Do Manto de café do Vale Histórico ao Convênio de Taubaté: REFLEXÕES E TRANSFORMAÇÕES DO MEIO A PARTIR DA PRODUÇÃO CAFEEIRA DO SÉCULO XIX. Cristiano Luiz da Silva 1 Ludmila Pena Fuzzi 2 RESUMO: Esta pesquisa tem por finalidade refletir as transformações sócio-econômicas na região do Vale Histórico e Taubaté no recorte de 1830 a 1930. A temática é de grande valia para a historiografia regional, pois existem análises entre o Vale do Paraíba e a região Oeste Paulista, mas não um estudo mais aprofundado acerca da micro região proposta. O referencial teórico usado como base foram Gramisc, para estudos da sociedade, Childe, para a materialização dos fatos econômicos com o imaginário da época, Singer e Müller em conceitos econômicos e outros. Para holistizar a pesquisa foi criado um roteiro de análise em que engloba todas as facetas da temática: primeiramente oportunizamos um estudo social, segundo aprofundamos nos estudos econômicos, oferecendo uma visão da macro a micro história, por fim apresentamos os resultados na qual as situações anteriores viabilizaram uma transformação na formação sócio-urbana, considerando teóricos da área e transformando o café em documento monumento da memória regional. A metodologia aplicada refere-se no embasamento documental, através de acervos cartoriais, legislativos e particulares, bem como de tabelas econômicas criadas por economistas. Os resultados comprovam que ao discutir uma possível queda da produção cafeeira deixa de se considerar uma relevante transformação econômica dos meios de produção, pois ocorreu-se uma alteração na estrutura social, , com o fim da escravidão e a vinda de imigrantes com novas idéias e com experiência em trabalhos operários. Palavras chaves: Economia Cafeeira, Sociedade, Vale Histórico e Convênio de Taubaté. 1 Licenciado em História pela Universidade de Taubaté (2007), Pós – graduando do Curso “Política e Sociedade no Brasil Contemporâneo da Universidade de Taubaté, Membro Fundador e Vice Presidente do Instituto de Pesquisa Histórica Regional; Professor e Coordenador Pedagógico da Rede Municipal de Educação de Sapucaí Mirim – MG, Especialista em História da Igreja, História Cultural e História Social do Brasil e Metodologia do Trabalho Científico; 2 Licenciada em História pela Universidade de Taubaté (2008), Pós – graduando do Curso “Política e Sociedade no Brasil Contemporâneo da Universidade de Taubaté, Membro Fundador e Presidente do Instituto de Pesquisa Histórica Regional, Membro da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC), Especialista em História Social do Brasil, Metodologia do Trabalho da Pesquisa de Campo e Científica, Estudos Patrimoniais e História Cultural (principalmente assuntos ligados ao estudo da morte); ABSTRACT: This research aims to reflect the socio-economic transformations in the Valley and Historic Taubaté in clipping from 1830 to 1930. The topic is of great value to regional historiography, as there analysis between the Vale do Paraíba and Paulista west, but further study on the micro region proposal. The theoretical Gramisc were used as the basis for studies of society, Childe, for the realization of economic facts with the imagination of the time, Singer and Müller in economic concepts and others. Holistizar for the survey was created in an analysis script that encompasses all facets of the issue: first nurture a social study, according to delve into the economic studies, offering a macro view of the micro-history, finally, we present the results in which of the above made possible a transformation in training social and urban theorists considering the area and making coffee in paper monument in memory regions. The methodology refers to the foundation documents, through notarial collections, legislative and private as well as economic tables created by economists. The results show that when discussing a possible drop in coffee production is no longer considered a significant economic transformation of the means of production because there is a change in social structure, with the end of slavery and the arrival of immigrants with new ideas and experience working laborers. Keywords: Coffee Economy, Society, Valley Historic Convention and Taubaté. INTRODUÇÃO Ao fim do século XVIII, a colônia brasileira apresentava uma vida cotidiana ligada à subsistência. Na maioria de suas regiões destaca-se o cultivo da cana de açúcar e criação de gado, oferecendo a interiorização em nossas terras. As primeiras mudas de café estavam sendo testadas, como na região que analisaremos o Vale Histórico, que será na década de 1850 o auge dessa produção. Na historiografia econômica brasileira e regional sobre a economia cafeeira, os estudos realizados oferecem um quadro comparativo entre a região do Vale do Paraíba e o oeste paulista. Considerando esta questão, esta pesquisa tem por objetivo analisar a micro região do Vale Histórico e a cidade de Taubaté, com a finalidade de identificar igualdades, semelhanças e traços no auge e na queda do café, bem como de realizar uma reflexão sobre a mão de obra escrava neste cenário, entre os anos de 1830 a 1930. O interesse desta pesquisa embasa-se no debate sobre o quadro histórico da região do Vale Histórico, após a suposta queda da economia cafeeira. O que intriga é que após esta queda a cidade de Taubaté alcançou seu auge. Constatou-se isso a partir do uso de diferentes fontes documentais como: atas das câmaras municipais; inventários e testamentos do período em questão, arquivos judiciais e econômicos, arquivos particulares das fazendas cafeeiras, gráficos estatísticos e outros. Os pontos teóricos para sustentação da análise se embasam em teoria política com Antonio