BATE-PAPO Texto e foto por André Araújo Um Mallandro no tatame “Quem está desesperado???” gritava barulhento o apresentador de programa infantil toda manhã, em frente a três portas numeradas, para delírio da criançada. Muita gente não sabe, mas Sérgio Mallandro já deixava muita gente com a língua pra fora antes mesmo de inventar o “Glu-Glu”. Sob a supervisão de Carlson Gracie, o Mallandro treinou Jiu-Jitsu na década de 80 ao lado de expoentes do esporte, como Fernando Pinduka, Wallid Ismail, os atuais líderes da Brazilian Top Team Murilo Bustamante e Bebeo Duarte e aprontava das suas na praia. “O mestre pedia pra gente divulgar o Jiu-Jitsu entre os amigos e sempre aparecíamos com alguém novo na academia, disposto a aprender o Jiu-Jitsu”, conta o hilário faixa-marrom de Carlson Gracie. Você foi graduado pelo Carlson faixa-marrom... Fui o sexto aluno do Carlson, lá na Figueiredo (rua Figueiredo Magalhães, em Copacabana (RJ), local da antiga sede da Carlson). Na época, treinávamos eu, o Pinduka, o Fábio Macieira, o Maurício Bustamante, o Beto. Depois que chegaram os demais lá... e eu já sabia tudo! Ensinei o Wallid a amarrar a faixa, o Murilo a dar triângulo e o Bebeo a botar o joelho na barriga. Eu era bem mais antigo que esse pessoal que hoje a gente vê lutando pela TV. conte uma história engraçada do mestre. BATE-PAPO Passei por diversas situações engraçadas ao lado dele. Uma vez, estávamos saindo da academia e o convidei para jantar na minha casa. Só que a cozinheira tinha feito um Bobó de Camarão e “pipipi-papapá”, o Carlson deixou 44 T A T A M E a dieta Gracie de lado e comeu todo o camarão, deixando o bobó gelado pra gente. Como era tarde, na volta não tinha mais ônibus e o Carlson acabou voltando da Lagoa até Ipanema de carona num camburão. E eu fui junto... não iria perder a cena por nada. (risos) Mas você brigava muito na rua? apagaram a luz! Segurei meu filho no colo e a porrada estancou. Corri com ele para o vestiário e até hoje não sei como aquilo tudo aconteceu. Eu gostava muito de ir a eventos de Vale-Tudo e cheguei a subir no ringue daquele Vale-Tudo de 91 para mandar uma mensagem de paz pra galera e “Glu-Glu” pra cá, “Glu-Glu” pra lá. Pois é. Quando virei artista, a academia estava prestes a fechar porque o Carlson não tinha dinheiro para pagar o aluguel. Pra piorar, ninguém pagava academia... nem eu. Então, num belo dia, o Carlson chegou pra mim e disse: “Mallandro, agora que você virou artista e é famoso, arranja uma grana!”. Acabou que cedi o dinheiro do aluguel em agradecimento a tudo o que ele me ensinou. Sou muito grato ao Carlson e ele vai fazer muita falta. Não, sempre fui na minha. A única coisa que fazíamos era que quando estávamos na praia, a gente divulgava o Jiu-Jitu entre os amigos. Falava: “Vou te ensinar uma malandragem". E pegava o cara num estrangulamento. O pessoal ficava curioso e parava tudo lá na academia... o Carlson falava pra gente trazer mais alunos pra academia. O mestre também gostava de colocar a gente pra fazer uma luva e a gente saía na porrada (risos). Me recordo que certa vez, eu tava treinando com o Manimal e fiz um “Glu-Glu” pra cá e um “Glu-Glu” pra lá e o derrubei com uma baianada. Na seqüência, eu disse que tava cansado, precisava beber água e saí de fininho... (risos). Até hoje ele fica bolado quando eu lembro desta história com ele... ele diz que eu dei sorte. E os campeonatos? você Chegou a enfrentar Você falou de malandragem... o teu apelido algum Gracie nos tatames? veio do Jiu-Jitsu? Como surgiu a “Porta dos Desesperados”? Nunca enfrentei um Gracie e sou amigo de muitos deles. A turma do Jiu-Jitsu no Rio era a dos Gracies... Cresci e aprendi muito com o Royler, o Renzo e o Rickson, por quem tenho muito carinho. Me