tecnologia
Corrida de
gente grande
Com preços que rondam a casa dos R$ 10 mil,
modelos de acesso direto à Bolsa de Valores
tornam ainda mais velozes — e desiguais — as
colocações de ordens
Por Marília Ávila
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Capital Aberto Outubro 2010
tecnologia
Q
uantos negócios é possível realizar em uma
fração de segundo? Mais do que nunca, a
velocidade está se tornando o nome do jogo
quando se trata de investir na Bolsa de Valores.
Os novos modelos de acesso direto a mercado (DMA,
na sigla em inglês), lançados pela BM&FBovespa em
setembro, vão permitir que uma ordem de compra
ou venda de ações seja executada sem passar pela
infraestrutura tecnológica das corretoras. Isso
significa que as ordens, embora continuem a ser
monitoradas e controladas por essas instituições,
passam a ser enviadas diretamente do computador
do cliente para o da Bolsa. Uma espécie de evolução do home broker, só que desta vez para grandes
investidores.
Com a novidade, a Bolsa brasileira entra de vez
na era da supervelocidade. O movimento começou
no início do ano passado, quando algumas corretoras implementaram sistemas de computador
baseados em algoritmos que permitem emitir
ordens em frações de segundos, algo impossível
para o ser humano. Agora, com os novos canais
de acesso direto à Bolsa, esses investidores de alta
velocidade, conhecidos como “high frequency traders”, vão deitar e rolar. Quem usar o sistema mais
potente, por exemplo, o DMA 4 — também chamado
de co-location —, poderá executar suas demandas em inacreditáveis 25 milésimos de segundos.
O acesso a essas tecnologias, no entanto, têm
seu preço. Para fazer uso do co-location, o modelo
mais aguardado pelo mercado, o investidor terá
que pagar um aluguel que varia de R$ 10 mil a
R$ 15 mil por mês. Esse produto permite que o computador do cliente seja instalado dentro do centro
de processamento da Bolsa. O benefício é eliminar
a distância física, aumentando ainda mais a velocidade das transações. Para viabilizar o co-location,
a Bolsa investiu na melhoria do seu sistema de contingência, no aumento do número de servidores e
na redução do tempo de processamento de ordens.
Hoje, o sistema da Bolsa tem capacidade para
realizar até 3 milhões de negócios por dia. “Mas,
atualmente, a média é de 450 mil”, informa André
Demarco, diretor de operações da BM&FBovespa.
Jansen da Costa, superintendente de tecnologia e
desenvolvimento da Ativa Corretora, acredita que o
ganho de velocidade terá como consequência direta
o aumento dos volumes transacionados na Bolsa.
Carlos Layus, gerente comercial de negociações
eletrônicas da Fator Corretora, espera que o acesso
direto gere na Bovespa o mesmo efeito que teve na
BM&F, em 2008, quando foi lançado. Na época,
segundo ele, o volume de negociação de derivativos chegou a dobrar. “Quanto mais compradores e
vendedores houver no mercado, melhor. Isso gerará mais disponibilidade de preço para o cliente e,
consequentemente, uma diferença menor entre os
valores de compra e venda.” O resultado disso, dizem os especialistas, tende a ser preços mais justos.
A Link Investimentos foi a primeira a utilizar o
co-location. Instalou no centro de processamento da
Bolsa uma máquina, que fez sua primeira operação
em 15 de setembro. A corretora investiu cerca de
R$ 20 milhões desde dezembro de 2007 para viabilizar
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Capital Aberto
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tecnologia
o uso do DMA 4 e criar seu centro de processamento
de dados, que lhe permite operar ininterruptamente.
“É preciso ter um arcabouço tecnológico para que o
cliente se sinta seguro de aplicar com você”, observa
Daniel Mendonça de Barros, sócio-diretor da Link.
A Fator, por sua vez, começou a fazer os
investimentos necessários há um ano e meio.
