Fabiane da Costa Ribeiro Duarte A INSERÇÃO DA ODONTOLOGIA NO PSF DE DIVINÓPOLIS-MG: A BUCALIDADE E SEUS DILEMAS NA CONTEMPORANEIDADE DIVINÓPOLIS-MG UEMG/FUNEDI – INESP - ISED 2008 FABIANE DA COSTA RIBEIRO DUARTE A INSERÇÃO DA ODONTOLOGIA NO PSF DE DIVINÓPOLIS-MG: A BUCALIDADE E SEUS DILEMAS NA CONTEMPORANEIDADE Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG da Fundação Educacional de Divinópolis FUNEDI, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Organizações sociais. Área de concentração: Estudos Contemporâneos Linha de pesquisa: Saúde Coletiva Orientador: Prof. Dr. Leandro Pena Catão Divinópolis-MG UEMG – FUNEDI/INESP – ISED 2008 Duarte, Fabiane da Costa Ribeiro D812i A inserção da odontologia no PSF de Divinópolis-MG: A Bucalidade e seus dilemas na contemporaneidade / Fabiane da Costa Ribeiro.- 2008. 123 f., enc. Orientador: Prof. Dr. Leandro Pena Catão Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia: f. 72-75 1.Odontologia. 2. Programa de Saúde da Família. 3. Bucalidade. 4. Saúde coletiva I. Catão, Leandro Pena. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título. CDD: 614.44 AUTORIZAÇÃO PARA REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA DISSERTAÇÃO Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco de dissertações da FUNEDI/UEMG. Fabiane da Costa Ribeiro Duarte Agradecimentos Não foi fácil chegar até aqui, mas foi um momento de crescimento ímpar e que devo agradecer a algumas pessoas especiais que de um jeito ou de outro fizeram parte desta conquista. A Deus, por ter me dado força nesta trajetória, a qual foi repleta de obstáculos. A coordenadora da Odontologia em Divinópolis no período da realização deste estudo: Cristina obrigada pelo apoio irrestrito e necessário à realização dessa tarefa acadêmica e também pelo incentivo, por acreditar na minha capacidade. Aos dentistas do PSF de Divinópolis, no período deste estudo que aceitaram participar desse processo de construção do conhecimento. Ao professor Geraldo Pedrosa que me apoiou no início deste trabalho, paralelamente ao momento delicado da minha vida pessoal. Ao meu orientador Leandro, obrigado pela acolhida, pela paciência nos momentos de aflição, pela delicadeza e respeito com que me conduziu neste trabalho e pelo estímulo, não me deixando desistir mesmo nos momentos de maior adversidade. A todos os amigos que incentivaram e torceram por mim. Muito obrigado. A minha família, e em especial ao meu esposo Cleiton e aos meus filhos queridos Vinícius e Cecília que sonharam comigo este sonho que se torna realidade. Amo vocês. Fabiane da Costa Ribeiro Duarte Então, o que é humanizar? Humanizar é garantir à palavra a sua dignidade ética. Ou seja, para que o sofrimento humano e as percepções de dor ou de prazer sejam humanizados, é preciso que as palavras que o sujeito expressa sejam reconhecidas pelo outro. É preciso, ainda, que esse sujeito ouça, do outro, palavras de seu reconhecimento. É pela linguagem que fazemos as descobertas de meios pessoais de comunicação com o outro. Sem isso, nos desumanizamos reciprocamente. Sem comunicação, não há humanização. CHRISTIAN DE PAUL DE BARCHIFONTAINE. RESUMO Os dentistas que trabalham no Programa de Saúde da Família (PSF) do município de Divinópolis foram objeto deste estudo. Tomando como referencial teórico os estudos sobre representação social e bucalidade, buscou-se identificar as dificuldades que a Odontologia encontra para melhorar os índices epidemiológicos das doenças que acometem a boca e em particular as razões relacionadas aos dentistas. As unidades do Programa de Saúde da Família do município de Divinópolis-MG foram definidas como cenário de estudo por se constituírem em espaço de trabalho dos sujeitos da pesquisa que foi realizada por meio de entrevistas gravadas e semi-estruturadas. Optou-se por uma abordagem qualitativa e a organização e análise dos discursos foi tratada segundo metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo. A análise do material empírico nos permitiu evidenciar que os dentistas que trabalham atualmente no PSF não foram contratados para esse cargo, trabalham com extensão de carga horária. Eles não receberam nenhuma orientação específica do município e nem das universidades para trabalhar nesse novo modelo de assistência que é a proposta do Programa de Saúde da Família. Eles vêm de uma formação muito técnica com pouca ou nenhuma orientação para trabalhar no serviço público. A representação que fazem da boca é a representação absorvida culturalmente com uma visão mais técnica o que dificulta o olhar mais politizado da importância da boca. Palavras Chave: Odontologia, PSF, bucalidade. ABSTRACT Dentists working for the Programa de Saúde da Família (Family health program hereinafter PSF) in the city of Divinópolis were subjects of the present study. Having studies on social representation and buccality as theoretical referential, this study aimed at identifying the difficulties faced by odontology in trying to lower epidemical rates concerning mouth diseases, and especially the causes attributed to them by dentists. The units of PSF were defined as study scenery because they constitute, as a whole, the working environment of the subjects of this study. Interviews were used as method for field research. Qualitative approach was chosen and interviews were organized according to collective subject speech (Discurso do Sujeito Coletivo). Empirical materials analysis evidenced that dentists currently working in PSF were not originally hired for that specific position, and are used to working extra hours. These professionals did not receive any specific orientation from the municipality, nor from universities for working in this new assistance model which is the main purpose of PSF. All subjects are originated from technical formation and little or no orientation to work for public services. Therefore the representation of the mouth these dentists provide is the mirror of technical concepts, which makes it more difficult to develop a more political view of the importance of mouth care. Key words: Odontology, PSF, Buccality. Lista de Abreviaturas e Siglas ACD - Assistente de Consultório dentário CD - Cirurgião - Dentista DSC - Discurso do Sujeito Coletivo ESB - Equipe de Saúde Bucal ESF - Equipe Saúde da Família INESP - Instituto de Ensino Superior e Pesquisa MS - Ministério da Saúde OMS - Organização Mundial de Saúde PSF - Programa Saúde da Família SB - Saúde Bucal SES - Secretaria Estadual de Saúde SUS - Sistema Único de Saúde THD - Técnico de Higiene Dental TRS - Teoria das Representações Sociais UBS - Unidade Básica de Saúde SUMÁRIO INTRODUÇÃO-----------------------------------------------------------------------------------------10 1-PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS------------------------------------------------------ 25 1.1 – Objetivos-------------------------------------------------------------------------------------------25 1.2 – Hipótese------------------------------------------------------------------------------------------- 26 1.3 – Metodologia---------------------------------------------------------------------------------------27 2 - OS CAMINHOS DA ODONTOLOGIA: DA PRÁTICA À CIENTIFICIDADE DOS CUIDADOS COM A BOCA--------------------------------------------------------------------------31 3 - INFLUÊNCIA DO FATOR CULTURAL E DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA PARA A ODONTOLOGIA------------------------------------------------------------------------------------52 4 – A ODONTOLOGIA EM DIVINÓPOLIS: INSERÇÃO DA SAÚDE BUCAL NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF)---------------------------------------------------60 5 - CONCLUSÃO---------------------------------------------------------------------------------------68 REFERÊNCIAS-----------------------------------------------------------------------------------------72 ANEXOS-------------------------------------------------------------------------------------------------76 10 INTRODUÇÃO Apesar de, em raros momentos, nos darmos conta disso, a boca é um dos órgãos de maior importância para os seres humanos. É através dela que nos alimentamos, o que é fundamental para nossa sobrevivência. É conhecido também que um dos aspectos que distingue o homem de outros animais é a complexidade de meios que nossa espécie utiliza para se comunicar e o órgão mais usado pela humanidade para esse fim é a boca. É através da boca, pelo uso da linguagem, que o homem se expressa com o mundo. Numa visão biologicista, a boca é definida como a cavidade situada na parte inferior da face, onde se efetua a mastigação e a insalivação dos alimentos. Tem uma forma oval e é dividida pelos dentes e pelas gengivas em duas regiões: a anterior somada à lateral e o vestíbulo oral, e a região posterior, a cavidade oral propriamente dita. É constituída pelos lábios, língua, abóbada palatina, bochechas e dentes, que são órgãos rígidos inseridos nas arcadas alveolares do maxilar e da mandíbula e têm a função de mastigar os alimentos. O homem, ao longo da vida, tem dois tipos de dentição, uma temporária ou de leite (até os 6-7 anos) e a outra definitiva ou permanente. A dentição temporária é constituída por 20 dentes, enquanto que a permanente é constituída por 32. Os dentes têm características diferentes segundo a sua função e se dividem em: incisivos, que cortam; caninos, que rasgam; prémolares e molares, que trituram. A dentição permanente apresenta quatro incisivos, dois caninos, quatro pré-molares e seis molares em cada arcada, sendo o dente constituído por quatro substâncias diferentes: o cemento, tecido semelhante ao osso e que forma a raiz; o esmalte que é branco, de grande dureza e que recobre a coroa; a dentina, que é a parte principal do dente e fica coberta pelo esmalte e pelo cemento, e a polpa que enche a cavidade dentária (CRESPO et al, 1997, p. 111). 1 1 CRESPO, X; CURELL, N; CURELL, J. Atlas de Anatomia Humana. Curitiba: Bolsa Nacional do livro, 1997, 111p. 11 A ciência que estuda e indica os cuidados com a boca humana, ou numa visão mais reducionista com os dentes, é a Odontologia. A maneira que a prática da Odontologia vem sendo oferecida à população não favorece o pensar sobre a importância de cuidar da boca de uma maneira mais consciente, pois os cuidados com a boca foram relativisados em ações curativas, individuais e distanciadas do contexto social. Perceber a boca como uma questão social não é tão simples, pois é necessário um processo de valorização e conscientização dessa importância e isso não acontece nem por parte dos indivíduos, nem pelos órgãos públicos de uma maneira significativa. Não restam dúvidas de que, assim como para todos os outros valores, a representação atribuída à boca humana, ainda que não tenhamos consciência disso, passa pelo acumulado de nossas experiências ao longo da vida. Experiências que se dão quase sempre junto do outro e que têm o respaldo da sociedade em que vivemos, portanto, dos sujeitos que a compõem num processo de re-produção social que define sua aceitação e sua normalidade, neste processo de construção de valores (WERNECK, 2006, p.1). A desvalorização da boca por parte dos indivíduos pode ser conseqüência da história da Odontologia, que se iniciou na prática, com pouca ou nenhuma preocupação em investigar e propor bases interpretativas. Isso foi sendo absorvido culturalmente, criando comportamentos comprometedores para a saúde da população, tais como: medo de ir ao dentista ou crer que a solução de problemas bucais se dá apenas com extrações dentárias. Esses significados são potencializados pela trama de desejos e sentimentos que afloram quando se fala da boca e que talvez seja mais cômodo permanecerem ocultos e ou reprimidos. Apesar de estarem expostos ao meio externo, a arcada dentária, os lábios e a língua fazem parte de uma cavidade íntima do corpo humano e isso tem uma extensão emocional. É por meio da boca que se resgata o trauma do nascimento, o primeiro contato com a mãe, com a vida e com a realidade, tudo isto somado ao ato de mamar, respirar, sugar e incorporar o alimento, assim como incorporar o afeto. Desde a infância, os dentes e conseqüentemente a cavidade bucal aparecem carregados de significados, e a dificuldade em se perceber isso faz com que os indivíduos 12 sintam receios com a sua boca, os quais são externalizados quando se precisa de tratamento odontológico. 2 E eu falo que a boca não é só dentes, língua. É também um lugar que pode dar medo e a gente nota principalmente nas pessoas mais velhas o pavor que elas têm. Então olha a responsabilidade que você tem de mexer com uma coisa tão delicada. Um dentista pode causar um trauma emocional muito grande numa pessoa então a gente tem que ter um cuidado muito grande, pois quando a pessoa está na cadeira ela se entrega. Já tive casos de fazer extrações e as pessoas começam a chorar pela perda dos dentes e outras perdas. 3 Além disso, o tratamento dentário traz à tona a fantasia primitiva de destruição e morte. Na segunda metade do primeiro ano de vida, a criança passa por uma fase em seu desenvolvimento mental que a psicanalista Melaine Klein (1882-1960) denominou de “fase do sadismo máximo”. Segundo a autora, esta seria a fase mais destrutiva da criança, na qual ela só pensa em devorar e aniquilar objetos com os dentes, que se tornam instrumentos para realizar fantasias, causando fortes e perigosas sensações de onipotência. Também de forma inconsciente, a primeira dentição simboliza tudo o que pode ser recuperado, enquanto que a segunda representa aquilo que não se refaz se for perdido e, por isso, se transforma em símbolo do definitivo, da morte (NASSOUR, 2000, p.272). 4 Ora, a “dissolução” dos arcos dentais, pela doença, coloca em cena um certo tipo de “regressão”: a boca já não pode, daqui por diante, morder; contentar-se-á apenas em sugar, que é o movimento que fazia antes da erupção dos dentes. Neste sentido “ela faz o doente regredir a uma etapa anterior” no caminho da humanização, isto é, a perda dos dentes pode representar para o indivíduo adulto uma espécie de retorno a sua infantilização (BOTAZZO, 2000, p.287). O dente, assim como tudo o que se relaciona com ele e com a boca, simboliza e condensa experiências e ansiedades que se mobilizam e se atualizam quando uma criança ou um adulto enfrenta um tratamento odontológico. Na maioria das vezes, essas fantasias destrutivas são transferidas para a figura do profissional, que passa a representar uma grande 2 Todo o indivíduo traz consigo histórias inacabadas – traumas, lembranças, angústias...- que, por terem sido carregadas de emoção, deixam marcas profundas no ser [...] e que podem ser despertadas no tratamento odontológico devido proporcionar relações pessoais estreitas como o toque em uma área de grande intimidade como a boca (Gertsenchtein, 2000). Apud (Vomero, 2000, p.267-268). 3 Sujeito 7 – Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 4 NASSOUR, M.N. Saúde também na relação CD/paciente. APCD. Vol.54, n.4, jul./ago. p.272, 2000. Apud (Vomero, 2000). 13 ameaça: é aquele que destrói, tritura, agride e aniquila. Essa imagem é reforçada pelo instrumental usado por ele: brocas, agulhas e bisturis, que são instrumentos rotineiramente utilizados nos tratamentos dentários curativos. Se o dentista puder levar em conta o mundo ‘fantasmático’ que um trabalho dentário desperta, ele poderá compreender melhor tanto a atitude agressiva e irracional da pessoa que enfrenta um tratamento, como o fato de ele, enquanto profissional, ter de ficar muitas vezes na posição tão desconfortável de torturador (NASSOUR, 2000, p.272). As dificuldades no trato com a boca são potencializadas com a prática da assistência odontológica curativa, que prioriza procedimentos invasivos e, portanto, intensificam o receio e o medo ao tratamento odontológico, que conseqüentemente interferem na conscientização e valorização da importância de ter uma boca saudável. Na minha unidade que é de zona rural, antes do PSF já tinha atendimento odontológico, creio que por mais de duas décadas já se tem atendimento nessa comunidade e nós não conseguimos mudar o perfil. Não conseguimos e isso é frustrante. (...) A gente não consegue a mudança, porque essa mudança é interior e eu não conseguir mudar isso está me deixando frustrada, impotente. Faço o tratamento curativo e quando o paciente retorna está com novas cáries porque não mudou hábitos de alimentação e culturais e isso me deixa muito triste. Porque isso é uma prova que não representamos nada para esse povo, o que é que nós representamos? Nós não conseguimos mudar o perfil epidemiológico dessa população em relação à saúde bucal, nós estamos ainda incompetentes, acho que temos que agir, mas como? Eu estou procurando a resposta até hoje. 5 Como conseguir então uma mudança de comportamento desses indivíduos que compõem a sociedade contemporânea perante a importância da saúde bucal sendo que esses se encontram em meio a uma representação social de desvalorização da boca? Onde já existem significados absorvidos culturalmente, difíceis de serem mudados e onde as políticas de saúde cada vez mais desumanas se voltam para ações de baixo impacto, por privilegiar uma Medicina e conseqüentemente uma Odontologia de alto custo, com procedimentos quase que exclusivamente curativos. Essa forma de atendimento curativo e restrito à prática do dentista vem sendo aplicada há muitos anos pelas políticas de saúde bucal. Importante pontuar que essa forma de 5 Sujeito 11. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 14 assistência não prioriza a promoção da saúde, a prevenção de doenças bucais e ou a valorização da boca em seus vários aspectos, mas reforça uma Odontologia com pouca reflexão social. A conscientização social da importância da boca ou, como conceitua Botazzo (2000) 6 , de sua bucalidade, entendido como expressão dos trabalhos sociais que a boca humana realiza, é importante para um processo de mudança. As primeiras referências ao que significa bucalidade podem ser encontradas no prefácio de As Palavras e as Coisas, de Michel Foucault. Nele, Foucault (1999, p. XI), fez emergir certa cavidade bucal, um palato ou um palácio, em ato de produção e consumo. Trabalhos realizados pela boca humana como a manducação7 , a linguagem e o prazer são influenciados por aspectos culturais. Assim, freqüentemente comemos o que não devíamos ou, ao contrário, comemos o que certa racionalidade recomenda. Produzimos palavras e as consumimos; somos obrigados a pensar naquilo que falamos, e não raro dizemos o que não queríamos dizer. Assim, mesmo existindo uma aproximação entre desejo e a linguagem “a boca é Vênus”, dirá Foucault, “pois que por ela passam os beijos e as palavras de amor...” 8 , quantas palavras, desejos e prazeres, sentimentos e beijos não se exteriorizam por causa dos problemas bucais e que afetam as relações dos indivíduos em sociedade. Assim, a bucalidade se apresenta cheia de contradições, mas sua compreensão é de extrema relevância, principalmente pelos sujeitos que estão envolvidos em suas ações. Promover essa conscientização da importância social da boca não é fácil. Nem mesmo os dentistas conhecem, ou pouco conhece o termo “bucalidade” pois foram formados pelo sistema que rege a maioria das universidades que prioriza a formação técnica, onde a Odontologia foi historicamente construída com uma perspectiva biologicista e prática. Nesse 6 BOTAZZO, C. Da Arte Dentária. São Paulo: Unifesp; 2000. Apud (KOVALESKI, 2006, p.1-2). Este é o nome do movimento realizado pela boca: ela apreende, tritura, insaliva, deglute. Apud (BOTAZZO, 2000, p.55). 8 FOUCAULT, M. Apud (BOTAZZO, 2000, p. 46). 7 15 sentido, por conta do aparato tecnicista de sua formação, o dentista está apto a tratar dos dentes, renegando quase sempre os aspectos psico-sociais, culturais e humanos nos quais a boca se insere. Graduei-me em 1974 e o meu curso foi voltado para sanar a dor e fazer tratamentos curativos. A preocupação com questões sociais foi uma necessidade interna, pois, a minha profissão não me questiona sobre isso. 9 Graduei-me em 2000 e o meu curso foi de caráter técnico e prático voltado para a iniciativa privada. 10 Devido à falta de articulação da Odontologia com outras áreas do conhecimento, chega-se a ponto de desumanização dessa boca, órgão de suma importância para o ser humano, que pertence ao corpo desse homem com o qual possui relações das mais variadas, mas se mostra muitas vezes “separada” desse corpo. Portanto, ao tratar da Odontologia brasileira, Melo declara que “nada podia ser esperado sob o aspecto humanitário, pois, no curso de sua existência a contribuição desta disciplina em favor dos processos sociais teria sido praticamente nula” (MELO, 1991, p.9-10). 11 Eu acho que a boca representa a relação que as pessoas podem se comunicar com outras pessoas e com ela mesma. Por exemplo, quando o ser humano não tem condições estéticas, impedindo o sorriso, ou nem de alimentação, a auto-estima dele fica muito baixa e quando a gente começa a restaurar, a melhorar o sorriso, diminuir dor, a auto-estima dele melhora. Ele melhora no trabalho, melhora com a família e com a sociedade em geral conseqüentemente. 12 A oposição e falta de articulação entre a Odontologia e as Ciências Humanas dificultam o entendimento segundo o qual o ser humano deve ser atendido na sua integralidade e desconsidera como os problemas bucais interferem na vida das pessoas. Esse é um dos fatores que dificulta a melhora dos índices epidemiológicos das doenças bucais dos brasileiros. No Brasil foram realizados três levantamentos epidemiológicos sobre as condições 9 Sujeito 10. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. Sujeito 1. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 11 MELO JCM. Apresentação. In: Campos GWS. A saúde pública e a defesa da vida. São Paulo: Hucitec; 1991 p.9-10. Apud (Botazzo, 2000, p. 22). 12 Sujeito 3. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 10 16 de saúde bucal. O último levantamento de Saúde Bucal no Brasil (SB Brasil) 13 , foi finalizado em 2003 e teve caráter mais amplo em relação aos outros levantamentos, o que possibilitou diagnosticar vários problemas bucais que afetam a população. Esse levantamento demonstrou que a cárie dentária 14 tem diminuído ao longo dos anos, mas que além da cárie, existem outras doenças como as doenças das gengivas e os cânceres bucais que também trazem problemas para as pessoas e que por isso merecem atenção. Portanto, esse levantamento revela um país carente de assistência odontológica para todas as faixas etárias, principalmente para as classes menos favorecidas sendo observada, também, a gravidade e a precocidade da perda dentária, a desigualdade relacionada ao acesso aos serviços odontológicos e para a existência de 56% de idosos completamente edêntulos. No Brasil, quase 27% das crianças de 18 a 36 meses e 60% das crianças de cinco anos de idade apresentam pelo menos um dente decíduo com experiência de cárie. Na dentição permanente, quase 70% das crianças de 12 anos e cerca de 90% dos adolescentes de 15 a 19 anos apresentam pelo menos um dente permanente com experiência de cárie. Entre os adultos e idosos a situação é ainda mais grave: a média de dentes atacados pela cárie entre os adultos (35 a 44 anos) é de 20,1 dentes e 27,8 dentes na faixa etária de 65 a 74 anos. A análise destes dados aponta também para perdas progressivas e precoces: mais de 28% dos adultos e 75% dos idosos não possuem nenhum dente funcional em pelo menos uma arcada (BRASIL/MS, 2006, p.31). Esses dados demonstram o longo caminho que a Odontologia tem por percorrer e que no decorrer dos anos a evolução científica e tecnológica da Odontologia parece que não foi acompanhada por políticas públicas de democratização da saúde bucal. É inegável que a Odontologia avançou cientificamente e tecnicamente, tendo a seu dispor instrumentos e medicamentos específicos. Mas tais avanços, na prática, não conseguem ser proporcional ao 13 O SB-Brasil, um dos maiores levantamentos epidemiológicos sobre saúde bucal do mundo, teve como objetivo principal o estudo dos índices de cárie, doença periodontal, má-oclusão e câncer bucal da população brasileira em todas as faixas etárias. 14 Lesão cariosa considerada como manifestação clínica de uma infecção bacteriana que com a atividade metabólica das bactérias resulta em um contínuo processo de desmineralização e remineralização do tecido dentário, e o desequilíbrio nesse processo pode causar uma progressão da desmineralização do dente com conseqüente formação da lesão de cárie. Esse processo é influenciado por muitos fatores determinantes, o que faz da cárie uma doença multifatorial (Brasil/MS, 2006, p. 31). 17 seu desenvolvimento e isso reflete significativamente nas demandas dos problemas de saúde bucal da população que não para de aumentar. E quando se analisa a desvalorização da saúde bucal por parte das políticas públicas pergunta-se sobre a conveniência para os interesses capitalistas, que a Odontologia permaneça com esses índices epidemiológicos, que são interessantes para a produção de indivíduos produtivos e dóceis (FOUCAULT, 2001), 15 ou se desenvolva a ponto das pessoas se conscientizarem da importância de terem uma boca saudável. Isso nos leva a pensar se é conveniente para os interesses capitalistas que o homem então tenha uma boca. Sim, desde que seja uma boca sem dentes, ou com dentes cariados, portadora de má-oclusão para que facilite ser disciplinada, vigiada, docilizada, tolhida, punida e reprimida. A boca então se torna um centro de prazer e repressão, conivente com o controle social não muito visível. A boca proletária será boa e correta se falar apenas àquilo que convém às pessoas certas, nas horas certas e nos momentos adequados. Língua presa, boca desdentada e inofensiva, boca que não deve erguer sua voz diante do rico nem do patrão ou que queira ou deseje morder, que é o desejo de ter para si, sob o risco de ser preso ou demitido, deixando que se revele pouco a pouco o significado político das perdas dentárias (KOVALESKI, 2006, p.08). Para que as pessoas enxerguem a boca como parte de seu corpo e também como importante órgão no seu exercício de cidadania, é necessário mais que uma ciência cartesiana. Para isso, os dentistas precisam estar embasados numa perspectiva transdisciplinar. Tal olhar é condição vital para que consigam enxergar além de dentes e entender que essas políticas públicas que priorizam os atendimentos individuais, curativos e muitas vezes mutiladores, embasados em técnicas minuciosas com aparelhos e tecnologias cada vez mais caras são importantes, mas deficientes, para o contexto contemporâneo. Nesse sentido, fatores que hoje influenciam as pessoas a estarem sadias ou doentes não podem continuar a serem analisados de maneira dicotômica. 15 Foucault M. Vigiar e Punir: a história da violência nas prisões. 24 ed. Petrópolis: Vozes; 2001. Apud (KOVALESKI, et al, 2006, p.2). 18 [...] a transdisciplinaridade permite pensar o cruzamento de especialidades, o trabalho nas interfaces, a superação das fronteiras, a migração de um conceito de um campo de saber para outro, além da própria unificação do conhecimento. Vale dizer que não se trata do caso da divisão de um mesmo objeto entre (inter) disciplinas diferentes (multi) que o recortariam e trabalhariam seus diferentes aspectos, segundo pontos de vista diferentes, cada qual resguardando suas fronteiras e ficando (em maior ou menor grau) intocadas. Trata-se, portanto, de uma interação dinâmica contemplando processos de auto-regulação e de retroalimentação e não de uma integração ou anexação pura e simples (DOMINGUES, 2001, p. 18). A transdisciplinaridade traz propostas para analisar além ou através dessas dicotomias, tentando enxergar o todo, buscando, assim, uma visão mais pertinente com a realidade contemporânea. Assim, o modo como a Odontologia vem sendo praticada, realizada entre quatro paredes, restrita à prática do cirurgião-dentista com seu equipamento odontológico, dificulta ao dentista transpor as barreiras do conhecimento. Essa forma de atendimento gera um Ciclo Restaurador Repetitivo, no qual são cada vez maiores as “necessidades” de tratamento curativo, pois essa forma de atenção deixa intocadas as reais causas da doença (ELDERTON, 1996). 16 Cria-se assim uma demanda interminável em busca de tratamento odontológico, por não se priorizar a promoção da saúde bucal num contexto mais amplo e dinâmico. Portanto, através dos estudos epidemiológicos disponíveis e da penosa experiência profissional de muitas gerações, hoje podemos afirmar que esta forma de atenção odontológica baseada exclusivamente em procedimentos operatórios não se mostrou capaz de controlar as doenças bucais e nem mesmo de evitar que muitas pessoas tratadas perdessem todos ou quase todos os dentes na meia-idade (WEYNE, 1997, p.14-15). Na necessidade de reorganizar as práticas de atendimento, sob a influência das idéias de promoção da saúde, começa a se desenvolver um novo modelo para a assistência à saúde em geral e, conseqüentemente, para a saúde bucal. Para a consolidação dessas mudanças é relevante tentar outras formas de lidar com o processo saúde-doença na sociedade e instrumentalizar equipes e profissionais. 