28 Fronteiras Fronteiras Seqüenciamento genético da cana-de-açúcar oferece primeiro resultado Laboratório identifica gene que codifica proteína capaz de inibir fungos; dados também auxiliarão estudos de melhoramento genético LBM/UFSCar Fabricio Mazocco Ensaio de inibição do crescimento do fungo filamentoso Trichoderma reesei. C: controle sem proteína; 1: 12,5 µ g/ml de proteína RZ2001; 2: 50 µ g/ml de proteína purificada; 3: 100 µ g/ml de proteína purificada; 4: 200 µ g/ml de proteína purificada Os primeiros resultados do seqüenciamento do genoma da cana-de-açúcar, realizado entre abril de 1999 e dezembro de 2000, começam a aparecer. Com base no mapeamento genético da planta, o Laboratório de Biologia Molecular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) identificou um gene que codifica uma proteína capaz de inibir o crescimento de fungos. Este é o primeiro resultado pós-seqüenciamento. Na primeira fase do projeto, cerca de 60 laboratórios foram responsáveis pelo mapeamento genético completo da cana. De acordo com Éder Antônio Giglioti, coordenador do Lafimeg (Laboratório de Fitopatologia Molecular e Engenharia Genética), da UFSCar, que também participa do programa, foram identificados 43 mil genes. Os fragmentos dos genes (cerca de 300 mil) estão armazenados no Brazilian Clone Collec- tion Center, em Jaboticabal (SP), construído para esse fim. As informações sobre as seqüências estão armazenadas nos computadores do Centro de Bioinformática da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Comparando as seqüências gênicas da cana com o banco de dados do "Gene Bank" - o banco de dados mundial de genes - a doutoranda Andrea Soares da Costa, do Programa de Pós-Graduação em Genética e Evolução da UFSCar, conseguiu um resultado promissor. Orientada pelo pesquisador Flávio Henrique da Silva, do Departamento de Genética e Evolução da UFSCar, Andrea identificou um gene que codifica uma proteína inibidora de cisteíno protease. Essas proteínas inibidoras são chamadas de cistatinas. Os fungos normalmente secretam proteases que degradam a parede celular da planta, dez|2002 Fronteiras Fotomicrografias do produto da incubação de Trichoderma reesei com a proteína purificada. As imagens foram feitas em microscopia utilizando luz branca. A: controle sem proteína RZ2001; B: inibição com 200 µ g /ml de proteína RZ2001 purificada transformando os nutrientes em alimento para seu crescimento. Foi verificado que a proteína identificada tem a função de inibir a ação das proteases e, conseqüentemente, o crescimento dos fungos. Resultados obtidos a partir de ensaios de inibição do crescimento do fungo Trichoderma reesei na presença da proteína foram bem sucedidos, indicando que outros fungos, inclusive patógenos de cana-de-açúcar como o Fusarium moniliforme, poderão ser inibidos com sucesso. A pesquisa O gene que codifica a proteína inibidora de cisteíno protease foi descoberto quando Andrea, ao comparar seqüências da cana com outras seqüências publicadas em bancos de dados, identificou uma proteína similar presente no arroz (Oriza sativa), com essa determinada função. dez|2002 Pesquisadora comparou seqüências da cana com outras já publicadas e identificou proteína semelhante no arroz Caracterizado o gene, a pesquisadora o utilizou para produzir a proteína por ele codificada em bactérias. Para fazer com o que o gene produzisse a proteína, foi utilizado um sistema de expressão na bactéria E. coli. Em outras palavras, a bactéria foi usada como "hospedeira". O gene, depois de ligado em um plasmídeo, foi introduzido na E.coli. Por sua vez, a bactéria passou a produzir a proteína, colocada em tubos com esporos do fungo Trichoderma reesei. Em outros tubos que também tinham os mesmos fungos, nas mesmas condições, não foram colocadas as proteínas. O resultado foi que, nos tubos onde foi adicionada a proteína, os