senão em escrever.
49
José Hehn.
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[p. 164] Sábado 3 de Abril: Disse Missa. Neste dia chegou correio que o
Capitão mandou vir do Cachoeiro, como costuma. Soube de várias mortes
na Corte. Tive o prazer de saber que o meu amigo o Sr. Comendador Fernando de Castro de Petrópolis ofereceu aos Salesianos da Casa de S. Rosa
de Niterói uma máquina a vapor para as oficinas e para levar água por todo
o estabelecimento. Boa esmola para tão útil estabelecimento e que me é caro
por ter sido fundado por mim. Tive o profundo pesar de saber que a Relação
de S. Paulo em vez de confirmar a sentença do Supremo Tribunal de Justiça,
em favor das Freiras da Ajuda, a desprezou e confirmou a da Relação do Rio
que fora contrária às Freiras, e que o Supremo Tribunal havia declarado nula
e até ilegal. Assim é o mundo! Triunfou a injustiça à custa de empenhos e
dinheiro. Há porém Deus sobre os homens! E o que será quando no futuro
eu mesmo ou outrem ler estas linhas que agora escrevo!
Domingo 4 de Abril: Disse Missa e dei a comunhão a 3 pessoas, das quais 2
eram Bernardino e Tomás. Mas neste como em alguns outros dias os outros
Padres também dão a comunhão a gente desta boa casa e também de fora.
Crismei [p. 165] a 8 pessoas fazendo antes a prática do costume. Passei a tarde prostrado em razão de constipação, e assim foi o Pe. Rafael que ao Angelus
fez prática à família e escravos depois das rezas no Oratório.
Segunda-feira 5 de Abril: Não disse Missa. Levei a escrever para a Corte.
Mandei convidar o Jesuíta Aureli e Lazarista Hehn e algum outro companheiro deles para virem a Benevente para a Semana Santa e mandei buscar cera,
óleo etc. etc. Li o Constitucional de Itapemirim. Que horrores! que impiedades!
que insultos aos Padres Romanos, e à Igreja, e a mim também mas sobretudo
ao Papa! E quem escreveu dizem ser um grande caloteiro, e um luxurioso
que até com uma escrava comete torpezas; e por cima dizem que é uma autoridade na Vila... Que diferença para seus irmãos, que são honradíssimos.
O bom Capitão Souza (que foi grande politicão de suprema influência, mas
hoje deixou-se de política, e por ser conservador mandam-lhe essa folha conservadora...) fez um grande ato de bom Cristão e assim devolveu a folheca,
escrevendo que como Cristão e pai de família não pode mais assinar tal folha
nem tê-la em sua casa. Mil louvores ao Capitão Souza!
[p. 166] Terça-feira 6 de Abril: Antes de romper o dia ainda escrevi para a
Corte, e não disse Missa. O Tomás voltou para Itapemirim com o expediente
para a Corte. E também mandei aviso ao Vigário de Benevente que brevemente para lá vou em visita.
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Quarta-feira 7 de Abril /Quinta-feira 8 de Abril: Disse Missa nos dois
dias, e a segunda quis celebrar pelos parentes defuntos mais próximos do
Capitão e sua mulher. Ainda dispensei certo casamento para Freguesia do
Alegre; e já aqui o tenho feito para outros lugares. E perguntando eu ao tal do
Alegre por que tinha vindo sem petição nem nenhuma informação do Vigário, respondeu que lhe haviam dito que nada era preciso porque bastava falar
com o Bispo. Coitado, teve de voltar por ser preciso, mas da 2ª. vez levou o
que queria para sua filha. Que calor ainda tem feito! Que será no Cachoeiro?
Tem chegado notícia que por lá só há muitos doentes de febres. Meus Padres
têm-se divertido a pescar.
Sexta-feira 9 de Abril: Disse Missa. Cansado de trabalhar talvez seis horas
em preparar sobretudo a Pastoral do Jubileu extraordinário que Leão XIII
concebeu para este ano, e moído de calor, lembrei de dar uma voltinha pelo
rio que aí está pertinho da [p. 167] casa. Descemos para lá e entrei eu, o Pe.
Alves, e o Pe. Horácio que serviu de Piloto-mor. Subimos um pouquinho
o rio e descemos e fomos a uma ilhota que estou vendo todos os dias aqui
pertinho. É bem arenosa, muitas beldroegas (não sei por que abandonadas),
algumas melancias plantadas, e tem suas capivaras, como a outra ilhota próxima coberta de arvoredo. Recebi resposta do Vigário de Benevente e vejo
que foi bem recebida a notícia de minha ida. Vamos ver!
Sábado 10 de Abril: Disse Missa. Calor, e trabalho! Contaram-me que há
pouco foi preso um preto livre e uma moça branca, que haviam fugido ambos, e que o preto estava na cadeia e a moça queria casar-se não com o preto
mas com outro rapaz.
Domingo 11 de Abril: Disse Missa. À noite não houve prédica, mas sim
cânticos: e um deles foi o Que será de mim meu Deus etc. Que recordações tive,
ouvindo-o de meu aposento. Pela vez primeira ouvi cantá-lo em Minas em
1845 na Visita Episcopal do Sr. Bispo Viçoso. Lá se vão 41 anos! D. Viçoso
tinha 58 anos, mais 2 do que eu hoje, eu era seu fâmulo e o acompanhava na
Visita e hoje sou Bispo de mais de 56 anos e sou Bispo em Visita no Itapemirim! O Capitão Souza conheceu-o muito. [p. 168] Ouvi a tal moça fugida
e o noivo e dispensei os pregões e lá se foram casar nos Cachoeiros. De tarde
passei licença ao Capitão para em seu Oratório se dar Comunhão e se confessarem mulheres, servatis servandi: o que ele muito me agradeceu. O Capitão
tem andado adoentado, o rio tem baixado, no Cachoeiro há febres, o vaporzinho não pode levar junta toda a bagagem, em Benevente sou esperado, não
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sei se vêm da Corte os Padres que convidei, tive muito que fazer... Valha-me
Deus. Foi preciso preparar quase toda a bagagem para seguir amanhã.
Segunda-feira 12 de Abril: Disse Missa, dei comunhão ao Bernardino e
crismei 1 mocinho. Às 7 horas mais ou menos toda nossa bagagem, minha
e dos Padres, lá foi para a Vila dos Cachoeiros, só ficou 1 caixa com meus
papéis de importância. Talvez vá tudo em canoa ou lancha hoje mesmo, e
quem sabe se serão precisos dois dias até a Barra? O Cônego Gouveia e Pe.
Figueiredo partiram também com a bagagem para me esperarem na Vila.
Dei licença para se prosseguir a obra da Capela de S. Sebastião perto do Rio
Muqui em terras [p. 169] da Fazenda de S. Gabriel e doadas pelo Sr. Antônio
Gomes Leal. Exigi porém que tratassem de obter sentenças de patrimônio
constituído. Já de noite veio um noivo da Freguesia do Alegre buscar dispensa: dei-a, depois de ralhar um pouco, mas que fazer! Pode ralhar manso ou
forte, os tais nubentes querem tudo às carreiras e sem eles terem trabalho
nem despesa para terem certidões etc. etc.
Terça-feira 13 de Abril: Não disse Missa, mas ouvi Missa do Pe. Alves.
Era preciso partir e cedinho. Apenas tomamos café e nos despedimos das
senhoras D. Henrique[ta] e D. Maricota mulher do Dr. Novais, e de algumas
raparigas da casa que nos vieram tomar a bênção. Rezamos o Itinerário dos
Padres e montamos a cavalo. O Cônego Gouveia, Pe. Figueiredo e Pe. José
Maria de véspera tinham ido para a Vila. Acompanhou-nos o Capitão, seu
filho Antônio, outro parente Sr. Francisco, e alguns homens da casa, como
o barbudo Batista e mais um ou outro vizinho. Conosco foi também o Bernardino, a quem o pai deu licença para ir comigo a Benevente. [p. 170] O
mesmo Minorista Bernardino me havia pedido para eu instar com o pai para
ir. Adeus pois Monte Líbano. Casa muito comprida, pois de frente tem 13
janelas de grade de ferro e mais 6 sem grade e de caixilho de vidraça (19
janelas). Do lado direito de quem olha para frente faz ângulo reto o lado em
que estão as senzalas. Estas senzalas são em sobrado do lado de fora, mas
do lado de dentro (o mesmo sucede a toda casa) são térreas. Vista de longe
esta casa parece um grande convento ou um Palácio. No interior da casa está
o Oratório de Missa com Provisão por concessão da Nunciatura. Nada tem
de belo; e por cima tudo está cheio de quadros, e de estátuas pequenas, com
profusão e duplicações; e assim há 7 ou 8 quadros e imagens do Coração de
Jesus, 8 ou 10 imagens e quadros de N. Sra. de Lourdes. No outro dia fiz tirar
um quadro de Santa Henriqueta por não saber se há santa de tal nome: foi
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pena não ter à mão um Martirológio. E hoje fiz tirar outro quadro de S. Mariana 1º porque sei de beatas Maria Anas e não canoniza[p. 171]das, 2 porque
estava vestida ou pintada como um figurino mais do que como uma Santa.
Mas Oratório e casa tudo é sem luxo, nem arte e mesmo é tosco e a casa mal
repartida e sem largura nem bons cômodos. Durante os dias de nossa estada
a mesa foi sempre além de abundante, profusa e delicada mesmo. Deram-me
o mesmo Cavalo em que saí da Vila e andei ligeiro e às vezes a meio galope. Em pouco tempo chegamos à Vila onde nos encontrou o Sr. Ildefonso,
empresário da Ponte. Aí na Vila nos esperavam o Vigário, Cônego e Pe. José
Maria e Figueiredo à porta da casa em que tínhamos estado. Já aí estavam um
noivo com três testemunhas do óbito da mulher e a pedir dispensa. Valha-me
Deus! E foi preciso fazer-lhes a vontade por amor de Deus e por pena de
terem vindo de longe. O Rio estava baixo e não tinha podido subir o vaporzinho: paciência! Nossa bagagem tinha sido embarcada em uma canoa. [p.
172] A febre nesta Vila continua, porém mais branda sem porém ter matado
senão uma criança, julgo assim ter ouvido. Já fazia pouco calor. Na Vila tomamos a consoada, visto ser dia de Quaresma, e bem vontade tínhamos de
comer mais. Depois, fomos acompanhados pelo Capitão, Vigário e outros
até a praia e passamos o rio para a margem direita ou do sul, não porém todos. Para aliviar o peso da canoa em que deveríamos entrar para descer o rio,
visto não haver vapor nem poder lancha nenhuma andar depressa, o Cônego,
Pe. Horácio etc. foram embarcados pelo rio abaixo com parte (pequena) da
bagagem, e eu e outros continuamos a cavalo e nos mesmos cavalos, e fomos
parar na Fazenda da Safra, do Dr. Leopoldo. Da Vila saímos às 11 horas e 15’
e às 12h 10’ passávamos na União, lugar onde na ida tínhamos embarcado de
novo, e às 12h 23’ apeávamos na Safra, e esperávamos ainda pelos companheiros que vinham pelo tortuoso Itapemirim. Nesta viagem muito devemos
ao Sr. Capitão Souza e muito ao Sr. Custódio sócio do Sr. Simão e a este bom
Simão. Para tomar medidas apropriadas, o Sr. Custódio [p. 173] tinha vindo
à Vila, mandou avisos pelo caminho, e nos foi esperar à União. Na frente da
casa do Dr. estava içada a bandeira nacional. Que bonita posição e bela vista!
Admirei tanta vegetação e verdura, quando não tem chovido e este rio tem
poucos afluentes e nem se encontram facilmente fontes d’água! Mas há bastante neblina sobretudo de manhã. Tomamos algum refresco, conversamos
e enfim às 2 horas depois de larga demora nos embarcamos todos juntos.
A maior parte da bagagem lá ia adiante. Nossa canoa era comprida, mas
estreita: tinham feito uma armação de bambus sobre a qual estendeu-se um
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encerado já velho; mas estava forrada de esteiras e havia dentro uma porção
de travesseiros para recosto. Graças a Deus nesses últimos dias não tem feito
calor, nem hoje nos queixamos de calor nem de suor. Às 2h 40’ passamos
defronte da Fazenda do Ouvidor e às 4h 16’ passamos a da Ponta Grossa em
um alto à margem esquerda do rio, e não longe passamos a Fazenda da Ribeira. Já se estava [p. 174] cansado de canoa e do encolhimento (de estarmos
encolhidos) e assim às 4h 35 saltamos sobre um areal ao lado de arvoredo
e como estávamos com fome e necessitados de alimentação ali estendeu-se uma esteira e toalha e tiramos a matalotagem trazida da Vila e ordenada
pelo Cônego e Vigário. Nem todos comeram bem e eu fui deles. Às 5h 20’
tornamos a embarcar, e lá fomos rio abaixo; e começou a anoitecer. De vez
em quando a canoa encalhava na areia, e saltavam alguns dos remadores ou
vareiros ao rio para safá-la. Encontramos uma lancha encalhada à espera de
amanhecer para trabalhar em safar-se. Lá vai uma anedota. Eu de prevenção
já tinha rezado o Breviário exceto as Matinas somente. Já estava escuro e
ventava (como todo o dia) pela proa, e como ter luz? Lembrei-me do vidro
de conserva, que tem boca larga: e dentro meti a vela (que trazíamos na bagagem), mas logo apagou-se como era natural. Quebrou-se então o fundo,
meteu-se a vela dentro, e segurou-se tudo entre latinhas que esta[p. 175]vam
em um pequeno caixote e rezei otimamente as Matinas. Seguimos viagem,
mas já todos estávamos cansados e a cabeça me doía um pouco: paciência!
Eram 11 horas da noite mais ou menos quando chegamos à Vila de Itapemirim. Repicavam os sinos da Matriz e no porto havia bastante gente apesar
de tão tarde! Ali estava desde muitas horas um vaporzinho posto à nossa
disposição pelo Sr. Simão. Do vapor atiraram ao ar alguns foguetes, e a banda de música do Sr. Simão tocou o hino nacional. Nesta ocasião o Minorista
Tomás me entregou os telegramas vindos da Corte e que eu esperava. Por
eles soube que o Jesuíta Pe. Aureli não podia vir, mas vinham os outros por
mim convidados. Passamo-nos da canoa para o vapor sem descer em terra e
largamos rio abaixo: então a gente da praia levantou alguns vivas. Era meia-noite menos 5 minutos em meu relógio quando desembarcamos na Barra do
Itapemirim. Se nós que só da Safra tínhamos vindo embarcados estávamos
cansados, muito mais os outros vindos em canoa desde a Vila dos Cachoeiros! Estávamos bem cansados. Seja tudo por amor de Deus!
[p. 176] Fazenda do Monte Líbano (Freguesia dos Cachoeiros): 24 Missas minhas; 105 Comunhões (12 dadas por mim); 1 sagração de cálice; 3
práticas (2 por mim); 31 Crismados.
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Barra do Itapemirim (Freguesia de Itapemirim)
Quarta-feira 14 de Abril: Ninguém disse Missa. Neste dia chegou da Corte
o Vapor Maria Pia e nele vieram o Pe. José Hehn (Alemão Professor do Seminário com quem lá me confesso) e Pe. Afonso Gavroy Superior do Seminário de S. José, ambos Lazaristas e o Subdiácono Souza aluno do Seminário.
Tive muita satisfação e foi com extremos de alegria que os vi, sobretudo o
Pe. Hehn. Tiveram uma viagem horrível em razão de mar grosso e vento e
estavam fatigados. Recebi grande número de folhas e cartas e o meu expediente. Mandei telegrama para a Cidade da Serra a fim de seguir para [p. 177]
Benevente o Minorista Loureiro que é de lá e lá se acha por causa das febres
da Corte. Neste dia li novo número do Constitucional de Itapemirim desavergonhadamente escrita e contra Papa e Igreja Romana e céu e terra. Ímpio e
atrevido por cima. Mas tem perdido muito e o Vigário dos Cachoeiros lhe
tem tirado assinantes. Assentou-se em ir amanhã à Vila com todos os Padres
dizer Missa e fazer batizados e crismas, como desejava.
Quinta-feira 15 de Abril: O Sr. Simão de boa vontade pôs um vapor à
minha disposição e às 7h menos 5 minutos da manhã nos embarcamos e
conosco o Sr. Simão e outras pessoas que iam para o batismo e crisma. A
viagem foi de 1 hora e pouco (rio acima). Tive ocasião de ver as duas entradas
do canal do Pinto que comunica os rios Itapemirim e Novo, e dizem que nele
há uma comporta. Pelo que ouço, o canal é um rio e deste para o Novo é que
há propriamente canal aberto por terreno de brejo. Desembarcamos na Vila
e seguimos logo para a Matriz. Reparei que o Cemitério está todo capinado:
pelo que vejo que minhas palavras fizeram efeito quando fiz a visita dele. Eu
Bispo 1, 2 Cônego Gouveia, 3 Pe. Rafael, 4 Pe. Alves, 5 Pe. Figueiredo, 6 Pe.
Horácio, 7 Pe. José Maria, [p. 178] 8 Pe. Hehn, 9 Pe. Gavroy, 10 Subdiácono
Souza, 11 Minorista Bernardino, 12 e lá se ajuntou o Minorista Tomás. Tantos Padres e tantas batinas onde o Constitucional havia decomposto a todos
os Padres da Igreja Romana! Todos disseram Missa exceto Figueiredo que se
achava incomodado com vontade de vomitar. Como General em chefe dei
minhas ordens perfeitamente executadas. Pe. Gavroy foi celebrar e consagrar
algumas partículas para quem quisesse comungar. Pe. Hehn benzeu água batismal juxta Rituale Romanum com Ladainhas, incenso etc. Pe. Rafael pôs-se
a confessar; e as Missas iam-se celebrando em 2 e 3 altares a um tempo. Eu
mais tarde celebrei e dei comunhão a 1 pessoa. PPes. Hehn e Gavroy foram
à cadeia confessar a quem quisesse. É bom que de véspera eu tinha mandado
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avisar aos presos que os que quisessem se aprontassem para confessar no dia
seguinte e que nada bebessem nem comessem. Também mandei perguntar
ao Dr. Gregório (Juiz Municipal que serve de Juiz de Direito ausente nos
Cachoeiros) se eu poderia mandar confessar os presos e levar a comunhão. E
eu mesmo na Sacristia da Matriz falei-lhe sobre isto. [p. 179] Não quis falar
com certo sujeito da Polícia, por ser um miserável conhecido por um homem
sem costumes e indigno e até passar por um dos rabiscadores ou aprovadores
dos desaforados artigos do Constitucional; e temia alguma negação acintosa.
Dos presos (eram mui poucos) alguns se escusaram dizendo que ainda não
estavam processados, que depois se haviam de preparar mais e melhor. Eu
na Missa depois do Evangelho assentei-me e fiz uma extensíssima prática na
qual falei de muitas coisas, e refutei quanta blasfêmia o tal Constitucional tinha
escrito, e disse claramente que tantas blasfêmias se diziam em uma folha (sem
nomeá-la) da Vila de Itapemirim, e que a deviam repelir e suspender assinaturas como já havia feito um senhor (não nomeei o Capitão Souza) o qual
recambiou a folheca dizendo que como Cristão e pai de família não a podia
consentir em casa. Disse boas e fortes! Esta folha escreveu em seu último
número que eu do púlpito havia insultado as cinzas do Pe. Manoel Pires Martins e declarado que vivia amancebado, quando ele tinha tido a melhor vida
possível como Jesus Cristo quer (que [p. 180] blasfemo!) e que era a vida de
família. Família pela mancebia, nem as leis civis a reconhecem e por isso no
inventário do Padre nada passou para os filhos do Padre, mas para sua mãe
viva em Piúma! E querendo eu fazer uma das minhas, neste sermão falando
da Confissão disse que não era invenção de Padres, e que isto eu ia provar não
já pela Escritura e Teologia, mas pelo bom senso mesmo. Os Padres maus
não gostam de confissão e mal a fazem por desobriga, casamento e morte; e
os Padres bons têm muito medo e é felicidade achar um que tenha coragem
e goste de confessar. E apontando para a sepultura do Padre ali no meio da
Capela-mor disse: Aquele Padre o Padre Manoel Pires Martins quereria em
vida ter apanhado tanto sol e chuva se a confissão fosse invenção de Padres?
O Pe. Manoel Pires Martins na hora da morte teria pedido confissão com
tanta instância se a Confissão fosse invenção de Padres? Quereria ele morrer
assim iludido e enganado? E disse: reparai que é a 1ª vez que cito o nome
deste Padre; e nunca falei em seu nome como disse certo jornal desta terra. E
é verdade, pois só uma vez disse na Visita: Confessai-[p. 181]vos, e comungai
enquanto há ocasião... Reparai que esse – não disse nome – sobre cuja campa
estais bem quis e não pôde achar um Padre em ponto de morte. Enquanto
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pregava voltaram da cadeia os 2 Padres e fizeram saber ao Figueiredo que
era tarde. Celebrei o resto da Missa com mais pressa, e mandei preparar o
preciso para levar o SS. à cadeia. Concluída a Missa, seguiu-se a Procissão. Ia
a Irmandade de S. Benedito, a campa a tocar, os sinos repicavam, o SS. era
levado pelo Cônego debaixo da umbela carregada pelo Pe. Alves e assistido
pelo Figueiredo (ambos de sobrepelizes) os mais Padres e Minoristas sem sobrepelizes mas com suas samarras e velas, e eu atrás de roquete e murça com
vela na mão, como também o Dr. Juiz Municipal. Os Padres iam cantando o
Te Deum. Bastante gente, homens e mulheres acompanhavam. O ato esteve
tocante. Comungaram só 2 pessoas, a mulher da cadeia e o velho, ambos na
sala da guarda embaixo. O velho já não podia com o jejum para comunhão;
ambos estavam devotamente ajoelhados e a mulher tinha seus cabelos penteados. [p. 182] Voltou-se do mesmo modo. Seguiu-se a Missa do Pe. Alves
para consumir as partículas da âmbula. Em seguida o Pe. Hehn batizou 8
pessoas e depois fiz prática sobre a Crisma e ainda refutei as blasfêmias do
tal Constitucional e crismei a 20 pessoas. O Sr. Capitão Costa apareceu-nos e
mandou buscar café para os Padres, como também o Sacristão a quem eu
havia encarregado de prepará-lo. Às 3h 35 da tarde nos embarcamos de novo
para a Barra e gastamos quase que metade do tempo. Todos estávamos cansados e com fome. O Jejum com estes trabalhos custam bastante, nem sei se
haverá obrigação de cumpri-lo nestes casos. No jantar o Sr. Simão fez-me um
brinde no qual especialmente e sobretudo agradecia e admi[p. 183]rava a comunhão aos presos, o que disse ele fez-me derramar mais de uma lágrima lá
do meu cantinho onde via e admirava. E creio que há de ter feito impressão
em muitos que ainda quando estivessem acostumados a ver o mesmo Viático
nunca tinham visto, nem era possível ver Comunhão levada aos presos e com
acompanhamento de 1 Bispo e 8 Sacerdotes, 1 Subdiácono e 2 Minoristas.
Bendito e louvado seja o SS. Sacramento da Eucaristia. Depois do jantar
demos um passeio pelo lugar. Vi a Capela já em parte feita, e é maior do que
pensava vendo-a de casa só pela frente. O Sr. Simão tem a madeira pronta
e vai cobri-la, como também fazer outra parede nova no fundo em lugar da
atual que está rachada. Vimos as oficinas do lugar pertencentes ao Sr. Simão;
ali fazem-se obras de ferro e de marceneiro etc. O Diretor não estava então e
é um Alemão (Stein) que eu na Corte batizei sob condição e o Pe. Hehn converteu do Protestantismo: é hoje sócio do Sr. Simão. No passeio encontramos uns 30 talvez colonos Tiroleses desembarcados e que deviam seguir para
o trabalho da estrada de ferro da Vila dos Cachoeiros, na qual se trabalha. Em
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caminho me disse o Sr. Simão que aquele terreno mais perto da Igreja e oficinas lhe pertence e que ele há de [p. 184] ali abrir uma Praça e uma rua e que
já resolveu qual o nome a dar e será: Praça do Bispo Lacerda – Rua do Bispo
Lacerda, se eu não mandasse o contrário e lho permitisse. Fiquei admirado e
por tal não esperava e dei as devidas graças. De noite vi bem a luz do farol da
Ilha dos Franceses, que serve para esta Barra e Benevente e Guarapari. Tive
o prazer de receber o livro escrito pelo Pe. Martins, de que já dei notícia, e
que o Padre me pedira na Corte para acrescentá-lo e corrigi-lo e que por sua
morte estava com a mãe do Padre. E veio demais um outro livro com muitos
acréscimos. Tive muito prazer em havê-lo em meu poder.
Itapemirim (de novo) neste dia: 9 Missas (1 minha); 3 Comunhões (2 na
Cadeia, 1 por mim); 8 Batizados; 20 Crismas; 2 práticas.
F reguesia de N. S enhora da A ssunção da V ila de B enevente
Vigário Encomendado o Pe. André Bertolo y Miguez (Espanhol ) 25ª. Freguesia visitada
Sexta-feira 16 Abril: Eram 7h 10’ da manhã quando nos embarcamos no
vaporzinho Três de Abril comandado pelo Sr. Alexandrino homem de confiança do Sr. Simão e entendido nestes mares. Pouco havíamos andado e logo
paramos encalhados, por não haver água bastante. Tinha chovido e o rio tinha bastante água e portanto tinha trazido muita areia e aquela areia tinha-se
espalhado pelos muitos arrecifes, que [p. 185] se acham não muito longe da
barra e em longo circuito. Tiveram de mandar à terra e penso que telegrama
avisando Benevente. O homem que levava o recado meteu-se no mar que lhe
dava pela cintura e lá se foi e depois voltou. Estava de ceroulas, mas com as
calças na mão: achei graça no caso. Grande foi a demora, nada menos que
duas horas e partimos às 9h 10’. O vaporzinho foi atravessando galhardamente os cachões de água espumante e rolos de mar, e arfava ao atravessá-los. Não tivemos medo nem dos rolos nem do levantar-se e baixar do vapor,
porque ia ao leme o próprio Sr. Alexandrino e conosco iam outros entendidos nestes e outros mares. Lá fomos com a proa para a ilha dos Franceses e
passamos entre esta e a terra firme. É ilha compridinha no sentido longitudinal. Aí está o pequeno farol e a casa do faroleiro entre coqueiros e outro
muito arvoredo, tudo dominado pelo farol. Junto à lanterna do farol estava a
tremular a bandeira brasileira. De nosso vapor atiraram alguns foguetes. Vimos um homem e mulher e uma criança. Eram 10h 30’ quando passamos a
ponta mais setentrional. Tínhamos passado defronte da praia de Piabanha, e
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a da Itaoca, e tínhamos em vista o monte chamado Morro do H (agá) que se
parece com um H como um ovo [p. 186] com espeto. Ninguém soube dar a
razão do nome. Muito para a esquerda e mais para trás de nós e ao longe via-se bem o Itabira e o Frade e Freira, já nossos conhecidos. O céu está claro e
o sol brilhante e calor moderado ou pouco. Mais adiante vimos uma das 3
ilhas de Piúma, e depois a 2 e logo a terceira como em rumo uma atrás da
outra que víamos bem separadas à medida que andávamos, o que a princípio
não distinguíamos. Já de longe avistávamos a frente da Capela de Piúma, mas
devíamos entrar no Rio Piúma. Mas onde a barra? Víamos uma casa grande
e escura e com visos de abandonada, e que parecia um pequeno fortim, perto
do canto da praia. Pois aí estava a barra. À medida que andávamos se via bem
a boca do rio que é largo e fundo na barra. Dizem que é formado pelo Iconha e Itapoama ao sul (não Itabapoana, sim Itapoama). Entramos (eram 11h
e 50’ minutos) [e] tratamos de atracar no trapiche. Desde algum tempo ouvia-se o estourar de ronqueiras e de foguetes do ar e os repiques de sinos; e víamos o povo vir vindo vagarosamente para a barra. Gritos e mais gritos do
Sr. Alexandrino para o vapor encostar. Descemos enfim [p. 187] e fomos
cumprimentados por toda aquela gente, muitos dos quais me beijaram a mão.
Fomos logo para a Capela onde estavam a tremular a bandeira Brasileira no
meio e a Inglesa na torre do lado da Epístola e outra noutra torre, que não sei
qual fosse. Pelas ruas havia algumas bandeiras e coqueiros. Acompanhados
do povo, que parecia alegre de me ver entramos na Capela que não é grande.
É de arquitetura nenhuma, mas estava limpa e com o trono aceso. Fizemos
oração e os Padres cantaram o Ave Maris stella e eu a Oração Concede misericors
Deus etc. Vi na Sacristia os ornamentos novíssimos de cores separadas e missal novo. Fomos depois levados pelo Sr. Major Virgílio (que viera conosco da
Barra) para uma sala ao lado de uma venda e ali nos deram café, cerveja etc.
Era dia de jejum nada havia-se tomado senão café na Barra antes de sair, e em
Piúma nada de comer: assim assentamos em fazer ali nossa consoada com
biscoitos. Aqui moram 2 irmãos do finado Pe. Pires Martins; e a convite de
um deles fui visitar a mãe que não podia vir onde eu estava: levei comigo o
Tomás. É uma velhinha bem velhinha que diz ter seus 80 e tantos, sequinha
com a face enrugada e muxibenta e os olhos lacrimejantes, desdentada, mas
viva e alegre. Coitada, muito sentida de haver perdido [p. 188] seu filho. Nasceu na Vila Velha do Espírito Santo, perto da Vitória e lembra-se bem do Sr.
Bispo D. José Caetano, que a crismou talvez em 1812 (penso...). Conversei
por algum tempo com ela e como tratavam de fazer um pequeno conserto no
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nosso vaporzinho demorei-me mais. Enfim voltei para a nossa sala e ainda
esperei bastante. O Pe. Gavroy foi ver um cemitério que ele e seu companheiro edificaram quando aqui estiveram em missão em 1875... É cercado de
pedra que foi trazida do outro lado do rio pelo povo. Nesta sala apareceu-me
o velho Inglês Sr. Thomas Dutton, de aspecto sisudo e simpático e mui cortês. Disse ser conhecido e amigo do ótimo Católico finado Diogo Andrew
meu amigo, que ele mesmo classificou ser um santo; e amigo do finado Sr.
Nor[r]is, Católico fervoroso de Niterói, antigo relojoeiro da Corte, e amigo
do Sr. Guilherme Morrissy, Presidente da Legião da Cruz para dar esmolas
ao Papa. Entretanto pelo que ouvi dizer ele50 é Protestante. É o dono do
trapiche onde desembarcamos. Disse ele ter algumas sesmarias de terra que
comprou por ali e onde tem colonos ingleses, que infelizmente são Protestantes. Ele é nascido em Londres e morou muito tempo na Corte: fala bem o
Português embora [p. 189] com a acentuação Inglesa. Piúma já floresceu,
mas já decaiu e ainda está decadente, como se vê em casas velhas e arruinadas. É um pequeno arraial com esperanças de reerguer-se: fica entre o rio e o
mar ou na ponta à barra do rio Piúma. Já teve gasômetro e gás, mas hoje nada
disso mais; vi o gasômetro estragado. Fomos acompanhados por algumas
pessoas até o trapiche onde nos embarcamos e partimos às 2 horas da tarde
menos uns cinco minutos. Saímos por entre a terra firme e a ilha mais próxima. A costa daí por diante é de rocha denegrida pelo bater das ondas, e tínhamos correndo para nossa direita muito mar fora a ponta chamada dos Castelhanos. Passamos a praia do Iriri, nome também de um pequeno riacho que
ali deságua como ouvi e vi no Mapa; e a Ponta Grossa e depois a de D. Luzia... Desde a Barra que eu vinha a dizer mil coisas do grande Pe. José de
Anchieta e conversava sobre ele com o Sr. Major Virgílio que já foi Deputado
Provincial e é figurão de Itapemirim, e com o Sr. Custódio que também figurou na Vitória e é sócio do Sr. Simão. A estes devo muitos favores. [p. 190]
Lá está Benevente, a antiga Reritiba! Avistamos a Capelinha de N. Sra. da
Penha, que está no mais alto do monte e mais para baixo a Igreja maior e casa
dos antigos Padres Jesuítas, onde morreu o imortal Venerável Pe. José de
Anchieta. Vi o relógio... Eram 2 horas 38’... Reritiba! Pe. José de Anchieta...
Dali foi ele para o céu... Anchieta... Antigos Índios... Por ali se falou outrora
o Tupi que hoje ninguém ali conhece. Missões dos Jesuítas... Que de lembranças me assaltaram o espírito! que de fatos, que de sentimentos na alma...
50
Dutton.
280
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Fiquei comovido em tal momento. À medida que chegávamos fomos vendo
casinhas na praia à entrada do rio, praia chamada Canto da Praia. A vila de
longe não se avistava e ficava do outro lado do monte e do outro lado do rio
que corre além do monte. Mas quanto me pareceu belo este monte! Todo
coberto de relva e aqui e acolá uma árvore copada e em diferentes pontos
esbeltos coqueiros. Havia algum gado a pastar! Benevente! Reritiba, Reritiba!
eu te saúdo! Terra escolhida por Anchieta para descansar de suas fadigas
apostólicas, eu te saúdo, e te envio meus [p. 191] mais afetuosos sentimentos
da alma! Enfim passamos defronte de uma linha de pequenas casas à margem
direita do Rio na qual se acha a Vila e entramos pela barra do rio Benevente,
e o subimos um pouco. Rio largo e sereno ao menos então. Paramos em um
estreito cais chamado Cais do Imperador, pois ali Sua Majestade Imperial
desembarcou quando cá veio e fica junto à casa do negociante Português Sr.
Comendador Albino Ferreira Guimarães. Ali havia um engraçado arco de
folhagem e coqueiros a distância de um e outro lado. Ali estava o Vigário
vestido de pluvial e o pálio e Irmandades, e a Câmara Municipal e vários
Doutores e o Sr. Albino de casaca e luvas brancas de pelica. Desembarquei e
os Padres; e logo o Dr. Cândido Borges da Fonseca Juiz de Direito interino
começou um pequeno discurso de felicitação por ordem disse ele e nome da
Câmara Municipal. Respondi que agradecia e acrescentei que me achava contente nesta terra que para mim era de venerada recordação por ser onde
acabou seus dias o grande Anchieta, e se eu tantas vezes havia proclamado as
grandezas de Anchieta, outras tantas tinha celebrado as glórias de Benevente.
Parece que gostaram da minha lembrança, e debaixo do Pálio carregado pelos Camaristas fui levado para a casa próxima do [p. 192] Comendador e
subimos para o andar de cima, onde no topo da escada várias meninas me
lançaram flores com certo acanhamento. Casa grande e asseada. Aqui apareceu o ótimo Pe. Marcelino vindo das Colônias e o Minorista Coriolano Rossi
que é desta Vila e nela morador. Em uma das salas tomei os paramentos e
mitra e báculo e desci para o pálio levado por 4 Doutores e o Albino e 1
Vereador. Então rompeu uma marcha a banda de música da Vila e foi tocando pelo caminho, e nos intervalos o Clero cantava o Benedictus. Logo ao sair
da casa havia no encontro de duas ruas um grande e belo arco de folhagem,
ou antes quatro arcos ligados entre si um defronte de cada rua das que se
cruzavam, e adiante mais outros e de cada lado a pequenos espaços coqueiros
e pelo chão muitas folhas. Repicavam os sinos, numerosos foguetes subiam
de contínuo ao ar, e tudo parecia contente. Na Procissão ia um guião, e S.
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Benedito, e também o pendão branco de N. Sra. da Penha, e as duas Irmandades respectivas, e algumas meninas e moças (algumas destas de braço
dado!!...) e alguns meninos que tomaram as túnicas brancas que trago para
tais casos, e com suas sobrepelizes iam os 3 Minoristas, [1] Bernardino, 2
Tomás, 3 Coriolano, o Subdiácono 4 Souza, os Sacerdotes [5] Cônego Gouveia, 6 Pe. Rafael, 7 Pe. Marcelino, 8 Pe. Gavroy, 9 Pe Hehn, 10 Pe. Horácio,
11 Pe. José Maria, 12 Pe. Figueiredo, 13 Pe. Alves, 14 Vigário de capa de asperges. Eu ia entre Pe. Rafael e Marcelino e o Cônego de murça servindo de
Presbítero e ia lançando a bênção para as bandas e o coração esse ia cheio de
Pe. José Anchieta. Assim fomos por uma rua de casas contíguas e caiadas e
algum povo acompanhava. Digo algum, porque muitos e sobretudo mulheres por serem pobres julgavam não poder comparecer senão às portas e janelas. Fomos pela rua até que começamos a subir uma montanha alta e algum
tanto íngreme, toda [p. 193] de pedra em sua base e até quase acima, e chegamos acima onde está um espaçoso largo, todo de relva sem ser rodeado de
casas. Aí que está a antiga Casa dos Jesuítas pouco alta e de 6 janelas, do lado
do Evangelho da Igreja ficando a torre do lado da Epístola. À porta da Igreja se achava outro arco de folhagem de 4 faces, ou 4 arcos unidos pelos extremos. Fizeram-se as cerimônias do Pontifical e foi-se entrando pela vasta
Igreja de 3 naves ao canto do Te Deum; houve beija-mão dado por mim ao
Clero, concessão de Indulgências etc. Depois fui para o púlpito e o texto foi
Fidelis sermo et omni acceptione dignus quod Christus Jesus venit in hunc mundum peccatores salvos facere quorum premius ego sum etc. etc. de S. Paulo a Timóteo. Comecei
por dizer que [p. 194] não podia explicar os sentimentos que me inundavam
achando-me junto ao quarto onde faleceu Anchieta. E nisto levei tempo e fiz
sobressair por alto as grandes qualidades de tal homem. Lembrei que eu vira
por vezes ao longe o berço de Anchieta em Tenerife em viagens que tenho
feito à Europa e agora estava junto ao lugar onde ele expirou tendo já celebrado solenes exéquias na Vitória em 1880 junto do que foi seu túmulo. E
depois fiz ver que Jesus Cristo veio ao mundo não para isto e para aquilo, mas
ut peccatores salvos facere. E deste modo livrando-nos dos pecados dava liberdade a nosso espírito e a nosso coração etc. E esta é a verdadeira liberdade de
consciência que nos deu. Isto foi aludindo e refutando certo ponto do Regenerador51 – órgão Municipal – folha hebdomadária, que entre reais fins da
vinda de Jesus Cristo mencionou (sem explicar) a liberdade de consciência.
51
Regeneração, como o bispo o designará corretamente mais adiante.
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Como não podia invocar Anchieta que ainda não é beatificado invoquei o
Anjo da Guarda de Anchieta para proteger a Visita deste lugar. Depois do
sermão voltei para casa com os Padres e com as Irmandades e gente que quis
acompanhar. Mas aqui quantas decepções! A casa do Sr. Albino é como já
disse, mas era só para mim e 2 Padres dos meus mais [pre?]diletos como me
disse o mesmo Sr. Albino. E nem havia jantar para todos ao menos neste 1º
dia. Para os Padres o Vigário disse ter preparado 2 pequenas casas [p. 195]
mais longe. Senti ver-me condenado a ficar separado de meus Padres obrigado a mil inconvenientes quando deles precisasse. Isto não é nada! Quando os
Padres foram a tais casas nada acharam, nem camas, nem castiçais (servia
uma garrafa!) nem nada. O Vigário não fez isto por mal mas por incúria e
neste ponto em parte ne[nhu]ma eu encontrei tanto desmazelo. Quando eu li
no Regenerador que aqui havia muitas comissões, logo suspeitei que haveria
faltas. E depois não sei que houvesse comissão para casa e comida etc. etc.
Foi um desapontamento geral em todos e em mim também, que demais fiquei sentido de ver em tanto desamparo os meus Padres e os que vieram a
meu convite. E note-se que por mais de uma vez eu fiz ver ao Vigário que
todas as despesas correriam por minha conta. Soube que os volumes remetidos do Rio a meu pedido com cera, óleo etc. tinham chegado, mas só 3 volumes estavam em terra e um tinha seguido para o Norte. Que volume será?
Será o dos óleos? e então adeus Semana Santa ou pelo menos sagração de
óleos, e trabalho inútil o de ter reunido tantos Padres! Soube mais tarde que
a cera [ilegível] [p. 196] foi no vapor; paciência, mas fará falta se não vier
porque a cera daqui é sebo. O Sr. Custódio e Major Virgílio prestaram-me
serviços que não sei bem encarecer. A eles se deverá ter telegrafado para o
agente do vapor na Vitória, a eles se deverá as duas casas para os Padres e
para mim que com eles irei ficar; a eles se deverá camas, mesas, e cozinheiro
e tudo tudo porque tudo nos faltou aqui. Boa lembrança tive quando mandei
na Corte buscar lençóis e cobertores, para os Padres que viessem; eu queria
prevenir para não sobrecarregar o Vigário e hoje vejo que foi uma Providência que vai remediar necessidades. Já se sabe que aluguel das casas e mais
despesas são por minha conta. Todos os Padres foram-se e eu fiquei só com
Alves e Figueiredo. No jantar (bem modesto) esteve também o Vigário, e o
Sr. Albino e filho. De noite (e que belo luar!) não me fartava de olhar da janela para o grande rochedo que aguenta [o] morro sobre o qual está a antiga
Casa dos Jesuítas. [Ilegível] e ficava a olhar para o fundo da grande Igreja e
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[pa]ra as derrocadas pa[redes] de ped[ra] paralelas à Igreja52 [p. 197] e para
uma pequenina porção paralela à frente e que ainda subsiste. É aí junto à
Igreja que fica uma janelinha e essa janelinha era do quarto em que morreu o
grande Anchieta! Olhava e tornava a olhar com saudades e os mais profundos e doces sentimentos do coração.
Sábado 17 de Abril: Não saí de manhã, e levei a escrever este relatório e a receber uma ou outra visita, das quais uma foi a do Pe. Marcelino que como ontem tornou a pedir-me para eu ir em Visita a Alfredo Chaves, que o Governo
criou Paróquia mas não a autoridade eclesiástica, e que é centro das colônias
Italianas. Eu anuí de bom grado. De tarde estava-me aprontando para ir para
as casas novas dos Padres, quando estes chegaram onde eu estava. Despedi-me do Sr. Albino e com os RR. Padres vim para estas outras casas. Coitados!
Alguns não têm colchão, mas dormem em esteiras! Fel[iz]mente há roupas
de cama, e ainda não faz frio: aqui [ago]ra [a] temperatura está moderada. Alguns castiçais são garrafas. Há [ilegível] [form]igueiros debaixo do assoalho
e de manhã [se] veem montes de terra que as formigas tiram debaixo. Há de
tudo[!!]... Às 6 [?] horas fomos para a Matriz, que é a Igreja do An[chie]ta. [p.
198] Havia pouca gente, mas depois apareceu mais. Cantamos as Ladainhas e
depois preguei sobre o texto Hoc est vita aeterna ut cognoscant etc. e falei da necessidade da fé para bem conhecer Deus e seu filho Jesus, e no fim o Bendito.
Tornamos por uma descida que fica no fundo e que embora íngreme é mais
perto da casa. Verificou-se hoje que é o caixote da cera que seguiu no Vapor.
Domingo de Ramos 18 de Abril: Os Padres lá foram dizer Missa e depois
eu; e tornamos todos a reunir-nos em casa para nosso modesto almoço que
porém fartou a todos. Seguimos para a Matriz. Eu Pontificalmente fiz a bênção das Palmas assistido pelos Pes. Rafael e Marcelino e o Cônego de Presbítero. O Vigário foi Subdiácono e o Pe. Horácio Diácono. Fez-se a Procissão
por fora da Igreja ao derredor da praça chamada do Pe. Anchieta à vista do
Oceano e da extensa ponta dos Castelhanos. O hino Laus, gloria esteve bem
cantado. Depois despi-me para as[?]sistir só de murça, e assim poupar Padres.
A Missa foi cantada pelo Cônego com os dois Ministros supra [?] para Epístola e Evangelho. O mesmo Cônego no altar serviu [de] Cristo, o Pe. Gavroy
de Cronista e Pe. Hehn de [Ap]ostos [?](como diz o vulgo) e de povo ou
turba. Estes dois [ficar]am perto do lado do arco Cruzeiro da Capela[-mor]
52
Um tanto danificadas na parte inferior esta página e a seguinte do manuscrito.
