ORGANIZAÇÃO SETE DE SETEMBRO DE CULTURA E ENSINO LTDA FACULDADE SETE DE SETEMBRO – FASETE BACHARELADO EM DIREITO KÉZIA AINOÃ DA SILVA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA: Aspectos éticos e jurídicos no exercício da profissão PAULO AFONSO / BA 2014 KÉZIA AINOÃ DA SILVA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA: Aspectos éticos e jurídicos no exercício da profissão Monografia apresentada ao corpo docente do curso de Bacharelado em Direito, da Faculdade Sete de Setembro – FASETE, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Esp. Greicy Carpina de Lima. PAULO AFONSO / BA 2014 Dedico esse trabalho ao meu filho Giuliano! AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar à Deus criador do universo, por permitir que na imensidão do seu amor promova a busca do conhecimento e que este se espalhe para os que necessitam. À minha família; minha mãe Maria José, minha irmã Márcia meu esposo Gibson, minha orientadora Greyce Carpina e a todos os colegas, amigos, funcionários que de uma forma direta e indiretamente contribuíram para o desenvolvimento do trabalho e para o crescimento cientifico e espiritual do autor. A odontologia é uma profissão que exige dos que a ela se dedicam, os conhecimentos científicos de um médico, a destreza manual de um cirurgião, o senso estético de um artista e a paciência de um monge. Papa Pio XII SILVA, Kézia Ainoã da. RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA: Aspectos éticos e jurídicos no exercício da profissão. 2014. 50p. Monografia (Bacharelado em Direito). Faculdade Sete de Setembro – FASETE. Paulo Afonso/BA. RESUMO Esta monografia versa sobre a responsabilidade civil do cirurgião-dentista, com objetivo geral de relacionar os aspectos concernentes à natureza legal e ética a que o cirurgião-dentista é submetido diariamente, em sua atividade, em especial o grande número de ajuizamento de processos indenizatórios, em casos de insucesso no tratamento. Os objetivos específicos se constituíram em demonstrar medidas preventivas, relacionadas com o exercício da Odontologia, a fim de evitar futuras ações judiciais e melhorar a relação de consumo entre profissional e paciente; apresentar alguns cuidados que esses profissionais devem ter para melhorar a relação entre esse profissional e o paciente, à luz do direito civil e do consumidor. Assim, fundamentada em estudo bibliográfico, com pesquisas realizadas na legislação brasileira, na doutrina e na jurisprudência, verificou-se a relevância da informação ao paciente dos riscos e resultados e a consciência ética, moral e profissional do cirurgião-dentista para o sucesso do tratamento odontológico, assim como para evitar futuras demandas judiciais. Também foi possível observar que a responsabilidade do profissional poderá ter interpretação diferente, a depender do serviço prestado. Pode-se concluir, desta forma, que o cirurgião-dentista deve, além do conhecimento técnico-científico, atender respeitando os limites éticos que a profissão lhe impõe, buscando atualizar-se constantemente, conservar um eficiente e organizado sistema de documentação e ter uma relação harmoniosa com seus pacientes. Palavras-chave: Responsabilidade Odontológico. Ética Civil. Cirurgião-Dentista. Procedimento SILVA, Ainoã Kézia da. CIVIL LIABILITY OF DENTAL SURGEON: ethical and legal aspects in the professional activities. 2014. 50p. Monography (Bachelor in Law). Faculdade Sete de Setembro - FASETE. Paulo Afonso/BA. ABSTRACT This monography concerns abaout the dentist`s civil liability, with the general purpose to study both legal and ethical aspects that the dentist is daily exposed in his activity, considering the large number of judicial processes held in cases of treatment failure. The specific objectives were to demonstrate preventive actions during the practice of dentistry in order to avoid future lawsuits as well as to improve the consumer relationship between the professional and the patient. It hás also the objective to present and discuss some care actions that these professionals should take in order to improve the relationship between himself and the patient, according to both civil and consumer law. Thus, based on literature researches, specially Brazilian law, doutrine thesis and jurisprudence, it was possible to verify the importance of the information given to the patient, mainly concerning the risks and possible results, as well as ethical, moral and professional awareness of the dentist for a successful dental treatment, so as to avoid future lawsuits and judicial processes. It was also observed that the responsibility of the professional may have different interpretation, depending on the service provided. It can be concluded, therefore, that the dentist must, besides the technical and scientific knowledge, attend the ethical guidelines for a succesful treatment, constantly seeking to upgrade his career sutdies, maintaining an efficient and organized documentation system, as well as having a harmonious relationship with his patients. Keywords: Liability. Dental Surgeon. Dental procedure. Ethics. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 - Vista frontal de uma prótese fixa mandibular (4 incisivos humanos naturais e dois dentes entalhados em marfim, atados com arame de ouro) encontrada no Sidão, principal cidade da Antiga Fenicia. Data provável da 12 prótese entre os séculos IV e V a.C. Museu do Louvre, Paris .............................. Figura 02 - O Barbeiro Cirurgião, Isaac Koedyck, 1647 ....................................... 14 Figura 03 – Aparelho Bandau idealizado por Fauchard ....................................... 16 Figura 04 – Extração dentária .............................................................................. 19 Figura 05 – Chaves de Garangeot ....................................................................... 19 Figura 06 – Dentaduras do século XIX ................................................................. 20 Figura 07 – Boutiques de Barbier, obra em aquarela de Debret, do Primeiro Império ................................................................................................................... 20 Figura 08 – Distribuição do número de processos por ano .................................. 24 Figura 09 – Distribuição do número de processos por Unidade de Federação ... 24 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10 1 BREVE HISTÓRICO DA ODONTOLOGIA ........................................................ 12 1.1 OS PRIMÓRDIOS DA ODONTOLOGIA ......................................................... 12 1.2 ODONTOLOGIA NO BRASIL – ASPECTOS LEGAIS .................................... 16 2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA ............................. 23 2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL ............................................... 25 2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA ........................... 26 2.3 DANO ODONTOLÓGICO ............................................................................... 27 2.4 OBRIGAÇÃO DE MEIO E DE RESULTADO .................................................. 31 3 ASPECTOS PROCESSUAIS E ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ..................... 34 3.1 ASPECTOS PROCESSUAIS .......................................................................... 34 3.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ....................................................................... 38 3.2 CUIDADOS QUE DEVE TER O CIRURGIÃO-DENTISTA .............................. 42 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 45 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 47 10 INTRODUÇÃO No Brasil, desde o advento da Carta Republicana de 1988, a responsabilidade civil dos profissionais da área da saúde vem sendo muito questionada por toda a sociedade. Isso ocorreu devido ao fato de a Carta Magna ter tratado a saúde como um direito fundamental da pessoa. Prova de tal questionamento é que, atualmente, tanto a mídia quanto o judiciário confirmam o grande número de processos contra os profissionais de saúde, dentre eles, os odontólogos. A matéria responsabilidade civil do cirurgião-dentista, todavia, ainda é pouco desenvolvido pela doutrina pátria. Na maioria dos livros, ele é analisado de forma subsidiária à da responsabilidade médica; situação que não se encontra conforme realidade (BRASIL, 2002; SILVA; MUSSE; MELANI; OLIVEIRA, 2009; GIOSTRI, 2009). Sobre a atividade do cirurgião-dentista, não existe uma concordância entre legisladores e juristas em considerá-la como sendo um resultado de meio ou de obrigação. Porém, a maioria dos juristas brasileiros entende que, diferentemente dos procedimentos da área da medicina, para um grande número dos tratamentos odontológicos, é possível antever um resultado final. Assim, tais tratamentos incidem, via de regra, em obrigações de resultados, tendo o profissional, além do dever de utilizar todo cuidado e recursos indispensáveis ao exercício de sua profissão, também, o dever de garantir a finalidade desejada pelo paciente (FIGUEIRA JUNIOR; TRINDADE, 2010). A relevância deste estudo se dá pelo crescente número de processos judiciais em desfavor do cirurgião-dentista, como também pelo desenvolvimento acelerado da tecnologia e o aumento de profissionais atuando na área tem contribuído para a grande quantidade de maus procedimentos durante o atendimento, o que tem provocado a insatisfação dos pacientes e a dificuldade de provar a culpa desses profissionais. Nesse sentido, observa-se a importância de se atentar para a distinção que existe entre obrigação de meio ou de resultado, para assim proceder à análise do caso. A presente monografia tem por objetivo, mediante revisão de literatura e de jurisprudências nacionais, relacionar os aspectos relacionados à natureza legal e ética a que os cirurgiões-dentistas são submetidos diariamente, em sua atividade, bem como os pilares da responsabilidade civil e a postura ética desses profissionais. 