0 Guilhermino César Augusto Ramalho Lavieque CONFLITOS DE USO E APROVEITAMENTO DE TERRA EM NAMPACO (1998-2013) Mestrado em Ciências Políticas e Estudos Africanos Universidade Pedagógica Nampula 2015 1 Guilhermino César Augusto Ramalho Lavieque CONFLITOS DE USO E APROVEITAMENTO DE TERRA EM NAMPACO Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Faculdade Ciências de Ciências Sociais, Sociais, para obtenção do grau académico de mestre em Ciências Políticas e Estudos Africanos. Supervisor: Prof. Doutor Carlos Mussa Universidade Pedagógica Nampula 2015 2 Índice Lista de Tabelas………………………………………………………………………………………….…….iv Lista de Mapa…………………………………………………………………………………………….…….v Lista de Abreviaturas, Siglas e Acrónimos ………………………………………………………………….. vi Declaração …………………………………………………………………………………………………...viii Dedicatória ……………………………………………………………………………………………………ix Agradecimento ………………………………………………………………………………………………...x Resumo ………………………………………………………………………………………………………..xi Abstract ………………………………………………………………………………………………………xii Introdução …………………………………………………………………………………………………….13 CAPITULO I. CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE COMUNAL DE NAMPACO ……………………...24 1.1. Breve Caracterização do Município de Nampula ……………………………………………………24 1.1.1. Localização …………………………………………………………………………………………...24 1.1.2. Breve História do Município de Nampula …………………………………………………………...29 1.1.3. Importância Económica da Cidade de Nampula ……………………………………………………..30 1.2. Unidade Comunal de Nampaco ………………………………………………………………………31 CAPITULO II. CONFLITOS NO USO E APROVEITAMENTO DE TERRA EM NAMPACO: CAUSAS, FACTORES E IMPACTO …………………………………………………………………………………...34 2.1. Divisão Administrativa e Bairros do Município de Nampula …………………………………………...34 2.2. Tipos de Conflitos no Uso e Aproveitamento de terra em Nampaco ……………………………………38 2.2.1. Conflito de Natureza Pública e Privada ……………………………………………………………….39 2.2.2. Conflito Entre o Conselho Municipal e os Munícipes da Comunidade de Nampaco …………………42 2.2.3. Conflito entre os Líderes Comunitários e Munícipes da Comunidade de Nampaco ………………….42 2.2.4. Conflito Entre os Agentes Económicos e a Comunidade de Nampaco ……………………………….43 3 2.2.5. Gestão de terra e seus conflitos em Nampaco …………………………………………………………44 2.2.6. Direito de Uso e Aproveitamento da Terra ……………………………………………………………46 2.2.7. Evolução, Motivações, Factores e Causas dos Conflitos de Terra em Nampaco ……………………..48 2.3. O Direito de Posse da Terra ……………………………………………………………………………..50 2.3.1. O Direito de Terra aos Autóctones ……………………………………………………….……………55 2.4. Política de Terras ………………………………………………………………………………………...56 2.5. Estratificação das Causas de Conflitos de Terra ………………………………………………………...57 2.6. Causas e Factores dos Conflitos na Comunidade de Nampaco …………………………………………58 2.7. Formas de resolução dos conflitos ………………………………………………………………………62 2.8. Resolução de Conflitos de Terra: Estratégias de Aproximação e o Papel das Autoridades Tradicionais …………………………………………………………………………………………………..63 2.9. Impacto dos Conflitos de Uso e Aproveitamento de Terra em Nampaco ……………………………….67 Conclusão …………………………………………………………………………………………………….78 Proposta de Recomendações …………………………………………………………………………………80 Referências bibliográficas ……………………………………………………………………………………82 1) Fontes primárias …………………………………………………………………………………………...82 i. Legislação …………………………………………………………………………………………………82 2) Fontes secundárias ………………………………………………………………………………………...82 3) Fontes orais ………………………………………………………………………………………………..85 4) Internet …………………………………………………………………………………………………….86 Apêndice ……………………………………………………………………………………………………...87 Apêndice I ……………………………………………………………………………………………………88 4iv Lista de Tabelas Tabela 1: Postos Administrativos, Bairros, Unidades Comunais e População, 2007..... ....………………………………………………………….............................................. 25 Tabela 2: Superfície, População e Densidade Populacional por Km², 2007.………...... 28 Tabela 3: Divisão Administrativa do Município de Nampula......................................... 36 Tabela 4: Relação de Chefes dos Postos Administrativos Municipais e suas Sedes ...... 37 Tabela 5: Causas de Conflitos de Terra na Comunidade de Nampaco..……….............. 56 Tabela 6: Pontos Negativos e Positivos dos Conflitos...............................…………….. 72 5v Lista de Mapa Mapa 1: Município de Nampula: Postos Administrativos Municipais e Bairros ........... 38 vi 6 Lista de Abreviaturas, Siglas e Acrónimos CC – Código Civil CDS – Centro de Desenvolvimento Sustentável CFJJ - Centro de Formação Jurídica e Judiciária CMCN – Conselho Municipal da Cidade de Nampula DPA – Direcção Provincial de Agricultura DDAP – Direcção Distrital de Agricultura e Pescas DUAT – Direito de Uso e Aproveitamento de Terra DUGT – Departamento de Urbanização e Gestão de Terras FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação MCA – Millennium Challenge Account MICOA – Ministério para Coordenação da Acção Ambiental NET/LTC - Núcleo dos Estudos da terra e desenvolvimento ORAM – Organização Rural de Ajuda Mútua PAM – Posto Administrativo Municipal PDUT – Plano Distrital de Uso da Terra PEU – Plano de Estrutura Urbana PEOT – Planos Especiais de Ordenamento do Território PGU – Plano Geral de Urbanização PGA – Plano de Gestão Ambiental PNDT – Plano Nacional de Desenvolvimento Territorial vii 7 POT – Plano de Ordenamento Territorial PPDT – Planos Provinciais de Desenvolvimento Territorial PP – Plano de Pormenor PPU – Plano Parcial de Urbanização RLT – Regulamento de Lei de terra SDGC – Serviços Distritais de Geografia e Cadastro KULIMA – Campanha de terra U/C – Unidade Comunal viii 8 Declaração Declaro que esta Dissertação de Mestrado, é resultado da minha investigação pessoal e das orientações do meu supervisor, o seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia final. Declaro ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para obtenção de qualquer grau académico. Nampula, 28 de Abril de 2015 9ix Dedicatória Dedico este trabalho à memória inesquecível do meu pai, César Augusto Ramalho Lavieque, que a sua alma descanse em paz. À minha mãe, Mafalda Maico, pela bênção que sempre me deu com vista ao sucesso da minha vida. À minha mulher, Rosa Mariana José Gonçalves João, pelo apoio e encorajamento prestados ao longo dos dois anos da minha formação. Aos meus queridos filhos, César Guilhermino Augusto Ramalho, José Guilhermino Augusto Ramalho e Nilza Rosa Guilhermino e Augusto Ramalho Lavieque, algo de mais precioso que deus me deu. x 10 Agradecimento Ao Prof. Doutor Carlos Mussa, pela sua disponibilidade na orientação deste trabalho, ele sempre deu os melhores conselhos para o bom desenvolvimento desta pesquisa. À todos colegas pioneiros do Curso de Mestrado em Ciências Políticas e Estudos Africanos nos anos 2011-2012, pela sua colaboração e ajuda, o que nos permitiu terminar o curso com sucesso. Directa ou indirectamente, agradeço à todos familiares e amigos que contribuíram, através dos seus esforços, para que a minha formação fosse um sucesso. Ao Corpo Docente, Directivo e Administrativo da Delegação da UP- Nampula, pelos esforços empreendidos com vista a formação integral e completa dos mestrandos. xi 11 Resumo O presente trabalho teve como objectivo principal, Analisar as causas, factores, implicações e motivações dos conflitos no uso e aproveitamento de terra em Nampaco. Ele visou discutir acerca da orgânica de funcionamento do Município de Nampula e do seu quadro técnicoprofissional, tendo em conta o seu papel no ordenamento jurídico moçambicano, no concernente a distribuição de terras. A metodologia usada para a elaboração deste trabalho, se baseou na recolha de informações, análise, correlação e compilação de dados, o que permitiu mostrar que a corrupção, o desconhecimento da legislação em matéria de usos e aproveitamento da terra, a falta de formação ou capacitação dos técnicos, a não reestruturação do sector, o fraco domínio da legislação vigente e a prática de actos ilícitos, aliada a ausência de implantação dos planos de urbanização e ineficiência na comunicação institucional, foram os principais factores e causas que originaram os conflitos de terra na Comunidade de Nampaco ao nível do Município de Nampula. O Trabalho está sistematizado em três capítulos. Tudo faz crer que os conflitos no uso e aproveitamento da terra podem ter solução se todos os envolvidos (Município, comunidade e lideres comunitários) colaborarem. Palavras – Chave: conflito, uso e aproveitamento de terra. xii 12 Abstract This study aimed to, analyze the causes, factors, implications and motivations of conflicts in land use and use in Nampaco. It aimed to discuss about the organic functioning of the city of Nampula and its technical and professional staff, taking into account its role in the Mozambican legal system, as regards the distribution of land. The methodology used for the preparation of this work was based on the collection of information, analysis, correlation and compilation of data, allowing show that corruption, the lack of legislation on the use and enjoyment of land, lack of training or training of technicians, not to restructuring of the sector, the weak field of current legislation and the practice of illegal acts, coupled with the lack of implementation of plans of urbanization and inefficiency in corporate communication, were the main factors and root causes of land conflicts the Community of Nampaco the level of the city of Nampula. The work is systematized in three chapters. It looks as if that conflicts in the use and enjoyment of land can be solved if everyone involved (municipality, community and community leaders) collaborate. Key - words: conflict, land use and exploitation. 13 Introdução Sob o título CONFLITOS DE USO E APROVEITAMENTO DE TERRA EM NAMPACO, 1998-2013, esta pesquisa analisa os conflitos emergentes do uso e aproveitamento da terra em Nampaco, território localizado no Município de Nampula. O objecto de estudo centra-se na análise dos conflitos emergentes do uso e aproveitamento de terra em Nampaco. Quanto ao aspecto, este estudo analisa as implicações da dupla atribuição de terrenos, considerando a relação existente entre a edilidade e a comunidade local. Por outro, aqui se busca a compreensão das motivações, factores e causas que originam o problema da dupla atribuição de terras na comunidade de Nampaco. A Lei nº 2/97 de 18 de Fevereiro, instituiu o quadro jurídico para a implantação das autarquias locais, através dela, a Assembleia da República de Moçambique, criou as condições para a participação democrática dos cidadãos na governação do país. Nesta ideia, o Conselho Municipal de Nampula, como pessoa colectiva pública, goza de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, dispondo de um quadro de pessoal próprio, concebido e dotado de condições para satisfazer as necessidades de carácter permanente da população 1. Com a realização das primeiras eleições autárquicas em 1998, no país, emerge um novo cenário que começou a desenhar-se, também ao nível do Município de Nampula. As autoridades administrativas municipais introduziram o Plano Geral de Urbanização nas zonas de expansão recentemente criadas: Muhala, Muahivire, Mutauanha, Marrere, Natikiri, Napipine, Namutequeliua e Mutava-Rex. Isto visou acomodar as populações criando nesses espaços as infra-estruturas socioeconómicas de bens e serviços, com vista a mitigar o problema da exiguidade de espaços para construção de habitação e infra-estruturas. Aquele plano passou a ser o principal instrumento que estabelecia a organização e ocupação espacial da totalidade do território do Município de Nampula, respeitando os parâmetros e as normas vigentes no uso, aproveitamento e ocupação da terra, conforme as directrizes do MICOA (2009). Noutro sentido, o plano geral de urbanização facilita o ordenamento territorial. 1 Estatuto Orgânico e Quadro de Pessoal do Conselho Municipal da Cidade de Nampula, 2009:1 14 O ordenamento territorial permite definir zonas de reservas de terras para as diferentes funções e necessidades públicas e sociais, económicas e culturais, nomeadamente: zonas agrícolas, zonas de desenvolvimento pecuário, florestal, industrial, de laser, etc. Do mesmo modo, através do ordenamento territorial, se garante a gestão racional do processo de ocupação do solo, reduzindo ou mesmo eliminando alguns conflitos advenientes do uso e aproveitamento da terra (MICOA, 2009). Ademais, é importante saber que um território ordenado possui melhores condições para um assentamento urbano condigno e livre de congestionamento de bens e serviços, inclusive, nos espaços habitacionais. Acontece porém que, nos últimos tempos, em Nampaco se vêem assistindo casos de conflitos no uso e aproveitamento de terra, facto que ocorre com frequência originando, em muitos casos, a dupla atribuição de terrenos. Daqui se põe a seguinte pergunta de partida: Quais são as motivações, as causas e os factores que originam os conflitos da dupla atribuição de terrenos em Nampaco? Na busca de possíveis respostas ao problema, foram avançadas as seguintes hipóteses: A falta de coordenação, comunicação e controlo eficientes, entre as estruturas administrativas municipais e a comunidade, origina os conflitos emergentes do uso, ocupação e aproveitamento de terra na unidade comunal de Nampaco; A dupla atribuição de terrenos em Nampaco, resulta da falta de clareza na concessão de títulos de uso e aproveitamento de terra. Partindo das hipóteses e do assunto analisado neste trabalho, foram identificados os seguintes objectivos: - Objectivo geral – Analisar as motivações, as causas e os factores que originam conflitos de uso, ocupação e aproveitamento de terra na unidade comunal de Nampaco. - Objectivos específicos: - Caracterizar a Unidade Comunal de Nampaco; 15 - Discutir em torno das motivações, causas, factores e impacto dos conflitos de uso e aproveitamento de terra na Unidade Comunal de Nampaco; Justificação O estudo aqui desenvolvido circunscreveu-se aos anos de 1998 à 2013. O primeiro ano foi escolhido por ter sido o momento de implantação de autarquias locais em algumas cidades e vilas do nosso país, quando a Cidade de Nampula foi abrangida por esse processo. O ano 2013 foi o período em que os conflitos de uso e aproveitamento de terra se tornaram cada vez mais frequentes no Município de Nampula, em particular na unidade comunal de Nampaco. A época escolhida também coincide com os três mandatos sucessivos do Partido Frelimo na gestão da autarquia de Nampula, após a introdução da democracia multipartidária em Moçambique. Foi no período em referência que o Conselho Municipal de Nampula apostou no Plano Geral de Urbanização, visando resolver o problema de ocupação desregrada do solo ao nível de toda urbe, criando assim, as designadas zonas de expansão. As zonas em alusão, tornaram-se o móbil de conflitos de uso e aproveitamento de terra. A escolha do Município de Nampula para a realização desta pesquisa, concretamente a Unidade Comunal de Nampaco, se deveu ao facto desta circunscrição ser um dos principais locais onde de tempo a tempo, surgem focos sistemáticos de conflitos de terra, quando os munícipes reclamam o Direito de Uso e Aproveitamento de terra concedida pelo Departamento de Urbanização e Gestão de Terra, do Conselho Municipal de Nampula. Também realça-se que o período entre 1998 à 2013, na Unidade Comunal de Nampaco ocorreu o parcelamento e atribuição de terrenos, processo que visou como dar resposta ao fenómeno de ocupação desregrada dos solos. A importância deste estudo se revela no facto de através dele poder-se ajudar o Município na identificação de causas e factores que motivam problemas na atribuição de terrenos, no uso, ocupação e aproveitamento da terra em Nampaco. Assim, por meio do presente estudo busca-se a consciencialização das instituições e das comunidades acerca da importância da observância da lei no processo de ocupação, aproveitamento e uso da terra. 