284
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[p. 199] que é pequena e parece não ter sido concluída. A função correu bem
e esteve devota. Apareceu certo jornal daqui chamado Regeneração. No artigo
editorial diz para me auxiliar na Visita declara que as causas do indiferentismo que aqui haverá e no Brasil é porque passo Provisões a dezenas de Padres
estrangeiros e não os colo nas Freguesias. Deus me dê paciência para aturar
tais parvoíces! Vigários Italianos são poucos a quem eu tenha dado Provisão
e de outras Nacionalidades são também poucos. Demais nesta mesma Província tem havido e há Vigários colados e Brasileiros e amancebados ou que
o foram! Hoje um negociante daqui e um Tabelião me vieram visitar e ouviram boas que disse em reputação da tal folheca. O caso não é com eles, mas
eles contarão o que ouviram. Pelas 6 e tanto fui com os Padres para a Matriz e
depois dos Benditos preguei sobre o texto Desolatione desolata est omnis terra quia
non est qui recogite corde e indiretamente refutei o tal jornaleco.
Segunda-feira 19 de Abril: Felizmente acho-me em dia como se diz com
estes apontamentos; são porém 35 minutos depois de meia-noite [p. 200] e
a segunda-feira está apenas começada. Todos dormem e estou ouvindo um
rato a roer não sei o quê. Vou deitar-me. Não disse Missa mas fui à Matriz
onde ouvi a do Vigário, na qual se deram vinte comunhões. Na volta desci
pelo caminho mais perto, que fica atrás no fundo da Matriz. Cheguei-me para
junto da que foi cela do Pe. Anchieta, e ali estive vendo aquelas ruínas do
muro. Felizmente na extremidade junto à Igreja ficou a janelinha e o quarto
de Anchieta. Tudo de pedra, mas não resistiu ao vandalismo dos homens!
Disseram, que por abandono começou a haver nos telhados e paredes algum estrago; em vão pediram ao Governo Provincial auxílios para o reparo.
Então puseram abaixo grande parte, e a custo porque o muro era bem consistente. Assim ainda continue a perdurar essa cela onde faleceu o grande
Anchieta há 289 anos, isto é em 1597. Ao jantar reparei que a casa onde estamos fica encostada ao rochedo do pé do monte sobre o qual existe a antiga
Casa dos Jesuítas. Estando à porta que deita para o pequeno quintal que há
tem-se sobranceiro e perto a Igreja e a cela de Anchieta. Esta cela deita para
o rio, e dela mesma não se vê o mar. Passadas as seis da tarde fui para a Igreja
com os Padres. Cantaram-se as Ladainhas, e fui para o púlpito. Como nos
outros [p. 201] dias e quase em toda parte havia pouca gente, e por isso logo
no princípio ralhei um pouco, e avisei para mandarem amanhã os meninos à
doutrina, e disse que os Ofícios desta Semana Santa começariam cedo; tornei
a dizer como em um destes passados sermões, que por concessão do Papa
(para os lugares principais) os que nesta Visita se confessassem e comun285
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
gassem e visitassem a Matriz poderiam ganhar Indulgência plenária. Depois
mesmo sem texto preguei largamente contra a luxúria e fui ouvido com suma
atenção. A Igreja que é mui grande e de três naves estava bem cheia. No fim
o Pe. Gavroy cantou uns bonitos e devotos versos já usados aqui na Missão
e foram respondidos por muitos do povo. Saí pela porta principal, e como
sucedeu ontem foi um beija-mão sem conta, procurando todos beijar-me o
anel e fazê-lo beijar pelos filhos. Em vez de descer pelo lado de trás da Igreja
me fizeram descer pelo largo, ou antes campo da frente (chamado do José de
Anchieta). Que bela vista! Mas que belo luar! A lua cheia lindíssima. E como
a Igreja há poucos meses foi caiada, o luar sobre o largo embora baixo e modesto frontispício da Igreja fazia lindo efeito.
Terça-feira 20 de Abril: Faz hoje 3 anos que perdi meu queridíssimo amigo
o bom e dedicado Pe. Francisco de Paula Teles, que tanto me ajudou em
visita nesta Província e na do Rio de Janeiro. Deus [p. 202] lhe dê quanto
antes o paraíso se já nele não está. Fui à Matriz e ouvi Missa do Pe. Alves que
a celebrou de ordem minha por alma do meu Teles. Vi dar trinta duas comunhões. Pelas 6 da tarde preguei sobre a Confissão e havia muita gente e das
principais da Vila o que eu não esperava por haver chovido. Antes cantaram-se os Benditos e depois os versos do Pe. Gavroy como ontem. Antes que me
esqueça devo notar que a casa em que estamos é térrea, mas assoalhada e que
a janela de meu quarto deita para um quintal todo de couves, o que merece
menção tratando-se desta Província. O Pe. Gavroy encarregou-se de fazer
ou ensinar Doutrina aos meninos e assim estava fazendo esta manhã à porta
da Matriz quando fui ouvir Missa. Como os meninos gostam! Houve certas
respostas que bem mostram o grau de instrução dos meninos. Para que nos
criou Deus? Para comer, disse um; para casar disse outro, para trabalhar de
enxada, disse outro etc. Quando a gente morre para onde vai? Para o buraco, respondeu um. Mas esta desgraça é geral e não só de Benevente. Mais
ignorante é a gente dos arredores de Paris em França me têm dito Padres
Lazaristas Franceses. Acabada a Missa quis ver o Cemitério. Está ele no que
foi outrora Pátio da Casa dos Jesuítas. Coisa pequena e sem nada que mereça
menção senão sua pobreza. A parte da Frente da Casa Jesuítica serve hoje de
Casa da Câmara; e lá fui e nada [p. 203] tem senão um salão e dois ou três
quartos e mais nada. Embaixo há dois quartos, que não têm entrada senão
do lado do pátio, isto é do Cemitério. Em um há um casal, marido e mulher,
e em outro há um homem preso. Falei com eles e dei-lhes esmola. Ao casal
deixam ir à Igreja e eles prometeram ir confessar-se. Nenhum dos 3 presos
286
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é por crimes graves. Estive de fora vendo o quarto que foi do Anchieta;
não tem hoje porta para fora, e só com escada se pode entrar pela janela.
Tudo dentro é maribondos, que ficaram de matar para se poder ver. Falam
de fazer uma subscrição para reparo do telhado e assoalho. Há muitos que
conheceram a casa com uma varanda na frente, e outras em redor do pátio,
e a sacristia mais alta: não há muitos anos que alteraram tudo e até aluíram
paredes para não vir tudo abaixo. De sorte que do tempo dos Jesuítas pouco
resta na casa. De dois lados ainda resta a metade inferior das paredes. Campos
ubi Troja fuit. Neste dia chegou pelo vapor o Minorista Loureiro que eu há
pouco mandei chamar à Cidade da Serra. Chegou o caixote de cera que tinha
seguido para o Norte. Veio aqui um sujeito importante aqui (o Sr. Joaquim
Francisco Pereira Ramos Juiz Comissário das terras devolutas) saudar-me em
nome do Presidente, o qual mandou-me um Ofício para eu passar Provisão
ao Pe. Domenico Martinelli a fim que este possa administrar [p. 204] Sacramentos aos colonos de S. Leopoldina, como pediam em uma petição ou
abaixo assinado que o Presidente ajuntou a seu Ofício. E esta! Este mesmo
Presidente, como anunciaram os jornais mandou o Policial sindicar do Pe.
Eugênio Martinelli (em vez de Domenico) porque confessava e casava sem
licença, e agora intercede por ele; e até na carta privada ao Ramos diz a este
que me lembre estar na Semana Santa e que é tempo de perdão, e que eu me
compadeça de tal Padre, que estará arrependido. E que tal! Como são enganados os homens! O Presidente é homem sério e assim é enganado!... Fiquei
indignado e disse ao Sr. Ramos: não posso não devo nem quero, e este Padre
é digno de forte castigo mui prolongado. Soube hoje que ainda uma vez saiu
o Constitucional de Itapemirim e saiu furioso; mas pela última vez porque vários assinantes têm repelido tal indigna folha e o próprio irmão do tal miserável empregado de Polícia o honrado cavalheiro Major Pinheiro da Fazenda
do Ouvidor intimou o irmão para cessar tão desaforado folheco. Bem feito!
Assim sucedesse o mesmo a todos os mais jornais. Soube hoje que certa mulher Portuguesa há muitos anos amancebada e com filhas casadas se resolveu
a deixar a mancebia e o homem e ir-se para a Corte ou mesmo Por[p. 205]
tugal. O homem é o Sr. Joaquim Adolfo Pinto Paca aqui muito conhecido e
empregado superior na agrimensura e colonização, está agora na Vitória e a
mesma mulher diz que ele não se quer casar. E esta? E como será? Não sei.
Deus providebit e queira ele valer-nos. Eu estou esperando por barulho... Deus
nos valha. O que eu sofrer desde já perdoo de todo o coração e espero que
Deus também me perdoará! Neste dia estive preparando uma pequena Pas287
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
toral e parte de uma Instrução da Inquisição Romana e Universal aos Bispos
e tudo sobre Maçons. O Papa concede que depois de publicada a célebre
Encíclica Humanum Genus sobre a Maçonaria fique suspensa a obrigação de
denunciar os ocultos corifeus e concede que os Confessores possam absolver
da censura reservada contra os Maçons.
Quarta-feira 21 de Abril: Fui ouvir Missa do Pe. Horácio e nela se deu comunhão a perto de trinta pessoas. Houve bastantes Confissões. O Pe. Gavroy
ensinou doutrina aos meninos não longe da cela do Anchieta. Eu de casa
ouvi os gritos dos meninos e os ouvi quando passei para a Missa. Veio um
homem pedir-me para eu alcançar da mulher que tornasse a ele; prometi fazer o que puder: veremos. O Pe. Figueiredo tem estado a trabalhar muito [p.
206] em preparar a Igreja para as funções da Semana Santa. Aqui falta muita
coisa e vou despendendo de meu bolso. De tarde fomos para a Matriz e se
fez o Ofício de Trevas, isto é se disseram Matinas e Laudes. Havia o triângulo
ou candeeiro com as 15 velas. As lamentações foram cantadas pelo Teatro
Eclesiástico e as lições no tom de lições. Os salmos foram como os Carmelitas da Corte usavam em suas festas segundo ouvi, a saber, um ramo era in
recto tono ou chantreado e o outro cantado por todos, e deste modo se andava
mais depressa e nos cansávamos menos. Os responsórios foram cantados
nas lamentações e recto tono nas lições. Eu fiquei em uma cadeira coberta de
colcha mas junta com o banco dos Padres: e assim os de sobrepeliz eram 15
além do Bispo. Eu estava de capa magna e com o capuz sobre a cabeça. E
que capa magna? Era uma de excelente seda, mui bem conservada, e que foi
do meu Antecessor Bispo Monte e que há mais de 23 anos estava sem uso.
Mandei fazer-lhe pequena alteração e serve magnificamente e até quase splendide. O Ofício foi com todos os ff e rr como se diz. Depois preguei. A Igreja
estava cheia como nunca e no mais profundo silêncio.
[p. 207] Quinta-feira Santa 22 de Abril: Houve Comunhão dada cedo antes de começar as funções do dia. Pelas 7 ½ fui para a Matriz de murça e lá
tomei capa magna na Sacristia e daí com os Padres de sobrepelizes dei volta
pela Matriz e entrei pela porta principal. A Matriz quase vazia. Depois da
visita ao SS. que fora tirado do Altar-mor, fomos para Sacristia onde se rezou
Noa e tomamos os paramentos. Para poupar Padres assentei em Pontificar
no faldistório. Saiu-se processionalmente para o Altar entrando pela porta da
Sacristia sem mais rodeio. Havia 6 meninos vestidos das túnicas brancas, havia 4 Minoristas de sobrepeliz, 1 Minorista Bernardino que vestiu tunicela ou
288
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
dalmática e levou a Cruz, 1 Subdiácono Souza de tunicela (dalmática), 6 Presbíteros de casula, o Cônego Gouveia como Cerimônias, Pe. Rafael de pluvial
como Presbítero Assistente, Vigário servindo de Subdiácono e Pe. Alves de
Diácono, e eu paramentado e de mitra e de báculo. Benevente nunca viu tal;
entretanto no ato da manhã mui pouca gente. A Irmandade de S. Benedito
assistiu e acompanhou somente a Procissão da Exposição. Houve Pontifical
a cantochão, fez-se a solene sagração dos Óleos segundo as próprias rubricas
(com Procissão e canto do Redentor e estrofes) comungaram todos os Padres
e Clérigos (15) sem exceção, fez-se a Procissão da exposição em um altar
belamente preparado [p. 208] pelo Pe. Figueiredo do lado da Epístola e no
topo da nave desse lado e assim voltado para a Igreja. Eu depois com os
Padres rezamos Vésperas, e depois o Cônego Gouveia com os Ministros da
Missa fez a denudação dos Altares. Com todas as demoras, quando voltamos
para casa eram 1 ½ da tarde. Na Corte ainda se estaria na missa!!! Pelas 10
horas ouvi o apito do vaporzinho do Sr. Simão, e daí a pouco na Igreja vi o
Sacristão de Itapemirim e mais tarde o Sr. Major Virgílio me visitou e ofereceu cópia da avaliação dos bens da Fazenda da Muribeca pertencente aos
Jesuítas feita em 1776. Vê-se que é uma preciosidade histórica. Mais tarde o
Sr. Reis mandou-me uma vista fotográfica de Benevente como a que eu tinha
visto na casa do Sr. Comendador Albino. À tarde o Pe. Gavroy fez Doutrina aos meninos. Depois das 5 horas fomos para o Lava-pés. Vigário serviu
de Subdiácono e Alves de Diácono; o Figueiredo de Cerimoniário. Os mais
Presbíteros e Minoristas serviram de Apóstolos como se diz e lhes lavei os
pés. Eu a princípio quisera que fossem pobres, mas me disseram que aqui
os pobres têm vergonha de parecerem pobres. Como o SS. estava à vista, o
Lava-pés não foi no [p. 209] corpo da Igreja, mas na pequena Capela-mor
que não tem proporção com o corpo. O Pe. Figueiredo arranjou bem, e os
Padres ficaram em um banco que ia de lado a lado perto do subpedâneo e
assim estavam fora da vista do SS. Eu paramentei-me no arco cruzeiro. Havia
bastante gente. Depois do ato preguei, ralhei por ter vindo pouca gente de
manhã e falei dos atos do dia e insisti no perdão dos inimigos e na reconciliação dos desavi[n]dos: havia muitíssima gente. Não houve Ofício de Trevas.
À noite o Sr. Alexandrino em nome do Sr. Simão ofereceu o vaporzinho para
eu ir a Alfredo Chaves rio acima, e até mesmo a Itabapoana, sem falar na ida
a Guarapari. Não sei explicar nem bem agradecer tantas finezas.
Sexta-feira da Paixão 23 de Abril: Depois das 8 fomos para a Matriz, e se fez
o Ofício. Eu Pontifiquei do faldistório. Foi o Cônego que serviu de Cristo no
289
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púlpito. Depois rezaram-se as Vésperas. Ainda pouca gente houve nas funções
da manhã, e não houve sermão. De tarde a tal pobre mulher que vive com o
Paca veio falar-me e consigo trouxe um filho de 17 ou 18 anos e uma menina
de 8 chamada Urânia (de pernas tortas e pés virados). O moço há pouco é que
foi batizado e a menina ainda está Pagã! A mulher é da Cidade de Horta no
Faial onde eu estive em 1848 indo para França e chama-se Quitéria. [p. 210]
Pobre mulher, coitada! Há tantos anos na mancebia. Por ela eu soube que o
pobre Paca vive com outra, e o Pe. Marcelino me disse que tal Paca tem ou teve
3 com a daqui: e de ambos soube que Paca tem outros filhos naturais fora ou
daqui. Afinal disse que ou casar ou deixar Paca, custe o que custar. Os presos
da Cadeia pediram-me para eu alcançar da Polícia que lhes fosse concedido ir
à Igreja hoje embora debaixo de vigilância. Pedi e alcancei para o sermão da
tarde. Já entrada a noite fui à Matriz e preguei sobre a Paixão com o texto si
exaltatus fuero a terra etc. A vasta Igreja estava repletíssima como nunca em razão
também de haver muita gente de fora. Pregando mostrei como Jesus Cristo
morrendo provou ser Deus. O sermão foi feito com mais retórica e mais esmero, mas sempre clamei contra os que não perdoam ou vivem amancebados.
No fim usei do sudário por ser uso e cantei depois o Senhor Deus misericórdia três
vezes. O povo pensava que havia Procissão do enterro, mas não houve, mas
segundo lembrança do Cônego Gouveia, colocou-se como de manhã o Crucifixo do altar sobre almofada para o povo beijar, o que fez com grande alvoroço.
Houve também muitos meninos na Doutrina que fez o Pe. Gavroy.
[p. 211] Sábado de Aleluia 24 de Abril 1886: Muito trabalharam de noite o
bom Figueiredo e Cônego Gouveia, e quando fui para Matriz admirei como
tudo estava tão bonito e tão bem preparado. Havia bastante gente na Matriz.
Fui para a Matriz lá pelas 7 ½, rezei Sexta com os Padres na Sacristia [e] fui
depois de alva, pluvial etc... benzer o fogo à porta da Igreja. Custou-se muito
a achar isqueiro para se tirar o fogo (como é mandado). Despi os paramentos
e tomei a capa magna e no Sólio ouvi o Exultet cantado pelo Cônego Gouveia; depois aí mesmo rezei com o Clero Noa e acabada tomei sandálias, disse
o Salmo Quam Dilecta etc... e tomei tunicela e casula roxa. Desci para o faldistório para haver mais Padres que cantassem e daí cantei as orações depois
de cada uma das 12 Profecias todas cantadas. Tomado pluvial fui benzer e
sagrar a água batismal. Depois levantei a voz e censurei os que têm deixado e
ainda deixam os filhos sem batismo: estranhei ser tão pobre a fonte batismal,
posto que ainda em bom estado, e disse ao Vigário que não enterrasse pagão
no sagrado, e que se alguém quisesse obrigá-lo a tanto se retirasse desta Fre290
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
guesia que ficaria sem Padre talvez por anos e anos. Seguiu-se o Pontifical do
faldistório. Neste dia e nesta Missa dei de Diaconado ao Rdo. Antônio José
de Souza aluno do Seminário, que viera com Pe. Gavroy. Foi tudo cantado. É
nascido na Ilha [espaço] mas veio mamando para esta Diocese a que ligou-se: já fez seu curso do Seminário Menor e Maior e por falta de idade é que
está Diácono. Pedi e consegui que os presos da cadeia viessem assistir. Tudo
esteve bom, bonito e devoto. Ao Gloria houve muitos foguetes e a banda de
música tocou uma pequena marcha à porta da Igreja da banda de dentro,
para o que me pediram licença. Voltamos para casa depois [p. 212] de 2
horas e eu fiquei cansadíssimo e esfalfado. E ainda assim fui pregar e preguei
sobre a Ressurreição e se cantaram as Ladainhas de N. Senhora. Neste dia
paguei 350$000 ao Vigário embora este custasse a aceitar. O Pe. Hehn fez as
contas e viu que haviam logrado ao Vigário e que tinha havido desperdício
e nem tudo tinha sido visto em casa. Grande parte do que usamos se pagou
e até panelas, talheres, bacias etc. etc. Eu mesmo queria pagar todas as despesas, mas sempre pensei que houvesse quem emprestasse panelas, talheres
etc. Paciência: seja tudo por amor de Deus. Mas também além do Bispo havia
muitos Padres e Minoristas, e quem se atreveria a sustentar todos? e por dez
dias? Enfim paguei e ainda pagarei mais alguma coisa. N. B. Quando romperam as Aleluias no Gloria apareceu no nicho do meio N. Sra. da Assunção, e
do lado do Evangelho S. Inácio Loiola e do outro lado S. Francisco Xavier.
O Pe. Rafael deveria ter nisto consolação.
Domingo de Páscoa 25 de Abril 1886: Tem havido muitas confissões nos
dias passados e mesmo hoje, e hoje houve muitas comunhões: graças a Deus.
Na Sacristia cantou-se Tércia, e processionalmente fomos para o altar. Neste dia o Pontifical foi de Trono com Presbítero e Diáconos, Assistentes e
Ministros de [p. 213] Epístola e Evangelho. O Pe. Alves cantou Evangelho
porque o Cônego Gouveia tinha passado muito mal de sua quebradura. O
novo Diácono Souza veio de Diácono Assistente. De sobrepeliz estavam
os Padres e Minoristas e havia 6 Meninos vestidos das túnicas brancas. Os
presos também assistiram no coro como das outras vezes com guardas à
vista. Houve muito foguete na elevação e Bênção Papal. O ato esteve belo
e solene e devoto, e tudo a cantochão. Havia grande concurso de povo de
todas as condições. Eu porém durante a Missa e depois sofri bastante de uma
forte enxaqueca e forte como nunca. Depois da Missa o Diácono Souza leu
as Letras Apostólicas concedendo a Bênção Papal e Indulgência plenária e
eu dei a bênção em nome do Santo Padre. Voltamos a casa pelas 2h ou 2 ½
291
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
e não pude jantar. Acabado o jantar partiram desta Vila os Padres Gavroy,
Hehn, José Maria, Bernardino, Tomás, e foram por favor no vaporzinho do
Sr. Simão. Toda [a] tarde sofri da enxaqueca. Por esta festa da Páscoa o Sr.
Comendador Albino mandou de presente um quarto de vitela.
Segunda-feira 26 de Abril: Com gosto soube que continuam as confissões
e comunhões. Amanheceu chovendo e muito. Que pena seria se isto fosse
na Semana Santa? Felizmente não choveu então. Eu em razão de minha enxaqueca de que resta parte e para não molhar os pés servi-me de meu privilégio e disse Missa em casa. [p. 214] Soube hoje uma bem feita: Ia sair na
Regeneração (folha daqui) um artigo contra o Bispo. O tipógrafo (único nesta
terra) avisou Vigário e Sr. Ramos e estes com outros exigiram e impuseram
ao tipógrafo ordem de se retirar, e assim não se imprimiu a folha e esta atualmente está suspensa. Bem feito. Também soube que o Major Pinheiro (do
Ouvidor) era o dono da tipografia do Constitucional de Itapemirim; como já
disse ele mesmo exigiu a suspensão da tal folha. Hoje soube que o Major
mandou encaixotar os tipos que eram seus e os mandou arrecadar. Bem feito.
Passei o dia muito mofino e não saí de casa e quase sempre na cama e com
muito fastio.
Terça-feira 27 de Abril: Ainda disse Missa em casa. Mandei telegrama ao
Presidente da Província saudando-o em meu nome e dos Padres de minha
comitiva. Mandei avisar à amásia do Paca para não ser Madrinha. Lá depois
das 10 da manhã fui para Matriz. Mandei o Diácono Souza ler do púlpito minha Pastoral sobre Crisma. Depois ainda fiz minha prática (foi longa) sobre
Crisma. Crismei 238 pessoas. [p. 215] Fui Padrinho do filho do Sr. Comendador Albino; rejeitei como Madrinha uma menina que não sabia Doutrina.
Como soube ontem que atrás do altar-mor havia outro antigo de pedra, quis
vê-lo. Com efeito, o fundo atual que se vê na Capela-mor é de madeira caída
de alto a baixo; mas atrás há um vão de mais de 6 palmos; ali se vê o antigo
altar-mor muito comprido e todo de tijolo e pedra, mas só o muro sobre
o qual devia correr a pedra lisa, e nem esta nem o forro da frente. E assim
se fazem altares de pedras que se sagram. Este mesmo muro está em cima
muito estragado. Aos lados de cada banda há credências do mesmo estilo e
no mesmo estado. Ora para que encurtar a Capela-mor? Só para fazerem o
tal trono ou camarim que não tem beleza nenhuma nem ornato. O fundo
da Capela-mor é de pedra e ainda se vê uma simples e singela pintura, mas
292
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
de quadrados ou losangos não cheios, mas tendo só os perímetros etc.53
Vê-se uma porta que pensei seria trono antigo, mas disse-me o Sacristão
(e creio) que é porta antiga que dava para um salão que ficava por cima da
atual Sacristia, e que essa porta foi tapada. Não sei onde punham os Santos.
Assim vejo que se enganou o Pe. Gavroy quando me disse que a Capela-mor
não estava acabada e que os Jesuítas a pretendiam conti[p. 216]nuar; não há
tal, pois estava concluída. De tarde o Comendador Albino veio visitar-me e
felicitou-me pelo bem que ele diz ter feito esta visita, e acabou dizendo-me
que tinham vindo dizer-me que ele é Maçom, mas que é falso, e que nunca
teve queda para Maçom e quer viver e morrer na Igreja Católica. Estava a
dizer isto, e eu a responder-lhe que fazia muito bem e que antes morresse do
que sê-lo, mas ficasse sabendo que ninguém tinha vindo dizer-me tal, quando
[me?] disseram estar ali o Dr. Heliodoro, o Sr. Augusto Paca e Alfredo Paca
cunhado deste. Com estes falei largamente sobre vários assuntos. Recebi telegrama do Presidente agradecendo e retribuindo as boas festas e isto com
palavras de respeito e laudativas e polidíssimas a mim e aos Padres. Também
o Secretário da Província Carvalho de Morais fez seu telegrama beijando-me
a mão e pedindo licença para dar boas festas e com palavras mui atenciosas. Recebi outro do Monsenhor Vigário Geral anunciando-me ter falecido
hoje na Corte o bom Monsenhor Francisco Teles de Souza. Era Capelão da
Ajuda, foi ordenado pelo Sr. Bispo Monte, era Cônego da Capela Imperial
e no ano passado foi feito Monsenhor, mas nunca fez atos de Monsenhor
porque era um defunto vivo. O conheço desde minha meninice e depois que
vim para Bispo ele me tratou sempre [p. 217] com sumo apreço, obediência,
veneração e amor com aquela sua natural mas excessiva delicadeza. Foi muito
amigo do meu finado Pe. Teles. Desde meses nada mais fazia que se confessar e preparar para morrer, no que sempre foi cuidadoso. Bom e excelente
Sacerdote, mas mui tímido de consciência. No dia de hoje antes da crisma
chegou-se a mim o Eduardo Hamilton, de raça inglesa e Brasileira e me disse
que tinha sido Maçom mas que há muitos anos nada pagava nem de tal cuidava e que se havia desfeito de papéis e livros, e que já se tinha confessado: e
perguntou-me se poderia ser Padrinho... Chamei 3 ou 4 Padres para ouvirem
o que ele dissera e tornou a repetir, e respondi que podia servir de Padrinho.
Deo gratias!
Quarta-feira 28 de Abril: Disse Missa já na Matriz, e entrava o sol do lado
53
Pequeno desenho do bispo no manuscrito.
293
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da Epístola. A princípio parecia poético e devoto o sol que dava no meio do
altar, mas o brilho sobre o cálice e sobre o Missal foi-se tornando incômodo.
Mandei telegrama para Vigário Geral apresentar o nome do futuro Monsenhor sucessor do Teles e do futuro Cônego. Deus me valha ainda desta vez
como sempre neste (e outros) ponto desde que sou Bispo. Mandei outro ao
Secretário desta [p. 218] Província em agradecimento ao dele. Tomei depoimento de testemunhas para o casamento de certo sujeito do Rio Grande do
Norte amancebado aqui. Pelas 11 horas fui de novo à Matriz. Porque ainda
estou cansado mandei ler pelo Souza a Pastoral sobre Crisma e desta vez a
ouvi ler. Crismei depois 175 pessoas entre as quais o Sr. Augusto Paca. Esse
Augusto Paca de tarde trouxe-me para ver a Planta Geral das colônias Castelo,
Rio Novo e Santa Isabel na Província do Espírito Santo organizada segundo os trabalhos
das comissões a cargo do engenheiro Joaquim Adolfo Pinto Paca 1886. É feita em papel
ou pano transparente, em ponto grande e com a demarcação e numeração
dos lotes de terrenos. Ofereceu-me dar cópia se eu quisesse. Ele Augusto
Paca veio a meu chamado e falei-lhe a ver se batiza a pequena Urânia de 8
anos filha do tal engenheiro Paca (seu parente) e também falei sobre o triste
estado da D. Quitéria. Mas... vamos ver! Veio também um Português negociante aqui Antônio Alberto dos Santos Souza dizer-me que tinha-se aberto
uma subscrição e já tinha-se arrecadado assinatura de 300$000 para conserto
da cela do Pe. Anchieta, e que vinha saber de mim o que se havia de fazer.
Louvei muito e dei mais 50$ além dos 300 da subscrição. O Vigário tinha
dado 50$ e o pobre Pe. Marcelino d’Agnadello outros 50$ e portanto na Vila
haviam dado só 200$. Estava-se nisto quando chegou a visitar-me o Dr. Juiz
de Direito interino o [p. 219] Dr. Cândido Borges da Fonseca e o Agente das
Rendas Provinciais Manoel Amâncio de Barros. Saudei-os e rolou o discurso
sobre Anchieta e Jesuítas e Pombal e quejandos assuntos, no que gastei longo
tempo. Aqui ponho a letra da subscrição corrigidos porém os seus erros ortográficos: Subscrição. Sendo necessário que os Beneventenses em honra do
imortal Padre José de Anchieta consertem a cela onde ele residiu e morreu, já
que se não pode erigir um monumento, como se tem feito a muitos homens
notáveis deste país, que maiores glórias não tinham e para mais solenizar-se a
Visita do Exmo. Sr. Bispo D. Pedro Maria de Lacerda a esta Vila, pede-se se
subscreverem com as quantias que por suas possibilidades possam dar para
um tão justo fim, como o de conservar-se com asseio a casa onde faleceu um
homem tão notável. Benevente 18 de Abril de 1886.
Quinta-feira 29 de Abril: Fui à Matriz e disse lá Missa e dei comunhão a 10
294
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pessoas, e vi dar depois a mais algumas pessoas. Voltei depois de meio-dia
e fui ao púlpito e falei sobre diversos [p. 220] assuntos a modo de avisos e
repreensões. Haviam aconselhado aqui a certo moço para se dizer amancebado para assim mais facilmente ser dispensado e evitar pagar emolumentos
Paroquiais. Para atalhar o mal e não continuar ralhei contra isto sem nomear
ninguém. Depois crismei 142 pessoas. Fez-me impressão o grande número
de pessoas brancas que vi hoje, alvíssimas, feições regulares e belas, cabelos
louros em alguns e todos daqui mesmo, e fiz que os Padres reparassem e também se admiraram. Poucos pretos e a mesma raça Índia que ainda aqui tem
muitos de sua origem, cor e feições não é exclusiva e hoje quase parecia não
existir neste Benevente. Nos mais dias também pretos poucos relativamente,
mais raça Índia do que preta, e muitos brancos. Quando acabei a crisma,
muito beija-mão ao atravessar a Igreja para me retirar, e grande número não
quis passar adiante e veio a seguir-me pela ladeira abaixo. Hoje e nos mais
dias a gente de um e outro sexo tem aparecido com limpeza e alinho, ainda
os pobres. De tarde preparei a Provisão para Pe. Horácio Teixeira continuar
como Vigário encomendado de S. Pedro do Itabapoana nesta Província e
Portaria continuando jurisdição sobre os Fiéis da Freguesia vaga do Sr. Bom
Jesus do Itabapoana Província [do] Rio de Janeiro. À noite vieram 2 mulheres
com suas filhas; dizendo que era para me visitarem, mas era para esmola. São
de raça Índia mestiça. De uma soube que tem Bisavó viva e que ainda fala
língua Tupi. Disse que viesse ver-me amanhã.
[p. 221] Sexta-feira 30 de Abril: Disse Missa na Matriz, dei comunhão a 2
pessoas. Saiu o Pe. Horácio para Itapemirim donde sairá para sua Freguesia
de S. Pedro de Itabapoana. Passei-lhe aqui a Provisão como também Portaria
em favor da gente do Bom Jesus de Itabapoana e concedi-lhe várias faculdades. Foi no cavalo do Vigário e por camarada levou certo sujeito acaboclado
daqui chamado Feliciano por alcunha vapor, porque anda muitíssimo e depressa. Disseram que vieram de fora algumas pessoas e caíram de tifo. Será
assim? Certo é que o Vigário levou o Viático a duas mulheres da mesma casa;
infelizmente chuviscava. É uso aqui que quando o SS. sai por uma ladeira,
volta por outra. Na volta pois passaram por defronte de casa. Os Padres
tinham ido acompanhar, e assim eu estava só, mas tomei murça e roquete e
botei-me atrás da umbela. E a chuva engrossou; e confesso que não gostei
da festa. Eu ia apanhando a chuva, mas logo me trouxeram um chapéu de
sol; aqueles Padres e pessoas que acompanhavam a apanharem chuva e todos nós a molharmos os pés; e por cúmulo de trabalhos, tivemos que subir
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pela ladeira mais perto, porém mais íngreme e mais escorregadiça e agora
enlameada. Depois de larga espera na Sacristia, tomei paramentos e fiz uma
prática e crismei 52 pessoas. À noite veio a tal Índia velha de que falei ontem;
ainda se lembra de algumas palavras como verifiquei, mas não fala: levou sua
esmola. Chegaram 2 vapores, um deles o Mayrink, e seguiram logo. Recebi
jornais, cartas etc. Soube que Domingo de Páscoa caiu na [p. 222] Corte uma
tremenda tempestade que causou muitos e sérios estragos. O Vigário de Paquequer deste Bispado foi assassinado com duas facadas!! e na Quinta-feira
Santa às 8 da tarde! Morreram 2 Padres Italianos e irmãos de febre amarela:
eu os conhecia de vista, e haviam chegado há pouco. Morreu Senador Silveira Lobo em Minas; era genro do Senador Torres, em cujo Ministério fui
eu escolhido para Bispo a 1º. de Fevereiro de 1868. Em Palácio Episcopal
o cozinheiro caiu de febre amarela, mas escapou, graças a Deus! Dizem os
Jornais que em Madri há pouco elevada a Diocese o Sr. Bispo54 no Domingo de Ramos foi na Catedral assassinado com três tiros de revólver por um
Padre – Pe. Malcota! Como vai o mundo, meu Deus? Pela Nunciatura recebi
circular do Cardeal Jacobini, Secretário de Estado do Papa. Quer que se responda a certos pontos e se diga se verdadeiros e o que se faz para remediar...
Disseram em Roma que no Brasil se diz Missa com vinho falso ou duvidoso,
que há Padres e até Cônegos que andam sem batina para ir a teatros etc. que
sacristães ficam com parte das esmolas das Missas; que Padres estrangeiros
impunemente fazem o que querem etc. Deus nos dê paciência! Há muitos
males, mas eu e outros Bispos temos feito imensamente muito para dar remédio... Extirpar tudo é impossível. Pois o Cardeal [p. 223] não verá quanto
se tem feito, e a suprema e total dificuldade de dar remédio a tudo? E que
fazer com a aluvião de Padres de Itália que vêm ignorantes e sem consciência! Há bons mas a grande parte é uma vergonha para a Igreja e para Itália.
Disso como adivinhando falei na minha Pastoral sobre Jubileu no ponto em
que lamento os males existentes na Diocese: mas felizmente declarei muitos
bens que se operam. Vou responder, assim tenha tempo e saiba como fazer
e com todo devido acatamento. Soube hoje que os dois presos (casados) se
tinham desobrigado.
Sábado 1º de Maio: Na Matriz disse Missa, e o fiz em honra a S. Inácio
de Loiola por devoção minha. Sua imagem está do lado do Evangelho e do
outro está S. Francisco Xavier. Só mais tarde reparei que hoje é dia santo su54
D. Narciso Martínez Izquierdo, assassinado pelo padre Cayetano Galeote.
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primido e que havia dever de Missa pro populo. A transferência dos Apóstolos
Filipe e Tiago e ser fechada a Oitava deram lugar ao esquecimento. Nesta
semana raro é quem vê folhinha! Aprendi à minha custa. Tratei de vários
casamentos de amancebados e outros. O Dr. Getúlio Augusto de Carvalho
Serrano veio pedir-me para eu batizar um filhinho, e anuí. É Doutor muito
pobre, mas mui de bem e religioso parente do ótimo Dr. Epaminondas Juiz
de Direito da Vitória. Dr. Getúlio foi Juiz Municipal em Guarapari, e agora
advogado em Benevente, e espera ser nomeado Juiz de Direito desta Comarca da Iriritiba, como os conservadores prometeram-lhe.
[p. 224] Domingo 2 de Maio: Na Matriz disse Missa e dei comunhão a 9
pessoas (uma delas o Minorista Loureiro). O dia de hoje foi de muito trabalho! Depois do almoço fomos para Matriz e lá se trabalhou por mais de
sete horas sem interrupção! isto é das 11 e tanto até 6 ½ mais ou menos! E
duas vezes houve que subir-se a ladeira que leva à Matriz. Foi-se processionalmente ao Cemitério; adiante a Irmandade de S. Benedito, e seis meninos
de túnicas e os Minoristas Coriolano (este daqui), Loureiro (da Serra), e Diácono Souza e PPes. Rafael, Figueiredo, Alves, e Cônego Gouveia e todo
povo homens e mulheres atrás. Saímos pela porta principal e logo entramos
pela porta da antiga casa dos Jesuítas, ao lado do Evangelho e que é porta
da Câmara e porta da Cadeia e porta que leva ao Cemitério. Este é pequeno
e fica onde outrora era pequeno pátio interior da Casa. As paredes são de
um lado a parede da Igreja, do outro o muro arruinado em cuja extremidade
junto à Igreja está o que foi cela em que morreu Anchieta, do outro o muro
em parte arruinado e do outro a parte que serve de Câmara por cima e cadeia
por baixo. O cemitério nada tem que mereça menção; não tem Cruz no meio,
mas sim pequenas cruzes em várias covas e carneiros rasos. Um dos cantos é
para os que não têm sepultura eclesiástica. Aí se fez a encomendação cantada
e depois disse algumas pa[p. 225]lavras análogas à circunstância. Fez impressão quando eu disse que para aqueles mortos estava acabado o tempo de merecer, e que os mortos em pecado já não tinham remédio. Oh! se pudessem
aproveitar-se da Visita... Felizes porém dos que tinham morrido inocentes ou
penitentes, e apontando para a cela de Anchieta ali à vista disse: Oh! felizes
se morrermos bem! E quem não quererá morrer como Anchieta que morreu
ali, ali mesmo naquela cela que temos à vista!... Depois entramos na Matriz
e teve lugar a visita do Tabernáculo com a Bênção do SS. e a visita da pobre
Pia Batismal e dos 4 altares laterais que há hoje (nos 1ºs tempos eram só 2).
Depois fui para o púlpito e preguei um longuíssimo sermão de 2 horas sobre
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os 7 Sacramentos, dizendo de cada um um pouco. Falei dos erros sobre Batismos; mostrei a necessidade de receber a comunhão; disse que um Padre só
por ser Padre não pode confessar e casar, e era preciso saber quem [era?] o
próprio Pároco e disse que as divisas das Paróquias feitas pelo civil só no civil
valem e não para Sacramentos; e preveni os fiéis contra o pseudocasamento
chamado civil e fiz ver bem que era e seria uma torpe mancebia. Depois o
Cônego Gouveia foi fazer os exorcismos sobre o menino filho do Dr. Getúlio e eu tomei paramentos e batizei-o com o nome de José. E começou-se em
seguida a crisma, que levou tempo imenso. Felizmente houve sempre ordem
e [em] proporção a tanta gente houve silêncio. Crismei 579 pessoas, número raramente ou nunca atingido na Visita em um mesmo dia. Havia muitas
crianças e dos maiores muitos eram [p. 226] dos que tinham-se confessado
na Semana Santa e se tinham retirado por eu me achar incomodado sem ir
à Matriz depois do Domingo de Páscoa. A tal Regeneração daqui reapareceu
porque achou tipógrafo. Nada diz de inconveniente. Dá breve notícia dos
atos da Semana Santa, poucos e mal explicados.
Segunda-feira 3 de Maio: Na Matriz disse Missa e dei comunhão a 4 pessoas. Pelo dia tive que tratar casamentos. Bastante endefluxado. De tarde fui
visitar o bairro chamado Canto da Praia que fica no plano e fora da barra do
rio, ou na mesma barra. Já me esperavam desde ontem. Fui com os Padres e
o Vigário. Fizeram seus arcos de folhagem, muitas folhas pela rua, algumas
bandeiras, atacaram alguns foguetes do ar, toda aquela gente à janela e à
porta como admiradas, e poucos me vieram encontrar e beijar o anel, mas
mostravam ares de contentes. Talvez haja umas quarenta casas, metade de
palha; há por ali muita pobreza. À medida que andava engrossava o préstito
porque os meninos iam atrás, e vieram pessoas da Vila contígua, e não faltavam curiosos, por ex. o mesmo Dr. Getúlio que eu vi lá. Gostei de ver cara
de gente hoje casada e há pouco amancebada! Parei na extremidade e dali
estive olhando para o oceano e contemplando os rolos do mar atirando-se
na praia. Lá vi a ilha do Francês ao longe e pertinho fora da barra do Rio e
da [p. 227] margem direita do mesmo a ponta chamada do Quitiba. Tornei
pelo mesmo caminho e então sim quase todos homens e mulheres e crianças saíram-me ao encontro a beijar-me o anel e nisso mostravam empenho.
Neste passeio vi bem que o monte sobre o qual está a Matriz e mais em cima
a Capela da Penha é como sustido em roda por grandes e enormes penedos
enegrecidos pelo tempo ou pelo que for. Eu conhecia a parte que fica quase
encostada à nossa casa, e a íngreme ladeira de trás da Matriz e a outra menos
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íngreme da frente; também conhecia de vista o lance mais extenso e mais
suave que leva para o lado do Canto da Praia, e para a extensa e verdolenga
várzea recurvada banhada pelo mar e segue para a compridíssima ponta dos
Castelhanos. Neste passeio vi os negros penedos que sustentam o alto monte do lado da barra e vão-se abaixando para o mar. Entre estes penedos ou
lajedos e o mar há uma estreita praia de areia; disseram que o mar há tempos
atrás batia no penedo, e então seria aqui como vi na costa entre Piúma e Benevente. Me disseram que nestas paragens morreu aqui um Vigário da terra
quando tomava banho. E com efeito no livro de óbitos li que a 19 de Janeiro
de 1817 morreu afogado o Sr. Pe. João de Souza Guimarães Vigário colado
deste Benevente e foi sepultado a 20 na Capela-mor; e foi encomendado
pelo Vigário de Itapemirim. [Fez] assento no livro o Pe. Felipe Gonçalves de
Oliveira Santos Braga, que se assinou [p. 228] Vigário interino que já em Fevereiro se diz simplesmente Vigário. Também li no livro 5 de óbitos que a 18
Maio 1876 faleceu o Vigário Cônego Manoel Inácio da Silva Spinola, Pároco
de Benevente, de congestão cerebral, enterrado no Cemitério público. Era
da Freguesia de S. Pedro Velho da Bahia. O assentamento é assinado pelo
Vigário Francisco Batalha Ribeiro. Tornando à casa voltei à Matriz e preguei:
havia alguma gente para o fim. Sabendo que no Domingo concorreu muita
gente à Missa que foi celebrada de madrugada, anunciei que doravante haverá
cedinho uma Missa e talvez sermão: e para isso entendi-me com o Pe. Rafael.
Terça-feira 4 de Maio: De madrugada celebrou e pregou o Pe. Rafael, e
mais tarde eu disse Missa na Matriz e dei comunhão a 1 pessoa. Pelo meio-dia
fui à Matriz, fiz uma pequena prática e crismei 26 pessoas. Apareceram casamentos a tratar. Aqui veio um amancebado nascido em Manilha nas Filipinas,
foi marinheiro em navios americanos, esteve nos Estados Unidos e Londres,
sempre foi católico, diz, está amancebado aqui há 16 anos com uma viúva
daqui. Como a mulher bebe muito ele a queria deixar sem casar-se; mas um
dos filhos pediu-lhe que não abandonasse a mãe. Vamos a ver o que se pode
fazer. Soube hoje que o dono da casa em que estive no Itapemirim lá mesmo
morreu: felizmente o Pe. Horácio chegou a tempo de confessá-lo. Ontem e
hoje tenho recebido presentes dos DDrs. Getúlio, e Heliodoro e Augusto
Paca. Bom sinal!
