tecnologia Corrida de gente grande Com preços que rondam a casa dos R$ 10 mil, modelos de acesso direto à Bolsa de Valores tornam ainda mais velozes — e desiguais — as colocações de ordens Por Marília Ávila 18 Capital Aberto Outubro 2010 tecnologia Q uantos negócios é possível realizar em uma fração de segundo? Mais do que nunca, a velocidade está se tornando o nome do jogo quando se trata de investir na Bolsa de Valores. Os novos modelos de acesso direto a mercado (DMA, na sigla em inglês), lançados pela BM&FBovespa em setembro, vão permitir que uma ordem de compra ou venda de ações seja executada sem passar pela infraestrutura tecnológica das corretoras. Isso significa que as ordens, embora continuem a ser monitoradas e controladas por essas instituições, passam a ser enviadas diretamente do computador do cliente para o da Bolsa. Uma espécie de evolução do home broker, só que desta vez para grandes investidores. Com a novidade, a Bolsa brasileira entra de vez na era da supervelocidade. O movimento começou no início do ano passado, quando algumas corretoras implementaram sistemas de computador baseados em algoritmos que permitem emitir ordens em frações de segundos, algo impossível para o ser humano. Agora, com os novos canais de acesso direto à Bolsa, esses investidores de alta velocidade, conhecidos como “high frequency traders”, vão deitar e rolar. Quem usar o sistema mais potente, por exemplo, o DMA 4 — também chamado de co-location —, poderá executar suas demandas em inacreditáveis 25 milésimos de segundos. O acesso a essas tecnologias, no entanto, têm seu preço. Para fazer uso do co-location, o modelo mais aguardado pelo mercado, o investidor terá que pagar um aluguel que varia de R$ 10 mil a R$ 15 mil por mês. Esse produto permite que o computador do cliente seja instalado dentro do centro de processamento da Bolsa. O benefício é eliminar a distância física, aumentando ainda mais a velocidade das transações. Para viabilizar o co-location, a Bolsa investiu na melhoria do seu sistema de contingência, no aumento do número de servidores e na redução do tempo de processamento de ordens. Hoje, o sistema da Bolsa tem capacidade para realizar até 3 milhões de negócios por dia. “Mas, atualmente, a média é de 450 mil”, informa André Demarco, diretor de operações da BM&FBovespa. Jansen da Costa, superintendente de tecnologia e desenvolvimento da Ativa Corretora, acredita que o ganho de velocidade terá como consequência direta o aumento dos volumes transacionados na Bolsa. Carlos Layus, gerente comercial de negociações eletrônicas da Fator Corretora, espera que o acesso direto gere na Bovespa o mesmo efeito que teve na BM&F, em 2008, quando foi lançado. Na época, segundo ele, o volume de negociação de derivativos chegou a dobrar. “Quanto mais compradores e vendedores houver no mercado, melhor. Isso gerará mais disponibilidade de preço para o cliente e, consequentemente, uma diferença menor entre os valores de compra e venda.” O resultado disso, dizem os especialistas, tende a ser preços mais justos. A Link Investimentos foi a primeira a utilizar o co-location. Instalou no centro de processamento da Bolsa uma máquina, que fez sua primeira operação em 15 de setembro. A corretora investiu cerca de R$ 20 milhões desde dezembro de 2007 para viabilizar Outubro 2010 Capital Aberto 19 tecnologia o uso do DMA 4 e criar seu centro de processamento de dados, que lhe permite operar ininterruptamente. “É preciso ter um arcabouço tecnológico para que o cliente se sinta seguro de aplicar com você”, observa Daniel Mendonça de Barros, sócio-diretor da Link. A Fator, por sua vez, começou a fazer os investimentos necessários há um ano e meio. “Perdemos espaço para as que entraram primeiro, mas também evitamos cometer alguns erros”, afirma Layus. Os preços do acesso direto variam bastante conforme a configuração necessária, número de terminais e quantidade de dados que se pretende receber (cotações) e enviar (ordens). Mas uma configuração básica dos modelos 2 e 3 não sai por menos de R$ 5 mil por mês cada (confira tabela abaixo). equidade abalada? — O lado menos glamoroso desses avanços é a desigualdade que eles podem causar. Afinal, quem não tiver acesso a eles sairá perdendo na largada. Waldir de Jesus Nobre, superintendente de relações com o mercado e intermediários da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não vê essa situação como um problema porque, para ele, o mercado já é desigual. Afinal, as ordens chegam em maior ou menor velocidade dependendo da capacidade da conexão de internet do usuário. O uso de uma banda larga de 1Mb ou 10 Mb, por exemplo, define a vantagem de um investidor sobre o outro ao usar o home broker. “Analisaremos se isso (a desigualdade) vai se potencializar.” Os modelos de acesso direto, contudo, não interessam às pessoas físicas, mas, sim, àqueles com estratégia baseada na velocidade, os chamados high frequency traders. “O cliente que compra agora para vender daqui a dez anos não está preocupado com um centavo”, analisa Fernando Kazan, gerente de operações eletrônicas da XP. Já quando se trata de aplicadores com características semelhantes, a situação muda. “Se tiverem a mesma estratégia, um pode ficar em desvantagem. Mas isso é o mercado.” Moral da história: caberá a cada investidor escolher o produto que mais se adapta a sua necessidade. “Cada um vai buscar o custo-benefício que lhe for conveniente”, diz Nobre. — A CVM pretende avaliar os resultados dos novos tipos de acesso direto ao mercado em novembro, quando a iniciativa completará três meses. O objetivo é averiguar se esses sistemas são olho aberto Foi dada a largada Conheça os modelos