Gramisc, teoria histórica com a historiografia francesa, teoria de materialização do fato com Gordon V. Childe e teoria econômica com de Paul Singer, Sérgio Millet e Alves Motta Sobrinho. A passagem do café pelo Estado de São Paulo, com suas repercussões sobre a situação demográfica das zonas percorridas, constitui um dos mais importantes assuntos da história econômica brasileira. O Vale do Paraíba foi à região que mais produziu café no século XIX tendo como cidade de ponta Areias e Bananal, que constituem o quadro do Vale Histórico. Neste período Taubaté ainda ocupara o terceiro lugar, foi somente a partir de 1890 que a cidade começou a alcançar seu auge, tendo seu declínio em 1930. Os resultados desta pesquisa serão usados no Programa de Interatividade com a População (PIP), nos quais somos autores e gestores culturais das seis cidades do Vale Histórico. O desenvolvimento deste período figura-se diretamente no turismo atual, sendo grande o atrativo para curiosos referentes à temática. 1. Sociedade Cafeeira a partir de Antonio Gramsci Para além dos ricos e frutíferos debates acerca do caráter oriental ou ocidental da sociedade brasileira, decorrentes da leitura de Antonio Gramsci e de sua apropriação enquanto instrumental analítico do caso nacional, bem como visando contribuir, enquanto historiadores de ofício, para o maior nuaçamento3 daquilo que, corriqueiramente, optamos por conduzir a reflexão numa direção bem mais aplicativa do que teórica. Resultado de várias pesquisas acerca da história das classes dominantes brasileiras, com ênfase especial para suas frações agrárias, traz para discussão o caso de uma entidade agremiadora de segmentos de proprietários rurais estudada no período compreendido entre 1830, quando de sua fundação e 1930, quando da eclosão do movimento que redefiniria o 3 Diferença delicada entre coisas do mesmo gênero (Dicionário Aurélio). Neste contexto figura-se a questão das camadas sociais imperceptíveis na teoria de Gramisc. bloco histórico, buscando, através dele, analisar a sociedade cafeeira, como importante no processo sócio econômico do período. Cada grupo social "essencial", contudo, surgindo na história a partir da estrutura econômica anterior e como ex-pressão do desenvolvimento desta estrutura, encontrou --pelo menos na história que se desenrolou até aos nossos dias categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam,aliás, como representantes de uma continuidade histórica que não fora interrompida nem mesmo pelas mais complicadas era dicaismo (sic) dificações (sic) das formas sociais e políticas. (GRAMSCI, 1982 p. 5) Considerando a teoria dos blocos históricos, pode-se perceber que quando analisamos a sociedade que viveu entre 1830 a 1930, a Aristocracia Rural, formada sempre primeiramente pelos Barões do Café, que se enriqueceram com a monocultura deste produto. O diferente é que esta camada social não tinha um intelectualismo, no caso os precursores dessas sociedades, que somente depois passaram a enviar seus filhos para estudar na Europa, trazendo assim as ideologias de igualdade e dando origem ao Abolicionismo. A propósito dessa singular autarquia dos domínios rurais brasileiros, conservounos Frei Vicente do Salvador a curiosa anedota onde entra certo bispo de Tucumã [...] verdadeiramente que nesta terra andam as coisas trocadas, porque toda (sic) ela não é república, sendo-o cada casa. (HOLANDA, 1971: pp. 48-49) Na formação dessa sociedade não se teve características urbanas, por isto, quando analisamos as classes hegemônicas observamos uma exceção à teoria proposta por Gramsci. Segundo HOLANDA (1971) teve uma herança extremamente rural, por isso nossas riquezas iniciais são ligadas ao setor agrário. 2. Sociedade e Escravismo no Vale do Paraíba Na dinâmica social do ciclo cafeeiro os grandes Barões, produtores de café, formavam uma cúpula. Figuravam a seguir os demais cafeicultores, proprietários ou cultivadores em terra alheia, meeiros; negociantes de cidade; profissões liberais, funcionários e outros. Tinham-se também aqueles que exerciam ofícios autônomos, como Jornaleiros, Padeiros, Carteiros e artesãos. O Interessante nesta sociedade é destacar a figura do Tipógrafo que diferentemente dos séculos anteriores oferece a informação de diversos fatos corriqueiros ocorridos na sociedade. Temos a o desenvolvimento da ágil comunicação dentre as diferentes camadas sociais, pois, o jornal (principal instrumento de informação) leva ao conhecimento de todos as notícias tornando-se significativo agente alienador das classes mais baixas pela Elite: A Classe dirigente, no aparelhamento monárquico, cafeicultores ou representantes dos interêsses (sic) da lavoura cafeeira, privatizavam o poder o Estado, dando como resultante, que, governar para os homens do café nem sempre, ou quase nunca, seria consultar as necessidades coletivas, mas as do sistema de vida da sociedade escravocrata. (SOBRINHO, 1971: p.82) Analisando o cotidiano, na singularidade desta sociedade ressaltamos o ato de freqüentar as Missas ou outra forma de culto religioso que era visto como compromisso social. A mentalidade ligada à sexualidade, por exemplo, era uma temática censurada entre crianças e mulheres, pois, tratar de romantismo era considerado gesto pecaminoso. Muitas literaturas, como O Primo Basílio, A Moreninha entre outros eram textos mal vistos pelos costumes sociais. Diferentemente dos dias atuais, lidar com a morte era um rito de Festa, onde o próprio moribundo preparava seus funerais. As Famílias tradicionais seguiam os parâmetros sociais espelhados nos costumes europeus, desde a culta linguagem até o velho costume do “Chá das cinco”. Os Senhores do Café e seus filhos