Quarta-feira 5 de Maio: Hoje faz anos que em 1844 foi sagrado o Bispo
de Mariana D. An[p. 229]tônio Ferreira Viçoso no Mosteiro de S. Bento da
Corte. O sagrante foi o Sr. Bispo Monte e Assistentes os Bispos do Pará (José
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Afonso) e Bispo de Crisópolis.55 Hoje celebrei na Matriz pelas almas dos 4,
dos quais o grande Viçoso foi o meu grande amigo e pai nos longos anos que
com ele morei em Mariana no seu Palácio. Grande homem! Dei comunhão
a 3 pessoas. De madrugada celebrou e pregou o Pe. Rafael. Pela 1 hora fui à
Matriz, fiz uma prática e crismei 64 pessoas. Todo o dia passei a dispensar e
despachar papéis de casamentos da Corte e escrevi várias cartas. Depois das
8 horas da noite embarcaram-se para a Corte o Diácono Souza, os Minoristas
Loureiro e o Coriolano Rossi filho desta Vila que levou uma irmãzinha para
o Colégio das Irmãs de caridade das Laranjeiras da Corte: é muito pobre; e o
pai é um Italiano que nada vale e sem conceito nesta Vila.
Quinta-feira 6 de Maio: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 9 pessoas.
Não houve sermão de madrugada por pouca gente. Às 7 horas preguei na
Matriz. De tarde saí com os Padres para da outra banda do rio ver a Vila, e o
mesmo Vigário me convidara, mas na praia achei a canoa tão sem cerimônia
que não quis.
Sexta-feira 7 de Maio: Disse Missa, sagrei os 2 cálices da Matriz (e Vila)
benzi âmbula e Custódia de gosto antigo. E pela vez primeira entrei na cela
onde dizem ter falecido Pe. Anchieta. Subi por uma pequena escada de mão
entrando pelo Cemitério e comigo Figueiredo e Vigário e depois [p. 230]
outros também. Logo que entrei rezei um De profundis com Figueiredo e
Vigário; e depois por algum tempo em voz baixa agradeci a Deus os favores
feitos a Anchieta sobretudo naquele quarto e no dia da morte e pedi ao Padre
sua valiosa proteção para mim e outros e também em favor dos Jesuítas de
minha Diocese (Corte, Friburgo e S. Catarina) e de Itu etc. etc. etc. O telhado
e sua armação são recentes. Há porta de minha altura e mais palmo e meio;
o comprimento é de 26 palmos meus mais ou menos, largura de 23 mais ou
menos e a altura das paredes de 10 ou 11 palmos meus. Estas medidas não
são de exatidão matemática, mas aproximativas. Da porta há só os umbrais
e a trave em cima. Defronte da porta para o lado do rio há uma janela (só os
umbrais) quase da altura da porta, de sorte que quem se chega perto fica com
quase todo o corpo à vista, sem onde encostar-se: embaixo porém de cada
lado há dois assentos de pedra ou tijolo como nas janelas dos Conventos.
Não sei como faziam outrora: parece servir só para ver e entrar ar. O assoalho em parte está carcomido, em parte menos estragado. Eu para lembrança
55
Frei Pedro de Santa Mariana e Souza. Trata-se de mais uma diocese nominal,
honorífica.
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fiz serrar um pedaço de uma tábua do chão já bem carcomida, e com a mão
tirei de um velho barrote duas porções como de farelo de madeira. O lu[p.
231]gar donde tirei estes fragmentos fica no canto à esquerda de quem entra;
porque ouvi dizer que ali fora a cama do Padre. Será ou não? É natural por
parecer ser mais abrigado. Hoje as paredes de pedra da cela estão pretas e esverdinhadas. Há poucos dias tudo estava cheio de maribondos que o Vigário
mandou matar ou enxotar com fumigações, mesmo a pedido meu e para eu
ir visitar. De toda a casa dos Jesuítas esta cela é a única parte do andar superior que resta; o mais está desaparecido, só ficando do meio para baixo ou a
parte mais baixa dos lados da casa. Na frente está a Câmara, mas sem as celas
antigas nem coisa que lembre o passado. A varanda da frente, e as varandas
de 3 lados do pátio, já não existem, mas há muitos que as viram, antes de se
haver deitado abaixo o que ameaçava ruína. Perto da porta da cela havia (não
há muito) a porta que levava para o salão sobre a sacristia de hoje: neste salão
havia uma porta ou janelão que ficava sobre o altar de pedra que como disse
está atrás do altar atual, que puxaram para a frente para terem um trono na
Igreja. A não ser a memória dos Jesuítas a casa nada tem de importância; e a
cela de Anchieta é resto precioso do passado por ter aí vivido aquele grande
homem [p. 232] e aí ter falecido e daí partido para o céu, como piamente
cremos e esperamos, mormente depois que Roma já declarou suas virtudes
em grau heroico. Grande homem, grande Anchieta! Dizem aqui que quando
o Imperador Pedro 2 veio a Benevente quis ver esta cela e dela levou uma
cadeira que passava por ser de Anchieta (Seria?). Vieram novos casamentos
de amancebados. Zanguei-me com um acaboclado porque dizendo eu que
devia ir buscar a mãe da mulher disse que ela fosse e ele não iria. E que tal?
Sábado 8 de Maio: Pe. Rafael na Missa da madrugada pregou por haver
mais alguma gente. Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 8 pessoas. Ao
findar a Missa ouvi o apito do vaporzinho que chegou para levar-me a Guarapari. Voltei a casa e depois do almoço tornei pelo ½ dia a subir o morro para
voltar à Matriz. Longo tempo estive a ver na Sacristia o que pertence à Matriz
e a comparar tudo com o rol que o Vigário me havia apresentado. Poucos
paramentos e quase tudo velho; dois cálices velhos, 1 Custódia de gosto antigo de prata e uma porção de rosários e brincos etc. dados a N. Senhora da
Conceição e Assunção e Rosário. Benzi todos paramentos, alvas, corporais,
toalhas; e nisto tudo gastei bastante tempo. Depois fiz uma prática e nesta
dei avisos sobre diferentes pontos e crismei 17 pessoas. Quis visitar a torre, e
a ela subi por uma escada bem arruinada em parte, que leva do coro à torre.
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Esta é toda de pedra até acima e larga, tem 2 sinos feitos em Braga por certo...
Lima56 como diz o letrei[p. 233]ro. No sino se lê a era 1857 (creio) e depois
de 1800 e tanto, portanto coisa recente; mas há lugar para mais sinos. Bem
pode ser que o que está à entrada da cadeia seja da Igreja; quem sabe? Para
ir à torre entrei pela escada da casa da Câmara e passei pelo coro, e ali está
um pequeno harmonium bem estragado, mas que ainda dá alguns sons e bem
poderia ser consertado, mas tanta pobreza! Antes de ir para a Matriz veio
ter comigo o Sr. Alexandre57 mandado pelo Sr. Simão da Barra, e que veio
comandando o Vapor Cachoeiro que me deve levar a Guarapari. Eu há pouco
pedi-o para vir pernoitar aqui Sábado, e ei-lo que chegou quando eu acabava
a Missa. Hoje 8 de Maio faz segundo o Pe. Patermina 333 anos que Anchieta
largou de Lisboa para Brasil. Eu para agradecer a Deus ter-nos mandado para
o Brasil tal homem assentei em fazer alguma coisa à tarde, e se fez. Pelas 6
½ fui à Matriz e depois dos Benditos preguei sobre a missão dos Apóstolos e
seus Sucessores, e falei dos Bispos e Missionários, e fiz meus adeuses de despedidas: fiz ver quem foi Anchieta e também quem os dois amigos S. Inácio
e S. Francisco Xavier que têm as imagens nos nichos do altar-mor. No fim
expôs-se o SS. na antiga Custódia sobre o altar e se cantaram Ladainhas de N.
Sra. e Tantum ergo [p. 234] deu-se a Bênção e se cantaram alguns Benditos. Eu
assisti e os Padres e quem deu a bênção foi o Jesuíta Pe. Rafael. Quando é que
Pombal pensaria em tal? Um Jesuíta em Reritiba em presença do Bispo do
Rio de Janeiro! Esta solenidade foi também para agradecer a Deus a proteção
sua sobre a visita deste lugar para glória do Anjo da Guarda de Anchieta que
eu por não poder invocar Anchieta tomei por protetor dos trabalhos desta
Vila. Quando desci pelo lado da Sacristia a lua em crescente descambava para
o poente do outro lado do rio e com sua pálida e frouxa luz prateava as águas
do rio de uma margem a outra. Nos primeiros dias de nossa chegada aqui era
tempo de lua cheia e quando subíamos ao entrar da noite a ladeira do lado da
frente, a lua se levantava diante de nós e parecia que subíamos para vê-la ou
que ela se levantava do outro lado do monte para ser vista. Imaginações porém belezas reais! Hoje pelo Cônego Gouveia mandei proceder à justificação
de 5 batizados irmãos; como ontem do estado livre de um noivo da Província
do Rio de Janeiro.
Domingo 9 de Maio: O Pe. Rafael celebrou na Matriz de madrugada e pre56
57
João Ferreira Lima.
Alexandrino.
302
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gou. Eu depois das 7 horas fui à Capela da Penha e lá celebrei e depois [p.
235] preguei sobre N. Senhora. Havia pouca gente. É uma Capela pequena
mas de pedra: não tem torre nem sacristia. Foi edificada há pouco pela devoção do povo que nesta Província é devotíssimo da Senhora da Penha. Depois
do sermão visitei o que há, e é pouco, toalhas e um paramento branco vermelho com alva, sem cálice. Tem patrimônio pequeno em terreno ali perto
da Capela e tem Irmandade de pouca gente com compromisso aprovado em
meu tempo pelo Monsenhor Félix meu finado Vigário Geral. Esta Capela
está no mais alto do monte e acima bastante da Matriz; seria mais cômodo
para a Vila ser a Capela no meio da Vila, o que pouparia a subida do monte,
mas o povo dizia que Capela da Sra. da Penha devia ser sobre uma penha ou
penhasco; e coisa curiosa mesmo ali onde está a Capela há como uma canga
ou terreno pedregoso ou lajedo. Da Capela a vista se alonga pelo mar fora
e pelos campos do lado do Canto da Praia. A Matriz e o bojo da montanha
fica entre a Capela da Penha e a Vila que cerca o monte à margem esquerda
do Rio e assim não se avista da Capela e porém quando se vem descendo
a Vila como que aparece por encanto. Atrás da Capela ficam os campos S.
Martinho; ali está uma casa do Governo para emigrantes e mais longe está
uma Fazenda do Chico Pedreiro e ali mora o Vigário atual em casa alheia [p.
236] e muito fora de mão e assim pensa ele de mudar-se para a Vila onde
já outrora morou. Em casa apareceu um sujeito que já pedira e obtivera da
Corte Provisão de dispensa para casar-se com uma tia, mas até agora nada
fez. E até perdeu ele ou o Vigário a Provisão. Agora no exame ou interrogatório vejo que há mais 2 impedimentos e outro duvidoso. E os tais já têm
filhos! Falaram-me e o Vigário também dias atrás, mas hoje vieram com o
velho pai da noiva para dar explicações! Não foi fácil ultimar o negócio e
disse que fossem a Guarapari. Também o pobre homem da Manilha não se
pôde ainda arranjar. De noite em casa crismei 3 pessoas. Trouxeram-me com
muita alegria para ver uma das meias portas ou bandeiras da porta do coro
da Igreja do lado da Câmara, e isto porque diziam que ali estava um retrato
antigo a óleo do Pe. Anchieta. Nada disso; parecia-me a pintura de algum
cavalheiro antigo... Entretanto tinham tido grande trabalho, porque segundo
tradição na porta havia retrato do Anchieta; e assim com paciência e trabalho
haviam tirado a camada de tinta com que posteriormente haviam pintado a
porta e de fato apareceu a tal figura em grande parte livre da camada tirada.
[p. 237] Mais tarde trouxeram outra meia porta em parte já livre da tinta com
que haviam escondido as figuras antigas; com efeito já aparece uma cabeça
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que dá seus traços de semelhança com os retratos conhecidos e que passam
por mais fiéis. Será retrato de Anchieta? Quem sabe? Mas o representa com
ares de moço. Vamos ver. Ficaram de descobrir o resto do corpo e ver se há
algum letreiro por baixo. Pelo que vejo, minhas palavras sobre Anchieta têm
mais requintado o entusiasmo destes Beneventanos pelo grande Venerável
Servo de Deus. O dia tem-se passado a arrumar as malas para seguir-se amanhã para Guarapari.
Duas palavras sobre Benevente. Ouvi dizer que outrora nos princípios
a população Indiana estava toda sobre o Monte, e por ali se estendiam as
choupanas dos Índios: hoje porém há por ali poucas casas mas de telha.
Ainda hoje as fontes que há na Vila de água potável estão neste monte e ali
vão os moradores buscar água. A Vila está em planície a parte principal entre o rio e o monte da Matriz, quase toda à beira do rio da barra para cima;
é plana, tem algumas casas de [p. 238] sobrado e até de grades de ferro; a
casa que mais avulta sobre todas é a do Comendador Albino, de sobrado e
de janelas de peitoril sem grades. Há várias casas de negócio; e há pianos,
porque ouvi por vezes tocá-lo ao passar. Pelas ruas há alguns lampiões de
querosene, mas são de particulares que os acendem quando querem. Hoje
as ruas têm nome e as casas numeração; luxo supérfluo em terra pequena
e conhecida. A rua em que morei se chama do Visconde do Rio Branco; e
outra pela qual passava indo para a Matriz (pela frente) chama-se do Coronel
Mascarenhas, chefe do partido conservador da Província, em cuja casa na
Vitória eu estive hospedado em 1880. Os nomes das ruas estão escritos em
uma tabuleta comprida e estreita e estas tabuletas quase todas estão pregadas
não na parede das esquinas mas sobre as travessas superiores das portadas
das casas. As ruas não são calçadas, mas em algumas casas há na frente uma
calçada larga, e como o terreno é arenoso não há lamaceiros. Fora da barra
a outra parte da Vila é a chamada Canto da Praia de que já falei. Quando se
desce pelo lado da Sacristia ou fundo da Igreja se vê o rio (que é largo) e nele
uma ilha curiosa: há umas pedras quase no meio do rio e delas pelo rio abaixo
há como uma tira muito estreita, mas bem comprida de terreno, e nessa tira
algumas árvores em distância uma das outras. Quando a maré está preamar
ou alta a tira estreita-se mais e é curioso ver aquele fio de terreno, ou aquelas
[p. 239] árvores sobre aquele fio. Quando se sai pela frente da Matriz tem-se
à vista o mar, a grande enseada que vai da pequena ponta da barra e Quitiba
até a extensíssima ponta dos Castelhanos. Quando eu dizia Missa, avistava do
altar-mor esse mar e a costa que remata na ponta dos Castelhanos; e senti não
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sei que emoção quando em Domingo de Ramos saiu a procissão de Ramos, e
no Sábado de Aleluia eu descia do altar-mor para a Pia Batismal. Nessa costa
é que dizem haver uma fonte chamada de Anchieta.
Segunda-feira 10 de Maio: Pelas 3 ½ da madrugada levantei-me e pelas 4
horas fui com Figueiredo e Alves para a Matriz, e lá ouvimos a Missa do Pe.
Rafael que consumiu as partículas do Sacrário, que ia ficar sem N. Senhor
porque o Vigário tinha que seguir comigo para Guarapari. E no fim eu com
eles rezamos o De profundis mandado pelo Pontifical na ocasião da saída do
Bispo. Na Igreja chegaram algumas pessoas que no fim me beijaram o anel
chorando de saudades, e me acompanharam até a casa. Às 6 horas estávamos
no cais do Imperador onde havíamos desembarcado vindo de Itapemirim,
junto à casa do Comendador Albino. Entrei para o Vaporzinho chamado
Cachoeirano58comandado pelo Sr. Alexandrino; e vieram juntamente Dr. Heliodoro e família, Dr. Getúlio, Comendador Albino e seu filho meu afilhado,
[p. 240] Capitão Ramos e outros senhores e senhoras. Às 6h 10’ minutos largamos de Benevente, e saímos barra fora com a proa sobre a ponta dos Castelhanos. Até a praia vieram várias pessoas que nos cortejaram; e pelo alto do
monte e praia da Vila e praia do Canto viam-se muitas pessoas que estavam
a ver nossa partida; e os sinos repicavam. Sempre sentem-se saudades nestas
ocasiões! Eu com bastante pesar lá deixei alguns casamentos começados sem
ficarem concluídos, e bem precisavam para saírem da mancebia; mas por
que deixaram para as últimas horas e outros não vieram? Adeus, Benevente!
Nosso vapor levando na proa e popa a bandeira Nacional ia em linha reta
atravessando o mar ou seguindo a corda do vasto arco formada entre as duas
pontas mencionadas. Eu de binóculo ia vendo aquelas costas. Vi o campo de
S. Martinho, as casas onde mora o Vigário, a destinada para os imigrantes, a
Penha, Casa de Anchieta ou Matriz, o monte e a parte da Vila. Então reparei
que como paralelamente à praia corre um monte não muito elevado, coberto
de relva, que abaixo da Penha deita como três ladeiras, uma para o Canto da
Praia, e outras para os dois caminhos que sempre tomávamos indo ou vindo
da Matriz; de sorte que da Matriz para baixo fica como o topo do tal espigão
ou monte, e é para assim dizer sustentado pelos enegrecidos penedos [p.
241] de que por vezes falei. É aprazível este prolongado outeiro coberto
de relva; e a costa para a banda da ponta dos Castelhanos não é muito alta,
porém é mais frondosa ou de mais arvoredo. Às 6h 57’ da manhã deste dia
58
Na verdade Cachoeiro.
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10 de Maio dobrávamos a ponta dos Castelhanos, e desapareceu Benevente e
sua enseada e às 7h 37’ estávamos defronte da Povoação chamada do Bu;59 e
cerca de meia hora depois passávamos defronte das barrancas vermelhas do
Maimbá e às 8h 10’ defronte de uma pequena pedra preta no mar fronteira
ao ponto em que o Maimbá nas cheias lança suas águas no mar. Do mar não
se vê o Maimbá, que é uma lagoa grandezinha, e muito funda, e nem sempre
está em comunicação com o mar, mas só nas cheias em que as águas abundam mais: fica perto da costa. Dizem que aqui é o limite das duas Freguesias
de Benevente e Guarapari. Por toda a viagem o alto Monte do Urubu não
nos quis perder de vista, e nos veio sempre acompanhando de longe, e se
mostrando a nós como só e isolado dos outros, que se avistam não muito
longe da costa. Eu de binóculo vinha sobre a tolda do vapor gozando daqueles panoramas da costa. Adeus Benevente, até a volta!
[p. 242] Benevente: 3 Missas Pontificais; 1 Missa Pontifical dos Pré-santificados (6ª.-feira Santa); Sagração dos Santos Óleos; Lava-pés; Sagração de 2
cálices; 15 Missas minhas rezadas (e muitas de tantos Padres); Comunhão ao
Clero (15 Sacerdotes Subdiácono Minoristas); 661 Comunhões (das quais 47
por mim); 1 Viático; 15 Sermões meus além de práticas; 3 Sermões do Pe.
Rafael; 1296 pessoas Crismadas; 52 Batizados (1 por mim); 13 Casamentos:
12 de gente de Benevente, 1 de Itapemirim; dos 12 de Benevente são 11 sem
dispensa, 1 com dispensa; e são 11 amancebados e 1 não amancebado (foi o
dispensado); o de Itapemirim não era amancebado e também teve dispensa.
Autorizei Vigário de Benevente para o casamento. Houve 1 outro de Itapemirim dispensado e não amancebado que foi casar-se no Cachoeiro cujo
Vigário foi por mim autorizado.
[p. 243]
F reguesia de N. S ra . da C onceição da V ila de G uarapari 26ª.
F reguesia visitada no B ispado . S em V igário , mas aos cuidados
do V igário de B enevente
10 de Maio 1886 (continuação): Como disse às 8h 10’ da manhã estávamos
defronte do lugar em que a lagoa Maimbá deságua no mar quando rompe o
açude natural de areia que tem-lhe mão não longe do mar. Aqui começa o
território da Freguesia de Guarapari. O mar estava sereno, mas sempre balouçava um pouco, menos porém nestas alturas do que antes da Ponta dos
59
Ubu.
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Castelhanos; e boa parte dos passageiros vinha enjoada e vomitava. Às 8h 43’
passávamos na ponta do Meaípe. Do mar veem-se algumas casas de palha
mais separadas da povoação; esta porém não se vê do mar e fica dentro de
um pequeno saco. Parte da população e quase todos mulheres estavam em
cima das pedras ou lajedo da costa e dali viam passar nosso vaporzinho, que
salvou aquela boa gente com alguns foguetes do ar que soltaram. A costa por
estas alturas é aprazível, porque ali corre não longe a alterosa e majestosa
serra ou cordilheira de Guarapari; a praia é recortada por diferentes pontas;
se vão vendo a longa distância os montes do lado da Araçatiba, onde foi a
célebre Fazenda antiga deste nome que pertenceu aos Jesuítas, e se avista
mais à direita ao longe a Ilha [p. 244] Escalvada, e mais para a frente muito
mais longe as ilhas chamadas de Guarapari: também de longe se avista a Matriz da Vila no alto de um monte. Às 9h 22’ estávamos defronte da praia de
Grossaí, perto da qual fica uma pequena lagoa que lhe dá o nome, e ao mar
não muito longe da costa ficavam à nossa direita as 3 pedras do Grossaí, que
são como três pedaços de recife. Por estas costas vimos voar bandos de pássaros brancos ou quase todo brancos, chamados Atis e que deitam ovos sobre aquelas pedras e sobretudo da deserta e afastada ilha Escalvada. Dizem
que os ovos são bons de comer e não causam nunca indigestão. Esqueci-me
dizer que ao longe se viam várias pontas e muito ao mar um monte que parecia separado do continente, mas que lhe [é] unido por terreno baixo seu
nome é ponta e monte do Perocão. Não vimos o Convento e Capela da Penha da entrada da Barra da Vitória, mas disseram-me que isso é porque vínhamos mais chegados à terra; que porém se avistaria se nos puséssemos
mais ao largo. Lembro-me bem que em 1880 do alto da Penha vi muito ao
longe quase nos confins do horizonte as ilhas de Guarapari. [p. 245] Enfim
às 10 horas entrávamos pela larga barra de Guarapari. É como uma larga
enseada que para Poente mete um braço que parece um rio de pouca largura,
mas dizem ser fundo; a água é salgada. Na extremidade porém deste braço ou
canal deságua um rio que não é grande coisa, mas disseram-me e vejo no
mapa. Nunca me hei de esquecer de minha chegada a Guarapari. À esquerda
de quem entra está a Vila e à direita fica a extensa linha de casas de palha que
formam como outra povoação chamada Muquiçaba, habitada por pescadores. Na barra foram a nosso encontro três barcas de pescadores todas empavesadas e ornadas em arco, pelo qual tremulavam lenços e galhardetes de
todas as cores. Em Muquiçaba via-se a gente pela praia e mais em um ponto
sobre um lajedo enegrecido sobre o qual estava um numeroso grupo de mu307
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lheres de vestidos e lenços de cores variadas que apresentavam uma vista
aprazível e encantadora digna de um pincel amigo de paisagens. Das ditas
barcas e de diferentes pontos subiam ao ar numerosos foguetes, repicavam
os sinos; outras bar[p. 246]cas surtas no porto estavam enfeitadas e embandeiradas, via-se certa animação e prazer no povo do lado da Vila. Numeroso
concurso de povo estava aglomerado no ponto do desembarque, e ali achava
junta a Câmara Municipal, e a banda (fraquinha) de música da Vila, e duas
extensas alas de meninas e quatro Irmandades ou Devoções já enfileiradas e
arcos e palmeiras de uma e outra parte. Também ali estava o pálio vindo de
Benevente há dias. Tudo mostrava prazer e júbilo. Ao saltar o Presidente da
Câmara saudou-me e felicitou-me pela boa viagem; e logo depois de desembarcar os Camaristas me beijaram o anel e o mesmo fizeram muitos e todos
se descobriram, as meninas me atiraram de um e outro lado muitas flores
cheirosas, a música rompeu uma marcha, e os foguetes estouravam nos ares.
Foi esta entrada alegre deveras e belíssima. Apenas havia dado alguns passos,
eis que pediram silêncio e sobre um púlpito ali preparado subiu um moço
que depois soube ser um aluno de Medicina da Bahia que está a formar-se, já
o chamam Doutor e seu nome é Torquato da Rosa Moreira, o qual fez um
longo discurso de cor, dizendo que fora encarregado pela Câmara de saudar-me, e deu alguns elogios às minhas virtudes (disse ele) sem falar em luzes;
elogiou também o povo; reconheceu que a eloquência humana dos maiores
oradores não era [p. 247] capaz de operar as maravilhas que operam as palavras do Sacerdote, e que as minhas haviam de operar em Guarapari. Lamentou moderadamente não haver Sacerdote no lugar, e não poder um só Sacerdote acudir a Benevente e Guarapari e em nome do povo pediu
instantemente que eu desse um Padre a esta Vila. Ouvimos eu e todo o povo
este discurso com toda atenção, e acabado ele, respondi em poucas palavras.
Disse que agradecia o que havia ouvido, que reconhecia haver o Orador sido
fiel intérprete de todo o povo de Guarapari, como eu estava persuadido vendo as coisas que tinha visto e estava vendo, e citei algumas; fiz ver a falta de
Sacerdotes, e por isso se queriam Padres os pedissem ao céu, porque se a
messe é muita e os operários poucos, é de mister pedir ao Senhor da seara
que mande operários; e também deviam favorecer vocações e ajudar estudantes, que eu não podia fazer mais do que tinha feito etc. etc. etc. E como que
para atalhar a quem se lembrasse de Padres Italianos, disse que Deus livrasse
Guarapari de tais Padres, dos quais alguns há bons, não porém a mor parte,
e melhor seria não haver nenhum Padre do que tais Sacerdotes. Concluí di308
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zendo que eu esperava que este povo saberia cooperar com a graça trazida
pela Visita Episcopal e que se ele [p. 248] se havia portado bem com os
Missionários por mim enviados, mais e melhor faria vindo em pessoa seu pai,
seu amigo e seu Bispo. E povo, meninas, Irmandades, música fomos para a
casa em que eu deveria deixar a batina preta de viagem e tomar as vestes
Pontificais. O Presidente e Vereadores da Câmara Municipal levaram-me debaixo do pálio. A casa não era longe do lugar do desembarque. O povo se
mostrava contentíssimo e eu também, e não cessei de gabar a bela entrada e
bom acolhimento, o que penhorou em extremo a todos. E como há certa
rivalidade entre Guarapari e Benevente, e até tinha ido gente espiar o que
houve em Benevente, os de Guarapari apreciaram imenso os meus aplausos.
E não querendo eu passar por louvar a torto e a direito, disse que em Benevente parecia-me que as palmeiras eram mais juntas e estavam mais verdolengas, mas me fizeram ver que por engano e por certa notícia que havia corrido,
desde Sábado me esperavam e estava tudo pronto. Felizmente o erro foi de 2
dias e ainda estavam frescas as numerosas palmeiras e folhagens que ornavam as ruas e arcos. A casa em que parei não é grande, mas tem bastantes
cômodos e é de sobrado e asseadinha e nela é que devo [p. 249] ficar durante os dias da Visita. Pertence ao Sr. Tenente-Coronel Joaquim Ramalhete
Maia, chefe do Partido liberal aqui, homem estimado e prestimoso. Aí tomei
alva, pluvial, mitra e báculo, e os Padres as sobrepelizes e 6 meninos as túnicas brancas e saiu a Procissão. A música tocava e nos intervalos os Padres
cantavam o Benedictus. Iam 4 guiões de Irmandades e as Irmandades ou Devoções de S. Benedito, N. Sra. dos Remédios, N. Sra. do Rosário, e do SS.
Sacramento com suas cruzes, o colégio de meninas, os 6 meninos de túnica,
o Vigário de Pluvial, o Cônego de murça, e Pe. Rafael de sobrepeliz, e os
PPes. Alves e Figueiredo a meu lado. O pálio era levado por 2 Camaristas e
Dr. Getúlio (que aqui havia sido Juiz Municipal) e Dr. Otávio Afonso de
Melo Juiz Municipal atual e o Delegado de Polícia e o Dr. Torquato (que foi
o Orador do desembarque). Muito povo acompanha[va] e por todas as janelas das casas de sobrado e térreas quer de telha quer de palha (e são muitas)
das ruas e largos no longo trajeto que se fez se viam muita gente sobretudo
do sexo feminino. Subiam ao ar foguetes e girândolas. Houve muito silêncio,
muito respeito, muita gravidade e o que me admirou muita ordem em todas
as duas compridas alas de Irmandades e meninas, o que nem sempre se vê
nos mesmos Padres quando vão em procissão. Eu gostei imensamente e fiquei encantado. As ruas e praças estavam enfeitadas de palmeiras simetrica309
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mente colocadas em número maior de 600 (seiscentas); os [p. 250] arcos
embandeirados e enfeitados de flores eram 17 e havia 5 com inscrições. (Incluo 1 no lugar do desembarque). No cais do desembarque havia 1 arco e
nele uma inscrição com letras douradas que diziam: Homenagem ao Exmo.
Bispo Diocesano. Na rua do Comércio havia 7 arcos, e em um a inscrição
seguinte: Homenagem ao Príncipe da Igreja. Na praça da Conceição 3 arcos
com a seguinte bela inscrição: O sacerdote é o auxiliar de Deus e o embaixador de Cristo. Na rua da Boa Vista 3 arcos; na rua da Matriz 1 arco. Em
frente ao Cemitério (ou antes da antiga Matriz dentro da qual enterram hoje)
1 arco enfeitado com folhas de murta, tendo sobre Fazenda roxa a seguinte
inscrição: Até a voz do túmulo vos proclama venerando. Na porta da Matriz
que serve 1 arco também enfeitado de flores e no alto na porta da Igreja uma
sanefa com a inscrição: Em ti reside a religião do Cristo. A Vila tinha trabalhado em ornar suas ruas e praças para minha entrada, e queriam que a Procissão percorresse quanto pudesse ser na Vila e assim o trajeto foi longo e
demorado. Mas a ordem e silêncio foram admiráveis! À entrada fizeram-se as
cerimônias do costume, aspersão, [p. 251] e turificação; foi-se cantando o Te
Deum, as orações do costume e bênção Episcopal com publicação das Indulgências, precedida do Confiteor cantado pelo Pe. Alves. A Igreja é pequena e
estava repleta; foi edificada em honra do Coração de Jesus, mas o orago da
Matriz é de N. Sra. da Conceição. Findo[s] os atos tomei a murça e fui para o
púlpito e preguei: o texto foi Euntes ergo docete etc. Voltei para casa com toda
aquela gente e Irmandades etc., mas sem pálio. Em todos reinava muita alegria e em mim também. A distância da Igreja à casa é grande, e a Igreja fica
em um alto monte. Ao escurecer veio a banda de música seguida de alguma
gente que atirava alguns foguetes: defronte da casa tocaram duas ou três peças, e houve quem levantasse vivas à Religião Católica Apostólica Romana e
a S. Ex. Revma. o Sr. Bispo Diocesano. Houve luminárias, mas só em nossa
casa.
Terça-feira 11 de Maio: Fui à Matriz dizer Missa e a disse. Notei e louvei a
muita gente que estava na Igreja. Depois da Missa eu do faldistório fiz alguns
avisos dizendo o que se faria na Visita. A vista que se goza do alto em que
estão as 2 Igrejas é dilatada e muito variada e aprazível; o pior é que para lá
chegar-se há que andar e subir, embora a subida seja suave. [p. 252] Depois
do jantar o Pe. Figueiredo ensinou doutrina aos meninos e ao entrar da noite
preguei, mas como? A Igreja pequena, o povo mui numeroso, o calor dentro
da Capela forte; e que fazer? Não se podia mudar de repente o púlpito que
310
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embora portátil estava pregado no lugar em que o armaram... Fora havia
vento; na entrada havia correnteza de ar; dentro minha voz não seria ouvida fora pelo muito povo que fora estava... Eis o que se fez; tomou-se uma
caixa vazia de pau branco e sobre ela uma caixa de guardar opas, e sem mais
guarnição nem ornato colocou-se à porta um pouquinho dentro do lado do
evangelho. Trepei em cima e assim de pé firme preguei um extenso sermão,
cantando-se antes e depois o Bendito. Muita gente dentro e grande povo fora.
Não há dúvida que é verdade o que fora daqui e aqui tenho ouvido dizer em
louvor dos sentimentos religiosos do povo de Guarapari. Neste dia visitou-me o Juiz Municipal Dr. Otávio, e me disse ter servido de Secretário na
Província de Minas em 1877; conheceu o Sr. Bispo Benevides, como também
o Sr. Ex-Bispo do Ceará D. Luís, e os Arcebispos D. Manoel e D. Joaquim.
Certo sujeito veio tratar do casamento da filha; na petição pedia dispensa
de um só parentesco, mas bem claramente se via segundo; e achei outros 2
e talvez 3. Depois de muito tirar e puxar, ele declarou que o tinham aconselhado de não dizer todos os parentescos [p. 253] para não ficar mais difícil o
casamento. Entretanto tinha eu dito por vezes que embora houvesse muitos
impedimentos eu dispensaria todos. Que gente! Isto doeu-me! Não se concluiu tudo hoje. Trouxeram-me hoje alguns ovos de atis; são do tamanho de
ovos pequenos de galinha, mas salpicados de pontos pretos mais ou menos
chegados e grossos; alguns me deram já cozidos, mas senti certa repugnância
em comê-los. Eu já sabia que desde muitos anos que nesta Vila se preparava
o Bálsamo Peruviano, e quis vê-lo, e vi. Há certa árvore própria, em que se
fazem incisões, e nestas se dependura algodão, o qual embebe o suco ou
humor que a árvore lança: tira-se o algodão e é apertado em prensa, e daí
vem o bálsamo, que para ser melhor conservado guarda-se em certo coco
pequeno que se faz oco, e depois se cobre com uma tampa de cera da terra.
Então o bálsamo fica duro e de cor de cola, e derretido ao fogo torna-se mais
fluido e se pode passar para vidros. Como eu tinha algum resto do bálsamo
que serviu para a sagração dos óleos, confrontei um com outro e não vi diferença no cheiro, cor e sabor. Da Corte pedem muito este bálsamo; e cada
coco dos ditos com bálsamo custa 500 réis. [p. 254] Neste dia deu-se um
fato consolador. Há aqui um velho de 83 anos, natural de Viana do Minho,
mas Brasileiro Cidadão, que foi homem do mar e por isso o chamam Capitão
e esteve na esquadra Brasileira e foi prisioneiro na Patagônia nos tempos
passados como o Visconde de Tamandaré na guerra com Buenos Aires por
causa da Independência da Banda Oriental. Nesta Província já serviu de Juiz
311
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de Direito e foi Deputado Provincial [em] 1860 e 1861. Já está vergado, mas
anda desembaraçado e está no perfeito gozo de suas faculdades, e aqui mora
desde 1830 (ano em que nasci). Deu-me várias notícias antigas sobre alguns
fatos antigos: seu nome é Capitão Domingos Lourenço Viana. Em tempos
antigos entrou ele ou fizeram-no entrar na Maçonaria, e então vendaram-lhe
os olhos e quando o desvendaram viu os Irmãos de espadas apontadas para
ele; e lá prestou juramento não contra Deus (disse o Capitão) mas de fidelidade à súcia maçônica. Ele porém desde logo [viu] que aquilo não lhe quadrava
e pediu para ser eliminado, e desde muito nada paga de contribuição, não
frequenta lojas nem tem mais papéis nem diplomas nem insígnias. Desde
muito queria ele abjurar tal súcia excomungada. Bom homem e religioso.
Hoje se confessou e comungou, e veio ter comigo e de joelhos perante três
testemunhas [p. 255] declarou ter deixado e para sempre deixar a seita maldita. Graças a Deus! O bom velho dizia que ele nunca frequentara a súcia e
nem tinha tido ocasião de ver maldade, mas bastava-lhe saber que a Religião
(dizia ele) proibia. Fez muito bem. Conversei largamente com ele e por ele
corrigi erros que correm e até impressos. Erram os que dizem que dentro
desta Vila há Igreja que foi dos Jesuítas ou casa por Anchieta ou outro Jesuíta
edificada: não há tal. Creio no velho porque o que ele diz é sem contradições,
e até combina com o que se lê nos livros da Câmara Municipal, de que o Sr.
Loureiro Presidente da mesma Câmara tirou trechos que me leu presente o
bom Capitão Viana. Tenho para mim que o curioso Pe. Pires Martins no seu
já citado excelente e importante livro manuscrito errou em alguns pormenores, e multiplicou Igrejas do Coração de Jesus, quando é uma. Vou com o
bom velho e arquivo da Câmara Municipal. A Matriz foi edificada em honra
de N. Senhora da Conceição pelo Donatário (Francisco Gil de Araújo). Por
Provisão de Fevereiro 1751 se concedeu ao Arcediago Quental licença para
edificar uma Igreja ou Capela ao Sagrado Coração de Jesus defronte da Matriz da Conceição. Edificou-se a Capela e ao lado um Conventinho. O Arcediago por testamento deixou a Igreja e Convento ao SS. [p. 256] Coração de
Jesus de Portugal; assim diz o velho, sem poder nem saber explicar que Ordem ou Congregação ou Corporação ou mesmo Igreja era essa do Coração
de Jesus de Portugal. Queria o Arcediago que viessem quatro Religiosos para
o Conventinho e que servissem para o custeio e despesas dos Religiosos e da
Capela as duas Fazendas que o mesmo Arcediago possuía aqui com os nomes de Engenho e Campo, como ainda se diz hoje. Certo é que os herdeiros
puseram embargos, houve demanda, e saiu sentença contra o testamento que
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foi declarado nulo.60 No relatório manuscrito do Sr. Bispo D. José Caetano
leio que a sentença de nulidade do testamento do Arcediago Quental foi dada
somente pelo Ouvidor em Campos no ano de 1808 e acrescenta depois de
eu ter chegado do Rio de Janeiro, sem que fosse ouvido ou chamado apesar
de ser a Mitra administradora da Capela do Coração de [p. 257] de Jesus;
mas o Pe. Domingos me afirmou que nos autos andava uma desistência do
Bispo Desterro e do Vigário Geral Vilas-Boas. Assim D. José Caetano falando de sua 1ª visita aqui em 1812.61 Agora ninguém sabe me explicar como
a Mitra foi administradora e julgo não ser fácil achar tais autos para neles se
encontrar tal desistência. Do tal Conventinho (que também alguns chamam
Colégio não sei por quê) nada resta; as mesmas paredes exteriores que há
poucos anos existiam, em cujo âmbito se sepultavam cadáveres já não estão
em pé; e apenas há vestígios de alicerces do lado do atual Cemitério todo
aberto, como disse, e que fica fora de tais alicerces. Os Jesuítas tinham uma
pequena residência aqui perto, mas não na Vila, porém sim na chamada ainda
hoje Aldeia Velha. Mais longe estava a famosa fazenda de Araçatiba perto do
Rio Jucu, de onde se podia ir à Vitória pelo Jucu – pelo chamado canal ou rio
do Marinho, que dizem ter sido aberto ou melhorado pelos Padres Jesuítas.
[p. 258] Quarta-feira 12 de Maio: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 27
pessoas e gente limpa. Admirei ver a Igreja cheia de gente já no 1º dia e na Missa,
o que não se vê quase nunca e não vi desde Itapemirim. E muita gente a confessar-se! Graças a Deus já se sente frio e passaram os calores de Guiné dos Cachoeiros.
E já se bebe água fria e boa. Venta muito, o que não deixa de incomodar. Subi ao
consistório e à torre, que por não serem altos quase nada mostram mais do que a
mesma sumidade do monte sobre o qual estão as duas Igrejas da Conceição (Matriz) e do Coração de Jesus que serve de Matriz, fronteiras uma à outra. Cheguei à
porta da velha Matriz: existem todas as paredes, o frontispício e a torre mas nada
de telhado; ali agora sepulta-se gente. Também vi o Cemitério pertinho da Igreja
que serve de Matriz; está todo aberto, e sujo de ervas; apesar de ter sido bento há
pouco, benzido pelos meus Missionários, que ali levantaram o pequeno Cruzeiro
de madeira que existe. O Pe. Figueiredo foi ensinar Doutrina aos meninos; e por
ele e outros soube que os meninos aqui sabem bem o principal da Doutrina e as
rezas, e que o mesmo povo não é ignorante na matéria. Haverá doutrina nos mais
dias e assim não falarei mais nisto.
60
61
Trecho riscado seguido de nota do Bispo: (Veja adiante a que isto pertence).
Coutinho, D. José Caetano da Silva, O Espírito Santo..., p. 137.
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[p. 259] Quinta-feira 13 de Maio 1886: Disse Missa na Matriz, e dei comunhão a 18 pessoas. Muita gente na Missa. De tarde preguei, mas onde
e como? Não foi na Matriz não só por ser longe e no alto do morro, mas
porque tem ventado muito do sul, e não caber muita gente dentro da Igreja.
Assim armou-se um púlpito em uma pequena praça (sem nome ou que chamam da Pedra) e fica perto da nossa residência; e no mesmo púlpito fincou-se um Crucifixo. Em duas casas uma atrás e outra defronte do púlpito havia
luminárias. Aí preguei. A princípio havia pouca gente o que me agastou um
pouco e logo disse que amanhã pregaria na Matriz houvesse ou não gente
e vento; porém foi vindo gente e na mor parte do sermão grande era o auditório. Cantou-se o Bendito antes e depois. Neste dia mandei pelo Vigário
André (de Benevente) revalidar o casamento de dois Paroquianos daqui, que
por mau conselho de outrem tinham-se ido casar na limítrofe Freguesia de
Viana. Veio o homem do casamento de ontem e as notícias que deu já eram
contrárias às que ontem deu-me um seu parente mais velho. Afinal achei 10
impedimentos em vez de os 12, isto é achei que eram dez vezes consanguíneos. Mas tanto perguntei e tantas explicações exigi [p. 260] que me parece não
haver mais graus, mas ainda requeri novo exame para depois. Não fique em
silêncio que a Missa de hoje apliquei por alma de Pio IX, do Bispo D. Viçoso
e do bom Arcediago de Mariana Rego, que todos nasceram a 13 de Maio. D.
Viçoso hoje faria 99 anos se fosse vivo!!
Sexta-feira 14 Maio: Lá subi outra vez a extensa embora suave ladeira para ir
à Matriz e aí disse Missa, e dei comunhão a 81pessoas grande parte homens.
Muita gente na Missa e para se confessar. Depois da Missa (como ontem)
assentei-me no faldistório e fiz aí alguns avisos etc. Repeti o que já havia dito
em outra ocasião que a Igreja velha abandonada é que é a verdadeira Matriz
e Igreja de N. Sra. da Conceição; que ninguém senão o Bispo pode mudar a
Matriz de uma para outra Igreja, e que eu não havia nem sequer tido notícia
desta mudança; que melhor fora ter gastado no conserto da antiga do que no
conserto da Igreja do Coração de Jesus, que agora serve de Matriz, sem porém sê-lo. É coisa curiosa! Não havia muito que este povo pobre tinha feito
a torre, que não é estreita e é de alguma altura, quando pouco depois destelharam a Matriz, e a deixaram para reconstruir a outra! Coisas deste mundo.
Disse e redisse que a Igreja que serve agora de Matriz foi levantada em honra
do Coração de Jesus, e contei a história relativa, [p. 261] de que falei acima; e
dei muitos parabéns a Guarapari por ser uma das povoações do mundo que
primeiro levantaram Templo especialmente dedicado ao Coração de Jesus.
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Agora que é [sic] Roma e Paris estão levantando templos a esse Sagrado Coração. Lisboa porém é a 1ª Cidade do universo que levantou uma suntuosa
basílica ao Coração de Jesus, graças à devoção da Rainha D. Maria I que lá
tem hoje seus ossos, trasladados do Rio de Janeiro, onde falecera. Disse que
talvez por isso este povo de Guarapari tenha fama de ser e de fato é o povo
mais religioso desta Província. Lembrei outros templos do Coração de Jesus
de que lancei a 1ª pedra a saber em Monsuaba perto de Angra dos Reis e em
Parnaioca na ilha Grande, no Rio Comprido e Botafogo na Corte; no Fundão dos Índios perto de Nova Almeida nesta Província. (Sei que os Jesuítas
em S. Catarina, Província que pertence a este Bispado levantaram um templo
em Nova Trento ao SS. Coração de Jesus!) Hoje chegou o correio vindo pelo
vapor Mayrink; já se sabe recebi muitos jornais e cartas. Soube com pesar
que na Muquiçaba (aqui defronte da Vila do outro lado) há uma porção de
amancebados, e alguns adulterinamente por mal dos pecados!! O bom velho
Capitão mandou-me um cesto de laranjas. Tornei de tarde à Matriz onde
preguei à porta da Igreja em púlpito armado e enfeitado. Felizmente o tempo
correu bem, do contrário nem praça nem Igreja para sermão! Havia [p. 262]
muito povo. Antes e depois se cantou o Bendito. P. S. Recebi 150$000 para
os trabalhos de conservação da cela de Anchieta; mandou-os o Pe. Augusto
Estanislau Aureli Superior dos Jesuítas no Brasil a quem há pouco escrevi
perguntando por gracejo se não daria alguma coisa para esse piedoso fim.