11 Bem como evidenciar medidas preventivas no aspecto jurídico, a fim de evitar futuras ações judiciais e melhorar a relação de consumo entre profissional e paciente. O estudo visa ainda alertar para o elevado número de ações perante estes profissionais devido à insatisfação dos serviços prestados e propor medidas que ajudem a melhorar a relação entre esse profissional e o paciente, à luz do direito civil e consumidor. Ante o exposto, a pesquisa, para atingir tais objetivos, busca responder à seguinte questão: Quais as medidas relacionadas com a prevenção de ações judiciais e a responsabilidade civil do profissional de odontologia? Assim, buscou-se subsídio em livros jurídicos e artigos, teses, dissertações e monografias disponíveis na rede mundial de computadores, bem como se utilizou de jurisprudências pátrias e de consultas aos sites de Tribunais. Foi estudada também a Constituição da República de 1988, o Código Civil de 2002 (Lei 10.406/02), o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), o Código de Ética Odontológica, dentre outras legislações relacionadas ao tema em questão. O trabalho foi desenvolvido, primeiramente com a história da odontologia, uma vez que se faz necessário traçar um breve escorço histórico para entender melhor como surgiu e se estabelece, atualmente, a responsabilidade civil do cirurgião-dentista. Posteriormente, no capítulo dois, o estudo apresenta o instituto da responsabilidade civil do cirurgião-dentista que, assim como o médico, também responde por seus atos e serviços prestados com peculiar e privada característica. O terceiro capítulo analisa as jurisprudências de processos de responsabilidade civil contra cirurgiões-dentistas confrontando a parte teórica com a prática, como também discorre sobre as medidas relacionadas com a prevenção de ações judiciais. Por fim, apresentam-se as considerações finais. 12 1 BREVE HISTÓRICO DA ODONTOLOGIA 1.1 OS PRIMÓRDIOS DA ODONTOLOGIA Raras são as referências bibliográficas que tratam, especificamente, do surgimento da odontologia através da história. Nem mesmo em consulta a alguns profissionais da área, estes, souberam indicar algum livro que pudesse contribuir para complemento deste capítulo. Todavia, não é o escopo principal deste estudo discorrer particularmente sobre a história da odontologia, mas, se faz necessário traçar um breve escorço histórico para entender melhor como surgiu e se estabelece, atualmente, a responsabilidade civil do cirurgião-dentista. O que se sabe, é que em tempos remotos, o tratamento de problemas dentários existe desde o aparecimento do homem na face da terra. Diversos achados arqueológicos confirmam que há milhares de anos já havia uma preocupação nesse sentido, inclusive uma prevenção de doenças que atingissem os dentes. De fato, estudos realizados por arqueólogos em ossos e vestígios encontrados na América pré-colombiana, segundo Oliveira (2000, p.19), “[...] sugerem que dentes cariados eram perfurados com um instrumento semelhante a um pequeno tubo e no local eram colocadas pequenas pedras fixadas com cimento [...]”. Figura 01 – Vista frontal de uma prótese fixa mandibular (4 incisivos humanos naturais e dois dentes entalhados em marfim, atados com arame de ouro) encontrada no Sidão, principal cidade da Antiga Fenicia. Data provável da prótese entre os séculos IV e V a.C. Museu do Louvre, Paris. Fonte: <http://www.uniodonto-sc.com.br> Acesso em 17 ago. 2013. 13 Contudo, o surgimento da medicina e da odontologia como ciências ocorreu no Império da Babilônia, onde os médicos e dentistas eram muito bem recompensados pelo sucesso dos tratamentos ou duramente castigados pelo resultado negativo (OLIVEIRA, 2000, p.20). Nesta época, o Código de Hamurabi (1790-1770 a.C), já trazia nos parágrafos 200 e 201 do tema XII, que trata dos delitos e penas, a responsabilidade do profissional dentista acerca de sua conduta culposa: 200º – Se alguém arrancar o dente de um igual, seu próprio dente será arrancado 201º – Se alguém arrancar o dente de um inferior, será multado em um terço de mina de prata. Conforme Oliveira (2000, p.21), também há indícios de desenvolvimento de métodos de tratamento dentário entre os hebreus e os fenícios e no Egito antigo, cada um com suas práticas e formas peculiares. Do mesmo modo, como os demais mortais, os faraós também não estavam livres de doenças dentárias e, em primeiro momento, a extração de dentes parecia ser o tratamento mais empregado. Todavia, os estudos em algumas mandíbulas estudadas indicam que foram feitos drenos para aliviar a pressão e, por conseguinte, a dor causada pelo pus acumulado por causa de cáries em estado avançado. Entretanto, foi na Grécia antiga que apareceram os primeiros registros sobre a preocupação da saúde bucal, no século V, com o pai da medicina Hipócrates. Acreditava que os problemas dentários estavam relacionados à hereditariedade e derivavam de uma disposição natural. De acordo com Oliveira (2000, p.22): “Foi só após a conquista romana e a transformação da Grécia em província de Roma que, sob esta influência passou-se a praticar hábitos de higiene oral com a utilização de alabastro, pó de coral e menta”. Ainda de acordo com Oliveira (2000, p.22), em Roma não havia diferenças entre doenças da boca e dos dentes com moléstias do resto do corpo, sendo considerada como um ramo da medicina. Os romanos tinham excelentes técnicas para tratamentos dentários fossem para extração ou para restauração, inclusive fazendo restaurações em ouro, porém: 14 O maior legado romano, contudo, refere-se à higiene bucal. Alguns escritos dão conta de que este povo utilizava uma imensa variedade de substâncias como dentrífico. Além disso, há referências a uma substância chamada nitrum, que, por sua descrição, assemelha-se ao carbonato de potássio ou ao carbonato de sódio, que era queimada e esfregada nos dentes para clareá-los. Foi, ainda, nesse período, que se espalhou a informação de que a dor de dente era provocada por um verme que atacava os dentes dos indivíduos, crença esta, que foi aceita por toda a Idade Média onde pessoas sem conhecimento algum de medicina ou odontologia começaram a se especializar em realizar tratamentos dentários quer para executar a extração ou cura de um dente. Destaca-se que os conhecimentos eram adquiridos empiricamente mediante tentativas, e as principais pessoas que se especializaram no ramo, estranhamente aos nossos olhos atualmente, eram os barbeiros (OLIVEIRA, 2000, p.23). Continua Oliveira, em sua excelente obra “Responsabilidade Civil Odontológica” no capítulo acerca da história da odontologia, relata: A profissão de cirurgião-dentista surgiu na França, durante o século XIII, unida à figura do barbeiro. Posteriormente, durante o século XVI, o uso de cabeleiras postiças passou a exigir um maior número de barbeiros que, nesta época, desempenhavam, também a função de cortar, barbear, pentear e, estranhamente, exercer a arte dentária. Foi nessa época que se separaram as duas profissões, surgindo os primeiros dentistas. (OLIVEIRA, 2000, p.24). Figura 02 – O Barbeiro Cirurgião, Isaac Koedyck, 1647. Fonte: http://medicineisart.blogspot.com.br/2010/08/os-barbeiros-cirurgioes-na-arte.html> Acesso em 17 ago. 2013. 15 Oliveira (2000, p.24), citando Lopes da Costa completa dizendo: [...] os primeiros traços de regulamentação da profissão, na França, remontam ao edito de 10 de maio de 1768, que proibiu o exercício da profissão que não tivessem o título de perito-dentista, conferido pelo Colégio de Cirurgias de Paris. Para se conseguir este diploma, o candidato deveria provar ter tido dois anos de prática na clínica de algum cirurgião, de Paris ou de seus arredores e sujeitar-se a dois exames, estando os demais impedidos de exercer a profissão sob pena de multa. Pouco depois da Revolução Francesa, especificamente em 1793, houve um atraso, com a vitória da burguesia foram extintas todas as escolas oficiais, tornando livre a arte da cura, aparecendo então diversos charlatões, causando insegurança às pessoas. Dez anos após, constatando-se a necessidade de se regulamentar o exercício de cura, surge uma lei que determina o diploma de medicina para os procedimentos de cura. Contudo, esta lei não particularizou os dentistas, tornandose discutível o exercício da profissão até 26 de junho de 1848, quando a Corte de Cassação de Paris estabeleceu a autonomia desta profissão, desvinculando-se da medicina. Entretanto, só em 30 de novembro de 1892, que foi vetado o exercício da profissão de dentista por quem não tivesse diploma (OLIVEIRA, 2000, p.24). No século XVIII, Pierre Fauchard (1678-1761) e sua obra “Tratado dos dentes para os cirurgiões dentistas” provocou um salto para a ciência da odontologia, sendo considerado o “Pai da Odontologia moderna”. O livro envolvia anatomia, fisiologia, entre outros temas, e mencionava a piorreia alveolar, que depois recebeu o nome de “enfermidade de Fauchard” (doença periodontal). Foi ele que criou o termo cirurgiãodentista para a profissão, inventou o pivot e começou a desenvolver dentaduras. Reconheceu ainda a íntima relação entre as condições orais e a saúde em geral (CARVALHO, 2013). Neste trabalho, Fauchard apresentou um aparelho chamado bandeau (Fig. 03), que consistia de uma tira de metal flexionada em forma de arco e perfurada em determinados pontos. Os dentes mal posicionados eram movimentados mediante a ação de fios de fibra, que passavam ao redor de suas coroas e através das perfurações. Foi o primeiro arco expansor introduzido na Ortodontia, mas na prática, como não apresentava estabilidade, não havia como mantê-lo corretamente em posição no arco dentário (VILELLA, 2007). 16 Figura 03 – Aparelho Bandau idealizado por Fauchard. Fonte: Vilella (2007). A inauguração da primeira escola dentária do mundo ocorreu em 06 de março de 1840, criada por Harris e Hayden no Estado de Marilândia, na cidade de Baltimore, EUA (Baltimore College of Dental Surgery). O curso tinha 16 semanas, a classe tinha cinco alunos (CARVALHO, 2013). 