16 Como funcionário do Conselho Municipal de Nampula, o estudo em termos científico, permitiu-me compreender a dinâmica de funcionamento da estrutura municipal, dentro de uma administração pública que se deseja ser moderna, eficaz e eficiente, e em altura de responder os problemas dos munícipes desta região do país, daí a minha motivação pessoal para fazer esta pesquisa. Sob ponto de vista económico, a solução deste problema, contribuirá para a melhoria da qualidade de vida das populações, proporcionando o bem-estar social no meio urbano, estimulando o aumento da produção e poderá evitar conflitos no uso e aproveitamento de terra, contribuindo assim, para a estabilidade dentro de um contexto ambiental sustentável. Do ponto de vista social, a importância deste estudo reside na possibilidade que ele oferece aos eleitores sobre o valor do tema e as formas da sua gestão. A motivação para este estudo se apoia em NEGRÃO et al. (2004, p.3). Estes afirmam que deve-se verificar mecanismos de prevenção de injustiças sociais na posse, uso e aproveitamento da terra urbana, tendo-se chegado a conclusão de que, o modelo para o crescimento urbano sustentável deve ser um contributo para auxiliar os Conselhos Municipais e os grupos de interesse da sociedade civil na gestão dos recursos, no ordenamento do espaço urbano, na prevenção de conflitos sociais, e no potenciamento do uso económico e social do espaço urbano. Entende-se assim, que o conflito existe e sempre existiu desde que o ser humano foi criado. Isto, torna claro que não existe fórmula de conflitos, mas sim, tipos de conflitos que podem ser evitados pelo homem. Os mesmos autores discutem sobre “Mercados de Terras Urbanas em Moçambique”. Na sua óptica, entende-se por “mercado de terras” as transacções dos bens e dos direitos adquiridos sobre a terra, levadas a efeito por acordo voluntário entre duas pessoas ou grupos de pessoas representados por agentes. Assim, o mercado de terras surge sempre que há potenciais compradores que entram em contacto com potenciais vendedores tendo um equivalente comum, equivalente esse que tanto pode ser dinheiro ou um outro identificado através da negociação (NEGRÃO et al, 2004, p. 3). Este estudo também se apoiou na visão de TRINDADE et al. (2002, p.22) que analisa o papel dos Tribunais Comunitários na prevenção e resolução de conflitos de terras, destacando 17 que os tribunais comunitários constituem hoje, na configuração que lhes é dada pela Lei nº 4/92, de 6 de Maio, uma instância “oficial”, no sentido de ter sido criada por diploma normativo estatal, de resolução de conflitos. Isto significa que, no âmbito de resolução de conflitos de terra, os tribunais comunitários possuem, em termos estratégicos, uma dualidade de critérios que, por um lado, funcionam como instância de prevenção de conflitos, e por outro lado, como árbitros de conflitos existentes. Há uma lacuna no ordenamento jurídico moçambicano, no concernente a lei de terra. Uma das peculiaridades da legislação sobre a terra em Moçambique é o facto de sustentar que nesta matéria se deve adoptar o princípio da unicidade pela incorporação da diversidade no sistema legal. Isto é, em lugar de um sistema dualista, onde o direito costumeiro é codificado e corre em paralelo com o direito estatutário como é corrente nas antigas colónias inglesas, ou do sistema unitário exclusivo, onde os direitos costumeiros são totalmente ignorados como foi prática no tempo colonial, a legislação Moçambicana suporta que a Lei é única mas ela deve ter mecanismos de incorporação das várias práticas e sistemas costumeiras em força no país desde que não contrariem os princípios e os direitos consagrados na Constituição da República (TRINDADE et al., p. 8). Este estudo se centrou na análise da dinâmica de funcionamento da componente técnicoprofissional e política relativa a gestão de conflitos de uso e aproveitamento e modalidades de distribuição de terra, olhando as circunstâncias onde ocorrem os conflitos e quem são as vítimas dos mesmos, tendo em conta o papel da administração municipal. ALFREDO (2009, p.1) faz notar que o processo de acesso, posse, uso e aproveitamento da terra encerra em si relações de poder, acabando a terra por se tornar num objecto de competição entre o poder estadual e os particulares e estes entre si, levando assim à emergência de conflitos. O estudo deste autor visou fazer uma abordagem para mostrar a necessidade de uma melhor adequação do regime jurídico sobre a terra, como forma de contribuir para uma atenuação dos conflitos e permitir que o governo faça uma gestão coerente e transparente da terra que beneficie os seus utilizadores. Ademais, o mesmo autor diz que os estudos devem ser conduzidos e incentivados tendo em vista a identificação através de vários métodos científicos e também empíricos (onde estes tiverem aplicação) de fenómenos que resultem da posse da terra e 18 a aplicação de medidas tendentes a tornar o problema, assunto de preocupação de todos, o que permitirá certamente, encontrar soluções sobre os conflitos que emergem na aplicação da legislação sobre a terra (ALFREDO, 2009, p. 3). Para clarificar a ideia do conceito conflito de terra, este autor acrescenta que o conceito conflito de terra não está definido na lei de terra, nem no seu Regulamento, sendo pois definido por várias outras formas. No entanto, há de comum com os diversos autores, como os aqui analisados, uma tentativa de definição de conflito partindo do facto de se tratar de uma situação, manifestação da contraposição de interesses, opondo duas ou mais pessoas que alegam ser possuidores do mesmo direito sobre a terra ou de serem titulares do DUAT, cuja solução de tal conflito carece de intervenção de uma autoridade com poderes para tal. Por isso, o conflito deve ser entendido como uma situação de tensão e disputa claramente manifestadas pelas partes que reivindicam um direito sobre a terra (ALFREDO, 2009, p. 222). Ainda de acordo com a análise feita sobre o conflito de terra, na óptica desse autor, urge a necessidade de colocar as seguintes inquietações: Será que a questão de conflito de terra é resultado de falta de adequação da lei perante os problemas emergentes? A questão de dupla atribuição de terrenos, o caso dos Conselhos Municipais, tem a ver com a fragilidade da lei de terra e das demais leis? ALFREDO (2009, p.316), na sua exposição teórica, deixa claro que é preciso adequar a legislação sobre terras à realidade actual da demanda da terra para fins diversos, poderá ser uma solução para mitigar os conflitos de terra. Não sendo evidentemente a única solução, este autor me chama atenção acerca da necessidade de se aprofundar ainda mais esta problemática. ALFREDO (2009) ajuda, em grande medida, a subsidiar a presente pesquisa, uma vez que o mesmo trata questões ligadas as causas de conflitos, tipos de conflitos, dupla atribuição de terrenos e, lança certo horizonte olhando alguns países da África Austral, como são os casos de Zimbabwe, Angola e África do Sul, cujos povos e governos enfrentam o problema de gestão de terra. Outro estudo feito é o da Global Solidarity Forest Fund-GSFF, que se torna importante por analisar o Conflito Eclesiástico Sobre Terras em Moçambique, realizado no Planalto de Lichinga, na Província do Niassa, zona onde se regista disputa entre os camponeses e a Igreja 19 Norueguesa e Sueca. Essa empresa, vocacionada ao desenvolvimento de uma plantação florestal, é acusada de ter ocupado a terra que estava em uso pelos camponeses. Desde então estes se viram privados de ter acesso a essa floresta, que inicialmente estava lá. Ademais, a plantação de eucaliptos nas áreas onde os camponeses praticam actividades agrícolas, condiciona absorção de grandes quantidades de água, o que faz com que outras espécies de árvores na área sequem, e como consequência, os camponeses são expulsos da terra, porque a condição para prática de agricultura, não é favorável. É preciso compreender que a questão de conflito é diversificada na sua essência e difere na sua forma de abordagem. Conforme IVALA (2000, p.225), o conflito, entende-se aqui por conflito social, é definido como sendo uma das formas de interacção entre indivíduos, grupos, organizações e colectividades implicando choques no acesso e distribuição de recursos escassos. Estes são identificados com o poder, a riqueza e o prestígio. Pesquisas feitas por IVALA (2000), na componente de conflitos sociais, apresentou os processos de mediação mais frequentes entre a população macua. E por outro lado, ele identificou alguns dos conflitos mais frequentes e os níveis de intervenção para a sua resolução segundo a filosofia que sustenta as decisões tomadas, conforme os casos. De referir que este autor, no decurso da sua abordagem acerca de conflitos sociais, coloca a questão de conflitos de terra, mas ele não aprofunda as motivações deste fenómeno, talvez, porque o seu estudo não chegou ao fim. Como consequência, em termos de cunho teórico relativamente ao estudo realizado por IVALA (2000), ele foi útil para sustentar esta pesquisa porque através dela se pode ver algumas causas que geram esses conflitos no uso da terra, embora ele se tenha debruçado em relação a comunidade macua em Nampula. Quanto a metodologia, há que ter em conta que os procedimentos metodológicos e/ou linhas de orientação definem, na sua essência, os caminhos e os meios a serem usados para se alcançar um determinado objectivo. Tratando-se de um trabalho de investigação científica, há que ter em conta três aspectos fundamentais: a parte teórica, a parte prática e a parte prognóstica (LAVIEQUE, 2007, p. 16). É no rol dos procedimentos abordados no cunho teórico, que o pesquisador deste trabalho destacou o método bibliográfico como sendo o fundamental para a pesquisa, com uma abordagem qualitativa, complementados pelo método indutivo, em estreita ligação com o método analítico, o método hipotético-dedutivo, o estatístico, e finalmente, o 20 método comparativo. Isto significa que, feita a recolha das informações pertinentes sobre o caso em estudo, fez-se a análise, correlação e compilação dos dados, que nos permitiram vislumbrar, as motivações, causas e factores dos conflitos de terra em Nampaco. Para operacionalização deste trabalho, fizeram-se entrevistas semi-estruturadas aos Funcionários do Conselho Municipal, concretamente, no Departamento de Urbanização e Gestão de Terra e no Posto Administrativo Municipal de Muhala. As entrevistas também envolveram as autoridades comunitárias e as vítimas dos conflitos de uso e aproveitamento de terra em Nampaco. O instrumento usado para colecta de dados foi o guião de entrevistas. Quanto ao trabalho de campo, a pesquisa foi realizada no Território da Administração Municipal de Nampula, concretamente na Unidade Comunal de Nampaco. O universo da população alva incluiu 70 pessoas residentes em Nampaco. A escolha da amostra foi aleatória, tendo resultado da constatação feita nos locais ora mencionados, como sendo vectores preponderantes onde existem conflitos de uso e aproveitamento de terra, a nível do Município de Nampula. A amostra abrangeu 50 pessoas, sendo 30 homens e 20 mulheres. As entrevistas foram direccionadas aos Funcionários do Conselho Municipal de Nampula e as suas representações. O estudo também incluiu a pesquisa no campo que facilitou a colecta de dados junto das seguintes personalidades: Director do Departamento; Chefe do Posto Administrativo; os técnicos de campo; e as vítimas dos conflitos de terra. A pesquisa sobre Conflitos de uso e Aproveitamento de terra no Município de Nampula, teve como subsídio de realce, o trabalho de ALFREDO (2009), que define a terra como um recurso que é gerido pelo Estado para o bem social e económico da comunidade. O CPCN2 (2011), no seu Artigo 1, nº 29, define terreno litigioso, como sendo, terrenos disputados por duas ou mais pessoas, para os quais o Conselho Municipal tenha conhecimento ou venha a ter conhecimento. Outra motivação se centrou no trabalho de NEGRÃO et al. (2004), estes sustentam que o estudo sobre a terra facilita identificar formas que permitam um crescimento sustentável das 2 Código de Postura da Cidade de Nampula – Revisão de 2011 21 cidades, que garantam a segurança de posse da terra e da habitação por parte dos munícipes e a concretização do objectivo do Millenium - cidades sem subúrbios. Já MICOA (2009), entende que a terra é um recurso natural básico disponível para o desenvolvimento socioeconómico da humanidade. Com o aumento demográfico, a terra está sendo um recurso escasso para várias actividades (agrárias, turísticas, exploração mineira, industrial, conservação e habitação, entre outros), sendo palco de disputas originadas pelo acesso não equitativo ou pela sobreposição de interesses dos vários utentes da mesma. NHANCALE (1996), diz que um conflito nunca fica por resolver, caso não se consiga dentro do território, procura-se resolver fora do mesmo, pois como se diz que a tradição não conhece fronteiras. Quanto a KULYUMBA (2006), deduz que os valores socioculturais são variados dependendo das condições ambientais e naturais de cada região e do nível de progresso do próprio homem. Para ORAM (2010), na delimitação de terras comunitárias, há como uma das áreas de intervenção, a mediação de conflitos de terra e recursos naturais. Por sua vez DE VERGAS (s/d), no seu pensamento analítico, entende que a cidade é local de produção, de circulação e de consumo, mas também, é produto de circulação e consumo e palco do conflito de classes. Para a fundamentação de natureza legislativa, BOBBIO et al. (1998), realçam que, a única maneira de pôr termo ao conflito é o de proceder à regulamentação dos conflitos, isto é, à formulação de regras aceitas pelos participantes que estabelecem determinados limites aos Conflitos. Na Lei 19/97 de 1 de Outubro, no seu Artigo 13, nº 3, sustenta-se que o processo de titulação do direito do uso e aproveitamento da terra inclui o parecer das autoridades administrativas locais, precedido de consulta às comunidades, para efeitos de confirmação de que a área está livre e não tem ocupantes; TRINDADE et al. (2002), avançam a hipótese de que “quanto maior é a eficiência e inter-acção das várias instituições menor são os conflitos fundiários. Já a Lei 2/97 de 18 de Fevereiro, no seu Artigo 29, sustenta que as autarquias locais respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou pela violação das disposições destinadas a proteger os seus interesses, resultantes dos actos ilícitos praticados com dolo ou mera culpa pelos respectivos órgãos e agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício nos termos e na forma prescritos na lei. 22 A Constituição da República de Moçambique (2004), no seu Artigo 271, nº 1, torna claro que o poder local tem como objectivo organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua comunidade e promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da democracia, no quadro da unidade do estado moçambicano. MANHICANE Jr (2007), entende por justiça social na distribuição de terra, é aquela que cumpre as três garantias acima mencionadas, a saber: o acesso a terra com condições mínimas de habitabilidade e de trabalho; o uso efectivo da terra e a rentabilização da terra. FRANCISCO (2012, cp.), na sua abordagem sobre o Paradoxo da Terra em Moçambique, afirma que, A lei foi-se ajustando aos tempos e hoje num País de mais de 750 mil Km2 de território, estamos a assistir a imensos conflitos em que paradoxalmente nos aparecem por trás, precisamente aqueles que nacionalizaram a terra a usarem o poder para eles próprios se tornarem concessionários dos melhores espaços com a intenção velada, mas perceptível de se tornarem latifundiários – precisamente o que diziam querer combater3; para questões referentes a administração. CHIAVENATO (1987), realça que muito embora a complexidade das empresas e sua diversidade sejam aspectos que dificultam o seu estudo e análise, o conceito de sistema aberto permite uma abordagem global que simplifica e ajuda a ultrapassar tal complexidade e diversidade, enquanto MATANGE (2011) define sistema como um conjunto de partes que interagem reciprocamente entre si de modo a atingir um determinado fim, de acordo com um plano ou princípio. O poder é um jogo social. Para aprender a dominá-lo, deve-se desenvolver a capacidade de estudar e compreender as pessoas e os motivos ocultos das pessoas, é o maior conhecimento que se precisa para conquistar o poder. O CMCN, no seu Estatuto Orgânico e Quadro de Pessoal (2011), realça que na criação dos seus Serviços Técnicos e Administrativos o Conselho Municipal cinge-se nos pressupostos contidos no Decreto nº 51/2004, de 1 de Dezembro, que regula a organização e funcionamento dos Municípios. Motivado por essa preocupação, a abordagem feita neste trabalho visa contribuir para o conhecimento da orgânica de funcionamento da instituição tendo em conta o seu quadro técnico- 3 Entrevista ao Canal de Moçambique, Maputo, 08/08/12 23 profissional e o ordenamento jurídico moçambicano, no concernente a distribuição, uso e aproveitamento de terra. 24 CAPITULO I CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE COMUNAL DE NAMPACO 1.1. Breve Caracterização do Município de Nampula 1.1.1. Localização A Unidade de Nampaco localiza-se no Município de Nampula. Este é a capital da província do mesmo nome, sendo também conhecida por Capital do Norte. O nome da cidade, deriva de um líder tradicional, M’phula, que deu origem a Whampula. O nome Nampula surge por corruptela da língua portuguesa. Este município situa-se no centro da Província de Nampula, entre 15º 01' 35" e 15º 13' 15" de latitude Sul e entre 39º 10' 00" e 39º 23' 28" de longitude Este. As áreas das zonas urbanizadas e das semi-urbanizadas estão confinadas aos seguintes 4 limites : a Norte: Rio Monapo, que separa a cidade do Posto Administrativo de Rapale; a Sul: Postos Administrativos de Namaita e Anchilo; A Oeste: Postos Administrativos de Rapale e Namaita; a Este, é limitado pelo Posto Administrativo de Anchilo. A Cidade de Nampula, é o terceiro maior centro urbano de Moçambique, com uma superfície total de 404 Km², tendo uma população estimada em 471.717 habitantes, cuja densidade populacional é de 1.414.26 habitantes por Km² e 101.484 agregados familiares. (Perfil do Município de Nampula, 2011). Ainda em de termos de extensão, população e organização, o Município de Nampula está estruturado conforme indicam as Tabelas 1 e 2: 4 Código de Postura da Cidade de Nampula – Revisão de 2011 25 Tabela1: Postos Administrativos, Bairros, Unidades Comunais e População, 2007 Posto Administrativo Bairro Unidade Comunal Area(ha) MUAHALA Namutequeliua Amilcar Cabral 40,81 6872,34 2742,71 25 de Setembro 173,93 Ha Ha Marien Ngouabi 59,62 Mutomoti 379,54 Nampako 1191,63 Namalate 897,18 Muhala Eduardo Mondlane 42,48 1178,11 7 de Abril 41,32 Ha Josina Machel 57,39 Paulo Samuel Kankhomba 27,18 25 de Junho 301,75 Serra da Mesa 325,54 1° de Maio 382,45 Muahivire Gorongosa 17,07 2951,52 Muacotaia 27,57 Ha Muetasse 53,4 Namuatho C 95,56 Muegane 57,13 Reno 67,41 Mutotope 391,98 Ilipisse 187,37 Namiteca 236,18 Napacala 624,74 Nanuco 499,13 Mucuache 693,98 MUATALA Muatala Menicane 30,99 6106,1 3554,94 Muralene 25,17 Ha Ha Micolene 23,92 Namavi 54,23 Matadouro 25,65 Litini 23,08 Cossore 337,75 Napala 283,88 Maparra 896 Namicopo B 1854,27 População 4887 4415 6510 Continua 26 Continuação MUATALA Mutauanha 1º de Maio 39,79 2551,16 Eduardo Mondlane 41,18 Ha 25 de Junho 23,31 7 de Abril 24,85 25 de Setembro 21,42 3 de Fevereiro 24,98 Samora Machel 25,01 7 de Setembro 65,58 Piloto 329,08 Muthita 916,79 Namuatho B 1039,17 NATIKIRI Marrere Mucoboa 499,68 10192,69 4001,19 Acordos de Lusaka 929,12 Ha Ha Namadeira 748,91 Incomati 207,43 Namiconha 1616,05 Natikiri Teacane A 26,83 3164,97 Teacane B 6,69 Ha Nacahi 33,47 5º Congresso 53,32 6º Congresso 130,77 Muepelume 304,77 Napueia 562,84 Pedreira 500,33 Muliapo 845,55 Namitatari 700,4 Murrapaniua P.S. Khankomba 31,81 3026,53 Francisco Manyanga 62,71 Ha Josina Machel 48,95 Filipe S. Magaia 40,54 Samora Machel 36,06 Agostinho Neto 39,54 Eduardo Mondlane 24,65 Sansão Mutemba 7,72 Mutimacanha A 49,69 Mutimacanha B 38,77 Ratane 522,62 Terrene 795,26 Nairuco 1328,21 Continua 27 Continuação NAPIPINE 4883,24 Ha 1º de Maio 14,81 Francisco Manyanga 28,07 3 de Fevereiro 18,4 Santa Maria 23,11 3º Congresso 28,95 Povo Moçambicano 14,54 Joisna Machel 29,59 Napipine 2711,59 Ha 8 de Março 11,32 25 de Setembro 34,7 Namarrepo A 23,75 Namarrepo B 10,51 25 de Junho 18,89 Nicuta 139,41 Nahene 2315,54 24 de Julho 18,58 18 de Abril 65,53 3 de Fevereiro 14,39 5º Congresso 16,95 2171,65 7 de Setembro 9,65 Ha 25 de Junho 29,79 Karrupeia CTM 71,81 Centro 14,6 7 de Abril 14,02 19 de Outubro 28,28 25 de Setembro 40,53 16 de Junho 399,54 1º de Maio 115,54 Cutuche 823,8 Monapo 508,64 NAMICOPO Namicopo Eduardo Mondlane 114,98 13934,13 4098,35 Nelson Mandela 269,49 Ha Ha Sul 15,38 Palmeiras 1 6,97 Palmeiras 2 73,34 Josina Machel 28,22 Filipe S. Magaia 67,7 Namicopo 2 183,98 Continua 28 Continuação NAMICOPO Namicopo Chicuala 1089,95 Saua-Saua 2248,34 Mutava-Rex Samora Machel 906,77 9835,78 Mutava Sede 1426,61 Ha 3 de Fevereiro 415,38 Mucubassa 1196,05 Namuatho 3348,68 Nahene 540,51 Eduardo Mondlane 1378,69 Embiligne 623,09 Fonte: Município de Nampula Administrativamente, o município possui seis Postos Administrativos Municipais, 18 bairros urbanos, 121 Unidades Comunais e 1.224 Quarteirões. (Perfil do Município de Nampula, 2011:1) A tabela 2 mostra a superfície, população e densidade populacional por Km². Tabela 2: Superfície, População e Densidade Populacional por Km², 2007 Cidade de Nampula Superfície total em Número total da Densidade Número de agregado Km² população populacional em Km² familiar 404 471.717 1.414.26 101.484 Fonte: INE – III Recenseamento Geral da População e Habitação - 2007 29 A localização estratégica, a arquitectura e a hospitalidade da população, constituem focus invejáveis para a atracção de investimentos externos e internos5. 