doutores, reuniam-se em estabelecimentos comerciais para discutirem temas como a política, ideais abolicionistas e monarquistas, dentre outros assuntos ligados à dinâmica sócio-econômica da sociedade. A organização da sociedade cafeeira ocorreu de forma a conferir sentido a todo o conjunto: a coerência com a produção capitalista. Na área de produção, havia o entrosamento da agricultura intensiva, técnicas rudimentares, trabalho escravo, tudo ajustado para produzir e atender o consumo definido pela Europa e Estado Unidos. (TOLEDO, 2008: p. 134) O conservadorismo aristocrático do meio rural passou a caracterizar os cafeicultores do Vale do Paraíba. O êxito de sua produção dependia do ajustamento da dinâmica dos mercados consumidores e a preservação de seu estilo de vida, ou seu próprio ser: [...] a figura do homem de origem tosca, que logrou enriquecer, conservando, no novo tipo de civilização que se integrou com sucesso, o gosto e as atitudes fundamentais em seu passado. [...] conservador em seu ambiente, também o foi em suas maneiras. (FRANCO, 1969: p. 204) Historicamente, dois grandes acontecimentos explicitaram e pontuaram o conservadorismo dos cafeicultores no Vale do Paraíba: o movimento liberal de 1842 e o convênio do café em Taubaté, em 1906. O Negro torna-se dentro deste contexto social “mãos e pés do Senhor branco”, Bóris Fausto indica em seu pensamento a seguinte expressão ”o Brasil é o Café e o Café é o Negro”. O período em questão foi marcado pelo tráfico de escravos, base da produção de café. Segundo as estatísticas oficiais, a média anual de ingressos de escravos no Brasil foi de 32770 cativos, no período de 1811 a 1820, e de 43140, no período de 1821 a 1830. Segundo as listas nomativas4 consultadas pelos autores, algumas curiosidades da presença africana na região do Vale Histórico devem ser consideradas: a primeira é que a compra de mão de obra escrava tinha em sua maioria provenientes da região nordeste do Império; segundo, não era incentivada a reprodução entre os negros diferentemente dos costumes de outras regiões escravocratas. No período de auge da produção de café no Vale Histórico, a Cidade de Bananal apresentou, de acordo com estes documentos, 54% de sua população composta por Escravos, na década de 50 do século XIX, desconsiderando o tratado de Vassouras, na qual versava a obrigatoriedade de maior número de homens livres no total da população. 1º. A de que a Lei de 07.11.1831 não tivera apenas o propósito de acabar com o tráfico de negros novos, mas igualmente o de diminuir o número de escravos no Brasil e, bem assim os dos libertos pela Lei; (NEQUETI, 1938: p. 79) Através de um estudo realizado referente ao Parecer do Conselho de Estado de 1858 5 ressalta-se que o escravo ignorava a idéia de que era um objeto ou ferramenta do seu Senhor. Em outra ótica o Senhor o traz para o Estado, quaisquer que sejam as obrigações contraídas, haja ou não Hipotecas, por aquele simples fato, o escravo adquire sua liberdade, não ocasionando assim prejuízos. Segundo CARVALHO (2007) o perigo que o escravo representa para a sociedade urbana, real ou imaginário, fez com que a repressão do Estado aumentasse na proporção do crescimento da população negra local o que trouxe por sua vez modificações no que denominamos “padrões de criminalidade”. No entanto a ação do Estado nos centros urbanos, assim como a do feitor no Campo, não impedia os atos violentos por parte dos negros, ambos podiam apenas cercear as rebeliões coletivas ou individuais. 4 5 Encontradas no Cartório da Cidade de Bananal. Documento analisado pelos autores no arquivo do Estado de São Paulo. 3. O Café sobre os trilhos: A Face do Desenvolvimento 3.1 - O Pensamento Econômico no Século XIX Se o mercantilismo é a ideologia da burguesia incipiente, quando precisa de proteção para o desenvolvimento, o excesso de limites acaba por prejudicar o grupo, naturalmente desejoso de liberdade de ação. Segundo IGLÉSIAS (1989), o mesmo anseio movimenta os pensadores políticos, com o liberalismo político. Depois, cria-se aos poucos o econômico, com a fisiocracia6, na França, na segunda metade do século XVIII, no começo da ciência econômica, o mercantilismo a anuncia, mas não a realiza. Um dos pontos a ser ressaltado neste processo de pensamento econômico é o liberalismo econômico neste período. O fundamento de liberalismo em economia esta na idéia de sociedade dominada por uma ordem natural, estabelecida espontaneamente, contanto que os homens sejam livres; essa ordem natural é a melhor e a única a fazer a prosperidade das nações; não há animosidade, antes harmonia, entre os interesses individuais; a soma desses faz interesse geral. Decorrência é uma política econômica na qual o papel do Estado é reduzido ao mínimo, como simples regulador da ordem. Considerando HEILBRONER (1964), podemos analisar este pensamento econômico que torna os grandes barões de café aptos inicialmente à fisiocracia, em que esta linha considera a produção agrícola mais importante, pois só ela é produto líquido, com excedente da receita sobre a despesa. A classe produtora é a dos agricultores, enquanto industriais e comerciantes são vistos como estéreis. Defendem impostos único, incidindo sobre o produto líquido, a ser pago por agricultores, pois eles geram a riqueza. Negam as desvantagens do comércio acentuadas pelos mercantilistas: o importador é privilegiado, no uso de produtos elaborados por outros (IGLÉSIAS, 1989. p. 119) 3.2 – Economia Cafeeira Brasileira: 2º Reinado e Apogeu da Produção do Café Os anos 40 do Século XIX, marcado pela transição do Império à “paz” devolvida pelo Golpe da Maioridade, donde, os efeitos negativos das rebeliões do período regencial, denotam novo contexto de desenvolvimento da política econômica da Monarquia. 