UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL DANIEL CARVALHO DE OLIVEIRA A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E O CARÁTER DE SEU ENFRETAMENTAMENTO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS FLORIANÓPOLIS 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL DANIEL CARVALHO DE OLIVEIRA A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E O CARÁTER DE SEU ENFRETAMENTAMENTO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador: Prof. Marlon Garcia da Silva. FLORIANÓPOLIS, 2013 Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, Departamento de Serviço Social, Centro Sócio-Econômico, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. BANCA EXAMINADORA: ________________________ ProfºMarlon Garcia da Silva Orientador _______________________ 1ª Examinador Profº. Dr. Ricardo Lara Departamento de Serviço Social – UFSC ________________________ 2ª Examinadora Profª. Drª.Simone Sobral Esse trabalho é dedicado ―in memorian‖ à Maria de Lourdes Carvalho de Oliveira. AGRADECIMENTOS Agradeço à Estela Maris Machado pela paciência dispensada e à José Roberto Lemes in memorian pelo incentivo ao saber, ao Instituto Pandavas pelo ensino que prima pela autonomia e aos amigos Alceu da Silva Júnior e Rodrigo Camara. ―Quem Samba Fica, Quem não Samba vai Embora‖ (Carlos Marighella) RESUMO OLIVEIRA, Daniel Carvalho. A Dependência Química e o Caráter de seu Enfretamento pelas Politicas Públicas. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. O presente trabalho constitui-se num aprofundamento de relevantes questões levantadas durante a experiência de estágio, quando ficou evidente a realidade de exclusão dos dependentes químicos nas políticas públicas. Logo, o objeto do estudo centra-se na problematização da condição do dependente químico e principalmente como o Estado disponibiliza o enfrentamento para tal expressão da questão social. Elementos e características que perpassam o universo dos usuários serão arrolados, assim como a lógica proibicionista que perpassa a ―guerra às drogas‖, guerra esta que surge e se mantém sem que existam estudos científicos que respaldem as ações. Destaca-se a estigmatização social praticada socialmente com a ―naturalização‖ da relação entre drogas e violência social. Portanto, evidencia-se a necessidade de construção de uma base científica que respalde os processos de trabalho das diferentes profissões que estão no enfrentamento da dependência química. A categoria profissional dos assistentes sociais – e especialmente os envolvidos no processo de prevenção e/ou tratamento da Dependência Química nas diversas Instituições que trabalham com esta questão – deve estar em sintonia com as reais necessidades dos usuários, de forma a proporcionar autonomia, a emancipação dos indivíduos sociais na democracia e na luta pela efetivação dos direitos, e construção de direitos sociais. Palavras-chave: Proibicionismo. Dependência Química, Políticas Públicas, SIGLAS ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social ANVISA – Agência Nacional Vigilância Sanitária APS – Atenção Primária à Saúde AVC – Acidente Vascular Cerebral BPC – Benefício de Prestação Continuada CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensões CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CAPSad – Centro de Atendimento Psicossocial Álcool ou Outras Drogas CAPSi – Centro de Atendimento Psicossocial Infanto-juvenil CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas CEME – Central de medicamentos CENTRO-POP– Centro de Referência para a população de rua CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CID-10 – Código Internacional de Doenças, 10ª Revisão CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CNS – Conferência Nacional de Saúde CONAD – Conselho Nacional Anti Drogas CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde CRESS – Conselho Regional de Serviço Social DATAPREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FUNABEM – Fundação Nacional Bem Estar do Menor IAPAS – Instituto Nacional de Administração da Previdência Social IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões INPS – Instituto Nacional de Previdência Social LBA – Legião Brasileira de Assistência LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social LSD – Dietilamida do ácido lisérgico MDMA ou Ecstasy – 3,4-metileno-dioxi-metanfetamina MTSM – Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental NAPS – Núcleos de Atenção Psicossocial NEIP – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos OBID – Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PAB – Piso da Atenção Básica SENAD – Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas SNC – Sistema Nervoso Central SNP – Sistema Nervoso Periférico SRT – Serviços Residenciais Terapêuticos SUS – Sistema Único de Saúde THC – Tetrahidrocanabinol UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro LISTA DE QUADROS Quadro 1: PRINCIPAIS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS E OS SINTOMAS NOS USUÁRIOS............................................................. 43 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................... 21 1 A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS .............................................................................................. 25 2 HISTÓRICO DO CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NO BRASIL E A ALTERNATIVA PROIBICIONISTA DO ESTADO ..................................................... 33 2.1 SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: O DEBATE ACERCA DAS CARACTERÍSTICAS E EFEITOS ................................................................... 42 3 O ENFRENTAMENTO PELAS POLITICAS PÚBLICAS DO PROBLEMA SOCIAL DA DEPENDENCIA QUIMICA ................ 51 3.1 A POLÍTICA DA SAÚDE. .................................................................... 51 3.2 OS MOVIMENTOS DAS REFORMAS: SANITÁRIA, PSIQUIÁTRICA E AS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL ...................................................................................... 56 3.3 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL/A REDE ASSISTENCIAL PARA OS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS......................................................... 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUEM SE (PRE)OCUPA COM A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO BRASIL? CONTRIBUIÇÃO PARA O DEBATE. .............................................................................. 69 REFERÊNCIAS .................................................................................. 81 ANEXOS .............................................................................................. 89 21 INTRODUÇÃO A proposta deste trabalho para conclusão do curso de Bacharel em Serviço Social é oriunda da seguinte percepção: a problemática social da dependência química é potencializada pela opção de intervenção pública estatal no que tange as políticas públicas para enfretamento desta expressão da questão social, a opção pela lógica proibicionista pautado no prisma da abstinência, como buscaremos esclarecimento nesta monografia. Esta impressão ocorreu principalmente quando da oportunidade do processo de ensino aprendizado enquanto Estágio Obrigatório não remunerado na Secretaria Municipal de Assistência Social do município de Florianópolis-SC no programa: Centro Pop-Centro de Referência para a população de rua, onde, a demanda reprimida era ignorada por falta de instituições, projetos, programas para enfretamento desta expressão da questão social. À rigidez e ao pragmatismo institucional cabia no máximo o repasse das demandas a outras instituições com a mesma incipiente disposição de acesso às Políticas Públicas. Considerando que a questão das drogas ultrapassa as determinações do consumo e das consequências biológicas que esta prática humana pode causar para o indivíduo, a questão das drogas está cada vez mais ganhando visibilidade social principalmente com a potencialização da violência social e a relação estabelecida entre drogas e violência, que ocorre também e principalmente com a agudização da contradição capital x trabalho, com a reordenação do mundo do trabalho e consequentemente da sociedade a partir do modo de produção que delimita padrões de comportamento para utilização da força de trabalho dos indivíduos em prol da manutenção da vigente organização social. Trata-se de mudanças significativas na estruturação da sociedade bem como da alocação de cada indivíduo na ―/.../repartição espacial das classes sociais que se divide a sociedade /.../‖ (SANTOS, 1998, p. 82). Milton afirma que /.../ a cidadania /.../ mutilada e alienada está relacionada diretamente com a pobreza e que mesmo que o pobre esteja fora do sistema técnicoprodutivo, este é subtraído a possível consumidor: do cidadão imperfeito ao consumidor mais que perfeito /.../ (SANTOS, 1998, p. 83). 22 Os segmentos sociais de baixa renda, salvo escassas variações pouco significativas, na realidade convivem com o cenário de exclusão no que tange à viabilidade de projetos contidos nos textos oficiais relacionados à dependência química, bem como acessibilidade e efetividade nos existentes e praticados, vide exemplo na ‗tática higienista‘ com vistas à ―limpeza‖ dos grandes centros urbanos, adotada pelos gestores dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, em suas respectivas ―cracolândias‖. Portanto, as implicações negativas do consumo de drogas evidenciam-se em todos os indivíduos, porém no que tange a necessidade/falta de tratamento em instituições públicas, os indivíduos ―menos abastados‖ sofrem com a falta ou inexistência dos serviços públicos, destarte, o protagonismo ímpar de instituições privadas predominantemente de cunho religioso na seara de enfrentamento da dependência química. Salientamos ser nosso objeto no presente trabalho delimitar as possibilidades de tratamento da dependência química nas políticas públicas, com foco nas políticas públicas de: saúde e assistência social. A temática da dependência química não interessa apenas aos usuários, às famílias que têm dependentes químicos e aos agentes estatais/ privados (e traficantes/ proibicionismo) que atuam nas políticas sociais de saúde e assistência social. Contudo a compreensão global do universo das drogas como dos usuários ainda está atrelada a conclusões empíricas sobre a ação da droga e à avaliação de seus efeitos sociais e de como lidar com eles. Desde o advento da política global de ―guerra às drogas‖ que vem sendo implementada desde a segunda década do século XX, os problemas relacionados ao uso de psicoativos ilícitos só têm aumentado. Passado quase um século de convívio do consumo massivo das drogas e suas conseqüências, torna-se consenso que existe uma grande dificuldade para se entender a ação da droga, o que se estende à avaliação de seus efeitos sociais e de como lidar com eles. No processo de ensino aprendizado de graduação em serviço social há ênfase nas dimensões ético-política, teórica metodológica e técnico-operativa que servem para orientar a formação dos assistentes sociais, dimensões estas que privilegiam uma postura profissional crítica acerca da realidade social na qual está inserido para propiciar a reflexão em torno de temas transversais presentes no cotidiano profissional, e criar situações de debate e reflexão sobre aquela referida realidade. Portanto, o conhecimento sobre o ‗contexto global‘ do tema ―drogas e 23 dependentes químicos‖ torna-se necessário para atuação profissional no Serviço Social brasileiro. A intenção é a aproximação da situação concreta de um fenômeno com alto grau de complexidade, dado, a incipiência científica de um trabalho de conclusão de curso no que tange principalmente o tempo reduzido para uma análise mais minuciosa, além da inexperiência científica do autor, com intenção de apreensão tanto das reais implicações da dependência química como dos desdobramentos posteriores ao uso indiscriminado de substâncias químicas para os usuários, bem como para a sociedade. Acompanhando Martinelli (2002, p. 2), a presente pesquisa está alinhada à ―/.../ perspectiva dialética com prisma do princípio da realidade que busca as tramas o real, concreto, em movimento em sua historicidade /.../‖, principalmente por ser a dependência química um movimento da particularidade para a totalidade. Para reconhecimento da realidade do universo das drogas e da dependência química sob o prisma das políticas publicas no presente trabalho, no capítulo 1, dedicaremos a descrever e refletir sobre as necessidades e dificuldades pertinentes a dependência química, para responder as reais demandas dos usuários que buscam atendimento. É oportuno ressaltar que este trabalho não busca desvendar todas as implicações no âmbito das políticas públicas sobre ―drogas‖ no Brasil. No referido capítulo a intenção é a de contextualização das substâncias químicas na sociedade, seu consumo e as determinações sociais, políticas e econômicas que condicionam as necessidades dos usuários dos projetos/programas pertinentes ao tratamento da dependência química, com objetivo de introdução ao debate, buscando informar sobre a lógica proibicionista que perpassa as políticas relacionadas a esta expressão da questão social. Além de situar a posição da categoria em relação aos processos de trabalho dos assistentes sociais que estiverem no exercício profissional lidando com esta realidade. No capítulo 2 resgataremos o histórico do consumo de substâncias psicoativas no Brasil e as posições do Estado em relação ao fenômeno. A construção do entendimento de que a dependência química deve estar alocada na seara da saúde mental, com a definição do conceito drogas com aferição médica judicial, que no tensionamento dos saberes acerca das substâncias químicas a medicina tem protagonismo, não necessariamente com mais ou menos mérito, encontra se como as 24 outras áreas de atuação no tema procurando uma melhor compreensão sobre a dependência química e as drogas. Pontuar criticamente sobre o foco da ―Guerra às Drogas‖ nas substâncias, em detrimento dos indivíduos que fazem seu uso. Demonstrar ainda as características das substâncias químicas e seus efeitos, situando o proibicionismo como lógica regente das políticas públicas para enfrentamento da questão, com prisma da abstinência para o ideal de tratamento; recuperação. No capítulo 3 abordaremos o enfrentamento pelas políticas públicas do problema social da dependência química a partir das políticas de: saúde e assistência social, e os movimentos das reformas: sanitária, psiquiátrica e as políticas específicas de saúde mental. Por fim, desfechamos o trabalho delimitando a conjuntura atual do enfretamento da dependência química no país, questionando: Quem se (Pre)ocupa com a Dependência Química do Brasil? Buscaremos demonstrar os parcos avanços registrados e a opção de alguns estados por tratamentos compulsórios e involuntários e o posicionamento do Serviço social brasileiro acerca do tema. Assim como, apontar contribuições com o debate principalmente a partir do recorte do serviço social com definição de um posicionamento categórico e individual perante esta expressão da questão social. 25 1 A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS As situações mencionadas na introdução instigaram o esclarecimento das possibilidades de garantia de direitos sociais a um cidadão que incorra na dependência química, visto serem esses considerados hereges/párias passíveis de invisibilidade social em decorrência de uma prática humana. Ademais dos inúmeros e complexos fatores que condicionam indivíduos a uma vida de negação, tal como se dá com os moradores de rua que têm na dependência química mais um obstáculo para sociabilidade, obstáculo este negligenciado por parte do Estado e por vezes legitimado pelos veículos de imprensa e grande parte sociedade no referente a prevenção, tratamento, recuperação, ao Estado cabe a repressão como principal intervenção para esta ―moléstia social‖. Sabemos que isso decorre dentre outras razões do não investimento nos indivíduos que buscam reduzir os danos da drogadição ou parar com o uso e abuso de drogas, e da não efetivação das políticas relacionadas com a dependência química. Destarte os juízos de valor que ocorram sobre o fenômeno, para Carneiro (2005, p. 148) ―... as drogas são uma mercadoria que se efetivam em um mercado por meio de relações humanas...