X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental IV-026 - QUALIDADE DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS EM ÁREA COM ATIVIDADE CEMITERIAL: ESTUDO DE CASO EM MACEIÓ-AL Florilda vieira da Silva(1) Graduada em Química Industrial pela Universidade Federal de Sergipe/UFS. Licenciada em Química pela Fundação Universidade do Tocantins/UNITINS. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento do Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas PPGRHS/CTEC/UFAL. Araceli Laranjeira Fazzio Graduanda em Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Alagoas. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Ivete Vasconcelos Lopes Ferreira Engenheira Civil e Mestre em Engenharia Sanitária e Ambiental pela UFPB/Compus II (Campina Grande). Doutora em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos EESC/USP. Professora do PPGRHS/CTEC/UFAL. Cleuda Custódio Freire Engenheira Civil pela UFAL. Mestre em Recursos Hídricos pela UFPB/Campus II (Campina Grande). Doutora em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pelo IPH/UFRGS. Professora do PPGRHS/CTEC/UFAL Endereço(1): Avenida Lourival Melo Mota, s/n. Tabuleiro do Martins. Centro de Tecnologia. Universidade Federal de Alagoas - Maceió - AL - CEP: 57072-970 - Brasil - Tel: (82) 32141275 - e-mail: [email protected] RESUMO A água subterrânea é a principal fonte de abastecimento da cidade de Maceió-Alagoas com 60% da vazão produzida por poços profundos (CASAL, 2009a). Sabendo da importância deste recurso, esta pesquisa teve como objetivo avaliar a possível contaminação do aquífero maceioense em área de cemitério. Foram estudados 2 poços, um localizado no Cemitério Nossa Senhora Mãe do Povo, Maceió, AL, e outro a montante deste, no período de junho a dezembro de 2009, com relação a qualidade da água. Os resultados encontrados sugerem contaminação por necrochorume e/ou outras fontes poluidoras. Estudos adicionais no aqüífero são necessários, visto que a população utiliza a água subterrânea como fonte de abastecimento para o consumo humano na região. PALAVRAS-CHAVE: Águas subterrâneas, Necrochorume, Contaminação. INTRODUÇÃO A água é um elemento fundamental para a manutenção de todas as formas de vida em nosso planeta. Apesar de dois terços da superfície da Terra ser coberta por água, apenas uma pequena porção desta é doce (TUNDISI, 2003). Nas últimas décadas, a preocupação de toda sociedade com a disponibilidade e qualidade de água decorre do fato de que, por mais abundante que pareça este recurso, não é rara também sua escassez, ora pela ocorrência de períodos prolongados de seca ora pela alta carga poluidora a que é submetido (ESPÍNDULA, 2004). Devido ao processo acelerado de urbanização, muitas vezes sem obedecer ao código de edificações do município, algumas cidades, a exemplo de Maceió, enfrentam desafios na demanda por água potável. Atualmente, a principal fonte de abastecimento de água da cidade é a subterrânea com 60% da vazão produzida por poços profundos. O restante do abastecimento é feito por águas superficiais, em que os principais mananciais são os Riachos Catolé e Viação, que juntos respondem por 20% do abastecimento de Maceió. O restante do abastecimento é suprido pelo sistema Pratagy (CASAL, 2009a). A contaminação de água subterrânea nos centros urbanos ocorre com bastante intensidade em quase todos os estados brasileiros. Em Maceió, apenas 27% da população é atendida pelo serviço de esgotamento sanitário (CASAL, 2009b), o que contribui para a contaminação dos aquíferos. ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1 X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Por sua vez, a contaminação de águas subterrâneas por cemitérios está relacionada à alteração da qualidade química das águas e à presença de microrganismos existentes nos corpos em decomposição. A principal causa da poluição das águas subterrâneas por cemitérios é o necrochorume liberado pelos corpos em decomposição no período coliquativo. Segundo Pacheco (2000) este período corresponde à dissolução pútrida das partes moles dos cadáveres, pela ação conjunta da fauna necrófaga. Águas contaminadas, muitas vezes, acabam sendo utilizadas pela população que habita as áreas próximas aos cemitérios. Segundo Matos (2001), depois de morto, o corpo humano se transforma. Passa a ser um ecossistema de população formado por artrópodes, bactérias, microrganismos patogênicos e destruidores de matéria orgânica e outros, podendo por em risco o meio ambiente e a saúde pública. Nos cemitérios, as fontes poluentes são pontuais, representadas por corpos dispostos separadamente em sepulturas. Estes produzem pequenas quantidades de necrochorume, lentamente ao longo de 2,5 anos (CASTRO, 2008). A composição do corpo de um homem adulto de 70 Kg (o da mulher situa-se entre um quarto e dois terços da do homem) contém aproximadamente: 43000 g de oxigênio, 16000 g de carbono, 7000 g de hidrogênio, 1800 g de nitrogênio, 1100 g de cálcio, 500 g de fósforo, 140 g de enxofre, 140 g de potássio, 100 g de sódio, 95 g de cloreto, 19 g de magnésio, 4,2 g de ferro, 0,07g de cobre, 0,12 g de chumbo, 0,05 g de cádmio, 0,01g de níquel e 0,00009 g de urânio (ENVIRONMENTAL AGENCY, 2006). A composição em peso do corpo humano é: 64% de água, 20% de proteína, 10% de gordura, 5% de sais minerais e 1% de carboidrato (VAN HAAREN 1 , 1951 apud ENVIRONMENTAL AGENCY, 2006). Quanto à degradação dos componentes que formam o corpo humano, tem-se que 60% são prontamente degradáveis, 15% moderadamente degradáveis, 20% são lentamente degradáveis e 5% são considerados inertes ou não degradáveis. Neste caso, assume-se que os sais minerais são a forma final dos resíduos degradáveis e que os componentes dos ossos lentamente degradáveis podem ser considerados inertes, para efeito prático (ENVIRONMENTAL AGENCY, 2006). Por sua vez, o necrochorume é constituído de água, sais minerais e 471 substâncias orgânicas, incluindo duas diaminas, que são muito tóxicas, a cadaverina e a putrescina, além de vírus e bactérias (FUNASA, 2007). Sua geração em relação à massa corpórea é da ordem de 0,6 L/Kg (SILVA, 1995 apud 2 SILVA e MALAGUTTI FILHO, 2008). Devido à decomposição química do necrochorume é provável encontrar em amostras com esse contaminante, elevados números de bactérias degradadoras de matéria orgânica (bactérias heterotróficas), de proteínas (bactérias proteolíticas) e de lipídios (bactérias lipolíticas). Bactérias normalmente excretadas por humanos e animais, como coliformes totais (Escherichia coli, Enterobacter, Klebsiella e Citrobacter), Streptococcus faecalis e alguns clostrídios como, por exemplo, Clostrídios perfringens e bactérias patogênicas e enterovírus também podem estar presentes (MATOS, 2001). Os gases produzidos durante a decomposição dos corpos são, principalmente, H2S, CH4, NH3, e CO2 . O odor é causado por alguns destes gases e por pequena quantidade de mercaptana (POUNDER, 1995), substância que contém sulfeto de hidrogênio ligado ao carbono saturado. Outro fator preocupante é o sepultamento de corpos que sofreram moléstia contagiosa, epidemia ou foram tratados com elementos radioativos (MIGLIORINI, 1994). Pacheco (2000) aponta outro problema dos grandes centros urbanos brasileiros, onde há o "convívio" de cemitérios com a população de baixa renda que não dispõe de saneamento básico. Via de regra, usam água a partir de poços escavados e de nascentes, que devem receber substâncias lixiviadas do solo e subsolo das necrópoles. Neste caso a população ficará sujeita às doenças de veiculação hídrica como febre tifóide, paratifóide, cólera e outras (MATOS, 2001). 1 VAN HAAREN, F. W. J. (1951). Cemiteries as Sources of Graundwater Contamination. Water, n. 35, v.16, pp.167-172. 2 SILVA, L. M. Os Cemitérios na Problemática Ambiental. In: SINCESP & ACEMBRA: Seminário Nacional “Cemitérios e Meio Ambiente”, São Paulo, 1995. (Apostila). 