AS VANGUARDAS EUROPEIAS
DALI, Salvador. A persistência da
memória. 1931
As vanguardas europeias
 “Entende-se , com esse termo
– vanguarda – um movimento
que investe no interesse
ideológico
na
arte,
preparando e anunciando
deliberadamente
uma
subversão radical da cultura e
até dos costumes sociais,
negando em bloco todo o
passado e substituindo a
pesquisa metódica por uma
ousada experimentação na
ordem estilística e técnica”
Giulio Carlo Argan
1. O contexto histórico: início do século XX

Momento histórico de intensa turbulência:
 1914: Primeira Guerra Mundial
 1917: Revolução Russa
 1929: Crack da Bolsa da Nova York.
 Inovações tecnológicas :o avião, o automóvel, o rádio e o cinema
 Inovações científicas: a descoberta do microscópio e a teoria da
relatividade
 Surgimento da psicanálise : Freud revela os impactos do
inconsciente sobre as noções de identidade, personalidade e
consciência.
1. O contexto histórico: início do século XX
 Essas mudanças transformaram o modo com as
pessoas percebiam a realidade e avaliavam o universo.
Nada mais era definitivo; nada mais era certo
 Os primeiros anos do século XX foram o cemitério no
qual seriam enterradas as convicções do passado e o
berço no qual nasceria uma civilização marcada pela
incerteza e pela relatividade
As Vanguardas Europeias
 A palavra vanguarda deriva do francês avant-garde,
termo militar que designa aqueles que, durante uma
campanha, vão à frente da unidade. A partir do início
do século XX, passou a ser empregada para designar
aqueles que, no campo das artes e das ideias, estavam à
frente do seu tempo. Ou seja, passou a definir artistas
e intelectuais que, não satisfeitos com o que então se
produzia, buscaram novas formas de expressão
artística, tanto na linguagem quanto na composição.
 Vanguardas
Europeias:
Cubismo,
Futurismo,
Expressionismo, Dadaísmo e Surrealismo.
As Vanguardas Europeias
 Cada uma das vanguardas apresenta um projeto próprio,
mas todas elas têm uma intenção comum: romper
radicalmente com os princípios que orientavam a produção
artística.
 Projeto artístico das vanguardas: libertar a arte da
necessidade de representar a realidade de modo figurativo
e linear. Toda a produção artística de vanguarda terá um
caráter de ruptura, de choque e de abertura.
 O desafio enfrentado pelos artistas é claro: encontrar uma
nova linguagem capaz de expressar a ideia de velocidade,
capturar a essência transformadora da eletricidade, o
dinamismo dos automóveis.
2. Futurismo: a arte em movimento
BOCCIONI, U. Carga de lanceiros. 1914-1915. 32x50 cm
2. Futurismo: a arte em movimento
 Como
o próprio nome indica, no Futurismo
predomina uma vontade de abolir o passado, começar
tudo de novo e reformular temas e técnicas da arte.
Sintonizado com a temática da guerra, o Futurismo
propôs uma outra forma de arte, dinâmica, com uma
imagem veloz do progresso mundial moderno.
2. Futurismo: a arte em movimento





Destruição da sintaxe e disposição das “palavras em liberdade”;
Emprego de verbos no infinitivo, com vistas à substantivação da
linguagem;
Abolição dos adjetivos e dos advérbios;
Uso de substantivo duplo, em lugar de substantivo acompanhado de
adjetivo (praça-funil, mulher-golfo, por exemplo);
Abolição da pontuação, que seria substituída por sinais da
matemática (+, -, =, >, <) e pelos sinais musicais
Evidentemente, nem todas as propostas se firmaram na literatura.
Contudo, o verso livre ficou como uma das mais importantes
contribuições do Futurismo e do Cubismo às correntes
contemporâneas.
2. Futurismo: a arte em movimento
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
[...]
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
CAMPOS, Álvaro de. Ode triunfal. Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965, p.306
2. Futurismo: a arte em movimento
BALLA, Giacomo. Poste de iluminação. 1909.