Sábado 15 de Maio: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 46 pessoas:
muita gente apesar do chuvisco que caía e de estar molhado o capim, que
aqui forra as ruas de lado a lado e toda a montanha sem caminho feito. A
meio-dia subi à Matriz apesar de chuviscar e fiz uma prática e crismei 56
pessoas. Com prazer soube que o Presidente da Câmara e sua família se haviam confessado hoje. Antes que me esqueça digo que aqui há um faldistório
algum tanto pequeno, feito de jacarandá (julgo) e que decerto foi feito por
ocasião da visita de D. José Caetano (ou a de 1812 ou a de 1819). Também
em Parati na Província do Rio há outro porém de madeira ordinária e tenho
certa lembrança de encontrar outro não sei se na Vitória ou em outro lugar.
Hoje visitou-me o Tenente chamado Capitão Milagre, natural de Minas, de
83 anos, hoje aqui perto com Fazenda, que eu conheci em Minas, e que era
amigo do Sr. Bispo Viçoso. Na Serra do Caraça eu em 1842 fui colega de
um sobrinho deste e que já é finado depois de Doutor. O Capitão Milagre
mandou-me de presente um leitão assado e biscoitos. Pelas 6 horas tornei a
subir a comprida la[p. 263]deira toda forrada de relva sem estrada e fui à Ma315
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triz onde preguei à porta da Matriz, cantando-se antes o Bendito e depois as
Ladainhas de N. Senhora. Felizmente já não chuviscava, e afinal havia algum
luar embora embaçado. P. S. Ontem recebi um ofício do Ministro da Justiça
no qual me diz que vista a dificuldade de achar no Bispado de Pernambuco
um Padre para Capelão e Mestre de primeiras letras do Presídio de Fernando Noronha eu propusesse um de meu Bispado e que o ordenado seria de
1:724$000. Mas onde acharei? Oh! tempora, oh mores!
Domingo 16 de Maio: Faz hoje 34 anos que (em 1852) na Capela ou Oratório do Palácio Episcopal de Mariana eu recebi o Subdiaconado que me
conferiu o santo Bispo Viçoso. Há pois 34 anos que rezo Breviário sem
faltar senão alguns dias por doença grave. Bendito seja Deus! Funes ceciderunt
mihi in praeclaris; etenim haereditas mea praeclara est mihi! Disse Missa na Matriz
e dei a comunhão a 116 pessoas, muitos homens e mulheres e da principal
gente também: em visita não me lembro de ter dado comunhão a tanta gente junta de uma assentada. Na Corte sim, já dei a mais de 500 de uma vez.
Depois da Missa saiu o SS. para um cego, morador na praça onde já preguei,
o qual não está para morrer, mas devia fazer a comunhão pascal de desobriga. O Cônego Gouveia levou o SS. debaixo do pálio, eu e o Vigário e o
Juiz Municipal acompanhamos atrás do pálio e um povaréu grande a cantar
o Bendito. Deveras este povo é religioso e outro que mostre ser tanto não
tenho encontra[p. 264]do em Visita. É pena não ter Vigário e os que tem
tido não terem sido todos bons. E é pena haver também algumas mancebias
e adultérios. Mas o povo em geral mostra muitos sentimentos de verdadeira
e fervorosa Fé. À 1½ da tarde subi à Matriz, preguei à porta da Igreja sobre
os Sacramentos e em particular da Crisma e depois crismei 438 pessoas. A
Igreja por ser pequena e a gente muita mudei de lugar umas 4 vezes a ver se
evitava o atropelo. Soube que em Benevente um homem estava muito mal; e
fiz para lá seguir o bom Pe. Rafael sempre pronto para tais trabalhos e para
quaisquer confissões. Hoje não houve doutrina pelo Pe. Figueiredo por ter
acabado tarde a crisma.
Segunda-feira 17 de Maio: Não houve hoje prática de manhã pelo Pe. Rafael ausente. Na Matriz disse Missa e dei comunhão a 96 pessoas, sendo
muitas delas do sexo masculino. Cada vez mais admiro mais este povo! É
pena certas mancebias. Depois da Missa fiz do faldistório alguns avisos; e
descendo o monte me falaram do casamento de 2 amancebados, um deles
viúvo que foi dizendo em voz alta que queria sair do pecado. Voltou o Pe. Ra316
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fael, que confessou o doente que está livre de perigo. À 1 h ¾ subi à Matriz
e fiz uma longa prática sobre batismo e depois cris[p. 265]mei 275 pessoas
com alguma ordem. Veio uma Comissão de três membros convidar-me a ir
visitar a Freguesia de Viana, e fez fervorosas mas humildes instâncias. Não
sei que fazer! Parece difícil por diferentes motivos; mas veremos até amanhã.
Às 7 horas subi pela terceira vez o monte e fui à Matriz e preguei à porta da
Igreja perante muita gente contra a luxúria. Antes se cantou o Bendito e depois
o Senhor Deus misericórdia. Não houve Doutrina. Grande parte do dia gastei
em examinar os livros paroquiais de Benevente que para aqui trouxe por me
faltar tempo lá. De noite me acho cansado!
Terça-feira 18 de Maio: Estas primeiras palavras estou escrevendo à meia-noite, hora em que de ordinário me deito por hábito de muitos anos desde
1850. Na Matriz disse Missa e dei comunhão a 56 pessoas, e depois fiz alguns avisos. Veio um amancebado da Muquiçaba tratar de seu casamento
e foi preciso dispensar no impedimento crime por adultério com pacto de
casamento, que ele (e ela) ignoravam ser impedimento. Por ele soube que
há mais 5 amancebados na Muquiçaba, sendo 3 com adultério atual; e dois
de solteiros dos quais um é filho de uma que foi amásia de seu pai casado,
e vive amancebado com essa mesma amásia do pai!! Desenganei a comissão
de Viana que lá não podia ir agora; e soube depois que a mesma não podia
garantir a hospedagem em Viana; certo é que o Vigário de lá não me [p. 266]
mandou carta. Pelas 2 horas subi de novo à Matriz, disse algumas palavras
no faldistório sobre crisma e falei contra certo mau costume geral e que aqui
não deixa de ter seguidores, a saber quando querem casar-se ou batizar filhos
vão logo dizendo que são pobres e se for preciso pagar não se casam nem
tratam de batizar logo os filhos: e contei o caso de Jacob que trabalhou 14
anos para casar-se com Raquel. O que deu ocasião a falar sobre isto hoje, foi
encontrar em caminho para Matriz certo sujeito amancebado que já havia
sido favoravelmente despachado para se casar logo, e em minha presença
disse ao Cônego Gouveia que se não casava mais porque era preciso pagar e
o Vigário não casava de graça. É mister muita paciência para aturar tais desaforos, que outro nome não cabe. Em outros lugares tenho falado sobre o
mesmo assunto. Já é moda, e ainda que se peça dez tostões, coçam a orelha,
e vão-se dizendo pobre[s]. Aqui falei para não pegar a moda por esta terra de
Guarapari. Também disse publicamente que eu havia admirado haver todos
os dias tanta gente nas mesmas Missas, mas agora reparava que não era sempre a mesma gente, mas iam-se revezando, no que não deixam de merecer
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louvor. E depois crismei 149 pessoas. Depois das 7 horas da noite subi pela
terceira vez o [p. 267] comprido monte e me custou imenso, e as pernas
não me ajudaram de cansadíssimas. À porta da Matriz depois do canto do
Bendito preguei um estirado sermão sobre o texto Delicta quis intelligit; e no fim
cantou-se o Senhor Deus misericórdia. O concurso de povo foi numerosíssimo.
Quarta-feira 19 de Maio: Faz hoje oito anos que na Corte morreu com 75
anos minha queridíssima mãe D. Camila Leonor Pontes de Lacerda, viúva
do Capitão de Mar e guerra João Maria Pereira de Lacerda. Eles lá estão na
eternidade e tantos outros parentes que tanto me amaram! Eu hoje sou mais
velho de que meu pai, quando morreu! Custou-me um pouco ir à Matriz,
mas fui e disse Missa por alma de minha queridíssima Mãe! Dei a Comunhão a cerca de 40 pessoas: havia alguma gente à Missa. Tratei papéis de
casamentos, um dos quais tinha 10 impedimentos, isto é de noivos dez vezes
consanguíneos, a saber consanguinidade em 3º. grau igual triplo, em 4º. grau
igual duplo, em 4º. misto de 3º. quíntuplo: é o casamento de que falei a 11 do
corrente. Felizmente agora tenho faculdade Apostólica para cumular impedimentos nas dispensas. Trabalhei em preparar dispensas para enviar para a
Corte e mandei 15. De tarde pouco [p. 268] antes das 7 horas fui à Matriz e
preguei à porta da Igreja sobre o Diliges Dominum Deum tuum. Havia bastante
gente fora e muita dentro da Igreja.
Quinta-feira 20 de Maio: Na Matriz disse Missa e dei comunhão a umas 40
pessoas. Como já outras vezes excluí alguns meninos que deviam saber mais
para comungarem. Depois fiz alguns avisos assentado no faldistório. Às 2
horas da tarde lá subi outra vez a extensa ladeira. Na Sacristia sagrei 2 cálices;
fiz do faldistório uma prática sobre Crisma e dei outros avisos e crismei 194
pessoas, muitas das quais eram crianças. Tenho notado que por aqui há muita
gente branca; e hoje vi quatro irmãs a mais velha de 15 ou 16 anos (penso)
de cabelos louros, feições alemãs, e que são filhas de pais todos brasileiros.
Pouco antes das 7 lá fui pela terceira vez à Matriz, e como estava escuro,
quatro meninos me acompanharam com lanternas. Subi ao púlpito à porta
da Matriz, e havia muita gente, sobretudo mulheres dentro. Cantou-se antes e
depois do sermão o Bendito. A solfa é como ouvi na Vitória em 1880 e é uma
belíssima variação do Bendito usado geralmente no Brasil; mas não é isso só
que noto, mas sim que algumas mulheres têm cantado com uma voz entoada
e macia e belíssima, que encanta. Preguei so[p. 269]bre os Mandamentos da
Lei de Deus, 1º e 2º e 3º, ficando os outros para outro dia. Pelas 10 horas da
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noite mais ou menos caiu uma boa pancada de chuva, que felizmente achou
todos recolhidos. No sermão quando falei do juramento falei do juramento
Maçônico e mostrei que pecava quem o prestava e mais pecava quem o cumpria, e que se devia deixar a Maçonaria e nunca nela entrar.
Sexta-feira 21 de Maio: Pela manhã achei-me muito cansado e não fui à Matriz, e assim fiquei sem Missa. Pelas 2 horas fui à Matriz e do faldistório assisti
à leitura que mandei o Cônego Gouveia fazer de uma minha Pastoral sobre
a Crisma, e depois ainda fiz um pequeno resumo para mais impressão fazer,
porque vejo pela experiência que isto de leitura passa mui desapercebido.
Para o fim da crisma reparei que certos tinham jeito de não se terem confessado, e por isso fui perguntando e logo despachando alguns mandando que
se fossem confessar e viessem nos dias seguintes. Um ou dois deles disseram
que hoje se crismaram porque tinham chegado da roça e amanhã se confessariam. E que tal! Assim poderá ser se estavam em graça; mas às vezes tais
nunca se confessaram ou por falta de Padre ou por negligência! Crismei 271
pessoas. Soube hoje que morreu o homem de Benenvente que o Pe. Rafael
foi confessar: olhe lá se eu não mandasse o Padre?! O Pe. André Vigário de
Benevente e encarregado desta Freguesia de Guarapari tem aqui estado doente, sem perigo porém. [p. 270] Antes que me esqueça depois direi desde já
que tenho notado que muitas mulheres, meninas e velhas trazem cordões de
ouro ao pescoço, alguns antigos, e às vezes com duas e quatro voltas em torno do pescoço, como muitas vezes vi em Minas. Outro costume: as mulheres
quase todas trazem lencinho branco na mão; e o pior é que na comunhão
às vezes logo que recebem a sagrada partícula alimpam os beiços com o tal
lencinho, e por isso tenho dado meus avisos e repreensões também. Dos homens da roça muitos trazem lencinho ou puxam por ele quando se vão ajoelhar, o que na Corte é bem frequente. Tenho notado por vezes que na Igreja e
na mesma mesa da Comunhão e também na rua, as mesmas moças ou velhas
põem as mãos e entrelaçam os dedos e depois colocam as mãos sobre o ombro da vizinha apoiando-se. Tenho visto grupos de dois ou quatro meninos
andando pela rua do mesmo modo, ou todos passando o braço pelas costas
dos outros, isto é abraçando-se com um só braço pelas costas e assim vão
caminhando. De tarde fui à Matriz com as lanternas como ontem e depois
do Bendito preguei à porta da Igreja sobre outros Mandamentos [p. 271] (4º e
5º) perante um numeroso concurso, aumentado com gente de fora. Falando
nesses 2 mandamentos disse alguma coisa da origem do poder e de passagem
reprovei a tal encantada delegação feita pelo Povo ao Soberano. Fiz ver que
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a pena de morte é inadmissível se é o povo quem dá delegação à Suprema
autoridade, mas não se esta vem (como vem) de Deus. Também dizendo que
não se deve cumprir o mal que a Autoridade mandar toquei no casamento
civil e preveni para o futuro fazendo ver que tal casamento será falso e mancebia, e que o mais que se pode fazer é ir ao Juiz de Paz ou outro agente civil
e mandar-se inscrever como marido e mulher sem se terem por tais enquanto
pelo Sacramento do Matrimônio não se receberem em matrimônio cristão.
Louvei o povo por sua índole pacífica, e porque aqui não há Processos e os
Advogados e Promotor pouco ou nada têm que fazer, e a cadeia está quase
sempre vazia sem nenhum preso. Pois coisa para rir! Foi exatamente durante
o sermão deste dia que certo sujeito de fora porque Cearense empregado no
serviço da linha telegráfica aliás pacato e bom hoje por estar encacha[ça]do
disse alguns desaforos na Sacristia ao Sacristão, que é Vereador da Câmara e
Subdelegado, e teve de ir para a cadeia. Felizmente o caso foi excepcional e
o homem era de fora e o mesmo Subdelegado não o quer processar e fazer
demitir do [p. 272] serviço da linha.
Sábado 22 de Maio: Lá fui à Matriz. Já estou cansadíssimo de tantas vezes
subir esta estirada ladeira; felizmente é mais suave que a de Benevente e não
é íngreme. Outro trabalho que tenho, é estar sobretudo de manhã a calçar e
descalçar sapatos de borracha, porque nesta Vila as ruas estão em todo seu
comprimento e largura cobertas de capim ou relva, e quando muito há apenas um pequeno e tortuoso trilho de um palmo por entre a relva e há muito
orvalho de manhã. E o monte está todo coberto de relva e o trilho que há
não é senão o do capim pisado pelos que têm passado e repassado nesta Visita. Fui pois à Matriz e disse Missa e dei comunhão a 77 pessoas, das quais
uns dois terços seriam homens. As mulheres neste dia foram em menor número, porque a Igreja sendo pequena e a gente muita, os Padres custaram a
achar comodidade de confessar muitas mulheres. Note-se porém que nesta
Vila quase anda igual o número de homens e de mulheres, que comungam.
Hoje o concurso à Missa foi grandíssimo. Acabada a Missa saiu o SS. debaixo
do pálio a duas casas [p. 273] pobríssimas a pessoas que queriam desobrigar-se pela Páscoa. Foram alguns de opas do SS. e o Cônego Gouveia levou o
SS. e eu acompanhei atrás de vela na mão. Ingente povo acompanhou, e homens e mulheres foram cantando o Bendito. Era comovente ver aquela turba
numerosa a descer o monte seguindo Nosso Senhor. Em uma casa se deu a
comunhão a duas mulheres doentes, mas não desenganadas nem em perigo.
Depois fomos longe e entramos em uma pobre e baixa choupana de palha
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que dentro estava toda forrada de colchas e lençóis. A doente rompeu em
devotíssemos afetos repetindo em rima o que sua devoção ditava e louvando
muito a Deus por aquele insigne favor da santa comunhão. Meu Deus perdoai meus pecados: se eu não os soube bem dizer aos pés do confessor, como
declará-los aqui. Meu Deus não me deixeis morrer em pecado, dai-me a santa comunhão para minha salvação. Enternecia deveras e os da casa choravam.
Eu precisava de certa certidão de óbito de uma mulher. Procurei e reprocurei
no livro da Freguesia! Achava o nome da tal defunta e a idade que tinha quando faleceu; mas nem uma só palavra de ser casada! Entretanto era ela mesma;
e soube por que no Registro civil se fala no mes[mo] [p. 274] dia e mês e ano
de falecimento, se dá o mesmo nome e a mesma idade, com declaração porém de dizer o nome do marido. Vi o livro do Registro civil. Que pena, ver
que no civil fazem melhor estes assentamentos e mais bem escritos na caligrafia, no asseio, na exposição, no noticiário, e em livro de melhor papel e
mais consistente. E pelas Freguesias quantas omissões, quanto desmazelo, e
quanto laconismo excessivo! E os livros deste Guarapari não são dos piores
e há assentamentos bem feitos, não porém de todos os RR que aqui têm
servido de Pároco. Os óbitos em grande parte estão muito mal escritos e em
péssima letra e com muitos defeitos e até sem assinaturas e linhas tortas.
Nisto há um destes livros digno de censura, como vou fazer no capítulo da
Visita, que escrevo no fim de cada livro por não haver livro do Tombo. Note-se que às vezes no mesmo livro escrevem três e quatro Vigários porque às
vezes no ano três e quatro se sucedem, mormente nestes últimos tempos por
falta de Sacerdotes. Neste dia 22 de Maio realizou-se [a visita] por mim prometida dias antes e já muito ansiosamente desejada pelos mora[p. 275]dores
da Muquiçaba. Não cessavam de perguntar quando eu iria porque queriam
preparar uma recepção esplêndida, como a da Vila. Enfim chegou o dia e foi
este de 22 de Maio. Depois das 11 horas da manhã mais ou menos veio a
banda de música a tocar pela rua e parou defronte de nossa residência. Pela
volta do meio-dia ou pouco antes saí eu com os Padres (exceto o Vigário por
estar ainda doente) e várias pessoas. Apenas saímos o Promotor que é nosso
vizinho levantou vivas à Religião Católica Apostólica Romana e ao Bispo, e
seguimos para o lugar do embarque, que fora o do desembarque. Havia muita gente pelo monte da Matriz, e pelas praias e lugar do embarque e muitos
estavam passando para a Muquiçaba em 2 ou 3 canoas. No porto estavam
duas lanchas e uma boa canoa, todas embandeiradas em arco, como outras
barcas fundeadas aqui e em Muquiçaba. Eu entrei com os Padres na que foi
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oferecida pelo Presidente da Câmara, e levava a bandeira nacional e o mesmo
Presidente e o Sr. Marciano e outros; em outra lancha entrou a banda de
música e mais gente; e na canoa ou antes grande escaler muitas outras pessoas. Este escaler levava bandeirolas e galhardetes, as outras quase todas as
bandeirolas eram de lenços de várias cores, mas que faziam bom efeito. Em
poucos minutos estávamos na outra banda e encontramos muita gente no
lugar, e muito alvoroço em todos e alegria, e muitos foguetes su[p. 276]biam
ao ar, e de distância em distância não cessavam foguetes e pequenas girândolas. O desembarque foi na extremidade da Muquiçaba mais perto da Vila e
não longe da casa do Sr. Caramuru (sobrenome adotado tendo sido antes
apelido) e é o principal da localidade. Seu nome é Antônio Pereira de Barcelos Caramuru. Não entramos em casa de ninguém. Eu e os Padres e grande
número de povo do lugar e da Vila e de fora, e meninos sem conta, corremos
toda a extensão da Muquiçaba. De uma a outra extremidade se sucediam a
pouca distância muitos arcos de folhagem, alguns bem bonitos, e embandeirados com lenços, e enfeitados de flores, e passávamos por entre palmeiras, e
coqueirinhos, e até bananeiras com seu fruto, e alguns [d]estes mesmos arvoredos estavam adornados de flores; e não tinham conta as bandeiras, e lenços
que serviam de bandeiras debaixo das quais passávamos. Música, foguetes e
girândolas quase não cessavam! Em todos uma grande satisfação e jubiloso
alvoroto. Mais ou menos no meio da povoação e onde as casas ou melhor
cabanas de palha já não estão de um só lado da praia, mas sim de um e outro
lado e afastando-se um pouco mais para dentro encontramos um púlpito
armado e um [p. 277] Oratório preparado e velas acesas em uma casa coberta de tabuinhas e de boa aparência, pertencente ao Português Sr. Rodrigo
Augusto de Oliveira. Deixamos para a volta a oração e sermão. Quando voltávamos disseram-me que em uma daquelas cabanas havia uma mulher velha
paralítica vinda de fora em rede e que desejava ver o Bispo. Entrei e a achei
assentada em uma esteira no chão e muito afaga[da] por seus filhos, que pareciam muito obsequiosos e respeitosos à sua velha mãe. Disse-lhe que se
preparasse para se confessar e comungar amanhã na mesma Muquiçaba. Na
mencionada casa do púlpito entramos e fizemos uma pequena oração e subimos ao púlpito que estava mudado para outro lado da casa para evitar o sol.
Tomei para texto o relictis retibus secuti sunt eum e veio bem ad rem em uma localidade onde quase todos os pobres moradores são homens pescadores. Do
púlpito eu via da outra banda a pequena parte da Vila que fica encostada ao
monte das duas únicas Igrejas, e banhada pelo mar; e do lado da Muquiçaba
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via uma comprida linha de cabanas de palha, o mar e a recurvada praia de
alva areia, e nossas lanchas fundeadas e algumas canoas. Exaltei os pescadores fazendo ver que Nosso Senhor Jesus Cristo deixando à banda as outras
classes preferiu a dos pescadores para dela [p. 278] tirar quase todos os seus
discípulos, que ele havia de converter de pescadores de peixes em pescadores
de homens. Começou por Pedro e André que estavam mittentes rete in mare
(erant enim piscatores, como nota S. Mateus) e pelo discípulo amado S. João e S.
Tiago que estavam reficientes retia sua. Mostrando a sublime missão dos Apóstolos, eu mostrei quanto Cristo louvou a classe dos pescadores. Isto é sabido,
mas o que é pouco notado, fiz reparar que quando Jesus Cristo quis cumprir
sua promessa entregando de fato a Pedro o Supremo Pontificado e o apascentamento de toda a grei Cristã, apareceu aos seus, fez o grande milagre da
pesca estupenda de 153 grandes peixes sem romperem a rede, convidou os
seus a comerem peixe: venite, prandete, deu pão e peixe aos seus, e cum [ergo]
prandissent dicit Simoni Petro Jesus: Simon Joannis diligis me plus his etc. e depois
pasce agnos meos, pasce oves meas. Tudo isto junto ao mar de Tiberíades, à vista de
barcas, e redes, e peixes, e pescadores! E foi então que o pobre pescador Pedro foi constituído Vigário do Filho de Deus na terra, Sumo Pontífice, Pastor
Supremo de cordeiros e ovelhas, Vice-Deus entre os homens. E fui discorrendo neste assunto. Fiz depois ver a impor[p. 279]tância de fazerem os
pescadores de Muquiçaba o mesmo que os pescadores do mar da Galileia,
deixando tudo que for pecado para sem mais réplica seguirem a Jesus Cristo
que lhes falava pela boca do Bispo e dos Sacerdotes etc. Concluí pedindo a S.
Pedro que protegesse estes pescadores e esta Muquiçaba, e entreguei esta
localidade ao valioso patrocínio do grande Pescador. Mais ou menos o assunto foi este e não pudera ser melhor e mais ao caso. E na verdade o assunto é
grandioso, e as circunstâncias do lugar e o que estava à vista davam certo
colorido belíssimo a meu discurso. Todos ficaram muito contentes. Estando
já não longe da praia para embarcar no ponto oposto do embarque, parei e
disse àquela gente: e por que não fazem aqui uma Capelinha embora pequenina, mas sólida e de pedra, que há aqui tanta. Responderam que era o que
desde muito desejavam. E em quanto avaliaram a despesa, sem contar pedras
e carregadores, que devem ser os homens e mulheres de Muquiçaba, tão
abundante de pedras. Avaliaram em um conto de réis. Pois bem dou eu
400$000 com a condição que a Capelinha será da invocação de meu santo S.
Pedro, o pobre pescador elevado ao Pontificado. Todos aceitaram, e aplaudiram. Disseram que havia ali um peque[p. 280]no outeiro de pedra, onde as323
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sentaria bem a Capelinha à vista da barra, e então julgaram que o dono (residente na Vitória) de bom grado cederia por 50$000 (no que como veremos
se enganaram). Ficaram eletrizados os bons pescadores de Muquiçaba e os
mesmos Srs. Caramuru e Rodrigo e outros circunstantes. Embarcamo-nos e
voltamos como viemos. É inútil dizer que houve grande beija-mão ou beija-anel.
Domingo 23 de Maio: Os meus Padres disseram Missa na Matriz, uns cedo
e outros mais tarde, por ser Domingo. O Cônego Gouveia foi cedo à Muquiçaba confessar a velhinha paralítica e outra senhora casada doente. Eu fui
pelas 7 horas com o Pe. Figueiredo na lancha do Sr. Fraga (Presidente da Câmara) e não houve aparato. Na casa onde estava ontem preparado o Oratório
eu disse Missa ajudado pelo Cônego e Figueiredo perante muita gente dentro
da sala e fora da casa, e dei a Comunhão à paralítica que seus filhos para ali
tinham trazido. Acabada a Missa o Cônego meteu no relicário uma partícula
que eu havia consagrado e debaixo da umbela e atrás da campainha que tocava e da Cruz e entre [p. 281] lanternas foi pela praia fora à casa da outra
enferma. Eu acompanhei atrás de vela na mão e grande número de povo a
cantar devotamente o Bendito. O SS. conduzido à pobre casa de uma enferma,
acompanhado de um Bispo ao canto do Bendito por aquela praia, à vista do
mar... é espetáculo belo e que enternece. Neste dia fiz a visita do Cemitério
na Vila. Concorreu a Irmandade ou Devoção do SS. e mais duas, tomaram
túnicas seis meninos, dobraram os sinos da Matriz e acompanhou numeroso
concurso de muitíssima gente no mais profundo silêncio e recolhimento de
todos. As Irmandades iam com muita ordem na Procissão. Dirigi-me para a
Matriz velha que fica com o frontispício virado para o da Igreja do Coração
de Jesus que serve de Matriz: estão no alto do monte a alguma distância uma
da outra. Fomos rezando o De profundis e entramos pela Sacristia. Só resta
frontispício e torre e as paredes; nada de teto nem assoalho nem altares, nem
coisa nenhuma. Pelo chão enterram cadáveres e há alguns toscos e pobres
carneiros. Aí cantou-se o Libera me e as orações do Pontifical e fiz depois uma
pequena prática como pedia o lugar e a função. Na volta fui ao Cemitério atual perto da Igreja em uma bela posição sobre o monte cuja base é batida pelas
vagas do mar. Está todo aberto, é pequeno, tem sua Cruz no meio, graças
[p. 282] aos meus Missionários quando aqui estiveram e o benzeram. Aqui
rezei versos e orações pelos Defuntos e depois chamei a atenção dos Guraraparienses para aquele triste estado do seu cemitério, onde descansavam seus
maiores e eles mesmos viriam ter um dia. Recomendei que o restaurassem
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e disse que se a pobreza grande do lugar não pode fazer despesas, o amor é
capaz de operar prodígios. Depois de tirar o pluvial e mitra, tomei roquete
e fui para o púlpito à porta da Matriz e preguei sobre a devoção às almas
do Purgatório e fiz por reanimá-la, excitando a imitar os antigos que tanta
devoção tinham às Santas Almas; e disse alguma coisa depois sobre Crisma
e crismei a 285 pessoas. Já se vê que o dia de hoje foi de grande trabalho. À
noite não fui à Igreja; sei porém que os escravos e agregados do Sr. Marciano
que tinham vindo da roça cantaram lá as Ladainhas e outros hinos.
Segunda-feira 24 de Maio: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 38 pessoas (38). Pelas 10 ½ houve Missa cantada pelo Cônego Gouveia acolitado
pelo Pe. Alves (Diácono) e Figueiredo (Subdiácono). Eu assisti do sólio só
de murça, assistido pelo Pe. Rafael. (O Vigário estava ausente por doente.)
A música foi a da Vila e bem desentoada no canto e instrumento, mas enfim
nunca parou e rompeu por todas as dificuldades e chegou ao fim. [p. 283]
Eu preguei sobre N. Senhora usando do texto Beatus venter etc. Disse maravilhas e gostaram imenso, e muitos de comovidos choraram. A festa foi em
honra de N. Senhora da Penha de que todo Povo da Província do Espírito
Santo é devotíssimo e por isso muita gente ficou na Vila sem voltar a casa:
quem a fez foi o nosso bom Sr. Marciano para satisfazer uma promessa feita
por haver alcançado da Senhora da Penha a saúde depois de uma séria e
prolongada enfermidade. Ele queria fazer a festa no Sábado, eu é que mudei
para esta segunda em que na Diocese e alhures se faz a festa de Beatae Mariae
Virginis Auxilium Christianorum. Esteve devota e concorrida a Missa cantada.
Depois da Missa cantada fiz a Visita do paupérrimo Sacrário desta Matriz de
fechadura quebrada sem servir a chave de prata que possui. Falta coberta e há
duas âmbulas de prata. Assistiu a Irmandade ou Devoção do SS. Sacramento.
Cumpriu-se o Pontifical e dei a bênção com o SS. no fim e concedi 40 dias de
Indulgência. Depois crismei a 48 pessoas. Mais nada fiz neste dia senão lutar
com os papéis e informações e interrogatórios enfadonhos de gente quase
toda amancebada para se poderem casar. É isto um martírio que consome
muito tempo e apura quando não destrói a paciência.
[p. 284] Terça-feira 25 de Maio: Não fui à Igreja, senão às 2 horas, e fiz
alguns avisos ao povo e crismei 33 pessoas. Havia pouquíssima gente. Em
casa os enfadonhos papéis de casamentos.
Quarta-feira 26 de Maio: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 12 pessoas. Mui pouca gente. Hoje pude ver do alto do monte com o binóculo as
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
duas ilhas chamadas Rasas, porque são com efeito bem baixas, uma porém
mais elevadazinha do que a outra. E papéis de casamentos a tratar: meu
Deus, que tormento: não sabem nomes dos próprios pais, nem sempre explicam o parentesco... É assim por toda a parte: coitados! O pior é que é
trabalho de todos os dias!!
Quinta-feira 27 Maio: Disse Missa na Matriz e dei a comunhão a 12 pessoas. Pouca gente. Os casamentos de hoje me deram muito aborrecimento e
apuraram a paciência. Um destes casamentos é de dois moços da Vila Velha
já amancebados e com filho. Com certeza eram primos-irmãos duas vezes,
mas era preciso examinar-se mais. Por um velho daqui chegou-se a ver que
havia mais 4º. grau misto de 3º. duplicado; mas não se sabia se eram ou não
parentes certos ascendentes. Que fazer? Não dispensar era [p. 285] deixá-los na mancebia, principalmente porque o tal meu senhor noivo dava a entender que se voltaria desanimado e por não poder fazer despesas na Vila...
Mas como dispensar se não se sabia haver ou não mais impedimentos! Mas
dispensar muitos impedimentos, só ad cautelam? Não parece curial, mas que
fazer? Como o Pe. Alves é de especial talento e paciência para deslindar estes
embaraços, mandei que ele examinasse todas as hipóteses possíveis, para se
saber quais todos os graus que poderiam dar-se, e dei-lhe os dados precisos.
Acharam-se mais seis que poderiam dar-se quando muito. Isto faz girar a
cabeça! Valha-nos Deus!
Sexta-feira 28 de Maio: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 13 pessoas
e depois fiz alguns avisos. Ainda papéis de casamentos. Vieram dizer-me os
Srs. Caramuru e Rodrigues62 que o dono do terreno pedregoso onde queriam
edificar a Igrejinha de S. Pedro queria 400$000. Acharam que não valia; e
assentou-se em aceitar a doação de certos pobres pescadores da Muquiçaba
que cediam parte de terrenos seus. Preguei de tarde na Matriz.
Sábado 29 de Maio: Disse Missa na Matriz e dei Comunhão a 13 pessoas.
Pouco antes que eu tomasse os paramentos o Cônego Gouveia [p. 286]
levou o Sacramento a uma velhinha entrevada para desobriga pascal. Eu fui
dizer Missa e não acompanhei. O Cônego levou uma partícula que deu à
enferma e assim não voltou processionalmente, o que se fez para poupar
trabalho e não haver tantas procissões. Depois da Missa crismei a 30 pessoas
o que não fazia desde quarta-feira. Na volta para a casa visitei o Vigário que
62
Rodrigo.
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ainda está muito abatido e com excessivo fastio: está hospedado defronte de
nossa residência. Enfim o Pe. Alves pôde fazer as combinações possíveis no
parentesco dos tais ascendentes dos moços da Vila Velha e se acharam mais
seis duvidosos e possíveis além dos quatro certos. E que trabalho tive para
escrever uma extensíssima Provisão de dispensa! Dei graças a Deus quando
a acabei e me vi livre dos tais noivos! Neste dia livrou-nos Deus de uma catástrofe. A gente da casa colocou o lampião de querosene do alto da escada
perto da sala onde escrevo e moro no sobrado; colocou digo mais perto do
teto. Sucedeu que pegou fogo no teto! Felizmente se viu quase ao princípio,
senão... Casa antiga, madeira velha e seca, estávamos a sair para o sermão, e
ninguém veria senão quando já não houvesse remédio! Meu Deus, que seria
de meus papéis, de meus Rescritos Apostólicos, e livros, e algum dinheiro [p.
287] alheio? E que prejuízos? E por cima que desgosto por ser casa emprestada... Mil graças pois a Deus por nos ter preservado de tamanha desgraça.
Felizmente eu embora enfadado e cansado escrevia a Provisão da dispensa
dos tais moços, e demorei um pouco a ida para a Matriz; e o Cônego Gouveia veio falar-me não sei o quê... O Cônego viu o incêndio começado e o
noivo atirou água no buraco que o fogo já havia feito. Mil graças a Deus, mil
e milhões. Fomos para a Matriz pelas 7 horas e já escuro e preguei sobre o
céu, e depois o povo cantou as Ladainhas e Salve, mas mui desentoadamente.
Domingo 30 de Maio: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 74 pessoas.
Às 2 horas tornei a subir a ladeira e fui à Matriz e fiz uma prática e crismei 77
pessoas. Nessa prática lembrei o conserto do Cemitério e prometi coadjuvar
com 100$000. Ontem o Sr. Fraga Presidente da Câmara me pediu que eu
excitasse o povo ao conserto e coadjuvasse com alguma esmola. Hoje recebi
a correspondência da Corte vinda pelo Vapor de ontem. Por carta soube
que o terremoto que há pouco houve na Corte e Província do Rio e que se
estendeu a muitos lugares me fez estrago na Residência Episcopal do Rio
Comprido, que [p. 288] está servindo de Seminário Menor e causou uma
rachadura na frente desse Palacete.
Segunda-feira 31 de Maio: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 17
pessoas; e depois da Missa tornei como em outros dias a ralhar com a gente
que depois da comunhão não dá graças. Hoje trouxeram a escritura de doação do terreno em que se levantará a Igrejinha de S. Pedro da Muquiçaba
e que servirá de seu patrimônio. Não é este o terreno do Sr. da Vitória que
por querer 400$ a princípio e 200$ afinal não o doou nem o vendeu e nada
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lucrará por quase nada valer para outro fim, segundo disseram. Os doadores
dos terrenos são os seguintes Justino Luís Alegre e sua mulher Maria Pinheiro da Vitória, juntamente [com] Benedito Alves Ferreira e sua mulher Luísa
Maria Pinheiro, que doaram no valor de dez mil réis. Os outros doadores são
Francisco Correia Teixeira e sua mulher Maria Simoa do Rosário que doaram outra parte do terreno no valor de dez mil réis. Os dois terrenos juntos
servirão de patrimônio; eles não valem muito, mas valem mais de dez mil
réis. Junto com a escritura de doação veio o talão N 47, pelo qual se vê que
se pagou 1$200 proveniente de 6% correspondentes a vinte mil réis preço
pelo qual foram [p. 289] doados para Patrimônio da Capela de S. Pedro dois
pequenos chãos cedidos pelos três doadores supra e suas mulheres. Deus por
S. Pedro os favoreça sempre: amém! O povo da Muquiçaba está alvorotado
de júbilo! Hoje continuei o imenso trabalho de um casamento de certo velho
amancebado, e gastei além do trabalho de outros dias nada menos que perto
de cinco horas consecutivas! O primeiro casamento foi nulo, e agora há a
pública honestidade (para a qual tenho alguns casos dados pela Nunciatura)
e há outro impedimento de consanguinidade e mais outros de afinidade ilícita
e de afinidade incerta. Que trabalhão imenso! O velho e a mulher disseram
muita coisa, mas não sabiam explicar tudo e às vezes titubeavam depois de
asseverar. Enfim parece que só falta passar Provisão e sou eu que a hei de
passar e bem comprida! E por que não entrega isso a outro? A resposta é
que não há esse outro que esteja prático e saiba: não obstante às vezes o Pe.
Alves ajuda-me, mas é no formar a árvore genealógica e mais nada, pois é
muito moço de 24 anos incompletos. Quando eu pensava ter-se findado o
trabalho dos casamentos, eis que aparece um homem que diz ter-se casado
da Freguesia de Cariacica, mas nulamente, porque como ele diz e [p. 290]
explica só pediu dispensa de 4º. grau igual simples de consanguinidade quando devera pedir de 4º. igual duplicado. Coitado! Foi sem malícia e pensava
bastar pedir de um só impedimento, porque a dispensa de um aproveitava
diz ele para os mais, e que assim pensavam geralmente. Agora está sentido e
quer casar-se validamente desde que o Vigário o avisou da nulidade. O pior
porém é que a mulher está de resguardo de um parto que teve há pouco; o
que prova pensar ele que basta tratar de consertar o casamento sem haver
obrigação de separação. Bom homem, está disposto a fazer tudo e sujeita-se
diz ele a qualquer penitência. O que mais assusta é ouvi-lo dizer que muitos
de seus parentes e outros estão no mesmo caso. Oh! cada vez mais vejo que
por diferentes motivos não tem conta o número de casamentos nulos nesta
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Diocese e mais em outras. Valha-nos Deus e valha-nos. E que fazer? Avisar
nem sempre é prudente; e são capazes muitos de passar do pecado material
ao formal e será mal maior. Nesta tarde fui dar um passeio à praia que dizem
chamar-se do Diogo, quase toda de largas pedras e fora da barra. Parece a que
D. José Caetano viu em 1812 e 1819. Diz ele que estas pedras são o objeto
mais curioso para um Naturalista que ele tenha visto nas costas do Brasil
pela multidão e variedade e beleza de cores de produtos marinhos, litófitos,
zoófitos etc. etc.63 Hoje o trânsito é difícil pela costa e eu talvez não chegasse
ao mesmo ponto e paragem dos tais mariscos, e outro Senhor da Vila há dias
não pôde andar por estas paragens senão com dificuldade. Conheço porém
tais mariscos, porque tenho no Palácio um Oratório que me deu Pe. Pires
Martins formado deles, e aqui vi uma porção dos mesmos. Julgo que em
outras paragens há semelhantes, como v. g. em Piúma da Freguesia de Benevente. São com efeito lindíssimos e curiosos.
Terça-feira 1º de Junho: Faz hoje 6 anos que da Corte saí64 para esta Província a fim de visitá-la episcopalmente: e já morreu o meu [p. 291] grande
e santo Pe. Teles, o Cônego Tibúrcio, e o criado Justiniano, que me acompanharam! Sic transit mundus! Fui à Matriz e disse Missa e dei comunhão a 10
pessoas e depois crismei 10 pessoas na sacristia para fazer o ato com menos
aparato. O Pe. Alves examinou o caso do homem de Cariacica e tenho de
mandar pedir respostas ao Vigário a 38 quesitos. Pobre homem! Hoje pude
concluir a dispensa de certo sujeito de 4 impedimentos, um deles proveniente
de casamento nulo com a tia da atual noiva (até hoje sua amásia). Apre! hoje
trabalhei horas, e por causa deste já trabalhei no outro dia mais de 4 horas
consecutivas.
Quarta-feira 2 de Junho: Na Matriz disse Missa e dei comunhão a 4 pessoas. Veio tratar de casamento uma mulher branca ou quase branca já amasiada com um negro deixado por metade livre na vida de certa dona. Que
gosto! mas antes casar que ficar amasiada. Mais tarde o Pe. Rafael foi além da
Muquiçaba uma légua a confessar uma mulher picada de cobra, e deu-lhe a
unção. O Cônego Gouveia foi ver um pobre amancebado vindo de fora, e há
dias aqui e quase sem sentidos e muito mal. Já dias antes e há pouco o Pe. Rafael tinha ido, mas ele estava sem fala. [p. 292] Foi o Cônego, e fez que o genro do homem tocasse para fora a amásia do sogro, o que ele fez, prometendo
63
64
Coutinho, D. José Caetano da Silva, O Espírito Santo..., p. 141.
Em 1880.
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que não a deixaria voltar; e o Cônego depois de fazer beijar o Crucifixo e de
dizer palavras de exortação e ter pedido sinais de contrição, o absolveu. Depois de tornado a casa, tornou a ver se ainda vivia e foi para de novo absolvê-lo e dar-lhe a extrema unção, como permite o Teólogo Americano Koning.
Pelo mesmo tempo se procuravam animais para o Pe. Figueiredo ir levar o
Viático à tal mulher picada de cobra a 1 légua longe da Muquiçaba. Pouco
faltava para entrar a noite quando saiu o SS. da Matriz debaixo de umbela e
poucas pessoas que acompanhavam e cantavam o Bendito. Ia uma partícula
consagrada metida no relicário pendente ao pescoço. Enquanto o SS. passava
o mar parte dos que acompanhavam e mais outros que se reuniram ficaram
de joelhos na praia da Vila a cantarem o Bendito. Do outro lado estavam
prontas as cavalgaduras, e o Padre montou em uma e seguia acompanhado
de 2 a cavalo e 2 a pé. Felizmente a doente pôde receber o Viático e a volta
foi depressa para a Vila. Eu entrada a noite fui à Matriz onde havia grande
concurso de povo vindo por ser amanhã dia da Ascensão e preguei sobre a
oração e sobre os dois preceitos [p. 293] do jejum e abstinência, explicando-os e anunciei o Jubileu e falei no que se há de fazer amanhã. Quando cheguei
a casa já achei de volta Pe. Figueiredo sem novidade que eu receava por ter
ido de cabeça descoberta exposta ao sereno.
Quinta-feira 3 de Junho 1886: Disse Missa perante grande concurso e dei
comunhão a 16 homens. Já antes tinha havido Missas, e muita gente. O Cônego leu minha Pastoral sobre Jubileu e explicou-o. Ontem morreu o homem
ungido pelo Cônego. Até hoje tem havido 1039 comunhões. Pouco depois de
meio-dia fui de novo à Matriz, preguei sobre Indulgência e Jubileu, e depois
por ser dia da Ascensão e muitos aqui chamarem este dia o dia da hora (que
em alguns lugares é solenizada) houve bênção do SS. com mais luzes, e Irmandade presente. Como por esquecimento não havia hóstia grande consagrada, se pôs na Custódia uma partícula. O Cônego Gouveia é que deu a bênção assistido dos PPes. Rafael e Alves: eu de roquete e murça assisti do sólio.