1.2 ODONTOLOGIA NO BRASIL – ASPECTOS LEGAIS Nos primeiros anos depois da descoberta do Brasil a odontologia praticada limitava-se basicamente às extrações dentárias, reflexo das técnicas existentes no Velho Mundo, que eram bastante rudimentares. Não existia instrumental apropriado e muito menos anestesia ou técnicas mais seguras. Os médicos (físicos) e cirurgiões evitavam trabalhar com os métodos dentários, diante de tal crueldade – sabe-se que por muitas vezes o paciente tinha suas mãos amarradas durante o ato cirúrgico -, afirmando riscos para o paciente (morte) e infecções, na maioria das vezes, impossíveis de controlar. Diziam que tais procedimentos (extrações) poderiam danificar suas mãos ao realizar procedimentos mais delicados. Assim, diante desta situação, esses procedimentos terminavam sendo realizados por indivíduos inábeis, que geralmente ainda estavam aprendendo a profissão com alguém mais experiente. Este ofício, também denominado de “tira-dentes” na maioria das vezes era acumulado, conforme dito, por barbeiros, também chamados de sangradores, herança oriunda dos franceses (ROSENTHAL, 1995). 17 De acordo com a Carta Régia de outubro de 1448, de Don Afonso, rei de Portugal, nenhum indivíduo do reino poderia desempenhar as atividades de física e cirurgia sem a expedição de licença especial do Cirurgião-Mor, determinando prisão e multa em até três marcos de ouro aos infratores. Contudo, esta regra excluía os “tira-dentes” e sangradores. Em novembro de 1629, por meio de Carta régia foram definidos exames para habilitação de barbeiros e cirurgiões e, dois anos depois, em dezembro de 1631, estabelecia uma multa de dois mil réis às pessoas que “tirassem dentes” sem autorização. Para que se tenha uma ideia de evolução da odontologia, cabe ressaltar que, na quarta edição do Novo dicionário da Língua Portuguesa de Eduardo de Faria, de 1859, citado pelo Cirurgião-Dentista Elias Rosenthal, ainda não existia o conceito da expressão “dentista", porém trazia o seguinte conceito para a palavra barbeiro: “Barbeiro; s. m. – o que faz barba; (antigo) “sangrador”, cirurgião pouco instruído que sangrava, deitava ventosas, sarjas, punha cáusticos e fazia operações cirúrgicas pouco importantes” (ROSENTHAL, 1995). Em maio de 1743, surge a primeira legislação sobre a regulamentação deste ofício, na qual havia autorização para Joaquim José da Silva Xavier, (1746-1792) o Tiradentes, mártir da independência, a praticar a profissão da odontologia. Este era muito famoso naquele período, pois como não era comum raro ver alguém que trabalhasse com próteses, Tiradentes era um dos poucos, além, de ser muito competente, tanto em extrações de dentes - vem daí a alcunha “tira-dentes” – como no feitio de próteses. Por este motivo ficou muito conhecido não apenas em Minas Gerais como também no Rio de Janeiro. Em junho de 1782, visando um maior controle e fiscalização nas colônias de língua portuguesa, criou-se a Real Junta de Proto-Medicato. Formada por sete deputados, médicos ou cirurgiões, que foi responsável, durante três anos, pela realização de exames e emissões de cartas e autorização das “pessoas que tirassem dentes” (ROSENTHAL, 1995, p.01): Nesse período os dentes eram extraídos com as chaves de Garangeot, alavancas rudimentares, e o pelicano. Não se fazia tratamento de canais e as obturações eram de chumbo, sobre tecido cariado e polpas afetadas, com consequências desastrosas. A prótese era bem simples, esculpindo dentes em osso ou marfim, que eram amarrados com fios aos dentes remanescentes. Dentaduras eram esculpidas em marfim ou osso utilizando-se dentes Humanos e 18 de animais, retendo-as na boca por intermédio de molas, sistemas usados na Europa. Porém no Brasil, era tudo mais rudimentar. Os barbeiros e sangradores aprendiam o ofício com um mais experiente e tinham que provar uma prática de dois anos sob a vista do mesmo. Após pagar a taxa de oito oitavos de ouro. Submeter-se-iam a exame perante o cirurgião substituto de Minas Gerais e dois profissionais escolhidos por este. Aprovados, teriam suas cartas expedidas e licenças concedidas. Cronologicamente, Elias Rosenthal em seu trabalho publicado na internet com o título “História da Odontologia no Brasil” (1995, p.01), apresenta uma sequência histórica que dispensa comentários: No final do século XVIII, mais precisamente em 23 de maio de 1800, cria-se o "plano de exames", um aperfeiçoamento das formalidades e dos exames. É encontrado pela primeira vez em documentos do Reino, o vocábulo "dentista". Convém lembrar que foi criado pelo cirurgião francês Guy Chauliac (1300-1368), aparecendo pela primeira vez em seu livro "Chirurgia Magna" publicado em 1363. Em 07 de março de 1808, fugindo das forças francesas, o príncipe regente D. João VI, sua corte e a nata da sociedade portuguesa (cerca de 15 mil pessoas) chegavam a Salvador, tornando-se o Brasil por esta contingência sede do reino. Houve um grande surto de progresso. No hospital de São José, na Bahia, criava-se a Escola de Cirurgia, graças à interferência do Doutor José Corrêa Picanço, físico e cirurgião-mór; em nome da Real Junta do Proto-Medicato. Em 07 de outubro de 1809 é abolida a Real Junta do Proto-Medicato, ficando todas as responsabilidades ao encargo do físico-mór e do cirurgião- mór, com a colaboração de seus delegados e subdelegados. De acordo com Oliveira (2000, p.32), neste período, Domingos "barbeiro", conhecido no bairro da Saúde, Rio de Janeiro ficou famoso por exercer seu ofício também na casa de pacientes. Sob o braço levava uma prancha de madeira, que fazia às vezes de cadeira e uma enferrujada chave de Garangeot (FIGURAS 04 e 05). Afeito a manobras intempestivas, muitas vezes extraía também o dente vizinho, porém cobrava por somente um. Às crianças, recomendava que o dente extraído fosse jogado no telhado, falando antes e por três vezes: "Mourão, toma teu dente podre e dá cá o meu são". Também tinha um negro muito talentoso que entalhava dentaduras em osso e as vendia na porta das igrejas, depois das missas de domingo. Era só escolher, não somente a mais bonita, como também a que melhor se encaixava na boca. 19 Figura 04 – Extração dentária Figura 05 – Chaves de Garangeot Fonte: Castro (Abril/11). Disponível em: <http://reabilitaoral.blogspot.com.br/2011/04/o-dentistapratico.html>. Acesso em 18 ago. 2013. Em 1820, o Doutor Picanço conferiu ao francês Doutor Eugênio Frederico Guertin a "carta" para praticar seu ofício no Rio de Janeiro. Era diplomado pela Faculdade de Odontologia de Paris e aqui alcançou alta consideração, atendendo a maior parte da nobreza, inclusive D. Pedro II e familiares. Publicou em 1819, “Avisos Tendentes à Conservação dos Dentes e sua Substituição”, o que sugere ser a primeira obra de odontologia do Brasil. Continua Rosenthal (1995, p.01) relatando que outros dentistas franceses vieram a seguir: Celestino Le Nourrichel, Arson, Emilio Vautier, Henrique Lemale, Eugênio Delcambre, Júlio De Fontages, Hippólito E. Hallais (intitulava-se o dentista das famílias), entre outros, trazendo o que havia de melhor na odontologia no mundo. Como exemplos citam-se alguns artefatos dos Honorários de Guertin: Dentes artificiais de cavalo marinho ou marfim (4000 réis); Natural (12000 réis); Incorruptível/Porcelana (24000 réis). Rosenthal (1995, p.01) explica que as dentaduras eram compostas de duas fileiras de dentes esculpidas em marfim ou adaptadas em base metálica, sendo as arcadas unidas por molas elásticas (FIGURA 06). Em junho de 1824, Gregório Raphael Silva, do Rio de Janeiro, recebeu a primeira “Carta de Dentista” após a Independência do Brasil. 20 Figura 06 – Dentaduras do século XIX Fonte: Castro (Abril/11). Disponível em: <http://reabilitaoral.blogspot.com.br/2011/04/o-dentistapratico.html>. Acesso em 18 ago. 2013. Em agosto de 1828, D. Pedro I (1798-1834) extingue o cargo de cirurgiãomór, cujas funções começaram a ser preenchidas pelas Câmaras Municipais e Justiças Ordinárias. Foi mais ou menos neste período, graças ao francês JeanBaptiste Debret (1768-1848) que viveu no Brasil de 1816 a 1831, que foi reproduzida em aquarela durante o Primeiro Império, a primeira obra que retrata a atividade dos profissionais em odontologia (FIGURA 07). Figura 07 – Boutiques de Barbier, obra em aquarela de Debret, do Primeiro Império. Na tabuleta se lê: “Barbeiro, Cabellereiro, Sangreiro, Dentista e Deitão de Bixas”, 1821. Fonte: <http://odontologia-na-historia.blogspot.com.br/2012/03/cirurgioes-barbeiros-esangradores.html> Acesso em 18 ago. 2013. 21 Em 1850 foi instituída, mediante o decreto lei 598, a Junta de Higiene Pública o que possibilitou à medicina e, portanto à odontologia, importantes medidas que permitiram melhores condições saneadoras nos procedimentos médicos. No ano seguinte, também mediante decreto, são elaborados novos estatutos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, aprovados em 1854, por proposta de seu diretor Doutor José Martins de Cruz Jobim. A nomeação contribuiu para a evolução da profissão, sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo (ROSENTHAL, 1995). Continua Rosenthal: O decreto nº 8024 de 12 de março de 1881, art. 94 do Regulamento para os exames das Faculdades de Medicina diz: "Os cirurgiõesdentistas que quiserem se habilitar para o exercício de sua profissão passarão por duas séries de exames: - O primeiro de anatomia, histologia e higiene, em suas aplicações à arte dentária. O outro de operações e próteses dentárias”. Ante os fatos narrados, faltava apenas um líder e visionários para instituir o ensino da Odontologia no Brasil. Vem na pessoa de Vicente Cândido Sabóia, mais tarde Visconde de Sabóia que, assumindo a direção da Faculdade de Medicina em 23 de fevereiro de 1880, resolveu inicialmente atualizar o ensino, tanto material como cientificamente. Logo a seguir cria o laboratório de cirurgia dentária, encomendando aparelhos e instrumentos dos Estados Unidos. Com crédito especial obtido na lei 3.141 de 30 de outubro de 1882, monta também o laboratório de prótese dentária (1995, p.01). Todavia, ainda não havia, de fato, o curso de odontologia no Brasil, mas com os esforços de Vicente C. F. de Sabóia e Thomas Gomes dos Santos Filho, o texto dos estatutos das Faculdades de Medicina do Império, foram refeitos e aprovados com o título de Reforma Sabóias, apresentado em 25 de outubro de 1884 (que mais tarde ficou sendo considerado como “Dia do Cirurgião-Dentista”), por meio do Decreto nº 9.311, com o seguinte enunciado: Usando da autorização concedida pelo art. 2º, Parágrafo 7º, da lei 3.141 de 30 de outubro de 1882: - Hei por bem que nas Faculdades de Medicina do Império se observem os novos estatutos que com este baixam, assinados por Filippe Franco de Sá; do Meu Conselho, Senador do Império que assim o tenha entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, em 25 de outubro de 1884, 63º da Independência e do Império. Com a rubrica de sua Majestade o Imperador, Filippe Franco de Sá (BRASIL, 1884). 