O TERCEIRO NÃO CANDIDATO E A APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PELA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO Patrícia Paula dos Santos1 1. A CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO A Lei nº 9. 840, de 28 de setembro de 1999, acrescentou o artigo 41 –A à Lei nº 9.504/97, que criou um novo ilícito eleitoral, denominado captação ilícita de sufrágio. Assim, trouxe o crédito do clamor da sociedade brasileira, consistindo na primeira lei de iniciativa popular, sendo uma conquista do povo na luta pela efetivação da democracia e um combate à corrupção eleitoral. 2 O artigo visa coibir a nefasta compra de voto, aduz que constitui captação ilícita de sufrágio, vedada por Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma. Nesse contexto, para caracterização da captação ilícita de sufrágio três elementos são indispensáveis: a) a prática de uma ação (doar, oferecer, prometer ou entregar); b) a exigência de uma pessoa física (determinada ou determinável) e c) o resultado a que se propõe o agente. 3 A esse propósito, Marino Pazzaglini Filho 4, conceitua a captação ilícita de sufrágio como aliciamento espúrio de eleitores mediante a compra, direta ou dissimulada, de seus votos. Não é preciso que o candidato seja flagrado no momento da conduta, basta que as provas carreadas aos autos demonstrem que ele praticou ou anuiu para que terceiro realizasse a ação em seu nome. Neste sentido, resta consagrada a possibilidade de caracterização da captação ilícita de sufrágio quando ocorrer comprovação da participação direta ou indireta ou, a mera anuência, do candidato no ato da prática da conduta por terceiro. A esse propósito, faz-se mister transcrever o entendimento jurisprudencial 5, cujo teor segue: RECURSO ELEITORAL. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. COMPRA DE VOTOS. CANDIDATO. INTERPOSTA ILÍCITO PESSOA. ANUÊNCIA CARACTERIZADO. IMPLÍCITA DO CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO. - É pacífico na jurisprudência que o ilícito também se configura com a ação de interposta pessoa em prol da candidatura do beneficiário desde que haja anuência, ainda que implícita, deste último. Outrossim, não se exige que o bem ou vantagem seja efetivamente entregue ao eleitor, de modo que a mera promessa ou oferecimento configura a captação ilícita de sufrágio, o objetivo da norma é proteger a vontade do eleitor. 1 A autora é Promotora de Justiça no Estado do Acre, Especialista em Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos pela UNAMA. 2 ZILIO, Rodrigo Lópes. Direito eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, 2012. p. 490. 3 TSE. Recuso Especial Eleitoral nº 19.541/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, em 18/12/2001. 4 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Eleições gerais 2010, 2010. p. 133. 5 Recurso Contra Expedição de Diploma .671, Rel.: Min. EROS ROBERTO GRAU, Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 59, Data 3/3/2009, Página 35/36. Os candidatos, registrados no cartório eleitoral, devem conquistar o eleitor por meio de propaganda eleitoral, comícios, debates no meio de comunicação social, exposição de ideias e ideologias. O convencimento do eleitor é o objetivo do processo eleitoral. Certo é que a captação ilícita de sufrágio gera um desequilíbrio na disputa eleitoral entre os candidatos que atuam conforme prescreve a Lei e os que tentam utilizar de doações, ofertas, entregas e promessas para conquistar a simpatia do eleitorado. Assim, é repelido pelo ordenamento jurídico pátrio o abuso do poder político, econômico, o uso indevido do meio de comunicação social e outras condutas que a legislação aduz ser ilícita e para inibi-las impõe a pena de cassação de registro ou diploma, multa e inelegibilidade. Para a configuração da conduta prevista no artigo 41 – A da Lei n° 9.504/97 não há necessidade de que o eleitor obtenha de fato vantagem pessoal ou algum bem do candidato. À incidência da norma basta que a promessa ou o oferecimento de vantagem de qualquer natureza. Logo, o