‖ .Na presente conjuntura, as expressões da questão social potencializadas pela contradição vigente do capital/trabalho, têm colocado novos desafios para o Estado que por sua vez se sustenta em uma base de apropriação dos aparelhos sociais, em Marx, declara: ...a religião da mesma maneira que os demais elementos burgueses /.../ os declarando apolíticos, deixando os confiados a si próprios...ativos na sociedade civil. A infraestrutura seria representada pelas forças econômicas, a superestrutura, representaria as ideias, costumes, instituições(políticas, religiosas, jurídicas, etc.) /.../ (MARX, 2002, p. 13). Para Netto (2002, p. 29), é importante pontuar a verdadeira funcionalidade do Estado que é o condicionamento econômico e político no campo burguês: ―‗/.../ É o que determina suas bases sociais de apoio e recusa /.../‘‖. Esta posição crítica atenta ao possível erro de concepção 26 ao qual reservaria ao Estado a resolução orgânica dos problemas sociais, posição esta consciente da necessidade de auto emancipação dos cidadãos que necessitam: /.../ emancipar politicamente, como para o Estado que o emancipa e deve, ao mesmo tempo, ser emancipado... Na mesma medida que ambos se contrapõem eles se condicionam simultânea e mutuamente /.../ (MARX, 2005, p.34). Portanto o próprio ‗avanço‘ das políticas públicas, inclusive na seara da dependência química cabe a uma relação de interesse de manutenção deste Estado liberal, logo, demanda da funcionalidade da resolução dos problemas inerentes a dependência química a uma necessidade de manutenção da ordem, como classifica Thompson, (2007, p. 47), ―/.../ numa sociedade complexa, e hierarquizada, dita as leis a classe que dispõe de poder /.../ com o propósito político de assegurar a conservação do status quo socioeconômico /.../‖. Este poder estatal é resultante de um ideário burguês que localiza no Estado a resolução das contradições existentes na sociedade e no convencimento que o ―... o exercício do ‗poder e necessário‘ e para o ‗bem‘ de todos deve ser exercido...‖ (BAKUNIN, 1988, p.225). O que nos faz entender que a efetivação de políticas públicas não necessariamente garante o Estado de bem estar social tão pouco individual, e que liberdade neste Estado e Sociedade (modo de organização e produção) refere-se, de acordo com Marx (2005, p.34), ―/.../ a liberdade individual do direito do indivíduo delimitado, limitado a si mesmo /.../ e não se baseia na união do homem com outro homem, mas pelo contrário na separação do seu semelhante /.../, a limitação da liberdade /.../‖. À frente retomaremos a análise das políticas públicas no caso da dependência química alocada mais especificamente na área da saúde mental, que habitualmente dispõem de intervenções incipientes, considerando, a complexidade do tema ―uso de drogas‖, principalmente a dependência química (álcool e drogas ilícitas) determinando o cenário de exclusão para com aos usuários de substâncias químicas e seus familiares nas políticas públicas o que reflete na sociedade na situação de endemia social que resultou principalmente a partir de advento do consumo/dependência ao crack. O presente desenvolvimento recorre à perspectiva crítica do Projeto Profissional do Serviço Social brasileiro e a postura 27 radicalmente democrática no processo de trabalho dos Assistentes Sociais que estão comprometidos, entre outros princípios com o do ―/.../ reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes– autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais /.../‖ (CÓDIGO DE ÉTICA, 1993). Para Paiva e Sales este princípio relaciona-se na prática do Serviço Social com a: /.../ necessidade de liberdade não pode suplantar o ideal da igualdade, a igualdade requer a liberdade e vice-versa. Não se trata de uma concepção de liberdade como a presente no liberalismo, que a percebe apenas como livre arbítrio ou que coincide das decisões individuais ,pois a experiência da liberdade se constitui como uma construção coletiva ...contudo,esse pleito de consolidação da liberdade na conjuntura da sociedade capitalista limita a liberdade aos termos formais e jurídicos /.../ (PAIVA e SALES, 1997, p. 182) O que pode gerar circunstâncias de impotência nos processos de trabalho dos assistentes sociais desencadeando visões mecanicistas com postura ora fatalista ora messiânica (Iamamoto, 1992, p.114), postura esta que para Paiva e Sales (1997, p. 183) é ―/.../ fruto da inércia conformada no interior do sujeito /.../‖. Para os profissionais do Serviço Social é classificada por Marilena Chauí (1994, p. 357) como ―/.../ uma situação em que diante das adversidades, renunciamos a enfrentá-la, fazendo-nos cúmplices dela e isso não é o pior /.../. Pior é a renúncia da liberdade /.../‖. Outro princípio que perpassa o projeto profissional do serviço social é o da ―... defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e do autoritarismo...‖ (CÓDIGO DE ÉTICA, 1993), principalmente como ressaltam Paiva e Sales, considerando: /.../ o passado recente da categoria dos Assistentes Sociais, o final da década de 1970 até os dias de hoje vem se posicionando contra todo tipo de abuso de autoridade, torturas, violência doméstica e urbana/social o que vincula a categoria na /.../ firme vinculação à luta em favor dos direitos humanos /.../com um real posicionamento de valor e respostas que ultrapassem o assistencialismo, o 28 imediatismo, a fragmentação /.../ (PAIVA e SALES, 1997, p. 184). Este desafio de desvelamento do real, no caso específico do trabalho profissional dos Assistentes Sociais que se vinculam direta ou indiretamente com a efetivação de direitos dos usuários de drogas e seus familiares, das pessoas vivendo em situação de rua ou dos moradores de comunidades que convivem com o tráfico de drogas, tais exigências são ainda mais prementes e principalmente diante do entendimento equivocado sobre a dependência química, reforçado pela incipiência com quase ausência e estudos que abarquem esta temática. O que é determinante para análises profissionais e posteriores intervenções caracterizadas pelo despreparo técnico-científico. Este cenário é o cotidiano da atuação profissional de variadas profissões que estão inseridas no âmbito da dependência química, inclusive os assistentes sociais O discurso dominante, calcado na moralidade, na ideologia cristã, legitimado por uma mídia que explora os aspectos mais degradantes da dependência química, conduz o grande público a análises apaixonadas, equivocadas, condicionando posteriores conclusões fatalistas como: as drogas ilícitas, (na atualidade especialmente o crack), inevitavelmente degeneram o caráter e o comportamento de seus usuários negando assim totalmente a ―... multiplicidade de implicações sociais, econômicas, familiares, psicológicas que determinam o grau de abuso e degeneração que uma substância pura e simples pode causar para cada indivíduo...‖ (LENOIR, 1996, p. 63). Nesse sentido, tais visões impedem qualquer possibilidade de liberdade e de autonomia do usuário, criminalizando a conduta de uso de substâncias ilegais, o que, por sua vez, autoriza e legitima o Estado, por intermédio de seus agentes de segurança pública (repressão) e de profissionais (da saúde, da assistência social), a decidir pelo abrigamento e tratamento compulsórios. Deste modo se alimenta a falácia da compreensão de que a dependência química é a motivação maior da violência social, logo a questão e responsabilidade dos órgãos estatais de segurança civil, os detentores do uso e monopólio da violência, cabendo assim principalmente a repressão para a pseudo ―guerra às drogas‖ (BURGIERMAN, 2011, p. 42), como alternativa de enfretamento da dependência química. Enquanto o foco for às substâncias em face aos usuários, com tais posições que reforçam a centralidade do debate nas substâncias químicas e não nos indivíduos que fazem seu uso, a ―guerra às drogas‖, 29 como buscaremos demonstrar neste trabalho de conclusão de curso estão condenadas ao infortúnio. A não efetivação das garantias constitucionais das políticas sobre drogas reflete diretamente nas classes subalternas (YASBEK, 1993), considerando o protagonismo da iniciativa privada em clínicas de tratamento de dependência química, o que para Pinheiro (1991,p.50), este cenário de inconclusão dos direitos sociais constituídos garante os segmentos populacionais afetados um ―/.../ regime de exceção paralelo /.../‖ e mantém as ―/.../ formas de regime autoritário /.../‖ Além de condicionar a manutenção deste regime de exceção paralelo, a legitimidade social que o Estado se respalda – inclusive respaldo das classes populares afetadas – ressalta Pinheiro: /.../ a tortura, a eliminação sumária de ‗suspeitos‘, enfim, as práticas rotineiras de uma ‗pedagogia do medo‘, sistematicamente aplicada às classes populares: invasões de domicilio, batidas policiais nas periferias (quase uma exclusividade), espancamentos, sequestros, massacres, chacinas, são visualizados como integrando a normalidade pela maioria das populações/.../ (PINHEIRO, 1991, p.51). Principalmente quando estas ações se deparam com indivíduos envolvidos com drogas, ocorre uma ―natural legitimação‖ para o ‗bem‘ e para o ‗mal‘. Por vezes advogados associam o consumo de drogas á incapacidade de consciência, o que legitimaria todos os tipos de ocorrências, dependendo da possibilidade/qualidade de defesa jurídica. Alocando seus clientes como inimputáveis por considerar que o uso de substâncias psicoativas desencadearia: anomalia psíquica, retardo mental isentando indivíduos de responsabilidade penal por não poder responder por si judicialmente. Um problema principal que identificamos está no discurso e na postura oficial do Estado que reforça a satanização das substâncias, desfocando o âmbito dos usuários, o que ostenta um ‗repúdio retórico‘ e prático, consagrando a ‗violência ilegal‘. Pinheiro (1991) associa este contexto com o período da ditadura militar: /.../ Ao saber que as mesmas práticas que no período autoritário suscitavam protestos, marchas, manifestações, quando os atingidos eram 30 indivíduos da classe média e da burguesia /.../ a política de segurança pública nas suas linhas gerais /.../ nos governos pós-transição política, continua sendo a mesma da violência explícita e ilegal da ditadura /.../ enriquecidas pelas ilegalidades agregadas /.../ como a militarização do policiamento ostensivo, contemplado na Constituição de 1988 /.../. O Brasil jamais renunciou nenhuma de suas ‗conquistas‘, desde, o cassetete de borracha, passando pelo ‗pau de arara‘ até a bateria para choques elétricos /.../ (PINHEIRO, 1991, p.53). Para Netto /.../ ao cabo do ciclo ditatorial, nenhum dos grandes e decisivos problemas estruturais da sociedade brasileira (que Florestan Fernandes, reiteradamente, chamou ‗descolonização incompleta‘) estava solucionado, ao contrário: aprofundados e tornados mais complexos /.../ (NETTO, 2002, p.15). Trata-se de uma associação histórica praticada no ideário social de que a dependência química potencializa a violência social, sendo considerado um problema social. Para Lenoir (1996) o debate acerca do tema deve primar pelo conhecimento científico: ... no senso comum, um problema social existe simplesmente porque é um dado da realidade, algo natural, mas cabe às ciências, principalmente às humanas, buscar compreender os mecanismos pelos quais o problema é instituído... (LENOIR, 1996, p.63). Lenoir pontua que por ser considerada uma prática anti-social, a oferta de tratamento a dependência química reproduz os modelos de exclusão/separação do convívio social, como o tratamento de moléstias com reprovação social, vide exemplo da hanseníase no início do século passado, onde, os pacientes da doença eram excluídos do meio social. Alternativas estas que violam direitos humanos. Para o conjunto Cfess-Cress (2012) ,em um comunicado para pontuar ao menos um posicionamento político da categoria, reforçando à 31 dimensão técnico-operativa dos assistentes sociais, com o prisma de adequação aos princípios norteadores contidos no código de ética da profissão no enfretamento da questão social, uma intervenção de forma justa e democrática com a universalização do acesso e com a melhoria da qualidade das políticas sociais, exige por parte dos assistentes sociais uma: /.../ capacidade crítica para compreender e diferenciar as várias drogas, a diversidade de usos e motivações, bem como os danos sociais e de saúde decorrentes dessas práticas. Considerando que a defesa pela vida está radicalmente da ampliação e consolidação da democracia e da cidadania /.../ (CFESS-CRESS, 2012, p1). Sendo assim a alternativa proibicionista, com repressão como enfrentamento está condicionada a determinadas classes sociais. Para Carneiro(2005,p 151), a: ―/.../ proibição de determinadas substâncias químicas potencializa o controle de hábitos, costumes, tradições, práticas e comportamentos de camadas sociais historicamente discriminados /.../‖, os associando com a marginalidade, principalmente pela fragilidade de nossa democracia e ineficácia da distribuição da riqueza socialmente produzida. Em nome de um ideal falacioso de um ―mundo livre de drogas‖, setores conservadores procuram impedir que o debate ganhe visibilidade pública e política. Requisitam a responsabilidade pública em defesa da saúde e do destino dos jovens, ―a velha e boa moral dos bons costumes‖, obscurecendo as reais determinações sociais, econômicas e políticas, subjetivas individuais/coletivas que, efetivamente, determinam a trajetória trágica da vida concreta de parcela expressiva da população brasileira usuária de substâncias químicas e cidadãos que necessitam da efetivação dos direitos sociais, em forma de políticas sociais. 32 33 2 HISTÓRICO DO CONSUMO PSICOATIVAS NO BRASIL E PROIBICIONISTA DO ESTADO DE A SUBSTÂNCIAS ALTERNATIVA Ao contrário do que muitos acreditam, as drogas estão no meio social desde o Egito antigo, em Roma, na Grécia, nas civilizações asiáticas, sempre existiram o álcool, o ópio, a cannabis. Nas Américas pré-colombianas, seus habitantes já se valiam do tabaco, de mascar folhas de coca, de usar o extrato do cacto peyote, da mescalina e de outras plantas alucinógenas. As drogas são antigas, mas seu uso massivo é muito recente, há apenas um século começaram as grandes guerras neste contexto histórico em que o consumo massivo foi acentuado (CARNEIRO, 2005, p. 157). A fim de apresentar uma breve referência do histórico do consumo de drogas e sua regulação jurídica, como também suas particularidades, segundo Fraga, a regulação jurídica acerca das drogas começou: /.../ no séc. XIX e mesmo em alguns casos mais específicos, o início do século XX não havia em nosso arcabouço jurídico uma lei que abordasse a questão das drogas. Por outro lado, algumas substâncias, principalmente os venenos, já tinham sua venda controlada antes mesmo da nossa independência, desde as Ordenações Filipinas, ordenamento jurídico português, com validade no território do Brasil Colônia já um item referido ao uso e à posse de determinadas substâncias /.../ (FRAGA, 2010 ,p.28). Fiore (2005) afirma que a 1ª lei da qual se possui registro histórico sobre substâncias químicas (4 de outubro de 1830) ocorre na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que regulamenta a venda de gêneros e remédios pelos boticários, onde: /.../ proibia a venda e uso do pito de pango /.../ havia multa ao vendedor e três dias de cadeia aos que usarem, explicitando-se aí escravos e demais pessoas /.../ pois /... a maconha já antes de sua proibição era diretamente associada às classes baixas, aos negros e mulatos /.../ porém /.../ as 34 práticas específicas de classe e/ou raça que eram vistas como perigosas /.../ (FIORE, 2005, p.263). O ‗critério‘, por explicitar escravos, era certamente de ―controle social", diz Fiore, demonstrando que pode haver na lei, inclusive, um viés discriminatório. Segundo Fraga, o Código Penal do Império, de 1851, não tocava na questão de proibição, mas regulava o uso e a venda de medicamentos, enquanto o Republicano e 1890, determinava uma multa a quem vendesse ou ministrasse substância venenosa sem prescrição nos regulamentos. ―/…/ É importante reparar a não referência a determinadas substâncias como maconha, cocaína ou ópio /.../. O decreto legislava com a utilização do termo substâncias venenosas e atrelado, notadamente, à prática sanitária /.../‖. Estudiosos das substâncias químicas mostram a participação do Brasil no processo para jogar na ilegalidade o hábito de fumar maconha. Por exemplo, após as Guerras do Ópio, no século XIX, houve diversos encontros entre as nações para se discutir os procedimentos que os países deveriam tomar para combater certos entorpecentes com consequentes reuniões de 1909, 1911, 1912 e 1921, com destaque para Convenção de Haia em 1912, também conhecida como primeira convenção do ópio. É quando o governo forma uma comissão de médicos, juristas e autoridades policiais para estudo sobre o tema e possíveis mudanças no código penal, entre os ilustres da comissão de ‗notáveis‘ estava Carlos Chagas (chefe da saúde pública), pois o Brasil, embora tenha se comprometido em cumprir o tratado de Haia, nunca o tinha feito efetivamente. Com o fim da primeira guerra, as convenções foram retomadas. No ano de 1921, o governo brasileiro se viu obrigado a cumprir seus compromissos internacionais; a primeira lei específica sobre drogas no Brasil é sancionada pelo presidente Epitácio Pessoa. Trata-se do decreto nº 4294, 6/07/1921. Carvalho afirma que o decreto, estabeleceu: /.../ penalidades para os contraventores na venda de cocaína, ópio, morfina e seus derivados; cria um estabelecimento especial para internação dos intoxicados pelo álcool ou substâncias venenosas; estabelece as formas de processo e julgamento e manda abrir os créditos necessários /.../ (CARVALHO, 2009,p. 12). 