1.1.2 Breve História do Município de Nampula O historial da Cidade de Nampula, a sua importância política, económica e estratégica, começou a revelar-se a partir dos finais século XIX. Portanto, esta evolução, foi o resultado da emigração de alguns comandos militares a partir das zonas costeiras de Mossuril, Ilha de Moçambique e Angoche, com objectivo de descobrir o interior da Província de Nampula e elaborar-se alguns mapas cartográficos que pudessem facilitar os portugueses a penetrarem no interior da mesma. Segundo PÉLISSIER (2000), “O Posto de Netia (a norte do Monapo) foi aberto a 2 de Setembro de 1906. […]. A 6 de Outubro de 1906, Neutel de Abreu, com base no Sangage, fez instalar o posto de Liúpo e, após ter preparado o terreno por uma visita (Abril de 1906) ao régulo Mucapera-Muno, criou o posto de Corrane (4 de Janeiro de 1907) com o acordo do Mucapera-Muno, ao qual estava ligado pelo 6 pacto de sangue – cerimónia dramática e, que saibamos, única nos anais coloniais luso-africanos . Neutel de Abreu, um cabo, um intérprete e vinte e cinco cipaios avançaram mais para o oeste e 7 alcançaram, em reconhecimento, a 7 de Fevereiro de 1907 , Nampula” (p.295). Para Kulyumba (2006), na comemoração dos 50 anos do Museu Nacional de Etnologia, afirmou que “Em Junho de 1917 são extintas as quatro capitanias-mores então existentes (Macuana, Mossuril, Angoche e Memba) e, em seu lugar foram criados quinze Comandos Militares, entre eles o da Macuana, com Sede em Nampula. Dois anos depois (6-12-1919), Nampula era dotada com uma Delegação de Fazenda. Em 30 de Junho de 1921 dá por finda a missão dos comandos militares coloniais e são criadas em substituição, as Circunscrições Civis sob o signo das quais vai iniciar-se a verdadeira colonização portuguesa. Em 1934, Nampula é elevada a Categoria de Vila passando a ser Conselho de primeira Classe com uma Comissão Municipal, detentora de juntas locais. Em 1935, Nampula transformou-se na Capital da Província do Niassa e surgem serviços de 5 Perfil do Município de Nampula, 2011: p. 1 6 Pélissier op. cit., Manuel Ferreira, num escrito de Neutel de Abreu, Pp. 51-52. 7 Pélissier apud Soares de Castro. Apontamentos para a história de uma jovem cidade. Boletim do Museu de Nampula, vol. I, 1960, p. 105. 30 Administração Civil, Fazenda, Obras Públicas, Agricultura, Indústria e Geologia, Saúde, Instrução, Veterinária, Correios e Telégrafos, etc. A 4 de Setembro de 1940, chega o primeiro galardão de ordem espiritual: é criada a Diocese de Nampula. Depois, Nampula transformou-se em Câmara e deixa de depender em absoluto da Ilha de Moçambique. A 22 de Agosto de 1956, a Vila de Nampula é elevada à Categoria de Cidade com a denominação de “CIDADE DE NAMPULA” que inicia o seu novo ciclo de existência recebendo e hospedando dentro dos seus muros o então Venerando Chefe do Estado Português, General Francisco Hino Craveiro Lopes e Esposa. A 23 de Agosto de 1956, era sagrada a Sé Catedral de Nossa Senhora de Fátima e procedia-se a Inauguração do Estádio Municipal e do Museu Regional (Hoje Estádio 25 de Setembro e Museu Nacional de Etnologia respectivamente) ” (p. 11). Em suma, a Cidade de Nampula, foi fundada com a finalidade de se manter o controlo militar durante a penetração colonial portuguesa para as regiões do interior. 1.1.3.Importância Económica da Cidade de Nampula Desde a instalação dos primeiros órgãos autárquicos no Município de Nampula, em 1998, muitos esforços têm sido envidados no sentido de desenvolver a economia local, melhorar as condições ambientais e de vida dos munícipes e tornar a cidade cada vez mais atractiva para investimentos públicos e privados8. Localizada no entroncamento da via-férrea de Nacala com os eixos rodoviários que da província da Zambézia e do Litoral demandam o norte e o interior, a cidade de Nampula foi implantada num planalto, para servir de centro militar colonial para todo o norte de Moçambique. Ela é atravessada pelo “corredor de desenvolvimento de Nacala”, constituído pelos eixos ferroviário e rodoviário que ligam o litoral (porto de Nacala) com o interior do país e com a República do Malawi. Também é cruzada pelo eixo rodoviário centro-nordeste, vital para o desenvolvimento a norte do rio Zambeze e que, a partir daqui, se ramifica em direcção à província de Cabo Delgado, a norte, a provincial do Niassa, a ocidente, e o litoral, a oriente. É esta localização que lhe confere o papel de centro económico e de ligação de todo o território a norte do rio Zambeze, pelo que se lhe ajusta o título de “capital nortenha” ou “rainha do norte” (DE ARAÚJO, p. 210). Escreve CDS-Zonas Urbanas (2009): 8 Perfil do Município de Nampula, 2011 : p. 7 31 “A Cidade de Nampula é o principal centro administrativo e comercial na região norte de Moçambique e as actividades comerciais incluem a comercialização e armazenamento dos produtos agrícolas das três províncias do norte, bem como o comércio grossista e a retalho de equipamentos, bens de consumo e alimentos. Porém, a economia formal da Cidade de Nampula está bastante fraca, pois nas últimas décadas a actividade industrial do sector formal diminuiu drasticamente pela paragem das maiores fábricas, frequentemente por motivos ligados a sua privatização (nos casos de Texmoque, Sogere, Cinap, Mademo e Romon). A actividade industrial está virada principalmente ao ramo alimentar. A grande maioria das fábricas e oficinas em funcionamento são de pequena escala” (p. 13). Nesta situação, o sector informal tem vindo a desempenhar um papel preponderante para a sobrevivência da população e da economia da cidade. As actividades informais incluem principalmente o comércio informal e a produção agrícola. Muitas famílias na cidade têm machambas, dentro ou fora da área municipal, nas quais cultivam mandioca, amendoim, batatadoce, milho ou hortaliças para consumo próprio e para venda a pequena escala (Ibidem, p. 14). 1.2.Unidade Comunal de Nampaco A Unidade Comunal de Nampaco, localiza-se no bairro de Namutequeliua, seu nome provém da Pedreira Nampaco, situada próximo do Seminário Médio, pertencente a Diocese de Nampula, na Estrada Nacional nº 8, no troço entre a Rotunda do Aeroporto de Nampula e o controlo, numa extensão de 8 km. Antes da independência nacional, esta zona, era conhecida por Netia, nome proveniente do cabo da circunscrição, Cabo Netia, da regedoria do Régulo Nampula. Após a independência nacional e com a introdução da nova divisão administrativa, Netia passou a chamar-se Unidade Comunal nº 5-Nampaco. Encontra-se no Posto Administrativo Municipal de Muhala. Com a requalificação dos bairros, por meio da qual as unidades comunais passaram a ser numeradas, surgiu a atribuição da classificação nº 5-Nampaco. O Bairro de Namutequeliua, onde se localiza Nampaco, possui “2.043 Comissões de Moradores9, 92 quarteirões, 6 unidades comunais e 102.369 habitantes10”.A Unidade Comunal 9 É o conjunto de 10 casas, com um representante por casa, designado por chefe do agregado familiar. 32 de Nampaco tem como limites: a Norte, Unidade Comunal de Namalati; a Sul, Unidade Comunal Marian Nguabi; a Este, Rio Mutomote ; e a Oeste, pela Estrada Nacional nº 8. De salientar que, “(…) 80% da população residente na Unidade Comunal de de Nampaco-UCN, professa a religião Católica Apostólica Romana, rezando na Paróquia Nossa Senhora de Paz – Netia, designação oriunda do tempo colonial, que perdura até aos nossos dias .” (Entrevista gentilmente concedida pelo senhor secretário da UCN, João Pedro Tinga, no dia 27 de Janeiro de 2014, em Nampaco.) A mesma fonte acrescentou: “(…) a partir de 2004, é que começaram a instalar-se outras congregações religiosas, inclusive a muçulmana, completando os restantes 20% de crentes. Em termos numéricos, existem um total de 3 igrejas católicas, 4 igrejas protestantes de diversas congregações e 5 mesquitas, respectivamente (…) Para além dessas instituições sociais, no edifício da Escola Secundária de Nampaco, funciona o Ensino Primário do Primeiro e 2º grau (EP1 e EP2), que é completado pelo Ensino Secundário Geral. (Ibid.) Em termos da divisão administrativa, a Unidade Comunal de Nampaco-UCN encontra-se subdividida em 50 quarteirões, cada quarteirão é gerido pelo seu respectivo chefe. Pela sua densidade populacional, os quarteirões possuem um agregado de 50 casas, o que normalmente, seriam 25 casas. A UCN cobre uma área total de 1.191,63 há, possuindo mais de 3.000 talhões11, sendo a maior zona habitacional do Município de Nampula. Porém, a mesma apresenta características rurais, agravadas pela guerra civil que assolou a região. Actualmente, o cenário tende a inverter-se, devido a implantação de algumas infra-estruturas socioeconómicas. (Plano de Pormenor do CMCN, 2008.) A UCN encontra-se no Posto Administrativo Municipal de Muhala, este possui 3 Bairros (Bairro de Namutequeliua, Bairro de Muahivire e Bairro de Muhala) que administrativamente são geridos por um secretário de bairro. Os chefes dos Postos Administrativos Municipais subordinam-se ao Presidente do Conselho Municipal e os seus ordenados enquadram-se no 10 Miguel Eurico, Secretário Adjunto do Bairro de Namutequeliua, Posto Administrativo Municipal de Muhala. Nampula, 27 de Janeiro de 2014, entrevista com o autor. 11 Plano de Pormenor de Nampaco 33 orçamento municipal. Enquanto, as autoridades comunitárias, ou seja, os secretários dos Bairros, os secretários das Unidade Comunais -UCs, os chefes dos quarteirões, os Cabos e Régulos subordinam-se ao Governo da Cidade, recebendo apenas subsídios pelos trabalhos prestados12. 12 João Pedro Tinga, Secretário da U/C de Nampaco. Nampula, 27 de Janeiro de 2014, entrevista com o autor. 34 CAPITULO II CONFLITOS NO USO E APROVEITAMENTO DE TERRA EM NAMPACO: CAUSAS, FACTORES E IMPACTO O uso e aproveitamento de terra na Cidade de Nampula estão crescendo desde a década 1980. A ocupação do solo foi sendo cada vez mais intensiva devido ao conflito armado (19771992) que, de tempo a tempo, obrigava as populações a se deslocarem das suas zonas de origem para as capitais distritais e da província em particular, em busca da segurança. Foi na sequência desta situação que no Município de Nampula o uso, a ocupação e o aproveitamento da terra passaram a ser processos cada vez mais conflituosos. Os nativos foram perdendo suas machambas em proveito dos recém-chegados que ocupavam a terra para construir habitações ou infra-estruturas económicas e sociais. Ora, na sequência desta realidade, com a criação do Município de Nampula em 1998, no contexto da democracia multipartidária, a cidade capital passou a ser um local onde se assistem com frequência disputas pela posse e uso da terra. O presente capítulo analisa os conflitos emergentes do uso, da ocupação e do aproveitamento da terra. Este capítulo também discute o impacto da dupla atribuição de terreno e suas implicações nas comunidades de Nampaco. 2.1. Divisão Administrativa e Bairros do Município de Nampula Administrativamente, o Município de Nampula (Vide Mapa 1) estrutura-se em Postos Administrativos Municipais e Bairros. (Vide a Tabelas 1 e 3) Cada Posto Administrativo Municipal (PAM), é gerido por um Chefe e sua Sede geralmente, localiza-se num dos Bairros da sua área jurisdicional, conforme ilustra a tabela nº4. Na gestão municipal se incluem, como se vê, os secretários dos bairros, os líderes comunitários, régulos e outras entidades, como por exemplo, os líderes religiosos. No entanto, muitos destes não têm desempenhado um papel significante, facto que origina os conflitos no uso de terras. Na ausência de lideres comunitários activos, os agentes do Conselho Municipal acabam tendo maior protagonismo no processo de atribuição de terrenos. 35 Isto faz crer que se houvesse maior coordenação entre os vários elementos envolvidos no processo de atribuição de terrenos alguns problemas de dupla atribuição de terras seriam sanados. 36 Tabela 3: Divisão Administrativa do Município de Nampula N˚ de Ordem Total Postos Administrativos N˚ de População Bairros U/Comunais N˚ de Quarteirões 1 Central 17.986 6 6 62 2 Muhala 151.301 3 26 238 3 Muatala 106.489 2 20 247 4 Napipine 86.235 2 28 183 5 Namicopo 59.009 2 18 189 6 Natikiri 50.697 3 23 305 471.717 18 121 1.224 Fonte: Adaptado pelo autor, com base nos dados do CMCN, 2011. 37 Tabela 4: Relação de Chefes dos Postos Administrativos Municipais – PAMs e localização das suas Sedes N˚/Ord. PAM Nome do Chefe do Posto Localização do Posto 1 2 3 4 1 Central Ismael Daúdo Esquina da Av. Eduardo Mondlane e rua 3 de Fevereiro 2 Muhala Justina Jaime Santos Rua 2.008 (No Namutequeliua) 3 Muatala Julieta Hortência Agostinho Rua dos Sem Medo (junto do Matadouro Municipal) Mumbule Bairro de 4 Napipine José Sabonete Rua 5.000 (junto do Posto da Polícia de Napipine) 5 Namicopo Ernesto Muraco Namaitho No fim do prolongamento da Rua 6.001 6 Natikiri Jovita Nampada Na rua 4.251 (na via para Rapale, Ex-Nova Chave) Fonte: CMCN – Perfil do Município de Nampula 2011, p.2 38 Mapa 1: Município de Nampula: Postos Administrativos Municipais e Bairros 160 80 0 160 Meters ESCALA: 1/50000 Fonte: CMCN/DUGT, 2010 2.2. Tipos de Conflitos no Uso e Aproveitamento de terra em Nampaco O termo conflito faz lembrar a ideia de litígio, disputa ou querela. Na base desta percepção, no estágio actual, a Cidade de Nampula e na Unidade Comunal de Nampaco em particular, estão se assistindo casos de conflitos pela posse da terra. Em alguns casos nota-se a “usurpação” da terra que é retirada dos nativos em favor de novos concessionários, que adquirem terrenos pessoais através do Município. O termo usurpação, segundo MATAVEL, et al. (2011, 39 p.4) tem a ver com a acção de apoderar-se de forma astuciosa ou violentamente de uma coisa de que alguém legitimamente usufruiu ou lhe pertence. Pela usurpação alguém obtém algo sem direito ou por meio de fraude, adquirindo o direito de propriedade de forma ilegítima. Nesta visão, a Lei 19/97 de 1 de Outubro, no seu Artigo 1, nº 2, refere que o DUAT 13 confere ao seu detentor o direito de uso e aproveitamento da terra para diferentes fins. Presentemente, em Nampaco existem casos de pessoas com o título de propriedade (DUAT), que prova ser dono do terreno, mas que na prática o espaço não lhe pertence porque há casos de dupla ou tripla atribuição, por erros ou má fé dos agentes do município. Nesta condição, normalmente o terreno passa a ser motivo de disputa entre potenciais e diferentes proprietários. Em certos casos passa a reinar a lei do mais forte que se apodera da terra recorrendo a processos menos claros e lícitos. É daqui que emergem conflitos pela posse da terra, com natureza diversa. Analisando os tipos de conflitos identificados e as respectivas características, no caso de Nampaco se nota que estes são de natureza pública e privada. 2.2.1 Conflito de Natureza Pública e Privada Conflito de natureza pública é aquele que envolve a instituição e o cidadão. Neste caso, envolve-se o governo municipal e os cidadãos. Por exemplo, na Unidade Comunal de Nampaco, este conflito, manifesta-se quando o Conselho Municipal faz as demarcações de talhões e atribuios a novos concessionários sem nenhuma auscultação comunitária junto dos nativos e autoridades comunitárias locais. Nalguns casos, os beneficiários são investidores nacionais ou estrangeiros, que possuem algum capital económico e financeiro. Estes procuram terrenos para investir sem consentimento dos nativos e isto provoca conflitos porque ao quererem investir rapidamente nos sectores de negócios como turismo, comércio e serviços em geral, não respeitam as leis costumeiras locais. Dada a pressa que os mesmos têm, de querer ocupar o espaço a qualquer preço, recorrem ao Município e pressionam as autoridades para lhes conceder terreno que, não raras vezes, já é propriedade de alguém. Esta atitude cria e agrava cada vez mais 13 DUAT- Direito de Uso e Aproveitamento de Terra: direito que as pessoas singulares ou colectivas e as comunidades locais adquirem sobre a terra, com as exigências e limitações previstas na Lei de Terra e demais regulamentos que normalizam como usar a terra. 