fungos morreram; nos outros, não. Agora, o mesmo procedimento será utilizado com outros fungos, inclusive o Fusarium moniliforme. Os estudos estruturais e de atividade da proteína estão sendo agora realizados no Centro de Biotecnologia Molecular e Estrutural (Cepid-Fapesp), do qual o LBM é membro. "As possibilidades de termos resultados similares são grandes", afirma Andrea, visto que o Fusarium também necessita de proteases para sua sobrevivência. De acordo com a pesquisadora, já existem alguns fungicidas, porém são tóxicos e prejudicam o meio ambiente. "Com o resultado da pesquisa, será possível até mesmo fazer transgênicos da cana, ou de outras espécies vegetais, que expressem a proteína mais eficientemente, tornando a planta mais resistente ao ataque de patógenos", explica Andrea. Por outro lado, pode-se também pensar em selecionar plantas que naturalmente expressem mais a proteína, bem como utilizar a proteína produzida em laboratório como um fungicida natural. Sucest O Genoma-Cana ou Sucest do inglês Sugarcane EST (sigla de Expressed Sequence Tags etiquetas de seqüências expressas), como parte do programa Genoma da Fapesp, iniciou-se 29 30 Fronteiras em abril de 1999. O projeto, coordenado pelo pesquisador Paulo Arruda, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp, foi um dos primeiros do mundo na área de cana que se valeu da EST, tecnologia de seqüenciamento rápido baseada na identificação apenas das porções dos genes que codificam proteínas, o que acarreta a descoberta de novos genes e a identificação da estrutura e função destes. Este foi o primeiro seqüenciamento de um vegetal no Brasil. A primeira fase do Sucest, de abril de 1999 a dezembro de 2000, foi caracterizada pelo seqüenciamento genético da cana. O trabalho contou, inicialmente, com 32 laboratórios, sendo que destes, 23 haviam participado do seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa. No total, fizeram parte dessa fase do projeto 60 laboratórios, contando com a participação de 240 pesquisadores. Os trabalhos foram divididos em três áreas: Bioinformática, a cargo do Instituto de Computação da Unicamp; Anotação de Dados, conhecida como data mining, com laboratórios sediados na Unicamp, USP, Unesp (campus Botucatu), Copersucar, Univap, Esalq/USP, UFRJ e Unaerp, entre outros; e Seqüenciamento, com laboratórios da Unesp (campi de Botucatu, Jaboticabal e Rio Claro), UFSCar, Univap, Esalq/USP, UMC, USP (campi de São Paulo, Ribeirão Preto e São Carlos), IAC, Unaerp e outros. Os recursos iniciais programados para a viabilização do projeto eram de US$ 8 milhões financiados pela Fapesp e US$ 400 mil por parte da Copersucar. Porém, além de concluir o seqüenciamento quase um ano Cana foi o primeiro vegetal seqüenciado no Brasil Pesquisadores do PMGCA desenvolvem pesquisas na área genômica Além do programa de melhoramento genético,parte das universidades e centros de pesquisa que desenvolvem esses estudos integrou o Genoma-Cana. A Copersucar teve uma importante participação nesse projeto,pois,além de integrar a rede de laboratórios no seqüenciamento genético, atuou na idealização e no co-financiamento do Sucest. Na primeira fase de estudos, a instituição identificou mais de 140 genes que estão de alguma forma envolvidos no processo de fabricação, transporte e armazenamento de açúcares na cana. Atualmente, ela investe em programas de genoma funcional. O IAC participou do Genoma-Cana por meio do Centro de Recursos Genéticos, com trabalho relacionado ao mapeamento de genes funcionais ligados à resistência da cana a nematóides. Os resultados finais ainda não foram divulgados. A Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) participou no seqüenciamento da Chromobacterium violaceum (bactéria que tem tido sua eficácia no combate a pragas agrícolas evidenciada), no processo de anotação, montagem e preparação