Jurisprudência Boletim ANO V – Nº 27 Mercado de Capitais Os dois casos apresentados nesta edição mostram os entendimentos recentes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a Instrução 10/80, que dispõe sobre a aquisição por companhias abertas de ações de sua própria emissão. As decisões do colegiado trazem à tona a necessidade de modificações nas regras atuais CVM aprova utilização de lucro do exercício em andamento para a compra de ações de própria emissão A São Carlos Empreendimentos e Participações S.A. apresentou recurso contra decisão da Superintendência de Relações com Empresas (SEP) que entendeu que o programa de recompra de ações da companhia violaria o art. 2º da Instrução 10/80. No entendimento da SEP, a irregularidade residiria no fato de que, por ocasião da aprovação do programa de recompra, a companhia não tinha saldo de lucros ou reservas suficiente. Ou seja, caso recomprasse a quantidade total aprovada pelo conselho de administração, seriam necessários recursos superiores ao saldo de lucros ou reservas constante de demonstrações financeiras de encerramento do exercício anterior. A SEP ressaltou, ainda, que, ao contrário do afirmado pela Recorrente com base nos arts. 176, 192, 204 e 224 da Lei das S.A., não existe a possibilidade de destinar lucros em formação ao longo do exercício social da companhia senão para fins de pagamento de dividendos intercalares ou nas hipóteses previstas em legislação setorial específica, o que não respaldaria o caso presente. Para a companhia, ao contrário do que sustenta a SEP, o saldo de lucros e reservas disponível constante em balanço intermediário é parâmetro adequado para efeito de análise de operações de aquisição de ações de própria emissão. Segundo a São Carlos, o art. 2º da Instrução 10/80 deveria ser lido em conjunto com o art. 21 da mesma instrução, de modo que a expressão “último balanço” correspondesse ao divulgado tanto no âmbito de demonstrações financeiras de encerramento de exercício (balanço de encerramento) quanto no Formulário de Informações Trimestrais (balanço intermediário), no caso de o programa de recompra ser lançado no curso do exercício. O diretor relator Sergio Weguelin manifestou-se no sentido de que as informações trimestrais devem ser usadas para acompanhamento e monitoramento no que se refere à eventual superação dos limites previstos na Instrução 10/80, mas não para ampliação do limite da recompra, pois a destinação de reservas somente se dá através de assembleia geral. Adicionalmente, o relator discordou do entendimento da SEP de que a falta de limites impediria a própria aprovação do programa de recompra. No seu entender, a aquisição das ações pela companhia só pode ser considerada irregular no momento em que de fato os limites legais sejam ultrapassados. Assim, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, o relator esclareceu que não houve irregularidade por parte da companhia, porque ela poderia aprovar, como de fato aprovou, programa de recompra mesmo que no momento dessa aprovação não houvesse reservas e lucros suficientes para as aquisições; e que também não haveria irregularidade enquanto não fossem realizadas recompras com base em lucro em formação (como de fato não foi). O diretor Eli Loria teve entendimento contrário ao voto proferido pelo diretor relator. Em seu voto, concordava integralmente com a SEP, afirmando que seria um absurdo legitimar uma operação que não preenchesse todos os requisitos legais, permitindo assim uma oscilação no preço das ações da companhia que poderia ser evitada. O diretor Marcos Pinto, por sua vez, concordou com o diretor relator. Para o diretor, a Lei das S.A. não autoriza a interpretação de que lucro é somente aquele apurado nas demonstrações de encerramento de exercício, e que, se lucro apurado em períodos menores que um ano não fosse lucro, a distribuição de dividendos com base em balanço intermediário (admitida no art. 204) não seria possível. Dessa forma, o diretor votou pela possibilidade da operação e ressaltou que o conselho de administração poderia realizá-la, mesmo que ainda não estivessem atendidos os limites legais, deixando ressalvado apenas que a operação não poderia prejudicar a distribuição de dividendos. O voto proferido pelo diretor Eliseu Martins seguiu o voto do diretor Marcos Pinto, considerando, assim, regular a operação da São Carlos. Acompanhou também o diretor no entendimento de que o momento para verificação de atendimento aos limites