3. Cubismo: a simultaneidade de perspectivas
PICASSO, P. Guernica. 1937. 350 x 782 cm
3. Cubismo: a simultaneidade de perspectivas
 Os pintores cubistas opõem-se à objetividade e à
linearidade da arte renascentista e realista. Buscando
novas formas de experiência com a perspectiva,
procuram decompor os objetos representand0-os em
diferentes planos geométricos e ângulos retos, de tal
forma que o espectador, com seu olhar, possa
remontá-los e ter uma visão do todo. Outra técnica
introduzida pelos cubistas é a colagem, que consiste
em montar a obra a partir de diferentes materiais,
como figuras, jornais, madeira, etc.
3. Cubismo: a simultaneidade de perspectivas
 Na literatura, essas técnicas da pintura correspondem
à fragmentação da realidade, à superposição e
simultaneidade de planos (reunião de assuntos sem
nexo, mistura de espaços e tempos diferentes). No
Brasil, nas décadas de 1950-60, essa técnica
influenciaria o surgimento do Concretismo.
Il pleut
APOLLINAIRE, Guillaume. Il pleut.
3. Cubismo: a simultaneidade de perspectivas
PICASSO, Pablo. Les demoiselles d’Avignon. 1907.
4. Expressionismo: liberdade na expressão
do mundo interior
MUNCH, E. O grito. 1893. 91x73,5 cm
4. Expressionismo: liberdade na expressão
do mundo interior
 No começo do século XX, surgiu um grupo de pintores
chamados expressionistas na Alemanha e fauvistas na
França. Curiosamente, o objetivo dos integrantes desse
grupo era combater o Impressionismo.
 O Impressionismo consistia em uma corrente da
pintura que valorizava a impressão, isto é, era uma arte
sensorial e subjetiva quanto ao modo de captação da
realidade. Na relação entre o artista impressionista e a
realidade, o movimento de criação vai do mundo
exterior para o mundo interior.
4. Expressionismo: liberdade na expressão
do mundo interior
Claude Monet e suas pontes japonesas do jardim de Giverny
4. Expressionismo: liberdade na expressão
do mundo interior
 Já no Expressionismo ocorre o oposto: o movimento de
criação parte da subjetividade do artista, do seu mundo
interior, em direção ao mundo exterior. Assim, para o
artista expressionista, a obra de arte é reflexo direto de seu
mundo interior e toda a atenção é dada a expressão, isto é,
ao modo como forma e conteúdo livremente se unem para
dar vazão às sensações do artista no momento de criação.
 Durante e depois da Primeira Guerra, o Expressionismo
assumiu um caráter mais social e combativo, denunciando
os horrores da guerra, as condições de vida desumanas das
populações carentes, etc.
4. Expressionismo: liberdade na expressão
do mundo interior
Entre os principais fundamentos do Expressionismo, destancamse:
 A arte não é imitação, mas criação subjetiva. A arte é expressão
dos sentimentos
 A realidade que circunda o artista é horrível e, por isso, ele a
deforma ou a elimina, criando a arte abstrata
 A razão é objeto de descrédito
 A arte é criada sem obstáculos convencionais, o que representa
um repúdio à repressão social
 A arte de desvincula do conceito de belo e feio e torna-se uma
forma de contestação.
4. Expressionismo: liberdade na expressão
do mundo interior
Cantos e metrópoles, lavinas febris,
terras descoradas, pólos sem glória,
miséria, heróis e mulheres da escória,
Sobrolhos espectrais, tumulto em carris.
Soam ventoinhas em nuvens perdidas.
Os livros são bruxas. Povos desconexos.
A alma reduz-se a mínimos complexos.
A arte está morta. As horas reduzidas.
KLEM, W. O meu tempo. Apud HELENA, Lúcia. Movimentos de vanguarda europeia.
São Paulo: Scipione, 1993, p.33
4. Expressionismo: liberdade na expressão
do mundo interior
MUNCH, E. Karl Johan ao anoitecer. 1892
5. Dadaísmo: a antiarte
HAUSMANN, R. O espírito do nosso tempo. 1909.
5. Dadaísmo: a antiarte
“Encontrei
o
nome
casualmente ao meter uma
espátula num tomo fechado
do Petit Larousse e lendo
logo, ao abrir o livro, a
primeira linha que me
saltou a vista: DADÁ”
( Tristan Tzara)
.
