UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA LUIZ CLÁUDIO MOISÉS RIBEIRO O CASAMENTO DAS ELÉTRICAS CAPIXABAS UM ESTUDO DA HISTÓRIA DA ESCELSA ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A 1951-1968 Niterói 2003 LUIZ CLÁUDIO MOISÉS RIBEIRO O CASAMENTO DAS ELÉTRICAS CAPIXABAS UM ESTUDO DA HISTÓRIA DA ESCELSA ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A 1951-1968 Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense para obtenção do título de Doutor em História. Orientador: Prof. Dr. Geraldo Beauclair Niterói 2003 para Lena e Felipe. QUADRO DE ABREVIATURAS AMFORP - American & Foreign Power Company BEPCO - Brazilian Electric Power Company BIRD - Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico CAEEB - Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras CCBFE - Companhia Central Brasileira de Força Elétrica CEMIG - Centrais Elétricas de Minas Gerais S/A CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina CHESF - Companhia Hidrelétrica do São Francisco CMBEU - Comissão Mista Econômico Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento CNAEE - Conselho Nacional de Águas e Energia elétrica CNE - Conselho Econômico Nacional COFAVI Companhia Ferro e Aço de Vitória CONESP - Comissão de Nacionalização das Empresas de Serviços Públicos CSN - Companhia Siderúrgica Nacional S/A CVRD - Companhia Vale do Rio Doce S/A DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica ELETROBRÁS - Empresas Elétricas Brasileiras S/A ESCELSA - Espírito Santo Centrais elétricas S/A EXIMBANK - Export and Import Bank of Washington GERCA - Grupo Executivo para a Recuperação da Cafeicultura INDA - Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário PAEG - Programa de Ação Econômica do Governo PETROBRÁS - Petróleo Brasileiro S/A USAID - “Aliança para o Progresso” - Programa do Governo dos Estados Unidos da América de apoio financeiro à América Latina, lançado em 13/03/1961 Sumário Introdução e conclusões, 1 Capítulo 1, 22 O “nascimento” da ESCELSA (1951-1959) Capítulo 2, 61 O “namoro” da ESCELSA com a CCBFE (1959-1964) Capítulo 3, O “casamento” das empresas elétricas capixabas (1964-1968) O arranjo político, 127 O arranjo técnico, 158 O casamento arranjado, 192 Considerações finais, 198 Arquivos, bibliotecas e acervos pessoais pesquisados, 209 Referências bibliográficas, 210 Introdução e conclusões Esta tese resultou do estudo da formação do sistema público de serviços de energia elétrica ocorrido no Estado do Espírito Santo nas décadas de 1950 e 1960. Por suas particularidades poderá contribuir para o entendimento das estratégias do Poder Público em setores infra-estruturais da economia regional contemporânea. Tais estratégias visavam criar um novo eixo dinâmico na economia regional em alternativa à dependência da produção da cafeicultura e capaz de articular a região do cerrado e de mineração de Minas Gerais com o mar para destinar sua produção às unidades de transformação instaladas junto aos portos do Espírito Santo e daí aos mercados consumidores no exterior. Por isso, considera-se que a estruturação do fornecimento de energia elétrica era parte fundamental pois, em paralelo com ferrovias e rodovias, possibilitaria a montagem de um complexo industrial e portuário atraente aos investimentos de capital dentro da racionalidade do desenvolvimento associado - ou interdependente - que se implantava no Brasil. Nessa abordagem, o sistema elétrico estadual deixou de ter existência própria em âmbito circunscrito ao território capixaba para tornar-se parte fundamental de um projeto geopolítico mais amplo, articulando as regiões sudeste e centro-oeste do Brasil aos compromissos e interesses do Estado brasileiro para com a produção industrial destinada à exportação. Desde a década de 1940 as regiões urbanas brasileiras vinham experimentando uma defasagem entre a demanda crescente e uma produção de energia elétrica pouco elástica. Por isso, além da reestruturação jurídica que vinha sendo promovida desde a criação do Código de Águas de 1934, o setor elétrico passou a ser também dotado de instrumentos de planejamento e financiamento de sua infra-estrutura tais como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (1952), do Fundo Federal de Eletrificação (1954) a ELETROBRÁS (1962) pelo 1 governo federal, que vinham sendo cogitados desde 1944 no âmbito das discussões para a elaboração do Plano Nacional de Eletrificação. Ao mesmo tempo ocorria no Estado do Espírito Santo um processo peculiar de formação do “Estado-empresário” no setor de energia elétrica quando a superação do sistema instalado ficou nítido, na década de 1940: a energia elétrica oferecida pela CCBFE (Companhia Central Brasileira de Força Elétrica) - subsidiária do grupo norte-americano American and Foreign Power Inc. (AMFORP), por sua vez pertencente ao grupo transnacional Electric Bond and Share - às principais regiões urbanas domiciliares e fabris de Vitória e Cachoeiro de Itapemirim era insuficiente para sustentar o crescimento da demanda. A empresa, por sua vez, não se dispunha a construir hidrelétricas para ampliar a produção. Diante da insatisfação da população para com o estado do setor elétrico o líder do PSD capixaba Jones dos Santos Neves inaugurou o planejamento estatal do setor propondo o Plano Estadual de Eletrificação (1951) que, entre outras providências, indicava a construção de várias hidrelétricas e a criação de uma empresa estadual de energia elétrica capaz de gerar um aumento de 240% na potência instalada. Tal iniciativa estadual, contudo, não estava descolada do contexto maior nacional. No Brasil, o período 1951-1954 foi aquele em que surgia uma “consciência” pela industrialização, processo que Lessa chamou de estatização formal.1 Neste processo e logo em seguida no Plano de Metas (1956-1961), foram também lançadas as bases políticas e técnicas para a criação da ESCELSA - Espírito Santo Centrais Elétricas S/A, empresa cujo nome criara Jones dos Santos Neves.2 Mas os planos federais não tardariam a interferir no planejamento estadual. Em 1962, convicto de que a melhor solução técnica e política seria concentrar os 1 LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. SP: Brasiliense, 1982. p. 11. Ao criar o nome da empresa, Jones consultou seu irmão, o folclorista Guilherme Santos Neves, acerca da grafia com “s” uma vez que o vocábulo “excelsa” é grafado com “x” na língua portuguesa. Guilherme Santos Neves propôs que a sigla “Escelsa” fosse escrita sempre seguida do 2 2 investimentos e maximizar o aproveitamento dos recursos hídricos, o governo federal extinguiu o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) e optou pela criação de uma empresa holding para o setor, a ELETROBRÁS - Centrais Elétricas Brasileiras S/A, de junho de 1962, vindo consolidar uma política para a produção de energia elétrica com o necessário aporte de capitais públicos que não foi interrompida após a ruptura do regime democrático. Como desdobramento dessa política, em 1964, o Executivo federal adquiriu para a ELETROBRÁS o controle acionário da AMFORP e iniciou uma nova fase no aproveitamento dos recursos energéticos do país. É nesse contexto que, em 1968, a ESCELSA e a CCBFE foram fundidas numa nova empresa pública, a ESCELA Espírito Santo Centrais Elétricas S/A, que passou a ser chamada de “nova ESCELSA”. O principal objetivo desta tese de doutorado é demonstrar esse processamento, em especial entre o princípio dos anos de 1950 e a fusão. Para atingi-lo, além da pesquisa de fontes primárias, buscou-se na bibliografia da conjuntura político-econômica brasileira do Segundo Governo Vargas referências para a análise da ESCELSA como o locus da materialização de uma rede de conflitos e interesses econômicos, políticos e ideológicos em que o território capixaba é mais uma “plataforma de operações”, um recorte espacial do universo maior, e privilegiou-se o desenvolvimento e a análise de suas especificidades. O modelo de desenvolvimento industrial do vale do rio Doce parece ter tido sua origem no pensamento original do célebre engenheiro e abolicionista André Rebouças, para quem a organização da economia brasileira dependia do fim da escravidão e da implementação de centros industriais como aquele pensado para Minas Gerais (...) Porque não havemos de constituir em Minas Gerais um centro industrial e manufatureiro para dar produtos de algodão, de lã, de seda e de ferro, aos habitantes do nome da empresa por extenso, a saber: ESCELSA Espírito Santo Centrais Elétricas S/A, para designar pessoa jurídica. 3 imenso planalto, que se estende da Serra da Mantiqueira até os Andes?3 É possível identificar no pensamento de Rebouças também a noção de infraestrutura econômica necessária para a exploração dos recursos existentes nas diferentes regiões brasileiras, partindo de uma adequação das potencialidades de recursos naturais, mão-de-obra e capitais aos mercados externos. Neste projeto, as “vantagens comparativas”4 da fronteira marítima do Espírito Santo e sua proximidade com o imenso planalto já saltavam aos olhos do eminente líder industrialista e monarquista brasileiro Oxalá que, quanto antes, um caminho de ferro, ligando o excelente porto de Vitória ao interior da província de Minas Gerais, pelo Vale do rio Doce; o comércio direto e os bons princípios de centralização agrícola e industrial, realizem a emancipação comercial da fertilíssima província do Espírito Santo, e a coloquem entre as mais prósperas desta Nação.5 Porém, a incorporação dos elementos essenciais da técnica do planejamento se deu, no Brasil, em paralelo com a fixação do conceito de desenvolvimento econômico. As experiências de substituir as importações anteriores à elaboração do Plano de Metas (1957-60) sedimentaram um debate técnico e político sobre assuntos como desenvolvimento, industrialização, economia nacional, planejamento, etc. que preparou os grupos econômicos e políticos dominantes para aceitar a política econômica governamental que cada vez mais foi sendo orientada no sentido de substituir as importações (...) Pouco a pouco, planejamento e desenvolvimento econômico passaram a ser conceitos associados, tanto para governantes, empresários e técnicos como para boa 3 REBOUÇAS, André. Agricultura nacional. Estudos econômicos. Rio de Janeiro: A.J. Lamoureaux, 1883. p. 79. 4 Acerca do conceito de vantagem ou custo comparativo, consultar: SANDRONI, Paulo. Novo dicionário de Economia. 6 ed. SP: Best Seller, 1994. 5 REBOUÇAS, loc. cit. p. 72. 4 parte da opinião pública.6 Aprofundando ainda mais os propósitos de substituir as importações tradicionalmente realizadas pelo país o governo brasileiro traçou o Plano de Metas, que constituiu-se na mais sólida decisão consciente em prol da industrialização na história econômica do país.7 No dizer de Lessa (...) quando os desequilíbrios estruturais foram constatados, e se tornaram críticos, impuseram uma redistribuição de recursos a favor do setor público, iniciada com a criação do BNDE, o Fundo de Reaparelhamento Econômico, em 1952, e do regime de sobretaxas cambiais estabelecido pela Instrução 70 [SUMOC] em 1953. Porém, dada a reduzida transferência inicial de poupanças e os longos períodos de maturação desta classe de investimentos, em 1956 persistia a necessidade de ampliar, mais que proporcionalmente, as inversões no sistema de transporte e de produção energética.8 São vários os autores que enfatizam o mesmo entendimento. Lessa propõe que a eficácia do modelo estaria condicionada à impossibilidade do processo de substituições de importações se iniciar e ter prosseguimento a partir da base para o topo da pirâmide produtiva. Por isso, havia uma contradição intrínseca na medida em que a cada momento as importações precisavam ser retomadas para que fossem incorporados novos bens de capital, sem o que o processo produtivo sofreria estagnação. Assim, o nó górdio do problema a solucionar estaria na construção do edifício em vários andares simultaneamente, mudando apenas o grau de concentração em cada um a cada período. Nesse caso, os chamados “investimentos de base”, por sua posição no edifício econômico, não poderiam ocorrer no tempo ideal, ou seja, antecipadamente aos investimentos nos setores produtivos pela iniciativa privada, sem a antecipação governamental direta ou promovida através de estímulos de 6 IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil. RJ: Civilização Brasileira, 1986. p. 156. 7 LESSA, op. cit., p. 27. Nota 1. 8 Ib, p. 31. 5 natureza financeira.9 Aprofundando as contradições existentes na formulação do modelo da substituição de importações, Tavares destacou a natureza reflexa da economia brasileira em sua dependência à exportação de um ou dois produtos que a sujeitavam às crises externas em condição subordinada, de um lado; de outro, e em decorrência do primeiro aspecto, a vulnerabilidade em relação às flutuações ocorridas nas cotações internacionais desses produtos. Mas a autora salienta que até 1953 os empresários brasileiros souberam aproveitar os anos mais favoráveis ao setor externo (1952/53) para importar equipamentos e diversificar os investimentos em vários setores da atividade interna. Como se verificou no período seguinte, essa política foi acertada na medida em que proporcionou maior renda e emprego da mão-de-obra nacional e estabeleceu os elos necessários para novas etapas de industrialização que expandiram a capacidade produtiva brasileira. Essa política econômica funcionava de forma a tanto induzir uma relativa redução da dependência do setor industrial para com a exportação de produtos agrícolas como para concentrar no espaço geográfico-econômico o crescimento industrial. Tal política utilizava-se, ao mesmo tempo, de uma taxa múltipla de câmbio baseada num controle dos produtos importados, no plano externo, com preferência aos bens de capital e aos insumos industriais essenciais; no plano interno o Governo Getúlio Vargas avançou com a política de investimentos em infra-estrutura e na formulação de uma agência de financiamento do setor industrial considerados chave para eliminar os pontos de estrangulamento da economia.10 Francisco Oliveira também concorda com esse entendimento, embora ressalte que o ponto crucial para entendimento dessa inflexão da política econômica governamental em favor da industrialização tenha sido a apropriação pelo setor industrial estatal e privado dos excedentes gerados no setor 9 TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo brasileiro. Ensaios sobre a economia brasileira. Prefácio de Carlos Lessa. RJ: Zahar, 1975. p. 46. 6 agroexportador. Ou seja, para o autor de A economia da dependência imperfeita, a contradição residia na necessidade de, ao mesmo tempo em que se mantinha a rentabilidade do setor cafeeiro, transferia-se essa rentabilidade para o setor industrial através da relativa rigidez da taxa cambial dos primeiros anos da década de 1950.11 Entretanto, posição contrária assume este autor quanto ao entendimento de que o padrão de acumulação do setor industrial seja resultado da política econômica adotada no Segundo Governo Vargas. Para ele, o padrão de acumulação que só vai se completar no setor industrial brasileiro na vigência do Plano de Metas do Governo JK, e assim mesmo parcialmente, já estaria posto na forma de uma (...) prévia expansão do setor produtor de bens de produção que poderia fundar as bases para uma expansão industrial mais equilibrada entre os três departamentos básicos: o produtor de bens de produção, o produtor de bens de consumo não duráveis, e o produtor de bens de consumo duráveis.12 Essa prévia expansão teria ocorrido ainda durante a Ditadura Vargas, marcadamente na criação da Cia. Siderúrgica Nacional e nos projetos estatais subseqüentes, possibilitada pelo caráter ditatorial do Estado Novo, e pela natureza hierárquica da organização das Forças Armadas. Nesse argumento, Oliveira procura rebater o caráter de autonomia de um projeto de industrialização de natureza estatal e privada concebido por uma suposta casta burocrata que fazia as vezes de consciência da burguesia nacional, conforme entendeu Lessa no seu esquema explicativo para a industrialização intencional do anos 50 no seu esquema explicativo para o que chama industrialização intencional dos anos 50. Dessa forma, a acumulação no setor industrial, muito mais que uma vitória de um sentimento nacionalista exacerbado, fora forjada na ruptura da economia 10 11 12 Ib, p. 59. OLIVEIRA, Francisco. A economia da dependência imperfeita. RJ: Graal, 1977. p. 76-92 passim. Ib, p. 77. 7 brasileira com o capitalismo internacional deflagrada pela Grande Depressão que atingiu o setor agroexportador e abriu espaço para uma expansão industrial interna da ordem de 11% entre 1933 e 1938. Uma vez que o abastecimento de bens de capital e de produção do exterior fora restringido e até agravado com a segunda Grande Guerra, Oliveira conclui: (...) é essa expansão - e a contradição a que vai dar lugar, tendo em vista o estado das forças produtivas dos países imperialistas sob a recessão e em seguida submetidos à economia da guerra - que determina a expansão do setor de bens de capital e a própria implementação dos projetos estatais de base, sem o que a reprodução do capital industrial não seria factível.13 Também Sônia Draibe baseia teoricamente o “eixo” para a mudança de rota da política econômica experimentada em 1951. A autora entende que a existência de um planejamento formal é o traço definidor de uma inflexão do processo de industrialização brasileira ocorrido na década de 50, com ênfase para o amadurecimento dessa forma do Estado consubstanciada no Plano de Metas. Assim, uma análise linear tenderia a obscurecer as transformações endógenas ocorridas no funcionamento do aparelho estatal que possibilitaram a execução do Plano de Metas e o salto industrial experimentado a partir daí. Porém, o corte analítico que toma por base a volta de Vargas ao poder nos anos 50 obscurece, segundo a autora, o momento crucial da irrupção de forças materiais novas no seio do Estado deixando passar despercebido as alterações ocorridas no processo da Grande Depressão e a ascensão política de novos setores dominantes, de caráter industrialista, nas decisões do núcleo do poder.14 Portanto, de acordo com a autora, a relevância do período 1951-1954, para além dos mecanismos de regulação das taxas de câmbio e de uma pauta seletiva de importações, reside na redefinição - graças à atuação de novos atores sociais tanto da função reguladora do Estado como da sua função econômica na 13 Ib, p. 79. 8 interpenetração no processo de acumulação capitalista. Importa, sobretudo para os fins desta tese, observar na originalidade do projeto varguista a concepção sistêmica do desenvolvimento capitalista para que se possa, a posteriori, melhor observar a hipertrofia da empresa estatal ocorrida no espaço econômico do Espírito Santo. Draibe destaca os eixos do projeto varguista: Em primeiro lugar, industrialização concebida como um processo rápido, concentrado no tempo, a partir de um bloco de inversões públicas e privadas em infra-estrutura e indústrias de base, reservando à empresa estatal um papel estratégico e dinâmico. (...) Em quarto lugar, a organização de um sistema de financiamento (...). Finalmente, uma forma de articulação da economia brasileira com o capitalismo internacional, indicando condições preferenciais para a entrada do capital externo (...).15 Em relação à energia elétrica, na mensagem presidencial enviada ao Congresso Nacional em 1951, Vargas avaliava a existência de um deficit de 1,5 milhão de quilowatts, sendo condição básica a instalação média anual de 200 mil quilowatts para a implantação dos demais programas de industrialização, eletrificação das ferrovias e reorganização dos transportes no país. Por isso, além da ampliação da geração, considerava o seu governo ser importante atacar também o problema da ampliação e modernização da distribuição, o que implicava na revisão das tarifas e dos contratos de concessão das empresas privadas que operavam no Brasil.16 Finalmente, em 1954, foi enviado ao Congresso o Plano Nacional de Eletrificação. O novo plano propunha que a potência elétrica instalada no país fosse elevada de 2 para 4 milhões de quilowatt no prazo de 10 anos, a unificação das correntes e a padronização da tensão de transmissão e equipamentos elétricos do país. Além disso, explicitava o desejo de criar dois grandes sistemas, o das 14 DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil, 1930-1960. RJ: Paz e Terra, 1985. 15 Ib. 9 áreas das grandes centrais elétricas, no centro-sul, e o das usinas isoladas nãointerconectáveis. Porém, o Plano não foi executado na gestão de Vargas e acabou sendo resgatado em parte no Plano de Metas e só foi inteiramente implementado após 1964.17 Em 1955 novos estudos realizados pelo Grupo de Trabalho CEPAL-BNDE sob a forma de um Esboço de um Programa de Desenvolvimento para o Brasil apontaram para a necessidade do incremento anual de 7,2% da produção, coincidindo com o Plano enviado por Vargas e já com fundos parcialmente aprovados pelo Congresso Nacional.18 As análises do CEPAL-BNDE enfatizavam a necessidade de um plano de desenvolvimento mais acelerado para o segundo quinquênio dos anos 50. Tal plano basear-se-ia num prognóstico das tendências econômicas do próximo decênio, considerando que iniciava-se naquele momento no país um novo ciclo caracterizado pela liquidação das reservas monetárias e endividamento externo: (...) o esforço de identificação desses fatores estratégicos apresenta o duplo interesse de auxiliar-nos a conhecer as tendências atuais e de capacitar-nos para formular uma política de aceleração do desenvolvimento.19 O estudo do CEPAL-BNDE considerou 3 variáveis para efeito de projeções do crescimento econômico brasileiro na segunda metade da década de 1950: a) a poupança interna; b) as modificações nos preços de intercâmbio; e c) a entrada líquida de capitais externos. Nesse último caso, para o CEPAL-BNDE o movimento favorável de capitais externos implicaria sobremaneira nos investimentos de longo prazo de maturação, próprios das grandes plantas hidrelétricas. 16 “Mensagem presidencial ao Congresso na abertura da sessão legislativa de 1951.” In: Getúlio Vargas, o governo trabalhista no Brasil. RJ: José Olympio, 1952. Apud. DRAIBE, op. cit. p. 184. 17 DRAIBE, op. cit. p.185. Em 15 anos de política econômica, Lessa afirmou que essa meta era insuficiente para surtir os efeitos desejados na economia que necessitaria de um crescimento do setor elétrico em taxas anuais não inferiores a 10% entre 1956 e 1965. 19 GRUPO DE TRABALHO CEPAL-BNDE. Esboço de um programa de desenvolvimento para o Brasil. In: VERSIANI, Flávio R, BARROS, José Roberto M. de. Formação econômica do Brasil. A experiência da industrialização. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 282. 18 10 Porém, ampliar a produção do setor elétrico representava a construção de usinas hidrelétricas de grande porte, de relação custo/capital muito alta, longo prazo de maturação e baixa rentabilidade, o que não atrairia o capital privado. Assim, a ausência de empreendedores natureza levou o Estado a ampliar seu papel no financiamento e na incorporação de empresas de produção de energia elétrica a partir do Plano de Metas (1957-1960) e a aprofundar a sua participação nos períodos posteriores. Enquanto em 1960 a produção global brasileira atingia 4.800.082 kW (96% da meta), em 1965 a oferta de energia elétrica chegava à marca de 7.412.400 kW (92,6%).20 Isso eqüivalia ao dobro do que fora previsto no Plano Nacional de Eletrificação e no estudo do CEPAL de 1955, chegando o crescimento da produção a uma média anual surpreendente de 14,4%. Tal quadro de investimentos reforça a compreensão do papel estratégico das empresas estatais, sobretudo as de energia. Peter Evans verificou que durante o milagre brasileiro, quando as firmas multinacionais expandiram seus negócios com muita rapidez, eram as empresas estatais que se destacavam, mostrando que a forma encontrada pelo governo brasileiro para superar a ausência do capital privado naqueles setores cujo estímulo interessava à estratégia de desenvolvimento do Brasil era um sistema empresarial estatal.21 Por isso, no período 1954-1961, cerca de 88,8% dos recursos do Fundo de Reequipamento Econômico foram usados para financiar programas de energia do setor público, enquanto apenas 11,2% foram destinados ao setor privado.22 E antes mesmo da ruptura do regime democrático de 1964, a participação do Estado-empresário se aprofundou quanto ao financiamento público para os projetos de maior envergadura e de maior prazo de maturação e de rentabilidade nos setores de infra-estrutura econômica. No setor elétrico do Espírito Santo isso inteiramente observado nas primeiras grandes inversões de capitais públicos: a 20 LAFER, Celso. JK e o programa de metas: processo de planejamento e sistema político no Brasil 1956-1961. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002. p. 119-120. 21 EVANS, Peter. A tríplice aliança. As multinacionais, as estatais e o capital nacional no desenvolvimento dependente brasileiro. RJ: Zahar, 1980. p. 196. LAFER, loc. cit., p. 119-120. 22 11 ampliação da capacidade produtiva da CVRD e da Companhia Ferro e Aço de Vitória, a construção do complexo ferro-portuário, etc.,23 em que o Estado proveio sozinho a infra-estrutura de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Paul Singer preparou uma importante análise das contas públicas brasileiras a partir dos anos 1940 para melhor observar o “milagre brasileiro”, destacando a importância da construção da Companhia Siderúrgica Nacional e a criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), em 1944, como os marcos do início dos investimentos públicos em indústria de base e obras de infra-estrutura.24 Em seu trabalho, ressalta a relação econômica existente entre os investimentos públicos e as políticas salariais implantadas e as conjunturas externas, demonstrando como os mecanismos de acumulação de capital e “poupança forçada” para investimentos foram utilizados no Brasil em benefício do capital privado.25 Aponta ainda que os vários planos de industrialização contaram com a emissão de moeda como forma de financiamento das obras, o que ocasionava índices de inflação crescentes, sobretudo no final dos anos 50. Esse mecanismo era utilizado para transferir recursos da população assalariada para as empresas e para o Estado, à medida em que aumentava a participação do setor estatal na economia.26 Assim, no seu entender, a inflação foi o preço pago pela sociedade pelo crescimento industrial em benefício do lucro das empresas, principalmente as privadas, que passaram a dispor de energia elétrica e matérias-primas a custo subsidiado.27 Porém, sustenta que após 1964, o relacionamento do Estado com o grande capital internacional significou, na prática, a reversão do processo de 23 Para maior conhecimento dos “grandes projetos” do Governo Federal no Espírito Santo consultar, entre outros: SIQUEIRA, Maria da Penha. Industrialização e empobrecimento urbano. O caso da Grande Vitória. 1950-1980. 1991. Tese (doutorado em História). FFLCH/USP, 1991. 24 SINGER, Paul. A crise do milagre. Interpretação crítica da economia brasileira. RJ: Paz e Terra. 1982. 25 Ib. 26 Ib. 27 Ib, p. 30. 12 substituição de importações, sobretudo no setor de produção de bens de capital. Como o país dispunha de recursos escassos para investimento e num cenário de inflação crescente, os governos optaram por alocar recursos crescentes no setor de exportação - desde minério de ferro até sapatos, sucos de frutas e serviços de infra-estrutura como os badalados ‘corredores de exportação’ - em detrimento da expansão da produção voltada para o mercado interno.28 A formulação de Singer corrobora a problemática que envolve esta pesquisa. De fato, no Espírito Santo os projetos de maior envergadura dos governos militares foram os do setor siderúrgico em todo o complexo da Companhia Ferro e Aço de Vitória e pela CVRD envolvendo desde as atividades mineradoras, transporte ferroviário, beneficiamento dos minerais até as atividades portuárias e o transporte naval. Porém, desde o final da década de 1950 esses projetos já se encontravam em vias de implantação, razão pela qual era necessário reestruturar o setor elétrico capixaba. Por isso, os “policymakers” do regime autoritário só fizeram aprofundar ainda mais o comprometimento do Estado, alterando sua magnitude e atraindo novos investidores para o setor elétrico estatal, a exemplo do USAID e do EXIMBANK dos EUA. Isso foi determinante na constituição da “nova” ESCELSA. Ainda de acordo com Singer, (...) na estratégia mundial das multinacionais há um papel especial reservado para países de grande extensão territorial e ampla população e de regime político ‘seguro’, como o Brasil, a Indonésia ou o Irã entre outros. Este papel é o de ‘entreposto industrial’ que liga o centro altamente desenvolvido do mundo capitalista à periferia não desenvolvida. A estes países está reservada a função de desenvolver certas linhas de produção, que requerem mão-de-obra abundante ou recursos naturais escassos no centro, para que seu ‘output’ seja trocado pelos ‘serviços’ do capital ou do ‘know how’ tecnológico das economias adiantadas. Assim, se a Indonésia e o Irã têm petróleo, o que justifica que em tais países se expanda a 28 Ib, p. 91. 13 petroquímica, o Brasil tem minério de ferro e manganês, o que justifica que aqui se expanda a siderurgia.29 Nesta pesquisa foi verificado que a política de eletrificação dos governos estaduais - voltada para o estabelecimento de um parque industrial de bens de consumo não-duráveis e para a agroindústria - foi totalmente alterada para que o sistema ESCELSA se integrasse ao sistema ELETROBRÁS e fosse capacitado a transmitir a energia gerada por suas próprias usinas e pelas grandes plantas hidrelétricas em funcionamento, como Furnas e CHESF, para os “grandes projetos” federais como a CVRD e a Cia. Ferro e Aço de Vitória. Embora proponha uma periodização diferenciada da industrialização brasileira, Wilson Cano concorda com Singer ao afirmar que os sucessivos malogros das políticas econômicas adotadas pós-64 aprofundaram a dependência das exportações financiadas com inversões públicas e endividamento do Tesouro Nacional.30 Contudo, no setor elétrico capixaba, desde o período que vai da fundação da ESCELSA - 1956 - até sua fusão com a CCBFE - em 1968, quando a “nova” empresa também passou ao controle acionário da ELETROBRÁS, a forma de financiamento foram as inversões previstas nos orçamentos de governo e os captados em nível estadual através do repasse da “taxa de eletrificação” e do Imposto Único Sobre Energia Elétrica, previsto no Fundo Nacional de Eletrificação, quanto através do BNDE, da ELETROBRÁS e de outras fontes interessadas em sua expansão como o GERCA (Grupo Executivo para Recuperação da Cafeicultura), a CVRD e até a Cia. Siderúrgica Nacional. Neste estudo, utilizou-se largamente de fontes legislativas e orais ao lado de fontes empresariais. As primeiras foram necessárias pelas características do tema que, em última instância, é a própria entrada do Estado no jogo das forças econômicas, para além das suas funções reguladoras da vida social e de controle 29 Ib. p. 92. 14 da ação privada. Já a análise de fontes orais revelou que o que se apresentava de antemão como fontes complementares continha um riquíssimo potencial informativo que possibilitaria novos enfoques do objeto de investigação além de abrir acesso aos acervos de imagens e outras reminiscências pessoais já que os documentos das duas concessionárias para o período deste estudo não estavam disponíveis, apesar de sua pouca distância temporal dos dias atuais. Devido à diferenciação social de cada informante optou-se por estudar previamente o universo específico de cada um e formular perguntas previamente selecionadas. Dessa forma, o uso das fontes orais trouxe para a pesquisa um elenco de dados que variou desde a reminiscência até a cessão de fontes escritas pelos entrevistados, percorrendo toda a escala de “valor” tradicionalmente atribuído pela História aos documentos, dos registros escritos oficiais até a evidência oral, nessa ordem. Para Gwyn Prins, embora seja o tipo primário de dado oral, a reminiscência (...) permanece uma espécie de narrativa a ser considerada. Está deliberadamente colocada em uma categoria separada, porque se refere ao indivíduo isolado e às suas experiências. Tal reminiscência pessoal é o principal dado utilizado pelos historiadores, ao estudarem as sociedades dominadas pela palavra escrita.31 Ainda que em geral o uso da fonte oral não tenha avançado tanto na investigação histórica empresarial, a prática nesse campo têm mostrado que o relato pessoal também pode conduzir o trabalho do historiador econômico ou de empresa àquela descrição densa descrita por Geertz e sintetizada por Prins: O que a reminiscência pessoal pode proporcionar é uma atualidade e uma riqueza de detalhes que de outra maneira não podem ser encontradas (...). Isso dá aos historiadores os meios para escrever (...) relatos ricamente tecidos que têm a profundidade e os contornos que 30 CANO, Wilson. Reflexões sobre o Brasil e a nova (des) ordem internacional. Campinas: Ed. Unicamp, 1993. 31 BURKE, Peter (org.). A escrita da História. Novas perspectivas. SP: Edit. UNESP, 1992. p. 187. 15 permitem uma análise antropológica substancial.32 Na célebre obra A voz do passado, Paul Thompsom enfatizou que a evidência oral pode levar ao conhecimento específico sobre o modo de vida de um pequeno grupo e sobre a experiência de determinadas técnicas dando ao historiador algo mais penetrante e mais fundamental do que simplesmente o conhecimento extraído de fontes escritas, sobretudo quando escritas de forma oficial a respeito de indivíduos cuja oralidade era a forma estruturadora de seu grupo. Segundo ele, (...) enquanto os historiadores estudam os atores da história à distância, a caracterização que fazem de suas vidas, opiniões e ações sempre estará sujeita a ser descrições defeituosas, projeções da experiência e da imaginação do próprio historiador: uma forma erudita de ficção.33 A propriedade e, mais que isso, a necessidade da fonte oral fica então caracterizada pelo autor na medida em que A evidência oral, transformando os “objetos” de estudo em “sujeitos”, contribui para uma história que não só é mais rica, mais viva e mais comovente, mas também ‘mais verdadeira’.34 O uso das fontes orais neste estudo trouxe informações extremamente valiosas sobre o modus operandi da CCBFE e da ESCELSA e da vida cotidiana das pessoas em seu ambiente de trabalho, de suas formas de organização hierárquica, hábitos e aspectos das culturas empresariais que de outra forma não seriam captadas. Isso as coloca na condição de fontes privilegiadas, ainda que na checagem das informações, quando se deu a crítica das fontes ensinada por Marc Bloch, tenham sido vistas incorreções e erros grosseiros em geral provocados por lapsos 32 33 34 Ib, p. 193. THOMPSOM, Paul. A voz do passado. SP: Paz e Terra. 1992. p. 137. Ib. 16 de memória ou ainda por posicionamento ideológico que foram detectados e evitados. Voltando a Thompsom, seu alerta é pertinente: O processo da memória depende, pois, não só da capacidade de compreensão do indivíduo mas também do seu interesse. Assim, é muito mais provável que uma lembrança seja precisa quando corresponde a um interesse e necessidade social. (...) A fidedignidade depende, em parte, do interesse que determinado assunto tem para o informante.35 A análise histórica de todas as fontes utilizadas - orais, imagéticas, documentos do Poder Público, documentos empresariais, etc. - já fica evidente na caracterização concessionários do meio urbano estrangeiros de contida Vitória no no Capítulo tempo 1 da chegada dos desse trabalho. Foi demonstrado sucintamente a primeira fase da indústria de energia elétrica no Espírito Santo, desde as primeiras instalações em iluminação pública em Cachoeiro de Itapemirim e em Vitória. Em 1927 o Governo Florentino Avidos (1924-1928) repassou as concessões à recém-criada COMPANHIA CENTRAL BRASILEIRA DE FORÇA ELÉTRICA (CCBFE) que explorou a outorga. Os investimentos em expansão do sistema da CCBFE assim como os problemas enfrentados pela empresa na mudança da conjuntura política e sócio-econômica a partir dos anos 40 são tratados neste capítulo. Trata, ainda, das providências do Governo Jones dos Santos Neves para superar os problemas do setor elétrico. Ao assumir o Governo do Estado em 1951, Jones viu-se envolvido num movimento popular de forte tonalidade nacionalista pedindo pela encampação da CCBFE. Tirando vantagem das ligações com a área técnica de planejamento econômico e das relações pessoais com Getúlio Vargas e seu grupo político, Jones baseou sua administração em instrumentos de planejamento econômico em voga na Administração Pública Federal. 35 Ib, p. 153. 17 Em 1951 foi aprovado o Plano de Valorização Econômica do Estado. Em seu bojo foi composto o Plano Estadual de Eletrificação. Este Plano previa o aproveitamento hidrelétrico do rio Santa Maria, na região central do Espírito Santo, o que somente em parte se concretizou. Como se pretende demonstrar, as diretrizes da política desenvolvimentista e industrializante do governo capixaba se coadunavam com as diretrizes da política econômica da primeira metade do Segundo Governo Vargas; a execução do Plano de Eletrificação capixaba antecedeu o Plano Nacional de Eletrificação e a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) destinado a apoiar projetos de infra-estrutura econômica de natureza pública e estatal. Assim, o Governo do Estado criou o sistema elétrico estadual, cujo marco foi a promulgação da Lei 755, de 7 de dezembro de 1953. Este ato, resultou, 3 anos depois, na constituição da ESCELSA Espírito Santo Centrais Elétricas S/A, empresa controlada pelo Governo do Estado, sua concessionária de serviços de eletricidade e gestora do sistema elétrico estadual. O Capítulo 2 analisa as alterações ocorridas com a entrada em operação do sistema elétrico estadual. Essa fase pode ser caracterizada de duas formas: primeiro, com a entrada da Usina Hidrelétrica de Rio Bonito em funcionamento em março de 1960, quando toda a produção foi repassada à CCBFE para ser distribuída em sua zona de concessão. Isso marcou o “namoro” ocorrido entre as empresas e o início da interligação dos sistemas. A segunda forma diz respeito à continuidade dos protestos dos setores sociais organizados contra a CCBFE. Crescia a campanha pela encampação da empresa pelo Governo do Estado, fazendo coro ao confronto dos setores nacionalistas na orientação do desenvolvimento econômico, de um lado; de outro estavam aqueles setores que defendiam a abertura da economia nacional aos investimentos de capital estrangeiro nos serviços públicos para superar os “entraves” do desenvolvimento industrial local. Nesse momento, o governo capixaba orientou a construção da segunda 18 hidrelétrica do Plano Estadual de Eletrificação, a Usina Hidrelétrica de Suíça e, em 1962, numa medida mais extrema, desapropriou a CCBFE. Ficava, então, mais nítido que já vigorava nos governantes estaduais do período a aspiração desenvolvimentista. A matriz dessa orientação econômica era a consciência da importância estratégica de o Espírito Santo explorar sua posição geográfica e as conjunturas nacional e mundial. Dessa forma, o decreto da encampação da CCBFE marcou um abalo no “namoro” então existente entre as empresas. Representou um ato de força do Estado contra as promessas nunca cumpridas da CCBFE/AMFORP de investimento em ampliação da geração de energia hidrelétrica. Porém, apesar do estremecimento nas relações jurídicas, não houve alteração das relações comerciais entre as empresas, sendo isso manifesto no repasse da produção da Usina de Rio Bonito e na ampliação das áreas de fornecimento de eletricidade dentro das zonas de concessão das empresas - Vitória e Cachoeiro de Itapemirim. O Capítulo 3 demonstra que a solução da encampação sem pagamento indenizatório não vingaria no Espírito Santo graças às articulações diplomáticas do Executivo federal para a compra de todo o grupo AMFORP. Assim, a Central Brasileira (CCBFE) continuava ainda mais dependente da ESCELSA como seu fornecedor, e o mesmo ocorria com o governo e a ESCELSA em relação à CCBFE, seu concessionário distribuidor de eletricidade. Por isso, o projeto de expansão da produção de energia elétrica e, consequentemente, da ESCELSA, manteve-se em continuidade tanto para atender a demanda imediata quanto para prover as necessidades energéticas dos projetos industriais previstos para o estado. Isso indicava que a hora do “noivado” chegara como um passo natural no transcurso para o “casamento” das empresas. Após o golpe de 64, o governo militar finalmente comprou as empresas da AMFORP, já num clima político que não permitia a continuidade nem a intensidade do clamor popular de antes. Ou seja, superadas - em tese - as querelas entre a CCBFE e o governo do Estado a partir da federalização da 19 CCBFE, o “noivado” entre as empresas, tão almejado pela esquerda e pelos setores nacionalistas, pode ser francamente assumido sob as bênçãos civis e militares que ocuparam o poder. Em 1965, o todo-poderoso Ministério de Minas e Energia e a ELETROBRÁS não escondiam a intenção de promover a fusão das duas empresas, consumando de fato um processo de absorção de ambas e de seus sistemas de produção e distribuição sobre controle federal. Definia-se, assim, o “casamento”, como traduziam os funcionários. Dessa maneira, foi constituída uma nova empresa envolvendo a fusão da ESCELSA com a CCBFE. Essa empresa manteria o nome ESCELSA Espírito Santo Centrais Elétricas S/A criado por Jones dos Santos Neves, vindo a ser formalmente constituída em 1 de julho de 1968.36 No crepitar da fogueira, no espoucar de fogos de artifício da festa junina que se fez naquela noite, um original casamento na roça trouxe à luz uma nova gestão pública empresarial para a infra-estrutura de energia elétrica no Espírito Santo, finamente articulada com mudanças maiores que se davam na sociedade brasileira! 36 ESCELSA. Relatório de Diretoria. 1968. 20 Capítulo 1 O “NASCIMENTO” DA ESCELSA (1951-1959) Menina, Se desejas um noivo bala arranjar, Não prometas logo um beijo, Antes faças um voltejo (bis). No bondinho circular. Que coisa louca. É de amargar. Faz ficar com água na boca O bondinho circular (bis). Velhote, se estás cansado e desejas descansar Não fiques logo zangado Antes faças um voltejo No bondinho circular Que coisa louca, 1 É de amargar... As últimas décadas do século XIX no Ocidente foram marcadas por um grande salto da ciência e da tecnologia. Tal mudança tecnológica se materializou em invenções e inovações que aos poucos se incorporaram ao uso cotidiano nos processos de trabalho na forma de máquinas agrícolas e para a mineração, de motores e técnicas de construção para os meios de transporte por terra e mar e mesmo pelas primeiras incursões no espaço aéreo. A ciência e a criatividade também foram utilizadas em auxílio da vida pessoal com uma infinidade de utensílios e aparelhos como a máquina de lavar roupas, o telefone e o automóvel que poupavam esforços e aumentavam o conforto humanos, ao menos dos que podiam adquiri-los. É neste contexto histórico que a eletricidade chegou ao Brasil. Ela veio para substituir a iluminação à base de azeite de peixe, de óleo de mamona, de querosene e de gás que eram utilizados de uma forma geral, e alterar o modo de vida urbano e a economia agroexportadora no alvorecer da Primeira República (1890-1930) no Brasil. Contrapondo-se à estrutura concentradora do Segundo Reinado, a Constituição republicana de 1891 atribuiu poderes concessórios ilimitados aos estados e municípios e consagrou o princípio do direito da acessão que norteou a montagem do setor elétrico brasileiro. Ou seja, passou a vigorar o entendimento de que as jazidas minerais, as quedas d’água e todos os recursos hídricos eram acessórios à propriedade da terra. Dessa maneira, estava criado um novo espaço de poder e negociação entre as administrações locais, os proprietários de terras e recursos energéticos e as empresas particulares e públicas de exploração dos serviços de geração e distribuição de energia, transporte, etc. 2 No Espírito Santo apenas alguns lares e as principais vias públicas de Vitória já contavam com iluminação particular a gás em 1879. Mas em 1º de maio de 1896 o Teatro Melpômene, no Centro da capital, foi inaugurado com geração elétrica para a sua iluminação. Desde então, o uso da energia elétrica ampliou-se e substituiu a antiga iluminação a querosene de Cachoeiro de Itapemirim (1903) e de Vitória (1909) e os bondes de tração animal que circulavam entre a rua do Comércio (parte da atual Av. Florentino Avidos) e o Forte São João, na Capital (1911).3 A primeira usina hidrelétrica capixaba pertenceu à empresa pública estadual Serviços Reunidos de Vitória. Foi inaugurada em 30 de novembro de 1909, no governo de Jerônimo Monteiro, e ainda está em funcionamento. A partir da captação das águas do rio Jucu, a Usina Hidrelétrica do Jucu foi construída para operar inicialmente com duas unidades geradoras de 320 kW cada, visando proporcionar a 1 2 3 Marchinha popular em Vitória na década de 1930, de autoria de Clóvis Cruz. Apud. NEVES, Luiz Guilherme S.; PACHECO, Renato. Os bondes de Vitória. Vitória: Sec. Cultura/PMV. 1997. Um panorama diversificado sobre inventores, invenções e popularização da energia elétrica em diversos países encontra-se em: TRÉDÉ, Monique (org.). 1880-1980 Électricité et Électrification dans le monde. Paris: Association Pour l’Histoire de l’Électricité em France, 1992. Sobre a introdução da mecanização e da eletricidade nas fazendas de café no sudeste brasileiro: RIBEIRO, Luiz Cláudio. Ofício Criador. Invento e patente de máquina de beneficiar café (1878-1910). 1995. Dissertação (Mestrado em História). FFLCH/USP.; Sobre as primeiras instalações para produção de eletricidade: CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. PANORAMA DO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL. Rio de Janeiro: 1988. As transformações da estrutura de concessão para os serviços públicos na passagem do Segundo Reinado para a Primeira República são analisadas em LIMA, José Luiz. Formação e desenvolvimento do setor de energia elétrica no Brasil republicano até a década de 1930. In: A ELETROBRÁS e a história do setor de energia elétrica no Brasil: Ciclo de Palestras. CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. R.J.: 1995, 298p. e em HONORATO, Cezar. O polvo e o porto. A Cia Docas de Santos (1888-1914). Santos: Hucitec, 1996. Para aprofundamento sobre as mudanças dos costumes familiares urbanos na Primeira República no Rio de Janeiro, ver: ARAÚJO, Rosa Maria Barboza de. A vocação do prazer. A cidade e a família no Rio de Janeiro republicano. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. A partir de BITTENCOURT, Gabriel. Espírito Santo: a indústria de energia elétrica 1889/1978. 2 ed. Vitória: IHGES, 1984. 124p. outros textos foram desenvolvidos para divulgação da ESCELSA em suas comemorações, a exemplo de: ESCELSA – ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A. ESCELSA 25 anos de luz no Espírito Santo. [Pesquisa e texto final de Dalva Ramaldes]. Vitória, 1993. 23 instalação de diversas fábricas previstas no plano do Governo Jerônimo Monteiro (1908-1912). Sua energia também fez acionar os motores trifásicos de 30 HP que moviam as bombas do sistema de esgoto da Capital. Logo em seguida, a energia elétrica acionava o sistema de transporte férreo integrado bonde-lancha ligando o continente à ilha-capital Vitória.4 O impulso da capital fez também com que o sul do Espírito Santo ampliasse sua produção de energia elétrica para atender à demanda industrial do vale do Itapemirim. A Usina de Fruteiras, no rio Fruteiras, afluente do rio Itapemirim, foi construída pelo Governo do Estado através de sua empresa Serviços Reunidos de Cachoeiro de Itapemirim, sendo inaugurada em 30 de julho de 1912. Essa usina aumentava a potência instalada em mais 3000 kW, pois contava com três unidades geradoras de 1.000 kW de potência cada, compostas de motores com turbinas Briegleb Hansen tipo Pelton de eixo horizontal e geradores AEG de 1250 KVA cada, acoplados diretamente às turbinas.5 Empresários privados também investiam nos serviços de geração e distribuição de eletricidade. Na região sul do Espírito Santo, em abril de 1918, a Companhia de Eletricidade Muqui do Sul inaugurou a Usina Hidrelétrica Aparecida, no rio Muqui do Sul, que funcionava com dois grupos geradores. Em 1920, a Empresa Força e Luz Alegre-Veado inaugurou a Usina Hidrelétrica Alegre, com capacidade para produzir 300 kW de potência a partir de três grupos geradores constituídos por turbinas tipo Francis de 136 CV, fabricadas por Pelton e Escher, e geradores GM de 125 KVA.6 No Governo Jerônimo Monteiro as empresas públicas Serviços Reunidos de Vitória e a Serviços Reunidos de Cachoeiro de Itapemirim também foram confiadas a empresários privados. O mesmo se deu com a concessão para exploração de usinas de menor capacidade que pertenciam ao Governo do Estado. Porém, devido à queda dos preços internacionais do café e à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) esses 4 5 6 BITTENCOURT, op. cit. CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Usinas de Energia Elétrica no Brasil 18831999. Rio de Janeiro: 1999. Ib. Não foram encontrados dados sobre o equipamento da UHE Aparecida. 24 pequenos empreendedores entraram em insolvência forçados pela interrupção da importação de equipamentos elétricos e por outras dificuldades operacionais cuja investigação extrapolaria os objetivos dessa tese.7 O fato é que, em 1925, o governo de Florentino Avidos (1924-1928) retomou o controle dessas empresas e usinas públicas, para garantir o suprimento à demanda crescente de energia das principais regiões consumidoras do Espírito Santo. Neste período, o Estado já possuía população de cerca de 500 mil habitantes. O plano de Florentino Avidos era ensejar um pequeno crescimento industrial na capital e no sul do Estado do Espírito Santo. Por isso era necessário aumentar ainda mais o parque produtivo de eletricidade de modo a que a carência de energia não se constituísse em óbice ao surgimento das indústrias previstas pelo governo. Diante da impossibilidade de paralisar a Usina do Jucu para realizar obras de ampliação, o Governo Florentino Avidos resolveu instalar uma usina de geração termelétrica na rua 7 de Setembro, no Centro da capital. Esta usina, que foi batizada em 1927 com o nome de Jerônimo Monteiro, era composta por uma unidade geradora de 720 kW de potência, turbina GM e gerador Elliot, sendo movida por motor a diesel.8 O Governo Florentino Avidos atuava sob por forte pressão da população e da imprensa para que o suprimento de energia elétrica fosse melhorado e ampliado. A imprensa, em especial o jornal Folha do Povo, ironizava o governo e ajudava a organizar grupos de populares que saíam pelas ruas com velas nas mãos para protestar contra a precariedade dos serviços elétricos da Capital. Havia ainda os “jornes”, uma forma jocosa de protesto: eram arranjos de papel e velas acesas que eram colocados nos postes do Centro, por intelectuais e jornalistas do período, atraindo a ação repressiva da Polícia. Esses protestos ocorriam geralmente quando (...) Caía uma linha de Jucu, vamos dizer, Vitória ficava uma semana no escuro. (...) Os jornais metiam o pau. Um jornalista aí, Jair Dessaune e outros, Fernando de Abreu e outros, Afonso Lyrio e outros, penduravam jornes nos 7 8 Para aprofundamento, ver BITTENCOURT, op. cit. e CENTRO DE MEMÓRIA ..., op. cit. Ib. 25 postes. (...). Crítica, jorne. Jorne era esse negócio com uma vela. Botava a escada e tal. Aí vinha a Polícia e metia o sarrafo.9 Pressionado, em 8 de julho de 1927 o Governo do Estado abriu mão da operação dos serviços de energia elétrica ao transferir a empresa Serviços Reunidos de Vitória e parte da Serviços Reunidos de Cachoeiro de Itapemirim – exceto as instalações da Ilha da Luz em Cachoeiro de Itapemirim - e direitos à General Electric S/A por 12.000:000$000 (doze mil contos de réis), com concessão de exploração por 50 anos. Estabelecia a cláusula segunda do Contracto O Estado concede à Companhia os direitos para ou conducentes à produção, transmissão, distribuição, uso e supprimento de electricidade, exploração e desenvolvimento de todos os serviços vendidos pelo Estado à companhia, bem como das extensões dos mesmos serviços e outros similares de electricidade, incluindo bondes e telephones...10 Em contrato suplementar consagrado entre as mesmas partes, a General Electric S/A obrigava-se a fornecer força electrica às Usinas Industriaes por preços e prazos previamente definidos.11 Entretanto, por razões que fogem ao escopo dessa tese investigar, apenas oito dias após – em 16 de julho de 1927 – a General Electric S/A cedeu gratuitamente a totalidade de suas concessões à Companhia Central Brasileira de Força Elétrica - CCBFE, empresa do grupo American & Foreign Power Company (AMFORP), subsidiaria para a América Latina da multinacional Electric Bond and Share, ambos dos EUA. A CCBFE logo seria chamada pelos capixabas de “Central Brasileira”, nome que persistiu até 1968, quando a empresa foi extinta. 9 PIMENTA, Nilton. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: Maio/2001. p. 3. Contracto de 8 de julho de 1927, firmado entre o Governo do Estado do Espírito Santo e a General Electric S.A. In: CCBFE. Contracts and concessions. State of espírito Santo. [s.n.]. 1927. 313p. 26 10 De acordo com a escritura lavrada no Rio de Janeiro, sede das operações daquelas empresas Por ambas, outorgante e outorgada, me foi dito que a presente cessão é feita inteiramente a título gratuito e que de acordo com a cláusula décima quarta de referido contrato, o necessário aviso ao Estado, da presente cessão, será dado imediatamente.12 A AMFORP tinha sido criada em 1923 para ser a executora dos negócios da Electric Bond and Share no exterior. Em 1927 a AMFORP criou no Brasil a Empresas Elétricas Brasileiras e a Companhia Brasileira de Força Elétrica que, de 1927 a 1930, foram incorporando outras empresas concessionárias de energia elétrica em todo o país, principalmente nas capitais, tal como ocorreu no Espírito Santo.13 No dizer de BITTENCOURT, ao fim de toda a negociação: O Estado vendia livre e desembaraçados de todos os ônus os bens e concessões dos Serviços Reunidos (...) e concedia direito para uso e suprimento de eletricidade por qualquer meio, inclusive, obviamente, para conservação e exploração dos serviços vendidos pelo Estado (incluindo bondes e telefones), concedia uso amplo das águas do domínio do Estado e direito de explorar transporte aquático. Para efetivação do pagamento da transação, cerca-se a Companhia de numerosas garantias, assinando, inclusive, com as prefeituras de suas áreas de concessão contratos de isenção de impostos, direitos de desapropriação, tudo enfim 11 12 13 Pelo contrato suplementar de 08 de julho de 1927 a G.E. se obrigou a fornecer energia para: Fábrica de Tecidos de Cachoeiro de Itapemirim até 1930; à Serraria em Cachoeiro de Itapemirim até 1942; à Usina Paineiras até 1943 e à Fábrica de Cimento de Cachoeiro de Itapemirim até 17 de abril de 1974. Contracto de 8 de julho de 1927, firmado entre o Governo do Estado do Espírito Santo e a General Electric S.A. e Contracto Supplementar de 8 de Julho de 1927 firmado entre o governo do Estado do Espírito Santo e a General Electric S.A. Lei Estadual 1.618, de 16 de julho de 1927. In: Contracto de 8 de julho de 1927... Escriptura de cessão de direitos a acceitação de obrigações que entre si fazem a General Electric S.A. como outorgante cedente e a Companhia Central Brasileira de Força Electrica, como outorgada cessionária. Lavrada no Rio de Janeiro pelo Tabelião Belisario Fernandes da Silva Távora. MÜLLER, Elisa. A intervenção dos governos estaduais no setor de energia elétrica: os casos do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e do Paraná. RJ: Centro de Memória da Eletricidade no Brasil, [199...]