16 ELDERTON, R. Curso no Seminário Internacional da ABOPREV, Belo Horizonte’96, Maio, 1996. Apud (Weyne, 1997, p.19). 19 A reorganização da Odontologia na Atenção Básica de Saúde é um esforço para promover uma maior integração da saúde bucal nos serviços de saúde geral e torná-la mais efetiva. Assim, são priorizadas práticas assistenciais que incorporam a abordagem familiar e a defesa da vida. A estratégia prioritária para reorganizar a Atenção Básica no Brasil é a Saúde da Família. A inserção da Equipe de Saúde Bucal (ESB) no Programa de Saúde da Família (PSF) pela Portaria Ministerial nº 1.444, de 28/12/2000 17 , representa para a Odontologia pública a possibilidade de reorientação do modelo de atenção e ampliação do acesso às ações de saúde bucal, garantindo a atenção integral aos indivíduos e às famílias, mediante o estabelecimento de vínculo territorial. A incorporação das ações de Saúde Bucal pela equipe de saúde da família visa transpor o modelo tradicional “entre quatro paredes”, o que é altamente desafiador e inovador para a Odontologia. A gente conhece mais o perfil das pessoas, as condições de vida delas e a gente não tinham esse conhecimento antes, a gente só imaginava. Uma coisa é imaginar e outra é você chegar e realmente ver a situação e isso permite a gente ver e ir abrindo mão de algumas regras, de algumas coisas e ir entendendo melhor a dificuldade do outro. 18 Os dentistas do setor público que trabalham no PSF têm dificuldades para redirecionarem a prática de atendimento, o que pode comprometer essa nova concepção de promoção em saúde bucal, pois, historicamente, as ações relativas à saúde bucal foram estruturadas no enfoque curativismo-mutilador acompanhando o desenvolvimento do processo saúde-doença. Esse enfoque, salientado pela formação tecnicista do dentista, e a herança dos modelos de assistência odontológica tradicionais dificultam ao dentista a interação da prática educativa e preventiva com a curativa, tornando difícil ao dentista entender a importância e a necessidade dessa nova abordagem conquistada pela Odontologia. O que pode ser considerado como uma conquista, por ser uma possibilidade que o dentista 17 18 Ver portaria na íntegra nos anexos. Sujeito 6. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 20 tem de sair de um método profissional altamente voltado para a técnica e percorrer outros caminhos, conhecer outras realidades que são muito valiosas tanto para o crescimento do profissional quanto para os usuários do serviço. Eu tive uma experiência larga de unidade básica e de uma Odontologia tecnicista, aquela Odontologia entre quatro paredes, vão lá vamos trabalhar. Mesmo a gente tendo um perfil mais solto a unidade básica não te dá muita chance a não ser em grupos operativos, participação na puericultura, você fica bem enclausurado. E o PSF me brilhou os olhos pela oportunidade de fazer uma Odontologia que realmente cumpre um papel social, humanizadora, de falar das questões bucais com seriedade não só aquela coisa de não coma isso, não faça aquilo. É uma questão mais integral que é a proposta do PSF. 19 Lá no centro de saúde onde eu trabalhava já era uma unidade um pouquinho à parte, a gente já tinha um contato maior, de corpo a corpo com o pessoal. Agora eu penso que aquilo que eu fazia eu já tinha uma noção do que era PSF porque eu já tinha essa vocação, eu já gostava disso, mas eu acho que no posto, ou se eu tivesse que sair hoje daqui, igual agora que teve o concurso e se eu não passasse eu teria que voltar para a unidade básica eu acho mais castrador. Eu acho que limita mais, aqui você tem uma liberdade maior de ação, de motivação, de corpo a corpo. E isso me agrada muito. Na unidade eu poderia fazer palestras, fazer um monte de coisas, mas não é igual não, lá é menos. Com certeza é menos. É mais castrador. 20 Assim os conceitos de representação social e bucalidade constituem referenciais teóricos importantes para a valorização da dimensão social da boca nesse contexto. No caso da representação social, temos Serge Moscovici 21 com sua teoria das representações sociais, que desmistifica o saber popular sobre a importância da comunicação e da linguagem, para que através do processo da ancoragem possa mudar os significados arraigados. Para Moscovici a representação social é explicada pelo tipo de consciência que está em cada indivíduo, cada um pensando de uma forma faz-se então um elo entre as consciências e assim é possível entender parte do social, portanto o sujeito tem um papel ativo e autônomo no processo de construção da sociedade, da mesma forma que é criado por ela. O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade (LARAIA, 2003, p.45). 19 Sujeito 2. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. Sujeito 7. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 21 MOSCOVICI, Serge. A representação Social da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. Apud (XAVIER, 2002, p.3) 20 21 A obra seminal de Moscovici, La Psychanalyse, son image, son public, que contém a matriz da teoria, surge em 1961, na França, causando espanto nos meios intelectuais pela novidade da proposta. Entretanto, foi um rápido momento de impacto que não produziu desdobramentos visíveis. A perspectiva moscoviciana permaneceu encerrada no Laboratório de Psicologia Social da École de Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, e nos laboratórios de colegas como Claude Flament, Jean Claude Abric, no sul da França, além de outros estudiosos em toda Europa, também interessados por ela, de forma mais dispersa. A teoria não vinga de imediato, fazendo sua reaparição com força total no início dos anos 80 (ARRUDA, 2002, p.127-147). Moscovici dirige-se ao conceito de representações coletivas de Durkheim para iniciar o percurso da teorização. A substituição do termo “coletivas” por “sociais” marca, assim, a original diferença estabelecida na relação Durkheim e Moscovici, que se apropriou do conceito durkheineano modificando-o, retirando o peso da ontologia social e mudando seu campo de aplicação, agora situado entre o social e o psicológico. Inscrevendo no conceito uma consistência cognitiva, delimita o cotidiano como campo de ação e especificou a representação como uma forma de conhecimento particular, relacionado com o senso comum, com a interação social e com a socialização (PERRUSI, 1995) 22 . Para Moscovici a representação social é explicada pelo tipo de consciência que está em cada indivíduo, cada um pensando de uma forma, faz-se então um elo entre as consciências e assim é possível entender parte do social, portanto o sujeito tem um papel ativo e autônomo no processo de construção da sociedade, da mesma forma que é criado por ela. A Teoria das Representações Sociais – TRS – partia da premissa de que existem formas diferentes de conhecer e de se comunicar guiadas por objetivos diferentes. Formas que 22 PERUSSI, Artur. Imagens da Loucura: Representação Social da Doença Mental na Psiquiatria. São Paulo: Cortez/ Recife: Editora da UFPE, 1995. Apud (Xavier, 2002, p.3). 22 são móveis e pertencentes às nossas sociedades, e são essas: a consensual 23 e a científica 24 , cada uma gerando seu próprio universo. A diferença, no caso, é que não existiria uma melhor do que a outra, nem isolamento entre elas, apenas objetivos diferentes. Ambas, portanto, apesar de terem propósitos diferentes, são eficazes e indispensáveis para a vida humana (ARRUDA, 2002, p.127-147). O que se propõe é uma valorização do senso comum, do conhecimento do cotidiano questionando a racionalidade científica e a irracionalidade das pessoas comuns. A realidade é socialmente construída e o saber é uma construção do sujeito, mas não desligada da sua inscrição social. Na verdade, esses estudos podem ser vistos para aplicação da psicologia sobre os fenômenos de sociedade, portanto muito úteis às ciências sociais e às políticas mundiais. Somente o conhecimento que faz parte do cotidiano das pessoas (gerador do senso comum), sendo elaborado socialmente e funcionando no sentido de interpretar, pensar e agir sobre a realidade é que pode ser considerado representação social. Nesse movimento de ordenação do mundo a linguagem e a estrutura social exercem papel de destaque. A linguagem, por ser flexível e expansiva, imprime uma ordenação de experiências e exteriorizações humanas e através da estrutura social, da interação e das relações pessoais o indivíduo encontra a expressão de sua subjetividade, pois no compartilhar as experiências, o ser humano percebe as diferenças entre sua realidade e a de outros. Isso indica que o sujeito do conhecimento é ativo e criativo e não recebe passivamente o que o mundo lhe oferece. Nesse sentido a boca humana, objeto desse estudo, ganha relevância por ser o órgão de suma importância no processo da linguagem e que, portanto deveria ser mais valorizado. As condições de produção da representação afirmam com veemência a marca social das representações, assim como seu estatuto epistemológico marca sua função 23 O universo consensual seria aquele que se constitui principalmente na conversação informal, na vida cotidiana. O universo reificado se cristaliza no espaço científico, com seus cânones de linguagem e sua hierarquia interna. 24 23 simbólica, e os processos e estados, o seu caráter prático. Vemos dessa forma como a representação social encadeia ação, pensamento e linguagem nas suas funções primordiais de tornar não-familiar conhecido, possibilitar a comunicação e obter controle sobre o meio em que vive, compreender o mundo e as relações que nele se estabelecem (ARRUDA, 2002, p.10). A representação social seria uma forma de conhecer essas sociedades, mas não uma cópia ou um reflexo e sim uma versão desta, onde opera uma transformação do sujeito e do objeto na medida em que ambos elaboram o objeto, portanto é dinâmica, móvel tornando o conceito e a percepção intercambiáveis. Entender a representação social da boca, ou seja, o que se foi construído ao longo do tempo pelas culturas sobre esse objeto de estudo e o papel do sujeito em todo esse processo é de relevância para este estudo. Essas representações são importantes para entendermos como a Odontologia se estruturou e como se mostra na contemporaneidade. Esse conhecimento sobre representação social se complementa com o conceito de bucalidade que neste estudo teve como autor de referência Botazzo (2000), autor que ultrapassa a compreensão da saúde bucal como objeto submisso e seduzido pelo império do complexo médico-industrial e mostra seu objeto “a boca” como órgão que merece uma reflexão mais contextualizada e dinâmica. Além disso, pretende-se neste estudo analisar os dentistas que estão inseridos no Programa de Saúde da Família (PSF) de Divinópolis e fazer uma reflexão sobre a boca a partir de uma perspectiva humana. Não deixando de lado a parte biológica do órgão, ou a técnica da ciência que a estuda, mas, sim, inserindo nesse universo elementos e aspectos que são ocultados e ou negligenciados o que dificulta a Odontologia cumprir seu papel social na contemporaneidade. Assim, para melhor reflexão sobre a boca de maneira menos superficial, e destacar sua importância na formação de indivíduos mais autônomos, é necessário intervir nas representações dessa perante a sociedade, e o profissional de saúde bucal tem papel importante nesse processo. 24 Para isso, pretende-se estruturar essa dissertação de maneira que a teoria e a prática vivenciada na pesquisa de campo se entrecruzem em todo o percurso. Na introdução foram abordados os conceitos fundamentais que ajudam a entender a boca como nosso objeto e sua importância na relação com o mundo contemporâneo. Foi feita também uma análise da situação atual da saúde bucal onde foi observada a necessidade da reorientação da prática da Odontologia, caracterizando-se o problema com seus objetivos e hipóteses, seus referenciais teóricos e a metodologia. Nos três capítulos que se seguem acontecem uma reflexão sobre a história da Odontologia num primeiro momento, a influência do fator cultural e do processo saúde-doença para a Odontologia num segundo momento. No terceiro momento faz-se um paralelo da história da saúde coletiva no Brasil com a Odontologia oferecida em Divinópolis para posteriormente concluir este estudo. 25 1- Procedimentos Metodológicos 1.1 - Objetivos Geral: Analisar as práticas de atendimento dos dentistas do PSF de Divinópolis, buscando verificar se elas são inovadoras frente às práticas ambulatoriais tradicionais, ou se os profissionais continuam com as dicotomias impostas pelo serviço, priorizando os tratamentos curativos em detrimento das ações de promoção e prevenção. Específicos: 1- Analisar se a formação tecnicista do dentista influencia a proposta de mudança na Odontologia priorizada pelo Programa de Saúde da Família. 2- Verificar se a representação social que o dentista tem da boca interfere na reorientação de sua prática profissional. 3- Analisar se as heranças dos modelos assistenciais odontológicos constituem obstáculos a esse novo tipo de proposta trazida pelo Programa de Saúde da Família. 26 1.2 Hipóteses Os dentistas do setor público que trabalham no PSF apresentam dificuldades em reorientar sua prática de atendimento, particularmente no que se refere à inserção da promoção e da prevenção paralelamente aos tratamentos curativos já realizados. O que pode estar acontecendo por vários motivos dentre eles: 1- Formação tecnicista dos dentistas que atuam no Programa de Saúde da Família. 2- Fator cultural no qual a representação social que os dentistas do PSF fazem da boca impede de enxergá-la como uma questão social. 3- Herança dos modelos de assistência odontológica tradicional que dificultam a interação da prática educativa e preventiva com a curativa. 27 1.3 Metodologia A saúde pública odontológica e, de modo particular, a prática odontológica viabilizada dentro do Programa de Saúde da Família (PSF) de Divinópolis é o que constitui o universo desta pesquisa. Cada Programa de Saúde da Família possui um médico, um enfermeiro, um cirurgião-dentista (CD), além de contar com um auxiliar de enfermagem, um auxiliar de consultório dentário (ACD) e quatro agentes comunitários. O PSF de Divinópolis, como estratégia integrante do nível de atenção primária, foi implantado a partir de 1996, mas, a inserção da Odontologia somente aconteceu no ano 2001, após a Portaria Nº 1.444/GM, de 28 de dezembro de 2000. Durante o presente estudo, o município contava com (12) doze Programas de Saúde da Família (PSF) e (11) onze Equipes de Saúde Bucal (ESB), devido ao fato de uma Equipe de Saúde Bucal trabalhar em dois PSF de zona rural, que é o caso dos PSF Quilombo e Djalma Dutra. Das onze Equipes de Saúde da Bucal, dez são da modalidade I: um CirurgiãoDentista mais um Auxiliar de Consultório Dentário e uma da modalidade II: um CirurgiãoDentista, um Auxiliar de Consultório Dentário mais um Técnico de Higiene Dental (THD). Este estudo foi realizado com os onze dentistas que trabalham atualmente nas doze unidades do Programa de Saúde da Família. São elas: 1- PSF Unidade Serra Verde; 2- PSF Unidade Oswaldo Machado Gontijo; 3- Núcleo Belvedere; 4- Núcleo Morada Nova; 5- PSF Unidade Jardinópolis; 6- Núcleo São Paulo; 7- PSF Unidade Quilombo e Djalma Dutra; 8 Núcleo Santa Lúcia; 9- Núcleo Vale do Sol; 10- Núcleo Santos Dumont e 11- PSF Núcleo Buritis. Todos os dentistas foram entrevistados, pois quando se refere à representação social a seleção de amostra deve levar em consideração a quantidade e a variabilidade dos sujeitos que participam do processo, tendo em vista a possibilidade de fornecerem dados ricos e suficientes para expressar o pensamento coletivo. Isto posto, optou-se por entrevistar todos os 28 dentistas do Programa de Saúde da Família de Divinópolis, por acreditar que a ausência de um poderia omitir dados importantes para a compreensão do tema. O levantamento de dados se deu através de uma abordagem qualitativa, por meio de entrevistas gravadas com os dentistas, nos locais de trabalho e mediante autorização, com base em um roteiro semi-estruturado de 10 (dez) perguntas que se encontram anexadas nessa dissertação. 25 As perguntas foram elaboradas embasadas em conceitos teóricos e na tentativa de responder às hipóteses propostas e as respostas foram posteriormente transcritas antes de serem submetidas à análise de conteúdos. Como estratégia metodológica em pesquisa qualitativa, foi utilizado o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que consiste numa forma de representar o pensamento de uma coletividade, agregando em discurso-síntese os conteúdos discursivos de sentido semelhante emitidos por pessoas distintas. Assim, cada indivíduo entrevistado contribui com sua cota de fragmento de pensamento para o pensamento coletivo. Esta forma de agregar dados possibilita preservar a naturalidade e a espontaneidade dos depoimentos e de seus substratos discursivos; o que faz com que o trabalho de pesquisa qualitativa deixe de consistir apenas na descrição fria e objetiva de um dado tema – ciência, afeto e estética podem sim se misturar - passando a ser, também, o relato, sistemático, da vida, da alma e da beleza do objeto investigado (LEFÉVRE & LEFÉVRE, 2002, p. 2). Para isso, os dentistas que atuam no PSF de Divinópolis foram entrevistados e seus discursos analisados na proposta metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo – DSC - onde o resultado é a soma de Discursos de Sujeitos Individuais. Segundo Lefévre & Lefévre (2002), o discurso do sujeito coletivo expressa uma referência coletiva na medida em que fala pela ou em nome de uma coletividade, e o pensamento de uma coletividade, sobre um determinado tema, reflete o conjunto dos discursos presentes na sociedade e na cultura sobre este tema, do qual os sujeitos se utilizam para se comunicarem, interagirem e pensarem. 25 A inserção da pesquisadora no universo de trabalho dos dentistas ocorreu por meio da coordenadora da Odontologia no período desse trabalho que marcou todas as entrevistas e explicou os objetivos e solicitou a participação voluntária dos sujeitos. 29 Assim, o pensamento coletivo se torna um idioma “segundo”, uma segunda língua que constitui condição essencial para a vida humana em sociedade. Para se obter descrições do pensamento com entes coletivos é necessário fazer perguntas abertas a um grupo de indivíduos que representem uma coletividade e permitir que se expressem livremente produzindo, assim, discursos (LEFÉVRE & LEFÉVRE, 2002). O DSC é construído a partir do material verbal coletado, extraindo-se dos discursos as Idéias Centrais – IC, e/ou Ancoragens – AC, e suas correspondentes Expressões Chave – ECH. As expressões chave (ECH) são trechos, pedaços, transcrições literais, contínuos ou descontínuos que revelam a essência do discurso. As idéias centrais (IC) são o nome ou expressão lingüística que revela e descreve de maneira sintética e precisa o sentido de cada um dos discursos analisados de cada conjunto homogêneo de ECH. Ancoragem (AC) é a manifestação lingüística explícita de uma dada teoria, ideologia ou crença que o sujeito do discurso expressa (LEFÉVRE & LEFÉVRE, 2002). O Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) é o discurso síntese elaborado na primeira pessoa do singular e composto por ECH que tem a mesma IC ou AC (Idem). Para isso o discurso do sujeito coletivo é construído em seis passos: 1° passo: Consiste em copiar na íntegra o conteúdo de todas as respostas referentes à primeira pergunta no Instrumento de Análise de Discurso 1 – IAD 1 na coluna Expressão Chave; 2° passo: Consiste em identificar e sublinhar, em cada uma das respostas, com uma cor determinada ou utilizando outro recurso gráfico, as Expressões Chave das Idéias Centrais e, quando houver, com outra cor usando outro recurso, as Expressões Chave das Ancoragens; 3° passo: Consiste em identificar as Idéias Centrais e (quando for o caso) as Ancoragens, a partir das Expressões Chaves, colocando estas idéias Centrais e Ancoragens nas caselas correspondentes; 30 4° passo: Consiste em identificar e agrupar as Idéias Centrais e as Ancoragens de mesmo sentido equivalente, ou de sentido complementar; 5° passo: Consiste em denominar cada um dos grupos, A, B, C, etc; o que, na realidade, implica em criar uma Idéia Central ou Ancoragem síntese, que expresse, da melhor maneira possível, todas as Idéias Centrais e Ancoragens de mesmo sentido; 6º passo: É a construção do DSC, utilizando-se o Instrumento de Análise de Discurso 2 – IAD 2. O DSC deve ser construído para cada grupamento identificado no passo 5; A primeira etapa é copiar do IAD 1 todas as expressões chave do mesmo grupamento e “colálas” na coluna das expressões chave do IAD 2; A segunda etapa é a construção do DSC, propriamente dito, de cada grupamento. Para construí-lo é necessário “discursar” ou dar seqüência às expressões chaves obedecendo a uma esquematização clássica, tipo começo, meio e fim do mais geral para o menos geral e mais particular. A ligação entre as partes do discurso ou parágrafos deve ser feita por meio da introdução de conectivos que proporcionam a coesão do discurso como: assim, então, logo, enfim, etc. Devem-se eliminar os particularismos de sexo, idade, eventos particulares, doenças específicas, etc. Devem-se igualmente eliminar repetições de idéias, mas não da mesma idéia quando expressa de modos ou com palavras ou expressões distintas ainda que semelhantes. 31 2- OS CAMINHOS DA ODONTOLOGIA: DA PRÁTICA A CIENTIFICIDADE DOS CUIDADOS COM A BOCA. A Odontologia é uma profissão que está em construção ao longo dos tempos e a preocupação com o tratamento dos dentes está presente desde a antiguidade. Segundo Lerman (1964) 26 , a Odontologia teria se originado no Egito, pois os documentos (papiros) mais antigos que relatam como tratar as doenças dos dentes e das gengivas são daquela região. Outra referência sobre o assunto aparece em Esculápio (1.560 a.C.) 27 que é citado como um hábil cirurgião, no texto da Ilíada, de Homero. Ele teria realizado extrações dentárias e diferenciado a dentição de leite (decídua) da definitiva ou permanente (RESENDE, 1994, p. 69). 28 Na antiguidade, os cuidados com os dentes foram iniciados em atuações baseadas no empirismo e no misticismo, e faziam parte do aprendizado das práticas médicas, como quaisquer outras afecções, não sendo possível estabelecer uma divisão concreta entre Medicina e Odontologia, neste período. Por volta do século XVIII, houve a divisão básica entre clínica e cirurgia, com maior status para a primeira. A Medicina passou então a colocar as tarefas cirúrgicas consideradas de menor status, ou menos dignas, para serem realizadas por auxiliares e nessas se enquadravam os cuidados com os dentes (PADILHA, 1993, p. 65). 29 No decorrer desse século, a divisão de tarefas e de status definiu-se nos graus: “clínico”, no primeiro nível, e raro na América Latina; “cirurgião”, no segundo nível, normalmente formado através de aprendizado direto com um clínico, ou outro cirurgião de 26 LERMAN, S. História de la Odontologia y su ejercício legal. 2ª ed; Argentina: Editora Mundi, 1964. Apud (Almeida, E. C. de S, et al, 2002, p.1). 27 No período romano, Esculápio passou a ser considerado um deus e seus santuários se transformaram em locais de tratamento de enfermos. Hipócrates era considerado seu descendente por linha masculina (460 a.C.) e, como seu ancestral, também tratou em seus escritos sobre os problemas dentários como “a cárie, a má oclusão, os abscessos e a anecrose maxilar” (Resende, 1994). Apud (STARLING, 2007, p.69). 28 RESENDE. A História da Odontologia, p.2. Apud (STARLING, 2007, p.69). 29 PADILHA, W.W.N. Da integração clínica à clínica integrada. Niterói: UFF, 1993, p. 65. Tese. Apud (Freitas, 2001, p.30-31). 32 maior experiência, e, no último nível o “barbeiro”, com funções inferiores na escala como: corte de cabelo e barba, extração de dentes, aplicação de sanguessugas para sangrias (FREITAS, 2001, p.32). Assim, além de outras funções, os médicos embora curassem os dentes não se dedicavam à técnica dentária, que ficou relegada às mãos dos práticos como os barbeiros, sangradores e outros. Os médicos (físicos) e cirurgiões, ante tanta crueldade, evitavam esta tarefa, alegando os riscos para o paciente (possibilidade de morte) de hemorragias e inevitáveis infecções. Argumentavam que as mãos do profissional poderiam ficar pesadas e sem condições para intervenções delicadas. Os barbeiros e sangradores eram geralmente ignorantes e tinham um baixo conceito, aprendendo esta atividade com alguém mais experiente (ROSENTHAL, 1995, p.1). Com pequenas variações locais, a Odontologia ocidental estruturou-se a partir dessa situação e o processo no Brasil e na América Latina foi, durante certo tempo e principalmente em seu início, muito semelhante ao da França e dos Estados Unidos. Esses países merecem destaque, pois foi na França que aconteceu a publicação da primeira obra exclusiva sobre Odontologia e onde ocorreu a criação desse termo 30 ; e nos Estados Unidos ocorreu a criação da primeira escola exclusiva de Odontologia. 31 No que se refere ao Brasil, a influência de Portugal merece destaque, pois a Coroa Portuguesa desde muito cedo se preocupou em exercer vigilância sobre os profissionais da saúde. O rei estabeleceu que dois oficiais, nomeados pela Coroa, concederiam licenças a todos que desejassem exercer a cura e a prática da Medicina nos seus diversos ramos, tanto 30 Foi na França, no século XVIII, que surgiu o primeiro tratado específico para a questão odontológica. Em 1728, Pierre Fauchard lançou Le Chirugien dentiste ou traité des dents. Fauchard realizou seus estudos no Serviço de Saúde da Marinha, onde realizou inúmeras observações em marinheiros atacados por escorbuto. Veio daí a sua preocupação com a saúde dentária. O autor inicia o livro com a discussão sobre os instrumentos a serem utilizados no tratamento dos dentes, afirmando que não era verdadeira a crença de que o uso de ferro ou aço fosse prejudicial. Discorre sobre o tártaro e as cáries, as operações na boca, as técnicas de limação nos dentes e defende sua limpeza, sugerindo inclusive algumas fórmulas de dentifrícios. Entre inúmeros outros tópicos, discute as formas de produzir e colar dentes artificiais, propõe cinco formas de fechar o palato, apresenta novas técnicas de obturação, prescreve o uso do óleo de cravo para diminuir a sensibilidade da dentina e a cauterização da mesma quando exposta, para evitar infecções. Devido a importância de seu trabalho foi denominado o pai da Odontologia. 31 Em 1840 é criada nos EUA a primeira Escola de Odontologia do mundo: Colégio de Cirurgia Dental de Baltimore. Esta escola foi criada após recusa, por parte da Faculdade de Medicina de Maryland, em incluir a Odontologia em seus ensinamentos, por entendê-la como prática auxiliar e não como profissão de estatus universitário (Sardi, 1980). Apud (Freitas, 2001, p.33). 33 em Portugal quanto nas suas colônias de além-mar. O Regimento do Físico-mor, editado em 25 de fevereiro de 1521 regulou e diferenciou as funções do físico-mor das do cirurgião-mor. Cabia ao primeiro examinar os médicos formados nas universidades e licenciar as boticas. O segundo examinava os cirurgiões e demais práticos da Medicina. Em 12 de dezembro de 1631 foi realizada uma reforma no Regimento do Cirurgião-mor que definiu com clareza as funções deste oficial. Cabia a este profissional, acompanhado de dois barbeiros, examinar e licenciar os sangradores, os barbeiros, as parteiras e as pessoas que tirassem dentes (STARLING et al, 2007, p.33-35). Essa licença deveria ser concedida a qualquer pessoa que costumeiramente realizasse tais tarefas e se apresentasse para ser avaliada, apontando um aprendizado não só prático, mas também doméstico, do ofício. Esses eram chamados licenciados, pois não recebiam o grau de doutor que era exclusivo dos médicos. Assim, mesmo precisando da licença que era concedida pelo cirurgião-mor aos barbeiros, existiam muitas pessoas que exerciam a prática de tirar os dentes à revelia do Estado. Isso devido à burocracia existente para o licenciamento potencializado pelo status e nível de renda baixos oferecidos por essa prática. Em 1782, para aumentar o controle sobre as profissões médicas na colônia, a Coroa extinguiu as figuras do físico-mor e do cirurgião-mor e foi criada a Real Junta do Prontomedicato. Essa era constituída de deputados, médicos ou cirurgiões, para um período de três anos. A esses caberia conceder as cartas de exame, fiscalizando e punindo os profissionais da saúde, inclusive os que tratavam dos dentes. A junta designava comissários para representá-los em todo o território da América Portuguesa. Essa situação fortalecia a não diferenciação da Odontologia enquanto especialidade médica ou campo de prática, e no Brasil essa situação ficou caracterizada até o final do século XVIII. 34 Ou seja, é impossível referir-se à Odontologia antes desse período como um campo de conhecimento próprio ou como uma área de saber sistematizada e formadora de profissionais. 