5. Dadaísmo: a antiarte
 Criado a partir do clima de instabilidade, medo e revolta
provocado pela guerra, o movimento dadá pretendia ser
uma resposta à nítida decadência da civilização
representada pela Primeira Guerra Mundial. Dessa postura
provêm a irreverência, o deboche, a agressividade e o
ilogismo dos textos e manifestações dadaísta.
 Os dadás entendiam que, como a Europa banhada em
sangue, o cultivo da arte não passava de hipocrisia e
presunção. Por isso, adotaram procedimentos que tinham
em vista ridicularizá-la, agredi-la, destruí-la.
.
5. Dadaísmo: a antiarte
Pegue num jornal.
Pegue numa tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você pretende dar ao seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e
[meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem que eles são tirados do saco.
O poema se parecerá com você.
E você será um escritor infinitamente original, de uma sensibilidade graciosa,
[ainda que incompreendido do público.
TZARA, T. Para fazer um poema dadaísta
5. Dadaísmo: a antiarte
SCHWITTERS, Kurt. Merzpicture 26, 41. okala. 1926
6. Surrealismo: o combate à razão
DALI, S. Sonho provocado
pelo voo de uma abelha
em torno de uma romã, um
segundo
antes
do
despertar. 1944
6. Surrealismo: o combate à razão
 Duas forma as linhas de atuação do Surrealismo: as
experiências criadoras automáticas e o imaginário extraído
do sonho.
 Freud, na psicanálise, e Bergson, na filosofia, já haviam
destacado a importância do mundo interior do ser
humano, as zonas desconhecidas ou pouco conhecidas da
mente humana. Encaravam o inconsciente, o
subconsciente e a intuição como fontes inesgotáveis e
superiores de conhecimento do homem, pondo, assim, em
segundo plano o pensamento sensível, racional e
consciente.
6. Surrealismo: o combate à razão
 O automatismo artístico consiste em extravasar sem
nenhum controle da razão ou do pensamento os
impulsos criadores do subconsciente. O artista, ao
proceder assim, põe na tela ou no papel seus desejos
interiores profundos, sem se importar com a
coerência, significados, adequação, etc.
 A outra linha de atuação surrealista, a onírica, busca a
transposição do universo dos sonhos para o plano artístico.
6. Surrealismo: o combate à razão
 O sonho, na concepção de Freud, é a manifestação das
zonas ocultas da mente, o inconsciente e o subconsciente.
Os surrealistas pretendiam criar uma arte livre da razão,
que correspondesse à transferência direta das imagens
artísticas do inconsciente para a tela ou para o papel, uma
arte produzida num estado de consciência em que o artista
estaria “sonhando acordado”.
 Nessas duas linhas de pesquisa e trabalho são frequentes o
ilogismo, o devaneio, o sonho, a loucura, a hipnose, o
humor negro, as imagens surpreendentes, o impacto do
inusitado, a livre expressão dos impulsos sexuais, etc.
6. Surrealismo: o combate à razão
Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.
MENDES, Murilo. Pré-história. In: CÂNDIDO, Antônio e CASTELLO, J. A.
Presença da literatura brasileira. 7 ed. São Paulo/
Rio de Janeiro: Difel, 1979, p.185
7. O Modernismo Português
NEGREIROS, Almada. Estudo para a revista Orpheu. Lisboa, Coleção privada
7.1. O início do século XX em Portugal
 Com a descrença na Monarquia,
em 1910, foi
proclamada a República, mas as mudanças sociais que
eram esperadas não aconteceram. Desse modo,
surgiram dissidências internas, o que levou à
instabilidade da democracia portuguesa.
 Portugal entra na Primeira Guerra Mundial apoiando
os aliados temendo perder suas colônias ultramarinas.
 Em 1917, Sidônio Pais dá um golpe de estado e
instaura uma ditadura, que é interrompida pelo seu
assassinato em 1918
7.1. O início do século XX em Portugal
 Os governos republicanos que se seguem ao golpe de
Pais, embora trouxessem importantes inovações, como
os investimentos em educação, não conseguiram
apaziguar o clima conturbado do período. Favorecidos
pela desarticulação das forças políticas, um
movimento burguês contra a corrupção origina um
golpe militar em 1926. Antônio de Oliveira Salazar é
chamado para elaborar o plano econômico e, pouco a
pouco, vai ganhando poder até iniciar a ditadura do
Estado Novo em 1933 que duraria até 1974.