40 a situação de pobreza, carência e vulnerabilidade das comunidades locais, pois os nativos acabam sendo vítimas da desapropriação da terra. Por isso, quando um conflito envolve cidadãos e instituição juridicamente constituída emerge o que se designa conflito público. O Município representa o Estado, ele emite a licença de uso e aproveitamento da terra - o DUAT (Direito de Uso e Aproveitamento de Terra) em favor de um ou vários cidadãos emergindo deste acto o dito conflito público. Conflito de Natureza Privada é aquele que envolve apenas os cidadãos, sem intervenção de entidade ou autoridade pública, neste caso se envolvem apenas os particulares. Pode-se dar o caso de um cidadão, detentor de uma parcela de terra, vender esta a duas pessoas. Estas, cada uma delas ficam a saber do cenário devido aos vestígios de material de construção. Ora, assim que cada um quer ocupar o terreno, emergem conflitos como: quem é o dono da terra? Quem comprou primeiro? Se a terra não se vende, como cada um adquiriu o terreno? Havendo desentendimentos, começa a disputa entre particulares. Cada um pensa que tem razão, mas ninguém apresenta documentos de legalização do terreno porque, normalmente, esta se faz a posterior após a “compra”. De salientar que, a preocupação das pessoas que compram pedaços de terra, é procurar ocupá-la numa primeira fase, enquanto decorre a legalização, a posterior. Em Nampaco registou-se um caso semelhante, em que um cidadão vendeu uma parcela de terra para duas pessoas e, quando um deles tratou de a legalizar se constatou que outro já possuía documentos para obter o DUAT, reclamando a posse do mesmo espaço. Diante desta realidade o Conselho Municipal optou por parar com os procedimentos legais remetendo aos conflituantes para que, entre eles, primeiro resolverem o problema, e em seguida prosseguir-se com o processo de legalização que havia sido interrompido, uma vez que, em casos dessa natureza, o Conselho Municipal procura não se envolver directamente. SACURO (2013, p.46) considera o conflito como sendo embate entre duas vontades contrárias que disputam ou estão em discussão acompanhada de injúrias, ameaças e desavença, ocasionadas pela frustração de um cidadão ou de ambas as partes. Em Nampaco, em casos do género, geralmente é menos favorecido aquele que não tem poder económico ou financeiro para, por meios legais provar que ele é o legítimo dono do terreno. Isso acontece quando a outra parte envolvida reage a este comportamento com base em suas próprias percepções e conceituações 41 perante a situação. Os conflitos de uso de terras aqui apontados, são originados pelo não respeito de direitos costumeiros e pelo desejo de se ter êxito económico sem observância da lei, resultando na venda ilegal de terras. Em casos do género, o agente municipal faz tudo para satisfazer pessoa com posse financeira porque ele quer ganhar algum valor resultante do apadrinhamento na aquisição da terra ou da manipulação e falsificação de documentos. As vezes o pagamento faz-se em troca de uma outra parcela de terra ao em vez de dinheiro. Este funcionário ao receber um terreno em jeito de agradecimento, não leva em conta que está praticando um crime atrás de outro crime. Assim sendo, as expectativas individuais de registo da terra não são atendidas, registam-se carências de informação ou perda de tempo na tramitação de documentos envolvidos na legalização da terra. Outra prática irregular tem a ver com a distribuição desigual da terra na alocação aos munícipes. Isto acontece, algumas vezes, porque as populações são coagidas pelas autoridades municipais a cederem terra, devido a desactualização do cadastro existente no Município sobre as terras não ocupadas. É assim que, na falta de dados, o mesmo terreno é atribuído a duas ou mais pessoas. Ademais, aliado a falta de planos de ordenamento e não havendo comunicação em tempo útil sobre as terras livres, os líderes comunitários são surpreendidos com casos de pessoas que receberam o DUAT sem seu conhecimento. Algumas vezes, os funcionários municipais sabendo que os líderes comunitários não dominam a legislação sobre a terra. Conhecendo esta realidade eles manipulam os documentos falsificando-os. Em Nampaco, os conflitos de uso de terra, cuja natureza é pública ou privada, subdividem-se em: entre o Conselho Municipal e os Munícipes da Comunidade de Nampaco; entre os Munícipes das Comunidade de Nampaco; entre os líderes Comunitários e os Munícipes da Comunidade de Nampaco; entre os Agentes Económicos e a Comunidade de Nampaco. O fenómeno de usurpação da terra em Nampaco ocorre aliado aos tipos de conflitos supracitados, facilitado pelas inúmeras falhas no processo de controlo de terras desocupadas e na atribuição do DUAT. Naturalmente, isto beneficia alguns cidadãos de alta renda em detrimento dos de baixa renda. 42 2.2.2 Conflito Entre o Conselho Municipal e os Munícipes da Comunidade de Nampaco Olhando o tipo de conflito entre o governo municipal e os cidadãos (conflito público) da comunidade de Nampaco, tendo em conta o Decreto nº 51/2004 de 01 de Dezembro, que aprova o Regulamento de Organização e Funcionamento dos Serviços Técnicos e Administrativos dos Municípios, nota-se que a sua implementação ainda não atingiu os níveis desejáveis de forma a evitar os conflitos no uso da terra. O que actualmente se verifica é passar por cima duma lei já aprovada cuja aplicação é irregular, sem rigor, por parte dos órgãos municipais. Daí que, alguns técnicos confiados para fazer o parcelamento e atribuição de talhões aproveitam-se da fragilidade do conhecimento dos beneficiários em matéria de legislação de terras, e entram em esquemas de actos ilícitos. Em Nampaco, nota-se uma tensão ou disputa entre cidadãos nas comunidades motivados pela prática de não cumprimento das linhas mestras legais na atribuição de terras como versa a Lei no 19/97 de 1 de Outubro, 14 que dá poderes de aquisição, titulação, transmissão e utilização gratuita da terra, no tocante ao Direito de Uso e Aproveitamento de Terra. 2.2.3 Conflito entre os Líderes Comunitários e Munícipes da Comunidade de Nampaco No tocante aos conflitos advenientes do uso da terra, em Nampaco é notório verificar quão é importante o papel dos líderes comunitários, pois, são o garante da legalidade, uma vez que nesta é depositada toda confiança no que diz respeito a condução dos destinos da comunidade. É nesse contexto que os líderes comunitários fazem parte da governação local como complemento do governo municipal, segundo versa a Lei nº 9/97 de 31 de Maio15. Portanto, é imprescindível que os líderes comunitários de base transmitam a justeza, a clareza e a transparência nos seus métodos de trabalho, para não ferir as sensibilidades das comunidades locais. 14 LEI DE TERRAS. 15 Define o estatuto dos titulares e dos membros dos órgãos das autarquias locais. 43 O móbil de conflitos na Unidade Comunal de Nampaco, entre os líderes comunitários e os munícipes, é a falta de confiança na arbitragem dos conflitos de terra, uma vez que os mesmos estão “metidos” em esquemas de venda ilegal de talhões com beneplácito dos técnicos do Conselho Municipal, prejudicando sobremaneira às comunidades alvas. Esta prática, retira o prestígio depositado pelas comunidades aos seus dirigentes, gerando-se uma anarquia total na condução dos destinos da comunidade. 2.2.4 Conflito Entre os Agentes Económicos e a Comunidade de Nampaco Na comunidade de Nampaco, é notória a existência deste tipo de conflito por incumprimento do plano de enquadramento, ou seja, quando os técnicos do Conselho Municipal usam vias mais simplificadas para legalizar o uso da terra, que consistem em atribuição de terreno a um agente económico, sem uma prévia consulta comunitária. Este, por sua vez, quando pretende implantar o seu projecto não faz consulta junto a comunidade que, reagindo, impede a implantação do dito projecto. Tratando-se dum indivíduo estranho, desconhecem-se as suas verdadeiras e reais intenções, culminando com um clima de tensão nas comunidades. É importante realçar que, a política de terras preconiza que, qualquer ocupação de terra deve merecer o consentimento das comunidades para se ter relacionamento são entre os diferentes intervenientes a nível interno, na gestão de solos urbanos, como é o caso do Conselho Municipal da Cidade de Nampula. Neste caso, recomenda-se a defesa dos interesses dos cidadãos lesados, visto que, são o motor de desenvolvimento económico do país. O presente estudo constatou que a política de parcelamento e atribuição de talhões permite a extensão de zonas habitacionais, donde devem ser adoptadas práticas correctas nos processos de alocação de terra, prevenindo a ocorrência de sistemas corruptos de venda da terra. Para tanto importante, se torna indicar onde e quando reclama, quando alguém se vê lesado. Daqui surge uma proposta segundo a qual na atribuição de um talhão, noutro deve-se respeitar todos os tramites legais, incluindo a consulta comunitária, como forma de solucionar o problema de dupla atribuição de terrenos, acto que compromete o corpo técnico, minando a capacidade institucional na gestão de terra. Em explicações similares MATAVEL et al. (2011) aponta vários exemplos relativos a conflitos de terra: 44 “Em vários países onde a procura por terra aumentou […] verifica-se que há fraca análise e selecção de propostas submetidas, aprovação de projectos sem a devida diligência, foram identificadas rivalidades entre instituições com responsabilidades sobrepostas e um ambiente de secretismo que envolve estes processos e por sua vez favorece e conduz à fraca governação” (p.10). Numa análise do que acima se destacou, importa dizer que nas comunidades de Nampaco, esta prática é quase corrente sendo assim a causa e o epicentro de conflitos de uso e aproveitamento de terras. Numa clara visão de pôr termo ao cenário, urge a necessidade de eliminar os sistemas obscuros de gestão de terras urbanas, que são feitos propositadamente, uma vez que, os governos municipais possuem directrizes que podem conduzir e orientar as suas actividades, respeitando o que a Lei diz sobre o DUAT. A abordagem de direitos e deveres como normas de conduta social, desperta a consciência da situação actual das vítimas de conflitos de terra, que enfrentam dificuldades no acesso à justiça, se tivermos em conta que, esta classe social, é composta por indivíduos com um nível baixo de escolaridade e a prática de venda e usurpação de terras, viola os direitos humanos. Finalmente, é de admitir que, enquanto permanecer a actual metodologia de trabalho no processo de demarcação e atribuição de terrenos, os problemas resultantes da dupla atribuição de DUAT’s podem continuar a ocorrer. É preciso se ter em conta que em defesa dos direitos e interesses dos munícipes, promovendo uma justiça social e condições de vida melhores, de modo a responder ao actual fenómeno da globalização, é dever das autoridades do Conselho Municipal de Nampula, combater os actos de corrupção no processo de atribuição e legalização de terrenos para diversos usos e fins. 2.2.5 Gestão de terras e seus conflitos em Nampaco Considerando o objectivo geral deste trabalho, fez-se o mapeamento dos conflitos de uso da terra em Nampaco, para obter uma visão geral sobre a situação real do fenómeno de usurpação de terra de forma a encontrar um enquadramento nas análises deste fenómeno considerando o que SACURO (2013) afirma: “Gestão, significa o trabalho de gerir as organizações sem qualquer pretensão do que a de assegurar que se contemple com esta tradição, tanto a dimensão “administrativa” em 45 cuidar do desempenho da organização presente e do seu aperfeiçoamento quotidiano, como dimensão empreendedora do gestor, o de direccionar recursos de áreas de baixo desempenho para aquelas onde se esteja obtendo crescentes ou melhores resultados.” (p.28). Em jeito de pôr as coisas ou acções planificadas a serem executadas, pode-se considerar o termo gestão, como ponto dianteiro que leva as acções planificadas a acontecer. No entender de PINTO (2006), gerir é coordenar as actividades das pessoas e os recursos da organização para prosseguir com os objectivos, que em certos casos também são estabelecidos por entidades exteriores à organização, como órgão de tutela, que estabelece os principais objectivos para uma organização do sector público. Na presente pesquisa, buscou-se a percepção do termo “Gestão de Terras” com base nas teorias acima referenciadas e por via da consulta de autores que abordam este assunto. De acordo com RUBIN (2008), a “Gestão da terra” é o mecanismo usado para o controlo da terra, seu manuseamento, o planeamento e ordenamento do território, a forma de uso e transferência de propriedade ou da terra e resolução de conflitos resultantes da alocação da terra. Este termo passa necessariamente pela observância de aspectos como: O controlo da terra; O processo de transferência de direitos sobre a terra; A regulação dos processos sobre a obtenção do DUAT; Cadastro e ordenamento territorial; e A tributação sobre o uso e aproveitamento da terra. É com base na implementação e aplicação de instrumentos legais desenhados pelo Governo de Moçambique, que se pode superar o espírito de “deixa andar” e avançar-se na matéria de defesa dos interesses dos cidadãos, no concernente aos conflitos de uso e aproveitamento de terra. 46 2.2.6 Direito de Uso e Aproveitamento da Terra Actualmente, em Moçambique os dispositivos legais relativos à possibilidade, termos e condições para a transmissão de direitos sobre a terra são de grande relevância. Alguns aspectos que emergiram da elaboração da Lei de Terras, constituem elementos para resolver a problemática de conflitos de terra. Com base na legislação de terras em vigor e a experiência da sua aplicação ao longo destes anos, nota-se o incumprimento da mesma, pois, são crescentes os sistemas corruptos de uso e aproveitamento de terra. Tendo em atenção a situação de Nampaco, com base nos resultados da pesquisa no terreno, pode-se considerar que deve-se manter a propriedade pública da terra, de forma a defender os interesses dos munícipes pobres que tem a terra como seu único ou principal meio para garantir a sua subsistência . Na actual Lei nº 19/97, de 1 de Outubro, e o respectivo Regulamento, aprovado pelo Decreto 66/98 de 8 de Dezembro, bem como o Regulamento do Solo Urbano, aprovado pelo Decreto 60/2006 de 26 de Dezembro, existem princípios e regras fundamentais relativas à transmissibilidade de direitos sobre a terra. Com base nestes diplomas legais, na legislação sobre o direito civil e demais legislação em vigor no país, vale a pena referir, algumas formas de transmissão de direitos sobre a terra, para clarificar as práticas obscuras aplicadas na matéria, pelos responsáveis na atribuição de terras no Município de Nampula, a saber: Transmissão em casos de morte; Transmissão através de intermediários; Por transmissão de prédios urbanos; Por separação de áreas comunitárias; Por uso da terra urbana; Por transmissão de infra-estruturas, construções e benfeitorias. O caso das licenças especiais. A Transmissão da terra em casos de morte, está prevista no Artigo 16 da Lei nº 19/97 de 1 de Outubro, aplicáveis as normas de direito sucessório em vigor no país, constantes no Artigo 2024 e seguintes do Código Civil. É preciso referir que, a possibilidade de transmissão 47 “mortis causa” dá-se quer na sucessão legítima, quer na testamentária. Quando houver mais de um herdeiro relativamente ao DUAT, o direito dos mesmos será exercido sob a forma de co-titularidade, nos termos do Artigo 10, nº 2 da Lei nº 19/97 de 1 de Outubro e Artigo 12 do Decreto 66/98 de 8 de Dezembro. Neste caso, a transmissão do DUAT não carece de autorização do Estado. Embora não resulte de mecanismos previstos na lei, parece que a dispensa de autorização estatal só se aplica às situações de edifícios já concluídos. Nestes casos, estamos em presença de transmissão de infra-estruturas, construções e benfeitorias, prevista no nº 2 do artigo 16 da LT 16, em que aquela autorização é necessária. Assim, pretendo mostrar que, o DUAT, não só funciona nos casos anteriormente mencionados, mas sim, tem uma abrangência total de posse de algo que seja de alguém, segundo critérios adoptados e suportados pela lei que rege o processo de trespasse. Quanto a transmissão por separação de áreas comunitárias, considera o que está legislado na Lei nº 19/97, de 1 de Outubro. As Comunidades Locais passaram a ser tratadas como entidades jurídicas a quem lhes foi reconhecido o direito “natural” sobre as terras comunitárias. Com efeito, era lógico que lhes fosse reconhecido o direito que tem enquanto um aglomerado de pessoas que, de forma homogénea, apresentam interesses comuns sobre a respectiva terra comunitária. A comunidade de Nampaco, que ocupa a terra segundo as práticas costumeiras, adquire o direito de uso e aproveitamento de terra, fazendo-se valer da alínea a) do Artigo 12 da Lei nº 19/97 de 1 de Outubro, em vigor em Moçambique. Estas práticas, também são aplicáveis, tendo em conta o Artigo 13, nº 5 da lei supra citada, coadjuvada pelo Artigo 15, nº 1 do regulamento de lei de terra. É lícito, tornar-se prático, o desmembramento de áreas da comunidade de Nampaco, emitindo-se títulos individuais para os membros da comunidade, uma vez que, o processo de implantação de plano de pormenor, esta parado a mais de um ano, por razões de conflitos nela 16 Lei de Terra - Lei nº 19/97 de 1 de Outubro. 48 existentes, movidos por técnicos do Conselho Municipal, afectos na área, prevaricadores de actos ilícitos. As formas de transmissão de direitos sobre a terra, têm como objectivo, criar restrições, visando a necessidade de haver consultas comunitárias, em conformidade com a legislação sobre terras em Moçambique e a proibição de práticas de actos ilícitos nas áreas de uso comum. Na comunidade de Nampaco onde foram identificados os conflitos de uso e aproveitamento de terra, não se fazem valer os artigos ora mencionados da lei e do RLT17, o que enfatiza, o surgimento de choques entre os órgãos municipais e cidadãos ou choques interpessoal. Para mitigar a tensão que se faz sentir nas comunidades identificadas, urge a necessidade de se fazer valer as demais leis vigentes na República de Moçambique, no concernente ao DUAT. Reparando o cenário de conflitos de terra nas comunidades em estudo, os mesmos, impedem o avanço das comunidades, no concernente a implantação de projectos de âmbito socioeconómico, como consequência da má governação local. Numa visão geral dos conflitos de terra em Moçambique, pode-se considerar que, o que esta acontecendo na Unidade Comunal de Nampaco, é conflito de menor dimensão comparativamente a outros pontos do país. Todavia, o conflito nunca pode ser considerado de menor dimensão, uma vez que, as suas consequências têm sido as mesmas. 2.2.7 Evolução, Motivações, Factores e Causas dos Conflitos de Terra em Nampaco A partir de 2008, os conflitos sobre terras começaram a aumentar significativamente, na Unidade Comunal de Nampaco, devido a alteração da metodologia de trabalho aplicada por parte do Departamento de Urbanização e Gestão de Terras – DUGT do Conselho Municipal de Nampula, o que trouxe como consequência, o incremento da dupla atribuição de terrenos e a paralisação do processo de execução do Plano de Pormenor (PP)18, aliado, a negligência dos 17 Regulamento de Lei de Terra – Decreto nº 66/98 de 8 de Dezembro. 