32 No final do século XVIII, cria-se no Brasil o “plano de exames”, um aperfeiçoamento das formalidades e dos exames, e é encontrado pela primeira vez em documentos do Reino o vocábulo “dentista” (STARLING et al, 2007, p.41). Com a chegada, em 1808, do príncipe regente D. João VI, de sua corte e da sociedade portuguesa no Rio de Janeiro, houve um grande surto de desenvolvimento no país. Cria-se na Bahia, a Escola de Cirurgia. 33 Antes do final de 1808, D. João VI transfere-se de Salvador para o Rio de Janeiro. Logo depois, é abolida a Real Junta do Prontomedicato, que restabeleceu os cargos de físicomor e cirurgião-mor, com a colaboração de seus delegados e subdelegados. Na ocasião, o físico-mor do Reino era Manoel Vieira da Silva, encarregado do controle do exercício de Medicina e da Farmácia e José Correa Picanço era o cirurgião-mor que tinha poderes análogos em relação à cirurgia, controlando o exercício das funções realizadas pelos sangradores, dentistas, parteiras e algebristas (ROSENTHAL, 1995, p.2). Em 1820, o Doutor Picanço concedeu ao francês Doutor Eugênio Frederico Guertin a “carta” para exercer sua profissão no Rio de Janeiro. Era diplomado pela faculdade 32 Sem dúvida, o mais famoso prático da Odontologia nos tempos coloniais foi TIRADENTES – Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido pelo seu envolvimento na Inconfidência Mineira. Exerceu sua arte em fins do século XVIII na capitania de Minas Gerais e na cidade do Rio de Janeiro, conjuntamente com seu ofício militar, com patente de alferes, que o obrigava a constantes deslocamentos. Parece que seu aprendizado se dera de forma doméstica, com seu padrinho Sebastião Ferreira Leitão. Como inexistiam escolas na capitania para aprendizado de Cirurgia, isso era comum. Basílio de Brito Malheiro do Lago, um dos que protocolou denúncia contra o movimento, foi o primeiro a declarar que o alferes era conhecido, “por alcunha, o Tiradentes. Afirmou que ele era muito afamado pela sua prática de dentista, e que conhecia muita gente em razão da prenda de pôr e tirar dentes” (Auto de devassa da Inconfidência Mineira, p. 96, v.1). Apud (Starling , et al, 2007, p.49). 33 No Hospital de São José, na Bahia, cria-se a Escola de Cirurgia, graças a interferência do Doutor José Correa Picanço, físico e cirurgião-mor, em nome da Real Junta do Pronto-Medicato. Nada beneficiou os dentistas na ocasião. Picanço, a seguir, não só licenciou os profissionais da corte, como sete negros, de baixa classe social, alguns escravos de poderosos senhores. Havia nesta época dois ditados populares: “ou casa, ou dente”- “ou dente, ou língua, ou beiço”. Indicavam que dado o pouco conhecimento e inabilidade dos “tira-dentes” ocorria freqüentemente traumatismos nestas regiões. Apud (Rosenthal, 1995, p.2). 35 de Odontologia de Paris e aqui atingiu elevado conceito, atendendo a maior parte da nobreza, inclusive D. Pedro II e familiares. Publicou, em 1819, ao que tudo indica, a primeira obra de Odontologia feita no Brasil “Avisos Tendentes à Conservação dos Dentes e sua Substituição” (ROSENTHAL, 1995, p.3). Assim, a Odontologia se constituía em dois universos distintos de profissionais. Na base da sociedade estavam os barbeiros, que se desenvolveram no aprendizado doméstico, constituídos em sua maioria por escravos ou ex-escravos, reunindo um saber popular, no qual prevalecia a terapia das extrações. E na outra extremidade, começam a surgir profissionais com formação nas escolas de Cirurgia recém-criadas no Brasil, ou que estudavam em Portugal, ou em outros países da Europa. Em geral, estes últimos eram brancos livres e procuravam diversificar e sofisticar as técnicas de tratamento, alguns sendo chamados de cirurgiões e outros de dentistas. Em 1828, D. Pedro I (1798-1834) suprime o cargo de cirurgião-mor, cujas funções passaram a ser exercida pelas Câmaras Municipais e Justiças Ordinárias e posteriormente pela Junta de Higiene. Em 1850, pelo decreto lei 598, é criada a Junta de Higiene Pública, que possibilitou a medicina uma enorme evolução, principalmente pelas medidas saneadoras, que procuravam a melhoria do ensino com normas mais criteriosas e moralizadoras para aqueles que desejassem praticar a Medicina e a Odontologia. Em 1882, a lei 3141, de 30 de outubro, vinha consignando que a Odontologia formaria um curso anexo, “cada uma das Faculdades de Medicina do Império se designará pelo nome da cidade em que tiver assento; será regida por um diretor e pela Congregação dos Lentes, e as comporá de um curso de ciências médicas e cirúrgicas e de três cursos anexos: o de Farmácia, o de Obstetrícia e Ginecologia e o de Odontologia” (ROSENTHAL, 1995, p.5). 36 Somente a partir do final século XIX, e se seguirmos à risca poderemos alongar essa marca para meados do século XX, a Odontologia consolida-se como uma profissão legalizada no Brasil. O primeiro curso de Odontologia criado, independente da formação médica, foi o da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 25 de outubro de 1884. O título concedido era “dentista aprovado” exigindo-se do candidato um estágio de aprendizado extra-universitário ao lado de dentistas práticos e a posse de certidões de idoneidade moral. Nessa época ficava claro que havia distinção entre a formação do cirurgião-dentista e a formação do médico-cirurgião. Entretanto o curso foi criado nos moldes do curso de cirurgia e a alteração significativa na sua forma só ocorreu na década de 30, já no século XX. Portanto, os primeiros cursos de Odontologia eram considerados como de menor importância, provavelmente por funcionarem como um curso anexo e por possuírem um caráter eminentemente prático, aprendido de forma artesanal em consultórios de outros profissionais. Aos poucos foi percebida a necessidade de uma carga horária maior para formar cirurgiõesdentistas. Assim, os futuros candidatos à dentista poderiam conhecer detalhes não apenas do corpo humano, mas também de outras áreas do conhecimento (Freitas, 2001, p.33). Neste período ocorreram pelo menos duas grandes reformas: a Reforma Rivadávia, em 1911, e o decreto de 1919 de Delfim Moreira, que estabelece a criação de cursos de Odontologia em nível superior, com currículo de quatro anos (GUIMARÃES, 1961, p. 33). 34 O curso de Odontologia de uma maneira geral se desenvolveu sem estrutura e sem um corpo docente capacitado, motivo este que prejudicou a qualidade do ensino. Desta forma, a Odontologia veio se organizando enquanto prática, com sua trajetória indicando maior proximidade com um ofício do que com uma ciência. Assim, os primeiros cirurgiões-dentistas que se formavam enfrentavam a dificuldade de consolidar um mercado e especialmente impedir que leigos atuassem na área. 34 GUIMARÂES JR. O ensino odontológico n Brasil. (Serie de Levantamentos e Análises). Rio de Janeiro: CAPES, 1961. 44p. Apud (FREITAS, 2001, p.33). 37 Deste modo, novos cursos de Odontologia vão sendo criados por pressão das necessidades da população por serviços odontológicos, mas interessante ressaltar que esses profissionais formados atendiam a demanda nas classes médias e altas, pois a classe de pouco ou nenhum poder aquisitivo continuou sendo atendida por práticos por um período extremamente longo (FREITAS, 2001, p. 35). Em 1910, é publicado nos EUA o Relatório Flexner 35 , documento que definiu o modelo de prática médica desenvolvido naquele país e que influenciou toda a Medicina moderna ocidental e conseqüentemente a Odontologia. Tal estratégia fazia parte de um plano mais amplo: de gerar estabilização para que a Medicina pudesse atuar como forma de controle social e reprodução da força de trabalho adaptada às novas necessidades da “era progressiva”, estabelecida pelo capitalismo naquele período (MENDES, 1985 apud FREITAS, 2001 p.36). 36 Na saúde como um todo e na Odontologia não foi diferente, ambas atreladas a essa onda reformista, incorporaram os pressupostos “flexnerianos” e tiveram suas teorias e práticas centradas na doença, seguindo um modelo médico centralizado, fragmentado e de caráter técnico-científico. Assim, a Odontologia assumiu esse modelo sem uma discussão conceitual mais profunda, numa apreensão apenas parcial do seu objeto de estudo, a boca. Assim, a ciência em Odontologia cresceu mecanicista, com especial ênfase em aspectos biológicos, orientada mais para a cura que a prevenção, individualista, e desumanizando-se em prol da tecnificação (FREITAS, 2001, p. 37). O desenvolvimento técnico-científico da Odontologia, com o passar dos anos, trouxe inúmeros benefícios para a saúde bucal das pessoas, o que pode ser exemplificado pelo declínio na prevalência e na severidade de doenças como a cárie e enfermidades periodontais, de um modo geral. No entanto, o impacto das expressivas reduções ainda não foi suficientemente forte para conseguir excluir as doenças mediadas por placas bacterianas da 35 O Relatório Flexner foi fruto de um extenso trabalho de análise de ensino médico americano, patrocinado pela Carnegie Foundation, instituição preocupada com a qualidade das Universidades Americanas e com a própria qualidade dos médicos e sua prática (FREITAS, 2001, p. 36). 36 MENDES, E.V. A evolução histórica da prática médica. Belo Horizonte: PUC-MG, 1985. Apud (FREITAS, 2001, p. 36). 38 lista das condições mórbidas que mais flagelam os seres humanos, e cujo tratamento mobiliza grandes volumes de recursos financeiros (WEYNE, 1997, p.5). Ainda hoje é grande o número de brasileiros que nunca foram ao dentista, sem desprezar o grande número de pessoas que só foram para realizar extrações, que são mais mutiladoras do que curativas. E isso ainda é mais relevante quando se refere aos modelos assistenciais destinados à Odontologia pública. O primeiro modelo de assistência à saúde bucal brasileira foi a Odontologia Sanitária e Sistema Incremental, introduzido na década de 1950 pelo Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), que se caracterizou pela assistência aos escolares de 6 a 14 anos do sistema público, com enfoque curativo-reparador em áreas estratégicas do ponto de vista econômico (Brasil/MS, 2006, p.10). Outros grupos populacionais só tinham acesso em situações de urgências odontológicas. Esse modelo foi muito criticado devido a sua cobertura exígua e por práticas curativas que eram prestadas em consultórios escolares de maneira individual, tendo seu potencial reduzido perante as necessidades da população, mas que, mesmo assim, contribuiu muito para a redução de cáries nos escolares da rede pública em muitas regiões. Da assistência somente aos escolares, a Odontologia pública no Brasil, caminhou para a Odontologia Simplificada e Odontologia Integral, instituída ao final de 1970. Suas principais características foram a promoção da saúde bucal e a prevenção de doenças bucais com ênfase coletiva e educacional; abordagem e participação comunitária; simplificação e racionalização da prática odontológica e desmonopolização do saber com incorporação de pessoal auxiliar (Brasil/MS, 2006, p.10). Até a década de 1970, a maioria das ações coletivas no campo da saúde bucal era descontínua e esporádica, sendo executada na forma de campanhas como a “semana dos bons dentes”, ou algo parecido. E historicamente, essas práticas foram desenvolvidas afastadas do 39 processo de organização dos demais serviços de saúde (BOTAZZO, 1994 apud PAULETO et al, 2004, p.122). 37 Outro modelo assistencial foi o Programa Inversão da Atenção-PIA. Baseava-se em intervir antes e controlar depois, que estabeleceu um modelo centrado em três fases: estabilização, reabilitação e declínio. Contava, para isso, com ações de controle epidemiológico da doença, uso de tecnologias preventivas modernas (escandinavas), mudança da “cura” para o “controle” e ênfase no autocontrole, em ações de caráter preventivo promocional (BRASIL/MS, 2006, p.10). Todos os modelos assistenciais trouxeram benefícios à população. Mas não o suficiente para garantir acesso amplo das pessoas aos serviços públicos de Odontologia e nem a melhoria significativa nos índices epidemiológicos das doenças bucais. A epidemiologia é uma ferramenta importante nos serviços de saúde, principalmente quando articulada com o planejamento e a avaliação desses. A produção de dados epidemiológicos é importante para nortear sobre as condições de saúde bucal da população. Entretanto, ainda que sejam dados primários oriundos de levantamentos epidemiológicos ou secundários produzidos pelos serviços de saúde, eles são pouco utilizados nos planejamentos para assistência odontológica. No caso brasileiro, o uso da epidemiologia é previsto por lei, tendo, portanto, suporte no campo jurídico-legal. A lei 8080 de 1990, em seu capítulo II, artigo 7, diz que, no desenvolvimento de ações e serviços de saúde, deve haver “a utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática” (GOLDBAUM, 1996, p.95-98). 38 37 BOTAZZO, C; 1994. A saúde bucal nas práticas coletivas de saúde. Instituto de Saúde (Série Tendências e Perspectivas em Saúde 1). Apud (PAULETO et al, 2004, p.122). 38 GOUDBAUM M. Epidemiologia em serviços de saúde. Cad. Saúde Pública, 1996: 12 (Supl 2): 95-8. Apud (Roncalli, 2006). 40 Pode-se considerar que as principais experiências de produção nacional de dados odontológicos se resumem aos três levantamentos epidemiológicos em saúde bucal realizados em 1986, 1996 e 2003. Importante pontuar que os dados são essenciais na epidemiologia, porém esses não podem ser considerados fidedignos devido a vários fatores, dentre eles a falta de seriedade no preenchimento das fichas e de comprometimento na compilação dos dados os quais dificultam um planejamento adequado ou cálculos mais verossímeis sobre as doenças de um modo geral e especificamente na Odontologia. O levantamento epidemiológico nacional realizado em 1986 mostrou o resultado de uma prática odontológica caracterizada por extrações em massa (BRASIL/MS, 1988). 39 Essa situação se devia a vários fatores, mas com forte influência do modelo curativomutilador oferecido pelos serviços odontológicos, que se caracterizavam por suas práticas excludentes e assistencialistas voltadas para os que podiam financiar os serviços (MENDES, 1985 apud FERREIRA, et al, 2006). 40 Esse levantamento foi realizado na zona urbana em 16 cidades e a pior situação aparecia entre as pessoas de menor renda. Para o grupo da faixa etária de 6-9 anos, o índice CPO-D 41 encontrado obteve a média de 2,68 dentes cariados, e para o grupo etário de 10-12 anos, 5,56 dentes cariados (BRASIL, 1997 apud PAULETO, et al, 2004). 42 39 Brasil. Ministério da Saúde. Divisão Nacional de Saúde Bucal. Levantamento epidemiológico em saúde bucalBrasil, zona urbana, 1986. Brasília: MS; 1988. 40 MENDES EV. A evolução histórica da prática médica: suas implicações no ensino, na pesquisa e na tecnologia médica. Belo Horizonte PUC-MG; Finep; 1985. Apud (FERREIRA, et al, 2006). 41 O índice CPO de Klein e Palmer é o índice mais utilizado e recomendado para levantamentos epidemiológicos da cárie. Demonstra a história anterior e atual do ataque da doença em indivíduos ou grupo de indivíduos, medindo sua freqüência. O índice CPO mostra a história atual, as restaurações e extrações (realizadas somente por motivo de cárie), contando a história passada do indivíduo. Por isso a denominação CPO que significa cariados, perdidos e obturados (restaurados). Os dentes perdidos representam a soma entre os dentes extraídos e os dentes com extração indicada. O índice CPO de um grupo de indivíduos é a média do número total de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados, dividido pelo número de indivíduos examinados. 42 Brasil 1989. Política Nacional de Saúde Bucal. Divisão Nacional de Saúde Bucal. Disponível em http://drt2001.saude.gov.br/sps/areastecnicas/bucal/publicacoes/. Apud (PAULETO, et al, 2004). 41 O segundo levantamento epidemiológico feito pelo Ministério da Saúde foi em 1996, realizado somente nas capitais brasileiras e pesquisando cárie dental entre escolares de 6 a 12 anos, esse mostrou uma redução de 53,9% na população estudada atingindo índices preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para o ano 2000, que é um índice menor ou igual a 3,0 (Brasil/MS, 1999). 43 Importante pontuar que essa redução não é uniforme nem homogênea pelo vasto território brasileiro, visto que os levantamentos foram feitos em uma parcela reduzida da população e com ênfase maior na cárie dental. Assim, os dados coletados não foram suficientes para se ter uma percepção da real condição de saúde bucal do brasileiro. O terceiro levantamento epidemiológico sobre as condições de saúde bucal, SB Brasil, foi realizado em nível nacional e finalizado em 2003. Reforçou a necessidade de que os serviços odontológicos de saúde estejam organizados para intervir e controlar os agravos que acometem a saúde bucal em virtude de sua prevalência e gravidade. Em que pesem todas as mudanças mencionadas, os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) são preocupantes. O Brasil detém um número significativo de dentistas e mesmo assim nosso índice da prevalência de cárie continua alto. O Brasil ainda não atingiu o patamar de saúde bucal preconizado pela OMS; somos ainda um país de extremos e muitos desdentados (FREITAS, 2001, p.41). Na contemporaneidade, as doenças que mais acometem a cavidade bucal no Brasil em ordem de gravidade e que têm sido objeto de estudos epidemiológicos são a cárie dentária, a doença periodontal 44 , o câncer de boca 45 , os traumatismos dentários 46 , a fluorose dentária47 , 43 Brasil 1999. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Divisão Nacional de Saúde Bucal. Fundação de Serviços de Saúde Pública. Levantamento epidemiológico em saúde bucal. Brasil, Zona Urbana, 1998. Centro de Documentação do Ministério da Saúde, Brasília. Apud (Pauleto, et al, 2004). 44 A doença periodontal deve ser vista como um processo de desequilíbrio entre as ações de agressão e defesa sobre os tecidos de sustentação e proteção do dente, que tem como principal determinante a placa bacteriana, a partir das diferentes respostas dadas pelo hospedeiro. Não é mais considerada apenas como de progressão lenta e contínua, mas pode ter padrões variáveis de progressão. É entendida como uma doença infecciosa, onde as alterações de forma e função são consideradas sinais. A normalidade do periodonto é definida por variáveis biológica, que são mais coerentes com a etiopatogenia da doença e permitem que usuários que em algum momento foram portadores da doença e apresentem seqüelas (como recessão e mobilidade), retornem ao estado de saúde. A doença periodontal se constitui, atualmente, em um importante fator de risco para parto prematuro de baixo peso, diabetes e doenças vasculares e cardíacas (MS/ Brasil, 2006, p.35-36). 45 O câncer de boca é uma denominação que inclui os cânceres de lábio e de cavidade oral (mucosa bucal, gengivas, palato duro, língua e assoalho da boca) e está entre as principais causas de óbito por neoplasias. 42 o edentulismo 48 e a má oclusão. 49 Segundo a OPAS/OMS 50 , a prevalência da cárie dentária medida aos 12 anos de idade vem diminuindo desde a década de 1970, apesar de ter sido um dos maiores CPO-D do mundo, porém a necessidade da população por assistência odontológica vai bem mais além do que o tratamento exclusivo da cárie dentária. Mesmo que possam ser identificados obstáculos como: a deficiência de uma política odontológica no país, a não adaptação dos recursos humanos formados à realidade nacional e a influência do aspecto cultural são muitos outros fatores que dificultam a reorientação das práticas odontológicas que, se mostram tecnicistas, elitistas, curativas, individualistas, verticalizadas e que não correspondem aos anseios da população para solucionar seus problemas bucais. Importante ressaltar que a saúde bucal está implícita na saúde integral e está diretamente relacionada às condições de alimentação, moradia, trabalho, renda, meio ambiente, transporte, lazer, liberdade, acesso a serviços de saúde e informação. Nesse sentido, Representa uma causa importante de morbimortalidade uma vez que mais de 50% dos casos são diagnosticados em estágios avançados da doença. Tende a acometer o sexo masculino de forma mais intensa e 70% dos casos são diagnosticados em indivíduos com idade superior a 50 anos. Localiza-se, preferencialmente, no assoalho da boca e na língua e o tipo histológico mais freqüente (90 a 95%) é o carcinoma epidermóide (MS/ Brasil, 2006, p. 39). 46 Apesar da existência de poucos estudos de base populacional sobre prevalência de traumatismo na dentição permanente, no Brasil, os crescentes índices de violência (agressões, espancamentos), os acidentes de trânsito e outros provocados por diversas causas externas, como atividades esportivas e brincadeiras realizadas em ambientes pouco seguros e sem o uso dos equipamentos de proteção, têm transformado o traumatismo dentário em um problema freqüente de saúde pública. As lesões dentárias traumáticas são agravos que têm um grande impacto na qualidade de vida da criança e do adolescente: limitações ao morder ou falar, comprometimento da estética e problemas psicológicos no convívio social a ponto da criança/adolescente evitar sorrir e conversar (MS/ Brasil, 2006, p.41). 47 Fluorose dentária é uma anomalia do desenvolvimento e ocorre por ingestão prolongada de flúor durante o período de formação dos dentes e maturação do esmalte. É caracterizada por aumento da porosidade do esmalte, fazendo com que este pareça opaco (MS/ Brasil, 2006, p.43). 48 Edentulismo é resultante de diversos e complexos determinantes, tais como: as precárias condições de vida, a baixa oferta dos serviços, o modelo assistencial predominante de prática mutiladora aliadas às características culturais que exercem significativa influência sobre o modo como a perda dentária é assimilada (MS/ Brasil, 2006, p. 45). 49 Má - oclusão é a deformidade dento-facial que, na maioria das ocasiões, não provêm de um único processo patológico específico. Mas é uma variação clínica significativa do crescimento normal, resultante da interação de vários fatores durante o desenvolvimento, tais como a interação entre influências ambientais e congênitas. 50 OPAS/OMS 2001. Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde. Informativo 4/5/2001. Disponível em www.opas.org.br/sistemas/fotos/bucal.htm. Apud (PAULETO, et al, 2004). 43 a qualidade da saúde bucal está, fundamentalmente, ligada à busca pela melhoria dos determinantes sociais, políticos e econômicos (PORTO, 2002). 51 Desajustes sociais, crises econômicas e inadequação da estrutura de assistência odontológica à população, que, muitas vezes, limitam o acesso aos serviços públicos disponíveis são, dentre outras, razões que podem explicar a realidade da saúde bucal brasileira. Essa deficiência da assistência odontológica pública reforça a divisão da Odontologia em pública e particular. A particular é geralmente de caráter individualista, elitista e oferecida a todas as pessoas, de todas as idades, com diversas especialidades, mas só a quem se dispõe a pagar por ela. A Odontologia pública tem se mostrado mais coletiva, não possui todas as especialidades disponíveis e teoricamente é acessível a todos. Mas, na prática, encontra dificuldades para atender toda a demanda e geralmente é disponível para uma parcela reduzida da população e oferece apenas tratamentos mais simples que se resumem a extrações de dentes e restaurações. As pessoas que necessitam de especialidades como tratamentos endodônticos (de canal) de próteses, etc., e que não têm como pagar pelo serviço particular, geralmente não conseguem atendimento. Isso faz com que as pessoas optem pelos tratamentos oferecidos pelo serviço público que são curativos e ou mutiladores como é o caso das extrações dentárias. As pessoas permitem a mutilação não porque querem e sim por ser o único acessível a elas. Isso nos faz refletir sobre a relação não muito visível entre saúde bucal e interesses capitalistas que merece ser analisada, principalmente quando é possível com os avanços técnico-científicos melhorar a qualidade da saúde bucal da sociedade e por motivos variados 51 PORTO VMC 2002. Saúde bucal e condições de vida: uma contribuição do estudo epidemiológico para a inserção de atenção à saúde bucal no SUS. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Medicina de Botucatu. Programa Sorria Bauru 1999. Secretaria Municipal de Saúde. (Mimeo). Apud (PAULETO et al, 2004, p.122). 44 isso não acontece de maneira significativa para a maioria da população. Tal comportamento conflui-se com os dizeres de Canclini, (CANCLINI, 2006, p.17) quando se refere à questão da modernização não ser acessível para a maioria. Portanto, o que se tem é uma minoria tendo acesso a todos os cuidados bucais e uma grande parcela da população tendo como solução procedimentos arcaicos e reducionistas. A reorientação da prática da Odontologia é dificultada pelos interesses capitalistas, pois essa mudança que propõe uma nova maneira de fazer saúde bucal e um olhar diferenciado para a valorização da boca vai contra essa proposta que prioriza a acumulação de capital nas mãos de poucos, e o predomínio das finanças internacionais sobre qualquer outro interesse. O interesse do capital favorece a Odontologia tradicional: curativa, individual, de técnicas avançadas, ou seja, a Odontologia que está ligada à lógica do mercado. Portanto, a prática odontológica faz uso de instrumentais e medicamentos que fortalecem a indústria farmacêutica, mas não favorecem o atendimento à maioria da população, assistindo somente aquele que pode pagar pelo serviço. Assim, as doenças bucais se manifestam globalmente, mas o acesso à saúde como um todo e mais especificamente a saúde bucal não está globalizado e atende a uma minoria da população, sendo esse um dos fatores de relevância que dificulta a melhora dos índices epidemiológicos das doenças bucais que acometem a coletividade. A Odontologia exercita um controle da população sem que muitas vezes seja percebido e esse se dá pela recusa das tecnologias odontológicas à maioria da população adulta e trabalhadora. Assim, enquanto alguns setores da população, de poder aquisitivo mais elevado, resolve seus problemas bucais com a Odontologia particular, o restante da população “que não precisa dos dentes para trabalhar”, pode muito bem ficar sem eles, pois mesmo que façam falta para se alimentar, comunicar e se expressar, isso não é importante para os interesses capitalistas. Ou seja, as pessoas desdentadas têm vergonha de se expressar, possuem auto- 45 estima baixa e é interessante que permaneçam dessa forma para serem manipulados mais facilmente. A mutilação dentária resultante da perda dos dentes predispõe a um estado de doença, pois assinala mudanças físicas, biológicas e emocionais. “[...] a Perda Dentária estigmatiza a população pobre, reforçando as desigualdades entre as classes sociais” (NATIONS & NUTO, 2002). 52 Portanto, o cuidado odontológico é uma necessidade da população em geral, mas não é democraticamente oferecido a esta. Uma mudança significativa no âmbito das políticas públicas ocorre no final do século XX, quando as condições de saúde do povo brasileiro já estavam drásticas. Movimentos com propostas de reformulação do modelo assistencial da saúde começaram a surgir e atingiram seu ponto culminante na 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), em março de 1986. Nessa ocasião, foi consagrado o princípio de que a “saúde é um direito de todos e dever do Estado”, que foi incorporado à Constituição Brasileira de 1988. E assim foi necessária a expansão e fortalecimento do setor público através da criação de um Sistema Único de Saúde. Por determinação da 8ª CNS foi realizada a primeira Conferência Nacional de Saúde Bucal onde foi recomendada a inserção da Odontologia no Sistema Único de Saúde (SUS) pelos princípios e objetivos da reforma sanitária: Adotar um conceito ampliado de saúde considerando-a como “resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde”; oferecer serviços integrais e de qualidade a todo cidadão, independente da sua posição social, área de residência ou vinculação com sistemas previdenciários; estabelecer o princípio da equidade, que busca corrigir as distorções e 52 Nations M K, Nuto SAS. Tooth worms, poverty tattoos and dental care conflicts in Norteast Brazil. Soc Sci Med 2002; 54:229-4. Apud (Ferreira, 2006, P.3). 