. 27 considerado necessário à plena exploração efetiva dos serviços.14 E acrescenta: Passamos, desta forma, a uma segunda etapa – a da interligação das duas principais usinas e da geração diesel – sob o controle de trusts estrangeiros.15 Tomando efetivamente a frente dos serviços em 1927, a CCBFE dinamizou rapidamente o fornecimento de energia: substituiu o posteamento de madeira por peças de ferro fundido e construiu uma nova subestação transformadora de 2400 kWA com alimentação de 22.000 Volts a partir da interligação Jucu-Fruteiras. Graças ao aumento da oferta e aos melhoramentos da distribuição da energia na década de 1930 a CCBFE passou a utilizar técnicas de publicidade e crédito para induzir o aumento do consumo popular da energia elétrica que sobrava de sua produção. Dessa forma, a CCBFE passou a vender ferros-elétricos, geladeiras, aspiradores de pó e outros bens de consumo duráveis (eletrodomésticos) diretamente à população usando seus escritórios como lojas de venda ou oferecendo os produtos de porta em porta. Os produtos fabricados nos EUA eram vendidos em prestações nos bairros mais populosos de Vitória, como Jucutuquara, Vila Rubim, Santo Antonio, etc., ou nos novos bairros de classe média como a Praia Comprida para onde também levava o serviço de bondes.16 Assim se iniciava uma época no Espírito Santo em que os hábitos urbanos se distanciariam daqueles do meio rural graças à presença da energia elétrica nas residências e no cotidiano da capital e das principais cidades do interior. Em conseqüência da popularização do uso da eletricidade, fazia-se necessária uma regulamentação mais eficaz da geração e da distribuição pública por parte do Estado. Isso se deu a partir da promulgação do Código de Águas (Decreto Federal nº 24.643, de 10 de julho de 1934) que organizou o aproveitamento dos recursos 14 15 BITTENCOURT, op. cit. p. 73, nota 3. Ib. 28 hidráulicos e regulamentou a indústria da energia hidrelétrica, normatizou a política de concessões e de tarifas pelo Poder Público e tratou da reversão do patrimônio das concessionárias quando findassem as concessões.17 Até então, a zona de concessão dos serviços da CCBFE abrangia cidades pequenas, apesar de importantes em termos econômicos locais. A própria capital, Vitória, era ainda uma cidade em que as pessoas se conheciam pelo nome. A julgar pelas memórias do funcionário mais antigo da CCBFE: Vitória era muito pequenininha. E gostosa. Todo o mundo se conhecia. Todo o mundo praticava esporte. A diversão na época era essa. Era esporte, cinema mudo e às vezes um circo que vinha. Eram as diversões. Depois da guerra começou a haver um desenvolvimento tal que começou a falta de energia.18 Da mesma forma, Cachoeiro de Itapemirim, possuidora do maior número de unidades industriais no período graças à implantação do plano de Florentino Avidos (1924-1928), era a maior consumidora da energia fornecida pela Central Brasileira. Além de Cachoeiro – inclusive o atual município de Atílio Vivacqua - e Vitória, a CCBFE atendia também os municípios e localidades de Itapemirim, Castelo, Domingos Martins, Vila do Espírito Santo (Vila Velha), Cariacica, Viana e Matilde, em Alfredo Chaves. Em 1940 o Espírito Santo possuía uma população de 750.107 habitantes - não incluídos os 67.000 habitantes da região contestada da Serra dos Aimorés, entre Espírito Santo e Minas Gerais -, caracterizando um acréscimo populacional de 60% em relação ao início da década de 1920. Dados referentes ao trânsito de passageiros da Estrada de Ferro Vitória a Minas também demonstram o crescimento da mobilidade da população capixaba e da vizinhança mineira pois em 1920 viajaram 153.660 em ambos os sentidos pela linha férrea. Em 1940 viajaram cerca de 269.629 16 17 18 A CCBFE mantinha uma garagem na Praia Cumprida para o pernoite dos bondes. PIMENTA, Nilton. 2001. Entrevista concedida... Para uma compreensão aprofundada da expansão urbana de Vitória a partir de fins do Sec. XIX, ver CAMPOS JÚNIOR, Carlos T. de. O Novo Arrabalde. Vitória: PMV, 1996. BITTENCOURT, op. cit., nota 3. PIMENTA, Nilton. 2001. Entrevista... p. 1. 29 pessoas, um crescimento de 56,9%. Porém, durante toda esta década o crescimento foi vertiginoso: em 1950 o número de passageiros transportados chegava a 1.231.588.19 Tal mobilidade indica uma variação populacional crescente e demonstra, per si, o crescimento de áreas urbanas e ao aumento da demanda por eletricidade em todo o Estado, sobretudo para uso domiciliar. Mas logo a antiga Vitória a Minas teria sua utilização alterada. Em 1 junho de 1942 foi instituída a Companhia Vale do Rio Doce, uma empresa estatal brasileira, através do Decreto-Lei 4.352. A CVRD foi fruto de acordos entre os governos do Brasil, da Inglaterra e dos Estados Unidos da América para viabilizar um suprimento de minério de ferro às forças aliadas durante a Segunda Grande Guerra. Pelo acordo, ao Brasil caberia desapropriar a Estrada de Ferro Vitória a Minas e liquidar todos os seus débitos e hipotecas. Aos ingleses, coube indenizar a desapropriação da concessão das minas de ferro da Cia. Brasileira de Mineração e Siderurgia e da Cia. Itabira de Mineração, que seriam incorporados à CVRD. Finalmente, o Export-Import Bank dos Estados Unidos da América (EXIMBANK) foi designado para financiar SS$14 milhões em créditos para compras de equipamentos e materiais necessários às obras de reestruturação e ampliação da Estrada de Ferro Vitória a Minas, à expansão e conclusão das obras do cais de embarque do minério em Paul (Vila Velha) e à extração do mineral nas jazidas em Minas Gerais. Pelo acordo internacional que resultou na incorporação do CVRD o governo brasileiro comprometeu-se a fornecer anualmente a cada um dos parceiros 750.000 toneladas de minério de ferro, por 3 anos. Entretanto, essa tonelagem só seria atingida em 1952.20 Para atender os 32 municípios existentes no Estado, o setor elétrico capixaba contava com 44 pequenas empresas que operavam 45 usinas geradoras. A maior e mais expressiva dessas empresas continuava sendo a Central Brasileira, que era 19 20 ARARIPE, D. de Alencar. História da Estrada de Ferro Vitória a Minas 1904-1954. Vitória: [s.n.]. ROSA, Léa Brígida R. da A. Minério de ferro: políticas oficiais, planos empresariais. Vitória: IHGES, 1998. Para maior aprofundamento s/ os negócios da Itabira Iron no Espírito Santo, ler: Id. Uma ferrovia em questão: a Vitória a Minas 1890/1940. Vitória: IHGES. e RIBEIRO, Lucílio da Rocha. Pequena contribuição à história da Estrada de Ferro Vitória a Minas. Vitória: [s.n.], 1986. 30 responsável pelo fornecimento de 92,11% da força e 74,32% da energia gasta em iluminação nas cidades capixabas.21 A Usina Hidrelétrica da Vila de São João de Petrópolis era única usina ainda pertencente ao Estado e localizava-se na região serrana central do Espírito Santo, próxima a Santa Tereza, onde servia à Escola Prática de Agricultura. Entre os demais municípios existentes, 13 eram servidos pela administração municipal direta; o município de Serra não era servido de energia elétrica e os 18 outros municípios eram servidos por nove empresas particulares de pequeno e médio porte que, em geral, limitavam-se ao atendimento à iluminação pública urbana através da autogeração hidrelétrica ou térmica de pequena monta. Esse é o caso da Empresa Hidro Elétrica Lutzow S/A do município de Baixo Guandu, no vale do Rio Doce, cuja concessão datava de 1935.22 No sul do estado, no mesmo caso, existiam também a Usina Hidrelétrica Mangaraviti, construída no rio Calçado entre os municípios de Bom Jesus do Norte e São José do Calçado, com três unidades geradoras capazes de produzir potência efetiva de 1.080 kW.23 Havia também a CESMEL – Companhia Espírito Santo Meridional de Eletricidade, encarregada da geração e abastecimento de energia elétrica nos municípios de Alegre, Guaçuí, Muqui, Iúna e Divino São Lourenço. Também a ELFIL – Empresa Luz e Força Itabapoana Ltda detinha a concessão para os municípios de Apiacá, Bom Jesus do Norte, São José do Calçado e no distrito de Ponte de Itabapoana, município de Mimoso do Sul.24 Todas essas concessões iniciaram-se na década de 1930. Entre as chamadas Usinas Industriaes de Vitória as maiores consumidoras acima de 50 CV - de força eram as serrarias, as beneficiadoras de café, a fábrica de 21 22 23 24 BITTENCOURT, op. cit. 187, nota... Também: ESCELSA – ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A. ESCELSA 25, op. cit., nota 3. Veja tabela de dados populacionais da Grande Vitória entre 1940 e 1960 no Cap. 2. Ib. CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Usinas de Energia..., op. cit., nota 5. Não há informações disponíveis sobre a empresa concessionária dessa usina e sobre seu equipamento. Todas essas empresas foram incorporadas pela ESCELSA/ELETROBRÁS na década de 1970: a Empresa Hidro Elétrica Lutzow S/A em 1972; a ELFIL – Empresa Luz e Força Itabapoana Ltda em 1973 e a CESMEL – Companhia Espírito Santo Meridional de Eletricidade em 1975. Cf. CENTRO DA... 31 tecidos Jucutuquara Industrial Ltda., a fábrica de gelo e as oficinas, isto é, as áreas operacionais mecânicas das indústrias e das empreiteiras de obras no Porto de Vitória e da Cia Estrada de Ferro Vitória a Minas. Juntas, as maiores consumidoras da capital utilizavam 2314 CV fornecidos pela CCBFE. Em Cachoeiro de Itapemirim, 4 serrarias de madeiras e 3 fábricas - tecidos, cimento e acúcar - consumiam juntas outros 3.343 CV da CCBFE. O Quadro 1-1 expõe o consumo médio dessas unidades industriais entre julho de 1944 e junho de 1945 nos dois principais “pólos” industriais capixabas do período: 32 Quadro 1-1: Consumidor Vitória Vivacqua Irmãos & Cia. Cia. E.F. Vitória e Minas Luiz Cesário Comissão O. Porto de Vitória Vivacqua Irmãos & Cia. Hard, Rand & Cia. Export. Oliveira Santos Ltda. Hermes Carloni Jucutuquara Industrial Ltda. Serv. Fisc. e Exploração do Porto de Vitória Serv. O. Porto de Vitória CVRD Cia.Construções Navais Escola Técnica de Vitória H. Meyerfreund & Cia. Com. O. Porto de Vitória Cia R. Morrison Knudsen Brasil Cachoeiro de Itapemirim Ferreira Guimarães & Cia. Machado Bastos & Cia. Barbará & Cia. Vivacqua Vieira S.A. Olympio Lopes Machado Martins & Filhos Usina Paineiras Ramo de Negócio Carga Ligada C.V. Demanda Estimada (kW) Consumo Médio Mensal (kWh) B. Café 53 27 1.100 Oficina Serraria 192 127 85 65 5.033 6.863 Pedreira 147 70 - Fab. Gelo B. Café 110 60 55 30 23.492 686 B. Café Serraria 61 57 30 30 767 3.380 F. Tecidos 340 170 40.158 Convertedora 187 90 12.504 30 100 1.343 14.432 65 4.125 50 2.298 40 7.618 150 15.785 50 5.945 240 68.513 110 430 14.460 142.816 150 19.532 Oficinas Oficinas 59 194 Estaleiros 132 Oficinas 103 Fab. Balas 83 Cais Minério Of. Mecânica 310 (3meses) 99 F. Tecidos 483 Serraria F. cimento 218 860 Serraria 300 Serraria Serraria Usina Açúcar 90 175 110 219 540 1088 Fonte: Arquivo Histórico DNAEE/ Maço 0083.06/C – Centro Memória da Eletricidade 11.858 5.900 11.225 no Brasil/RJ 33 Porém, a expansão industrial e comercial associada à indução do consumo popular e à expansão das cidades extrapolava a capacidade geradora da Central Brasileira, e reacendia na população os mesmos protestos do passado. Segundo Bittencourt, foi a partir de 1941 que o sistema gerador da CCBFE começou a dar os primeiros sinais de deficiência. Quando a demanda média anual de energia elétrica para luz e força na zona de concessão da CCBFE aumentou em meio milhão de quilowatt-hora, no início daquela década, a zona de concessão da empresa correspondia a 32,89% da população capixaba. Essa região era onde ocorria a maior dinâmica econômica no Estado do Espírito Santo.25 O mesmo autor enfatiza a participação popular e da imprensa nos protestos que culminaram com a formalização de um projeto de criação de uma empresa pública estadual de energia elétrica em 1943, durante a interventoria de Jones dos Santos Neves (1943-1945): Entrementes, foi a deficiência agravada sem que a Companhia tomasse qualquer medida concreta de satisfação aos consumidores. O maquinário gasto e as medidas paliativas da Empresa suscitam o movimento da imprensa local, em campanhas constantes, objetivando sua encampação. Tal movimento chega à Assembléia Legislativa que não titubeará em criar um Projeto de Lei autorizando ao Poder Executivo sua encampação e a constituição da Companhia Espírito Santo de Energia Hidro-Elétrica.26 Iniciava-se aí uma celeuma que deixaria nos meios políticos e na população capixaba uma convicção de que a CCBFE não faria sozinha o investimento necessário em novas usinas e que o modelo estadual de fornecimento de energia elétrica chegara aos seus liames. Porém, o próprio Poder Executivo, em âmbito federal e estadual – desde a interventoria de João Punaro Bley (1930-1943) e nos governos seguintes – relutava em assumir empreendimentos e obras hidrelétricas de vulto, visto serem as receitas do Estado e sua capacidade de endividamento dependentes das oscilações das cotações do café no mercado internacional. Tais cotações eram 25 26 BITTENCOURT, G. A formação econômica do Espírito Santo. (o roteiro da industrialização). Vitória: Cátedra/DEC, 1987. p. 187. BITTENCOURT, op. cit., p. 79, nota 3. 34 quase sempre prejudicadas por estiagens, doenças nas plantações (como a broca) e mesmo por projeções de grandes safras nos demais estados produtores brasileiros. Em âmbito nacional, o aprofundamento da crise de abastecimento de energia na zona de concessão da CCBFE encontra seus motivos nas transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas no Brasil na passagem dos anos 30 para a década de 40, em função do Estado Novo e, sobretudo, no Governo Dutra (19461950), com início da política de substituição das importações. Assim, foi na última metade da década de 1940 que se completou a fase de modificações estruturais que se operaram ao longo da primeira metade do século XX, culminando na passagem de uma economia centrada na exportação de produtos primários, sobretudo agrícolas, para uma economia industrial voltada para o mercado interno e urbano, principalmente, tendo o Estado como elemento indutor deste processo. Essa passagem foi marcada por novas relações entre o Estado e os agentes econômicos constituindo um fator decisivo para o avanço e consolidação do capitalismo no país. Fausto Saretta enfatiza que o caráter de transitoriedade do Governo Dutra uma economia baseada na acumulação agrícola para uma economia industrial é dos elementos mais importantes de análise deste governo, na medida em que nele foram gestados importantes investimentos no setor industrial que possibilitaram um crescimento vigoroso da indústria brasileira, abrindo o caminho para as transformações mais profundas que se dariam nos governos posteriores. De acordo com o autor, Tanto a siderurgia como o petróleo exemplificaram como os interesses industriais constituídos ao longo dos anos de 1930 e sobretudo no Estado Novo, dão um certo traço de inexorabilidade quanto ao destino industrial do País. Deve-se ver na mesma perspectiva os constantes reclamos para o aperfeiçoamento e a modernização da infra-estrutura, que se reconhecia insuficiente para as necessidades da economia do País e principalmente para os da indústria brasileira.27 27 SARETTA, Fausto. O elo perdido: um estudo da política econômica do Governo Dutra (1946-1950). 1990. Tese (doutorado em Economia). Instituto de Economia/Unicamp. p.23. 35 Também colaborava para o avanço da indústria e para sua maior integração a atuação dos segmentos burocráticos formados ao longo da gestão de Getúlio Vargas, no geral favoráveis ao crescimento industrial, ao planejamento e à intervenção do Estado na economia. Carlos Lessa também destaca em 15 Anos de Política Econômica que o ciclo do desenvolvimento econômico compreendido entre o período 1948 a 1950 foi aquele em que o desempenho da economia brasileira esteve condicionada a fatores externos que definiram seu perfil. Para o autor essa fase é considerada de industrialização não intencional: a industrialização nesta etapa surgiu como uma decorrência e não de um objetivo principal intencionalmente perseguido.28 Isso principalmente porque a economia brasileira esteve condicionada a fatores externos e a política econômica de Dutra era voltada à contenção dos desequilíbrios interno e externo. Nesta mesma conjuntura econômica e política, findos a Segunda Guerra e o Estado Novo, o governo de Carlos Lindemberg (1947-1950), eleito pela coligação PSD-UDN, tentou fomentar o crescimento industrial no Espírito Santo, não descurando da infra-estrutura de energia. Sobre a forma de implantar essa política Silva assim se referiu: (...) A fim de criar condições para a industrialização, encaminhou estudos para a construção de novas usinas hidroelétricas (Jucu 2), bem como negociações de empréstimo para que a empresa concessionária (Cia. Central Brasileira de Força Elétrica) realizasse o investimento. Apesar desse empreendimento não ter se concretizado no seu governo, ele deixou articuladas algumas alternativas de realização. Assim, além da acima referida, deixou, também, estudos para se constituir uma empresa de economia mista, ou a possibilidade de o Estado bancar um empréstimo com esse fim. A questão da energia elétrica era, e foi, por muitos anos, um entrave sério para a alternativa de industrialização no Espírito Santo.29 28 29 LESSA, C. 15 anos de política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1982. p.11-12. SILVA, Marta Z. Espírito Santo: Estado, interesses e poder. Vitória: SPDC/FCAA/UFES, 1995. p. 225. 36 A conjuntura política e econômica forçava o Estado à introdução das técnicas de planejamento do desenvolvimento econômico privilegiando os investimentos em infra-estrutura energética. Naquele momento, dava-se ao avanço da implantação do complexo minero-siderúrgico da Companhia Vale do Rio Doce e outros projetos industriais que tinham na região de Vitória seu palco de operações ferroviárias e portuárias, da Cia. Ferro e Aço de Vitória, que viria a se tornar o maior consumidor individual industrial da CCBFE, e do Porto de Vitória. 30 De acordo com o então chefe de transporte da Central Brasileira, A reclamação era grande. Então, em determinada hora de pico, se lá na convertedora, na rua 7 de Setembro, se desligava uma zona, agüentava a outra; se desligava aquela zona, desligava a outra. Ia fazendo assim.31 Na Praia Comprida, bairro de classe média alta em fase de ocupação, onde residia o gerente da CCBFE, a vizinhança também protestava contra o racionamento. Não raro era ver o próprio gerente, o inglês Joseph William Brown, ir à Convertedora32 para comandar pessoalmente o revezamento de áreas servidas: (...) desliga aqui, desliga ali, desliga ali!33 Assim, o fornecimento de energia elétrica da CCBFE não lograva possibilitar a estabilidade exigida pelas empresas comerciais e industriais para os seus processos de produção. Por outro lado, a população em geral também estava insatisfeita. E mesmo nos bairros de classe média os protestos cresciam uma vez que a expansão urbana para essas novas áreas era cerceado pela inconstância dos serviços. Tudo isso forçava a empresa a anunciar planos e estudos da ampliação da captação do 30 31 32 33 “As metas para o ferro previam a duplicação da capacidade produtiva da Cia. Vale do Rio Doce como objetivo imediato, visando atingir a cifra de 1,5 milhões de toneladas anuais; para uma segunda fase, previa-se a cifra de 3 milhões de toneladas, com investimentos adicionais da ordem de 700 milhões de cruzeiros”. Cf. DRAIBE, Sônia. Rumos e Metamorfoses. Estado e industrialização no Brasil: 1930/1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 191. Segundo ARARIPE no ano de 1953 a Estrada de Ferro Vitória-Minas transportou 1.574.598 toneladas de minério de ferro, alcançando sua meta estabelecida em 1942 e mostrando as potencialidades do mercado exportador minero/siderúrgico da Cia. Vale do Rio Doce. ARARIPE, D. de Alencar. História da Estrada de Ferro Vitória a Minas 1904-1954. Vitória: [s.n.] PIMENTA, Nilton. 2001. Entrevista... p.1. A usina termelétrica da rua 7 de setembro era conhecida na cidade como “Convertedora”. PIMENTA, Nilton. 2001. Entrevista... p.1. 37 potencial dos rios Jucu e Fruteiras que, se realizadas, supririam Cachoeiro de Itapemirim até 1955 e a capital até 1960. Esses projetos, porém, não saíram do papel pois a Central Brasileira recorreria cada vez mais a soluções de curto alcance.34 As palavras de um dos componentes mais ativos da “ala moça” do PSD capixaba são a melhor forma de retomar os entraves do processo: Essa empresa era estrangeira. Como empresa estrangeira da melhor cepa, não querem nada com o desenvolvimento da região onde estão instaladas. [sic] Então, a Companhia Central Brasileira de Energia Elétrica dizia: não podemos investir em energia elétrica porque o Espírito Santo não tem consumo; e o Espírito Santo não tinha consumo porque não se desenvolvia; não se desenvolvia porque não tinha energia elétrica. E ficava naquele negócio de um empurra prá lá outro empurra prá cá (...). Quer dizer, então, a empresa garroteava o desenvolvimento do estado com essa desculpa de que o estado não tinha consumo, então ela não tinha como investir porque investindo não haveria retorno. E ela não investindo o estado não desenvolvia e no final era aquela conversa fiada.35 Ao assumir o Governo do Estado em 1951 pela Coligação PSD/PTB, Jones dos Santos Neves viu-se alvo de uma forte campanha política pela encampação da CCBFE e pela melhoria da infra-estrutura de eletricidade desencadeada dentro de seu partido. A campanha, de forte viés nacionalista, era feita através de um movimento suprapartidário liderado pelo próprio Chefe de Polícia do governo, o tenente-coronel do Exército José Parente Frota,36 e por integrantes de proa do PSD. 34 35 36 BITTENCOURT, op. cit., p. 79, nota 3. LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: novembro/2002., p. 6. José Parente Frota nasceu no Ceará em 24.06.1913. Formado pela Escola Militar do Realengo, tornou-se Aspirante em 1934. Foi Chefe de Polícia do Estado do E. Santo entre 1951 e 1954 quando era Tenente-Coronel. Tendo galgado todas as patentes do Exército, foi promovido a General de Brigada em 1959. Foi deputado estadual entre 1959 e 1966 e deputado federal de 1967 a 1970. Cf. Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Curriculum Vitae. Arquivo Geral. Vitória. 38 Também participavam membros do Partido Comunista Brasileiro e de outros partidos com inclinação nacionalista, sindicalistas e até mesmo simpatizantes integralistas.37 Graças à sua experiência na máquina pública estadual como primeirosecretário do recém criado Banco Hipotecário e Agrícola do Espírito Santo, nomeado pelo interventor federal no Espírito Santo João Punaro Bley em 1937,38 Jones dos Santos Neves pode participar ativamente do processo de fomento ao desenvolvimento econômico do Espírito Santo. Posteriormente, Santos Neves foi escolhido por Getúlio Vargas para ser o interventor federal no Estado entre 1943 e 1945, período em que baseou a ação do governo na tríade: saneamento, produção e transportes.39 Entretanto, os problemas enfrentados com o abastecimento de energia elétrica fizeram seu governo incluir no planejamento um programa de energia. O governador pregava que: (...) Os novos tempos nos ensinam que o Estado é função das condições econômicas que predominam em sua organização social. Daí a necessidade imperiosa de fortalecer as suas forças econômicas e racionalizar a sua administração. Impõe-se o abandono das fórmulas românticas de uma direção sem objetivos nem bússola, pelo roteiro seguro da planificação realista...40 Utilizando-se de suas ligações com a área técnica de planejamento econômico e de suas relações partidárias e afetivas com Getúlio Vargas41 e seu grupo político, Jones dos Santos Neves procurou estabelecer projetos para a sua administração reunindo os instrumentos de planejamento econômico já utilizados na Administração Pública federal. 37 38 39 40 41 O movimento pela encampação da CCBFE pelo Governo do Espírito Santo não chegou a constituir uma entidade civil com personalidade jurídica até 1963. A natureza e a forma de atuação do movimento carecem de levantamentos de fontes e de estudos específicos que extrapolariam os limites desta tese. NOVAES, Mª Stella de. História do Espírito Santo. Vitória: Fundo Ed. E. Santo, [196..]. p. 428. SILVA, op. cit. p. 253, nota 29. A Gazeta, 01/02/51, p.1. O Espírito Santo entrega seu destino a um nome honrado e capaz. Apud: Ib, p. 254. Na expressão de Christiano D. Lopes filho: “- O Jones era uma espécie de filho querido de Getúlio Vargas.” Cf. LOPES FILHO, Christiano Dias. 2002. Entrevista... p. 24. 39 Santos Neves tinha a consciência da necessidade do governo realizar em curto prazo as obras de infra-estrutura econômica de que o estado era carente. Essa linha de conduta política foi consubstanciada no Plano de Valorização Econômica do Estado que o governo enviou à Assembléia Legislativa em 23 de maio de 1951, data de grande simbolismo, em que se comemorava os 416 anos daquela oitava de Pentecostes (domingo) quando Vasco Coutinho desembarcou na sua capitania, cujo rio e vila chamou ...do Espírito Santo.42 Pouco depois, a Assembléia Legislativa votava a Lei nº 527, em 3 de outubro de 1951, aprovando um dos primeiros planejamentos estaduais para o setor de energia elétrica a ser produzido no Brasil, seguindo as técnicas mais em voga no planejamento econômico voltado para a industrialização do país. O Rio Grande do Sul aprovou seu Plano de Eletrificação do Estado em 1945; em 1950 foi aprovado o Plano de Eletrificação de Minas Gerais. No Paraná o primeiro plano de aproveitamento energético do estado foi elaborado no governo de Moysés Lupion (1947-1951).43 O Plano capixaba foi o resultado de minuciosa articulação política do núcleo do PSD que, após a vitória eleitoral no pleito geral de 1950, teve de remanejar para outros cargos executivos as indicações do PTB contratadas na campanha, em especial o de Prefeito da Capital e aqueles relacionados com as secretarias e departamentos de obras e com o planejamento da atuação do aparelho de Estado. Tal estratégia só foi possível graças à habilidade política do governador. Uma vez afastados os quadros políticos, Santos Neves lançou mão de técnicos capixabas ou trazidos do Rio de Janeiro e de São Paulo, principalmente engenheiros. Esses técnicos eram considerados neutros, apolíticos ou sem filiação partidária. Um importante estudo do período assim refere a reestruturação da máquina pública: Dada a importância que foi atribuída à Secretaria de Viação e Obras Públicas para a execução da política econômica, ela foi superequipada tecnicamente e absorveu a maior parte dos recursos financeiros do Estado, em média 42,7%. Além 42 43 NOVAES, op. cit., nota 38. MULLER, op. cit., nota 13. 40 disso, os departamentos e órgãos vinculados a essa secretaria tiveram todos direção técnica.44 Tomando a ilha de Vitória como emblema de suas realizações, o Governo Jones foi criando os espaços propícios a um modelo de desenvolvimento muito mais afinado com os hábitos de uso de automóveis e eletrodomésticos que se importava para o Brasil na década de 1950 que com o aspecto da velha capital colonial entrecortada por ilhotas, prainhas, vielas e ladeiras que marcavam a geografia da Cidade Presépio. Isso muito se caracteriza pelo enrocamento de 4.275 metros de extensão desde o Suá até o antigo Porto de Vitória, feito com o desmonte dos morros e com a areia do canal de Vitória que foram utilizados para aterrar mangues e enseadas onde se construiu a avenida Marechal Mascarenhas de Moraes (ou BeiraMar) e o porto de Vitória.45 O Plano de Valorização Econômica do Estado concentrava a ação empreendedora do Governo do Estado do Espírito Santo em 4 áreas básicas para fins do investimento de Cr$634.700.000,00 (US$ 33,900,000.00) em 5 anos. Esse total correspondia a 39% da receita estadual para o período. Dele, 35% eram previstos para as obras do porto de Vitória, 23% para o setor de energia elétrica, 30% para aplicação em estradas e rodovias e 11% para a agricultura. Em termos numéricos, o montante destinado às obras de ampliação do suprimento de eletricidade contido no Plano Estadual de Eletrificação chegava a Cr$146.800.000,00 (US$7,841,000.00). No entanto, o governo acreditava poder arrecadar 50% desses recursos a título de cooperação do capital privado na constituição das empresas destinadas à produção de energia elétrica,46 o que não se verificou. Dentro do setor elétrico as obras e metas contidas no Plano Estadual de Eletrificação consideravam, no sul do Estado, a ampliação do sistema composto pelas bacias dos rios Jucu, Benevente e Itapemirim; no norte, o aproveitamento energético das cachoeiras do Inferno, Jararaca e Funil, situadas no rio São Mateus e a 44 45 46 SILVA, op. cit. p. 251-252, nota 29. NOVAES, op. cit. p. 435, nota 38. SILVA, op. cit., p. 29. Tabela 13. 41 Cachoeira da Onça, no rio São José. O Plano previa ainda o aproveitamento hidráulico do rio Santa Maria na região central do Espírito Santo. Antes de iniciar sua execução o governador convocou os dirigentes da AMFORP/CCBFE ao Palácio para propor-lhes que assumissem a elaboração do projeto e a construção da Usina Hidrelétrica Jucu II, considerada uma importante obra para a ampliação do aproveitamento do potencial energético do rio Jucu. Essa participação teria a dupla função de apaziguar os ânimos contra o capital estrangeiro, considerado oportunista pelos membros do governo, bem como simbolizar a participação privada na formação da infra-estrutura econômica que capacitaria o salto industrial pretendido. Porém, findo o prazo estipulado para a apresentação do projeto ao governador, a AMFORP/CCBFE ainda não havia se definido por assumir as obras. Dessa maneira, a empresa deixava claro que o Poder Público teria que buscar sozinho as alternativas de cumprimento do plano de expansão da produção de energia elétrica.47 A partir desse episódio o Governo Jones concentrou-se na construção das usinas do rio Santa Maria buscando o apoio financeiro do BNDE. Isso representou uma vitória da “ala moça” do PSD e a senha para a organização do movimento pela encampação da CCBFE nas hostes do próprio partido. Christiano Dias Lopes Filho é enfático ao afirmar que o episódio de Jones com a AMFORP/CCBFE ferira os brios da “ala nacionalista” que compôs o movimento contra a CCBFE (...) Era a linha nacionalista. A linha nacionalista. Havia determinadas tendências muito próximas, claro, da linha comunista. E havia a linha mais centralizada, mas contra o capital estrangeiro. E essa linha mais centralizada era aquela a que eu pertencia. E a linha mais ligada ao Partido Comunista, que entrou no movimento pela encampação da Central Brasileira, e havia a participação de um deputado chamado Benjamim Campos, que era deputado comunista e 47 LOPES FILHO, Christiano Dias. 2002. Entrevista..., p. 7-8. 42 de vários elementos do Partido Comunista aqui no Espírito Santo.48 Enquanto isso, a CCBFE, talvez com o fito de arrefecer a pressão que recebia e já conhecedora dos planos energéticos do Estado, optou para instalar na Usina Termelétrica de Vitória a segunda unidade geradora de 1000 kW de potência, numa clara opção por uma solução paliativa baseada na continuidade da matriz geradora mista hidráulica e térmica.49 Ao mesmo tempo, a empresa alemã AEG Allgemeine Elektrizitats-Gesellschaft, contratada pelo Governo do Estado em fevereiro de 1952, concentrava seus estudos no potencial hidráulico do rio Santa Maria. Os técnicos acreditavam ser esta a bacia mais adequada pois permitiria a captação integral de seu potencial energético, em torno de 135.000 HP, em 4 usinas hidrelétricas: Rio Bonito (24.000 HP), Timbuí Seco (18.300 HP), Suíça (70.800 HP) e Santa Leopoldina (25.700 HP). Além da relativa concentração dos canteiros de obras na mesma bacia hodrográfica, a definição por esse aproveitamento levou em conta fatores decisivos tais como a pequena distância, cerca de 40 km de Vitória, e a conseqüente redução de custos e prazos para as obras de construção de linhas de transmissão.50 (...) Selecionadas as quedas, poder-se-á começar a construção da primeira central e concluí-la; em seguida, principiar a segunda e concluí-la; e, se possível, ainda no nosso governo, iniciar a terceira central. Decerto não será financeiramente fácil a execução simultânea das três usinas, durante um ou dois exercícios, de maneira que se torna aconselhável a concentração dos recursos em cada projeto, sucessivamente; assim, ao iniciar-se o segundo, já estará a primeira central produzindo, e ao começar-se o terceiro já haverá duas em funcionamento. A essas vantagens econômicas há que acrescentar as decorrentes das 48 49 50 LOPES FILHO, Christiano Dias. 2002. Entrevista..., p. 9. CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Usinas de Energia Elétrica... A ação do Estado no Espírito Santo, em particular no Governo Jones dos Santos Neves, conta com estudos bastante pormenorizados aos quais, por extrapolarem o foco principal desta tese, indico para aprofundamento. São de grande valia neste estudo: BITTENCOURT, G. Espírito Santo: a indústria de... op. cit., nota...; id. A formação, op. cit., nota 25.; SILVA, op. cit., nota 29; SIQUEIRA, Penha. O desenvolvimento do Porto de Vitória 1870-1940. Vitória: CODESA, 1984 ; e Id. O Porto de Vitória: expansão e modernização 1950-1993. Vitória: CODESA, 1994. 43 possibilidades de emprego dos mesmos recursos técnicos e aparelhamentos mecânicos, nas diversas obras.51 Para dar o andamento planejado às construções, o governo obteve apoio técnico gratuito do Departamento Nacional de Obras e Saneamento para a elaboração de um projeto para a Usina de Suiça coordenado por Otto Pfafstetner, que ficou pronto em 1954 e foi orçado em Cr$208.000.000,00 (US$11,050,000.00).52 Entretanto, dada a insuficiência de recursos e o tempo requerido para as obras, que extrapolavam o período do Governo Jones, as usinas de Timbuí Seco e Santa Leopoldina não chegaram a ser construídas e a Usina de Suíça somente o foi a posteriori. Dessa maneira, durante o seu governo, Jones dos Santos Neves obteve sucesso apenas na largada para a construção da Usina Hidrelétrica de Rio Bonito, no município de Santa Leopoldina. Em 14 de junho de 1952 foram firmados os contratos com a Companhia Construtora Nacional S/A para execução de obras civis e com a AEG-Companhia Sul Americana de Eletricidade S/A para o fornecimento, montagem e instalação dos equipamentos elétricos e mecânicos. A fiscalização dos serviços ficou a cargo da Comissão de Fiscalização das Obras da Usina Hidrelétrica Rio Bonito, enquanto a concessão referente foi outorgada ao governo estadual pelo Decreto nº 31.518, de 2 de outubro de 1952. Para o governador estavam claros os motivos pelos quais a obra fora escolhida: (...) A eleição dessa central elétrica como ponto de partida para a eletrificação do estado obedece ao propósito estabelecido nas diretrizes do atual governo de preferência às centrais que mais se aproximarem dos ‘centros de gravidade’ econômica. E Vitória está nesse caso. A situação estratégica de seu porto de mar, localizado no estuário do riquíssimo Vale do Rio Doce, em posição geográfica medianeira entre o norte e o sul do país, tendo como tributárias as regiões de todo o ‘hinterland’ mineiro, o crescente caudal de minério de ferro que desce das 51 52 ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1951-1955: Neves). Mensagem sobre o Plano de Valorização Econômica do Espírito Santo, enviada à Ass. Legislativa em maio de 1951. Vitória: [s.n.]. ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1951-1955: Neves. O Espírito Santo trabalha e confia 1951-1955. Vitória: [s.n.], 1955. 44 vertentes do Itabira em busca do oceano para se encontrar com o carvão importado, tudo isto faz deste litoral um centro monopolizador de futuras indústrias.53 Contudo, a persistência dos deficits orçamentários do governo para 1952 e anos seguintes e a frustração com relação à cooperação do capital privado não permitiram o financiamento da obra de Rio Bonito como previsto. Mesmo assim as obras foram iniciadas em 1952 com recursos do governo estadual. Na verdade, o “capital privado” simbolizado pela AMFORP/CCBFE dava mostras cada vez mais inequívocas de que permaneceria minimizando seus investimentos ao essencial ao cumprimento de seu contrato de concessão, garantindo a produção para atender apenas a demanda imediata. Em 1952 uma terceira unidade geradora de 1000 kW de potência foi instalado pela Central Brasileira na Usina de Vitória, somando agora uma potência equivalente a 3000 kW. Evidentemente que essas iniciativas azedavam ainda mais o relacionamento da concessionária com o Governo do Estado levando-o a sofrer pressões internas e externas, tanto dos setores populares como das elites regionais industriais e mesmo das agroexportadoras. Porém, em âmbito nacional, as diretrizes da política de crescimento industrial do governo capixaba se coadunavam com as diretrizes da política econômica da primeira metade do Segundo Governo Vargas. Da mesma maneira, o período de preparação do Plano de Valorização Econômica do Estado e de sua parte específica para a energia, o Plano Estadual de Eletrificação capixaba, coincidiu com os trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos realizados entre 1949-1951, que elaborou 42 projetos nas áreas de energia e transporte, vindo a consubstanciar o Plano Nacional de Energia que foi enviado ao Congresso Nacional em 1954 pelo presidente Getúlio Vargas. Além disso, através do Plano Estadual de Eletrificação, o Governo do Espírito Santo antecipou-se e adaptou o setor elétrico público em surgimento à criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), destinado pelo governo federal a apoiar projetos de infra-estrutura econômica e a disseminar 53 ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1951-1955: Neves). Mensagem à Assembléia Legislativa. 1952, 1953 1954. Vitória: Imprensa Oficial. Apud. SILVA, op. cit., p. 261-262, nota 29. 45 iniciativas empresariais de natureza estatal na gerência dos serviços públicos. Isso vem demonstrar o quanto o problema dos serviços de energia elétrica encontravam eco no planejamento dos programas de reformas sociais e econômicas pretendidas por Vargas.54 A presença do mesmo espírito empreendedor e a racionalidade técnica do período varguista podem ser observados nas medidas implementadas e experimentadas no Espírito Santo, uma região suficientemente dotada de recursos naturais, cujo controle político coube a Jones dos Santos Neves, estreito aliado de Vargas no seu segundo governo (1951-1954). Os textos das leis criadas pelo Governo Jones eram, no geral, ajustados aos projetos em curso no Congresso Nacional ou aprovados a partir de decretos do primeiro período de governo de Vargas. O governo capixaba buscava ajustar a estrutura jurídica das relações entre o Estado e as concessões de prestação de serviços públicos com as formas de financiamento das obras através de capitais públicos ou captados sob o controle do governo federal. Após o Código de Águas de 1934 merece destaque a Lei 1.474, de 26 de novembro de 1951, que criou o Fundo de Reaparelhamento Econômico. Poucos meses depois, o governo federal publicava a Lei 1.628, de 20 de junho de 1952 criando, ao mesmo tempo, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) e os títulos da Dívida Pública federal, chamados Obrigações do Reaparelhamento Econômico, resgatáveis em vinte parcelas iguais com juros de 5% ao ano a partir do exercício seguinte à emissão. Assim, enquanto formava o sistema de captação de recursos, era aprovado o BNDE para ser o agente do Govêrno nas operações financeiras que se referissem ao reaparelhamento e ao fomento da economia nacional55 garantindo o capital de Cr$12.500.000.000,00 (doze bilhões e quinhentos milhões de cruzeiros ou US$668,450,000.00) para os projetos do banco. Porém, no 54 55 DRAIBE, op. cit., p. 184., nota 30. BRASIL. Lei 1.628, de 20 de junho de 1952. Art. 8°. 46 período entre 1956-1960, o BNDE financiou Cr$14 bilhões e avalizou outros US$176 milhões para os projetos da chamada Meta 1 (energia elétrica) do Plano de Metas.56 Seis meses depois de aprovar a Lei 1628/52, outra nova lei vinha compor a legislação do reaparelhamento econômico. Era a Lei 1.807, de 7 de janeiro de 1953, através da qual o governo concedia taxas fixadas de acordo com a Superintendência de Moeda e Crédito (SUMOC) para as operações de câmbio destinadas aos (...) serviços governamentais, inclusive os relativos às sociedades de economia mista em que a maioria do capital votante pertença ao Poder Público. 57 E também (...) aos empréstimos, créditos ou financiamentos de indubitável interesse para a economia nacional, obtidos no exterior.58 A lei também definia o que entendiam os legisladores serem os investimentos de especial interesse para a economia nacional listando, entre outros, instalação ou desenvolvimento de serviços de utilidade pública nos setores de energia, comunicações e transportes, desde que realizados dentro de tarifas fixadas pelo Poder Público. Da mesma forma, a Lei 1.807/53 fixou em 8% os juros pagos sobre o capital exterior investido nas empresas públicas e em 10% do capital investido o montante de repatriação de rendimentos, desde que preenchessem a prerrogativa de especial interesse para a economia nacional.59 É esse o contexto que ensejou a criação de um sistema elétrico estadual no Espírito Santo, cuja marca mais significativa foi a promulgação da Lei 755, em 7 de dezembro de 1953. Seu resultado mais concreto materializar-se-ia na constituição da ESCELSA Espírito Santo Centrais Elétricas S/A, uma empresa pública estadual de energia elétrica. 56 57 58 59 LAFER, Celso. JK e o Programa de Metas (1956-1961): processo de planejamento e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002., p. 119-120. BRASIL. Lei 1.807, de 7 de janeiro de 1953. Art. 1°. BRASIL. Lei 1.807, de 7 de janeiro de 1953. Art. 1°. BRASIL. Lei 1.807, de 7 de janeiro de 1953. Art. 1°. 47 Através desse diploma legal de 3 artigos, o Governo Jones criava, em único ato, a estrutura jurídica necessária para que o governo estadual entrasse na produção de energia elétrica, tal como vinha sendo feito em nível federal. Essa Lei criava ainda as formas de constituição da empresa gestora e de financiamento das obras de eletrificação por 30 anos, prevendo inclusive encampações ou aquisições pelo Estado. A Lei 755 foi resultado de um acordo com o governo federal através do BNDE, devendo o governo estadual criar uma empresa pública que lentamente absorveria as minúsculas empresas envolvidas com a geração, transmissão e distribuição da eletricidade das pequenas localidades, bem como supriria as deficiências de suprimento na zona de concessão da CCBFE a partir das obras de Rio Bonito, em andamento. Ou seja, na montagem jurídica do sistema elétrico estadual a construção de Rio Bonito vinha formalizar o projeto do Governo Jones que simbolizava a capacidade realizadora do Estado do Espírito Santo e seu compromisso com a idéia de modernidade que permeava a sociedade brasileira nos anos de 1950. De fato, o Governo do Estado do Espírito Santo assumiu o compromisso de criar uma empresa pública de eletricidade com capacidade para incorporar a Usina Hidrelétrica de Rio Bonito. O governador assim referiu essa empresa: (...) no futuro, o fundamento inicial de nossa redenção econômica.60 Porém, na ausência de um suporte financeiro público em nível federal que permitisse o acesso a capitais e equipamentos no exterior, pouco valeriam os esforços estaduais. Assim, graças à articulações políticas de Jones dos Santos Neves com Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha, o Governo do Estado, já autorizado pelo Poder Legislativo através da Lei 755 de 7 de dezembro de 1953, firmou convênio com o BNDE no valor de Cr$171.798.000,00 (US$9,177,240.00) em 12 de janeiro de 1954, repassando ao banco o compromisso pelo pagamento integral das obras da Usina Hidrelétrica de Rio Bonito, incluindo a construção das linhas de transmissão. 60 ESPÍRITO SANTO (ESTADO). Governador (1951-1955: NEVES. março/1954. Mensagens de fim de exercício anual dos governadores 1955-1975. Vitória: ALES. [197...]., p. 13-14. 48 O próprio Jones definiu a condição de participação do Governo Vargas e do recém-criado BNDE: (...) A obra vinha sendo financiada integralmente pelo Governo do Estado, com imenso sacrifício, num exemplo de tenacidade e firme disposição de realizá-la. Graças, porém, ao interesse e boa vontade do Exmo. Senhor Presidente da República, inspirador genial da expansão das fontes de energia do país, foi-nos possível entregar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico a responsabilidade financeira total da obra, inclusive as suas linhas de transmissão.61 Adiante Jones acrescentava: Em decorrência das cláusulas dêsse contrato, assumimos a obrigação de organizar uma emprêsa de eletricidade, que será a ‘Espírito Santo – Centrais Elétricas S/A’ (ESCELSA), cujos estatutos já se encontram prontos à espera do pronunciamento final do banco.62 Na verdade, o Governo do Estado já havia levado adiante 85% da obra inicialmente planejada quando obteve o primeiro financiamento do BNDE, em 1954. Ao fim deste ano a escavação estava concluída, a barragem estava por concluir e o revestimento do túnel adutor e da chaminé de equilíbrio estavam bem adiantados. Ao mesmo tempo a casa de força era concretada e a montagem da estrutura transformadora estava concluída. Dessa maneira, era esperada para pouco tempo o início da montagem do equipamento elétrico, abrangendo turbinas, geradores, transformadores e materiais diversos para a casa de força e as linhas de transmissão que, em sua maioria, já tinham sido recebidos da Alemanha.63 Ao prever a criação da empresa gestora do sistema que incorporaria Rio Bonito e (...) outras usinas de eletricidade de propriedade do Estado, já em funcionamento ou que vierem a ser por ele constituídas, instaladas ou adquiridas 61 62 63 ESPÍRITO SANTO (ESTADO). Governador (1951-1955: NEVES. março/1954. Mensagens de fim de exercício anual dos governadores 1955-1975. Vitória: ALES. [197...]., p. 13-14. ESPÍRITO SANTO (ESTADO). Governador (1951-1955: NEVES. março/1954. Mensagens de fim de exercício anual dos governadores 1955-1975. Vitória: ALES. [197...]., p. 13-14. BNDE. 3ª Exposição sobre o Programa de Reaparelhamento Econômico. Exercício de 1954. Rio de Janeiro: BNDE, 1955. 49 inclusive por encampação, o governo de Jones dos Santos Neves não deixou de citar, no Artigo 2°, que o Poder Executivo poderia promover (...) a encampação ou aquisição de instalações de pessoas ou empresas que exploram a indústria de energia elétrica ou de instalações das pessoas ou empresas cujos ramos de atividade sejam correlatos com a dessa indústria, em todas as suas fases.64 Esse Artigo pode ser entendido como uma abertura promovida pelo governo a fim de possibilitar uma futura encampação da CCBFE. Pouco depois, o governo proporia novo aperfeiçoamento à Lei 755 sugerindo à Assembléia Legislativa que o Estado fosse autorizado a incorporar à futura sociedade (ESCELSA) outros bens, inclusive incorpóreos, que não podem ser conceituados como ‘usina’, mas diretamente relacionados com a exploração da força motriz e energia elétrica. Situam-se entre esses bens, as concessões federais de quedas d`água em vários pontos do território do Estado, embora ainda não aproveitadas; as vias privativas de acesso a Usina de Rio Bonito; os terrenos desapropriados na bacia do rio Santa Maria, os projetos, estudos e plantas de aproveitamento elétrico no Espírito Santo; as ações da Empresa Luetzow S.A., etc.65 Na montagem do sistema de leis que permitiriam a infra-estrutura dos serviços de energia elétrica coube ainda ao governo federal a aprovação da Lei 2.308, de 31 de agosto de 1954, criando o Fundo Federal de Eletrificação, o Imposto Único Sobre Energia Elétrica para uso em iluminação (luz), em potência (força) e sobre o consumo estimado (a forfait). Assim, utilizando-se da parcela da União sobre o Imposto Único Sobre Energia Elétrica, de dotações orçamentárias e de rendimentos sobre depósitos e aplicações desses recursos, o governo federal criava um fundo destinado a prover e financiar instalações de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, assim como o desenvolvimento da indústria de material elétrico.66 Do total dos recursos anualmente obtidos para o FFE, 40% pertenceriam à União, 64 65 ESPÍRITO SANTO. Lei 755, de 07 de dezembro de 1953. ESPÍRITO SANTO (ESTADO). Governador (1951-1955: NEVES). Mensagem 1.847, 07.06.1954. Vitória: Arquivo Geral da ALES, 1954. 50 enquanto 60% caberia aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios brasileiros, distribuídos sobre parâmetros definidos nesta lei.67 A essa instituição legal seguiu-se logo o Decreto nº 36.578, de 8 de dezembro de 1954, que regulamentava a arrecadação do Imposto Único Sobre Energia Elétrica e a Lei 2.973/1956, aumentando os recursos financeiros e os prazos para os financiamentos também do Fundo de Reequipamento Econômico.68 Contudo, não seria Jones que constituiria a nova empresa nem inauguraria Rio Bonito. Como seu governo enfrentou despesas extraordinárias e não previstas com o rebaixamento da barragem em cerca de 13 metros, a obra ficou atrasada. Em decorrência desse atraso houve um acúmulo de despesas previdenciárias e um encarecimento do projeto graças a aumentos de preços de material e mão-de-obra desde o orçamento inicial. Para superar o impasse, em dezembro de 1954, o governo fez um pedido de financiamento complementar de 32 milhões de cruzeiros (1,7 milhão de dólares) ao BNDE.69 Porém, sem conseguir contornar o problema financeiro e concluir a Usina, no início de 1956, o Governo do Estado solicitaria mais recursos ao BNDE, desta feita no valor de Cr$90 milhões de cruzeiros (4,78 milhões de dólares), para cobrir as despesas acumuladas. Esse novo pleito foi atendido em junho de 1956.70 Ao mesmo tempo estava em curso a constituição da ESCELSA. A Lei Estadual 755, de 7 de dezembro de 1953, autorizava o Governo do Espírito Santo a organizar uma empresa com capital de Cr$300.000.000,00 (US$16,000,000.00), subscrevendo um mínimo de cinqüenta e um por cento das ações. A forma encontrada para levantar o capital necessário à nova empresa foi promover operações de crédito até o limite de Cr$500.000.000,00 (US$26,567,481.00) com o prazo de resgate até o limite de 30 anos e juros máximos de 8% (oito por cento) ao ano, incluídas as despesas de encampação de outras empresas ou investimentos em obras futuras. 66 67 68 69 70 ESPÍRITO SANTO. Lei 2.308, de 31 de agosto de 1954. Art. 1°. Lei 2.308, de 31 de agosto de 1954. Art. 5°. LAFER, op. cit. p. 119., nota 56. BNDE. 3ª Exposição sobre... BNDE. 7ª Exposição sobre o Programa de Reaparelhamento... 1959. 51 Somente em 1956, na vigência do governo de Francisco Lacerda de Aguiar, que sucedeu a Jones dos Santos Neves, foi legalmente constituída a Espírito Santo Centrais Elétricas S/A (ESCELSA) com a finalidade da (...) promoção, planificação e execução da eletrificação do Estado.71 O governo de Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho - como o governador era chamado pelo povo, foi eleito pela Coligação Democrática (PSP, PR, PRP e PTB) para o período de governo de 1955-1958 derrotando a aliança PSD/UDN/PDC, que apresentou uma plataforma de continuidade do Plano de Valorização Econômica do governo anterior. Entretanto, apesar de seguir uma orientação ruralista, isto é, de compromissos políticos com o setor agrário-exportador, principalmente o cafeeiro, o governo de Chiquinho teve atuação preponderante na continuidade das obras que fizeram da ESCELSA uma realidade.72 Isso ocorria porque a segunda metade dos anos 50 no Espírito Santo culminou com aquele período em que, no Brasil (...) o Setor Público, à medida que se tornava responsável por uma parcela crescente do fator estratégico do desenvolvimento, torna-se também o setor dinâmico desse desenvolvimento, uma vez que passa a ter exclusividade em áreas que predominam em atividades infra-estruturais, as quais requerem grandes imobilizações de capital.73 A razão para um aprofundamento da participação estatal na realização dos projetos de maior envergadura financeira foi explicada por Lessa, para quem a industrialização brasileira, após um interregno entre 1954-1955, envolveu a segunda metade da década de 1950 quando, sob o Plano de Metas, todos os esforços foram intencionalmente dirigidos à construção dos estágios superiores da pirâmide industrial verticalmente integrada. Nessa fase, sob uma política econômica fortemente definida pelo crescimento, foram relegados ao segundo plano as preocupações tradicionais com as medidas econômicas voltadas para o processo 71 72 73 BITTENCOURT, op. cit. p. 85., nota 3. Para uma compreensão do processo político-eleitoral que levou Chiquinho ao poder explorando a cisão do bloco do PSD capixaba, ver: SILVA, op. cit., nota 29. SIQUEIRA, M. Industrialização e Empobrecimento Urbano - o caso da Grande Vitória - 1950/1980. 1991. Tese (doutorado em História). FAFLCH/USP., p. 4. 52 inflacionário, desequilíbrio externo e para as disparidades regionais e setoriais e atingiu-se o limite de expansão do modelo de crescimento industrial pela substituição de importações.74 De fato, a participação do BNDE foi decisiva na conclusão de Rio Bonito, porque possibilitou ao Estado do Espírito Santo a retomada de sua participação na geração de energia hidrelétrica interrompida em 1928. A esse respeito, BITTENCOURT entendeu que (...) a primeira "ESCELSA" – [foi] resultante de um objetivo maior de estatização de setores estratégicos ao desenvolvimento nacional.75 Com efeito, desde 1951 tentava-se estabelecer no país a base de participação pública no setor de energia elétrica, cabendo aos governos estaduais dar continuidade aos empreendimentos de construção de usinas e linhas de transmissão em curso, enquanto a União prestava apoio técnico e financeiro. Na mensagem enviada ao Congresso, Vargas estabeleceu que Ao governo federal deve caber a iniciativa de grandes empreendimentos, de larga projeção nacional, como é o caso da Usina de Paulo Afonso (...), empreendimento que é (...) uma experiência nova de política administrativa.76 Contudo, apenas após a aprovação da Lei 1.088, de 30 de agosto de 1956,77 em que a Assembléia Legislativa do Espírito Santo autorizava o governo a aceitar a exigência do BNDE de que fosse elevada a taxa de juros de 8% para 9% sobre o valor a ser financiado, foi possível prover os fundos necessários tanto para a integralização do capital da empresa como para financiar a conclusão das obras da Usina Hidrelétrica de Rio Bonito, a ser incorporada ao patrimônio da ESCELSA. Para tanto, o mesmo ato legislativo instituía um Fundo de Eletrificação a ser composto pela parcela que cabia ao Espírito Santo no Imposto Único sobre Energia Elétrica (Lei 74 75 76 77 LESSA, op. cit. p.12., nota 28. BITTENCOURT, op. cit. p. 82., nota 3. BRASIL. Presidente (1951-1954: VARGAS). 