35 Os tratados que seguiram ao de Haia foram se tornando cada vez mais rígidos o controle legal sobre as drogas até culminar na Convenção Única dos Entorpecentes (1961). Esta convenção fez a classificação e divisão das substâncias com consumo proibido, que na conjuntura brasileira desencadeou, finalmente, em 1976, com o então Presidente Ernesto Geisel que sanciona a Lei nº. 6.368/76 prevendo a criação, por decreto, em seu artigo 3º, de um Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão. Para Carvalho (2009,p.12), na prática, tratava-se de cumprir as convenções de 1971 (Viena) e 1972 (Protocolo de Emendas à Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 – Genebra) a Lei de Tóxicos promulgada em 1976 (lei n.6.368) que passa a considerar dependência psíquica e física, devendo ser determinada por critério médico para decisão da justiça. A internação deixa de ser obrigatória, sendo substituída por tratamento, além de definir as penalidades para quem portar a droga para vender (art.12). E quem portar para consumo próprio (art.16), a referida lei deixa a critério do Ministério da Saúde a decisão sobre quais substâncias devem ser proibidas ou pela Anvisa (Agência Nacional Vigilância Sanitária). Praticamente, desde sua edição, diversos projetos foram sendo apresentados para modificá-la, pois torna dúbio o entendimento de quem é o usuário e quem é o traficante temos este impasse ―jurídico‖ desde então condicionando a decisão de quem é usuário ou traficante ao poder judiciário que determina esta diferenciação, considerando todos os agentes públicos envolvidos no auto de atuação de cada indivíduo. As alterações, só ocorreram em 1998 com o decreto nº. 2.632 criaram o Senad (Secretaria Nacional Anti Drogas) e Conad (Conselho Nacional Anti Drogas) sendo que os dois órgãos formam o sistema nacional antidrogas, que tem (teria) por meta: planejar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de prevenção e repressão ao tráfico ilícito, uso indevido e produção não autorizada de substâncias entorpecentes e drogas que causem dependência física ou psíquica, e a atividade de recuperação de dependentes (BRASIL, Ministério da Saúde). Aliás, um paralelo possível para Carneiro (2005) e sempre citado com a história das drogas é a trajetória dos medicamentos, considerando principalmente que as substâncias químicas são reguladas pelo órgão do Ministério da Saúde-Anvisa, que regula a indústria dos medicamentos: 36 /.../ As drogas legais que alteram a consciência – é interessante ressaltar – estão sempre entre as mais vendidas, mesmo com todas as exigências para a sua compra. O ansiolítico Rivotril ficou em segundo lugar na lista de 2010 no Brasil, por exemplo /.../ (CARNEIRO, 2005, p.2). O professor Henrique Carneiro (CARNEIRO, 2005), no artigo intitulado ―Drogas muito além da hipocrisia‖, citou o que para ele são as razões para o sucesso dessas vendagens: o atual sistema de patentes, que prioriza as grandes companhias farmacêuticas, em detrimento do pequeno produtor que nunca fez segredo de suas descobertas; o monopólio médico da prescrição, que deixa na mão de uma classe específica o poder de receitar este ou aquele remédio; e o mercado publicitário voltado tanto para quem toma como para quem ministra esses medicamentos, criando ou, pelo menos, reforçando novas demandas e necessidades. Para Carneiro outra contrapartida indispensável [para o crescimento dessas vendas de remédios legais] é: /.../ a proibição concomitante do uso de diversas plantas psicoativas de uso tradicional – como a canábis, a papoula e a coca. As funções psicoterapêuticas que estas têm em medicinas tradicionais passaram a ser substituídas por pílulas farmacêuticas /.../ sendo que o maior número de usuários e dependentes de drogas na sociedade contemporânea são os consumidores de produtos da indústria farmacêutica /.../ (CARNEIRO, 2005). Para Karam (2010), este movimento do Brasil tem como intuito a adequação à política internacional de combate às drogas, a chamada ―Guerra às drogas‖: /.../ a versão brasileira da globalizada ―guerra às drogas‖ se revela explicitamente, já bem depois da redemocratização, a partir de 1998, quando foi criada a Secretaria Nacional Antidrogas, órgão executivo do Conselho Nacional Antidrogas, ambos dirigidos por generais do Exército e subordinados ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, órgão que, sucedendo, 37 desde 1999, a Casa Militar da Presidência da República, não perdeu o caráter militarista explícito naquela. A própria denominação da Secretaria – ―Antidrogas‖ –, logo adotada por diversos órgãos estaduais, já sugere uma visão distorcida e delirante sobre as substâncias psicoativas, visualizadas, militarmente, como se fossem o ‗inimigo‘ /.../ (KARAM, 2010, p.3). Mas, a repressão militarizada se manifesta negativamente no Brasil na regulamentação, segundo Karam, com o Decreto 5.144/04, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. O referido Decreto veio concretizar a previsão de abate de aeronaves suspeitas de ―tráfico‖ de drogas qualificadas de ilícitas, instituindo, de forma oblíqua, uma verdadeira pena de morte (a morte sendo conseqüência praticamente certa do abate da aeronave). Para a magistrada, que é representante da LEAP-Brasil (Law Enforcement Against Prohibition), a lei 11.343/2006 é apenas mais uma dentre as legislações dos mais diversos países que, reproduzindo os dispositivos criminalizadores das proibicionistas convenções da ONU – Organização das Nações Unidas conformam a globalizada intervenção do sistema penal sobre produtores, comerciantes e consumidores das selecionadas substâncias psicoativas e matérias primas para sua produção, que, em razão da proibição, são qualificadas de drogas ilícitas. E mantendo a criminalização da posse para uso pessoal, a Lei 11.343/2006 repete para Karam: /.../ as violações ao princípio da lesividade e às normas que, assegurando a liberdade individual e o respeito à vida privada, estão ligadas ao próprio princípio da legalidade, que, base do Estado de direito democrático, assegura a liberdade individual como regra geral, situando proibições e restrições no campo da exceção e condicionandoas à garantia do livre exercício de direitos de terceiros /.../ (KARAM, 2010). Na vigente lei a simples posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros, são condutas que não afetam nenhum bem jurídico alheio, dizendo respeito unicamente ao 38 indivíduo, à sua intimidade e às suas opções pessoais. Nos termos de Maria Lucia Karam no conceito de democracia ao qual compreende que: /.../ o Estado não está autorizado a penetrar no âmbito da vida privada. Em uma democracia, o Estado não está autorizado a intervir sobre condutas de tal natureza, não podendo impor qualquer espécie de pena,nem sanções administrativas,nem tratamento médico obrigatório,nem qualquer outra restrição à liberdade do indivíduo.Em uma democracia,enquanto não afete concreta,direta e imediatamente direitos de terceiros, o indivíduo pode ser e fazer o que bem quiser /.../ (KARAM, 2010). Mesmo considerando os avanços que podem ser observados, conforme problematizaremos mais adiante, as recentes mudanças não são significativas no conteúdo da legislação brasileira sobre drogas, no que se trata de garantia de liberdade individual e na garantia cidadania sob forma de acesso aos direitos sociais dispostos com uma legislação que permanece alinhada ao discurso proibicionista. A atenção à saúde deixa de ser uma espécie de apêndice dessa política e se torna um tema cada vez mais relevante, ainda que persistam as contradições imanentes de uma estrutura político-organizacional militarizada para o enfrentamento das questões relacionadas às drogas. Uma mudança refere-se à distinção feita entre as atividades antidrogas e aquelas de prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social, e incentivo as pesquisas relacionadas com a temática conferindo maior destaque a estas últimas. A Lei nº. 10.409/2002 37 afirma que ―o tratamento do dependente ou usuário será feito de forma multiprofissional e, sempre que possível, com a assistência de sua família‖. A referência às ações de redução de danos sociais e à saúde é feita pela primeira vez na legislação brasileira sobre drogas, cabendo ao Ministério da Saúde a sua regulamentação. Com vários de seus artigos vetados, a vigência desta lei não revogou por completo a Lei nº. 6.368/1976, especialmente no que se refere à criminalização do porte de drogas ilícitas para consumo próprio. A Política Nacional Antidrogas, instituída pelo Decreto nº. 4.345/2002, retrata o uso indevido de drogas como uma ameaça séria e persistente à humanidade e à vida em sociedade, associando-o ao tráfico de drogas e a outros crimes e modalidades de violência. Entre seus 39 pressupostos básicos, destaca-se aquele que traduz a essência da perspectiva proibicionista em relação às drogas: ―buscar, incessantemente, atingir o ideal de construção de uma sociedade livre do uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas‘ /.../‖. (Brasil, Ministério da Saúde). Ademais, refere-se como necessário evitar a discriminação dos indivíduos pelo fato de serem usuários ou dependentes de drogas e garantir o seu direito à atenção a saúde especializada. Com a formulação da Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, em 2003, admite-se o atraso histórico de inserção do uso prejudicial e/ou dependência do álcool e outras drogas na agenda da saúde pública. Afirma-se a responsabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS), em garantir atenção especializada aos usuários de álcool e outras drogas, até então contemplada predominantemente por instituições não governamentais, como as comunidades terapêuticas e os grupos de autoajuda e de ajuda mútua. As diretrizes da política setorial de saúde prevê a construção de uma rede de atenção a usuários de álcool e outras drogas valendo-se da implementação de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS-ad), que têm como função desempenhar papel estratégico de ordenamento da rede em seu território de atuação, promovendo a articulação necessária entre rede comunitária social e de saúde para a integralidade da atenção e inclusão social de usuários e familiares acompanhados. Logo na introdução do texto oficial da política de saúde mental, álcool e outras drogas é pontuado a necessidade de incorporar se às políticas inerentes a dependência química as reais demandas deste público específico: /.../ as políticas públicas relacionadas à prevenção e uso de álcool e outras drogas têm historicamente a abordagem predominantemente psiquiátrica ou médica. As implicações sociais, psicológicas, econômicas e políticas são evidentes, e devem ser consideradas na compreensão global do problema, pois o contexto econômico e sócio-cultural de uma comunidade reveste o paciente de particularidades que precisam ser consideradas pelo serviço de tratamento em uma dada região 40 de acordo com a necessidade /.../ (BRASIL, 2004). A percepção distorcida da realidade do uso do álcool e drogas promove a disseminação de uma cultura de combate a substâncias que são inertes por natureza, fazendo com que os indivíduos e o seu meio de convívio fiquem aparentemente renegados a um plano menos importante. Portanto atribuir valor negativo a uma substância a ponto da legitimação da satanização social da prática do uso de substâncias psicoativas com negação de direitos sociais para os que fazem seu uso acarreta principalmente uma ‗estigmatização social‘ com conseqüente definição dos excluídos socialmente. Para a compreensão de tal manifestação social o conhecimento mínimo sobre esta substância faz-se necessário. O que determina esta invisibilidade social derivada de uma estigmatização de uma conduta principalmente é a opção pelo proibicionismo como principal alternativa pública/estatal para controle/enfretamento da dependência química. A ilegalidade de algumas substâncias químicas na sociedade serve ao controle de práticas e comportamentos de segmentos sociais historicamente discriminados e que são cotidianamente impelidos a marginalidade. Portanto, o caráter ilícito de algumas drogas serve para legitimar práticas violentas e violadoras de direitos por parte de profissionais da segurança pública, da saúde, assistência social e da educação. Logo, o debate contemporâneo sobre os usos de drogas na realidade brasileira tem profunda relação com o debate sobre a questão social, diante do uso de drogas como prática social e das respostas formuladas pela sociedade brasileira a essa antagonismo entre drogas lícitas e ilícitas revela o lógica falaciosa e moralizante de uma perspectiva ideológica que serve muito mais para controlar o comportamento de determinados segmentos sociais do que, como ―pretende‖ as políticas sociais, reduzir danos sociais e de saúde associados o consumo das drogas consideradas ilegais. A guerra mundial contra as drogas completou um século. Ainda que as resoluções da Primeira Conferência Internacional do Ópio de 1912, realizada em Haia, tenham sido praticamente abandonadas nos anos conturbados entre as duas grandes guerras, o modelo ali esboçado foi triunfante. Defendida, patrocinada e sediada pelos EUA, já sob a coordenação da ONU, a Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961, implantou globalmente o paradigma proibicionista no seu formato atual. Os países signatários da Convenção se comprometeram à luta 41 contra o ―flagelo das drogas‖ e, para tanto, a punir quem as produzisse, vendesse ou consumisse. Para Fiore o legado do proibicionismo será: /.../ uma forma simplificada de classificar o paradigma que rege a atuação dos Estados em relação a determinado conjunto de substâncias /.../ seus desdobramentos, entretanto, vão muito além das convenções e legislações nacionais /.../ o proibicionismo modulou o entendimento contemporâneo de substâncias psicoativas quando estabeleceu os limites arbitrários para usos de drogas legais/ positivas e ilegais negativas /.../ entre outras consequências, a própria produção científica terminou entrincheirada, na maior parte das vezes do lado ―certo‖ da batalha, ou seja, na luta contra as drogas /.../ o proibicionismo não esgota o fenômeno contemporâneo das drogas, mas o marca decisivamente /.../ (FIORE, 2004). Pode-se dizer que três conjuntos de substâncias e/ ou plantas foram eleitas alvos-padrão do paradigma proibicionista: papoula/ópio/heroína, coca/cocaína e cannabis/ maconha. No prisma financeiro a ONU estima que o mercado ilegal das substâncias psicoativas ilícitas fatura cerca de 400 bilhões por ano o que representa 8% de todo comercio formal realizado no planeta. Zacconne (2009), afirma que: /.../ a política do proibicionismo pode ser considerada um serviço a criminalidade /.../ enquanto nos meandros políticos internacionais os órgãos oficiais norte-unidenses, principalmente o DEA (Drug Enforcement Administration) tem persuadido departamentos europeus a adotar suas táticas falhas e imposto as ao terceiro mundo /.../ (ZACCONNE, 2009, p.34). Não se trata é uma questão de garantia dos direitos individuais a questão que deve se regulamentar bases científicas para o enfrentamento da dependência química. Pois as consequências da manutenção da ―Guerra as drogas‖ sob os ditames do proibicinismo tem implicações 42 infinitamente superiores e desproporcionais do que os efeitos biológicos e sociais que as drogas podem suscitar. 