Havia muito povo. Depois da Bênção crismei 47 pessoas. E logo em seguida
começou-se a tratar da procissão do Jubileu. Como o Papa concedeu que os
Bispos pudessem reduzir o número das visitas, uma vez que se fizessem as
visitas processionalmente presididas pelo Vigário ou Padre de sua licença, eu
na minha Pasto[p. 294]ral fiz redução para bastar duas visitas onde houvesse uma Igreja. Saíram 4 guiões, quatro Irmandades ou Devoções, algumas
meninas da escola, seis meninos de túnicas brancas, o andor de N. Senhora
do Rosário. O Cônego Gouveia levava um Crucifixo nas mãos, eu ia atrás de
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roquete e murça, e depois a banda de música e muitíssimo povo que acompanhava. Ameaçava chuva, mas assim mesmo resolvi que se fizesse a procissão:
felizmente o tempo se tornou sereno. A música tocou da Matriz à Matriz
velha; aí porque não há teto e as paredes ameaçam ruína e está atravancada
de carneiros, todos nos pusemos de joelhos defronte da porta e rezamos os 5
Padre Nossos e oferecimento. Não era preciso visitar esta Igreja já quase destruída, mas foi ato de deferência à velha Matriz. Daí saímos cantando o povo
alternadamente o Terço, e entramos na Matriz nova e aí se fez a 1ª visita.
Depois cantando-se o Terço desceu-se processionalmente à Vila, e se fez um
longo percurso, como no dia da entrada. Pelo caminho soltavam foguetes de
vez em quando: até os da Muquiçaba quando viram passar a Procissão pela
praia da Vila soltaram seus foguetes. Tornamos à Matriz e se fez a 2ª visita.
No fim do mesmo ato o Cônego disse as Orações Ecclesia e pro Papa e eu [p.
295] dei a Bênção Episcopal. Sit nomen etc. Hoje fiz eu uma curiosa. Soube
que na Matriz velha fora enterrado ao meio-dia o tal homem que foi ungido
ontem sem ter passado o espaço de 24 horas. Fiz que descobrissem o corpo
do lado da cabeça ao menos para não lhe faltar ar se por acaso não estivesse
realmente morto. Quantos que são enterrados vivos! Foi cautela por demais
talvez. Depois de um bom temporal de vento a banda de música percorreu a
Vila e parou defronte de nossa residência.
Sexta-feira 4 de Junho: Não fui à Matriz todo dia. Depois do que se disse
e fez ontem para o Jubileu têm aparecido muitas confissões de gente já confessada que quer ganhar o Jubileu. Hoje uma mulher enferma confessada
em casa quis ir à Matriz comungar e o fez levada em uma cadeira. A mulher
picada de cobra vai melhor tendo tomado a chamada fava de S. Inácio, que o
Pe. Figueiredo deu a conselho do Vigário que deu a fava. A mulher comeu-a
crua e bebeu água. Dizem que é de grande eficácia para tais mordeduras de
cobra, mas fora disso mata por ser muito venenosa. É muito conhecida por
muitos e em Medicina também.
[p. 296] Sábado 5 de Junho: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 33
pessoas, e depois do faldistório fiz uma prática sobre o Jubileu falando de
sua natureza e condições. Depois da Missa o Pe. Alves levou o Viático a um
enfermo que há pouco havia comungado na Matriz. De manhã já faz bem
frio, e aqui tenho andado de batina de pano já há dias. Depois das dez para
evitar chuva de tarde fui à Muquiçaba, onde muita gente beijou-me o anel, e
ao som de alguns foguetes. Em todos havia sinais de muita alegria. Já havia
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arcos de folhas junto ao local da futura Capelinha de S. Pedro, e uma barraca
de lona no lugar do altar. Riscaram-se os alicerces, 5 palmos de comprido
sobre 30 de largura, o Cônego Gouveia benzeu a cruz de madeira, que depois
fincou no lugar do futuro altar como prescreve o Pontifical. Todos beijaram
a Cruz depois de benzida. Houve quem me falasse em Cemitério para Muquiçaba mas esquivei-me e disse ser difícil tal graça estando perto o da Matriz
na Vila. A Capela ficará com a frente para o lado mais do Poente, e dali vê-se
toda a recurvada praia da Muquiçaba e a Vila. Do mar largo quem procurar
o porto verá bem a Capela [p. 297] de lado. Fica pertinho do local que se
quisera a princípio e pelo qual o dono pediu 400$. Em parte foi pena não
ser ali levantada porque ficaria em um outeiro mais elevado e ficaria toda a
descoberto, mas onde está se acha bem e livre de ser tão açoitada pelo vento.
Embarcamo-nos depois na lancha os que fomos e outros e por divertimento
saímos fora da barra: uma canoa quis acompanhar-nos. O mar estava manso,
mas algum tanto grosso. Vimos ao longe o Vapor Araruama, esperado há
dois dias, e que demandava a barra aqui. O povo da Muquiçaba quando nos
embarcamos correu em grande parte para as pedras do lado da barra e ali
estiveram largo espaço até voltarmos e ao sairmos nos dizia adeus. Na volta
fizemos um pequeno giro pelo porto, quase defronte da entrada que leva à
Aldeia Velha. Não há beleza no porto, antes é tristonho. Defronte da Vila
há três ilhotas sem beleza chamadas das Galinhas, da Coroa da Barra, e da
Setibira. Neste Vapor veio o célebre Pe. Domenico Martinelli de que já dei
notícia, e depois veio ter comigo. Pediu perdão, reconheceu seus abusos, mas
repreendi-o usando de energia mas de brandura e compaixão. Ajuntei que
nada lhe faria sem [p. 298] me apresentar um rol de todos os casamentos
por ele feitos sem autorização de nenhum Vigário nem Bispo, o que ele prometeu depois que voltasse a S. Teresa no Rio Timbuí onde tem mais residido.
Reconhece que em S. Cruz há outros casamentos assim mas será mais difícil
formar o rol, porque lá não tem consigo o mesmo registro que pode ver em
S. Teresa. Pobre Padre! Tem ares de um venerando Padre; mas que consciência! Diz ele que não cometeu tais abusos por ganância (e creio deveras), mas
porque insistem e pedem e rogam e ele vê aquela gente abandonada, e assim
abusa por condescend[ênc]ia. Pobre Padre e por que não recorreu nunca a
seu Bispo? Merece dó, mas também é digno de castigo. Lembrei-lhe ir ao
Seminário fazer exame e exercícios: mas temos que esperar o dito rol. Depois
de nossa entrevista chegou a hora do jantar e o convidei a jantar comigo o
que aceitou, e depois foi para o Hotel (nominal) onde se tinha hospedado por
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sua escolha. Nada por ora lhe concedi nem pretendo já. De tarde não saí por
ameaçar chuva e começar a [p. 299] chuviscar.
Domingo 6 de Junho: Os Padres disseram Missa na Matriz, e um deles
disse pelas 10 horas. Eu e Cônego e PPes. Figueiredo e Alves pela volta das 7
horas da manhã nos embarcamos sem aparato e passamos para Muquiçaba;
o Pe. Rafael ficou para confessar na Matriz, o Vigário não devia sair de casa
em razão do incômodo que teve de que não está de todo livre. Saltamos por
uma espécie de ponte lançada sobre algumas canoas; subiram ao ar alguns
foguetes e passamos por arcos de folhagem em maior número que ontem.
Debaixo da tolda onde estava fincada a Cruz tomei os paramentos. Antes
chamei os três casais (6 pessoas) que haviam feito a doação do terreno, e fiz
publicamente ler pelo Cônego o instrumento da doação, que eles de novo
confirmaram de palavra, e intimei a quem fosse credor a reclamar em tempo, o que ninguém fez. Logo dei a cada um dos 6 um envelope com 2 belos
registros do Coração de Jesus, alguns rosários e medalhas. Procedeu-se à
bênção na forma do Pontifical, e foi solenemente e com canto. Na ocasião
nomeei uma comissão para receber esmolas e presidir a obra e foram os Srs.
Caramuru, Rodrigo, Inácio, e Marciano, a cada um dos quais dei no fim um
registro do Coração de Jesus e uma cartilha das minhas. A pedra benzida
foi levada ao seu lugar em uma padiola enfeitada de flores pelos ditos 4 da
Comissão e pelo Dr. Otávio Juiz Municipal. No fim fiz como diz o Pontifical
uma prática para animar a obra e dei a Bênção com Indulgência de 40 dias.
Depois preparou-se o Altar e eu celebrei Missa como é permitido ao Bispo
pelo Pontifical [p. 300] e foi da Cadeira de S. Pedro em Roma e de branco,
por ser S. Pedro o titular da Capelinha. No fim da Missa cantamos alguns
Benditos ao SS. Em todos reinava muita satisfação. Havia alguma gente, não
porém muita, porque muitos tinham voltado para as roças e nem todos da
Vila vieram nem poderiam pagar a passagem na canoa. Fica Muquiçaba com
sua Capelinha e S. Pedro com outra Igrejinha nesta Província onde levantei-lhe outra no Guandu. Esse Santo que se lembre de mim sobretudo na hora
de minha morte. Fomos depois para a casa do Sr. Caramuru que fica na outra
extremidade da praia e aí jantei com os meus Padres e Dr. Otávio e Torquato
e mais alguns Senhores. Entrada a noite fui para a Matriz e preguei sobre a
importância de cuidar da salvação. Havia muito povo, e da Muquiçaba vieram muitos. O Pe. Martinelli não compareceu a nada porque achava-se mal
de saúde. Hoje chegou o vaporzinho Cachoeiro que o Sr. Simão mandou para
levar-me para Benevente.
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Segunda-feira 7 de Junho: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 22 pessoas. Antes de começar a Missa recomendei ao povo presente que a ouvissem
(como também eu ia celebrar) em honra do SS. Coração de Jesus e agradecessem os favores feitos por ele a quem recorreu no dia da chegada; e depois da
Missa na sacristia distribuí por muitos um belo registro oleográfico de Jesus
tendo na mão seu coração divino. [p. 301] Em uma pequena prática antes de
crismar anunciei que eu nomeava Fabriqueiro da Matriz ao Sr. José Luís da
Conceição, que com muito zelo tem servido de Sacristão; e crismei 29 pessoas. O Pe. Martinelli acha-se gravissimamente mal com jeito de morrer, e seu
ataque foi de uma congestão cerebral. Dizem que a bordo já vinha sofrendo,
o que não me pareceu quando o vi: talvez o medo que tinha de se apresentar
a mim, a lembrança que lhe avisei de todos os seus abusos, o bom acolhimento que fiz-lhe e ele não esperava e andou apregoando, a necessidade que
lhe impus de voltar sem Provisão até dar-me o rol dos casamentos feitos,
para depois ir fazer exercícios na Corte, tudo isto julgo que contribuiria para
o ataque. Mas não sei nem entendo de doenças. Mandou-se chamar o futuro
Dr. Torquato e deu-o por quase certamente perdido. Pe. Rafael foi vê-lo,
mas estava sem fala nem sentidos; e absolveu-o e deu-lhe a Extrema Unção;
o Cônego Gouveia também foi vê-lo e visitá-lo por mim, e o mesmo fez o
Pe. Figueiredo; o enfermo dizia uma ou outra palavra e recaía na letargia:
assim mesmo o Cônego lhe disse que eu o perdoava, e que lhe daria depois
Provisões, e sossegasse. De noite mandei para lá o Pe. Figueiredo para velar
junto do Padre e dizer-lhe palavras de conforto e absolvê-lo sempre que ele
tornasse a si ou de vez em quando. [p. 302] Neste dia concluí um processo
de casamento de amancebados começado pouco depois de minha chegada e
interrompido por falta de quem soubesse dar certas informações. O homem
reapareceu, e foi necessário trabalhar e chamar algumas pessoas. O ponto
principal era saber se o pai de um e pai de outra eram irmãos: afinal pareceu
provado que não, e que o engano provinha de pensar-se ser irmão do pai do
noivo certo Domingos pai da noiva, o que não era, porque Domingos pai
da noiva era um caimbola que a Polícia matou em resistência (e o Domingos
irmão do pai do noivo era um sujeito que morreu afogado). Mas plena certeza não se teve, e restava alguma dúvida. Servi-me então pela vez primeira
depois que sou Bispo da doutrina provável e comuníssima de S. Liguori e
Koning e outros, a saber que os Bispos podem dispensar em impedimentos
ainda dirementes de matrimônio em casos duvidosos, quer a dúvida seja de
direito, quer de fato. Mas ainda assim quis ad maiorem cautelam servir-me das
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Diligências Apostólicas dos Bispos do Brasil e outras que tenham e dispensei
do que poderia haver, declarando porém na Provisão quais os impedimentos
que decerto não havia depois de aturado e pacientíssimo exame. Valha-me
Deus com tais trabalhos! Gasto horas e até dias nestes processos; e não há
ninguém que os possa fazer de modo que eu fique tranquilo! O Pe. Alves me
ajuda muito nestes casos, fazendo as combina[p. 303]ções do que pode haver. Felizmente dispensei como disse e lá se foram casar com muita satisfação
deles e talvez maior minha por ficar livre desta embrulhada. Parecia que todo
o trabalho estava findo, quando eis aí um rapaz a pedir-me para revalidar seu
casamento nulo porque ele propositalmente para poupar tempo e dinheiro
calou impedimentos e parentesco e fez que a noiva também os calasse. Meteu-me pena, porque parecia muito arrependido, e muito desejoso de serenar
a consciência, e pronto a tudo. Mandei que fosse buscar no Perocão a seu pai
e a moça. O Pe. Alves tomou as necessárias informações ao pai e deu muitas,
não porém todas; e eis a necessidade de fazer novas combinações. Ora esta!
Havia certamente 2º grau igual, mas também havia 3º. igual e probabilidade
de 4º. Ora quando o parentesco é longe têm-se para tirar muitos ascendentes:
ora hoc opus, hic labor est, porque é preciso confrontar a esses ascendentes a ver
se são parentes, o que é indispensável no Brasil em que a mesma escassez de
população obriga a casamentos entre consanguíneos. Não tenho tido tempo
de rever os livros desta Paróquia; mal tenho podido a intervalos ver os muitos livros de Benevente, e escrever os capítulos de visita relativos a cada um
deles. Vou pois levar os daqui para Benevente, como para aqui trouxe os de
Benevente.
Terça-feira 8 de Junho: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a umas 20
pessoas: depois fiz alguns avisos ao povo mostrando a necessidade [p. 304]
de revelarem os impedimentos próprios ou que souberem de outros que se
pretenderem casar e crismei 12 pessoas.65 Neste dia enfim morreu o Pe. Martinelli, pelas 9 ou 10 h da manhã, estando presente o Pe. Rafael que havia sido
chamado, e também o Dr. Torquato. Coitado! De uma congestão cerebral!
Não se confessou nem comungou por ser impossível e estar sem sentidos;
mas foi absolvido mais de uma vez e ungido e se lhe concedeu Indulgência plenária. Embaixo de seu travesseiro achou-se aberto o Breviário no dia
que caiu enfermo; sinal que rezava! No dia de sua chegada me havia pedido
65
Isto foi no dia 9 de Junho. O que se fez hoje foi o casamento dos impedimentos
duvidosos e foi feito na Matriz pelo Cônego autorizado pelo Vigário. [Nota do bispo]
335
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perdão de joelhos, se havia chamado filho pródigo, e mais de uma vez para
mover-me e dar-lhe Provisão havia dito: fodere non valeo, mendicare erubesco. Estava pronto a voltar e o ia fazer a cavalo, para dar o rol dos casamentos! Altos
juízos de Deus. E todas estas circunstâncias e desfecho tão triste me causaram grande mágoa. Acharam-lhe 300$000, e tudo do Padre foi arreca[da]do
pela autoridade civil e dessa quantia [p. 305] se tirará o pagamento do hotel,
médico, enterro etc. etc. O Cônego Gouveia apesar de ter sofrido muitíssimo
de sua hérnia (Deus o livre quanto antes de tanto mal!) quis fazer a caridade
de amortalhar o Pe. Martinelli. Mandei dar-lhe uma casula velha roxa da Matriz à qual em compensação dei 20$000, e tomei uma alva, amito, cíngulos
velhos da Matriz e a esta mandei dar novos de meu uso. Pelo resto do dia
fizeram-se repetidos dobres na Matriz. De tarde o Cônego reuniu Irmandades, e ele de pluvial preto assistido dos PPes. Rafael, Alves e Figueiredo fez a
encomendação em casa e acompanhou à Matriz. A música quis comparecer
e não poucas pessoas acompanharam. Eu não acompanhei por me parecer
contra as etiquetas, como se diz. O cadáver ficou depositado na Matriz.
Quarta-feira 9 de Junho: Faz hoje 289 [anos] que o Pe. Anchieta faleceu em
Benevente.66 Eu pretendia fazer hoje em Benevente Missa solene aniversária
onde ele morreu, como em 1880 fiz na Vitória onde foi sua sepultura! E até
eu pensava que poderia sair na madrugada de hoje para Benevente e chegar
a tempo para a Missa solene; mas os últimos fatos de Guarapari obstaram.
O Pe. José de Anchieta aceite minha boa vontade: e assim ele livre o Cônego
Gouveia dos tremendos sofrimentos [p. 306] de sua hérnia. Ah! se pudesse
ser! Fui à Matriz e disse Missa de preto, praesente cadavere, apesar de ser missa
rezada e o dia de rito maior (S. Jorge), mas servi-me de uma permissão da
Santa Congregação dos Ritos que o permite em exéquias de pobres que não
podem com despesa de cantores. Na Missa dei comunhão a 10 pessoas, e
depois crismei 1 menina. Em seguida se fez solene encomendação cantada
do Pe. Martinelli, oficiante o Cônego com assistência dos Padres (exceto o
Vigário que está em convalescença) e da Irmandade do SS. e o cadáver foi
levado para a Matriz velha que serve de cemitério mais decente. Eu assisti
do Presbitério mas não acompanhei. Em casa escrevi e entreguei a Provisão
de Fabriqueiro ao Sr. José Luís da Conceição como prometi. Não é tudo.67
66 Anchieta faleceu em 9 de junho de 1597.
67 Veja-se o que disse duas páginas retro. [Nota do bispo. Ele se refere ao trecho da p.
304 do manuscrito aqui transcrito a seguir:] Depois de grande trabalho e de ter escri336
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
Só hoje pude mais detidamente ver os trastes da Matriz, que eu já conhecia
por alto ou de que tinha notícia. A pia batismal já tinha visto! Oh! que pesar! É uma bacia de rosto azul metida entre camadas de cimento ornado de
conchas, e tudo isto baixo e encostado à parede à esquerda da porta, em ar
de Pia d’água benta. Nem Cruz nem retábulo: nada. Uma xícara serve de
concha d’água. O Sacrário é pobre; mas há 2 âmbulas de prata e purificador
de prata, e uma boa alâmpada também de prata. Há caldei[p. 307]rinha, hissope e turíbulo com naveta, tudo de prata, e serviu isso em Benevente, que é
Matriz mais pobre que a de Guarapari. Há 2 cálices de prata e relicário para
o Viático e 1 custódia também de prata. Os 2 Missais estão muito estragados.
Há paramentos para todas as cores só casulas e pluviais e véu de ombro; tudo
serve, mas alguns desses paramentos precisam de conserto. Há toalha para
todos os Altares. Na Igreja há 2 lustres e castiçais de pau dourado e de metal.
A Matriz tem todo o preciso, mas parte dos trastes carecem de conserto. As
Imagens dos Santos têm bastantes cordões de ouro, e brincos, e rosários
do mesmo metal e resplendores de ouro (bom) e prata e muitos enfeites de
verdadeiro e bom ouro. Já disse que grande número de mulheres trazem ao
pescoço rosários, cordões, cruzes e relicários de ouro; isto e o que há na Matriz prova abundância desse metal em Guarapari em tempos passados. Além
do Altar-mor, há 2 laterais e o que é curioso tanto em um como em outro se
veem 2 Crucifixos grandes e um deles do tamanho natural: dizem que um é
da Matriz velha (o menor), e outro da Igreja do Coração de Jesus e segundo
o Sacristão este era chamado o Coração de Jesus. No altar-mor há um trono
muito fundo, não sei para o quê, e dizem que quando há pouco consertaram
esta Igreja aumentaram paredes só para tal trono. Sobre o [p. 308] pequeno
e pobre Sacrário está um nicho com a Imagem da Sra. da Conceição; que
além de outros enfeites de ouro traz ao pescoço um grosso cordão de ouro
como os passantes dos militares, e que aqui chamam jiboia. Ah se os ladrões
o pilham! E ele dá tanto na vista! Aos lados há dois nichos menores de S. Ana
ao lado da epístola e de N. Sra. do Patrocínio do outro lado. No altar da parte
do Evangelho ao lado do Crucifixo menor estão as imagens de S. Antônio
e S. Benedito (este tem resplendores 1 de ouro outro de prata). No outro ao
to e errado e tornado a escrever uma longa Provisão de dispensa para a revalidação
do casamento nulo de que falei ontem, e estando cumpridas as penitências, e procedido confissão e comunhão mandei o Vigário fazer o casamento em um Oratório da
nossa residência, e eu assisti. Uma das testemunhas já servira de testemunha no casamento destes mesmos em 9 de Dezembro de [18]85 celebrado pelo mesmo Vigário.
337
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
lado do crucificado grande estão as imagens de N. Sra. dos Remédios e do
Rosário (esta tem coroa de ouro fino e outra de prata). Abaixo destes altares
há dois grandes nichos na parede sem altar embaixo e do lado do Evangelho
da Sra. da Penha e do outro lado da Epístola do Sr. dos Passos. Na Sacristia
há outra imagem da Sra. da Conceição grandezinha e que alguns dizem ser
a da Padroeira e que servira na Matriz velha antes que certo devoto fizesse
vir da Bahia a maior que está no altar-mor. Há outros trastes de prata, como
as cruzes dos guiões e as forquilhas para os paus de aguentar andores. O
frontispício da Capela do Coração de Jesus que serve de Matriz é muito
elegante e de bela arquitetura; o da Matriz velha é horrivelmente feio; a torre
porém ao lado reconstruída não [p. 309] há muito é menos feia, e se parece
(como a da Matriz que serve) com as que os Jesuítas construíram na Corte,
Vitória, Nova Almeida, Benevente. As de Benevente e Guarapari embaixo
têm um arco em cada face excetuada a contígua à parede. Do alto do monte
em que estão as 2 Igrejas a vista é bela, horizonte dilatado, toda cordilheira
de Guarapari se avista e outros montes e picos ao longe, e o mar, e o porto
e a Muquiçaba e a planície que se estende para o lado da Aldeia Velha etc.
etc. etc. A Fábrica da Matriz é nominal e paupérrima e nada possui – nem
legados nem renda. As antigas Irmandades desapareceram, o que há hoje são
o que chamam Devoções e não têm Compromisso. Neste dia entreguei ao
Sr. Marciano 200$ para a Capelinha de S. Pedro. Devia dar 400$ mas me disseram que preferiam que eu em vez do resto desse uma imagem de S. Pedro.
Quis dar os 100$ prometidos ao Sr. Fraga, para o conserto do Cemitério, mas
ele disse que depois. De noite vieram muitos meninos (e aqui há muitos) a
casa. Estive brincando um pouco com eles, e mandei que trouxessem doces
que eu pagava, o que eles e eu fizemos com muita alegria deles e gosto meu.
A família do Sr. Marciano veio visitar-me e outras pessoas. Ainda dei algumas esmolas, o que tenho [p. 310] feito sempre pelo Pe. Figueiredo. Vieram
pedir-me para crismar duas mocinhas já confessadas; assim fiz e as crismei
no mesmo Oratório da casa na sala perto da porta, onde me revesti no dia da
entrada. Esta Visita de Guarapari tem sido muito trabalhosa e muito variada.
O povo é bom e religioso e de índole pacífica. Tanto eu como o Cônego e
meus Padres temos gostado desta gente. Que pena não haver um Padre para
eles! É verdade que lhes deixo um, mas como? Enterrado, ou como disse um
por gracejo: colado para todo sempre.
Quinta-feira 10 de Junho: Enfim chegou o dia da partida. A partida devia
ser cedo e não passar das 5 da madrugada, que nesta quadra ainda é noite.
338
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
Muitos da Vila estavam acordados desde 1 ou 2 horas. Nós em casa pelas 3
½ estávamos acordados. Haviam repicado os sinos e muita gente se reuniu
na Igreja. Para lá fui com os Padres (o Cônego ficou por causa de sua hérnia)
e celebrei Missa depois das 4 horas para consumir as partículas do Sacrário,
como de fato consumi 32. Assim era preciso por não ficar Padre nenhum no
lugar. Rezei o De profundis [p. 311] mandado pelo Pontifical e tornei a casa,
e aí rezamos o Itinerário, e eu e Cônego e Vigário e Padres seguimos para o
lugar do embarque. Depois de muito beija-mão e lágrimas de muitos embarcamos pelas 6 horas. Conosco vieram os Srs. Dr. Juiz Municipal, Presidente
da Câmara e Sr. Marciano e alguns outros senhores. Fazia pena ver toda
aquela gente em pé na praia, silenciosos, e dominados pelas saudades, a dizer-nos adeus com lenços e mão. Eu do vapor Cachoeiro lancei-lhes a bênção e
viramos de proa e fomos seguindo rio abaixo. Na Muquiçaba havia sua gente
sobre as pedras da costa que ali estavam a dizer-nos adeus. Despedimo-nos
perpassados de muita saudade. O mar esteve manso e a viagem foi ligeira e
agradável. Que bela vista se goza do mar. A extensa e recortada Cordilheira
de Gurapari estendendo-se ao longo e não muito longe da Costa! Lá ao longe se via a nossa conhecida Itabira e Frade dos Cachoeiros, mais para perto
do mar o Urubu, e depois o Agá, ilha do Francês etc. etc. Ao passarmos
defronte da pequena povoação chamada Bu, os seus bons moradores soltaram muitos foguetes, e o nosso vaporzinho na falta de foguetes respondeu
com alguns agudos apitos. Pelas 9 ½ dobrávamos a ponta dos Castelhanos
e [p. 312] lá está Benevente... o S. Martinho, a antiga Igreja e Capela dos
Jesuítas da antiga Reritiba, e o Canto da Praia, a Vila... Repicavam os sinos,
os do Canto da Praia soltaram bastantes foguetes do ar, e da Vila também, e
atracamos pelas 10 horas da manhã. A banda de música tocou o hino Nacional e depois nos levou até a casa, que é a mesma onde ficamos da primeira
vez. O bom Dr. Getúlio e alguns senhores e muitos meninos me beijaram o
anel, e grande número de foguetes estouraram nos ares e acompanhados de
bastante gente fomos para casa. Nas janelas estavam seus moradores. Adeus
Gurarapari! Gostei muito de Guarapari apesar de pobre, e de seus moradores, povo religioso e pacífico e respeitador. Se não tivesse sido para seu bem
eu teria pesar de haver tanto ralhado, sobretudo acerca da mancebia. Mas
os amancebados que se casaram, me agradeceram e alguns houve que de
joelhos me agradeceram, e um até quis beijar-me os pés. Coitados! Às vezes
zanguei-me: mas sempre acabei por mostrar-me afável e sempre amoroso.
Muito desejei levar algum menino para estudar para Padre! Sempre apareceu
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
um menino Joaquim, que dizem ser bom e bem comportado, e que o pai
Antônio da Silva Lima negociante aqui quer mandar estudar para Padre, [p.
313] pagando menos já se sabe. Mas que infelicidade! O menino é um pouco
tolhido de todo o lado direito, posto que à 1ª. vista não dê nos olhos de quem
o vê. Mandei fazer levantar o braço e mover os dedos e o fez; mandei fazer
cruzes, mas a linha transversal custa a fazer a não ser com a mão atravessada.
A genuflexão com a perna direita é quase impossível; e para ajoelhar-se com
ambas as pernas, só o faz atirando o corpo todo. Se o Papa não permitir que
se sirva da perna direita em vez da esquerda, nada se pode fazer. Não obstante disse ao pai que o mandasse para os Salesianos, a ver até o fim deste
ano, pagando só 100$ inclusive roupa lavada e neste sentido recomendei o
menino aos Salesianos. Na hora de embarcar-me, a mãe veio chorando atrás
de mim recomendando-me saudosa seu filho. Parece que irá pelo primeiro
vapor. Certo sujeito deste Município parece ter vontade de mandar um filho
para os Salesianos em 1887, pagando; mas não sei se foi fogo de palha. Aqui
no dia de S. Felipe Neri 26 de Maio aceitei para mandar grátis para os mesmos Salesianos um menino Aprígio de 14 ou 15 anos, que parece bom e vivo,
e muito pobre; mas este é morador em Benevente. Depois veremos se poderá
ir para o Seminário estudar para Padre; e o mesmo digo do outro [riscado:
tolhidinho] aleijadinho.
[p. 314] Guarapari: 28 Missas minhas; 1167 Comunhões (dadas por mim 832)
Mais de 100 por causa do Jubileu; 2 vezes Viático – 4 vezes SS. fora para desobriga de enfermos; 1957 Crismados; 21 Sermões por mim (1 na praça e muitos
à porta da Matriz); 6 práticas (2 nos Cemitérios, 1 na Bênção [da] Igreja); 9
vezes avisos ao povo; várias [sic] (20) pelo Pe. Rafael; Doutrina alguns dias; 1
Bênção solene da 1ª pedra da Capela de S. Pedro na Muquiçaba; 1 Procissão do
Jubileu; 1 Enterro do Pe. Martinelli; 1 Bênção do SS. em Custódia; 1 Procissão
da Visita ao Cemitério; 66 Batizados (1 por mim); 1 Sagração de 2 cálices; 2
revalidações de casamento, 1 com dispensa, 1 sem dispensa. [p. 315] Além dos
revalidados mais Casamentos 26: 1 da Vila Velha, 25 da Freguesia de Guarapari; amancebados 20, [sendo] 7 com dispensa, 13 sem dispensa; não amancebados 6, [sendo] 2 dispensados, 4 sem dispensa. Destes [26] 1 é de escravos e
1 de mulher branca livre com escravo preto e os dois pares de amancebados.
Benevente 2ª vez
Continuação da Quinta-feira 10 de Junho: Pelas dez horas do dia atracamos na praia de Benevente pertinho do cais do Imperador. Como aí estavam
340
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
duas lanchas atracadas, embora com a bandeira Nacional no topo do mastro,
o nosso comandante Alexandrino não esteve para esperar, e lançou a prancha
e saltamos em terra e tivemos o bom acolhimento já dito. Pouco depois veio
um dos Médicos da Vila ver o Pe. Vigário, e achou que devia ainda tratar-se
com purgas e cáusticos. Também viu o Cônego Gouveia, e não gostou do
estado da hérnia do pobre Cônego. [p. 316] Apareceu uma carta do Pe. Marcelino d’Agnadello68 ao Pe. Rafael para este me mostrar. Li-a e não gostei.
Diz o Padre que haviam espalhado pelas colônias que eu não ia, que isto era
efeito de intrigas de partido, que lá se haviam já feito despesas à minha espera, que eu devia ir, do contrário era para temer alguma revolução. E esta que
tal? Pensavam que o Vigário André (de Benevente) se opunha à minha ida, o
que é falso. Há certas intriguinhas neste meio. O próprio Pe. Marcelino pensa
que o Pe. André não o quer nas colônias, mas antes seja Vigário de Guarapari, para assim tê-lo fora da Freguesia de Benevente. Há empenhos que eu
aprove canonicamente a Freguesia civilmente criada de Alfredo Chaves, que
também chamam Povoação; mas onde vou buscar Padre? Pois não há o Pe.
Marcelino? Agora há, mas quando ele faltar, que é velho? Além disso ele foi
mandado por seu Bispo de Cremona para acudir a estes colonos Lombardos,
e não para ser Vigário no Brasil. Como vou criar esta nova Paróquia, quando
há nesta Província sem Padre nenhum as mais antigas Paróquias de 1 Itaúnas,
2 Vila da Barra de S. Mateus, 3 Vila Linhares, 4 Riacho, 5 Vila de S. Cruz, 6
Vila de Nova Almeida, 7 Carapina, 8 S. Isabel, 9 Vila Velha, 10 Vila Itapemirim, 11 Rio Pardo, 12 Vila Guarapari. Além disso há outras Paróquias novas
que ainda não instituí canonicamente. [p. 317] Isto é nesta Província e na do
Rio de Janeiro? e na de S. Catarina? e na mesma de Minas? Onde estão os
Padres? Eu tenho pobres desta Província grátis no Seminário, mas é preciso
esperar mais tempo. Há Brasileiros interessados pela criação canônica de Alfredo Chaves, mas será por zelo religioso? Em Guarapari desejavam muito
o Pe. Marcelino para Vigário, e seria bom; mas ele diz que só está pelo que
eu Bispo disser; mas eu nada direi sem que ele de algum modo peça; porque
do contrário tais colonos vendo-o sair gritarão contra mim perante Bispo de
Cremona, Nunciatura do Brasil, e Roma. Espalharam pelas colônias que eu ia
a S. Isabel e os abandonava a eles; isto os desgostou e como que exasperou.
E entretanto é falso o boato. Para mais atrapalhar e emaranhar o negócio,
sucedeu que a 5 deste devia haver em Benevente um casamento de certo su68
Marcelino Maroni d’Agnadello.
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jeito mais graduado. O Pe. Vigário por doente não pôde vir; o Pe. Marcelino
a quem ele autorizara só mais tarde chegou: certo moço foi a Benevente ver
se podia trazer Vigário ou outro Padre, e não pôde vir o Vigário por doente,
nem Cônego sofrendo da hérnia, nem Pe. Rafael que estava ocupado com
confissões, nem os dois outros, que [p. 318] me ajudavam e são moços. Bem
podiam adiar o casamento. O tal enviado ficou sentido e tanto exasperado,
que em Guarapari disse alguns despropósitos em ar de ameaças, como que eu
encontraria algumas dificuldades em Alfredo Chaves etc., e chegado aqui teve
uma congestão tão forte que se não tivesse sido sangrado imediatamente teria sucumbido. Quando eu soube tudo isto e depois li na folheca de Benevente por nome Regeneração uma desrespeitosa correspondência contra o Vigário
André, disse a alguns que talvez fosse melhor não ir às colônias. Mas isto não
tinha podido ser conhecido lá. O Pe. André porém sempre me animou a ir
sem receio nenhum de faltar coisa alguma. Intrigas de aldeia! Lida a carta do
Pe. Marcelino escrevi-lhe que do Benevente não moveria um passo sem saber
ao certo quais os meios de transporte e como seria lá nossa estada. Vamos a
outro ponto mais importante. Já disse a 9 Maio que haviam trazido para eu
ver a meia porta onde aparecia uma figura que diziam ser de Anchieta. Enquanto estive em Guarapari continuaram a tirar a camada superior da tinta e
descobriram toda a figura; e ficaram tão contentes, que na Regeneração deram
como descoberta importante a do verdadeiro antigo retrato do [p. 319] Pe.
Anchieta. Hoje fiz trazer tal figura. Qual Anchieta! É fora de toda dúvida que
esse Pe. Anchieta é a imagem do Diácono S. Lourenço. As provas são – A
figura está de alva e dalmática, e esta é bem visível pelas mangas e pela parte
de trás: digo de trás porque não sei a razão por que na frente acaba em ponta
(não redonda). Ora Pe. Anchieta não foi só Diácono, nem nunca foi pintado
de paramentos. – 2 A figura tem na mão esquerda e encostada no ombro uma
palma de cor verde bem distinta; o que é sinal de Mártir; e Pe. Anchieta não
foi Mártir. – 3 A figura tem do lado de direito uma grelha encostada no chão
junto ao pé e em seu comprimento apoiada ao lado e sobre a grelha tem a
mão direita. Esta prova é irrefragável. – 4 No alto da porta e a modo de emblema está uma figura nua meia deitada sobre uma grelha bem visível, com
fogo embaixo bem visível. A um lado está uma figura bem patente de quem
assopra com a boca o fogo debaixo da grelha, e de outro uma figura em pé
bem visível de quem com um bastão ou ferro comprido ajunta carvão ou o
que for, que mete embaixo da grelha ou atiça o fogo. Há um [p. 320] anjo de
roupagem vermelha que está do lado da cabeça do Santo meio erguido sobre
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
as grelhas, com uma mão apoiando-se e com a outra levantada para o céu,
como também o rosto. Portanto só a ignorância dos emblemas, e da história
ou uma pertinácia de cético podem julgar ser esta figura figura do Padre José
de Anchieta. Das outras figuras descobertas uma é de S. Cristófão [sic] que
passa o rio e se apoia em um longo bastão e tem ao lombo esquerdo um menino com uma bola na mão. Há outra figura que representa uma pessoa que
tem na mão uma faca ou navalha. Será S. Bartolomeu que foi esfolalado [sic],
e que às vezes assim se representa? Não sei. A outra figura só está descoberta na face; e não sei quem possa ser. Quiseram como teimar, mas afinal se
convenceram porém ficaram bem tristes de não terem descoberto a figura do
Anchieta que a tradição diz que havia nesta terra. Ficou porém provado, que
se a ser verdade a tradição, o retrato esteve ou está alhures. Mas a semelhança
com certo retrato, que há com o nome de Anchieta? Isto nada vale: suce[p.
321]deu haver semelhança, que a dizer a verdade, não é perfeita.
Sexta-feira 11 de Junho: Disse Missa na Matriz, e consagrei partículas para
o Sacrário. Agora um pouco para rir. Eu trouxe uma porção de livros de
Itapemirim por talvez precisar deles aqui. Já tinham sido visitados por mim.
Aqui não pude passar revista aos de Benevente e só o fiz em Guarapari. Os
de Guarapari não tive tempo lá de percorrê-los. De sorte que para aqui tornei
com os de Itapemirim, Benevente e Guarapari. O que vale é que sempre os
trouxe embarcados, se não seria mister para trazê-los ter um burro às ordens.
Sábado 12 de Junho: Não disse Missa mas fui à Matriz e lá assisti às Profecias, Bênção da fonte batismal e Missa. Observou-se o pequeno Ritual de
Bento 13 concedido para as Matrizes pobres, e assim tudo foi rezado. O Oficiante foi o Pe. Alves assistido pelos PP. Rafael e Figueiredo e 4 meninos
de túnicas brancas. Quase ninguém havia na Igreja. Ah! Guarapari! Lá iriam
muitos e muitos. Eu assisti privatissime e nem levei murça, mas capinha preta
e assisti [p. 322] de uma cadeira fora do arco cruzeiro. Pelo meio-dia andaram a tocar música pelas ruas por ser véspera do Espírito Santo e de noite
houve muitas fogueiras e bombinhas por ser véspera de S. Antônio. Houve
ao anoitecer Ladainhas na Matriz: não fui. Se eu não estivera cansado e com
o peito a doer-me teria ido pregar. De tarde chegou o Pe. Marcelino e o Sr.
Delfino vindos de Alfredo Chaves pelo rio Benevente abaixo. Eu lhes falei
parte do que acima escrevi sobre essa gente e lugar, e depois de explicações,
assentamos que na próxima quinta-feira irei com meus Padres em canoas,
que devem vir buscar-me aqui. Por ser amanhã Domingo do Espírito Santo
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devem tornar lá pelas 3 horas depois da meia-noite. Com prazer soube que já
há centos de pessoas preparadas para a comunhão.
Domingo 13 de Junho (Espírito Santo): Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 4 pessoas, das quais 2 são dois cunhados amancebados com filhos que
em Guarapari (a cuja Freguesia pertencem) já tinham começado a tratar da
dispensa. O homem esteve em muitas batalhas no Paraguai, e Ah! Guarapari!
Mais tarde o Pe. Figuei[p. 323]redo só cantou Missa (na Missa não houve
instrumental mas só vozes), que eu não assisti, e de tarde houve Procissão do
Espírito Santo, mas levou-se a Imagem de N. Sra. do Rosário e atrás a bandeira do Divino. Ia a Irmandade de S. Benedito e a banda de música e alguma
gente e cantava-se o Terço. Pe. Figueiredo levava um Crucifixo. Pelo caminho
salvas de bombões e muitos foguetes. Seguiu-se Bênção do SS. na Custódia
com Hinos e Ladainhas: eu não fui. É bom notar que Urânia filha da tal Quitéria do Paca era a Imperatriz da Festa e lá esteve na Matriz em lugar distinto.
O Vigário soube e mandou dizer que não havia de comparecer na Procissão,
senão não sairia. E não compareceu. Estava a findar a festa do Espírito Santo
feita pelos daqui, quando veio de fora (da Jabaquara) nova folia do Divino
que deve fazer a festa amanhã. Vieram tocando um tamborzinho com 2 rabequinhas, e entoando um canto monótono e lúgubre, e soltando foguetes.
Havia sua gente. O canto é semelhante aos dos Índios de Nova Almeida e
S. Cruz, e a gente é em parte descendente dos Índios e a festa é continuação
da que outrora os Índios da Jabaquara faziam. Lembrei-me das festas de S.
Benedito de Linhares pelo Natal, quando lá estive em 1880. Os nossos novos
festeiros solenemente acompanharam o Imperador e Imperatriz.69
Segunda-feira 14 de Junho: Faz hoje 4 meses que saí da Corte! Disse Missa
na Matriz, e mais tarde pelas 9 horas vi passar o menino Imperador com
sua coroa e cetro forrados de papel dourado que acompanhado de tambor
e rabecas e povo foi buscar a Imperatriz e lá se foram para a Igreja. O Pe.
Figueiredo cantou missa. [p. 324] Eu não fui, o Cônego e Vigário não foram
por incomodados. Pelo meio-dia vi outra vez passar defronte de casa tanto
o Imperador como a Imperatriz, esta levava uma pequenina coroa no alto da
cabeça. Tambor, rabecas, canto e alguma gente. De tarde houve Procissão
como ontem, Irmandade do Rosário, andor da Senhora do Rosário, canto do
Terço, gente, salvas, foguetes. Ia o Imperador, de coroa e cetro e reparei que
69
Figuras da festa do Divino Espírito Santo.
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levava manto segurado por um caudatário. Ia a Imperatriz, que é uma moça
feita; não ia música, porque não quiseram gastar com ela e antes queriam
seu tamborzinho, mas o Pe. Figueiredo fez ver que era melhor não usarem
dele na Procissão. Iam todos com ordem e silêncio devoto (como ontem
também). Houve depois Bênção do SS. em custódia. Neste dia vieram chamar um Padre para uma velha do Canto da Praia, lá foi Pe. Rafael, e achou a
velha sem falar e ouvir, pelo que deu-lhe só a absolvição e Unção. Depois à
noite mandei o Pe. Figueiredo ver como estava, e porque já falava e mostrava
entender, o Padre veio buscar o Viático. E lá foi o SS. acompanhado de bastante gente. Mas a velhinha depois de tomar a sagrada partícula, quis cuspi-la
e o pobre Pe. Figueiredo viu-se atrapalhado e afinal trouxe em um copo com
água para a Matriz para ser consumida segundo as regras. E que [p. 325] tal?
Terça 15 de Junho: Disse Missa na Matriz, e dei comunhão a 9 pessoas. E
para chegarem as partículas, tive de partir a hóstia grande em quatro partes.
Depois fiz uma prática e crismei, e ainda depois tornei a crismar, por tudo a
53 pessoas. Começaram hoje os trabalhos para a reparação e conservação da
Câmara na qual morreu Pe. José de Anchieta. Eu, Vigário e Pe. Marcelino já
no mês passado oferecemos 150$ igualmente; o Pe. Aureli Superior dos Jesuítas no Brasil também mandou 150$ e há poucos dias recebi dos Jesuítas de
Itu outros 150$, e eis 450$ dados por Padres; além disso aqui outros deram
alguma coisa na subscrição que aqui abriram para esse fim. Vamos a ver o
que se poderá fazer.
Quarta-feira 16 de Junho: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 11 pessoas. Crismei 14 pessoas e depois mais 2 em casa. Antes fiz uma prática e nela
insisti para que não se crismasse ninguém que estivesse amancebado sem
antes não só confessar-se mas até mesmo sem primeiro casar-se. Mas qual!...
Ontem crismou-se um pardo pelotiqueiro natural da Bahia e crismou-se com
toda reverência, e de braços curvados e cabeça curvada. Nunca o tinha visto.