1951. Mensagem presidencial ao Congresso... Apud. DRAIBE, op. cit. p. 202., nota 30. ESPÍRITO SANTO. Lei 1.088, de 30 de agosto de 1956. Diário Oficial do Espírito Santo. Vitória, 07 set. 1956. Vitória/ES. 53 Federal 2.308 de 31 de agosto de 1954), pelos recursos apurados através da majoração em 6% sobre o Imposto de Vendas e Consignações cobrado a título de Taxa de Eletrificação que a mesma Lei 1.088 criava, além de repasses dos orçamentos estadual e federal. Tudo isso permitiu à ESCELSA iniciar suas operações com a possibilidade de contratar financiamentos de até Cr$500.000.000,00 (US$26,567,481.00) do BNDE afiançados pelo Poder Executivo estadual.78 Tais providências legais tornavam a ESCELSA uma realidade! A assembléia de criação da ESCELSA ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A,79 ocorreu em 6 de setembro de 1956 no Palácio Anchieta, sede do Governo do Espírito Santo. Na ocasião, o governador Francisco Lacerda de Aguiar discursou para uma platéia expressiva do empresariado e da política capixaba onde estavam Lysandro Ceciliano de Oliveira, Azeredo de Souza Werneck, Oswald C. Guimarães, Orlando Antenor Guimarães, Álvaro Sarlo, Asdrúbal Soares, José Ribeiro Martins, Alcides Guimarães, Alcides Vianna, Hildewald Guimarães, Afonso Sarlo, Antenor Guimarães, José Ferrari Valls, Alberto de Oliveira, Oscar Rodrigues de Oliveira, José Fortunato Ribeiro, Manoel Moreira Camargo, Eurico Resende, Fernando Costa, José Rodrigues Oliveira, Emílio Roberto Zanotti, José Franklin dos Santos, Eurico Fernandes, Manoel Bezerra Nunes, Aylton Tovar, Acyr Monteiro, Joaquim Leite de Almeida, Antonio Pereira Lima e Tasso da Silveira Pessoa.80 Em tom solene, o governador do Estado expressou seu contentamento: A ESCELSA, sigla que representa a sociedade que acaba de ser fundada, mais do que um nome, é bem um símbolo do que ela representa para os excelsos destinos do nosso Estado, que caminha com decisão e segurança, para a realização dos seus mais altos desígnios.81 De acordo com seus criadores, a nova empresa estatal tinha por fim 78 79 80 ESPÍRITO SANTO. Lei 1.088, de 30 de agosto de 1956. Diário Oficial do Estado do Espírito Santo. Vitória, 07 set. 1956. Vitória/ES. Tratava-se de empresa de economia mista autorizada pelo Federal Decreto 35.871, de 21.07.1954. Cf. Escritura Pública de Constituição da Sociedade. O Diário. Vitória: 29.11.1956., p. 4-5. Escritura Pública de Constituição da Sociedade. O Diário. 29.11.1956., p. 4-5. 54 (...) a) promover o aproveitamento das fontes de energia elétrica existentes no Estado, de molde a assegurar a continuidade do seu desenvolvimento industrial; b) planejar, construir e operar sistema de produção, transformação, transmissão e distribuição de energia elétrica, sob suas diversas modalidades; c) explorar, mediante concessão, o comércio de energia elétrica; d) adquirir, por qualquer título, ou arrendar usinas geradoras de eletricidade, linhas de transmissão e redes distribuidoras de energia elétrica assumindo as respectivas concessões; e) interessar-se em empreendimentos ou empresas que tenham por objetivos a indústria da energia elétrica; f) promover, quando possível ou necessário, a articulação e execução das obras para acumulação d'água das usinas geradoras com as que se puderem destinar à regularização dos rios e seu aproveitamento em obras de irrigação.82 O capital social da ESCELSA, que era de Cr$ 300.000.000,00 (cerca de US$16,000,000.00), foi dividido em duzentos mil ações ordinárias nominativas e cem mil ações preferenciais no valor de Cr$1.000,00 (US$53,00) cada uma, a ser subscrito na sua décima parte. O Governo do Estado ficou com 199.560 ações ordinárias e 100.000 ações preferenciais para subscrição, tendo o Estado entrado no ato com o valor de Cr$38.532.738,80 (US$2,047,435.00) em bens e o restante a ser integralizado com recursos do Fundo de Eletrificação. Os bens oferecidos pelo Governo do Espírito Santo no valor acima foram avaliados por uma comissão composta pelos engenheiros peritos Duarte Fonseca de Aquino, Luiz Alberto Fragoso Linhares e José Horta Aguirre. O inventário aprovado constou dos seguintes bens: a concessão outorgada pelo governo federal para aproveitamento da energia hidro-elétrica do rio S. Maria, município de Santa Leopoldina (Decreto 31.518, de 2.1.52), avaliada em Cr$4.000.000,00 (US$212,540.85); a Usina Hidro-elétrica de João Neiva (em construção), com capacidade prevista de 900 CV, avaliada em Cr$6.500.000,00 (US$345,377.00); a Usina de Alfredo Chaves, de 30 kVA, avaliada em Cr$280.000,00 (US$14,878.00); uma usina de 500 HP no Rio Iriritimirim, cuja construção estava paralisada há um ano e avaliada em Cr$1.250.000,00 (US$66,420.00); um grupo gerador diesel de 34 81 A Tribuna, 06.09.1956 p. 5. (Grifos nossos). 55 KVA, da Usina de Laticínios da Secretaria da Agricultura, avaliado em Cr$ 370.000,00 (US$19,660.00); a Usina Diesel-Elétrica de Barra de São Francisco, de 80 KVA, avaliada em Cr$750.000,00 (US$39,850.00); a Usina Diesel-Elétrica de Riacho, de 40 KVA, avaliada em Cr$430.000,00 (US$22,848.00); a Usina Diesel-Elétrica de Nova Almeida, de 90 C.V., avaliada em Cr$ 1.200.000,00 (US$63,762.00); a usina DieselElétrica de Aracruz, de 60 KVA, avaliada em Cr$1.100.000,00 (US$58,450.00); duas usinas em Conceição do Castelo, sendo uma hidro-elétrica de 20 KVA, avaliada em Cr$ 175.000,00 (US$9,300.00) e um grupo diesel de 51 KVA, avaliado em Cr$ 675.000,00 (US$35,866.00); a Usina Diesel-elétrica de Mantenópolis, de 70 KVA, avaliada em Cr$60.000,00 (US$3,188.00); a Usina Diesel-elétrica de Nova Venécia, de 100 KVA, avaliada em Cr$200.000,00 (US$10,627.00); a Usina Diesel-elétrica de Bananal, de 34 KVA, avaliada em Cr$400.000,00 (US$21,250.00); a Usina Dieselelétrica de Santa Tereza, de 130 KVA, avaliada em Cr$1.100.000,00 (US$58,450.00); a Diesel-elétrica de Muqui, de 80 KVA, avaliada em Cr$600.000,00 (US$31,880.00); a Diesel-elétrica de Itaóca, de 70 KVA, e rede de distribuição, avaliados em Cr$1.200.000,00 (US$63,762.00); Usina Alegre-Veado onde o Estado possuía 9.993 ações da empresa (2/3 do capital social), equivalentes ao valor de Cr$3.142.738,80 (US$166,990.00).83 O Governo do Estado repassou ainda ao patrimônio da ESCELSA 2 grupos diesel-elétricos de 250 KVA cada, avaliados em Cr$5.360.000,00 (US$284,803.00); as 2.550 ações da Empresa Hidro-Elétrica Lutzow S.A., do município de Baixo Guandu, no valor de Cr$2.550.000,00 (US$135,494.00); e, por fim, uma caminhonete Studebaker usada, ano 1952, que atendia à Fiscalização de Obras de Rio Bonito, avaliada em Cr$180.000,00 (US$9,564.00).84 O laudo de avaliação foi apreciado na assembléia preliminar de constituição da ESCELSA realizada no auditório do Centro de Saúde da capital no dia 27 de agosto de 1956, convocada por edital público.85 A tipologia dos bens arrolados já demonstra 82 83 84 85 A Tribuna, 06.09.1956 p. 5. Escritura Pública de Constituição da Sociedade... Escritura Pública de Constituição da Sociedade... O edital foi publicado no D.O. do E. E. Santo e em "O Diário" em 23,24 e 25 de agosto de 1956. 56 o caráter unificador e as responsabilidades atribuídas à ESCELSA em relação ao atendimento às municipalidades do Espírito Santo. Para caracterizar a composição acionária mista da empresa 300 ações foram adquiridas pela União Manufatora de Tecidos; Oswaldo Cruz Guimarães, Orlando Guimarães & Cia. e Álvaro Sarlo adquiriram 20 ações cada; e Asdrúbal Soares, José Ribeiro Martins, Alcides Guimarães, Alcides Vianna, Hildewald Guimarães, Afonso Sarlo, Antenor Guimarães e José Ferrari Valls adquiriram 10 ações cada.86 Com essa composição, no ato de sua criação o capital de Cr$300.000.000,00 (US$16,000,000.00) da ESCELSA já estava parcialmente subscrito, sendo o Estado do Espírito Santo o maior acionista com 299.560 ações. Ficou estabelecido que a empresa seria administrada por um presidente e um diretor-técnico, brasileiros e residentes no país, eleitos pela Assembléia Geral dos acionistas para um mandato de 4 anos com direito a reeleição, a remuneração e a um percentual sobre os lucros líquidos apurados em cada exercício. Também foi previsto um Conselho-Fiscal a ser eleito anualmente pela Assembléia Geral. Coube à ESCELSA assumir (...) todos os direitos e obrigações do Estado do Espírito Santo decorrentes do seu contrato de 12 de janeiro de 1954 com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico para financiamento da construção da Usina Hidrelétrica de Rio Bonito.87 Na mesma assembléia foram eleitos e empossados Asdrúbal Soares como presidente, Álvaro Sarlo para diretor-técnico e Oswald Cruz Guimarães, José Ribeiro Martins e Afonso Schwab como membros efetivos do primeiro Conselho Fiscal. Alcides Vianna, Antonio José Domingues de Oliveira Santos e Raul Gilberti, seus membros suplentes. O primeiro presidente da ESCELSA era homem já habituado às lides de executivo público. Pertencente ao grupo vitorioso na Revolução de 1930 – ao qual 86 87 Escritura Pública de Constituição da Sociedade... Escritura Pública de Constituição da Sociedade... 57 também pertencia Jones dos Santos Neves e Carlos Lindemberg - chegou ao poder com a nomeação do Capitão João Punaro Bley para interventor federal no Espírito Santo (1930-1943) que, por sua vez, o nomeou Prefeito da Capital.88 A indicação de Asdrúbal Soares para presidente da ESCELSA foi de substancial importância para os futuros desígnios da empresa. Ressalte-se que Soares, como presidente do diretório estadual do Partido Social Progressista (PSP), fora um dos principais articuladores da Coligação Democrática (PSP,PTB, PR, PRP e parte da UDN) que atraiu Francisco Lacerda de Aguiar das hostes do PSD para disputar o pleito de 1954,89 do qual sagrou-se eleito governador do Espírito Santo. Pouco depois da constituição da ESCELSA, a diretoria da empresa e o governo apresentaram à Assembléia um projeto que logo foi transformado em lei estadual. O projeto modificava o quadro acionário autorizando o Secretário da Fazenda a vender 146.560.000 ações da ESCELSA, remanescentes da subscrição feita pelo Estado, dando preferência às companhias de seguro e à Companhia Vale do Rio Doce S.A.90 como forma de captar novos recursos para cumprir as metas previstas pela empresa e atender à crescente demanda por energia elétrica que se configurava no cenário econômico-social do Espírito Santo na segunda parte da década de 1950. Representando o pensamento de um governo que via o suprimento de energia elétrica em primeiro lugar como elemento de modernização e de aumento da produtividade na agricultura, mas sem descurar da base técnica para a modernização das indústrias, o depoimento do Secretário da Fazenda Kleber Guimarães, em 1957, à Assembléia Legislativa, é esclarecedor: É bem certo que a carência de energia elétrica de que nos ressentimos influi decisivamente no desenvolvimento industrial e agrícola do Estado, pois que a agricultura capixaba, como foi acontecer também com a maior parte do Brasil, é do método rotineiro, empírico, sem mecanização e sem a coadjuvação dos equipamentos e dos processos modernos e eficazes de que carece. 88 89 90 NOVAES, op. cit. p. 427., nota 38. SILVA, op. cit., nota 29. ESPÍRITO SANTO. Lei 1188, DE 20 de dezembro de 1956. 58 Não é preciso tecer comentários, por certo, sobre o que representa a eletricidade no meio rural, dotando o homem do campo das condições de bem estar que o estimulam e o confortam, facilitando a criação da pequena indústria rural, de tanta significação, nem tampouco a expressão que tem nas cidades a fartura de energia, propiciando a constituição de conjuntos industriais, que irão fortalecer nossa economia.91 E prossegue: Estamos bem próximos, felizmente, de iniciar a era industrial capixaba, com a ultimação, já bem à vista, da Hidroelétrica do Rio Bonito, o início da construção da Usina da Suissa e a disposição de, no Sul, promover o aproveitamento da Cachoeira da Fumaça, estando já em curso adeantado os estudos respectivos, prevendo e provendo o futuro, já que toda a economia espiritossantense se funda inegavelmente na produção agrícola do café, até aqui. 92 Assim, o Governo Chiquinho, embora não afinado com a orientação industrializante do Plano de Metas do Governo JK, conseguiu manter as obras de Rio Bonito e até mesmo encomendar estudos para a Hidrelétrica de Suiça, parte integrante do Plano Estadual de Eletrificação do Governo Jones. Silva é de opinião que o governo de Francisco Lacerda de Aguiar (...) não alterou a estrutura do Aparelho de Estado. Sua principal modificação foi na dinâmica de funcionamento dos diversos órgãos pela introdução da forma mais aberta e flexível de gestão.93 Entretanto, apesar da forte crise que o mercado de café atravessava levando o governo federal a implementar um projeto de erradicação dos cafezais, o Governo do Estado contou com a receita do Fundo de Eletrificação para dar continuidade à construção de Rio Bonito. O governador assim expressou sua opinião: 91 92 93 ESPÍRITO SANTO. Assembléia Legislativa do Espírito Santo. 102ª Sessão Ordinária realizada em 10.09.1957. Convocação do Senhor Secretário da Fazenda à Assembléia Legislativa. Vitória: 1957. ESPÍRITO SANTO. Assembléia Legislativa do Espírito Santo. 102ª Sessão Ordinária realizada em 10.09.1957. Convocação do Senhor Secretário da Fazenda à Assembléia Legislativa. Vitória: 1957. SILVA, op. cit. p. 349., nota 29. 59 O objetivo imediato das atividades da ESCELSA é a conclusão, no menor prazo possível, das obras da Usina Hidrelétrica de Rio Bonito, que se destina a solucionar o problema do fornecimento de energia a Vitória.94 O compromisso do governo de Chiquinho com o andamento das obras de Rio Bonito, assumido pela ESCELSA junto ao BNDE, possibilitou ao governo seguinte, de Carlos Lindemberg, líder político de expressão no PSD e ex-governador do Estado (1947-1950), retomar parte do programa de obras e a estruturação do Estado planejada por Jones dos Santos Neves para a execução do Plano de Valorização Econômica do Estado e, por conseguinte, do Plano Estadual de Eletrificação. Pôde, então, o Governo Lindemberg inaugurar a operação da Usina Hidrelétrica de Rio Bonito em 3 de dezembro de 1959. Para produzir e fornecer a energia produzida em Rio Bonito exclusivamente à CCBFE, que a distribuía em sua zona de concessão.95 Dessa maneira, os esforços dos poderes executivos estadual e federal fizeram da ESCELSA uma realidade e a operação de Rio Bonito marcou a entrada efetiva do Estado e de sua empresa na operação do sistema elétrico do Espírito Santo! 94 95 ESPÍRITO SANTO (ESTADO). Governador (1955-1959: AGUIAR). Mensagens de fim de exercício anual dos governadores 1955-1975. Vitória: ALES. [197...]. Em 1959, a CCBFE gerava com base térmica 7.500 kW (59%) dos 12.700 kW que produzia. ESCELSA – ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A. ESCELSA 25 anos de luz. op. cit., nota 3. 60 Capítulo 2 O “NAMORO” DA ESCELSA COM A CCBFE (1959-1964) O galo quando canta é dia. É dia, Maria, é dia! O galo quando canta é dia. É dia, Maria, é dia! Se o galo canta fora de hora É moça roubada que vai dando o fora! Se o galo canta fora de hora É moça roubada que vai dando o fora! (Toada de “Congo” - folclore do E. Santo) A Coligação Democrática (PSP/PR/PRP/PTB) formada para disputar o Governo do Estado no período 1955-1958 não se manteve coesa. Após 2 anos no poder, no início de 1957 o governador Francisco Lacerda de Aguiar (Chiquinho) anunciava o rompimento de seus compromissos com os partidos alegando incompatibilidades partidárias entre a composição política do governo e as necessidades da administração do Estado. Finda a Coligação, a ala do PSP liderada por Raul Giuberti e Asdrúbal Soares - que tinha desentendimentos mais profundos com o governo buscou compor uma aliança com o PSD. Pôde então o PSD, cuja plataforma eleitoral naufragara na eleição anterior, catalisar para si o desgaste do grupo governista anunciando previamente a escolha de Carlos Lindemberg como seu candidato às próximas eleições e iniciar uma intensa campanha de oposição contra o governo de Chiquinho. Para atrair aliados o PSD deixou vaga a vice-governadoria para que fosse ocupada numa futura composição. A eleição de Raul Giuberti para presidente do PSP deu condições para que a aliança com o PSD fosse finalmente selada, ficando definida a chapa PSD/PSP que se consagraria vitoriosa na eleição de 1958. Essa aliança política traria de volta ao poder Carlos Lindemberg, o representante de elite agrofundiária do sul,1 agora unida 1 “...Carlos Lindemberg solidarizava-se com a alternativa mais conservadora, também presente na formação social brasileira. Ou seja, aquela preconizada pela burguesia agromercantil, cuja base fundamental de interesses era expressa pela economia cafeeira. Para esse núcleo de interesses a alternativa de desenvolvimento capitalista admitia a expansão do setor industrial. Mas este avanço deveria se efetivar de forma moderada, não provocando grandes rupturas no ritmo do processo de com o emergente grupo de interesses políticos e econômicos relacionados com a produção cafeeira e cacaueira que se propagava na região do Rio Doce a partir de Colatina e Linhares e que tinha no médico Raul Giuberti, ex-prefeito de Colatina, sua expressão maior. Nesse sentido, ajudado circunstancialmente pela fragmentação da Coligação Democrática, a soma do potencial eleitoral em crescimento do PSP - identificado como progressista - com a recomposição das estruturas coronelísticas do PSD e o êxito do Governo JK, levou este partido de volta ao centro de poder.2 O retorno de Carlos Lindenberg trouxe novamente à tona a idéia de despartidarizar o governo compondo-o de pessoas de formação técnica. Dessa maneira, o governo foi formado predominantemente com quadros oriundos do PSD e com “técnicos”. Entretanto, seja na condição de “técnico” graças à sua formação em engenharia, seja para contemplar o partido aliado, coube a Asdrúbal Soares, expoente do PSP, assumir a importante Secretaria de Viação e Obras Públicas, cargo que acumulou com o de Presidente da ESCELSA até julho de 1960, quando completou seu mandato na empresa. Carlos Lindemberg era adepto do liberalismo clássico, razão pela qual mostrou-se contrário a que o Executivo Estadual atuasse como indutor das transformações capitalistas via intervenção no domínio econômico.3 Assim mesmo, o entendimento da importância da infra-estrutura econômica para imprimir o ritmo das transformações que desejava impor no seu período de governo fizeram-no não só concluir as obras da Hidrelétrica de Rio Bonito como também dar prosseguimento ao Plano Estadual de Eletrificação do Governo Jones. Nesse propósito, já no discurso de posse, Lindemberg traçou sua diretriz de ação: O governo (...) terá que se empenhar de modo a proporcionar ao Estado meios de trabalho e de criação de 2 3 desenvolvimento em curso.” SILVA, Marta Zorzal e. Espírito Santo: Estado, interesses e poder. Vitória: SPDC/FCAA/UFES, 1995. p.355. Ib. Cap. VII. SILVA, op. cit. p. 351. Apesar de “liberal clássico”, em 1935 Carlos Lindemberg aceitou participar da Interventoria de João Punaro Bley como Secretário de Agricultura. 62 riquezas, que forneçam novas fontes de renda, acompanhando o País, no seu acelerado crescimento. O programa de utilização de nossas fontes de energia elétrica terá prioridade, para aproveitamento de nossas matérias-primas e industrialização dos produtos da lavoura... (...) as vias de transporte e comunicações, (...) tão importantes no desenvolvimento dos povos quanto a energia elétrica, terão de nossa parte, excepcionais cuidados.4 Pouco depois da inauguração de Rio Bonito, o Governador discursava na Assembléia Legislativa clamando pela continuidade do Plano de 1951 Pela nossa condição atual de Estado monocultor, nenhum governo, nenhum estadista se animará a lançar planos de desenvolvimento econômico, consubstanciado na industrialização, se lhe escasseia o requisito indispensável, a base desse desenvolvimento econômico, potencial energético. O Espírito Santo (...) longe está de poder considerar-se provido dessa riqueza. E a afirmação dessa certeza está no esforço que estamos dedicando para dar início no mais curto prazo, a construção da Hidrelétrica de Suíça.5 O fulcro do discurso estava na crise de preços relativos ao tamanho das safras anuais brasileiras que se instalara no mercado cafeeiro, trazendo prejuízos à economia capixaba em vista da dependência da economia regional dos superavits gerados na balança comercial pelas exportações de café. Em 1950, 53,7% da renda da agricultura e 27,1% da renda interna era proveniente do café, sendo o produto também o responsável pela geração de 60,9% do valor da produção industrial nos setores de beneficiamento, torrefação e moagem em 1949.6 Até 1960, o setor industrial respondia por apenas 5,9% da renda interna estadual, sendo todo o restante desta renda proporcionada, direta ou indiretamente, pela economia agrícola.7 Neste ano, a cafeicultura absorvia sozinha cerca de 80% da força de trabalho agrícola do Espírito Santo. Porém, entre 1954 e 1961, houve uma 4 5 6 7 Cf. A Gazeta, 01/02/59, p. 1. Apud. Ib, p. 352. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. Mensagens de fim de exercício anual dos governadores. 1955-1975. Vitória: ALES, [198-]. ROCHA, Haroldo Corrêa. A crise do café gera a expansão da indústria. Revista do Instituto Jones dos Santos Neves. Vitória, nº 3, Ano V, jan/març. de 1986. ROCHA, Haroldo Corrêa, BUFFON, José Antonio. O boom industrial. Revista do Instituto Jones dos Santos Neves. Vitória, nº 3, Ano V, jul/set. de 1986. 63 redução da ordem de 52% dos preços do café que foi atribuída ao excesso da produção no Estado e em todo o país. Somente essa cifra já demonstra a magnitude da crise que se estabelece na economia capixaba, como de resto, em todas as regiões cafeeiras do país.8 A partir dessa constatação, o governo brasileiro passou a tratar o problema de forma a diminuir a oferta e estabeleceu uma política de erradicação dos cafeeiros para forçar a alta dos preços. Mas, sendo cerca de 93,3% da cafeicultura praticada sobretudo por produção familiar, de pequenos proprietários e parceiros, a política de valorização de preços com erradicação das lavouras iria atingir nada menos que os 50,6% dos cafeeiros cultivados por famílias de parceiros, 43,3% por famílias de pequenos proprietários e 3,8% por camaradas diaristas (assalariados), segundo dados de 1960. A cafeicultura praticada no Espírito Santo tinha produtividade de 380 kg/ha e 231 kg por cada mil pés, enquanto em São Paulo atingia nível médio de 446Kg/ha e 543Kg por mil pés. Em termos comparativos, isso demonstrava uma baixa produtividade da lavoura capixaba, o que era atribuído à ausência de fertilizantes e defensivos contra pragas, de assistência técnica e à escassez de capital.9 Segundo Rocha, esses fatores levaram o IBC/GERCA a aprofundar a intervenção nas lavouras cafeeiras capixaba, que representavam apenas 13% da produção nacional, erradicando cerca de 53% dos cafeeiros, contra 26,0% em São Paulo, 33,3% em Minas Gerais e 28,4% no Paraná. Para combater o excesso de produção o governo federal criou o GERCA (Grupo Econômico Para Recuperação Econômica da Cafeicultura), em outubro de 1961, cuja atribuição era indenizar os cafezais que fossem destruídos para forçar uma diminuição do volume das safras e, em conseqüência, à elevação dos preços do produto no mercado internacional.10 A primeira fase do programa de erradicação teve curso entre julho de 1962 e agosto de 1966. Nesta fase, o GERCA oferecia Cr$15,00 por árvore cortada. Porém, devido aos altos índices de inflação no país, o programa não logrou grande êxito e 8 9 ROCHA, op. cit., p. 25, nota 6. Ib. Também SIQUEIRA, Penha. Industrialização e empobrecimento urbano: o caso da Grande Vitória 1950-1980. 1991. Tese (Doutorado em História). FFLCH/USP. p. 27. 64 apenas 22,4% dos cafeeiros foram arrancados, uma vez que o valor oferecido era fixo e foi violentamente corroído em pouco tempo. Contudo, entre agosto de 1966 e maio de 1967, o valor da indenização foi reajustado para Cr$400,00 ao mesmo tempo em que os preços da safra 66/67 eram fixados em níveis muito baixos, tornando ainda mais crítica a cafeicultura capixaba. Rocha assim explicou o resultado dessa política agrícola em terras espírito-santenses: Pretendia-se com isso e com o pagamento de indenização mais elevada, para as regiões mais produtivas, reduzir rapidamente a produção de café. (...) Acabou acontecendo o contrário, pois o maior índice de erradicação se deu nas regiões onde era menor a produtividade. O Espírito Santo constituiu caso extremo, pois erradicou-se mais do dobro da quantidade prevista e houve um crescimento de 246% em relação ao primeiro programa.11 Essa política provocou a erradicação de mais da metade da produção de café capixaba ou cerca de 71% de toda a área plantada12 - em São Paulo a redução foi de apenas 26,8% - atingindo em cheio as economias locais, como é o caso de Colatina, que era o maior município produtor de café do país no período, com produção média de 500.000 sacas anuais.13 Assim, os produtores preferiram erradicar suas plantações e receber uma indenização mais valorizada e poupar o esforço da colheita a vender a saca do café a um preço inferior. Rocha viu neste processo o meio encontrado para que os capitais aplicados na economia cafeeira fossem, na sua expressão, desmobilizados e libertos: (...) A política de erradicação veio fomentar a transformação da agricultura estadual libertando aproximadamente 50% do capital representado pelas plantações de café, que ganhou liquidez e certamente buscou outras formas de valorização.14 10 11 12 13 14 Ib, p. 25. Ib, p. 26. Em jun/62 o câmbio era US$1/Cr$367,00; em jun/66 US$1/Cr$2.220,00. Apenas entre os anos 1960-1970 o número de cafeeiros no Brasil passou de 447,6 milhões para 234,8 milhões de pés plantados, uma redução de 48%. ROCHA, Haroldo C. O grande capital predomina na expansão da economia capixaba. Revista do Instituto Jones dos Santos Neves. Vitória, out/dez de 1985. Também Cf. SIQUEIRA, op. cit. p. 27, nota 9. SILVA, op. cit. p. 291, nota 1. ROCHA, op. cit., p.26, nota 6. 65 As terras desocupadas dos cafezais passaram a ser utilizadas para pastagens; destacava-se ainda um plantio mais diversificado, em especial, do milho e do arroz dentro da diretriz do Plano Diretor do GERCA. A brusca mudança na produção agrícola fomentou um deslocamento das massas trabalhadoras rurais para a região da Grande Vitória que favoreceria o crescimento do setor urbano-industrial, ao mesmo tempo em que ocorria uma ampliação das camadas urbanas médias e baixas, demandando investimentos em infra-estrutura de serviços urbanos enquanto no interior do Estado também os núcleos urbanos cresciam em número e em população. A tabela 2-1 resume os dados dessa expansão no transcorrer da década de 1960: Tabela 2-115 Expansão e adensamento dos núcleos urbanos - 1960/70 Tamanho dos Censo de 1960 Censo de 1970 ∆ Núcleos Urbanos < 1.000 hab. Nº % 60-70 Nº % 108 65,9 +15 123 62,1 1.000 a 5.000 43 26,2 +8 51 25,8 5.000 a 20.000 7 4,3 +8 15 7,6 6 3,6 +3 9 4,5 164 100,0 +34 198 100,0 > 20.000 hab. Total Naturalmente que o processo de adensamento urbano que vinha ocorrendo desde o início da crise dos preços do café em 1854 agravaria o problema do abastecimento de energia. Diante dessa nova conjuntura sócio-econômica, as aspirações desenvolvimentistas das elites capixabas ganharam peso e criou-se no núcleo do governo a consciência da importância estratégica de o Espírito Santo explorar as vantagens de sua posição geográfica diante do quadro nacional e mundial atraindo para o seu território a sede e as plantas industriais de grandes empresas que impulsionassem a economia regional. Por isso, à medida em que a 66 crise dos preços internacionais do café16 - sobretudo os de tipos menos refinados destinados ao consumo popular - se intensificava, o Governo Lindemberg aos poucos se inclinava para as iniciativas industrializantes preconizadas pela Federação das Indústrias do Espírito Santo (FINDES). Na prática, o Governo do Estado foi incorporando em seu núcleo a participação de entidades corporativas que, a partir das diretrizes formuladas pelo Conselho Técnico da FINDES, passaram a elaborar de forma sistemática um projeto de industrialização integrada voltada para o mercado externo, fundamentada inicialmente em estudos sobre siderurgia, geografia industrial, agricultura industrial e no levantamento da realidade econômico-social do Espírito Santo.17 As maiores representações de interesses corporativos patronais foram oficialmente ligadas ao núcleo de planejamento do governo através do CODEC - Conselho de Desenvolvimento Econômico, criado pela Lei 1.613, de 10 de fevereiro de 1961, prática essa já bastante em voga no plano federal.18 Do Plenário do CODEC participavam o próprio governador e todos os secretários, os diretores-presidentes do Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo e da ESCELSA, e os representantes da FINDES, da Federação do Comércio, da Federação das Associações Rurais e do CREA, àquela época os elementos mais identificados com os interesses do desenvolvimento econômico e capazes de estudar e sugerir providências necessárias à coordenação da política econômica do Estado, particularmente no tocante ao seu desenvolvimento econômico; elaborar planos e programas tendentes a aumentar a eficiência das atividades governamentais e fomentar as mais convenientes ao desenvolvimento do Estado; opinar e oferecer sugestões ao Governador sobre a oportunidade de adoção de medidas legislativas ou administrativas sobre economia e finanças.19 15 16 17 18 19 SIQUEIRA, op. cit., p. 30, nota 9. Os dados da Tabela 2-1 estão em FIBGE. Apud: RODRIGUES, Lélio. A década de 1960. In: GOVERNO DO ESTADO (ESPÍRITO SANTO). As etapas do processo histórico de desenvolvimento sócio-econômico do Espírito Santo. Vitória: março/1975. Durante o curto governo de Jânio Quadros, as transações de câmbio de exportação de café ficaram sujeitas imposto de US$22.00 por saca, sendo o valor médio da saca, em 1961, de apenas US$41.80. Cf. SILVA, op. cit., p. 367, nota 1. Cf. A Gazeta, 22/05/59., p. 6. Apud. Ib, p. 360., nota 1. ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Lei 1.613, de 10 de fevereiro de 1961. Vitória: 1961. ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Lei 1.613, de 10 de fevereiro de 1961. Vitória: 1961. 67 Como resultado dessa política para o setor industrial capixaba, a sede da CVRD foi transferida para Vitória e um representante do Espírito Santo, Eliezer Batista, então seu superintendente no estado, foi conduzido à presidência da empresa, em abril de 1961. Ao mesmo tempo a CVRD, movida por recursos próprios e por empréstimos do BNDE e do EXIMBANK sob aval do Tesouro Nacional, aumentava sua participação no mercado exterior e, para capacitar-se, planejava ampliar sua produção de minério de ferro gradualmente, passando a 7, depois para 10 e daí atingir 15 milhões de toneladas em 1966 e 20 milhões de tonelada em 1970. Para isso, a empresa realizava obras de ampliação da capacidade de transporte na Estrada de Ferro Vitória-Minas remodelando 121 km de linhas e construindo outros 159 km e investindo na compra de locomotivas diesel-elétricas, vagões e equipamentos associados, aumentando não só a capacidade de carga como também a velocidade das composições ferroviárias. E para permitir um sistema harmônico de produção, transporte e embarque portuário a CVRD também investia em melhoramentos no Porto de Vitória, na construção do Porto de Tubarão (construído entre 1963 e 1966) e na construção da Usina de Pelotização CVRD I, para transformar minério de ferro em pellets siderúrgicos (concluída em 1969). Com essas obras, o Porto de Tubarão estaria capacitado para atracação de navios de 65.500 TDW e, em etapa posterior, de 100.000 DWT.20 Quanto ao investimento do projeto, os valores chegavam até Cr$59,9 bilhões (US$9,3 milhões) em 1963 e Cr$76,8 bilhões (US$34,6 milhões) em 1966.21 Também a Companhia Ferro e Aço de Vitória (COFAVI), estava em fase de ampliação da sua produção. A estatal tinha sido criada em 1942 e começou a operar em 1945 com um pequeno alto-forno a carvão vegetal que produzia até 40 ton/dia (12.000 ton/ano) de ferro-gusa, o que representou um momento marcante da siderurgia no Espírito Santo. Entretanto, a produção sofreu uma paralisação em 1952. No primeiro semestre de 1957, a COFAVI obteve a inclusão no Plano de Metas 20 21 Sigla para capacidade bruta da embarcação, expressa em toneladas (“Dead Weight Tonnage”). “Pellet” é o termo técnico para pelota de minério de ferro pronta para o processo de fundição e redução do carbono para a obtenção de ferro-fundido (em alto-forno) e do aço (em aciaria). BNDE. XIII Exposição sobre o Programa de Reaparelhamento Econômico. Exerc.1964. RJ. 68 do Governo JK de um projeto de financiamento da expansão de suas instalações siderúrgicas compreendendo a construção de um alto-forno de 250 ton/dia, uma aciaria de conversores a oxigênio de 100.000 ton/ano e uma laminação para 80.000 ton/ano de perfis médios e leves, orçado em US$22 milhões. Sendo os recursos disponíveis insuficientes para cobrir o projeto, em 1958 foi acertado um acordo de fornecimento com a Usiminas, produtora de aço, para o suprimento da laminação, o que permitiu à COFAVI estender seu planejamento de expansão por prazo mais dilatado. O projeto original da COFAVI foi, então, dividido em duas etapas num acordo de financiamento apresentado ao BNDE em junho de 1958. A primeira etapa visava o financiamento de US$15 milhões para instalação de uma pequena aciaria SiemensMartin que operaria com a sucata da laminação e o gusa do pequeno alto-forno existente e uma laminação para 100.000 ton/ano de perfilados leves que foi posteriormente ampliado para 130.000 ton/ano, e que seria abastecida em 80% com lingotes de aço fabricados utilizando a capacidade ociosa da Usiminas (mutuária do BNDE), até que a segunda etapa estivesse concluída. Em 13 de outubro de 1959 foi assinado o contrato para o início das obras da primeira etapa, denominada Usina de Cariacica, que só seriam inauguradas em fins de 1963. As obras consumiram Cr$300 milhões no contrato de 1959 e Cr$900 milhões num contrato aprovado em abril de 1963, totalizando Cr$1,2 bilhão (US$2 milhões) financiados, e mais Cr$14.820 bilhões (US$24,6 milhões) em participações societárias do Tesouro Nacional e do BNDE/FUNAI (Fundo Nacional de Investimentos, administrado pelo Banco) que controlavam cerca de 90% do capital social, além da participação acionária da CVRD, da Cia. Siderúrgica Nacional e da Ferrostaal A.G. da Alemanha.22 Esta última empresa tornou-se a maior acionista particular da COFAVI e assumiu todo o encargo do financiamento e fornecimento de material e equipamento importado; a Eisenbau Essen G.m.b.H., do mesmo grupo, 22 BNDE. XI Exposição sobre o Programa de Reaparelhamento Econômico. Exercício de 1960. RJ. Também: ROCHA, Haroldo C.; MORANDI, Angela M. Cafeicultura e grande indústria. A transição no Espírito Santo 195-5-1955. Vitória: FCAA, 1991. 168p.; A saga do Espírito Santo. Das caravelas ao século XXI. A Gazeta, Vitória, 17.02.2000. Suplemento Especial. 16p.; e COFAVI. Assim é a Ferro e Aço. [edição português/inglês]. [s.n.]. 69 elaborou todo o projeto. Essa produção contava ainda com fornecimento de matérias-primas da CSN, da ACESITA e da MANNESMANN, entre outras.23 Na segunda etapa estavam previstos a construção da Usina Siderúrgica Integrada, composta de alto-forno para produção de 700 ton/dia, uma aciaria de conversores a oxigênio para 250.000 ton/ano e um aumento de 50.000 ton/ano na capacidade da laminação que levaria à produção de 200.000 ton/ano.24 Esse complexo foi projetado pela empresa Arthur G. McKee & Co, dos EUA, para uma área de 15 km² na localidade de Ponta de Tubarão. A área fora adquirida em condomínio com a CVRD, onde seria construído o Porto de Tubarão e a Usina de Pelotização CVRD I, já mencionados, e a Usina de Pelotização CVRD II, inaugurada já na década de 1970. Assim, a COFAVI buscava incorporar-se a toda uma logística siderúrgicoportuária visando facilitar o acesso às matérias-primas e reduzir os custos de produção e de transportes para alcançar o mercado exterior.25 Os novos investimentos faziam crescer a necessidade de se construir novas fontes geradoras de energia elétrica, fomentando o embate em torno e da ausência de investimentos da CCBFE em usinas hidrelétricas, uma vez que desde a discussão do Plano de Metas o Espírito Santo tentava beneficiar-se com novos investimentos industriais.26 A nova orientação da política econômica espírito-santense, aproveitando-se da conjuntura nacional para conferir maior dinamismo à economia local, resultava do transbordamento da expansão industrial brasileira, que significou um crescimento médio anual da indústria de transformação capixaba de 14,9% entre 1959 e 1970.27 Esse crescimento implicava numa taxa de crescimento médio anual 23 24 25 26 27 COMPANHIA FERRO E AÇO DE VITÓRIA... Ib. BNDE. XIII Exposição sobre o Programa de Reaparelhamento Econômico. Exercício de 1964. RJ. Também BNDE, op. cit., nota 21. COMPANHIA FERRO E AÇO DE VITÓRIA. loc. cit. A segunda etapa da COFAVI jamais foi construída. Para aprofundamento sobre a Fábrica de Cimento de Cachoeiro, que optou pela autogeração de energia ler: BITTENCOURT, Gabriel. Espírito Santo: A indústria de energia elétrica 1889/1978. 2 ed. Vitória: IHGES, 1984.; e Id. A formação econômica do Espírito Santo (o roteiro da industrialização). Vitória: Cátedra, 1987. ROCHA, H.C., BUFFON, J.A., op. cit., p. 19, nota 7. Para estudo do conceito de transbordamento no desenvolvimento industrial nas principais economias capitalistas ver: DUTRA, Luiz Eduardo Duque. Dinâmica cíclica e crises periódicas no capitalismo: análise teórica e estudo do papel dos investimentos energéticos no Brasil entre 1970 e 1985. 1988. Dissertação (Mestrado em Economia). COPPE/UFRJ. 349 p. 70 do PIB total do Espírito Santo da ordem de 7,0% entre 1960-1970, enquanto as taxas médias para o Brasil foram de 6,0% ao ano no mesmo período.28 Assim, a conjunção de fatores tais como a inflação crescente a partir de 1960, a crise da cafeicultura com suas graves conseqüências sociais e a ausência de investimento em geração de energia por parte da CCBFE levou ao pico máximo as tensões entre o público consumidor, o Governo do Estado e a empresa. Ao Governo do Estado restara o papel de provedor da energia distribuída pela CCBFE e foco das pressões pela encampação da concessionária privada estrangeira. No mesmo contexto dessa expansão econômica e urbana outros projetos começavam a ser delineados no início dos anos 60, como a criação do campus da Universidade Federal do Espírito Santo e o lançamento de loteamentos e conjuntos habitacionais populares. Esse crescimento urbano e industrial também reforçava a posição central de Vitória como uma capital que extrapolava os limites territoriais capixabas, abrangendo parcela de Minas Gerais e Bahia para fins de oferta de serviços urbanos e mercado para bens de consumo. Penha Siqueira, estudiosa das mudanças no eixo econômico capixaba entre as décadas de 50 e 70, afirma que 28 RODRIGUES, op. cit. nota 15. 71 (...) traçando suas ações a partir de diretrizes do governo federal, o governo estadual consegue apoio para a montagem da infra-estrutura necessária, e viabiliza o processo de mobilização de poupanças nacionais e estrangeiras.29 É verdade que a entrada em operação da Usina de Rio Bonito em 1959 trouxe novo alento às aspirações da sociedade capixaba e seu governo por mais energia. Entretanto, nessa fase, os conflitos com a concessionária CCBFE sofreram um agravamento ainda maior pois a entrada da ESCELSA na produção de energia indicava para as camadas dirigentes e para os setores populares a possibilidade concreta de a empresa estatal atuar também na distribuição e de por termo à existência da CCBFE como a única concessionária para serviços de energia elétrica na área de Vitória e Cachoeiro de Itapemirim. Assim, a ESCELSA poderia carrear para as demais regiões do estado os investimentos necessários para ampliar a estrutura de serviços prevista para a região da Grande Vitória. O maior indicativo da estratégia de dependência da Central Brasileira em relação aos investimentos públicos se configurava no repasse “em grosso” que a ESCELSA lhe fazia da produção de Rio Bonito para ser distribuída em sua área de concessão. Paradoxalmente, a despeito do interesse geral na encampação da concessionária privada, essa dependência recíproca entre a CCBFE e a ESCELSA iniciaria uma fase de namoro entre as duas empresas.30 A própria localização geográfica das empresas facilitou uma proximidade entre elas. Enquanto a CCBFE mantinha escritórios no lado sul da Praça Costa Pereira, em prédio próprio onde também funcionava sua loja de recebimento de contas, a ESCELSA iniciou suas atividades na ala norte da mesma praça, em dois andares alugados no edifício IAPI, onde também funcionava o Hotel Canaã. Aí, no 3º andar, estava alojado o departamento de pessoal; no 7º ficava a presidência, a diretoria técnica, o departamento de engenharia de obras e a contabilidade. Na mesma região, a cerca de 200 metros, ficavam também a Usina Térmica de Vitória - a Convertedora - e a oficina/garagem de bondes da CCBFE, junto à rua 7 de Setembro. 29 SIQUEIRA, op. cit., p. 20, nota 9. 72 Porém, o cerne da discordância estava relacionado com os preços da energia repassada pela Central Brasileira aos consumidores. Os defensores da CCBFE/AMFORP alegavam serem os limites de remuneração dos investimentos no setor - fixados pelo Código de Águas de 1934 e pelo Decreto Lei 3.128, de 19 de março de 1941, os responsáveis por desmotivar o grupo norte-americano das inversões na ampliação e na modernização da geração e distribuição elétrica.31 Porém, um estudo comparativo que tivesse por objeto a remuneração dos investimentos estrangeiros no setor elétrico no Espírito Santo e no Brasil como um todo, fugiria ao escopo desta tese. As tarifas da CCBFE foram fixadas pela primeira vez através do contrato de concessão dos serviços entre o Governo do Estado e a General Electric. Essa concessão foi depois repassada à CCBFE,32 quando a tabela tarifária era expressa em mil-réis, a moeda brasileira que foi substituída em setembro de 1943 pelo Cruzeiro (1 Cruzeiro = 1 conto de Réis).33 Entretanto, os esforços para elucidar a forma como o valor das tarifas prejudicava a economia doméstica e as empresas capixabas na área de concessão da CCBFE e como ocorreu a evolução das tabelas tarifárias esbarraram na ausência de fontes da empresa e mesmo em publicações oficiais. Sabe-se, contudo, que houve uma revisão das tarifas iniciais ocorrida em 1935, logo após a promulgação do Código de Águas. Assim, para os objetivos desta tese, considera-se que as tarifas da CCBFE para iluminação e força eram relativamente elevadas frente àquelas praticadas por empresas congêneres no Brasil, tomando por base as indicações feitas por Bittencourt.34 Segundo este autor, o valor elevado das tarifas fazia com que uma empresa industrial de Cachoeiro de Itapemirim pagasse Cr$5.095,00 (US$22.77) o kilowatt-hora, enquanto em Minas Gerais seria cobrado 30 31 32 33 34 As expressões “namoro”, “noivado” e “casamento” foram largamente usadas em GONÇALVES, Catarina Czartoriska. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: Maio/2001. Esse referencial é seguido por BITTENCOURT, op. cit., nota 26. Escriptura Publica de contracto de compra e venda com concessão de direitos, que entre si fazem a Companhia General Electric S.A. e o Governo do Estado do Espírito Santo, registrada em Vitória/ES no Cartório de Wlademiro Silva Santos, Livro 23, fls. 28v a 53v. TEIXEIRA, FRANCISCO M. P., TOTINI, Maria Elizabeth. História econômica e administrativa do Brasil. 4 ed. SP: Ática, 1994. BITTENCOURT, loc. cit. 73 Cr$1.130,00 (US$5.05), no Rio de Janeiro Cr$2.180,00 (US$9.74) e em São Paulo Cr$2.500,00 (US$11.20) pela mesma energia.35 Dessa maneira, o custo elevado da eletricidade fornecida pela CCBFE na composição das atividades comerciais e industriais e os cortes constantes no fornecimento geraram uma campanha de protestos nas cidades servidas pela Central Brasileira. Em Vitória e em Cachoeiro de Itapemirim, principais concentrações de indústrias do estado, sucederam-se campanhas populares organizadas para forçar as tarifas para baixo e levar o Estado ao controle acionário da CCBFE. Em Cachoeiro de Itapemirim a campanha envolvia do povo, industriais, comerciantes e agricultores [que] organizaram uma comissão encarregada de lutar pelo barateamento da energia elétrica na cidade, objetivando equiparação de preços aos Estados circunvizinhos, servidos por energia muito mais barata.36 (...) elementos Nesta cidade, onde o preço da energia e a insuficiência do abastecimento eram tomados como fatores desestimulantes do estabelecimento de novos negócios, a campanha popular buscou levar esclarecimentos do alto custo das tarifas aos consumidores domésticos e organizá-los em um boicote ao pagamento das contas vincendas a partir de 1º de janeiro de 1960. Temendo que a campanha se alastrasse por outros municípios a CCBFE negociou, propondo retornar à tabela de 1959 caso os preços da energia produzida na Hidrelétrica de Rio Bonito fossem também reduzidos pela ESCELSA, permitindo manter sua margem de lucros. Tal proposta não foi aceita pela população e a negociação não prosperou. Ao mesmo tempo o movimento pela encampação da CCBFE liderada pelo deputado do PSD de inclinação nacionalista, general de exército José Parente Frota, organizava piquetes em frente ao posto arrecadador da CCBFE na Praça Costa Pereira, no Centro da capital, para impedir o pagamento das contas da empresa com o apoio do próprio sindicato dos trabalhadores da CCBFE. Ante o crescimento do boicote e da adesão de deputados, sindicatos, do arcebispo de Vitória e mesmo de 35 Ib, p. 88. 74 empresas do porte e tradição da Chocolates Garoto S/A, de Vila Velha, que ameaçava transferir-se para São Paulo para reduzir os custos de produção, a Central Brasileira finalmente concordou em reduzir suas tarifas para os consumidores domésticos e industriais. Mas essas reduções tarifárias só foram possíveis graças à redução em 50% no preço da energia produzida pela ESCELSA.37 Apesar do sucesso dessas campanhas populares, ficava nos setores sociais envolvidos a certeza de que seriam necessários esforços ainda maiores para que o Espírito Santo resolvesse definitivamente o problema da energia elétrica. Para os nacionalistas, a única medida eficaz seria a desapropriação da CCBFE pelo Poder Público e a transferência dos seus bens e serviços à ESCELSA.38 Entretanto, o debate acerca do problema das tarifas e da ausência de investimentos em expansão da produção de energia hidrelétrica pela CCBFE não poderia escapar do debate que em nível nacional se dava entre os setores defensores de um projeto nacional-desenvolvimentista nos moldes do modelo varguista e aqueles que defendiam a abertura da economia nacional aos investimentos de capital estrangeiro, sobretudo nos serviços públicos, como forma de acelerar a internacionalização da economia e superar os entraves ao crescimento industrial. Como é de se esperar, a discussão não deixa de influenciar as opiniões sobre a verdadeira natureza dos protestos contra a política de tarifas da CCBFE. Entre as pessoas entrevistadas, Catarina Czartoriska Golçalves, ex-funcionária da ESCELSA, de origem polonesa, é de opinião que os setores nacionalistas, sobretudo os de inspiração comunista, estavam na origem dos protestos, cujo fulcro era a nacionalidade da empresa e a desconfiança de que a mesma praticava a expatriação dos lucros sem os investimentos correspondentes em geração: (...) eles protestavam que a luz tava cara, que eram estrangeiros, essas coisas assim (...) O protesto maior era justamente por que a Companhia era estrangeira. Tavam 36 37 38 Ib, p. 87. Ib, p. 90. “...diretrizes mencionadas pela Comissão constituem meros paliativos para problemas de eletricidade, a verdadeira solução só poderá vir com a criação de uma ELETROBRÁS com monopólio estatal, a exemplo da PETROBRÁS.” Comitê Nacionalista de Cachoeiro de Itapemirim, Correio do Sul, 04/12/1959. Nota Oficial. Apud. BITTENCOURT, op. cit., nota 26. 75 achando que o dinheiro estava saindo do Brasil pro exterior.39 Já para Nilton Pimenta, além da ação organizada de sindicalistas, os piquetes organizados na Praça Costa Pereira, na porta da CCBFE, reuniam também empresários sem escrúpulos interessados em aproveitar o boicote para postergar o pagamento das contas de energia.40 Assim, observa-se nos embates protagonizadas entre a sociedade capixaba e a CCBFE entre as décadas de 50 e 60 todos os elementos que permeavam a mesma discussão no país: interesses políticos e econômicos somados ao clamor da sociedade pela redução do custo de vida e contra a inflação e a influência das concepções modernizantes do pós-Segunda Guerra sobre o modelo urbano-industrial e no consumo de massa da classe média no Brasil. Tudo isso mediado pela luta ideológica entre a direita e a esquerda e pela Guerra Fria, no plano externo, e no plano interno focada principalmente na questão da participação direta do Estado na economia. Opinião “técnica” manifestou o engenheiro-eletricista da CCBFE, Clodoaldo Ewald, para quem a ausência de investimentos em energia hidráulica fazia com que a CCBFE deixasse de acompanhar a demanda por energia, tornando-se superada já ao longo dos anos 50: (...) o nosso equipamento era todo obsoleto. Eu, por exemplo, tinha essa consciência.41 E ainda A população sentia que havia sempre o estabelecimento de uma geração provisória, ou térmica, com motores de 1000 kW. E foi quando fizeram pressão sobre o governo e o governo montou Rio Bonito e nós passamos a comprar de Rio Bonito (...).42 39 40 41 42 GONÇALVES, Catarina. 2001. Entrevista... p.3. PIMENTA, Nilton. Maio de 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro., p. 9. EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: Maio/2001. p. 18. EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista..., p. 4. 76 Nesse caso, como a população percebia a defasagem técnica do parque produtivo da CCBFE, as pressões se davam sobre o governo para que construísse um caminho alternativo para a geração sob controle estrangeiro, o que redundou na criação da ESCELSA e na construção da Usina de Rio Bonito e de Suiça. Assim, para a indústria de energia elétrica capixaba, foi com a inauguração de Rio Bonito, fornecendo sua energia à CCBFE, que se iniciou o período de “namoro” entre a ESCELSA e a CCBFE, ocasião que traduz ainda o início da passagem de uma matriz energética de base térmica para a de base hidráulica sob controle público estatal no Espírito Santo. Mesmo assim, o acordo de fornecimento da ESCELSA à CCBFE não parece ter sido pensado com antecipação já que até 1958 a CCBFE investia ainda em geração termelétrica. Na Usina Termelétrica de Vitória, no Centro da capital, após as três unidades geradoras existentes até 1952, outras quatro foram sendo paulatinamente instaladas em 1955, 1956, 1957 e em 1958, com as mesmas características técnicas da primeira unidade, instalada em 1927. Ou seja, uma geração final de 1000 kW de potência em freqüência de 50 Hz por unidade, com turbina GM e gerador Elliot de 1250 KVA, acionadas por motor diesel. Ao fim da década de 1950, a “Convertedora” - a Usina Termelétrica de Vitória - produzia potência nominal de 7.000 kW destinados à capital e adjacências. Em Cachoeiro de Itapemirim, também em 1958, a CCBFE instalou a Usina Termelétrica de Cachoeiro de Itapemirim, com 2 unidades geradoras semelhantes às de Vitória.43 Estudos da urbanização de Vitória mostram que já no período 1937 a 1942, quando a capital foi governada por Américo Monjardim, as áreas do “arrabalde” de Praia Comprida, Praia do Suá e Santa Lúcia, projetadas desde o fim do século anterior por Saturnino Brito,44 eram consideradas urbanas pela municipalidade. Ao mesmo tempo, “povoação de Goiabeiras”, mais ao norte, apesar de muito próxima destas, era considerada suburbana, e Camburi, junto ao mar, era ainda tida por zona 43 44 CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE. Usinas de Energia Elétrica no Brasil 1883-1999. RJ. CAMPOS JÚNIOR, Carlos Teixeira de. O Novo Arrabalde. Vitória: PMV, 1996. A conformação de uma concepção de planejamento e saneamento do espaço urbano das cidades brasileiras desenvolvida no Clube de Engenharia em fins do século XIX é apresentada HONORATO, Cezar T. (Org.). O Clube de Engenharia nos momentos decisivos da vida do Brasil. RJ: Venosa/CE, 1996. 77 rural. Contudo, o isolamento dessas áreas em relação ao Centro não foi obstáculo para que desde o fim da década de 1920 a empresa Camburi, de Hostino Ximenes de Oliveira, tivesse lançado ali o Loteamento Camburi. Esse empreendimento, destinado a transformar os mangues de Camburi num lugar aprazível de se morar faliu e o mercado de lotes naquela área da cidade só veio a deslanchar nos anos 50, exatamente favorecido que foi pela expansão do mercado de terras urbanas na área continental da ilha-capital.45 Afinal, desde 1933, o Espírito Santo tornara-se o terceiro maior produtor de café do país46 e muitas famílias de fazendeiros de café do interior adquiriam imóveis em Vitória. Quanto ao incremento dos negócios do comércio, serviços e pequena indústria urbana, entre o final dos anos 30 e início dos anos 40 houve um incremento de investimentos privados que acompanhavam os planos municipais visando a transformação do antigo Centro numa área compatível com o surgimento de indústrias e atividades comerciais e a expansão urbana para as áreas suburbanas ao norte de Vitória. Sobretudo as modificações na avenida Jerônimo Monteiro, principal artéria viária do Centro da cidade promovidas na administração 37-42 propiciaram as construções dos primeiros edifícios comerciais privados na capital.47 E para consolidar a função de estratificação social e econômica desses novos espaços o trajeto entre o Centro da cidade e os bairros Jucutuquara, Maruípe, Praia Comprida e Bomba, onde atuavam os bondes da Central Brasileira, era também servido por linhas de auto-ônibus, caracterizando uma concorrência com a CCBFE dentro de sua própria zona de concessão exclusiva para serviços de transportes públicos sobre trilhos.48 Embora circunscritas ao município de Vitória, tais alterações 45 46 47 48 MENDONÇA, Eneida Maria Souza. (Trans)Formação planejada de territórios urbanos em Vitória (ES): o bairro de Camburi. 