de bibliotecas. O trabalho foi coordenado por Nara Suzy Aguiar. A UFAL participou do Sucest objetivando identificar genes resistentes ao déficit hídrico. Neste Estado, a pesquisa foi coordenada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal). dez|2002 Fronteiras Divulgação Local de pesquisa da cana na Universidade Federal de Viçosa antes do previsto, o projeto consumiu apenas 50% desse valor, economia esta devida em grande parte à infra-estrutura já instalada e à experiência dos pesquisadores no desenvolvimento do Genoma Xylella. Com a finalização do seqüenciamento, o projeto entrou em uma nova fase, marcada por duas áreas de atuação: o fortalecimento da pesquisa aplicada, em busca de novas variedades da cana; e estudos básicos, voltados para a melhor compreensão dos mecanismos biológicos da planta. O projeto já avança para uma terceira fase, paralela à segunda. Nessa nova fase, a cana será submetida a diferentes estímulos, com o intuito de encontrar genes importantes que contribuam na resistência da planta a diferentes estresses, causados por ataques de insetos, patógenos, clima e outros. Durante o desenvolvimento do Sucest, pesquisadores e produtores de açúcar e álcool reuniram-se com o intuito de identificar e resolver problemas específicos a partir dos dados colhidos no projeto. Com os resultados já obtidos e com os que ainda serão diagnosticados, essa interação deve aumentar. Melhoramento genético Na UFSCar, dois laboratórios integraram a rede nacional: o de Biologia Molecular, no campus de São Carlos, e o Lafimeg (Laboratório de Fitopatologia Molecular e Engenharia Genética), no campus de Araras. O primeiro identificou um gene que codifica uma proteína capaz de inibir o crescimento de fungos. O segundo, coordenado por Éder Antônio Giglioti, após o seqüenciamento, trabalhou com genes que podem estar envolvidos na resistência da cana-de-açúcar a patógenos vasculares, ou seja, fungos e bactérias que colonizam e entopem o xilema, vaso responsável pela condução de água e nutrientes do solo para as folhas da planta. "Estudamos genes que podem limitar essa colonização", descreve Giglioti. Foram encontrados vários genes que podem agir na defesa do xilema. Esses genes podem atuar na formação de tiloses (substâncias que entopem vaso, o que faz com que os microrganismos não "caminhem" no vaso), na produção de géis (que limitam a infecção do vaso) e de calose (tipo de calos), e na infusão de substâncias fenólicas que são prejudiciais aos microrganismos, entre outras funções. A intenção do pesquisador é iniciar uma próxima fase, que consiste em inocular os patógenos Fusarium (fungo), Xanthomonas e Leifsonia (bactérias) em variedades da cana-de-açúcar resistentes e suscetíveis. Após a inoculação, a expressão dos genes encontrados poderá ser quantificada por meio de técnicas moleculares de genômica funcional.Dessa forma, pretende-se entender os mecanismos de resistência da planta. Os dois laboratórios da UFSCar também participaram da primeira fase do Sucest, ou seja, do seqüenciamento genético da cana. dez|2002 Antes do Sucest, outro programa já vinha contribuindo muito com a pesquisa na área de açúcar e, conseqüentemente, com o aumento de produção e atendimento aos pequenos, médios e grandes produtores: o Programa de Melhoramento Genético da Cana-deAçúcar (PMGCA). Esse programa visa o desenvolvimento Interação entre pesquisadores e produtores deve aumentar com o desenvolvimento do Sucest 31 32 Fronteiras Sizuo Matsuoka Inflorescências de cana-de-açúcar sendo colocadas para cruzamentos biparentais de novas cultivares de cana que atendam aos requisitos exigidos na busca constante de maior produtividade. Em cada pesquisa, busca-se a seleção de genitores que quando cruzados propiciem as melhores combinações gênicas para condições específicas de cultivo, dentre elas, o clima, solo e maturação (teor