46 desigualdades presentes até então; recuperar a cidadania e promover a justiça social (Starling, 2007, p.188). O SUS é criado em 1988 e regulamentado pelas leis orgânicas da saúde (8080/90 e 8142/90) e nessa nova proposta o processo saúde-doença é analisado num contexto dinâmico, com visão epidemiológica influenciada por fatores sócio-econômicos, culturais e tendo o entendimento de que o ser humano é resultado daquilo que vive, cuja saúde ou doença está intimamente ligada com sua condição de vida. Fica claro que os modelos assistenciais existentes não se enquadravam nesse novo paradigma e necessitavam serem revistos. Esse discurso de redirecionar as práticas de saúde vêm articulado à idéia de promoção de saúde. Promoção é um conceito definido por Leavell & Clarck (1976), como um dos elementos do nível primário de atenção em medicina preventiva que foi retomado enfatizando as relações entre saúde e condições de vida. Uma das motivações centrais dessa retomada foi a necessidade de controlar os custos desmedidamente crescentes da assistência médica, que não correspondem a resultados igualmente significativos (CZERESNIA, 2003, p, 39). A reforma em saúde e a expressão “promoção da saúde” foram cunhadas pela primeira vez em 1945, quando o historiador e médico Henry Sigerist a mencionou como uma das tarefas da medicina (Rios, et al, 2007, p. 9). Sigerist defendia uma ação integrada entre políticos, lideranças sindicais trabalhadoras e patronais, educadores e médicos. Esta união de esforços objetivava implementar políticas e programas de saúde, que são facilitados quando as necessidades básicas do indivíduo (emprego, saúde, educação, vida social) são satisfeitas. Depois de Sigerist vários outros documentos e eventos importantes foram ratificando as propostas anteriores. Destaque para o Relatório Lalonde, publicado no Canadá em 1974, cujo eixo estratégico é formado por um conjunto de intervenções que buscam transformar os comportamentos individuais não-saudáveis. Esse serviu de base para o lançamento de várias 47 conferências desencadeadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) começando pela I Conferência Internacional sobre cuidados primários de saúde reunida em Alma-Ata em 1977, e em seguida pela I Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde realizada em Ottawa em 1986, dentre outras. Desde quando surgiu o conceito de Atenção Primária em Saúde, na Declaração de Alma-Ata 53 , ele tem sido objeto de várias interpretações. No Brasil, o Ministério da Saúde tem denominado Atenção Primária como Atenção Básica definindo-a como um conjunto de ações, individuais ou coletivas, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde (BRASIL/MS, 2006, p.11). O aspecto fundamental para efetivação da Atenção Básica é a promoção de saúde, que é uma estratégia de articulação transversal que objetiva a melhoria na qualidade de vida e a redução da vulnerabilidade e dos riscos à saúde, por meio da construção de políticas públicas saudáveis, que levem a população a ter melhorias no modo de viver: condições de trabalho, habitação, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais (BRASIL/MS, 2006, p.12). Com o conceito de promoção de saúde surge também o de Atenção Básica e a estratégia prioritária para reorganizar a Atenção Básica no Brasil é a Saúde da Família. Com o processo de descentralização do Ministério da Saúde, numa tentativa de alcançar melhorias para a saúde pública é implantada a Norma Operacional Básica do SUS de 1996 (NOB SUS-96), visando o aumento da responsabilidade municipal e implantação do PSF (Programa de Saúde da Família). Adotado para reorganizar a Atenção Básica que busca a vigilância à saúde por meios de ações individuais e coletivas que contemplem o princípio da integralidade (articulando atividades de promoção, prevenção e curativo-reabilitadoras), é um programa com a intenção de melhorar a qualidade da saúde da população, estruturado com 53 A I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde realizada em 12 de setembro de 1978 em Alma-ata na Rússia que resultou na Declaração de Alma-Ata que reafirmou saúde como um direito humano fundamental e um das mais importantes metas sociais. 48 uma equipe de profissionais de várias áreas trabalhando juntos para atender o usuário em suas necessidades, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde. A reorientação da Odontologia pública passa, pois, pela inserção da saúde bucal, ao modelo de Atenção Básica que é o eixo norteador do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja ferramenta é o Programa de Saúde da Família. As políticas de saúde bucal do SUS buscam favorecer a transformação da prática odontológica por meio da incorporação de pessoal auxiliar, novas tecnologias e ações coletivas de saúde, visando alterar suas características epidemiológicas e obter impacto na cobertura da população e na construção da cidadania. Para atingir essas metas, é imprescindível criar e incentivar práticas comunitárias que possibilitem o crescimento da consciência sanitária e a mobilização da sociedade civil em torno das questões de saúde (PAULETO, A.R.C et al, 2004, p.22). Apesar das conquistas do movimento sanitário, na prática essas não têm sido suficientemente traduzidas em melhoria da qualidade de vida para a população brasileira e conseqüentemente numa melhoria significativa da saúde bucal. A maneira como os recursos humanos estão sendo formados e a pequena parcela de investimentos feitos em ciência e tecnologia destinados à saúde bucal pública merecem destaque. A efetivação das ações da Atenção Básica depende fundamentalmente de uma sólida política de educação permanente, capaz de produzir profissionais com habilidades e competências que lhes permitam compreender e atuar no SUS com competência técnica, espírito crítico e compromisso político (BRASIL/MS, 2006, p.8). Sem dúvida, isso implica na formação de profissionais capazes de uma atenção integral e humanizada, capazes de trabalhar em equipe e compreender melhor a realidade em que vive a população. A educação popular pode ser um instrumento auxiliar na incorporação de novas práticas por profissionais e serviços de saúde, pois na sua concepção teórica, valoriza o saber do outro e entende que o conhecimento é um processo de construção. Sendo a atenção básica o lócus onde prioritariamente devem ser desenvolvidas ações de educação em saúde, e sendo o Programa de Saúde da Família (PSF) hoje a principal estratégia para a “reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica” (Brasil, 1997, p.10), pode-se considerar este como um ambiente favorável ao desenvolvimento da educação popular em saúde. Os órgãos gestores nacionais enfatizam a importância das atividades educativas no âmbito do PSF, embora não tenham sido desenvolvidas propostas para seu financiamento nem políticas específicas para o desenvolvimento de ações ou mesmo que visassem à capacitação dos profissionais (ALBUQUEQUE, P.C; STOTZ, E.N.2004, p.259-274). 49 Sendo assim, a comunicação entre profissional e usuário do serviço se torna fundamental nesse processo de educação popular. Para isso é importante a criação de vínculo, pois sem ele a comunicação que possibilita a informação para a saúde não se torna efetiva. Para isso o profissional precisa estar conscientizado dessa nova abordagem e a necessidade de um processo de reeducação, pois em toda trajetória de sua formação esses aspectos não foram priorizados e nem estimulados. O espaço físico é importante para essa educação popular, falta escovódramo, falta pessoas para isso. 54 Eu criei esse espaço para educação popular. Se deixar a demanda tomar conta e a gente não faz. Eu estabeleço metas para cumprir tanto na parte de tratamentos (curativa) quanto na parte preventiva. Acredito no PSF, é o caminho. Mas, depende mais do próprio profissional do que do programa em si. 55 É interessante que essa reeducação venha também das universidades onde esses profissionais são formados. Para ser mais otimista essa proposta teria que ser incentivada em todo o processo educacional e não só na graduação. Para isso são necessárias políticas públicas de saúde e de educação realmente compromissada para que se estabeleça relação saudável entre governo, profissionais e usuários. As medidas para intervir nos padrões culturais, como alterar hábitos alimentares ou de higiene já bastante arraigados, requerem profissionais qualificados e uma abordagem multidisciplinar. Abrem-se perspectivas de uma atuação e equipes multidisciplinares (STARLING, et al, 2007, p.186). Nesse contexto, pode-se dizer que seria mais interessante uma abordagem transdisciplinar que transcende a multidisciplinar e atravessa as questões dicotômicas que dificultam essa nova abordagem da saúde e da educação e, portanto da saúde bucal. Importante ressaltar que outras áreas do conhecimento têm muito a contribuir para uma melhora das condições de saúde bucal do brasileiro. A estruturação dos serviços de públicos de Odontologia com visão transdisciplinar é de suma importância para a valorização da saúde bucal, pois mostra o compromisso com a 54 55 Sujeito 4. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. Sujeito 3. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 50 coletividade. A educação popular é um passo importante para que a sociedade possa se conscientizar de seus direitos e cobrar políticas que possam redirecionar o conceito de saúdedoença na Odontologia, pois, durante muitos anos no Brasil, os serviços de saúde bucal estiveram separados do processo de organização dos demais serviços de saúde. É nesse contexto que a Portaria Ministerial 1.444, de 28/12/2000 aprova a inclusão da saúde bucal no Programa de Saúde da Família “ampliando o acesso da população brasileira às ações de promoção e recuperação da saúde bucal bem como de prevenção de doenças e agravos a ela relacionados” comprovando o momento importante para a Odontologia brasileira. Novos espaços sociais tornam-se cenários de prática para atuação das equipes profissionais, como o domicílio, a creche, a escola, o meio ambiente, ou seja, nos locais onde vivem e trabalham as pessoas. Desenvolve-se a proposição de trabalhos com equipes multiprofissionais na busca de atender e cuidar dos indivíduos em sua integralidade (STARLING, et al, 2007, p.195). A Odontologia que até aquele momento se desenvolvia com base no tratamento curativo, individual e sem qualquer criação de vínculo com o usuário, tem a partir daí a oportunidade de transcorrer por outros caminhos, priorizando ações de promoção de saúde, prevenção de doenças para todos indivíduos, adultos e crianças, sadios ou doentes, de forma integral e contínua o que é muito importante. As transições demográficas e epidemiológicas ocorridas nas últimas décadas, com o aumento da expectativa de vida da população revelaram que os problemas de saúde bucal não regrediram nas faixas etárias mais avançadas, persistindo um contingente significativo de brasileiros que continuam perdendo seus dentes pela cárie dental, pela doença periodontal e outras doenças bucais (SOUZA et al, 2004, p.11). Portanto, mesmo com as mudanças ocorridas nas políticas públicas, essas não conseguiram melhorias efetivas nos indicadores populacionais das doenças bucais. Isso assinala que o serviço oferecido à sociedade, por mais benefícios que trouxeram à população, não foram suficientes para uma melhora significativa das condições de saúde bucal da coletividade, portanto apresentando falhas. Essas podem se dar por vários fatores que precisam ser estudados e analisados para que ocorra a ampliação dos serviços com resultados efetivos. 51 Aprendemos na faculdade que só estaríamos aptos a melhorar os níveis de saúde bucal das pessoas quando nos tornássemos capazes de fazer boas restaurações e refinadas próteses (...), portanto através de estudos epidemiológicos disponíveis e da penosa experiência profissional de muitas gerações, hoje podemos afirmar que esta forma de atenção odontológica baseada exclusivamente em procedimentos operatórios não se mostrou capaz de controlar as doenças bucais e nem mesmo de evitar que muitas pessoas assim tratadas perdessem todos ou quase todos os dentes na meia-idade (WEYNE, 1997, p.14-15). A forma com que o serviço odontológico está se estruturando no PSF não prepara os dentistas para mudanças em suas práticas de atendimento, e assim a Odontologia continua atuando de maneira individual, curativa, com pouca abrangência e sem preocupação real com a saúde da coletividade. A Odontologia que deveria ser integral, trabalhando com a promoção, prevenção, tratamento e reabilitação de toda a população, destina-se somente a procedimentos de atenção básica restrita às restaurações e extrações simples em faixas etárias prédeterminadas. Que esta ênfase na “atenção básica” contribui objetivamente para desobrigar o Estado de arcar com as necessidades assistenciais em todos os níveis, empurrando a classe média ainda mais para os planos de saúde (que não param de crescer) e garantindo aos demais cidadãos apenas uma “cesta básica” de saúde, nos termos propostos claramente pelo FMI e pelo Banco Mundial, com o apoio da Organização Pan-Americana da saúde (NARVAI, 2001, p.01). Percebe-se, então, que existe uma deficiente política nacional de promover saúde bucal no país. O Estado não assume suas obrigações, seja pelo comprometimento com os interesses privados, seja pela falta de recursos. Os modelos de assistência devem sempre estar acompanhados de políticas públicas de saúde bucal que buscam seriamente uma melhor condição de saúde para o povo. Pois, sem recursos e incentivos fica comprometida a efetividade dos trabalhos. Assim o estudo do processo saúde-doença e da influência cultural na Odontologia, ao longo dos tempos, é importante, pois esses influenciam nos modelos assistenciais propostos à coletividade. Assim, é relevante inserir a história da Odontologia nesse contexto para entendê-la na contemporaneidade. 52 3- INFLUÊNCIA DO FATOR CULTURAL E DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA PARA A ODONTOLOGIA. Em seu desenvolvimento ao longo da história, a Medicina vem tentando explicar e entender as doenças e suas causas. Assim, como a Odontologia foi durante muito tempo uma atividade indiferenciada dentro das práticas médicas ela também se insere nesse processo de construção dos mecanismos saúde-doença ao longo do tempo, porém no órgão em que exerce domínio: a boca. Importante ressaltar que a representação social de saúde ou doença está intimamente ligada aos períodos históricos e que o modelo de assistência à saúde de cada época é sustentado por essa representação. Assim, transformações que ocorrem nas sociedades e vivenciadas pelos indivíduos em determinados períodos refletem nas características de saúde ou doenças das mesmas e nos tratamentos destinados a elas. “O homem é um ser que, ao mesmo tempo, cria cultura e simboliza suas vivências, sendo capaz de expressá-las. A expressão dessas vivências é que constitui a representação social que possui elementos conscientes e inconscientes” (MINAYO, 1997, p.1). Podem-se identificar pelo menos cinco fases distintas no que diz respeito às explicações para as causas das doenças (BARATA, 1985) 56 . A primeira, normalmente identificada por um caráter místico ou religioso, com uma concepção sobrenatural, postulava a doença enquanto um processo externo ao corpo. A doença era entendida como uma punição, uma maldição dos espíritos por alguma transgressão e, portanto, o ser humano pouco ou nada podia fazer contra esse mal. 56 BARATA, R.C.B. A historicidade do conceito de causa. Textos de apoio: Epidemiologia I. Rio de Janeiro: ENSP/ABRASCO, 1985. Apud (Freitas, 2001, p.9). 53 O conhecimento médico e conseqüentemente a prática da Odontologia estava impregnado de experiências e crenças mágicas e era marcado pelo fervor religioso. Mesmo que as práticas fossem atestadas empiricamente, essas não podiam ser explicadas pela razão, mas, sim, aceitas pela fé, pois eram ocultas ao entendimento humano. O osso do sapo “tira a dor dos dentes”. Diligentemente, o cirurgião instruía o leitor sobre como tirar o osso da coxa do sapo: “matem o sapo e, espetado em um pau, o ponham no ar a secar, até que toda a carne se consuma e se lhe tire o osso, e, tirado, se guarde para a ocasião”. Por fim, acrescentava que era “certo tirar este osso à dor do dente que doer”. A forma de erradicar a dor era “tocando-o [o dente] ou esfregando-o com ele [o osso do sapo]” (FERREIRA, Erário Mineral, p. 323. v.1) apud (STARLING, et al, 2007, p.102). Na segunda fase, acontece um avanço nítido na concepção causal das doenças, pois essas passaram a se localizar dentro dos corpos. Assim, as doenças não tinham ligações com os espíritos, mas com o desequilíbrio de humores (fluidos) que percorriam o corpo. Portanto, as doenças passam a ter um caráter mais natural ao invés de sobrenatural. Essa concepção natural da doença conhecida por “Teoria dos miasmas” marca uma idéia de doença enquanto desequilíbrio do corpo por agressão de agentes externos, provenientes da natureza; mais do que isso, do meio ambiente e seus elementos. “Apesar da formulação de uma teoria dos miasmas ser geralmente atribuída a Giovanni Maria Lancisi, nos séculos XVII e XVIII, com o seu estudo sobre a malária como um conjunto de febres dos pântanos, os maus ares já eram temidos há muito” (SEVALHO, 1993, p.16). Essa concepção teve seu início na Grécia antiga, tendo seu apogeu na figura de Hipócrates 57 , com o seu tratado Dos ares, das águas e dos lugares onde o meio ambiente é reconhecido como um fator patógeno (FREITAS, 2001, p.9-10). Após o período marcado pelas civilizações grega e romana, a Medicina passa por um período de “regressão”. Devido ao domínio da Igreja Católica sobre a sociedade e ao 57 Hipócrates é considerado uma das figuras mais importantes da história da saúde o “pai da medicina”. Para o estudioso grego, muitas epidemias relacionavam-se com fatores climáticos, raciais, dietéticos e do meio onde as pessoas viviam. 54 interesse desta em manter o conhecimento adstrito a seus dogmas, a representação de saúdedoença retomou um caráter fundamente religioso, pois era de interesse da Igreja que a doença fosse vista como punição, castigo divino para assim manter um controle social através da salvação da alma. Assim, as concepções hipocráticas ficaram distanciadas e desaceleradas da prática, de uma maneira geral, nesse período. Os dois paradigmas ficaram bem distanciados, pois era mais conveniente para os interesses políticos e econômicos da época que as doenças continuassem ligadas a causas divinas, deixando assim suas verdadeiras causas ocultas. Com a diminuição do poder da Igreja, os conceitos relativos à saúde e as doenças sofrem diversas influências, isso se deve à burguesia não aceitar os dogmas da Igreja, e começar a questioná-los para explicar o mercantilismo e o poder estabelecido pelo dinheiro. Nessa fase, conhecida como Renascimento, o homem se encontra no meio de mercadorias e novas idéias que propiciaram a proliferação de novas descobertas e questionamentos de paradigmas os quais também se faziam presentes na área da saúde. Com todas essas mudanças no comportamento da humanidade, as práticas médicas são influenciadas pelo pensamento cartesiano que compara o corpo humano a uma máquina, e assim ele também poderia ser dividido em partes. Isto influenciou nas divisões das especialidades médicas, que resultou no chamado modelo biomédico, que constituiu o alicerce conceitual da moderna medicina científica. Os desenvolvimentos proporcionados pelas idéias do Iluminismo refletem nos avanços tecnológicos. E um desses foi a criação do microscópio que proporcionou a descoberta de seres nunca vistos e a constatação de que os mesmos eram causadores de algumas doenças. Desenvolve-se então a terceira fase no processo saúde-doença, a “era bacteriológica” momento de surgimento da teoria unicausal, onde cada doença possui um único agente. Devido a essa nova concepção o foco da ciência volta-se para o mundo 55 microscópico e reduz conseqüentemente o foco de visão do médico, que, ao invés de analisar o corpo humano como um todo, concentra-se mais ainda em suas partes (FREITAS, 2001, p.13-14). A ineficiência do modelo unicausal devido a sua incapacidade de responder a muitos fenômenos de morbidade e mortalidade populacional fez com que os olhares se voltassem para o ambiente que cercava os corpos. A partir da segunda metade do século XX, inicia-se uma crise cartesiano-positivista e os próprios profissionais de saúde identificam a necessidade de mudança desse modelo. As descobertas laboratoriais, as vacinas e remédios produzidos não foram capazes de eliminar sozinhas as enfermidades infecto-contagiosas, nem de produzir resultados regulares o suficiente para que este modelo unicausal se sustentasse por muito tempo (FREITAS, 2001, p.15). A dificuldade em se explicar a causa de uma doença por um único fator e a observação de que o homem vive em um meio que pode influenciá-lo, transforma o conceito da unicausalidade para a multicausalidade que representa a quarta fase no processo saúdedoença. Assim, a multicausalidade aparece como um novo conceito, quando a doença passa a se desenvolver no corpo, mas com a interferência de agentes causadores externos, e que não dependem apenas de si mesmos ou da resistência deste corpo a seus ataques, mas de outras condições do meio ambiente. Como se tratam de mudanças de paradigmas é importante ressaltar que esses modelos enfrentaram inúmeras dificuldades. No caso da multicausalidade não foi diferente, e o primeiro modelo tentado foi o da “balança de Gordon” que teve como maior mérito a colocação de seus elementos básicos, um protótipo da tríade ecológica que dominou todo o desenvolvimento da multicausalidade: o agente, o hospedeiro e o meio ambiente (FREITAS, 2001, p. 15). 56 Na década de 60 foram formuladas duas importantes linhas de pensamento acerca da multicausalidade. Numa vertente, Mac Mahon & Pugh (1970) e sua “rede de causalidade”, modelo explicativo que admitia a existência de relações e interações entre os diversos fatores envolvidos, mas mantendo uma postura positivista, ao afirmar que esta causalidade teria uma complexidade talvez inimaginável. Na outra vertente, Leavell & Clarck (1976), e sua “história natural da doença”, modelo mais complexo de explicação, fortemente baseado na tríade ecológica homem-hospedeiro-meio, num sistema fechado, onde os aspectos históricos e temporais são desprezados em que um ecossistema não apresenta variações que não sejam as naturais, como sexo, idade e raça. Essa concepção dificultava o entendimento do porquê dos grupos populacionais que viviam em uma mesma região, possuidores das mesmas características naturais – de sexo, idade e raça – apresentavam níveis de saúde bastante diferentes. A multicausalidade se apresentava mais próxima de uma unicausalidade que aceitava a influência de outros fatores, do que de uma multicausalidade de fato (FREITAS, 2001, p. 17-18). Na Odontologia, o papel dos microorganismos na etiologia da cárie está historicamente estabelecido. A cárie é uma doença causada por ácidos produzidos pelos microorganismos presentes na boca, conforme declara Miller em 1890 (Idem, p.56). Embora reconhecido esse autor não foi capaz de alterar a história natural da doença e nem de influenciar a clínica odontológica que continuou estruturada como prática artesanal. A fragmentação do conhecimento científico na área odontológica causou grandes hiatos cronológicos no desenvolvimento conceitual da etiologia da cárie: somando a teoria formulada em 1890, com a descoberta da associação dos dois microorganismos como agentes etiológicos em meados da década de 20, apenas em 1954, com o trabalho de Orland foi 57 estabelecido definitivamente o caráter infeccioso da doença. Sua transmissibilidade foi definida cinco anos após, por Keyes 58 (FREITAS, 2001, p. 57). Um dos conceitos que mudou, ao longo desse período, é a própria noção de cárie. Mais do que uma destruição do elemento dental, a cárie passou a ser entendida e tratada como doença sob a ótica da multicausalidade, sem que se ignore o peso dos fatores sociais, políticos e econômicos como determinantes do processo saúdedoença. A noção de saúde bucal ampliou-se e passou a incorporar o contexto social dos indivíduos (STARLING et al, 2007, p.163). Após essa quarta-fase, começa-se a ser formulado um novo paradigma no processo saúde-doença. Surge a quinta fase para a explicação de causalidade nos processos saúdedoença: a determinação social, quando o homem se afasta da história natural para discernir o que ocorre no seu próprio processo de adoecer ou manter-se sadio, modelo gerado principalmente em países onde as desigualdades sociais eram mais acentuadas. Justamente por nestas sociedades a “determinação social” tornar-se a maior produtora de doenças e o acesso da maioria da população aos serviços de saúde ser nulo, ou quase nulo, e as oportunidades sociais serem muito pequenas. Os graves problemas sociais do início do capitalismo industrial eram fatores que até então não eram considerados, e passam a serem analisados como fatores importantes para o processo saúde-doença. Pois era de suma importância que as pessoas estivessem sadias, não visando o bem estar, mas sim sadias o suficiente para trabalharem e produzirem cada vez mais. A superação das limitações do modelo ecológico e a busca de formas de apreensão do papel da estrutura de produção social na causa de doenças, em que “doença e estrutura social não devem ser vistas como elementos ou dois fenômenos distintos, mas como parte de 58 Este último trabalho foi também o fundador do modelo multifatorial para explicação da cárie, e daí em diante, pesquisas extensivas foram efetuadas, com muitas contribuições adicionais, mas sem nenhuma grande alteração em suas bases teóricas. 58 uma mesma totalidade que é histórica e socialmente condicionada” (MARSIGLIA et al, 1995). 59 Os conceitos vão se aprimorando na tentativa de entender cada vez mais o que realmente é condicionante para a saúde ou a doença das populações. Assim, considerar que a proliferação das doenças sofre influências de elementos sociais, econômicos e culturais e que receber menores proporções de bens materiais e de serviços médicos tornam ainda mais vulneráveis alguns estratos populacionais, que outros, é de relevância na contemporaneidade. Pois é assinalada a necessidade de se avançar de uma posição crítica sócio-econômica à explicação biológica da doença visando à construção de uma interpretação distinta do processo saúde-doença que, tendo como eixo seu caráter social, pode impulsionar a geração de um novo conhecimento a seu respeito (LAURELL, 1983, p.158). Nessa sociedade capitalista e desigual a construção do processo saúde-doença é influenciada pelas contradições econômicas, políticas, sociais e ideológicas e o modelo assistencial deve considerar esses aspectos, pois as doenças e aqui especificamente as que acometem a boca não possuem causas estritamente biológicas e de caráter individual, elas acontecem devido a um conjunto de fatores que também se relacionam com as condições de vida de uma maneira geral e, portanto, devem ser analisadas num contexto econômico, psicosocial e cultural. Não há, ainda, um modelo de determinação social para a cárie dentária, nem um modelo de determinação biológica eficaz, mas pode-se dizer que o perfil atual da doença no mundo mostra que a cárie deixou de ser uma doença açúcar-dependente ou mutans-dependente, como se entende hoje, para ser uma doença socialdependente (FREITAS, 2001, p.112). A questão que necessita de um olhar diferenciado é que a saúde do indivíduo e/ou da coletividade é fator importante para atender à demanda produtiva do sistema capitalista. E com a boca acontece uma diferença, pois os indivíduos mesmo sem os dentes conseguem 59 MARSIGLIA, T.M.; BARATA, R.C.B.; SPINELLI, S.P. Determinação social do processo epidêmico. Textos de apoio: Epidemiologia I, Rio de Janeiro: ENSP/ABRASCO, 1995. Apud (Freitas, 2001, p.50). 59 produzir e satisfazer os interesses do capitalismo e ainda o favorece, pois a boca mutilada, envergonhada, desprovida de autonomia pela dificuldade com a fala, torna-se uma aliada nesse processo. A boca é a forma do ser humano de expor seus sentimentos. É também uma forma de reivindicação. 60 As pessoas têm vergonha de não ter dentes, pois não se separa a boca do resto do corpo. Mas, como os políticos precisam da pobreza para se eleger e os desdentados estão ligados às exclusões sociais acho difícil ocorrer mudança nesse aspecto. 61 Por isso, a necessidade de repensar o modo de trabalhar a Odontologia. Entender o processo saúde-doença, saber de suas complexidades e desafios é fundamental para a busca de melhorias para a sociedade. Basta usar o senso crítico para identificar, em consonância com Conti 62 , que a análise histórica do conceito saúde-doença mostra como as necessidades das classes dominantes se expressam como se fossem as necessidades da sociedade em sua totalidade. É a intenção de uma sociedade capitalista que a doença esteja centrada na biologia individual, fato que lhe retira o caráter social. Se as doenças que acometem a boca estão relacionadas com o estilo de vida das sociedades, onde os fatores culturais também são relevantes, mostra-se que somente a prática tecnicista e curativa não é suficiente para minimizar significativamente as doenças bucais. Portanto, existem outros fatores que merecem ser questionados e levados em consideração para reflexão, para que a sociedade possa ter mais consciência e sustentar modelos assistenciais que valorizem a saúde bucal. 60 Sujeito 3. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. Sujeito 11. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 62 L.Conti, “Estructura social y medicina”, In: Medicina y sociedad, Barcelona, Fontanella, 1972, pp. 287-310. Apud (Laurell, 1983, p.148). 