6 A fisiocracia, advinda da chamada escola fisiocrática, surgiu no século XVIII e é considerada a primeira escola de economia científica. Os fisiocratas consideram o sistema econômico como um "organismo" regido por leis intrínsecas (pela ordem natural das coisas), sendo elas assim, cientificamente relevantes. As transformações, no que se diz em nível de economia e relações internacionais, se escancaram a partir dos anos de 1850, quando a Inglaterra (Centro de comércio e produção industrial) forçara de seus “parceiros econômicos” o fim do trabalho escravo e a aceitação do modelo econômico capitalista. 1850 não assinalou no Brasil apenas a metade do século. Foi o ano que várias medidas que tentavam mudar a fisionomia do país, encaminhando-o para o que então se considerava modernidade. Extinguiu-se o tráfico de escravos. [...] a Libertação de capitais resultante do fim da importação de escravos deu origem a uma intensa atividade de negócios e especulações. (FAUSTO, 2003. p. 197) Estas mudanças no plano econômico surtiram efeitos diretos diante da produção do café. Tornando-se um novo e principal produto de exportação a partir do século XIX, o café ocupou de início, regiões vizinhas da capital. A Infraestrutura no reaproveitamento da mão-de-obra escrava, dissidentes das Minas Gerais e o fácil escoamento para o Litoral propiciou o desenvolvimento desta nova alternativa de agricultura. O café deixa de ser uma produção doméstica e passa a ser um importante setor de produção e manutenção da economia. Comparando a economia cafeeira com a produção de açúcar do período colonial, podemos destacar quanto à questão do investimento que se caracterizava menor, pois, o café não requeria vultosos custos como a montagem do engenho, por exemplo, cada cafezal é uma cultura perene, e sua manutenção depende basicamente do suprimento de escravos. Como o processo da cana-de-açúcar se firmava na divisão das etapas de produção, onde se firmavam os comerciantes que apropriavam a maior parte dos lucros, evitando assim maior acumulação nas mãos do Senhor de engenho, o café surte efeito contraditório, denota uma centralização do acúmulo dos lucros nas mãos dos barões de café. Celso FURTADO (1984) nos apresenta este cenário levando em consideração o contexto já emancipado do Brasil: Desde o começo sua vanguarda esteve formada por homens com experiência comercial. Em toda a etapa de gestação, os interesses de produção e do comercio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formou-se numa luta que se estende em uma frente ampla: aquisição de terras, recrutamento de mão de obra, organização e direção da produção. (FURTADO, 1984. p. 111) A crescente produção do café no império tem duas razões principais: Primeiramente o aumento da exportação do produto para países como os Estados Unidos e por fim as ótimas condições para plantio devido ao solo e clima ideais no Sudeste do Brasil. Como já citamos a produção começa no Rio de Janeiro e subiu a serra do Mar chegando ao Vale do Paraíba alastrando-se para as regiões litorâneas dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo e oeste paulista. O hábito de beber café foi virando moda nos Estados Unidos e na Europa. Como a procura aumentou, o preço subiu, incentivando a formação de novas fazendas de café. No Vale do Paraíba (como em todas as regiões produtoras de café) todo tipo de trabalho nas fazendas eram feitos por Negros Escravos. Eles também ajudavam as tropas de mulas e carros de boi a transportar o café pelas estradas de terras, escoando a produção pelo caminho do Paraty, segundo fontes das Câmaras Municipais de Silveiras, Areias e Bananal. 3.3 - O Brasil é o Vale: O mar de café no Vale Histórico “Estamos em cheio na zona morta, que o café desbravou, povoou, enriqueceu e abandonou antes que criasse raízes o progresso” Sergio Milliet A passagem do café pelo Estado de São Paulo, principalmente na região do Vale do Paraíba, constitui um dos resultados mais interessante de estudos econômicos regionais brasileiros. Segundo MILLIETI (1946), durante pouco mais de um século, o panorama do nosso crescimento se desdobra num cenário de colinas riscadas por cafezais. Tudo gira em torno do “ouro verde”, dele tudo emana e tudo se destina: homens, animais e máquinas. A Região que iniciou o processo de plantio e que é nosso recorte regional de estudo é o Vale Histórico, em que as primeiras mudas de café foram plantadas na freguesia de Areias. Segundo dados do livro de registros econômicos7, a cidade pouco antes de 1870 ficou como a maior produtora de café do país, e isto também se constatam na organização urbana da cidade, considerando o patrimônio como monumento. Com o tempo a cidade de 7 Podem ser encontrados na Câmara Municipal de Areias. Livros com dados econômicos da câmara. Bananal começa a produzir mais, e é chamada erroneamente de cidade “berço do café”, já que na verdade onde se iniciou a produção cafeeira foi em Areias. Em fins do século XVIII, José de Aguiar Toledo e Maria do Espírito Santo Ribeiro Valim foram residir no bairro do Retiro, no Bananal, freguesia de Areias, iniciando a cultura e fabricação do anil, riqueza da época, depois suplantada pelo café, cuja pela demanda aos países tropicais deixou de existir, com o aparecimento de outras tinturas usadas pela nascente indústria têxtil européia. (SOBRINHO, 1971: p. 23) As primeiras plantações foram feitas no final do século XVIII, na região das “garupas”, a beira do Caminho Novo da Piedade, isto segundo os estudos do Prof. Francisco Sodero de Toledo, sobre caminhos no Vale do Paraíba. O local é caracterizado pelos “mares de morros”, em