22 Por fim, pela primeira vez determinava-se legalmente que a odontologia no Brasil teria desenvolvimento autônomo como um curso anexo à medicina. Assim, o diploma legal em seu artigo 1º estabelecia: Art. 1º - Cada uma das Faculdades de Medicina do Império se designará pelo nome da cidade em que tiver assento; seja regida por um diretor e pela Congregação dos Lentes, e as comporá de um curso de ciências médicas e cirúrgicas e de três cursos anexos: o de Farmácia, o de Obstetrícia e Ginecologia e o de Odontologia (BRASIL, 1884). No mesmo diploma legal, no seu art. 9º, o Curso de Odontologia seria ministrado em três anos, contando cada série com as seguintes matérias: Art. 9º. Das matérias deste curso Haverá três séries: 1ª série - Física, química mineral, anatomia descritiva e topografia da cabeça. 2ª série - Histologia dentária, fisiologia dentária, patologia dentária e higiene da boca. 3ª série - Terapêutica dentária, cirurgia e próteses dentárias (BRASIL, 1884). No século XX, o Decreto Federal nº 15.003, de 15 de novembro de 1921, autorizava o exercício da profissão de dentista àqueles que: Mostrassem-se habilitados por título conferido pelas faculdades de medicina oficiais ou equiparadas na forma da lei; sendo graduados por escolas ou universidades estrangeiras, se habilitassem perante as faculdades nacionais, na forma dos respectivos regulamentos; sendo professores de universidades estrangeiras, requerem licença ao Departamento Nacional de Saúde Publica, que só concederá permissão, à vista de documentos devidamente autenticados e quando, no país a que estas pessoas pertencerem, gozarem de idêntico favor aos professores das escolas brasileiros (ROSENTHAL, 1995, p.01). Hoje, o diploma legal que regulamenta o exercício da profissão odontológica é a Lei nº 5.081, de 24 de agosto de 1966, subsidiada por outras legislações como a Resolução CFO 42/2003 de 20 de maio de 2003, que trata da Ética Odontológica. 23 2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA Este capítulo aborda o instituto da responsabilidade civil do cirurgião-dentista que, assim como o médico, também responde por seus atos e serviços prestados com peculiar e privada característica. Antes do advento da Carta Republicana de 1988, os procedimentos realizados por esses profissionais raramente eram questionados pelo paciente devido à intensa confiança que aquele detinha. Todavia, após 1988, aliada aos novos métodos terapêuticos, esta situação começou a ser alterada, ocasionando questionamentos quando do não sucesso do tratamento recebido. Um estudo feito pela Faculdade de Odontologia da USP (Ribeirão Preto/SP) mostra que a quantidade de ações contra cirurgiões-dentistas e clínicas odontológicas da cidade aumentou 1.300% em 16 anos. Conforme a pesquisa, em 1996, somente um processo relativo a possíveis danos provocados por um tratamento odontológico foi registrado no município. Em 2011, último ano computado no levantamento, este número subiu para 13 ações (GUIDINI, 2013). A pesquisa evidencia que o número de ações aumentou gradualmente em Ribeirão Preto desde 2007. Em 1996, 1998, 1999, 2001, o Judiciário recebeu somente uma ação por ano contra esses profissionais. Entre 2003 e 2006, duas ações. A partir de 2007, o número de processos sofreu ampliação ano após ano: três em 2007, seis em 2008, quatro em 2009, sete em 2010 e 13 em 2011. Outra pesquisa realizada entre os anos de 2001 a 2011 por Barbosa et al. (2013), mostra o acréscimo dos casos de responsabilidade civil dos cirurgiõesdentistas, onde se verifica a franca elevação de processos em desfavor destes, sobretudo a partir de 2006. Dos processos analisados pelos autores, a Figura 08 mostra o número de processos desde 2001 até 2011, tendo a região sudeste a maior concentração (45%), seguido da região sul (33,33%), da centro-oeste (11,67) e nordeste (10%). 24 Figura 08 – Distribuição do número de processos por ano. Fonte: Barbosa et al. (2013, p.1390). Ainda conforme o estudo de Barbosa et al. (2013), no que se refere às Unidades da Federação, particularmente, São Paulo tem a maior quantidade de processos e, o Espírito Santo a menor, conforme a Figura 09. Figura 09 – Distribuição do número de processos por Unidade de Federação. Fonte: Barbosa et al. (2013, p.1390). Observa-se assim, a necessidade de alertar esses profissionais no sentido de adotar medidas que os previna de ações judiciais. Para tanto, os tópicos seguintes abordam o instituto da responsabilidade civil profissional e, especificamente a responsabilidade civil do cirurgião-dentista, bem como o que vem a ser obrigação de meio e de resultado. 25 2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL No campo da responsabilidade civil, um dos aspectos mais evidenciados se refere aos danos oriundos da prática profissional, e, consequentemente, da responsabilidade civil profissional. A atividade humana pode ser definida como atividade profissional. Todavia, para Teixeira (1995, p.184), a atividade profissional “[...] constitui alguns elementos que a constituem: a autonomia, aderência ao ideal serviço, forte identidade profissional – traduzida pelo Código de Ética – e a demarcação do território profissional”. Feita esta consideração sobre a atividade profissional, compete registrar o entendimento de Cavalieri Filho (2012, p.390): Outros serviços, contudo, já se mostram aptos a ocasionar danos, pois possuem ou podem possuir uma considerável dose de risco à saúde e segurança do consumidor. Pode-se citar a título exemplificativo, as operações cirúrgicas, o trabalho dos enfermeiros, a manipulação de formas pelos farmacêuticos, a utilização de agrotóxicos por engenheiro agrônomo, a prescrição equivocada de um medicamento, ou médico qualquer. Gagliano e Pamplona Filho (2011) aceitam que o exercício da profissão pressupõe a interatividade de um negócio jurídico, em que o profissional está obrigado a fazer a atividade pactuada. Por outro lado, Rodrigues (2013, p.229) afirma que “[...] a responsabilidade dos profissionais, em regra, depende da prova de que eles se afastaram da profissão, agindo com imprudência, negligência ou imperícia”. Em contrapartida, constata-se que a prova da culpa é indispensável para que ocorra a responsabilidade civil profissional, principalmente do profissional liberal, categoria em que se encaixa o cirurgião-dentista, onde a sua responsabilidade será verificada somente depois da comprovação da sua culpa para o evento danoso. Nesse diapasão, passa-se à análise do tema proposto. 26 2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA Giostri (2004) assevera que a responsabilidade no erro médico acompanha os mesmos preceitos gerais da responsabilidade civil genérica. É dever de quem, consciente e capaz, perpetrar uma conduta, de forma livre, com intuito de fazê-lo e por mera culpa, compensar obrigatoriamente os danos oriundos do seu ato. Tal entendimento estende-se, por sua vez, ao cirurgião-dentista em consequência de seu exercício profissional. Desta forma, com o desenvolvimento das relações de consumo e a conscientização do cidadão de seus direitos de consumidor, estes vêm sendo exigidos mais frequentemente. De acordo com Barbosa e Arcieri (2004, p.04): Os profissionais da área de saúde bucal são preparados para atender aos clientes proporcionando-lhes serviço de qualidade, empregando as técnicas disponíveis. Já no mercado de trabalho os cirurgiões-dentistas, em função da acirrada disputa no exercício profissional, são levados a atualizarem-se, aperfeiçoarem-se e especializarem-se, buscando oferecer a melhores serviços aos seus clientes, assumindo assim a responsabilidade profissional por essa execução. A época em que o dentista trabalhava solidário, familiar e amigavelmente, estreitando as relações de confiança entre ele e a família do seu paciente, agora é passado, pode-se garantir que o dentista “de família” já é pouco comum de se achar. Deste modo, não se pode simplesmente responsabilizar somente o cirurgiãodentista pelo acréscimo da quantidade de processos judiciais, o aumento dessas demandas contra esses profissionais ocorreu também por alterações de comportamentos dos pacientes que se tornaram mais consumistas. No passado, os pacientes não duvidavam da competência do dentista e formavam um laço de confiança, viam os “doutores” como detentores do conhecimento, e eram atentos com seus deveres enquanto pacientes. Hoje, como consumidores mais instruídos, esses pacientes/clientes conhecem seus direitos e, veem esses profissionais como pessoas humanas que também são suscetíveis de incorrer em erros e que devem responder por eles (PEREIRA, 2005, p.05). 