7.1. O início do século XX em Portugal
7.2. O Modernismo português
 O panorama de instabilidade interna aliado às dificuldades
trazidas pela eclosão da guerra e a necessidade de defender as
colônias ultramarinas, fez com que o povo português
manifestasse, de modo acentuado, um sentimento que
sempre o caracterizou: o saudosismo.
 A lembrança das antigas glórias marítimas que haviam
tornado Portugal uma das potências mundiais no século XVI
e a lamentação pelo desconcerto que dominou o país após o
desaparecimento de Dom Sebastião serviram de berço para
uma revista que representaria o primeiro momento
modernista português: Orpheu, publicada em 1915.
NEGREIROS, J. A. Painel da Gare Marítima de Alcântara. 1936
7.3. A Revista Orpheu
 Mais do que uma revista, Orpheu foi um marco: símbolo do
nascimento de uma geração de escritores que trouxe para
Portugal a essência do movimento modernista. Nas suas
páginas surgiram as grandes revelações literárias do início do
século XX: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de
Almada Negreiros.
 Embora a revista contasse com outros colaboradores,
formam esses três escritores que, com suas obras, delinearam
os novos rumos a serem seguidos pelos autores portugueses e
deram início a um processo de reflexão crítica sobre as causas
da decadência e da estagnação de Portugal.
7.3. A Revista Orpheu
 Os textos que circulavam na revista revelaram uma clara
influência de alguns dos movimentos da vanguarda europeia,
principalmente do Cubismo e do Futurismo. Na proposta de
ruptura com o passado, pode ser identificada a influência da
estética surrealista, que defendia o abandono da reprodução
naturalista da realidade. Ecos futuristas também se fazem
presentes, já no primeiro número de Orpheu, nos versos de
“Ode triunfal” de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa.
7.2. O Modernismo português
Revista Orpheu, número 2
7.4. Fernando Pessoa: o caleidoscópio poético
Fernando Pessoa (1888- 1935) é considerado o principal
escritor do Modernismo português e, ao lado de Camões, um
dos maiores poetas portugueses de todos os tempos.
 Seu projeto de arte era tão vasto e sua inteligência,
imaginação e capacidade criadora tão amplas, que não lhe
bastava criar uma única obra. Por isso, Fernando Pessoa foi
também um criador de escritores: por meio da imaginação,
concebeu mais de setenta entidades poéticas com biografia,
traços físicos, profissão, ideologia e estilo próprio – os
HETERÔNIMOS

7.4. Fernando Pessoa: o caleidoscópio poético
Fernado Pessoa
7.5. Os heterônimos: Alberto Caeiro
Alberto Caeiro é considerado por Fernando pessoa o seu
mestre, assim como o de Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Espécie de poeta-filósofo, Alberto Caeiro defende a
simplicidade da vida e a sensação como único meio válido
para a obtenção do conhecimento.
 Integrado nas leis do Universo como se fosse uma árvore ou
um animal qualquer, Caeiro vive apenas o presente e, com
uma postura quase infantil, sem subjetividade ou
idealizações, procura ver o real como ele se configura, na sua
simplicidade, sem mistérios, porque estes estão na
imaginação do homem.

7.5. Os heterônimos: Alberto Caeiro
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
7.5. Os heterônimos: Alberto Caeiro
Alberto Caeiro em desenho de Almada Negreiros
7.6. Os heterônimos: Ricardo Reis

O heterônimo Ricardo Reis representa a faceta clássica da obra de
Fernando Pessoa. É um neoclássico, por várias razões: pelo espírito
grave e estilo elevado; pela busca de perfeição e equilíbrio; pelo
intelectualismo e convencionalismo; pela frieza e distanciamento
na relação amorosa; pela presença da mitologia pagã em seus
escritos.