1995. Tese (Doutorado em Arquitetura). FAU/USP. A autora demonstra que o comércio de lotes na Praia Comprida passou pela seguinte evolução: 10 lotes vendidos na década de 1910; 108 na década de 1920, 99 na década de 1930 e apenas 6 durante os anos de 1940. Porém, indica ter havido uma recuperação das vendas a partir da década seguinte graças à superação das dificuldades comerciais geradas pela Guerra. BORTOLINI, Fernanda Vulpi. A verticalização residencial em Vitória, uma questão de classe. 2001. Monografia (Graduação em Arquitetura). NAU/CA/UFES. MENDONÇA, op. cit., p. 37. A expansão urbana e industrial nas áreas de manguezais junto à ilha de Santa Maria, Monte Belo e Jucutuquara, entre os anos 20 e 50 foi descrita em: VENTORIM, Luciano; PROTTI, David. Ilha de Santa Maria e Monte Belo. Vitória: PMV, 1993. MENDONÇA, Eneida Maria Souza. op. cit., p. 36., nota 45. 78 dos serviços públicos caracterizaram um conjunto de mudanças no espaço físico urbano da região mais abrangente, sobre influência da Capital. No bojo dessas transformações urbanas concebidas a partir do Centro da cidade e outras encetadas no pós-Guerra e na década seguinte, surgiram vários empreendimentos que, por si, demandavam um aporte de investimentos em infraestrutura de energia elétrica tais como o Aeroporto Vitória, projetado em 1943 e concluído três anos depois, o aterro para a expansão da zona comercial em prédios de 8 a 12 andares na região beira-mar denominada Esplanada da Capixaba, o Loteamento Camburi – parte do bairro atualmente conhecido por Jardim da Penha – e um outro loteamento de 1.388.688 m² na área continental de Vitória, limitado pela canal da Passagem, pela estrada do aeroporto e pelo mar, todos do início dos anos 50.49 A tabela 2-2 mostra a evolução do crescimento populacional da Grande Vitória no período 1940-1960: 49 As primeiras edificações neste bairro foram os armazens do Instituto Brasileiro do Café, em área de 27.661 m², adquiridos em 1960. Cf. Ib. p. 41. Sobre a expansão urbana e verticalização de Vitória, ler também: CASAGRANDE, Braz. Vitória 1900-1965: uma história a partir da legislação. 1998. Relatório de Atividades (Iniciação Científica) NAU/CA/UFES/CNPq.; Id. A cidade se redesenha. 1999. Relatório de Atividades (Iniciação Científica). NAU/CA/UFES/CNPq.; MENDONÇA, Eneida M. S. et al. Levantamento documental sobre urbanismo e planejamento urbano no Brasil: 1900-1965. 1999. Sub-projeto (Arquitetura).NAU/CA/UFES/CNPq.; BORTOLINI, op. cit., nota 46; PEREIRA, Maressa Corrêa. Transformações urbanas: uma investigação sobre o percurso dos investimentos públicos e o processo de verticalização em bairros residenciais de Vitória. 2002. Relatório de Pesquisa (Iniciação Científica). PIBIC/CNPq/UFES. 79 Tabela 2-250 1940 1950 variação % 1960 variação % 15.228 21.741 42 39.608 82 7.661 5.896 -29 6.571 11 Vila Velha 17.054 23.127 35 55.589 140 Vitória 45.212 50.922 12 83.351 63 85.155 101.686 19 185.119 82 Cariacica Viana Convém observar que a paisagem urbana de Vitória transformava-se a começar pela ocupação de novas áreas próximas ao mar, como a Praia Comprida, área considerada “nobre” e preferida pela classe média alta para a construção de casas de descanso e veraneio. Tal expansão urbana gerava acréscimo do consumo de energia elétrica, uma vez que era acompanhada da expansão dos empreendimentos econômicos e hábitos de consumo de bens eletrodomésticos na área de concessão da CCBFE. E o crescimento da demanda colocava em colapso o sistema de revezamento do fornecimento de eletricidade a todos os bairros. Isso forçava a CCBFE a fazer novos investimentos em geração, ainda que de forma emergencial para justificar-se à sociedade e ao governo de forma a que não desse margem jurídica à perda da concessão. Assim, seja devido à crise que desde a segunda metade dos anos 50 se instala na produção cafeeira levando contingentes de capixabas da zona rural para a região da Grande Vitória, seja pela expansão comercial verificada nas áreas urbanas e pela incorporação de áreas suburbanas mais valorizadas ao mercado imobiliário, os dados populacionais do período demonstram um crescimento da região que envolvia a Capital e os municípios vizinhos de Vila Velha, Cariacica e Viana da ordem de 117%, entre 1920 e 1960. Esse crescimento, principalmente concentrado entre os anos 1950 e 1960 (82%) na principal região consumidora de energia elétrica domiciliar e de iluminação de logradouros públicos, bem indica um importante fator para a 50 Tabela produzida a partir de dados do IBGE, ESET/ES, 1992. Apud. MENDONÇA, op. cit., p. 20., 80 intensidade das manifestações de rua que se verificou contra os serviços de energia elétrica prestados pela Central Brasileira, colocando a nu a defasagem cada vez mais acentuada da capacidade geradora das usinas térmicas e hidrelétricas da empresa. Por isso, tendo a inauguração de Rio Bonito representado um acréscimo de cerca de 70% sobre a capacidade instalada da produção de energia elétrica no Espírito Santo, o funcionamento do planejado sistema elétrico estadual não deixava ao Estado outra alternativa senão prover a concessionária estrangeira da energia da ESCELSA para que pudesse utilizar a sua rede de distribuição; à CCBFE não havia melhor alternativa senão unir-se à empresa geradora estadual num “namoro” – nas palavras de Catarina Gonçalves, de maneira a dar tempo para que o Governo do Estado e a CCBFE/AMFORP diluíssem as pressões que sofriam, muito embora a CCBFE se mantivesse numa posição mais confortável pois detinha o controle da transmissão e da distribuição da eletricidade, bem como das tarifas. Enquanto isso, o Governo do Estado estudava alternativas para o “gargalo” energético daqueles anos conturbados. Naturalmente que, diante desse quadro complexo, a atenção do Governo do Estado de novo se voltaria para a continuação das obras da Usina de Suíça, a segunda das usinas previstas no plano do Governo Jones. Os primeiros estudos para a construção de Suíça foram feitos ainda em 1951-1952 para compor o Plano Estadual de Eletrificação. Em 1954, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) fez novos levantamentos no local de acordo com um convênio firmado com o Governo do Estado. Com base nesses estudos, o aproveitamento do potencial hidráulico foi concedido à ESCELSA pelo Decreto Federal 40.143, de 16 de outubro de 1956. Contratado no governo de Chiquinho e com Asdrúbal Soares à frente da empresa, o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Suíça ficou pronto em março de 1958. Foi preparado pela Ecotec - Economia e Engenharia Industrial S/A, com a cooperação da Companhia Internacional de Engenharia e Construções, responsável pelo projeto de obras civis, e das empresas ESSE - Escritórios de nota 45. 81 Serviços de Engenharia Ltda., Hidrologia Comercial Ltda., e Sondotécnica Engenharia de Solos S/A, empresas largamente envolvidas em serviços desta natureza.51 Iniciadas em 1960 - já no Governo Carlos Lindemberg - as obras de Suíça estavam previstas para serem executadas em 2 etapas. Na primeira, estava a construção da barragem de concreto com comportas de setor, com 17 metros de altura e 130 metros de comprimento de crista e reservatório de regularização para 900.000 m³, já que também contaria com o reservatório de Rio Bonito, localizado a montante, com capacidade para 28.000.000m³. A casa de força abrigaria duas unidades geradoras com 15.030 kW de potência cada, com turbinas Francis/Voith de 20.400 CV e geradores Telefunken de 16.700 KVA cada, sendo uma operante em 50 Hz. A capacidade de geração total nominal era de 30.060 kW.52 Na segunda etapa seria necessária a construção do reservatório de Timbuí Seco (entre Rio Bonito e Suíça), de capacidade mínima de 18.000.000 m³. Entretanto, para que fosse atingida a capacidade final plena de 60.000 kW previa-se uma produção térmica complementar, a ser ainda projetada, já que as descargas pluviais na região, medidas de 1934 a 1957, possibilitavam obter esta produção de energia em apenas 50% do ano.53 A forma como Lindemberg enfatizava a necessidade de novos recursos não deixa dúvidas sobre a necessidade premente de consolidação do sistema elétrico estadual e sua posição estratégica no planejamento econômico do Estado O progresso da ESCELSA está ligado ao progresso do Espírito Santo de modo constante e indissolúvel: são dois organismos em simbiose, em permanentes trocas de elementos de vida recíprocamente necessárias e inseparavelmente unidos.54 A confiança do governador baseava-se no plano de captação de recursos para a ESCELSA elaborado pela Secretaria de Viação e Obras Públicas - tendo à frente o 51 52 53 54 No Espírito Santo, são várias as participações das empresas em obras referidas em CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Usinas de Energia Elétrica no Brasil 1883-1999. RJ. CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Usinas... BNDE. XIII Exposição..., nota 21. ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1959-1962: Lindemberg). Mensagem N.G./1969/60, de 18 de outubro de 1960. Vitória: [s.n.], 1960. Transformada na Lei 72/60. 82 Engenheiro Asdrúbal Soares - e pela própria empresa, através de seu presidente, Haroldo do Paço Mattoso Maia. Primeiramente, o governo fez aprovar a Lei 72/60 que autorizava o Estado a elevar para Cr$1.500.000.000,00 (US$8,064,500.00) sua garantia para que a ESCELSA contratasse financiamentos para a construção da Usina de Suíça no exterior, como o que foi fechado com a AEG-Berlim, no valor de 4,4 milhões de marcos alemães em outubro de 1961 e de 6 milhões em agosto de 1962. A transação fortalecia a empresa dotando-a de vida financeira mais sólida, através da intermediação do Estado. Desde 20 de fevereiro de 1961 o capital social da ESCELSA fora elevado de Cr$300.000.000,00 (US$1,340,780.00) para Cr$1.000.000.000,00 (US$4,470,000.00), aumento esse subscrito integralmente pelo Estado e composto por 450.000 mil ações ordinárias e 250.000 ações preferenciais no valor nominal de Cr$1.000,00 (US$4.47) cada. Para honrar o compromisso acionário, o Governo do Espírito Santo destinou os recursos da Taxa de Eletrificação, instituída pela Lei Estadual 1.088, de 30 de agosto de 1956, para integralizar 30% do valor nominal das 250.000 ações preferenciais que subscrevia. Com base no Decreto Federal 50.104, de 26 de janeiro de 1961, o BNDE obrigava-se a adquirir todo esse lote de ações numa operação casada, com garantia de dividendos de 8% ao ano. Depois, o Governo do Estado requereu, ao final de 1961, autorização da Assembléia Legislativa para vender as ações da ESCELSA que excediam o limite de 51%, a fim de atrair novas fontes de recursos financeiros e viabilizar as obras de Suíça. Na esfera federal, o governo valeu-se do Decreto Federal 50.104, de 26 de janeiro de 1961, combinado com a Lei Estadual nº 1669, de 3 de janeiro de 1962, que permitia ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) comprar até 250.000 mil ações preferenciais da ESCELSA com direito a voto por Cr$250.000.000,00 (US$795,545.00), utilizando os recursos provenientes do Fundo Federal de Eletrificação e tornando-se também um acionista da empresa. Além disso, solicitou autorização do Poder Legislativo para que a CVRD se tornasse sócia da ESCELSA através da compra de ações no valor Cr$ 90.000.000,00 (US$286,400.00) 83 dando uma (...) ajuda substancial destinada à execução do seu programa de eletrificação.55 Pronta a sustentação legal, o governo estadual formulou imediatamente as bases para a participação financeira e acionária do BNDE através de dois caminhos distintos e complementares. O primeiro foi a celebração de um contrato de financiamento entre o BNDE e a ESCELSA com interveniência do Governo do Estado para a aplicação de Cr$250.000.000,00 (US$681,198.00) do Fundo Federal de Eletrificação,56 firmado em 4 de julho de 1962. O segundo procedimento foi um contrato de compra e venda das ações da ESCELSA pertencentes ao Estado do Espírito Santo para o BNDE. Os recursos provenientes da transação deveriam ser investidos no projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Suíça, no Rio Santa Maria, garantindo o aporte necessário de recursos financeiros. O BNDE repassava à ESCELSA, por conta do Estado, a quantia de Cr$75.000.000,00 (US$200,000.00) destinada à integralização parcial de 30% (135.000) das 450.000 ações que foram subscritas pelo Estado e Cr$175.000.000,00 (US$476,000.00), valor correspondente a 70% do valor nominal das 250.000 ações que o Banco adquiria do Estado. Ou seja, o BNDE, autorizado pelo Decreto-Lei 50.104/1961, comprava do Governo do Estado as 250.000 ações preferenciais com direito a voto que este detinha do capital social da ESCELSA por um dividendo mínimo e cumulativo de 8% ao ano, calculado sobre o valor nominal de Cr$1.000,00 (US$2.70) cada uma, integralizando-as em 30%. Enquanto isso, o BNDE também assumia o pagamento diretamente à ESCELSA da parcela correspondente à 55 ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1959-1962: Lindemberg). Mensagem enviada à Assembléia Legislativa em 7 de dezembro de 1961. Protocolo 1857. Vitória: [s.n.], 1961. 56 Contrato de Financiamento nº FFE-10 – Acordo celebrado entre o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Espírito Santo Centrais Elétricas S/A (ESCELSA) com Interveniência do Estado do Espírito Santo – Objeto: Aplicação de Recursos do Fundo Federal de Eletrificação. Valor: Cr$250.000.000,00. DOEES, Vitória, 28.08.1962. p. 4-5. 84 integralização dos 70% restantes do valor dessas ações, que deveriam ser integralizadas no curso do ano de 1962.57 Entretanto, como o BNDE adiantara à ESCELSA o valor de Cr$100.000.000,00 (US$272,000.00) este valor haveria - por força do Contrato de Compra e Venda - de ser descontado da parcela de 70% do valor remanescente das ações adquiridas, e remunerado com juros de 12% ao ano. Pouco depois o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, ao apreciar os termos do Contrato, baseou-se na Lei Estadual 1.557, de 1960, que modificou o Art. 3° da Lei estadual 1.755, de 1953, para indicar que os juros contratados e aprovados ad referendum da Assembléia Legislativa fossem baixados para 10% ao ano. Tal indicação foi acatada posteriormente pela Assembléia Legislativa, que a aprovou através da Lei Estadual nº 1.817, de 30 de janeiro de 1963.58 As dívidas seriam as que já haviam sido contraídas anteriormente em decorrência do Contrato de Financiamento nº 181, de 21 de outubro de 1960, ou mesmo futuras, que a empresa viesse a contrair com o Banco, obrigando o Estado a caucionar ao Banco (...) tantas ações com direito a voto, que possui no capital social da ESCELSA, quantas sejam necessárias para assegurar ao Banco o controle desse capital, obrigando-se a caucionar estas ações tão logo estejam integralizadas em 30% (trinta por cento) de seu valor.59 Assim, além de assumir o controle do capital acionário votante o BNDE, através dessa transação com a ESCELSA com a interveniência do Governo do Estado firmava-se no Contrato nº 181/1960, e outros contratos futuros, para forçar o Estado do Espírito Santo a assumir o compromisso de repassar mensalmente até o final do dívida da ESCELSA com o Banco ...o produto da arrecadação da Taxa de Eletrificação criada pela Lei nº 1.088, de 30 de agosto de 1956.60 57 58 59 60 Instrumento Particular de Compra e Venda de Ações Celebrado entre e pelo Banco Nacional do desenvolvimento Econômico e o Estado do Espírito Santo, com a interveniência da Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. DOEES, Vitória, 28.08.1962. Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo. Cx. 38 – Ord. 10. Instrumento Particular de Compra e Venda de Ações... Contrato de Financiamento nº FFE-10. 85 Além disso, através do BNDE, o governo federal obrigava a ESCELSA a providenciar os anteprojetos das Usinas de Timbuí Sêco e Santa Leopoldina e o exame do regime operativo dessas unidades produtivas com as de Rio Bonito e Suíça e de (...) eventual usina térmica de apoio tendo em vista razões técnicas e econômicas e baseando-se em estudos hidrológicos completos do Rio S. Maria.61 Essa exigência, vinda do âmbito federal através do BNDE, demonstra a intenção de que fosse explorado o potencial hidrelétrico do território capixaba e a intenção de maximizar seu aproveitamento dentro de uma concepção sistêmica dos serviços de eletricidade sem, no entanto, descurar da necessidade de investimentos concomitantes em geração térmica. Porém, o BNDE também exigia que a ESCELSA – e por extensão, o governo estadual – promovesse entendimentos com a Cia. Central Brasileira de Força Elétrica para que a mesma mantivesse o nível de produção diesel-elétrica em sua zona de concessão até que a Usina Suíça entrasse em operação e que a ESCELSA não assumisse o compromisso de operar outras usinas enquanto Rio Bonito e Suíça não entrassem em efetiva operação.62 O contrato FFE-10 também obrigava a ESCELSA a seguir a orientação do BNDE quanto a reajuste de tarifas, tomando as providências cabíveis para reajustálas, enquanto o Estado era obrigado a subsidiar o quantum e o período de reajuste que viesse a ser fixado pelo Banco. Para isso, havia disponibilidade de recursos para investimentos de investimentos de longo prazo pois, em nível federal, o governo havia reforçado os fundos do programa de eletrificação através de reforma tributária e lançado uma operação de subscrição obrigatória sobre os consumidores de energia elétrica. Os recursos para financiamento do BNDE haviam sido ampliados através de um empréstimo adicional sobre o imposto de renda para a criação do Fundo Nacional de Investimentos.63 61 62 63 Contrato de Financiamento nº FFE-10. Contrato de Financiamento nº FFE-10. LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 150. 86 Assim, percebe-se que o grosso da captação de recursos financeiros dava-se através de mecanismos que implicavam em poupanças internas destinadas às empresas estatais. Ao mesmo tempo, pode-se também inferir que as empresas privadas beneficiavam-se indiretamente desses mecanismos de poupança forçada obtidos a partir dos índices de inflação que incidiam sobre os preços de seus produtos e serviços.64 Em meados de 1961 a ESCELSA era menor que a CCBFE já que concentravase apenas na geração elétrica, ao contrário da CCBFE que atendia à transmissão e distribuição de energia, além dos serviços de geração térmica, bondes e lanchas. Além de seu corpo de empregados permanentes havia também os trabalhadores temporários, contratados para as obras de construção de linhas de transmissão. Como a maior parte dos cerca de 290 funcionários da ESCELSA ficava na obra de Suíça ou no campo, a empresa podia funcionar, inicialmente, em espaço exíguo no Centro de Vitória. O tamanho da empresa, seu ramo de atividade bem como sua organização interna favoreceram um envolvimento pessoal entre todos os empregados, beneficiando os projetos da ESCELSA. Segundo a funcionária ingressa na empresa em 1963: (...) nessa época, no tempo em que eu entrei, era todo mundo muito engajado, dedicado. Era uma empresa muito pequena, uma coisa quase familiar.65 A empresa também procurou formar quadros técnicos e executivos capacitados para a sua expansão, como Geraldo Pinheiro de Barros, Helvécio de Matos, Luiz Moreira Barbirato e Ery Carneiro que na obra da Usina de Suíça, trabalhavam sob a chefia de Nelson Monjardim Faria Santos. Esse engenheiro fora indicado também para a função de diretor técnico da ESCELSA por força da Cláusula Oitava do Contrato BNDE/ESCELSA (FFE-10), que previa ainda a indicação pelo banco de um dos três membros do Conselho Fiscal da empresa.66 Dessa maneira, configurava-se um controle bastante efetivo do BNDE nos negócios da ESCELSA e 64 65 66 IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil. RJ: Civilização Brasileira, 1986. RANGEL, Madalena de P. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: Maio/2001. p.3. As dificuldades de acesso à documentação dos arquivos da ESCELSA atual não permitiram uma análise sobre a atuação desses técnicos na empresa. 87 nas decisões do Governo do Estado do Espírito Santo na empresa, já que todos os atos que importavam direitos ou obrigações para a empresa tinham de ser, por força da mesma cláusula, assinados conjuntamente pelo presidente e pelo diretor técnico.67 Ou seja, embora fosse autônoma enquanto expressão de uma política de fomento à implantação de indústrias promovida pelo Governo do Estado, era subordinada ao controle do governo federal através do BNDE. A ESCELSA prosseguiu fortalecendo-se em suas feições de provedora da energia necessária ao desenvolvimento do Espírito Santo “moderno”. Enquanto cresciam os protestos e a pressão política pela desapropriação da CCBFE, surgia uma consciência da sua importância estratégica para a modernização e para o crescimento da economia capixaba. Isso criava uma motivação especial entre os seus empregados. Para a ex-chefe do Departamento de Pessoal da ESCELSA: Todos trabalhavam a contento, não se via ninguém brigando, não se via ninguém protestando, trabalhava-se satisfeito.68 A ex-funcionária relata em sua própria experiência profissional o espírito solidário existente na empresa nos primeiros anos de sua criação: Olha, desde que eu entrei na ESCELSA, desde que ela era do Estado até me aposentar, o salário nunca atrasou 1 dia. Primeiro, que eu tomava conta da “porteira”, então nunca deixei atrasar. Eu ia prá o Hotel Imperador passar o final-desemana com a folha de pagamento da ESCELSA debaixo do braço, para calcular. Enquanto meus filhos estavam brincando, meu marido dormindo, minha mãe também, eu ficava trabalhando lá na folha de pagamento para não atrasar.69 Situação diferente vivia a Central Brasileira naqueles primeiros anos da década de 1960, os mais turbulentos de sua história, por ter contra si a opinião pública, seus próprios empregados, as entidades sindicais de trabalhadores, empresários e mesmo membros do próprio Governo do Estado e partidos que lhe davam sustentação política. E ainda por estar na “contramão” do eixo dinâmico da 67 68 69 Contrato de Financiamento nº FFE-10. GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista..., p.4. GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista..., p. 12. 88 economia do Espírito Santo, que transitava da agroexportação para uma economia de base industrial sob a iniciativa do Estado. Os funcionários da Central Brasileira, sobretudo os chefes mais antigos, vacilavam entre “vestir a camisa” da empresa e a opção pelo “progresso” representada pela iniciativa do Estado, que implicava em acabar de vez com a dicotomia existente entre os negócios privados e o interesse público nos serviços de energia elétrica. Isso se daria através da encampação da CCBFE e o fortalecimento da ESCELSA. Nas palavras do engenheiro Clodoaldo Ewald, que entre 1962 e 1964 ocupava o cargo de superintendente técnico da CCBFE, o elemento que mais sobressai quando trata do período é a angústia de quem entendia a defasagem técnica da empresa ao mesmo tempo enxergava que sua situação chegara aos estertores: (...) na condição de cidadão, evidentemente, nós éramos... éramos favoráveis. Eu como engenheiro da Central vestia a camisa da Central Brasileira, não podia dar opinião nenhuma. Na condição de cidadão a gente tinha esperança de que agora sim, agora ia se desenvolver a indústria no Espírito Santo, os sistemas iam se expandir, etc.70 Mas os problemas com a CCBFE continuavam se agravando numa época em que crescia não só a demanda por mais energia como também eram requeridas as mudanças no suprimento de 50 para 60 Hertz, como vinha sendo implementado em outras regiões do Brasil, sobretudo no padrão de geração das novas usinas hidrelétricas que eram projetadas.71 A empresa continuava ainda com o racionamento como forma de administrar a defasagem de sua produção. Apesar disso, o modelo de gestão da CCBFE era considerado austero e eficiente para uma empresa com cerca de 500 funcionários. 70 71 EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista..., p.11. MÜLLER, Elisa. A intervenção dos governos estaduais no setor de energia elétrica: os casos do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e do Paraná. Rio de Janeiro: Memória da Eletricidade, [199-]. p. 50: A Segunda Guerra Mundial retardou a inauguração da usina [de Gafanhoto], pois parte das máquinas que estavam sendo transportadas dos Estados Unidos para o Brasil foram perdidas nos navios afundados durante o conflito. Com a perda do equipamento, encaminhado ao governo mineiro pela General Electric na freqüência de 50 ciclos, decidiu-se pela implantação de unidades geradoras de 60 ciclos. Este fato teve conseqüências importantes, pois levaria à adoção da freqüência de 60 ciclos no sistema da futura CEMIG. 89 Na verdade, a CCBFE estava presente em várias dimensões da vida dos capixabas, sendo ela a empresa responsável pelo suprimento de energia elétrica, pelo transporte de bondes, pelo serviço de lanchas que ligavam a ilha-capital ao continente através do cais de Paul em Vila Velha, além do serviço telefônico de Vitória. Aliás, o modelo “tentacular” da Central Brasileira na sua área de concessão em Vitória e Vila Velha não fugia ao padrão de outras concessionárias de serviços públicos, como as empresas que controlavam portos e linhas de transporte ferroviário no Brasil e em outros países sul-americanos. No setor de serviços portuários, entre o fim do século XIX e início do século XX, destacou-se a Companhia Docas de Santos, controladora do porto de Santos e depois do porto do Rio de Janeiro. A Companhia era conhecida como o “polvo” graças ao controle monopolista que detinha da atracação de navios, do embarque e desembarque de mercadorias, das obras portuárias, dos armazéns, do transporte de mercadorias e do abastecimento de energia elétrica na área portuária, como analisou Honorato.72 Graças à abrangência das concessões que essas empresas detinham, buscavam sempre condicionar o crescimento dos serviços públicos à própria expansão das áreas urbanas nas cidades onde atuavam. No caso da Central Brasileira, mesmo com os protestos da população de que era alvo, ela não construiria usinas hidrelétricas em sua zona de concessão; simplesmente acrescentaria motores à medida em que a demanda de energia ia crescendo, e isso era um fator de preocupação das autoridades e dos setores produtivos. Na verdade, a CAEEB (Companhia Auxiliar de Emprêsas Elétricas Brasileiras), empresa prestadora de serviços às demais companhias de operação do grupo AMFORP no Brasil, divulgava que realizara levantamentos sobre o potencial energético do Espírito Santo, tendo constatado a insuficiência dos recursos hídricos para a construção de barragens que viessem a suprir as necessidades presentes e futuras. Isso, porém, vinha de encontro aos estudos encomendados pelo governo à Canambra, que propagava a disponibilidade de recursos hídricos na região sudeste 72 HONORATO, Cezar T. O polvo e o porto. A Cia. Docas de Santos (1888-1914). SP: Hucitec, 1996. 90 como um importante fator de alavancagem do produto interno da região, 73 como de fato constatou-se no exemplo da Usina de Mascarenhas. Nas primeiras décadas da Central Brasileira a gerência, cargo mais elevado da administração, era sempre ocupado por estrangeiros. Porém, desde os anos 40 quando a crise de abastecimento na zona de concessão da CCBFE se agravou, coube a Lourenço Longo, um brasileiro, ocupá-la para promover as mudanças necessárias na gestão. Longo buscou atingir um coeficiente estável na relação custo/benefício da concessão no Espírito Santo demitindo os funcionários de salários mais elevados ou transferindo-os da Central Brasileira para outras empresas da AMFORP, enquanto a outros promovia de acordo com a competência e a lealdade à empresa. Além dessas medidas administrativas, a gestão de Longo refletiu a decisão das instâncias superiores da AMFORP de não investir em novas plantas de geração hidrelétrica, bem como manter no mínimo necessário o funcionamento dos serviços de bonde e lanchas. Isso demonstra que a obsolescência gradativa do parque instalado da CCBFE era um processo calculado e esperado com paciência pelos dirigentes da empresa. Em vista dessa redução de custos operacionais, observa-se que a Central Brasileira antevia a mudança de patamar tecnológico que estava a caminho na geração e distribuição de energia elétrica, cuja alteração mais visível era a mudança da freqüência do sistema de 50 para 60 Hertz e a interligação em grandes redes regionais integradas. Dessa maneira, a empresa aguardava pacientemente a chegada do momento crítico em que acrescentaria novas unidades geradoras térmicas às usinas instaladas em Vitória e em Cachoeiro de Itapemirim.74 Na área técnica, a CCBFE teve à frente o tcheco Vicente Burian, que chegou ao Espírito Santo em 1936. Até os fins dos anos 50, o Engenheiro-chefe Burian respondeu pelo Departamento de Engenharia e era o responsável pelas usinas térmicas e pelo serviço de bondes. No início dos anos 60, já bastante popular, Burian ocupou a Gerência da empresa. Em seu lugar, assumiu o Engenheiro-eletricista Clodoaldo Ewald, o primeiro brasileiro nesta função na empresa. 73 CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil. rio de Janeiro: CMEL, 1998. 91 Na opinião de Ewald, Burian ... era o carro-chefe aqui de Vitória, da parte técnica da Central Brasileira, porque mexia com tudo. Era o homem de 7 instrumentos.75 A administração de Burian seria marcada pelos sobressaltos decorrentes da irritação da população capixaba para com os serviços elétricos da CCBFE. Coube a ele não só gerir a Central Brasileira nos estertores de sua existência como empresa concessionária privada mas também administrar o “namoro” com a ESCELSA. Ainda segundo Clodoaldo Ewald O fato é que a Central era uma empresazinha em final de vida, digamos assim.76 Mesmo não realizando os investimentos esperados em sua área de concessão de serviços públicos em energia elétrica, a CCBFE manteve a imagem de empresa bem organizada que cunhara ao longo de seus mais de 30 anos de operação, ainda que seus detratores vissem em sua austeridade a fórmula de sua controladora, a AMFORP, auferir vultosos lucros. De fato, do ponto de vista da deficiente geração elétrica, suas instalações se mantinham com Jucu, Fruteiras e com as usinas térmicas de Cachoeiro de Itapemirim e Vitória. Porém, no serviço de bondes e lanchas, que não demandavam novas tecnologias nem aporte de capitais vultosos, a empresa continuou prestando bons serviços até o fim da década de 1950, muito embora já vislumbrasse a chegada do automóvel e das rodovias asfaltadas no espaço geográfico de suas concessões. O transporte aquático dispunha das lanchas Vitória, Santa Cecília e Elizabeth, cuja construção a CCBFE encomendara em Vitória. As lanchas trabalhavam no trecho Vitória-Paul, em conexão com a linha de bonde Vila Velha-Paul. Sendo da mesma companhia, operavam em horários regulares sincronizados e eram fiscalizados tanto por auditoria interna quanto pela Capitania dos Portos. Muitos atribuíam o rigor da fiscalização ao fato da companhia ser estrangeira e à dupla fiscalização. 74 Após Lourenço Longo a gerência da CCBFE foi ocupada por um certo “Sr. Sartine”; depois pelo cidadão inglês J. William Brown, entre outros. 92 No que cabia à manutenção de motores e da parte mecânica, os serviços eram feitos também na oficina de bondes da rua 7. Nos anos 50, a lancha Vitória foi desmontada mas o serviço continuou com as duas unidades restantes. Essa é uma indicação de que a empresa não esperava que a concessão do transporte aquático prosperasse por muito tempo.77 Quanto aos transporte por bondes, a infra-estrutura de seu funcionamento era bem mais complexa. O Setor de Transporte de bondes era composto de oficina e garagem que funcionavam na rua 7 de setembro, vizinha à Convertedora, para dar suporte a todos os problemas relacionados com a parte técnica. De memória, o funcionário que a chefiou de 1941 a 1965 descreve saudosamente as instalações: Onde é aquele prédio da ESCELSA hoje. Ali embaixo tudo era oficina de bonde, fazia tudo de bonde, tinha mecânica, tinha fundição, tinha carpintaria, tinha pintura, tinha tudo, tinha tudo. Oficina completa. Era pequena... não era pequenininha não porque dormia uma parte dos bondes lá; uma outra parte dormia na Praia comprida. Tinha um barracão na Praia Comprida.78 De tão completa, a oficina de bondes da CCBFE passou também a montá-los. Como até os anos 30 essas máquinas eram compradas na Alemanha, a interrupção de importações de unidades e de peças no período compreendido entre a Segunda Guerra Mundial e a fase de reestruturação da economia alemã fez com que a CCBFE desenvolvesse seus próprios projetos e os construísse. Mais uma vez o entusiasmo brota nas palavras do Sr. Pimenta: Então a gente recebia todo o material dos Estados Unidos... A parte de ‘truck’, madeira, essas coisas todas, nós resolvíamos aqui... Nós construímos um bonde aqui! E bom! E bom!79 75 76 77 78 79 EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista..., p. 6. EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista..., p. 12. Devido à escassez das fontes não foi possível pesquisar os serviços telefônicos prestados pela CCBFE no E. Santo. PIMENTA, Nilton. 2001. Entrevista..., p. 6. PIMENTA, Nilton. 2001. Entrevista..., p. 5. Não foram encontradas fontes escritas sobre o fim do serviço de bondes, lanchas e telefones da CCBFE. 93 Rigorosamente fiscalizada por sua auditoria interna e tendo cada uma de suas áreas identificadas com a personalidade de seu chefe, a CCBFE manteve-se como pode nos serviços de transportes por bonde até 1965, enquanto amargava críticas e protestos de todas as camadas sociais pelo racionamento de energia elétrica que a todos impunha, e era identificada com o mais sério entrave ao crescimento econômico do Espírito Santo. Ao mesmo tempo seu último gerente, Vicente Burian, sofria as agruras de freqüentar as mesmas rodas sociais da elite e encarar os empresários e políticos que mais se opunham à política tarifária e à manutenção da empresa como concessionária nas regiões mais dinâmicas capixabas. Era membro do Lions Club e dos principais clubes locais e muito bem relacionado tanto em Vitória como em Cachoeiro de Itapemirim. Essa convivência refletia um conflito intra-classe, na medida em que a lógica capitalista praticada pela Central Brasileira confrontava-se com o objetivo de lucratividade dos homens de negócios que detratavam a CCBFE e seu gerente por considerá-los responsáveis pelos entraves à expansão de seus negócios. O mesmo ocorria em relação à forma como Burian era visto pelos representantes dos trabalhadores - inclusive os da própria CCBFE - e das demais camadas populares e pela imprensa que além de o censurarem também ironizavam a crise energética associando seu nome à corruptela da sigla CCBFE: Corre, Corre, Burian, Faltou Energia.80 Uma outra testemunha via as razões ideológicas para o embate com a CCBFE e para o tratamento hostil dispensado a Burian: (...) Burian, coitado, sofreu com esses protestos desses pseudo-comunistas, não é? E nacionalistas. Ele sofreu porque ameaçavam de morte. Iam à casa dele que era aqui em cima na Pereira Pinto à noite (...) apedrejavam a casa dele (...) davam tiros. Ele sofreu muito, o Burian (...) como se tivesse culpa de alguma coisa.81 80 81 SOARES, Aníbal. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Anotada. Vitória: Maio/2001. Também referida em GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista..., p. 11. GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista ..., p. 11. 94 O Partido Comunista Brasileiro também compunha o movimento pela encampação da CCBFE. Seu maior orador em praça pública era o deputado Benjamim de Carvalho Campos.82 Na verdade, eram os estudantes ligados ao PCB que exageravam nos protestos para afirmarem-se como nacionalistas de esquerda, e radicalizavam o discurso e a ação contra o capital estrangeiro encarnado por Burian ao pedir a saída do gringo.83 Mas os dirigentes do partido eram temerosos de que tais manifestações pudessem desviar o movimento pela encampação da CCBFE de seus objetivos centrais e provocar uma reação hostil do governo e da população contra os comunistas ou suscitar embates com a liderança dos membros do PSD nos rumos da campanha contra a CCBFE. Por isso, os dirigentes do PCB buscavam contornar o problema tratando de conter aquele ímpeto juvenil. Rogério Medeiros, estudante que participava dessas incursões conta que (...) o Hermógenes Lima Fonseca ficava louco com isso. Era dirigente comunista e ficava louco. (...) Ninguém queria isso.84 Ao mesmo tempo a ESCELSA, graças aos investimentos que recebia, pôde dar seguimento à assinatura de convênios com as prefeituras das cidades interioranas para a realização de obras de incorporação dos serviços elétricos. Dessa forma, a empresa ia imprimindo uma idéia de avanço técnico-modernizante bem ao gosto das elites industriais do centro-sul e dos segmentos nacionalistas em geral. Internamente, sua estrutura administrativa também ganhava novos contornos, inclusive com a mudança das parcas instalações da presidência da empresa para um conjunto de salas de 709 a 716 do Edifício Presidente Vargas, também no Centro. Assim, as diferenças entre as duas empresas de energia elétrica se evidenciavam cada vez mais. E isso era manifestado pela população através da onda crescente de protestos e piquetes contra o pagamento das contas de energia, entre os anos de 1960 e 1962. Essas manifestações refletiam o debate maior que se dava no Brasil em relação à participação de empresas estrangeiras na economia nacional 82 83 MEDEIROS, Medeiros. 2002. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Set/2002. p. 3. Também citado por LOPES FILHO, Christiano Dias. 2002. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Nov/2002, p. 9. SOARES, Aníbal. 2001. Entrevista... 95 bem como as questões relacionadas com a encampação das subsidiárias da AMFORP no Rio Grande do Sul e em Pernambuco. A população capixaba cobrava de forma mais pública e contundente a encampação da Central Brasileira pelo Governo do Estado, pressionando o núcleo do PSD e PSP que estava no poder. Segundo o ex-engenheiro-chefe da CCBFE (...) a população fazia pressão sobre isso, para que fosse tudo encampado pelo Estado (...).85 Porém, para que se entenda a atuação do Poder Público Estadual na resolução da questão da encampação da concessionária estrangeira de energia elétrica é necessário ter em conta os meandros da política partidária e eleitoral daqueles anos e sobre a presença ímpar de alguns de seus protagonistas. Mesmo estudos específicos sobre os governos estaduais capixabas no período 1940-1970, como o de Silva,86 que revelam todo o processo político-institucional no período tratado nesta tese, não aprofundaram o conhecimento do governo transitório de Asdrúbal Soares, nem parecem ter percebido as alterações promovidas quando, só para ficar na infraestrutura econômica e, particularmente, no setor elétrico, foi criada a Secretaria da Indústria e Comércio,87 contratado o financiamento do BNDE para a construção da Usina de Suíça e, por fim, a encampação da CCBFE. Mesmo as fontes entrevistadas, que participaram do processo dentro das empresas protagonistas, demonstraram uma certa hesitação ao se referirem à encampação e à participação de Soares no processo. Em sua entrevista o engenheiro e gestor técnico da Central Brasileira Clodoaldo Ewald apenas indiretamente aceitou tratar o tema relativo à questão política e ao antagonismo entre diretoria e trabalhadores da empresa que dirigiu. Perguntado sobre a repercussão da 84 85 86 87 MEDEIROS, Medeiros. 2002. Entrevista..., p. 3. EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista..., p. 9. SILVA, op. cit., nota 1. A Lei 1.805, de 30 de janeiro de 1963, criou a Secretaria de Indústria, Comércio e Energia à qual estariam vinculados a ESCELSA, o Banco de Crédito Agrícola do E. Santo e a COFA (Companhia de Fomento Agrícola). Entretanto, quando Governador, Asdrúbal Soares vetou a vinculação da nova Secretaria com “energia” e com a ESCELSA sob o argumento de que “pelos vínculos contratuais que possue com o BNDE, através dos quais têm obtido os financiamentos de que carece, a ESCELSA deve permanecer em sua situação atual, sob pena de prejudicar tôda a sua obra e todos os seus planos." Arquivo Geral da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. 96 encampação da empresa “irmã” da Central Brasileira, a gaúcha Companhia de Energia Elétrica Riograndense pelo governador Brizola, em 1959, assim respondeu, refletindo a situação vigente também no Espírito Santo: Todo mundo bateu palmas! (...) Eu digo mais assim a nível de operários. Eles gostaram, acharam muito bonito, assim. Que tem que se fazer aqui, etc.88 Mais uma vez, perguntado sobre a pressão da população com relação a tornar a Central Brasileira uma empresa estatal, Ewald reproduziu o discurso típico da direção da empresa, feito de forma a relacionar o foco das tensões com o problema da falta de reajustes das tarifas de acordo com a inflação. Esse problema também foi mencionado pelo entrevistado como justificativa para o baixo nível dos salários do pessoal da CCBFE. Finalmente, sua fala apontou na questão capixaba o desdobramento dos embates ideológicos e partidários nacionais, no período do Governo João Goulart: (...) Foi na época do Asdrúbal, não é? Ele queria, o Estado queria encampar de qualquer maneira a Central, e os operários batiam palmas, como bateram para o Brizola no Rio Grande do Sul, porque não tinham aumentos salariais, não havia tarifa, não podia aumentar tarifa (...).89 Asdrúbal Soares assumiu o governo do Estado no auge dos embates políticopartidários do início dos anos 60. Aliado de primeira hora do PSD, era um dos dirigentes do Partido Social Progressista (PSP), dirigido no país pelo governador paulista Adhemar de Barros, e um dos poucos quadros desse partido a participar do Governo Lindemberg.90 Embora o aprofundamento biográfico dos políticos da cena partidária capixaba não seja o objetivo desse estudo, de Asdrúbal Soares pode-se dizer que possuía uma convivência privilegiada com o processo histórico de organização da infra-estrutura dos serviços de eletricidade no Espírito Santo. Engenheiro, fora prefeito de Vitória 88 89 90 EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista... p. 18. EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista..., p. 19. Carlos Lindemberg era dono do jornal A Gazeta; O Diário pertencia a Francisco Lacerda de Aguiar; A Tribuna era de Adhemar de Barros e o PCB editava o jornal Folha Capixaba. Todos esses veículos funcionavam como porta-vozes de seus respectivos donos e grupos políticos. 97 entre 1930 a 1933 nomeado pelo Interventor Punaro Bley, ocasião em que conviveu com a modernização dos serviços de eletricidade implantados na capital após a concessão dos Serviços Reunidos de Vitória e de Cachoeiro de Itapemirim à Central Brasileira. Desse período, salienta o historiador Elmo Elton: E Vitória parecia mesmo um presépio que ainda mais belo se tornava à noite, com a iluminação feérica e colorida dos logradouros (...).91 De sua trajetória política, sabe-se que Soares fora sempre um político ligado às hostes do poder. Primeiro como líder do PSD - onde ingressara ao lado de Atílio Vivacqua, Fernando de Abreu, Carlos Lindemberg e Jones dos Santos Neves - de onde emergiria para a liderança. Na eleição para o Governo do Estado, em 1935, Asdrúbal Soares já demonstrara possuir tino pessoal para as disputas partidárias e disposição para ousar: decide disputar a eleição indireta para o Governo do Estado pelo Partido da Lavoura com o candidato Jerônimo Monteiro Filho, indicado pelo próprio Interventor Punaro Bley. Tal ousadia não deixaria de causar incômodos aos arranjos da elite agrofundiária que dava sustentação política ao governo e liderava o partido. Dessa disputa na Assembléia Legislativa, Soares obteve honroso empate em primeiro turno, só decidido em segundo turno em favor da permanência de Bley por força das articulações que este desenvolveu com o presidente Vargas e com as lideranças locais.92 Mesmo assim, Soares saiu prestigiado dessa disputa pois na eleição de 11 de abril de 1935 sagrou-se deputado federal juntamente com Francisco Gonçalves, Ubaldo Ramalhete Maia, Jair Tovar, Moacyr Barbosa Soares e Hermano Alves da Silva - os dois últimos eram “classistas”. No Senado, Jerônimo Monteiro Filho acabou conquistando uma vaga e a outra coube a Genaro Pinheiro. Soares também disputou o Senado pela Coligação Democrática (PSP/PR/PRP e outros) em 1950 e em 1954 pelo PSP, seu novo partido, interferindo diretamente na formação dessa Coligação que lançou a candidatura de Francisco Lacerda de Aguiar (Chiquinho) ao Governo do Estado, em 1954 - em oposição ao PSD, àquela altura sob controle de Jones dos Santos Neves - e o elegeu. Desse episódio brotaria um 91 92 ELTON, Elmo. Logradouros antigos de Vitória. 2. ed. Vitória: IJSN, 1987. p. 17. SILVA, op. cit., p. 122-123 e 176, nota 1. 98 antagonismo de Jones dos Santos Neves e seu grupo para com Asdrúbal Soares que marcaria os fatos futuros, como adiante se verá. Nas eleições majoritárias de 1958 o PSP novamente compôs com o PSD, ajudando a eleger Carlos Lindemberg e garantindo a vice-governadoria para seu presidente regional, o ex-Prefeito de Colatina, Raul Giuberti. Assim, através de Asdrubal Soares, coube ao PSP assumir a importante Secretaria de Viação e Obras Públicas, responsável por obras de construção de escolas, hospitais, estradas, etc. e continuar na presidência da ESCELSA até meados de 1960, de onde realizaria todos os preparativos para a construção da Usina Hidrelétrica de Suíça.93 A permanência de Asdrúbal Soares na ESCELSA em sucessivos governos devia-se ao seu profundo conhecimento técnico na indústria da energia elétrica. Em seu depoimento Medeiros afirmou que (...) O Asdrúbal no ranking da engenharia ele era considerado um engenheiro de altíssima competência, tanto que ele era sócio de uma empresa de fora, que tinha grandes trabalhos pelo Brasil afora pela competência dele. (...) Então o Asdrubal estava acima ... aqui era uma terra ainda de poucos engenheiros, então o Asdrubal estava acima da média. Ele era excepcional. E ele é quem comanda isso do ponto de vista de estruturação, para que isso aconteça. Porque havia muita agitação mas não se sabia como é que ia tomar aquilo, como é que construía aquilo. Porque, de repente, ela [a CCBFE] (...) também tinha argumento: ‘_ sim, vocês vão acabar? Como é que vocês vão fazer com isso? Tem dinheiro?’ 94 Continuando: (...) então começou..., o movimento começou a entrar numa área de risco. Então o Asdrúbal é que dá essa formatação prá ESCELSA e fica à frente, porque ele também está ‘furos’ acima disso. (...) Que o Estado todo queria acabar com a Central Brasileira. (...) Quer dizer, ela na verdade era um obstáculo ao desenvolvimento do Espírito Santo. E o 93 94 Com a saída do engenheiro Asdrúbal Soares a ESCELSA passou a ser presidida pelo Coronel José Lindemberg, irmão do Governador, sendo sucedido por Haroldo do Paço Matoso Maia, que atuou com Asdrúbal Soares para a obtenção dos financiamentos para a construção da Usina de Suíça. MEDEIROS, Rogério. 2002. Entrevista..., p. 2. 99 Asdrubal então era essa figura que, vamos dizer, que inventa a ESCELSA.95 Porém, nas eleições realizadas em 1962 para a sucessão de Carlos Lindemberg, o processo seria marcado por um revés na condução das articulações para a escolha do candidato ao governo. Segundo um acordo entre PSD e PSP feito quando da eleição de 58, a escolha do sucessor de Carlos Lindemberg sairia do PSP, recaindo no vice-governador em exercício, Raul Giuberti, a candidatura “natural”. Confiante no cumprimento desse acordo pelo seu próprio partido, Carlos Lindemberg deixou o governo em 6 de julho de 1962 para disputar o senado. Porém, o PSD se dividiu quanto ao apoio prometido ao candidato do PSP. O grupo dissidente lançou Carlito Von Schilgen, sobrinho de Carlos Lindemberg, para disputar a convenção do partido. Para não ser alijado do processo, o grupo fiel a Carlos Lindemberg foi forçado a apresentar o nome de Jones dos Santos Neves como seu candidato ao governo, sepultando de vez o compromisso assumido com o PSP. Na convenção, coube a Dirceu Cardoso fazer o discurso que daria a vitória à indicação de Jones para disputar um novo mandato de governador. Mas a crise política não teria mais retorno pois o vice-governador Raul Giuberti também renunciara e aguardava para ser o candidato ao governo apoiado pelo PSD. Por isso, coube ao deputado Hélsio Pinheiro Cordeiro, membro da UDN e presidente da Assembléia Legislativa, assumir interinamente o Governo do Estado com o encargo de conduzir a escolha do nome que concluiria o mandato de Lindemberg e governaria até 31 de janeiro de 1963. Essa escolha, de acordo com a vontade de Carlos Lindemberg e combinado com o seu grupo quando de sua renúncia, recairia sobre Asdrúbal Soares, o segundo maior expoente do PSP. Entretanto, mesmo cindido, o PSD ainda detinha a maioria dos votos na Assembléia Legislativa. Sendo assim, teria que votar unido em Asdrúbal Soares para fazer cumprir a vontade de Carlos Lindemberg e eleger Soares para o “mandatotampão”. Porém, o grupo de Jones não confiava em Soares. Foi necessário um nome do próprio PSD na condução dos entendimentos. Esse papel coube a Jeová Ferreira, 95 MEDEIROS, Rogério. 2002. Entrevista..., p. 2. 100 escolhido para ser o magistrado da disputa. Jeová Ferreira manteve o compromisso anteriormente assumido com o PSP e trabalhou pela manutenção do pacto político com o PSP.96 Da apuração da votação que consagrou Asdrúbal Soares e seu vice, Archimedes Vivacqua, foram computados 29 votos favoráveis, 2 nulos e 1 voto em branco.97 O PSD capixaba finalmente estava pacificado! Há, porém, discordância quanto à raiz de toda a crise que se instalou no PSD e levou Jones dos Santos Neves à derrota em sua segunda disputa eleitoral para o governo capixaba. Uma outra fonte indicou que enquanto ainda participava do governo de Carlos Lindemberg, o PSP se articulou com a oposição para abrigar na sua legenda um outro candidato ao governo, o também ex-governador Francisco Lacerda de Aguiar. Trabalhando em sigilo, tomou a dianteira e recompôs a antiga Coligação Democrática com o PRP, PTB, UDN e PDC, garantindo ao vice-governador Raul Giuberti a vaga para a disputa do Senado. Dessa forma, os dois partidos exaliados marcharam em campos opostos para a eleição de 1962, ocasião em que o PSD se articulou com PTN e PRT para lançar novamente Jones dos Santos Neves para o governo e Carlos Lindemberg para o senado. (...) preocupado com a perspectiva de ter um adversário encastelado no Palácio Anchieta, Lindemberg iniciou uma série de frenéticas consultas aos seus aliados, a fim de determinar o perfil de um candidato que pudesse ser assimilado por ele. O resultado dessa pesquisa determinou a escolha de Asdrúbal Soares que, embora pertencente ao PSP, era Secretário de Viação e Obras Públicas e um homem muito próximo ao Governador. Definida a sucessão, Carlos chamou ao gabinete o seu líder na Assembléia Legislativa, Dirceu Cardoso, e ordenou que a bancada do PSD sufragasse por unanimidade o nome de Asdrúbal, que foi eleito e empossado.98 A ainda: Lindemberg, que já havia se decepcionado com Raul, acabou tendo uma desilusão muito maior com Soares. Assim que assumiu o poder, Asdrubal mostrou que era um lobo vestido de cordeiro. Iniciou imediatamente o processo de 96 97 98 MEDEIROS, Rogério. 2002. Entrevista..., p. 2-12. Arquivo Geral da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Class. OR. Cx 11. Ordem 01. AMARAL, Edmar Lucas. Carlos e Raul: nada azul. O Metropolitano. Vitória: Quinzena II, julho 2001. 101 pulverização da estratégia política diligentemente elaborada pelo seu antigo mestre, demitiu todos os amigos de Carlos e exterminou o poder político que o PSD detinha nos grotões do Espírito Santo. Asdrúbal trabalhou com afinco em favor da Coligação Democrática.99 Uma terceira fonte presencial da disputa política pela eleição de 1962 é o exgovernador Christiano Dias Lopes Filho, que à época era deputado estadual pela ala jonista do PSD capixaba. Segundo Lopes Filho, a ala jonista era liderada por ele próprio e pelo líder do movimento pela encampação da CCBFE, o deputado estadual e general de exército José Parente Frota. Também participavam o ex-secretário de Carlos Lindemberg, Napoleão Fontenelle, além de outros pessedistas como Valdemar Mendes, a maioria do interior do estado. Este grupo teria insistido na candidatura de Jones enquanto o Governador Carlos Lindemberg indicava Raul Giuberti para disputar a eleição para o governo em 1962. Isso se devia a desconfianças da ala jonista porque Asdrúbal Soares era um desafeto de Jones dos Santos Neves: Asdrúbal foi de um grupo que no início do PSD se dividiu e ficou contra Jones. (...) Se havia um distanciamento e até uma rejeição política ao nome de Asdrúbal por parte do grupo chamado “jonista”, não havia por parte do grupo “carlista”. O Carlos se dava bem com Asdrúbal Soares, tanto que Asdrúbal foi secretário de Carlos.100 A disputa partidária para a eleição de 1962 chegara ao seu cume. E os partidos doravante estariam agrupados de forma a tentar catalisar as demandas sociais para as urnas. Nesta disputa, a questão da encampação da Central Brasileira não deixaria de estar presente. Assim, unindo a experiência de Asdrúbal Soares à frente da ESCELSA ao desejo popular pela desapropriação da CCBFE, a oposição ao PSD articulou-se com o governador interino Hélsio Cordeiro, que decretou a encampação da CCBFE pelo Governo do Estado em 31 de julho de 1962.101 É impossível saber com precisão como correram aqueles dias de julho e agosto, quando o PSP e seus aliados articulavam a sua estratégia para derrotar o 99 AMARAL, Edmar Lucas. Carlos e Raul: nada azul... LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista..., p. 13-14. 101 ESPÍRITO SANTO. Decreto Estadual 302, de 31 de julho de 1962. 100 102 PSD nas urnas. O historiador tem por ofício pesquisar os documentos e testar suas hipóteses. Mas os ardis que se constróem no calor das disputas políticas nem sempre deixam à luz nos arquivos oficiais os fios de sua tessitura. Lidando com esse problema Fiori percebeu que (...) Os atores históricos, assim como os analistas políticos, não conhecem, jamais, todas as alternativas futuras possíveis, nem controlam, tampouco, toda a informação disponível sobre a situação presente. E o que é mais importante e definitivo, movem-se sobre um tempo histórico que é irreversível e irrevogável. Devemos trabalhar com esses pressupostos se quisermos, desfazendo-nos do senso comum, construir um conceito adequado de tempo conjuntural. É no interior desse tempo, que flui como presente, que atores e analistas buscam controlar a incerteza futura, traçando em suas expectativas trajetos possíveis para a ação dos demais e para o desdobramento global da situação vivida.102 Assim, não obstante outras interpretações ou mesmo outros esquemas explicativos dos próprios e múltiplos atores desse fato histórico, nesta tese entendese que o ato de encampação da CCBFE já vinha sendo urdido pela oposição de forma a polemizar com o governo do PSD para impingir-lhe uma imagem conservadora diante da opinião pública que exigia a encampação dos serviços da CCBFE. Porém, antes do Decreto 302/62 o próprio governador Lindemberg já tomara as providências necessárias à encampação escolhendo um caminho que considerava constitucional e, por isso, mais longo. Na tentativa de dar fim à concessão da CCBFE e aos protestos da população que maculavam os governos do PSD, o governador mandara uma mensagem ao presidente da República em que solicitava autorização do governo federal para encampar os bens da CCBFE, mas solicitava levantamentos patrimoniais e contábeis da empresa para fins de indenização.103 Entretanto, não houve resposta da presidência da República em tempo hábil e Lindemberg exonerouse em seguida na disputa por uma vaga no Senado da República. 