“Perdemos espaço para as que entraram primeiro, mas também evitamos cometer alguns
erros”, afirma Layus. Os preços do acesso direto variam bastante conforme a configuração
necessária, número de terminais e quantidade
de dados que se pretende receber (cotações)
e enviar (ordens). Mas uma configuração básica dos modelos 2 e 3 não sai por menos de
R$ 5 mil por mês cada (confira tabela abaixo).
equidade abalada?
— O lado menos glamoroso desses avanços é a desigualdade que eles podem causar.
Afinal, quem não tiver acesso a eles sairá perdendo
na largada. Waldir de Jesus Nobre, superintendente
de relações com o mercado e intermediários da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não vê
essa situação como um problema porque, para ele,
o mercado já é desigual. Afinal, as ordens chegam
em maior ou menor velocidade dependendo da capacidade da conexão de internet do usuário. O uso
de uma banda larga de 1Mb ou 10 Mb, por exemplo,
define a vantagem de um investidor sobre o outro
ao usar o home broker. “Analisaremos se isso (a
desigualdade) vai se potencializar.”
Os modelos de acesso direto, contudo, não interessam às pessoas físicas, mas, sim, àqueles com
estratégia baseada na velocidade, os chamados high
frequency traders. “O cliente que compra agora para
vender daqui a dez anos não está preocupado com
um centavo”, analisa Fernando Kazan, gerente de
operações eletrônicas da XP. Já quando se trata
de aplicadores com características semelhantes, a
situação muda. “Se tiverem a mesma estratégia, um
pode ficar em desvantagem. Mas isso é o mercado.”
Moral da história: caberá a cada investidor escolher
o produto que mais se adapta a sua necessidade.
“Cada um vai buscar o custo-benefício que lhe for
conveniente”, diz Nobre.
— A CVM pretende avaliar os resultados dos novos tipos de acesso direto ao mercado
em novembro, quando a iniciativa completará três
meses. O objetivo é averiguar se esses sistemas são
olho aberto
Foi dada a largada
Conheça os modelos de acesso ao mercado disponíveis desde setembro
Autorização
Já existia desde 1999
Tipo
DMA 1
DMA 2
Autorizados para o
segmento de ações
desde 1º de setembro
DMA 3
DMA 4
Fonte: BM&FBovespa e corretoras
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Nome
Conexão e infraestrutura
Tradicional
Através da internet, o cliente
envia suas ordens à corretora
Informação viaja pela infraestrutura da corretora para chegar à
Bolsa
Provedor
Através de um provedor de
tecnologia autorizado pela Bolsa,o
cliente se conecta ao sistema da
BM&FBovespa.
Informação passa pelo
provedor para chegar
à Bolsa e não passa
pela infraestrutura da
corretora.
Conexão
direta
É preciso adquirir um “link
dedicado” de empresas de
tecnologia que se conecta à Bolsa
diretamente. Semelhante a uma
linha telefônica, ele carrega dados
de negociação em vez de voz
e tem capacidade constante de
transmissão.
Informação vai do
computador do cliente
até a Bolsa diretamente
pelo link e não passa
pela infraestrutura da
corretora.
Co-location
A BM&FBovespa permite ao
investidor instalar dentro do
centro de processamento da
própria Bolsa um computador
que gera as ordens de compra
e venda. O cliente possui acesso
remoto ao seu equipamento.
A eliminação da
distância representa um
ganho significativo de
velocidade. Voltado aos
investidores que utilizam
algoritmos.
(home broker)
Em todos os novos modelos
de DMA, o acesso do cliente
precisa ser autorizado pela
corretora. Seu controle sobre
a utilização será realizado
através de um filtro (o
sistema MegaLine da Bolsa
ou outro semelhante), de
uso obrigatório. Nele, a
corretora delimita o quanto e
como o cliente pode operar.