2 ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental A implantação de cemitérios sem levar em consideração os critérios geológicos (características litológicas e estrutura do terreno) e hidrogeológicos (nível do lençol freático), constitui mais uma das causas de deterioração da qualidade das águas subterrâneas, pois substâncias provenientes da decomposição de cadáveres podem ter acesso às mesmas, representando um risco do ponto de vista sanitário e higiênico (MARTINS et al., 1991). Segundo a Resolução CONAMA 335, de 28 de maio de 2003 e suas alterações (nº 368/06 e nº 402/08), os cemitérios horizontais e verticais a serem implantados no Brasil devem requerer licença ambiental para funcionarem. A Resolução estabelece critérios mínimos que devem ser integralmente cumpridos na confecção dos projetos de implantação, como forma de garantir a decomposição normal do corpo e proteger as águas subterrâneas da infiltração do necrochorume. Assim, todos os cemitérios devem se adequar à referida resolução até dezembro de 2010 e o descumprimento desta implicará penalidades ao infrator previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) e em outros dispositivos normativos pertinentes, sem prejuízo do dever de recuperar os danos ambientais causados, na forma do art.14, §1º da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81). No âmbito Municipal, a Lei no 4.548/1996 institui o Código Municipal de Meio Ambiente, do controle das fontes poluidoras, da ordenação do uso do solo do território do Município de Maceió, de forma a garantir o desenvolvimento sustentável. Já o Código de Posturas do Município de Maceió – Lei nº 3.538/1985 em seu Art. 5º estabelece que compete à Prefeitura zelar pela higiene pública, visando a melhoria das condições do meio ambiente, da saúde e do bem-estar da população. Este trabalho tem como objetivo avaliar a qualidade físico-química e microbiológica das águas subterrâneas em área de cemitério na cidade de Maceió e interpretar os resultados obtidos com base nas legislações existentes sobre o assunto (Portaria 518/2004 do Ministério da Saúde e Resoluções CONAMA 396/2008, 335/2003 , 368/2006 e 402/2008). CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO Localizada na parte central da faixa litorânea do Estado de Alagoas, Brasil, Maceió está inserida na mesorregião do leste alagoano. Estende-se entre os paralelos 09°21’31” e 09°42’49” de latitude sul e os meridianos 35°33’56” e 35°38’36” de longitude oeste, ocupando uma área de aproximadamente 511 km², o que corresponde a 1,76% do território alagoano. Inserida na Região Nordeste do Brasil, em plena zona tropical e banhada pelo Oceano Atlântico, Maceió apresenta clima quente e úmido. Conforme Santos (2004), o clima se caracteriza por sua homogeneidade, estando suas variações ligadas ao regime pluviométrico. A temperatura anual atinge as máximas nos meses de dezembro a março e as mínimas nos meses de julho a setembro. O clima é enquadrado como tropical chuvoso, possui uma pluviometria anual regular, apresentando duas estações bem definidas: a chuvosa de março a agosto e a seca de setembro a fevereiro. O sistema aqüífero Maceió Conforme a Secretaria de Estado e Meio Ambiente dos Recursos Hídricos (SEMARH, 2004) 3 apud Santos et al. (2007), a geologia local tem quatro unidades litoestratigráficas, que constituem os aquíferos: Formação Maceió, Formação Marituba, Formação Barreiras e os Sedimentos Praias Aluviões. O cemitério público em estudo e o ponto a montante estão localizados no bairro do Jaraguá, situado na parte baixa da cidade de Maceió, fazendo parte das Formações dos Sedimentos Praia e Aluviões, que está inserida na área considerada de vulnerabilidade moderada a alta. 3 SEMARH - Secretaria do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Naturais – Convênio ANA/SEMARHN – Maceió – Alagoas. Gerenciamento Integrado dos recursos Hídricos Subterrâneos do Estado de Alagoas – Etapa III. 2004. ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3 X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Cemitério Nossa Senhora Mãe do Povo Administrado pela Prefeitura Municipal de Maceió, pelo Departamento de Administração de Cemitérios da Superintendência Municipal de Controle de Convívio Urbano (SMCCU), o cemitério tem a sua data de fundação em 1940 com 70 anos de existência, mas o início das atividades de enterramento no local data do final do sec. XIX, conforme inscrições nas catacumbas, indicando que esse cemitério é bem mais antigo. O cemitério estudado é do tipo horizontal, distribuído em quadras estreitas onde existem covas rasas com escavações de 0,5 a 0,8 metro de profundidade. Os caixões são colocados diretamente no solo sem as técnicas necessárias para as trocas gasosas (Figura 1). Há também construção tumulares - jazigos (Figura 2). Figura 1: Cemitério Nossa Senhora Mãe do Povo - covas rasas. Fonte: SANTOS (2006) Figura 2: Cemitério Nossa Senhora Mãe do Povo - sepulturas e poço de coleta ao fundo. As sepulturas são reutilizadas após um período mínimo de dois anos, quando os restos mortais são retirados e inumados em outro local. O cemitério é arborizado com árvores de grande porte (Figura 3) de raízes profundas, causando muitas vezes aberturas nos túmulos, liberando odores característicos. Figura 3: Cemitério Nossa Senhora Mãe do Povo- arborização. A área em torno do cemitério está completamente urbanizada, por unidades habitacionais, comércio, armazéns 4 ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental e campo de futebol, o que caracteriza ocupação irregular no local pela ausência de plano urbanístico. Segundo o Código de Edificações e Urbanismo de Maceió (Lei nº 5.354 de 16 de janeiro de 2004) no Art. 337: Os cemitérios deverão obedecer às seguintes condições: localizar-se em pontos elevados da cidade; devem estar separados de propriedades vizinhas, por vias, cuja largura mínima seja de 12 m. Parágrafo único: inexistindo a largura prevista acima, deverá ser deixada uma área que a complemente, podendo ser utilizada para passeio ou estacionamento. MATERIAIS E MÉTODOS Foram monitorados dois poços, um no interior do cemitério (P1) e outro a montante do mesmo (P2), localizado em um clube esportivo, conforme indicado na Tabela 1. Estes poços foram perfurados pelos proprietários e são utilizados para abastecimento doméstico e outros usos. Tabela 1: Pontos de amostragem. Pontos de Coleta P1 Jaraguá, Av. Maceió, Cemitério Público 09° 40' 10,2'' 35° 43' 07,6'' P2 Av. Dr. Antonio Gouveia, S/N 9°40'4.13" 35°43'2.95" Localização GPS Latitude Longitude Localização O monitoramento da qualidade das águas subterrâneas foi realizado a partir de coletas de água, análises físicoquímicas e exames bacteriológicos. Foram realizadas 05 coletas em cada poço monitorado no período de junho a dezembro/2009. As amostras foram coletadas por bombeamento dos poços, mantidas sob refrigeração e encaminhadas ao Laboratório de Saneamento Ambiental (LSA) da Universidade Federal de Alagoas. Na Tabela 2 estão indicados os parâmetros físico-químicos e microbiológicos de qualidade de água avaliados, assim como os métodos analíticos e equipamentos utilizados, tendo como base os procedimentos descritos no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 1998). Parâmetros Cor aparente (uC) Tabela 2: Parâmetros e métodos utilizados Método e equipamento Parâmetros Colorimétrico - Colorímetro Aquacolor Policontrol Turbidez (NTU) Nefelométrico Turbidímetro AP2000 Policontrol pH (unidades de pH) Método Potenciomérico Peagômetro com eletrodo combinado MV-TEMPMETER LT-Lutron, pH-206 Condutividade elétrica (mS/cm) Cloretos (mg Cl-/L) Sulfato (mg SO4=/L) Condutivímetro Analion modelo C708 Titulométrico (Método de Mohr) Método Turbidimétrico Método e equipamento Sólidos Dissolvidos Totais (SDT) Gravimétrico Nitrito (mg N-NO2-/L) Método Colorimétrico da Diazotização (Método Bendschneider & Robinson, 1952 segundo GOLTERMAN et al., 1978). λ = 543 nm Espectrofotômetro QUIMIS Q108U2M Nitrato (mg N-NO3-/L) Escherichia coli Coliformes (CT) totais Clostridium perfringens ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental Redução de cádmio. Determinação segundo MACKERETH et al., 1978. λ = 543 nm – Espectrofotômetro QUIMIS Q-108U2M Filtração em membrana Filtração em membrana Técnica de tubos múltiplos, norma L5. 213 da CETESB (1993). 