27 Essa responsabilidade do cirurgião-dentista tem três aspectos diferentes, quais sejam: civil, penal e ético. Destes, este estudo versa, especificamente, sobre o primeiro e o terceiro, discutindo alguns pontos importantes. Nesse sentido, a responsabilidade civil do cirurgião-dentista gera determinadas discussões que podem ser consideradas na esfera contratual ou pela vertente extracontratual, todavia fica evidente a tendência de situar a relação dentista/paciente na modalidade contratual e sua obrigação classificada como de meio ou de resultado para se verificar e apontar a responsabilidade do profissional. Em algumas situações o dentista e o paciente não estão vinculados por um contrato de serviços odontológicos, mas isto não significa que não haja uma relação de direito e deveres entre os dois. O vínculo jurídico existe independentemente de contrato, uma vez que o dentista tem o dever profissional ex officio, de modo que tem com seu paciente/cliente as mesmas obrigações, ainda que exista ou não um contrato formal. A responsabilidade extracontratual também se observa na questão do dentista empregado, ou do cirurgião-dentista que presta serviços a uma clínica particular, e, finalmente, citam-se os dentistas que trabalham como funcionários públicos exercendo seu ofício, ao atender um paciente o mesmo terá uma relação de responsabilidade não contratual, e poderá responder pelas lesões que ocasionar. Pelo viés da relação contratual entre o cirurgião-dentista e seu paciente, mediante a qual, voluntariamente, cada um se obriga reciprocamente. O primeiro presta os serviços em troca do pagamento que se torna, a partir daí, uma das obrigações do paciente (PEREIRA, 2005). Assim sendo, conforme os ditames odontológicos atuais, caso se verifique que o profissional ocasionou algum dano, surge o dever de reparar, uma vez que a população pede justiça, independente de ser contratual ou extracontratual, o compromisso que o cirurgião-dentista tem com o paciente. 2.3 DANO ODONTOLÓGICO De acordo com Caixeta (2008, p.01): 28 [...] ato ilícito odontológico é o ato comissivo ou omissivo que praticado pelo profissional da Odontologia abre possibilidade de dano para o paciente em virtude da falta de diligência do profissional, entendendo-se que o mesmo poderia ou deveria ter atuado de outro modo no caso concreto. Importante registrar que um ato ilícito odontológico acontece também quando da prática ou ocorrência de uma conduta involuntária, porém culposa, uma vez que resulta de imperícia, imprudência ou negligência. Pereira (2005, p.12) esclarece que: O cirurgião dentista ao elaborar um diagnóstico deverá estruturar um prontuário completo do paciente, com os exames complementares, quando necessário, exame físico geral e bucal, além de ter de realizar uma avaliação chamada anamnésica, na qual é realizado um questionário inquirindo ao paciente todas suas condições físicas e psíquicas que possivelmente poderia interferir no tratamento, desde uma alergia a um determinado tipo de medicamento ou anestesia até a presença de doenças infecto contagiosas que exigiriam maiores cuidados do dentista responsável. Depois de realizados essa etapa inicial, realiza-se um diagnóstico final da situação em que se encontra o paciente e determinam-se quais serão as necessidades de tratamento desse paciente, que deverá fazer parte do plano de tratamento, indicando para ele qual é o prognóstico, ou seja, como será o possível resultado após a realização da terapêutica. A título exemplificativo, conforme Arantes (2006, p.64), citam-se alguns atos ilícitos perpetrados pelos cirurgiões-dentistas: [...] não orientar ou orientar mal seu paciente acerca dos cuidados pós-cirúrgicos, acarretando um quadro hemorrágico difícil de controlar; que não respeita o sigilo do paciente; que num tratamento endodôntico (tratamento de canal), em função de um diagnóstico radiológico falho, trepana a raiz dental em movimento de limagem, causando a perda do elemento dental do paciente. Antunes (2001, p.26) também apresenta outros exemplos, a saber: Implantodontista que não diagnosticando previamente elevado grau de osteoporose em seu paciente, não obtém êxito em tratamento de osteossíntese. Cirurgião-dentista que produz uma fratura de ângulo mandibular ao extrair, açodadamente, um siso incluso-impactado. 29 Para Caixeta (2008, p.01): [...] ato ilícito odontológico pode gerar repercussão em diversos âmbitos, estando sujeito o profissional da Odontologia às sanções cominadas no Código de Ética Odontológica, no Código Penal, no Código Civil, no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, e nas regulamentações (Regimento Interno, Estatuto, etc.) de Órgãos ou Instituições em que porventura trabalhe (v.g.: Assembléia Legislativa do Estado, INSS, Secretarias de Saúde, etc.). Compete salientar que o ato ilícito odontológico pode ocasionar tanto danos materiais como morais. Tendo em vista uma melhor compreensão sobre o tema, importante registrar algumas situações que podem gerar danos odontológicos. Preleciona Arantes (2006, p.72) que configura dano material quando o paciente precisa refazer com outro profissional tratamento imperfeito ou que não alcançou o resultado esperado e, com isso, reduz seu patrimônio com o novo gasto. Já, configura dano moral quando, por exemplo, uma modelo ou artista, que precisa da boa aparência de seu rosto para trabalhar, seja acometida de uma paralisia parcial e irreversível da face devido ao rompimento de um nervo dentário em cirurgia de extração, por culpa do cirurgião-dentista. Conforme Caixeta (2008, p.01): Nestas circunstâncias, configuram-se dano material (tratamento especializado de recuperação), lucros cessantes (frustração da expectativa de outros lucros futuros), dano emergente (efetivo prejuízo com a perda de ganhos concretos esperados) e dano moral (sofrimento emocional). Entretanto, de acordo com Zart (2003, p.01): “o maior causador de processos de responsabilidade contra o profissional é o erro na escolha da espécie de tratamento a ser aplicado no caso concreto e específico (escolha de tratamento impróprio)”. Desta forma, o odontólogo precisa fazer, constantemente, cursos de atualização, frequentar congressos para se manter atualizado das novas tecnologias odontológicas para pode evitar erros e ter melhores condições e recursos para realizar um diagnóstico correto. 30 Pereira (2005, p.13) menciona ainda outros importantes fatores capazes de gerar processos contra esses profissionais: Além do erro ou falha no diagnóstico inicial, tem-se também, a falta de um prontuário completo e do consentimento por escrito do paciente ou do seu responsável durante cada etapa do tratamento. O cirurgião dentista quando tem seus prontuários deficientes e incompletos sem as assinaturas de consentimento do paciente/cliente fica exposto, durante um processo, a ter dificuldade de trazer provas de sua inocência. Por isso, é aconselhável que esses profissionais se resguardem, guardando todos os documentos e exames clínicos, juntamente com os atestados e contratos de prestação de serviços (orçamentos) formas de pagamentos. Logo, o cirurgião-dentista deve se prevenir ao máximo, guardando e conservando por escrito todo e qualquer procedimento realizado, até mesmo as advertências dadas ao paciente acerca do tratamento. Outro aspecto relevante nas demandas contra os profissionais da odontologia são as falhas de comunicação na relação com o paciente. O dentista deve explicar e informar todas as opções de tratamento e agir segundo a anuência do paciente, as instruções devem ser passadas claramente para o paciente, de forma que permita até mesmo a um leigo entender como ocorrerá a prestação de serviço (PEREIRA, 2005, p.13). Uma boa comunicação entre paciente/dentista evita que ocorram erros e falhas de entendimento que provavelmente poderiam gerar um processo judicial. Todos os profissionais devem se conscientizar que os pacientes ou responsáveis têm o direito de conhecer, em detalhes, todas as informações, instruções e recomendações atinentes ao tratamento. Antunes (2001) alerta que comportamentos agressivos e ofensivos de um profissional prepotente que, se achando superior ao seu paciente e não aceitando que possa cometer falhas ou erros, promove um estado de antipatia que termina por bloquear a comunicação, estragando assim, a relação harmoniosa e de amizade que deveriam ter com seus pacientes. Muitas vezes estes fatores agem como verdadeiros agentes incentivadores ou estimulantes dos litígios contra os dentistas. Na maior parte dos processos judiciais em desfavor dos dentistas foi verificada certa rispidez e antipatia entre os litigantes, enquanto de um lado se encontrava um profissional que não forneceu as devidas informações ao seu 31 paciente, achando que ele não iria ser capaz de entender; do outro estava o paciente revoltado por achar que sua inteligência tinha sido desprezada por um profissional prepotente e imperfeito em sua conduta. Pereira (2005) alerta que, hoje em dia, tem-se uma sociedade melhor informada quanto aos seus direitos, o que também serve de motivação para o aumento do número de processos judiciais. Deste modo, para não restar dúvida de que consumidor/paciente foi lesado ou não, o profissional deverá manter uma relação amigável com seu paciente fornecendo-lhe a maior quantidade de informações sobre o seu tratamento. 