18 Plano de Pormenor (PP) – é o instrumento que define com pormenor a tipologia de ocupação de qualquer área específica do centro urbano, estabelecendo a concepção do espaço urbano, dispondo sobre usos do solo e condições 49 técnicos afectos na área. Esforços feitos com vista a auscultação das comunidades para se pôr termo aos problemas existentes, redundaram num fracasso. No período anterior aos conflitos de terra em Nampaco, o “DUGT pautava pelo seguinte procedimento metodológico: Primeiro, identificavam-se talhões em todas zonas de expansão, como por exemplo, Namiepe, Nampaco, Muthita, entre outras; Segundo, fazia-se o levantamento dos processos de atribuição de terrenos por zona e os respectivos croquis por talhões em todas zonas. De realçar que, os croquis eram elaborados por cada técnico afecto na sua área de acção; Terceiro, procedia-se a emissão de licenças de acordo com os processos, que culminavam com as devidas assinaturas; Finalmente, o Conselho Municipal solicitava ao munícipe, e/ou o representante de uma instituição, quando se tratasse de talhões atribuídos a uma colectividade, usando contactos telefónicos ou editais afixados na vitrina do DUGT, para receberem os respectivos processos, com a data marcada para a apresentação dos talhões aos titulares do DUAT. Em geral e por regra, o topógrafo que parcela os terrenos, é que deve ser responsável pela atribuição dos mesmos, porque só ele, é que conhece o plano de pormenor implantado, ou seja, o plano de engenharia. gerais de edificações, o traçado das vias de circulação, as características das redes de infra-estruturas e serviços, quer para novas áreas quer para áreas existentes, caracterizando as fachadas dos edifícios e arranjos dos espaços livres. MICOA. Manual de Educador Ambiental. Maputo, 2009 50 Para a nossa entrevistada C19, “ (…) a dupla atribuição de terrenos é o resultado da falta de confiança dos técnicos afectos aos locais de trabalho por parte dos gestores da instituição. (…) eles não devem passar por cima dos topógrafos.” Ela acrescenta: “ (…) outros técnicos destacados por confiança política, sem dominar aspectos ligados a matéria topográfica, originando conflitos e prática de actos ilícitos. (…) No lugar de se atribuir talhões, os mesmos, passaram a ser vendidos, aumentando cada vez mais os conflitos de terra, por incumprimento das regras de demarcação e atribuição de talhões nas comunidades, fenómeno que tem se registado até os dias de hoje .” Ao falar sobre o acesso à terra urbana, primeiro, é preciso compreender o sistema de uso da terra, que é o conjunto de normas, regras e disposições legais, escritas ou não, que determinam as formas de acesso, uso e aproveitamento da terra, o controlo sobre os produtos nela existentes ou deles derivados, a transmissão de direitos sobre as áreas determinadas. Por regra, este conjunto de disposições, é objecto de legislação avulsa, que vai sendo emitida à medida que o legislativo sente que há necessidade para tal. 2.3 O Direito de Posse da Terra A questão da propriedade da terra, bem como, as normas relativas ao uso sustentável dos recursos, também e por regra, são definidas ao nível da Constituição da República e servem de orientação para a publicação da legislação avulsa e para o exercício dos vários sistemas de direitos costumeiros. Em razão da facilidade de expressão, normalmente, usa-se a expressão acesso à terra, subentendendo-se o conjunto de normas, regras e disposições legais que constituem o sistema de uso da terra. Embora a terra na República de Moçambique seja propriedade do Estado, este não tem sido o exclusivo adjudicador da terra. A Lei de Terras [Lei nº 14/97] prevê que a transmissão dos direitos de uso e aproveitamento, consequentemente o acesso à terra, possa ser feito por quatro vias distintas: Por alocação directa do Estado em resposta a solicitação explícita e aprovação do respectivo plano de exploração; 19 C, topógrafa afecta na Secretaria do Posto Administrativo Municipal de Napipine. Nampula, 5 de Fevereiro de 2014, entrevista com o autor. 51 Por alocação no âmbito dos sistemas de direitos costumeiros; Pela simples ocupação, individual ou colectiva, desde que seja de boa fé; Indirectamente, através da transmissão de benfeitorias existentes na parcela, normalmente por forma onerosa, por exemplo: via mercado, a qual, nas zonas urbanas, não implica a transmissão automática dos direitos de uso e aproveitamento de toda a parcela. Apesar de existir este leque de sistemas pré-definidos para o uso e aproveitamento de terra no âmbito urbano, não quer dizer que as normas do DUAT não sejam consideradas, porque nestes locais vivem munícipes/cidadãos que podiam estar residindo na zona rural, onde o rigor do DUAT estaria em alta e o facto de estes estarem vivendo numa zona urbana em que a economia lhes é o centro das atenções, não pode ser o factor de desvalorização. Sendo a terra inalienável e indivisível, surge a necessidade de olhar o assunto de uso e aproveitamento de terra, como um todo e sem restrições. A realidade encontrada no terreno mostra que os conflitos de uso da terra estão relacionados com a falta de capacidade de gestão dos mesmos ao nível local, dada a inoperância dos técnicos afectos a estas zonas, com vista a criação de condições que favoreçam as boas maneiras de gestão de terras urbanas. Afirma ZIMMERMANN (1996) que o surgimento da “questão da terra” não é surpresa para muitos analistas, políticos ou planificadores. Ela é vista como consequência inevitável da “negligência” sistemática e da ignorância com respeito à conflitos de terra opressivos e da falha do mercado de terra e da política nas últimas décadas. Estes actos, comparados com os acontecimentos que ocorrem em Nampaco, nada entra em divergência e em contra indicação. Já o relatório da conferência mundial de alimentação (FAO), debruça-se no seguinte: “As reformas agrárias executadas até agora em América Latina, não podiam resolver os problemas em vista da distribuição extremamente desigual de terra, da colonização ilegal “squatting” e da destruição de recursos naturais em ecossistemas sensíveis. Estes factos são bombas fazendo tic-tac em relação à eficiência económica, igualdade e protecção do meio ambiente” (p. 3). Pelo contrário, actualmente os sem-terra protestam mais que antes e adoptam actividades violentas até invasões de terras. Se estas tendências continuarem, a insegurança de direito e os conflitos sobre recursos, se agravarão e impedirão o desenvolvimento socioeconómico, por exemplo, através da redução de investimentos estrangeiros. 52 As crises globais do direito e da posse da terra, chegaram em África, acompanhadas por um incremento de pessoas sem-terra, o que constituem condições inseguras de tendência e explosões de conflitos. Em vários casos, disputas sobre terra e recursos relacionados, inflamam conflitos de terras locais que em muitos casos, são violentos e podem desenvolver-se em guerra civil. A maioria dos governos, continuam a ignorar a relação estreita entre o direito especificamente local, o direito autóctone e o direito do Estado central, que durante largos períodos oscilaram entre experimentos semi-feudais, socialistas e capitalistas com sistemas legais importados sem modificações. Eles menosprezam o significado de um ambiente mínimo de regulamentos e leis e menosprezam também os custos sociais causados pela falta deste ambiente. Em consequência, se podem observar estratégias de buscar proveitos, corrupção e tomada de terras duma forma arbitrária por elites novas e velhas, onde reside o conflito de terra em alta. Em países de transformação ou desenvolvimento, a povoação rural teme a multidão de riscos que acompanham a utilização individual da terra com a consequência de perder a segurança relativa dentro das suas zonas originárias. As entidades públicas são pouco apreensivas no que acontece e poucos temem a acumulação e especulação de terra por novas elites, principalmente nas zonas urbanas. A nova economia institucional, exige o estabelecimento de sistemas legais de posse da terra e de recursos baseados em direitos de utilização individual e colectivo, claramente definidos e um ambiente legal completo20. As duas condições, não são fáceis de implementar, nem em um povoado de padrão. O direito de uso e aproveitamento da terra, é tendência que sempre tem que ser vista dentro dum contexto mais amplo de todos os recursos naturais com respeito ao benefício económico. A terra é mais que apenas factor de produção ou um bem económico, porque inclui outros valores como terra nativa, terra dos ancestrais, terra como base de sobrevivência, como pré-condição para liberdade individual. A terra é objecto da taxação e desejada por governos e grupos de interesse. É um instrumento de poder e de dependência, uma causa de conflito e 20 Direito de uso e aproveitamento de terra no âmbito singular ou colectivo (DUAT). 53 guerra. Um estudo divulgado por ZIMMERMANN (1996) em coordenação com FAO (1996), refere o seguinte: “A rede social baseada em terra (‘social construction of land’) é reavaliada no contexto de reformas orientadas ao mercado, de globalização e na vista dos deveres sociais da terra dentro de câmbios estruturais extensos em economias (post-) industriais e industrializadas” (p.5). Nestas análises, a nível global, os regimes de posse da terra são baseados em valores e normas, não podendo serem separados do seu contexto social e cultural. Por essa razão, o guia de orientação está baseado em quatro princípios que podem servir também, como critérios pela avaliação de sistemas existentes de posse da terra ou das reformas destes sistemas, claramente mencionados: A convicção21 da Lei; As formas dos direitos humanos; Participação comunitária nas questões da terra; Os sistemas económicos do mercado. Em consonância com os sistemas ora apresentados, é lógico clarificar: A pertinência da lei - é uma condição central para poder calcular os riscos no processo individual de decisão. Esta precisa duma legislação inequívoca, clara, de confiança e calculável, para regulamentar a transferência e a utilização de terra, da imposição institucionalizada de direitos a terra em situações de conflito e da acção de estado. A institucionalização do direito inclui o respeito pela constituição do país, dos direitos humanos e da divisão de poderes, baseada em um sistema parlamentar independente inclui um poder jurídico e tribunais comprometidos exclusivamente com às leis e, naturalmente, inclui também o respeito de sistemas legais autóctones. Para ZIMMERMANN, (1996) “As experiências da história Europeia demonstram claramente que as discussões públicas sobre a legislação, são indispensáveis pela aceitação geral de novos regimes de posse da terra. Qualquer nova lei será respeitada somente se é pelo menos tão diferenciada como os regulamentos antigos.” (p. 6) 21 Crença. 54 Neste âmbito, sem a participação das pessoas afectadas por câmbios do direito de terra, instituições/comunidades indígenas e conhecimentos locais não podem ser integrados no processo de câmbio e faltará a aceitação dos câmbios na comunidade. Uma participação mais forte tem que ser acompanhada com a descentralização e a utilização incrementada do princípio de subsidiariedade. Somente a participação pode garantir que as reformas legais, também, reflictam a complexidade da estrutura económica e social existente nas comunidades actualmente. No passado, a definição de propriedade foi considerada o critério fundamental de descriminação entre sistemas económicos de mercado e planificados. Do ponto de vista jurídico, propriedade tem que ser definida de maneira universal e não em relação a diferentes sujeitos (indivíduos, estado, comunidade, fundação). Geralmente, quando se fala de propriedade, há que se ter em conta a disponibilidade desta em favor de todos os participantes no mercado, incluído o Estado. Por essa razão, propriedade nunca deve ser confundida com privatização. Esta última é somente uma forma entre vários de transferência de terra (do estado à autores privados). Propriedade, somente pode ser transferida em conjunto com outros corpos legais, por exemplo: o direito de contratos, o direito de família e hereditário, o direito de imposto e de água. Propriedade individual não deve causar o fim de actividades do estado, especialmente, propriedade de terra é sujeito a limitações e obrigações sociais (obrigação social da propriedade) de qualquer constituição dum estado de direito22. Mesmo que exista uma variedade ampla de regimes de posse da terra em países de cooperação, todos são reduzidos a três tipos ideais de regimes de propriedade: Propriedade privada; Propriedade do Estado; Acesso aos recursos. 22 Constituição de Republica de Moçambique, artigos 2 ,3 e 4, Publicado no Boletim da República, 1ª Série, n.º 51, de 22 de Dezembro de 2004. 55 Por esta razão, o guia de orientação discute ideias e conceitos chaves, mas também, os benefícios e custos sócio-económico, são problemas causados pela falha de mercado, estado e políticas. Na titulação, as mulheres têm desvantagens comparadas com os homens porque na maioria dos casos, somente homens são reconhecidos como chefes de família. Em conflitos de terra, as mulheres, não têm conseguido ganhar a causa em tribunais. No processo de transformação ou depois de processos de adaptação estrutural, as mulheres são as primeiras por exemplo, que perdem o posto de trabalho, tendo apenas, a possibilidade de retornar a cultivar a terra para assegurar a sobrevivência. Há casos em que as mulheres, não são dispostas a aceitar a discriminação em questões de terra, como vítimas passivas, mas sim, se organizam para comprar terra em comum. 2.3.1 O Direito de Terra aos Autóctones Este regime, continua a estar no centro de discussões controversas sobre eficiência ou limitação económica, social e ecológica. Assim, um dos desafios maiores da política fundiária de todos os países e a cooperação de desenvolvimento, é o reconhecimento e a integração adequada de direito indígenas de terra, dentro dum contexto global. Pelo exposto e comparando com os conflitos de terra que actualmente assumem ou conquistam largo espaço, cria-se a visão de que, se a situação não for resolvida com suportes legais e legislativos, os pobres continuarão pobres mesmo com poderes e os ricos mais ricos cobertos pelo seu poder económico. Portanto, se dá referência à reforma agrária, num contexto de conflitos de terra é na tentativa de considerar esta actividade como parte integrante do problema, como toda actividade se desenvolve no meio ambiente, é digno dar menção por ser também uma parte da matéria em abordagem e que veicula muita gente em prol do seu desenvolvimento sustentável. 56 2.4 Política de Terras A política fundiária entende-se como parte de reformas políticas e económicas amplas como consequência da transformação de uma economia centralmente planificada a uma economia de mercado, de democratização e descentralização ou de estratégias de crescimento que incluem aspectos de distribuição. Qualquer política fundiária elaborada no novo século tem que tomar em conta os princípios das conferências internacionais e dos convénios sobre questões de terra e recursos (TIBAIJUKA, 2003). Os três pilares duma política fundiária racional, circunscrevem-se em: a valorização e a promoção do desenvolvimento económico; Igualdade e justiça social; o cuidado e utilização sustentável da terra. Em Nampaco, olhando para estes pilares, e para que haja uma boa gestão de conflitos de terra, há necessidade de se fazer cumpri-los, para gerar uma distribuição de terra em modelos urbanos e rurais, sem se deixar passar em sistemas de corrupção. Entre as causas de conflitos no uso de terra em Nampaco, indicam-se as seguintes (Vide tabela 5): Tabela 5: Causas de Conflitos de Terra na Comunidade de Nampaco Causas Dupla atribuição terreno. de Formas de Manifestação Uma parcela para duas pessoas. Desvalorização da legitimidade da posse de terra. Falta de melhoramento e actualização do cadastro municipal. Ausência de plano geral de urbanização. Transferência aleatória de cidadãos da sua parcela originária, para outra, sem a pré-consulta. Atribuição de parcelas em zonas não infraestruturada, ou seja, falta de definição de limites. Não se distingue as zonas de habitação, lazer, comercial, recreação, infra-estruturas de água, energia, telecomunicações e de saneamento. Falta de acompanhamento de implantação de Ausência total do pessoal técnico quando se implanta um projecto de construção. Atribuição da numeração de um talhão para duas pessoas. Falta de clarificação de áreas para investimentos industriais, comerciais, imobiliária, entre outros. 57 projectos de natureza diversa Falta de fiscais de obras. Venda de terras. Afectação por confiança e práticas de actos ilícitos. Falta de assimilação e aplicação das leis vigentes ao DUAT. O corpo técnico da polícia municipal, a única fiscalizadora de obras, não esta preparada para saber ler implantações de obras e deduzirem o correcto ou o errado. Os secretários dos bairros em coordenação com os técnicos do Conselho Municipal, vendem parcelas a revelia dos legítimos donos. Técnicos sem competência profissional na área, são afectos em zonas de expansão, para fazerem demarcações de talhões, amando das chefias, com vista a tirar benefícios para ambas partes. Fraco domínio na aplicação das leis do DUAT por parte dos técnicos do Conselho Municipal de Nampula. Fonte: Adaptado pelo autor, com suporte dos cidadãos lesados e técnicos urbanísticos do CMCN – 2014 Para resolver um conflito é preciso identificá-lo. De acordo com DICIONÁRIO UNIVERSAL DE LINGUA (2003: p. 841), “identificar, é tornar idêntico a, ou reconhecer como idêntico”. Constituem factores essenciais que contribuem para o fenómeno de usurpação da terra, o fraco domínio da comunidade sobre a legislação de terra, e em muito dos casos, os que são afectos pelo estágio em curso; a falta de uma estrutura devidamente montada, que vele pela gestão de terras, envolvendo o pessoal técnico na matéria e os arquitectos do CMCN; a prática de corrupção por parte das autoridades comunitárias e a falta de consciência sobre os benefícios dos processos formais de posse de terra. O maior problema neste fenómeno, é a vulnerabilidade resultante da pobreza a que esta comunidade está sujeita, sendo assim, é ludibriada com promessas falsas. 2.5. Estratificação das Causas de Conflitos de Terra Para se desenvolver uma estratégia efectiva de intervenção ao nível do Conselho Municipal de Nampula, tem de se conhecer a categoria geral das causas de conflitos ou disputa. 