que através estudos geográficos se denomina e caracteriza as fronteiras entre as serras. Corresponde onde este localizado os municípios de Queluz, Silveiras, Areias, São José do Barreiro, Arapeí e Bananal. Segundo TOLEDO (2008), as primeiras mudas entraram pelo Vale Fluminense. Em 1798, a produção foi de 60 arrobas, aumentando consideravelmente por toda a primeira metade do século seguinte, conforme se pode constatar pelos dados de produção apresentados na Tabela 1. O auge da produção na região se deu nos anos 50, registrando um ponto de inflexão a partir dessa década. Ano 1814 1816 1817 1822 1836 1854 Produção em Arrobas 3515 4973 6725 36802 167619 940694 Tabela 1: Evolução da produção de café na área das “garupas” (1814-1854) Fonte: TOLEDO (2008, p. 140) Nos estudos de MILLIET (1946), em que divide a região de São Paulo, para regionalizar as análises da economia cafeeira ele denominou a região Vale do Paraíba de Zona Norte, em que estão centradas as cidades do Vale Histórico e Taubaté, no ponto que nos interessa neste trabalho. Ao analisarmos gráficos de exportação e importação da região do Vale Histórico, observamos que foi na década de 1850 que ocorreu o auge, mesmo com as idéias de libertação dos escravos, porém não tão longe dali, teríamos a mudança de produção. É para lá de Lorena que começa a encontrar homens ricos. Devem todos a fortuna do café [...] começam também os lavradores a entregar-se a elas nas cercanias de Jacareí, Taubaté e Guaratinguetá, mas até agora as pessoas abastadas se ocuparam da cana de açúcar e os pobres do algodão com o qual fabricam tecidos grosseiro (HILAIRE, 1954: 127) Percorrendo-se os documentos que nos são apresentados, desde registros encontrados em arquivos particulares8, como comparando tabelas de estudiosos da temática relacionamos na tabela abaixo as principais cidades produtoras, em anos, podendo figurar a produção: Colocação Muncípio 1836 ( Arrobas) Colocação Muncípio 1854 (Arrobas) 1º Areias 102.797 1º Bananal 554.600 2º Bananal 64.822 2º Areias 386.094 3º Pindamonhangaba 62.628 3º Taubaté 354.730 4º Jacareí 54.004 4º Pindamonhangaba 350.000 5º Lorena 33.649 5º Jacareí 240.010 Tabelo 2- Principais Produtores de Café no Vale do Paraíba – Quadro Comparativo Fonte: Criado pelos autores com base em documentos e dados de estudiosos do assunto As condições favoráveis à economia cafeeira verificadas na segunda metade do século XIX estimularam o aumento da produção. Assim verifica-se que a partir de 1870 a 1880 houve deslocamento nas regiões de produção, sendo a partir de 1900, a cidade de Taubaté a maior produtora da região, segundo consta os autos legislativos. Segundo MÜLLER (1969) no início do século XX a parte mais atingida pela crise cafeeira, às cidades da área das garupas, encontravam-se “empobrecidas pela decadência do café e marginalizadas pelo deslocamento do eixo de circulação pelo traçado da E. F. Central do Brasil, passando por Cruzeiro, “bruxoleavam” nas primeiras décadas do século. 8 Especificamente Fazenda Boa Vista (Bananal), Fazenda dos Coqueiros (Bananal) e Fazenda São Francisco (São José do Barreiro). O cenário de decadência tinha como base a diminuição da produção de café. Como se pode observar na tabela III, entre os anos de 1886 a 1920 houve uma queda da produção da ordem de 75,66%. Segundo TOLEDO (2008) o auge verificado no final do século XIX, atingindo o patamar de quase trezentas mil arrobas, caiu vertiginosamente para menos de setenta mil arrobas em 1920. Esta situação foi decorrente do quadro adverso vivido pela cafeicultura no período, aprofundado pelos efeitos negativos da grande geada ocorrida no ano de 1918 que dizimou cerca de 40% dos cafezais. Fatores que resultaram na diminuição da participação da área no conjunto da produção regional em 34,23%. Municípios Areias São José do Barreiro Silveiras Total 1886 100000 120000 66667 286667 1920 21920 26273 21607 69800 Tabelo 3- Municípios do Vale Histórico – Evoloção da Produção de Café Fonte: MILLET (1946, p.40) A estrutura cafeeira entra em crise para grande parte dos fazendeiros do Vale do Paraíba, não se concebia o trabalho na lavoura sem o escravo, resistindo-se fortemente às propostas do governo em relação à abolição da escravatura. Já os fazendeiros no novo Oeste estavam mais abertos a reformas, pois perceberam que eram outros os tempos e que a introdução de mão-de-obra assalariada se fazia necessária. Observe abaixo à tabela em que figura-se durante os anos a evolução da produção cafeeira principal, em contraponto a tabela anterior: Municípios Bananal São José do Barreiro Areias Silveiras Total Total do Vale do Paraíba % em relação à região 1872 15606 5699 5717 11973 38995 196305 19,86 1890 15435 6141 7105 9137 37818 281059 13,45 1900 15473 5844 8858 11391 41566 339674 12,23 1920 11507 4879 6100 7398 29884 399046 7,48 Tabela 4- Municípios do Vale Histórico – Evoloção da Produção de Café Fonte: Criado pelos autores com base em documentos cartoriais e Sérgio Millet (1946, p.40) As cidades entraram em processo de estabilização. Grandes literatos como Monteiro Lobato e Euclides da Cunha, confirmam a situação de declínio vivida por seus habitantes. A terra foi apresentada por ambos como: empobrecida, decadente, abandonada pelos seus filhos mais ilustres e empreendedores. O homem identificado como preguiçoso, hospitaleiro, místico, ingênuo e outros, é a imagem oferecida aos moradores por Monteiro Lobato. É interessante ressaltar que Monteiro Lobato não tem grande “fama” na cidade de Areias, pois os habitantes rejeitam o termo: “cidades mortas”, até hoje debatido pelos acadêmicos: Atraídos pelas terras novas, de feracidade sedutora, abandonaram-se seus filhos; só permaneceram os de vontade anemiada, débeis, faquirianos. Mesmeiros, que todos os dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam passada prosperidade, lamuriam do presente e pitam-pitam longos cigarrões de palha, matadores do tempo. (LOBATO, 1951, p.10) Segundo SOBRINHO (1971) muitos cafeicultores do Vale libertaram seus escravos, sabedores que eram do fato consumado da abolição. Em Pindamonhangaba, não esperaram a assinatura da Lei Áurea. Outros fizeram, pressupondo que manteriam os trabalhadores, em suas terras, agraciados e reconhecidos, mas os mesmos iriam para novas terras. 