de acesso ao mercado disponíveis desde setembro Autorização Já existia desde 1999 Tipo DMA 1 DMA 2 Autorizados para o segmento de ações desde 1º de setembro DMA 3 DMA 4 Fonte: BM&FBovespa e corretoras 20 Capital Aberto Outubro 2010 Nome Conexão e infraestrutura Tradicional Através da internet, o cliente envia suas ordens à corretora Informação viaja pela infraestrutura da corretora para chegar à Bolsa Provedor Através de um provedor de tecnologia autorizado pela Bolsa,o cliente se conecta ao sistema da BM&FBovespa. Informação passa pelo provedor para chegar à Bolsa e não passa pela infraestrutura da corretora. Conexão direta É preciso adquirir um “link dedicado” de empresas de tecnologia que se conecta à Bolsa diretamente. Semelhante a uma linha telefônica, ele carrega dados de negociação em vez de voz e tem capacidade constante de transmissão. Informação vai do computador do cliente até a Bolsa diretamente pelo link e não passa pela infraestrutura da corretora. Co-location A BM&FBovespa permite ao investidor instalar dentro do centro de processamento da própria Bolsa um computador que gera as ordens de compra e venda. O cliente possui acesso remoto ao seu equipamento. A eliminação da distância representa um ganho significativo de velocidade. Voltado aos investidores que utilizam algoritmos. (home broker) Em todos os novos modelos de DMA, o acesso do cliente precisa ser autorizado pela corretora. Seu controle sobre a utilização será realizado através de um filtro (o sistema MegaLine da Bolsa ou outro semelhante), de uso obrigatório. Nele, a corretora delimita o quanto e como o cliente pode operar. Se ele emitir uma ordem que supere os limites, a odem é barrada no próprio sistema. A corretora é notificada simultaneamente após a emissão de ordens pelo cliente. Ela também pode suspender o acesso do cliente se julgar necessário. tecnologia da Bolsa. Entretanto nenhuma robustos a ponto de acompanhar Bolsa é capaz de garantir sozinha um grande aumento no número de esse controle. Afinal, quando o ordens. Em breve, a Bolsa também investidor usa o naked access, ele deve apresentar um plano de conse faz passar por uma corretora. trole de riscos e contingenciamento Dados d iv u lgados pela SEC para os novos DMAs. em janeiro deste ano, revelam que No s E s t a do s Un ido s, onde 38% do volume diário de negoessas plataformas já existem há Quem usar o ciação nos Estados Unidos é feito mais tempo, o xerife do mercado co-location poderá sem o controle de uma corretora. anda preocupado. A Securities executar suas “É como dar as chaves do seu carro and Exchange Commission (SEC) demandas em a um amigo que não tem carta e manifestou, no início do ano, o 25 milésimos de deixá-lo dirigir sozinho”, compatemor de que os modelos de acessegundos rou, na ocasião, a presidente da so direto incentivem o chamado SEC, Mary Schapiro. Essa prática, “naked access” — formato em que o segundo o regulador, abre espainvestidor não passa pelo controle ço para que ordens erradas sejam executadas da corretora porque entra na bolsa diretamente e deixa o mercado vulnerável à manipulação. utilizando o código dela. Christine Sandler, viceDe acordo com Demarco, o Brasil não corre presidente executiva de vendas da Bolsa de Nova esse risco. Aqui, ao contrário do que acontece nos York (Nyse), diz que essa forma de acesso nunca Estados Unidos, a corretora é sempre obrigada a foi e nem será permitida em suas plataformas de aplicar controles de risco nas transações de seus negociação. “Nós temos um compromisso de zelar clientes. Além disso, a BM&FBovespa lançou por todos os participantes do mercado”, assegura. recentemente um software que possibilita o conEla explica que, para operar na Nyse, é necestrole das corretoras sobre as operações de acesso sário ser credenciado a uma corretora-membro direto. Denominado MegaLine, ele possibilita o estabelecimento de limites financeiros para cada cliente que realiza transações no segmento Bovespa por meio das modalidades 2, 3 e 4 de acesso direto ao mercado. Os limites definidos são avaliados antes de as ordens serem transmitidas, e as que estiverem fora do perfil são recusadas. “É o melhor dos mundos”, declara Layus, da Fator. Expectativa Preço/mês Outra preocupação que ronda o mercado Não há alterações A partir de R$ 5 norte-americano é a fuga das transações de grandes volumes das plataformas de alta frequência Deve ser mais procurado por para as chamadas dark pools — espaço em que bancos, que operam com várias corretoras, e menos utilizado as compras e vendas de ações são realizadas no A partir de R$ 5 mil que o modelo 4. Era aguardado escuro, ou seja, sem revelar a identidade de compor investidores internacionais prador e vendedor. A migração ocorre porque também. os negociadores de grandes lotes saem em desvantagem quando competem com os operadores de alta velocidade, que costumam transacionar Não deve ser muito utilizado no pequenas quantidades e obter os melhores preços. A partir de R$ 5 mil Brasil. O regulador torce o nariz porque as dark pools, ao contrário das plataformas de alta frequência, não são reguladas pela SEC. E as bolsas tampouco gostam da ideia, porque perdem o volume gerado Era o modelo mais aguardado pelas negociações dos grandes lotes. A fim de sopelo mercado, tanto por lucionar esse problema, a Nasdaq anunciou que investidores internacionais quanto R$ 10 mil a R$ 15 mil lançaria, em 8 de outubro, um sistema que dará do País. Deve aquecer o uso de sistemas automatizados de algumas regalias para os operadores de grandes ordens. blocos de ações. Haja criatividade para driblar os desafios trazidos pelas novas tecnologias. Outubro 2010 Capital Aberto 21