pessoas físicas Sem medo de arriscar Em busca de alternativas para rentabilizar seu dinheiro, investidores da classe C reservam parte de suas economias para investir em ações Por Marília Ávila 28 Capital Aberto Setembro 2010 pessoas físicas A driano de Maio, 26 anos, estuda administração e recebe R$ 2 mil por mês como comprador de uma indústria do setor alimentício. Mora numa casa construída no mesmo terreno da residência dos pais, no Tatuapé, zona leste de São Paulo, junto com a esposa, auxiliar administrativa, e o filho de quatro anos. O casal tem uma renda conjunta de R$ 3,5 mil. Com esse montante, Maio paga o financiamento do carro, um Celta, e ainda reserva uma quantia para investir na Bolsa de Valores. Ele aplica de R$ 200 a R$ 400 todo mês em ações. Maio faz parte da classe C, um público que cresce em importância para o mercado acionário brasileiro. Com renda mensal entre R$ 1.115 e R$ 4.807 por domicílio, essa camada social representa a maior parcela da população brasileira (53,03%), segundo dados da Fundação Getulio Vargas (FGV). Na corretora Tov, vem ganhando peso e já responde por 20% dos clientes. “Somos as Casas Bahia do mercado financeiro”, brinca o gerente de canais eletrônicos, André Jorge. Segundo Jorge, 25% dos novos cadastros diários recebidos pela corretora são de investidores com esse perfil. Um dos motivos do sucesso é o preço do home broker da Tov. Desembolsando a partir de R$ 5 por mês, o investidor pode começar a se aventurar na Bolsa. Jorge explica que, apesar de a corretora não focar exclusivamente esse público, a inclusão de textos educativos no site e de traduções de termos em inglês facilita a entrada de pessoas de renda mais baixa. “Queremos desmistificar e popularizar o mercado”, diz Jorge. Setembro 2010 Capital Aberto 29 pessoas físicas Puga conta que a Spinelli tem buscado simplif icar a vida dos investidores. Além de textos educativos e materiais de apoio oferecidos no site, a corretora tem blogs que t r at a m do mer c ado financeiro e fóruns de discussão. A baixa Ainda permite ao investidor conrentabilidade ver sa r com u m a na l ist a a ntes das aplicações de fazer aplicações. “Isso ajuda tradicionais a tirar o medo da Bolsa.” Essa contribui para preocupação em orientar os novos a entrada da aplicadores também é replicada classe C na Bolsa pela equipe de atendimento da corretora, principalmente quando está lidando com pessoas da classe C. “A ideia é evitar que caiam de paraquedas na fugindo do tradicional — O bom momento econôBolsa”. Iniciativas como essas são bem recebidas mico vivido pelo País colabora para o avanço da pelos investidores. Até porque fazer um curso classe C na Bolsa. Com mais dinheiro no bolso, para aprender mais sobre ações pode custar caro. esse público procura alternativas para aplicar suas Para se ter uma ideia, o curso ministrado por Calil, economias. A baixa rentabilidade das aplicações trado INI, dura seis horas e custa R$ 300, uma quantia dicionais também contribui para isso, na opinião do relevante para quem já não tem muito para gastar. educador financeiro Mauro Calil, orientador de curNa BM&FBovespa, todas as atividades e os sos do Instituto Nacional de Investidores (INI). cursos de educação financeira são gratuitos. O webdesigner André Gebaile, de 23 anos, Patrícia Quadros, gerente de popularização da também tem se dedicado a formar uma poupança BM&FBovespa, afirma que não há direcionamento expressiva em renda variável. Separa mensalmente específico para nenhuma classe social. Porém, ela entre R$ 1.200 e R$ 1.500 para aplicar em ações sabe do interesse da população de menor poder — uma quantia significativa considerando seu aquisitivo. “A Bolsa promove ações na praia e não há rendimento médio de R$ 2.500. Antes de aplicar, local mais democrático do que esse. Vamos à Rivieele fez um curso sobre investimentos em ações. ra (de São Lourenço), ao Guarujá, a Santos, à Praia “Comecei investindo o dinheiro que tinha guardaGrande“, exemplifica. A Bolsa tem ainda outras inido na poupança. Na época, R$ 790”. Atualmente, ciativas para se aproximar do grande público, que Gebaile faz free lances para agências de publicidade, incluem programas na televisão aberta, no rádio, editoras e empresas de software. Seu pai é corretor de na internet, além de cursos presenciais e on-line. imóveis, a mãe é dona de casa, e o irmão de 19 anos, estudante. A renda da família, que mora no Jabaquara, em São Paulo, gira em torno de R$ 4 mil. de olho nas gerações futuras — Outra forma de Segundo Calil, esse é o perfil típico dos indesmistificar a Bolsa é abrir as portas a estudantes. vestidores da classe C. “A maioria é estudante ou Desde 2006, é realizado o Desafio Bovespa, compepessoas em início de carreira”, afirma. Rodrigo tição anual de simulação de investimentos voltada a Puga, responsável pelo home broker da corretora escolas públicas e particulares de ensino médio do Spinelli, aponta outra característica desse públiestado de São Paulo. No ano passado, 297 colégios co: a propensão maior a correr riscos, devido à públicos se inscreveram na gincana, contra 235 busca por ganhos rápidos. “Cerca de 80% desses privados. A estudante Ariane Fernanda de Oliveiinvestidores são homens entre 20 e 25 anos”, estira participou da terceira eliminatória em agosto. ma Puga. Atualmente, entre 15% e 20% dos novos Aos 20 anos, ela é atendente de telemarketing e cursa cadastros diários da corretora são provenientes o primeiro ano do ensino médio. Com um salário de pessoas com essa faixa de renda. “Ainda é de R$ 515, é uma das três fontes de renda da casa. pouco, mas esse número vem crescendo”, garante. Moram com ela a mãe, seis irmãos, um tio e uma Até meados de 2009, esse percentual era quase prima. Para Ariane, o Desafio Bovespa lhe deu nulo, mas hoje soma mais de mil investidores da conhecimento para, no futuro, poder investir em base de 16 mil da corretora. O crescimento mais ações. “Quando a gente não conhece, tudo é difícil, acelerado aconteceu a partir do início de 2010. mas, no fim, a gente vê que não é tanto assim.” Um dos objetivos da corretora é crescer junto com a BM&FBovespa, cuja meta é cadastrar 5 milhões de investidores pessoas físicas até 2014. Maio é um dos clientes da Tov, na qual acumula R$ 5 mil em ações. Incentivado por um amigo, ele fez um curso sobre o assunto e começou a investir há um ano e meio, pensando no longo prazo. Atualmente, aplica seu dinheiro principalmente em blue chips como Petrobras e Va le. “Como estou começando, prefiro o mais garantido”, ensina. 30 Capital Aberto Setembro 2010