2.4 OBRIGAÇÃO DE MEIO E DE RESULTADO É extremamente importante que depois de instaurado o litígio para verificação da responsabilidade civil do cirurgião-dentista, a análise do tipo de obrigação do mesmo. Conforme o plano de tratamento e o resultado desejado, a obrigação poderá ser de resultado ou de meio, ou seja, deve-se apurar se o dentista garantiu ou não um resultado final. De acordo com Antunes (2001) a principal distinção entre uma e outra é que na primeira, o profissional está automaticamente assumindo a responsabilidade de alcançar e chegar a um determinado resultado eficiente, estipulado com o tratamento oferecido. E, se este resultado não seja atingido, incumbiria ao paciente o direito de acionar judicialmente o profissional. Quando um dentista usa argumentos do tipo: “Este tratamento irá deixar seu sorriso maravilhoso”, “Você irá tornar-se mais jovem com este tratamento”, está configurando, automaticamente, o tratamento como sendo de resultado. E se o paciente entender que os resultados alcançados não combinam com aqueles que lhe foram garantidos, é de seu pleno e completo direito, processar o profissional. Já a obrigação de meio é mais tranquila, isto porque, neste caso ele compromete-se em utilizar todos os recursos necessários no tratamento, para a cura ou para a solução do problema, sem, contudo prometer que tal resultado irá de fato 32 acontecer. Não garantindo ou prometendo o resultado final, o dentista evitará a obrigação de resultado. De acordo com Cavalieri (2012) e Gonçalves (2012) ainda que em algumas situações possa se dizer que a obrigação dos profissionais dentistas é de meio, a maior parte das vezes mostra-se como de resultado. Isto devido aos tratamentos dentários serem mais constantes, característicos, e os problemas menos complicados. Além do mais, é mais comum nesse setor a preocupação com a estética, logo, quando o paciente revela interesse pela colocação de aparelho corretivo dos dentes, de coroas de porcelana e, atualmente, pelo implante dentário, ele procura um resultado, não lhe sendo suficiente uma mera obrigação de meio (CAVALIERI, 2012). Pereira (2005, p.13) diz que: [...] a diferença que existe entre a obrigação de meio e a de resultado, é que na primeira o profissional não se responsabiliza e não tem como prever como será o resultado final do tratamento, pois ele pode variar de acordo como o organismo de cada paciente. Porém, se caso for possível prever o resultado, ou se o dentista prometer ao paciente uma possibilidade de resultado ele deverá cumprir sob pena de ter que indenizar o dano e/ou a insatisfação do paciente. Nessa modalidade de obrigação de resultado o cirurgião dentista está automaticamente assumindo a responsabilidade de atingir e alcançar uma expectativa dada ao seu cliente, que normalmente, fica pré-estabelecido no plano de tratamento proposto. Se o paciente entender que o resultado obtido não atingiu e não coincidiu com aquele anunciado pelo dentista, ele poderá levar seu caso para decisão em uma lide judicial. É relevante destacar que a obrigação de meio conforme relatado anteriormente, não há como se prever o resultado, mas não exime o dentista de empregar todos meios necessários para a cura ou solução do problema, apesar de não poder assumir a responsabilidade quanto ao desenvolvimento final do tratamento. Mas, ele deverá utilizar-se de todos os meios e recursos disponíveis para conseguir o melhor resultado possível para a saúde dos seus pacientes. Não ocorre uma unanimidade de opinião entre as manifestações de legisladores e juristas se a atividade de cirurgião-dentista deve ser classificada como de resultado ou de meio. Mas a grande parte dos nossos juristas entende que ao contrário dos procedimentos do campo da medicina, para maior parte dos tratamentos odontológicos, é possível prever um resultado final. 33 Assim, esses tratamentos incidem, via de regra, em obrigação de resultado, ficando o profissional, além da obrigação de utilizar todo o cuidado necessário e recursos inerentes à sua profissão, também o dever de garantir o resultado desejado pelo paciente. Antunes (2001, p.22) menciona como obrigações de resultado as seguintes especialidades: “dentística restauradora, odontologia legal, odontologia preventiva e social, ortodontia, prótese dental e radiologia”. Como especialidades que podem ser tanto de meio como resultado, o autor cita: “cirurgia e traumatologia bucomaxilofaciais, endodontia, ortodontia, patologia bucal, periodontia e prótese bucomaxilofacial”. Não deve ser estranho o fato de uma mesma especialidade poder ser, às vezes, ora de meio, ora de resultado. Para explanar esta linha de pensamento, suponha a atuação de um protético que depois de um implante (obrigação de resultado), não recomenda a seu paciente a importância da higiene e dos cuidados que ele deverá ter para conservar e manter o tratamento realizado (obrigação de meio). Nesse sentido, o capítulo seguinte aborda os aspectos processuais da responsabilidade civil do cirurgião-dentista, bem como analisa algumas decisões jurisprudenciais e apresenta alguns cuidados para que este profissional se previna de futuras demandas judiciais. 34 3 ASPECTOS PROCESSUAIS E ANÁLISE JURISPRUDENCIAL 3.1 ASPECTOS PROCESSUAIS 3.1.1 A Prova da Culpa Importante salientar que, de acordo com Pereira (2005, p.15): [...] como a definição dessa obrigação do cirurgião dentista poderá interferir no andamento e no final do julgamento de uma lide, pois conforme descrito antes, a culpa, em suas modalidades de negligência, imprudência e imperícia, só poderá ser imputada ao profissional liberal mediante concreta verificação de sua existência, e não apenas diante de uma suposição fática. Se o paciente se sentir lesado poderá ingressar com ação judicial e o possível dano resultante da ação do cirurgião dentista, advindo da sua prestação de serviços, deverá ser indenizado mediante comprovação da culpa, porém esta culpa deverá ser provada pelo paciente ou pelo próprio profissional conforme for o caso concreto em se tratando de obrigação de meio ou de resultado. A razão desse tratamento diferenciado está justificada pelo fato do dentista como prestador de serviços ser considerado um profissional liberal. Nesse contexto, reza o § 4º do art.14 do Código de Defesa do Consumidor: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. Logo, para Pereira (2005, p.15), [...] não é pacífico se o dentista tem obrigação de meio ou de resultado, mas já é possível constatar nos julgados que se a obrigação for de resultado, o profissional da saúde bucal quando chamado para responder em juízo deverá provar que conseguiu chegar ao resultado prometido ao seu paciente. Porém, se for considerado que a obrigação do cirurgião dentista é de meio caberá ao paciente o ônus de provar a culpa do dentista. Deste modo, apreende-se que o ordenamento jurídico pátrio tentou e ainda busca pôr a salvo a justiça nas relações sociais, uma vez que possibilita a análise de 35 cada caso concreto, valendo-se de todas as espécies de provas lícitas para formar o livre convencimento do juiz. 3.1.2 Meios de Prova No que concerne ao erro médico, Santos (apud BARBOSA E ARCIERI, 2004, p.09) assevera que: [...] a prova a ser utilizada na sua apuração relaciona-se com a própria classificação da culpa. Para hipótese de imperícia a prova pericial figura-se indispensável, apesar do juiz não estar adstrito às conclusões do perito. Já para os casos de imprudência e negligência, o erro profissional pode ser demonstrado pelos meios comuns de prova, sem necessidade de perícia. Especifica o autor que tratando de dano aparente, o magistrado pode concluir pela culpa profissional através da oitiva de testemunhas somado à informal inspeção judicial. Nesse sentido, ainda se considera que a prova testemunhal há de ser utilizada apenas quando não existe questão técnica a ser elucidada. E, quanto à perícia, deve ser analisada prudentemente pelo juiz, dado o espírito corporativista entre os membros da classe médica, odontológica etc. De acordo com Cavalieri (2012) a prova da culpa, é indispensável, porém não é fácil de ser produzida. Primeiro porque os Tribunais são rígidos na requisição da prova. Depois porque a assunto é fundamentalmente técnico, demandando prova pericial, uma vez que o magistrado não possui conhecimento técnico cientifico para analisar, tecnicamente, questões do campo da saúde. Nessa área, infelizmente, ainda reina o espirit de corps, a conspiração do sigilo, a solidariedade profissional, de forma que o perito, por mais que tenha um alto conceito, geralmente, tende a isentar o colega pelo ato imputado. Por óbvio o magistrado não está restrito à perícia, mas é certo, também, que dificilmente localizará nos autos outras provas suficientes para responsabilizar o profissional de saúde (CAVALIERI, 2012). Sobre a perícia por erro médico em temas de natureza cível, França (apud BARBOSA E ARCIERI, 2004) pondera: 36 [...] atribui -lhe a função de estimar o dano sofrido para sua reparação através de um quantum indenizatório. Para essa avaliação considera como parâmetros a possibilidade do dano ter resultado: incapacidade temporária; quantum doloris (tempo de dor física, sofrimento moral e danos psicológicos durante o período de incapacidade temporária); incapacidade permanente; prejuízo estético; prejuízo de afirmação pessoal (o prejuízo é mais grave quanto mais jovem for a pessoa e mais intensos suas atividades de lazer, de dotes artísticos e de capacidade intelectual). No que se refere à prova documental, devido a obrigatoriedade atribuída aos cirurgiões-dentistas pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), destaca-se o prontuário clínico, formado por anamnese, ficha clínica, plano de tratamento e orçamento inicial, e mais histórico das fases realizadas pelo procedimento adotado, radiografias, receituário, modelos de estudo, bem como cópias de cartas enviadas ao paciente alertando-o para continuidade do tratamento odontológico. Documentos estes que o dentista deve guardar para prevenir-se de prováveis ações judiciais (BARBOSA E ARCIERI, 2004). Além dessas provas acima descritas, o Código de Processo Civil (CPC) também admite como meios de prova o depoimento pessoal das partes, a confissão e a inspeção judicial. 3.1.3 Inversão do Ônus da Prova Acerca da inversão do ônus da prova Cavalieri (2012) e Gonçalves (2012), alertam que o cirurgião-dentista é prestador de serviço pelo que, está subordinado às normas do CDC. Logo, pode o magistrado, diante da complexidade técnica da prova da culpa, inverter o ônus dessa prova em prol do consumidor e a hipossuficiência de que fala o Código não é somente econômica, mas também técnica, conforme autoriza o art. 6º, VIII, da referida legislação. Art. 6º São direitos básicos do consumidor:(...) VIII- A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. 