102 103 FIORI, José Luís. O vôo da coruja. Uma leitura não liberal da crise do Estado desenvolvimentista. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1995., p. 15. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão ao Mandato de Segurança 11.075. Revista Trimestral de Jurisprudência. DF. vol. 27. Jan-fev-março 1964., p. 377-384 passim. 103 Pouco depois do governador enviar esta mensagem, o governo federal divulgou - em abril de 1962 - uma proposta de venda das suas empresas que a AMFORP enviara ao gabinete do primeiro ministro Tancredo Neves em novembro de 1961. Publicamente, o governo parlamentar anunciava sua intenção de solucionar o problema através de uma política de nacionalização das empresas concessionárias daquele grupo, isto é, comprando-as por um valor consensual entre as partes. Dando mostras da relevância da questão da CCBFE na disputa eleitoral de 1962, a oposição também se articulou e apresentou ainda no mês de junho de 1962, através do deputado estadual da Coligação Democrática, Deomar Bittencourt Pereira (UDN), um projeto dispondo sobre a encampação da Central Brasileira. Em seu projeto de lei o parlamentar optava por uma posição semelhante ao do governo estadual e consensual com a empresa e com o governo federal, já que previa que o Executivo deveria (...) solicitar do governo federal outorga para promover a encampação, mediante exame prévio pelo Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, dos serviços de eletricidade dados por concessão à Companhia Central Brasileira de Força Elétrica, além de requerer do Ministério da Agricultura o tombamento contábil de seus bens e instalações que serviriam de base à indenização resultante da encampação.104 E para dar ao Estado os instrumentos de cumprimento de sua proposta, o deputado propunha ainda que o Poder Executivo fosse autorizado a obter créditos de até Cr$150.000.000,00 (US$400,000.00) junto a bancos nacionais e ao governo federal.105 Porém, essa solução também não vigorou. Entretanto, é possível que após ter sido definida a entrada de Asdrúbal Soares no governo-tampão, o PSP tenha ficado frustrado com o não cumprimento do acordo pelo PSD e tenha articulado com os demais partidos de oposição para que Hélsio Cordeiro assinasse o decreto de desapropriação da CCBFE. Agindo assim, a oposição ao PSD deixava o terreno livre para Asdrúbal Soares encaminhar o problema da 104 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESPÍRITO SANTO. Projeto 78/62. Uma anuência do Governo Federal para a desapropriação da empresa elétrica estadual do Rio Grande do Sul foi obtida pelo governante gaúcho Leonel Brizola em 1959. 104 energia quando assumisse o governo e o pouparia do desgaste político com os setores sociais desfavoráveis à encampação da empresa estrangeira pelo Governo do Estado do Espírito Santo. Dessa forma, o PSP se fortalecia na articulação da Aliança Democrática servindo-se da questão Central Brasileira para atrair a apoio popular e eleger seu candidato, o ex-Governador Francisco Lacerda de Aguiar, que realmente derrotou Jones dos Santos Neves de forma surpreendente. Na mesma eleição de 1962, o PSP também obteve expressiva votação para a Assembléia Legislativa e se consagrou como a segunda maior bancada naquela casa. Pelo decreto de encampação da CCBFE (Decreto Estadual 302/62) editado pouco mais de um mês após a saída de Lindemberg, o Governo do Estado considerou que a Central Brasileira fora beneficiada com uma concessão por 35 anos e com os bens móveis, imóveis e semoventes, corpóreos e incorpóreos e todos os direitos que compreendiam os Serviços Reunidos de Vitória e parte dos de Itapemirim mas não procurou desenvolver os serviços acompanhando o progresso do Estado.106 No arrazoado daquele decreto o governador em exercício - Hélsio Cordeiro argumentava que a empresa não buscara utilizar o potencial hidrelétrico da sua zona de concessão, limitando-se a instalar grupos geradores diesel que oneravam as tarifas em virtude da manutenção e da importação de combustível. Para o Executivo estadual, a empresa se colocava de encontro a duas premissas governamentais: a) provocava evasão de divisas pela importação de óleo combustível; b) feria a política de geração de energia elétrica de base hidráulica em implantação no país. Argumentava ainda o governo que havia motivos para retirar a concessão da CCBFE pois ela demonstrara não possuir as condições de dar ao Espírito Santo o elemento fundamental à atração de capitais para a sua tão almejada industrialização, como é o caso da energia elétrica. Quanto a esse ponto, entendia o governo que a configuração geográfica e os recursos existentes permitiriam a implantação de um 105 106 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESPÍRITO SANTO. Projeto 78/62. ESPÍRITO SANTO. Decreto 302, de 31 de julho de 1962. 105 vasto parque industrial, o que só ocorreria caso houvesse energia elétrica abundante e barata. O governo estadual considerava também que as tarifas praticadas pela CCBFE causavam profundo mal-estar no seio da população uma vez que a empresa, mesmo utilizando a energia produzida pela ESCELSA em Rio Bonito, não as reduzia. Com isso, demostrava que a CCBFE optara por uma produção estagnada que a levou a depender da compra da energia da ESCELSA mas que, ainda assim, se utilizava desse artifício para auferir lucros sem realizar investimentos na medida em que comprava o kilowatt/hora por um preço ínfimo de Cr$1,59 para revendê-lo ao consumidor por mais de Cr$4,00.107 Aliás, essa compreensão negativa da forma de atuação dos grupos estrangeiros que atuavam no país já prevalecia na esfera federal, ao menos desde a década de 1950 pois Draibe, ao analisar o Plano Nacional de Eletrificação lançado por Getúlio Vargas em 1954, observou que (...) além da manifesta descrença no interesse da empresa estrangeira em investimentos nos setores prioritários, de longa maturação e rentabilidade relativamente baixa, constata-se intenção explícita de submetê-la aos interesses nacionais.108 Do próprio decreto de desapropriação da CCBFE transparece um projeto de ampliação da rede elétrica no Espírito Santo, cujo óbice maior era a concessão dada à CCBFE e a forma como a empresa a geria, justo na região da capital onde estava o maior e mais rentável mercado consumidor. Portanto, o Governo do Espírito Santo entendeu que a indústria de energia elétrica deveria (...) estar nas mãos de quem, podendo auferir lucro nesta área da atual concessão, possa investi-lo em outras regiões do Espírito Santo atualmente sem rentabilidade, ou, em outras palavras, devendo ficar nas mãos de quem, efetivamente possa propiciar ao Estado condições favoráveis 107 108 A discrepância entre o valor do quilowatt/hora informado pelo Decreto 302 e os preços praticados pela indústria que foram informados por BITTENCOURT, op. cit., p. 88, nota 26. não pôde ser verificada por carência de fontes. DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: estado e industrialização no Brasil 1930/1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 200. 106 à sua industrialização e ao bem-estar de seu povo, duma maneira equilibrada e harmônica.109 Apoiando-se no debate que se processava na sociedade espírito-santense, o governo estadual optou por interromper a concessão da CCBFE alegando que, caso não tivesse agido nesse sentido, não seria possível atender aos consumidores que se implantariam em sua zona de concessão, sobretudo a ampliação das plantas industriais da CVRD e da Cia. Ferro e Aço de Vitória. Assim fazendo, buscava garantir que o interesse do Espírito Santo fosse melhor atendido explorando diretamente os serviços de energia elétrica. Foram declarados de utilidade pública, para os fins de desapropriação, (...) todos os bens, direitos e instalações que, direta ou indiretamente, concorrem exclusiva e permanentemente, para a produção, transmissão, transformação ou distribuição de energia elétrica, de propriedade ou concessão da Companhia Central Brasileira de Força Elétrica.110 Da mesma maneira, era também desapropriado todo o serviço de transportes da empresa. Quanto à continuidade da operação do sistema da CCBFE, a ESCELSA obteve poderes para promover os atos administrativos ou judiciais que fossem necessários. O Governo do Estado do Espírito Santo se definia pela nova política para a indústria de energia elétrica visando a capacitação energética direta e o desenvolvimento dos grandes projetos industriais que se instalavam no Estado, relativos aos investimentos da Cia. Ferro e Aço de Vitória e da CVRD. Além disso, agia em conformidade com a aspiração dos setores populares, quer de esquerda, ou simplesmente de linha conservadora e nacionalista, bem como do núcleo do empresariado que clamava pela entrada efetiva do Poder Público na distribuição da energia gerada por Rio Bonito e da energia que seria gerada pelas futuras usinas hidrelétricas do Espírito Santo. Assim, a campanha pela encampação da CCBFE foi bem sucedida frente ao Executivo estadual. 109 ESPÍRITO SANTO. Decreto 302, de 31 de julho de 1962. 107 Entretanto, ainda que a pesquisa documental tenha esbarrado em dificuldades insuperáveis para ter acesso às fontes primárias relativas a essa campanha a descoberta do acórdão relativo ao Mandado de Segurança nº 11.075 do STF que julgou o requerimento da CCBFE pela manifesta ilegalidade da lei Espirito-Santense que decretou desapropriação de bens da requerente, possibilitou o acesso a informações importantes para os fins desta tese.111 O parecer do Dr. Olavo Drummond de Oliveira, da Procuradoria-Geral da República, foi acatado pelo relator do STF, Ministro Ary Franco. Contrariando as alegações do Governo do Espírito Santo, o procurador-geral defendeu a tese de que toda a prerrogativa para o ato desapropriatório era da União Federal a quem cabia exclusivamente legislar sobre água e energia elétrica. O parecer remetia a uma extensa e complexa discussão jurídica e política ocorrida entre as décadas de 30 e a de 60, a respeito das concessões outorgadas anteriormente ao Código de Águas de 1934. O fulcro desse longo debate jurídico eram as próprias concessões de estados e municípios brasileiros à AMFORP, entre outras concessões a empresas nacionais e estrangeiras, para a exploração de serviços públicos e a prerrogativa desses poderes públicos para também retirarem essas concessões antes de seu término. Detentora de uma concessão do Estado do Espírito Santo por 50 anos a partir de 8 de julho de 1927, a CCBFE dizia ter-se ajustado-se no cabível à legislação posterior em vigor. A empresa alegava estar em pleno gozo de sua concessão, cujo contrato original com o Governo do Estado julgava ser ainda válido, uma vez que o artigos 1° e 2º do Decreto-Lei 5.764, de 19 de agosto de 1943, determinavam que, enquanto os contratos anteriores ao Código de Águas não houvessem sido ajustados por novos contratos de concessão, aqueles permaneceriam em sua plena validade até o fim das concessões.112 110 111 112 ESPÍRITO SANTO. Decreto 302... Além do governador em exercício Hélsio P. Cordeiro também assinam Petrônio José Barbosa, Arsílio Caiado Ferreira, Emir de Macedo Gomes, José Antonio do Amaral, Dalton Pinheiro Machado e José Moysés. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão ao Mandato de Segurança 11.075. Revista Trimestral de Jurisprudência. DF. vol. 27. Jan-fev-março 1964., p. 377-384 passim. A compra das subsidiárias da American Foreign Power no Brasil ...e um documento intitulado 'Denúncia do Deputado Federal Leonel Brizola'. Análise de um libelo fundado na mentira, na mistificação e na má fé. Junho de 1963. Centro de Memória da Eletricidade no Brasil. RJ. 108 Assim, a empresa valia-se do Código de Águas e da legislação subsequente para sustentar que as unidades da Federação, assim como as municipalidades, não tinham poderes sobre as concessionárias de energia elétrica uma vez que o Decretolei nº 2.281, de 5 de julho de 1940, em seus artigos 10 e 11, substituíra o poder do Estado, município ou território pelo da União, mesmo em contratos anteriores à existência do referido Código de Águas, fosse o concessionário um particular, uma empresa, um Estado ou um município.113 Ou seja, a CCBFE reconhecia o Executivo estadual como o poder outorgante de sua concessão de 1927 mas alegava que ele não tinha legitimidade para retirar essa concessão em 1962 amparado-se no Decreto-Lei 5.764/43. Defendendo esse ponto de vista, o relator do Mandato de Segurança no STF valeu-se de um argumento envolvendo o episódio ocorrido no Rio Grande do Sul, em que o Governo do Estado consultou o governo federal para que pudesse desapropriar a Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense. O mesmo, porém, não foi feito pelo Governo do Espírito Santo, senão tardiamente, em janeiro de 1963, quando a Assembléia Legislativa finalmente transformou em lei o projeto do deputado Deomar Bittencourt autorizando operações de créditos de até Cr$400.000.000,00 (US$667,000.00),114 no cumprimento do que dispunha o Decreto 302/62 que desapropriou a CCBFE. Porém, julgava o Ministro Ary Franco, sendo forte a pressão popular pela desapropriação da CCBFE, Hélsio Cordeiro, logo que assumiu interinamente o governo, pareceu ter visto nela a maneira mais apropriada para, ao mesmo tempo em que atendia ao clamor popular, atrair os votos necessários na sucessão eleitoral para apear o PSD do poder em favor da Coligação Democrática. Com efeito, a temática relacionada à política de tarifas e aos serviços prestados pela CCBFE parece ter sido o crescente mobilizador do embate eleitoral de 1962, já que a solução de encampação da empresa movimentava as massas populares e figurava sem qualquer oposição, ao menos visível, no parlamento capixaba ou nos quadros partidários. 113 A compra das subsidiárias da American Foreign Power no Brasil... 109 Assim, graças ao tom nacionalista do movimento pela desapropriação da CCBFE, a chance de dar o golpe de misericórdia na CCBFE foi bem aproveitada por Hélsio Cordeiro que, sendo um dos líderes mais destacados deste movimento, ao assumir em condição interina o Governo do Estado em 6 de julho de 1962, viu-se na histórica condição de executá-lo prontamente. Dessa forma, o ato desapropriatório de Cordeiro não deixaria de ser explorado em benefício da AMFORP/CCBFE como oportunista e eleitoral, sendo esse entendimento acatado pelo STF. No início de seu parecer para o STF, o Procurador-Geral Olavo Drummond já informava que (...) o Governador do Estado, Doutor Hélsio Cordeiro (...) em discurso proferido imediatamente à sua posse, declarou que iria proceder, com a máxima urgência, a encampação dos serviços concedidos à impetrante, bem como os seus respectivos bens;115 Para assim concluir seu relatório: O Espírito Santo tinha como governador um cidadão que assumira o cargo como presidente da Assembléia, em vista da renúncia do governador, que era candidato a senador federal e ele também ia se afastar da presidência da Assembléia e de fato se afastou, para concorrer às eleições estaduais, havendo a Assembléia eleito um outro para governador. Mas, naqueles dias em que estava como governador, precisava ele obter votos do eleitorado e então, baixou o decreto n° 302, de 30 de julho de 1962, fazendo essa desapropriação, em matéria que é evidentemente, a meu ver, de interesse peculiar e vital da União.116 Dessa maneira, pelo voto unânime do STF, a desapropriação da Central Brasileira e a imissão do Estado do Espírito Santo na posse da totalidade de seus bens foi julgada ilegal. O voto do ministro Gonçalves de Oliveira dá bem o tom da compreensão daquele egrégio tribunal: (...) o Estado desapropriou um serviço público federal, sem lei federal, sem a concordância da União (...).117 114 115 116 117 ESPÍRITO SANTO. Lei 1199, de 16 de janeiro de 1963. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão ao Mandato de Segurança 11.075. Revista Trimestral de Jurisprudência. DF. vol. 27. Jan-fev-março 1964., p. 377-384 passim. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão ao Mandato de Segurança 11.075... BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão ao Mandato de Segurança 11.075... 110 Com essa decisão em definitivo a CCBFE retornava à sua antiga condição de concessionária privada de energia e transporte da região de Vitória e Cachoeiro de Itapemirim e principal compradora e distribuidora da energia fornecida pela ESCELSA. Não fora ainda dessa vez que a íntima relação entre as empresas, de fato existente, se consumaria em compromisso formal e permanente, mas a encampação estadual mostrara ser esse um caminho de futuro. Quanto à repercussão da decisão do STF, o retorno da CCBFE ao grupo AMFORP não parece ter provocado do movimento por sua desapropriação as mesmas reações públicas anteriores ao Decreto 302/62. Isso se deve, em primeiro lugar, ao fato consumado, uma vez que não cabia recurso à decisão unânime proferida por aquela Corte. Em segundo, porque a Coligação Democrática já havia logrado êxito na eleição para o governo e para a Assembléia Legislativa. Por último, porque o anseio dos capixabas daqueles anos fora já transformado em expectativa de resolução definitiva, graças às articulações diplomáticas que o Executivo federal fazia com relação à compra de todo o grupo AMFORP no país. Em outras palavras, àquela altura dos acontecimentos, o clamor pela resolução da carência dos serviços de eletricidade via desapropriação da concessionária privada encontrava-se diluído na forte participação dos segmentos organizados da sociedade civil e dos militares no governo de João Goulart. Além disso, no Espírito Santo, a desapropriação da CCBFE e sua encampação pela ESCELSA não chegaram a se consumar porque na prática as empresas, técnica e administrativamente, continuaram operando separadamente seus sistemas. Assim, enquanto a Central Brasileira continuava ainda mais dependente da ESCELSA como sua fornecedora, o mesmo ocorria com o governo e a ESCELSA em relação à CCBFE, como transmissora e distribuidora de energia. Essa situação haveria de perdurar até que se concluísse as obras da Usina de Suíça. Por isso, o projeto de expansão da produção de energia elétrica e, consequentemente, da ESCELSA, manteve-se em continuidade com a participação da CCBFE, tanto para atender a demanda efetiva da população e das empresas em sua área de concessão quanto 111 para prover as necessidades energéticas dos projetos industriais em vias de implantação no Estado. Enquanto aguardava a decisão judicial, já na condição de governador interino assumida em 5 de agosto de 1962, Asdrúbal Soares tratou de dar prosseguimento imediato às negociações com a Assembléia Legislativa para a aprovação do empréstimo do BNDE para a construção da Usina Hidrelétrica de Suíça, também no rio Santa Maria, no município de Santa Leopoldina. A largada para a construção da Usina de Suíça fora dada pelo Governador Lindemberg em 1960 ficando as obras civis a cargo da Companhia Internacional de Engenharia e Construções, da ESSE – Escritórios de Serviços de Engenharia Ltda, da Hidrologia Comercial Ltda, além da Sondotécnica – Engenharia de Solos S/A.118 Cumpridas as exigências legais, o projeto tinha sido iniciado sob a expectativa de obtenção de créditos governamentais repassados diretamente à ESCELSA para seu prosseguimento. isso só foi possível graças a uma hábil elevação do capital social da ESCELSA, que passou de Cr$300.000.000,00 para Cr$1.000.000.000,00 na Assembléia Geral Extraordinária realizada em 20 de fevereiro de 1961. A elevação de capital, correspondente a 450.000 ações ordinárias e 250.000 ações preferenciais, no valor nominal de Cr$1.000,00, foi integralmente subscrita pelo Estado do Espírito Santo. Como foi apontado neste capítulo, essas ações foram repassadas ao controle do BNDE através do Contrato de Financiamento FFE-10. Enquanto era o Secretário de Viação e Obras Públicas do Governo Lindemberg, o engenheiro Asdrúbal Soares pôde encaminhar com o governo federal, autorizado pelo Decreto 50.104, de 26 de janeiro de 1961, o convênio do BNDE com o Governo do Estado para o financiamento de Cr$250.000.000,00 do Fundo Federal de Eletrificação para a compra das 250.000 ações preferenciais da ESCELSA (Contrato FFE-10). Os recursos, por força do Decreto 50.104/61, deveriam ser totalmente aplicados na execução do projeto de aproveitamento da Usina Hidroelétrica de Suíça, no Rio Santa Maria. Porém, a liberação dos recursos dependia de assinatura das partes e aprovação legislativa de dois contratos com o BNDE. O 112 primeiro era o acordo BNDE/ESCELSA com a interveniência do Estado do Espírito Santo para o financiamento dos Cr$250.000.000,00, que foi assinado em 4 de julho de 1962. O segundo, o contrato BNDE/Estado do Espírito Santo com a interveniência da ESCELSA, firmado em 22 de agosto de 1962, para a transferência das 250.000 ações pertencentes ao Estado para o BNDE. Isso significava, na prática, a transferência do controle do capital votante da ESCELSA para o governo federal. Assim, o governador Soares – eleito para um mandato-tampão que duraria de 5 de agosto de 1962 a 31 de janeiro de 1963, celebrou contrato com o BNDE, cedendo as 250.000 ações preferenciais com direito a voto que o Estado possuía na ESCELSA, tornando possível a entrada de novos Cr$150.000.000,00, já descontados outros Cr$100.000.000,00 repassados anteriormente para as despesas iniciais da obra da usina. Posteriormente, caberia ao Governador em exercício, o mesmo Asdrúbal Soares, providenciar a aprovação desses contratos pela controversa Assembléia Legislativa dominada pelo PSD em tempo hábil para a captação dos recursos durante o seu governo, a fim de concluir a primeira etapa de Suíça em 1965, o que de fato ocorreu. Através desse modelo jurídico-financeiro o Governo do Estado via plenamente realizado seu desejo de ceder parcela do controle acionário da ESCELSA ao BNDE, com a vantagem de, além de manter a parcela majoritária das ações ordinárias sem direito a voto em seu poder, utilizar ainda o produto da arrecadação da Taxa de Eletrificação para cumprir sua obrigação de integralizar os 30% das ações preferenciais que subscreveu na elevação do capital, sem necessidade de desembolso imediato, já que a dívida seria paga com o produto da própria arrecadação da venda da energia à população. Na prática, a divisão do poder com o governo federal se concretizava nesses contratos.119 Por outro lado, a decisão de ampliar o parque gerador da ESCELSA 118 119 CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Usinas de energia elétrica no Brasil 18831999. RJ: 1999. Por força do Decreto 5.104, de 26/01/1961, as ações da ESCELSA adquiridas pelo BNDE deveriam ser transferidas quando da criação da empresa “holding” – a ELETROBRÁS – que o Governo Federal haveria de criar como previsto no Art. 7° da Lei 2.944, de 08/11/1956. Contrato de 113 ficava expressa na cláusula em que a empresa se comprometia com o BNDE a providenciar os anteprojetos das usinas hidrelétricas de Timbuí Seco e Santa Leopoldina, ambas previstas no Plano do Governo Jones desde 1951, além de promover (...) o exame completo do regime operativo dessas usinas com as de Rio Bonito e Suíça e com as usinas térmicas existentes, tendo em vista razões técnicas e econômicas e baseando-se em estudos hidrológicos completos do Rio Santa Maria.120 O contrato com o BNDE obrigava ainda a ESCELSA a (...) entrar em entendimentos com a Companhia Central Brasileira de Força Elétrica, no sentido de obter que esta mantenha em sua zona de concessão os grupos dieselelétricos ora instalados, até a entrada em funcionamento da Usina Suíça.121 Pode-se dizer que o governo federal, diante do impasse no país quanto ao insuficiente nível de investimentos em geração hidrelétrica das empresas do grupo AMFORP, decidiu-se por utilizar os recursos disponíveis para acelerar a construção do parque hidrelétrico sob o controle estatal no Espírito Santo, enquanto permaneciam estagnados os investimentos da CCBFE, até que o suprimento energético do Estado do Espírito Santo estivesse garantido com a construção da Usina de Suíça interligada com Rio Bonito. A consecução da meta global de produção de energia elétrica se daria com a construção das demais unidades produtivas previstas no Plano de 1951. Coube ainda a Asdrúbal Soares, em seu curto mandato como Governador, realizar os entendimentos com o Tribunal de Contas – também exigidos no contratos com o BNDE - entre 28 de agosto e princípios de setembro de 1962, para que as operações de crédito com o BNDE fossem encaminhadas à aprovação da Assembléia Legislativa em caráter de urgência, a pedido do governo. Dessa maneira, na véspera da passagem do cargo ao governador eleito, o financiamento do BNDE foi finalmente 120 121 Financiamento FFE-10... e Instrumentio Particular de Compra e Venda celebrado entre e pelo... Estes documentos são parte integrante do Processo 289/62. Class. MG/Cx. 01/Ordem 01/1962. Arquivo Geral da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Arquivo Geral da ALES. Proc. 289/62...Contrato de Financiamento FFE-10... Arquivo Geral da ALES. Proc. 289/62...Contrato de Financiamento FFE-10... 114 aprovado através da Lei 1.817, em 30 de janeiro de 1963.122 Ao findar seu governo, Soares seria reconduzido à presidência da ESCELSA por Chiquinho. A nacionalização das empresas da AMFORP: Com relação à AMFORP/CCBFE, a solução para o problema da concessionária norte-americana haveria de vir da iniciativa federal. Enquanto o Governo do Estado esforçava-se por obter recursos do BNDE, o Gabinete do então Primeiro Ministro Tancredo Neves anunciava a nacionalização pela compra de todas as empresas concessionárias de serviços de energia elétrica daquele grupo. Essa negociação veio a público quando foi discutida diretamente pelos presidentes João Goulart e John Kennedy em Washington, em abril de 1962. Em conseqüência desses entendimentos, o governo federal criou a Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos (CONESP), que concluiu os estudos a respeito da proposta da AMFORP em janeiro de 1963. Assim, após mais de seis meses de negociações numa conjuntura externa de Guerra Fria, uma Comissão Interministerial chegou a um consenso. Pôde, então, o Ministro San Tiago Dantas autorizar a assinatura de um memorando preliminar do entendimento. Esse protocolo, firmado em maio do mesmo ano pelo Embaixador Roberto Campos não era ainda a decisão final mas a formalização dos entendimentos entre equipes técnicas (...) pois já estava no consenso de todos os negociadores que as condições em questão eram as melhores que poderiam ser obtidas e até onde os representantes da empresa (...) se achavam dispostos a transigir para obter uma solução amigável e negociada para a situação das suas subsidiárias no Brasil.123 122 123 Arquivo Geral da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Cx. 38/Ord. 10. "A compra das subsidiárias da American Foreign Power no Brasil ...e um documento intitulado 'Denúncia do Deputado Federal Leonel Brizola'. Análise de um libelo fundado na mentira, na mistificação e na má fé" foi preparado em junho de 1963 em resposta ao documento "A Compra das subsidiárias da American Foreign Power no Brasil (Bond and Share). Denúncia do Deputado 115 No início das negociações, em fins de 1962, as pretensões da AMFORP chegavam a US$159 milhões (Cr$76,3 bilhões) pelo ativo fixo e US$10,4 milhões (Cr$4,6 bilhões) pelo ativo circulante, ou seja, um total de US$169 milhões (Cr$81 bilhões), sem contar os débitos para com o EXIMBANK (US$38 milhões = Cr$18,2 bilhões) e para com o BNDE (Cr$300 milhões = US$625 mil). Por fim, e após os exaustivos debates entre os negociadores, os valores chegaram a US$142,7 milhões (Cr$68,5 bilhões), excluídos EXIMBANK e BNDE, ficando ainda sujeitos a retificação após a verificação do inventário físico e da contabilidade de todas as empresas do grupo. Porém, internamente, a situação política do governo era extremamente delicada e a negociação com a AMFORP atraía ainda mais as críticas dos setores nacionalistas, mesmo aqueles aliados do Governo Jango. Por isso, a compra do grupo AMFORP transformou-se em verdadeira cruzada contra os interesses do grupo estadunidense, projetando-se no país inteiro com a intensidade que se verificou no Espírito Santo na campanha pela encampação da CCBFE. Para aumentar ainda mais a tensão naquela conjuntura política que se vivia no Brasil, nem sempre os libelos distribuídos ao público eram assinados por seus autores, o que colocava maior acidez crítica e radicalizava o conteúdo ideológico do debate sobre a nacionalização das empresas, uma vez que muitos setores defendiam a simples desapropriação do grupo AMFORP. Dessa maneira, a negociação não ocorreria sem provocar turbulência no cenário político brasileiro e culminaria com a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional. A CPI marcava a diferença entre o ponto de vista das esquerdas e setores nacionalistas e dos defensores da encampação negociada em relação à decisão do Governo Goulart de incrementar o potencial de geração elétrica necessário ao desenvolvimento da economia brasileira sem aumentar as zonas de atrito com o Governo dos Estados Unidos da América. Federal Leonel Brizola, maio de 1963.” p. 63. Centro da Memória da Eletricidade no Brasil/RJ. A respeito ver: VIANA FILHO, Luís. O Governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1975.; e CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa. RJ: Topbooks, 1996. 116 No centro do debate ficavam os argumentos das autoridades brasileiras sobre a urgência de investimentos na expansão da oferta de energia em vários estados e cidades cujo fornecimento encontrava-se estrangulado. Havia também o comprometimento do crescimento urbano-industrial que acarretava problemas na expansão da base industrial que o país experimentara com o processo de substituição de importações, no primeiro momento, e depois, com o conjunto de investimentos de interesse do governo federal. Assim, como as concessionárias privadas não expandiam suas operações, o governo federal pretendia ampliar de imediato a Usina de Peixoto, em Minas Gerais, para fornecer adicional de 175.000 kW para os estados de Rio de Janeiro e São Paulo, e também cuidar de sustar em tempo a deterioração dos serviços daquelas empresas privadas mais obsoletas do país. A polarização do debate ocorreu entre Leonel Brizola e Roberto Campos, à época personalidades já peculiares na política brasileira. Contando influenciar um posicionamento favorável à compra da AMFORP diante da CPI e informar os setores formadores da opinião pública, circulou no país o texto intitulado A compra das subsidiárias da American Foreign Power no Brasil ...e um documento intitulado 'Denúncia do Deputado Federal Leonel Brizola'. Análise de um libelo fundado na mentira, na mistificação e na má fé. Esse documento foi preparado em junho de 1963 em resposta ao documento A Compra das subsidiárias da American Foreign Power no Brasil (Bond and Share). Denúncia do Deputado Federal Leonel Brizola, maio de 1963 que teria sido distribuído no país por seu autor, o deputado Brizola. Privilegiou-se esta fonte pois apesar de apócrifa foi reconhecida como autêntica pelo Centro de Memória da Eletricidade no Brasil/RJ e ainda porque as coincidências de datas e conteúdo observadas na crítica dessas fontes permite entender que o documento A compra das subsidiárias da American Foreign Power no Brasil ...e um documento intitulado 'Denúncia do Deputado Federal Leonel Brizola'. Análise de um libelo fundado na mentira, na mistificação e na má fé, de junho de 1963, seja de autoria do Embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América, Roberto Campos, preparado para seu depoimento à CPI. O teor desse documento também coincide 117 com matéria a esse respeito veiculada em “Estado” em 21 de junho de 1963 com a manchete Roberto Campos fala na CPI da encampação das empresas.124 O debate se estabeleceu em relação aos números de produção da empresa e à qualidade de seu parque produtivo. Enquanto Brizola e os setores nacionalistas e da oposição afirmavam que o conjunto de subsidiárias da AMFORP dispunha de uma potência instalada de capacidade de 550 mil quilowatts, a outra parte afirmava ser o conjunto produtivo da AMFORP equivalente a 531.000 kW, sendo 395.000 kW em potência hidroelétrica e 135.000 kW termoelétrica, que seria acrescida da potência virtual de 132.000 kW (44% de 300.000 kW) da usina de Peixoto. Esse total, somado, chegaria à capacidade de 663.000 kW, com uma capacidade de distribuição de 793.000 kW. Às críticas de que o conjunto de hidrelétricas da AMFORP formavam um monte de ferro velho, Campos informava que mais de 60% do patrimônio das empresas era representado por investimentos realizados depois da Segunda Guerra. Para confirmar a assertiva, baseava-se em relatório da CONESP que avaliou em 14,6 anos a idade média do sistema AMFORP, sendo a depreciação média de 32%. Portanto, seu sistema seria gasto em 1/3, donde se inferia que (...) o valor residual desse patrimônio corresponde, portanto, a 68% do seu custo histórico.125 A questão do custo histórico era de suma relevância nesse debate. O custo histórico foi introduzido no Código de Águas de 1934 em substituição à cláusulaouro que era utilizada nos contratos anteriores a 1934, como era o caso das concessões das empresas da AMFORP. De acordo com Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, editado pelo Centro de Memória da Eletricidade no Brasil: Nos termos do Código, a fiscalização das concessionárias visava ao tríplice objetivo de assegurar serviço adequado, fixar tarifas razoáveis e garantir a estabilidade financeira das empresas. As tarifas seriam fixadas sob a forma de serviço 124 125 Há apenas a palavra "ESTADO" como referência da fonte datada de "21.6.63", grafada à mão no arquivo do CMEL/RJ, sem referências completas. Por ocasião da morte de Roberto Campos buscava-se entrevistar o ex-embaixador para tratar de sua participação no debate. Assim, este estudo considera Roberto Campos o autor do documento em questão. À guisa de uma biografia de Roberto Campos, consultar: PEREZ, Reginaldo Teixeira. O pensamento político de Roberto Campos. RJ: FGV, 1999. Também: CAMPOS, Ib. A compra das subsidiárias..., p. 3-4. 118 pelo custo, levando em conta as despesas de operação, as reservas para depreciação e reversão e ainda a justa remuneração do capital. Além disso, ficou estabelecido que o capital das empresas seria avaliado de acordo com seu custo histórico, ou seja, o custo original das instalações.126 Porém, as críticas ao custo histórico levavam em conta que a constante desvalorização monetária trouxera prejuízo para o concessionário devido ao ambiente inflacionário da economia brasileira, levando as empresas à descapitalização e ao desestímulo de novos investimentos e expansão dos sistemas. Com esses argumentos, a AMFORP tentava recuperar a baixa remuneração de seus investimentos no Brasil provocada, segunda alegava, pelas baixas tarifas a que era historicamente submetida pelo Estado.127 Respondendo à acusação de que a compra da empresas da AMFORP vinha sendo forçada pela ameaça da utilização da “emenda Hickenlloper” ou Foreign Aid Act - lei americana que forçava os governos estrangeiros a indenizarem bens de empresas norte-americanas expropriados ou desapropriados em seis meses para obterem ajuda financeira dos EUA - pelo Governo dos Estados Unidos da América Campos enfatizou que (...) a decisão de comprar foi tomada (...) como fórmula de resolver a situação da energia elétrica no país, depois de mais de 15 anos de discussão do assunto, e porque a atualização monetária das tarifas, que seria indispensável para restabelecer as condições de expansão dos serviços, importaria para o país ônus maior do que pagar a prazo o preço da compra das empresas.128 É também aceito por Campos que os serviços eram mesmo precários haja visto que a inflação também deteriorava ainda mais a capacidade de investimentos em sua expansão: (...) a princípio, as empresas ficaram limitadas ao reinvestimento dos lucros auferidos sobre o capital já 126 127 128 CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama... op. cit., p. 83., nota 73. Ib. A compra das subsidiárias..., p. 27. Sobre as relações externas do Brasil com os EUA, Cuba e países latino-americanos e sobre a “Emenda Hickenlloper” ver: QUINTANEIRO, Tânia. Cuba e Brasil: da Revolução ao Golpe (1959-1964). Uma interpretação sobre a política externa independente. Belo Horizonte: EdUFMG, 1988. 119 investido. Depois, mesmo essa capacidade de reinvestimento foi sendo reduzida, na medida em que caminhava a inflação sem qualquer atualização monetária do lucro. Até que em 1961, com a eliminação do câmbio de subvenção, ficaram praticamente sem qualquer capacidade de expansão dos serviços.129 Na verdade, desde 1952 o Conselho Nacional de Economia propunha uma revisão do sistema de tarifas dos serviços de eletricidade. O Presidente Getúlio Vargas, ao submeter ao Congresso o Plano Nacional de Eletrificação, fez referência a incentivos à participação do capital privado na indústria da energia elétrica, tendo inclusive criado uma comissão especial pelo Decreto 36.062, de 17 de agosto de 1954, para estudar o assunto. Em 1958, durante o governo de Juscelino Kubitschek, a lei 3.470, em seu Art. 57, garantia prévia atualização monetária ao ativo imobilizado de todas as empresas. Porém, foi aprovada uma emenda proibindo essa atualização para as empresas de serviços públicos. A emenda foi vetada por JK, que reconheceu a situação de deterioração dos serviços públicos como a eletricidade. Posteriormente, em fins de 1961, o primeiro Gabinete parlamentar também encontrou as empresas de energia elétrica em dificuldades financeiras, em especial as operadoras do grupo AMFORP, de onde adveio a proposta para a aquisição de suas ações. Assim, sustentava Roberto Campos que a elevação das taxas de câmbio entre março e outubro de 1961 (de Cr$100 para cerca de Cr$300/Us$1,00), refletiuse no custo em cruzeiros da amortização e juros dos empréstimos em moeda estrangeira, e no custo dos combustíveis,130 o que fez com que várias empresas operassem em déficit corrente, (...) pois não haviam sido concedidos aumentos tarifários suficientes sequer para cobrir essas diferenças cambiais.131 129 A compra das subsidiárias..., p.19. 130 Tomando-se a data de 16 de junho de cada ano a cotação do dólar dos EUA variou de US$1.00/Cr$186,00 em 1960 para US$1.00/Cr$261,50 em 1961 e US$1.00/Cr$367,00 em 1962. O óleo diesel para os geradores e equipamentos de transporte eram importados e pagos em dolar. A compra das subsidiárias..., p.19. 131 120 E, mesmo com a possibilidade de atualização monetária dos ativos imobilizados da Lei 3.470 de 1958, de acordo com os índices do Conselho Nacional de Economia, as correções não aconteciam porque: a) para efeitos tarifários, a correção do ativo só poderá ser alegada a partir do momento em que tiver sido completado o tombamento físico e contábil das empresas, ou seja, que haja um montante de investimento reconhecido; b) os efeitos tarifários da correção monetária só se aplicam às empresas sujeitas ao regime do Código de Águas e leis complementares, isto é, às empresas cujas tarifas são fixadas com base no custo do serviço, no qual se incluiria a remuneração de 10% a.a. calculada sobre o ativo atualizado monetariamente. As empresas anteriores ao Código de Águas não poderiam, entretanto, alegar esse direito, pois elas só entrariam no regime do Código depois de assinados os novos contratos. Até lá, estavam regidas pelo decreto-lei 5.764/43, que autorizava a alteração das suas tarifas ao arbítrio do governo, e pelos critérios de razoabilidade e semelhança. Ainda, portanto, que essas empresas tivessem o seu investimento reconhecido, não poderiam alegar direito a novas tarifas com base no investimento atualizado enquanto não fossem assinados os contratos, e esses dependiam da iniciativa do governo. 132 Dessa forma, os argumentos em geral seguiam a mesma linha da defesa da CCBFE quando esta recorreu ao STF contra sua encampação. Roberto Campos entendia que havia apenas duas situações possíveis para a resolução da grave crise que se configurava com a AMFORP. A primeira seria pela realização imediata do tombamento dos bens patrimoniais e investimentos das empresas sob o regime anterior ao Código de Águas e a assinatura dos novos contratos de acordo com a nova legislação para que as empresas tivessem direito a tarifas baseadas em investimentos atualizados monetariamente. A segunda alternativa, para ele mais viável economicamente já que se agravava o quadro inflacionário, seria o governo (...) procurar nacionalizar as empresas, para em seguida restabelecer as condições de rentabilidade dos serviços de energia elétrica. Foi neste quadro (...) que o governo 132 A compra das subsidiárias..., p. 21. 121 Tancredo Neves decidiu-se pela solução de adquirir as empresas.133 O argumento em favor da segunda alternativa - que Campos posteriormente defendeu junto ao Governo Castelo Branco - é que as empresas estrangeiras de energia elétrica estavam nas regiões mais industrializadas do Brasil, em proporção de 60%.134 Por isso, apesar de o aumento das tarifas ter sido tentado várias vezes e ter sido objeto de acaloradas discussões no país, ele - reconhece o autor - por si só, não garantia o ritmo de financiamento da expansão dos serviços em 10 a 12% como era requerido no Brasil. Assim, defendia que a opção pela nacionalização das empresas da AMFORP (...) oferecia uma vantagem, desde que a aquisição pudesse ser feita para pagamento a prazo: os juros que poderiam ser obtidos sobre o capital a amortizar a longo prazo seriam certamente bem inferiores à taxa de 10% que a legislação de energia elétrica assegura ao investimento. Vale dizer: obtida a compra para o pagamento a longo prazo, a diferença entre os 10% de remuneração da tarifa e a taxa de juros constitui lucro - do comprador, e a nacionalização aumentaria o volume de recursos para reinvestimentos de que disporia o país, dentro do mesmo nível tarifário que concederia, de acordo com a lei, no caso de adotar a primeira alternativa. (...) A escolha da nacionalização, ao invés da tentativa de recuperar financeiramente as próprias concessionárias, resulta, pois, logicamente, da consideração desses aspectos.135 Mas o que Campos entendia por nacionalização através de compra, em oposição a encampação? Em primeiro lugar, a possibilidade de o controle das empresas adquiridas ser feito sem investimento imediato de capital, a juros baixos e amortizações extraídos da elevação da tarifa cobrada dos consumidores - que seria, assim mesmo, inferior a uma atualização efetiva. Em segundo lugar, o governo não 133 134 A compra das subsidiárias..., p. 21-22. DREIFUSS relatou que Roberto Campos foi “presidente do BNDE, membro do GEMF, Grupo de Exportação de Minério de Ferro, membro do CDE, embaixador itinerante durante o governo de Jânio Quadros e embaixador nos Estados Unidos durante o governo de João Goulart, conferencista na ESG. Durante sua carreira política, Roberto Campos manteve ligações com a Hanna Mining, Bond & Share, Camargo Correia Construtores, Mercedes Benz e Banco de Desenvolvimento Comercial. DREIFUSS, René A. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981. p.87. 122 teria de desembolsar o valor de indenização paga à vista, no caso de encampação, já que, pelo Art. 168 do Código de Águas, a encampação de empresas privadas concessionárias não poderia se dar sem pagamento de indenização. Por fim, mesmo que a indenização por desapropriação não fosse muito grande, e se contivesse nas possibilidades de mobilização de capitais internos, seria inevitável considerar os efeitos no balanço de pagamentos internacionais da liquidação à vista dessas indenizações. Dessa maneira, para Roberto Campos e demais autores da negociação do governo brasileiro com a AMFORP, a compra a prazo distribuiria o retorno dessa indenização ao longo do tempo e a situaria em condições suportáveis no balanço de pagamentos do país. Segundo ele, o Brasil poderia, assim, exercer um controle adicional dos efeitos da nacionalização sobre a situação cambial, através de um instrumento que impusesse o direito de exigir o reinvestimento parcial dos valores pagos em outros setores da economia nacional.136 Essa proposição, porém, esbarrava na convicção da oposição de que os contratos de concessão de serviços públicos com as empresas da AMFORP já haviam caducado, pois vigoravam há mais de 30 anos, devendo por isso o patrimônio dessas empresas ser revertido ao poder concedente sem indenizações. Essa foi, inclusive, a justificativa com que o Governo do Rio Grande do Sul, em 1959,137 e o Governo do Espírito Santo, em 1962, encamparam as respectivas concessionárias estaduais da AMFORP sem indenizações. Um outro aspecto bastante discutido foi a prática de excesso de lucro das empresas da AMFORP no Brasil. Neste caso, argumentavam os defensores da solução negociada que o conceito só seria válido no Brasil a partir de 1957 e para as concessões sob o Código de Águas: 135 136 137 A compra das subsidiárias..., p. 22. A compra das subsidiárias..., p. 19-23, passim. A Companhia de Energia Elétrica Riograndense, uma das maiores do Grupo AMFORP no Brasil, foi encampada pelo Governo gaúcho sem qualquer pagamento sob a alegação de que o grupo houvera transferido ilegalmente para o exterior um valor superior a US$400 milhões. A respeito, consultar: MÜLLER, Elisa M. de O. A encampação da Companhia de Energia Elétrica Riograndense e o nacionalismo da década de 1950. 1996. Tese (doutorado em História). Universidade Federal Fluminense/RJ. 123 (...) ele não se aplica ao caso das subsidiárias da AMFORP, que só ficarão sujeitos ao regime desse Código a partir da assinatura dos novos contratos de concessão, que substituirão os outorgados anteriormente, mas que ainda continuam vigentes, com as derrogações e alterações do Decreto-lei nº 5764, de 1943.138 Por fim, havia ainda uma alegação um tanto vaga de que as leis brasileiras relacionadas à política cambial e tarifária teriam prejudicado as empresas estrangeiras que vieram para o Brasil e (...) confiaram em suas leis, e basearam toda a economia dos serviços em contratos de tarifas fixas, relacionadas em parte à taxa cambial. A queixa era de que o país teria revogado essas cláusulas contratuais unilateralmente reduzindo as tarifas (...) através de decretos cuja validade não pôde ser discutida porque foram sancionadas pela Constituição de 1934.139 Aí, portanto, estariam os motivos de as empresas estrangeiras de energia elétrica não terem progredido e expandido os serviços e a situação patrimonial até 1963, o que as levava a (...) aceitar como indenização a determinada pela lei brasileira, ou seja, o custo histórico atualizado monetariamente, sem apelo a qualquer outro principio legal estranho à legislação brasileira.140 Assim, o debate acerca da nacionalização do grupo AMFORP pelo governo brasileiro haveria de prolongar-se um pouco mais e seu desfecho viria a somar-se aos demais acontecimentos políticos e econômicos que marcaram a ruptura do regime democrático de março de 1964. 138 139 140 A compra das subsidiárias..., p. 26. A compra das subsidiárias..., p. 26-28 passim. A compra das subsidiárias..., p. 28. 124 Capítulo 3 O “CASAMENTO” DAS EMPRESAS ELÉTRICAS CAPIXABAS (1964-1968) Bendito seja Deus na Terra, Gosta das raparigas bonitas E perdoa de bom grado Os tormentos do amor. Enquanto o meu corpo for belo É pena ser piedosa; Case o diabo comigo Quando eu já não tiver dentes. (A gaia ciência/Nietzsche) a) O arranjo político: Desde 1949, quando sob o Governo Dutra foi instalada a Comissão Mista Brasil-Estados apresentava Unidos, uma o planejamento clivagem de do posições desenvolvimento no interior do econômico núcleo já dos desenvolvimentistas, expondo as divergências entre os nacionalistas que defendiam um projeto com base nos capitais públicos e privados nacionais e os que pugnavam pela associação com o grande capital estrangeiro como forma de acelerar a transformação do perfil econômico do país. Na segunda metade da década de 1950 esse planejamento estava consubstanciado no Plano de Metas do Governo JK. 1 Além de propiciar um novo momento da nacionalização formal da economia o Plano de Metas aprofundou a participação do segmento favorável à participação do capital transnacional. Mais tarde, esse segmento viria ocupar posições-chave no direcionamento das ações do Estado que se desdobrariam naqueles primeiros anos de regime autoritário, quando o governo, através do PAEG, tentava retomar os níveis de crescimento industrial alcançados nos anos 1950-1962: Na realidade, foi a análise dos think-tanks mistos do BNDE/CEPAL e da Escola Superior de Guerra de 1953-1954, que forneceu as diretrizes para o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. Sob a cobertura do “Plano de Metas”, incorporou-se a tentativa de se introduzir, na formulação de objetivos governamentais, o tipo de racionalidade empresarial exigido pelas operações em grande escala do 1 DREIFUSS, René A. 1964. a conquista do Estado. Ação Política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981. capital transnacional. Esse plano estabelecia prioridade para se investir os recursos públicos nacionais em cinco setoreschave: energia, transporte, alimentação, indústrias básicas e educação.2 No que tange ao “setor-chave” da energia elétrica, ao longo da década de 50 e no início da década seguinte, o perfil do setor foi alterado e adaptado ao tipo de racionalidade proposto pelos formuladores dos projetos e investimentos desse setor, a cargo do poderoso Ministério de Minas e Energia e ELETROBRÁS3, de maneira a que fossem garantidas as novas bases de acumulação dos investimentos através do desempenho das empresas estatais. Isso beneficiaria diretamente os parceiros e associados privados nacionais e estrangeiros já que o incremento da produção de energia pelo Estado poria fim aos “gargalos” aos seus empreendimentos. Por isso, o golpe militar ocorrido no Brasil em 1964 pode ser entendido no contexto da crise econômica aguda que o país vivia e no enfrentamento político em virtude da ampliação da participação política dos setores nacionalistas de esquerda nos rumos do governo de João Goulart. A vitória de candidatos de partidos de esquerda e da Frente Parlamentar Nacionalista nas eleições regionais e a aprovação do retorno ao presidencialismo com 80% dos votos obtidos no plebiscito de janeiro de 1962, deram novo alento aos anseios populares pela melhoria da qualidade de vida, pelo controle da inflação e pelo desenvolvimento econômico nacional em bases identificadas com a esquerda e com o nacionalismo. 2 Ib. p. 35 e p. 75-76. “Como as taxas de crescimento alcançadas em 1960 e 1961 eram mais altas que a média de 6,7% observada no período 1956-62, esses anos pertencem ao período de elevada industrialização através da substituição de importações. O declínio começou em 1962 e a taxa média do crescimento no período 1962-67 não chegou a 3,7%. A produção industrial (...) que era o setor líder no período de substituição de importações nos anos 50 e que cresceu a taxas anuais médias de 10% entre 1950 e 1962, caiu para uma taxa anual de apenas 3,2% no período 196267”. Cf. QUINTANEIRO, Tânia. Cuba e Brasil: da Revolução ao Golpe (1959-1964). Uma interpretação sobre a política externa independente. Belo Horizonte: EdUFMG, 1988. p. 22-23. 3 Acerca da formulação de que o planejamento dos três departamentos básicos da economia industrial brasileira estaria traçada ainda durante a ditadura de Vargas, consultar: OLIVEIRA, Francisco. A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1977., p. 75-113 passim. O Ministério de Minas e Energia foi criado pela Lei 3.782, de 22.07.1960, durante o Governo JK. O MME incorporou o CNAEE e o DNPM. Após 8 anos de tramitação do Projeto 4.280 no Congresso Nacional, em 25.04.1961 Jânio Quadros assinou a Lei 3.890-A autorizando a constituição da Centrais Elétricas Brasileiras S/A (ELETROBRÁS). O Estatuto da empresa foi publicado no DOU em 16.05.1962 e em 13.06.1962 João Goulart assinou o Decreto 1.178, regulamentando a constituição da ELETROBRÁS. Cf. CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil. RJ: 1988., p. 145-147. 128 Aos olhos dos setores conservadores dominantes, aí incluídos os partidos de direita, grandes empresários e parte do comando das Forças Armadas, o fator mais alarmante era o próprio eleitor ter posto fim ao parlamentarismo com maioria esmagadora - 9,5 milhões de votos contra 2 milhões - para confirmar Goulart na presidência da República, e o perigo que consideravam haver na influência comunista “infiltrada” nas organizações sindicais e nas tropas militares. Tais influências, supostamente, ameaçavam direcionar o Brasil para uma revolução social à moda cubana, sob o patrocínio da socialista União Soviética. Tudo isso, associado ao controle das saídas de divisas do país e à trajetória de ampliação dos direitos trabalhistas promovida pelo Governo Goulart, servia de amálgama para os setores conservadores nacionais e estrangeiros para que a CIA (Central Intelligence Agency), a ESG (Escola Superior de Guerra) e o IPES (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais) avançassem na organização clandestina de um “movimento” para a destituição do presidente da República.4 Como o governo não controlava os votos no Congresso Nacional, Goulart aproveitava o apoio popular para pressionar o Congresso a aprovar o Estatuto do Trabalhador Rural, as “reformas de base”, um conjunto de mudanças estruturais com fulcro no Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social para o período 19631965 e, já em março de 1964, um amplo projeto de reforma agrária. O Governo Jango apoiava-se no chamado “dispositivo militar-sindical”, herança do pacto político da “era Vargas,” para mobilizar a manifestação popular e fazer aprovar as reformas. Esse “dispositivo” era composto por amplas forças populares, parte da estrutura sindical e parte da hierarquia das Forças Armadas que o governo controlava. 4 Cf. SILVA, Francisco Carlos T. da. A modernização autoritária. Do golpe militar à redemocratização 1964/1984. In: LINHARES, Maria Yedda. História geral do Brasil. (org.). 6 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1996. Segundo DREIFUSS, René. A internacional capitalista. Estratégias e táticas do empresariado transnacional 1918-1986. 2 ed. RJ: Espaço e Tempo, 1987., p. 137.: (...) a convergência de classes no poder e as formas de domínio populistas que a suportavam, foram desafiadas por duas forças sociais divergentes - os interesses multinacionais e associados e a classe trabalhadora industrial, que através de seu rápido crescimento quantitativo e do aperfeiçoamento de sua organização, começavam a criar problemas de controle político. 