2.1 SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: O DEBATE ACERCA DAS CARACTERÍSTICAS E EFEITOS A seguir apresentaremos um breve panorama do debate sobre as características e efeitos das substâncias psicoativas no ser humano. Contudo, assinalamos desde já que a nosso entender é um equívoco limitar o debate e focá-lo na substância em face aos usuários. Para Fiore (2004) o termo ―droga‘‘ tem origem etimológica incerta, e o seu significado, sob o ponto de vista farmacológico contemporâneo, engloba todas as substâncias que provoquem alguma mudança fisiológica num corpo sem ser fundamental para sua sobrevivência, no conjunto de significados cotidianos que podem ser apreendidos no linguajar comum e na mídia. Já a OMS (Organização Mundial de Saúde), que pode ser considerada a maior referência internacional no que diz respeito aos consensos científicos em medicina em seu ―capítulo V Saúde Pública‖, define a lista de substâncias na Classificação Internacional de Doenças, como ―CID-10-Transtornos Mentais e de comportamento‖, que inclui: • álcool; • opióides (morfina, heroína, codeína, diversas substâncias sintéticas); • canabinóides (maconha); • sedativos ou hipnóticos (barbitúricos, benzodiazepínicos); • cocaína; • outros estimulantes (como anfetaminas e substâncias relacionadas à cafeína); • alucinógenos; • tabaco; • solventes voláteis. Nicastri (2000) afirma que as substâncias químicas são classificadas a partir da sua configuração jurídica e didática. As substâncias químicas comercializadas de forma legal, com ou sem restrições, são classificadas como substâncias químicas lícitas e as substâncias químicas comercializadas ilegalmente são classificadas como substâncias químicas ilícitas, de interesse didático. A classificação é exercida considerando as ações aparentes das drogas sobre o Sistema 43 Nervoso Central (SNC), conforme as modificações observáveis na atividade mental ou no comportamento da pessoa que utiliza a substância da atividade mental (Nicastri, 2000). A partir destas classificações são subdivididas as principais substâncias químicas: depressoras, estimulantes e perturbadoras da atividade mental. Para Nicastri (2000) a categoria substâncias químicas depressoras inclui uma variedade de substâncias, que diferem acentuadamente em suas propriedades físicas e químicas, mas que apresentam a característica comum de causar uma diminuição da atividade global ou de certos sistemas específicos do SNC. Como consequência dessa ação, há uma tendência de ocorrer uma diminuição da atividade motora, da reatividade à dor e da ansiedade, e é comum um efeito euforizante inicial e, posteriormente, um aumento da sonolência. No quadro que segue são apresentadas as substâncias psicoativas e seus efeitos para o organismo. DROGA USADA PRINCIPAIS SINTOMAS E SINAIS DE CONDUTA Característica em relação ao sistema nervosos central . Bastante excitação.Risadas,Depressão, sonolência, letargia. Perda de iniciativa..Aumento de apetite,Olhos vermelhos e pupila dilatada.Boca Maconha, Skank. seca.Tosse, bronquite, catarro.Perda da Drogas Perturbadoras da Haxixe memória.Alucinações atividade mental Outros derivados canábicos. moderadas.Distúrbios na percepção do tempo e do espaço. Diminuição da coordenação motora.Queda de rendimento escolar e do trabalho. Confusão mental.Inquietação, intranqüilidade,excitabilidade. apetite Estimulantes, bolinhas, sexual.Insônia.Hipercinesia, Anfetaminas, Moderador de hiperatividade.Falta de apetite e apetite. Ecstasy. emagrecimento.Alucinações e paranóia.Dilatação das pupilas. Cocaína Crack Mesclado = (maconha + Crack/cocaína) Grande excitabilidade e euforia. Aumento da atividade motora. hiperatividade. Possibilidade de apresentar convulsões. Drogas estimulantes, atividade mental Drogas estimulantes da atividade mental. 44 Depressão,fadiga.Isolamento emocional.Diminuição da libido.medo.Palidez, dilatação das pupilas.No caso de uso de crack:,falta de ar, tosse,dores pulmonares,catarro abundante, sonolência.Emagrecimento e falta de apetite Barbitúricos/Benzodiazepínic os/Opióides. Falta de equilíbrio, olhos vermelhos, Solventes voláteis, cola de sonolência. Nariz escorrendo e sapateiro, B-25, outras colas e vermelho. Tosse seca. Salivação vernizes. intensa. Confusão mental e agitação. Éter, benzina, acetona, Alucinações. Depressão e ansiedade cheirinho da Loló e outros. Lança-perfume. Drogas Depressoras da atividade mental. Inicialmente euforia e perda de limites.Depois da euforia: embriaguez, sonolência, perda do controle motor.Irritabilidade, Drogas Depressoras da angústia.Depressão e atividade mental. ansiedade.impotência, Insônia e apatia,Olhos vermelhos, diminuição da acuidade visual. Hálito alcoólico. Tabaco Inicialmente: bem estar, mente mais Cigarros clara, menos depressão, menos Cigarros de palha. ansiedade, redução da fome. Na Charutos. abstinência: Humor deprimido. Fumo de cachimbo. Insônia. Irritabilidade. Ansiedade. Fumo de mascar. Inquietação. Aumento do apetite. Rapé Ganho de peso. Quadro 1: Principais Substâncias Químicas E Os Sintomas Nos Usuários. Fonte: Adaptado de Sergio Nicastri-Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD (2002), Série Diálogo, Publicação nº1. Álcool Cerveja Cachaça Vinhos Vodka Uísque Licores Segundo Fiore, a OMS define ―droga‖ como: /.../ qualquer substância que, quando ministrada ou consumida por um ser vivo, modifica uma ou mais de suas funções, com exceção àquelas substâncias necessárias para a manutenção da saúde normal /.../ drogas são substâncias 45 utilizadas para produzir alterações, mudanças, nas sensações, no grau de consciência e no estado emocional /.../ (FIORE apud LEITE, 1999:26). Entretanto, nenhuma delas poderia, segundo a OMS, ser classificada, a priori, como patológica. Para Fiore: /.../ além do próprio significado das substâncias. A compreensão acerca das ‗conseqüências sociais‘ é outra categoria que é incluída para definição do conceito. Com a definição de uso ―normal‖ e uso nocivo: o uso abusivo no intuito de dividir os usos não patológicos de ―drogas‖, também outras classificações, como o ―uso experimental‖, o ―uso ocasional‖ e o ―uso recreativo‖. Todas essas tipologias buscam classificar os usos possíveis de ―drogas‖ com potencial de abuso e, portanto, ações que acarretam, invariavelmente, algum tipo de risco para a saúde /.../ (FIORE, 2004, p.4). Na década de 1980, o psiquiatra americano Norman Zinberg (1984), afirmava: /.../ ser necessário diferenciar o ‗uso controlado‘ e ‗uso compulsivo‘ /.../ o primeiro teria baixos custos sociais enquanto o segundo, disfuncional e intenso, teria efeito contrário que distingue estes dois tipos de uso e que o primeiro e regido por regras, valores e padrões de comportamento (rituais sociais) veiculados por uma subcultura desenvolvida entre grupos de usuários /.../ (ZINBERG, 1984). Edward MacRae relata que essa constatação a respeito da importância dos fatores psicossociais na determinação do efeito do uso de determinado psicotrópico é hoje reconhecida por grande parte dos pesquisadores do assunto (por exemplo, Bucher, Olievenstein, Zinberg, Grund,Well, etc.). Xiberras defende esta ideia: /.../ De fato, tudo se passa como se a droga não tivesse uma personalidade própria, ou um efeito maior estritamente definido, fora de todo contexto 46 de utilização. Pois a prática da droga, ou seja, o uso que e feito dela por um determinado consumidor, parece mais determinante na descrição dos efeitos provocados e pesquisados. Aquilo que um usuário, mesmo isolado, espera da droga, aquilo que supõe ou mesmo o que percebe como efeito, depende estritamente do contexto mais global da experiência/.../ (XIBERRAS, 1989, p. 25). Para Xiberras (1989, p. 29), esses controles sociais, sejam eles formais ou informais, funcionariam de 4 maneiras: definindo o que é uso aceitável e condenando os que fogem a esse padrão, limitando o uso a meios físicos e sociais que propiciem experiências positivas e seguras, identificando efeitos potencialmente negativos. Enquanto para Zinberg (1984, p. 17), os padrões de comportamento ditam precauções a serem tomadas antes, durante e depois do uso: distinguindo os diferentes tipos de uso das substâncias, respaldando as obrigações e relações que os usuários mantêm em esferas não diretamente associadas aos psicoativos. No caso do uso de álcool, por exemplo, os médicos costumam apontar uma fração já bem conhecida de usuários problemáticos: 1 em cada 10. Ou seja, 10%, no mínimo, dos indivíduos que bebem álcool com alguma regularidade, terão algum nível de problemas com esse uso, proporção que, aproximadamente, corresponde aos dados levantados nas maiores pesquisas amostrais (CEBRID,2002). Fraga, acredita que as pessoas sempre: /.../ vão fazer uso de substâncias psicoativas /.../ independentemente de serem liberadas ou não /.../ em vez de proibir, devemos tentar ‗reduzir riscos‘ /.../. Vejamos, o álcool é uma droga e seu uso abusivo faz mal, mas, hoje, há uma regulação e são raros os comerciantes que vendem bebidas para crianças e adolescentes, principalmente, para serem consumidos em seus estabelecimentos /.../ (FRAGA, 2000,p.53). No entanto, para o sociólogo, ―/.../ qualquer criança ou adolescente pode comprar droga com um traficante, pois sua venda não é regulada /.../‖ (FRAGA, 2000), sugerindo a necessidade de políticas 47 públicas integradas para enfretamento das demandas inerentes ao consumo de substâncias psicoativas. Carneiro (2005) é ainda mais revolucionário: além da legalização de todas as drogas, ele sugere o controle estatal da produção e do comércio: /.../ O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado ‗narcotráfico‘, encerraria a ‗guerra contra as drogas‘, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasil /.../ lá essa ―guerra‖ é uma fonte de lucro para o sistema penal privado, aqui, é um mecanismo de repressão social e racial /.../. Reduziriam-se os danos sociais dos usos problemáticos de drogas. Seriam potencializados os usos positivos, tanto terapêuticos como recreacionais /.../ (CARNEIRO, 2005). Como o objetivo deste presente trabalho é a delimitação das possibilidades de inclusão dos usuários nas políticas públicas dispostas no atual cenário proibicionista, a proposta do professor Carneiro alocase anos-luz distante do enfretamento contemporâneo das implicações sociais do uso e abuso das drogas. No que tange ao orçamento, a Secretaria Nacional Antidrogas dispõe de US$ 2 milhões por ano para redução da demanda por drogas. A menos que o governo invista mais na redução da demanda por drogas, a situação continuará a se agravar. O orçamento tem sido o mesmo nos últimos dez anos, provocando problemas em termos de saúde e segurança públicas, além de não atender as prioridades do público. Ao analisarmos o fenômeno ―drogas‖ no contexto atual o que fica evidente é a satanização acerca das substâncias psicoativas no discurso midiático bem como no popular e principalmente com a sociedade. Fraga argumenta que a mídia, ao exacerbar e relacionar a violência social com as drogas e alocar os usuários de substâncias químicas como possíveis e prováveis protagonistas desta violência social, constrói duas coisas: ―/.../ o medo obsessivo /.../ que é um reforço da aversão ao outro /.../‖ e o ― /.../ reconhecimento dos excluídos sociais /.../‖ (FRAGA, 2000, p.54). Sawaia (1999), analisa a exclusão social a partir da 48 categoria sofrimento ético-político, com propriedade para análise das questões relacionadas a violência e medo social: /.../ a exclusão vista como sofrimento de diferentes qualidades recupera o indivíduo perdido nas analises econômicas e políticas, sem perder o coletivo /.../ e no sujeito que se objetivam as várias formas de exclusão, a qual é vivida como motivação, carência, emoção e necessidade do eu. Mas ele não é uma mônada responsável por sua situação social e capaz de, por si só superá-la. É o indivíduo que sofre, porém, esse sofrimento não tem a gênese nele, e sim em intersubjetividades delineadas socialmente /.../ (SAWAIA, 1999, p. 119). Baierl (2004, p.65) afirma que ―/.../ no que tange medo, poderíamos dizer que o medo social é um medo construído socialmente e com fim último de submeter às pessoas a interesses próprios e tem sua gênese na própria dinâmica da sociedade...‖. Medo este que em Espinosa encontra definição: ―/.../ o medo é uma tristeza instável nascida da imagem de uma coisa duvidosa /.../ e quando se retira a dúvida o medo transforma-se em desespero /.../‖ (ESPINOSA, 1983, p. 183). Vide o ideário social acerca dos usuários de Crack, os chamados ―nóias‖, os excluídos que excluem o ―direito a paz social‖ são ―responsabilizados‖ por inúmeras transgressões sociais desde tráfico de drogas (inclusive com detenção de moradores de rua), assaltos, roubos, furtos, assassinatos, estupros. Todas essas práticas são motivadas/potencializadas para o senso comum com o entendimento de que o uso de drogas, principalmente o crack, potencializa a violência, está estabelecida uma relação ‗natural‘ entre drogas e violência para o senso comum. Procede para com os que não estão aptos a padronização de comportamento, hábitos e costumes necessários ao modo de produção vigente. A sociedade atual demanda indivíduos com perfil adequados principalmente ao mercado de trabalho. Pois para Chasin (1988, p. 20), ―/.../ as ‗personae do capital‘ são menos ‗temerárias‘ e ‗sonhadoras‘, e muito mais estreitamente ‗personae do capital‘, do que ‗personae‘ de alguma lógica inovadora /.../‖. Logo, ambos, a sociedade e o Estado conferem a esta gama social dos usuários de substâncias psicoativas o ostracismo social no que se 49 refere à garantia de direitos relacionados à prevenção, tratamento, recuperação aos que comentem abuso do consumo de substâncias químicas e autonomia individual a cada cidadão. 