Se ele emitir uma ordem
que supere os limites, a
odem é barrada no próprio
sistema. A corretora é
notificada simultaneamente
após a emissão de ordens
pelo cliente. Ela também
pode suspender o acesso do
cliente se julgar necessário.
tecnologia
da Bolsa. Entretanto nenhuma
robustos a ponto de acompanhar
Bolsa é capaz de garantir sozinha
um grande aumento no número de
esse controle. Afinal, quando o
ordens. Em breve, a Bolsa também
investidor usa o naked access, ele
deve apresentar um plano de conse faz passar por uma corretora.
trole de riscos e contingenciamento
Dados d iv u lgados pela SEC
para os novos DMAs.
em janeiro deste ano, revelam que
No s E s t a do s Un ido s, onde
38% do volume diário de negoessas plataformas já existem há
Quem usar o
ciação nos Estados Unidos é feito
mais tempo, o xerife do mercado
co-location poderá
sem o controle de uma corretora.
anda preocupado. A Securities
executar suas
“É como dar as chaves do seu carro
and Exchange Commission (SEC)
demandas em
a um amigo que não tem carta e
manifestou, no início do ano, o
25 milésimos de
deixá-lo dirigir sozinho”, compatemor de que os modelos de acessegundos
rou, na ocasião, a presidente da
so direto incentivem o chamado
SEC, Mary Schapiro. Essa prática,
“naked access” — formato em que o
segundo o regulador, abre espainvestidor não passa pelo controle
ço para que ordens erradas sejam executadas
da corretora porque entra na bolsa diretamente
e deixa o mercado vulnerável à manipulação.
utilizando o código dela. Christine Sandler, viceDe acordo com Demarco, o Brasil não corre
presidente executiva de vendas da Bolsa de Nova
esse risco. Aqui, ao contrário do que acontece nos
York (Nyse), diz que essa forma de acesso nunca
Estados Unidos, a corretora é sempre obrigada a
foi e nem será permitida em suas plataformas de
aplicar controles de risco nas transações de seus
negociação. “Nós temos um compromisso de zelar
clientes. Além disso, a BM&FBovespa lançou
por todos os participantes do mercado”, assegura.
recentemente um software que possibilita o conEla explica que, para operar na Nyse, é necestrole das corretoras sobre as operações de acesso
sário ser credenciado a uma corretora-membro
direto. Denominado MegaLine, ele possibilita
o estabelecimento de limites financeiros para
cada cliente que realiza transações no segmento
Bovespa por meio das modalidades 2, 3 e 4 de
acesso direto ao mercado. Os limites definidos são
avaliados antes de as ordens serem transmitidas,
e as que estiverem fora do perfil são recusadas.
“É o melhor dos mundos”, declara Layus, da Fator.
Expectativa
Preço/mês
Outra preocupação que ronda o mercado
Não há alterações
A partir de R$ 5
norte-americano é a fuga das transações de grandes volumes das plataformas de alta frequência
Deve ser mais procurado por
para as chamadas dark pools — espaço em que
bancos, que operam com várias
corretoras, e menos utilizado
as compras e vendas de ações são realizadas no
A partir de R$ 5 mil
que o modelo 4. Era aguardado
escuro, ou seja, sem revelar a identidade de compor investidores internacionais
prador e vendedor. A migração ocorre porque
também.
os negociadores de grandes lotes saem em desvantagem quando competem com os operadores
de alta velocidade, que costumam transacionar
Não deve ser muito utilizado no
pequenas quantidades e obter os melhores preços.
A partir de R$ 5 mil
Brasil.
O regulador torce o nariz porque as dark pools,
ao contrário das plataformas de alta frequência,
não são reguladas pela SEC. E as bolsas tampouco
gostam da ideia, porque perdem o volume gerado
Era o modelo mais aguardado
pelas negociações dos grandes lotes. A fim de sopelo mercado, tanto por
lucionar esse problema, a Nasdaq anunciou que
investidores internacionais quanto
R$ 10 mil a R$ 15 mil
lançaria, em 8 de outubro, um sistema que dará
do País. Deve aquecer o uso
de sistemas automatizados de
algumas regalias para os operadores de grandes
ordens.
blocos de ações. Haja criatividade para driblar
os desafios trazidos pelas novas tecnologias.
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