3.4 - Taubaté: O seu Auge Cafeeiro , Sede do Convênio de 1906. Propondo-se neste artigo ressaltar uma diferença entre a produção cafeeira do Vale Histórico com Taubaté, considerando seu início, auge e declínio, observamos em estudos de documentos legislativos, cartoriais e particulares que quando se da queda no Vale Histórico, se tem o auge em Taubaté, na sua produção, no caso o ano de 1900, fim do século XIX. Para entendermos às condições em que foram elaboradas as políticas de valorização do café, particularmente a de 1906, conhecida como Convênio de Taubaté retornará às questões políticas da Primeira República, é importante ressaltar a autonomia dada aos Estados nesse período, no qual a descentralização proporcionou a tomada de importantes decisões estaduais que influenciaram diretamente todo o cenário interno. Segundo FURTADO (1984), no início da Primeira República, o liberalismo prevalecia como ideologia predominante com suas crenças no chamado laissez-faire (liberalismo ao extremo). Porém, o Estado não esteve por fora das transformações daquele momento e, de fato, contribuiu para que os produtores de café realizassem suas políticas financeiras. Com a implantação da política dos governadores, ocorreu-se a consolidação das oligarquias estaduais (futura elite republicana). Através dessa descentralização do poder permitiu uma integração ainda mais completa dos grupos que dirigiam a empresa cafeeira. Com a descentralização do poder oportunizou-se uma interação dos grupos que gestavam a empresa cafeeira. Foi dentro desse contexto que a elite cafeeira, com seu grande poder econômico, pôde (sic) influenciar diretamente as diretrizes políticas do governo central. Esse cenário também propiciou as bases necessárias para a realização das operações valorativas, que, num primeiro momento, foram implementadas pelo governo de São Paulo, graças a essa autonomia (FURTADO, 1984, p. 177) Em julho de 1906, assinaram o Contrato de Taubaté, em que a Aristocracia Rural Cafeeira solicitavam uma intervenção do governo federal nos mercados do produto afim de que o governo forçasse a sua valorização artificial. Isso ocorreu porque a safra do ano de 1906 foi de 50%, segundo MILLIET (1946), superior ao recorde anterior, o que levou a situação a um estado limítrofe. Ao analisarmos o documento do Convênio de Taubaté podemos acentuar alguns pontos para a valorização do café, que estava em crise numa visão ampla nacional, sendo a cidade de Taubaté a maior produtora no período. Definia-se o preço mínimo do café a ser atingido, versava sobre restrições aos cafés baixos, sobre a propaganda, definia um processo nacional de classificação do produto, entre outros pontos. Artigo 1º Durante o prazo que for conveniente, os estados contratantes obrigamse a manter, nos mercados nacionais, o preço mínimo de 55 a 65 fls, em ouro, em moeda corrente do país, ao câmbio do dia, por saca de 60 quilos de café tipo 7 americano, no primeiro ano; este preço mínimo poderá ser posteriormente elevado até o máximo de 70 frs., conforme as conveniências do mercado. Para as qualidades superiores, segundo a mesma classificação, a americana, os preços indicados serão aumentados proporcionalmente nos mesmos períodos. (Trecho do convênio de Taubaté)9 9 Artigo 1º do Convênio de Taubaté,fornecido pelo Consórcio do Vale Histórico, através da parceria com o IPHR. Segundo NETTO (1959) o café é um produto e tem que ser tratado como tal, confundir o problema cafeeiro com o problema cambial procurando baixar a taxa cambial e fixá-la em determinado nível simplesmente para favorecer os cafeicultores era estimular uma transferência de rendimentos dos consumidores de produtos importados para os produtores de café. O Convênio trata de duas questões importantes: a valorização do café e a estabilização da taxa cambial. HOLLOWAY (1978) nos diz que se podem enfatizar algumas questões importantes do Convênio de Taubaté. Primeiramente o acordo tornou público o detalhe da valorização, segundo, constituiu um apelo oficial dos estados para uma participação do governo federal no programa e, por fim, pedia ao governo federal que tomasse uma atitude para estabilizar a taxa cambial dois mil réis; O “Convênio de Taubaté” parou o Brasil e a imprensa mundial só falava nele. Era o mês de fevereiro de 1906. A sua celebração aconteceu em um domingo, dia 25, e três presidentes dos mais importantes Estados: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente Jorge Tibiriça, Francisco Sales e Nilo Peçanham vieram a Taubaté, sendo recebidos pelo coronel José Benedito Marcondes Mattos, deputado e político taubateano dos mais eminentes (PASSARELLI, 2005 p. 183) As Cláusulas fundamentais do Convênio de Taubaté e a forma de sua aplicação, são bastante conhecidas. O governo compraria o excedente de produção de café a fim de criar um estoque que pudesse ser vendido quando houvesse uma safra reduzida. Essa compra seria realizada com recursos de empréstimos externos. Foi estabelecida uma taxa sobre a saca de café exportada a fim de pagar os juros e comissões de empréstimos externos e custos de armazenagem de