50 51 3 O ENFRENTAMENTO PELAS POLITICAS PÚBLICAS DO PROBLEMA SOCIAL DA DEPENDENCIA QUIMICA 3.1 A Política da Saúde. Ao iniciar a exposição acerca da Política da Saúde no âmbito da problemática social da dependência química faz-se necessário uma sucinta contextualização histórica do tema Saúde Pública no decorrer da história do Brasil pós Império, além de pontuar o entendimento sobre o conceito Política de Saúde que segundo Luz (1994, p. 86) seria ―/.../ um conjunto de formas de intervenção concretas na sociedade, que o Estado aciona para equacionar o problema das condições sociais de existência de grandes camadas populacionais /.../‖. Ao definirmos como início da análise no contexto da RepúblicaVelha (1889-1930), quando a sociedade brasileira daquele período organizava-se economicamente a partir do modelo agrícola que passou da produção para mercado interno para a produção para a agroexportação, sendo o modelo econômico que caracterizava a organização política econômica da sociedade onde o social não por coincidência já era condicionado pela economia e política e com predomínio das elites cafeeiras e pecuaristas nesta conjuntura deu início ao fomento das bases para a industrialização. A estrutura do sistema de saúde brasileiro foi formada com variação público-privado em diferentes períodos históricos. No início do século XX, campanhas realizadas sob moldes militares implementaram atividades de saúde pública. A natureza autoritária dessas campanhas gerou oposição de parte da população, políticos e líderes militares. Tal oposição levou à Revolta da Vacina, em 1904, episódio de resistência a uma campanha de vacinação obrigatória contra a varíola sancionada por Oswaldo Cruz, o então Diretor Geral de Saúde Pública (BRAVO, 2008, p. 88). O modelo de intervenção do Estado brasileiro na área social teve início a partir de 1920 e 1930 , quando os direitos civis e sociais foram vinculados à posição do indivíduo no mercado de trabalho. É quando surgem as CAP‘s (Caixas de Aposentadoria e Pensões), em 1923, que ficou conhecida como Lei Elói Chaves e que para Bravo (2008a, p. 90) tornou-se o ―/.../ embrião do esquema previdenciário brasileiro /.../‖, que 52 direcionava as ações a questões de higiene e saúde do trabalhador, e era dividida por empresas, financiadas por estas, pela União e pelo empregado, com o sentido de garantir a capacidade de produção da classe operária. É relevante ressaltar que a grande parcela da população que não era contemplada por esta lei e que eventualmente necessitasse de assistência médica era "[...] obrigada a comprar serviços dos profissionais liberais [...]" (PAIM, 1999), ou ainda, recorrer ao auxílio das Santas Casas de Misericórdia, instituições de caráter filantrópico, na sua maioria mantidas pela igreja católica e/ou com outras denominações religiosas. Westphal e Almeida (1995), concordam que o período determinante no cenário político, como no econômico e social, no Brasil iniciou em 1930 quando do governo federal por Getúlio Vargas. Concomitante ao processo de industrialização e urbanização, nesta conjuntura ocorrem as principais características da alteração da história política no Brasil deste período, pois a implantação, manutenção e desenvolvimento da chamada ‗era Vargas‖ dependiam de fatores pontuais determinantes bem como a reprodução das necessidades primárias/básicas da classe operária que naquele contexto mudava de rural para urbano/industrial, onde a: /.../adequação aos ditames econômicos, políticos, financeiros da geo-política internacional tais iniciativas de políticas sociais e de redefinição do papel do Estado /.../ de maneira resumida, pode ser definido como de promotor do desenvolvimento (política keynesiana) e, principalmente, de políticas publicas que compensassem as perdas sofridas pelos indivíduos no processo produtivo, perdas essas que não podiam ser reparadas pelo salário:previdência social, atenção medica, educação, transporte, lazer e moradia passaram a ser, progressivamente, entendidos como de responsabilidade do Estado/.../ (WESTPHAL e ALMEIDA, 1995, p. 17). No período Varguista podemos citar a criação do Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que vieram para substituir as antigas CAPs e estender os benefícios para um número maior de trabalhadores. 53 Percebe-se que os serviços de saúde ainda estavam vinculados à lógica de beatificação do trabalho/trabalhador. O Ministério da Saúde também é uma criação do período Varguista, em 1953, no seu segundo mandato, e surgiu justificado pelo incremento considerável das ações de saúde. Daí a necessidade de uma estrutura própria para fortalecer as ações em saúde pública, e o modelo médico-assistencial privatista é implantado. Em relação à dependência química, o Brasil adotou progressivamente um modelo de prevenção alinhado à visão proibicionista, centrado na ilegalidade das drogas, na repressão e na abstinência. Tal processo se inseria em um projeto mais amplo de modernização e no ideal civilizatório da sociedade brasileira que despontava no discurso médico-intelectual. Contudo, a partir da Era Vargas, o Estado passou a assumir duas formas de abordagem das drogas: uma liberal, voltada para as drogas legais e outra, intervencionista e punitiva, voltada para as drogas ilegais. A partir de 1964, com o regime militar, o país foi governado através da ditadura e os problemas estruturais além de não terem sido resolvidos, agravaram-se. Para Bravo: /.../o papel do Estado foi revisado, com a intuito de potencializar o poder de regulação do Estado sobre a sociedade e de amenizar os tensionamentos sociais na sociedade brasileira período da história do Brasil marcado pela repressão e pela censura,civil e política nos uso indiscriminado do monopólio estatal da violência sob pretexto de ‗ordem social‘/.../ (BRAVO, 2008a, p. 93). Na posterior década de 1970, o que caracterizava a Saúde Pública era a lógica de Estado, enquanto financiador da saúde, através da Previdência Social, e no setor privado e internacional, enquanto prestador dos serviços médicos e produtor dos equipamentos e medicamentos, respectivamente, características do já citado modelo médico assistencial-privatista. Nesta conjuntura, tem início um processo de questionamento da política do governo em relação à saúde e de reforma na estrutura organizacional nas políticas de saúde, o que gerou um movimento que lutava pela Reforma Sanitária. Este movimento data do final dos anos 1970, o início da Reforma Psiquiátrica, cujo objetivo era a superação da 54 violência asilar e a proposta de uma nova forma de cuidado e tratamento ao portador de transtornos mentais, como trataremos mais adiante. A reforma do setor de saúde no Brasil estava na contramão das reformas difundidas naquela época no resto do mundo, que questionavam a manutenção do estado de bem-estar social. A proposta brasileira, que começou a tomar forma em meados da década de 1970, estruturou-se durante a luta pela redemocratização. Um amplo movimento social cresceu no país, reunindo iniciativas de diversos setores da sociedade, desde os movimentos de base até a população de classe média e os sindicatos, em alguns casos associados aos partidos políticos de esquerda, ilegais na época. A concepção política e ideológica do movimento pela reforma sanitária brasileira defendia a saúde não como uma questão exclusivamente biológica a ser resolvida pelos serviços médicos, mas sim como uma questão social e política a ser abordada no espaço público. Professores de saúde pública, pesquisadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e profissionais de saúde de orientação progressista se engajaram nas lutas dos movimentos de base e dos sindicatos. Na década de 1980, especificamente em 1986 a 8ª Conferência Nacional de Saúde aprovou o conceito da saúde como um direito do cidadão e delineou os fundamentos do SUS, com base no desenvolvimento de várias estratégias que permitiram a coordenação, a integração e a transferência de recursos entre as instituições de saúde federais, estaduais e municipais. Essas mudanças administrativas estabeleceram os alicerces para a construção do SUS. Posteriormente, durante a Assembléia Nacional Constituinte (1987-88), o movimento da reforma sanitária e seus aliados garantiram a aprovação da reforma, apesar da forte oposição por parte de um setor privado poderoso. A Constituição de 1988 foi proclamada numa época de instabilidade econômica, durante a qual os movimentos sociais se retraíam, a ideologia neoliberal proliferava e os trabalhadores perdiam poder de compra. Simultaneamente a essa reforma, as empresas de saúde se reorganizavam para atender às demandas dos novos clientes, recebendo subsídios do governo e consolidando os investimentos no setor privado. Para Teixeira, os principais aspectos da referida constituição foram: /.../O direito universal à saúde e o dever do Estado, acabando com discriminações existentes 55 entre segurado/não segurado, rural/urbano; As ações e Serviços de Saúde passaram a serem considerados de relevância pública, cabendo ao poder público sua regulamentação e controle; Constituição do Sistema Único de Saúde, integrando todos os serviços públicos em uma rede hierarquizada e de atendimento integral, com participação da comunidade/.../ (TEIXEIRA, 1989 apud BRAVO, 2008) Segundo Paim (1999, p.11), o sistema de saúde brasileiro é ―/.../ formado por uma rede complexa de prestadores e compradores de serviços que competem entre si, gerando uma combinação público privada financiada sobretudo por recursos privados /.../‖. O sistema de saúde tem três subsetores: o subsetor público, no qual os serviços são financiados e providos pelo Estado nos níveis federal, estadual e municipal, incluindo os serviços de saúde militares; o subsetor privado (com fins lucrativos ou não), no qual os serviços são financiados de diversas maneiras com recursos públicos ou privados; e, por último, o subsetor de saúde suplementar, com diferentes tipos de planos privados de saúde e de apólices de seguro, além de subsídios fiscais. A implementação do SUS começou em 1990, mesmo ano da posse de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito por voto popular desde a ditadura militar. Este governo seguiu uma agenda neoliberal e não se comprometeu com a reforma sanitária; na era ―Collor‖, em 1990, foi aprovada a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90), que especificava as atribuições e a organização do SUS. Um novo plano de estabilização econômica (Plano Real) foi introduzido em 1994, trazendo políticas de ajuste macroeconômico e projetos de reforma do Estado. O então gestor federal Fernando Henrique Cardoso-FHC foi eleito em 1994 (e reeleito em 1998), promovendo novos processos de ajuste macroeconômico e de privatização. Com as impopulares medidas de FHC com privatização de aparelhos públicos-estatais o norte da gestão do governo federal toma a pretensa ―direção levogiro‖ com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (eleito em 2002 e reeleito em 2006). Paim sustenta que Lula manteve alguns aspectos da política econômica de seu antecessor, mas suspendeu as privatizações e, em seu segundo mandato, promoveu um ―/.../ programa desenvolvimentista...‖ (Paim, 2011, p.12). 56 Com a posterior eleição de Dilma Rousseff em 2010, que por sua vez ganhou ―luz‖ no debate acerca das substâncias químicas quando voltou atrás na decisão de nomear como gestor da Secretaria Nacional de Políticas depois deste declarar à imprensa que o governo vinha estudando mecanismos para diminuir o encarceramento em massa de pequenos traficantes. Sugerido por documentos do próprio Ministério da Justiça, o ex-secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay, foi "desnomeado" da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas antes de assumir o cargo (Revista SEMENTE). Paim argumenta que a saúde foi: /.../o único setor que implementou uma descentralização radical, com importante financiamento e ações regulatórias do governo federal. A descentralização do sistema de saúde foi a lógica subjacente da implementação do SUS; para isso, foram necessárias legislação complementar,novas regras e reforma administrativa em todos os níveis do governo.Normas aprovadas pelo Ministério da Saúde – destinadas a redefinir responsabilidades – estabeleceram mecanismos de repasse financeiro (como o Piso da Atenção Básica – PAB –, um valor per capita transferido pelo Ministério da Saúde aos municípios de modo a financiar a atenção básica) e novos conselhos representativos e comitês de gestão em todos os níveis de governo/.../ (PAIM, 1999). 3.2 Os Movimentos das Reformas: Sanitária, Psiquiátrica e as Políticas de Saúde Mental No final da década de 1970 cresce a discussão sobre a necessidade de reforma nas políticas de saúde e das práticas governamentais que vieram sendo desenvolvidas até então neste setor. Com este movimento de politização da Saúde composto por vários representantes de organizações da sociedade civil que lutava por melhorias/avanços na assistência à saúde prestada por parte do Estado que agia de acordo com os interesses privados, ―/.../ o Estado utilizou para sua intervenção o binômio repressão-assistência, sendo a política 57 assistencial ampliada, burocratizada e modernizada pela máquina estatal /.../‖ (BRAVO, 2008a, p. 41). Este movimento foi denominado: Reforma Sanitária e se propôs a pensar e debater sobre as propostas governamentais oferecidas ao setor como forma de alterar a situação da saúde pública no Brasil. Dos personagens que entraram em cena nesta conjuntura para Bravo (2008a, p. 42), destacam-se: movimentos sociais urbanos, sindicalistas, profissionais de saúde, educadores e os partidos políticos de oposição. A Reforma Sanitária desenvolvia a estratégia de reestruturação do setor através do SUS, que tem como premissa a universalidade do direito, um dos fundamentos centrais do SUS e contemplado na Reforma Sanitária que significou principalmente um reordenamento das relações entre Estado e sociedade civil, em que a participação popular previa-se que seria o agente principal desta transformação da Política de Saúde, estabelecendo uma proposta de mudança no cenário social no Brasil. Concomitante com este movimento e aglutinando forças sociais, bem como perspectivas de construção de um modelo de saúde inclusivo, Bravo, ressalta que: /.../o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira, fundado no final da década de 1970, constitui se como uma opção de política de saúde específica afim de propor a superação da prática asilar e das denúncias de maus-tratos institucionais, reivindicava outros e novos espaços para tratamento de pessoas com transtornos mentais, que não somente a via de internação/.../ (BRAVO, 2008, p.43). O movimento que se iniciou como expressão da categoria dos trabalhadores do âmbito da Saúde Mental formou o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), movimento que teve ressonância nacional e que tinha como principais protagonistas os integrantes do movimento sanitário, os pacientes psiquiátricos, familiares, sindicalistas e profissionais de saúde. Ambos os movimentos tiveram seu ápice em março de 1986 com a 8ª Conferência Nacional de Saúde-CNS. Como resultado da 8ª CNS, foi elaborado um relatório com a sistematização de recomendações de mudanças para o setor de saúde, que deu origem ao Projeto de Reforma Sanitária. 58 Em 1987, foi apresentada à Assembléia Constituinte, a proposta de emenda popular, levada pelo médico Sergio Arouca, escolhido pela plenária de saúde para representá-la na Assembléia. É realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental, surge também o Movimento da Luta Antimanicomial, que instituiu o dia 18 de maio como dia da luta antimanicomial. Ainda no ano de 1987, surgem os primeiros serviços alternativos à internação psiquiátrica, os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, e também a criação dos Núcleos de Atenção Psicossocial – NAPS. Foi em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, que o Sistema Único de Saúde foi criado e a Saúde inscrita na Seção II da Constituição, que inicia seu artigo 196 definindo a saúde como direito de todos e dever do Estado: /.../Art.196°- A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação /.../ (BRASIL, 1988). Grande parte das propostas apresentadas pelo projeto da Reforma Sanitária foram incorporadas no Documento Constitucional. A partir de então a política de saúde, junto com as políticas de previdência e assistência social passam a compor o tripé da Seguridade Social, que está inscrita no Capítulo "da Ordem Social" e que segundo a própria Constituição Federal define como: "/…/ um conjunto integrado de ações e iniciativas dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social /.../" (BRASIL, 1988). O resultado destes movimentos desencadeou o SUS que foi regulamentado em 1990 pela Lei Orgânica da Saúde, composta pelas leis 8.080, de 19 de setembro de 1990 e 8.142, de 27 de dezembro de 1990. Para Paim, podemos destacar entre seus princípios estão: /.../a universalidade, reconhecendo a saúde como um direito fundamental do ser humano e dever do Estado; a integralidade, enquanto cuidado do indivíduo como um todo, englobando ações de promoção, recuperação e proteção da saúde; a equidade, enquanto busca da diminuição das desigualdades de acesso aos serviços de saúde; a 59 descentralização dos recursos, garantindo a qualidade dos serviços próximos dos usuários que deles necessitam; e o controle social, incentivando a participação popular, criando canais de participação da população na gestão do SUS, através dos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional/.../ (PAIM, 1999). Tanto a Reforma Sanitária, bem como a reforma psiquiátrica, surgiram da insatisfação/indignação coletiva com sucateamento dos serviços de saúde que se potencializou principalmente pela participação popular, característica acentuada dos movimentos sociais, que coincide com o fim da ditadura militar, período das grandes manifestações populares no Brasil, e o início da construção da democracia e da participação social, impulsionada principalmente pela posterior introdução dos capítulos da saúde, assistência e previdência social na Constituição de 1988, que teoricamente garante os direitos sociais aos cidadãos. No âmbito da reforma psiquiátrica o pleito do movimento era a construção de grandes estruturas hospitalares e manicomiais públicas além de colocar em evidência e publicizar a denúncia de violência dos manicômios privados e públicos, da supremacia de uma rede privada de assistência às pessoas com transtornos mentais, a crítica ao chamado saber psiquiátrico policialesco e a mercantilizarão da loucura. As propostas da Reforma Psiquiátrica são potencializadas com a realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental/1992, em Brasília, a assinatura da Declaração de Caracas, em que o Brasil firmou o compromisso de reorientar o modelo assistencial para a saúde mental, seguindo uma tendência mundial e ainda uma maior definição da política do Ministério da Saúde para a saúde mental. Em abril de 2001, é promulgada a Lei Federal n° 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental e define em seu artigo 3° a responsabilidade do Estado no desenvolvimento da política de saúde mental com a devida participação da sociedade e da família. É convocada a III Conferência Nacional de Saúde Mental, em dezembro do mesmo ano. Como resultado da Conferência foi elaborado o Relatório Final, que confere aos CAPS o papel estratégico de direcionar as políticas e programas de saúde mental, que orienta a construção de uma política de saúde mental para os usuários de álcool e outras drogas, estabelece o 60 controle social como agente fundamental na garantia e efetivação das propostas. De acordo com a Reforma Psiquiátrica, a rede assistencial proposta por esta política é baseada na criação de uma rede de atenção aos usuários de modelo extra-hospitalar, inserido na comunidade, de caráter interdisciplinar e que evita a cronificação dos pacientes e o isolamento, bem como possibilitaria o acesso dos usuários nas políticas específicas para a dependência química. 