de sacarose), manuseio e resistência a pragas e doenças. Atualmente, três institutos desenvolvem esse tipo de pesquisa para todo o país: o IAC (Instituto Agronômico de Campinas), a Copersucar (Cooperativa de Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo) e a Ridesa (Rede Interinstitucional de Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro). IAC Cultivares IAC O IAC foi a primeira instituição a desenvolver estudos com cana-de-açúcar no Brasil, já nos idos de 1892. Em janeiro de 2002, foi criado o Centro Apta CanaIAC (Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio da Cana), localizado em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. O Centro é resultado do Programa Cana IAC, iniciado em 1992, que reunia os trabalhos de uma pequena equipe de vários departamentos e centros internos e externos ao IAC. "O objetivo da criação do Centro Apta foi o de integrar esforços para o desenvolvimento de tecnologias para a canavicultura paulista e brasileira", define Marcos Guimarães de Andrade Landell, diretor do Centro. Na área de melhoramento genético, a metodologia de trabalho utilizada pelo IAC é a hibridação a partir de genótipos com características desejáveis. Os cruzamentos são realizados no município de Camamú, Estado da Bahia (Estação Experimental pertencente à Copersucar), e as fases de seleção clonal são feitas no Estado de São Paulo. A primeira fase de seleção, denominada seedlings, é feita em unidades de pesquisa de sete regiões do interior paulista que apresentam condições edafoclimáticas (solo e clima) distintas. A seguir, são feitos os ensaios regionais e estaduais nas usinas conveniadas. Como resultado das pesquisas, o IAC lançou quatro variedades em 1997, cinco em 2000 e uma voltada à alimentação de gado em 2002. As variedades produzidas pelo Instituto levam a sigla IAC. O Centro atua em diversas linhas de pesquisa na área da cana. Entre elas, adubação orgânica, rotação de culturas, sistema radicular da planta, estatística, prospecção de demandas, controle de pragas e moléstias, matologia (controle de plantas daninhas) e climatologia. Para o desenvolvimento dos trabalhos,o Centro conta com oito pesquisadores em tempo integral, três agrônomos e seis pesquisadores em tempo parcial. O IAC tem 40 empresas associadas aos projetos de melhoramento genético, de qualificação de ambientes de produção, de fitossanidade e de modelagem. Ao produzir uma nova cultivar, segundo Landell, além das características tradicionais no processo de melhoramento como alta produtividade agrícola, elevado teor de sacarose, resistência às principais doenças e pragas, outro fato levado em consideração é a adaptação ao sistema de colheita mecanizada de cana crua. O Centro está iniciando levantamento junto às usinas e fornecedores do Estado de São Paulo e de empresas convedez|2002 Fronteiras niadas ao Programa Cana IAC, para saber o número de produtores beneficiados pelo programa, e um estudo sobre os impactos da tecnologia gerada pelo IAC, com base nas interações entre a pesquisa e os usuários e em como as novas tecnologias são difundidas e internalizadas. Copersucar Divulgação A Copersucar foi criada em 1959 com o objetivo de comercializar os produtos de seus associados. Atualmente, a cooperativa conta com 93 associados, entre produtores de cana, usinas de açúcar e destilarias de álcool. Os primeiros projetos Campânulas contendo cruzamentos biparentais de canade-açúcar dez|2002 dentro do programa de melhoramento genético da cana e de qualidade de matéria-prima começaram em 1970 e foram consolidados com a criação do Centro de Tecnologia Copersucar (CTC), em 1979, localizado em Piracicaba, interior paulista. Para o desenvolvimento das pesquisas, o CTC conta com quatro estações experimentais: CTEM , em Miracatu (SP); CTEJ, em Jaú (SP); CTEP, em Piracicaba (SP); e CTEC, em Camamú (BA). Na