Bem lembran[p. 326]ça tive na ocasião de perguntar se havia-se confessado,
mas como tinha previamente avisado, e o via em tal atitude, crismei-o. Veio
depois a casa falar-me para casamento e disse que era amancebado e já com 2
filhos. E esta? Perguntei-lhe se havia confessado antes de crismar-se e me disse que não e ajuntou o seguinte disparate: o Padrinho lhe dissera que como
ele havia de casar-se e para casar-se havia de confessar-se bem se podia crismar sem confissão. E esta? Que tal? E o engraçado é que ele é da Bahia e tem
andado do Pará ao Sul e por Minas e não tem aqui conhecidos que possam
345
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provar ser solteiro. Na prática de hoje aludi a isto e pedi que se não fizesse
mais o contrário. Pois crismou um rapazinho acaboclado, e depois da crisma
o Padrinho por ele pediu-me para fazê-lo casar porque já está amancebado
e a mulher pejada. Por faltar-me tempo disse-lhe que me procurasse em Alfredo Chaves. Das duas pessoas crismadas em casa uma é uma moça casada
há um [ano?] e que sofre imensamente. Uma vez recorrendo ao Pe. Anchieta
sentiu algum alívio: hoje eu e os presentes rezamos um Padre Nosso pedindo
a Deus que lhe desse saúde ou muita paciência. Se o Pe. Anchieta alcançasse
de Deus saúde para ela ou para a hérnia do Cônego Gouveia seria talvez um
milagre, que serviria [p. 327] talvez para a beatificação do Venerável Servo
de Deus Pe. Anchieta. Veio outra vez o tal homem das Filipinas de que falei
da outra vez... Coitado: levantaram-lhe uma talvez calúnia... e nada tenho podido fazer. A velha com quem vivia vendo que o casamento não tinha lugar,
largou-o e se foi para a casa de um filho do 1º. matrimônio. Nisto fez bem,
porque em mancebia não queria nem podia viver. De noite visitou-me o bom
Dr. Getúlio e sua mulher, à qual devo os favores de me haver lavado e muito
bem os roquetes. Escrevi para a Corte para seguir o expediente pelo Vapor
próximo. Embarcaram-se as cargas ou bagagens que devem seguir rio acima
para Alfredo Chaves.
Quinta-feira 17 de Junho: Acordei pelas 3 ½ e fui à Matriz onde celebrei
pelas 5 horas e dei comunhão a 4 ou 5 pessoas e consumi as sagradas partículas, porque não ficaria Padre na Vila visto que o Vigário que se acha melhor
há de acompanhar-me até Alfredo Chaves. Pouca gente assistiu.
[p. 328] Vila de Benevente 2ª vez: 6 Missas por mim; 28 Comunhões por
mim; 69 pessoas Crismadas; 2 casamentos: 1 de Benevente, 1 de Guarapari,
ambos amancebados, ambos com dispensa; 8 Batizados.
C apela
de
N. S ra .
da
C onceição de A lfredo C haves F reguesia
de B enevente
Continuação de 17 de Junho (Quinta-feira): Voltados a casa tomamos
café, rezamos o Itinerário e sem acompanhamento seguimos para o porto e
embarcamos pelas 5 horas em uma canoa comprida a que tinha[m] ajuntado
uma comodíssima tolda extensa e da altura de um homem e forrada de pano
branco novo (a melhor e mais asseada que tenho tido). O nome da Canoa é
Desafio, por ser veloz e de marcha rápida como nenhuma daqui. Comigo veio
o Cônego e o Vigário e PP. Rafael, Figueiredo, Alves, o meu criado e outros.
Ainda não era bem dia, mas não tardava, e a lua ainda estava cheia e brilhava
346
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alta sobre o horizonte, e prateava as águas do rio Benevente, que é muito
largo [p. 329] em seu curso inferior. Torneamos o monte sobre o qual está a
Matriz e saudamos a cela de Anchieta. Vista daqui parece que a Matriz está
no alto de uma elevada colina, que a princípio parece destacada da outra
montanha, posto que não seja. Não tardou muito que o Oriente não se presentasse todo de gala e vestido com as belíssimas e douradas cores da aurora.
Belo espetáculo à vista! Sobre o horizonte brilhavam em pontos opostos os
dois luzeiros grandes criados por Deus para presidirem ao dia e à noite, como
diz o Gênesis: a lua porém ia desmaiando à medida que se levantava o Rei da
luz. O céu não estava perfeitamente limpo e azulado, mas à exceção de alguns
pontos, estava claro e ligeiríssimo e diáfano nevoeiro se estendia pelo espaço.
Com as curvas que fazíamos pelas voltas do rio sucedia uma engraçada ilusória contradança entre os dois astros, que pareciam trocar os lugares entre si,
aparecendo ora um ora outra já pela proa, já pela popa, já de um lado já de
outro, vendo-se da canoa a lua do lado em que há pouco víamos o sol. Fazia
bastante frio, e o do Caraça em Minas parece que o não excedia muito, e as
mãos estavam como principiando a tolher-se. Apenas deixada a Vila começou logo de um lado e outro do rio um arvoredo miúdo sobre mangues que
se sucediam pelo rio acima. Era curioso ver toda a [p. 330] superfície do rio
a fumegar nas primeiras horas do dia neste mês de Junho e manhã fria. Embora seja fenômeno fácil de explicar, eu nunca o tinha visto, por não ter viajado neste tempo e tão cedo por nenhum outro rio. Pelas 6 horas passamos a
deserta ilha das Garças, por haver aí bastante segundo me disse o popeiro. Às
6h 20’ grandes bandos de verdes papagaios passavam de uma para outra
margem do rio, gritando pelo ares. Às 6h 55 passamos a casa chamada das
Três Barras, antigamente do Joaquim Marcelino, depois Barão de Itapemirim, senhor que também foi do Muqui de Itapemirim.70 A casa não é de
grandes dimensões, mas foi importante, hoje, porém está como abandonada.
Aqui o Sr. Bispo D. José Caetano, como diz em seu Itinerário de 1820, chegou de passeio.71 Pouco depois está o ponto que se chama das Três Barras (e
não Duas Barras como se lê na errada carta de Cintra e Rivière). Pela margem
direita do rio entra o Pongal que vem da Serra Itapororona como disse o
popeiro e se vê na tal carta, o qual sem ser grande é contudo um dos princi70
71
Coutinho, D. José Caetano da Silva. O Espírito Santo..., p. 145, nota.
D. José Caetano esteve na freguesia de Benevente entre 27 e 31 de dezembro de
1819. No dia 1º. de janeiro de 1820 partiu para Itapemirim, onde chegou às 22 horas
(O Espírito Santo..., p. 149-50).
347
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pais afluentes do Benevente: um pouco acima entra o pequeno Salinas. Eram
7h 41. Daí para cima já não se viam mangues aos lados do rio e a vista não
estava apertada entre eles [p. 331] mas começou a aparecer uma dilatada
planície descoberta toda de relva circundada ao longe de montes e serras.
Pelo campo se via algum gado a pastar; mais acima um aprazível outeiro sobre o qual está uma casa de sobrado, e não longe outra casa menor. Destas
casas subiam ao ar muitos foguetes. Este sítio e campos pertencem ao Sr.
Feliciano Antunes, homem muito trabalhador. Eram 8h 40’ quando chegamos ao porto onde desembarcamos todos. O dono da casa e seu vizinho e
compadre o velho João Vieira vieram nos buscar ao porto. Subimos o monte
cujo terreno bem mostra ser de si árido, mas do alto a vista alarga-se ao longe, e se vê perfeitamente a Capela da Penha de Benevente e as casas do campo S. Martinho. O Urubu, esse nos tem acompanhado ao longe e a cada
passo ia-se mostrando. Perto da casa (menor) da porteira para dentro havia
pelo chão algumas flores e folhas. A família do Sr. Feliciano beijou-me o anel.
Ofereceram leite a quem quisesse e para isso mandou reter uma vaca. Foi-nos
servido um modesto porém abundante almoço. O Sr. Feliciano mostrou empenho em que eu na volta me hospede em sua casa e aí fique para crismar
vizinhos seus que não puderam ir à Vila e que ele deseja ver satisfeitos: anuí
afinal, vendo seu ar e modos de homem desembaraçado, sincero e franco ao
mesmo tempo que respeitoso. Às 10h 23’ tornamos a [p. 332] embarcar.
Gastamos pois 1h 43’ neste sítio. Às 10h 55 passamos pelo Camará ou sítio
do mencionado velho João Vieira; e às 11h 20’ passamos defronte da barra
do pequeno Araraquara,72 confluente da margem esquerda, pelo qual mais
acima atravessa a linha divisória que separa os Municípios de Guarapari e
Benevente. Daí a pouco pelas 11h 50’ chegamos à povoação do Jabaquara,
passamos a pequena Capela começada e deixada, e quase na extremidade
mais acima desembarcamos. Já se sabe que houve muitos foguetes, o que
houve a cada passo pelo rio acima por quase todos os sítios e casas. Agradeço-lhes a todos tanta festa sincera e religiosa! Jabaquara é um pequeno arraial
que se estende ao longo da margem direita do rio Benevente. Tem pelo menos
3 casas de pequeno negócio. O sítio não é feio e a vista se alonga de um lado
e vê em distância os montes Araçarimoré e o Tucaia, e mais para dentro o
Muriquioca. Os dois primeiros parecem que são dois que da Matriz nova de
Guarapari se veem ao longe deixando entre si ver mais no fundo o Urubu. O
72
Araquara.
348
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Araçarimoré é o que fica mais perto do mar. Nós saltamos exceto o Cônego
por incomodado da hérnia defronte da venda e casa do Sr. João da Silva Lima
homem pardo, honrado e o mais abastado do lugar. [p. 333] Ali tomamos
café. Eu quis ver a Capelinha que foi começada em honra do Espírito Santo,
de que são devotos, e que ainda na 2ª-feira foram festejar em Benevente.
Acompanharam-me bastantes pessoas do lugar. Reparei que quase todos
deste lugar têm o tipo de Índios e bem pronunciado e mesmo perfeito sem
muita mescla: (são perfeitamente civilizados e nada sabem da língua tupi;
encontrei dois velhos que souberam, falaram, mas estão esquecidos). A Capela tem 55 a 60 palmos de comprimento sobre 30 de largura (é pois a medida da de S. Pedro da Muquiçaba), está coberta de telha, e tem os barrotes e
mais nada, nem forro nem soalho nem paredes. Pararam a obra, quer por não
terem pedido licença ao Ordinário para edificá-la, quer por encontro de opiniões, quer por falta de dinheiro, que não foi porém a principal razão. Animei-os a prosseguir a obra e concluí-la, fazendo até ver a conveniência de
uma Capela neste lugar. Parece que gostaram. Foi desta Capela que vi os três
morros acima ditos dos quais perguntei os nomes aos circunstantes. Assim
tenham acertado, e isto digo porque tenho notado nesta Província que todos
não têm curiosidade de saber os nomes e situações dos montes e serras; pelo
que um me diz uma coisa e outro me diz outra. Reparei que defronte [p. 334]
da povoação no rio havia algumas canoas e alguns compridos barrotes já faceados ali pregados na areia do rio, à espera de cheia para serem conduzidos
a seus destinos. Antes que me esqueça digo que agora o rio está muito raso,
e teve pouca água em razão da seca prolongada que tem havido, e dizem por
aqui que muito tempo há que não se dá tamanha seca. O rio que é baixo é
largo, é estreito para cima a poucas léguas da barra, e cá para cima carece de
ser alimpado, como dizem, isto é devem-se tirar não poucos paus, e pedaços
de árvores e tocos que sempre embaraçam a navegação. Por estar raso e sujo
o rio é que não nos veio buscar para esta viagem o vaporzinho do Sr. Simão,
que estava pronto e pintado para este fim. À 1h 15’ tornamos a embarcar:
gastamos pois em terra aqui 1h 25’, que com 1h 43’ no Sr. Luciano73 fazem
3h 8’ de demora que retardou nossa chegada no Alfredo Chaves. À 1h 40
passamos no sítio do Camuci e à 1h 49’ a barra do rio Curindiba ou Cabeça
Quebrada, que apesar de não ser grande é dos principais afluentes do Benevente onde deságua em sua margem esquerda. Às 2h 8’ passamos defronte da
73
Feliciano.
349
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barra do pequeno Pabuçu à margem direita do Benevente; e às 2h 35 o córrego Picuã [p. 335] na mesma margem, passando às 2h 50’ pela Fazenda
Picuã, de onde soltaram foguetes. Às 3h 9’ passamos pelas pobres palhoças
do Torquato, que nos saudaram com foguetes; defronte está o sítio chamado
Passo da Pátria em ruínas, e pouco depois acima o barranco da margem direita que é formado de um lajedo ou pedra que talvez faça chamar Itapiru
este lugar. Às 3h 38 passamos por 3 palhoças onde primeiro morou nosso
popeiro, que denominou este ponto S. José da Boa Vista: aqui também houve
foguetes do ar. Às 3h 50 passamos S. Luzia e houve foguetes. Havia bastante
gente ali e soltados seus foguetes começaram umas 20 pessoas a correr pelo
rio acima seguindo nossa canoa, porém sem fazer os rodeios que ela fazia
pelo rio. Às 4h nos achamos na estreita entrada de um não muito longo canal
que fizeram para atalhar voltas do rio. Este foi o ponto de maior pompa de
nossa viagem pelas claras águas do Benevente. O sítio chama-se Primavera
antes Canela. De um lado a outro do canal havia um arco de folhagem e flores e bandeirinhas, e no meio uma inscrição que dizia: Homenagem ao Exmo.
Rdo. Sr. Bispo. Houve aqui muitos foguetes, girândolas e salva de bombas, e
por mais tempo antes e depois de nossa [p. 336] passagem nos saudaram
com foguetes do ar. Muita gente aqui se achava e talvez aqui parassem dos 20
de S. Luzia. Queriam que desembarcássemos mas não havia tanto cômodo e
além disso já nos havíamos demorado muito no Feliciano e Jabaquara, e era
mister não chegar tarde a Afonso Chaves.74 Não obstante paramos enquanto
uma menina vestida de branco com fita de cor azul a tiracolo (cuido) sustentada por um homem bem vestido estendia o braço para a canoa e entregava
um papel enrolado e amarrado com três fitinhas azuis. Levantei-me e agradeci estas demonstrações e abençoei. Dizia o papel: A S. Exa. Rda. o Sr. Bispo.
Se os sons dos musicais instrumentos não suavizam a tua jornada, cada onda
que bate no navio vai dizer-te: Mil corações de uma nova Freguesia anelam a
tua chegada! Depois que li o papel, ri-me, da insinuação. Coitados, há muitos
que desejam ver canonicamente aprovada esta Freguesia civilmente feita: eles
têm imensa e inquestionável razão por muitos e gravíssimos títulos; mas
onde o Padre? Pensam em Pe. Marcelino, mas se este faltar? E que dizer que
tantas outras Freguesias que ainda não aprovei; e de tantas antigas sem nenhum Sacerdote? Guarapari pede instantemente o Pe. Marcelino... E que fazer, meu Deus? Depois desta bela ovação e pomposa entrada, subimos o
74
Alfredo Chaves.
350
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canal, tendo em frente pela proa uma ser[p. 337]ra que parece ser o Itaroroma ou Pororoma ou terá o nome de Joeba. Às 4h 8’ passamos a barra do
pequeno Joeba à margem direita, e houve foguetes. Adiante em uma planície
havia 2 cavaleiros apeados e uma ou 2 mulheres e mais 1 ou 2 pessoas, que
ao me verem passar se ajoelharam e benzeram-se: pareceram-me estrangeiros
e provavelmente das colônias. Às 4h 35’ passamos defronte da casa chamada
do Quatinga, agora deixada, que foi destinada para recolher colonos recém-chegados. Ouvi dizer que há poucos dias tinham-se retirado dali para fora e
talvez para Itália alguns colonos que não se agradaram desta colônia por aqui.
São estes aqueles que eu vi chegar na Barra do Itapemirim no dia em que
com o Sr. Simão dei um passeio pela Capela e oficinas. Daqui já se ouviam
foguetes de Alfredo Chaves ou de perto. No alto do monte estava um homem que depois veio ao plano e nos acompanhou a correr. De vez em quando parava e gritava: Viva il signor Vescovo; e quando nos viu perto se ajoelhou
mais de uma vez e se benzeu. Coitado! Costuma beber e parece que não estava enxuto. Às 4h 50’ vimos à margem esquerda em um canto do rio a pequena barra do Rio Quatinga ou Caco de Pote, outro importante afluente do
nosso Benevente. Carregamos para nossa esquerda, tendo à vista a serra do
Gururu, do lado esquerdo do Benevente [p. 338] e começamos a ouvir os
sinos da Capela e os foguetes e às 5h da tarde abicávamos ao porto de desembarque no tão falado Alfredo Chaves, conhecido também e talvez mais pelo
título de Povoação. Gastamos pois na viagem 8h 52’ ou em conta redonda 9
horas, que foi uma excelente viagem. Saímos de Benevente às 5 da manhã
chegamos às 5 da tarde à Povoação e estivemos parados 3h 52 em caminho.
Foi pena tamanha demora, senão teria havido procissão até a Igreja. Gostei
muito desta viagem e dela me lembrarei sempre com saudades. Durante ela
eu tinha ante os olhos a Carta desta Província por Cintra e Rivière e quantos
erros! Chegados ao porto de desembarque ao som de foguetes e repiques
fomos recebidos pelo Sr. Delfino e pelo Sr. Raimundo Nonato Lucas, guarda-livro[s] do Sr. Delfino, e Mineiro como ele, e aqui também Mestre particular de música. Estava presente o bom Pe. Marcelino de sobrepeliz. Havia
no lugar um arco com a seguinte inscrição metida em um quadro: A S. Exª
Revmª o Sr. Bispo. Feliz do povo que tem por Pastor, Prelado tão virtuoso!
Havia duas inscrições metidas em quadro. A primeira dizia (sic): Iniçação
colonial Tridentina Homenagem ao Ex.º Mons. Bispo Dom Pedro Lacerda.
A outra que era escrita sobre papel tricolor dizia: Dalla Colonia Lombardo Veneta In omagio all’Exc.º e Revº Sigr. Vescovo D. Pedro Maria de Lacerda. Apenas pus
351
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pé em terra o Sr. Raimundo em poucas palavras fez uma pequena mas calorosa alocução, que agradeci sem discurso. Havia bastante gente nacionais e
estrangeiros. Por um chão juncado de folhas e por entre pequenas palmeiras
distantes uma da outra fomo-nos dirigindo para a casa que nos estava destinada, e que é a da Diretoria das Colônias, toda [p. 339] ela posta à nossa
disposição sem mais gente, que a que quer servir-nos e tomar conta da mesma. É grandezinha e a maior do lugar, mas térrea. Sobre a porta do meu
quarto havia um quadro grande com uma inscrição latina. Vide seis páginas
adiante.75 Em distância antes de chegar havia duas extensas alas de homens e
mulheres nacionais e Italianos, que se puseram de joelhos ao passarmos, e
aos quais deitávamos a bênção. Os colonos se faziam notar por terem velas
acesas na mão e se benzerem, quando os abençoávamos. À porta da casa
havia um arco formado de quatro que se uniam pelos lados, todo enfeitado
de folhagem e flores e bandeiras – brasileira, italiana, e penso que tirolesa (I)
[sic]. Aí estavam alguns sujeitos de batina e sobrepeliz dos quais um tinha a
Cruz processional. Não havia banda nenhuma de música, mas parecia em
todos reinar alegre júbilo e alvoroço de coração. Graças a Deus nem sombra
ligeira apareceu de tudo quanto antes alguns haviam temido: deu em nada os
arrotos do tal sujeitinho contrariado em Guarapari, como disse. A Capela
dedicada a N. Sra. da Conceição fica em um alto e distante um pouco; a noite não tardava e os colonos deviam tornar para seus lares, visto que nesta
Povoação há poucas casas e casebres, e por outros motivos. Assim pois o Pe.
Marcelino anunciou aos colonos poderem e deverem tornar a casa para virem depois nos [p. 340] outros dias. Assim passou este dia 17 de Junho que
para mim foi de muita satisfação. Ao jantar convidei o Sr. Luciano,76 que com
outros tinham vindo parte em outra canoa e parte por terra. A nossa canoa
apesar de maior e vir mais pesada bem mostrou ter com razão o nome de
Desafio, pois a outra menor pouco nos acompanhou e apesar de meter em
caminho outro remador deu-se por vencida.
Sexta-feira 18 de Junho: Lá fui à Capelinha desta Povoação ao som de foguetes do ar, que soltaram do alto onde está a Igreja. Pela estrada e subida havia palmeiras fincadas a distância umas das outras, preparadas para a entrada
de ontem. No princípio da comprida subida havia um arco de folhagem com
a seguinte inscrição: Os Anjos do céu / Numeram os passos / Do Veneran75
76
Ver p. 355.
Feliciano.
352
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do Pastor / Nesta subida. Na Capelinha disse Missa e dei Comunhão a 48
pessoas quase todos meninos e meninas todos Italianos: as mulheres traziam
a cabeça coberta. O Pe. Marcelino vendo que aqui havia âmbula e Custódia
julgou, diz ele, por epikeia77 que havia licença para ter Sacramento nesta Capela: fiz-lhe ver que assim não era, nem eu podia conceder tal graça reservada
ao Papa. Assentei de consumir o SS. mas vendo a âmbula cheia e que muitos
deviam comungar sem poderem confessar-se cedo, e para não descontentar
o bom Pe. Marcelino, e porque tenho faculdade da Santa Sé para ter SS. onde
eu estiver em Visita, conservei as partículas da âmbula, mas assim mesmo
consumi a hóstia grande que estava na Custódia. Por falta de ferro cortante
o meu Marcelino tinha na âmbula partículas umas redondas e outras em
figura de tri[p. 341]ângulo e de losango. Depois da Missa fiz uma pequena
prática sobre o texto Non in solo pane vivit homo, e preguei em Italiano pela vez
primeira no Brasil. Digo no Brasil porque a convite preguei em Italiano em
Roma em 1870 durante o Concílio na Igreja della Trinità dei monti no Colégio
das Senhoras do Sacré Coeur, e em Turim na Casa das Irmãs do Bom Pastor.
Não me faltaram as palavras e saí-me bem. Os Italianos ficaram surpreendidos de verem o Bispo Brasileiro falar-lhes na língua deles. Visitou-me hoje
o Sr. Ludovico Queluz (Mineiro) e o Sr. Domingues, Português mas criado
desde pequeno em Minas (Leopoldina), dos primeiros moradores destes lugares então mato virgem e hoje roteados por centenas e milhares de Italianos
Tiroleses, Lombardos e Vênetos. Aqui em casa vi dependurados nos muros
três pequenos mapas bastante errados quanto aos lugares percorridos por
mim e que têm servido de modelo para outros posteriores. Estimei vê-los
porque agora conheço-os de vista, quando antes só por notícia dos livros e
cartas mais recentes. São: I Mapa Geral da Província do Espírito Santo relativo às colônias e vias de comunicação por C. Krauss publicado por ordem de
S. Ex. o Sr. Conselheiro Antônio Francisco de Paula Souza Ministro e Secretário
de Estado dos Negócios de Agricultura Comércio e Obras [p. 342] Públicas
1866.78 Neste mapa se vê quase toda a Província do Rio, e 3 pequenos: As
Colônias do Mucuri – As Colônias de S. Leopoldina e S. Isabel – Colônia
do Rio Novo.79 – É em prumo e escala de 1:1,855.000. Por este vejo que S.
77
78
Em caracteres gregos no original; significa equidade.
Krauss, Carlos. Mapa geral da Província do Espírito Santo relativo às colônias e vias de
comunicação. 1866. [Arquivo Histórico do Exército, loc. 15.03.3653]
79 Krauss, Carlos. Mapa geral das colônias de Santa Leopoldina, Santa Isabel e Rio Novo na
Província do Espírito Santo. 1866. [Arquivo Histórico do Exército, loc. 06.02.1193]
353
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Clara no Mucuri está na margem direita do Mucuri e junta a um pequeno córrego chamado de Doutor que separa Províncias do Espírito Santo e Minas,
e Bispados do Rio e Diamantina ficando o Arcebispado da Bahia em toda
margem esquerda do Mucuri. S. Clara lugar importante de Minas, e ninguém
do lado do Rio! O que não irá por ali! Que nulidades de casamentos e confissões! Meu Deus! II Mapa da parte Setentrional da Província do Espírito
Santo organizado sobre os trabalhos de R. v. Kruger e outros por Carlos
Krauss publicado por ordem de S. Ex. o Sr. Conselheiro Dr. Antônio Francisco
de Paula Souza Ministro etc. 1866. É em prumo, escala (1:371.000). Reparei
por interessar-me no que respeita Mucuri e S. Clara. Vejo que o limite traçado
entre Minas e Espírito Santo que é o dos dois Bispados é por um pequeno
córrego chamado do Doutor, segue-o até as cabeceiras, depois corta outro
chamado Barreado e vai à confluência do pequeno S. Mateus com os Guaribes. O pior é [que] aí se vê a porção de S. Clara pertinho e quase encostada
ao Doutor, e a linha divisória vai [p. 343] cortando cabeceiras do Itaúnas.
Que não irá por lá sobre jurisdição? A Carta de Cintra e Rivière é conforme
a esta nestes limites de que acabo de falar. III Mapa do Rio Doce organizado
pelo Engenheiro Carlos Krauss sobre os trabalhos de A. Pires de Silva Ponte,
Arlincourt e outros, publicado por ordem de S. Ex. o Sr. Conselheiro Antônio
Francisco de Paula Souza 1866. Não diz qual a proporção da escala, mas traz
a de 15 quilômetros e de 3 léguas. Em 1880 percorri todo o rio da foz ao Manhuaçu, vi a Lagoa Dourada, passei os Comboios, naveguei Monsarás e Rio
Norte, vi lagoa Aviso e Juparanã, estive muitos dias no Guandu, pernoitei na
ilha de Pancas e outros lugares. É pois com conhecimento de causa que digo
ser esta Carta uma Carta de enormes erros sobre erros. E o pior é que tais
erros vão continuando a ser copiados por engenheiros que lá não foram!!!...
Sábado 19 de Junho: A Capela é longe e é preciso subir uma ladeira; valha-me Deus, que já me vai custando subir. A Capela é pequena e fica no alto de
um elevado outeiro e no pé do monte se divide a estrada em duas, que vão
em disfarçado e suave declive torneando o monte. A Capela é de madeira e
barro e já começa a arruinar; é graciosa na forma, com seu pequeno alpendre
e sua torre no meio a gosto segundo parece mais mourisco que gótico. As
janelas aos lados têm venezianas. Pois bem, como é longe, assentei em poupar algumas viagens até lá, e portanto resolvi usar do privilégio que têm os
Bispos de usarem de altar portátil; e assim hoje celebrei [p. 344] na espaçosa
sala da casa, sala sem o mínino ornato nem mobília, onde está a porta da rua
ou antes praça ou melhor campo, mas que está caiada e limpa. Ajudaram-me
354
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a Missa os PP. Alves e Figueiredo e os ouvintes foram somente Cônego e
Vigário. Os PP. Rafael e Marcelino têm estado a confessar. Vieram visitar-me
o Sr. Delfino, o principal negociante do lugar e o Sr. Raimundo. Depois das
10 ½ fui à Capela e dois sujeitos cantaram em Italiano um cântico mal cantado e de feia solfa; depois do que subi ao púlpito e tornei a fazer uma breve
prática em língua Italiana que versou sobre crisma. Depois no sólio tomei
pluvial, mitra e báculo e desci para o faldistório e crismei 70 pessoas, todos
Italianos, fora alguns Brasileiros. Os crismandos estavam em linha na grade;
as mulheres e meninas tinham a cabeça coberta com véus brancos ou pretos
ou com lenços encarnados, brancos, azuis etc. etc. Os padrinhos e madrinhas
e às vezes os afilhados se benziam, quando eu dizia in nomine Patris et Filii etc.
Disse ao Vigário que lembrasse a utilidade de levantar-se aqui um cemitério:
aqui há um terreno onde já se têm sepultado algumas pessoas, e junto à parede da Capela de um lado há [p. 345] 2 pequetitos e simples mausoléus de
tijolo ou pedra. Já apareceram casamentos de amancebados e de estrangeiros:
e peço a Deus para me dar paciência. À noite chegou condução saída hoje
às 9 da manhã de Barra de Itapemirim, enviada pelo Sr. Simão. O fim é levar
um dos meus Padres para fazer dia de S. João o batismo de uma criança do
Sr. Custódio. Foi pedido que já me foi feito pelo Alexandrino em nome do
Simão. Antes que passe adiante direi que aqui à porta puseram um Italiano
trajado com roupas domingueiras, para guardar a porta e não deixar invadir a
sala, que deita para o campo. A inscrição latina sobre a porta do meu quarto
que deita para a sala é a seguinte: Pax salusque tibi / Preclarissime Episcope / Nos
cuncti tuo in adventu letamur / Colonia vero ista te excipiens / Sanctificata exultat. Bem
se vê que estas e as outras inscrições não são em estilo clássico di primo ordine;
mas valem pelo afeto que as ditou.
[p. 346] Domingo 20 de Junho: Disse Missa em casa no altar portátil como
ontem. Lá pelas 11 entrou a Missa cantada por ser Domingo da SS. Trindade. O Pe. Marcelino cantou a Missa, e os Ministros foram PPes. Alves e
Figueiredo. Eu assisti de Pontifical servido pelo Cônego e pelos PPes. Rafael
e Vigário. Aqui há uns 6 sujeitos que vestem batina, uns preta outros roxa
e todos sobrepelizes, e assim houve acólitos, para turíbulo e cereais. Eu na
Sacristia vi um homem já barbado [que] só de calças e paletó vestia por cima
uma sobrepeliz! Oh! achei mais que ridículo e fora de todo o nosso costume
e mandei tirar a sobrepeliz. Digo de nosso costume, porque lembro-me bem
que em Bolonha, na Itália, vi (e só lá vi mas talvez alhures seja o mesmo) a
acólitos ajudando Missa assim vestidos de sobrepeliz curta sobre jaqueta e
355
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calças. E por que aqui? Disseram que tal homem era sineiro! Ora esta...! Risum teneatis... Seja pelo que for, é um disparate. A música foi a canto figurado,
cantada pelos mesmos colonos, e esteve entoada. Os Quírios porém foram
só 3 e não 9, isto é 2 Quírios e um Christe. Depois da Missa subi ao púlpito e
preguei em Português sobre a SS. Trindade e disse alguma coisa sobre Crisma. Depois cantaram em latim o Veni Creator enquanto eu me paramentava.
Note-se que estes colonos, como em Itália, dizem em latim o Pater, Ave, [p.
347] e certos hinos e preces, e Te Deum, Tantum ergo etc. A gente que se havia
de crismar estava em linha na grade, sucedendo-se as linhas umas às outras
(e assim será nos mais dias). Crismei de pé percorrendo a linha, e 227 foram
os que receberam a Confirmação, na maior parte meninos e crianças dos
colonos, porque os maiores já vieram confirmados de Itália. Depois da Missa
houve Bênção do SS. na Custódia, dada pelo Pe. Marcelino. À noite ouvi altas
risadas, foguetes, gritos, bater de mãos e de pés, e queixei-me ao Vigário e Pe.
Marcelino. Este último foi ter-se com os gritadores, e o Vigário falou com
o Subdelegado que também em pessoa foi aos 2 ou 3 barracões e vendas e
mandou que não fizessem tanto rumor. Felizmente aquietaram-se e cessou o
rumor. Eu pensava que era algum batuque, mas não era, nem jogatina nem
desordem. Pobre gente! Aqui não há nem 20 casebres, e algumas famílias
de longe não têm onde ficar; como fazer? Vão aos barracões e não podem
passar a noite em silêncio de Frades. Mas bem podiam fazer menos ruído,
como depois sucedeu.
Segunda-feira 21 de Junho: Eu disse Missa em casa. O Pe. Figueiredo saiu
para a Barra de Itapemirim. Como este lugar não tem senão a Capeli[p. 348]
nha e nem 20 casas (inclusive casebres) é impossível reunir-se aqui povo. Os
Colonos por recomendação do Pe. Marcelino vêm em porções ou bandos,
cada dia uma parte. Coitados! Andam 2, e 3, e até mais de 4 léguas, trazendo crianças, meninos, mocinhas e mulheres, e caminham de noite, para
chegarem cedo e se poderem confessar, e descansar antes da crisma. O Pe.
Marcelino já preparou alguns centenares, antes de minha chegada, e como a
grande parte dos confirmandos são crianças, estou tranquilo no crismar. Infelizmente dos Brasileiros maiores poucos se têm preparado, e vêm de longe,
e a pequenina Igreja fica cheia de Italianos, e o Padre que mais confessa é o
Rafael, que como Italiano é mais necessário para os pobres colonos. Verdade
é que o bom Pe. Rafael diz que não entende bem os dialetos dos Italianos: e
que se dirá de outros? O Pe. Marcelino tem sido e é incansável com estes seus
colonos, de que conhece o dialeto. Hoje vieram muitíssimos colonos vindos
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de Todos os Santos, que dista bastante daqui e tem maus caminhos: vieram
também de outros pontos. Pelas 10 ½ fui para a Igreja. O povo cantou uns
versos em Italiano e eu subi ao púlpito e preguei em Italiano um sermão não
breve sobre a necessidade de educar bem os filhos e encaminhar-lhes a Doutrina, mormente [p. 349] porque aqui não há Padre, e a terra é vasta e faltam
os meios que abundam na Itália. Eu já há dias tinha ouvido dizer que se para
aqui não viesse Padre, que viria um Pastor Protestante. Talvez seja isto uma
balela e mentira ou ameaça... Seja o que for, hoje como no outro dia preveni
os Colonos e lhes disse claro que antes voltassem para a Itália e mesmo antes
morressem do que perder a Fé. Depois o Pe. Marcelino e povo cantaram o
Veni Creator em latim, mas não cantavam juntos e por isso desentoavam. Os
crismandos estavam em linha na grade como ontem, mas houve alguma confusão e avançavam os mesmos Italianos! pelo que o Pe. Marcelino algumas
vezes gritou com eles e os fez arredar. Mas a dizer a verdade, não foi grande
confusão. Havia muita criança que chorava! A Capela pequena, muitos ficaram fora e apanhando sol. Mais para o fim quase todos eram Brasileiros, e
infelizmente o Vigário fez retirar dois que estão amancebados e por isso os
rejeitei: um trata de casar-se, e o outro perguntado por que não se casava disse à face do mesmo Vigário, que era porque o Vigário pedia muito dinheiro
e dizendo isto esfregava o polegar e índice como se usa para indicar dinheiro. Mas a experiência me tem ensinado que isto é um pretexto vão e falso.
Eu bem sei que esta gente às vezes tem fari[p. 350]nha, galinhas, mandioca
etc. mas não dinheiro; eu bem quisera que em vez de 20$ o Vigário pedisse
menos; mas sei que não querem dar nada. Há pouco disse a um que o Papa
Pio IX mandou que de cada dispensa, o dispensado desse 2$ para o Colégio
Pio Latino-Americano de Roma, onde estudam Brasileiros (desta Diocese
estão 4). Pois o meu homem sem vergonha nenhuma me disse mui fresco:
não podia fazer isto por um mil réis!? Vá buscar os 2$ repliquei com certa
energia; e foi buscá-los. Por um Batizado o Vigário pede 2$ pois acham que
é muito. Entretanto usam de foguetes no Batismo... Julgo que se houvessem
de pagar vinte réis, fariam choradeira. Nunca em visita crismei tanta gente
junta como hoje; porque crismei 697 pessoas! Notei em muitos fazer o que
[é] muito em uso na Itália. Muitos Padrinhos e Madrinhas traziam fitas de cor
(mas estreitas) e acabada a unção, logo amarravam as fitas na testa dos afilhados, ou desciam a fita que vinha atada na cabeça. Quase todas as mulheres,
ainda as pequenas tinham lenço ou véu (preto ou branco) na cabeça. Muitos
se benziam quando eu dizia In nomine Patris et Filii etc. De noite me veio visitar
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o Sr. Delfino, trazendo consigo o Dr. Miranda (Médico) de Benevente e um
outro sujeito aqui estabelecido. No [p. 351] correr da conversa soube que
este último é Mineiro de Taquaruçu, e me viu em Macaúbas há 3 anos, e é
irmão de uma Religiosa de S. Teresa da Corte; e conhecia muitos de meus
conhecidos e amigos de Sabará, Caeté, Roças Novas etc. etc. etc. etc. Falamos
muito sobre toda essa gente, e sobre o venerando Pe. José Gonçalves Pereira,
sobre a célebre Irmã Germana etc. etc. A conversa durou longo tempo, mas
me foi dulcíssima pelas saudosíssimas recordações que suscitava. E tudo passou! Já deixei Minas há 17 anos e lá estive 28...
Terça-feira 22 de Junho: Disse Missa em casa. Pelas 11 horas fui para a
Igreja. Havia chegado de fora outra turma muito numerosa. Como ontem
muita gente me acompanhou e seguiu quando fui para a Igreja. Estavam por
aí espalhados à espera da hora. Mas muitos outros tinham ido adiante e de
joelhos esperavam a bênção, quando eu passava. Hoje havia muitos de Pádua,
e de outras partes do Vêneto. Subi ao púlpito e preguei em Italiano, repetindo
em resumo o que havia dito nos dois precedentes dias e acrescentei outro
ponto, que foi a necessidade e eficácia da oração. Para agradar aos Paduanos
fiz ver que eu lá estive em 1877, e que hoje neste Bispado se faz a festa ou
Ofício de S. Antônio trasladado do dia 13 em que caiu a Dominga de Pentecostes. No fim [p. 352] do sermão falei em Português a respeito da Crisma e
fiz ver a fealdade da mancebia que Deus tanto detesta e pune. Enquanto eu
me revestia cantaram o Veni Creator, e depois eu crismei pelo menos a 599
pessoas. Digo pelo menos porque houve quem bem avaliasse em 750 para
800 pessoas. O Pe. Alves contou 599; e certo é que Pe. Marcelino recebeu
500 bilhetes ao justo; e como se crismaram muitos Brasileiros sem bilhetes
não é para estranhar mais. Porém como foram em grande número os Brasileiros e nem todos os Italianos apresentaram os bilhetes e a crisma durou
bastante, por isso... Deveras à primeira vista pareceu a mim mesmo, que hoje
se crismou mais gente... Certo é que fiquei excessivamente fatigado e com
a boca seca... Os Crismandos estavam em linha na grade, mas para haver
ordem se repartiu o povo em linhas, que vinham-se substituindo, e depois se
fez tudo sair da Igreja, e vir entrando aos poucos. Duas vezes renovei o Santo
óleo e duas me assentei no faldistório para descansar e uma tomei um pouco
de vinho por motivo da secura da língua que repetiu tantas vezes a forma
da Confirmação. Voltei às 4h para casa. E já todo o grande povo (como nos
mais dias) tinha-se retirado, e com razão, porque muito devem andar para
chegar a suas casas.
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[p. 353] Quarta-feira 23 de Junho: Disse Missa em casa. Pelas 11 fui para
a Matriz. O sol estava ardente. Por me parecer haver muitos Brasileiros preguei em Português fazendo ver que era preciso bem crer, bem fazer, bem
pedir, bem receber; e dei alguma bordoada na mancebia. De vez em quando
dizia algum pedacinho em italiano porque havia um bom número de Italianos. Depois paramentei-me no sólio. Mandei o Pe. Marcelino fechar a porta
para que acabada a gente de dentro viesse a de fora, que me parecia haver
em bom número, no que me enganei um pouco. Houve certo sujeito vindo
de Benevente que disse ser tal fechamento contra o uso da primitiva Igreja.
O bom Pe. Marcelino que tem cabeça quente de Lombardo lá da porta da
Capela (pequena) disse-me em voz alta: Excelência, aqui está um senhor que
não é Italiano nem daqui que disse etc. Ouvindo eu isso, disse: pois levanto
a crisma, que ainda não tinha senão começado, pois estava dizendo os VV80
antes de estender as mãos. E despi os paramentos. Ao mesmo tempo para
evitar barulho e não desanimar os pobres colonos vindos de longe disse-lhes
que esperassem e que eu voltava. E fui para Sacristia. Lá me vieram certos
Brasileiros falar-me e pedir escusas pelo tal homem; e voltei e crismei 312
pessoas, em mui grande número pequenos e crianças de peito. Foi um berreiro de crianças mais que nos outros dias. O José Tognere (figurão daqui)
mandou-me um quarto de porco de presente. Hoje o Cônego foi padrinho
de um filho que [p. 354] o pai quer mandar para o Seminário. Este Tognere
é Italiano naturalizado, foi Mascate, hoje é suplente de Subdelegado, mora
pertinho ou na extremidade desta povoação: por alcunha o chamam Garibaldi. Casou-se com uma senhora muito defeituosa no nariz, filha do finado
Augusto José Alves da Silva, chamado o Quatinga por morar junto do rio
Quatinga, e onde está hoje a casa para emigrantes de que falei. Este Quatinga
é o primeiro morador daqui, para onde veio com a família e escravos em tempo em que havia ainda muitos Índios bravios; e foi rico de terras e escravos.
O Tognere já tinha alguma coisa, quando casou-se, mas então recebeu muita
terra e escravos e dinheiro.
Quinta-feira 24 de Junho (Corpus Christi): Disse Missa em casa. Pelas
11 fui para Igreja. O Vigário cantou Missa e Pe. Alves Evangelho e Pe. Marcelino Epístola. Eu assisti de murça. Os mesmos Colonos cantaram e bem
a Missa, inclusive o Lauda Sion que foi cantado por outros colonos que estavam na Sacristia junto à porta que dá para a Capela. Depois da Missa o
80
Seriam versículos?
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Pe. Marcelino do púlpito anunciou o Jubileu e leu as condições que vêm em
Italiano no Boletim Salesiano. Como o sol estava encoberto saiu a Procissão de
que gostei pelo profundo silêncio da gente, recolhimento e devoção, apesar
de ser simples a mais não poder. Ia adiante a Cruz, e seguiam-se os homens
em duas extensas filas, calçados, descalços, de [p. 355] paletó, mangas de
camisas etc. etc. O Pe. Marcelino de sobrepeliz ia no meio e rezava o Terço
com os de mais perto. Atrás iam Turiferário e Sacristães de sobrepeliz e o
Cônego de pluvial e Pe. Rafael de casula, vinha depois o pálio (buscado em
Benevente) levado por seis principais da terra que trajavam de preto e sobrecasaca, e debaixo do pálio ia eu com o SS. Sacramento em Custódia e os PPes.
Alves e Vigário aos lados com dalmáticas. Atrás alguns colonos a espaço
cantavam o Pange lingua; e outros no meio da Procissão cantavam o Lauda
Sion. Atrás de todos vinham as mulheres com seus meninos. Os demais perto
do pálio traziam velas acesas. A procissão desceu por um lado e subiu por
outro rodeando o monte em cujo alto está a Capela. Antes de encerrar o SS.
dei a Bênção com o Senhor Sacramentado. Depois preguei em Português,
explicando o Jubileu e suas condições e disse algumas palavras sobre Crisma
e insisti em não virem os amancebados sem antes se casarem. Crismei depois
208 pessoas e depressa em razão de ordem que obriguei a conservar junto às
grades, onde como nos mais dias se ajoelhavam os crismandos, de um lado os
homens e de outro as mulheres. Queria expor-se o SS., mas eram 4 ½ e ficaria
tarde: assim o Pe. Marcelino cantou as Ladainhas com alguma gente presente
e nos retiramos para casa. Ao retirar-me quis ver a Pia Batismal que concedi
para aqui no ano passado de 1885 por sete anos. Quis ver, por[p. 356]que
me parecia como as que vi em Milão em 1877 sem então poder entender. A
Pia é de mármore e sobre a Pia há uma caixa da forma de Sacrário, porém
alto: tem sua porta que se fecha, tal qual a de um Sacrário. Aberta a porta vê-se a água, que assim fica bem guardada, e ao lado dentro está uma pequena
prateleira com os vasos dos Santos Óleos. Todo este armário ou Sacrário está
coberto de alto a baixo por um cortinado de pano branco com[o] o pano dos
Sacrários ou antes como os cortinados dos leitos. Ao lado da pia está um
quadro com a imagem de S. João Batista e outro com a Provisão da Pia como
na mesma é ordenado.
Segunda-feira 25 de Junho: Disse Missa em casa. Hoje choveu alguma
coisa, felizmente já a mor parte dos colonos estão livres de vir aqui onde não
há 20 casas, nem cômodos. Hoje tratei de casamentos de 3 pares de colonos
Italianos, honestos, e de 1 par de amancebados (caboclo e mulata). Por ser
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tarde quando acabei tais papéis e outros negócios não fui à Igreja mas em
casa fiz uma pequena prática em Português e de pluvial e mitra e assentado
no faldistório crismei 94 pessoas. Hoje vieram pedir-me licença para uma
Capela no alto Corindiba ou Cabeça Quebrada: disse que não me oporia.