3.3 A Política de Assistência Social/A Rede Assistencial para os Usuários de Álcool e outras Drogas Para a contextualização histórica acerca da Assistência Social no Brasil delimitaremos como início o período de 1930 a 1945 que, segundo Draibe (1990) e Faleiros (2000), se pode caracterizar como ―/.../ anos de introdução da Assistência Social no Brasil /.../‖, pois, foi o período dos avanços nos direitos sociais em vários âmbitos da vida social em relação ao trabalho. Segundo Behring e Boschetti (2010, p. 106), o Brasil seguiu a referência de cobertura de riscos ocorrida nos países desenvolvidos, numa sequência que parte da regulação dos acidentes de trabalho, passa pelas aposentadorias e pensões e segue com os auxílios maternidade, família, doença e seguro desemprego. Em 1930 é criado o Ministério do Trabalho, em 1932 a Carteira de Trabalho e a partir de 1933 o primeiro IAP-Instituto de Aposentadorias e Pensões. Com isso foram se extinguindo aos poucos as Caps. Desde o final do governo Vargas até a década de 1960 tinha-se a pretensão de unificação da Previdência Social, aprovada como Lei Orgânica da Previdência Social apenas em 1960. Para Mota (2000), esse período é marcado pelo desenvolvimento de uma gestão estatal de força de trabalho, que inclui as políticas sociais e que incidia sobre ―/.../ a organização do mercado de trabalho, a reprodução ampliada da força de trabalho e a regulação de normas de produção e consumo /.../‖ (MOTA, 2000, p. 173). Especificamente em relação à Assistência Social, Draibe e Aureliano (1989) consideram difícil estabelecer um marco desta política no Brasil devido o caráter fragmentado, diversificado, desorganizado, indefinido e instável das suas configurações. A instituição que centralizou em nível federal a Assistência Social foi quando da criação da Legião Brasileira de Assistência-(LBA), em 1942, surge a ―tradição‖ 61 de gestão da primeira dama na LBA, que neste caso foi exercida pela Sra. Darci Vargas, instituição que no primeiro momento atendia as famílias dos pracinhas envolvidos na Segunda Guerra. O que para Behring e Boschetti (2010, p. 108), denota ―(...) as características de tutela, favor e clientelismo em relação ao Estado e a sociedade no Brasil (...)‖. Em 1943 com a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, é selado o modelo corporativista e fragmentado do reconhecimento dos direitos no Brasil, o que Santos (1987) caracterizou como cidadania regulada. Para Boschetti (2006), embora esta classificação seja aceitável e coerente com o contexto ela deixa de esclarecer que na ―evolução‖ das conquistas dos direitos sociais não há cidadania sem regulação. Considerando este cenário complexo, a expansão da política social no Brasil foi lenta e seletiva, segundo Behring, marcada por aperfeiçoamentos institucionais, como a separação dos Ministérios da Saúde e Educação em 1953, e da criação de novos IAP‘s. A disputa de projetos e concepções políticas implicou numa letargia no campo das Políticas Sociais no contexto da ordem democrática limitada, tanto que propostas oriundas desde o período Vargas, a exemplo da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) e da Previdência Rural que só foram aprovadas em 1963. Com o advento do golpe militar em 1964 a ditadura militar reeditou a modernização conservadora como via de aprofundamento das relações sociais capitalistas no Brasil, de natureza claramente monopolista(Netto,1991), reconfigurando a questão social que dispõe de enfretamento ora repressivo, ora assistencialista, com o prisma de manutenção do controle sob as forças operárias que despontavam neste contexto. Para Faleiros (2000), ―/…/ as características da Política Social na ditadura militar eram: perda das liberdades democráticas, de censura, prisão e tortura para vozes dissonantes, o bloco militar-tecnocráticoempresarial buscou adesão e legitimidade por meio da expansão e modernização conservadora das Políticas Sociais /.../‖. Para Behring (2010), a unificação, uniformização e centralização da previdência social no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, retiram definitivamente os trabalhadores da gestão da Previdência Social, que passa a ser tratada de forma técnica e tutorial. Em 1974 foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social, incorporando a LBA, a fundação Nacional para o Bem Estar do Menor (FUNABEM, 1965), a Central de Medicamentos (CEME) e a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev). 62 Segundo Behring e Boschetti (2010), esse complexo se transformou, com uma ampla reforma administrativa, no Sistema Nacional de Assistência Social e Previdência Social (SINPAS), em 1977, que compreendia o INPS, o Instituto Nacional de Administração Médica (INAMPS) e o Instituto Nacional de Administração da Previdência Social (IAPAS). Para Bravo (1996, 2000) esta associação entre Previdência, Assistência e Saúde impõe não só uma forte medicalização da saúde com ênfase ao atendimento curativo, individual e especializado em detrimento da saúde pública, como já citado, como também estreita a relação com a indústria de medicamentos e equipamentos médicos hospitalares, orientados pela lucratividade. Como vemos, a indissociação da tríade da Seguridade Social se dá em todos os âmbitos, por vezes positiva, na essência negativa, com o final do período de ditadura militar e com a transição para a intenção de democracia participativa (pseudo-participativa = trabalho + consumo + dever eleitoral!?). Faleiros (2000) afirma ser uma das principais heranças do regime ditatorial a aproximação do sistema norte-americano de proteção social e o distanciamento do Welfare State europeu, e a ampliação dos acessos públicos e privados, sendo que milhões de pessoas permaneciam fora do complexo assistêncial-industrial-tecnocrático-militar que favorecia principalmente trabalhadores formais. Os anos 1980 do ponto de vista econômico foram denominados como década perdida, com parcos avanços democráticos que transpareciam no contexto como grande conquistas, muito em função das lutas sociais, aspecto positivo da época que desencadeou a Constituição de 1988. Estava em marcha à transição democrática controlada pelas elites para evitar a constituição de uma vontade popular radicalizada (SADER, 1990). Isso configurou o que O`Donnel (1988) denominou de ―transição Transada‖ e Fernandes (1986, p. 18) chamou de transição conservadora sem ousadia e turbulências. Segundo Behring (2010), o texto constitucional evidenciou os tensionamentos para a disputa de hegemonia, com avanços, a exemplo dos direitos sociais, com a seguridade social contemplando direitos humanos e políticos – Constituição de 1988 denominada de ―Constituição cidadã‖ pelo então presidente da câmara de deputados no Brasil, Ulisses Guimarães. Entretanto para Behring e Boschetti (2010), foram mantidos os fortes traços conservadores, como o não enfretamento ao regime militar bem como e principalmente com as consequências deste período de exceção de diretos humanos e políticos (vide, a morosa ―comissão da 63 verdade‖ que apura os ―desaparecimentos‖ dos militantes políticos que faziam oposição ao regime militar), período este delineado por: /.../ medidas provisórias na ordem econômica /.../, uma constituição pragmática e eclética que em muitas ocasiões foi deixada ao sabor das legislações complementares, com a busca de soluções para os problemas essenciais do Brasil deparam-se com uma espécie de hibrido entre o velho e o novo /.../ mantendo o caráter compensatório, seletivo, fragmentado e setorizado da política social brasileira /.../ apesar do agravamento das expressões sociais brasileiras /.../ (BEHRING e BOSCHETTI, 2010, p. 142-144). Neste contexto decorre o conceito de seguridade social, articulando as políticas de previdência, saúde e assistência social, e dos direitos inerentes vide a cobertura previdenciária dos trabalhadores rurais, e do benefício de prestação continuada (BPC) para idosos e pessoas com deficiência (BEHRING, 2010). A redemocratização vivida no país contrastava com a contra reforma neoliberal em curso na geopolítica internacional. Com o fim da chamada guerra fria e com a ascensão dos países ocidentais em face aos países do bloco socialista a política brasileira se adequa à chamada contra reforma neoliberal. Em regra se mantém a redução de direitos bem como inconclusão das políticas públicas existentes, vide as que articulam os projetos relacionados à dependência química, condicionando as políticas sociais ao tensionamento entre as classes sociais, mantendo e reforçando a característica de políticas: ações pontuais e compensatórias, estabelecendo então o trinômio do ideário neoliberal para as políticas sociais: a privatização, a focalização e a descentralização (BEHRING, 2010). Atendo-se à perspectiva de tratamento dos dependentes químicos, a rede assistencial prevê tratamento nos diferentes níveis de proteção contidos nas políticas públicas. Nesse momento importa destacar os níveis de proteção do Sistema Único de Assistência Social (SUAS/2005), onde os usuários da Política Nacional de Assistência Social (2004), dentre eles o dependente químico encontra respaldo legal na: 64 - Proteção Social Básica: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos; Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas. - Proteção Social Especial de Média Complexidade: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias Indivíduos (PAEFI); Serviço Especializado em Abordagem Social; Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua. - E na Proteção Social de Alta Complexidade: Serviço de Acolhimento Institucional; Serviço de Acolhimento em República; Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; Serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências (SUAS-2009). Este contexto atual, no qual as Políticas Sociais estão condicionadas considerando a dependência química como uma expressão da questão social que demanda políticas estruturantes, principalmente nas Políticas de Saúde e Assistência Social, o cenário é de desafios para ratificação do que está disposto em leis. Paiva (2006) requisita ―/.../ a luta social para reconhecimento da dimensão coletiva dos problemas sociais como construção social e econômica da sociedade de classes, portanto, que independe das fragilidades pessoais, ou das razões da natureza moral ou cognitiva, dentre outras subjetivações /.../‖. Para Behring (2010) o principal desafio é a efetivação dos conceitos fundantes do SUAS bem como do SUS na luta pela garantia da: universalidade, equidade, integralidade das ações e participação dos cidadãos, a idéia de assistência social e saúde pública e universal. A contrapartida parece estar na prática que vêm sofrendo as políticas publicas ―/.../ um processo de privatização passiva /.../‖ (DRAIBE, 1990) ou de democracia inconclusa (GERSCHMAN,1995). O que reflete diretamente na inconclusão das políticas públicas preconizadas no campo de tratamento, recuperação e reinserção social dos usuários de substâncias químicas, principalmente considerando que a política de saúde mental brasileira preconiza cuidado integral, para 65 objetivar promover a atenção aos usuários baseando políticas de saúde para a atenção integral a usuários de drogas em evidências científicas e principalmente com uma ação de base comunitária. A rede de atenção à Saúde Mental é composta pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), pelos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), pelas Unidades Básicas de Saúde, pela Estratégia de Saúde da Família, Associações de bairro, escolas, igrejas, Ambulatórios e Hospitais Gerais. Em 2004 a Portaria n°336, determina sobre o espaço físico, equipe profissional dos CAPS-AD (serviço especializado para usuários de álcool e drogas) em municípios de 70.000 a 200.000 habitantes que estes devem contar com espaço próprio e preparado para atender sua demanda específica. A orientação é que os CAPS privilegiadamente sejam localizados em bairros residenciais e suas instalações tenham características de domicílios. Esses locais devem contar com os seguintes recursos físicos: consultórios para atendimento individual, sala para atividades em grupo, sanitários, refeitório, espaço de convivência e área externa para oficinas, recreação e esporte. Cada CAPS tem suas próprias características quanto aos tipos e números de profissionais que irão compor a equipe, e todos os CAPS devem obedecer à exigência da diversidade profissional determinada pela legislação. Diversos profissionais de nível médio e superior podem compor a equipe interdisciplinar de um CAPS, que podem ser: técnicos e/ou auxiliares de enfermagem, educadores, artesãos, técnicos administrativos e ainda equipe de serviços gerais, limpeza e vigilância, de ensino médio. Já os profissionais de ensino superior são: os enfermeiros, médicos, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais, professores de educação física ou outros necessários para as atividades oferecidas pelos CAPS. Enfim, por falta de aparato legal não deve ocorrer falta de tratamento da dependência química, a viabilização do texto legal garantiria minimamente o princípio da intersetorialidade, o que não necessariamente está ocorrendo com a dificuldade de inserção dos usuários nas políticas/programas de tratamento e recuperação a dependência química. Assim sendo, é necessário que a rede de saúde esteja articulada não somente aos serviços de saúde, mas também aos diversos equipamentos da cidade, garantindo assim a promoção da autonomia e da cidadania e a reinserção social de pessoas com transtornos mentais, segundo o que preconizaria a missão dos CAPS, que seria favorecer o 66 exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e seus familiares. Portanto, os CAPS devem (deveriam) funcionar como articuladores da rede, atuando na atenção direta aos usuários, articulados às equipes de Estratégia de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde. Mas também deveriam funcionar como estratégias de promoção da autonomia e cidadania dos usuários, articulados aos serviços existentes nas demais redes, como ―/.../ sócio-sanitárias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas, empresas, etc./.../‖ (BRASIL, Ministério da Saúde, 2004). Nesta direção a proposta dos CAPS é prestar atendimento à população de seu território de abrangência, oferecendo acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários, promovida pelo acesso ao trabalho, ao lazer e através do exercício dos direitos civis e fortalecimentos dos laços familiares e comunitários. As pessoas atendidas nos CAPS são aquelas que apresentam intenso sofrimento psíquico, que lhes impede de viver com qualidade, prejudicando em vários aspectos da sua vida: a área familiar, do trabalho, financeiro e econômico, suas relações com amigos e na comunidade. Este sofrimento psíquico pode ser decorrente do abuso de substâncias psicoativas (álcool e drogas). Entretanto, passados quase uma década da sua implementação a Portaria n°336 não deslanchou, segundo pesquisa que mostra que o Brasil possui apenas um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) para cada 7 milhões de pessoas. O Estado do Amazonas, por exemplo, não possui nenhuma unidade de Caps AD. A pesquisa divulgada pela Confederação Nacional dos Municípios mostrou que em 74% dos municípios do Brasil existem problemas relacionados as drogas também mostrou que o crack começa a substituir o álcool nos municípios de pequeno porte e áreas rurais e que uma pedra custa menos de R$ 5. No sentido de um dos pilares da reforma psiquiátrica de 2001, que prevê internação apenas em casos extremos, o Caps AD promove o acompanhamento clínico, tratamento ambulatorial e a internação de curta duração de pessoas com transtornos pelo uso de crack e outras drogas. Atualmente, existem 268 Caps AD no País. Como afirma Amarante (2007), é o protagonismo daquele que anteriormente era apenas um ‗paciente‘. No projeto terapêutico o usuário pode ser indicado a participar das atividades nos regimes Intensivo, Semi-Intensivo e Não-Intensivo, conforme determina a Portaria UM n°3361: 67 Atendimento Intensivo: trata-se de atendimento diário, oferecido quando a pessoa se encontra com grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou dificuldades intensas no convívio social e familiar, precisando de atenção contínua. Esse atendimento pode ser domiciliar, se necessário; Atendimento Semi-Intensivo: nessa modalidade de atendimento, o usuário pode ser atendido até 12 dias no mês. Essa modalidade é oferecida quando o sofrimento e a desestruturação psíquica da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de relacionamento, mas a pessoa ainda necessita de atenção direta da equipe para se estruturar e recuperar sua autonomia. Esse atendimento pode ser domiciliar, se necessário; Atendimento Não-Intensivo: oferecido quando a pessoa não precisa de suporte contínuo da equipe para viver em seu território e realizar suas atividades na família e/ou no trabalho, podendo ser atendida até três dias no mês. Esse atendimento também pode ser domiciliar (Portaria GM1336 disponível na Cartilha do MINISTÉRIO da SAÚDE: Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial, 2004). O usuário pode chegar ao tratamento nos CAPS de duas maneiras: por busca espontânea, procurando diretamente o serviço, por indicação de familiar e amigos, ou encaminhado por algum serviço da rede de atenção, mais habitualmente pela Estratégia de Saúde da Família. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o tratamento de transtornos mentais leves na Atenção Básica, integrando as equipes de Saúde da Família e de Saúde Mental, seguindo a lógica matricial (Matricialidade Familiar). 68 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUEM SE (PRE)OCUPA COM A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO BRASIL? CONTRIBUIÇÃO PARA O DEBATE. O universo que compreende a formulação de uma possível resposta para esta pergunta perpassa por uma multiplicidade de instituições públicas e privadas, profissionais de variados saberes, o que garante uma intervenção multidisciplinar, embora por vezes desfocada do saber científico e amparada por práticas ―empíricas‖ de tratamento e enfretamento da dependência química. Desta forma atualmente diversos profissionais estão envolvidos neste enfretamento à problemática da dependência química entre os quais: enfermeiros, médicos, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, agentes de saúde, agentes de segurança pública bem como terapeutas corporais, voluntários geralmente ligados a instituições religiosas que figuram com protagonismo neste universo que engloba a dependência química. Contudo, a variedade de perspectivas teóricas e políticas destas distintas profissões por vezes crivam/condicionam as intervenções. Esta multiplicidade de profissionais principalmente se deve ao afastamento do ideário de satanização que os dependentes químicos sofrem, posto que, conforme demonstramos, atribui-se ao vicio/adicção um caráter degenerador do caráter/personalidade dos indivíduos, o que os condicionam como ―persona no grata‖ em seus convívios sociais, configurando-os como não-cidadãos, considerando a dificuldade de acesso às políticas públicas instituídas, bem como a dificuldade de viabilização do que se preconiza nas políticas específicas para dependência química. À medida que o conceito de dependência química passa a privilegiar o comportamento compulsivo diante da substância, em lugar das manifestações orgânicas do uso abusivo das substâncias químicas ocorre à aproximação dos profissionais envolvidos no enfretamento a dependência química ao saberes científicos, entretanto, sem abandonar concepções/formas de tratamento empíricos que flertam coma a utopia. Pois os tratamentos ainda se baseiam no ideal de abstinência como indicador de recuperação. Enquanto uma gama menos representativa politicamente procura mediar a dependência química não focando o consumo e atendo-se ao uso abusivo, está posta uma distinção de perspectivas e tratamentos (MASUR, 1992). 70 Uma forma de exposição deste antagonismo entre perspectivas diversas pode ser observada em relação aos dois modelos preventivos e teoricamente opostos: um deles estimula o ―Não às Drogas‖ e a ―Guerra às Drogas‖, enquanto o outro focaliza a prevenção do uso abusivo das mesmas, privilegiando a redução de danos a drogadição que acarrete males sociais e/ou físicos para os usuários/dependentes químicos. Beatriz Carlini, em: ―A Escola e as Drogas: Realidade Brasileira e Contexto Internacional‖, argumenta que há de se distinguir as duas perspectivas. Enquanto a primeira utiliza os modelos de amedrontamento, apelo moral/ético/religioso, treinamento para resistência, resignação, pressão de um grupo, e orientação/cuidados familiares, a segunda corrente estaria empenhada em reduzir os riscos que o abuso de drogas pode causar tanto para o indivíduo como para a sociedade, em temos práticos privilegiando cinco modelos: conhecimento científico, educação afetiva, oferecimento de alternativas, educação para a saúde e modificações na estrutura de educação (CARLINI, 1992). Em relação à preocupação com a temática da dependência química sob o prisma do usuário, a Secretária do Estado do Paraná de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Maria Tereza Uille Gomes propõe revisão do combate ao crack e ao enfretamento às drogas, principalmente com a diferenciação do usuário e do traficante, com definição de critérios para encarceramento de suspeitos de tráfico de drogas. Segundo Gomes, é necessário repensar o papel da prisão na política de criminalização das drogas, especialmente em relação ao microtráfico, vinculado diretamente à dependência química. A secretária argumenta: ―/.../ polícia, justiça e cárcere não resolvem os problemas de segurança‖. Ela defende que, além dos números, é preciso conhecer em detalhes quem são os presos.― Assim vamos entender que traficante não é uma massa homogênea e vamos poder identificar quem são os dependentes econômicos e os dependentes sociais do tráfico...‖. Para Gomes, /.../ A lei brasileira diferencia usuário de traficante, mas os juízes não têm parâmetro claro que permita essa diferenciação no momento de aplicar a pena /.../estabelece que, no momento da prisão, devem ser levados em consideração natureza e quantidade da substância apreendida;o local e as condições em que se desenvolveu a ação; as circunstâncias sociais e pessoais; e a conduta e antecedentes do agente /.../. A secretária citou uma pesquisa feita pela Secretaria dos Direitos Humanos do Paraná em duas unidades de prisão feminina no Paraná 71 segundo a qual mais da metade das detentas foram presas por portar pequena quantidade de drogas: 163 mulheres presas, 80% tráfico de drogas, destes 60% com pequena quantidade de 10 a 30g. A luz do debate neste sentido demonstra-se o caráter discriminatório no que tange à condição social de cada um. Se uma pessoa da classe média, num bairro também de classe média, for encontrada com determinada quantidade de droga, poderá ser mais facilmente identificada como usuário (e, portanto, não será submetida à prisão) do que um pobre, com a mesma quantidade de droga, em seu bairro carente. Neste exemplo, confirma-se a seletividade secundária. Vale transcrever a experiência do delegado carioca Orlando Zaccone e membro da LEAP-Brasil: /.../ um delegado do meu concurso, lotado na 14ª DP (Leblon), autuou, em flagrante, dois jovens residentes na zona sul pela conduta descrita para usuário, porte de droga para uso próprio, por estarem transportando, em um veículo importado, 280 gramas de maconha (...), o que equivaleria a 280 ―baseados‖ (...) o fato de os rapazes serem estudantes universitários e terem emprego fixo, além da folha de antecedentes criminais limpa, era indiciário de que o depoimento deles, segundo o qual traziam a droga para uso próprio era pertinente/.../. A decisão do delegado de polícia citado serve para confirmar a conclusão de Zaconne: /.../ A visão seletiva do sistema penal para adolescentes infratores e a diferenciação no tratamento dado aos jovens pobres e aos jovens ricos, ao lado da aceitação social que existe quanto ao consumo de drogas, permite-nos afirmar que o problema do sistema penal não é a droga em si, mas o controle específico daquela parcela da juventude considerada perigosa /.../ (ZACONNE, 2007,p. 20). Após o advento da lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2003 a criminalização das drogas e as políticas de tolerância zero levaram a um aumento acentuado da população carcerária. No Brasil, desde a entrada em vigor da nova legislação sobre as drogas, em 2006, a população 72 carcerária subiu 37%. Isso pode ser explicado pelo fato de grande parte das pessoas presas desde então acusadas de tráfico de drogas serem rés primárias, como mediu pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgadas em 29 de junho passado, o Encontro Nacional sobre o Encarceramento Feminino revelou realidade semelhante. Das 15.263 mulheres que passaram nos últimos cinco anos a fazer parte da população carcerária brasileira, 9.989 (65%) foram acusadas de tráfico de drogas. ―Basicamente são mulheres não brancas, têm entre 18 e 30 anos e baixa escolaridade‖, afirmou a ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça. Para a Secretária de direitos humanos do Estado do Paraná, a partir da experiência de trabalho na questão das drogas em visitas a presídios, manicômios judiciários, ela pode presenciar ―/.../as maiores violações de direitos humanos em sua trajetória profissional/.../‖. A Secretária de Justiça/PR destaca: /.../ é preciso olhar as drogas sob diversas óticas /.../ sob a ótica econômica, analisando a questão da renda ilícita; outra é trabalhar com o viés do tratamento da dependência, envolvendo a educação e o trabalho, em vez de só utilizar a prisão como se fosse solução ao problema /.../ também devemos analisar a ausência de efetivação dos programas governamentais previstos em lei/.../. Com outra linha de pensamento o deputado federal-RS, Osmar Terra, autor do projeto de lei 7663/2010, que prevê a internação involuntária de dependentes, solicitada pela família e decidida pelo médico, Terra destacou que o texto prevê a classificação de drogas e o aumento de penas para traficantes, introduz a baixa compulsória de dependentes, estabelece uma rede de atendimento com organizações governamentais e não-governamentais e cria incentivos para reinserção social. Enquanto estes incentivos estatais não chegam, estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia já praticam as internações involuntárias (sem anuência do usuário e sim dos familiares), compulsórias (com decisão judicial sem anuência dos familiares e usuário – CRATOD). O que o CNS-Conselho Nacional de Saúde repudia amplamente: 73 /.../A implantação de uma política que cuide dos usuários e suas famílias é defendida pelo conselho, que repudia a prática da internação compulsória e involuntária, deixando claro que estas não se constituem como serviços e têm servido para limpar as cidades e não para cuidar dos usuários /.../. Reconhecemos que a situação requer cuidados e medidas capazes de promover acesso à cidadania e reafirmamos que o recolhimento forçado viola direitos humanos e sociais. E, o que violenta, não trata nem inclui /.../. E como defende o consultor legislativo Sérgio Fernandes Senna Pires (Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília), que afirma: ―/.../ não existe desintoxição compulsória ou tratamento compulsório...‖, apontando para a necessidade de estruturação das políticas públicas, destacando o estado de Alagoas como principal Estado com o enfretamento da dependência química que ganha visibilidade positiva. O Secretário de Estado de Promoção da Paz, Jardel Aderico, destacou os avanços que podem ser percebidos a partir da adesão ao programa. ―. O comportamento em rede, possibilitando um atendimento de forma mais linear ao invés de ações isoladas de cada pasta. Podemos dizer que começamos a construir uma agenda positiva de atenção ao usuário, principalmente pelos debates primarem pela buscam um grande monitoramento da expansão da rede de atendimento, para que todos os serviços cheguem de forma igualitária aos usuários e às comunidades. Tendo como grande foco a avaliação das ações com técnicos envolvidos na execução das ações – políticas de saúde, assistência social, prevenção, segurança pública e garantias de direitos. Ainda mediando às considerações finais e pontuando acerca do cenário atual do enfrentamento a dependência química, podemos destacar o surgimento de estruturas/instituições que estão sendo atualmente criadas principalmente no maior Estado da federação São Paulo, o Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas) é uma instituição que surge inda sob a lógica do proibicionismo entretanto com maior foco no indivíduo, mesmo considerando a possibilidade de internação compulsória, já refutada neste trabalho acadêmico, a criação destes espaços deve ser pontuada. Em recente entrevista (ARRUDA, 2013, FOLHA de SP), o desembargador Samuel Karasin é juiz responsável pelo Cratod-Luz e por ordenar tratamento à dependentes em situação de risco, a chamada 74 internação compulsória, que ainda não aconteceu: ―... A questão da internação compulsória é excepcional. Então nós estamos aqui para avaliar e garantir eventuais direitos que a população tenha com relação a acesso ao sistema de saúde...