58 Segundo JUSTAPAZ23 (s/d: p.5), citado no modelo MOORE (1996), as causas do conflito podem ser entendidas em: Conflito de dados ou de informação - aquele que envolve falta de informação e desinformação, assim como, pontos de vista diferentes sobre a parte envolvente de dados, a sua interpretação [1]; Conflito de relação – aquele que resulta de fortes emoções, estereótipos, má comunicação e comportamento negativo repetitivo. Este, é o tipo de conflito, que muita das vezes, produz combustível para a disputa e pode promover um conflito destrutivo, mesmo quando as condições de solução das outras fontes do conflito, se podem encontrar [2]; Conflito de valores aquele que surge sob uma diferença ideológica ou diferença de valores na avaliação de ideias ou comportamento. As diferenças de valores actuais ou concebidas, não conduzem necessariamente ao conflito. Só quando estes valores são impostos aos grupos, ou aos grupos é proibida a manutenção do seu sistema de valores, é que o conflito surge [3]; Conflito estrutural - aquele que é causado pela distribuição desigual ou injusta do poder e dos recursos. A falta de tempo ou padrões destrutivos de interacção ou factores geográficos e ambientais, contribuem para um conflito estrutural [4]; Conflito de interesse - aquele que envolve uma competição actual ou concepção de competição sobre interesses, tais como, recursos, a forma como a disputa deve ser resolvida, ou a concepção de confiança e lealdade [5]. 2.6 Causas e Factores dos Conflitos na Comunidade de Nampaco Analisando as causas e os factores dos conflitos de uso e aproveitamento de terra, assunto em curso na comunidade24 de Nampaco ao nível do Município de Nampula, não se distancia da categoria geral das causas dos conflitos defendidas por MOORE (1996): Em relação aos Conflitos estrutural e de interesse - o que acontece na unidade comunal acima citada, não é nada mais do que, por um lado, a distribuição desigual ou injusta da terra aos nativos e alocação de técnicos sem categoria profissional nas zonas de expansão, com vista ao 23 JUSTAPAZ - Centro de Estudos de Transformação de Conflitos. 24 Comunidade – é o agrupamento de famílias e indivíduos, vivendo numa circunscrição territorial de nível de localidade ou inferior, que visa a salvaguarda de interesses comuns, através de protecção de áreas habitacionais, áreas agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios de importância cultural, pastagens, fontes de água e áreas de expansão. 59 parcelamento de terra, amando das elites do poder municipal, e por outro lado, a forma como uma disputa deve ser resolvida entre a comunidade e as autoridades municipais. De realçar que, na vertente interesse, a que se ter em conta, a situação favorável à satisfação de uma necessidade, excluindo a situação favorável à satisfação de uma necessidade distinta. Isto se pode constatar, quando uma pessoa possui um interesse que se sobrepõe ao interesse do outro. O conflito de interesses é o elemento material da lide, sendo seus elementos formais a pretensão (de quem pretende) e a resistência (de quem se opõe à pretensão). O que tratamos nesta abordagem e relacionando com as causas de conflitos de terra em Nampaco são os conflitos entre indivíduos diferentes, com interesses diversos e distintos. Também, é preciso se ter em conta que, quando se emprega a violência, ocasiona a dissolução da sociedade, surgindo a composição dos conflitos que se convertem em um interesse colectivo, despertando interesse externo, o que vai dar azo a manifestação do Direito. Não obstante, a vida é composta eternamente por conflitos. O homem possui a natureza de defender seus interesses e o conflito sempre fará parte de sua vida. Numa visão face às definições convergentes ao conflito, este difere do problema, uma vez que, num Conflito, existem partes em confronto e desenvolve-se uma atitude de hostilidade, enquanto, num problema, há um grupo de pessoas que trabalham em conjunto, desenvolvendo uma atitude de aproximação. Em relação aos conflitos de relação e de valores – em Nampaco, zona de periferia da Cidade de Nampula, o conflito de relação, surge quando o Conselho Municipal, órgão de tutela na gestão de terra, faz o parcelamento da terra, sem a devida auscultação da comunidade. Enquanto, o conflito de valores, surge no processo de levantamento das benfeitorias dos munícipes abrangidos pelo processo de parcelamento de terra, e por sua vez, não se honra o compromisso de pagamento dos bens avaliados. No primeiro caso (conflito de relações), a que se ter em conta, a teoria das relações humanas que enfatiza os interesses, neste caso, quer dos trabalhadores, quer da comunidade, ou seja, defende a função social. Portanto, as atitudes e o bem-estar, são elementos essenciais na relação entre os humanos. A principal motivação humana, é a pertença ao grupo. Todavia, o segundo caso (conflito de valores), valor, supõe a relação do homem com o objecto a que atribui valor. Assim, o valor não é propriedade dos objectos em si próprio, mas sim, é 60 adquirido na relação com o homem que o valoriza. Porém, o valor é algo que é objecto de uma experiência, de uma vivência, mas também, essencialmente algo que é criado e realizado pelo ser humano. Numa vertente tradicional e empírica do conflito, sustenta que o conflito deve ser evitado, por induzir disfunção na organização ou nas pessoas. Outro ponto de vista, é a da escola de pensamento das Relações Humanas, que sustenta que o conflito é natural, sendo inevitável num grupo ou organização, não pode ser visto negativamente, mas pode ser mesmo uma força positiva para o desenvolvimento da produtividade da organização. A visão interacionista tem como argumento, “que o conflito não pode ser apenas positivo, mas sim, algum tipo de conflito é absolutamente necessário para a eficácia do grupo ou organização” (PEREIRA et al., 2007). Em relação ao Conflito de dados ou de informação – o que acontece na Comunidade de Nampaco é a ausência de cadastro municipal actualizado e um banco de dados, capaz de satisfazer as preocupações dos cidadãos relativamente ao número exacto da parcela atribuída, assim como, fiscais de obra, capazes de ler e interpretar uma planta, esclarecendo os aspectos positivos e negativos do projecto ora desenhado. A comunicação é a base das funções de gestão. É o processo que permite transmitir informações necessárias ao planeamento, à concretização dos planos, à organização e o controlo das pessoas e das tarefas. Os gestores precisam da informação para elaborar os planos que, por sua vez, têm de ser comunicados e negociados para a sua concretização. Toda a organização comunicativa pressupõe que a organização do trabalho favoreça o espírito de equipa, a implicação e desenvolvimento de todas as pessoas, a definição de orientações claras e uma determinada gestão participativa. Entretanto, o Conselho Municipal da Cidade de Nampula, concretamente no Departamento de Urbanização e Gestão de Terra, a comunicação na instituição, não é das melhores, uma vez que, reina elitismo, o que traz como consequência, a exclusão de funcionários com competência profissional, apatia no desempenho das actividades, falta de motivação dos técnicos, ausência de aplicação das leis do DUAT e a prática de actos ilícitos, o que propicia o aumento de conflitos de uso e aproveitamento de terra em Nampaco. 61 No entender de LEVIEQUE (2011) a organização que se pretende comunicante deve apoiar-se numa comunicação organizada, dada a inseparabilidade entre comunicação e organização e deve ser portadora das seguintes características: aberta: para se comunicar com o exterior em emissão e recepção interactiva; evolutiva: para acompanhar a evolução e o imprevisto; flexível: simbiose entre a comunicação formal e informal para acompanhar a cultura organizacional e criar estrutura que a favorecem; finalidade: estar vinculada a objectivos e a um plano no seu todo; multidireccional: de cima para baixo, de baixo para cima (descendente – ascendente), transversal, interno-externo; instrumentada: ferramentas, suportes, dispositivos, indicadores seleccionados em função dos objectivos e adaptável: adaptada às necessidades específicas de cada sector tendo sempre em conta a cultura do meio. Concordando com LEVIEQUE (Ibid) é legítimo considerar a comunicação interna como sendo um mecanismo básico para o bom funcionamento da organização que promove a administração das estruturas e a melhoria dos resultados, a participação na gestão, mediante a troca de informações e da sua aplicação prática, na determinação da estratégia e na tomada de decisões (LEVIEQUE, 2011). Antes de existir de facto um conflito, uma das causas mais próximas, pode ser a comunicação entre as pessoas:1.Dificuldades semânticas: podem ocasionar desentendimentos porque a palavra pode não ter o mesmo significado para as duas partes; 2. Incompreensão: uma das partes pode desconhecer aquilo que a outra quer dizer e surgir daí a falta de compreensão da outra parte; 3. Ruídos: é importante que no canal de comunicação que liga as duas partes, não exista “ruído”, que possa distorcer a emissão. Caso contrário a mensagem será recebida com um significado muito diferente daquela que foi originalmente pretendida; 4. Diferenças de educação: todo o passado que afectou a socialização duma pessoa ou ajudou a estruturar a sua personalidade de acordo com a cultura ou subcultura em que viveu, vai influenciar tanto a sua comunicação como a sua percepção; 5. Percepção selectiva: a educação que cada um teve, de acordo com a cultura ou subcultura específica de que a sua família está imbuída, pode ocasionar em ambas as partes uma percepção diferente da desejada conduzindo a um conflito” Em suma PERREIRA e GOMES (2007, p. 9) dizem: ” (…) informação, é todo o conjunto de dados devidamente ordenados e organizados, de forma a terem um determinado sentido e significado.” 62 2.7. Formas de resolução dos conflitos De acordo com a natureza dos conflitos, torna-se necessário saber como será a resolução dos litígios. Portanto, o conflito só se resolverá por obra dos próprios conflituantes ou mediante decisão imperativa de um terceiro. Ao nível do Conselho Municipal de Nampula, o DUGT, poderá solucionar os conflitos de uso e aproveitamento de terra, na Comunidade de Nampaco, obedecendo as seguintes directrizes: Montar uma estrutura técnica e capacitá-la; Fazer valer a legislação em vigor; Produzir os planos de urbanização e implementá-los; Melhorar o cadastro municipal; Montar um departamento de fiscalização. Para o tratamento dos conflitos, várias maneiras foram concebidas pela sociedade como formas possíveis de administrá-los e resolvê-los. (MULLER, s/d) 25 Em sua evolução, a humanidade tem conhecido como meios de solução de conflitos a autotutela, a auto composição, incluindo aqui a transacção, a renúncia e a desistência e por último, a heterocomposição, onde encontramos a arbitragem, a mediação e a forma judicial (Ibid.). Inicialmente, quando a estrutura de poder da sociedade era incipiente, os conflitos de interesse eram solucionados por meio da autotutela, ou seja, uma parte se impunha a outra, fazendo uso da força física, moral ou económica (Ibid.). Consoante estas teorias, independentemente do período do surgimento das diversas formas de solução dos conflitos, tais formas, tornam-se sofisticadas, ganhando novas dimensões. Se antes, o indivíduo usava a força para fazer valer a sua vontade, hoje, o estado faz esse papel, sendo, o juiz do uso lícito da força na composição dos conflitos. Mas, mesmo que a solução de conflitos venha a se sofisticar, ganhando novas dimensões, ainda, há certos conceitos em que se faz necessária a análise, dentre ele, o conceito de lide, jurisdição, acção, processo e procedimento. A lide seria o conflito, ambos são sinónimos. No tocante a jurisdição, tem a função estatal de prestar a tutela legal em relação aos casos concretos, desde que, provocados pelas partes, seja aplicada as normas ou seja, leis, aos casos concretos, cuja finalidade, seria a busca da pacificação social. 25 Dos conflitos e suas soluções. 63 MENDONÇA et al. (2009: p. 13)26 “A mediação popular de conflitos, da mesma forma, é uma forma de enxergar os problemas sociais de forma construtiva, buscando alternativas através do diálogo e do respeito aos direitos humanos”. Olhando pelo conflito de terra na comunidade de Nampaco, a teoria exposta esta deslocada do contexto, uma vez que, os problemas não são resolvidos mediante o respeito pelos direitos humanos, pois, não seguem os trâmites legais. 2.8 Resolução de Conflitos de Terra: Estratégias de Aproximação e o Papel das Autoridades Tradicionais Várias estratégias de aproximação podem aumentar o desenvolvimento de apoio por uma aproximação sistemática, que conduzam a apresentação de queixas sobre os conflitos de terra na Comunidade de Nampaco. Estes incluem: Avaliações regulares e análise de conflitos em fases diferentes, para entender o impacto dos conflitos de uso e aproveitamento de terra no Departamento de Urbanização e Gestão de Terra, ao nível do Conselho Municipal de Nampula; O fortalecimento da coordenação dentro do governo municipal, entre as vítimas dos conflitos, e entre as vítimas dos conflitos e os Postos Administrativos Municipais, assegurando o apoio coerente e contínuo ao Departamento de Urbanização e Gestão de Terra; Finalmente, o desenvolvimento de estratégias e acções para administrar a implementação da política de terras, associadas com a implementação de planos de urbanização e reforma em contextos de conflito. A Constituição da República de 1990 foi a portadora da reintrodução formal das lideranças tradicionais na nova estrutura legal do país. Esta fazia menção a valores tradicionais, apontando como um dos objectivos fundamentais da República de Moçambique “a afirmação da personalidade moçambicana, das suas tradições e demais valores socioculturais” (Art. 6, alínea g). A Constituição de 1990 não era, no entanto, específica sobre a integração das autoridades tradicionais no sistema político do país. O Acordo Geral de Paz de 1992, continuou o processo de acomodação das autoridades tradicionais, tendo o Governo se comprometido a respeitá-las27. 26 27 Curso de capacitação de lideranças comunitárias em direitos humanos e mediação de conflitos. Protocolo V (Garantias), ponto III (Garantias específicas para o período que vai do cessar-fogo à realização de eleições), alínea e): “O governo compromete-se a respeitar e a não antagonizar as estruturas e as autoridades 64 Este contexto, e a abertura constitucional, proporcionaram espaço para que se iniciasse a consagração legal do papel das autoridades tradicionais, com a aprovação de um conjunto de leis ordinárias, em particular a legislação ligada ao acesso, administração e gestão dos recursos naturais, que começaram a delinear o papel das autoridades tradicionais nesse âmbito. Tal foi o caso da Lei de Terras, aprovada em 199728, que reconheceu o papel das autoridades tradicionais e deu prioridade sua participação no processo de consulta às comunidades, antes da atribuição do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra. As autoridades tradicionais têm um importante papel na sociedade moçambicana, e a Constituição de 2004, formalmente reconhece as autoridades tradicionais em Moçambique. Os líderes tradicionais desempenham uma importante função na gestão da terra, mobilização popular para várias campanhas nacionais e para as eleições, assim como, na aplicação do direito costumeiro. É preciso se compreender que as autoridades tradicionais zelam por tudo o que se passa na comunidade como, distribuição de terras, resolução de conflitos familiares, limpeza das vias de acesso, bem como, segurança na zona e outras tarefas de interesse da comunidade (comercialização e gestão de recursos naturais). Os líderes tradicionais e as suas estruturas, representam uma potencialidade de mudança e podem ser atribuídos o papel de “agentes de transformação” no processo de redução da pobreza. Apesar dos conflitos dentro de uma instituição eliminar indiferenças por falta de sensibilidade, é sempre bom, buscar-se as melhores vias para a resolução dos mesmos. É preciso salientar que, o papel das autoridades comunitárias na Comunidade de Nampaco, são relegados ao segundo plano, uma vez que, o Conselho Municipal de Nampula, concretamente o Departamento de Urbanização e Gestão de Terra, no processo de demarcação e atribuição de terras, não são incorporados nas equipes técnicas, para servirem de fontes de informação básica a respeito da vida das comunidades. Apenas, as autoridades tradicionais, são convidadas para servir de testemunha no lançamento da primeira pedra de empreendimentos tradicionais onde elas estejam actualmente de facto exercendo tal autoridade, permitindo a sua substituição apenas nos casos exigidos pelos procedimentos da tradição local”. 28 Lei nº 19/97, aprova a Lei de Terras, de 1 de Outubro 1997, publicada no Boletim da República, I Série, nº 40, de 07 de Outubro de 1997. 65 sociais de grande vulto, e/ou inauguração dos mesmos, fazendo-se valer a cerimónia de “makeia29” para invocar os espíritos no sentido de não obstar o desenvolvimento dos mesmos. O régulo é o fiel depositário e não o dono da terra. E, normalmente o assunto da terra é tratado num meio familiar mais privado, no seio da linhagem e da família, relegando para o segundo plano o poder de decisão dos chefes tradicionais quanto ao uso e distribuição da terra (Makwati, 2007). De acordo com a senhora A30 - “conta que no espaço onde era a sua machamba, o Conselho Municipal de Nampula, fez demarcações sem prévia consulta, tendo perdida a sua machamba, uma vez que, o espaço foi atribuído a outro munícipe que construiu a sua habitação”. De igual modo, a senhora B31, afirmou o seguinte: “uma brigada técnica do Conselho Municipal, composta por supostos técnicos e membros da polícia municipal, apareceram numa noite, quando eram sensivelmente 19:00 horas, com lanternas, tendo parcelado áreas e distribuído a munícipes que acompanhavam as brigadas, deste modo, perdendo a sua machamba. O cenário terminou, quando a brigada dos técnicos do Conselho Municipal, foi perseguida com pedras e paus, por uma fúria de populares, o que culminou com o cancelamento do Plano de Urbanização na Unidade Comunal de Nampaco”. Portanto, os dois exemplos das entrevistas realizadas na comunidade, refiro-me da Comunidade de Nampaco, faz-me acreditar que as autoridades tradicionais, não são consideradas nas suas áreas de jurisdição. Também, os cenários arrolados nessa unidade comunal, é a prova da necessidade de reestruturação e capacitação dos técnicos do Departamento de Urbanização e gestão de terra, no Conselho Municipal de Nampula. Este tipo de procedimento ilegal, traz como consequências imediata nas comunidades, a perca de benfeitorias. 29 Ritual consagrado pelas autoridades tradicionais macuas, durante as cerimónias tradicionais ou eventos importantes da região, como forma de demonstração a relação existente entre os lideres tradicionais e os espíritos dos seus antepassados. 