129 Como havia uma nítida cisão entre entreguistas e nacionalistas nas Forças Armadas no tocante à participação do capital estrangeiro na industrialização do Brasil, Goulart buscou apoiar-se nos comandantes militares fiéis ao governo e defensores da legalidade constitucional para manter-se no poder. Além disso, para compensar o lastro político que a maioria do Congresso lhe negava, Jango reuniu os partidos de esquerda, sindicatos e nacionalistas que apoiavam o governo para passar à ofensiva. Assim, Goulart realizou diversos comícios e manifestações populares pelo país como forma de angariar respaldo às reformas de base e sustentar-se no poder. Nessa conjuntura é que se deu o comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em meados de março de 1964, quando o presidente anunciou o envio de várias leis ao Congresso, entre as quais uma lei de reforma agrária. Nesse momento, a disposição de enfrentamento do governo para com os setores conservadores fez crescer a tensão política. E a oportunidade de desferir o golpe planejado não seria desperdiçada pelos setores conservadores que apenas aguardavam o momento propício. 5 A intensa movimentação política de militares e trabalhadores foi a senha para o desfecho do golpe que reuniu os governadores de São Paulo, Ademar de Barros/PSP, de Minas Gerais, Magalhães Pinto/UDN e de Carlos Lacerda/UDN, da Guanabara. Entre os chefes militares, o golpe desfechado em fins de março de 1964 foi liderado pelos generais Mourão Filho, Carlos Luís Guedes, Costa e Silva e Castelo Branco, além de também contar com a participação de várias lideranças empresariais articulados em torno da ESG (Escola Superior de Guerra) e do IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais). Contando haver resistência por parte de setores fiéis ao governo, foi também articulado o apoio do governador Francisco Lacerda de Aguiar (“Chiquinho”), do PSP do Espírito Santo, para que o porto capixaba fosse utilizados como base para a frota da operação “Brother Sam”, criada pela Casa Branca para dar suporte militar aos golpistas. A esquadra enviada pelo Departamento de Estado era encabeçada pelo 5 Ib. Também cf. HONORATO, Cezar T. (org.). O Clube de Engenharia nos momentos decisivos da vida do Brasil. Rio de Janeiro: Venosa, 1996. Sobre as Forças Armadas, ver: PEIXOTO, Antonio 130 porta-aviões Forrestal, seis contratorpedeiros com 110 toneladas de munição, um porta-helicópteros, um posto de comando aerotransportado e quatro petroleiros que traziam 553 mil barris de combustível que, todavia, não chegaram a navegar em águas territoriais brasileiras. Para evitar um banho de sangue Goulart não reagiu à deposição e seu cargo foi declarado vago pelo Congresso Nacional.6 Gaspari assim resumiu aqueles dias de incertezas quanto ao futuro político que se desenhava no país: Nas altas horas da noite de 31 de março o golpe tinha uma bandeira: tirar Jango do poder, para combinar o resto depois. Já a defesa do governo caíra numa posição canhestra. Tratava-se de manter Jango no palácio, sem saber direito para quê, nem em benefício de quem. As poucas forças conservadoras que, por razões de conveniência, ainda estavam associadas ao presidente, dispunham de meios para ajudá-lo, mas não tinham um propósito para mantê-lo no poder. As forças de esquerda, que tinham o propósito, não tinham os meios. A árvore do regime constitucional começava a dar sinais de que cairia para a direita.7 Em 11 de abril de 1964 o general Castelo Branco assumiu a presidência da República do Brasil. Para liderar a equipe econômica foram indicados Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos, ambos de conduta liberal. Do ponto de vista da política econômica, o novo governo buscou conter rapidamente o processo inflacionário e reverter a política restritiva de remessa de lucros ao exterior como forma de estimular a entrada de capitais estrangeiros. Para tornar os investimentos de capital mais atrativos e a economia nacional mais competitiva no âmbito internacional, foi adotada uma política de contenção de salários abaixo dos índices de inflação que ficou conhecida por “arrocho salarial”, além da privatização de 6 7 Carlos. O Clube Militar e os confrontos na seio das Forças Armadas. In: ROUQUIÉ, Alain (Org.). Os partidos militares no Brasil. Rio de Janeiro: Record, [198..]. Ib. p. 322. Segundo Elio Gaspari o Departamento de Estado dos EUA chamou esse plano de logística militar de Plano de Contingência 2-61. O autor entende que a base de operações de desembarque seria Santos. GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. As ilusões armadas. SP: Cia das Letras, 2002. p. 62-99 passim. GASPARI, loc. cit., p. 86. 131 empresas estatais nacionais como o Lloyd Brasileiro e a Fábrica Nacional de Motores (FNM).8 Assim, enquanto no plano da política externa o Brasil buscava alinhar-se aos Estados Unidos da América para evitar o crescimento do nacionalismo e da influência das forças de esquerda no país, na elaboração da política econômica os projetos e empreendimentos concebidos no âmbito do Plano de Ação Econômica do Governo (1964-1966) eram encaminhados para execução através da ação empreendedora das empresas estatais.9 No Espírito Santo, após a quebra do regime democrático e da encampação da Central Brasileira o novo governo fez calar as vozes do movimento popular e os piquetes de praças públicas contra a predominância do domínio privado estrangeiro nos serviços públicos de energia elétrica na região da capital e de Cachoeiro de Itapemirim. Mas restava ainda o Poder Público atender os reclamos de empresários identificados com o IPES/IBAD em relação à insuficiência do abastecimento deste tipo energia. Em Vitória, o principal foco de reclamações partia da Cia. Ferro e Aço, uma empresa pública sob controle federal, e de seus associados: A Ferro e Aço é do tempo da Central. Mas ela reclamava muito. (...) Reclamava da tensão baixa, de ser uma servida, etc., etc.(...)10 René Dreifuss, estudioso das articulações promovidas pela “elite orgânica” brasileira para depor o presidente João Goulart afirma que, uma vez no poder, o IPES (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), entidades representativas dos interesses da “elite orgânica” empresarial e militar, conseguira influir na composição das próprias agências de formulação de políticas e estratégias econômicas e financeiras compostas no 8 9 SILVA, op. cit., nota 4. Um importante relato das primeiras ações do Governo Castelo Branco é feito em VIANA FILHO, Luís. O Governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1975. Na assertiva de QUINTANEIRO, op. cit. p. 23 passim.: Dentro desse estado de coisas, o Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG (1964-66) representou uma resposta, de caráter pragmático, aos problemas econômicos de meados dos anos 60, no sentido de formular uma política econômica capaz de eliminar os pontos internos de estrangulamento que bloqueavam o crescimento da economia. 10 EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: Maio/2001. p. 12. 132 Governo Castelo Branco, visando influir nas decisões de Estado de acordo com o interesse do capital multinacional e seus associados no Brasil: (...) a ELETROBRÁS era tanto o órgão coordenador efetivo das empresas elétricas de propriedade do governo federal, em cujo staff se destacavam diretores do IPES, quanto a fonte financeira para as empresas pertencentes aos Estados e às autoridades municipais.11 Dreifuss também demonstrou que o que ocorria com o núcleo diretor da holding ELETROBRÁS valia também o BNDE que tinha sido entregue à direção de José Garrido Torres, um expoente do IPES. Por sua vez, o diretor do Conselho Administrativo do BNDE e representante deste banco no Conselho Administrativo do FINAME, Edmundo Falcão da Silva, era também associado do IPES. De acordo com Dreifuss, Edmundo Falcão era, ao mesmo tempo, um empresário com negócios relacionados com a estatal Cia. Ferro e Aço de Vitória (COFAVI) e com sua associada internacional Ferrostaal AG da Alemanha.12 A influência dos associados do IPES no governo era identificada com a atuação do grupo reunido em torno da Escola Superior de Guerra (ESG), conhecido por “Sorbonne”, uma clara referência ao seu suposto refinamento técnicoempresarial e à atuação política e ideológica de seus membros, sobretudo quanto à formulação conceitual e ao debate sobre “desenvolvimento” e “segurança” nacionais. Na liderança desse grupo destacava-se o general Golbery do Couto e Silva, que atuou para forjar no âmago do regime militar um conceito particular de desenvolvimento. Segundo esse conceito, para que houvesse crescimento do produto industrial era necessário haver controle interno contra movimentações populares de cunho nacionalista geradas pela atuação de organizações sindicais e partidos de esquerda, de forma a que o Estado pudesse garantir “segurança” para os seus empreendimentos associativos com o grande capital transnacional. Graças à predominância dessa diretriz os grupos defensores do desenvolvimento nacional sob 11 12 DREIFUSS, op. cit. p. 449., nota 1. Ib, p. 431. 133 bases de financiamento endógenas ou não diretamente alinhadas aos grupos empresariais estrangeiros foram alijados do núcleo decisório do Estado brasileiro.13 No bojo dessa mesma política, o governo militar buscava eliminar os “pontos de atrito” com os Estados Unidos da América e por fim a um longo período de relações externas marcadas pela independência de posições do governo brasileiro. Isso dizia respeito diretamente à reversão da campanha de nacionalização das empresas dos grupos empresariais daquele país instalados no Brasil, sobretudo o ITT e AMFORP. Desde a vinda do secretário de justiça Robert Kennedy ao Brasil para negociar os termos da visita que João Goulart faria ao seu país, o presidente John Kennedy forçara um entendimento favorável àquelas companhias, evitando-lhes a simples desapropriação sem indenização por parte do Poder Público brasileiro. Porém, àquela altura, a posição interna do Governo Goulart era extremamente crítica para que houvesse uma solução imediata de nacionalização dos grupos empresariais estadunidenses, uma vez que o então deputado Leonel Brizola, cunhado do presidente, estava no pivô dessa querela diplomática e a questão suscitava embates e críticas acaloradas ao governo, tanto de setores nacionalistas e dos partidos de esquerda quanto dos setores políticos e militares conservadores. Assim, ao visitar os Estados Unidos da América em abril de 1962, Goulart estabeleceu com o governo daquele país que a condução da negociação da compra das empresas concessionárias de serviços de energia elétrica do grupo empresarial American Foreign & Power Inc. (AMFORP) operantes no Brasil observaria os seguintes pressupostos: justo pagamento, negociação pacífica, parcelamento da maior parte do valor a ser combinado e o reinvestimento da maior parcela em setores considerados pelo governo brasileiro como vitais ao desenvolvimento econômico do país.14 Contudo, a conjuntura interna aliada ao contexto internacional fazia Goulart adiar a decisão final da compra do conjunto de empresas da AMFORP. A negociação acabou definida pelo regime militar sob comando do General Castelo 13 Ib. Sobre as diferentes posições sobre o conceito de desenvolvimento no seio das Forças Armadas no Brasil, consultar: D’ARAÚJO. Maria Celina (org.). As instituições políticas da Era Vargas. Rio de Janeiro: EdUERJ/Ed. FGV, 1999. Também: ROUQUIÉ, op. cit., nota 5. 14 Histórico da Operação de Compra das Ações e Direitos da AMFORP e BEPCO nas suas subsidiárias no Brasil. 1966. Centro de Memória da Eletricidade no Brasil/RJ. 39p. Não há referência a autor ou editor do documento impresso. 134 Branco. Em 12 de novembro de 1964, a Companhia Central Brasileira de Força Elétrica (CCBFE) foi adquirida para a ELETROBRÁS como parte de um “pacote” de dez empresas da AMFORP-Electric Bond & Share. Além do Brasil, também México, Colômbia e Argentina passaram pelo mesmo processo da nacionalização de empresas subsidiárias da AMFORP, com a mesma base de entendimentos, variando quanto a taxa de juros, carência e prazo de pagamento. O Brasil seguiu a solução mexicana, uma vez que a empresa propôs o preço e houve a negociação dentro da legislação vigente no país. O acordo brasileiro, talvez por ter sido o último a ser firmado, foi o que obteve o prazo de amortização mais dilatado, 25 anos, superando o prazo de 20 anos negociado com a Colômbia e os de 15 e 13 anos para o México e a Argentina, respectivamente. Dessa forma, o processo de encampação das empresas de serviços de eletricidade pelo Estado ocorreu nas maiores economias latino-americanas, demarcando o “salto industrial” dessas economias pela via da iniciativa estatal. Antes de consumar a transação o ministro de minas e energia, Mauro Thibau, ex-diretor da CEMIG, propôs que a AMFORP permanecesse no país, oferecendo inclusive condições mais compensadoras para a exploração dos serviços de energia.15 Porém, o grupo manteve sua posição de oferta das empresas ao governo federal considerando a ausência de uma política tarifária adequada para os serviços. Além disso, a AMFORP acreditava que a transferência do conjunto de empresas para o governo federal traria uma solução financeira amistosa para o problema gerado com a encampação da Cia. de Energia Elétrica Rio-grandense. Finalmente, o grupo AMFORP decidia-se por deixar o Brasil antecipando-se às iniciativas estatizantes dos serviços públicos de energia elétrica que tomavam corpo no país. Firmava-se a AMFORP no memorando de entendimento assinado em 15 Em 1964 o presidente Castelo Branco visitou o Estado do Espírito Santo acompanhado do embaixador norte-americano Lincoln Gordon e do ministro de minas e energia Mauro Thibau, que veio examinar a situação da produção de energia elétrica no Estado. Em CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil. Rio de janeiro, 1998. Cap. 4., nota 3., Mário Thibau relata sua atuação no tocante à compra da AMFORP como ministro de minas e energia. O mesmo assunto é também tratado em CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Ciclo de Palestras: A Eletrobrás e a história do setor de energia elétrica no Brasil. Rio de Janeiro, 1995., p. 137. 135 Washington pelo embaixador do Brasil, Roberto Campos, em 22 de abril de 1963, autorizado pelo governo brasileiro através do ministro San Tiago Dantas. Mesmo não sendo um contrato formal, esse memorando era mais do que simples declaração de intenções já que trazia as bases da transação de compra e venda das empresas, faltando apenas definir a forma jurídica e o preço final. 16 A intenção declarada do governo militar era equacionar o problema da nacionalização das empresas multinacionais dos EUA de forma a evitar que o Brasil viesse a prejudicar-se no plano das relações internacionais com a imagem que se criara (...) como inadimplente de compromissos formais e solenes, assumidos pelo seu governo como era o caso do memorando firmado por seu embaixador: um compromisso sem volta!17 Na complexa conjuntura das relações internacionais daqueles meados da década de 1960, considerava o governo do general Castelo Branco que a compra do grupo AMFORP, defendida pelo seu Ministério Extraordinário de Planejamento e Coordenação Econômica, ocupado por Roberto Campos, não se tratava de uma solução lesiva aos interesses nacionais. Assim, o melhor para o país deveria ser uma solução negociada com os Estados Unidos da América, mesmo que o caminho tivesse sido talhado pelo governo deposto. Por isso, o novo governo cuidou de (...) antes de tudo, restaurar o conceito do País nos meios financeiros internacionais, sem preocupações subalternas de desfazer o que porventura estivesse certo pelo só fato de que adversários o haviam feito.18 Isso se deveu à participação de Roberto Campos, que procurou agilizar as decisões pendentes com a nacionalização de empresas estrangeiras, em especial as da AMFORP para que o Brasil, uma vez livre das penalidades previstas na “emenda Hickenlloper”, pudesse obter empréstimos do USAID para vários projetos hidrelétricos, entre os quais a construção de linhas de transmissão de Furnas (Cr$20 bilhões=US$17 milhões), para a Usina de Estreito (Cr$63,6 bilhões=US$53 milhões) 16 Histórico da Operação de Compra... Histórico da Operação de Compra... O assunto é tratado sob a ótica do governo de Castelo Branco em VIANA FILHO, Luís. O Governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1975. 18 Histórico da Operação de Compra... 17 136 e para a Usina de Chavantes, no Paranapanema (Cr$14,4 bilhões=US$12 milhões).19 Do discurso oficial depreende-se um fulcro de continuidade em relação aos assuntos financeiros internacionais - haja visto a própria permanência do exembaixador Campos no “governo revolucionário”, mormente quando envolvia a imagem do país e a possibilidade de o governo federal contrair novos financiamentos e empréstimos internacionais disponíveis no exterior. Por isso, o novo governo queria estabelecer uma nova imagem pública do Brasil no exterior, (...) nos meios financeiros e na economia privada dos cidadãos que têm poupanças domésticas que precisam investir com segurança. (...) Daí a transcendência do princípio da continuidade dos governos no que concerne à fidelidade à palavra empenhada e ao cumprimento dos compromissos assumidos.20 Entendia o novo governo federal que não poderia apenas resolver os casos pendentes e de maior conotação política para com os Estados Unidos da América, como eram as medidas estaduais tomadas em relação às concessionárias de Porto Alegre e Recife, uma vez que a concessionária do Espírito Santo retornara ao status quo anterior, e deixar o problema com as demais concessionárias sem solução ou apenas com a promessa de um novo tratamento tarifário. Segundo esse raciocínio, o tratamento tarifário inadequado para o mercado de energia elétrica vigente no país não lograva acompanhar a inflação. Assim, a falta de remuneração justa às empresas levava-as ao desinteresse em novos investimentos e, em conseqüência, à estagnação dos seus serviços nas áreas servidas.21 Por seu turno, os usuários indispunham-se contra o que lhes parecia trazer mais lucros para as empresas que continuavam a prestar os mesmos serviços, quando não piorados, aguçando o sentimento nacionalista e fazendo aflorar 19 QUINTANEIRO, op. cit., p. 82., nota 2., informa que: (...) Os recursos da “Aliança” eram acenados como solução possível para os problemas econômicos que o país enfrentava, entretanto, como se soube mais tarde, a política das chamadas “ilhas de sanidade administrativa” bloqueou os fundos da “Aliança” para o governo federal. 20 Histórico da Operação de Compra... 21 VIANA FILHO, op. cit. 137 movimentos reivindicatórios como os do Espírito Santo. Assim, reconhecia o governo que (...) a marca do capital estrangeiro nesse quadro, identificando-se com as empresas, quando é o caso, torna mais sensível esse antagonismo entre concessionário e consumidor.22 Aí, portanto, estaria localizada a origem de um problema cuja solução contribuiria para legitimar o novo governo. Nessa mesma lógica, a opinião pública deveria ser levada a distinguir o nacionalismo, considerado lúcido no governo deposto, das orientações ideológicas de esquerda que participavam dos movimentos contra as concessionárias estrangeiras. Assim, (...) a desapropriação de uma das subsidiárias da American & Foreign Power Co. Inc. - AMFORP, pelo Estado do Rio Grande do Sul, com grande alarde publicitário, anunciada e promovida com o caráter efetivo de um confisco, e, mais tarde, tentativa idêntica em relação à subsidiária de Vitória, pelo Estado do Espírito Santo, a que se seguiu um litígio em Recife, com o Estado de Pernambuco, em torno da indenização de parte do acervo reversível ao poder concedente, complicavam o problema.23 Como não houve acerto na permanência da AMFORP no Brasil, em junho de 1964 foi criada uma comissão interministerial presidida pelo presidente da ELETROBRÁS e composta por representantes dos ministérios de Minas e Energia, da Fazenda, do Planejamento, das Relações Exteriores e do Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica para analisar toda a negociação então desenvolvida e os termos do memorando assinado.24 Resultado do trabalho dessa comissão, já em 18 de agosto de 1964, o relatório propunha ao presidente Castelo Branco que o Brasil firmasse um novo memorando após a aceitação das condições tratadas com a AMFORP, com a atualização do antigo memorando de entendimento25 entre o Brasil e os Estados Unidos da América. Como já havia um preço máximo de 135 milhões de dólares 22 23 24 25 Histórico da Operação de Compra... Histórico da Operação de Compra... VIANA FILHO, op. cit. p. 90, nota 8. Documento assinado pelo Embaixador do Brasil em Washington, Roberto Campos. 138 (Cr$162 bilhões) estabelecido, o relatório indicava uma fórmula híbrida entre a fórmula mexicana, já descrita, e a fórmula colombiana, segundo a qual o valor do teto poderia ser baixado após a transação, caso fosse encontrado um valor a menor após a avaliação de uma empresa de auditoria internacional reconhecida pelas partes.26 Quanto ao reinvestimento de parcela do valor pago pelo Brasil no próprio país, a Comissão concluiu por uma proposta que indicava que as aplicações ficariam restritas ao setor de energia elétrica e seriam feitas através da compra de notas promissórias da ELETROBRÁS. Além disso, previa outras medidas consideradas vantajosas para o Brasil tais como a garantia do reinvestimento por prazo definido, evitando a entrada desse capital em setores considerados impróprios ao capital estrangeiro e a impossibilidade de a própria AMFORP comprar empresas nacionais. O resultado da nova negociação promovida pelo governo militar foi a aceleração do acerto do preço e das condições do pagamento, considerados os pontos mais polêmicos. No âmbito legislativo, faltava ainda o governo encaminhar medidas que garantissem a operação pelo Tesouro Nacional, autorizar a ELETROBRÁS a comprar as ações das vendedoras, enquadrar a transação na lei de remessa de lucros, dar isenção de todos os encargos fiscais advindos da operação e prover a ELETROBRÁS dos recursos financeiros para os encargos iniciais da transação. Definidos esses termos a negociação foi finalmente aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada através da Lei 4.428, de 14 de outubro de 1964. Em seguida, foi gerado o Contrato de Compra e Venda entre Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, como Compradora, e American & Foreign Company Inc. e Brazilian Electric Power Company, como Vendedoras, que foi assinado em Washington, D.C., em 12 de novembro de 1964.27 O contrato foi assinado por Octavio Marcondes Ferraz e Ronaldo Moreira da Rocha,28 representantes da ELETROBRÁS, e por João de Oliveira Castro Vianna Júnior que representava o governo brasileiro no papel de 26 Histórico da Operação de Compra... 27 Cf. CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama... p. 199., nota 3. Em 1967, Ronaldo Moreira da Rocha se tornaria presidente da ESCELSA. 28 139 fiador. Pela AMFORP assinou Henry B. Sargent e pela BEPCO William S. Nydorf. A BEPCO era uma subsidiária da AMFORP que possuía todas as ações de suas subsidiárias no Brasil. Apesar de todos os ajustes, foram mantidas as linhas gerais estabelecidas no governo de João Goulart, através do memorando firmado por Roberto Campos que objetivava transferir para o governo brasileiro ou para uma agência indicada por ele (...) todas as ações e créditos possuídos pelas vendedoras na data de 31 de dezembro de 1962 em empresas concessionárias de serviços de utilidade pública.29 O contrato confirmava o acordo em que as vendedoras se comprometiam (...) a reinvestir no Brasil, em empresas de primordial importância para o desenvolvimento econômico do País, montante correspondente a aproximadamente 75% do preço se resolvesse mediante a aplicação de tal importância em títulos da Compradora, resgatáveis no prazo de 20 anos, elevando, assim, para 45 anos o prazo de pagamento da última parcela de preço reinvestida.30 O preço final da transação ficou em US$135,000,000.00 a serem pagos: a) US$10,000,000.00 (Cr$12 bilhões) até 30 dias após a vigência do contrato; b) US$125,000,000.00 (Cr$150 bilhões) em duas notas promissórias datadas de 1 de julho de 1964, sendo a primeira de US$24,750,000.00 com juros vincendos de seis em seis meses a partir de 1 de janeiro de 1965 em diante até completar-se o pagamento à taxa de 6% ao ano e 6,5% sobre a outra nota promissória de US$100,250,000.00 (Cr$120,3 bilhões), com vencimentos em prazos iguais. Os pagamentos destas promissórias foram previstos da seguinte maneira: a nota de US$24,750,000.00 (Cr$29,7 bilhões) seria resgatada no vencimento através da emissão de 44 outras notas promissórias de "Série A" de 6%, negociáveis, com o vencimento da primeira em 1 de janeiro de 1968. As demais deveriam ser quitadas semestralmente até 1 de junho de 1989 e datadas do dia correspondente à última 29 30 Contrato de Compra e Venda entre Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, como Compradora, e American & Foreign Company Inc. e Brazilian Eletric Power Company, como Vendedoras. Washington, D.C. 12 de novembro de 1964. [versão português/inglês]. Centro da Memória da Eletricidade no Brasil/RJ. Contrato de Compra e Venda... 140 data prevista para o pagamento dos juros referentes à nota em troca da qual as notas da série A de 6% fossem emitidas, e com os juros sobre cada uma dessas notas pagáveis a partir dessa data à taxa de 6% ao ano em 1 de janeiro e 1 de junho até a quitação integral.31 Já a nota promissória de US$100,250,000.00 deveria ser resgatada (...) na data do seu vencimento por meio da emissão, em troca, pela Compradora, de uma série de notas promissórias negociáveis, denominada "Série de 6 1/2%. (...) Será constituída por oitenta e três (83) notas com as importâncias de principal (...), a primeira de tais notas pagável em 1º de julho de 1968, e as demais, semestralmente, até 1º de julho de 2009.32 Na Cláusula Nona ficou ainda estabelecido que: (...) a compradora pagará ainda às Vendedoras (...) a) US$7,700,000.00 [Cr$9,2 bilhões] pela transferência e cessão que lhe será feita até a Data do Fechamento de todos os juros devidos e não pagos e de todos os dividendos declarados e não pagos pelas Companhias de Operação, bem como pela transferência e cessão de todos os créditos correntes devidos, na mesma data, pelas companhias de Operação e pela companhia prestadora de serviços.33 E ainda (...) como contrapartida pelo consentimento das Vendedoras em postergar a data da transferência das Ações e dos Créditos à Compradora de 1º de janeiro de 1963 para 30 de junho de 1964, com a manutenção do prazo de carência original, e pelo aumento de certos itens do ativo (...) e redução de certos itens do passivo das Companhias de Operação e da Auxiliar durante o mencionado período, bem como pela transferência e cessão dos direitos das Vendedoras e algumas de suas filiadas não brasileiras sobre juros, dividendos e créditos correntes devidos e não pagos a partir de 31 de dezembro de 1962 e para compensar as Vendedoras por importâncias que, de outra forma, as Vendedoras, no que respeita a tal período, teriam o direito 31 32 33 Contrato de Compra e Venda..., Cláusula Sétima. Contrato de Compra e Venda... Contrato de Compra e Venda..., Cláusula Nona. 141 de receber, em dinheiro, em 1º de julho de 1964, a Compradora concorda em pagar às Vendedoras (...) a soma de dez milhões de dólares americanos (US$10,000,000.00).34 Essa quantia teria de ser paga em 20 prestações semestrais iguais, em vinte promissórias, cada qual de US$500,000.00 (Cr$600 milhões), datada a primeira de 1 de julho de 1964, sendo seu vencimento em 1 de janeiro de 1965 e as demais semestralmente até 1 de julho de 1974, com juros de 6% ao ano. A transferência das empresas de todo o grupo AMFORP para a ELETROBRÁS implicava em que a holding estatal assumisse todas as dívidas incidentes sobre juros, dividendos e créditos correntes das empresas subsidiárias num total de US$7,7 milhões em 31 de dezembro de 1962. Ao mesmo tempo, a ELETROBRÁS assumiria dívidas de todas as empresas com o Export-Import Bank of Washington (EXIMBANK). Obviamente, o Contrato estabelecia que o governo do Brasil daria garantias incondicionais às promissórias que seriam pagas à ordem do Manufactorers Hanover Trust Company, em seu escritório em New York. A questão do preço ainda carecia de verificação independente de acordo com a fórmula colombiana. Por isso, foi acertado um prazo de 180 dias da data do fechamento do Contrato para que o perito contratado pelas partes, a empresa AB Scandinavian Engineering Corporation, examinasse os valores investidos pelas companhias de operação e pela auxiliar existentes em 31 de dezembro de 1962. O acompanhamento desse trabalho ficou a cargo da Divisão de Águas do Departamento Nacional da Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia. Ao fim da análise patrimonial das empresas a auditoria confirmou o valor da transação. Encerrava-se, assim, um longo litígio diplomático entre o governo do Brasil e o dos Estados Unidos da América relacionado aos interesses do grupo AMFORP no Brasil. A decisão atingia ao mesmo tempo dois objetivos: a) capacitava o Brasil a receber os recursos da USAID destinados pelos Estados Unidos da América aos países cooperativos com sua política de investimentos que ficou conhecida por política das ilhas de sanidade administrativa35 e; b) o núcleo das empresas do grupo 34 35 Contrato de Compra e Venda... QUINTANEIRO, op. cit., nota 2. 142 AMFORP serviria de base de organização da ELETROBRÁS que, apesar de formalmente criada desde 1962, só então deslancharia.36 Assim, politicamente, a compra das empresas foi tratada como uma medida de efeitos internos e externos palpáveis: A decisão do presidente, com o apoio do ministério, foi de estenderem-se as mãos à colaboração estrangeira, que, disciplinada com justiça, ajudaria um lídimo nacionalismo. Em resumo, deveríamos substituir um nacionalismo demagógico, que nos levara a reiteradas humilhações, por um nacionalismo que nos permitisse enriquecer para poder falar com altivez.37 No que se refere à Companhia Central Brasileira de Força Elétrica, a AMFORP/BEPCO vendeu suas 249.930 ações ordinárias da empresa, no valor de Cr$49.986.000,00, (Us$41,655.00) ficando 70 dessas ações em mãos de terceiros. Porém, a operadora do Espírito Santo devia à AMFORP em 30 de junho de 1964, o total de US$2,040,000.00 (Cr$2,4 bilhões), referentes a US$1,480,000,00 em empréstimo registrado em US$ a 8% - à vista e US$560,000.00 em empréstimo não registrado em US$ a 8% - à vista.38 Quanto a juros acumulados e não pagos, em dólares, em dezembro de 1962, a CCBFE devia a quantia de US$238,394.58 em juros pagáveis à AMFORP sobre Empréstimos Registrados e US$111,139.99 sobre Empréstimos não registrados. Em relação a Diversos Créditos Correntes as dívidas da CCBFE eram relativas a US$2,000.00 efetuados pela AMFORP a auditores e US$4,564.04 pagáveis à EBASINT por serviços de orientação e consultas. Todos esses compromissos da CCBFE somavam US$356,098.61 (Cr$427 milhões).39 Consta ainda que a CCBFE tinha ainda outras dívidas para com o EXIMBANK discriminadas no Contrato da AMFORP como dívidas das subsidiárias que operam no Brasil, para com entidades estranhas às vendedoras com relação às quais as 36 37 38 39 DREIFUSS, op. cit., p.447-448., nota 1. VIANA FILHO, op. cit. p. 91, nota 8. Contrato de Compra e Venda... Contrato de Compra e Venda... 143 vendedoras tem fianças, garantias, subordinações ou outras obrigações pendentes.40 Neste caso está o registro de US$451,475.00 (Cr$541 milhões) pagáveis em notas promissórias ao EXIMBANK a 4,5%, com vencimentos sucessivos até 15 de dezembro de 1976. Ao Banco do Brasil a CCBFE também devia Cr$27.149.000,00 (US$22,6 mil) em notas promissórias com vencimentos sucessivos até junho de 1965, emitidas em pagamento de contratos de câmbio sendo a taxa de conversão igual a Cr$1.200,00 por US$1.41 Provavelmente, eram contratos relativos a importação de materiais e equipamentos elétricos. Dessa forma, embora o valor declarado das 249.930 ações ordinárias da CCBFE no ato de sua compra tenha sido de apenas Cr$49.986.000,00 (US$41,655.00), calcula-se que o preço pago pela empresa tenha sido de cerca de US$ 3 milhões, incluídos todos os seus compromissos financeiros. Mesmo contando com poucos documentos impressos das administrações da CCBFE e ESCELSA, pode-se dizer que a incorporação da CCBFE pela ELETROBRÁS, o relacionamento entre as duas concessionárias se transformaria. Catarina C. Gonçalves afirmou que, a partir de 1965 (...) o namoro já era noivado. E compromisso de verdade mesmo!42 o compromisso, A compra do grupo AMFORP pela ELETROBRÁS obedecia a um critério de integração entre empresas de energia elétrica intra e interregionais que vinha sendo discutido desde o Conselho de Desenvolvimento do Governo Juscelino Kubtischek visando a expansão do setor. Ao fim dos anos 50 a prática do planejamento econômico consolidara-se no Brasil, exigindo estudos de mercado, localização adequada de novos projetos e integração operacional dos sistemas para que fossem obtidas maior confiabilidade de suprimento e economias de escala, metas somente alcançáveis através de planejamento integrado entre as principais empresas de 40 41 42 Contrato de Compra e Venda... Contrato de Compra e Venda... Ver também Anexos. GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: Maio/2001. p. 8. 144 energia elétrica (FURNAS, CHESF, CEMIG), o Ministério de Minas e Energia e a ELETROBRÁS.43 A primeira medida concreta nesse sentido foi a própria criação da “holding” estatal, a ELETROBRÁS, para a qual foi atribuída a tarefa da coordenação do planejamento da expansão do setor elétrico que antes competia ao BNDE. O início desse planejamento foi estruturado em conformidade com os estudos promovidos pela Canambra Engineering Consultants Limited, organizada em junho de 1962. A Canambra era um consórcio das empresas de consultoria Montreal Engineering e Crippen Engineering (canadenses) e a Gibbs & Hill (norte-americana), que foi organizado pelo governo brasileiro com apoio do Fundo Especial das Nações Unidas para realizar estudos sobre o potencial elétrico do centro-sul brasileiro e propor um programa de expansão para o suprimento da demanda de energia até 1970.44 Os estudos da Canambra levaram a uma estimativa de que a região centrosul do país deveria equipar-se para um crescimento anual da ordem de 11,6% na produção de energia elétrica no período 1962-1970, a fim de sustentar a expansão da demanda nesta região, estimada em 8.260 MW. Segundo um importante estudo do setor elétrico O trabalho da Canambra expressava preocupação (...) com as dimensões alcançadas pelo setor de energia elétrica no país. Essas dimensões, especialmente na região Sudeste, recomendavam concepção mais abrangente dos programas de expansão, uma vez que os sistemas elétricos haviam superado o escopo eminentemente local e os empreendimentos hidrelétricos tendiam a distanciar-se cada vez mais dos centros consumidores. Por essa razão, a avaliação dos projetos hidrelétricos deveria explorar a relação entre aproveitamento de uma mesma bacia hidragráfica e as possibilidades de interligação de sistemas elétricos (...), tendências que se observavam nos trabalhos realizados pelos técnicos da CEMIG e de Furnas.45 43 44 45 CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama..., p. 206-215 passim., nota 3. CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Políticas de governo e desenvolvimento do setor de energia elétrica. Do Código de Águas à crise dos anos 80 (1934-1984). RJ: 1995. 190p. cap. 3. Ib, p. 105. 145 Destacando ainda mais o papel da ELETROBRÁS na reestruturação do setor elétrico do centro-sul, o Decreto 57.927, de 19 de novembro de 1965, atribuiu-lhe competência para definir a participação de cada empresa concessionária, sujeitando as novas concessões ao cumprimento de pré-condições básicas, tais como a inclusão do projeto no programa de obras prioritárias do Comitê Centro-Sul, a capacidade de absorção pelo sistema da concessionária de energia a ser gerada e também a sua capacidade de obter financiamento.46 Posteriormente, o Decreto 60.824, de 7 de junho de 1967, definiu melhor as competências de DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica) como órgão concessor, enquanto à ELETROBRÁS caberia a operação dos sistemas empresariais do setor elétrico. Este diploma legal aprofundou a tendência de absorção e fusão ao recomendar a conveniência de concentrar em número limitado de empresas de eletricidade, (...) a ação da ELETROBRÁS e dos governos estaduais no setor. Explicitando ainda mais essa tendência, o Decreto 60.824/67 também estabelecia que a ELETROBRÁS deverá providenciar para que as empresas (...) sejam integradas (...) em empresas de âmbito regional.47 Assim, quando a CCBFE foi adquirida pela ELETROBRÁS a unificação dos sistemas das duas maiores concessionárias do Espírito Santo passou a ser um tema inevitável, não apenas porque o processo de interligação de sistemas em empresas regionais já estava prevista na legislação e sendo posta em prática em outras empresas mas, sobretudo, porque juntos o BNDE e ELETROBRÀS já detinham o controle acionário do capital com direito a voto na ESCELSA. Isso tornava possível subordinar os interesses do governo estadual às metas de reestruturação do setor de energia no Estado do Espírito Santo em qualquer momento. Mas enquanto Chiquinho manteve-se no governo e Asdrúbal Soares esteve à frente dos desígnios da ESCELSA isso não ocorreu. Em 1965 a diretoria da ESCELSA preocupava-se ainda em (...) habilitar a Companhia a atender a tempo e hora à soma de serviços resultantes de sua crescente expansão (...). Por isso, encomendou um projeto de reestruturação 46 47 Ib. Ib, p. 100. 146 interna da empresa à Organização e Engenharia S.A.48 As alterações organizacionais implantadas na Companhia acabaram por facilitar a fusão com a CCBFE ainda que esse intuito não fosse deliberado. Contudo, logo o mandato do governador Chiquinho seria cassado pelo regime militar no rastro de uma onde de expurgos sob a alegação do combate à corrupção mas que, na verdade, visava eliminar focos de oposição de lideranças políticas expressivas para com o novo regime. Em seu lugar assumiria o vice, Rubens Rangel (5.04.1966 a 31.01.1967) que conduziria o curto governo de forma a preparar um planejamento para a ação do seu sucessor, sobretudo no que dizia respeito à questão da energia. Em termos da montagem do núcleo de poder no governo capixaba, a deposição de Chiquinho e a condução do vice-governador Rubens Rangel ao Governo do Estado era pensada de maneira a dar o tempo necessário para que fosse escolhido um nome da ARENA para a tarefa de liderar o planejamento do Governo do Estado em sintonia com os vultosos investimentos em infra-estrutura econômica que estavam disponíveis, sobretudo no setor de energia elétrica. A escolha do governador que faria a fusão da ESCELSA com a CCBFE ficou decidida numa lista tríplice formada pelo então senador e ex-vice-Governador Raul Gilberti, pelo senador Jefferson de Aguiar e pelo ex-assessor de Jones e então deputado estadual Christiano Dias Lopes Filho. O nome de Christiano foi apresentado diretamente ao presidente Castelo Branco pelo deputado federal pelo Ceará, Paulo Salazarte, um amigo íntimo de Castelo que presidia a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos (CNEG). Desde os anos do Governo Jones, a cooperação da CNEG com os projetos de criação de unidades escolares estaduais se dera através de Christiano Filho, que presidia a Campanha no estado, e resultou na fundação de inúmeros colégios nos bairros IBES e Jardim América, junto à capital, e em municípios como Santa Tereza, São Mateus, Nova Venécia, Itarana, Itaguaçu, Jerônimo Monteiro e Bom Jesus do Norte, dentre outros. Porém, mesmo considerado um político cuja trajetória se 48 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1965. 147 “afinava” com os “ideais da revolução”, a falta de projeção nacional de Christiano Lopes Filho fez com que o presidente da República repassasse a escolha final para a Assembléia Legislativa, que acompanhou a indicação de Castelo. Ao ser escolhido para o Governo do Estado, Christiano Dias Lopes Filho já encontrou um ambiente de cooperação das autoridades estaduais que lhe permitiram utilizar os nove meses do Governo Rangel para aprofundar as análises sobre a realidade econômica do Espírito Santo e preparar a ação estratégica de seu governo. Um dos principais trabalhos do futuro governador seria o de conduzir os entendimentos com o governo federal visando a fusão da CCBFE com a ESCELSA. Christiano e sua equipe de planejamento entendiam que os investimentos que o governo federal fazia na CCBFE para viabilizar o Porto de Tubarão davam total autonomia e recuperavam a capacidade de investir da empresa; ao mesmo tempo, a construção da Usina de Mascarenhas, cujas obras estavam em andamento, também deixaria a CCBFE totalmente independente do Governo do Espírito Santo e da ESCELSA.49 Entretanto, para a equipe de planejamento do futuro governo, a ESCELSA (...) que em certo momento de nossa história, foi a afirmação da capacidade do capixaba para superar suas próprias necessidades e constituiu um fator extraordinário para nos retirar do imenso atraso de disponibilidades energéticas em relação ao Brasil, não tinha a menor perspectiva de ampliar sua capacidade de geração.50 Atuando como o aval de Rangel, Christiano obteve recursos da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo (FINDES) para custear um levantamento da situação econômico-financeira do Estado e elaborar o planejamento de seu próprio governo: (...) O processo começou ali e prosseguiu no meu governo. (...) Todo o processo ele me chamava. Prá você ver o empenho do Sr. Rubens para facilitar as coisas para o meu governo, quando eu fui escolhido eu precisava fazer o meu 49 50 Mensagem do Governador Christiano Dias Lopes Filho à Assembléia Legislativa correspondente ao exercício de 1968. In: Estado do Espírito Santo: um estado em marcha para o desenvolvimento. Vitória: 1969., p. 38. Ib. 148 plano de governo. E eu tinha que começar, prá fazer um análise da situação econômico-financeira do Estado e fazer o plano de desenvolvimento econômico que ia servir de suporte para as ações de governo. Mas acontece que o Sr. Rubens virou-se para mim e disse: mas, governador, o Estado não tem dinheiro para pagar esses estudos. Foi então que eu consegui com a Federação das Indústrias que ela pagasse os estudos que foram feitos para a montagem da minha ação de governo. Ele era um homem assim. Não tinha dificuldades nem subterfúgios. Ele dizia logo o que podia e o que não podia.51 Ao mesmo tempo em que se dedicava a planejar as futuras ações de governo, Christiano Filho, uma vez na condução política da “revolução” no Espírito Santo, empenhava-se para dar à fusão das empresas um caráter de êxito dos ideais nacionalistas originados na luta pela encampação da CCBFE no início da década de 1950, de forma a resgatar os objetivos da libertação do Espírito Santo desse domínio da empresa privada.52 Assim, o governo atuava de forma a dar seqüência ao planejamento da ELETROBRAS quanto à fusão das empresas. As evidências de que lentamente a CCBFE e a ESCELSA terminariam por se “casar”, dando origem a uma nova concessionária, estavam cada vez mais presentes. O primeiro indício foi dado com a substituição de Asdrúbal Soares por Firmo Ribeiro Dutra, um técnico da ELETROBRÁS, na presidência da ESCELSA.53 Isso ocorreu juntamente com a recondução de Nelson Monjardim Faria Santos para diretortécnico, ocorrida em 24 de maio de 1966. Firmo Dutra também já assumira um dos cargos da diretoria da CCBFE, sob a presidência de Ronaldo Moreira da Rocha.54 O Dr. Firmo Dutra era engenheiro da CAEEB (Cia. Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras), uma das empresas do grupo AMFORP encarregada da administração das demais operadoras no Brasil. Homem de cerca de 80 anos nos 51 52 53 54 LOPES F°, Christiano D. 2002. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: nov/2002. p. 10. LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista..., p. 10. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1965. O Conselho Fiscal era composto por: Alfeu Francisco Maciel Braga, José Saad e Heráclito Moraes. Não houve acesso ao acervo documental sob guarda da ESCELSA atual relativo ao período 1956-1968. O presidente da CCBFE que substituiu Vicente Burian, morto em janeiro de 1967, foi Léo Amaral Penna. Contudo, em abril de 1967, Ronaldo Moreira Rocha já havia assumido o cargo juntamente com Firmo Ribeiro Dutra na diretoria da CCBFE. Devido à carência de fontes, não foi possível precisar datas de mudanças de diretorias na CCBFE. 149 meados da década de 60, era muito persuasivo e tinha a missão de preparar a unificação dos sistemas das empresas imprimindo-lhes condições de execução do plano de investimentos que o governo federal levaria a cabo no Espírito Santo. Segundo informa Clodoaldo Ewald: (...) ele vinha aqui, não era daqui; ficou aqui até fazer-se a fusão, as primeiras estruturações...55 O futuro governador Christiano conhecera Firmo Dutra em Vitória e dele logo se tornou amigo e sabia que o engenheiro estava em Vitória para (...) Colocar a ESCELSA em condições de ser associada ou absorvida pela Central Brasileira de Força Elétrica.56 Por isso, valia-se de seus contatos com Firmo Dutra para estabelecer um canal de interlocução com a ELETROBRÁS, aproveitando-se do momento em que eram elaboradas as leis e outros atos legais de reestruturação do setor elétrico nacional. Porque ele era o representante do governo federal, da ELETROBRÁS, e foi através dele que nós conseguimos que a ELETROBRÁS reconhecesse o nome ESCELSA (...).57 Nesse caminho de articulação política com o governo federal, o Governo do Estado tentava fazer prevalecer na futura empresa o nome ESCELSA por considerá-lo significativo para a antiga “ala jonista” do extinto PSD e para toda a sociedade capixaba que lutara pela criação da empresa na década de 50, transformando-a em símbolo da presença do Estado na luta contra o capital estrangeiro. (...) essa diretriz do governo federal com relação às empresas de fornecimento de energia, de produção de energia estatizadas estavam dentro daquela linha que nós aqui defendíamos quando aqui brigamos contra a Central Brasileira. Então, para nós foi um reconhecimento singular de que a melhor solução era através do Estado. E ficou provado (...).58 55 56 57 58 EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: maio/2001. p. 9. LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista..., p. 23. LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista..., p. 10. LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: novembro/2002. p. 10. 150 Como a CCBFE já havia se transformado em uma empresa estatizada não havia nenhuma oposição a que ela absorvesse a ESCELSA, de acordo com a condução da fusão, visando gerar uma terceira companhia. Sob o ponto de vista do planejamento da interligação do sistema no centro-sul a empresa que adviria da fusão ESCELSA/CCBFE era concebida como uma integração de estruturas administrativas e operacionais que se subordinariam à transmissão e distribuição da CEMIG no Espírito Santo e à construção da Usina Hidrelétrica de Mascarenhas prevista para operar em 1975, e a operação, transmissão e distribuição de sua energia. Conhecedor e participante desse projeto, o futuro governador buscou encaminhar uma negociação política com a ELETROBRÁS utilizando-se para isso de todos os canais políticos para interlocução que dispunha: (...) havia uma linha de entendimento ideológico no governo federal da estatização dessas empresas. Era uma linha de procedimento.59 Mas o Governo do Estado queria maiores concessões do Executivo federal para abrir mão da ESCELSA. Sobressaía nos membros do núcleo do governo a consciência de seu próprio envolvimento histórico no processo de criação da empresa, sendo ela o resultado do esforço da sociedade capixaba para que se criasse uma alternativa ao capital estrangeiro; esforço esse que tinha em Jones dos Santos Neves, ícone pessedista, seu precursor e autor do próprio nome da empresa. Assim, havia muita resistência à extinção pura e simples da ESCELSA. Isso implicava que a negociação haveria de passar pela concessão de algumas garantias de participação do Estado do Espírito Santo na futura empresa bem como na manutenção do nome original. Dessa forma, o governador fez gestões junto à diretoria da ELETROBRÁS e mesmo junto ao ministro Mauro Thibau, de Minas e Energia: (...) Eu disse a ele, olha, a ESCELSA tem um significado especial para o Espírito Santo porque ela foi a marca da ação do governo contra a negligência do mercado... do capital privado. Então, nós queríamos uma única coisa nesse 59 LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista... p. 24. 151 processo de fusão de empresas, de criação de novas entidades. Que se conservasse o nome de ESCELSA.60 Assim, a partir do segundo semestre de 1966 o Governo do Estado iniciou uma longa negociação para a fusão da CCBFE com a ESCELSA que só se completaria em meados de 1968. Nesse ínterim, deu prosseguimento aos entendimentos com a ELETROBRÁS com uma pauta de negociação que expressava, em primeiro lugar, o receio de que a nova empresa pudesse vir a ser controlada por uma afiliada da ELETROBRÁS de outra unidade da Federação e, com isso, os interesses capixabas fossem subjugados a outro governo estadual. Em segundo lugar, exigia que a nova empresa também realizasse investimentos em pontos nãorentáveis do território capixaba e em pequenos projetos, de molde a propiciar um aceleramento do processo de desenvolvimento.61 Por último, que permanecesse o nome ESCELSA Espírito Santo Centrais elétricas S.A. Partindo do princípio de que o Espírito Santo era um estado ilhado historicamente por ter sempre sido excluído do núcleo decisório e dos pólos geradores de riqueza do Brasil desde o período colonial, o governador Christiano Dias Lopes Filho considerava que o Espírito Santo estava sendo ainda mais prejudicado pelos erros do Programa de Erradicação dos Cafezais, que fragilizava a economia agrícola capixaba e retirava cerca de 60.000 postos de trabalho no campo. Em seus discursos, preconizava que o Espírito Santo era economicamente achatado porque nem participamos do impulso dinâmico do centro-sul e não nos beneficiamos da política de incentivos endereçada para o Norte e o Nordeste, concretizada na SUDENE.62 Em decorrência dessa ausência de políticas de desenvolvimento integrado com a participação do Estado, o governo estadual acreditava que a ESCELSA, a despeito de seu crescimento e a consecução e ampliação de suas metas para o setor de energia elétrica, não se coadunava em autonomia financeira frente ao projeto da ELETROBRÁS a que a empresa encontrava-se fortemente atrelada. Ou seja, dentro 60 61 LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista..., p. 23. Mensagem do Governador Christiano Dias Lopes Filho à Assembléia Legislativa correspondente ao exercício de 1968. In: Estado do Espírito Santo: um estado em marcha para o desenvolvimento. Vitória: 1969., p. 38-39. 152 da racionalidade da industrialização associada, fortemente baseada em empreendimentos industriais de grande envergadura, o necessário aporte de capitais públicos suplantava todas as possibilidades de investimentos da ESCELSA e do Governo do Estado (...) a constante preocupação de governo ante os maciços investimentos que a ELETROBRÁS vem procedendo em nosso Estado (...) operando diretamente à área dos grandes consumidores industriais, marginalizando a ESCELSA e concluiria no estrangulamento da empresa estadual, condenada a se contentar, em futuro bem próximo, com a simples condição de pequena empresa geradora de energia domiciliar.63 A razão desse entendimento era a forma como a economia do Espírito Santo já demonstrava a profundidade das alterações implementadas desde a erradicação de cafezais e da ampliação dos sistemas elétricos e núcleos industriais desde a final da década de 1950. A tabela 3-1 demonstra a magnitude dessas mudanças em relação ao conjunto do país: tabela 3-164 EVOLUÇÃO COMPARADA DE FATORES E PRODUTO ESPÍRITO SANTO/BRASIL - 1960/70 DISCRIMINAÇÃO E. Santo 60/70 Brasil 60/70 Taxas de crescimento do produto . PIB total............................................ . População......................................... . PIB per capita................................... 7,0 % a.a. 1,2 % a.a. 5,7 % a.a. 6,0 % a.a. 2,9 % a.a. 2,8 % a.a. 0,9 % a.a. 1,6 % a.a. 0,7 % a.a. 2,7 % a.a. Expansão dos fatores de produção . Área de estabelecimentos agrícolas. . PEA.................................................... 62 63 64 Ib, p. 22-23.. ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1967-1971: Lopes Filho). Mensagem do governador do Estado do Espírito Santo à Assembléia Legislativa. 23.08.1967. Vitória: [s.n.]. Prot.767/Arq.Publ.Estadual. FIBGE. Apud. RODRIGUES, Lélio. A década de 1960. In: GOVERNO DO ESTADO (ESPÍRITO SANTO). As etapas do processo histórico de desenvolvimento sócio-econômico do Espírito Santo. Vitória: março/1975. 153 . Poupança interna.............................. 7,5 % a.a. 13,9 % a.a. No que tange aos deslocamentos populacionais provocados pela alteração da economia cafeeira e a definição de um perfil industrial para o espaço econômico do Estado do Espírito Santo, verifica-se que a ampliação do contingente de trabalhadores de 8,2% no setor secundário e de 9,6% no setor terciário da economia capixaba ocorreram em conseqüência da redução da disponibilidade da mão-de-obra da lavoura e da pecuária e de outras atividade de subsistência da ordem de 17,8% entre 1960 e 1970. A tabela 3-2 resume o redirecionamento da mão-de-obra neste período: 154 tabela 3-265 COMPOSIÇÃO SETORIAL DO PEA/ES - 1960/70 SETOR 1960 1970 Taxa a.a. (60/70) PRIMÁRIO 70,3 % 52,5 % (-) 2,2 % SECUNDÁRIO 5,4 % 13, 6 % 10,6 % TERCIÁRIO 24,3 % 33,9 % 4,1 % Assim, Governo do Estado entendia ser necessário forçar uma negociação com a ELETROBRÁS visando obter da fusão da ESCELSA com a CCBFE o máximo de recursos para aplicação em outros projetos de fomento econômico, sobre diante da condição subordinada da ESCELSA frente aos ambiciosos projetos federais. A começar pelo controle da ESCELSA, Christiano defendeu uma posição contrária à orientação da própria ELETROBRÁS, cuja intenção era manter o controle das empresas estaduais sob os respectivos governos. O Espírito Santo, ao contrário, buscou reservar para si não mais que uma pequena parcela das ações. O expresidente da ELETROBRÁS, Mário Bhering, assim destacou a singularidade da negociação da fusão da ESCELSA: Iniciamos naquela época, (...), a transferência das companhias de distribuição para os estados, porque a ELETROBRÁS deveria ficar com as grandes companhias regionais. Essa era a idéia. Tanto que hoje só a ESCELSA e a LIGHT (...) são companhias de distribuição controladas pela ELETROBRÁS. Naquela ocasião, o governador do Espírito Santo propôs o contrário de todos os governadores: “Eu não quero a companhia de Vitória.” A ESCELSA, então, passou a ser controlada pela ELETROBRÁS, criando uma situação realmente excepcional.66 Utilizando-se dos canais mais variados de convencimento dos interesses capixabas, o governo finalmente obteve um acordo com a ELETROBRÁS que levava em conta: a) a continuação da denominação ESCELSA Espírito Santo Centrais 65 66 FIBGE. Apud. Ib. CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Ciclo de Palestras: a Eletrobrás..., p. 119. 