legais é o da compra das ações, e não o da aprovação da operação. Entretanto, o diretor levantou ressalvas quanto à utilização do saldo do lucro de exercício em andamento e propôs medidas a serem prudentemente adotadas para que, por exemplo, fossem resguardados os direitos a distribuição de dividendos aos acionistas. Dessa forma, o colegiado entendeu vencido o diretor Eli Loria pelo provimento do recurso da São Carlos Empreendimentos e Participações, considerando regular a operação de compra de ações de própria emissão aprovada pelo conselho de administração e sem que estejam ainda observados os limites legais. Ainda, por maioria, o colegiado manifestou-se no sentido de considerar legítima a utilização de saldo da conta de reservas e lucro de exercício em andamento, registrado na última demonstração, seja trimestral ou semestral, da companhia, para servir como lastro à aquisição de ações próprias, devendo ser observadas as restrições feitas nos votos dos diretores Eliseu Martins e Marcos Pinto. Por fim, o colegiado, por maioria, deliberou que fosse a Instrução estudada pela superintendência de desenvolvimento de mercado para que pudesse ser devidamente modificada, a fim de que fossem observados os parâmetros presentes na decisão. (Processo CVM RJ nº 2535/2008, Reg. 5975/2008) Ações em tesouraria podem ter bonificação em aumento de capital com reserva de lucros Unibanco S.A. e Unibanco Holding S.A. encaminharam consulta ao colegiado sobre a possibilidade de bonificação das ações em tesouraria e em circulação, em virtude de aumento de capital mediante capitalização de reserva de lucros, conforme deliberação de assembleia geral. O diretor relator, Eli Loria, considerou que a legislação societária não permite a bonificação de ações em tesouraria. Lembrou que a Instrução CVM 10/80 deixa claro o não reconhecimento de direitos patri- moniais ou políticos sobre qualquer ação mantida em tesouraria e entendeu pela não possibilidade de bonificação das ações. O diretor citou, ainda, a Nota Explicativa 16/08, em que está estabelecido que: “A esterilidade temporária a que estão submetidas as ações em tesouraria tem por finalidade erradicar qualquer possibilidade de a companhia vir a atuar como acionista de si mesma”. Ademais, o diretor afirmou que admitir a bonificação de ações mantidas em tesouraria, quando o aumento de capital foi realizado mediante capitalização de reserva de lucros, faria com que se reconhecesse a sociedade como sócia de si mesma, o que geraria conflito com o estabelecido no artigo 30 da Lei 6404/76, especialmente o seu § 4º. Esclarecendo que bonificação de ações não se equipara a dividendos, a presidente, Maria Helena, votou pela permissão da bonificação das ações em tesouraria. Isso porque a bonificação não representaria uma transferência de valores da sociedade para o acionista, diferentemente da distribuição de dividendos. Sendo assim, não constitui mero remanejamento contábil, aumentando-se a cifra do capital social em contrapartida à redução de reserva de lucro. A entrega de ações em decorrência dessa capitalização, então, não configuraria uma distribuição de lucro. Por fim, a presidente votou por alterar a Nota Explicativa da Instrução 10/80, tendo em vista que a nota esclarecia que a bonificação correspondia a uma participação nos lucros. O diretor Marcos Pinto seguiu o voto da presidente, concordando que as ações em tesouraria deveriam ser bonificadas, descartando, porém, a necessidade de correção à nota explicativa. O diretor Eliseu Martins também concordou com as conclusões da presidente. Para embasar suas razões, ponderou que, caso não fosse admitida a bonificação das ações em tesouraria, as chances de revenda e recomposição de capital dessas ações seriam mínimas, tendo em vista que haveria uma perda de valor das ações em tesouraria por consequência da diluição que seria provocada pela bonificação. O colegiado votou, por maioria — vencido apenas o diretor Eli Loria — pela necessidade de bonificação das ações em tesouraria. O colegiado decidiu, ainda, vencido o diretor Marcos Pinto, no sentido de reformar a Nota Explicativa à Instrução CVM 10/80, para que essa se encaixasse nos moldes da decisão. (Processo CVM RJ nº 6446/2008, Reg. 6164/2008) Jurisprudência Mercado de Capitais é um informativo bimestral produzido por Motta, Fernandes Rocha Advogados e veiculado com exclusividade pela Capital Aberto. Comentários sobre o informativo podem ser enviados para o e-mail [email protected].