Terça-feira 26 de Junho: Disse Missa em casa. Estive vendo livros da Freguesia de Guarapari que para aqui trouxe por não ter tido tempo de examiná-los lá, visto que faço um exame um pouco detido. Em casa fiz uma [p. 357]
pequena prática em Português e crismei 106 pessoas, grande parte pequenos.
Depois do jantar depois das 4 fui com os Padres em passeio até o ponto em
que desembarcamos, e na volta entrei na Residência do Padre como é chamada a casa em que está Pe. Marcelino, e Sacerdote que lhe suceder: a casa é
muito modesta e tosca e nenhuma mobília tem. Disse o Pe. Figueiredo que
no Itapemirim batizou (com licença minha) 49 pessoas; e ungiu a um sujeito
que lá morreu, e que uma das crianças que batizou pouco depois se foi para
o céu: oh! felicidade!!! O Padre saiu hoje mesmo da Barra e aqui chegou; e
o mesmo foi na ida, parando em Piúma para comer. É bom andar: mas os
animais eram bons.
Domingo 27 de Junho: Disse Missa em casa. Ainda estou vendo os livros
da Freguesia de Guarapari. Irei dando uma ou outra notícia, talvez pequenina
demais, mas curiosa em algum sentido. Há alguns desencadernados, e outros
com faltas de folhas e até de cadernos. E eu percorro todos, folha por folha:
o que vale é que muitas vezes ver um assentamento é ver trinta e mais bem
semelhantes. Há um livro de casamentos que vai da folha 1 até 87 sem faltar,
mas todo desencadernado: não sei como não se perderam folhas. O 1º assento é de onze de Abril de 1752 (Ainda pois os Jesuítas estavam na Capitania,
pois foram expulsos em 1759), assinado pelo Vigário encomendado Pe. Manoel de Matos. O Batismo feito na Igreja de N. S. da Conceição da Vila de
Guaraparim (se lê sempre Guaraparim). Em alguns dos primeiros assenta[p.
358]mentos se fala em Provisão do Rdo. Visitador Dr. Antônio Francisco
Bintacor (e Bitacor). A 4 de Junho 1752 se fala em sentença dispensando
impedimento em primeiro grau de afinidade (sem dizer se lícita, e se linha
transversal). – Em Setembro 1752 se fala em Vigário da Vara da Comarca
(sem nome). – Em Outubro 1752 se fala de casamento de escravos do Rdo.
Cônego Antônio de Siqueira Quental. – Em Maio 1753 se fala em Provisão
do R. Vigário da Vara Manoel Tavares de Albuquerque. – A 25 Junho 1753
de manhã nesta Igreja de N. Sra. do Rosário das Fazendas de Guaraparim se
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Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
recebeu N com... o dito natural da Aldeia da Riritiba. – A 8 de Agosto 1754
se fala em Provisão do R. Visitador Dr. Manoel Gago Mascarenhas da Câmara e se diz que se recebeu N com N antes das denunciações ex causa e com
pena de excomunhão para se não ajuntarem senão depois de feitas as ditas
denunciações – e se receberam depois do sol posto por ordem do Visitador.
Aos 16 de Setembro 1754 pelo Dr. Visitador Câmara dispensa no 2º grau
[de] afinidade ilícita. – A 10 de Agosto ainda se fala Aldeia da Reritiba. – A
29 Novembro 1755 se fala em de Provisão do Rmo. Cônego Antônio de
Siqueira Quental Governador do Bispado e Comissário de S. Exª Revmª para
dispensas nesta Comarca do Espírito Santo; e houve dispensa no 3º grau de
consanguinidade (não diz se igual). – O casamento de 11 Janeiro 1756 foi
feito pelo Vigário de Guaraparim Antônio Esteves Ribeira – que se diz colado
no assento de 24 de Maio do mesmo ano. – A 20 Fevereiro 1757 na Capela de
N. Sra. do Bom Sucesso de Orobó filial desta Matriz... de Guaraparim pelo
Coadjutor. – A 29 de Janeiro 1758 fala do Rdo. Francisco dos Reis Visitador
geral desta Visita do Norte que andava em atual Visita desta Capitania. – A
4 Fevereiro 1758 casou-se N preto escravo com NN Índia natural da Aldeia
dos Reis Magos. – A 6 Fevereiro 1758 impedimento de 3º grau de consanguinidade misto com o 4º e purgado este impedimento e dispensado pelo Cônego Antônio de Siqueira Quental Juiz Comissário nesta parte do Ex. Rmo.
Sr. Bispo e satisf. etc. – Na folha 17 a fala: que resultou um impedimento de
Esponsais que se dissolveu por mútuo consentimento e não outro algum
impedimento. – A 11 de Abril de 1758... Índios da Aldeia de Reritiba. – 11
Novembro 1757 na Capela de N. S. do Bom Sucesso de Orobó filial desta... de
Guaraparim pelo Coadjutor. – Aos 28 de Janeiro de 1758 nesta Igreja Matriz
de N. S. da Conceição da Vila de Guaraparim precedendo as denunciações
na forma do Concílio Tridentino de que não resultou impedimento algum se
receberam com licença minha (o dito Antônio Esteves Ribeira) por palavras
de presente na presença do Padre Antônio Jorge Superior da Muribeca e na sua
Igreja N e N ambos escravos de Domingos de Jesus Bueno, meus Fregueses...
Testemunhas N e N ambos solteiros desta Freguesia e logo receberam as
bênçãos. – Ainda Junho 1758 dispensa do segundo para terceiro grau [de]
consanguinidade pelo Rdo. Visitador Geral desta Visita do Norte o Pe. Francisco dos Reis – casamento na Capela do Rosário filial de Guaraparim do
Rdo. Cônego Antônio de Siqueira Quental (escravos deste). – No assento de
17 de Setembro de 1758 uma das testemunhas foi Pe. Manoel de Matos (o mesmo que foi Vigário antes) e se diz Sacerdote do hábito de S. Pedro... – A 24
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Agosto 1758 na Igreja de N. S. das Neves da Muribeca – dispensa de afinidade
de cópula ilícita pelo Visitador Francisco dos Reis na presença do Pe. André de
Souza Leite Sacerdote do hábito de S. Pedro (com licença do Vigário). O Pe.
André morador no Castelo. Este assento foi conforme o remetido ao Vigário
– que escreveu ou copiou no seu livro a 3 de Outubro 1758. Segue-se outro
feito na Muribeca na presença do Dr. Pe. André com licença do Rdo. Visitador e não minha, diz o Vigário – N pardo forro da Cidade de S. Paulo com N
Índia, assistentes na Freguesia de Guaraparim. Diz o Vigário no assento que
não lhe remeteram mais clareza. Na Visita de 1812 a 10 de Outubro casaram-se muitos juntos. Vejo 1 dispensado de 2º. grau [de] consanguinidade et simul
de 2º. [de] afinidade ilícita quadruplicada. Há mais dispensados. [p. 359] Em
casa fiz uma prática em Português e crismei 159 pessoas. Têm vindo Italianos e Brasileiros para casamentos. Tem ventado muito dia e noite e o frio é
bastante sensível.
Segunda 28 de Junho: Disse Missa em casa, e pelas 2 da tarde crismei em
casa 17 pessoas fazendo antes prática em Português. Duas vezes anunciaram
a festa de S. Pedro com foguetes e um tiro de um canhão antigo que serviu
no tempo dos Índios que eram numerosos aqui. De noite fizeram uma grande fogueira no largo defronte de casa. Veio tratar do casamento um moço
branco filho do antigo Quatinga amancebado com uma preta forra, que fora
escrava da casa, da qual já tem uma porção de filhos. De noite veio um casal
de pretos forros amancebados. Perguntei a ele quem te forrou? Respondeu:
Primeiro Deus e depois meu dinheiro. Perguntei à mulher: Quem te forrou?
Respondeu: Primeiro Deus e depois Caetano de tal, que é quem a forrou e
quer com ela casar-se. Gostei das respostas e da gratidão da mulher que chamou o preto de seu pai e protetor.
Terça-feira 29 de Junho (Dia de S. Pedro): Ao romper do dia outro tiro
da tal peça. Disse Missa em casa. Às 11h fomos para Igreja. Ao entrar os
Italianos deram Vivas a Monsignore Vescovo. Pe. Marcelino cantou Missa, e
Ministros foram PP. Alves (Evangelho) e Figueiredo. Eu assisti Pontificalmente no sólio servido pelo Cônego e PPes. Rafael e Vigário. Depois preguei
um longo sermão de 2 horas em [p. 360] Português e falei forte aludindo a
certos pontos. 1 – Ministro Protestante que alguém queria fazer vir aqui. 2 –
Casamento civil e dei bordoada a valer. 3 – Fugida de filhos da casa paterna
e foram os pontos principais; e também de passagem falei sobre Maçonaria
e contra a mancebia, e necessidade de deixar uma e outra. Pelo meio iam os
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principais episódios da vida do meu S. Pedro. E tudo entrou a pêlo e bem,
porque o Relictis retibus – o exiit foras et flevit – e o Quodcumque solveris... ligaveris e
aquilo da Epístola de S. Pedro subjecti estote omni humanae creaturae propter Deum
me davam lugar ao que eu disse. Para que isto seja entendido, devo dizer
que têm aparecido ou se têm desenvolvido certas intrigas. Querem certos,
sobretudo alguns Brasileiros que eu faça aqui uma Freguesia canonicamente
aprovando a criação civil: é isto justo e de necessidade, mas a pequena Igreja
ameaça ruína; não há Cemitério e apesar de eu lembrar a ereção de um, nada
se tem feito; tenho muitas outras Freguesias civis no Rio, S. Catarina e nesta
Província que não aprovei ainda; Padres não tenho e cada vez morrem mais;
Pe. Marcelino aqui está cansado (porque sempre anda a pé e diz ele que para
não depender de cavalos e pajens) e parece velho (posto que tenha só 2 anos
mais que eu e parece ter muito mais) e além disto quer ir antes para Vigário
de Guarapari (onde o desejam); os Italianos aqui não querem Freguesia, disse
o Pe. Marcelino e o mesmo que serve de Sacristão por estes dias, o qual disse
que havendo Freguesia certos Brasileiros hão de querer pisar os Italianos, e
portanto poderá haver barulho porque os Italianos diz ele são mais numerosos. Demais como há de um Padre [p. 361] viver aqui? Se Brasileiro, os
Italianos e ele não se entenderão; se Italiano (e bom e não dos ganhadores) os
Brasileiros terão pulga na orelha. Eu quando posso dou a entender que não
farei a Freguesia: ainda no sermão, eu vendo que havia gente fora e passeava,
disse entre parênteses: nem todos estão dentro e passeiam (e para aproveitar
ajuntei:) e dos que mais querem Freguesia quais os que se confessaram? e
querem Freguesia? Vão dormir ou rezar... e prossegui o sermão... A vadia e
atoleimada Regeneração de Benevente botou fora a 27 de Junho um artiguito
com o título: o Sr. Bispo e a Colônia Católica do Alto Benevente no qual diz
que esta Colônia de cerca 5 mil pessoas que não tem Professor também não
tem um Padre porque S. Ex. o Sr. Bispo não quer provê-la eclesiasticamente;
pelo que está descontente e corre já o boato que a mor parte se há de declarar
Protestante. E que tal! Esqueceu-se que aqui mora Pe. Marcelino e que a este
mesmo Padre aqui é que enviou o número que estamos lendo! Mas vamos ao
ponto mais grosso. Uma Italiana de 17 anos maltratada pelo pai dela Italiano
bêbado, e expulsa de casa mandou pedir a certo moço para ir buscá-la, como
foi. O pai opunha-se a qualquer casamento. A moça foi depositada aqui. Eu
declarei que da parte da Igreja não havia que opor, e que o Vigário fizesse
como entendesse, mas visse que a moça é menor, e foi tirada sem licença
paterna e é estrangeira, e por isso seria bom obter licença do Juiz respectivo.
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Até aqui a coisa vai bem. A tal rapariga andou dizendo que o Pe. N. na confissão lhe dissera de voltar à casa do pai. Inde irae: certos sujeitos irritaram-se
contra o Padre chamaram-no de per[p. 362]turbador das consciências; disseram impropérios contra o bom Padre, falaram em casamento civil e outros
desaforos. Ora esta! e que tal! Até certo sujeito que parece todo respeitoso e
mole disse que tinha nojo de olhar para a cara do tal Padre. Eis o porquê de
certos tópicos do tal sermão. Acabando o sermão recomendei firmeza na fé,
para o que muito contribuiria e contribuirá o Sacramento da Confirmação,
e sobre este disse quatro palavras, e depois crismei 99 pessoas. Voltando
para a casa, muitos Brasileiros me beijavam a mão e corriam para beijá-la; e
perguntando-lhes eu donde eram, responderam com certa ênfase: nós somos
Brasileiros. Os Italianos me esperavam defronte de casa, e aí deram-me vivas
e cantaram um que chamam Hino Ítalo-Brasileiro, cujas primeiras palavras
são: Nos coloni (ou emigranti) del Brasile, non siamo gente vile... Agradeci e estive a
falar um pouquinho com eles, e ao sair deram-me novos vivas a Monsignore...
Recebi cartas da Corte e o expediente. Tive notícia que o pobre Padre Pedro
de Campos tendo perdido a cabeça se atirara no Rio Paraíba e morrera. O
Vigário da Vara me disse que lhe foi negada encomendação e sufrágios da
Igreja para assim diminuir a má impressão do suicídio de um Padre. Em parte tem razão; mas provada a demência bem se poderia ser mais generoso...
Enfim, valha-nos Deus. Em tanta penúria de Sacerdotes, mais esta do pobre
Pe. Pedro!
[p. 363] Quarta-feira 30 de Junho: Em vez de dizer, ouvi Missa do Pe.
Alves em casa. Casamentos apareceram de amancebados. Em casa fiz uma
pequena prática e crismei 11 pessoas.
Quinta-feira 1º. de Julho: Disse Missa em casa; e mais tarde depois de uma
prática crismei 35 pessoas. Daqui foram a Benevente pedir licença ao Juiz de
Direito para o casamento da tal Italiana, e a obtiveram. E sucedeu uma boa.
Por certo equívoco que houve, julguei bom mandar ao encontro dos noivos
que vinham da Igreja e fazê-los revalidar o casamento que acabaram de celebrar na Igreja. Ora esta! Felizmente vieram de bom humor; e mais felizmente
se viu que a licença tinha sido dada pelo Vigário e recebida pelo Pe. Marcelino; pelo que eu mesmo declarei aos recém-casados que se fossem em paz
sem escrúpulo e que estavam validamente casados. Deo gratias...
Sexta-feira 2 de Julho: Disse Missa em casa. Papéis de casamento. Crismei
em casa 5 pessoas. Tinha eu resolvido ir ver as colônias da Nova Mântua so365
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
mente, mas me pediram também para ir às de S. João. O Vigário tem estado
de cama sofrendo de uma bronquite e não está bom e faz recear... O Cônego
sofre bastante de sua hérnia umbilical estrangulada, sobretudo de noite. Deus
me dê paciência!
[p. 364]
Nova Mântua e S. João
Sábado 3 de Julho: Disse Missa em casa. Os animais para nossa pequena
viagem não chegaram cedo, como se ajustara, e por isso só às 10 horas pudemos partir. O Sr. José Tognere me emprestou um animal manso e macio
e de boa marcha. Saí eu e os PP. Alves e Figueiredo somente; o Cônego e
Vigário e Pe. Rafael ficaram. O Pe. Marcelino saiu adiante e de pé, porque
apesar de seus 58 anos anda sempre a pé e depressa. Diz ele que assim não
tem que esperar por animais, nem ter que depender de empréstimos, nem
que despender com compra e sustento de animais. Daqui me acompanharam
os Srs. Tognere, Antônio Domingues (Subdelegado), Raimundo, e Augusto,
e depois o Delfino (figurão daqui) e alguns pajens. Passamos pela Fazenda
do Tognere, que é pertinho daqui, e é onde acaba de todo a navegação do
Benevente, porque dali para cima há cachoeiras; e não muito depois atravessamos o Crubixá, pequeno afluente do Benevente; e o fomos seguindo águas
acima largo espaço; e com 1 ½ de marcha chegamos a Nova Mântua, onde
nos demoramos bastante e comemos um pouco ou almoçamos segunda vez,
e depois de andar 1 hora chegamos a S. João, onde ficamos e passamos a
noite. A estrada passa por alguns montes, e algumas matas bonitas e frescas
e frondosas, mas na mor parte por terreno descampado, vales extensos e
largos. De um e outro lado da estrada encontramos cafezais pelos montes, e
a cada passo mais perto ou mais distante da estrada, pelo monte e ainda no
fundo de vales se veem as casas dos colonos, quase todas pequenas. Só uma
ou outra destas casas está caiada, e todas cobertas de tabuinhas. Todas em
geral são de construção diferente das que usam no Brasil. Parece [p. 365] que
os colonos estejam bem; certo é que alguns já têm dinheiro. Os primeiros colonos se estabeleceram no Rio Novo (perto de Itapemirim) e lá foi o primeiro
território colonial; e por isso se chamam 2º e 3º e 4º e 5º territórios os mais.
Estes territórios estão divididos em prazos iguais, que estão demarcados e
são vendidos por pouco aos colonos. Certos prazos têm nome comum e
assim se diz Nova Mântua, S. João etc. etc. De ordinário os da mesma Província Italiana estão juntos; mas entre eles há de outras Províncias, e também
366
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Brasileiros, e até há um ou outro de outras nações. Quem quer compra um
prazo. Já há uma ou outra Igreja; dizem que a de Todos os Santos é de pedra
e bonita; outras são de barro e grandezinhas (como a de S. João) outras são
pequetitas e mais casas ou Oratórios que Igrejas, como a de Nova Mântua.
Hoje destes Oratórios há bastantes; aqui se reúnem aos Domingos, rezam
Rosário, ouvem leituras piedosas, e se lê a Missa do dia, se ensina o Catecismo; e deste modo suprem a falta de Sacerdote, falta por demais sensível e
lamentável. Há um ou outro Cemitério, como por ex. em Nova Mântua, ao
passo que aqui em Alfredo Chaves não há. Não pude ver o de Nova Mântua
por não demorar a viagem, visto ficar fora da estrada que eu devia seguir.
Desde que entramos no território das colônias foram-se encontrando sinais
de festa e veneração. Onde se encontra a estrada da Colônia dos Tiroles[es]
encontramos muitos homens e mulheres e muitos meninos de joelhos, junto
a um arco; e nos deram muitos vivas e se benzeram. Agrade[c]i-lhes muito e
subimos para a colônia de Nova Mântua. Gostei de ver 2 Cruzes e em uma
delas velas acesas e em ambas algumas pessoas de mãos postas. Em quase
todos os prazos (que são vizinhos) havia palmitos fincados no chão, arcos de
folhas, coroas dependura[p. 366]das, inscrições com Viva ao Monsignore Vescovo, folhas pelo chão, às vezes bandeiras, cobertas e colchas ou lençóis pelas
janelas, e o que é curioso, em várias casas havia também quadros com registros de santos dependurados sobre as colchas. Pela estrada ou defronte das
casas, tiravam o chapéu, e se ajoelhavam e benziam-se. Tudo isto havia pela
estrada até S. João, sobretudo até Nova Mântua, que estava mais avisada que
S. João a que só ontem resolvi ir, chegando lá o portador pela meia-noite. Em
Nova Mântua já estava o Pe. Marcelino com o povo junto à Capelinha; mas
não apeei-me e fui coisa de 5 a 8 minutos a cavalo até a casa onde nos esperavam com o almoço. Apeamo-nos e lá nos demoramos bastante. Almoçamos
e o almoço foi com abundância e alguma variedade e muito asseio. Voltamos
a pé à Capelinha, onde cantaram as Ladainhas e eu depois disse em italiano
algumas palavras agradecendo e recomendando firmeza na fé e perseverança
na graça de Deus. Disse que tudo quanto eu havia visto pela estrada provava que não estavam descontentes do Bispo e que não estavam dispostos a
fazerem-se Protestantes; pelo que tinha mentido o tal jornaleco de Benevente. A Capelinha nada vale; são duas casinhas de tabuinhas, uma mais alta que
outra, e servem de capela-mor e Corpo da Igreja. Estava ar[ru]madazinha
e com flores e velas e quadros. Não é propriamente Capela mas serve para
rezas, terço etc. Tornamos a casa e pelas 4 horas da tarde montamos a cavalo
367
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com outros sujeitos do lugar. Aqui corre um pequeno afluente do Crubixá.
[p. 367] Em certa casa notei que toda a cerca da frente da casa estava coberta
com lençóis e pelas janelas colchas de cama. Mais adiante encontramos de
15 para 20 cavaleiros colonos, apeados tendo os cavalos pelas rédeas e de
joelhos com as cabeças descobertas; mas coisa engraçada, vinham todos em
manga de camisa! Ainda depois se ajuntaram outros; de sorte que chegamos
a S. João com um acompanhamento de cerca 50 cavaleiros. Passamos a vau
o rio S. João maior que o Crubixá, mas pequeno. O Sr. Antônio Domingues
disse que foi ele que deu o nome de S. João, por ter sido o rio descoberto na
Véspera de S. João penso que em 1872. Fazendo ele a medição de seu terreno deu neste rio, que antes não era conhecido. Pouco depois passamos por
grandes pedras esbranquiçadas que pareciam roladas de altos morros e logo
depois chegamos à Igreja de S. João, onde não entramos, indo apear-nos a
boa distância dali na casa que nos estava preparada: eram 5 horas da tarde.
Perto da Igreja havia seu arco enfeitado e duas filas só de homens grandes,
que me saudaram com vivas. Eu pensava encontrar mais gente, mas está
espalhada e todos não puderam ter aviso. A casa que nos coube é pequena,
coberta como todas as mais de tabuinhas: tem seu sobradinho, em parte do
qual está o café guardado. A mim coube um quarto embaixo e bastante baixo,
com duas camas, onde dormi eu e o Pe. Alves; para o Figueiredo aprontaram
uma outra cama em outro quarto fronteiro depois que nele jantamos. O meu
quarto estava no teto forrado de lençóis e pano novo branco, e nas paredes
dos mesmos e de dois xales novos, junto aos quais uma mesa [p. 368] com
um crucifixo e velas: tudo asseado. As duas camas estavam muito limpas e
cômodas, posto que modestas. Na cabeceira de cada leito havia um crucifixo
e um quadro e uma piazinha com água benta. Quando deitei-me dormi um
bom e agradável sono, que me soube bem. O jantar foi parco, e conosco
também comeu Pe. Marcelino e Tognere. Estranhei e fez-me certa repugnância ver na mesa duas bacias de rosto, uma com sopa seca de macarrão fino,
e outra com sopa de arroz. A mesa em Nova Mântua foi melhor. A gente da
casa parecia contente de nos servir.
S. João (e outra vez Alfredo Chaves)
Domingo 4 de Julho: Disse Missa em casa em altar feito e enfeitado no
quarto em que jantamos, por ser a Igreja bem longe. Fomos depois a pé para
a Igreja que é dedicada a S. João Batista. Eu a visitei: é baixa, não tem externamente nenhum enfeite nem sequer mínimo; só portas e janelas; mas está
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toda caiada, assoalhada e toda forrada de madeira cor de cedro não caiada; é
baixa e mais baixa a Capela-mor com seu largo altar à moda alemã, como o
teto da mesma Capela-mor. Não tem torre nem sino, mas tem coro e um púlpito perto do teto arredondado do corpo da Igreja e fica ao lado da epístola e
deste lado está um quarto que servirá talvez para guardar alguma coisa, sendo
que para Sacristia (se quiserem) há um bom espaço atrás do altar que fica despegado da parede. As janelas da Igreja têm alguns vidros de cores. Esta Igreja
não tem fora Cruz e castiçais e 2 toalhas de altar [p. 369] nada do preciso
para Missa. Pe. Alves benzeu a água e eu de Mitra e báculo benzi a Capela.
O povo respondia o Miserere em latim. Cantaram-se as Ladainhas; e depois
improvisou-se Missa cantada de 1 Padre, que foi o Pe. Marcelino, que cantou
a de S. João (orago) por ser assim facultado pelo Ritual. Eu assisti de murça.
Pe. Figueiredo celebrou depois, e em seguida o Pe. Alves, e neste tempo
rezaram muito depressa o Terço, e cantaram com boas vozes alguns versos
italianos, e o Pe. Figueiredo preparou água para o batismo. Depois preguei
em Italiano um longo sermão e disse além do mais o que o Pe. Marcelino me
recomendou. Agrade[c]i tudo o que me haviam feito, recomendei firmeza na
fé, fiz ver as mentiras do tal jornaleco, que dizia não haver Padre em Alfredo
Chaves (e ali estava Pe. Marcelino), estarem os colonos descontentes com o
Bispo e a mor parte dispostos a se fazerem Protestantes. Recomendei que
mostrassem todos os livros ao dito Padre; que ninguém deveria ler escritos
próprios em ar de sermão publicamente na Igreja; que os pais vigiassem
na educação dos filhos; e não permitissem namorações nem frequência de
certas reuniões; que evitassem litígios e fossem todos bem unidos. Depois
Pe. Marcelino disse algumas palavras e foi batizar 2 gêmeos pequeninos e
mais outra criança. Eu revesti-me e depois de 2 ou 3 palavras crismei nada
menos que 52 pessoas, quase tudo crianças. Ao sair e mesmo na Missa houve
alguns foguetes e tiros e ao passar me deram vivas. Devo notar que na porta lateral tinham colocado o quadro que antes estava em casa junto à mesa
de jantar com a seguinte inscrição [p. 370] La Colonia Italiana con entusiasmo
sincero tributa umili omaggi e ringraziamenti a Sua Ecc. Rev. Mons. Vescovo. Fomos
almoçar perto de 3 horas da tarde! E lá vieram as 2 bacias com comida,
que foi parca e modesta. Pelas 4 horas da tarde montamos a cavalo, e ainda
houve alguns vivas dos poucos que ainda não tinham voltado para seus lares
distantes. Depois de 20 minutos chegamos em um pequenino Oratório, que
na ida ficamos de ver agora. Apeei-me eu só, e disse uma Ave Maria apenas.
Dentro estava um homem e uma mulher com 3 meninas pequenas de joelhos
369
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com velas acesas entre as mãos postas. Por ser tarde não fui ver o Cemitério
de Nova Mântua nem a Capeleta dos Tiroleses, como eu havia prometido.
Chegamos a Alfredo Chaves às 6 ½ com rápida viagem, e ameaçava chover,
como choveu depois, mas pouco. O Pe. Marcelino chegou depois das 9 horas, vindo a pé e com chuvisco grosso.
Segunda-feira 5 de Julho (Alfredo Chaves): Não celebrei. Neste dia Pe.
Marcelino em carta e depois de boca me agradeceu o bem feito nesta Visita
e o exaltou e pediu-me para ser nomeado Vigário de Guararpari, como já me
havia pedido, e desejavam os daquela Freguesia. Tivemos larga conferência,
e fiz ver que agora não é prudente, e os daqui e os Colonos não gostariam
e atirariam toda culpa sobre mim. Ele não gostou muito. Bem vejo pelo que
me diz que ele está desgostoso e quer ficar mais sobre si sem dependência de
Vigários. Vejo mais que há por aqui certas embrulhadas mesmo da parte dos
Colonos exigentes, e que não podem uns, e não querem outros despender,
e querem muita coisa, que em país novo e sem Padre, nem [p. 371] Médico
nem escola não podem ter. Valha-me Deus com colônias! Algumas (e as tenho nesta Província e S. Catarina) até diante do Papa têm levado queixumes,
e por isso já veio para o Brasil certa circular do Eminente Cardeal Secretário
do Papa. Valha-me Deus com colonos e colônias, por melhores que sejam!
Terça-feira 6 de Julho: Disse Missa em casa. Ainda papéis de casamentos.
Um certo casal que viera ontem tornou hoje com uma testemunha para certas informações; como porém na rua houve certo sujeito que por gracejo
disse-lhes que era preciso pagar ao Vigário, lá se foram amancebados: e são
jovens de 22 ou 23 anos. Não querem pagar nada e nada e coisa nenhuma;
e se arrepiam com a menor soma que lhes lembra o Vigário. Alguns só têm
dado 2$ outros 5$ e outros nada. Em toda esta Visita e em outras também
tenho visto que são quase todos de mãos apertadas! Valha-nos Deus! Não
sei como os Vigários poderão viver, eles pobres, e em terras além de pobres
habitadas por gente de mãos fechadas! Vá uma para rir. Tirei do pescoço de
certo contraente de idade um patuá, e abrindo achei dentro uma oração manuscrita já desbotada pelo suor. Parece que é de S. Catarina. Nela se diz: minha
grande santa que na casa de Adão vós entrastes e achastes vinte mil homens dentro!! e vós
com vossas santas palavras vós abrandastes os corações de eles todos; assim [p. 372] quero que abrandeis os corações dos meus inimigos que não tenham boca para me falar, nem
braços para me alevantar nem pés para micaminhar. Os holhos serão furados a boca será
tapada os braços serão esquecidos os pés serão quebrados, que pela promitição de Jesus...
370
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e sua mãe SS. em nome do Padre etc. E que tal? Hein? E pensam ter no pescoço
um talismã infalível! Pobre gente. Vamos a outro ponto mais doloroso, e é
que o Vigário está muito gravemente enfermo, e já alguém suspeitou morte
breve! Valha-me Deus; ainda mais esta perda. Parece que desde a 1ª. vez de
Benevente apanhou uma boa constipação por aqueles altos do S. Martinho
onde reside, e que mal curada passou a uma tremenda bronquite. Está com
o rosto muito caído e não come, nem quer fumar, ele que é um Espanhol
que fuma 50 cigarros por dia... O remédio é encolher os ombros e beijar a
mão de Deus que me fere, tirando-me os poucos Padres que há, sobretudo
nesta Província. O Cônego Gouveia também mete pena pelo que sofre de
sua hérnia estrangulada. E assim assentamos em voltar amanhã. Pelas 4 horas fiz uma prática um pouco extensa, dando recomendações e conselhos e
repreensões e falei sobre a crisma e aí mesmo em casa crismei 48 pessoas. Reparti várias imagens do Coração de Jesus. Sagrei 2 cálices. De noite vieram 5
sujeitos, os mais graúdos visitar-me, agradecer a Visita etc. e... (era o ponto...)
apalpar-me sobre a aprovação canônica da Freguesia aqui. Depois de muito
falar, a conclusão foi que não tenho Padres, e por isso nada se pode fazer já
neste sentido, embora mui justo e até de necessidade.
Quarta-feira 7 de Julho: Faz hoje anos que em 1875 em Mariana morreu
meu Venerando D. Antônio Ferreira Viçoso que me conferiu tonsura e todas
as Ordens até o [p. 373] Episcopado. Homem deveras singular e digníssimo!
Fui à Igreja e lá celebrei por sua alma e dei comunhão a 13 pessoas, fazendo antes uma prática. Benzi todos os paramentos e corporais, e Custódia, e
mandei benzer as toalhas. Esta Igreja tem todo preciso para Missa, e 2 véus
de ombros e Cruz processional e Custódia, turíbulo e naveta, caldeirinha, e
a torre tem sinos pequenos. Antes da Missa tive que acabar os papéis começados ontem para se casar um homem cativo com uma livre amasiada com
filhos. O homem coitado teve de ir buscar a mulher longe, para não perder
a licença dada por seu senhor usufrutuário. Pe. Marcelino os casou e deu as
bênçãos na Missa depois da minha. Quando acabei minha Missa apareceram
os tais de quem falei ontem e que eu mandara chamar: disse o rapaz que se
tinham retirado os que tinham vindo com ele e ele ficara sem dinheiro, pelo
que se havia retirado! Oh! que gente. E tive de arranjar tudo. O Pe. Rafael
os confessou; e é ele que vale nestes apuros, ele que está acostumado em
visitas do Pará com o Sr. Bispo Macedo Costa e alhures. O casamento se
fez em um altar armado na casa do Pe. Marcelino, no qual tem celebrado
às vezes Pe. Rafael por privilégio dos Jesuítas, onde não celebrei, posto que
371
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preparado para mim. Em minha casa crismei 2 pessoas, das quais uma era a
casada nesse Oratório. À 1h 50’ rezamos o Itinerário e fomos para o lugar
do embarque, acompanhados pelo Pe. Marcelino e todos os poucos figurões
do lugar e alguns poucos. O Sr. Augusto filho do Quatinga há pouco aqui
casado com uma liberta mulata escura era o único que chorava e já o fazia
de muito. Estavam ali uns 5 ou 6 Italianos vindos para levar alguma coisa
que fora emprestada, e nos deram seus vivas. Embarcamos todos, inclusive
o Vigário por seu pé. E saímos rio abaixo, ao som dos [p. 374] sininhos que
repicavam. Nestas ocasiões sempre sinto um não sei quê lúgubre e melancólico na alma. Quando passamos adiante do Quatinga, e onde começam
terras do Sr. Augusto, ele lá estava à beira do rio, apeado, de chapéu na mão,
dizendo-nos adeus e chorando: coitado!! Pelo rio abaixo todos não tinham
tido notícia de nossa partida hoje; e por isso silêncio tristonho em toda parte,
e quase ninguém ou ninguém pelas janelas e portas nem na mesma povoação
do Jabaquara (os Padres notaram que estava capinado e limpo o chão em
roda da Capela). Assim mesmo em certa paragem antes uma preta aleijada
nos pediu esmola e a canoa chegou à praia para se lhe entregar a esmola. No
Picuã, estava parada uma das 2 canoas que levavam nossa bagagem e por isso
houve alvoroço quando passamos, e pediam para parar-nos pois queriam beijar o anel; mas para não perder tempo, pois partíramos tarde, não paramos.
No João Vieira perto do Feliciano atiraram alguns foguetes ao passarmos,
como no mesmo Feliciano onde foram em maior número. Desembarcamos
no porto da Fazenda chamada Sapitandiba do Sr. Feliciano Antunes às 6h 5’
da tarde com 4h ¼ de viagem. O sol tinha estado muito quente. O Vigário
veio deitado todo o tempo; o Cônego sofre da hérnia, o Pe. Alves vinha
amuado, e além do mais isto tudo contribuiu também para ser tristonha esta
viagem, que fora tão alegre na subida. Assim é tudo do mundo. No Alfredo
Chaves o Augusto confessou-se e casou-se e se mostrou sempre afeiçoado;
os mais figurões nos trataram bem e nos fizeram favores, mas todos não se
confessaram, e alguns aborreceram no casamento da tal Italiana; e mesmo
por causa da não criação da Freguesia; e por causa de certo não sei quê de
na[p. 375]cionalidades e exigências de colonos e etc. etc. certo é que Alfredo
Chaves não deixou grandes e profundas saudades em tudo, posto que muita
coisa boa houve e ficará em recordação afetuosa. Continuamos a viagem. No
porto estavam o Sr. Feliciano e outros e algumas senhoras com criancinhas
nos braços. Saltamos e todos me beijaram o anel. Admirei-me ver o Vigário
subir com desembaraço mas devagar o alto monte onde está a casa. Logo que
372
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saltei o Sr. Guido (de Benevente) aqui presente me entregou uma carta que
tinha ido por recomendação minha ao Capitão Souza no Cachoeiro e de lá
vinda ao Sr. Simão na Barra. Era do Sr. Bispo de Mariana em resposta a uma
em que lhe eu havia pedido faculdades para o caso de me achar em seu Bispado nesta Visita. A casa fica no alto, é de sobrado, não está forrada no teto
e entra vento frio pelas telhas. Há 12 anos que foi construída com madeira
forte e grossa, e é sólida, mas tudo tosco, e acanhado. Quando subimos não
foi nesta que paramos, mas em outra que fica em outro monte não longe. A
vista aqui é larga e espaçosa e aprazível. Lá está a cordilheira de Guarapari, e outras serras; lá está o conhecidíssimo Urubu!... Uma dilatada planície
estende-se em uma e outra margem do rio. Lá está alvejando a Igreja da Penha e as casas de S. Martinho sobre um extenso e bonito outeiro na Vila de
Benevente que fica escondida pelo mesmo morro... Perto da entrada tinham
espalhado algumas folhas. Entramos sem cerimônias. Infelizmente eu estava
já com minha enxaqueca, cabeça doendo-me e certa vontade de vomitar e
algum tanto moído da canoa. [p. 376] E por mal de pecados a casa toda sem
forro e tempo de frio e bastante que sentiu-se de noite.
Missas 18 por mim, das quais 1 em S. João; Comunhões depois que
cheg[amos] 793 (por mim 61), antes o Pe. Marcelino havia dado 753; Sermões 5 em Italiano (1 resumi depois em Português) dos quais 1 em S. João, 4
em Português; Práticas 7 em Português; Batismos 75 dos quais 3 em S. João;
Crismas 2741 dos quais 52 em S. João (houve um dia de 697, outro de 599);
Cálices sagr[ação] 2; Procissões 1 do SS. Sacramento; Missas cantadas 4 (em
Alfredo 3) e uma em S. João; Bênção de Igreja 1 em S. João; Casamentos 40,
um com despacho dado no Feliciano Antunes. Dos casamentos: 28 amancebados, 11 não amancebados, 1 a moça Italiana [que] fugiu do pai; 33 livres, 3
de escravos, 4 livres com escravos; 33 Brasileiros, 6 Italianos, 1 Italiana com
Brasileiro; não amancebados 12: 6 Italianos, 5 Brasileiros, Italiana [que] fugiu
do pai; 28 Brasileiros amancebados.81
[p. 377]
F a z e n d a S a p i ta n d i b a F a z e n d a d e F e l ici a n o A n t u n e s
(F r e g u e si a d e B e n e v e n t e )
Quinta-feira 8 de Julho (Julho 1886): Passamos todos a noite sem novidade. De manhã disse Missa em casa no altar portátil como é de privilégio dos
81
Todo esse parágrafo refere-se a Alfredo Chaves.
373
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Bispos. Para outros em Visita também tenho faculdade Apostólica mas não
disseram. Despachei o papel de um liberto para casar-se com uma escrava de
que tem filhos: apresentou-me licença do senhor que é usufrutuário da escrava, e o mesmo do escravo de ontem. Mandei autorização para o Pe. Marcelino em Alfredo Chaves, onde lhe é mais fácil levar a mulher. A noite esteve
fria, mas a tarde muito calmosa aqui em casa, apesar da viração. Aprontei
hoje os papéis de um casamento de amancebados. Soube estar nomeado
Vice-Presidente desta Província o Sr. Major Pinheiro dono da Fazenda do
Ouvidor onde estivemos indo para Cachoeiros.
Sexta-feira 9 de Julho: Só eu disse Missa e depois de uma prática dei a
comunhão a 11 pessoas e com pesar vi que talvez mais 7 ou 9 ficaram sem
recebê-la porque as partículas não chegaram apesar de se pôr mais do dobro dos que antes haviam pedido comunhão. Quem sabe se alguém vendo
comungar quisesse fazer o mesmo sem confissão? Já tem sucedido... Pobre
gente. Aprontei mais 2 papéis de casamento de amancebados. O Cônego fez
os 3 casamentos. Em casa três Padres levaram a confessar bastante tempo, e
eu crismei duas vezes e fiz mais duas práticas. Os Crismados foram 92 pessoas, sendo 10 da primeira vez. A casa que não é grande estava cheia. Já noite
veio outro par de mocinhos já amancebados. Já em Benevente e no Alfredo
Chaves o rapaz só me havia procurado.
Sábado 10 de Julho: Disse Missa e dei comunhão a 21 pessoas, fazendo antes prática. O Cônego fez um casamento de amancebados e o Pe. Alves disse
Missa que ouvi e nela deu as Bênçãos [p. 378] aos recém-casados hoje. Nesta
Missa rezei o terço com os presentes na sala. Houve confissões e duas vezes
crismei fazendo antes 2 práticas. Os Crismados foram 30, sendo 4 da 1ª vez.
Algumas curiosidades, e lá vão. Para não ficarem sempre de joelhos disse à
noiva que se assentasse e o noivo ficasse de pé; o meu noivo julgou que podia
fazer o mesmo que sua noiva e foi-se frescamente assentando. Reparti verônicas de S. Bento e algumas 3 ou 4 cartilhas a quem sabia ler e algumas orações mesmo a quem não sabia ler: então uma mulher pediu-me para eu benzer seu livrinhozinho: era o tal que começa havia uma mulher nas montanhas.
Aproveitei o ensejo para prevenir a gente contra tal supersticioso papelucho
e disse: olhe a bênção que dou... e rasguei-o e atirei-o ao chão e pisei-o e cuspi
e disse: façam o mesmo. Riam-se quase todos, e oxalá aproveitem a lição. Para
crismar-se apresentou-se uma moça pejada bem visivelmente. Então V. M. é
casada, perguntei e ela disse: não senhor... E anda com algum homem? Não
374
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senhor. Mas já tem filho? Já sim senhor. E V. M. se confessou? Sim senhor. E
há de continuar com o pai da criança? Não senhor. E se há de emendar? Sim
senhor, respondeu com certo ar de sincera. E pede perdão a Deus e a todos
do escândalo dado? Sim, senhor. Coitadinha... Julguei bastar isto e crismei-a.
Havia hoje como ontem crianças que queriam ser batizadas aqui, mas julguei
negar e disse que fossem a Benevente (que desta casa se vê a olho nu) e que
lá batizassem as crianças e as crismassem. Tive pena, mas é preciso dar ao
povo lição e fazer ver que só na Matriz é que se deve batizar. E bem podem
lá ir, pois é perto e se vai rio abaixo. Eu em Benevente já dei 300$ ao Vigário
para ajudar nas despesas de tratamento de tantos Padres vindos para Semana
Santa; e agora sabendo que apesar [p. 379] de certas bazófias de comissões,
o pobre Vigário é que tem aguentado com bastantes despesas (não todas)
assentei dever dar-lhe como dei hoje mais 500$000. Em Mariana o Bispo não
gasta em Visitas; eu porém em quase todas aqui e no Rio de Janeiro tenho
gastado e contos de réis. Paciência! Quisemos sair de tarde, e chegamos a
embarcar tudo com trabalho, porque da casa ao porto há um alto monte a
descer, mas caiu um forte pé de vento, que durou, e depois chuviscos e uma
chuva que correu água. Ora como sair, estando o Vigário doente, posto que
um pouco melhor hoje?... Assim assentou-se em ficar. Não obstante foi para
a Vila mesmo com chuva uma canoa grande com grande parte da bagagem.
Duas palavras sobre esta Fazenda. Chama-se Sapitandiba, como mais tarde
perguntamos e ouvimos do Sr. Feliciano. Há ali dois altos montes, e no cimo
de um está a casa térrea em que estivemos quando subimos para Alfredo
Chaves, e que o Sr. Feliciano tinha edificado para um seu cunhado, e onde
hoje mora a mãe do mesmo Sr. Feliciano. No cimo do outro monte, que fica
mais rio abaixo, e pouco separado do outro fica a casa de sobrado em que
agora ficamos, e onde ninguém mora. Daqui se vê a alta e extensa cordilheira
de Guarapari, que não fica muito longe, e outras cordilheiras, como paralelas
entre si, que vão para diferentes partes e mesmo para o Caco de Pote. Vê-se
perto o Urubu, e também o Monte Po[n]gal, e o Muriquioca, e longe o Agá.
Da casa se vê uma extensa e dilatada planície, e em grande parte mangue; e
cerca de um terço da periferia ao largo horizonte é orlado de altas serras. A
vista é aprazível. Da casa estive vendo a péssima e incerta divisa dos Municípios e Freguesias de Benevente e Guarapari, segundo a lei Provincial e que
ninguém sabe se [p. 380] ou quando aprovada pelo Ordinário. Tire-se uma
divisa do Maimbá para o Araquara e Curindiba e Caco de Pote até encontrar
o Quinto Território: mas como se determina essa linha? Pelo que todos di375
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
zem a linha passa muito pertinho da margem esquerda do rio Benevente, e
às vezes só uma nesga de poucas braças é de Benevente. Bem poderia servir
o rio Benevente de limite, e seria melhor, mas não senhor, porque ambas as
margens do rio Benevente hão de ser de Benevente. E assim da casa do Sr.
Feliciano este me esteve mostrando uma casa que lhe pertence e fica pertinho
do rio, e é de Guarapari e me disse que pertinho atrás da Capela de Jabaquara
corre a linha divisória. Me disse o mesmo Sr. Feliciano que o extenso brejo
que estávamos vendo perto quase servia de limite, sendo de lá terreno de
Guarapari, e de cá sendo de Benevente: assim fosse sempre, porque ninguém
faz casa no brejo, e ficariam separadas por ele as casas das duas Freguesias.