café. Por fim temos a proibição da plantações de novos cafezais, evitando o aumento da superprodução. Podemos constatar que, do ponto de vista comercial, as operações de valorização do café inspiradas pelo Convênio de Taubaté foram bem sucedidas. Os estoques formados por safras de 1906 e seguintes puderam ser colocadas no mercado até 1912, registrando algum ganho financeiro. Segundo BACHA (1992), esse sucesso conduziu a repetição de novas operações de valorização (1917 e 1921) até a adoção, em 1924, do que chamou a Valorização permanente do Café. Ao longo do tempo a manutenção de preços elevados num mercado já sujeito a crises de superprodução tenderia provocar uma crise de grandes proporções. Seria dificultoso efetivar a proibição de novas plantações quando a renda do café se mantinha elevada. Por outro ponto novos países produtores surgiram devido ao estímulo dos preços do café. Tendo uma análise do convênio, observamos a inconsistência lógica da valorização do café quando pensada como política de longo prazo. Porém não se podia evitar que essa política fosse adotada, devido a pressão do setor cafeeiro. 3.5 – Ferrovia na Expansão do Café no Vale Histórico e Taubaté O café vale-paraibano percorria enormes distâncias até chegar ao porto. Viajava nos ombros dos escravos, nos carros de boi e no lombo de mulas. Exposto ao Sol e à chuva durante muitos dias, o café se perdia, e as vezes antes mesmo de chegar ao seu destino. Conforme os cafezais se distanciaram do litoral, em direção ao Vale do Paraíba e Oeste paulista, foi aumentando a necessidade de ferrovias. A primeira estrada de ferro brasileira foi construída no Rio de Janeiro em 1854, tinha 15 Km e se estendia da baía de Guanabara a Serra de Petrópolis. Em São Paulo, o café viajou de trem pela primeira vez quando foi inaugurada a Santos/Jundiaí em 1867. De acordo que os trilhos eram postos mais arrobas de café eram plantadas, pois, o trem diminua o custo final do produto, viabilizando desta forma uma maior possibilidade de comércio internacional. Não somente agente de transporte mas com os trilhos e as estações ferroviárias vieram os benefícios tais como a iluminação nas praças, os maquinários para a fabricação e publicação de Jornais. Os cafeicultores paulistas do interior paulista viajavam sempre para a capital, para discutir o preço do café, fazer aplicações e comprar mercadorias estrangeiras. Entre um negócio e outro liam jornais paulistanos, discutiam política e admiravam um dos frutos mais recentes do progresso do progresso: o bonde puxado por burros. (FAUSTO, 2003. p. 183) Em pouco tempo surgiram outras estradas de ferro surgiram no estado de São Paulo como a Paulistana, Ituana, Mogiana, Companhia Rio Claro. A Via Férrea tornou mais barato os custos da produção de café, os lucros aumentaram e deram origem a novos negócios. O trem foi ao interior buscar o café e levar o progresso. 4. Documento e Monumento: O Café como transformação urbana patrimonial. Para FUZZI (2008), os processos de entendimentos sobre a concepção de patrimônio não são somente um reflexo das ações somadas de diversos agentes no processo de transformação de idéias, e sim o resultado de invenções discursivas previamente formuladas e com o propósito de formar uma consciência histórico-cultural definida. Tomando a diferenciação de Riegl, ressalta Choay que a diferença fundamental entre o monumento e o monumento histórico é que o primeiro foi criado deliberadamente para relacionar a memória e o presente dos indivíduos, ao que o último é criado posteriormente à construção de determinada estrutura, no momento em que esta é preservada entre várias edificações existentes (POSSAMAI, 2000, p. 15) Segundo LE GOFF (1998), monumento é aquilo que pode ser evocado do passado, e documento é algo que é selecionado pelo historiador. CHOAY diz a mesma definição para monumento, porém o primeiro faz a evocação do passado, e o segundo o considera como lembrança. Em termos históricos, LE GOFF quer demonstrar que o monumento é um vestígio humano de uma Memória, e CHOAY considera o monumento como uma simples lembrança de uma determinada característica da sociedade. Um vestígio humano de uma Memória, e CHOAY considera o monumento como uma simples lembrança de uma determinada característica da sociedade. Tais matérias da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador (LE GOFF, 1998, p. 103) Ao trazer o conceito patrimonial em discussão podemos aplicar ma questão cafeeira, que em seus estudos econômicos observarmos as transformações sociais, econômicas e até culturais, gerando a sociedade analisada no início deste artigo. A riqueza das famílias tradicionais, oportunizaram na criação de vilas que figuram-se em grandes casarões, e um comércio ativo. O interessante é além de uma transformação estrutural temos o início de uma riqueza que ofereceu aos descendentes dos precursores do café estudar na Europa trazendo novas idéias. Discutiremos a seguir essas transformações em detalhes. 