CTEM, é mantida a estação de quarentena por onde as cultivares de cana importadas passam e são avaliadas durante dois anos. "Esse cuidado é essencial para evitar a introdução de novas pragas e doenças", explica William Lee Burnquist, coordenador do Programa de Variedade do CTC. Na CTEC, são realizados os cruzamentos que dão origem às sementes genéticas necessárias para a condução de um programa de seleção de cultivares. Nas estações CTEJ e CTEP, as sementes são plantadas e avaliadas durante um período de aproximadamente sete anos, a fim de que sejam escolhidas as que possuem o melhor potencial de produção e resistência adequada às principais doenças de cana. Os melhores clones são posteriormente avaliados, durante cinco anos, em experimentos padro- nizados, conduzidos em diversas condições edafoclimáticas de usinas, para definir as cultivares mais adequadas para a lavoura comercial. Cultivares SP A Copersucar tem 54 cultivares liberadas para produção comercial. Elas ocupam 60% da área das usinas filiadas e 50% da área da cana no Brasil. No estudo de uma nova cultivar SP (sigla utilizada pela Copersucar), a principal característica que se busca é a alta produção de açúcar. "Aliado a isto, a cultivar deve possuir resistência às principais doenças , bem como a capacidade de manter uma boa produção durante vários ciclos. Hoje, o programa também coloca ênfase na boa adaptação da cultivar à colheita mecanizada crua", descreve Burnquist. Na condução dos programas de pesquisa, cada um é avaliado por um conselho consultivo das usinas cooperadas, levando em consideração critérios objetivos de custo/benefício, inovação e demanda de mercado, entre outros. Além do programa de melhoramento genético, o CTC mantém programas de pesquisa nas áreas de hibridação e seleção de variedades; caracterização de variedades; fitossanidade; biotecnologia; preparo de solos, plantio e tratos culturais; colheita, transporte e recepção de cana; pro- 33 34 Fronteiras Um breve histórico da cana-de-açúcar O primeiro contato com uma planta que seria associada com a doçura, a cana-de-açúcar, pertencente à família das gramíneas (Saccharum officinarum), foi na Nova Guiné. De lá, foi levada para a Índia, à região do Golfo de Bengala, de onde se têm os mais antigos registros de sua existência. A palavra "açúcar" em todos os idiomas é derivada de "shakkar", açúcar em sânscrito, antiga língua da Índia. A planta foi observada por alguns generais de Alexandre, o Grande, em 327 a.C., e mais tarde, no século XI, durante as Cruzadas. A partir daí, foi se espalhando pela Europa. Cristóvão Colombo, navegador genovês e genro de um grande pro- dutor de açúcar na Ilha da Madeira, em sua segunda viagem à América, em 1492, introduziu a planta na região onde hoje é a República Dominicana. Porém, o cultivo da cana foi esquecido em razão da descoberta do ouro e da prata. No Brasil, os primeiros registros da chegada da cana-de-açúcar, trazida pelos portugueses da Ilha da Madeira, datam de 1502. Mas, oficialmente, quem primeiro trouxe uma muda da planta foi Martin Affonso de Souza, em 1532, iniciando o cultivo na capitania de São Vicente, lugar que abrigou o primeiro engenho de açúcar. Mas, foi nas capitanias de Pernambuco e da Bahia que os engenhos se multiplicaram. dução de açúcar e álcool; novos produtos; energia; qualidade da matéria-prima e dos produtos; e planejamento e controle agroindustrial. Para desenvolver essas linhas de pesquisa, o Centro conta com um quadro de 152 pesquisadores de níveis superior e técnico. No programa de variedades, são 37 pesquisadores de níveis superior e técnico envolvidos. Ridesa A Ridesa se distingue dos dois centros de pesquisa citados anteriormente por abrigar sete universidades federais: Rural de Pernambuco (UFRPE), Alagoas (UFAL), Sergipe (UFS), Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Viçosa (UFV), São