155 Elétricas S/A à futura empresa; b) a primazia do Governo do Estado para adquirir lotes de ações de até 45% do controle acionário da empresa, nas ocasiões de elevação de capital - a participação do Estado foi estabelecida em 5% na negociação; c) a garantia de participação na direção da empresa; d) quando da elevação do capital, a ELETROBRÁS subscreveria diretamente as ações e nunca através de subsidiárias; e) a garantia de investimentos da ELETROBRÁS em dobro do que o Governo do Estado aplicasse, desde que utilizando as quotas do Imposto Único sobre Energia Elétrica pertencentes ao Espírito Santo que seriam liberadas após a transação da fusão, e exclusivamente em projetos aprovados pelo Ministério de Minas e Energia, e f) a garantia de quorum qualificado nas assembléias da nova empresa, de modo que nenhuma alteração dos pontos do acordo pudesse ser feito no futuro sem o voto do Estado.67 Mas, ainda assim, a finalidade dos investimentos que seriam feitos no setor elétrico no Espírito Santo apresentava uma contradição para os ocupantes do novo Governo do Estado, nacionalistas históricos e contrários ao capital estrangeiro, na medida em que os projetos de infra-estrutura energética do governo federal visavam propiciar a implantação de empreendimentos públicos que, em última instância, beneficiariam interesses interligados aos grupos transnacionais. No Espírito Santo, muitos do grupo que alcançou o poder com o golpe de 1964 eram pessoas que acusavam os capitalistas estrangeiros de praticar “excesso de lucros” e de serem os responsáveis pelos “gargalos” ao desenvolvimento industrial e agrícola do país. Mas, uma vez no centro do regime autoritário, o grupo liderado por Christiano D. Lopes Filho assim justificava seu envolvimento nos chamados “grandes projetos” industriais destinados ao Espírito Santo: (...) quando o contrato era feito para esse investimento já tinha a parte de garantia de fornecimento de energia do Estado, compreendeu? Também não podia dificultar. Tinha que apoiar!68 67 68 Mensagem do Governador Christiano Dias Lopes Filho à Assembléia Legislativa correspondente ao exercício de 1968. In: Estado do Espírito Santo: um estado em marcha para o desenvolvimento. Vitória: 1969., p. 38-39. LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista..., p. 10. 156 Assim, cuidando de acomodar os interesses envolvidos e evitar os conflitos que adviriam da disparidade entre os investimentos em geração de energia elétrica destinados ao consumo geral da população capixaba e aqueles exclusivos dos interesses empresariais privados num estado onde o governo possuía forte matiz nacionalista e regionalista, a ótica legitimadora dos grandes investimentos federais associados aos interesses dos conglomerados estrangeiros justificava-se pelo repasse de parcela da energia total a ser produzida para o consumo geral, em benefício de outros empreendimentos dentro do território capixaba. Em outras palavras, o núcleo do governo estadual interessava-se em aumentar a disponibilidade energética beneficiando-se da produção planejada para os empreendimentos federais em parcerias com acionistas privados internacionais, como é o caso da CVRD e da COFAVI, ou simplesmente de empreendimentos privados cujos investimentos eram definidos pela cúpula técnico-burocrática que ocupava os órgãos de decisão do planejamento e financiamento federais, como ocorreu com a Aracruz Celulose S/A.69 Por isso, o governo estadual trabalhava pela fusão; por considerar-se contemplado em seus interesses econômicos e em suas origens nacionalistas pela estatização dos serviços de energia elétrica. Uma vez que estavam acertadas a forma de participação do Estado do Espírito Santo e mantido o nome ESCELSA, era possível passar à fase de formalização legal da fusão ESCELSA/CCBFE. Doravante, o Governo do Estado passaria então a encaminhar a integração dos sistemas elétricos em geração, transmissão e distribuição de eletricidade e delinear os contornos da nova empresa. b) O arranjo técnico: 69 DREIFUSS, op. cit. p. 508-563 passim. Apêndice A. nota 1. 157 A encampação da CCBFE pela ELETROBRÁS ocorrida em novembro de 1964 fez o setor de energia elétrica espírito-santense entrar em uma nova e promissora fase de investimentos em geração mas, sobretudo, em transmissão e distribuição, seguindo duas vertentes diferentes. De um lado, a ampliação da antiga rede de geração e distribuição da Central Brasileira e sua interligação com o Sistema FurnasCEMIG. Essa ampliação se daria através da construção da linha de transmissão Governador Valadares-Porto de Tubarão para atender aos usuários em grosso, principalmente aquelas empresas industriais do próprio governo federal em funcionamento ou em projeto no Estado. Havia também as empresas privadas que beneficiavam-se da infra-estrutura energética e dos transportes que o Poder Público – federal e estadual – montava. Porém, a definição desses projetos era de extrema urgência uma vez que, ainda em 1965, as deficiências no abastecimento de energia se agravavam, forçando a Central Brasileira a instalar duas novas unidades geradoras a diesel na Usina Termelétrica de Vitória, com as características das outras 7 existentes (1.000 kW de potência). Uma outra unidade geradora a diesel também foi instalada na Usina Termelétrica de Cachoeiro de Itapemirim, somando-se às duas já existentes.70 De outro lado, a ESCELSA atuava segundo o Plano de Eletrificação de 1951 e, com recursos próprios, do Governo do Estado ou repassados pelo BNDE ou ELETROBRÁS, lograva assumir seu papel no sistema elétrico estadual atingindo, à medida em que cumpria cada meta prevista, a capacidade de produção e expansão estimada naquele Plano. Assim, a ESCELSA também não deixou de receber os recursos necessários da esfera federal para realizar seus projetos e atuar significativamente na integração de seu sistema com o sistema CCBFE para cobrir todo o território capixaba. Enquanto prosseguia sua expansão para o interior do estado, a ESCELSA foi diversificando seu atendimento direto aos consumidores públicos e privados, já que o sistema agora contava com a energia de Suíça. Em 1965 - 9 anos depois de sua fundação e a 6 anos de sua entrada em operação - a ESCELSA aumentava sua 158 capacidade instalada em 30.000 kW, contando com um parque energético renovado e em expansão. (...) o principal fator que contribuiu para o incremento de suas atividades foi a entrada em funcionamento da Usina Suíça. Inaugurada em 31 de janeiro entrou em efetiva operação em março do corrente ano, proporcionando à ESCELSA um aumento de mais de 100% em sua geração de energia.71 A entrada em funcionamento da Usina Suíça deu novo impulso às operações da ESCELSA no Estado do Espírito Santo. Suíça, finalmente acabada, possibilitou suprir não só a expansão dos serviços nas localidades em que a empresa assumiu a distribuição da energia elétrica como também abastecer o consumo doméstico, comercial e industrial que se expandia nas áreas de concessão da CCBFE, cuja demanda não era plenamente satisfeita com as usinas de Rio Bonito e Rio Prêto e com as outras 23 usinas térmicas, espalhadas em 16 localidades em 9 municípios servidos pela ESCELSA. Com a nova capacidade produtiva da ESCELSA, fez-se necessário uma reestruturação societária da empresa. Isso foi providenciado também sob a presidência de Asdrúbal Soares na vigência do segundo governo de Chiquinho (1963início de 1966), que convocou a Assembléia Geral Extraordinária de 3 de novembro de 1965 para propor uma elevação do capital de Cr$1.000.000.000,00 (US$491,000.00) para Cr$5.000.000.000,00 (US$2,457,000.00) e uma alteração no quadro de acionistas que era composto pelos financiadores e/ou avalistas dos contratos e compromissos da ESCELSA. Essa alteração de capital foi necessária em virtude de dispositivo legal que determinava que os repasses federais superiores a Cr$100.000.000,00 (US$49,000.00) para a ESCELSA fossem convertidos em ações preferenciais em nome da ELETROBRÁS.72 Maior acionista, o governo estadual passou a deter Cr$2.794.744.000,00 (US$1,373,000.00) em ações ordinárias e Cr$11.826.000,00 (US$5.811,00) em ações 70 71 72 CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Usinas de Energia Elétrica no Brasil 18831999. RJ: [199..]. ESCELSA. Relatório da Diretoria de 1965. ESCELSA. Relatório da Diretoria de 1965. 159 preferenciais sem direito a voto de valor unitário Cr$1.000,00. As ações seriam integralizadas em Cr$1.444.077.000,00 (US$710,000.00) em moeda corrente através do Imposto Único sobre Energia Elétrica e da Taxa de Eletrificação a serem arrecadados no ano de 1966. O segundo maior acionista era a própria ELETROBRÁS, com Cr$1.740.392.000,00 (US$855,000.00) em ações preferenciais sem direito a voto e Cr$329.968.000,00 (US$162,100.00) em ações preferenciais com direito a voto. Em posição terciária, a CVRD detinha Cr$118.784.000,00 (US$58,000.00) em ações preferenciais sem direito a voto que foram negociadas por dívidas de contratos de financiamento com a ESCELSA entre os anos de 62 a 65. O restante do capital societário era distribuído entre diversos acionistas.73 Quanto aos principais financiadores de projetos da ESCELSA, eram a própria ELETROBRÁS, o BNDE, o GERCA (Grupo Executivo para Recuperação da Cafeicultura) e a Cia. Vale do Rio Doce.74 Com a ELETROBRÁS fora firmado contrato em 31 de janeiro de 1964 no valor de Cr$1.360.000.000,00 (US$890,000.00) para a conclusão das obras da Usina Suíça.75 Em relação ao BNDE, houve ainda um outro empréstimo referente ao Contrato 216,76 possivelmente também para a conclusão de Suíça. Entretanto, em conseqüência de atrasos nas obras de Suíça e o retardo na sua entrada em operação, as prestações ficaram vencidas sem pagamento. Além disso, a empresa também não honrou esses compromissos em dia devido à falta de recolhimento da Taxa de Eletrificação vinculado àqueles contratos e ao baixo faturamento proporcionado por tarifas defasadas. Já o GERCA, era o responsável pelo financiamento das obras de construção da Usina da Cachoeira do Inferno e da Cachoeira da Fumaça, além das linhas de transmissão de Cachoeira do Oito-São Gabriel e de Santa Teresa-Afonso Cláudio.77 A ESCELSA contava também com recursos recebidos diretamente do Ministério de Minas e Energia e da ELETROBRÁS que eram utilizados para substituição, reforma e reparos nas linhas de transmissão e redes de distribuição pelo território capixaba. 73 74 75 76 77 ESCELSA. ESCELSA. ESCELSA. ESCELSA. ESCELSA. Relatório Relatório Relatório Relatório Relatório da da da da da Diretoria Diretoria Diretoria Diretoria Diretoria de de de de de 1965. 1965. 1965. Não houve acesso ao contrato 181 de 21/10/1960. 1965. Não houve acesso ao contrato 216. 1965. 160 Em 1965, o Ministério de Minas e Energia repassou à empresa o valor de Cr$2.232.129.000,00 (US$1,200,000.00) correspondentes a 77% da sua captação durante o ano, que totalizou Cr$2.881.352.000,00 (US$1,557,000.00). Esse valor global provinha, além do repasse do Ministério de Minas e Energia, de 4% do Governo do Estado (Taxa de Eletrificação), 4% da ELETROBRÁS, 7% do Imposto Único sobre Energia Elétrica e 6% de recursos próprios que serviram para dar prosseguimento tanto à expansão do sistema de produção e distribuição da ESCELSA como para sua estruturação interna.78 Enquanto isso, os Cr$116.800.000,00 (US$58,4 mil) arrecadados pelo governo do Estado sob a rubrica Taxa de Eletrificação foram aplicados na compra de 4 grupos geradores destinados aos municípios de Montanha (1), São Mateus (1) e Guaçuí (2). Outro repasse de Cr$125.700.000,00 (US$68,000.00) da ELETROBRÁS subscreveu 125.700 ações preferenciais da ESCELSA e custearam os estudos de aproveitamento integral do rio Santa Maria. Por último, a quantia de Cr$210.111.000,00 (US$113,500.00) referente à cota-parte do Espírito Santo no Imposto Único Sobre Energia Elétrica, liberada pelo Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, serviu para amortizar dívidas referentes aos contratos de financiamento nº 181 e 216 com o BNDE.79 Prosseguindo sua expansão no ano de 1965, a ESCELSA assumiu a distribuição de energia nos municípios de Aracruz, Guarapari, Anchieta, Piúma, Iconha e Alfredo Chaves, possibilitada por sua interligação ao sistema CCBFE. Essa função de assistir os municípios interioranos foi sendo gradativamente assumida pela ESCELSA à medida em que os projetos de interligação de redes locais ao seu sistema eram aprovados diretamente pelo financiador ou encaminhados via prefeituras municipais. Isso ocorria mesmo nas localidades onde o fornecimento de energia elétrica cabia às prefeituras ou a outras pequenas empresas privadas, através de convênios com a ESCELSA e da elaboração de projetos de interesse local de construção, manutenção ou reforma de linhas e redes de distribuição, fornecimento de geradores e motores diesel, além de preparação de planos de aplicação de verbas 78 79 ESCELSA. Relatório da Diretoria de 1965. ESCELSA. Relatório da Diretoria de 1965. 161 vindas do Orçamento Federal para atendimento de comunidades rurais e núcleos urbanos do interior do estado. No mesmo ano de 1965, ou seja, no ano seguinte à compra da CCBFE pelo governo federal, foram executadas as obra de remodelação dos serviços de energia elétrica de Afonso Cláudio, a ampliação da rede elétrica rural de Aracruz, dos serviços de luz e rede de distribuição em Piúma, a ampliação e melhoria da rede de distribuição de São Domingos e de Marilândia, e a extensão da rede até São João Pequeno, em Colatina. Foram também executadas a ampliação das subestações de Guarapari e Colatina, a conclusão da Usina Hidrelétrica do Rio Santa Maria, em Aracruz, a melhoria no serviço de luz e força em Afonso Cláudio através da linha de transmissão Afonso Cláudio-Serra Pelada, a ampliação da rede de Colatina até Itapina, e a construção de linhas de transmissão em áreas rurais em Rio Bananal e São Rafael, em Linhares, e em Ecoporanga, Aracruz, Colatina, São Mateus, Bananeiras e Cachoeiro de Itapemirim. Para a diretoria da empresa, tamanha injeção de recursos financeiros em obras nesse ano correspondeu, principalmente, à excepcional expansão dos serviços atribuídos à ESCELSA. Graças a esses recursos a empresa abriu várias novas frentes de expansão dos seus serviços. Assim, foi elaborado um anteprojeto visando a construção da Usina de Santa Maria, no rio do mesmo nome. Em São Mateus foram retomadas as obras do desvio do rio São Mateus, a escavação da barragem e a construção da estrada de acesso à casa de máquinas da Usina da Cachoeira do Inferno, que estavam paralisados aguardando recursos. Ao mesmo tempo, a ESCELSA buscava o aproveitamento integral do potencial da Usina Hidroelétrica de Fumaça, cujo projeto de construção estava em reestudo pela empresa Noreno do Brasil S.A. Por último, prosseguiam as obras de construção da barragem da Usina de Rio Prêto, no município de Barra de São Francisco. Enquanto uma frente executava as obras, o setor técnico da ESCELSA providenciava estudos de expansão, através de inúmeros projetos de aproveitamento dos cursos d’água existentes no Espírito Santo e melhoria das pequenas usinas já em operação por prefeituras ou pequenas empresas que foram sendo incorporadas pela empresa. 162 No ano em questão, foram feitos os estudos para a reforma da Usina de Urupi. No município de Muniz Freire foram elaborados estudos para aproveitamento do equipamento da Prefeitura Municipal na cachoeira do rio Pardo, onde seria construída uma usina. Neste município foi feito ainda um plano de aplicação para a reforma da Usina Hidroelétrica de Vieira Machado. Na localidade de Prosperidade, em Cachoeiro de Itapemirim, foram elaborados estudos para montagem e aquisição de um gerador – efetivamente adquirido – a ser montado numa turbina já existente na localidade, vindo a suprir a demanda local a partir do que já havia instalado anteriormente. No município de Pancas foi elaborado um projeto para instalação do equipamento da prefeitura da cidade numa usina hidrelétrica a ser construída no Rio Pardo, junto à localidade de Vila Verde, e um plano de aplicação para a melhoria da oferta de energia elétrica à sede do município através da construção de uma nova usina no Rio Pancas. Em Conceição da Barra foram elaborados estudos, projetos e um plano de aplicação para a reforma da rede de distribuição elétrica da sede da cidade, além de planos de aplicação para aproveitamento do braço norte do Rio Itaúnas, na localidade de Cristal. No município de Barra de São Francisco a ESCELSA elaborou o projeto da Usina de Água Doce, no Rio Prêto, a ser construída junto ao distrito de Água Doce. Em Dores do Rio Prêto foi elaborado um projeto para aproveitamento da Usina Hidroelétrica do Rio Prêto, para abastecer a cidade. Em Divino São Lourenço a ESCELSA preparou o projeto de aproveitamento da Usina de Divino São Lourenço, cuja construção ficou a cargo da Prefeitura local. E, finalmente, foram feitos estudos para aproveitamento da Cachoeira de Matilde, no Rio Benevente.80 Em 1965 a capacidade instalada total somava 47.200 kW, chegando a produzir 111.641.550 kWh. Desse total, a empresa faturou vendas equivalentes a 100.743.871 kWh, correspondentes a Cr$1.441.391.765,00 (US$708,300.00).81 Além da energia vendida diretamente ao consumidor e às prefeituras de Afonso Cláudio, Ibiraçu, Itaguaçu, Linhares, Santa Leopoldina e Santa Teresa para venda e 80 81 ESCELSA. Relatório da Diretoria de 1965. ESCELSA. Relatório da Diretoria de 1965. 163 iluminação de vias e prédios públicos, a energia gerada pela ESCELSA era também vendida aos consumidores “em grosso”. Nessa categoria enquadram-se outras empresas geradoras e distribuidoras, como é o caso da CCBFE e da Empresa de Luz e Força Santa Maria S.A., do município de Colatina, que serviam outras localidades do interior. Além dessas companhias, a Cia. Ferro e Aço de Vitória e o Frigorífico Toniato S.A. eram usuários de energia elétrica adquirida da ESCELSA, como resume a tabela 3-3: Tabela 3-3 Consumidores “em grosso” e distribuidores da ESCELSA - 1965 Grupo Consumidor Compra em Kwh CCBFE Cia. Ferro e Aço de Vitória ELF Santa Maria S.Teresa, S. Leopoldina, A. Cláudio, Itaguaçu e Frigorífico Toniato Linhares, Fundão, Ibiraçu e Aracruz Guarapari, Anchieta, Piúma, Iconha, A. Chaves Total de energia comprada 81.049.969 11.918.650 6.133.516 2.142.656 3.946.080 3.678.576 108.869.697 Avançando na expansão do sistema, a ESCELSA atingiu no mesmo ano 3.363 consumidores, através de 490 km de linhas de transmissão em serviço. Essa rede era composta por 10 subestações de transmissão e 34 transformadores de distribuição.82 Quanto à CCBFE desde que passou ao controle da ELETROBRÁS ao final de 1964, foi notável o volume de projetos desenvolvidos e os recursos aplicados, direcionados a ampliar o sistema Central Brasileira e interligá-lo ao sistema ESCELSA e à produção da CEMIG. Entretanto, ao assumir o controle da CCBFE o governo federal iniciou a desativação do serviço de transporte conjugado de bondes e lanchas que atendiam à população de Vitória e Vila Velha e extinguiu a concessão para esses serviços. Os trilhos deixaram de ser consertados, os bondes foram sendo retirados do serviço e, em pouco tempo, a cidade deixava de contar com aqueles trilhões e vagões que 82 ESCELSA. Relatório da Diretoria de 1965. 164 marcaram sua paisagem por mais de 50 anos. Em seu lugar, o espaço público da bucólica “cidade-presépio” passou ao ser ocupado pelos auto-ônibus e automóveis. Assim encerrou-se uma convivência que foi capaz de imprimir muitos dos hábitos e costumes da população urbana da ilha-capital e seu entorno. Os bondes aproximavam os pontos mais distantes da cidade, eram utilizados para passeios e encontros, conduziam boêmios e notívagos nas madrugadas e abasteciam a cidade com carnes, verduras e produtos da “roça” que eram transportados no “taioba”, um genuíno vagão-bagageiro da CCBFE. Haviam também os “vagões fúnebres” que eram decorados de acordo com as possibilidades financeiras da família em luto. Enfim, os bondes, fizeram circular notícias e boatos, inspiraram o bom-humor dos passageiros mais assíduos e até deram dicas de saúde nos “reclames” que traziam nos costados, como o daquele remédio popular: Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro... que o senhor tem ao seu lado. E, no entanto, acredite, Quase morreu de bronquite... (...) Salvou-a o Rhum Creosotado!83 Ao lembrar com orgulho e nostalgia o som das máquinas e a movimentação de operários e bondes na garagem da rua 7 de setembro o ex-chefe de transportes da CCBFE desabafou: Olha, eu me criei com bondes e tomei amor àquele negócio. Então, eu acho que Vitória foi um dos últimos lugares a não ter mais bondes...84 Contudo, ao concentrar-se na concessão para os serviços de eletricidade, a CCBFE cuidou de preparar-se para atender às expectativas de um salto abrupto no crescimento da demanda, provocado pelos projetos de crescimento da produção industrial na sua zona de concessão, como o da Companhia Ferro e Aço de Vitória, do Porto de Tubarão e das usinas de pelotização de minério de ferro CVRD I e CVRD II, da CVRD, e o conseqüente impacto econômico e populacional que se esperava 83 84 Apud. NEVES, Luiz Guilherme S.; PACHECO, Renato. Os bondes de Vitória. Vitória: PMV, 1997. PIMENTA, Nilton. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: maio/2001. p. 5. 165 para a Grande Vitória.85 Foram privilegiadas as obras de interligação com a CEMIG, para recebimento de energia de Furnas e Peixoto geradas em sistema de 60 Hz – até aquela data o sistema da CCBFE operava em 50 Hz, as obras de interligação da rede da Central Brasileira com a rede da ESCELSA, e a construção da Usina Hidrelétrica de Mascarenhas, no rio Doce, no interior do Espírito Santo. Esta usina aumentaria em mais 104.000 kW a disponibilidade energética dos sistemas interligados. Comentando sobre a necessidade de investimentos da CCBFE em geração, Clodoaldo Ewald, ex-diretor técnico da CCBFE, informou que (...) aqui todo o mundo desejava a construção da Usina de Mascarenhas. A Central Brasileira começou Mascarenhas. A Usina de Mascarenhas que é a maior do sistema.86 Com efeito, somente após a encampação da CCBFE as obras de construção da Usina Hidrelétrica de Mascarenhas deslancharam. A previsão de término era para de 1971, quando seria alcançada uma capacidade inicial nominal instalada de 115.000 kW. Os primeiros estudos foram realizados em 1964 pela Servix Engenharia S/A, pela Ecotec – Economia Industrial S/A Consultores e pela Montreal Engeneering Company Ltd., sendo esta uma empresa do Montreal Group canadense, que participava dos trabalhos da Canambra.87 Após iniciadas, as obras ficaram em dependência da aprovação do projeto pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), o que só ocorreu em 23 de novembro de 1966. A construção de Mascarenhas, em especial, contou com um ambiente exterior favorecido pelo programa de apoio financeiro do Governo dos Estados Unidos da América conhecido como Aliança para o Progresso. Sob aval da ELETROBRÁS e do governo federal, a United States Agency for Internacional Development (USAID) assinou contrato de financiamento com a Companhia Central Brasileira de Força Elétrica no valor de US$13,3 milhões (Cr$26,6 bilhões) especificamente para serem investidos em expansão do sistema de transmissão e distribuição de energia (US$3 milhões = Cr$6 bilhões) e na construção e equipagem 85 86 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista... p. 12. 166 de Mascarenhas (US$10,3 milhões = Cr$20,6 bilhões).88 Com esse financiamento da Aliança para o Progresso (USAID) ficava claro que após a compra da AMFORP o governo federal tinha ficado fora da política de ilha de sanidade administrativa imposta pelos Estados Unidos da América. Investimentos de grande escala industrial como o Porto de Tubarão (19631966) da CVRD também embutiam outros projetos associados como as usinas de pelotização de minério de ferro e coquerias, que demandavam maior capacidade energética, além de um grande projeto industrial de celulose, cujo plantio de eucaliptais foi iniciado em 1967.89 Por isso, no âmbito do PAEG, foram ainda contratados com a ELETROBRÁS o repasse total de Cr$44.240.562.000,00 (US$19,927,820.00). Esse valor era referente à contrapartida da empresa no contrato USAID no valor de Cr$33.788.000.000,00 (US$15,219,820.00), ao complemento do custo das obras de interligação entre Governador Valadares e o Porto de Tubarão (Vitória) no valor de Cr$3.452.562.000,00 (US$1,555,000.00) e ao repasse para a CEMIG de verbas para obras de reforço de suas linhas visando capacitar sobrecarga de 50.000 kW do suprimento de Furnas para Vitória, no valor de Cr$7.000.000.000,00 (US$3,153,000.00)90 o que permitiria o funcionamento do Porto de Tubarão e demais empreendimentos até que a Usina de Mascarenhas fosse concluída. Ou seja, mediante os vultosos repasses diretamente dos cofres públicos ou sob aval público, a Central Brasileira foi capacitada de acordo com o novo ciclo de desenvolvimento econômico que o governo federal planejava para o país. Continuando com os planos de expansão, em 1966 a CCBFE recebeu um volume de investimentos diretos proporcionados pelo governo brasileiro que a capacitou a dar conta da maioria de suas prioridades, além de reajustar sua 87 88 89 Os interesses do Montreal Group no Brasil eram representados por Thomaz Pompeu Borges Magalhães, do IPES de S. Paulo e membro do Conselho Executivo do IPES. O empresário também representava os interesses da Cia. Ferro e Aço de Vitória. DREIFUSS, op. cit., p. 545, nota 1. Contrato de Empréstimo “A.I.D. 512-L-062”. Diário Oficial da União. 14.10.1966, Seção I, parte I. A Usina CVRD I foi a primeira usina de pelotização da CVRD. Inaugurada em 1969, consumiu US$20 milhões em investimento para produzir 2 milhões de ton/ano com geração de 280 empregos diretos. Cf. ROCHA, Haroldo C.; MORANDI, Ângela. Cafeicultura & grande indústria: a transição no Espírito Santo 1955-1985. Vitória: FCAA, 1991. Cap. 2 passim.; MORANDI, Ângela. Na mão da história: a CST na siderurgia mundial. Vitória: EdUFES, 1997., p. 148. 167 situação societária. Somente da ELETROBRÁS, mediante nota promissória de curto prazo, a empresa recebeu Cr$8.631.900.000,00 (US$3,888,000.00) para custeio total de obras sendo, desse montante, Cr$2.087.550.000,00 (US$940,337.00) utilizados na subscrição de ações decorrentes de aumento do capital social e Cr$1.279.300.000,00 (US$576,000.00) transformados em dívida de longo prazo. Ainda da ELETROBRÁS, no mesmo ano, foram transferidos para a CCBFE um total de Cr$1.058.940.000,00 (US$477,000.00) correspondentes à parcela do empréstimo global de US$16,400,000.00 que aquela holding estatal contraíra junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para compras de materiais e equipamentos para suas subsidiárias e empresas associadas.91 Graças à disponibilidade de vultosos recursos para os investimentos federais no Estado do Espírito Santo, a capacitação da CCBFE foi inserida na ótica geopolítica de desenvolvimento da macroestrutura econômica que visava atender à estratégia de desenvolvimento associado com o capital transnacional característico da última fase de crescimento da economia brasileira e aquela fase do regime militar imposto em 1964. Na verdade, a passagem ao controle da ELETROBRÁS significou para a Central Brasileira, antes de tudo, não uma (...) simples mudança na sua orientação administrativa, mas, sim, novas e copiosas fontes de assistência técnica e financeira, que vieram impulsionar suas atividades (...).92 Em 1966 a Central Brasileira já contava com 426 empregados, entre efetivos e contratados, acusando um aumento de 10% sobre o ano de 1965. De acordo com decisão do Conselho Nacional de Política Salarial, em 1 de outubro, foi concedido aumento salarial de 29% sobre o salário de outubro de 1965 a todos os seus empregados. A medida visava dar fim à insatisfação geral com os salários entre os funcionários da empresa. A CCBFE também passou por mudanças administrativas e transferiu os escritórios de engenharia, projetos e orçamentos e o Departamento de Materiais e Almoxarifado para instalações mais amplas e adequadas em prédios arrendados no 90 91 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. 168 centro de Vitória. Após passar à ELETROBRÁS a empresa ajustava-se para as várias obras que seriam iniciadas para produzir maior quantidade de energia e satisfazer ao aumento progressivo de carga previsto para ocorrer em seu sistema a partir de 1967, quando entrariam operação o porto de embarque de minério de ferro da CVRD em Tubarão, então o maior e mais moderno em sua modalidade. Além disso, o governo preocupava-se com o esperado impulso ao desenvolvimento regional que decorreria em conseqüência desses empreendimentos. Isso significava saltar de uma oferta nominal de 66.918 kW, produzida em 50 Hz em 1966, conforme demonstrado na tabela 3-4, para uma oferta de 170.900 kW em 60 Hz (iniciando por Tubarão), quando fossem finalizadas as obras de ampliação e conversão dos sistemas ESCELSA-CCBFE e concluída a construção de Mascarenhas, da CCBFE/ELETROBRÁS, em 1975, de acordo com a nova previsão. 92 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. 169 Tabela 3-493 Energia elétrica gerada pela CCBFE e ESCELSA -1966 Usina Geração (kW) UHE Rio Bonito 16.800 UHE Suiça 30.000 UHE Rio Preto 400 UHE Jucu 2.240 UHE Fruteiras 3.000 UTE Vitória 7.000 UTE C. Itapemirim 3.000 Demais UHE 4.476 Demais UTE 2.610 Total 66.918 A ELETROBRÁS orientou a CCBFE a executar diversos projetos de expansão do seu sistema. A primeira grande obra foi a construção da linha de transmissão entre a cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais, até Vitória e respectivas instalações terminais. Através dessa interligação Vitória receberia energia produzida pela CEMIG e conduzida para Belo Horizonte e daí até Governador Valadares. Essa energia, já produzida em 60 Hz, era proveniente das grandes usinas hidrelétricas de Furnas e Peixoto, dentro de um planejamento para entregar em Vitória um suplemento de energia de 15.000 kW em junho de 1967, 30.000 kW em dezembro de 1968 e de 50.000 kW em maio de 1969.94 Assim, durante 1966, todo o esforço da empresa foi concentrado em obras de construção das linhas de transmissão que integrariam o sistema CCBFE ao conjunto das hidrelétricas capitaneadas pela ELETROBRÁS. O tronco dessa interligação era uma linha de transmissão de 138 kV no trecho Mascarenhas-Vitória, e outra de 138 93 Centro de Memória de Eletricidade no Brasil/RJ.; ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. O termo “demais UHE” refere-se a diversas pequenas usinas hidrelétricas mantidas por municípios. Da mesma forma, “demais UTE” refere-se a diversos geradores a diesel mantidos pela ESCELSA e/ou prefeituras para atendimento local. 170 kV no trecho Mascarenhas-Valadares (projetada para futura operação em 230 kV). Do mesmo projeto também eram as obras da subestação de entroncamento em Mascarenhas, da subestação abaixadora de 24.000 kVA em Carapina, e da subestação distribuidora de 12.000 kVA em Praia, em Vitória; e ainda a linha de 33 kV e 10 km de comprimento entre Carapina e Praia. Tudo previsto para operar em junho de 1967,95 acompanhando as obras do complexo de exportação do Porto de Tubarão, cuja primeira fase já se encontrava em operação pela CVRD. Para Lélio Rodrigues, o Porto de Tubarão: (...) Além de imprimir um novo ritmo às operações da CVRD ensejou a diversificação da Cia (pellets), acolheu o terminal da Petrobrás e adensou o movimento de navios, graneleiros e “ore-oil”, de grande tonelagem.96 A CCBFE projetou também as ligações entre as subestações de Praia e Vitória, em 33 kV, com 5 km de extensão, e duas linhas de subtransmissão entre Alto Lage e Jucu, com extensão de 25 km, sendo uma em 66 kV, para ligação de Alto Lage a Fruteiras na tensão de 66 kV, e a outra uma reconstrução da linha existente entre Alto Lage e Jucu em 33 kV. Ao mesmo tempo, foram feitos estudos das instalações nas subestações de Alto Lage, Fruteiras e Praia para receberem as novas linhas, além de uma nova subestação a ser construída em Campo Grande. Tudo região da Grande Vitória. Quanto à rede existente no interior, foram feitos extensões e melhoramentos das redes de Burarama, Pacotuba, Itaóca e Baixada do Soturno (Cachoeiro de Itapemirim) parcialmente financiadas por verbas do governo federal, enquanto os projetos e a mão-de-obra eram cedidos pela própria Companhia. Enquanto isso, avançavam os estudos e os projetos visando a conversão progressiva da freqüência do sistema Central Brasileira de 50Hz para 60 Hz em todo o Espírito Santo. Isso se deu em conjunto com a expansão da ESCELSA, no que foram atendidas com a Resolução 3.439 do CNAEE, de 5 de outubro de 1966. 94 95 96 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. RODRIGUES, op. cit., nota 64. 171 Assim, a partir de sua incorporação ao conjunto de empresas públicas concessionárias de energia elétrica, a CCBFE passou também a dedicar-se à melhoria e ampliação da rede de distribuição final, junto aos consumidores domésticos, empresariais e públicos na área coberta por sua concessão. Para isso, contribuiu a instalação de 5.008 medidores monofásicos, 600 medidores bifásicos e 324 medidores polifásicos nas ligações diretas, providência que refletiu-se na redução das perdas totais do sistema, que de 23,5% passaram a 20%.97 Isso possibilitou à empresa diminuir sua produção bruta, diminuir as perdas do sistema, enquanto aumentava suas vendas ao consumidor. Por outro lado, ocorreu uma folga no sistema da CCBFE porque em meados de 1966 seu maior consumidor industrial, a Fábrica de Cimento de Cachoeiro, iniciou geração própria e deixou de comprar energia. Isso fez com que a CCBFE paralisasse os geradores que serviam a empresa, diminuindo em 41,7% em relação a 1965 a produção de energia produzida por motores diesel (geração térmica). Porém, apesar de ter perdido o seu maior cliente, a demanda máxima horária permaneceu praticamente a mesma, passando de 26.094 kWh/h para 26.610 kWh/h (2%), compensada pelo aumento do número de pequenos consumidores, estabelecimentos comerciais e municipalidades. Ou seja, a empresa procurou compensar a perda do maior consumidor industrial eliminando os "gatos" nas instalações domésticas e comerciais e eliminando os custos de produção através da compra da energia disponível da ESCELSA. A saída da Fábrica de Cimento de Cachoeiro do sistema da CCBFE fez cair as vendas em 1.400.000 kVh mensais. Em virtude disso, a diminuição da produção bruta gerada pela própria Central foi compensada pela disponibilidade da ESCELSA. Em 1965, a CCBFE produziu 37.408.131 kWh, e comprou 81.049.969 kWh da ESCELSA; no ano seguinte, apesar da instalação de duas novas unidades geradoras a diesel em Vitória e uma em Cachoeiro de Itapemirim, a CCBFE produziu apenas 30.672.342 kWh, representando um decréscimo de 21,9% em sua produção bruta, enquanto comprava 92.044.658 kWh da ESCELSA, um acréscimo de 13,5%. 97 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. Outros cálculos baseados nessas fontes, indicam a redução de 11,2% das perdas entre 1965-19665, para uma variação de 28.844.396 kWh para 25.644.698 172 Contudo, graças às ampliações do sistema de distribuição, a energia vendida apresentou aumento de 90.603.604 kWh em 1965 para 97.052.302 kWh em 1966, ou seja, aproximadamente 7,15%. Assim, pôde a empresa vender mais energia enquanto sua produção crescia em apenas 3,5%, passando de 118.458.000 kWh para 122.717.000 kWh. A tabela 3-5 resume essa variação: tabela 3-598 CCBFE - PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE ENERGIA ELÉTRICA (kWh) - 1965/66 DESCRIÇÃO 1965 1966 % 118.458.000 122.717.000 3,5 PRODUÇÃO PRÓPRIA 37.408.131 30.672.342 (-) 21,9 COMPRA ESCELSA 81.049.969 92.044.658 13,5 VENDA TOTAL 90.603.604 97.052.302 7,1 PRODUÇÃO BRUTA Quanto à iluminação pública, durante o ano de 1966 o número de lâmpadas instaladas saltou de 3.035 para 4.962 (aumento de 63%) e a empresa deu início à troca de lâmpadas incandescentes por lâmpadas fluorescentes e a vapor de mercúrio. Essas providências representaram uma expansão da potência instalada em iluminação pública nos municípios servidos de 272.298 W para 794.603 W 98 kWh. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966.; ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1965/66. 173 (aumento de 191%) em relação ao ano de 1965.99 Consequentemente, também houve expansão do número de transformadores instalados ao longo da área de concessão. Em 1965 haviam 576 unidades com 19.880,5 kVA instalados; no ano seguinte este número subiu 668 unidades com 22.750,8 kVA instalados, o que representou acréscimo de 14,2%. Crescimento próximo (14,4%) já havia sido observado também entre os anos de 1964 e 1965.100 De acordo com um levantamento cadastral dos consumidores realizado neste ano de 1966, o número de localidades servidas pela CCBFE pulou de 37 para 41. Em relação ao número de consumidores, houve aumento de 10,8%, passando de 37.248 em 1965 para 44.251 em 1966, contando inclusive com o município de Serra, na região da Grande Vitória, que foi incorporado formalmente à zona de concessão da CCBFE pelo Decreto Federal 61.066, de 26 de julho de 1967. Assim, ao findar o ano de 1966, a CCBFE apresentava a seguinte variação do quadro de distribuição de energia em relação ao ano anterior, de acordo com o que chamava classe de consumidores, conforme a tabela 3-6 tabela 3-6101 CCBFE - CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA (KwH) Classe 1965 1966 variação Residencial 24.665.111 29.682.834 20,4 % Comercial 12.814.919 13.986.457 9,2 % Industrial 38.597.025 36.130.990 (-) 6,4 % Outras 14.526.549 17.252.021 18,8 % 90.603.604 97.052.302 7,1 % Prosseguindo na ampliação da oferta integrada de energia pelo Sistema ELETROBRÁS, em 12 de novembro de 1966 foi assinado um contrato entre CCBFE, CEMIG e Furnas para fornecer, a partir de 1967, a energia ao sistema da CCBFE proveniente do "pool" formado pelas usinas de Furnas e Peixoto, com anuência da ELETROBRÁS. Isso seria uma alternativa capaz de tirar a empresa da dependência 99 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. 100 174 da produção da ESCELSA e da linha de críticas da sociedade capixaba. Ao mesmo tempo, a ELETROBRÁS concluía os levantamentos preliminares, projetos e os planejamentos dos novos investimentos em obras em andamento e equipamento para serviços gerais, previstos para o ano de 1967, da ordem de Cr$10 bilhões (US$10,1 milhões), contra Cr$1,7 bilhões (US$900 mil) investidos em 1965.102 Todos esses investimentos alteraram sobremaneira as características das instalações da CCBFE a partir de sua passagem para a ELETROBRÁS. Em termos da ESCELSA, ao assumir a direção da empresa em 24 de maio de 1966, o engenheiro Firmo Dutra iniciou a organização física dos principais setores e transferiu a sede da empresa para o recém-construído edifício Castelo Branco. O objetivo dessa medida era aproximar as áreas administrativo-financeira e técnica da empresa, que funcionavam em locais separados no Centro da cidade.103 Segundo a ex-chefe da Secretaria Geral da ESCELSA, as instalações do Edifício Castelo Branco abrigavam A diretoria e outros departamentos. Eu fui para lá. A área financeira foi para lá. Nós ocupamos... o segundo andar ficou com a área de engenharia e com a área de operação; lá embaixo no segundo andar. E a nossa parte de telefonia, equipamentos de PABX, esse negócio; nós funcionamos em 2 andares: a diretoria, a parte administrativa e a parte financeira.104 A nova diretoria deu prosseguimento ao programa de expansão para o interior do estado, em especial para a região norte, considerada uma região considerada “semi-esquecida”. A idéia era criar as condições para o surgimento de novas unidades agrícolas e industriais e aumentar o fornecimento de energia elétrica para iluminação na região ao norte e noroeste do Rio Doce, com foco no polígono formado pelos municípios de Colatina, Nova Venécia, Montanha, Conceição da Barra e São Mateus. Isso se faria através da construção de uma linha de transmissão de 66 101 102 103 104 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. p. 5. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. À medida em que a empresa crescia a diretoria passou a alugar salas no Ed. Juel e no Ed. Caparaó além de manter instalações no Ed. IAPI, na Praça da Independência (atual Praça Costa Pereira). RANGEL, Madalena de Paula. 2001. Entrevista concedida a Luiz Cláudio Ribeiro. Vitória: maio/2001. p. 4-5. A sede da ESCELSA era na Rua João Caetano (Ed. presidente Vargas, 7° andar), Centro. 175 kV, podendo ser alterada para 138 kV, de Colatina a Nova Venécia, com 110 km de extensão de trecho principal, e de 33 kV no trecho Nova Venécia a São Mateus. De Nova Venécia também haveria uma linha de transmissão até Montanha prevista para ser o primeiro passo para estimular ou facilitar a interligação do sistema energético norte (CHESF) com o sistema sul, que será realizado através das linhas da ESCELSA.105 Uma outra linha de transmissão de 33 kV foi planejada para interligar os municípios de Barra de São Francisco e Ecoporanga ao sistema ESCELSA para integrar o norte do Espírito Santo no regime de fornecimento regular de energia que já havia na região sul. Na região sul, a estratégia principal da ESCELSA se baseava no projeto de construção de uma linha de transmissão a 138 kV entre Vitória e Cachoeiro de Itapemirim visando levar àquela região vantagens para a implantação de novas indústrias. Destinava-se esta linha de transmissão a flexibilizar o sistema ESCELSA, na medida em que haveriam outras duas linhas capacitando-o para proporcionar vantagens operativas por ocasião da mudança de freqüência de 50 para 60 Hz com a construção de uma subestação de 15 MVA em Cachoeiro de Itapemirim. Por último, essa linha de transmissão seria o elo de interligação do sistema elétrico do Espírito Santo com o sistema do Estado do Rio de Janeiro, servindo energia à região vizinha do Itabapoana. Nesse período, a ESCELSA já tinha Firmo Ribeiro Dutra em sua diretoria, em substituição a Asdrúbal Soares, mudança que sobreveio à substituição do governador Chiquinho, em maio de 1966. Tendo em vista que a ESCELSA era um dos instrumentos fundamentais para o progresso e o enriquecimento do Espírito Santo,106 a diretoria voltava-se para ampliar a produção da Usina Suíça como forma de obter o máximo do potencial hídrico das bacias dos rios Jucu e Santa Maria da Vitória. A empresa projetou aumentar em 110% o aproveitamento energético dos rios Santa Maria da Vitória. Isso seria alcançado através da transposição do braço norte do rio Jucu, lançando suas águas no rio Santa Maria da Vitória. Caso isso se 105 106 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. 176 comprovasse viável, calculava a empresa que o potencial energético deste rio se elevaria em 40.000 kW. Conforme relatou a diretoria, pareciam existir boas perspectivas para que fossem reunidos os recursos financeiros necessários: (...) a maior parte dos recursos para essas obras e realizações, a ESCELSA já possui ou tem os elementos para obter; restará sua complementação, o que esperamos seja conseguida através da inegável influência do atual Govêrno do Estado e da bancada capixaba, que, aliás, tem no Relator do orçamento do Ministério das Minas e Energia um eficiente e denodado servidor.107 Tratava-se o denodado servidor de Anísio Viana, irmão do ex-senador e secretário da fazenda do Governo do Estado do Espírito Santo, Ary Viana, que dava tratamento preferencial aos projetos da ESCELSA, já que trabalhava na composição do orçamento do Ministério de Minas e Energia e (...) tinha muito empenho que as coisas do Governo do Espírito Santo dessem certo.108 Na realidade, o êxito na obtenção das verbas federais é quase sempre atribuído ao empenho e influência de “pessoas de elevado espírito público” para com os assuntos do interesse do governo, de maneira a fortalecer os laços político-partidários. Porém, essa abordagem obscurece os reais interesses que norteavam o planejamento de obras, seus financiamentos e os repasses de verbas federais, que tinham por protagonistas indivíduos relacionados com as estratégias e com a doutrina do IPES e com forte influência nas decisões de investimentos federais no Espírito Santo. Encontra-se nesse caso o ex-interventor federal no Estado, general João Punaro Bley (1930-1942), militar de primeira hora nas articulações para o golpe de estado desferido em 1964, do qual participou como comandante da 4ª Divisão de Infantaria do Exército, sediado em Belo Horizonte. Após a ruptura do regime democrático, Bley foi considerado parte do “pessoal de vanguarda” do IPES no circuito de influência das decisões federais e um dos principais articuladores militares da sustentação do governo militar no Congresso Nacional. Dreifuss afirmou que 107 108 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. LOPES FILHO, Christiano D. 2002. Entrevista..., p. 24-25. 177 (...) encontravam-se no Diretório Nacional da ARENA, além dos políticos tradicionais de direita que haviam colaborado com o complexo IPES/IBAD, o General Edmundo Macedo Soares, Basílio Machado Neto, General Punaro Bley, Brigadeiro Antonio Barbosa, Hélio Beltrão, Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva, General Golbery do Couto e Silva e muitos outros.109 Além dos articuladores militares, muitos outros industriais e banqueiros compunham o corpo de técnicos supostamente “isentos” de interesses políticos e econômico-financeiros mas que, na verdade, eram ativistas e colaboradores do IPES que ocuparam cargos de comando nas instâncias de planejamento dos investimentos públicos da infra-estrutura industrial brasileira, notadamente nos setores de siderurgia e mineração, petroquímica e energia elétrica. No caso do Espírito Santo, é possível relacionar a influência de Ary Frederico Torres e Edmundo Falcão da Silva, membros do CON (Conselho Orientador Nacional) do IPES, nos negócios da Ferrostaal AG Alemanha, que por sua vez financiava a importação de equipamentos para a Cia. Ferro e Aço de Vitória. E também nomes como Oscar de Oliveira e Thomaz Pompeu Borges Magalhães, representantes de grupos empresariais com interesses na Cia. Ferro e Aço e na CVRD que eram membros de destaque na estrutura do IPES.110 Além deles, consultores de planejamento do governo federal como João R. Baylongue e Rubem da Fraga Rogério eram ligados aos interesses da Sociedade Participações Industrias E. Lorentzen, empresa que articulava no Poder Público a obtenção de vastas extensões de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas e por populações quilombolas do norte do Espírito Santo para o plantio de eucaliptais. Tais articulações com o núcleo do poder visavam a implantação do complexo industrial-portuário da Aracruz Celulose S/A, o maior do mundo na produção de placas de celulose branqueada de fibra curta. A empresa igualmente beneficiou-se da expansão da infra-estrutura de energia elétrica que se implantava no estado.111 109 110 111 DREIFUSS, op. cit. p. 454., nota 1. Ib, Apêndice B, p. 501-575 passim. Ib, op. cit. p. 83 passim, e p. 172 passim.; Apêndice B, p. 501-575 passim. E ainda SIQUEIRA, Penha. Industrialização e empobrecimento urbano. O caso da Grande Vitória. 1950-1980. 1991. Tese (doutorado em História). FAFLH/USP. 178 Perguntado sobre o relacionamento da CCBFE, mesmo após ser encampada pela ELETROBRÁS, com as grandes empresas industriais que viabilizavam implantação no Espírito Santo, o ex-diretor técnico assim se expressou: (...) eles procuravam diretamente a empresa no Rio, não é. Aracruz Celulose, o Porto de Tubarão, essas coisas. Através do diretor, que na maioria das vezes não tinha capacidade de decisão. Evidentemente ele, ...talvez, talvez..., tenha acompanhado algum diretor ou presidente dessas indústrias ao Rio de Janeiro...112 Assim, entende-se porque as áreas técnicas da CCBFE e ESCELSA pouco participavam das decisões sobre que projetos deveriam ser elaborados. Mais uma vez perguntado sobre a participação da área técnica da CCBFE na expansão do seu sistema, Ewald foi mais enfático: Não sei, não sei. Eu não participei dessa parte. Não participei dessa parte.113 Graças à disponibilidade de recursos na esfera federal, eram boas as expectativas de captação de CR$1.500.000.000,00 (US$675,000.00) do BNDE para investimentos da ordem de Cr$4.000.000.000,00 (US$1,800,000.00) necessários para a conversão da rede de 50 para 60 Hz, já autorizada pela Lei 4.454, de 6 de novembro de 1964. Disso também dependia o funcionamento com rentabilidade da maior empresa siderúrgica do Espírito Santo naquele momento, a Cia. Ferro e Aço de Vitória,114 de propriedade federal. Em termos da distribuição de energia elétrica, a ESCELSA prosseguia sua política de incorporar os serviços quer públicos quer privados dos pequenos municípios dos interior. Em 1966, assumiu a distribuição nos municípios de Santa Leopoldina, Itaguaçu, Fundão e Rio Novo do Sul e negociou novas incorporações com as prefeituras de Linhares, Ibiraçu, Barra de São Francisco e Aracruz, acrescendo em 8 os municípios e 11 as localidades a que servia diretamente no Espírito Santo. 112 113 114 EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista... p. 11. EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista... p. 11. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. 179 Assim, a ESCELSA acrescia em 33% o número de municípios servidos no ano anterior e estava presente em 29 cidades, vilas e povoados capixabas, entre os quais Linhares, Ibiraçu, Aracruz, Barra de São Francisco, Santa Teresa, Afonso Cláudio e Itaguaçu tinham a energia “em grosso” entregue às prefeituras e o restante era servido diretamente pela empresa através de sua rede de linhas de transmissão e distribuição, possibilitando transmissão de força em 220 V e iluminação em 127 V, em freqüência de 50 Hz. Além disso, a ESCELSA demonstrava a cada dia ser portadora de melhorias no atendimento aos municípios servidos diretamente investindo Cr$500.000.000,00 (US$225,000.00), boa parte sendo recursos próprios, em construção e melhorias nas rede de distribuição em Rio Novo do Sul, Capim Angola, Anchieta, Iriri, Ubu, Alfredo Chaves, Santa Leopoldina, Santa Teresa, Fundão, Jacupemba, Guaraná, Guarapari, Perocão e Setiba, Conceição da Barra, Montanha, Água Doce, Barra do Riacho, Vila do Riacho e Córrego D’Água. Para facilitar a arrecadação à medida em que crescia o número de usuários, a empresa criava escritórios de pagamentos de contas, como o de Guarapari, criado em 1966. Para garantia do fornecimento enquanto não se expandiam as redes de transmissão e distribuição de energia hidrelétrica, a empresa era forçada a manter 24 geradores movidos por motores diesel em muitas das localidades onde servia. Por isso, a ESCELSA criou uma Seção Diesel ligada ao Departamento de Produção, que percorria as unidades em funcionamento em Mantenópolis, São Mateus, Guaçuí, Mucurici, Alegre, Conceição da Barra, Pinheiro, Montanha, Barra de São Francisco, Barra do Riacho, Bananal, Jerônimo Monteiro e Conceição do Castelo. Assim, com a expansão que experimentava, em 1966 a ESCELSA já cobria área correspondente a 46,4% do território capixaba. O número de consumidores finais também cresceu para 3.720, sendo agora 3.140 residenciais, 399 comerciais, 79 industriais, 10 rurais, 46 poderes públicos, 9 empresas de eletricidade, e 37 classificados como “outros”. Ou seja, os serviços públicos da ESCELSA, no seu sétimo 180 ano de operação, já atingiam a 739.701 capixabas, ou 52,7% da população do Espírito Santo.115 A empresa se dedicava a estender ainda mais sua rede aos consumidores isolados e grupos de consumidores em todas as localidades já servidas e buscava capacitar seu pessoal técnico junto aos grandes geradores de energia (como a CEMIG que recebia engenheiros da ESCELSA por períodos de 45 dias) a fim de que se capacitassem para lidar com os principais problemas. O Departamento de Planejamento e Obras trabalhava ao mesmo tempo em elaboração de normas e padrões para materiais e equipamentos aplicados em linhas de transmissão e subestações, em projetos de linhas de transmissão de 11,4 KV, de 69 KV e de 138 KV, em projetos de construção e reforma de usinas hidrelétricas de atendimento local e ainda em projetos de subestações (estações abaixadoras). Em termos de linhas de transmissão de energia elétrica, a Divisão de Estudos e Projetos do Departamento de Planejamento e Obras projetou linhas de transmissão pelo interior do Estado, como as linhas de 11,4 KV no trecho Iconha-Rio Novo do Sul, com 16,5 km; Itarana-Praça Oito, com 5,5 km; Praça Oito-Vargem Alegre, com 3 km; Afonso Cláudio-Serra Pelada, com 15,5 km; Afonso Cláudio-Venda Nova, com 51 km; Linhares-São Rafael-Tiradentes, 82,3 km; Guarapari-Fazenda Miled, 1,6 km e Anchieta-Bomba D’Água de Anchieta, com 5,4 km de extensão. Dessas, no mesmo ano, foram iniciadas as obras das linhas de transmissão a 11,4 KV entre Iconha-Rio Nôvo, com 16,5 km; Barra do Riacho-Santa Cruz, e de Linhares-São Rafael e Bananal.116 Por sua vez, a assistência a municípios gerou o projeto de reforma da Usina Hidrelétrica de Confiança, em Iconha, e os projetos de construção das usinas hidrelétricas de Muniz Freire, no rio Pardo, do rio Panquinhas, em Pancas e da Usina Hidrelétrica de Dores do Rio Prêto, em Dores do Rio Preto, da Usina Hidrelétrica de Água Doce, em Barra de São Francisco e da Usina Hidrelétrica de Três Pombos, em Ecoporanga. Enquanto isso, eram feitos os estudos preliminares para aproveitamento 115 116 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. 181 hidrelétrico na Barra do Cristalino, em Nova Venécia, e continuavam os estudos para aproveitamento integral da cachoeira do rio Pardo.117 Ainda em 1966 a Divisão de Construção do Departamento de Planejamento e Obras construiu linhas de transmissão a 11,4 KV nos trechos Country Club-Bomba D’Água de Guarapari, com 5 km, Guarapari-Perocão-Setiba, com 8,5 km, Fazenda Capovila (Bebedouro)-Fazenda Piraquê, com 11 km, Aracruz-Riacho-Barra do RiachoSanta Cruz, com 39,2 km, Mascarenhas-Itapina, com 10 km, Rio Prêto-Água Doce, com 12,2 km, Jacupemba-Rio de Norte, com 5 km, Barbados-Baunilha, com 10,5 km, Afonso Cláudio-Fazenda Saiter, com 5 km, e Guaraná-Córrego D’Água e Fazenda Frigini, com 8 km.118 Em relação à geração de energia, em 1966 a ESCELSA produziu 132.077.938 kWh. Isso significou um acréscimo de 18,6% sobre o ano anterior, percentual de crescimento superior a qualquer outra empresa no Brasil no mesmo período, conforme informou a diretoria a seus acionistas, e muito superior à média nacional cuja taxa de crescimento foi de apenas 2,0%,119 como se pode ver na tabela 3-7: tabela 3-7120 ESCELSA - PRODUÇÃO E FATURAMENTO DE ENERGIA 1965-66 DESCRIÇÃO 1965 1966 Produção (kWh) 111.641.550 132.077.938 Vendas (kWh) 100.743.871 124.998.419 1.441.391.765,00 3.691.567.229,00 Faturamento (Cr$) Tal produção demonstra que a ESCELSA atingiu auto-suficiência em relação à áreas atendidas e à demanda de consumidores individuais e em grosso pois no mesmo ano a empresa forneceu 124.998.419 kWh, como demonstra a tabela 3-8. 