37 A inversão de ônus da prova é um recurso processual que facilita a defesa do consumidor hipossuficiente, que encontra guarida no inciso VIII, do art. 6º, do CDC, e visa garantir seu acesso à tutela jurídica. Conforme este dispositivo, são requisitos para a inversão do ônus da prova: hipossuficiência e verossimilhança. O primeiro relaciona-se à pessoa economicamente mais fraca que não tem como produzir provas e, o segundo pressuposto corresponde à veracidade da situação, ou seja, a coerência entre a narração fática, a fundamentação e a pretensão (ANDRADE apud BARBOSA E ARCIERI, 2004). Continua o autor dizendo que somente a presença do primeiro é suficiente para que seja declarada a inversão do ônus, o que não ocorre com a verossimilhança, que deve vir acompanhada da necessidade do consumidor de ter provocado em seu favor a defesa em juízo. Todavia a coexistência desses requisitos não é imprescindível. No que se refere ao erro profissional, o autor relata que apesar do profissional liberal não ter responsabilidade objetiva, pode haver a inversão do ônus da prova em seu desfavor, ocasião em que deverá provar que não agiu com culpa. Ainda sobre erro médico, Zuliani (apud BARBOSA E ARCIERI, 2004, p.09) dispõe que a inversão do ônus da prova tem o “objetivo de contornar as dificuldades da vítima em demonstrar a culpa médica, é meio de se aproximar da verdade real e de superar a crise da justiça concreta”. E mais, quando se refere a obrigação de meio, de acordo com o autor acima, a inversão não pode ser obstada, uma vez que, quando são evidentes as lesões físicas e psíquicas, essas não são explicadas pelos meios, e o sistema probatório convencional não deve viger atribuindo à vítima a prova do erro médico. Nessa situação existe a presunção da culpa médica devido a verossimilhança do erro médico. Com a finalidade de se impedir que a defesa seja cerceada e, por consequência a nulidade do processo, aconselha-se a inversão do ônus da prova seja declarada no começo da fase instrutória (BARBOSA; ARCIERI, 2004). Deste modo, o cirurgião-dentista que trabalha como profissional liberal deve desempenhar suas atividades respeitando as regras próprias, adotando os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, os regulamentos dos Conselhos Federal e Estadual de Odontologia, bem como o Código de Ética, porque, uma vez respeitando todos as normas legais, quando convocado para responder a um 38 processo judicial acusado de ter provocado uma lesão ao seu paciente, conseguirá provar e convencer o magistrado de que fez tudo que estava ao alcance para proporcionar o melhor tratamento possível e, assim, não poderá ser condenado a reparar o dano sob pena de se cometer uma injustiça (PEREIRA, 2005). 3.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL Para ilustrar o que foi exposto até o presente, selecionou-se dois julgados sobre o assunto, com vistas a esclarecer e comentar as situações práticas entregues para o judiciário apreciar aplicando-se os conceitos até então estudados. A primeira análise refere-se à Apelação Cível nº 7004472043261 da 9ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo como Relator o Des. Leonel Pires Ohlweiler, conforme ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO ODONTOLÓGICO. REGIME JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃODENTISTA. APLICAÇÃO DAS REGRAS E PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SITUAÇÃO CONCRETA DOS AUTOS. COMPROVAÇÃO DA CONDUTA CULPOSA. DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS. ARBITRAMENTO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. Responsabilidade Civil do CirurgiãoDentista O artigo 14 do CDC regula a responsabilidade civil dos profissionais liberais. Aplicação dos princípios da responsabilidade subjetiva ao cirurgião-dentista. [...] APELO PROVIDO. Descreve o relator: O apelante diz ter realizado tratamento odontológico com a apelada, a qual, no decorrer do tratamento, teria extraído dois de seus dentes para que fosse colocada uma ponte móvel. Para tal procedimento adiantou o valor de R$ 800,00 e ainda, para o ajuste da ponte móvel, a apelada teria afrouxado três de seus dentes. A perícia técnica demonstrou nos autos que não fora feito exame radiográfico prévio, como devido na maioria dos procedimentos odontológicos, deduz o relator por esse fato, previamente, que a demandada agiu com negligencia e imperícia. O recorrente defende que fez prova de suas 1 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70047204326, Nona Câmara Cível, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 28/03/2012. 39 alegações, pede provimento e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais (p.03). Na análise do mérito, o Relator citou o código de defesa do consumidor alegando das suas várias inovações e trazendo em seguida o art. 14 da lei em epígrafe anuindo com que tal dispositivo estabeleceu corretamente a responsabilidade civil do fornecedor de serviços, a qual adota a natureza objetiva. Todavia, prossegue o Relator, dizendo que o legislador instituiu uma exceção, prevista no § 4º do art. 14, descrevendo que ao ressaltar a responsabilidade dos profissionais liberais seria essa regulada pela modalidade culposa e, “nesta hipótese de responsabilização, enquadra-se o dentista, pois, além de constituir-se em prestador de serviços, também é profissional liberal” (p.05). Prevalecendo assim, para o cirurgião-dentista, a teoria subjetiva. Não obstante esse posicionamento, o Des. Leonel trouxe outra questão importante sobre a obrigação do profissional dentista, citando que: “Na esteira dos precedentes da 9ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça é crível adotar o entendimento segundo o qual a responsabilidade do dentista é subjetiva, tratando-se de obrigação de meio e não de resultado” (p.07). Após expor seu posicionamento sobre a responsabilidade civil do dentista retomou a narração dos fatos, denominado pelo próprio Desembargador como a caracterização do erro odontológico. O Relator descreve que o apelante revela que: [...] nenhum exame foi solicitado, nem mesmo nenhuma radiografia foi feita previamente à extração de dentes. Três dias após a extração dos dentes, para a colocação da prótese dentária, teve sangramento e dores e também não conseguia comer, sendo que ao procurar novamente a demandada, esta teria agido com descaso, machucado sua boca, além de “afrouxar” três de seus dentes, no que resultou numa dor terrível e o deixou com a boca inchada (p.10). Ao retornar ao consultório da apelada, essa por sua vez resolveu tirar a ponte móvel e entendeu que deveria fazer um tratamento de canal em um dos dentes do autor o qual ficou aberto. 40 O apelante tentou, mais uma vez, resolver a situação e o dente foi trocado por um de porcelana, que também não gerou em satisfação do autor, haja vista tal dente não parar no lugar. Segundo o Relator, Ao procurar outro profissional, foi informado que o dente não era de porcelana, mas de cerâmica, tendo tido prejuízos e outros gastos para solucionar o problema sofrido, ao que busca, nesta ação, ser reparado por danos patrimoniais e extrapatrimoniais (p.10). Deste modo, o Relator deu provimento ao apelo e condenou a apelada por negligência vislumbrada pelo não fazer alguma coisa, caracterizando-se em omissão de um comportamento exigível do dentista e também por imprudência, primeiro por não ter realizado uma radiografia prévia e segundo por ter extraído um dente sadio no lugar do dente doente. Determinando, desta forma, uma indenização por dano patrimonial no valor de R$ 2.000,00, uma vez que o apelante comprovou os gastos com outro profissional, e por danos extrapatrimoniais a quantia de R$ 8.000,00 por estes estarem ligados à dignidade humana. Os argumentos empregados pelo Des. Leonel Pires Ohlweiler confirmam o que foi apresentado no presente estudo, excetuando-se a questão trazida pelo Relator onde afirma que a obrigação do cirurgião-dentista é de meio, discordando do referencial teórico pesquisado em que, a maioria dos autores alega que a obrigação desse profissional é de resultado no concernente às patologias expostas pelos seus pacientes, sendo a cura sendo alcançada mais facilmente. Acompanharam o Relator Leonel Pires Ohlweiler, com unanimidade, a Des.ª Iris Medeiros Nogueira e Des.ª Marilene Bonzanini. A segunda análise é da Apelação Cível nº 700441570222, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, tendo como Relator o Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, segundo ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO ODONTOLÓGICO. IMPLANTES DENTÁRIOS. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR ERRO DO PROFISSIONAL DA SAÚDE. PROCEDÊNCIA MANTIDA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. VERBA HONORÁRIA. 1. A responsabilidade civil 2 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70044157022, Quinta Câmara Cível, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 31/08/2011. 41 do médico/dentista é subjetiva, necessitando a comprovação da culpa, de acordo com o que preceitua o art. 14, § 4º, CDC. 2. A obrigação assumida pelo profissional da área da saúde como o odontologista é de meio e não de resultado. [...] Dado provimento ao apelo. Esta apelação, interposta em ação de indenização por danos morais e materiais em face de uma clínica odontológica e do cirurgião-dentista. O recurso visa a reforma da sentença de primeiro grau, tratando o feito sobre a indenização por danos morais. A apelante relata que se submeteu a diversos procedimentos realizados pela apelada para a colocação de implantes e lâminas. O serviço, todavia não foi devidamente prestado, sendo que um dos dentes se descolou em três períodos provocando-lhe vários constrangimentos. E que, em razão desses episódios contratou o serviço de outro profissional desembolsando o valor de R$ 19.500,00. É nesse momento que o Relator se fez valer, destacando que a responsabilidade do cirurgião-dentista é subjetiva segundo estabelece o § 4º, do art. 14, do CDC, conforme apontou o estudo quando tratou da responsabilidade civil desse profissional. Em seu relatório, o Des. Jorge fundamentou que: “[...] a obrigação assumida pelo dentista é de meio e não de resultado. Dessa forma, além da prova do dano e do nexo de causalidade, faz-se necessária a demonstração do agir culposo do profissional” (p.04). Verifica-se aqui, tal qual o acórdão analisado anteriormente, que o entendimento do Relator se faz oposto aos estudos teóricos realizados para conceituar essa questão e, para confirmar esta divergência, cita-se o posicionamento de Menegale (apud KATO et al, 2008, p.69): [...] à patologia das infecções dentárias corresponde etiologia específica e seus processos são mais regulares e restritos, sem embargos das relações que podem determinar com desordens patológicas gerais; conseqüentemente, a sintomatologia, a diagnose e a terapêutica são muito mais definidas e é mais fácil para o profissional comprometer-se a curar. 