Carlos (UFSCar) e Paraná (UFPR). A rede foi criada em 1991, com o objetivo de dar continuidade aos programas do Planalsucar (Programa Nacional de Melhoramento da Canade-Açúcar), extinto um ano antes junto com o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool). O grupo se responsabilizou pela continuidade do trabalho Passado um período inicial de dificuldades, a produção de açúcar prosperou e, decorridos menos de cinqüenta anos, o Brasil já detinha o monopólio da produção, o que proporcionou aos portugueses e holandeses uma grande lucratividade na comercialização desse produto. Após a expulsão dos holandeses, em 1654, estes passaram a produzir a cultura no Caribe. Mais tarde, foram os ingleses e os franceses que se interessaram pelo produto, o que fez com que acabasse o monopólio brasileiro. Mesmo assim, a renda obtida pelo comércio do açúcar no período do Brasil Império (1500-1822) foi quase duas vezes superior à do de desenvolvimento científico e tecnológico que vinha sendo executado. Por ser uma rede, a Ridesa utiliza a seguinte logística: a troca de materiais e seleção de cultivares é feita entre os membros das regiões Centro-Sul e Oeste (UFPR, UFSCar, UFV e UFRJ) e entre os integrantes do Nordeste (UFRPE, UFAL e UFSE). Posteriormente, a troca também ocorre entre as regiões. Para Rogério Moura, presidente da Ridesa e reitor da UFAL, a principal vantagem desse sistema é a possibilidade de utilizar o potencial de cada universidade, sem a necessidade de investimentos adicionais em estrutura física e pessoal, um dos problemas enfrentados pela rede. Escassez de recursos e de pesquisadores As pesquisas executadas nas universidades possibilitam a formação, tanto na graduação como na pós-graduação, de futuros engenheiros agrônomos, químicos e outros especialistas para atuar na área, o que pode resolver um dos problemas enfrentados pela Ridesa. Segundo Sizuo dez|2002 ouro e quase cinco a de outros produtos agrícolas. No século XVIII, o Brasil continuou entre os cinco maiores produtores. Em 1747, o químico prussiano Andrés Marggraf inventou a técnica da obtenção do açúcar a partir da beterraba. Graças à Revolução Industrial, surgem máquinas que possibilitaram às indústrias, tanto da cana como da beterraba, um novo patamar tecnológico de produção e eficiência. No início do século XX, os engenhos passam a ceder espaços para as usinas de açúcar. Também nessa época, começa a produção de aguardente a partir da cana, produto considerado de fácil comércio e de boa rentabilidade. A produção do Nordeste, somada à de Campos, no norte do Estado do Rio de Janeiro, e a rápida expansão das usinas paulistas, indicavam uma futura su- perprodução. Para controlar essa produção,o governo Vargas,em 1933,cria o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Com as alterações do preço no mercado mundial do produto e a estagnação das usinas, os usineiros foram forçados a realizar mudanças. Foi da Copersucar, criada em 1959, a principal iniciativa de buscar novas tecnologias para o setor. Essa atitude também foi desempenhada pelo IAC e pelo Planalsucar. Com as crises do petróleo que se seguiram a partir de 1973, o Proálcool, criado em 1975, evitou uma crise maior para o Brasil por meio do incentivo à produção e ao uso do álcool como combustível, em substituição à gasolina. O programa também possibilitou o desenvolvimento de novas regiões produtoras, como Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Matsuoka, coordenador do PMGCA desenvolvido na UFSCar, a continuidade do programa pode ser prejudicada porque não está havendo reposição de pesquisadores e, devido à complexidade do trabalho de melhoramento, o treinamento requer muitos anos. "Sem o melhoramento genético convencional como base, a biologia molecular pouco pode contribuir para a efetiva obtenção das magníficas cultivares que os biotecnologistas