61 60 4- A ODONTOLOGIA EM DIVINÓPOLIS: INSERÇÃO DA SAÚDE BUCAL NO PSF. Divinópolis é uma cidade que se localiza a 121 Km de Belo Horizonte (capital do Estado de Minas Gerais), município pólo e de referência em saúde na região centro-oeste de Minas Gerais, caracteriza-se pela indústria confeccionista e de metalurgia/siderurgia. Possui área de 709 Km² e uma população aproximada de 209.921 habitantes segundo dados do IBGE (2007). Antes de nos atermos sobre a relação entre a Odontologia e o setor público em Divinópolis, resgatamos algumas contribuições sobre a história da saúde coletiva no Brasil. A assistência à saúde no período do Império era realizada basicamente em três práticas: hospitalização, vacinação e ações sobre epidemias, e nas cidades do Rio de Janeiro e de Santos já desenvolviam uma política com características sanitaristas 63 (MIRANDA, 1982). Assim, a atenção à saúde no regime monárquico era de domínio privado, familiar, local ou de uma incipiente organização rural baseada em funções filantrópicas e/ou fiscalizadoras, denominada Comissão de Homens Bons. Nesse período, eram comuns doenças com alto índice de manifestação e mortalidade, como tuberculose, malária, varíola e febre amarela (IYDA, 1997). As doenças relacionadas com a boca também se manifestavam e até o final do século XVIII, os cuidados com a boca ainda não se restringiam a um campo de saber próprio. Os tratamentos dentários eram feitos pelos cirurgiões, por barbeiros, ou simplesmente por alguns práticos sem qualquer tipo de formação. Todavia essa ausência de uma categoria profissional exclusiva para o tratamento dos dentes não pode ser tomada como indício da falta de um saber específico, ou do desinteresse pelo bem-estar da dentição e pela sua aparência (STARLING et al, 2007, p.23). 63 Entende-se como modelo sanitarista um conjunto de teorias e políticas sistemáticas que se aplicam à saúde e bem estar da população, considerando-se o meio ambiente sob a coordenação do poder público (MIRANDA, 1982). 61 A regulamentação da profissão odontológica pode ser datada em 1856, a partir de decreto que exigia um exame sumário para os que se dedicassem à prática. Mas o fato de existir regulamentos para o exercício da profissão não pode ser considerado como se estes fossem cumpridos e respeitados. Essa regulamentação culmina com a criação do primeiro curso de Odontologia no Brasil, mesmo sendo nos moldes do curso de cirurgia e como anexo ao curso de Medicina. A crise política-econômica dos anos 30 inaugurou uma nova fase na sociedade brasileira que se caracterizará pela centralização do poder. Deste modo, o governo federal ampliou sua área de atuação e controle, inclusive no campo da saúde. Nessa época ocorre alteração significativa nos cursos de Odontologia, como o aumento de carga horária, por exemplo. Apesar dessa nova forma de controle do governo no âmbito da saúde, as questões sanitárias somente eram priorizadas em momentos específicos, ou seja, não existia nenhum planejamento a esse respeito. A partir de 1930 que se iniciou, de fato, a constituição das políticas sociais. Um dos fatos significativos foi a criação, neste mesmo ano, do Ministério da Educação e Saúde (NUNES, 2005). Nos anos 60 e 70, especialmente de 1964 até 1974, o campo da saúde coletiva é caracterizado por um Estado centralizador e burocrático, com regime fortemente autoritário (NUNES, 2005, p.6). Durante o século XX, o sistema de saúde brasileiro transitou do sanitarismo campanhista para o modelo médico assistencial privativista, até a chegada nos anos 80 do projeto neoliberal (MENDES, 1991). Antes dos anos 80, todos os profissionais formados em Odontologia eram clínicos gerais e nessa época é que se observou a necessidade de complementar a formação do cirurgião-dentista, surgindo a demanda irreversível pelas especializações nas diversas áreas do conhecimento (STARLING et al, 2007, p.177). Dessa 62 forma, a Odontologia perpassa os períodos da história no Brasil e vem se inserindo no setor público de acordo com os modelos assistenciais sustentados pela sociedade em cada momento, tendo suas particularidades em cada município. No caso específico de Divinópolis, “Até julho de 1980 a prefeitura Municipal disponibilizava atendimento odontológico à população através de um convênio com a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais. Este trabalho era executado por alguns profissionais contratados para atender a livre demanda da população. Nesta época o prefeito municipal, Fábio Botelho Notini, cancelou o convênio com a Secretaria Estadual de Saúde (SES) e solicitou ao diretor do DEMUSA (Departamento Municipal de Saúde) a compra de equipamentos, instrumentais e materiais odontológicos, além da contratação de um profissional para iniciar o atendimento a população. No dia 1° de julho de 1980 foi contratado o primeiro profissional, que iniciou o atendimento no Centro de SaúdeCSU. As normas e diretrizes definidas pelo Estado consistiam no atendimento a livre demanda com procedimentos restauradores, cirúrgicos e de prevenção de doenças bucais. Com a organização do Serviço Municipal de Saúde (discussão da Municipalização, Reforma Sanitária, AIS, SUDS, etc.) mais centros de saúde foram criados e mais profissionais contratados, ampliando o atendimento dentro da mesma filosofia de livre demanda. Em 1983, com o redirecionamento das ações da saúde e a posse de novo governo trabalhando em conjunto com a SES, o atendimento prestado até então teve modificações: os profissionais da Odontologia passaram a atender dentro das escolas da rede pública trabalhando com a metodologia do Sistema Incremental e Simplificação Odontológica, em consultórios móveis. Neste mesmo ano, em abril, foi realizado um concurso para profissionais da saúde, coordenado pela SES e Escola de Saúde de Minas Gerais, que substituiu mais de 90% dos profissionais de nível superior da Odontologia em Divinópolis. Os profissionais recém-contratados receberam capacitação da SES/ESMIG para trabalhar com a nova metodologia e a coordenação era feita pelo Centro Regional de Saúde. Em meados de 1985, o DEMUSA já contava com um profissional municipal na coordenação do serviço odontológico, que atuava segundo diretrizes da SES. Esse processo durou até início de 1988, quando começou o questionamento da metodologia para a proposição de uma forma de trabalho mais eficaz. Por motivos políticos, o processo de discussão não caminhou e o atendimento continuou nos mesmos moldes, apenas com o acréscimo de mais profissionais aos Centros de Saúde até o final daquele ano. Com a eleição de um novo governo, no período de 1989 a 1992, o atendimento odontológico ficou estagnado, não ocorrendo quaisquer discussões ou propostas de mudança nesse período. Em 1993, foi reativada (com participação da população através do Conselho Municipal de Saúde e nas Conferências Municipais de Saúde) a discussão sobre os rumos da saúde no município e, conseqüentemente, da atenção odontológica. Foi proposta a reorganização da atenção à saúde bucal (Projeto “Divinópolis de Sorriso Novo”), inicialmente com a volta dos profissionais que atuavam em escolas para as Unidades Básicas de Saúde, com o propósito de ampliar o atendimento e integrar a Odontologia com as outras ações desenvolvidas nestas unidades. Ampliou-se inicialmente a faixa etária para até 18 anos, e o atendimento às gestantes. O atendimento a quem estava fora destes critérios se resumia em alívio da dor e extrações necessárias. Também dentro da proposta do Ministério da Saúde de realização de escovação supervisionada nas escolas, com entrega de pastas e escovas, foram montadas duplas de ACD (Atendentes de Consultórios Dentários) capacitadas para percorrerem as escolas do município realizando este serviço, sob supervisão de um cirurgião-dentista. 63 Ainda durante esta gestão foi realizado o primeiro levantamento epidemiológico no município, em 1995, quando o CPOD ficou em 3,3, aos 12 anos, e 3,11, aos 6 anos. Em 1996 ocorreu a implantação do programa Odonto-família, cuja proposta era atender o recém-nascido e sua família”. 64 Esse programa é relevante, pois o nível de saúde bucal da mãe tem relação com a saúde bucal da criança. Os pais, particularmente a mãe, determinam o comportamento e os hábitos que as crianças adotarão. Através da orientação e conscientização dos pais sobre a saúde bucal é possível estender os benefícios da prevenção aos filhos, e assim tem-se a possibilidade de influenciar positivamente para a melhoria da saúde oral do grupo familiar. Tratamento curativo e aqui no caso como é zona rural é um pouco diferente, porque a gente atende a população adulta não só os de odonto-família. Crianças e adultos de todas as idades, porque eu não consigo ver lógica em atender só a criança, eu não faço isso porque a experiência que eu tenho, é que vou remar contra a maré porque toda reunião que a gente tem eles acham que não estamos conseguindo nem com as crianças como é que nós vamos abrir para adulto. Quando começou Divinópolis sorriso novo a estratégia seria equilibrar as crianças até 14 e depois até 18 anos e vamos aumentando aos poucos, a gente vai conseguir. Só que nunca foi conseguido isso, por várias coisas, a motivação deficiente, as pessoas não aprenderam a escovar dente direito, a gente protegeu muito as crianças de seis em seis meses ou até mesmo de três em três meses parecia até que a gente que era responsável pela boca da pessoa. Aí de repente ela faz 18 anos e você solta ela, e ela ainda não é responsável pela boca dela, pois você tirou a sustentação que ela tinha. Então eu acho que faltou alguma coisa nesse sentido. 65 Assim, a Odontologia foi sendo inserida nos centros de saúde e caminhando nessa filosofia até quando surgiu a oportunidade de inserção no PSF, visando uma ampliação da assistência odontológica para a coletividade. “(...) no ano de 2001, após a lei 1.444, de 28/12/2000 (...) antes desse período, nós já tínhamos em Divinópolis a Odontologia inserida na unidade básica de saúde e em todas as unidades básicas nós tínhamos um dentista. Mas com aquela Odontologia tradicional e claro fazendo os atendimentos da atenção básica e anterior a isso eu não tenho muita experiência porque eu não trabalhava com saúde pública. Eu formei naquela Odontologia hegemônica, elitista, fiz especialização e tinha uma clientela voltada para isso e que podia pagar, mas eu sempre fui apaixonada com serviço público. Então eu fiz o concurso público e em 1985 eu vim para a prefeitura e de lá pra cá eu venho trabalhando no serviço público e surgiu então essa estratégia do governo para tentar mudar a política de saúde bucal inserindo a Odontologia no PSF e foi aí que eu enquanto coordenadora montei um projeto com o apoio do secretário de saúde da época que foi apresentado a nível municipal, estadual e federal e aprovado e a partir daí começamos a correr atrás do prejuízo porque a gente não sabia nada, tudo era novidade para a gente, tudo era desafio, tudo era diferente, mas com muita vontade de acertar e nós queríamos isso. Nós queríamos que desse certo, nós achávamos que nós precisávamos fazer parte desse contexto, que nós 64 Relato escrito feito pela coordenadora da Odontologia no ano de 1992 a 1998, devido o município não possuir documentos oficiais sobre esse assunto. 65 Sujeito 7. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 64 precisávamos mostrar o nosso papel social nesse momento e era a oportunidade de mostrar isso porque a gente é profissional da saúde e não profissional da doença como a gente sempre trabalhou e precisava mudar esse perfil e esse paradigma de tantos anos. Então nós começamos com essas equipes e no início foi uma coisa muito feita às pressas e na vertical, na vertical e de cima para baixo porque não foi discutida com a categoria a inserção da Odontologia como também na Medicina não foi. Eu acho que nós passamos pelo mesmo processo da Medicina eles tiveram que correr atrás, não sabiam nada, muita mudança e queria se fazer alguma coisa, mas não sabia como e onde buscar, mas enfim. A análise positiva que eu faço disso é que nós estamos ganhando espaço e que isso é fantástico e que não tem volta mais que no início foi difícil tive muitas resistências, mas se não fosse por vontade própria e determinação nada teria acontecido e a Odontologia poderia não estar inserida no PSF de Divinópolis. A Odontologia continuaria sendo um apêndice da área de saúde e a gente queria mudar isso. Então por esse lado eu agradeço o ministro da saúde que lançou a lei de inserção da Odontologia no PSF, mas faço as minhas críticas levando em consideração a fase política do momento. E hoje esse mercado está aí e cada vez mais a população procura o serviço público, não sei se estou sendo muito otimista, mas cada vez mais aumenta os investimentos para a saúde pública e com isso as pessoas passam a ter um serviço público melhor. Mas tive muitas resistências para essa implantação e foi por determinação que eu fui atrás para saber como era essa implantação da Odontologia no PSF. Então eu fui a Belo Horizonte, telefonava para Brasília, eu ia à secretaria de Estado da Saúde e observava onde já estava inserido e todo mundo começando tudo errado, do jeito errado, mas começando. Então todo mundo começou fazendo do jeito que achava que era porque nós não tínhamos orientação absolutamente nenhuma de como seria isso. Não tínhamos um referencial, não tínhamos por onde começar. Começamos então a fazer reuniões para ver como seria e quando eu fiz o projeto e que levei no conselho municipal o primeiro momento é que não tinha dinheiro para investir na Odontologia e como eu não podia perder aquele momento da Odontologia crescer no serviço público eu propus remanejamento dos profissionais que eram concursados e de remanejamento de equipamentos. Nós tínhamos profissionais, tínhamos equipamentos e precisava deslocar porque estavam ociosos. O problema seria da remuneração porque deveria ter dedicação exclusiva de 40 horas semanais, então a minha proposta foi dobrar a carga horária desses profissionais e nós tínhamos profissionais que eram de seis horas então para não onerar a folha de pagamento nós fizemos alguns critérios e eu provei que não iría onerar a folha de pagamento, que não teríamos despesas adicionais para inserir a Odontologia, que nós teríamos profissionais que já eram da rede, profissionais de seis horas, profissionais que já tinham especialização em saúde pública, então nós fizemos alguns critérios porque nós éramos muitas e necessitava ser uma coisa impessoal. Dentre os critérios estavam tempo de serviço, especialização em saúde pública, ser um profissional de seis horas, ter perfil o que eu acho muito subjetivo, tanto que somente uma profissional aceitou o serviço. Então nós tivemos que escolher outros mudando alguns critérios os quais foram aprovados. Então o remanejamento de profissionais e a extensão de carga horária foi importante critério para a inserção da Odontologia visto que não onerou a folha de pagamento, foi infeliz no sentido da remuneração porque a proposta inicial do projeto prevê uma política salarial diferenciada porque os médicos e enfermeiros têm uma política diferenciada no PSF. Precisava disso, mas não tinha dinheiro ainda e foi cômodo para a secretaria de saúde resolver dessa forma. Na época todo município com mais de 6.900 habitantes, eu acho que era isso, teria que ser duas equipes de PSF para uma de saúde bucal e isso comprometeu e comprometem os resultados, as metas porque você perde um pouco o vínculo com a população, às metas ficam difíceis devido à demanda grande e cada unidade tem as suas especificidades, são totalmente diversas, cada comunidade tem, cada equipe tem suas especificidades. Mas era tudo um desafio e na época tínhamos dez PSF e dois PACS, então formamos cinco equipes de saúde bucal e para não sobrecarregar cada equipe, eu somei o número de habitantes e de população adscrita daquele determinado PSF e o profissional atendia duas comunidades geralmente zona rural e urbana para dar mais ou menos um número equilibrado para o profissional não ficar sobrecarregado, mas a gente sabia que ia chegar um momento que eles iam ver que 65 isso ia dar errado com esse comprometimento todo de metas, de vínculo, de transporte, de acesso da população e que ia ter que ser uma equipe de saúde bucal para cada PSF e, no entanto hoje é assim. Então é assim, nós precisávamos mesmo daquele momento”. 66 As Equipes de Saúde Bucal foram sendo montadas e ampliadas até o início do ano de 2008. Na data de realização deste estudo, Divinópolis contava com 12 equipes do Programa de Saúde da Família e 11 Equipes de Saúde Bucal. A Odontologia foi adicionada ao PSF tardiamente e isso causou transtornos, como a adaptação de alguns consultórios nos fundos das casas onde se localizam os PSF. Isso causa uma separação da equipe de saúde bucal do restante da equipe do Programa de Saúde da Família, fato que incomoda alguns dos profissionais e não está de acordo com o objetivo de visão mais integral proposta pelo PSF. “Dessa forma ficamos separados de tudo, mas está tudo bem”. 67 Esse depoimento nos mostra como nos acomodamos perante situações que são essenciais de serem mudadas para alcançarmos nossos objetivos e conseqüentemente melhorias para a coletividade. Os consultórios odontológicos possuem estrutura de aparelhagem adequada ao atendimento de procedimentos básicos e todos os 11 dentistas que estão atuando não foram concursados para esse cargo. No geral, ocorre que eles foram concursados para trabalhar 4 horas nos Centros de Saúde e, por convite da coordenação, ou interesse pessoal, foi-lhes oferecida extensão de carga horária. Esses profissionais não tiveram orientação específica para esse novo trabalho. Alguns fizeram um curso introdutório para PSF, outros especialização em saúde pública, mas as orientações foram de colegas de outros PSF, conforme declarou um dos entrevistados: “Aprendemos fazendo. Houve teoricamente uma política de implantação, mas as operacionalizações tiveram que ser na prática”. 68 Outro entrevistado declara que 66 Sujeito 11. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. Sujeito 4. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 68 Sujeito 2. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 67 66 “Preparatório mesmo é no dia-a dia, uma coisa é teoria, mas na prática a gente tem que ter muita boa vontade”. 69 Na prática de atendimento no PSF, salvo por algumas modificações e mesmo os profissionais relatando mais liberdade de ação, continua-se a fazer o que se fazia no Centro de Saúde, salvo por alguns profissionais que com muita força de vontade conseguem realizar algumas atividades educativas. Eu tinha uma experiência larga com unidade básica com seu modelo tecnicista, enclausurado e o PSF me brilhou os olhos por essa oportunidade de fazer uma Odontologia que realmente cumpre um papel social. 70 No PSF consegui interagir mais com outros profissionais e na unidade básica ficava fechada no consultório, atendendo o tempo todo. Aqui participo de atividades com a equipe, a abordagem é diferente. A gente se sente responsável pela aquela família e buscamos um a transformação cuja base é a prevenção. É mais gratificante. 71 Sempre fiquei tampando buracos, só fazendo o curativo. Para mim foi uma perspectiva diferente, pois, a proposta era muito diferente. 72 A maioria dos entrevistados parou e pensou quando a pergunta se referia à importância da boca e sua representação no mundo. Mostra a dificuldade que até mesmo quem lida com a boca diariamente tem de falar sobre ela. A boca, na opinião da maioria dos entrevistados, tem maior importância estética ou para se relacionar com o outro. Sobre o termo bucalidade especificamente não sabiam o significado, mas expressaram palavras importantes nesse sentido. A boca é o primeiro sinal de vida, tudo entra e sai pela boca. O ar, as palavras, os alimentos, expressão de sentimentos e é também o meu meio de trabalho. 73 A boca para mim é tudo. A comunicação, a saúde, o que entra e o que sai. O cidadão tinha que resgatar o valor da boca. 74 Nenhum entrevistado desconsidera a importância do Programa de Saúde da Família e todos o vêem como realmente uma possibilidade de transformação, mas encontram 69 Sujeito 7. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. Sujeito 2. Divinópolis, 2008.Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 71 Sujeito 6. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 72 Sujeito 10. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte 73 Sujeito 10. Divinópolis, 2008. Entrevista Concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 74 Sujeito 11. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 70 67 dificuldades para efetuar tais mudanças e relatam problemas como: a demanda reprimida, aspectos cultural, falta de vontade política, dentre outros. A maioria então continua fazendo os mesmos procedimentos curativos da atenção básica e tem dificuldades de aliar a promoção de saúde com a parte curativa. O trabalho de promoção e educação em saúde, quando é feito, fica limitado às escolas e creches. Uma minoria consegue paralelamente ao trabalho curativo envolver a comunidade no processo cultural de mudança de valorização da saúde como um todo e especificamente da saúde bucal. Espero que o PSF possa ser colocado em prática assim como ele é no papel. Com menos burocracias, com profissionais com perfil para trabalhar no programa. 75 Espero mudança no modelo assistencial. Queria que a preocupação fosse mais com qualidade do que com números. É difícil quando se cobra número de procedimentos investir na qualidade do serviço. 76 Mesmo relatando as dificuldades encontradas, a maioria dos entrevistados fala da liberdade de ação encontrada no PSF como uma aliada, pois estavam cansados do enclausuramento dos Centros de Saúde. A proposta é considerada uma inovação, mas se percebe que os profissionais possuem inúmeras dificuldades para colocá-la na prática. As hipóteses mencionadas neste estudo, como a formação técnica, a qual todos os profissionais sem exceção mencionaram, a representação que fazem da boca, o fator cultural que desvaloriza sua importância, somados a herança dos modelos assistenciais com ênfase curativo-mutilador pelo qual foram formados potencializam essas dificuldades e conseqüentemente interferem nas transformações das práticas assistenciais. 75 76 Sujeito 10. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. Sujeito 8. Divinópolis, 2008. Entrevista concedida a Fabiane da Costa Ribeiro Duarte. 68 5- CONCLUSÃO. Para que ocorra mudança na valorização da saúde bucal pela sociedade, esta tem que mudar a representação social que se tem da boca e a Odontologia tem papel importante nesse contexto por ser a Ciência responsável diretamente por esse órgão. A inserção da Equipe de Saúde Bucal no Programa de Saúde da Família é considerada uma inovação quando comparada aos modelos assistenciais de saúde bucal que tivemos até hoje, pois, a partir do momento que se propõe uma assistência humanizada, integral e mais próxima da população, reforça a necessidade de compreender a saúde e conseqüentemente a saúde bucal como questões sociais. Neste contexto, os marcos teóricos propostos de representação social e bucalidade ganham relevância, pois entender as representações sociais que os sujeitos elaboram sobre a boca e inseri-las no conceito da bucalidade é de suma importância para iniciar as transformações de significados que estão arraigados na sociedade e que dificultam mudanças significativas de melhorias nos índices epidemiológicos dos problemas bucais. Mas para o Programa de Saúde da Família ser efetivo, o dentista terá que entender muito além de técnicas odontológicas, pois é necessário ter uma visão transdisciplinar para entender a importância desse programa e valorizá-lo. Para isso a Odontologia precisa mudar a prática de sua assistência com seus enfoques curativos, individualistas, elitistas e propor uma assistência que seja mais democrática. Para isso, a mudança na formação profissional dos dentistas é de extrema importância, ou seja, a conscientização pelas universidades da relevância de contextualizarem a boca na contemporaneidade, valorizando aspectos importantes que são negligenciados, que saibam da importância das técnicas, mas que lutem pelo acesso de todos a elas, onde os professores parem de seguir a lógica alienada do mercado tecnicista e passem a ensinar aos seus alunos a importância da boca na sua relação com o mundo, no intuito de contribuir para o 69 desenvolvimento de uma sociedade mais autônoma, consciente e capaz de criar e sustentar políticas públicas de saúde bucal que atendam a maioria e não a minoria que detém o poder. É importante ressaltar que procedimentos curativos, que hoje são prioridade na assistência, incluindo aqui os de caráter emergencial, são importantes, mas deficientes e não contribuem para uma transformação de significados sobre a valorização da boca. Pois, esses estão geralmente ligados a questão da dor e no momento em que o indivíduo se encontra debilitado, fragilizado, o que ele prioriza é a solução do seu problema imediato e nesse momento não é propício que o profissional tente abordar questões pertinentes à conscientização e valorização da saúde bucal, que são ações de médio e longo prazo. Portanto, a proposta do PSF, quando prioriza promoção de saúde e prevenção de doenças, é de criar uma assistência que vá além de tratamentos curativos, priorizando vínculo, atendimento integral, onde promoção, prevenção e tratamento andam juntos e com efetividade. Essa nova abordagem, mais do que nunca, deve se embasar na ética humanista; da relação dialética entre os princípios da beneficência e da não-maleficência nascem as principais questões da qualidade em saúde. Sem dúvida, isso implica a formação de profissionais capazes de uma atenção integral mais humanizada, capaz de trabalhar em equipe e compreender melhor a realidade em que vive a população. A atenção à saúde, a tomada de decisões, a comunicação, a liderança e a necessidade de uma educação permanente são competências e habilidades requeridas para o profissional nesse século (STARLING et al, 2007, p.195). Assim, concluo que os profissionais que foram entrevistados para este estudo e fazem parte do sistema de saúde pública de Divinópolis-MG, não foram contratados para trabalhar no PSF, vieram por critérios de seleção, paralelamente as vontades pessoais quando esse novo campo de trabalho foi criado. Foram graduados por universidades variadas e em seus cursos foram direcionados para trabalharem tecnicamente e na iniciativa privada. A inserção desses dentistas no PSF de Divinópolis veio a partir de um projeto da coordenadora da Odontologia da época, após portaria ministerial que aprovou a entrada da Equipe de Saúde Bucal no PSF, que teve que provar que essa inserção não traria despesas adicionais para a prefeitura. Portanto, os profissionais não tiveram incentivos diferenciados e nem uma orientação significativa por parte do município para essa nova proposta, geralmente trilharam 70 sozinhos os seus caminhos, aprendendo com a prática do dia a dia. Entretanto, por mais que tenham boa vontade para trabalhar no PSF, eles encontraram muitas dificuldades e assim acabaram fazendo praticamente os mesmos procedimentos que faziam nos Centros de Saúde, salvo por alguns que, por vontade própria, conseguiram fazer algum tipo de trabalho extramuros. Mas, o desenvolvimento dessa sensibilidade nos profissionais de saúde e sua aplicação na prática de assistência odontológica constituem um dos maiores desafios para a saúde pública na contemporaneidade, pois dentistas de uma maneira geral vêm de uma formação altamente técnica, a representação que fazem da boca não é de uma necessidade social, e essa imagem é potencializada pelos modelos assistenciais curativo-mutiladores que a Odontologia vem se estruturando ao longo dos tempos, devido estar submetida a interesses das elites econômicas e políticas. Cria-se um contra-senso, onde a reorientação das práticas odontológicas fica comprometida. “Chegamos ao auge da inversão: a boca que consome o mundo, agora deve ser consumida por uma área do saber (ou do mercado), materializada nas práticas profiláticas do dentista” (KOVALESKI, 2006, p.08). A Odontologia e conseqüentemente seus profissionais precisam ampliar seus horizontes extrapolando o domínio imposto pelos interesses capitalistas, conscientizando-se da importância de seu papel social. Isso repercutirá na prática dos novos dentistas e esses terão a possibilidade de refletir e criar, como lembra Canclini, novas modalidades de organização da cultura onde ocorra hibridação das tradições, das classes, etnias e nações (CANCLINI, 2006, p.283). Para isso é necessário criar uma relação de respeito entre as representações sociais de cada um, abandonando um “diálogo entre surdos”, onde só acontece a reprodução acrítica de certos valores instituídos e da técnica. Toda experiência de um indivíduo é transmitida aos demais, criando assim um interminável processo de acumulação, assim sendo, a comunicação é um processo cultural. Mais explicitamente, a linguagem humana é um produto da cultura, mas não existiria cultura se o homem não tivesse a possibilidade de desenvolver um sistema articulado de comunicação oral (LARAIA, 2003, p.52). 