5 X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental RESULTADOS E DISCUSSÃO Considerando que na época da construção desse cemitério não foram realizados estudos de impacto ambiental e risco de contaminação para as águas subterrâneas, o mesmo pode ser um potencial poluidor das águas, principalmente nesta parte da cidade onde o nível do lençol freático é muito próximo à superfície. Segundo Santos (2006) varia de 1,0 a 1,5 metro abaixo do nível do solo. As características físicas, químicas e microbiológicas das águas subterrâneas avaliadas apresentam-se influenciadas pelo uso e ocupação do solo, pelas condições climáticas locais, pelo tipo de solo e pela falta de saneamento básico. Os resultados das análises microbiológicas encontradas dão indicativos de poluição de origem fecal. As condições higiênicas e sanitárias das águas estudadas não são satisfatórias, pois as amostras coletadas apresentaram E. coli e/ou coliformes totais. Foram também detectados Clostridium perfringens, sugerindo contaminação remota. O padrão microbiológico de potabilidade da água para consumo humano, segundo a Portaria 518/2004 do Ministério da Saúde, é ausência em 100 mL. Nos pontos estudados houve presença de coliformes totais em todos os meses, estando em desconformidade com a legislação vigente sobre potabilidade da água (Tabela 3). Tabela 3: Concentração de coliformes totais nas amostras coletadas no período de junho a dezembro/2009. Coliformes totais (UFC/100 mL) Pontos Junho Agosto Setembro Outubro Dezembro 5,1 x 104 6,16 x 10 4 P1 1,2 x 104 3 x 102 8x 10 2 2 1 1 P2 1 x 10 1,4 x 10 3 3 2,3 x 10 3 x 10 A Escherichia coli segundo a Portaria 518/2004 do Ministério da Saúde é considerada o mais específico indicador de contaminação fecal recente e de eventual presença de organismos patogênicos. Nos pontos estudados, houve ocorrência de E. coli em todos os meses, exceto em P2 no mês de outubro. A presença de E. coli pode estar associada à decomposição de corpos recém enterrados, visto que esta bactéria em geral tem sobrevida curta no solo (Tabela 4). Tabela 4: Concentração de Escherichia coli nas amostras coletadas no período de junho a dezembro/2009. Escherichia coli (UFC/100 mL) Pontos Junho Agosto Setembro Outubro Dezembro P1 1 x 101 1,1 x 103 2,82 x 102 1 x 101 2 x101 1 P2 1 x 10 1 9 Ausente 1,6 x 102 A bactéria Clostridium perfringens só foi quantificada a partir da terceira coleta (Tabela 3), com base na propriedade dos clostridios sulfito redutores de fermentar o leite tornassolado provocando a coagulação do caseinogênio (CETESB, 1993). Ressalta-se que no mês de outubro/2009 a E. coli não foi encontrada, embora Clostridium perfringens estivessem presentes, podendo indicar contaminação remota. De uma maneira geral, o poço localizado mais próximo às sepulturas (P1) apresentou maiores concentrações dos microrganismos indicadores de contaminação que o poço a montante (P2). Tabela 5: Concentração de Clostridium perfringens nas amostras coletadas no período de junho a dezembro/2009. Clostridium perfringens (NMP/100 mL) Pontos Setembro Outubro Dezembro P1 500 110 40 P2 Ausente 20 20 Na Tabela 6 estão apresentados os valores médios, máximos e mínimos dos indicadores físico-químicos de qualidade da água, nos poços P1 e P2, indistintamente. A discussão dos resultados terá como base a Portaria 6 ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 518/2004 do Ministério da Saúde que trata dos padrões de potabilidade da água, também contemplados na Resolução CONAMA nº 396/2008 que dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento das águas subterrâneas e dá outras providências. Tabela 6: Resultados das análises físico-químicas. Média Mínimo Cor (uC) 5,22 1,2 Turbidez (NTU) 6,42 1,25 pH 6,96 5,68 Condutividade (mS/cm) 0,40 0,26 Cálcio (mg CaCO3/L) 100,38 68,41 Cloretos (mg Cl-/L) 55,72 34,46 Sulfatos (mg SO4=/L) 22,85 0,0 Sólidos Totais Dissolvidos (mg/L) 422,1 224 Nitrito (mg N-NO2-/L) 0, 0945 0, 0002 Nitrato (mg N-NO3-/L) 12,25 1,12 Parâmetros Máximo 11 10,8 8,18 0,52 122,16 84,23 30,91 672 0, 2210 27,61 A cor é responsável pela coloração na água e de grande importância estética para o consumidor. Tem origem na matéria orgânica dissolvida na água e substâncias húmicas. Também pode ser atribuída à presença