lembro de uma vez que fomos a São Paulo representando o Pedro Hemetério, já que o torneio era apenas para equipes paulistas. Os locais acharam aquilo muito estranho. Estávamos todos bronzeados e cercados dos branquelas de São Paulo. Mesmo com a faixa azul, passamos o rodo nos paulistas, que na época não sabiam muito. Estavam lá o Maninho, o Felipão, Cacá, Pinduka, o Maurição e eu... éramos a linha de frente do Carlson. Não. Aos onze anos, eu era muito esperto e sempre penetrava nas festas, sem convite. Certa vez, me superei e, numa festa com O quadro surgiu numa feira de caminhoneiros. O dono da feira chegou pra mim e disse: “Anima a galera aí”. Cantei a música do “Glu-Glu”, mas eu só tinha ela e ainda precisava ficar no palco por mais uma hora e meia. Acabei recrutando uns caras pra me ajudar, um botou peruca, o outro colocou máscara de monstro e cada um ficava atrás de uma cortina. Eu perguntava ao público: “Quem está desesperado???”. Houve uma época em que você o ajudou a manter a academia aberta. é verdade? Você trabalhou muito com crianças. Qual era a tua relação com elas? A criança foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Me sinto abençoado de ter tido a chance de trabalhar ao lado delas, pois a criança é verdadeira. Eu gostava muito da forma e da admiração que os pequenos tinham por mim. Fui gratificado por isso e sempre foi só alegria. Com os programas “A Hora do Capeta” e o “Show do Mallandro” interagi demais com elas e me diverti muito. "Ensinei o Wallid a amarrar a faixa, o Murilo a dar triângulo e o Bebeo a botar o joelho na barriga" O Jiu-Jitsu me deu muita segurança, tanto que eu nunca queria brigar na rua. Na minha época, ninguém conhecia a prática de Jiu-Jitsu e certa vez, em Petrópolis (RJ), um cara cismou que queria brigar comigo na rua. Tentei dissuadi-lo, mas o cara queria me enfiar a porrada. Então me defendi, levei o cara pro chão e apliquei um mata-leão. Falei pra ele que ele iria dormir, mas acabei soltando-o. O danado veio de novo pra cima de mim e não teve jeito. Encaixei a posição novamente e o cara dormiu. O Jiu-Jitsu tem esse lado bom, pois você imobiliza o oponente sem precisar dar um soco. Você chegou a ser announcer de uns eventos de Vale-Tudo... como foi essa experiência? Na verdade, me lembro do Pentagon Combat, onde o Renzo Gracie ia fazer a luta principal da noite contra o Eugênio Tadeu, num clássico entre Jiu-Jitsu e LutaLivre. Estava tudo num clima meio tenso, por causa da rivalidade, quando de repente Eu tinha que fazer uma música e nada vinha na cabeça. De repente, no avião, chamei a aeromoça e falei: “Vem fazer glu-glu”... depois veio o “mon amour; meu chuchu; Gluglu para mim glu-glu para tu; Vem meu amor I love you...”, daí surgiu a música “Vem fazer glu-glu”, que vendeu um milhão de cópias. Manda uma mensagem para os atletas de Jiu-Jitsu que são fãs do Mallandro. Gostaria de mandar um abraço a todos os atletas do Carlson. Tenham muito orgulho dele, pois somos privilegiados de ter aprendido a arte com o mestre. Para os novos atletas, digo que o importante é mesmo competir e nunca brigar na rua. Lembrem-se que o mundo é uma roda-gigante. Nunca cuspa em quem está em baixo, porque depois alguém pode vomitar em você. T A T A M E BATE-PAPO O que o Jiu-Jitsu te ensinou que você usa até hoje? E o “Glu-Glu”? O que é isso? segurança e tudo mais, penetrei por um buraco no muro. Quando vi, eu já estava dentro e encontrei um amigo, que perguntou: “Como você conseguiu entrar?”. No dia seguinte, no Futebol, ele contou pros amigos que eu era malandro e o pessoal começou a me chamar de Sérgio Malandro. Na época, chorei e quanto mais eu chorava, mais o pessoal encarnava. Depois, coloquei mais um “L” e virou minha marca. 45