30 Anciã, residente na Unidade Comunal de Nampaco. Nampula, 24 de Janeiro de 2014, entrevista com o autor. 31 Membro residente na Unidade Comunal de Nampaco. Nampula, 25 de Janeiro de 2014, entrevista com o autor. 66 De acordo com o Art. 1, nº 1, do Decreto 66/98 de 8 de Dezembro, benfeitoria é “toda a despesa feita para conservar ou melhorar a terra. As benfeitorias classificam-se em necessárias e úteis. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da terra; são úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação e nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”. Como podemos depreender, qualquer mudança de comportamento e atitude negativa relacionada a gestão de terra, está-se a violar os princípio e normas básicas de convivência social, num estado de direito. Existem alguns dispositivos legais, como são os casos da lei de terra e do código civil, que norteiam o processo de transmissão e extinção do direito de uso e aproveitamento de terra. No caso da lei nº 19/97 de 1 de Outubro, no seu Art. 16, nº 2 e 5, apresentam os seguintes teores de redacção: Os titulares do direito de uso e aproveitamento da terra podem transmitir, entre os vivos, as infra-estruturas, construções e benfeitorias nela existentes, mediante escritura pública precedida da autorização da entidade estatal competente; O titular do direito de uso e aproveitamento da terra pode constituir hipoteca sobre os bens imóveis e as benfeitorias que, devidamente autorizado, edificou no terreno ou sobre os quais legalmente tenha adquirido o direito de propriedade. O Art. 18, nº 1, alínea b) e nº 2 do mesmo articulado, diz que, o direito de uso e aproveitamento da terra extingue-se: Por revogação do direito de uso e aproveitamento da terra por motivos de interesse público, precedida de pagamento de justa indemnização e/ou compensação; No caso de extinção do direito de uso e aproveitamento da terra, as benfeitorias não removíveis revertem a favor do Estado. Estes, são alguns princípios que demonstram, a necessidade de se respeitar o direito de uso e aproveitamento da terra, pois, o não cumprimento das normas emanadas pelo estado, e/ou governo municipal, tendo em conta, a formação ou capacitação dos técnicos, reestruturação do sector, domínio da legislação vigente, implantação dos planos de urbanização e eficiência na comunicação institucional, não será possível acabar com os conflitos de terra, na Comunidade de Nampaco, no Município de Nampula. 67 2.9 Impacto dos Conflitos de Uso e Aproveitamento de Terra em Nampaco A Avaliação de Impacto é o processo de identificação das futuras consequências de uma acção em curso ou proposta. “Impacto” é a diferença entre o que aconteceria sem acção e o que aconteceria com acção.32 Os termos “impacto” e “efeito” são frequentemente usados como sinónimos No Município de Nampula, concretamente a Unidade Comunal de Nampaco é o local onde surgem os conflitos de uso e aproveitamento de terra. No segundo e terceiro mandatos, dos órgãos da administração municipal, esses conflitos se agudizaram chegando ao ponto de se semear um clima de falta de confiança entre os habitantes locais e o Conselho Municipal da Cidade de Nampula. Enquanto, no primeiro mandato, foi o período em que se esboçou o Plano Geral de Urbanização na autarquia de Nampula, tendo-se em conta as áreas prioritárias de expansão das zonas urbanas, e por conseguinte, a implantação do Plano de Pormenor nas comunidades alvas. Porém, é preciso observar que, no primeiro mandato do Conselho Municipal de Nampula, os conflitos não foram matérias de destaque nos bairros de expansão, refiro-me aos casos dos Bairros de Namutequeliua e outros supra citados. Fazendo-se valer mais pela competência técnica e profissional dos funcionários desta autarquia, nesta fase não haviam muitos conflitos no uso e aproveitamento da terra. A matriz de análise dos elementos qualitativos ou quantitativos dos efeitos benéficos ou perniciosos dos conflitos de uso e aproveitamento de terra na Comunidade de Nampaco são resultantes da acção ineficaz empreendida pelos órgãos da Administração Municipal em Nampula. Fazendo um balanço da natureza do impacto dos conflitos de uso e aproveitamento de terra na Comunidade de Nampaco, pode-se perceber que o mesmo foi de carácter negativo para os lesados, uma vez que, algumas famílias, perderam as suas terras e benfeitorias, chegando-se ao ponto de se levantar estado de tensão entre os Técnicos do Conselho Municipal, os secretários dos bairros e a comunidade local. 32 AIAI- International Association for Impact Assessment 68 Obviamente, a forma como o impacto se manifestou na vida da comunidade é directa, uma vez que algumas famílias ficaram sem espaços para construção de habitações para os seus parentes mais próximos, casos houve em que algumas pessoas perderam terras sem pagamento das suas benfeitorias e, em algumas situações, foram obrigadas a abandonar os seus espaços, movidos por uma nova atribuição de parcela, oriunda de conflitos de dupla atribuição de terreno ou usurpação através de actos ilícitos, cujas famílias com baixo nível de escolaridade foram deixadas a sua sorte. Nestes casos, considera-se que a duração dos impactos nessa comunidade é permanente porque, mesmo que o Conselho Municipal de Nampula venha a ser dirigido por um outro edil e as equipes técnicas reestruturadas para responderem as questões de momento, os problemas criados persistirão na mente das pessoas. Todavia, em termos da temporalidade dos impactos, adivinham-se dois cenários nas mesmas comunidades: primeiro, é cenário negativo que pode acontecer imediatamente após a acção dos técnicos do Conselho Municipal em coordenação com as estruturas de base (secretários dos bairros), sem o cumprimento das normas prescritas no DUAT; segundo, pode ser positivo para famílias que forem abrangidas, por exemplo, por um projecto de construção de uma escola ou hospital, cujos efeitos se reflectem na melhoria das condições de vida dessas comunidades, fazendo-se sentir, após o decorrer de um período de tempo em relação a sua causa. Em relação a reversibilidade do impacto, é preciso se ter em conta que questões de natureza administrativa, com dispositivos legais que garantam o funcionamento da instituição, permitem que os impactos negativos possam ser integralmente evitados. No caso da Unidade Comunal de Nampaco, os conflitos de uso e aproveitamento de terra, não teriam acontecido se fossem cumpridos os dispositivos legais, com conhecimento dos planos de enquadramento e ordenamento territorial. Se fossem montadas estruturas técnicas competentes, ao nível do Departamento de Urbanização e Gestão de Terra do Conselho Municipal de Nampula, podiam ser evitados os conflitos emergentes de dupla atribuição de terrenos. Em termos de abrangência, os conflitos de uso e aproveitamento de terra na Unidade Comunal de Nampaco, trazem efeitos negativos nas comunidades. É preciso se ter em conta que todo conflito de terra faz parte do factor ambiental. A sua magnitude, refere-se ao grau de incidência do impacto sobre o conflito de terra, em relação ao 69 universo desse factor ambiental. A avaliação do impacto, realizada na Comunidade de Nampaco, revela que a intensidade da situação de conflitos de terra é alta, se tivermos em conta, o aumento da demanda de pessoas interessadas em adquirir os espaços para habitação ou infra-estruturas sociais e económicas. Nesta vertente e pelo grau de procura, alguns funcionários do Conselho Municipal de Nampula, em Coordenação com os secretários dos bairros, praticam desmandos, violando os princípios que orientam o DUAT. Estas práticas, são sistematicamente observadas na comunidade em alusão, e as vítimas se tornam impotentes para travar o cenário triste. Entretanto, em termos de significância, a magnitude do impacto dos conflitos de uso e aproveitamento de terra, apresenta níveis elevados na comunidade supra citada, o que é muito significativo. Seja como for, analisando os conflitos na vertente de prós e contra, é preciso tomar em conta que para enfrentar um conflito não basta uma atitude. Antes de tudo, precisamos entender o que está em jogo, quais são as posições das pessoas envolvidas e por que elas não conseguem resolver os conflitos. A análise do conflito é o primeiro passo para a compreensão do fenómeno e em seguida, para a solução. Assim, os mediadores e todos aqueles que lidam com situações de conflitos no uso de terras, entre as partes, têm a obrigação de analisá-los de modo sistemático e neutro, seja para aplicar a lei com justiça ou para ajudar a solucioná-los. A análise do conflito ajudará a escolher o melhor caminho para tratar os pontos mais sensíveis do mesmo. Quando se separam as pessoas dos problemas e dos processos, fica mais fácil visualizar as razoes do conflito e buscar soluções. Um conflito pode trazer resultados agradáveis se ele for gerido em favor da satisfação de ambas as partes nele envolvidas. Todo conflito de uso da terra produz resultados, são notórios os impactos na vertente negativa por ser os que em muitas das vezes cria desconforto, falta de coordenação, etc. É bastante natural que surjam conflitos de diferentes origens, tipos e magnitudes. Dentre os diversos tipos de conflito, os interpessoais são os que mais alteram a dinâmica do ambiente de trabalho, pois, geram sentimentos que causam instabilidade, desconforto, falta de cooperação e de confiança, tensão entre indivíduos ou grupos. Relacionando os casos de conflitos de terra que acontecem no Município de Nampula, concretamente no DUGT, na Comunidade de Nampaco, pode-se afirmar que os mesmos, alteram 70 a dinâmica de funcionamento da instituição, visto que uma instituição é composta por pessoas que assumem vários postos e hierarquias. No seio dos funcionários, quando se cria um clima de desconfiança, devido a corrupção, gera-se discórdia e descontentamento, o que propicia mau ambiente de trabalho. Pela essência dos conflitos de terra em Nampaco, diversos sentimentos podem influenciar a tomada de acções prejudiciais ao trabalho e aos próprios indivíduos ou até mesmo a ausência de acções, considerando-se que não agir, já é tomar uma atitude. Toda a situação de conflito termina com resultados que atingem quer a organização por um todo, quer as pessoas envolvidas no conflito. Para a organização, o conflito pode ser positivo e originar criatividade e mudança na forma de actuação e procedimento técnico administrativo. Contudo, pode também ter consequências negativas pela utilização de tácticas desleais, originando um conjunto de aspectos negativos. De acordo com estudos realizados no concernente aos conflitos no geral, os resultados possíveis para os intervenientes numa situação de conflito são: Ganho/Perda – Nestes casos, uma das partes atinge os objectivos pretendidos, impedindo assim a outra parte de os atingir, e no grupo que ganha pode resultar como efeito: aumento da má imagem que já tinha da outra parte, o abrandamento na produtividade induzida pelo sentimento de vitória e o reforço da ideia que a pessoa/grupo tem sempre razão. Por outro, no grupo que perde produzem-se outros efeitos: o grupo passa a utilizar mecanismos que distorcem a realidade para justificar a derrota, as relações entre os membros do grupo que perde deterioram-se porque uns culpam os outros, a derrota pode ser aceite como merecida, e o grupo esforça-se para não voltar a receber derrotas semelhantes e pode criar-se o rancor, alimentando a vingança. (ALMEIDA, 1995, p.14) Perda/Perda – esta situação acontece quando as partes cedem uma à outra, sendo o resultado final incoerente com as posições iniciais; ou quando uma terceira pessoa, com mais poder, intervêm e põe fim ao conflito de modo que não interessa a nenhuma das partes. Em qualquer das situações, o resultado final não é querido por nenhuma das partes e é provável que os efeitos sejam semelhantes a quem perde no resultado ganho/perda (Ibid). Tanto uma situação como a outra,, as partes envolvidas, frequentemente personalizam os assuntos, prestando mais atenção às suas diferenças, 71 evitando o assunto mais importante que devia ser resolvido (MARRINER & TOMEY, 1996, p.14) Ganho/Ganho – esta situação só é possível quando o conflito é transformado em problema e as partes envolvidas aceitam mutuamente que podem ganhar alguma coisa se conseguirem empenhar-se na resolução da situação (Ibid). De acordo com DEUCH (1973), este é o resultado mais desejável em qualquer situação conflitual, em que ambas as partes atingem os seus objectivos, nenhuma sente que perdeu. Para se chegar a este tipo de resultado é imprescindível encarar o processo de forma cooperativa, tendo em atenção vários aspectos nomeadamente: a importância da comunicação e troca de informação relevante, a sensibilidade para as diferenças e semelhanças, a atitude de confiança e vontade de ser útil ao outro, o esforço de resolução das tarefas. Assim, a ênfase é colocada no consenso e no processo de tomada de decisão, existindo preocupação com a situação que gere o conflito em vez de existir preocupação com a outra parte. Com este tipo de solução, o ciclo do conflito é quebrado, diminuindo a probabilidade de conflitos futuros. Nestes casos, estamos realmente, na presença de algum valor acrescentado pela aplicação da criatividade no benefício das duas partes, colocando a inteligência ao serviço da razão (ALMEIDA, 1995,p.14). 72 Tabela 6: Pontos Negativos e Positivos dos Conflitos Pontos de vista negativos do conflito Pontos de vista positivos do conflito Aprofunda as diferenças, e polariza os Gerando diversidades de pontos de vista, indivíduos e grupos, tornando difíceis a aumenta a probabilidade de surgirem soluções comunicação, cooperação e entreajuda. inovadoras e incrementa a qualidade das decisões. Fortalece as relações quando é resolvido Suscita comportamentos irresponsáveis. criativamente. Cria suspeições e desconfianças. Pode elevar a motivação e a energia necessária para melhor execução de tarefas. Gera desgaste emocional e sentimentos de Cada pessoa pode compreender melhor a sua dor, antagonismo e hostilidade. própria posição, pois o conflito força a articular os pontos de vista próprios e a descobrir os argumentos que os apoiem. Pode romper relacionamentos. Permite testar os méritos das diferentes propostas, ideias e argumentos. Pode levar a suspeições descabidas sobre os motivos, atitudes e intenções da outra parte. Permite reconhecer problemas ignorados. Gera, em cada lado da barricada estereótipos negativos acerca do outro. Pode afectar negativamente a cooperação Motiva as pessoas dos dois lados da barricada entre pessoas e grupos. a compreenderem melhor as posições da contraparte. Afasta a atenção e as energias das tarefas Desafia o status quo, encoraja a consideração maiores e dos objectivos organizacionais- de novas ideias e abordagens, facilitando a chave. inovação e a mudança. Pode levar os líderes a passarem de estilos Aumenta a coesão, a lealdade, a motivação e participativos para autoritários. a performance dentro dos grupos envolvidos na contenda. Criar ambientes de trabalho desagradáveis. Permite libertar tensões. Se algum membro do grupo sugere que a posição da outra parte tem algum mérito, É o antídoto para o pensamento grupal. pode ser considerado como traidor. Arruína a carreira de algumas pessoas e Estimula a percepção dos conflitos interpessoal e grupal. pode levar á destruição do grupo. Fonte: Adaptado pelo autor, através do manual de gestão de conflitos, Construído a partir de: Lippitt (1985); Walton (1985); Hampton (1991); Greenberg & Baron (1993); Mitchell & Larson (1987); Ware & Barnes (1992); Robbins (1992). 