 Como Caeiro, é indiferente à vida social, valoriza a vida campestre
e a simplicidade das coisas. Entretanto, enquanto Caeiro sente-se
infeliz, integrado à natureza, Ricardo Reis se sente fruto de uma
civilização cristã decadente, que caminha fatalmente para a
destruição. No plano individual, há a consciência da passagem do
tempo e da inevitabilidade da morte. Nada resta a fazer, pois o
destino de cada um já foi traçado pelo fado (destino)
7.6. Os heterônimos: Ricardo Reis
Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa
Se é para nós que cessa. Aquele arbusto
Fenece, e vai com ele
Parte da minha vida.
Em tudo quanto olhei fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo,
Nem distingue a memória
Do que vi do que fui.
7.6. Os heterônimos: Ricardo Reis
Ricardo Reis em desenho de Almada Negreiros
7.7. Os heterônimos: Álvaro de Campos
 Dos três heterônimos, Álvaro de Campos é o mais afinado com a
tendência modernista, particularmente com o Futurismo. É um homem
do presente e procura transmitir o espírito do mundo moderno, de
máquinas, de multidões e de velocidade.
 Como Caeiro, também Campos é sensacionalista. O sensacionalismo que
caracteriza, porém, é moderno, construído a partir das sensações da vida
urbana e industrial.
 Em sua poesia verificam-se três fases: a decadentista, ligada à poesia do
final do século XIX; a futurista, em que se destaca o poema “Ode
marítima”, publicado com escândalo na revista Orpheu; e a faz pessoal, de
descontentamento e aridez interior.
 Na fase final, Álvaro de Campos aparece como cosmopolita melancólico e
devaneador, aproximando-se do ortônimo Fernando Pessoa ele-mesmo,
pela presença da saudade da infância e a dor de pensar.
7.7. Os heterônimos: Álvaro de Campos
Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos,
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos brocas, máquinas rotativas!
Eia! eia! eia!
Eia eletricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
7.7. Os heterônimos: Álvaro de Campos
Álvaro de Campos em desenho de Almada Negreiros
7.8. Fernando Pessoa ele-mesmo
 O ortônimo Fernando Pessoa é portador de certos traços, como o
nacionalismo e o saudosismo, que coincidem com os do homem Fernando
Pessoa. Apesar disso, é difícil afirmar que não se trata de mais um
heterônimo.
 A obra Mensagens, iniciada em 1913 e publicada em 1934, foi idealizada
por Fernando Pessoa como uma versão moderna da epopeia, com o nome
de Portugal, e acabou resultando numa mistura entre épico e lírico. Épico
porque canta os mitos e os heróis coletivos de Portugal, lembrando Os
Lusíadas, de Camões; lírico porque expõe os sentimentos de melancolia,
saudosismo e euforia. Mensagens canta não o Portugal real, de seu tempo,
metido num marasmo sem fim, mas o Portugal sonhado por seus heróis,
loucos e alucinados. É uma obra nacionalista que procura reviver o sonho
da grandiosidade da nação, perseguido por vários poetas desde o século
XVII.
7.8. Fernando Pessoa ele-mesmo

Entretanto, a parte verdadeiramente lírica de Fernando
Pessoa ele-mesmo se acha em Cancioneiro. Nessa obra são
explorados temas como saudade, solidão, infância, arte e se
encontram atitudes como ceticismo, nostalgia, tédio.
7.8. Fernando Pessoa ele-mesmo
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
7.8. Fernando Pessoa ele-mesmo
Retrato de Fernando Pessoa, pintado em 1954 por Almada Negreiros
Navegar é Preciso
Navegadores antigos tinham uma frase
[gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como
[eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário
[é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em
[gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu
[corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder
[como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica
[do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a
[pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o
[misticismo da nossa Raça.
Referências bibliográficas
Trechos integralmente retirados de:
 ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela; CESILA,
Juliana Sylvestre. O ensino de Literatura. São Paulo:
Santillana, 2009.
 ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela. Literatura:
tempos, leitores e leituras. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2010.
 CAMPEDELLI, Samira Yousseff; SOUZA, Jésus Barbosa.
Literaturas brasileira e portuguesa. São Paulo: Saraiva, 2009.
 CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar.
Conecte: Literatura Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2011.
 NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens aos
nossos dias. São Paulo: Scipione, 1998.
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