71 O PSF possibilita uma transformação cultural da qual a Odontologia está à espera, pois permite uma relação profissional-usuário humanizada, que possibilita a comunicação, fator importante para criação de vínculo e conseqüentemente propiciar a promoção de saúde através da prática da educação, aspecto fundamental para qualquer mudança. A educação em saúde pode mudar significados consolidados, pois os sujeitos informados têm a possibilidade de refletir e buscar o que é importante para sua vida e para a sua saúde e isso inclui melhores condições de saúde bucal, pois o homem precisa da boca para várias coisas, mas também para exercer seus direitos sociais e a conquistar sua cidadania. Que defende a necessidade de “indivíduos sociais”, seres autônomos capazes de agir sob a égide de preceitos morais de fraternidade e solidariedade. Não mais como “personificação maniqueísta” das duas classes em luta, condição na qual o indivíduo (e suas particularidades) se minimaliza e perde a condição de sujeito das suas ações e vontades: Em si o capital não é bom nem mau, mas indeterminado em relação aos valores humanos (MÉSZÁROS, 2002). Apud (KOVALESKI, 2006, p.06). Essa mudança permitirá que a Odontologia amplie seus compromissos éticos com a sociedade e com o social, permitindo que a maioria das pessoas possam viver de maneira mais saudável e feliz. E a conscientização do dentista e de sua importância nesse processo é o que este trabalho pretende incentivar. 72 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, P.C; STOTZ, E.N. A educação popular na atenção básica à saúde no município: em busca da integralidade. Interface-Comunic; Saúde, Educ; v.8, n.15, mar/ago. 2004. p. 259-274. 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Quando a gente entrou a equipe já estava estruturada então a prefeitura aceitou a idéia logicamente de inserir a equipe de saúde bucal e nós éramos cinco dentistas de seis horas e com a questão do vínculo de oito horas de dedicação exclusiva esses cinco profissionais foram acionados primeiro para que talvez nós fôssemos às pessoas que entraríamos para trabalhar oito horas. E isso a revelia de concurso, pois não tinha concurso na época. A gente foi convidada para participar do projeto. Das cinco pessoas como houve o esclarecimento de que só haveria uma extensão de carga horária, mas nada em relação a salário dessas pessoas, somente eu que interessei porque realmente não tinha nada a oferecer além do filosófico. Então eu tentei, foi assim, houve o oferecimento e eu aceitei. Como era só uma pessoa e na época precisava de mais profissionais alguns critérios foram definidos e outros profissionais foram acionados, alguns aceitaram outros não, então foi assim. E a partir daí o projeto foi feito e eu lembro que acompanhei muito a coordenadora da Odontologia da época em Belo Horizonte e foi muito engraçado porque a Odontologia foi inserida, mas ninguém sabia como fazer. Nós íamos a Belo Horizonte para nos respaldarmos como implantar, mas ninguém sabia nada, então a gente voltava pior do que foi. Eu me lembro que a gente anotava nossas dúvidas em um caderno, que eram muitas e a gente voltava 77 com elas e mais outras e ninguém esclarecia nada. Então foi um processo penoso e acabou que nós aprendemos fazendo, acertando errando. Aprendemos na prática, ou seja, via ministério ou via estado não houve uma capacitação para nós que aderimos ao projeto na época. Sujeito 3 – Eu fui concursada para quatro horas e convidada para trabalhar oito horas no PSF. Sujeito 4 - Não sei se você sabe, mas o dentista foi incluído por último no PSF, nossa coordenadora na época estava bastante interessada nesse programa do PSF. Não teve concurso, porque qualquer prefeitura podia querer ou não e eu entrei pelo convite. Concursada para trabalhar na unidade básica e foi convidada para trabalhar no PSF. Sujeito 5- Há mais ou menos três anos e meio surgiu uma vaga e a coordenadora me convidou e aceitei porque eu estava precisando trabalhar mais tempo porque eu estava trabalhando só quatro horas então passei a fazer oito então foi assim a minha entrada no PSF. Sujeito 6 – Eu comecei em novembro de 2005 e a casa era em outro lugar e não tinha espaço físico para o consultório, quando a gente começou. Aí nós começamos fazendo o cadastramento das pessoas e fazendo levantamento de necessidades que resultou nesse quadro que você pode ver aí na parede e depois de um ano é que foi montado o consultório e aí veio a unidade toda para esse novo espaço, mas o PSF já existia a quatro anos. Eu fui concursada para quatro horas, mas quando começaram os PSF não existia esse cargo na prefeitura. Então todos os dentistas que trabalham no PSF trabalham com extensão de carga horária então começaram com os que faziam seis horas, e outros foram por critérios ou interesse que foi o meu caso. 78 Sujeito 7 – Na época, por volta de 2000, eu trabalhava no posto de saúde do São José aí eu me ofereci para trabalhar como dentista de PSF, porque na época eu precisava de um dinheiro mais fixo que ia me ajudar. De lá pra cá muita coisa mudou. Sujeito 8 – Fui concursado para trabalhar na unidade básica por 4 horas e convidado para trabalhar no PSF quando se incluiu a Odontologia no PSF. Foi uma inserção rápida, a gente não teve muito que trilhar. Sujeito 9 – Eu já trabalho há bastante tempo na rede básica de saúde e como eu dispunha de um horário a mais eu me ofereci para trabalhar mais quatro horas. Eu fui concursada para quatro horas e peguei extensão de carga horária para trabalhar no PSF. Sujeito 10 – Nossa inserção foi um pouco diferente porque abriram seis vagas em seis unidades de PSF que iriam aceitar dentistas então foi oferecido aos dentistas que tivessem currículo, especialização em saúde pública e que se interessassem para ser dentistas de PSF. E nós fomos selecionados, seis dentistas e entramos pegando dois PSF cada um, a gente atendia uns dias da semana em um e uns dias da semana em outro. Sujeito 11 – Na verdade a minha inserção foi posterior aos colegas porque na época da inserção do PSF, no ano de 2001 após a lei 1444 de 28/12/2000, pelo ministro da saúde que na época era um pré-candidato à presidência da república. Eu vejo isso de uma forma positiva mesmo fazendo uma leitura de que existiam interesses políticos por trás dessa lei, porque isso abriu mercado de trabalho para nós. Porque antes desse período, nós já tínhamos em Divinópolis a Odontologia inserida na unidade básica de saúde e em todas as unidades básicas 79 nós tínhamos um dentista. Mas com aquela Odontologia tradicional e claro fazendo os atendimentos da atenção básica e anterior a isso eu não tenho muita experiência porque eu não trabalhava com saúde pública. Eu formei naquela Odontologia hegemônica, elitista, fiz especialização e tinha uma clientela voltada para isso e que podia pagar, mas eu sempre fui apaixonada com serviço público. Então eu fiz o concurso público e em 1985 eu vim para a prefeitura e de lá pra cá eu venho trabalhando no serviço público e surgiu então essa estratégia do governo para tentar mudar a política de saúde bucal inserindo a Odontologia no PSF e foi aí que eu enquanto coordenadora montei um projeto com o apoio do secretário de saúde da época que foi apresentado a nível municipal, estadual e federal e aprovado e a partir daí começamos a correr atrás do prejuízo porque a gente não sabia nada, tudo era novidade para a gente, tudo era desafio, tudo era diferente, mas com muita vontade de acertar e nós queríamos isso. Nós queríamos que desse certo, nós achávamos que nós precisávamos fazer parte desse contexto, que nós precisávamos mostrar o nosso papel social nesse momento e era a oportunidade de mostrar isso porque a gente é profissional da saúde e não profissional da doença como a gente sempre trabalhou e precisava mudar esse perfil e esse paradigma de tantos anos. Então nós começamos com essas equipes e no início foi uma coisa muito feita às pressas e na vertical, na vertical e de cima para baixo porque não foi discutida com a categoria, como também na Medicina não foi. Eu acho que nós passamos pelo mesmo processo da Medicina eles tiveram que correr atrás, não sabiam nada, muita mudança e queria se fazer alguma coisa, mas não sabia como e onde buscar, mas enfim. A análise positiva que eu faço disso é que nós estamos ganhando espaço e que isso é fantástico e que não tem volta mais que no início foi difícil, tive muitas resistências, mas se não fosse por vontade própria e determinação nada teria acontecido e a Odontologia poderia não estar inserida no PSF de Divinópolis. A Odontologia continuaria sendo um apêndice da área de saúde e a gente queria mudar isso. Então por esse lado eu agradeço o ministro da saúde que lançou a lei de inserção 80 da Odontologia no PSF, mas faço as minhas críticas levando em consideração a fase política do momento. E hoje esse mercado está aí e cada vez mais a população procura o serviço público, não sei se estou sendo muito otimista, mas cada vez mais aumenta os investimentos para a saúde pública e com isso as pessoas passam a ter um serviço público melhor. Mas tive muitas resistências para essa implantação e foi por determinação que eu fui atrás para saber como era essa implantação da Odontologia no PSF. Então eu fui a Belo Horizonte, telefonava para Brasília, eu ia à secretaria de Estado da Saúde e observava onde já estava inserido e todo mundo começando tudo errado, do jeito errado, mas começando. Então todo mundo começou fazendo do jeito que achava que era porque nós não tínhamos orientação absolutamente nenhuma de como seria isso. Não tínhamos um referencial, não tínhamos por onde começar. Começamos então a fazer reuniões para ver como seria e quando eu fiz o projeto e o levei ao conselho municipal, no primeiro momento a fala é que não tinha dinheiro para investir e como eu não podia perder aquele momento da Odontologia crescer no serviço público eu propus remanejamento dos profissionais que eram concursados e de remanejamento de equipamentos. Nós tínhamos profissionais, tínhamos equipamentos e precisava deslocar porque estavam ociosos. O problema seria da remuneração porque deveria ter dedicação exclusiva de 40 horas semanais, então a minha proposta foi dobrar a carga horária desses profissionais e nós tínhamos profissionais que eram de seis horas então para não onerar a folha de pagamento nós fizemos alguns critérios e eu provei que não iría onerar a folha de pagamento, que não teríamos despesas adicionais para inserir a Odontologia, que nós teríamos profissionais que já eram da rede, profissionais de seis horas, profissionais que já tinham especialização em saúde pública, então nós fizemos alguns critérios porque nós éramos muitas e necessitava ser uma coisa impessoal. Dentre os critérios estavam tempo de serviço, especialização em saúde pública, ser um profissional de seis horas, ter perfil, o que eu acho muito subjetivo, tanto que somente uma profissional aceitou o serviço. Então nós tivemos que 81 escolher outros profissionais mudando alguns critérios, os quais foram aprovados. Então o remanejamento de profissionais e a extensão de carga horária foi um importante critério para a inserção da Odontologia visto que não onerou a folha de pagamento, foi infeliz no sentido da remuneração porque a proposta inicial do projeto prevê uma política salarial diferenciada porque os médicos e enfermeiros têm uma política diferenciada no PSF. Precisava disso, mas não tinha dinheiro ainda e foi cômodo para a secretaria de saúde resolver dessa forma. Na época todo município com mais de 6.900 habitantes, eu acho que era isso, teria que ser duas equipes de PSF para uma de saúde bucal e isso comprometeu e comprometem os resultados porque você perde um pouco o vínculo com a população, às metas ficam difíceis devido à grande demanda e cada unidade tem as suas especificidades. Mas era tudo um desafio e na época tínhamos 10 (dez) PSF e dois PACS, então formamos cinco equipes de saúde bucal e para não sobrecarregar cada equipe, eu somei o número de habitantes e de população adscrita daquele determinado PSF e o profissional atendia duas comunidades geralmente zona rural e urbana para dar mais ou menos um número equilibrado para o profissional não ficar sobrecarregado, mas a gente sabia que ia chegar um momento que eles iam ver que isso ia dar errado com esse comprometimento todo de metas, de vínculo, de transporte, de acesso da população e que ia ter que ser uma equipe de saúde bucal para cada PSF e, no entanto hoje é assim. Então é assim, nós precisávamos mesmo daquele momento. A minha inserção no PSF foi quando eu saí da coordenação por motivos pessoais e pedi para ir para o pronto socorro ou para uma equipe de PSF quando fosse formada. Foi no ínicio de 2002, na época o INESP estava disponibilizando o curso introdutório que também foi outra batalha porque o curso era para médicos e enfermeiros e a Odontologia ficou de fora e aí como a Odontologia já estava inserida no PSF, fui atrás para questionar porque nós dentistas íamos ficar de fora. Eu já tinha feito o curso introdutório em Belo Horizonte e vi a necessidade do curso para ampliação de conhecimentos dos dentistas. Fizemos então esse 82 curso introdutório, depois o curso de especialização que veio logo depois e aí eles já contemplaram felizmente a Odontologia, o qual eu fiz também. 2 - Você recebeu alguma orientação para esse novo trabalho? Sujeito 1 – Olha, no início quem deu orientação maior foi outra profissional que trabalhava no PSF Serra Verde. A minha escola mesmo de PSF e o que eu aprendi foi com ela. Essa orientação não partiu muito da prefeitura não. Foi através dela e de outros colegas que já trabalhavam. Sujeito 2 – A gente aprendeu fazendo. Na época a coordenadora da Odontologia fez o projeto então a gente se encontrava lia a respeito e tentamos nos infiltrar na equipe, mesmo atrasados, mas chegar de verdade. Aí foi feita uma capacitação, nós fizemos um teatro com o intuito de sensibilizar a equipe da chegada da saúde bucal e depois fizemos também com a comunidade. E isso tudo partiu de nós. Houve então teoricamente uma política de implantação, mas a operacionalização teve que ver na prática. Sujeito 3 – Não. A minha orientação foi pessoal. Sujeito 4- Os primeiros dentistas que vieram para o PSF tiveram um curso introdutório. Agora no meu caso que entrei depois não teve esse curso, mas eu já tinha feito um curso de especialização em PSF por vontade própria então para mim eu já tinha um conteúdo já. Sujeito 5- Orientações básicas pessoalmente da própria coordenadora, de colegas, inclusive de um colega que já estava aqui só que atendendo em dois PSF. Então fiquei com ele um tempo para ver o andamento do trabalho. Então deu para trabalhar tranqüilo, sem dúvidas mesmo. 83 Sujeito 6- Não. Quando a gente começou a gente fez visitas em outros PSF viu como funcionava e fomos tirando idéias. Cada um a gente conseguiu pegar uma idéia que funcionava melhor e nós fomos adaptando e adaptando aqui. Sujeito 7- Foi formado então a equipe de saúde bucal e no caso teve um introdutório lá no INESP junto com os médicos, enfermeiros. Aí nós adentramos nesse mundo e a partir daí foi sendo trabalhado na cabeça da gente. E aí me veio uma coisa assim de que não era só o médico ou a enfermeira o que era a grande maioria lá, mas que nós existíamos, vamos lá, vamos mostrar o que nós podemos fazer. E isso me inflou muito, me motivou e a partir desse introdutório veio a especialização que nós fizemos em Belo Horizonte e o preparatório mesmo é no dia a dia, uma coisa é teoria, mas a teoria para a prática tem que ter muita boa vontade. Pesquisadora: Se você tivesse continuado no centro de saúde você teria inflado como aconteceu com o PSF? Sujeito 7- Lá no centro de saúde onde eu trabalhava já era uma unidade um pouquinho à parte, a gente já tinha um contato maior, de corpo a corpo com o pessoal. Agora eu penso que aquilo que eu fazia eu já tinha uma noção do que era PSF porque eu já tinha essa vocação, eu já gostava disso, mas eu acho que o posto, ou se eu tivesse que sair hoje daqui, igual agora que teve o concurso e se eu não passasse eu teria que voltar para a unidade básica, eu acho mais castrador. Eu acho que limita mais, aqui você tem uma liberdade maior de ação, de motivação, de corpo a corpo. E isso me agrada muito. Na unidade eu poderia fazer palestras, fazer um monte de coisas, mas não é igual não lá é menos. Com certeza é menos. É mais castrador. 84 Sujeito 8- Olha a orientação veio na época da coordenação da Odontologia. Então a coordenadora da época é que buscou parâmetros para a gente em outras cidades para nortear o nosso trabalho. Então a orientação que a gente teve foi isso. E assim fomos trilhando o caminho caminhando. Sujeito 9 – Eu fiz um estágio, visitei as equipes que já estavam montadas. E vi que cada um tinha uma forma diferenciada de fazer o trabalho então a gente fez uma adaptação, tirando um pouquinho de cada um. A minha orientação foi através dos colegas que já estavam inseridos no programa, porque eles entraram com uma diferença de três anos da época que eu entrei. Sujeito 10 – Nós recebemos um curso introdutório que nos deu uma base de como seria o trabalho e de como deveria ser conduzido. Foi uma iniciativa da prefeitura em conjunto com o INESP e nós dentistas fomos convidados, mas tinha também enfermeiros e médicos. Sujeito 11 – Orientação pessoal, determinação. Trilhei o meu caminho sozinha e foi tudo intuitivamente e acho que acertei e fico felicíssima. 3 - O que representa para você trabalhar no PSF? Sujeito 1 – Olha, eu gosto do PSF, acho interessante esse vínculo com a comunidade. Você conhece bem as famílias. Aqui a gente tem a ficha e a hora que você fala do paciente a gente lembra do pai, da mãe sabe mais ou menos onde ele mora então acho que é o vínculo mesmo. E o importante seria esse vínculo com a família. Sujeito 2 – Eu tive uma experiência larga de unidade básica e de uma Odontologia tecnicista, aquela Odontologia entre quatro paredes, vamos lá vamos trabalhar. Mesmo a gente tendo um 85 perfil mais solto a unidade básica não te dá muita chance a não ser em grupos operativos, participação na puericultura, você fica bem enclausurado. E o PSF me brilhou os olhos pela oportunidade de fazer uma Odontologia que realmente cumpre um papel social, humanizadora de falar das questões bucais com seriedade não só aquela coisa de não coma isso, não faça isso. É uma questão mais integral que é a proposta do PSF. Sujeito 3 – Conseguir um vínculo maior com o usuário. Sujeito 4- Eu acho que para trabalhar no PSF tem que ter perfil. Com certeza sabe, porque com todos os usuários você tem que estabelecer vínculo e eu acho que isso é super importante para você poder trazer o usuário para o PSF. Então eu acho que a primeira coisa tem que estabelecer esse perfil, então eu acho assim, que para mim é muito bom porque eu gosto. Eu gosto de trabalhar com saúde pública sabe, eu gosto de trabalhar com esse povo. Para você ter uma noção teve uma paciente aqui esses dias com todos os tipos de problemas e eu não tenho pressa não, eu escuto todos os tipos de problemas. Ela me chama de querida, ah! Querida se por acaso todo mundo escutasse assim igual você escuta, eu acho que muita gente ia acabar com certas doenças. Eu sinto muito essa falta de conversar, e eles são carentes mesmo, eu gosto disso por isso eu acho que tem que ter perfil e muita gente não tem. E eu acho que eu tenho. Sujeito 5- Eu acredito muito na prevenção e no PSF a gente tem mais condições de executar essa tarefa de prevenção. Porque eu acho que é a saída e se não bater em prevenção você nunca vai vencer, nunca vai conseguir um objetivo legal. 86 Sujeito 6- Mais gratificante o trabalho porque eu trabalhei dez anos no posto de saúde e percebi uma diferença muito grande porque aqui você consegue interagir mais com os outros profissionais porque quando a gente estava no centro de saúde, a gente ficava praticamente fechado no consultório atendendo o tempo todo. Agora aqui a gente participa das atividades com a equipe toda, a abordagem é diferente. A gente se sente mais responsável pelo paciente, pela aquela família, a gente quer uma transformação buscando essa coisa que o paciente está entendendo e está buscando trabalhar a prevenção, então a abordagem é bem diferente. Sujeito 7- Representa um desafio, representa muito cansaço. Eu gosto de desafio e eu sei que é desafio e a motivação para eu não desanimar está justamente nas pessoas que me dão retorno tanto na equipe que a gente tem que ficar sempre buscando apoio quanto nas pessoas. Esse retorno é muito importante e me motiva muito. E eu consigo ver os meninos melhorando, eu consigo ver eles gostando de tratar de dente é muito bom quando você chega numa sala, que tem além da prevenção o tratamento curativo, e pergunta quem quer ir cuidar dos dentes e os meninos falam eu, eu, eu e o professor fala: “gente, mas antigamente os meninos faltavam grudar na parede quando chamava para tratar de dente e agora ele vem sem medo” e isso é bom demais da conta. E isso é uma coisa muito importante para mim, pois é um jeito diferente de ver a Odontologia diferenciando, por exemplo, aquela técnica de precisar de restaurações lindas para a boca estar arrumada. Meu filho também é dentista e vai para uma área totalmente técnica, de restaurações cada vez melhor, de implantes. Gente, mas o meu é muito mais perfeito, pois eu quero que continue o que Deus fez, que não tenha cárie e que eles não tenham medo e eu estou tentando coisas que eu considero muito mais importantes. Isso para mim é desafio. 87 Sujeito 8- Eu me identifico muito com saúde pública, eu gosto de trabalhar e a gente tem mais oportunidade com as famílias e não é só com a parte odontológica, a gente tem uma noção de família e não só do indivíduo e sim o contexto familiar. Isso para mim é muito importante porque eu não sei trabalhar com o olhar direcionado só para a boca a gente trabalha olhando a pessoa como um todo. Sujeito 9 – É uma área para mim, que gosto muito da área de saúde pública, área que tem tudo haver devido trabalhar com a família embora na Odontologia você fica limitado porque a gente não faz todo o trabalho que só vai acontecer quando tiver o centro de especialidades que ainda não tem. Mas de uma certa forma por se tratar da área de saúde pública o serviço corresponde um pouco. Pesquisadora: o que você sente quando o paciente necessita de um encaminhamento e não tem para onde encaminhar? Sujeito 9 – Quando não tem para onde encaminhar e a pessoa tem aquela necessidade é realmente muito frustrante, é bem desagradável porque a gente preocupa em ele ter o tratamento completo e nem sempre é possível porque o sistema não tem condições de oferecer tudo ainda. Sujeito 10 – É muito bom trabalhar no PSF porque a proposta é de prevenção. Como trabalhei o tempo inteiro em consultório sempre “tampando buraco” só no curativo então para mim foi uma perspectiva diferente, a proposta era muito interessante. Sujeito 11 – Eu sou apaixonada pela minha profissão, mas trabalhar no PSF hoje continua sendo gratificante, mas estou um pouco desestimulada, um pouco não, estou muito. Pela questão salarial que eu acho que nós somos mal remunerados, acho que a gente não tem apoio 88 em relação a melhorias, eu não sei se falta vontade política, se falta vontade administrativa, ou se é por culpa dos próprios profissionais. Acho que nós temos uma cabeça muito pequena ainda, que me desculpe os colegas, mas eu acho que temos uma visão muito pequena ainda de valorização e do que nós representamos para a saúde como um todo. Hoje é impossível você desvincular a saúde da qualidade de vida, de transporte, de moradia e os profissionais no caso da Odontologia não foram preparados para isso e o que eu acho lamentável é que continuam não sendo. Felizmente melhorou um pouco, mas acho que a culpa maior é nossa. 4 - Quais os procedimentos odontológicos realizados por você no PSF? Sujeito 1- Procedimentos da atenção básica mesmo. Tratamento da cárie, parte preventiva e educativa. A gente faz extrações de dentes decíduos e dentes permanentes e a parte de limpeza, de raspagens. E tratamento endodôntico de dentes decíduos a gente faz também. Acho que é mais ou menos isso. Sujeito 2- Olha, o você aqui tem pouca representatividade, aqui a gente tenta fazer não um grupo, mas, uma equipe de verdade. Então nós trabalhamos muito em consonância. Eu sou a única que tenho o privilégio de ter uma THD que também está comungada com essa equipe toda e com essa idéia. Então a gente tenta fazer as questões preventivas todas dentro de uma linha humanizadora, tenta trabalhar com os agentes comunitários, com algumas dificuldades, pois, entramos atrasados na equipe. A equipe tenta trabalhar junto com a puericultura, com os psicólogos quando percebemos algum problema. Então, a gente tenta trabalhar nesse sentido todo. Fazemos também os procedimentos rotineiros da Odontologia previstos e mais uma questão bem fora do consultório que é o que eu falo até de boca cheia, porque a gente trabalha muito a questão extramuros. 89 Sujeito 3- Procedimentos de restaurações, extrações e limpeza da boquinha da criança com a bebê clínica. Atendimento de 0 a 18 anos e na odonto-família trabalhamos com os pais que levam as crianças como forma de vincular os pais a higiene bucal da criança desde bebê. Pois para esse estimular a criança ele também tem que estar motivado. Sujeito 4- Olha a gente faz palestras, visitamos escolas, fazemos higienização supervisionada. Na escola a gente faz escovação e atividade educativa. E o trabalho curativo mesmo é aqui no consultório. Agora eu vou iniciar o trabalho com hipertensos e diabéticos, faço palestras para gestantes porque as gestantes nós também atendemos e tem também a Odonto-família que nós atendemos a gestante e logo após o parto atendemos a família. Sujeito 5 – Procedimentos básicos de atendimento são restaurações, extrações e aplicação de flúor. A auxiliar é que tem mais tempo para fazer a prevenção porque fica lá no atendimento fazendo escovação e aplicação de flúor. Temos três programas básicos de atendimento, tratamento geral até 18 anos e 364 dias, tem o programa de Odonto família que as mães que trazem os bebês para fazer a higienização e depois elas tem tratamento e além de tratar como gestante ela tem tratamento como puérpera e tem também os hipertensos, programa que foi implantado por último. Sujeito 6- Procedimentos iguais aos do centro de saúde. Mesmos procedimentos realizados na unidade básica. Além de palestras, escovação em escolas, casa de amparo. Sujeito 7- Tratamento curativo e aqui no caso como é zona rural é um pouco diferente, porque a gente atende adultos e não só os de odonto-família. Crianças e adultos de todas as idades, porque eu não consigo ver lógica em atender só a criança, eu não vejo isso porque a 90 experiência que eu tenho é que eu vou remar contra a maré porque toda reunião que a gente tem eles acham que não estamos conseguindo nem com as crianças como é que nós vamos abrir para adulto. Quando começou Divinópolis sorriso novo a estratégia seria equilibrar as crianças até 14 e depois até 18 anos e ir aumentando aos poucos. Só que nunca foi conseguido isso, por várias coisas, a motivação deficiente, as pessoas não aprenderam a escovar dente direito, a gente protegeu muito as crianças de seis em seis meses ou até mesmo de três em três meses parecia até que a gente que era responsável pela boca da pessoa. Aí de repente ela faz 18 anos e você solta ela e ela ainda não é responsável pela boca dela, pois você tirou a sustentação que ela tinha. Então eu acho que faltou alguma coisa nesse sentido. E outra coisa, eu sozinha não dou conta de tomar conta de toda a minha comunidade, eu sozinha como se diz na machadinha ou só no curativo, nunca vou conseguir ser responsável por tudo. Eu tenho que repartir com a comunidade, então eu preciso que eles façam auto-exame, que eles enxerguem a boca, que eles queiram enxergar a boca, que eles cuidem da boca, que eles queiram controlar a alimentação. É todo um processo grande, então eu tenho que dar chance e o que eu vejo muito nos adultos, por exemplo, é que eu como mãe às vezes eu tiro de mim para dar para o meu filho, então nunca vai sobrar dinheiro para mim. Então eu nunca vou tratar dos meus dentes. Aqui eu vejo as mães tirando dinheiro não sei de onde para por aparelho na boca dos meninos e a boca delas toda estragada e eu não vou tratar da boca dela? O pouco que eu puder fazer é lógico que muitas coisas eu não vou poder, mas, muitas eu posso fazer e eu vejo o retorno do adulto. Assim, a preciosidade que eles dão ao tratamento de dente, coisas que às vezes as crianças não dão e eles dão. E quando eles se vêem, por exemplo, com os dentes arrumados eles falam: olha gente agora eu vou poder sorrir. Olha, pelo amor de Deus, as pessoas têm vergonha de rir e o que para gente é pouco para eles faz tanta. Às vezes a gente fica insensível e fica vendo só número, essas coisas. 