73 É preciso salientar que, todos os detalhes apresentados ao longo deste trabalho, resume-se nas questões inerentes aos conflitos de uso e aproveitamento de terra, e a sua abordagem, apresenta um cunho da dinâmica institucional, que foi levado a cabo para melhor percebermos as reais motivações do problema em questão. É justamente por essa razão, que ao longo dos trechos apresentados por alguns entrevistados, omitem-se os nomes de algumas personalidades, para não ferirmos susceptibilidades. Vejamos algumas informações atinentes aos conflitos de terra em Nampaco: i) Nome do entrevistado: Sr. C Ocupação: director Instituição: CMCN-DUGT Nota de realce- Situação Actual dos Conflitos de Terra em Nampaco: “Eu fui nomeado Director do DUGT, tendo assumido o cargo, sem entrega formal do cadastro de registo de conflitos de uso e aproveitamento de terra, o que dificultou-nos ver e aprofundar com detalhes a situação dos conflitos de terras nas Comunidades de Nampaco. Porém, , durante o processo de parcelamento e atribuição de terreno, os secretários dos bairros são integrados nas equipes técnicas, de forma a testemunhar as ocorrências dos factos, enquanto na fase de implantação dos projectos, os secretários dos bairros assim como os técnicos de obra do Conselho Municipal, não acompanham o processo, salvo se for empreendimento de grande vulto. Em parte os conflitos nascem desta situação .” No meu entender, os conflitos entre os nativos, isto é, donos das terras parceladas e o Conselho Municipal, surgem por falta de acordos relativamente ao número de talhões estabelecidos para cada uma das partes. O que tem acontecido, é o levantamento das benfeitorias para posterior pagamento e depois são atribuídos os terrenos de acordo com a proposta do Conselho Municipal. Também, o entrevistado salientou que, a Unidade Comunal de Nampaco é a circunscrição territorial que teve maiores problemas sobre a dupla atribuição de terreno, razão pela qual, o processo de demarcação e atribuição de terreno, ficou interrompido. Este problema, foi causado pelos técnicos do Conselho Municipal de Nampula, afectos naquela área. ii) Nome do Entrevistado: Sr. D Instituição: CMCN-DUGT 74 Ocupação: Assistente Técnico Instituição: CMCN Nota de realce: Metodologia de gestão de conflitos de terra O Sr. D afirmou o seguinte: “Os anos que precederam 2008, o Conselho Municipal de Nampula, viveu momentos menos problemáticos em relação a gestão de Conflitos de terra, na Comunidade de Nampaco. O DUGT pautou pelo seguinte procedimento metodológico na concessão do DUAT: primeiro, identificavam-se talhões em todas zonas de expansão da urbe; segundo, fazia-se o levantamento de processos para atribuição de terreno por zona; terceiro, elaboravam-se os croquis dos talhões por zona; quarto, emitiam-se licenças, seguido das assinaturas; quinto, solicitavam-se os munícipes de acordo com os endereços disponibilizados; e finalmente, marcava-se um dia para serem entregues os talhões com respectivos títulos do DUAT .” iii) Nome do entrevistado: Sra. E Profissão: Topógrafa Instituição: CMCN-PAM de Napipine Nota de realce: Dupla atribuição de terreno. A propósito “A respeito da dupla atribuição de terreno, dizendo que ela já foi vítima desta situação, por substituições arbitrária dos técnicos urbanísticos e colocados outros por confia. Ademais, a substituição não obedece regras de qualificação profissional, o que perturba o decurso normal das actividades, culminando em conflito.” iv) Nome da entrevistada: Sra. F Ocupação: Técnica Jurídica Instituição: CMCN-SMAT Nota de realce: Conflitos de Terra em Nampaco A Sra. F afirmou que “Os conflitos na Comunidade de Nampaco, são de carácter público e privado. Conflito público porque manifesta-se através da dupla atribuição de terreno, ou seja, licença passada para duas pessoas com o mesmo número de talhão, licença emitida pelo Município. Mas existem também 75 conflitos privados, que manifestam-se quando o nativo, isto é, dono da terra, vende a duas pessoas através de acordos particulares. No tocante as vítimas de conflitos, são todas as pessoas de todos estratos sociais, exceptuando as crianças. Os burladores não escolhem suas vítimas ao acaso, eles estudam a pessoa, vão enganando até convencê-los a pagar pelo terreno.” A Sra. F acrescentou: “O normal, devia ser: antes de atribuir um terreno, primeiro, devia-se verificar as licenças com base no cadastro do Conselho Municipal. Aquele que foi o primeiro a obter a licença, ficaria com o terreno, e o segundo, devia ser atribuído outra parcela, caso haja talhões na mesma zona ou em outra zona distinta. Caso a pessoa não se sentisse satisfeito com a decisão, aconselhar-se-ia a recorrer ao tribunal administrativo. Também, afirmou que o Conselho Municipal de Nampula, não possui cadastro de conflitos de dupla atribuição de terreno .” v) Nome do entrevistado: Sr. G Ocupação: Arquitecto Planificador Físico Instituição: CMCN-SMAT Nota de realce: Causas e formas para mitigar os conflitos de Terra em Nampaco A propósitos dos conflitos no uso e aproveitamento da terra, o Sr. G, afirmou o seguinte: ” (…) a origem dos conflitos de terra nas comunidades ora indicadas, é a ausência de definição de limites; falta de planos urbanos; falta de cadastro urbano para o controle de limites; venda de terras; falta de assimilação e aplicação das leis vigentes ao DUAT. Outrossim, afirmou que como forma de minimizar os conflitos de terras nessas circunscrições territoriais, seria necessário montar uma estrutura sólida e capacitá-la; fazer valer a legislação; produzir os planos e implementá-los; melhorar o cadastro urbano; contratar fiscais de obras ou capacitá-los; e equipar o DUGT de meios e materiais técnicos para o trabalho (GPRS, entre outros).” O Sr. G, afirmou ainda que: “ (…) Os conflitos surgem quando não existe uma estrutura sólida montada e com capacidade financeira para pôr os planos urbanos a funcionar. Sabe que os secretários dos bairros quando emitem as declarações, acabam se envolvendo em esquemas de venda ilícita da terra. Mas eu me pergunto, como é que um secretário sem salário e com família pode viver? Daí que, quanto ao seu tratamento, deve-se ter em conta a legalidade do litígio, a notificação dos litigantes, análise processual, e por último, cruzar os dados para se apurar a verdade dos factos .” 76 vi) Entrevistado: Sr. H Ocupação: Chefe do Serviço Municipal de fiscalização Instituição: CMCN-PMF Nota de realce: Conflitos de Terra em Nampaco O Sr. H, entende que: “ (…) a falta de acompanhamento na implantação dos projectos, culmina com a ocupação desordenada dos terrenos. Também, realçou que a falta de implementação dos planos de pormenor, a falta de actualização do cadastro urbano, a falta de honra no pagamento das benfeitorias e a falta de clarificação das parcelas entregue aos munícipes, agudeza os conflitos públicos em Nampaco.” Ele também disse que: “(…) a falta de definição de limites entre os munícipes, a tendência dos donos das terras é de alargar os espaços, originando conflito entre ambos. Também, os mesmos ocorrem por aquisição de compra e venda, quando o nativo decide burlar os compradores vendendo a mesma parcela a dois cidadãos. Neste casos, a forma de tratamento adoptada pelo CMCN, é de valorizar a pessoa que possui licença do DUAT, seguido dos procedimentos textuais legais.” Para entender a natureza de conflitos de terra, o estudo também abrangeu os secretários do posto administrativo Municipal de Muhala. Ao nível do posto administrativo, foram entrevistados os Secretários do Bairro e das Unidades Comunais para fornecer dados relativos a divisão administrativa e os problemas de conflitos de terra, visto que, o posto não possui cadastro de registo de conflitos de terra, e por conseguinte, assim o Sr. I disse o seguinte: vii) “(…) a direcção social do bairro, instituição por onde ele é membro e que vela por toda situação que acontece no bairro, não possui dados relativos aos conflitos de terra, porque os mesmos são encaminhados no DUGT. Todavia, o Bairro de Namutequeliua possui 2.043 comissões de Moradores, 92 quarteirões, 6 unidades comunais e 102.369 habitantes. Neste processo de recolha de dados, não nos foi fornecida a média por sexo e idade ao nível dos moradores .” 77 viii) O Sr. J, responsável em Nampaco, afirmou que: “A situação administrativa do bairro, depende dos chefes dos Postos Administrativos Municipais, eles subordinam-se ao Presidente do Conselho Municipal e os seus ordenados enquadram-se no orçamento municipal. Enquanto, as autoridades comunitárias – secretários dos Bairros, secretários das Unidades Comunais, chefe dos Quarteirões, Cabos e Régulos - subordinam-se a Representação do Estado, e/ou Governo da Cidade e recebem um subsídio pelos trabalhos prestados, não têm salários, logo cada um se desenrasca.” Pelas opiniões dos entrevistados acima indicados, nota-se que a onda de tensão popular que se registou na Comunidade de Nampaco, resultante da venda de parcelas de terra pertencentes aos nativos pelos funcionários do Conselho Municipal, tem a ver com a falta de profissionalismo por parte dos funcionários do DUGT. Uma entrevista colectiva que envolveu pessoas na mesquita, após a reza da sexta-feira e aproveitando as pequenas concentrações populares na casa do Cabo Netia, permitiu perceber que o impacto da dupla atribuição de terrenos em Nampaco é negativamente grave. As pessoas, de forma unânime, afirmaram que alguns técnicos do Município e certos secretários do bairro são desonestos. Dos 10 intervenientes, a propósito do assunto em apreço, Correspondeu a 4 mulheres e 6 homens. A resposta colectiva sobre os conflitos de uso da terra se resume no seguinte: Os conflitos começaram quando os Técnicos do Conselho Municipal de Nampula afectos naquela zona iniciaram com o processo de parcelamento das terras, sem no mínimo cumprir com as normas estabelecidas no DUAT; Os moradores fizeram a questão de mencionar casos como: os da dupla atribuição de terreno, parcelamentos sem a devida auscultação comunitária, venda ilícita de terrenos, a faltam de definição clara dos limites entre os moradores, o não pagamento das benfeitorias por parte da edilidade, e noutros casos; a falta de consensos do valor estipulado para indemnização; e finalmente, ocorrem casos de usurpação de terras por parte dos funcionários do Conselho Municipal de Nampula em colaboração com os secretários dos bairros. 78 Conclusão No estudo realizado, abordamos a problemática dos conflitos de uso e aproveitamento de terra no Município de Nampula, concretamente na Comunidade de Nampaco. Em jeito de conclusão e conforme as hipóteses apresentadas ao longo do texto deste trabalho, verifica-se que existe uma demonstração clara e evidente que, o não cumprimento das normas emanadas pelo estado moçambicano, tendo em conta, a formação ou capacitação dos técnicos, reestruturação do sector, domínio da legislação vigente, implantação dos planos de urbanização e ineficiência na comunicação institucional, são os principais catalisadores dos conflitos de terra, na Comunidade de Nampaco, no Município de Nampula. Ademais, no Conselho Municipal da Cidade de Nampula, concretamente o Departamento de Urbanização e Gestão de Terra, a comunicação na instituição, não é das melhores, uma vez que, reina elitismo, o que traz como consequência, a exclusão de funcionários com competência profissional, apatia no desempenho das actividades, falta de motivação dos técnicos, ausência de aplicação das leis do DUAT e a prática de actos ilícitos, o que também propicia o aumento de conflitos de uso e aproveitamento de terra em Nampaco. Portanto, existem vários problemas no Departamento de Urbanização e Gestão de Terra, mas que a maior parte deles, estão ligados à implementação de um sistema burocrático que impede o cumprimento das metas, no concernente a entrega de títulos de uso e aproveitamento de terra, que vai desde o depósito bancário até a transcrição do despacho. É preciso termos em conta que, eliminando a burocracia e a dificuldade de acesso à terra, em especial para fins habitacionais, tornaria mais fácil uma vida condigna dos munícipes e um desenvolvimento progressivo da cidade. 79 Finalmente, leva-nos também a admitir que, enquanto permanecer a actual metodologia de trabalho no processo de demarcação e atribuição de terrenos, os problemas resultantes do DUAT, continuaram a ser uma realidade na maioria dos casos. 80 Proposta de Recomendações O Governo da República de Moçambique, introduziu a reforma do sector público, para responder as exigências e a dinâmica de funcionamento da máquina administrativa moçambicana, tendo em conta a eficácia e eficiência no sector público. O Conselho Municipal de Nampula, como uma instituição da administração pública local, não esta isenta deste princípio de servir mais e melhor os munícipes desta autarquia. Neste sentido, avançamos com algumas propostas que possam melhorar o desempenho do Departamento de Urbanização e Gestão de Terra do Conselho Municipal de Nampula, para uma melhor gestão dos conflitos de uso e aproveitamento de terra, a saber: Melhorar a metodologia de trabalho no processo de parcelamento e atribuição de talhões, através da montagem de uma estrutura sólida e capacitá-la; Desencorajar a prática de actos ilícitos por parte dos funcionários do Conselho Municipal de Nampula; Eliminar o sistema burocrático no acto de concessão de títulos de uso e aproveitamento de terra que vai desde o depósito bancário até a emissão do documento formal exigido; Criar um departamento de fiscalização de obras com quadros técnicos em altura; Desenvolver e implementar os planos de urbanização ao nível do Conselho Municipal de Nampula, através de uma injecção financeira para o efeito; Melhorar o cadastro urbano para o controle de limites; Promover encontros e/ou capacitação aos funcionários, com vista a divulgação das leis vigentes no DUAT; e finalmente, Fazer valer a legislação de terra, como forma de responder as exigências do actual momento que a instituição atravessa. 81 Como podemos depreender, muito embora existam problemas relacionados com a gestão de conflitos de terra que emergem no Conselho Municipal de Nampula, a solução destes problemas, depende da vontade política por parte da edilidade. 82 Referências bibliográficas 1) Fontes primárias i. Legislação República de Moçambique, Boletim da República: Decreto-Lei que Aprova a Constituição da República de Moçambique. In: Boletim da República, I Série-Número 51, de 22 de Dezembro de 2004 República de Moçambique, Boletim da República: Decreto-Lei que Aprova a Lei de Terras. In: Boletim da República, I Série-Número 40, de 7 de Outubro de 1997 República de Moçambique, Boletim da República: Decreto-Lei que Aprova o Regulamento do Solo Urbano. In: Boletim da República, I Série-Número 51, de 26 de Dezembro de 2006 República de Moçambique, Boletim da República: Decreto-Lei que Aprova o Regulamento da Lei de Terras. In: Boletim da República, I Série-Número 48, de 8 de Dezembro de 1998s REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Constituição da República. Imprensa Nacional de Moçambique. Maputo, 2004 Lei 2/97 de 18 de Fevereiro – Aprova o quadro jurídico para a implantação das autarquias locais. 2) Fontes secundárias ALFREDO, Benjamim. Alguns Aspectos do Regime Jurídico da Posse e do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra e os Conflitos Emergentes em Moçambique. Tese (Doutorado em Direito), Universidade de África de Sul. Pretória, 2009. 354f. BOBBIO, Norberto. et al. Dicionário de Política. 11ª ed. Vol. I. Brasília, Editora UnB, 1998 CDS - Zonas Urbanas. Plano de Pormenor da Unidade de Muthita. Nampula, 2008 83 CDS - Zonas Urbanas. Relatório do Estado do Ambiente: Cidade de Nampula – Versão Resumida. Nampula, 2009 CHIAVENATO, Idalberto. Administração de Empresas. 2ª ed. São Paulo, 1987 CMCN. Código de Postura da Cidade de Nampula. Revisto e Actualizado. Nampula, 2011 CMCN. Estatuto Orgânico e Quadro do Pessoal. Nampula, 2009 CMCN. Perfil do Município de Nampula. Nampula, 2011 DE ARAÚJO, Manuel Mendes. Cidade de Nampula: a Rainha do Norte de Moçambique. Maputo, [s/d] DE VARGAS, G. P. O Conceito de Renda da Terra e sua Aplicabilidade nas Análise sobre a Actuação do Estado na Produção do Espaço Urbano. Dissertação –Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia IGC/UFMG. [s/n]. [s/l]. [s/d]. 15 f. DICIONÁRIO UNIVERSAL DE LINGUA PORTUGUESA. 3ª ed. Maputo, Moçambique Editora, LDA, 2003 IVALA, Adelino Zacarias. Formas Tradicionais de Participação Comunitária na Tomada de Decisões, Gestão de Recursos Naturais e Resolução de Conflitos. [s/n]. Nampula, 2000 KULYUMBA, Guilherme. Museu Nacional de Etnologia: 50 anos preservando a nossa história. 1ª ed. Maputo, CIEDIMA, 2006 LAVIEQUE, Guilhermino C. A. Ramalho. Problemática de saneamento do meio escolar na Cidade de Nampula : o estudo do caso de uso e conservação das instalações sanitárias nas Escolas Primárias Completas de Carrupeia, Namicopo-Sede e Secundária de Namicopo. Monografia (Licenciatura em Pedagogia e Psicologia), Universidade Pedagógica de 84 Nampula. Nampula, 2007. 59 p. LEVIEQUE, Agostinho. Gestão de Recursos Humanos na Administração pública em Moçambique. 1ª ed. Maputo, Editorial Ndjira, 2011 MAKWATI, Beatriz Lucas Luís. Aspectos da Problemática da posse e Lei de Terras: estudo de caso do Posto Administrativo de Bela – Vista. Monografia (Licenciatura em História), Universidade Eduardo Mondlane. Maputo, 2007. 71 p. MATAVEL, Nilza. Os senhores da terra: análise preliminar do fenómeno de usurpação da terra em Moçambique. Maputo, 2011 MENDONÇA, E. F.; VIANA, A. M. e KUMON, M. Direitos Humanos e Mediação de Conflitos. Instituto de Tecnologia Social. Brasil, São Paulo, 2009 MICOA. Estratégia Ambiental para o desenvolvimento sustentável de Moçambique, aprovada na IX.ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, de 24 de Julho de 2007 MICOA. Manual de Educador Ambiental. Maputo, 2009 MULLER, H. O. e FUNES G. P. F. M. Dos conflitos e suas soluções. Universidade de Toledo. Brasil, Rio de Janeiro, [s/d] NEGRÃO, José; et al. Mercado de Terras Urbanas em Moçambique. Cruzeiro do Sul – IID. Maputo, 2004 PÉLISSIER, René. História de Moçambique: formação e oposição 1854 – 1918. 3 ª ed. Vol. I. Lisboa, Editorial Estampa., 2000 PEREIRA, J. M. F. e GOMES B. M. F. Conflitos: gestão de conflitos. Instituto Politécnico de Coimbra. Coimbra, 2007 SACURO, Abdul Satar. Análise da capacidade institucional na gestão de terras. Maputo, 2013 85 THAM, Âsa. Conflito Eclesiástico sobre Terras em Moçambique. Niassa, 2010 TRINDADE, João Carlos; et al. o Papel dos Tribunais Comunitários na Prevenção e Resolução de Conflitos de Terras e Outros. FAO – Projecto GCP/MOZ/069/NET. CFJJ. Maputo, 2002 ZIMMERMANN, Willi. Agenda 21: Relatório de Reunião de Consulta - FAO. Maputo, 1996 3) Fontes orais Nome Local Data Sexo Função A CMCN-U/C de Nampaco 24.01.2014 Feminino Ância B CMCN-U/C de Nampaco 25.01.2014 Feminino Residente C CMCN-DUGT 5.02.2014 Masculino Director D CMCN-DUGT 5.02.2014 Masculino Ass. Técnico E CMCN-PAM Napipine 5.02.2014 Feminino Topógrafa F CMCN-SMAT 27.02.2014 Feminino Técnica Jurídica G CMCN-SMAT 27.02.2014 Masculino Arq. Plan. Físico H CMCN-PMF 27.02.2014 Masculino Chefe do SMF I CMCN-PAM de Muhala 27.02.2014 Masculino Líder Comunitário J CMCN-U/C de Nampaco 27.02.2014 Masculino Líder Comunitário 86 4) Internet FERREIRA, Aurélio B. H. Dicionário Electrónico. [online]. Disponível na Internet Via http://www.pedroreiz.com/suporte aos pesquisadores/dicas de redacção científica/ uso de dicionários. 21 de Dezembro de 2013 Legislação Sobre Descentralização 2009-2012. Disponível em: http://www.mae.gov.mz. Arquivo acesso em 1 de Março de 2014 Ruregulamento do solo urbano em Moçambique. Disponível em: https://www.google.co.mz. Arquivo acesso em 1 de Março de 2014 87 Apêndice 88 A I33 Guião de entrevista Nome do entrevistado ________________________________________ Idade______ Sexo____ Profissão/Ocupação______________________________________________________________ Instituição _____________________________________________________________________ 1. Quantos habitantes o Município de Nampula possui? R: _________ Habitantes. Sexo: H ______; M _______; Total: HM ________ Média de idade: H ________; M _________; Média total: HM ________ 2. Quantos talhões são destribuídos por ano em Nampaco e Muthita? 3. A distribuição dos talhões tem sido regular? 4. No processo de demarcações e atribuição de talhões, incluem-se as autoridades comunitárias locais? 5. No processo de implantação dos projectos de construção, tem havido acompanhamento? 6. Que tipo de conflitos existem no processo de demarcações e atribuição de talhões? 7. Em que circunstâncias ocorrem os conflitos? 8. Quem são as vítimas destes conflitos? 9. Que tratamento são dados as vítimas de conflitos resultantes do processo de demarcações e atribuição de talhões? 10. Nas soluções de problemas sobre conflitos de uso e aproveitamento de terra, quais são as medidas mais frequentes que o Município usa? 11. Quantos casos de dupla atribuição de terreno foram resolvidos nas Unidades Comunais de Nampaco e Muthita? 12. Qual foi a solução formal para resolver este tipo de litígio? 13. Gostaria de tecer algumas considerações? 33 Apêndice I