de alguns íons metálicos como ferro e manganês, abundantes em diversos tipos de solos (PIVELI; KATO, 2005). A cor aparente das amostras avaliadas variou de 1,2 a 11 uC, apresentando média de 5,22 uC (Tabela 6 e Figura 4) e, em algumas amostras valores acima do permitido para consumo humano, segundo legislação do Ministério da Saúde (VMP - valor máximo permitido 5 uC). Em se tratando de cor aparente, a comprovada influência da turbidez fica evidenciada quando comparamos as Figuras 4 e 5. jun ago set out dez Figura 4: Variação da cor no período de junho a dezembro/2009. A turbidez para água de abastecimento tem importância pelo aspecto estético. Nos processos de desinfecção, as partículas responsáveis pela turbidez servem de abrigo para os microrganismos que se protegem da ação do desinfetante. Nos meses de junho a dezembro/2009 a turbidez oscilou de 1,25 a 10,8 uT, com média de 6,42 uT (Tabela 6 e Figura 5). Apenas as amostras do poço localizado a montante do cemitério (P2), nos meses de agosto a dezembro/2009 apresentaram valores dentro dos padrões de potabilidade, ou seja, até 5 uT (BRASIL, 2004). jun ago set out dez Figura 5: Variação da turbidez no período de junho a dezembro/2009. ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 7 X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Quanto ao pH (Figura 6), as águas subterrâneas apresentaram valores entre 5,68 a 8,18, com média de 6,96 (Tabela 6 e Figura 6), indicando que as águas variaram de ligeiramente ácidas para alcalinas, sendo que no mês de agosto os dois pontos de coleta (P1 e P2) apresentaram valores ácidos, impróprios para o consumo humano, segundo a Portaria 514/2004 que estabelece 6,0 como valor mínimo. Nenhuma das amostras ultrapassou o valor máximo que é igual a 9,5 (BRASIL, 2004). jun ago set out dez Figura 6: Variação do pH no período de junho a dezembro/2009. A condutividade elétrica oscilou entre 0,26 a 0,52 mS/cm, com uma média de 0,40 mS/cm (Tabela 6). Não constitui padrão de potabilidade, mas pode indicar a presença de íons dissolvidos na água. Analisando a (Figura 7) a condutividade elétrica é maior no P1, ponto localizado no cemitério. Este resultado está de acordo com a literatura que se refere ao aumento das concentrações de sais e consequentemente na condutividade elétrica da solução do solo sob a área de sepultamentos (SILVA; MALAGUTTI FILHO, 2008). jun ago set out dez Figura 7: Variação da condutividade no período de junho a dezembro/2009. Os teores de cloreto nos locais estudados variaram de 34,46 a 884,23 mg/L com média de 55,72 mg/L (Figura 8), estando em conformidade com os padrões de potabilidade da água que considera 250 mg/L como valor máximo aceitável. jun ago set out dez Figura 8: Variação do cloreto no período de junho a dezembro/2009. 8 ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental As análises de cálcio só iniciaram a partir da terceira coleta (mês de setembro), oscilando entre 68,41 a 122,16 mg CaCO3/L, apresentando uma média de 100,38 (Tabela 6). Se compararmos com a condutividade elétrica (Figura 7) observa-se a mesma tendência, ou seja, os valores em P1 maiores que em P2 (Figura 9). set out dez Figura 9: Variação do cálcio no período de setembro a dezembro/2009. O íon sulfato (SO4-2) é uma das formas de enxofre presente na água. Nas águas subterrâneas está associado à dissolução de solos e rochas como o gesso (CaSO4) e o sulfato de magnésio (MgSO4). Entretanto a degradação de matéria orgânica (proteínas) também pode ser fonte do íon sulfato. Os valores de sulfato nos dois pontos de coleta foram sempre abaixo de 31 mg/L e, portanto, dentro dos padrões de potabilidade, cujo valor máximo permitido é de 250 mg/L (BRASIL, 2004). jun ago set out dez Figura 10: Variação do Sulfato no período de junho a dezembro/2009. Os sólidos totais dissolvidos segundo Von Sperling (2005) são partículas de menores dimensões, capazes de passar por um papel de filtro de tamanho especificado. Verifica-se uma variação de 224 mg/L a 672 mg/L com média de 422,1 mg/L (Tabela 6). Conforme a Figura 11 os valores encontrados de STD estão abaixo de 1000 mg/L, e portanto, em concordância com o especificado para consumo humano (BRASIL, 2004). ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 9 X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental jun ago set out dez Figura 11: Variação de Sólidos Totais Dissolvidos no período de junho a dezembro/2009. O nitrito (NO2-) sempre se encontra em pequenas concentrações, pois dependendo do ambiente, se redutor ou não, pode ser reduzido por bactérias redutoras ou oxidado para nitrato. Há estudos que indicam uma associação entre nitritos e câncer gástrico, pois o nitrito pode combinar-se com aminas e amidas, formando nitrosaminas e nitrosamidas que são mutagênicas e cancerígenas (FAQUIN, 2004). Este parâmetro é portanto de grande interesse sanitário. Os teores de nitrito nos locais estudados variaram de 0,0002 a 0,2210 mg NNO2-/L com média de 0,0945 mg N-NO2-/L (Tabela 6), ou seja, bem abaixo de 1,0 mg N-NO2-/L permitido em águas para consumo humano (BRASIL, 2004). jun ago set out dez Figura 12 - Variação do Nitrito nos meses de junho a dezembro/2009. A presença elevada de concentrações de nitrato pode estar associada à influência de esgostos sanitários (fossas sépticas), vazamentos de redes coletoras de esgoto ou influência na zona de captação dos poços, além da possível contaminação por necrochorume. Os teores de nitrato variaram entre 1,12 a 27,61 mg N-NO3-/L, com uma média de 12,25 mg N-NO3-/L (Tabela 6). A partir da terceira coleta os valores nos dois pontos (P1 e P2), foram elevados (Figura 13), e acima do permitido para águas com fins de abastecimento humano que estabelece 10 mg N-NO3-/L como máximo valor permitido. 10 ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental jun ago set out dez Figura 13: Variação do Nitrato nos meses de junho a dezembro/2009. CONCLUSÕES Com o resultado deste trabalho pode-se concluir que: Existem indicadores de contaminação por microrganismos acima dos valores de referência para água potável, conforme legislação vigente. A presença de E. coli nos poços pode estar associada à decomposição de corpos recém enterrados, visto que esta bactéria, em geral, tem sobrevida curta no solo. Porém, esta hipótese precisa ser investigada através de outras análises bacteriológicas. Foram também detectados Clostridium perfringens, sugerindo contaminação remota. De uma maneira geral, a qualidade microbiológica da água do poço localizado no cemitério em estudo (P1) foi pior que a do poço a montante (P2), o que sugere a influência da atividade cemiterial na qualidade do aquífero. Entretanto, um maior número de amostras deve ser coletado além da pesquisa de outros microrganismos, como as bactérias proteolíticas, para melhor avaliar a origem da contaminação. Para os indicadores físico-químicos cor aparente, turbidez, condutividade elétrica, cloretos, cálcio, sulfato, sólidos totais dissolvidos e nitrito, os valores encontrados em P1 foram, na maioria das amostras coletadas, superiores a P2, o que indica maior deterioração da água subterrânea próxima às sepulturas. Os resultados encontrados são indicativos de contaminação que pode ser por necrochorume ou outras fontes poluidoras, como a falta de saneamento básico na região estudada. No entanto fica o alerta para a necessidade de outros estudos no aquífero, visto que a população utiliza a água subterrânea como fonte de abastecimento para o consumo humano. Embora na época da implantação do cemitério avaliado não houvesse instrumentos legais de controle ambiental, até o momento não foram verificadas ações para o cumprimento da Resolução CONAMA nº 335/2003 para evitar a contaminação do aquífero por necrochorume. AGRADECIMENTOS As autoras agradecem à FAPEAL (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Alagoas) pelo apoio financeiro para a realização da pesquisa. ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 11 X Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 12 APHA, AWWA, WPCF. Standard Methods for the Examination of Water and Waste Water, 20th edition. Washington. 1998. BRASIL (1981). 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