91 Sujeito 8 – Procedimentos curativos, preventivos e de promoção. Na parte de promoção a gente faz o cartão saúde e todo o dia a gente chama, a agente conversa porque eu acho que o nó crítico do PSF é a informação. A gente procura da maneira que a gente pode dar o maior números de informações possíveis. Isso é feito individualmente e coletivamente. Dentro da parte de promoção a gente faz mais educação em saúde e na parte preventiva a gente vai para as escolas faz escovação supervisionada, aplicação tópica de flúor e fazemos aqui também no PSF. Damos atendimento aqui também para gestante, para a puérpere, para o bebê. Na unidade básica eu fazia quase tudo o que eu faço aqui, eu fazia PSF sem saber que estava fazendo porque eu já me envolvia muito com as pessoas. E aqui também eu me envolvo muito porque eu tenho essa particularidade e às vezes as mães ou pais vêem aqui para conversar sobre outras coisas que não seja Odontologia. Sujeito 9 – Todos os procedimentos que o sistema oferece, tratamento preventivo e curativo. O preventivo a gente faz nas escolas, pelo menos uma vez no mês, com aplicação de flúor, orientação sobre escovação e tratamento curativo tem o tratamento de ionômero, amálgama, resina foto. Sujeito 10 –Na parte curativa é o que a prefeitura oferece mesmo e na parte preventiva enquanto não tem consultório montado você vai às escolas e faz um trabalho bom em termos de prevenção mesmo. Só que quando coloca consultório e entra na parte curativa aí você não consegue sair mais da unidade nem as visitas que a gente deveria fazer não tem condições de fazer porque a demanda é demais. O acesso ao dentista ainda é difícil para o cidadão comum, é caro. O tratamento para uma população mais carente é caro, o serviço odontológico não consegue cobrir a quantidade de demanda que tem e porque a gente não tem tempo para investir como deveria na prevenção. Acho que deveria ter equipe dentro da escola e outra 92 fazendo o curativo para uma segurar a outra porque o trabalho profilático também fica deficiente. E assim a coisa não fica bem feita nem de um lado e nem do outro porque tinha que ter mais oportunidade de controlar esse preventivo, orientar sobre alimentação, verificar porque está tendo cárie. E na minha opinião isso deveria ser um trabalho paralelo e na realidade isso não acontece. Quando abre um consultório e você cai no curativo você não tem tempo. Sujeito 11- Eu vejo que nós não mudamos como deveríamos, infelizmente. Mudamos um pouco o nosso perfil de ver o paciente como um ser indivisível quando passamos a visitar o paciente em sua residência, porque faço visitas domiciliares, mas sei que tem profissionais que não as fazem. Eu não quero nem saber da demanda pelo tratamento curativo, sei que é grande. Mas sei também da importância do meu papel social e dessa forma eu consigo ver a realidade deles para ver o que eu posso mudar. Quando eles vão até a unidade, vão arrumados e quando você vai a casa você encontra crianças mal tratadas, quintal sujo, não tem água encanada. Mas para o profissional ter a consciência do que isso representa, a mudança tem que ser bem maior e isso é que tem me desestimulado. Na minha unidade que é de zona rural, antes do PSF já tinha atendimento odontológico, creio que por mais de duas décadas já se tem atendimento dessa comunidade e nós não conseguimos mudar o perfil, não conseguimos e isso é frustrante. A demanda é grande, todo o dia que eu faço algum trabalho, eu não vejo um resultado do meu trabalho, o qual eu acredito e prego todo o dia com a meninada, com as mães. A gente não consegue a mudança porque é interior e eu não conseguir mudar isso, está me deixando frustrada, impotente. Faço o tratamento curativo e quando o paciente retorna está com novas cáries porque não mudou hábitos de alimentação e culturais e isso me deixa muito triste. Isso é uma prova que não representamos nada para esse povo, o que é que nós representamos? Nós não conseguimos mudar o perfil epidemiológico dessa população em 93 relação à saúde bucal, nós estamos ainda incompetentes, acho que temos que agir, mas como? Eu estou procurando a resposta até hoje. 5 - O que essa prática (PSF) possui de diferente de outras oferecidas no serviço odontológico público. Sujeito 1- As duas grandes diferenças aqui seriam o PSF e a unidade básica de saúde, ou seja, o posto de saúde. Então a grande diferença mesmo seria o vínculo com a comunidade e a parte também preventiva. Assim o objetivo do PSF seria trabalhar mais com a parte preventiva e educativa. Pesquisadora: E isso acontece? Sujeito 1 – Aqui pelo menos a parte preventiva e educativa a gente tem um pouco de falha em relação ao tempo. A demanda é grande, a gente não tem tempo para isso e não tem tempo para ir as casas e fazer as visitas que é o objetivo principal, não é. A diferença mesmo seria a parte do posto de saúde mais com a parte curativa e a gente no PSF com a parte de prevenção e educação. Sujeito 2 – Essa diferença básica que é essa questão de trabalhar integralmente e com o raciocínio mais humanizador. Então a gente tenta extrapolar essa coisa tecnicista de ficar parado aqui. Então essa interação com toda a equipe e principalmente essa questão extramuros, a questão da visita domiciliar que a gente fez no início foi muito gratificante para a gente. Vimos um outro lado da Odontologia e quando a pessoa voltou para nós era outra coisa e se o dentista da unidade básica tivesse essa chance de receber o paciente que você já teve um contato com ele fora do seu ambiente de trabalho e tendo estado no ambiente dele é outro esquema. Então é muito gratificante é uma outra Odontologia que só tem a fazer o bem para o usuário e para o profissional numa proporção que não se faz idéia. 94 Sujeito 3 – Eu acho que o PSF tem uma grande importância com os agentes comunitários de saúde que vão às casas e conseguem ver mais de perto o que eles tem nas casas e trazer para gente. E também temos condições de fazer as visitas e ter um vínculo maior e ter uma relação mais de perto com o próprio usuário. Sujeito 4 – Olha a demanda é muito grande, a gente tenta fazer o curativo mais que a gente pode, mas é muito difícil você estabelecer para a pessoa a importância do procedimento preventivo. Isso é muito difícil. Mas assim, eu acho que a gente tem mais oportunidade de ter esse vínculo mesmo com a pessoa através de visitas que eu ainda não cheguei a fazer porque não tive tempo ainda. Mas eu acho que tem mais oportunidade devido a dedicação integral, são oito horas, então você tem mais chance de vínculo com as palestras, contato maior e mais próximo com a equipe também. Sujeito 5 – Principalmente a ênfase na prevenção. Sem falar que é muito mais acessível o PSF por estar na área de atuação, praticamente vizinho, muito próximo da área dos usuários que eu acho que é o que mais facilita a gente a perceber a realidade para atuar com mais personalidade. Sujeito 6 – Agente conhece mais o perfil das pessoas, as condições de vida delas e a gente não tinha esse conhecimento antes, a gente só imaginava. Uma coisa é imaginar e outra é você chegar e realmente ver a situação e isso permite a gente ver e ir abrindo mão de algumas regras, de algumas coisas e ir entendendo melhor a dificuldade do outro. 95 Sujeito 7 – Não deveria ser diferente, deveria ser atenção básica, atenção básica. Mas eu vejo que aqui no PSF a gente tem uma liberdade maior de ação. Eu posso querer ir lá para a escola e fazer um trabalho, eu posso querer ir para a praça, posso querer fazer e eu posso. A coordenadora me dá esse limite, eu tenho que cumprir números, mas dentro disso eu tenho espaço para mexer com motivação. Eu tenho espaço para atendimento de adultos, tenho espaço para uma periodontia, posso mexer com nutricionista, fonoaudiologia, eu consigo ter livre acesso aos agentes comunitários, com os enfermeiros, médicos, com a vigilância sanitária e o pessoal da dengue vira e mexe está fazendo teatro com a gente. Não que não possa fazer isso no centro de saúde, mas lá é mais castrante, é mais difícil. Eu sei que tem muitas coisas que tem que ser melhoradas e tem épocas que dependendo do prefeito ou do secretário de saúde acaba interferindo no trabalho. A rotatividade de profissionais na equipe dificulta o processo, pois às vezes nos deparamos com profissionais de ênfase mais curativa que tem dificuldade de entender o PSF. Sujeito 8 – Eu acredito que seja mais o envolvimento mesmo porque aqui a gente não vê o paciente como indivíduo isolado e sim contextualizado. Ele está inserido numa família e a gente sempre tem que buscar meios para trazer eles para perto da gente. Sujeito 9- A maneira de inserção e a forma de contato porque todas as famílias que a gente atende são visitadas. Nós visitamos todas as famílias, só não visitamos as que mudaram recentemente. Devido à demanda ser grande para o tratamento, agora fica difícil refazer as visitas. Então é uma forma de ter um contato maior com a família de saber mais da realidade, a gente fica tendo a idéia de como é a casa de cada um e isso é que muda um pouco. 96 Sujeito 10- Na prática não estou vendo nenhuma diferença. A gente está virando a mesma coisa quando entra para o consultório. A proposta que é diferente é uma proposta preventiva. Só que a cultura do brasileiro pensa que o tratamento de dente é só o curativo e isso dificulta mudar o que é oferecido. Sujeito 11 – Muito pouca diferença. 6 - Sua formação profissional teve um embasamento mais técnico ou também se preocupou com questões sociais referentes à Odontologia? Sujeito 1- A minha formação para te falar a verdade a gente não foi muito preparado para trabalhar na saúde pública não. Pesquisador – Você formou onde? Sujeito 1- Em Alfenas (EFOA). Tivemos as disciplinas como toda escola tem, mas não voltadas para o serviço público. Na verdade foi totalmente voltada para iniciativa privada mesmo, para trabalhar em consultório particular. Então a gente teve umas dificuldades. Eu pelo menos tive muita dificuldade, a coordenadora da Odontologia me ajudou muito para eu entender bem e começar e fazer um bom trabalho. Na verdade a gente não teve uma orientação direta para trabalhar no SUS não. Pesquisadora: Você caracteriza o seu curso como um curso mais técnico? Sujeito 1- Sim é mais técnico. Voltado para a parte prática mesmo. Sujeito 2 – Eu tive um embasamento bem técnico. Eu me formei na Federal de Belo Horizonte há muitos anos atrás. Eu sou de um tempo que a Odontologia social estava só começando então foi um embasamento bem tecnicista mesmo. 97 Sujeito 3 – Embasamento mais técnico. Com um pouco de questões sociais. Sujeito 4 – Olha no profissional acho que foi mais técnico. Pesquisadora – Você formou onde? Sujeito 4 Eu formei em Itaúna em 1983. Dessa época acho que a Odontologia cresceu bastante, com outros olhos, outras estratégias que a gente não via tanto naquela época, mas isso também vem do dia a dia, você trabalhando na saúde pública, que eu gosto já te falei, aí eu acho que você vai se aprimorando com mais conhecimento nessa área. Sujeito 5 – Técnico e teve uma boa ênfase, apesar de ser a bastante tempo, já teve uma ênfase muito grande nesse lado da prevenção principalmente em escolares. Formei em Uberaba em 1979. Sujeito 6- O embasamento maior foi técnico mesmo, essa visão está vindo agora de ter uma mudança na parte pedagógica. Eu me formei em Itaúna em 1989. Sujeito 7- 1980. Curativo, curativo e curativo. Eu formei para ir para o consultório. Aliás, eu fiquei 10 anos. Na verdade eu só encarei serviço público por motivos pessoais, pois eu precisava de um dinheiro fixo. Pensando em dinheiro eu fui atrás de um contrato e depois eu fiz concurso e aí a coisa foi acontecendo. Aí a coisa entrou na veia e quando eu vim para o PSF é que a coisa entrou mesmo. É um trabalho que eu gosto muito apesar de ser muito desgastante e eu gostaria que fosse mais bem remunerado. Eu gosto de agir no PSF. 98 Sujeito 8 – Na minha época o embasamento não foi totalmente técnico, mas posso considerar que foi 90% . Eu me formei em Itaúna no ano de 1985. Teve um pouco de Odontologia social, mas não foi dada tanta importância para essa disciplina. Sujeito 9 – Na época tinha Odontologia social e preventiva e a gente fez um estágio de seis meses numa clínica em um local bem carente. Mas o curso teve embasamento teórico e no final do curso é que teve essa prática nesse local carente. Sujeito 10 – Eu acredito que eu me preocupei com questões sociais mais foi por questões pessoais. Eu me formei em Itaúna em 1974 e considero que a gente foi direcionado para sanar a dor e fazer o tratamento curativo. Esse trabalho social foi depois quando teve esse lado da prefeitura que a gente foi trabalhar numa área mais simples é que você sente necessidade de expandir isso um pouco. Mas é uma necessidade interna, não que a minha profissão exigisse aquilo. O trabalho de educação nas escolas permite abordar temas da vida e não só de dentes e isso me satisfaz muito também e com isso o vínculo acontece, mas isso não é a formação que a gente recebe na escola. Se eu fosse lá e fizesse só o meu papel como dentista eu também não estaria errada porque na realidade o meu embasamento escolar não me exige isso. Sujeito 11- Eu formei em 1980 e não tínhamos saúde pública no nosso currículo. O embasamento era muito mais técnico e não vi na graduação absolutamente nada de políticas de saúde, e a parte de Odontologia Social e Preventiva foi um fracasso e hoje eu faço uma crítica a isso. Não se tinha interesse em serviços públicos, em questões de cidadania e nem profissionais que se dedicassem a isso. 99 7- O que a boca humana representa para você? Sujeito 1 – Eu acho que é a comunicação, a relação entre as pessoas, né. E é claro que a gente olha a parte estética, pois forma a face. Então acho que é isso tudo junto. Sujeito 2 – A boca humana para mim é a entrada real de tudo. A pessoa acabou de nascer e a boca já tem uma importância vital. Eu acho que aquela frase jargão: a saúde começa pela boca ela pode ser frase feita, mas, ela é verdade. E é a saúde toda inclusive a saúde mental. É questão de estética, de inserção na comunidade em relação a trabalho e de auto-estima. Sujeito 3 – A boca humana representa para mim uma forma do ser humano expor seu sentimento com alegria, com tristeza. É uma forma de reivindicação, uma forma de expressar com palavras e com gestos também. Sujeito 4 – Porta de entrada. Acho que a saúde começa é aí mesmo e isso eu tento passar para todo mundo. Então a gente tem até conseguido passar isso para os usuários aqui eu tenho os modelos que eu mostro a importância da escovação, da higienização. Então eu acho assim que é uma porta de entrada mesmo para todos os tipos de doenças então isso eu tento passar para todo mundo e acho fundamental. Sujeito 5 - Cartão postal, o cartão de visita da pessoa. Porque o sorriso, tipo assim ele é marcante. Um sorriso bonito ele é marcante. Sujeito 6 – Eu acho uma coisa muito importante, representa a estética. O nosso cartão de visita. É desagradável quando você conversa com uma pessoa e você sente mau hálito, 100 percebe problemas de gengiva, na dentição, então eu acho muito importante. E se você não tem uma boca saudável pode olhar que tem mais alguma coisa no organismo que não anda bem. Sujeito 7 – Relação de contato das entranhas para fora. Tem o sorriso que comunica muito. Você pode colocar uma criança peladinha e revirar de um lado para o outro que ela não importa, mas na hora que vai mexer na boca tem que ter cuidado porque a relação que ela tem com o mundo é pela boca. E com o tempo a boca ganha cuidados que você tem que ter com os dentes, com o falar, com o sentir gosto, com o prazer. Eu acho então que é muito importante e é também o meu meio de vida. E eu falo que a boca não é só dentes, língua. É também um lugar que pode dar medo e a gente nota principalmente nas pessoas mais velhas o pavor que elas tem. Então olha a responsabilidade que você tem de mexer com uma coisa tão delicada. Um dentista pode causar um trauma emocional muito grande numa pessoa então a gente tem que ter um cuidado muito grande, pois quando a pessoa está na cadeira ela se entrega. Já tive casos de fazer extrações e as pessoas começam a chorar pela perda dos dentes e outras perdas. Sujeito 8 – Referência para tudo. Ela não é só dente, lábios ou bochechas ela é tudo. Sujeito 9- A boca humana para mim é super importante. Tanto quando é considerada porta de entrada para alimentação ou em relação ao aspecto social como o contato da pessoa, o meio dela se comunicar, de dar um sorriso, então é uma área muito importante. Sujeito 10 – Tem vários aspectos. O primeiro sinal de vida ele entre e sai pela boca, por exemplo, o ar que você respira, o alimento que você ingere, as palavras que você fala o quão importante que são e você determina a vida através da palavra. E com a boca além das 101 palavras, você consegue definir o que uma pessoa está gostando ou detestando pelas expressões que ela faz. Além de representar o meu meio de trabalho. Sujeito 11- Tudo. Porque é o espaço ou o órgão que você comunica, é por onde entra os alimentos. É a saúde como um todo. 8 - Qual é para você o lugar da boca na relação das pessoas com o mundo? Sujeito 1 – Pediu para parar um pouco com a gravação. Eu acho como eu já tinha falado a importância na comunicação, na expressão, na parte de estética mesmo e convivência. Acho que é mais ou menos isso. Sujeito 2 – Eu acho que o lugar da boca vamos dizer, é um lugar de prioridade verdadeira. Lugar de apoio para questão emocional, lugar de apoio para questão profissional e considerando nós profissional é o nosso lugar de ação. É a cavidade onde entra e sai de tudo e cabe a nós estar atento ao que aquela pessoa está contando com aquela cavidade. Sujeito 3 – Eu acho que a boca representa a relação que as pessoas podem se comunicar com outras pessoas e com ela mesma. Por exemplo, quando o ser humano ele não tem condições estéticas, impedindo o sorriso, ou nem de alimentação a autoestima dele fica muito baixa e quando a gente começa a restaurar, a melhorar o sorriso e diminuir dor, a autoestima dele melhora, ele melhora no trabalho, melhora com a família e com a sociedade em geral conseqüentemente. 102 Sujeito 4 – Nossa que pergunta, deixa-me pensar. Olha eu acho que é fundamental para comunicação. A pessoa tem que ter uma aparência, para a comunicação. E eu acho que é assim que se dá a relação da boca com o mundo. Sujeito 5 – Tem um papel fundamental, repetindo é o cartão de visita mesmo para tudo. Sujeito 6 –Lugar muito importante devido à estética. Nosso cartão de visita. Representa saúde. Sujeito 7 – Já expliquei. Sujeito 8 – É a expressão de sentimentos. É uma forma de se relacionar, de interagir com as pessoas através das palavras. A boca expressa, talvez para a gente que temos um olhar diferenciado, outras coisas a não ser cáries, gengivites, então talvez o falar, as palavras, eu acho que são fundamentais. Sujeito 9 – Imagina que a boca é uma referência que a pessoa tem. A gente que trabalha com pessoas muito simples percebe muito quando as pessoas têm ausência de dentes anteriores ou eles estão estragados que eles se sentem diferentes, com autoestima baixa. A parte funcional para eles não tem tanta importância como à parte estética. Sujeito 10 – Eu acho a boca fundamental. Além dos olhos, pois um olhar é muito expressivo, através do nariz por onde você vai respirar, mas é pela boca que você vai expressar tudo aquilo que você está sentindo, que você está pensando então ele se torna um lugar dos mais principais. 103 Sujeito 11 – A relação das pessoas com o mundo vai depender das necessidades que essa pessoa tem. Na zona rural, por exemplo, que as pessoas tem outros problemas que são mais importantes para elas do que boca. Dente não é importante para eles, dente não é órgão, dente tem um monte eu posso arrancar um que não vai me fazer falta, eu dou conta de comer sem dente, atrapalha a fala, atrapalha a estética, mas eu posso viver sem. As pessoas tinham que resgatar sua autoestima, resgatar a saúde enquanto cidadania. O cidadão tinha que resgatar o valor da boca, se um dia a teve, para ser considerado um cidadão. A pessoa sem dentes tem vergonha sim, ela pode até não admitir ou não dar valor, mas ela se envergonha de não ter. Eu acho de extrema importância e não tem como separar a boca do resto. 9 - O que você espera dessa nova proposta de atendimento que é o PSF? Sujeito 1 – Eu acredito muito no PSF, acho que está dando certo, acho que a tendência é que aumente mais as equipes porque a teoria do PSF é interessante e agora parte da gente tentar colocar isso em prática da forma que deve ser feita com as visitas, pegar bem a parte preventiva e de educação. Sujeito 2 – Eu estou numa fase intermediária. Nos temos cinco anos de implantação e acho que teoricamente e filosoficamente ela tem só crescido. Agora eu acho que na prática a situação não só da Odontologia, mas do PSF está meio equivocada e eu acho que enquanto a gente tiver esse modelo híbrido de atendimento isso vai continuar. Na unidade básica como a gente fica distante de todo mundo a interferência não é tanta e como aqui a gente quer fazer uma equipe de fato a gente lida com as pessoas no real e às vezes o profissional não está 104 dando conta nem dele próprio ele tem que dá conta de vínculo com a comunidade, do vínculo com a equipe então eu acho que a proposta é muito legal, mas ela tem que ser muito monitorada e muito motivada porque tem que fomentar o tempo todo a proposta para que os profissionais façam a comunidade entender pois se a gente não tiver certeza que é isso mesmo a gente não vai passar isso para a comunidade. E a comunidade até hoje tem aquela visão do especialista, será que é isso mesmo, mas eu queria era outra coisa então se a equipe não estiver muito segura do que ela é a comunidade vai continuar na dúvida. Sujeito 3 – Eu acho que a proposta do PSF tem o objetivo de abranger maior número de pessoas. A demanda vai sendo incluída de forma gradativa. Sujeito 4 – Eu acredito demais no PSF, eu acho que é o começo para chamar o usuário. Acho que tem tudo para dar certo, agora acho que ainda fica muito centrado no médico. Aqui está mudando um pouquinho. Às vezes tem pessoas que vem aqui porque foram numa consulta médica, sabe. Acho que isso ainda muda porque é tudo um começo, um processo. Acho que isso muda e por isso tem que conscientizar mesmo tem que explicar sempre a filosofia do PSF e o tipo de atendimento. Sujeito 5 – Que cada vez o programa se aprimore mais, só aumente as condições de trabalho para cada vez mais conseguir o objetivo. Na unidade básica conseguíamos fazer muito menos prevenção aqui a condição é muito melhor, temos mais facilidade para isso. Pesquisadora – Essa facilidade vem como? Sujeito 5 – Aumento do tempo, pois são oito horas. Você encontra com todas as crianças, pois quando trabalhava quatro horas só encontrava com as crianças que estudavam no turno oposto ao que trabalhava. E aqui eu encontro com todas e acompanho desde criancinha. Tem a creche 105 e escola que além de levar material para escovação, a gente faz uma escovação com aplicação de flúor e dá mais uns toques para a prevenção. Sujeito 6 – Eu acho que o resultado disso não será imediato acho que vai ser em longo prazo. Com essas crianças que estamos trabalhando na creche, nas escolas daqui a dez, quinze anos. A gente percebe muito o medo que os usuários tem do profissional, mas isso é mais forte nos adultos porque nas crianças a gente já conseguiu uma transformação eles não têm mais tanto medo do dentista. Eles chegam já ficam à vontade no consultório, conversam com a gente e então eu acho que isso já diminuiu bastante. E essa parte da prevenção eles vão conseguir assimilar isso também é com o tempo, não é uma resposta imediata. Sujeito 7 – O que eu espero é que as pessoas aprendam a se autocuidar, que não tenham medo e que tenham um sorriso lindo, isso em relação à equipe de saúde bucal. E em relação ao PSF de forma geral que elas cheguem em um estágio tal que não precisam da gente, que sejam auto-suficientes, cidadãs e que tenham o poder de se organizar a tal ponto que não tenha tantos problemas externos e que sejam tão eficientes e que isso as ajudem a ter um equilíbrio emocional. Pois, muitos falam que as doenças vêm do reflexo psicossomático, olha que coisa importante. E voltando ao PSF, na atenção básica o importante é que se ela for resolutiva vai formar bons cidadãos. Sujeito 8 – Eu espero uma mudança no modelo assistencial. Eu queria que fosse uma mudança total mesmo, eu queria que fosse menos preocupação com números e mais com qualidade. Porque eu acho que número e qualidade não podem ser parceiros. Eu acredito que temos que trabalhar muito com a boca, mas no sentido de falar, de informar e apesar de ser uma população extremamente carente do atendimento curativo eu acho que a educação é a base de tudo. Como você vai ter pessoas saudáveis como um todo sem ter educação. Você 106 tem que conversar, informar para ter educação. Então a mudança do modelo assistencial, que é grande proposta e meta eu acho que ainda não aconteceu por vários motivos. Sujeito 9 – Eu espero a inserção das especialidades, acho que é nisso que ele vai acrescentar muito. E precisa muito porque não tem como ficar tratando uma população com necessidade curativa muito grande visando só as questões mais urgentes. Chega a um ponto que precisam de próteses e outros atendimentos e não temos como fazer e isso dá a sensação de ficar no meio do caminho e de não ajudar a pessoa integralmente. Sujeito 10- Eu espero que o PSF possa ser colocado em prática justamente como ele é no papel porque a proposta é maravilhosa só que estamos a caminho. Pesquisadora: O que você acha que dificulta a teoria ser exercida na prática? Sujeito 10 – São tantos fatores que dificultam: é uma burocracia muito grande entre a necessidade e a concessão do que se deseja existindo um obstáculo muito grande. Precisa-se de mais profissionais, mais profissionais especializados e o mais importante o profissional de PSF ele não pode ter um perfil comum porque a proposta dele é ir atrás do paciente e não receber o paciente. Ele tem que ir à casa do paciente, entrar na intimidade das pessoas e tem que ter muito jeito para fazer isso. Portanto, são inúmeras as dificuldades, mas eu acho que está caminhando. Sujeito 11 – Conseguir objetivos que a gente ainda não conseguiu, mas estamos trilhando. Eu acho que é uma questão cultural e que não tem vontade política nenhuma para isso. Eu faço uma análise e vejo que as doenças estão voltando mesmo àquelas que acreditavam estar controladas e isso mostra o descontrole da situação da saúde. Talvez por ser uma política de saúde paternalista e que não educa esse povo, precisamos educar as pessoas, pois isso é a base 107 de tudo. Agora infelizmente os políticos não querem gente saudável e nem inteligente, pois é a pobreza que mantêm os políticos como estão. 