‖, afirma Samuel Karasin. O governo de São Paulo afirma ter 876 vagas para internação, espalhadas por 15 cidades. No Cratod, os dependentes esperam até dois dias pela vaga. Para um universo estimado de 1% da população (41 milhões) podendo ter implicações negativas com o uso abusivo. Os recursos humanos do Cratod contam com: 8 assistentes sociais, 2 psicólogos e uma equipe de enfermagem, 26 médicos (neurologistas, psiquiatras e clínicos), com objetivo de proporcionar agilidade na triagem, esclarecer dúvidas dos dependentes e familiares, e orientar na resolução dos problemas enfrentados. É solicitado um histórico do caso de dependência química no momento do preenchimento da ficha (saude.sp.gov.br). No dia 13.02/2013 foi inaugurada a unidade social do Cratod que é um espaço com uma área externa ao prédio destinada exclusivamente ao atendimento social a dependentes químicos e familiares. A nova unidade vai aprimorar a comunicação entre parentes, dependentes químicos e funcionários das Secretarias do: Desenvolvimento Social, da Saúde e da Justiça. Contudo, em âmbito nacional segue a necessidade de conclusão dos textos oficiais já mencionados além da criação de condições a partir de base científica para enfretamento racional do cenário, este enfrentamento demanda políticas estruturantes nos campos de saúde mental, assistência social, educação e segurança pública, considerando, por exemplo, que já na constituição de 1988 está previsto no artigo 243 parágrafo único que todo dinheiro apreendido no combate ao tráfico deve ser empregado para custeio do Aparelho de tratamento e recuperação de dependentes químicos. Em relação à questão das drogas em âmbito global a ONU instituiu a Comissão Global de Política sobre Drogas, que conta com o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, entre outras autoridades de 17 países. Na América Latina existe a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, ‗chefiada‘ pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com a participação dos ex-presidentes do México Ernesto Zedillo e da Colômbia César Gaviria. Seu objetivo foi avaliar a eficácia e impacto das políticas de combate às drogas e formular recomendações para políticas mais eficientes, seguras e humanas. Constata-se neste momento final do presente trabalho um estado de negligência no que se refere ao enfretamento das políticas públicas 75 no que tange a conclusão das diversas possibilidades inseridas em leis arroladas acima no processo de ensino-aprendizado enquanto estudante de Serviço Social, bem como, as possibilidades que foram esquecidas neste esforço de compreensão acerca deste universo das drogas enfocando o usuário. O Serviço Social brasileiro ganhou notabilidade com a contribuição nas conquistas sociais no passado recente do Brasil, tanto que para Francisco Oliveira, que ressalta esta importância ―/.../ deve-se dizer que sem os assistentes sociais a criação e a invenção de direitos no Brasil não teriam conhecido os avanços que registra...‖. Contudo, salienta: ―... a categoria do Serviço social não é um bloco homogêneo, em que todos mantêm a mesma concepção de direitos, cidadania, e políticas públicas...‖. Para Behring, (2010, p. 192), ―mesmo com o reforço de orientações contidas no Código de Ética, na Lei de regulamentação da profissão e nas diretrizes curriculares da Abepss /.../ que não se contenta com o modelo capitalista do estado de direito/.../‖, os desafios para enfrentamento das questões sociais ainda disputam a concepção teórica dos processos de trabalho dos assistentes sociais. Para Guerra (2007,p.1), os projetos profissionais:―/.../ devem necessariamente incorporar as necessidades, os valores, e os anseios universais referentes a sociedade/.../‖ Desta feita considerando as condições objetivas e subjetivas nos processos de trabalho dos assistentes sociais é requisitado uma ―/.../ postura investigativa /.../ pautada em uma teoria crítica e inclusiva que busca compreender a sociedade capitalista para além da sua aparente naturalidade, suposta liberdade e igualdade formal de condições /.../ com o desafio central para o assistente social, que é o de fazer a crítica dos fundamentos da cotidianidade tanto daquela em que presta serviço, o que significa examinar os fundamentos, analisá-los, reconhecê-los para transcende-los. Consciente que a não resolução das necessidades coletivas e individuais humanas é prática dos Estados Nações e que liberdade na sociedade capitalista está diretamente vinculado aos interesses pessoais, a liberdade a propriedade privada ou o direito humano da liberdade) que para Marx (2005,p.34) ―/.../nada mas é que o reconhecimento do individuo egoísta, burguês/.../‖ . Entretanto a constatação de um estado de exceção paralelo para a população usuária de substâncias químicas. Para Sposati, este estado de exceção está condicionado ao: 76 /.../O empobrecimento da população devido ao achatamento salarial e à ampliação do processo migratório, a periferização do assentamento espacial dos trabalhadores, o ambíguo sentimento político de descrédito do Estado, ao mesmo tempo de nele residir a possível solução dos problemas cotidianos, marcam a vivência dos...mais pauperizados/.../ (SPOSATI, 1988, p. 159). Com intenção de contribuição para o debate acerca das substâncias psicoativas, seu consumo e implicações sociais desta prática, e finalizando esta breve sinopse acerca do enfrentamento das políticas públicas nesta expressão da questão social, lamentando os caráter conservador atrelado a perspectiva proibicionista, a principal corrente neste cenário, principalmente por ser consequência do caráter conservador do projeto neoliberal, que para Iamamoto se expressa: /.../de um lado, na construção do ordenamento capitalista e das desigualdades sociais a ele inerentes tidas como inevitáveis, obscurecendo a presença viva dos sujeitos sociais coletivos e suas lutas na da história; e, de outro lado, em um retrocesso histórico condensado no desmonte das conquistas sociais acumuladas, resultantes de embates históricos das classes trabalhadoras,consubstanciadas nos direitos sociais universais de cidadania, que têm no Estado uma mediação fundamental. As conquistas sociais acumuladas são transformadas em ―ou dificuldades‖, causa de ―gastos sociais excedentes‖/.../ (IAMAMOTO, 1992). Ao tratar das discussões a respeito do uso de substâncias psicoativas, o estado de perplexidade causado pelos diversos usos dessas substâncias e as consequências sociais infelizmente explicitam mais questionamentos/dúvidas do que respostas. Conforme diz Mandon: /.../Existe uma quase impossibilidade até mesmo indecência – ao falar da droga /.../ os médicos ainda não são capazes de compreender como e por que uma droga é toxicomanogênica. O mesmo acontece com os sociólogos que não conseguem explicar como e porque uma pessoa 77 torna-se toxicômana. Os drogados não nos respondem. Não existe, na realidade, conhecimento sobre a droga: apenas competências cruzadas/.../ (MANDON, 1991, p. 231). Convicto que a ―Guerra às Drogas‖ sob perspectiva proibicinista gera danos sociais absurdamente desproporcionais ao mal que qualquer substância psicoativa pode causar, aos indivíduos e a sociedade, mascarando as reais determinações econômicas, políticas e principalmente sociais com posterior enfrentamento condicionado a esta lógica. Atento para o desafio dos assistentes sociais da quebra do estigma social atrelado a história dos usuários dependentes químicos e a partir da realidade nos processos de trabalho dos assistentes sociais, desvelar as reais determinações que abarquem a dependência química possibilitando a construção coletiva de políticas públicas para mediação/enfretamento a dependência química, respostas estas que devem igualar-se à intensidade da complexidade contida na questão. Pereira (2000) destaca que nos processos de trabalho dos assistentes sociais, no campo da saúde mental onde está alocada a dependência química torna-se: /.../importante que os profissionais da área de saúde mental, de modo especial os assistentes sociais em sua intervenção junto à família, atentem para esta realidade, para que propiciem àquela, possibilidades de superar as dificuldades vividas no convívio com o membro portador de transtorno mental, dividindo com eles o tempo de cuidar, através da oferta de serviços de atenção psicossocial diário, oferecendo-lhe o apoio necessário dos serviços para lidar com o estresse do cuidado e convidando-o a participar da elaboração dos serviços e de sua avaliação (e aqui não só a família, como também os próprios usuários)/.../ (PEREIRA, 2000, p. 254). Bisneto (2007) sugere ao profissional do serviço social o reconhecimento das fragilidades existentes no campo de Saúde Mental: /.../É necessário ao assistente social reconhecer seu próprio valor, saber o que está fazendo, criar 78 um discurso profissional, publicar ideias, lutar por seus princípios, faze0r alianças, se expor profissionalmente em Saúde Mental. É claro que o profissional de campo precisa contar com a colaboração de seus colegas de academia: a universidade também deve desenvolver esse discurso profissional com pesquisas, aulas, extensão, publicações, conferências entre outros recursos/.../ (BISNETO, 2007, p. 145). Além disso, desvelar as implicações institucionais e além dos atores sociais envolvidos. Para Zaluar é necessário: /.../a compreensão dos valores culturais das instituições do Estado. Mais especificamente as visões de mundo, aqui incluído as relações de lealdade e as normais sociais, que orientam e estruturam a tomada de decisão dos atores estatais... compreensão dos incentivos e das visões de mundo dos agentes do Estado, deve ser analisado a tomada de decisão desses atores. Nesta análise, o observador/analista deve levar em consideração que os atores tentam escolher a alternativa que mais maximiza os seus objetivos e benefícios. Soma-se a isso, através de uma análise empírica da dinâmica de uma (ou várias) organização criminosa, a identificação das peças que fazem parte dos mecanismos do crime organizado/.../ (ZALUAR, 2012). Este cenário desafia não apenas profissionais envolvidos no enfrentamento desta expressão da questão social, mas todo e qualquer cidadão a se colocar a problematizar esta situação, sob pena do agravamento da epidemia de consumo de crack, bem como da dependência química, ampla e principalmente com os abusos, massacres em periferias, chacinas, encarceramentos sumários, universo de constante violência que condiciona incontáveis indivíduos a um descaso, invisibilidade social/estatal legitimada pelo uso ou abuso de uma substância química. Por fim, considerando outras questões necessárias a este debate, que infelizmente não puderam ser aprofundadas no presente trabalho, afirmamos ser eminente a demanda de construção de uma teoria que 79 contemple na sua complexidade a dependência química, como também o seu significado. Especificamente para os assistentes sociais a necessidade de interação com as reais necessidades dos dependentes químicos bem como da questão das drogas, possivelmente surge a necessidade de formação continuada em Serviço Social no que tange às drogas, dependência química e violência social. Pois enquanto a dependência química for especialmente degenadora das populações de baixa renda das: favelas, cortiços, conjuntos habitacionais, morros, a dependência química será desafio a ser enfrentado. Marighella (1999, p.547), no contexto de luta contra o regime de ditadura militar, período este que neste trabalho foi considerado análogo(minimamente) do Estado de exceção paralelo que estão condicionados atualmente os dependentes químicos, argumentava que o modelo de enfrentamento daquele período que para a analogia com a dependência química, seria privilegiar as reais necessidades dos usuários demandando a união dos /.../ grupos com atuação de baixo para cima... uma coordenação ativa ... que leva a ação para diante...a partir da ação...ações em conjunto mesmo atentos que no Estado liberal segundo Lênin (1988, p.115) ―/.../ é impossível exaltar a ‗paz social‘ e a possibilidade de evitar tormentas sob a ‗democracia‘ /.../‖. Ainda relembrando Marighella (1999): ―/.../ De todo modo, o problema é quem samba fica, quem não samba vai embora/.../e vale mais a disposição/.../‖. 80 81 REFERÊNCIAS AMARANTE, P. Saúde Mental e atenção psicossocial. 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Desnorteado na nóia, o mais bandidão Pensando que tá bom, usa droga e fala gíria Vai se liga, vai se liga(x2) Ó liga lá, veja só quem é o troxa As 10 da manhã zóio azul tira onda No bar, na porta da facul sentado a mesa Playboy ri à toa, maconha e cerveja Se dedicar pra que? se é tudo gozolândia Rezo pro pai morre, zóio azul qué herança E vc tá no plano de quem? ou do que? 90 Bem loko, fudido, sorrindo por quê? Pra resolver, quer PT, justo, quem se liga Pra onde vc for sua cor atrai policia Barão faiz lei pra te fude, vc num entende? Que o peso do martelo pra nois é diferente Dinheiro sem poder num adianta Fiança livra um, mais de mil vai pra tranca Enquadra nossos moleke, para um qué Muitos querem, veja bem Preto e pobre na cadeia aos 16 Se a ideia convém nesse momento então me escuta Esquece os B.O., tira a touca esconde as luva A vida é muito mais cabulosa que cê pensa Sai dessa, mó grupo, maluko se orienta Refrão(x2) Supere a ilusão e o veneno, só veneno e toda fantasia que está vivendo Quem falou que proceder é desse jeito, jão? Que vacilão é quem um diploma na mão? Sempre quer o melhor, mas é o pior Faz da vida um nó, a gente assim, cedo vira pó Um disperdicio só, viver é coisa melhor Da mó dó, o sofrimento que faz ao redor Zé Povinho qué o seu sucesso (abraça) Esse caminho o final é cara na vala Tem outra forma de respeito, morô Mostrar a si mesmo como virar o jogo Moral verdadeira, viver sem fronteira Da vida derradeira, uma lembrança passageira Vai brilhar na multidão na hora certa Somente os escolhidos, bem disse o poeta Esperto e preparado para guerra, sincera Aquela que liberta o coração e a mente da merda Olha os patrício, veja bem quem se ferra Pelo amor, já num basta a miséria? Migalha é anistia, doação pra família 91 Alimento hoje e a morte no outro dia Os coxinhas cada veiz mais violentos De segunda a segunda, os dias são sangrentos A mãe acende vela, reza, faz promessa O pai é mais frio, vive em estado de alerta Mas vc num se interessa, jão Pra onde vai, já foram uma pá de irmão Refrão(x2) 92 Marvada Pinga(Inezita Barroso) Com a marvada pinga É que eu me atrapaio Eu entro na venda e já dou meu taio Pego no copo e dali num saio Ali memo eu bebo Ali memo eu caio Só pra carregar é que eu dô trabaio Oi lá Venho da cidade e já venho cantando Trago um garrafão que venho chupando Venho pros caminho, venho trupicando, xifrando os barranco, venho cambetiando E no lugar que eu caio já fico roncando Oi lá O marido me disse, ele me falo: "largue de bebê, peço por favô" Prosa de homem nunca dei valô Bebo com o sor quente pra esfriar o calô E bebo de noite é prá fazê suadô Oi lá Cada vez que eu caio, caio deferente Meaço pá trás e caio pá frente, caio devagar, caio de repente, vô de corrupio, vô deretamente Mas sendo de pinga, eu caio contente Oi lá Pego o garrafão e já balanceio que é pá mor de vê se tá mesmo cheio Não bebo de vez porque acho feio No primeiro gorpe chego inté no meio No segundo trago é que eu desvazeio Oi lá Eu bebo da pinga porque gosto dela Eu bebo da branca, bebo da amarela Bebo nos copo, bebo na tijela E bebo temperada com cravo e canela 93 Seja quarqué tempo, vai pinga na guela Oi lá Ê marvada pinga! Eu fui numa festa no Rio Tietê Eu lá fui chegando no amanhecê Já me dero pinga pra mim bebê Já me dero pinga pra mim bebê e tava sem fervê Eu bebi demais e fiquei mamada Eu cai no chão e fiquei deitada Ai eu fui prá casa de braço dado Ai de braço dado, ai com dois sordado Ai muito obrigado! 94 Vida Marvada (Renato Teixeira-Rolando Boldrim) Corre um boato aqui donde eu móro Que as mágoas que eu choro são mal ponteadas Que no capim mascado do meu boi A baba sempre foi santa e purificada Diz que eu rumino desde menininho Fraco e mirradinho a ração da estrada Vou mastigando o mundo e ruminando E assim vou tocando essa vida marvada É que a viola fala alto no meu peito humano E toda moda é um remédio pros meus desengano É que a viola fala alto no meu peito, mano E toda a mágoa é um mistério fora desse plano Prá todo aqueles que só fala que eu não sei vivê Chega lá em casa pruma visitinha Que no verso e no reverso da vida inteirinha Há de encontrar-me num cateretê Há de encontrar-me num cateretê Tem um ditado dito como certo Que o cavalo esperto não espanta a boiada E quem refuga o mundo resmungando Passará berrando essa vida marvada Cumpadi meu que inveieceu cantando Diz que ruminando dá pra ser feliz Por isso eu vagueio ponteando E assim procurando minha flor-de-liz 95 Que beleza é saber seu nome Sua origem, seu passado E seu futuro Que beleza é conhecer O desencanto E ver tudo bem mais claro No escuro... (Tim Maia-Que Beleza) É! A gente quer viver pleno direito A gente quer viver todo respeito...E a vida! E a vida o que é?Ela é maravilha Ou é sofrimento?Você diz que é luta e prazer ...O que é? O que é? Meu irmão...(Gonzaginha-O que é O que é)