117 118 119 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. Também CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. As transformações do setor de energia elétrica de 1962 aos dias atuais. In: Panorama... op. cit., p. 232., nota 3. 182 Desse fornecimento a Cia. Central Brasileira de Força Elétrica, que era o principal comprador, adquiriu 92.044.658 kWh (73,7%), um aumento de 13,5% em relação ao ano anterior. A Emprêsa de Luz e Fôrça Santa Maria S.A., também compradora e distribuidora da energia gerada pela ESCELSA, consumiu 9.168.656 kWh (6,9% do gerado) contra 6.133.516 kWh, ou seja, 49,4% sobre o consumo do ano anterior. tabela 3-8121 Consumidores ESCELSA-(kWh) Classe 1965 1966 variação CCBFE....................................................... 81.049.969 Cia. Ferro e Aço......................................... 11.918.900 ELF Santa Maria......................................... 6.133.516 S.Teresa, S.Leopoldina, A.Cláudio, 98.192.000 12.607.650 9.168.956 13,0% 2,4% 49,4% Itaguaçu, Frigorífico Toniato...................... 2.142.656 2.077.778 0,3% Linhares, Fundão, Ibiraçu, Aracruz.............. 3.946.080 4.294.339 8,7% Alfredo Chaves.......................................... 3.678.576 4.805.038 30,7% 108.869.697 124.998.419 14,8% Guarapari,Anchieta,Piúma, Iconha, O segundo maior comprador “em grosso” e primeiro consumidor individual da energia da ESCELSA, a Cia Ferro e Aço de Vitória, também consumiu 12.607.650 kWh (9,5% do total gerado), elevando em 2,4% seu consumo sobre o ano anterior. Ou seja, em 1966 as vendas em grosso da ESCELSA consumiram 90,4% da sua produção, restando desse total apenas 9,6% para serem destinados à distribuição aos demais consumidores privados e prefeituras do interior do norte do Espírito Santo servidas diretamente pela empresa.122 Esse atendimento foi possível porque, a partir de 1965, o sistema ESCELSA reunia as Usinas de Rio Prêto, Rio Bonito e Suíça, sendo que as duas últimas trabalhavam interligadas. O sistema contava ainda com uma pequena usina hidráulica de 400 kW, dividido em duas unidades de 200 kW, que atendia o município de Barra de São Francisco. Porém, eram as 3 maiores usinas que 120 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1965/66.; CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966/67. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. p. 14. 122 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. 121 183 garantiam a produção global: a Usina Suíça era responsável por 98.192.000 kWh (74,4%), Rio Bonito 33.046.100 kWh (25%) e Rio Prêto 839.838 kWh (0,6%) em 1966.123 Ainda assim, a totalidade da energia gerada pela Usina Suíça destinava-se à distribuição pela Central Brasileira. Isso vem demonstrar de forma cabal que o Estado resolveu o problema gerado pela ausência de investimentos privados em produção de energia hidrelétrica no Espírito Santo, sem o que a economia capixaba seria incapaz de impulsionar um surto de crescimento do seu produto. Em termos de rentabilidade foi ainda em 1966 que a ESCELSA, ao completar os 10 anos de existência e 7 de operação, pode distribuir dividendos correspondentes a 10% do capital social (Cr$500.000.000,00 - US$245,000.00) entre os seus acionistas, mercê de uma política tarifária próxima da realidade124 que gerou para a empresa uma renda líquida de Cr$591.656.000,00 (US$290,000.00) no exercício de 1966. Em vista dos encaixes que a elevação das tarifas proporcionava, a ESCELSA pôde, então, cumprir em dia os pagamentos de todos os contratos de financiamentos, exceto um com o BNDE, que avalizou um compromisso de Cr$1.605.398.000,00 (US$788,900.00) – correspondente a 3.489.972,63 marcos alemães – e um com o Consórcio AEG, de Cr$481.767.000,00 (US$236,740.00) ou DM1.047.361,50, referente a reajustes em valores sobre importação de materiais e montagem.125 A abundância de recursos próprios em 1966 fez ainda com que a diretoria, ao fim do exercício, chegasse a solicitar aos acionistas autorização para conceder $10.000.000,00 (US$5,000.00) à entidade de benefícios dos funcionários, em fase de constituição legal e jurídica. Nessa época a empresa, além de acrescentar novos funcionários a seus quadros, introduziu algumas novidades administrativas como o relógio de ponto. Contudo, o que mais marcou o período foi a utilização de uniformes 123 124 125 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. 184 (...) para permitir uma melhor apresentação de seu pessoal (...) tanto para funcionários dos escritórios, como para motoristas, mecânicos, operadores, eletricistas, etc., fornecendo gratuitamente dois jogos a cada um.126 Quanto aos encaminhamentos promovidos para a reestruturação da CCBFE pela ELETROBRÁS, em abril de 1967, o presidente Léo Amaral Penna foi substituído por Ronaldo Moreira da Rocha, um dos dirigentes da ELETROBRÁS e pessoa da confiança do Ministro Mário Thibau.127 Um outro diretor, Antonio B. Taques Horta foi também substituído, assumindo seu lugar Orígenes da Soledade Lima. Os demais diretores Firmo Ribeiro Dutra - que já assumira a presidência da ESCELSA em maio do ano anterior, Luiz Burgos Netto e Oswaldo Adalberto Guimarães permaneceram na função. A atuação da nova diretoria seria toda voltada para dar seqüência aos projetos da já definidos e cuidar da aproximação com a direção da ESCELSA visando a fusão das empresas e a interligação dos sistemas. Por isso, o ano de 1967 foi todo dedicado ao programa de interligação do sistema CCBFE com o sistema centro-sul brasileiro através das Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG), a começar pelos investimentos para a conversão de freqüência de 50 para 60 Hz. O plano foi iniciado por um levantamento cadastral dos consumidores; em seguida foram-lhes remetidas recomendações técnicas e instruções sobre a adaptação dos equipamentos à nova freqüência e sobre a mudança da freqüência prevista para abril/maio de 1968, quando seriam definitivamente superados os problemas ainda existentes no fornecimento da energia em 60 Hz da CEMIG. Segundo Clodoaldo Ewald, essa mudança de freqüência da corrente elétrica não requeria nenhum tipo de adaptação residencial especial. Apenas as pequenas empresas, com maquinário mais antigo, teriam de reenrolar os motores elétricos a fim de capacitá-los para o ciclo de 60 Hz.128 126 127 128 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1966. CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Ciclo de palestras..., op, cit., p. 137., nota 15. Ronaldo Moreira da Rocha e Octávio Marcondes Ferraz foram os representantes da ELETROBRÁS no contrato de compra da AMFORP. EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista... 185 Através do Decreto n° 61.066, de 26 de julho de 1967, a CCBFE recebeu a concessão para exploração dos serviços de eletricidade no município de Serra, região da Grande Vitória, e para a localidade de Jerônimo Monteiro, sul do Espírito Santo, que foram incorporados à sua zona de concessão. Assim, o número de localidades servidas chegou a 42. Ao mesmo tempo houve um aumento de 8,5% no número de consumidores em relação a 1966, passando para 48.028. Para fazer face à nova demanda, o número de transformadores da CCBFE subiu de 668 (1966) para 792 em 1967 (18,6%), somando 26.715 kVA contra 22.750 kVA (17,6%) do ano anterior, uma vez que apenas para a iluminação pública haviam instaladas 5440 lâmpadas em sua área de concessão, num total de 918.250 Watt, inclusive com 368 luminárias de vapor de mercúrio (92.000 Watt).129 Essas providências perecem ter abrandado a relação anterior pontuada por conflitos entre a empresa e seus consumidores. A diretoria informava os acionistas que com as medidas que vinham sendo executadas (...) a operação de nossos serviços processou-se normalmente, sem os problemas de racionamento registrados em anos anteriores.130 A folga ocorreu também porque seu maior consumidor industrial, a Fábrica de Cimento de Cachoeiro, passou a produzir sua própria energia em meados de 1966, liberando a produção da CCBFE em 1.400.000 kWh. Assim, quando somada à energia comprada da ESCELSA, a produção bruta da CCBFE apresentou redução de 122.717.000 kWh em dezembro de 1966 para 120.668.481 um ano após, acusando decréscimo de 1,7%. No exercício de 1967 o consumo da energia da CCBFE atingiria 97.783.000 kWh, um acréscimo de 14,8% sobre as vendas do ano anterior. Isso demonstra o ritmo do crescimento do consumo de energia elétrica na região servida pela CCBFE, principalmente o uso urbano-residencial e urbano-comercial, como se depreende abaixo: 129 130 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966 e 1967. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. 186 tabela 3-9 131 CLASSIFICAÇÃO E VARIAÇÃO DO CONSUMO _______ 1965 1966 variação % 1967 __ variação % Residencial..........24.665.111 .............29.682.834 ...........20,4..............35.741.000...........20,6 Comercial............12.814.919...... .......12.814.919..............9,2..............16.740.000...........19,7 Industrial ...........38.596.025 ........... ...36.130.990........(-) 6,4...............28.924.000.....(-) 20,0 Outros.................14.526.549 ...............17.252.021...........18,8...............16.378.000......(-) 6,5 90.603.604 97.052.302 7,1 97.783.000 0,75 Assim, pela primeira vez, o sistema CCBFE/ESCELSA trabalhava com folga, ainda que a Usina de Suíça estivesse funcionando com apenas uma etapa construída de acordo com o Plano de Jones de 1951. Mas isso deixara de ser um problema imediato pois a venda de energia total em 1967 aumentou em apenas 0,75%. Um quadro comparativo da relação entre a produção bruta de energia da CCBFE, a parcela adquirida da ESCELSA e o total de energia vendida pela CCBFE em kilowatthora é apresentada na tabela 3-10: tabela 3-10132 1965 PRODUÇÃO %/Pr 118.458.000 1966 %/Pr 122.717.000 1967 %/Pr 120.668.481 COMPRA 81.049.969 68 92.044.658 75 93.271.920 77 VENDAS 90.603.604 76 97.052.302 79 97.783.000 81 Quanto aos aspectos financeiros da CCBFE, a partir de 1966, a empresa (...) continuou em franca recuperação (...). O aumento da receita decorrente do reajustamento de suas tarifas, bem como o auxílio financeiro, da ELETROBRÁS, para o 131 132 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966 e 1967. CCBFE. Relatório da Diretoria.1965-1967. 187 atendimento do custeio das obras em execução, foram fatores positivos dessa recuperação.133 As tarifas básicas da CCBFE foram reajustadas pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica através da Portaria n° 29, de 23 de maio de 1966, levando em conta a correção monetária do ativo - efetuada em abril de 1965 - pelos coeficientes do Conselho Nacional de Economia (CNE) para 1964, e pela Portaria n° 140, de 26 de outubro de 1966, com base na correção monetária do ativo - efetuada em abril de 1966 -, de acordo com os coeficientes do CNE aplicáveis ao ano de 1965. No ano de 1967 o valor dos bens e instalações, contando as obras em andamento, que era de Cr$9.291.567.797,00 (US$4,185,000.00) chegou a Cr$23.733.535.559,00 (US$10,690,000.00), um aumento de Cr$14.441.967.762,00 (US$6,505,390.00). Dessa diferença, um total de Cr$4.376.652.198,00 (US$1,971,464.00) representava correções monetárias durante o ano de 1966, e Cr$10.065.315.564,00 (US$4,534,000.00) eram referentes a investimentos efetuados em obras novas.134 Em termos de arrecadação compulsória a CCBFE obteve Cr$640.708.928,00 (US$288,600.00) referentes ao Imposto Único e Cr$647.746.653,00 (US$292,000.00) a Empréstimo Compulsório. Tudo isso fez a empresa atualizar seu capital social de acordo com os índices de inflação. Ao encerrar o exercício de 1965, o capital social da CCBFE era de Cr$8.000.000.000,00 (US$3,930,000,00). Na assembléia dos acionistas de dezembro de 1966, seu capital social passou a Cr$9.600.000.000,00 (US$3,900,000.00) correspondendo a diferença à capitalização de parte da Reserva decorrente das correções monetárias mencionadas acima. Contudo, a simples conversão cambial Cruzeiro/Dólar nestes anos demonstra o quanto o ritmo da inflação corroía o capital social da empresa. Já em setembro de 1967, foram concluídas as obras da linha de transmissão de 138 kV de Governador Valadares-Vitória e as obras da linha de 138 kV interligando a subestação 138/34,5 kV de Carapina (60 Hz) à subestação principal da ESCELSA (Alto Lage) (50 Hz), num percurso de 22 km. Foram também entregues as obras de interligação da subestação de Praia (60 Hz), do sistema interligado com 133 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1966. 188 CEMIG, às subestações de 2 x 7.500 kVA da rua 7 de setembro, no Centro de Vitória, num percurso de 5 km. Sua finalidade era a conversão de freqüência do sistema de 50 Hz para 60 Hz na zona urbana da capital e a conversão das unidades geradoras do sistema ESCELSA. Foram também concluídas as obras de reconstrução da linha de transmissão entre as subestações de Alto Lage e a Usina Hidrelétrica do rio Jucu (CCBFE) com cerca de 25 km, objetivando aumento da capacidade de transmissão ao sul do estado. Da mesma forma, foram entregues as obras de reconstrução do circuito de 34,5 kV entre a subestação de Alto Lage e a subestação Paul, com 4,2 km. Ainda no mesmo ano foram inauguradas as obras das linhas de 34,5 kV ligando a subestação de Carapina e a Subestação de Praia, de 138 kV, de 1 circuito, entre Governador Valadares e Carapina e a linha 138 kV, 1 circuito, entre Carapina e subestação própria do Porto de Tubarão. Foi ainda concluída em 80% a subestação de Campo Grande, de 5000 kVA - 34,5/11,4 kV - 60/60 Hz, alimentada por linha entre Jucu e Alto Lage (ESCELSA), para atender em especial aos bairros de Campo Grande e Jardim América, em Cariacica, município da Grande Vitória.135 Tudo isso tornou possível ...o recebimento e distribuição em 60 Hz de um potencial de até 30 MW em regime permanente136 que garantia plenamente o funcionamento das plantas industriais em fase de viabilização e o crescimento urbano esperado, considerando uma ampliação progressiva desse potencial elétrico instalado. Mais ainda, foram ampliadas as capacidades de algumas subestações, como é o caso de Caracol e Marechal Floriano, em Domingos Martins, e da principal distribuidora do sistema, a subestação da rua 7 de setembro, em Vitória, que recebeu um segundo transformador de 7500 kVA para funcionar no início de 1968. Quanto à distribuição, a CCBFE também buscou eliminar perdas excessivas e melhorar a estabilidade da tensão. Buscou ainda concentrar sua atenção na reforma dos alimentadores centrais de Vitória e Cachoeiro de Itapemirim, incluindo aí 34 novas estações de distribuição secundária. No programa de melhoria da aferição do consumo na ponta do sistema foram instalados 9.169 medidores monofásicos, 1130 134 135 136 Em 18.07.1967 foram eliminados 3 zeros do Cruzeiro que recebeu o nome de Cruzeiro Novo. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1967. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1967. 189 medidores bifásicos e 209 medidores trifásicos, refletindo numa redução de 2708 para 56 o número de ligações sem medidores.137 Em relação à manutenção das usinas geradoras a diesel, a Portaria 571, de 4 de julho de 1966, do Ministro de Minas e Energia, autorizou a desmobilização da unidade 1 de 672 kW da usina diesel de Vitória, ...por estar imprestável e ser considerada anti-econômica a sua recuperação.138 A partir de um planejamento organizado com vistas ao financiamento público através da ELETROBRÁS ou com o aval desta, em 1967 foram também concluídas 741 obras de expansão e 58 obras de melhoramentos gerais, com destaque para a construção de 50 km de redes primárias até 11,4 kV e 70 km de redes secundárias em 200/127 volts. Além disso, foram instaladas 124 unidades transformadoras, sendo 34 dessas unidades destinadas a obras de melhoramento das redes e 41 unidades para as obras cobertas por verbas federais.139 Dessa maneira, no início de 1968, já era fornecida uma potência de 9 MW exclusivamente para o Porto de Tubarão. Em março do mesmo ano era inaugurada a primeira etapa de conversão de freqüência para 60 Hz através da subestação distribuidora de Praia, capacitada para distribuir 12 MWA em 11,4 kV e 60 Hz. Além disso, para 1968 ainda foi previsto um gasto de NCr$17.547.102,00 (US$5,928,000.00) para Orçamento de Construção, indicando claramente a continuidade da execução dos projetos de capacitação energética que atenderiam a demanda futura do Estado do Espírito Santo, especialmente o parque exportador que se instalaria e/ou se expandiria nos anos seguintes na região litorânea, sobretudo na Grande Vitória e adjacências como o Porto de Tubarão e as Usinas de Pelotização CVRD I e CVRD II, da Companhia Vale do Rio Doce, a Aracruz Celulose S/A, entre outros.140 137 138 139 140 CCBFE. Relatório da Diretoria. 1967. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1967. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1967. CCBFE. Relatório da Diretoria. 1967. Uma descrição estatística dos “grandes projetos” é encontrada em ROCHA, Haroldo C.; MORANDI, Ângela. Cafeicultura e grande indústria. A transição no Espírito Santo 1955-1955. Vitória: FCAA, 1991. 168p. Em SIQUEIRA, op. cit. nota 111., há análise dos “grandes projetos” e efeitos sócio-econômicos negativos na ocupação urbana da Grande Vitória. 190 Mais uma vez as memórias do ex-diretor da CCBFE/ESCELSA, Clodoaldo Ewald, trazem a visão de quem conviveu com as transformações no suprimento de energia elétrica ocorrido no Espírito Santo: (...) foi depois do planejamento, de modo que não estava faltando energia aqui. Poderia faltar(...) Foi um bom planejamento feito pela ELETROBRÁS.141 141 EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista... p. 16. 191 c) O casamento arranjado: Enquanto as obras, projetos e novos investimentos estavam em pleno andamento no plano técnico e no político, no plano institucional e realização da fusão das duas empresas estava ainda por se completar. Por isso, na mensagem dirigida à Assembléia Legislativa o governador do Estado requeria, de forma elogiosa à ação de nacionalização e estatização das indústrias básicas promovida pelo governo federal, que o parlamento estadual aprovasse lei específica autorizando o Poder Executivo a propor ao Ministério de Minas e Energia e à ELETROBRÁS a constituição da “nova” ESCELSA, envolvendo a fusão dos passivos e ativos da Espírito Santo Centrais Elétricas S/A com os da Companhia Central Brasileira de Força Elétrica S/A. Graças ao trabalho do núcleo do governo estadual em 27 de outubro de 1967 a Assembléia Legislativa sancionava a Lei Estadual nº 2.305, autorizando a fusão da CCBFE com a ESCELSA e a transferência da “nova” ESCELSA ao controle federal. Finalmente, em 2 de janeiro de 1968 foi empossada uma diretoria comum às duas empresas formada pelo novo presidente Carlos Alberto Pádua Amarante, um aluno142 do Dr. Firmo Dutra e pelos diretores Demósthenes Segui Júnior, Harry Freitas Barcellos e Nelson Monjardim Faria Santos, que permaneceu no cargo. O Conselho Fiscal era composto por Antonio Carlos Amaral Bastos, José Alves Costa Júnior e Luiz Gabeira. No Conselho Consultivo lá estava o ex-presidente da ESCELSA Firmo Ribeiro Dutra, além de Orígenes da Soledade Lima e Victor Rodrigues da Costa. Enquanto aguardava a realização da assembléia conjunta que votaria a fusão a Central Brasileira começou a transferir-se para o edifício Castelo Branco, onde já funcionava a ESCELSA. A partir daí foi desencadeada uma reorganização estrutural dos diversos departamentos de maneira a dar um prosseguimento comum à execução das obras previstas bem como aproveitar os recursos humanos de cada empresa. De memória, Madalena de Paula Rangel relata o período de 6 meses em que ocorreram essas adaptações, já sob uma diretoria comum às duas empresas 142 Ao transmitir a presidência ao eng. Amarante o Dr. Firmo Ribeiro Dutra o apresentava aos chefes da ESCELSA como “meu aluno”. Cf. GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista... p. 10. 192 (...) a gente começou a trazer pessoal. Por exemplo, a financeira da Central com a financeira da ESCELSA e começou a colocar o pessoal junto para trabalhar, embora os serviços ainda não estivessem sendo feitos juntos, não é. Aquilo foi um processo de mais ou menos 6 meses, um processo tanto de adaptação de pessoal como de adaptação de serviços, em que cada um tinha seu sistema de trabalhar. Inclusive as secretarias; a Central Brasileira tinha secretaria e a ESCELSA tinha uma secretaria.143 Assim os empregados perceberam que o esperado momento da união chegara. E estranharam a forma como as estruturas foram unificadas. (...) Esse Dr. Firmo apareceu uma tarde lá na minha oficina. (...) Gritou o meu nome; o meu escritório era lá em cima. Já tinha passado das 6 horas da tarde, já tava tudo parado. Eu desci e ele falou assim: - Seu Nilton, amanhã todo o transporte da ESCELSA, com todo o mundo, vem aqui para o Senhor. Eu disse: – Mas, Doutor, eu não tenho lugar aqui. Ele disse: – Você dá um jeito. Você tem que arranjar um lugar. Todo o mundo amanhã cedo, já é ordem.144 Já do ponto de vista dos ex-dirigentes técnicos da CCBFE, o processo parece ter adquirido um aspecto de normalidade. Clodoaldo Ewald, por exemplo, assim o explica Eu entrei na fusão como superintendente técnico da parte da Central Brasileira. E quando houve a fusão eu passei a fazer parte da gerência da empresa aqui, cuja sede era no Rio de Janeiro, como Assistente.145 Pouco depois, a assembléia conjunta da ESCELSA e CCBFE decidia a extinção de ambas e o estabelecimento da nova personalidade jurídica pública em 1 de julho de 1968 que, tal como sua antecessora, também se chamaria ESCELSA.146 Com a fusão formalizada, foram iniciadas as medidas legais para os programas oficiais das empresas bem como o cumprimento dos seus compromissos financeiros. De início, o levantamento do patrimônio líquido demonstrou enorme equilíbrio: da ex-CCBFE coube NCr$13.132.695,37 (US$4,078,000.00) e à ESCELSA 143 144 145 RANGEL, Madalena de Paula. 2001. Entrevista... p. 4. PIMENTA, Nilton. 2001. Entrevista... p. 11. EWALD, Clodoaldo. 2001. Entrevista... p. 10. 193 coube NCr$13.189.175,65 (US$4,096,000.00) que somados passaram a constituir o capital social da nova ESCELSA, no total de Cr$26.321.871,02 (US$8,174,000.00).147 Na nova empresa, o Espírito Santo passou a sócio minoritário detendo apenas 5% das ações enquanto a ELETROBRÁS controlava mais de 90% do capital social. Em termos de capacidade geradora em operação, a “nova” ESCELSA contava agora com 4 usinas hidrelétricas em operação: Suíça (30.000 kW), Rio Bonito (16.800 kW), Jucu (2.800 kW) e Fruteiras (2.000 kW), e operava em dois sistemas de transmissão distintos, um de 60 Hz, mais moderno, e outro de 50 Hz de geração própria.148 Contava também com as obras de construção da Usina Hidrelétrica de Mascarenhas, prevista para funcionar em 1970. Assim, a produção total do sistema chegaria a 196.763.873 kWh. Entretanto, sendo já equipada de linha de transmissão Valadares-Carapina a empresa recém-criada podia adquirir 14.734.472 kWh em 60 Hz de FURNAS para abastecer exclusivamente o Porto de Tubarão, da CVRD, com demanda máxima de 5.460 kWh.149 Quanto aos compromissos anteriores, foram mantidos todos os repasses das empresas fundidas, contando entre os principais credores a própria AMFORP, a USAID (Aliança para o Progresso), a AEG-Berlim (fornecedores de equipamento e montagem da Usina Suíça), EXIMBANK, BID, BNDE, ELETROBRÁS, governo federal e o Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário (INDA).150 Tudo isso vem caracterizar a extensão dos interesses políticos envolvidos no setor de energia capixaba e a teia de relações tecidas pelo governo brasileiro com as agências de financiamento internacionais e, inclusive, com o próprio grupo AMFORP. Porém, os funcionários das empresas não pareciam perceber da mesma forma que o governo a racionalidade técnica presente no projeto da “nova” ESCELSA. Eles traduziram o processamento da fusão como um “noivado” empresarial, um período em que apurariam as diferenças de estilo administrativo e operacional de cada empresa como uma forma de preparar o “casamento”; um tempo de conhecimento 146 147 148 149 ESCELSA. Relatório de Diretoria. 1968. Em nível federal, a fusão foi aprovada pelo Decreto nº 63.425, de 15 de outubro de 1968. Publicado no D.O.U. de 16.10.1968. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1968. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1968. ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1968. 194 recíproco e necessário, de ajustes de personalidades, antes que se desse a união permanente. Naturalmente que isso gerava, sobretudo entre os antigos funcionários da ESCELSA que ocupavam os cargos de chefia, um temor de que os chefes da CCBFE federal, mais antigos, mais conhecidos do público e mais experientes em seus setores, pudessem vir a ocupar seus postos de trabalho já que eram considerados adaptados à austeridade e ao cumprimento de regras rígidas de economia de material e de funcionamento administrativo da CCBFE que não eram praticadas na ESCELSA. Uma entrevistada relatou o sentimento das equipes com a fusão Ela não foi bem aceita. Acho que de nenhum dos 2 lados de imediato. Sabe como é. Coisa nova, um pouco de medo; que vai juntar, vai sobrar gente, vai gente prá rua, essa conversa toda que surge nessas ocasiões.151 Outra fonte relatou uma certa rivalidade no momento em que se processava a nova estruturação, quando não se deixou de levar em conta influências políticas externas às empresas (...) Os da Central Brasileira se achavam no direito, que o direito maior era deles, que eram mais antigos e tudo... Mas não foi assim. Isso dependeu algumas vezes de um pistolão político, que sempre houve isso e vai continuar havendo.152 Mas na relação empresarial, em especial quando se trata de empresas públicas, não somente as relações político-econômica e financeira tem seu lugar, mas também as relações interpessoais que são tecidas nas convivências entre pessoas de ambientes culturais empresariais diversos. No caso ESCELSA/CCBFE, cuja relação era pontuada por diferenças historicamente construídas desde a nacionalidade das empresas até os fins - lucrativos e não-lucrativos - a que se destinavam, havia de ser encontrada uma fórmula de acomodar as diferenças e realçar as igualdades, para além dos aspectos administrativos e legais, de forma 150 151 152 ESCELSA. Relatório da Diretoria. 1968. RANGEL, Madalena de P. 2001. Entrevista... p. 5. GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista... p. 8. 195 que os funcionários de ambas pudessem assimilar a seu modo a fusão inevitável que se processava. Tal se deu na organização de uma festa folclórica bem ao gosto brasileiro: uma festa junina! Era mês de junho, tempo de dança de quadrilhas, forró, fogueiras, bandeirinhas multicoloridas e comidas típicas da miscigenação de etnias presentes no Espírito Santo. Essa foi a maneira encontrada para que se desse o contraponto da negociação formal entre os funcionários, diretorias e governos; no campo lúdico da criação coletiva, a festa era a primeira experiência concreta entre as equipes empresariais que trabalharam estimuladas pela diretoria - agora comum - e chefes de departamentos. Harry Barcelos, diretor-administrativo da ESCELSA, doou 30 frangos para fazer as rifas; os demais diretores e funcionários também participaram. Mas os elementos centrais eram aqueles funcionários mais identificados com as atividades extra-funcionais e aqueles que já eram referência de bom-humor, criatividade e de participação. À ESCELSA, coube o papel do “noivo”, talvez simbolizando todo o esforço da sociedade capixaba pela criação da empresa para, através dela, conquistar o espaço e os “dotes” da noiva CCBFE. Na cerimônia, o escriturário Josemar, funcionário da CCBFE, foi escolhido para encarnar o personagem: (...) era um palhaço. Ele errou a carreira. Ao invés de trabalhar na Central Brasileira ele devia ter trabalhado em circo. Uma pessoa impagável!153 A representação da “noiva” CCBFE coube a Valdetaro, um funcionário da já unificada Seção de Transporte, escolhido por Catarina C. Gonçalves: a noiva casou com o meu vestido de baile.154 Uma peruca comprida e um arranjo de couve-flor com babados de tule compunham a cena daquela união empresarial; artefatos de cenário cuja função era quebrar a austeridade dos escritórios e estimular o riso. Nesse ambiente descontraído, a criatividade abria espaço para que cada funcionário 153 154 GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista ... p. 11. GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista ... p. 11. 196 ou diretor pudesse, a seu modo, “inventar” a nova empresa que surgia daquela fusão de culturas, patrimônios e áreas de concessão. Entre tapas e beijos a coisa deu certo. Deu certo, deu certo.155 Assim, criava-se a “nova ESCELSA”, resultado de um “casamento” forjado politicamente na participação da sociedade pela criação de um setor elétrico sob domínio estatal, e pelo Poder Público interessado em prover energia elétrica para a implantação de uma economia industrial baseada no aproveitamento dos recursos minerais e nas características geográficas da região costeira do Espírito Santo. Essa indústria visaria gerar bens exportáveis aos países industrializados a partir do complexo porto-indústria do Espírito Santo. Diversa em escala e natureza daquela empresa pensada no Governo Jones, redefinida para atender a ELETROBRÁS, naquele “casamento” a ESCELSA lançava-se aos seus excelsos destinos. 155 GONÇALVES, Catarina C. 2001. Entrevista ... p. 12. 197 Considerações finais A história da ESCELSA tem como pano de fundo uma inflexão no relacionamento entre os grupos estrangeiros e o núcleo ocupante do Executivo estadual. Essa inflexão teve seu ponto de partida no Plano de Valorização Econômica do Estado e no Plano Estadual de Eletrificação do Governo Jones, desenvolvidos como instrumentos de superação da dependência das exportações de café e estimuladores do crescimento da produção industrial do Estado. De maneira ampla, tais instrumentos de planejamento encontravam respaldo no Plano Nacional de Eletrificação e na política econômica desenvolvida no Segundo Governo Vargas e representavam os interesses das elites locais e sua capacidade de articulá-los com os interesses políticos e econômicos “nacionais” representados pela presença das empresas COFAVI e CVRD em solo capixaba. Enquanto vigoravam as concepções do desenvolvimento econômico concebidas na Era Vargas, que tinham o Estado como órgão regulador e indutor da atividade econômica dos agentes privados e forte mediador entre a defesa dos “interesses nacionais” e os interesses do capital estrangeiro, pôde a população capixaba e as suas elites políticas centradas no eixo político PSD/PSP articularem as alternativas de industrialização em bases regionais vinculadas ao antigo padrão de acumulação de capitais, qual seja, na agroindústria exportadora e na burguesia comercial. As leis criadas neste período quase sempre seguiam a mesma linha de proposição dos projetos enviados ao Congresso Nacional no governo de Vargas. Mas faltava ainda ao governo capixaba ajustar a estrutura jurídica das relações entre o Estado e as concessões de prestação de serviços públicos, seja através de concessionários privados, seja sob o controle de empresa estatal. Isso ocorria porque a ação do planejamento do desenvolvimento econômico feita pelo governo demonstrava o esgotamento da participação do capital privado representado pelo grupo AMFORP no setor elétrico do estado. Dessa compreensão, surgiu a ESCELSA, um agente econômico a serviço das elites que se revezavam no núcleo de poder local. A ESCELSA era ao mesmo tempo o agente capaz de dar a viabilidade técnica aos projetos do governo para o setor elétrico como também um canal de intermediação da participação do BNDE nos financiamentos para a construção de usinas hidrelétricas e para a constituição de um sistema elétrico estadual sob controle público, a despeito da presença da empresa estrangeira em plena vigência de seus direitos de concessionário público. Contudo, o tiro que Getúlio Vargas deu no próprio peito em 1954 atingiu mais que seu coração, colocando também por terra as bases em que se dariam os investimentos estrangeiros na economia brasileira e o futuro do nacionalismo tão presente na Era Vargas. O governo seguinte, baseado no Plano de Metas, aprofundaria os ideais de desenvolvimento econômico negando-lhes, contudo, suas feições nacionalistas para conferir-lhe as tintas da modernidade e da velocidade: 50 anos em 5! E de fato o país mergulhou na corrida frenética pela industrialização, sobretudo no setor de bens de consumo duráveis, e viu serem alteradas suas feições urbanas e seus hábitos de consumo e comportamento enquanto um novo padrão de acumulação de capitais se dava entre as elites cujo poder de mando agora transitava do mundo agrário para os negócios urbanos. No Espírito Santo, as conseqüências dessas alterações se fizeram sentir no abastecimento elétrico. A CCBFE, defasada tecnicamente e pressionada por protestos e piquetes de seus consumidores, mesmo assim não demonstrava interesse em acompanhar o crescimento de sua demanda com investimentos em geração e transmissão hidrelétrica. Para não deixar as populações protestando no escuro e não perder o ritmo do crescimento do país, a ESCELSA repassava para a CCBFE a produção de Rio Bonito. Aí começava um período de “namoro”, uma espécie de relação de interesses mútuos entre rivais potenciais, mas forçados a uma relação de complementaridade. Porém, como o sistema da CCBFE mostrava seu esgotamento, a população organizada pressionava para que o Governo do Estado executasse logo suas “segundas” intenções naquele namoro, utilizando a ESCELSA - que já construía a segunda usina - para encampar e absorver a CCBFE. Entretanto, apesar das investidas, a “namorada” permaneceu incólume até fins de 1964, quando todo o antigo arranjo de forças políticas se rompeu. 199 Desde sua formação como empresa pública estadual em 1956 a ESCELSA preparava-se para produzir a energia elétrica necessária ao suprimento do território capixaba. Por sua vez, a Cia. Central Brasileira de Força Elétrica, manteve o atendimento de suas responsabilidades de concessionário apenas em condições de transmitir e distribuir a energia que gerava e a que era adquirida da ESCELSA até que fossem dirimidos os impasses referentes aos seus direitos de concessionário, o que se deu somente com o rompimento do regime democrático e a compra da AMFORP. A partir daí, as bases do projeto desenvolvimentista concebido por Vargas sofreu, no Espírito Santo, uma profunda alteração que se manifestou no desempenho dos investimentos da ESCELSA e da CCBFE, representando que o conflito que se dava entre o governo estadual e a empresa estrangeira se transferira para o interior do Estado, e configurava-se em um confronto de concepções entre dois modelos de desenvolvimento econômico: aquele das elites capixabas encetado pelo Governo do Estado desde Jones e aquele que era imposto pelo governo federal através da ELETROBRÁS. Assim, entre 1964 e o início de 1966, enquanto o regime militar reunia condições políticas para depor o governador Chiquinho e a representação popular na Assembléia Legislativa e suplantar o desenvolvimento endógeno, a implantação da infra-estrutura de energia no território capixaba seguiu dois caminhos antagônicos; o primeiro, manifesto na ampliação da antiga rede de geração e distribuição da Central Brasileira e sua interligação com o Sistema FURNAS-CEMIG através da construção da linha de transmissão Governador Valadares-Porto de Tubarão para atender aos usuários “em grosso”, sobretudo as empresas estatais COFAVI E CVRD/Porto de Tubarão e as indústrias privadas que beneficiavam-se da infra-estrutura que o Poder Público montava. Contou, ainda, com a construção de Mascarenhas, a maior das usinas hidrelétricas capixabas. Dessa forma, estima-se que, entre 65-68, a CCBFE tenha recebido investimentos dos cofres públicos de cerca de US$30 milhões inclusive para Mascarenhas - além de US$13,3 milhões repassados pelo acordo USAID. 200 O segundo caminho foi aquele que vinha sendo trilhado pela ESCELSA. Perseguindo os objetivos estratégicos traçados no Plano Estadual de Eletrificação, a ESCELSA lograva atingir capacidade de produção e expansão condizentes com o consumo estimado e futuro. Porém, a despeito do seu sistema ter alcançado um número crescente de localidades capixabas e de a empresa ter construído duas usinas hidrelétricas (Rio Bonito e Suíça) com recursos próprios e com financiamentos federais, sua estratégia não se articulava com o projeto da ELETROBRÁS que seguia o modelo de crescimento industrial previsto no Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) que era coordenado por Roberto Campos. Embora não se tenha obtido êxito na recuperação das fontes sobre os investimentos em obras e equipamentos da ESCELSA para 1967, estima-se que foram investidos cerca de US$1,5 milhão em 1965 e US$2 milhões em 1966, cerca de 10% do total investido na CCBFE no período 65-67. Na verdade, a vitória do modelo de produção industrial pesada voltada para exportação de produtos siderúrgicos, grãos e celulose que ganhou corpo no Espírito Santo, teve sua origem no dilema intransponível que o país viveu no início dos 60. Constatado o esgotamento do modelo de substituição das importações o país atingira um ponto de onde não havia retorno: ou desenvolvia sua indústria produzindo bens para o mercado interno ou atenderia o mercado externo. Mas a forma de financiamento de seu crescimento permanecia como um dilema já que a inflação alta da segunda metade dos anos 50 e primeira dos 60 e a queda dos preços do café no mercado internacional tornaram escassos os recursos internos para investimento. Assim, enquanto os governantes eram pressionados para orientar a economia para a geração de excedentes na balança comercial, os setores progressistas mais organizados da sociedade defendiam uma política econômica vinculada ao crescimento do mercado interno com participação secundária dos investimentos externos. Além disso, a construção da meta-síntese - a capital Brasília - absorvera a disponibilidade de endividamento do encadeamento produtivo da economia. país em gastos não vinculados ao Assim, o crescimento da inflação e a insatisfação popular já davam sinais que a fórmula não mais se sustentaria. 201 Ao mesmo tempo, as pressões diplomáticas dos EUA contra a desapropriação de empresas da AMFORP acusadas de opor entraves ao desenvolvimento das forças produtivas nacionais impedia o governo de retirá-las de cena para abrir espaço para que novas empresas ocupassem seu território econômico e estimulassem os investimentos de capitais, o consumo popular e a melhoria do nível de emprego. Enfim, nos primeiros anos da década de 60 estavam dadas as condições necessárias para que se impusesse definitivamente uma política econômica de desenvolvimento “para fora”, em que as forças políticas conservadoras conjugariam todos os elementos necessários à construção do modelo: recursos naturais abundantes, capitais externos disponíveis, recursos tecnológicos, mercados consumidores no exterior. Porém, faltava mudar a estrutura do Estado; faltava fazêlo cooperativo e desejoso de ver na industrialização associada com o capital externo a fórmula do “milagre”, para que não se repetissem as encampações como as praticadas pelos governantes estaduais no Rio Grande do Sul, no Espírito Santo e em Pernambuco. É esse o contexto em que se pode entender as motivações do governo capixaba em tornar a ESCELSA a única concessionária na região dinâmica da industrialização do Espírito Santo. Uma fórmula para libertar - na expressão de Christiano Filho - o Estado do domínio do estrangeiro e atrelá-lo para atender a indústria associada. Esse sentimento contrário ao capital estrangeiro tinha crescido muito no final dos anos 50. Porém, uma vez que, a despeito de toda a torrente nacionalista e de esquerda no país, as empresas de energia elétrica da AMFORP não haviam sido desajoladas de suas concessões, persistia a indefinição de um novo modelo econômico dominante enquanto o debate encampação-nacionalização da AMFORP tomava corpo no Brasil. Assim, Roberto Campos sairia em defesa da nacionalização pela compra do grupo, já preparando as bases do futuro modelo “para fora” que só vingaria condicionado a existência de um governo que impusesse essa associação das 202 empresas estatais com os interesses dos grupos transnacionais. Roberto Campos foi o artífice desse encantamento das elites brasileiras. Buscando uma formulação para a superação da crise com a AMFORP/EUA como emblema da nova conduta do Estado brasileiro frente à participação estrangeira, Campos dissimulou a inversão do modelo econômico nacionalista para a cartilha liberal-conservadora. Sua tática foi utilizar o interesse da sociedade em livrarse da presença incômoda do grupo AMFORP para realçar as vantagens da nacionalização através da compra - em oposição a encampação ou desapropriação. Isso fez com que todos acreditassem que, além de fechar um bom negócio, o Brasil também estaria na posição de impor a condicionante da obrigatoriedade do reinvestimento de 75% do preço na economia nacional, a longo prazo. Seus argumentos basearam-se em três pontos: a) a compra se daria sem investimento imediato de capital e com juros baixos e amortizações extraídos da elevação da tarifa cobrada dos consumidores. Isso era vantajoso para o Brasil porque, na visão de Campos, b) caso o governo decidisse encampar, de acordo com o Art. 168 do Código de Águas, estaria obrigado à indenizar o valor das empresas à vista e provocaria um desembolso de dólares do Tesouro Nacional muito superior às suas disponibilidades, além de que a liquidação à vista geraria impactos no balanço de pagamentos internacionais. Mas Campos conquistou a decisão favorável de Castelo Branco para a compra da AMFORP afirmando que c) uma compra a prazo distribuiria o retorno dessa indenização ao longo do tempo e a situaria em condições suportáveis no balanço de pagamentos do país. Para ele, o Brasil exerceria um controle dos efeitos da nacionalização sobre a situação cambial, através de uma cláusula contratual que impusesse o reinvestimento parcial dos valores pagos em outros setores da economia nacional, sendo vetado o setor elétrico. Ou seja, uma vez decidido politicamente o modelo de industrialização a ser perseguido pela economia através de um golpe de Eo, as forças que interagiam com o poder puderam organizar a economia nacional de acordo com seus interesses de classe. De um lado a AMFORP, o Governo dos Estados Unidos da América e grupos empresariais associados viam plenamente satisfeitos seu desejo de abrir mão de suas empresas concessionárias no Brasil. Defasadas tecnicamente, essas empresas 203 tiveram seu ciclo de acumulação superado desde os anos 40 quando o crescimento do consumo e as inovações tecnológicas fizeram necessária a mudança gradativa da matriz energética do país de base térmica para a base de geração hidrelétrica. A nova matriz hidrelétrica, conjugada sob bases nacionalistas no Código de Águas de 1934, demandava grande aporte de capitais líquidos a serem absorvidos em construção de barragens e de linhas de transmissão e na compra de equipamentos de alta sofisticação para geração, só encontrados no mercado europeu e nos EUA. Entretanto, a AMFORP acreditava que o mercado consumidor brasileiro ainda não oferecia as características de maturidade do capitalismo próprias desses países, para que suas empresas concessionárias pudessem remunerar as grandes inversões necessárias para esses empreendimentos. O mesmo se pode dizer das agências de financiamento internacionais, que não viam no financiamento de plantas hidrelétricas no Brasil um bom negócio para seus fundos. Quanto ao governo dos Estados Unidos da América, este acenava com os empréstimos da USAID e EXIMBANK para os países latinoamericanos como forma de premiar governos alinhados, atrair novos alinhamentos à sua política externa, pressionar governos não-alinhados que desapropriavam empresas estadunidenses e, last but not least, estimular intercâmbio comercial entre o país tomador dos empréstimos e os EUA. Estando no ápice da Guerra Fria, os EUA buscavam a todo o custo fazer refluir a influência dos partidos de esquerda e, sobretudo, os ideais revolucionários da Revolução Cubana nas populações americanas. Por isso, não poderia, sob pena de ver sua política externa desmoralizada, permitir que as empresas subsidiárias da AMFORP fossem desapropriadas uma a uma como já ocorrera com 3 de suas 9 operadoras no Brasil. Além do mais, interessava aos EUA os termos do intercâmbio comercial inaugurado com a criação da CVRD, cuja produção de minério de ferro se voltava, prioritariamente, para o abastecimento de seu mercado. Em outras palavras, o aprofundamento da divisão internacional do trabalho baseada na troca de bens primários por bens de consumo/capital, cujo padrão de acumulação se dava, quer no valor agregado dos bens que distribuía ao Brasil em relação ao bem primário 204 (minério, etc.), quer na desigualdade imposta pela variação cambial que historicamente lhe fora favorável. Por último, resta considerar os interesses difusos dos agentes econômicos transnacionais com base nos EUA e na Europa, a saber: bancos, companhias de seguros, fabricantes de equipamentos e materiais elétricos, companhias de transporte internacionais, empresas de projetos e de engenharia e de construção civil, etc. Esses eram os maiores interessados na compra do grupo AMFORP pelo governo brasileiro e no estabelecimento de um amplo “take off” da economia brasileira fundada nas empresas estatais do setor elétrico. Uma vez que era notório o grau de depreciação e defasagem técnica dos sistemas elétricos nas áreas de concessão das empresas subsidiárias da AMFORP no Brasil, tais agentes haveriam de esperar que, uma vez superado o impasse da “nacionalização”, o governo faria investimentos em construção de novas hidrelétricas a fim de atender a demanda reprimida nos anos em que a concessão esteve em mãos da AMFORP. Isso seria inevitável para que fossem eliminados os “gargalos” ao desenvolvimento econômico e à melhoria da qualidade de vida do país. Naturalmente que, uma vez definido esse conjunto de investimentos, esses agentes e fornecedores teriam no governo brasileiro um cliente de primeira linha para novos e grandes negócios. De qualquer maneira, a solução negociada por Roberto Campos para a compra do grupo AMFORP já soava como boa música para eles: nada mais que 75% (US$101,25 milhões) do valor da compra deveriam ser reinvestidos na economia brasileira fora do setor elétrico. Bons negócios à vista no Brasil! Finalmente, chega-se aos motivos de entusiasmo da própria AMFORP. Em primeiro lugar, livrava-se de um extenso e defasado conjunto de empresas e instalações em cuja renovação não tinha interesse e dificilmente conseguiria vender a outro grupo privado. Além da superação das instalações brasileiras, a maioria das concessões por 50 anos feitas nos anos 20 se aproximavam do fim, depreciando ainda mais o valor de suas companhias. A solução de nacionalização pelo Brasil livrava também a AMFORP do risco da desapropriação de suas operadoras, sem a garantia do recebimento de indenizações do Poder Público. Por fim, a condicionante do reinvestimento privilegiava o grupo AMFORP oferecendo-lhe a chance de retirar 205 seu capital de um setor onde o Estado eliminaria a concorrência privada assumindo seu monopólio e, em troca, reorientaria 75% do seu capital para novos e diversificados investimentos na economia nacional, resguardados pelo prazo dilatado, o que daria tempo para que fossem escolhidos os setores mais rentáveis dentro da nova orientação econômica, bem como voltar-se para setores completares entre seus investimentos no Brasil e no mundo. Assim, a cláusula condicionante do reinvestimento era, na prática, um passaporte de livre acesso da AMFORP; uma cadeira cativa na economia brasileira. Porém, restava que do lado brasileiro todos continuassem desempenhando bem o seu papel. Em primeiro lugar, era preciso garantir que o golpe de Estado contra Jango fosse bem sucedido, já que o presidente mostrava-se vacilante para realizar a compra da AMFORP. E uma vez assumido o controle do governo, restaria fechar o negócio nas bases tratadas por Campos, quando ele falsearia as vantagens econômicas da transação para o país de molde a legitimar o regime para viabilizar seu projeto de desenvolvimento baseado na industrialização pesada associada aos interesses transnacionais, em detrimento de um modelo fundado no consumo e acumulação de capitais internamente. Por fim, o projeto político e econômico consagrado no golpe de 64 deveria procurar ocupar, em definitivo, o “vazio” deixado pelas empresas concessionárias da AMFORP desde a década de 1940. Esse vazio tampouco seria preenchido por empresas privadas nacionais ou internacionais, muito menos por pequenas empresas públicas regionais. Tratava-se de um espaço político e econômico sob medida para a ELETROBRÁS, a grande holding do setor elétrico brasileiro, que substituiria a própria AMFORP, mas tomando para si as responsabilidades de endividamentos e financiamentos para as obras públicas do setor elétrico. Enfim, a ELETROBRÁS e suas empresas seriam os pólos aglutinadores das plantas urbanas e industriais do novo modelo exportador. Esse, portanto, era o modelo que do ponto de vista interno estava delineado para o setor elétrico pela equipe econômica do Governo Castelo Branco. Doravante, o Estado autoritário tomaria para si o ideário desenvolvimentista pseudonacionalista para legitimar sua ação centralizadora no setor elétrico através dos 206 seus manus longus, a ELETROBRÁS e o BNDE. Nesse modelo, a empresa estatal regional de eletricidade teve papel ímpar! Por isso, tão logo foi instalado o novo regime a ELETROBRÁS cuidou de preparar alteração do perfil anterior do setor, enviando seus homens mais experientes para liderar o processo e promover as fusões e estuturações de empresas e interligando sistemas que antes operavam independentes. Essa era a racionalidade exigida pelo novo modelo econômico. Tal se deu em relação à CCBFE e à ESCELSA no Espírito Santo, após a negociação com a AMFORP, entrando a empresa capixaba em condição subordinada. E não admira que assim tenha sido, pois além de abrigar a sede da CVRD, da COFAVI e de contar com complexo portuário de Tubarão, o Espírito Santo também tinha disponibilidade de terras e uma configuração geográfica privilegiada para a construção de infra-estrutura portuária e de proximidade com as jazidas de minério de ferro do país, enfim, tudo sob controle federal, fechando o circuito de produção e transporte do setor minero-siderúrgico sob monopólio federal. Assim, no Espírito Santo, pôde o Estado brasileiro induzir, a partir daí, um ciclo artificial de crescimento econômico regional e de urbanização acelerada baseando-se nos investimentos em infra-estrutura energética, construção e montagem industrial e em transportes que moldaria a industrialização pesada ocorrida no estado. Em sua primeira fase, tal modelo visava especializar a produção capixaba no beneficiamento de produtos primários como o minério de ferro e outros minerais, na produção de semi-acabados como celulose em placas, perfis laminados de aço, etc., ou simplesmente no embarque de grãos. Naturalmente que toda essa produção seria voltada para o abastecimento dos mercados dos países industrializados. Foi essa a fórmula encontrada para as inversões de capitais públicos na industrialização pesada do estado. Entretanto, tal política de desenvolvimento tinha na legitimação do regime autoritário e nas motivações externas a sua racionalidade e o seu modus operandi, enquanto os custos financeiros, sociais e ambientais ficavam adstritos ao Estado do Espírito Santo e ao país. 207 No novo modelo a CCBFE tornar-se-ia de imediato a empresa que a ELETROBRÁS efetivamente utilizaria para fazer os investimentos necessários à superação dos “gargalos” locais: a ela seriam destinados os recursos para a construção de Mascarenhas para a geração de mais energia elétrica, para a construção de novas linhas de transmissão, para a incorporação de novas áreas de distribuição, modernização dos sistemas e conversão para 60 Hz, etc. A partir daí os papéis desempenhados por cada empresa iriam se inverter. Ao ver a CCBFE já nas mãos da ELETROBRÁS, pôde o “nacionalismo jonista” encantarse com o novo modelo e render-se a ele; quanto à esquerda e aos quadros pessepistas do governo deposto, ficaram impedidos de se manifestar sobre a fórmula da união. E a missão da ESCELSA, de repente, perdia o sentido e já não representava o futuro promissor do Espírito Santo, a liberdade contra o capital externo. Jovem empresa, que tanto do idealismo político herdara das elites capixabas, perdera os encantos da adolescência. Hora de casar-se! É nesse contexto que, em 1968, a ESCELSA e a CCBFE deixaram de ser empresas solteiras, com atuação independente, e foram casadas - fundidas - numa só empresa, prevalecendo o nome do “noivo”. O casamento geraria a nova infraestrutura energética no Espírito Santo: a ESCELSA seria o pivô do modelo industrial primário-exportador que vingaria nas décadas seguintes. Tal modelo tornaria possível a futura construção de mais portos, a multiplicação das exportações da CVRD, a implantação da grande indústria de celulose e de outros grandes projetos associados em mineração e siderurgia. Em conseqüência, moldaria um novo cenário urbano-industrial na Grande Vitória onde se destacaria a ocupação desordenada de extensas áreas da ilha-capital e regiões periféricas. Tudo isso com farto abastecimento de energia elétrica provida pela “nova” ESCELSA. Finalmente, após 27 anos, nas bodas de prata soariam acordes dissonantes liberais que vincariam de rugas as belas faces da “nova” empresa. E o Estado brasileiro, desejoso do divórcio, novamente recorreria à festa junina... e lançaria a ESCELSA na “fogueira das privatizações”. Mas isso já é outra história! 208 ARQUIVOS, BIBLIOTECAS E ACERVOS PESSOAIS PESQUISADOS Arquivo Público Estadual do Espírito Santo Arquivo da Assembléia Legislativa do Espírito Santo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Biblioteca Nacional Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo CMEL - Centro de Memória da Eletricidade no Brasil/RJ ESCELSA - Espírito Santo Centrais Elétricas S/A Núcleo de Estudos de Arquitetura e Urbanismo – Centro de Artes/UFES Supremo Tribunal Federal/DF Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo Acervos pessoais: Nilton Pimenta Christiano Dias Lopes Filho 209 Referências bibliográficas ALMADA, Vilma Paraíso F. de. Estudos sobre a estrutura agrária e cafeicultura no Espírito Santo. Vitória: SPDC/UFES, 1993. ALVES, Maria Helena M. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984. ARARIPE, D. de Alencar. História da Estrada de Ferro Vitória a Minas 1904-1954. Vitória, [s.n.]. ARAÚJO, Hildete Pereira de M. 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