prometem", afirma. Moura acrescenta que isto acontece pela dificuldade que as universidades têm em contratar novos professores, mas que existem experiências de alunos que fizeram o doutorado e hoje trabalham no programa. "Acredito que temos de ter criatividade para essas substituições, pois a única certeza que tenho é de que a Universidade não vai acabar, como foi o caso do Planalsucar",prevê o presidente.Atualmente, a Ridesa possui cerca de 70 pesquisadores. Uma outra dificuldade enfrentada pela Rede é em relação aos recursos. Não há verbas específicas do governo federal destinadas ao PMGCA. "Até o dez|2002 35 Sizuo Matsuoka Fronteiras Cultivar da espécie Saccharum officinarum, um dos ancestrais dos híbridos atualmente cultivados momento, não recebemos recursos do governo, apesar de haver a promessa desde a época da absorção do Planalsucar pelas universidades", explica Moura, ressaltando que todo o projeto é financiado pela iniciativa privada. Essa falta de recursos vem causando outras deficiências, além da falta de docentes. Segundo Geraldo Veríssimo de Souza Barbosa, coordenador do PMGCA do Centro de Ciências Agrárias (CECA) da UFAL, na Estação Serra do Ouro, em Murici (AL), há mais de duas décadas não há investimentos em infra-estrutura necessária para o bom andamento dos estudos, como energia, estradas de acesso, armazenamento de água, irrigação, estação meteorológica e outros itens. Cultivares RB Mesmo com todas dificuldades, a Ridesa vem apresentando uma participação significativa no que se refere à pesquisa na área da cana-de-açúcar em todo o Brasil. Desde a criação da rede, segundo Moura, foram liberadas 38 cultivares, ainda resul- 36 Fronteiras Sizuo Matsuoka tantes das pesquisas desenvolvidas na época do Planalsucar. Essas cultivares, que possuem a sigla RB (República do Brasil), representam 50% de toda produção nacional. Só no Estado de São Paulo, as cultivares RB estão em 55% da área plantada, enquanto no Paraná a área chega a 80%. na região e longevidade de socas (brotação e crescimento da cana-de-açúcar depois de cortada a primeira). Como característica específica há a intenção de selecionar cultivares mais resistentes ao déficit hídrico e ao florescimento",explicaBarbosa. As primeiras cultivares feitas após a criação da Ridesa,em 1991,devem sair nos próximos anos, sendo que, para se criar uma nova cultivar, usualmente se leva de 12 a 15 anos. Matsuoka complementa que todas as características Inflorescências de cana-de-açúcar sendo citadas são importantes. "O preparadas para cruzamentos genéticos que se busca é a otimização do balanço das carac- variedade melhorada se a terísticas, sem enfatizar dema- combinação genética idealizada siadamente alguma específica." pelo pesquisador foi efetivamente obtida naqueles cruzamentos. Segundo o coordenador do PMGCA da UFPR,Edelclaiton Daros, as cultivares selecionadas devem apresentar a maior adaptabilidade para diferentes ambientes e a maior estabilidade de produção. "Com certeza haverá casos específicos de determinados clones que terão uma forte interação entre o local, solo e clima", explica. A UFAL, por exemplo, tem quatro variedades específicas para toda a região Nordeste. "No geral, idealiza-se alta produtividade agrícola, riqueza em sacarose, precocidade, resistência a pragas e doenças predominantes Plântulas e resultados O primeiro trabalho, e o mais importante, na obtenção de uma nova variedade de cana-de-açúcar é a realização dos cruzamentos que irão gerar as plantas com as características requeridas. Desses cruzamentos são obtidas as sementes que levam o conteúdo genético desejado. Todo o trabalho posterior de sucessivas seleções e avaliações por longos 12 a 15 anos somente chegará a uma No caso da Ridesa, os cruzamentos são realizados na Estação Experimental localizada em Murici, Estado de Alagoas, da UFAL. Isto porque