10 - No PSF a questão do vínculo com o usuário é de relevância para essa estratégia. O vínculo também é importante para proporcionar comunicação e esta permeia a educação em saúde. No PSF que você atua tem espaço para essa educação? Sujeito 1- Espaço a gente tem. A gente está com um pouco de dificuldade em relação à formação de grupos mesmos. A gente está tentando arrumar uma forma de chamar a atenção da população para a gente conseguir formar esses grupos e passar essas informações para as pessoas. Mas a gente está tentando, a gente já teve experiências com as nossas tardes comunitárias que era mais ou menos isso. Íamos às micro-áreas e fazíamos a parte educativa não só eu, mas toda a equipe. E a gente quer isso, quer ficar próximo do usuário, entrar dentro da casa mesmo e conhecer toda a família para a gente poder dar uma assistência melhor. Sujeito 2 – Tem. Mas com todas as dificuldades, claro. Porque a gente só não faz mais porque a equipe mínima está mínima de mais. Desde a implantação do PSF a equipe mínima foi prevista e ela está estagnada. Nós aqui somos um exemplo: eu tenho uma THD e uma ACD, quando a THD e eu estamos trabalhando a ACD tem que estar auxiliando nós duas enquanto ela podia estar fazendo um trabalho diferencial lá fora com crianças, a gente tenta fazer uma coisa lúdica. Acho que poderia ter mais uma ACD, isso claro, numa equipe onde as coisas funcionam, uma equipe que mostra um trabalho bacana, uma equipe dinâmica. Falta um projeto que revisse e refletisse essa questão, um agente administrativo tiraria da gente essa questão burocrática que representa em termos de SIAB e de números de epidemiologia, pois, perdemos tempo com essas questões de números e o que nos deixa frios e aqui precisamos ser é quente. Isso faz a gente querer fazer mais na questão do vínculo ou no educativo e a gente 108 está meio apeada, mas a revelia disso a gente faz muito, nós temos um projeto de tarde comunitária que é muito legal. É um projeto extramuros que já tem dois anos de formação e ele prevê o seguinte: toda quarta-feira a gente sai da unidade, tranca a porta e a comunidade já dá conta de entender isso e são quatro micro áreas que se dividem nas quatro quartas-feiras do mês e a gente tenta fazer esse vínculo e levar para a comunidade que a equipe não se limita nas doenças da boca, ou nas doenças do coração ou na hipertensão e diabetes, então assim a gente permeia um outro momento. É um momento de dança, um momento de fazer trabalho manual, momento de contar história, momento de colorir e com isso o vínculo acontece fatalmente e quando você fala com uma pessoa que está vinculada a você que a dieta dela precisa ser diferente, que ela não está correspondendo à questão da higiene ela confia em você porque você já teve um outro momento com ela que foi um momento de prazer. É claro que com todas as dificuldades de um projeto afetivo, mas assim a gente está muito gratificada com isso e podia ser maior. Mas se a gente tirar mais um dia da semana compromete aqui dentro por isso que o projeto precisa ser revisto. Para que a filosofia seja implantada de fato com tudo que a gente tem para oferecer a gente tem que rever a dinâmica operacional aqui dentro senão a gente fica agarrada na questão curativa, curativa, curativa. Então a gente tem que exercer isso o tempo inteiro porque a demanda curativa é grande e se a gente não ficar esperto ela toma conta da gente. E a comunidade também vem com a demanda curativa para a gente e questiona quando o dentista está colorindo aqui fora? Dentista fazendo flor? Um exemplo. Na tarde comunitária o médico participa também e ele não faz a medicina tradicional alí. Alí não tem receita, não tem consulta, no início foi difícil, mas agora a comunidade já dá conta. Às vezes a pessoa chega com a demanda curativa naquele dia falando que não está bem, e a gente fala, mas hoje nós estamos fazendo flor. Mas o médico fazendo flor? É, ele está fazendo flor. A senhora quer participar com a gente? E a pessoa participa, no princípio arredia, mas depois ela entende e vem e fala com a gente, parece que eu melhorei. Então é isso que a gente quer 109 sabe, eu acho que o vínculo vem por aí, não adianta você tentar fazer vínculo alí sentado na cadeira e aquela coisa formal eu acho que a gente está no caminho certo. Sujeito 3 – Na verdade eu criei esse espaço. Eu fui atrás das creches para criar vínculo. Tirando a parte odontológica existe a visita do médico, do enfermeiro e sempre a gente procura fazer palestras e acho que isso é um espaço criado para educação. Tem um trabalho muito interessante que a gente faz aqui que é o auxílio do PSF na escola com as crianças que estão com dificuldade de inserção na sala de aula. A gente vai à escola conversa com as crianças, tem um trabalho voltado para elas e depois a gente vai às casas e vê como que é a forma de vida delas porque na verdade às vezes essa falta de adaptação delas na escola é um reflexo de dentro de casa. Eu acho que o PSF é o caminho, mas depende mais do profissional do que do próprio programa, da própria estratégia. Pois, se o profissional quiser ficar o tempo todo no consultório atendendo, ele tem demanda para isso, então no meu caso eu estabeleço metas de atendimento curativo, porque eles precisam disso. E estabeleço metas também para parte educativa e preventiva porque acredito que dá um retorno muito maior tanto para o usuário quanto para o profissional e também voltando para o sistema é mais oneroso, a gente tratar curativamente do que preventivamente. Sujeito 4 – Aqui a gente está com um problema sério porque eu acho que o espaço físico é muito importante. Então aqui no nosso caso que é uma casa e este nosso espaço físico aqui foi construído depois, com a ajuda dos usuários, pela dentista que trabalhava aqui antes de mim, ela foi quem batalhou por esse espaço aqui. Então, assim no nosso aqui, faltam alguns detalhes, mas que até já conseguimos. Mas para mim dentro do possível eu acho que tem, não é o caso lá de dentro que está complicado. Agora o que falta na verdade para a gente aqui é o THD que a gente não tem, que o PSF tem dois tipos de modalidade: modalidade I e II. 110 Dentista e ACD ou Dentista, THD e ACD que fica com essa parte, mais de prevenção e escovação. Acho que aqui em Divinópolis só tem uma equipe que tem e eu não tenho. Mas dentro do que se pode fazer eu acho que já ajuda do jeito que estar aqui. A estrutura física tinha que englobar todo o mundo porque aqui eu fico um pouco afastada, mas dentro do possível e aqui no início nem tinha esse espaço aqui. Eu acho que já melhorou, mas o ideal seria todos dentro de uma casa, de um espaço. Sujeito 5- Tem. Já tem os grupos das áreas médicas e dá para gente fazer. Sujeito 6 – Tem sim. A gente faz esse trabalho na sala de espera, aqui a gente tem uma comunicação maior com o agente comunitário e com o restante da equipe. E esse trabalho que a gente faz de prevenção em escolas e creches e casa de amparo. Acho que tem espaço sim, mas o retorno será em longo prazo. O que eu vejo de imediato é que as crianças estão perdendo o medo, esse tabu do dentista. Sujeito 7 – Isso para nós é relevante e por isso fazemos um esforço. Essa educação depende muito da equipe, que dependendo de uma ou de outra, a gente tem mais ou menos facilidade. Mas realmente a gente e entra em consonância e a tendência é a gente sempre estar trabalhando com essa educação. Sujeito 8- A gente faz à medida que a gente consegue. Eu tento fazer conversando, chamando, reunindo e buscando meios educativos como livros e modelos. Eu acho que vai ser por aí, mas na verdade as pessoas ainda têm arraigado culturalmente que o dentista tem que estar só dentro de consultório para estar trabalhando e isso dificulta fazer educação em saúde. E às vezes quando ele está fora do consultório ele está fazendo o papel principal porque a gente 111 tenta mostrar para a pessoa a divisão da responsabilidade e que nós profissionais somos coadjuvantes nesse processo todo para melhorar um pouco a qualidade de vida dele. Mas o papel principal ou o ator principal é o paciente, é ele que tem que se interar da sua responsabilidade para a sua saúde. Sujeito 9 – Tem, quando a gente fez a primeira abordagem com eles em casa deixamos bem claro que era uma forma de atendimento diferente do posto de saúde. Que a forma de acesso seria diferente e que eles seriam chamados por rua e você vai vir aqui pelo resto de sua vida e toda vez que você precisar você pode nos procurar. Então, a gente às vezes por conhecer a família cria um vínculo que é uma coisa boa e eles gostam mesmo e cobram isso. Eu estive afastada por um ano e senti quando voltei que eles sentiram falta e procuram pelo atendimento e querem manter e isso não acontecia na unidade básica porque o acesso às pessoas era diferente, não tinha nenhuma intimidade. O PSF permite uma outra maneira de abordagem que facilita o tratamento. Sujeito 10 – Tem, mas precisa ser melhorada muito mais. Até a própria população precisa ser conscientizada disso para procurar mais e facilitar o trabalho do próprio profissional do PSF para nós sermos mais bem aceitos. Outra coisa que eu acho também é que o número de usuários do PSF é grande demais. Um PSF para atender a quantidade de famílias que nos é proposto, que nos é oferecido e determinado teria que ser menos gente para ser mais acolhedor, para você viver melhor essa convivência com seu usuário. Todos os PSF que eu já fui eu ví que tem gente demais, precisa ser mais dividido essas áreas onde se tem PSF, investir mais em propaganda, mostrar o trabalho do PSF para diminuir o receio do usuário. Por outro lado os PSF também não estão fazendo essa parte porque não tem tempo também. São dificuldades paralelas de ambos os lados, mas a gente está a caminho. 112 Sujeito 11 –Tem porque eu faço acontecer. Eu me propus a trabalhar fazendo as visitas às comunidades onde faço escovação, aplicação tópica de flúor, fazer palestras e conhecer o contexto sócio-econômico deles para eu ver onde eu poderia trabalhar. Não adianta falar para eles: vocês vão comer frutas e verduras e não vão comer açúcar porque o açúcar é o grande vilão dessa história, se eu sei que essa não é a realidade. Você precisa escovar assim ou assado e a pessoa não tem escova e muitas vezes, não tem não é porque não pode pagar, é cultural. “Precisamos educar esse povo”. Sei que a demanda é grande, mas a visita é importante para ver a realidade e inserir o paciente num contexto social. Nós profissionais não representamos nada para essa população, pois não conseguimos a mudança de valorização da saúde bucal, a mudança de comportamento ainda não aconteceu. E no PSF não mudou muita coisa, nós continuamos “tapando buracos”. 113 REORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES BUCAL NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE PORTARIA DE NORMAS E DIRETRIZES DA SAÚDE BUCAL PORTARIA N. º 267, DE 06 DE MARÇO DE 2.001 Publicada no Diário Oficial da União de 07 de Março de 2001, Seção 1, página 67. O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, considerando a necessidade de: • regulamentação da Portaria n.º 1.444/GM, de 28 de dezembro de 2000, que criou o incentivo de saúde bucal destinado ao financiamento de ações e da inserção de profissionais desta área no Programa de Saúde da Família (PSF); • ampliação do acesso da população brasileira às ações de promoção e recuperação da saúde bucal, bem como de prevenção de doenças e agravos a ela relacionados; • melhoria dos índices epidemiológicos de saúde bucal da população; • inclusão das ações de saúde bucal na estratégia do Programa de Saúde da Família, como forma de reorganização desta área no âmbito da atenção básica, resolve: Art. 1º - Aprovar as normas e diretrizes de inclusão da saúde bucal na estratégia do Programa de Saúde da Família (PSF). Parágrafo único. As normas e diretrizes de que tratam este Artigo integram o Plano de Reorganização das Ações de Saúde Bucal na Atenção Básica, constante do ANEXO 1, que integra esta Portaria. Art. 2º - Explicitar, no ANEXO 2 desta Portaria, o elenco de procedimentos no âmbito da saúde bucal, compreendidos na atenção básica, estabelecidos por intermédio da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde – NOB/SUS 96 – e na Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS). Art. 3º - Esta publicação. JOSÉ SERRA Portaria entrará em vigor na data de sua 114 ANEXO I PLANO DE REORGANIZAÇÃO NA ATENÇÃO BÁSICA DAS AÇÕES DE SAÚDE BUCAL A) INTRODUÇÃO A universalização do acesso, a integralidade da atenção, a eqüidade, a descentralização da gestão, a hierarquização dos serviços e o controle social são princípios e diretrizes constitucionais e legais de funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS – que, para o seu cumprimento, requerem a reordenação das práticas sanitárias e, por via de conseqüência, a transformação do modelo de atenção prevalente. O Programa de Saúde da Família – PSF – do Ministério da Saúde envolve um conjunto de ações individuais e coletivas que tem se mostrado eficaz para a reorganização da atenção básica, o que possibilita, por conseguinte, o reordenamento dos demais níveis de atenção do sistema local de saúde. A necessidade de melhorar os índices epidemiológicos de saúde bucal e de ampliar o acesso da população brasileira às ações a ela relacionadas – quer em termos de promoção, quer de proteção e recuperação – impulsionou a decisão de reorientar as práticas de intervenção neste contexto, valendo-se, para tanto, de sua inclusão na estratégia de saúde da família. B) OBJETIVOS O presente Plano tem por objetivos: - melhorar as condições de saúde bucal da população brasileira; - orientar as práticas de atenção à saúde bucal, consoante ao preconizado pelo Programa Saúde da Família; - assegurar o acesso progressivo de todas as famílias residentes nas áreas cobertas pelas equipes de saúde da família às ações de promoção e de prevenção, bem como aquelas de caráter curativo-restauradoras de saúde bucal; - capacitar, formar e educar permanentemente os profissionais de saúde bucal necessários ao PSF, por intermédio da articulação entre as instituições de ensino superior e as de serviço do SUS; - avaliar os padrões de qualidade e o impacto das ações de saúde bucal desenvolvidas, de acordo com os princípios do PSF. 115 C) BASES PARA REORIENTAÇÃO DAS AÇÕES DE SAÚDE BUCAL A inclusão das ações de saúde bucal na estratégia de saúde da família deverá expressar os princípios e diretrizes do SUS e apresentar as seguintes características operacionais: I. caráter substitutivo das práticas tradicionais exercidas nas unidades básicas de saúde; II. adscrição da população sob a responsabilidade da unidade básica de saúde; III. integralidade da assistência prestada à população adscrita; IV. articulação da referência e contra-referência aos serviços de maior complexidade do Sistema de Saúde; V. definição da família como núcleo central de abordagem; VI. humanização do atendimento; VII. abordagem multiprofissional; VIII. estímulo às ações de promoção da saúde, à articulação intersetorial, à participação e ao controle social; IX. educação permanente dos profissionais; X. acompanhamento e avaliação permanente das ações realizadas. D) ESTRATÉGIAS PARA INCORPORAÇÃO DAS AÇÕES DE SAÚDE BUCAL NO PSF 1. A inclusão dos profissionais de saúde bucal nas equipes de saúde da família dar-se-á por meio de duas modalidades: 1.1. modalidade I, que compreende um cirurgião dentista (CD) e um atendente de consultório dentário (ACD); e 1.2. modalidade II, que compreende um CD, um ACD e um técnico em higiene dental (THD). 2. A carga horária de trabalho desses profissionais deverá ser de 40 horas semanais. 3. A relação de equipe de saúde bucal – ESB – por equipe de saúde da família basear-se-á nos seguintes parâmetros: 3.1. cada ESB deverá atender, em média, 6.900 (seis mil e novecentos) habitantes; 3.2. nos municípios com população inferior a 6.900 (seis mil e novecentos) habitantes, deverá ser implantada uma ESB para uma ou duas equipes de saúde da família implantadas ou em processo de implantação; e 3.3. nos municípios com população superior a 6.900 (seis mil e novecentos) habitantes, deverá ser implantada uma ESB para cada duas equipes de saúde da família implantadas ou em processo de implantação. 116 4. a adequação de espaços para a estruturação dos serviços odontológicos levará em conta as instalações já existentes e as iniciativas locais de organização dos serviços, desde que atendam os critérios de referência territorial e a facilidade do acesso da população; 5. as equipes de saúde da família deverão executar integralmente, no âmbito da atenção básica, ações de saúde bucal em sua área adscrita e segundo os critérios de territorialização já estipulados; 6. as ações especializadas de saúde bucal deverão ser referenciadas no próprio território municipal ou no município sede, conforme o Plano Diretor de Regionalização – PDR – do SUS; 7. os profissionais de saúde bucal e demais membros das equipes de saúde da família deverão ter responsabilidade sanitária em relação à população adscrita, desenvolvendo ações de prevenção de doenças e agravos e de promoção e recuperação da saúde; 8. as ações de promoção e de prevenção no âmbito da saúde bucal serão planejadas e desenvolvidas de forma interdisciplinar; 9. o registro das atividades de saúde bucal deverá ser feito no Sistema de Informação da Atenção Básica – Siab –, para fins de planejamento, monitoramento e avaliação das equipes; 10. o processo de qualificação dos municípios ao incentivo financeiro para as ações de saúde bucal será objeto de regulamentação da Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde. E) ATRIBUIÇÕES DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE BUCAL ATRIBUIÇÕES COMUNS AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE BUCAL NO PSF I. Participar do processo de planejamento, acompanhamento e avaliação das ações desenvolvidas no território de abrangência das unidades básicas de saúde da família. II. Identificar as necessidades e expectativas da população em relação à saúde bucal. III. Estimular e executar medidas de promoção da saúde, atividades educativas e preventivas em saúde bucal. IV. Executar ações básicas de vigilância epidemiológica em sua área de abrangência. V. Organizar o processo de trabalho de acordo com as diretrizes do PSF e do plano de saúde municipal. VI. Sensibilizar as famílias para a importância da saúde bucal 117 na manutenção da saúde. VII. Programar e realizar visitas domiciliares de acordo com as necessidades identificadas. VIII. Desenvolver ações intersetoriais para a promoção da saúde bucal. ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS DO CIRURGIÃO-DENTISTA (CD) I. Realizar exame clínico com a finalidade de conhecer a realidade epidemiológica de saúde bucal da comunidade. II. Realizar os procedimentos clínicos definidos na Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde – NOB/SUS 96 – e na Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS). III. Assegurar a integralidade do tratamento no âmbito da atenção básica para a população adscrita. IV. Encaminhar e orientar os usuários, que apresentarem problemas mais complexos, a outros níveis de especialização, assegurando o seu retorno e acompanhamento, inclusive para fins de complementação do tratamento. V. Realizar atendimentos de primeiros cuidados nas urgências. VI. Realizar pequenas cirurgias ambulatoriais. VII. Prescrever medicamentos e outras orientações na conformidade dos diagnósticos efetuados. VIII. Emitir laudos, pareceres e atestados sobre assuntos de sua competência. IX. Executar as ações de assistência integral, aliando a atuação clínica à de saúde coletiva, assistindo as famílias, indivíduos ou grupos específicos, de acordo com plano de prioridades locais. X. Coordenar ações coletivas voltadas para a promoção e prevenção em saúde bucal. XI. Programar e supervisionar o fornecimento de insumos para as ações coletivas. XII. Supervisionar o trabalho desenvolvido pelo THD e o ACD. XIII. Capacitar as equipes de saúde da família no que se refere às ações educativas e preventivas em saúde bucal. XIV. Registrar na Ficha D – Saúde Bucal, do Sistema de Informação da Atenção Básica – Siab – todos os procedimentos realizados. ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL (THD) I. Realizar, sob a supervisão do cirurgião dentista, procedimentos preventivos nos usuários para o atendimento clínico, como escovação supervisionada, evidenciação de placa bacteriana, aplicação tópica de flúor, selantes, raspagem, alisamento e polimento. II. Realizar procedimentos reversíveis em atividades restauradoras, sob supervisão do cirurgião dentista. III. Auxiliar o cirurgião dentista (trabalho a quatro mãos). IV. realizar procedimentos coletivos como escovação 118 supervisionada, evidenciação de placa bacteriana e bochechos fluorados na Unidade Básica de Saúde da Família e espaços sociais identificados. V. Cuidar da manutenção e conservação dos equipamentos odontológicos. VI. Acompanhar e apoiar o desenvolvimento dos trabalhos da equipe de saúde da família no tocante à saúde bucal. VII. Registrar na Ficha D – Saúde Bucal, do Sistema de Informação da Atenção Básica – Siab – todos os procedimentos de sua competência realizados. ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS DO ATENDENTE DE CONSULTÓRIO DENTÁRIO (ACD) I. Proceder à desinfecção e esterilização de materiais e instrumentos utilizados. II. Realizar procedimentos educativos e preventivos nos usuários para o atendimento clínico, como evidenciação de placa bacteriana, orientações à escovação com o uso de fio dental sob acompanhamento do THD. III. Preparar o instrumental e materiais para uso (sugador, espelho, sonda e demais materiais necessários para o trabalho). IV. Instrumentalizar o cirurgião dentista ou THD durante a realização de procedimentos clínicos. V. Cuidar da manutenção e conservação dos equipamentos odontológicos. VI. Agendar e orientar o paciente quanto ao retorno para manutenção do tratamento. VII. Acompanhar e apoiar o desenvolvimento dos trabalhos da equipe de saúde da família no tocante à saúde bucal. VIII. Realizar procedimentos coletivos como escovação supervisionada, evidenciação de placa bacteriana e bochechos fluorados na Unidade Básica de Saúde da Família e espaços sociais identificados. IX. Registrar no Siab os procedimentos de sua competência realizados. ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE (ACS) I. Desenvolver ações de promoção de saúde bucal e de prevenção das doenças neste âmbito mais prevalentes no seu território de atuação. II. Identificar espaços coletivos e grupos sociais para o desenvolvimento das ações educativas e preventivas em saúde bucal. III. Registrar no Siab os procedimentos de sua competência realizados. 119 F) RESPONSABILIDADES INSTITUCIONAIS MINISTÉRIO DA SAÚDE I. Regulamentar e repassar os incentivos financeiros para os Fundos Municipais ou Estaduais de Saúde, segundo as modalidades de inclusão das ações de saúde bucal no PSF. II. Estabelecer normas e diretrizes para a reorganização das ações de saúde bucal na atenção básica por intermédio da estratégia de saúde da família. III. Prestar assessoria técnica aos estados e municípios relativa ao processo de implantação e de gerenciamento da saúde bucal no PSF. IV. Estabelecer parceria com as Secretarias Estaduais de Saúde com vistas ao incremento dos processos de capacitação da equipe e de formação de pessoal auxiliar em saúde bucal. V. Elaborar e editar material didático para a capacitação dos profissionais de saúde bucal e dos agentes comunitários de saúde. VI. Tornar disponível o Siab como instrumento para monitorar as ações de saúde bucal desenvolvidas no PSF. VII. Consolidar, analisar e divulgar os dados relacionados à saúde bucal de interesse nacional gerados pelo sistema de informação, divulgando resultados obtidos. VIII. Identificar recursos técnicos e científicos para o processo de controle e avaliação dos resultados e do impacto das ações de saúde bucal no PSF. SECRETARIAS ESTADUAIS DE SAÚDE (SES) I. Garantir a inclusão das ações de saúde bucal no Plano Diretor de Regionalização – PDR – do SUS. II. Contribuir para a reorganização das ações de saúde bucal na atenção básica por intermédio da estratégia de saúde da família. III. Prestar assessoria técnica aos municípios em todo o processo de implantação, planejamento, monitoramento e gerenciamento das ações de saúde bucal no PSF. IV. Viabilizar, em parceria com o Ministério da Saúde, a capacitação técnica e a educação permanente específica em saúde da família para os profissionais de saúde bucal, por intermédio dos Pólos de Capacitação, Formação e Educação Permanente e ou de outras instituições de ensino, em articulação com as Secretarias Municipais de Saúde (SMS). V. Viabilizar, em parceria com o Ministério da Saúde, a formação de pessoal auxiliar em saúde bucal – THD e ACD – para atuar nas equipes de saúde da família, por intermédio das Escolas Técnicas de Saúde do SUS ou Centros Formadores de Recursos Humanos e ou de outras instituições formadoras, em articulação com as SMS. VI. Contribuir na produção e disponibilidade de material 120 didático para capacitação dos profissionais de saúde bucal e dos agentes comunitários de saúde. VII. Assessorar os municípios na implantação do Siab. VIII. Consolidar e analisar os dados relativos à saúde bucal de interesse estadual e alimentar o banco de dados nacional. IX. Identificar recursos técnicos e científicos para o processo de controle e avaliação dos resultados e do impacto das ações de saúde bucal do PSF no âmbito do estado. X. Promover intercâmbio de informações relacionadas às experiências em saúde bucal no PSF entre os municípios. SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE (SMS) I. Definir a estratégia de inclusão das ações de saúde bucal nos territórios de abrangência das equipes de saúde da família. II. Garantir a infra-estrutura e os equipamentos necessários para a resolubilidade das ações de saúde bucal no PSF. III. Assegurar o vínculo dos profissionais de saúde bucal nas equipes de saúde da família, em regime de 40 horas semanais, por intermédio de contratação específica e ou adequação dos profissionais já existentes na rede de serviços de saúde. IV. Considerar o diagnóstico epidemiológico de saúde bucal para a definição das prioridades de intervenção no âmbito da atenção básica e dos demais níveis de complexidade do sistema. V. Definir fluxo de referencia e contra-referência para serviços de maior complexidade ou de apoio diagnóstico, considerando o Plano Diretor de Regionalização do SUS. VI. Proporcionar, em parceria com a SES, a capacitação e a educação permanente dos profissionais de saúde bucal das equipes por intermédio dos Pólos de Formação, Capacitação e Educação Permanente, das Escolas Técnicas de Saúde do SUS ou Centros Formadores de Recursos Humanos e ou de outras instituições de ensino. VII. Proporcionar, em parceria com a SES, a formação de pessoal auxiliar – THD e ACD –, por intermédio das Escolas Técnicas de Saúde do SUS ou Centros Formadores de Recursos Humanos e ou de outras instituições formadoras. VIII. Tornar disponíveis materiais didáticos para capacitação dos profissionais de saúde bucal e dos agentes comunitários de saúde. IX. Alimentar a base de dados do Siab, de acordo com as Portarias que o regulamentam. X. Utilizar os dados do Siab para o planejamento, o monitoramento e a avaliação das ações de saúde bucal no âmbito do PSF. G) FINANCIAMENTO DA SAÚDE BUCAL NO PSF A transferência de recursos federais aos estados e municípios, que compõem o financiamento tripartite das ações 121 de saúde bucal na atenção básica, vem se efetivando por meio do Piso de Atenção Básica. A indução do processo de reorganização das ações de saúde bucal no âmbito da atenção básica – prestada por intermédio do PSF – estará baseada no incentivo financeiro específico criado para tal (Portaria n. º 1444, de 28 de dezembro de 2000). Os municípios que se qualificarem a essas ações receberão incentivo financeiro anual, por equipe implantada, transferido do Fundo Nacional de Saúde para o Fundo Municipal ou Estadual de Saúde, em parcelas mensais, correspondendo a 1/12 (um doze avos), de acordo com a modalidade de inclusão. Será transferido um incentivo adicional, em parcela única, para aquisição de instrumental e equipamentos odontológicos. Para fins de orientação dessa aquisição, é apresentada, a seguir, a relação mínima de equipamentos odontológicos e instrumentais. No caso da existência desses equipamentos no local destinado ao atendimento, o incentivo adicional poderá ser utilizado para complementá-los ou ainda para a aquisição de outros equipamentos e ou instrumentais de uso odontológico que se façam necessários na atenção básica. Equipamentos Odontológicos • • • • • • • • Aparelho Fotopolimerizador Cadeira odontológica Compressor Equipo odontológico Estufa ou autoclave Mocho Refletor Unidade auxiliar Instrumentais Odontológicos • • • • • • • • • • • • • • • Alveolótomo Aplicador para cimento (duplo) Bandeja de aço Brunidor Cabo para bisturi Cabo para espelho Caixa inox com tampa Condensador Hollemback Cureta alveolar Elevadores (alavancas) para raiz Esculpidor Hollemback Espátula Espelho odontológico Fórceps infantis e adultos Lima óssea 122 • • • • • • • • • • • • Pinça Halstead (mosquito) curva e reta Pinça para algodão Porta agulha Porta amálgama Porta matriz Seringa Carpule Sindesmótomo Sonda exploradora Sonda periodontal milimetrada Tesoura cirúrgica reta e curva Tesoura íris Tesoura standart ANEXO II ELENCO DE NA ATENÇÃO BÁSICA PROCEDIMENTOS DE SAÚDE BUCAL Os procedimentos odontológicos, a seguir relacionados, referem-se àqueles constantes da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde – NOB/SUS 96 – e da Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS). • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Procedimentos Coletivos (PC) Consulta odontológica – 1º consulta; Aplicação Terapêutica Intensiva com Flúor – por sessão; Aplicação de cariostático (por dente); Aplicação de selante (por dente); Controle de placa bacteriana; Escariação (por dente); Raspagem, alisamento e polimento - RAP (por hemi-arcada); Curetagem supra-gengival e polimento dentário (por hemiarcada); Selamento de cavidade com cimento provisório (por dente); Capeamento pulpar direto em dente permanente; Pulpotomia em dente decíduo ou permanente e selamento provisório; Restauração a pino; Restauração com amálgama de duas ou mais faces; Restauração com amálgama de uma face; Restauração com compósito de duas ou mais faces; Restauração com compósito de uma face; Restauração com compósito envolvendo ângulo incisal; Restauração com silicato de duas ou mais faces; Restauração com silicato de uma face; Restauração fotopolimerizável de duas ou mais faces; Restauração fotopolimerizável de uma face; 123 • • • • • • • • • • • Restauração com ionômero de vidro de uma face; Restauração com ionômero de vidro de duas ou mais faces; Exodontia de dente decíduo; Exodontia de dente permanente; Remoção de resto radicular; Tratamento de alveolite; Tratamento de hemorragia ou pequenos procedimentos de urgência; Ulotomia; Ulectomia; Glossorrafia; Necropulpectomia em dente decíduo ou permanente;