Todos sentem a irregularidade desta divisória, mas não se dá remédio, nem
sei como dar-se a não tomar-se o rio Benevente por limite, não em todo seu
curso, porque a mesma Matriz e Vila fica na margem esquerda mas bem
poderia ser do Maimbá rumo tal até cortar Araquara, e daí abaixo ao rio e
por este acima até Caco de Pote e 5º Território com expressa declaração de
ser todo este de Guarapari. Sinto não poder resolver o caso, e muito sinto.
E como serão os casamentos? Meu Deus, quanta confusão e sem meio fácil
de dissipá-la. O Sr. Feliciano é homem sério e religioso, e muito trabalhador
e nada deve. Os escravos pensam que não passam de dez. Tem lavoura de
cereais, e algodão, e alguma cana e algum café; e porcos e gado va[p. 381]
cum e perus e marrecos. Tem ainda a casa do engenho, mas vendeu as moendas. Em sua casa foram de passeio 2 Missionários dos que mandei a esta
Província.
Sapitantiba: 3 Missas só minhas; 32 Comunhões por mim (outros havia
para com[ungar?]; 6 práticas minhas; 122 pessoas Crismadas; 4 casamentos
amancebados sem impedimento.
Benevente (3ª vez)
Domingo 11 de Julho 1886: Pelas 5 horas ouvia-se o som da buzina, que era
um chifre, e assim dava-se aviso aos que haviam de vir remar e estavam nos
sítios vizinhos. Embarcou-se a parte da bagagem que tinha ficado e se havia
de novo recolhido, e todos e Vigário também, juntamente com o Sr. Feliciano descemos para o porto. Da outra casa desceram três pessoas que nos
cumprimentaram no porto. Entramos todos na canoa Desafio do Sr. Delfino
e a mesma que nos levou e trouxe de Alfredo Chaves: eram 6 ½ da manhã.
Viemos rio abaixo. Fazia frio úmido, o ar estava nublado, e não longe da Vila
soprava vento forte que levantava pequenas maretas no rio, e a maré enchia,
376
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e por isso em vez de 2 horas como diziam, gastamos 3 horas, chegando à
Vila pelas 9 ½. A viagem de volta foi tristonha, tendo sido tão aprazível para
cima. O nosso fiel Urubu nos acompanhou ora pela proa, ora pela popa, ora
pelos lados segundo as voltas do rio. Do Pongal para baixo as margens são
mangues, e por eles há alguns canais ou rios ou valas por onde entram os
que vão cortar lenha ou madeira. Pelo rio encontramos a canoa das cargas
de ontem que já voltava, e mais duas canoas, uma delas ia para Emboacica,
que fica à margem do rio Pongal, que nas cabeceiras, também se chama Itapororoma (coisa diferente do Pororoma de Alfredo Chaves). Rodeamos as
rochas [p. 382] e negros penedos entre os quais há muitas pitas e em cujo
cimo fica a Capela da Penha, e começamos a ouvir os sinos da Matriz. Tornei
a reparar que o antigo Colégio dos Jesuítas visto do rio está em boa posição
e parece edificado em outro monte, posto que não seja. De terra soltaram 2
ou 3 dúzias de foguetes e atracou a canoa não no Cais do Imperador, mas
defronte de um pequeno beco quase defronte da porta da casa de nossa residência, que é a mesma das outras vezes. Meia dúzia de meninos e uma ou
outra pessoa nos esperavam; mas por todos valia o Dr. Getúlio que ali estava
e chegado há pouco da Corte, donde trouxe a tão almejada e tão merecida
nomeação de Juiz de Direito desta Comarca de Iriritiba que compreende Benevente e Guarapari que é a cabeça da mesma Comarca. Cheguei com minha
enxaqueca que agora me visita com certa frequência, e armei altar em casa e
disse Missa ajudada pelo Cônego e ouvida pelo Vigário e Dr. Getúlio e meu
criado José. Cônego e Vigário por incômodos de saúde não celebraram, nem
Pe. Rafael por ter bebido água no rio por esquecimento. Os PP. Figueiredo e
Alves foram celebrar na Matriz e só 5 ou 6 pessoas as ouviram!!! Tive notícia
que alguma coisa já está feita na cela do Pe. Anchieta. Em casa crismei 1
criança aqui batizada pelo Pe. Figueiredo.
Segunda-feira 12 Julho: Disse Missa em casa. Mais tarde fiz uma comprida
prática em casa e crismei 9 pessoas. Vi hoje um bilhete reservado que no momento do embarque em Alfredo82 o Sr. João Fermo de Marques entregou ao
Cônego Gouveia. Este Fermo mora em Todos os Santos no 5º Território, e
tinha vindo para servir de Sacristão-mor em Alfredo, e no [p. 383] embarque me beijou a mão com todo o afeto pedindo-me para não me esquecer
dos Senhores Colonos. No bilhete dizia que os Colonos pensaram haver
de encontrar mais proteção no Bispo, mas fora o contrário; e que se o Pe.
82
Alfredo Chaves.
377
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Marcelino por conta da incerteza retirar-se, eles reclamarão em Roma para serem
independentes do Bispado de S. Sebastião e lançados diretamente sufragâneos a
Roma mesmo com grande desonra do nosso atual Bispo. E que tal o meu Doutor Sacristão? Querem, diz ele, um assistente espiritual na Colônia e especialmente em Todos
os Santos... Deus me dê paciência com tais Colonos... querem todo seu cômodo... Há Vigário da Freguesia, e nas Colônias há o Pe. Marcelino... e não estão
contentes... E todo Rio Doce sem Padre, e Riacho, e Vilas de Nova Almeida
e de S. Cruz, e tudo isso entregue a um só Padre, o bom Pe. Casella da Cidade
da Serra... e não há estradas... e é preciso viajar dias inteiros pelo caudaloso e
solitário Rio Doce... Ora tais Colonos vão bugiar, como se diz vulgarmente.
Os Colonos daqui e de alhures às vezes já se têm tirado de seus cuidados e
feito queixas à própria Roma... Razão acho do Cotegipe Presidente do Ministério atual quando disse a Parlamento pouco há que os Colonos querem
fazer o que bem lhes parece... E o Pe. Marcelino é bom, mas um grande atrapalhão... O que querem segundo dão a entender clarissime, é ficarem isentos
do Vigário, e terem seu Vigário et quidem Italiano a seu jeito... E é o que não
pode ser... Ora vão plantar batatas... Agradeçam ter 2 Padres, o que não será
sempre decerto em razão das condições do Brasil. Hoje veio em rede para
aqui um velho muito velho Capitão Manoel Ferreira pai do que aqui morreu
da queda do cavalo e que esteve na casa do Feliciano Antunes donde vim ontem. O pobre velho [p. 384] levou uma queda, da qual ficou logo paralítico
das pernas. O Pe. Rafael foi confessá-lo. O Vigário vai melhorzinho e pelo
que diz o Médico Dr. Miranda o caso não é de perigo, o que muito estimei.
Deus o conserve e não me tire mais este Padre.
Terça-feira 13 de Junho:83 Fui à Matriz ouvir Missa do Pe. Figueiredo. Vi
os trabalhos da cela de Anchieta. Fizeram uma varanda com sua balaustrada
e telhado no mesmo lugar da antiga; puseram alguns barrotes novos, e novo
assoalho, fizeram portadas para janela e porta; rebocaram e caiaram as paredes de dentro; abriram a antiga porta que comunicava da varanda para a
Sacristia; e estão rebocando as paredes de fora. Pretendem, como aconselhei
fazerem ali um pequeno altar, ficando assim convertida em Capelinha a antiga cela em que morreu o Venerável Servo de Deus Pe. José de Anchieta. Já
falta porém o dinheiro, mas há esperança de obter mais algum. Depois do
jantar, lá pelas 4 ½ ou 5 fui visitar o bom Dr. Getúlio há pouco nomeado
83
Erro do bispo nesta data e na seguinte, quando na verdade trata-se do mês de
julho.
378
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Juiz de Direito desta Comarca, ao qual ontem deram aqui e bem perto de nós
um baile. Neste dia recebi carta do Pe. Marcelino. Agradece-me haver-lhe eu
prorrogado as Provisões que tinha para pregar, confessar e pregar, e sem advertir na contradição diz agora que essa graça era bastevolissima para assicurare
il Sacerdote ai Coloni. Pois se há de ser, já foi e era, porque nada houve senão
prorrogar o que havia. Repete depois o que mil vezes disse; e eu respondi-lhe repetindo o que mil vezes já lhe disse. Recebi uma felicitação assinada
por 7 Colonos, ou antes uma mensagem de agradecimento pela Visita. Recebi outra assinada por 10 Colonos (alguns já assinados na outra). Também
agradecem, mas sempre acrescentam que há uma graça a pedir, qual a de
terem um Padre Italiano para fazer o que um Vigário não pode por motivo
de distância [p. 385] e diversidade de língua. Eis o ponto desta gente, ou de
uma porção deles. Deus me dê paciência com esta gente colona! Não gosto
de colônias nem colonizações, porque têm suas pretensões, e com razão, mas
que no Brasil não se podem satisfazer. O mesmo Pe. Marcelino na dita carta
repete que deseja ir a Itália para voltar de lá com Padres para estas Colônias.
Os Brasileiros de Alfredo Chaves queriam e querem Freguesia lá, mas pelo
que certos Colonos dizem, um Vigário Brasileiro não satisfaria a mor parte
da Freguesia (se fosse criada), pois é quase toda habitada por Colonos. Deus
me dê paciência com tais homens. Já se vê que por ali há uma boa embrulhada, que não é fácil acomodar.
Quarta-feira 14 de Junho: Disse Missa em casa, e mais tarde depois de uma
prática crismei mesmo em casa 22 pessoas. Vim aqui pensando que a gente
de Piúma (distante menos de 3 léguas) viria aqui, já que eu estava resolvido a
lá não ir, por saber que são pobres, e não podem com despesas. Assim pois
têm-se mandado diferentes avisos que venham, mas nada... E também querem Freguesia lá!!! Dizem todos que o lugar é muito pobre, posto que alguns
há que podem passar. Quis hoje pregar na Matriz e anunciou-se sermão, mas
a chuva obstou.
Quinta-feira 15 de Julho: Neste dia se celebra a festa dos Beatos Mártires
do Brasil Inácio de Azevedo e seus 39 companheiros, festa que a meu pedido a Santa Sé concedeu para este Bispado com rito de 2ª classe. Este Beato
Inácio foi amigo e companheiro de Anchieta e com ele navegou estes mares
e as missões Jesuítas do Brasil e por isto esteve nesta Província e quase certo
é que esteve na Aldeia de Reritiba, ao menos de passagem. Assentei em fazer
alguma coisa, e [p. 386] foi a seguinte: A cela de Anchieta por dentro está
379
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
restaurada, e assim benzi-a com a bênção loci do Ritual. Depois o Pe. Jesuíta
Rafael celebrou Missa dos 40 Mártires em altar portátil, para o que tem privilégio, e eu assisti de roquete e murça, e mais cerca de 20 pessoas. Depois
fiz ver a relação do Mártir Inácio Azevedo e Anchieta, lembrei que Anchieta
não está canonizado nem beatificado, mas é apenas Venerável Servo de Deus,
e não pode ter culto nem Missa, nem imagem posta na Igreja etc. Fiz saber
que a tal imagem aqui descoberta é de S. Lourenço e não do Pe. Anchieta;
lembrei que seria bom pedir a Deus graças em nome de Anchieta, a ver se
há algum milagre que sirva para a beatificação... Veja adiante as medidas da
cela de Anchieta. Depois celebrei no altar-mor da Matriz, dei comunhão a 4
pessoas; fiz uma pequena prática e crismei 6 pessoas. Depois saiu o Viático
para o Capitão Ferreira, e foi debaixo da umbela, levado pelo Pe. Figueiredo
assistido pelo Pe. Alves. Eu acompanhei atrás. Ao lado iam 2 praças saídas
da Casa da Câmara e prisão que estão ao lado da Matriz. Algumas pessoas
acompanharam e gostei quando soube que todos os meninos da escola foram
seguindo Nosso Senhor logo que o viram passar. Não se cantou o Bendito. Se
não fosse terem dito que o enfermo perigava, teria havido mais tempo para
talvez ir mais gente e cantar-se... se é que pudessem aparecer e cantar, o que
aqui de dia não é mui fácil. O Pe. Figueiredo deu também a Extrema Unção e
eu mesmo dei a Indulgência plenária. O bom velho estava na mais completa
veriguação... era bom homem e ainda há pouco tempo se havia confessado
com o Vigário, seu confessor ordinário. Tinha alguma fortuna.
Sexta-feira 16 de Julho: Na Matriz sagrei treze (13) pedras d’ara daqui e
de Guarapari e duas minhas, o que levou tempo; depois celebrei sobre uma
delas como diz o Pontifical, e crismei 5 pessoas fazendo antes uma pequena
prática. Hoje certo [p. 387] sujeito de Piúma, mas aqui morador apresentou-me um abaixo assinado de 24 de Abril deste ano (foi Sábado de Aleluia) em
que os de Piúma me pediam a instituição canônica da Freguesia que nesse
lugar criou a Assembleia Provincial. Disse ao Procurador que não podia ser,
porque não tenho Padres. E que fazer ali a Freguesia, se Benevente está perto? E como viver ali um Padre onde a pobreza é tanta e não há recursos. Ora
tenham paciência. Os de Piúma não se dão muito com os [de] Benevente e
entra partido no meio... lá mais liberais, e em Benevente mais conservadores.
O pior é que lá não posso ir, porque não podem fazer despesas em me tratar;
e a gente não vem cá, apesar de se lhe mandar diferentes avisos e convites. E
a distância não chega a 3 léguas... Agora soube de uma engraçada. Quando
vim da Barra para aqui parei em Piúma, e houve muitas bandeiras, palmeiras,
380
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bombões e foguetes e alvoroço... Tinham havido muitas promessas de coadjuvação e houve quem carregasse com a mor parte da despesa... feita a festa,
e as despesas, nem todos contribuíram, e quem pagou o patão foi o que pôs-se mais à testa dos festejos. Agora gato escaldado tem medo d’água fria – e
assim ele e outro que mais podem têm medo de carregarem com o peso de
me receberem... E assim nem ao menos por cerimônia não me têm convidado nem para um dia nem para passar por ali no regresso... assim até agora.
Sábado 17 de Julho: Disse Missa na Matriz, e crismei depois 3 pessoas. Apareceram amancebados para se casarem. De noite preguei na Matriz; anunciei
o Jubileu deste ano concedido por Leão XIII e expliquei sua natureza e condições: e gastei nisto perto de duas horas.
[p. 388] Domingo 18 Julho: Cedo o Pe. Figueiredo levou o SS. a um enfermo não por Viático, mas por não poder ir à Igreja. Eu na Matriz celebrei
e dei comunhão a 11 pessoas, algumas por causa do Jubileu. De tarde saiu a
Irmandade de S. Benedito em procissão levando os andores desse Santo e de
N. S. do Rosário. O Pe. Alves levava a Imagem do Crucificado, e eu assistido
do Pe. Figueiredo acompanhamos e bastante gente. Fomos cantando o Terço
e fizeram as visitas da Capela da Penha e da Matriz com as respectivas preces,
e depois um pequeno giro por parte da Vila descendo pela ladeira do Canto
da Praia e subindo pela que leva à frente da Matriz. Saiu com dia, mas já tarde
de sorte que findou com escuro, e poucas luzes havia nem o vento as deixava.
Cantava-se o terço pelo caminho, mas ou por vergonha ou não sei quê não
eram muitos os que cantavam. Em Guarapari foi a coisa melhor. Antes da Procissão eu do púlpito expliquei o porquê da Procissão, e para saber-se que com
a Visita das 2 Igrejas processionalmente com a Irmandade ficavam satisfeitas
as 6 visitas; entrada a Procissão preguei um longo sermão sobre Indulgência e
Jubileu, e o Pe. Figueiredo deu a Bênção com o SS. Sacramento. Neste dia de
uma vez na Matriz crismei 9 pessoas e em casa 1 outra.
Segunda-feira 19 de Julho: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a 10 pessoas, e depois crismei 6. Morreu o Capitão Ferreira que parecia ir melhor. Apareceu a infeliz D. Quitéria amancebada com o Paca. Veio falar-me para batizar
a filhinha Urânia de 7 anos. Eu falei o que e como devia. Examinei a Urânia em
doutrina; sabia o essencialíssimo, acrescentei mais alguma coisa. Pobre menina!
É preciso aproveitar a maré da boa disposição da mãe, a ausência do pai e minha estada aqui. A menina [p. 389] deseja o Batismo. Eu queria que o batismo
fosse hoje, mas o diabo amedrontou a mãe, que desconfiava que o Paca chega381
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
ria hoje pelo vapor (não veio porém) e lá ficou adiado o batismo. Hoje depois
da Missa medi o interior da cela do Pe. Anchieta, e achei do lado da Matriz 5
metros 14 e do lado da porta 5m 58. E de altura até as traves 2m 51.
Terça-feira 20 de Julho: Disse Missa na Matriz, dei comunhão a 8 pessoas e
crismei 1 pessoa e depois em casa mais 3. Hoje foi enterrar-se o Capitão Ferreira; assistiram os meus Padres (não o Vigário que está convalescente) e houve
Missa de corpo presente pelo Pe. Figueiredo. Mandei grande expediente para a
Corte pelo vapor que chegou de noite; e mandei pedir o vaporzinho ao Simão
para retirar-me.
Quarta-feira 21 Julho: Disse Missa na Matriz. Mandei vir a Urânia com a
mãe, e tornei a fazer uma pequena preparação para o batismo da menina, e
graças a Deus foi batizada pelo Pe. Alves, e depois crismada por mim em
casa, sendo madrinha de crisma a boa senhora do bom Dr. Getúlio, Juiz de
Direito. O tal Paca de nada sabe. Hoje se fizeram eleições aqui para 2 vereadores: veio gente do Alfredo Chaves e me visitaram alguns; veio gente de
Piúma e ninguém visitou-me nem veio perguntar-me se eu lá ia ou não... que
tal!...
Quinta-feira 22 Julho: Disse Missa na Matriz e crismei 3 pessoas, e mais
tarde em casa crismei outras 5 pessoas com prática antes. Hoje uma Negra
Cabinda forra me pediu para servir de Madrinha, avisando porém que nunca lhe ensinaram Doutrina. Examinado o caso, assentei que terá sido nulo
o batismo que lhe deram sendo ela já grandinha sem saber nada do que
para que era o batismo. Hoje apareceram batizados e crismas e 1 casamento:
valha-me Deus em vésperas de viagem. Hoje tomei muitas notas do 1º livro
mais antigo de Guarapari, e só aqui pude concluir a revisão de todos os dessa
Freguesia. A terra aqui é farta de peixe alimentação ordinária da Vila; e agora
é tempo de tainhas. Hoje recebi algumas de presente. Outros presentes tenho
recebido por vezes e de diferentes. Perto desta casa está um bom velho de
76 anos cego desde muito e bastante surdo: tem-me muitas vezes mandado
figos. Hoje me visitou. É entendido de medicina e mais de 40 anos tem de
prática: é o Sr. Gonçalves.
[p. 390] Sexta-feira 23 de Julho: Disse Missa na Matriz e dei comunhão a
3 pessoas, fazendo antes uma prática, e depois crismei 3 pessoas. Chegou o
Vaporzinho com o Sr. Simão, e Custódio, e Alexandrino e alguns outros de
Itapemirim. Veio a música da Barra do Sr. Simão, toda fardada em grande
uniforme com suas 2 bandeiras azuis ou estandartes da Banda e de Nossa
382
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Sra. dos Milagres. Eu acabava a Missa quando chegaram. Tinham ido à casa
de minha residência e não me achando subiram pela ladeira de trás e se postaram na porta da Matriz onde tocaram e me saudaram ao passar, e vieram
acompanhando-me pela ladeira da frente até a casa, defronte da qual ainda
tocaram um pouco. A banda de música daqui foi receber a da Barra quando
esta chegou. Saudações de Colegas e amigos. Passei hoje Provisão de Pia
Batismal por sete anos, uma para Piúma, e outra para S. João Batista do 4º
Território onde estive há pouco em razão da distância e a pedido do Vigário.
A de Piúma eu queria conceder desde que por lá passei, a de S. João quis
conceder lá, mas o Pe. Marcelino mostrou não aprovar, mas o Vigário André
tem pedido, e parece justo em razão da distância ao mesmo Alfredo Chaves
e muito mais à Matriz desta Vila. A banda de música da Barra andou percorrendo ruas da Vila penso que em saudação à terra, e não faltaram foguetes.
Em casa crismei mais 4 pessoas. Entrada a noite fui pregar como tinha anunciado de manhã. Houve muita gente de todas as classes no sermão. O texto
foi aquele de S. Paulo quando de Mileto teve de partir para Éfeso: Vos scitis a
prima die qua ingressus sum... quomodo nihil subtraxerim utilium quo minus... docerem
vos... testificans in Deum paenitentiam et fidem in Dominum Nostrum Jesum Christum.
Resumi os trabalhos feitos, fiz recomendações sobretudo aos pais e senhores,
e agradeci ao povo as demonstrações de afeto e aludindo a certo artiguinho
malicioso saído na folha daqui que dizia que o povo há muito que fazia justiça aos Padres, e que bem os conhecia (isto por ocasião do casamento de
que falei na visita de Guarapari) agradeci a justiça que o povo tinha e estava
fazendo ao Bispo e Padres, pelo concurso, reverência, afeto que mostravam.
O dono da folha eu soube que estava presente, mas não foi ele quem escreveu. Repetiram-me que muitos assinantes têm largado a folha, desde que
nela tinham começado a sair certos artiguinhos. Bem feito... Quase todo o
sermão foi assistido pela banda da Barra. Antes e depois do sermão se cantou
o Bendito. Ao sair muito beija-mão afetuoso e vi gente a chorar. Povo e música
me acompanharam até a casa, onde muitas famílias vieram cumprimentar-me
e aos Padres e Cônego. O Dr. Getúlio veio cheio de saudades despedir-se.
Também a Urânia (sem a pobre mãe) veio despedir-se. Foi pena faltar-me
tempo para fazer visitas; mas que quer? No fim do sermão abençoei ao povo
e ainda o faço agora agradecido e (não nego) saudoso... Coitados!
[p. 391] Sábado 24 de Julho: Pelas 5 e meia da madrugada fui à Matriz e
disse Missa, e se embarcou nossa bagagem. Bastante gente ouviu Missa e
ainda foram a nossa casa e acompanharam depois ao embarque. Despedi383
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
-me do Vigário que ficou saudoso. Não quis sair sem entrar na casa do Sr.
Augusto de Souza Português, nosso vizinho e dono das 2 casas unidas em
que morávamos, e que promoveu a restauração da cela de Anchieta, e lá
agradeci-lhe todos os seus muitos favores. Quase ao embarcar, meu Compadre Comendador Albino em voz alta agradeceu-me e louvou-me pelo feito
na Visita e deu vivas à Religião Católica Apostólica Romana e a mim; houve
outro que em poucas palavras agradeceu o que na Visita eu tinha feito e falou em minha afabilidade e lhaneza etc. etc. e deu vivas que responderam e
eu comovido (desde a Missa) apenas disse: agradeço, agradeço. Eu de bordo
saudei Dr. Getúlio que veio ao vapor cumprimentar-me. E eu vendo na praia
Dr. Heliodoro e família, saudei-o também de bordo. A música da Barra tinha
vindo a tocar desde perto de casa e o fez na praia enquanto nos embarcávamos – eu, Cônego, os 3 Padres, o bom Sr. Simão, e sócio Custódio, e Bacelar,
e Teixeira (negociantes de Itapemirim Vila), com Alexandrino (o grande conhecedor destes mares e comandante do vapor) com mulher e alguns filhos
e outros Senhores – e a banda de música. Do tombadilho do pequeno vapor
abençoei a toda aquela gente, que ainda desceu um pouco rio abaixo a seguir-nos. Repicavam os sinos da Matriz. E adeus Benevente, adeus. Eram 7 horas
da manhã quando saímos barra fora. Outra vez adeus Benevente. Confesso
que senti-me comovido e saudoso e os olhos encheram-se de lágrimas. Poucos minutos depois passávamos a pequena ponta Quitiba e depois passamos
defronte da enseada de Ponta Grossa, onde às vezes fundeiam os vapores
quando o mar está levantado. Às 8h ¼ passávamos defronte mas longe das
3 ilhas da entrada da barra do Piúma. Tínhamos defronte o monte Agá que
para quem vem do Norte parece desde a Ponta dos Castelhanos um grande
triângulo isolado de outros montes e levantado sobre a praia, mas que apenas
passado apresenta a figura de um grande trapézio. Atrás deixamos o amigo
Urubu, que tantas vezes e há tanto tempo vimos desde nossa chegada 1ª a
Benevente, e ao longe vimos o Frade e Freira e o dedo de pedra ou chaminé
chamada Itabira perto dos Cachoeiros: tudo já nossos conhecidos velhos... À
direita se estendia em arco desde a Itaipaba84 e sobretudo desde a ponta da
Itaoca a comprida fita de areia que orla a costa até a Barra do Itapemirim e
é a chamada praia do Piabanha. Antes a costa é um costão de negra penedia.
Nossa viagem foi um pouco retardada pelo vento que soprava das bandas
do sul para onde navegávamos... Pelas 9 ½ chegamos à ilha do Francês onde
84
Itaipava.
384
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
está o farol, quase toda sobre costão de penedia enegrecida pelos ventos e
mares... Aqui uma canoa veio trazer uma senhora sogra do Sr. Alexandrino,
a qual subiu para nosso vapor. Cada vez mais e melhor se iam vendo as casas
da Barra, e pelas 11 via-se gente no trapiche do Sr. Simão e bandeiras, e se
ouviam os foguetes, que eram respondidos de nosso vapor, e enfim entramos
pela barra do Itapemirim: eram 11h e 15 minutos. Vai começar novo período
da Visita Episcopal!... Deus nos valha como até aqui. Amém, amém.
Benevente 3ª vez: 17 Batizados; 13 Missas minhas; 36 Comunhões por mim;
3 Sermões (e 6 práticas); 1 Procissão Jubileu; 1 Viático; 1 SS. a enfermo sem
Viático; 82 pessoas crismadas; 4 casamentos: 3 amancebados sem dispensa,
1 não amancebado sem dispensa.
[p. 392]
NOTAS
D. Pedro Bispo de S. Sebastião do Rio de Janeiro / Aos que esta Provisão lerem saudações em Nosso Senhor Jesus Cristo / Julgando atendíveis as razões
que nos foram apresentadas e querendo fazer especial mercê, concedemos
pelo poder ordinário e extraordinário que temos que na Capela da Imaculada Conceição de Alfredo Chaves da Comarca Eclesiástica de Itapemirim da
Província do Espírito Santo deste nosso Bispado se possa levantar e conservar Pia Batismal, quer em favor de Fiéis deste nosso Bispado quer de
Colonos daquelas localidades que tão longe moram da Matriz. Nessa Pia o
Sacramento do Batismo poderá ser administrado pelo próprio Vigário a que
pertencer esse território, e por qualquer Sacerdote de licença dele ou do Rdo.
Vigário da Vara da dita Comarca, salvos sempre os direitos Paroquiais. Na
administração do Batismo se fará uso do Ritual Romano de Paulo V e não de
outro, ainda que tenha estado em uso neste Bispado; e os assentamentos dos
Batismos serão lançados no livro respectivo da Matriz. Recomendo o quadro
de S. João Batista. Esta Provisão se conservará patente e afixada junto à Pia
Batismal e terá vigor pelo tempo de 7 anos, findos os quais não valerá sem
nova concessão. O Rdo. Vigário da Freguesia porá nesta seu Visto e quando
ser possa o mesmo fará o Rdo. Vigário da Vara da Comarca Eclesiástica de
Itapemirim, sem que porém possam obstar a sua execução, se forem observadas suas cláusulas. Rio de Janeiro 19 de Agosto de 1885. Pelos poderes
ordinários e extraordinários que temos. Pedro Bispo de São Sebastião do Rio
de Janeiro / Tem os 2 vistos.
385
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho de 1886
[p. 393]
Colônias
Todos os Santos Sacrato Cuore Jesus (acabada) a melhor 5º. Território; S.
José do Tirol tijolo acabada (5º. Território); S. João Batista 4º. Território;
Alfredo Chaves
Capitelli: S. José 2º. Território; S. José Tirol 4º. Território; Nossa Senhora
das Dores 4º. Território Nova Mântua; S. Ubaldo. Rodeio 3º. Território; S.
Francisco Assis. Nova Virgínia 3º. Território; S. João Apóstolo 4º. Território;
S. Antônio Pádua. Vale Virgínia 3º. Território; S. Zenone Vescove Verona
Venezuela 1º. Território; S. Antônio Pádua 1º. Território (Matriz); S. Antônio
Pádua Núcleo Castelo Sessione Matilde; S. Maria Madalena Penitente Núcleo
Castelo Sessione Matilde; S. Isidoro Agrícola Núcleo Castelo Sessione Carolina; S. Francisco Assis Núcleo Castelo Sessione Alexandrina (grandezinha);
S. João Batista Núcleo Castelo Sessione Alexandrina (pouco vale); S. André
Apóstolo Colônia de Iriritimirim; Sagrado Coração de Maria de Colônia Batatal; S. Úrsula Território 5º. Sessione Independência (pouco vale); S. Uomo
Buono Território 4º.
Cemitérios: Todos os Santos. Belo. 5º. Território; São José Tirol. Território
5º.; Independência. Território 5º.; Cemitério de [...] Território 2º. O melhor e
mais importante; Nova Mântua. Território 4º.; Nova Virgínia. Território 3º.;
Vale Virgínia. Território 3º.; Cemitério (belo) Núcleo Castelo. Sessione Matilde; Cemitério (muito bom) Sessione Alexandrina; Cemitério (muito bom)
Sessione Carolina; Cemitério pequeno bom Batatal; Cemitério bom colônia
Iriritimirim; Cemitério S. Joaquim muito bom. Território 4º.; Todos bons,
com parte separada para hereges.
[p. 394]
Limites do Município a Guarapari
Lei n. 6 sancionada por Manoel da Silva Mafra Presidente da Província. Dada
a 24 de Dezembro de 1878. / Art. 1 O município de Guarapari dividir-se-á
com o de Benevente pela Lagoa de Maimbá, Araquara, Corindiba, Cabeça
Quebrada, Caco de Pote até o quinto território da Colônia do Rio Novo, ficando todos estes lugares sujeitos a jurisdição das autoridades de Guarapari.
/ Art. 2 Com o Município da Vila do Espírito Santo no litoral pelo Riacho –
Ribeirão Doce em linha reta ao morro de Itaúnas, pertencendo o lado Norte
386
Volume 2 - 14 de fevereiro a 24 de julho 1886
a Viana e o lado Sul a Guarapari. /Art. 3 Ficam revogadas etc.
[p. I] Gostei do seguinte assento antigo de Guaraparim: Aos dezesseis dias
de Fevereiro de mil etc. (1756) nesta Igreja Matriz de... precedendo as denunciações na forma do Concílio Tridentino e constituições de que não resultou
impedimento algum e com licença do R. Vigário da Vara desta Comarca se
receberam de manhã por palavra de presente e em minha presença N natural
da Freguesia da Cidade de Segóvia Reinos de Castela nas Espanhas filho legítimo de N e de N com Amatildes natural e moradora nesta Freguesia filha legítima de N e de N a que assistiram presentes por testemunhas N e N ambos
casados e assistentes nesta Freguesia e lhes dei as Bênçãos de que fiz este
assento era ut supra – N – Vigário – N – N (testemunhas). – Em outro assentamento quase semelhante se diz quase no fim: Ambos os contraentes naturais e batizados na Freguesia da Vitória e aqui (Guarapari) assistentes há mais
de oito meses. Em outro: Aos... de... de... nesta Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição da Vila de Guaraparim precedendo-se as denunciações
na forma do Concílio Tridentino de que resultou o impedimento de... e purgado este impedimento e dispensado pelo Rdo. ... Juiz Comissáro nesta parte
do Ex. R. Sr. Bispo e satisfeitas as penitências que lhes foram impostas com
licença do mesmo Rdo. Juiz Comissário sem se descobrir outro algum impedimento na presença de mim N Vigário Colado nesta Igreja e das testemunhas N homem casado e N casado pessoas de mim conhecidas e desta Freguesia se receberam de manhã por palavras de presente N viúvo que ficou
com Isabel... filha legítima de N e de sua mulher N filha legítima de N e de
sua mulher N já defunta ambos naturais e moradores desta Freguesia e logo
lhe dei as bênçãos na forma da Igreja de que fiz este termo que assinaram as
testemunhas. Dia mês e ano supra. Assinatura de N, Vigário e 2 testemunhas.
[p. II] No ano de 1759 apareceu uma porção de casamentos de escravos do
Cônego Antônio de Siqueira Quental na mesma Fazenda do Rosário feitos
com permissão do Vigário. Há dispensa dada pelo mesmo Cônego até de
consanguinidade em segundo grau (sem dizer se igual) por comissão que tem
para isso do Exmo. Revmo. Bispo. – A 15 Outubro 1759 dois escravos crioulo e Angola foram dispensados de afinidade ilícita (sem dizer grau), mas duvidosa, dispensados pelo próprio Vigário Antônio Esteves em razão dos poderes
que me foram concedidos por S. Exa. Revma. – A 21 do mês de Agosto de 1759 na
Igreja Matriz da Freguesia da Reritiba precedendo as denunciações (sem impedimento) e com licença do Rdo. Vigário da Vara desta Capitania e também
licença minha na presença do Rdo. Antônio Teixeira Cardoso Vigário da sobre387
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dita Freguesia e de N e N receberam o Capitão Manoel Álvares Gomes (Português) assistente nesta Freguesia (de Guaraparim) com Maria da Conceição
natural e moradora nesta Freguesia (de Guaraparim). – Seguem-se três casamentos feitos pelo pio Pároco (como se assina) Pe. Manoel de Matos de licença do Rdo. Pároco ex causa (com pregões corridos). Os 3 casamentos são de
5 Novembro 1759 – de 7 de Fevereiro de 1760 – e 16 do mesmo Fevereiro.
– Aos 7 de Abril de 1760 (em Guarapari) em presença de mim Antônio Esteves Ribeira Vigário Colado nesta Igreja e Visitador atual desta Visita do
Norte. – A 16 de Junho 1760 o mesmo Rdo. dispensou em afinidade de cópula lícita em segundo grau a 1 escravo com Índia forra (não disse se igual)
pelos poderes que tenho como Visitador atual de S. Exa. Revma. – A 24 do
mesmo mês ele dispensou afinidade ilícita em 2 grau de linha transversal a
José filho legítimo de N e N com parda escrava... batizada no Rio Doce aqui
(Guarapari) assistente. – A 8 de Setembro 1760 casou na Matriz de Guarapari João de Barros Gavião com Maria Nunes de Souza viúva do Sargento-mor
João de Oliveira Xavier. Foram testemunhas 2 Sacerdotes o Cônego Antônio
de Siqueira Quental e o Pe. Antônio Correia Pimentel. O celebrante foi o Pio
Vigário ex causa (sic Pe. Manoel de Matos). No livro está a assinatura do Cônego Quental. – A 24 de Setembro de 1760 de licença minha ex causa feitas as
diligências nesta Matriz de Nossa Senhora da Conceição da Vila de Guaraparim recebeu o Rdo. Doutor e Vigário Antônio Teixeira Cardoso Vigário da
Freguesia de Nossa Senhora da Assunção (1) a N e N ambos moradores de
Guaraparim. – Há em 18 de Outubro 1760 casamento de um natural e batizado na Freguesia de N. Senhora do Castelo da Vila de Sesimbra... Bispado
de Elvas. – A 3 de Novembro 1760 há o casamento de um natural e batizado
na Freguesia de Nossa Senhora da Assunção da cidade de Cabo Frio. – A 20 Abril
1761 há dispensa de consanguinidade no 2 grau misto com 3 dada pelo Rdo.
Arcediago Antônio de Siqueira Quental por comissão que tem do senhor Bispo:
o casamento foi já feito pelo Pe. Antônio Esteves Ribeira Vigário. – Ainda há
outras dispensas pelo mesmo Arcediago e uma de consanguinidade no segundo grau de linha transversal – (não diz se igual) de gente livre e limpa. Há
outra semelhante de consanguinidade em 2º. grau de Índios naturais e batizados na Aldeia da Reritiba hoje Vila de Benevente dispensados pelo mesmo Arcediago. Os Índios moravam na Freguesia de Guarapari: foi o Pe. Antônio
Esteves Ribeira Vigário que os casou na Matriz da Conceição de Guarapari a
26 de Abril de 1761. Parece que é do Cabo Frio. – [verso da contracapa]
No assentamento de 8 de Julho de 1761 não sei por que o Rdo. Vigário diz
388
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em presença de mim Antônio Esteves Ribeira primeiro Vigário Colado nesta
Igreja (de Guaraparim). – A 7 de Setembro de 1761 com licença minha (Pe.
Antônio Esteves Ribeira) se receberam na Igreja de Nossa Senhora das Neves da Muribeca por palavras de presentes na presença do Padre Félix Álvares
de Barcelos Pároco dela e de Luís da Silva Borges, solteiro e Joseph de Jesus
ambos filhos do Capitão Antônio da Silva Borges administrador da dita Fazenda,
Miguel Ângelo viúvo pardo forro com Leonor solteira escrava do Capitão
Baltazar Caetano Carneiro desta Freguesia de Nossa Senhora da Conceição
de Guaraparim, e logo receberam as bênçãos. – A 25 de Janeiro 1762 em
Guarapari casamento com [sic] N com N viúva que ficou de Joseph de Anxieta (Note o modo de escrever Anxieta – Vide a 1ª capa deste meu livro)
natural de Saquarema, ambos aqui assistentes. – A 11 Fevereiro 1762 se receberam na Igreja da Muribeca em presença do Pe. Félix Álvares de Barcelos
Pároco nela etc. NN de Guarapari. – A 5 Junho 1762 dispensa pelo Arcediago Antônio de Siqueira Quental do 4º. grau [de] consanguinidade e ainda a
24 Julho. – No assento 5 Setembro 1762 se fala em N natural da Vila de Benevente – e no de 2 Outubro 1762 se fala na Capela de Engenho do Rdo. Arcediago Antônio Siqueira Quental – e do Rdo. Francisco José Capelão do
mesmo Rdo. Arcediago. – Aos 10 Julho 1763 com licença minha na Igreja de
Muribeca e em presença do Pe. Félix Álvares de Barcelos Capelão dela: há
outros semelhantes em Novembro seguinte. – Aos 28 Janeiro 1764 na Matriz
de Guaraparim e com licença do Rev. Vigário de Benevente Eusébio de Matos Henriques, se recebeu N e N da Vila de Benevente e lá moradores. – A 5
Fevereiro 1764 ainda se fala no Arcediago e a 13 de Junho 1764 ele deu dispensa a 2 escravos seus que se casaram na Matriz. – A 29 Fevereiro 1764 na
Igreja de Nossa Senhora das Neves com licença do Vigário de Guaraparim.
– A 4 Fevereiro 1765 dispensa de consanguinidade no 3º. grau misto de 4º.
dispensa pelo mesmo Rdo. Arcediago Antônio de Siqueira Quental comissário nesta parte do Ex. Revmo. Sr. D. Fr. Antônio do Desterro Bispo desta Diocese.
– A 18 Fevereiro 1765 na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção de
Bonna Vente com licença do Vigário de Guaraparim administrou o Sacramento do
Matrimônio o Rdo. Vigário Eusébio de Matos Henriques em presença de N
e N todos moradores no Ubu. Assinou-se o Coadjutor Jacques Moreira de
Carvalho. – Aos 20 de Junho 1765 o mesmo Coadjutor [assina] termo em
que se fala de dispensa em 3º. grau [de] afinidade lícita pelo Rdo. Pároco desta Freguesia o Doutor Antônio Esteves Ribeira. – A 16 Julho 1765 se fala em
3 assentos na Igreja da Fazenda da Muribeca em presença do Pe. Félix Álva389
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res de Barcelos Pároco dela (3 casais de escravos) do Capitão N. – A 15 de Junho 1766 na Igreja do Coração de Cristo Senhor Nosso filial desta Matriz (de Guarapari) se casaram escravos do Arcediago – e a 29 na mesma Igreja do Coração
de Cristo filial outros escravos do mesmo – e há outros 4 assentos na mesma
Igreja do Coração de Cristo e de escravos do mesmo Arcediago. – A 22 de Julho
1766 há outro casamento de outros escravos do mesmo na Igreja do Coração
de Cristo; e a 26 deste mesmo Julho há outro de escravos do mesmo na Igreja do Coração de Jesus filial... – No assento de 22 Setembro se fala na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Serra. – O assento de 11 Fevereiro
1767 é assinado pelo Coadjutor Jacques Moreira de Carvalho – mas no dia 22
Abril 1760 se diz se receberam com minha licença em presença do Rdo. Dr.
Antônio Esteves Ribeira e vem assinado – o Vigário João Barbosa de Oliveira. – No assento de 6 Março 1767 se diz em Nova Vila de Benavente de licença
do Rdo. Vigário Eusébio de Matos Henriques, se receberam sendo primeiro
dispensados pelo mesmo Rdo. Vigário Colado Antônio Esteves Ribeira. E
vem assinado pelo Vigário João Barbosa de Oliveira. (Não entendo como
seja assim!...)
Continuação da outra capa deste livro.85
A 5 Novembro 1767 nesta Matriz de Guaraparim em minha presença e das
testemunhas que comigo assinaram o Muito Rdo. Dr. Antônio Esteves Ribeira e... (Mas só assinou-se o Vigário João Barbosa de Oliveira, não sei por
quê...) – A 22 Julho 1768 se diz (em Guaraparim) se casaram em presença
de mim o Pe. José da Cruz Domingues Vigário encomendado da sobredita
Freguesia (de Guaraparim) e se assina. – A 11 de Setembro 1768 se vê o
mesmo e a mesma se diz batizada na Aldeia de Orubu. – Ainda há outro
assento assinado pelo mesmo Vigário José da Cruz Domingues e segue-se
o de 2 de Fevereiro de 1769 assinado por Lucas Antônio de Araújo Neiva
Vigário de Guaraparim – como também se vê em outros assentos seguintes.
A 6 de Fevereiro 1769 na Igreja do Rdo. Cônego Arcediago Antônio de
Siqueira Quental desta Freguesia de Guaraparim se casaram escravos desse
Arcediago. – No assento de 10 Abril 1769 se fala na Igreja Paroquial de N.
Sra. da Assunção de Nova Bente...86 No assento de 29 de Abril de 1770 na Igreja das Fazendas do defunto Arcediago Antônio de Siqueira Quental (Logo...
85
Por falta de espaço, o bispo continua suas anotações no verso da capa deste mesmo livro.
86 Benevente.
390
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morreu depois de Fevereiro de 1769 e antes de 29 Abril 1770) com licença do
Muito Rdo. Vigário Lucas Antônio de Araújo Neiva... em presença de mim
Fr. Domingos do Espírito Santo Capelão da dita Fazenda... se receberam N
e N escravos das ditas Fazendas. – Segue-se outro casamento no mesmo dia
e lugar e pelo mesmo Frade e de escravos do mesmo finado Arcediago... Em
meses mais tarde há outros casamentos de escravos das mesmas Fazendas
do defunto Arcediago feitos na Matriz por Fr. Manoel da Conceição. – Em
25 Agosto 1771 há casamento com dispensa de afinidade ilícita dada por Sua
Exa. Revma. Em um livro achei uma folha avulsa em parte mutilada sem os
pedaços que faltam. Parece-me que pertence a livros de Itapemirim. Com
algum custo pude ler o título já quase apagado na 1ª página. Na segunda há
uma notícia muito curiosa. É um rol de crismados em número de nove ou
dez. – Título – Aos vinte cinco (parece cinco) do mês de Maio de mil setecentos e oitenta e seis anos nesta Igreja Matriz de Nossa Senhora do Amparo
de Itapemirim administrando nela o Sacramento da Confirmação o muito
Rev. Doutor e Visitador Vicente José da Gama Leal por comissão do Exmo.
Revmo. Sr. D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco Bispo
deste Bispado do Rio de Janeiro foram crismadas as pessoas seguintes ... parece Sebastiana ...stiana de idade de 5 anos natural e batizada... [Fregue]sia de
Nossa Senhora da Conceição do Castelo fi[lha] de Sebastião e de Maria escravos de
Domingos Ra... Madrinha Páscoa dos Anjos casada todos desta...
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Transcrição - Estação Capixaba