lá existem as condições ideais para o florescimento da canade-açúcar e sua fertilidade.Uma vez obtidas as sementes, de sua germinação são obtidos os seedlings ou plântulas, a partir das quais se inicia o processo de seleção. Na UFAL, de 1991 a 2002, foram produzidas cerca de um milhão Opinião dos pesquisadores sobre a possível volta do Pro "Haverá a necessidade de ampliar a produção, o que ocorrerá pelo aumento da área ou pela geração de novas tecnologias" Marcos Landell, do IAC "Independentemente do Proálcool, o trabalho que já vem sendo produzido deveria ter mais apoio oficial e também do setor produtivo" Sizuo Matsuoka, da UFSCar dez|2002 Fronteiras de plântulas, que atendem, atualmente, 29 empresas de toda a região sucroalcooleira nordestina; na UFV, de 1992 a 2001, foram produzidas cerca de 530 mil plântulas para o atendimento aos parceiros. Atualmente, a Universidade tem 19 convênios, sendo 15 com usinas, três com cooperativas ou associações de produtores de cana e um com prefeitura. Na UFPR, nos últimos dez anos, foram avaliadas em campo cerca de 500 mil plântulas, sendo que são entregues, por ano, de 30 a 50 clones, o que indica que as unidades conveniadas (27) já receberam 278 clones para avaliação; na UFSCar, foram transplantadas para o campo, entre 1991 e 2000, mais de um milhão de plântulas. Atualmente, a UFSCar tem 80 parceiros nos Estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Além de atuar no programa de melhoramento genético, os pesquisadores também atendem aos parceiros por meio de simpósios, reuniões técnicas, visitas e trabalhos conjuntos. "Existe um ciclo oálcool Futuro da cana Para o futuro, as perspectivas dos pesquisadores da Ridesa são as melhores possíveis. "Há grande potencial nas áreas do PMGCA, pois à medida que a rede vai fazendo troca de materiais (clones), as possibilidades de novas cultivares são intensas, a um custo relativamente baixo", declara Daros, da UFPR. Para Barbosa, da UFAL, o atual envolvimento com o ensino de graduação e pós-graduação tem estimulado a realização de um maior número de pesquisas. Matsuoka, da UFSCar, ressalta que as perspectivas são boas principalmente em termos de biologia molecular, sendo que o Brasil detém hoje um acervo de conhecimento muito grande, devido justamente ao projeto "É uma medida sensata, que poderá contribuir para a diminuição de nossa dependência e incentivar os nossos produtores" Rogério Moura Pinheiro, presidente da Ridesa dez|2002 positivo e tudo que é investido retorna para o produtor: ele disponibiliza o recurso,a Universidade desenvolve o projeto de melhoramento de variedades que, por sua vez,retorna para o produtor",relata o presidente da Ridesa. 37 Genoma. Márcio Henrique P. Barbosa, coordenador do PMGCA da UFV, argumenta que o futuro promissor está ligado com "a integração com o setor privado, que tem evoluído muito nestes anos". William Burnquist, coordenador do Programa de Variedade do CTC (Copersucar), explica que por ser uma das plantas com maior eficiência fotossintética, a cana pode se transformar em plataforma para a produção de muitos produtos a partir da biomassa. "A pesquisa pode ajudar a aumentar a produção e diversificar a linha de produtos",sugere. Marcos Landell,diretor do AptaIAC, afirma que o Brasil tem alta eficiência tecnológica e baixo custo de produção de cana.E acrescenta que, como o país detém a melhor tecnologia de produção do álcool de cana, sendo que sua utilização como combustível renovável tende a aumentar em razão da demanda nacional e internacional,"é possível que se abram novos caminhos para a ampliação da produção e para incentivos à pesquisa agrícola e industrial no setor". Geraldo Barbosa, da UFAL "Há a necessidade de ampliar as linhas de pesquisa, visando atender as condições de manejo de cultivo de novas variedades, bem como a interação destas com outros fatores"