42 Nessa referência fica subentendido que o autor vê a obrigação do dentista como sendo de resultado por se tratar de anomalias muito mais acentuadas e muito mais fáceis de comprometer-se em curá-las. Prosseguindo, o Relator apontou a omissão do citado profissional a qual resultou em falha no procedimento e a insatisfação da apelante. Assinalou a negligência, essa em virtude da escolha errada do procedimento e não cumprindo com o dever de informação, conforme visto neste estudo. Finalmente estipulou em R$ 15.000,00, o pagamento de ressarcimento devido pela apelada, a título de danos morais, à autora pelo sofrimento ocasionado pela dor e, de acordo com o Relator, sofrimento que nessas situações é presumido, o que é passível de indenização. A Des.ª Isabel Dias Almeida e o Des. Romeu Marques Ribeiro Filho seguiram a sentença em unanimidade. Ante as análises aqui expostas, torna-se manifesto que os cirurgiõesdentistas, além de respeitar as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, nos regulamentos dos Conselhos Federal e Estadual de Odontologia, bem como no Código de Ética, deverão adotar alguns cuidados. 3.3 CUIDADOS QUE DEVE TER O CIRURGIÃO-DENTISTA Atualmente, com a globalização, o avanço das relações consumeristas e a conscientização do cidadão de seus direitos de consumidor, as pessoas buscam conhecer melhor o seu problema através de informações específicas, questionamentos a especialistas, perguntas sobre o seu tratamento como um todo. Assim, o profissional da área médica/odontológica tem a obrigação de fornecer todas as informações necessárias na consulta inicial, ocasião em que se formará o início de um bom relacionamento entre as partes. Importante registrar que a ausência de diálogo gera um desequilíbrio na relação, provocando confusões e desacordo (BARBOSA; ARCIERI, 2004). O bom relacionamento entre profissional e paciente é um dos aspectos de sucesso da prática odontológica. O cirurgião-dentista emprega os conhecimentos científicos e os recursos colocados à sua disposição para reconstituir a saúde de 43 seus pacientes. Para tanto, este é contratado com fundamento na confiança que infunde nos mesmos ou em seus responsáveis (RODRIGUES et al, 2006). Infelizmente, a quantidades de processos em desfavor de cirurgiões-dentistas tem aumentado gradualmente e, em muitas situações, essas ações são fundamentadas no tipo de obrigação assumida por esses profissionais, na falta de documentação ou até mesmo na falha de comunicação entre eles e os pacientes. De acordo com o Código de Ética Odontológica, o odontólogo tem a obrigação de elaborar e conservar atualizados os prontuários de pacientes, guardando-os em arquivo próprio e, ainda, fornecer cópia, se requisitada. Os documentos odontológicos têm enorme importância nas relações consumeristas, uma vez que comprova como ocorreu a relação entre o prestador de serviços (cirurgião-dentista) e o consumidor (paciente), regulada pelo Código de Defesa do Consumidor. A documentação se faz necessária em todas as etapas do tratamento e apresenta extrema relevância, haja vista estar intimamente ligada com o aspecto clínico, podendo a sua ausência ou deficiência afetar a regularidade dos procedimentos sob o aspecto legal (BENEDICTO et al, 2010). Não observar esses cuidados prejudicará, em muito, a defesa do cirurgião-dentista em um processo judicial impetrado por pacientes insatisfeitos com o tratamento recebido (PARANHOS et al, 2007). O cirurgião-dentista deverá ter informações exatas para começar o tratamento. Deste modo terá condições de antecipar situações que poderão levar a alterações, por causa da evolução do quadro clínico. Assim, ao preparar um diagnóstico ele deve estruturar um prontuário completo do paciente abrangendo a anamnese, os exames complementares, quando indispensáveis, o exame clínico e um plano de tratamento correspondente (FERNANDO; COSTA FILHO, 2010). Importante registrar que é de suma importância que toda documentação seja assinada pelo paciente, até mesmo uma possível alteração no plano de tratamento. O cirurgião-dentista deve ainda se preocupar em manter-se atualizado, participando constantemente de cursos e congressos que trazem a evolução das técnicas e as inovações odontológicas, com a finalidade de evitar falhas e ter melhores recursos durante os procedimentos odontológicos. Ao indicar um procedimento, é importante destacar que existem opções que devem ser apresentadas ao paciente para que ele escolha. Compete ao profissional 44 garantir-lhe aquilo que lhe pertence como certeza do cumprimento, para assim evitar os processos por danos em consequência de resultados não realizados. Paralelo a tudo isso, o profissional deve também preocupar-se em trabalhar com todo o respeito e carinho pelo paciente, não esquecendo que ele é um ser humano, estando apenas no momento, acometido por uma dor, por uma inflamação, neoplasia ou outro quadro patológico. O cirurgião-dentista precisa rever a importância de um aperto de mãos, quando da entrada e saída do paciente, uma vez que agindo desta forma, é praticamente impossível que ele se envolva com ações de responsabilidade civil. É importante destacar que a maioria dos processos civis, penais e administrativos começam quando há uma quebra da relação harmoniosa paciente-profissional. Não é demais repetir, a melhor proteção para um profissional da odontologia contra qualquer tipo de ação indenizatória, é aprimorar sua formação, técnica e manualidade, e não fazer seguros, Haja vista que procedendo assim, estará assinando uma confissão tácita de sua insegurança profissional. 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente monografia teve como objetivo destacar alguns aspectos éticos e jurídicos da responsabilidade civil do cirurgião-dentista. O interesse pelo assunto se deu devido a ampla interpretação jurídica dada a relação paciente-profissional, pois ora é entendida como obrigação de meio, ora de resultado, existindo aplicação aos casos Diplomas Civis ou normas Consumeristas, contudo, nada pacificado. A responsabilidade civil, conforme exposto, é a obrigação de reparação que alguém tem com relação a outrem por ter lhe provocado um dano, seja este patrimonial ou extrapatrimonial. Designadamente, o estudo tratou de uma responsabilidade profissional, qual seja a do profissional da odontologia que como qualquer outro é responsável pelos erros que comete e que ocasionem lesões a seus pacientes. Constatou-se que a responsabilidade civil do cirurgião-dentista é subjetiva, na qual a culpa deve ser provada para que se tenha o direito a ressarcimento. Deste modo, o profissional responde pelos danos que provocar pelos seus erros, desde que fique provada a sua culpa; porém quando fica difícil para o paciente constituir as provas sobre seus direitos, pode haver a inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional o ônus de provar que agiu corretamente, sendo invertido o ônus em favor do paciente. Outra particularidade da responsabilidade do cirurgião-dentista é que de acordo com a maioria da doutrina trata-se de responsabilidade de resultado e não de meio, pertencendo ao profissional, agindo diligentemente, alcançar o que seu paciente espera. Depois da análise da matéria e dos assuntos que o envolviam, verifica-se que a responsabilidade civil do cirurgião-dentista é subjetiva, uma vez que, conforme ensina o código de defesa do consumidor, a relação jurídica entre o profissional e o paciente, mesmo que protegida pelo direito obrigacional, deve ser regulada pela norma consumerista, a qual determina, em seu art. 14, § 4°, que a responsabilidade do odontólogo, enquadrado como profissional liberal, deve ser aferida mediante comprovação da sua culpa, ou seja, esse parágrafo do Código de Defesa do Consumidor é uma exceção à regra. 46 Assinale-se, outrossim, que esta modalidade de aferição da culpa é exceção do código de defesa do consumidor, principalmente porque este apenas acolhe a responsabilidade objetiva dos fornecedores de produtos ou serviços. Verificou-se uma maior conscientização da sociedade quanto aos seus direitos, assim o paciente que sofrer um dano deve denunciar o episódio junto ao Conselho Regional de Odontologia e também demandar o Judiciário, haja vista que, se não houver a denúncia esses profissionais não serão punidos e persistirão perpetrando erros. Pode-se concluir, assim, que o cirurgião-dentista deve ter obrigatoriamente, o conhecimento técnico-científico e, principalmente, deve saber atender respeitando os limites éticos que a profissão lhe impõe, buscando atualizar-se constantemente, conservar um eficiente e organizado sistema de documentação e ter uma relação harmoniosa com seus pacientes. Finalmente, pode-se dizer que a vida em sociedade demanda cuidados, e, sobretudo, exige-se cuidado dos profissionais que lidam com um dos bens mais preciosos do ser humano: a saúde. 47 REFERÊNCIAS ANTUNES, Fernando Celso Moraes. O cirurgião dentista frente à responsabilidade civil. 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