4.1– A formação urbana e o desenvolvimento regional a partir da sociedade cafeeira no Vale do Paraíba O desenvolvimento deste item feito a partir da utilização heurística de dois conceitos-chave para se pensar a história da cultura política das cidades brasileiras: o de “controle negociado” o de “cidade escassa”. A opção por ambos justifica-se pela ênfase do nosso argumento na questão da integração social. Com isso, deixamos de lado outros conceitos importantes da sociologia urbana brasileira, como a noção de “espoliação urbana”, criada por Lucio KOWARICK (2000), e que, seguindo a linha de investigação aberta por CASTELLS (2000), articula a questão urbana à lógica de exploração do capitalismo agrário10. A “espoliação urbana” chama a atenção para a lógica urbana da exploração da força de trabalho promovida pelo capital; é útil, portanto, para dar conta de um tecido urbano que está integrado pelo capitalismo agrário, e não por acaso guarda estreita relação as necessidade do café. Temos que relevar nos estudos sociais o termo da cidade formal e informal, na questão do século XVII, temos urbanização iniciada por uma capelinhas, poucas casas e locais de importância administrativas, porém com a riqueza gerada pelo “Ouro Negro”, no século XIX, grandes casarões e teatros foram inseridos na mancha urbana, tendo as famílias tradicionais uma busca pela igualdade com famílias ricas européias. A política de ocupação do solo urbano passou a ser uma cidade com ruas nomeadas e casas numeradas [...] A antiga vila passou paulatinamente a ser em centro comercial, ganhou em 1850 um projeto de postura que caracterizada os novos padrões de uso e ocupação do solo (GOHN, 1992 p. 185) A sociedade cafeeira passou por transformações consideradas, como por exemplo, passou a ocorrer um processo de inversão de política das áreas do bem comum. As áreas públicas começaram a ser privatizadas e as chamadas zonas ou trechos de servidão pública passaram a ser motivo de constantes litígios, principalmente entre os proprietários vizinhos às mesmas. O questionamento sobre a propriedade e uso de solo passa a ser tema freqüentemente discutido em nível institucional, com a Câmara procurando, cada vez mais, 10 Termo usado pelo autor para designar a questão da urbanização proposta pelo capital cafeeiro. atuar no sentido de satisfazer às exigências dos proprietários, sem, contudo, prejudicar o comércio, atividade importante para as cidades que cultivavam o café. [...] partir do século XIX que podemos falar de uma verdadeira política de urbanização em São Paulo, por parte do Estado. Este deixa de ser mero agente fiscalizador e cobrador, passando a assumir as funções de ordenador do espaço urbano. (GOHN, 1992 p. 186) Com o crescimento do número de habitantes no início do século XIX, propiciado pela economia cafeeira, os problemas sociais também tomaram forma, sendo de responsabilidade da Câmara. O desenvolvimento regional através da urbanização é algo a ser analisado neste contexto histórico em que a riqueza agrária fornece subsídios de sobrevivência para zona urbana em que novas fontes econômicas começam a emergir como a dos comerciantes, que futuramente seriam os compradores e armazenadores do café, através do investimento no maquinário de moer o produto. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos resultados obtidos por esta pesquisa e a teoria do Prof. Júlio da Associação Educacional Dom Bosco (AEDB) em Resende (RJ), podemos levantar a discussão a partir de alguns pontos. De acordo com ele, não se teve a queda da economia cafeeira no Vale Histórico a partir de 1870, mas sim houve uma substituição de produção, tendo como foco a economia pecuarista. Porém muitos teóricos e literatos classificam a região como “Cidades Mortas e Atrasadas”, com é o caso de Monteiro Lobato, levando-nos a olhar, com certo preconceito de atraso ou mesmo de ausência de desenvolvimento. A região fica situada a margem do eixo “Rio-São Paulo”, com a construção da Via Dutra influenciando diretamente nas paisagens urbanas da região. Nas cidades que ficam a beira da Dutra a industrialização oportunizou uma urbanização referente ao século em que vivemos, porém nas regiões em que durante séculos sua economia esteve embasada na subsistência rural e depois se tornará a região mais rica do país, ao perder seu foco de urbanização é natural que se estabilize, porém a movimentação e a chegada da tecnologia não as diferenciam do resto da região. Tendo como pressuposto a região do Vale Histórico ter sido a grande produtora de café e após seu auge, Taubaté ter alcançado o primeiro lugar na mesma forma de produção anos após, podemos constatar: as transformações de parâmetros econômicos, já sendo implantado um maquinário na economia cafeeira, como por exemplo, os armazéns e as máquinas de café, as localizações de melhor acesso são aquelas que iriam ganhar com industrialização chegando lentamente as suas portas. Por fim, como autores e pioneiros em certas temáticas na região analisada deixaram nesta pesquisa uma contribuição, que poderá em trabalhos futuros ser analisada com mais afinco, levando em consideração a experiência quanto gestores culturais perante o SEBRAE e Consórcio do Vale Histórico, contribuindo para o conhecimento das raízes que estão gerando atualmente o desenvolvimento do turismo local. O Programa de Interatividade com a População foi uma criação dos autores: Marcos Aurélio Moreira, Ambientalista, Prof. Cristiano Luiz da Silva, Historiador e Profª Ludmila Pena Fuzzi, Historiadora, no o intuito de sensibilizar a população, estudantes e empreendedores sobre a importância da cultura regional e com isto preparando bases para o turismo sustentável. BIBLIOGRAFIA BACHA, E. GREENHILL, R. 150 anos de café. Ed. Marcelino Martins.& E. Johnston, 1992. CARVALHO, José Murilo. Nação e Cidadania no Império: Novos Horizontes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007. CASTELLS, Manuel, A Questão Urbana. São Paulo, Editora Paz e Terra. 2000 CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo Editora: UNESP, 2003. FAUSTO, Bóris. História do Brasil. Edusp. São Paulo, 2003. FRANCO, M.S. de C. Homens livres na ordem Escravocrata. São Paulo. Instituto de Estudos Brasileiros, 1969. FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 19ª Edição, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1984. 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