simples fato do candidato ou terceiro por ele aliciar o eleitor com o fim de obter-lhe o voto e suficiente para aplicação das penalidades cominadas em Lei. Destaca-se que o fato do candidato não conseguir conspurcar a vontade do eleitor pouco importa, uma vez que a norma pune o mero fato de prometer. O Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná6 tem entendimento de que para a configuração de captação ilícita de sufrágio a conduta do agente deve ser dirigida ao eleitor determinado ou determinável. Nesse ponto, o agente poderá aliciar um eleitor para que vote nele em troca de bens ou vantagem ou um grupo de eleitores em uma negociação personalizada em troca de voto. O importante é ter a conduta capacidade de corromper a vontade do eleitor para que deixe de votar em determinado candidato para que vote no agente. Claro é que as promessas de campanha não se enquadram no dispositivo em apreço, exceto se restar claro que, mesmo que de forma genérica, condiciona a vontade de eleitor, como exemplo: a entrega de alimentos, de medicamentos, consulta médica, premiações, etc. Evidencia-se que a lei veda a negociação ou a mercantilização do sufrágio, por meio de uma promessa individualizada ou difusa aos eleitores, que importe em vantagem ou proveito de cunho pessoa em que o agente receba em contrapartida o voto. Citamos como exemplo de promessa, em discurso eleitoral, a eleitores determináveis, de construção de um posto de saúde em localidade de difícil acesso e que não há atendimento médico, sendo que durante o dia houve atendimento médico e distribuição de medicamento. Certo é que o fato do candidato prometer a construção de um posto de saúde, por si só, faz parte da campanha eleitoral. Todavia, dentro deste contexto fático não há dúvidas de que a promessa teria capacidade de influenciar na vontade do eleitor em votar no candidato em troca do benefício. Logo, o que determinará se a conduta do agente teve a capacidade de influenciar na vontade do eleitor é o caso concreto. 6 ACÓRDÃO Nº 45715. RECURSO ELEITORAL N. 403-19.2012.6.16.0155. PROCEDÊNCIA: PIRAQUARA - PR (155ª ZE). RELATOR: DR. FERNANDO FERREIRA DE MORAES. Nesse diapasão, o Tribunal Superior Eleitoral7 tem entendido que para a caracterização do art. 41 – A da Lei das Eleições, não se faz indispensável a identificação do eleitor. Além do mais, em alguns casos não há como individualizar os eleitores, mas são eles determináveis. Assim, entender de modo diverso haverá o esvaziamento da norma e dificultará o objetivo pelo qual foi criada, que é garantir a lisura das eleições e a liberdade de escolha dos eleitores. Por fim, o agente ativo processual tem que demonstrar que a conduta do corruptor tinha como objetivo o fim de obter o voto do eleitor, mesmo que implícito. Exemplo: o agente que distribui cestas básicas em um veículo com adesivos de campanha. Haverá a conduta de captação ilícita de sufrágio, eis que o pedido de voto decorre do gesto filantrópico. A corroborar o exposto acima, o Tribunal Superior Eleitoral 8 tem decidido, vejamos: Art. 41-A § 1° Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. Nesse sentido, o TSE Decidiu: CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - CONFIGURAÇÃO - ARTIGO 41- A DA LEI Nº 9.504/97. Verificado um dos núcleos do artigo 41 - A da Lei nº 9.504/97 - doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza - no período crítico compreendido do registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, presume - se o objetivo de obter voto, sendo desnecessária a prova visando a demonstrar tal resultado. Presume - se o que normalmente ocorre, sendo excepcional a solidariedade no campo econômico, a filantropia. É desnecessária prova de que a conduta realizada pelo corruptor teve capacidade de influenciar nas eleições, eis que a norma é de mera conduta, basta a prova da potencialidade lesiva. É prescindível, portanto, a prova do desequilíbrio do pleito eleitoral. Na hipótese vige o princípio da fragmentariedade9 aplicado ao direito penal moderno, ou seja, somente a conduta capaz de afetar a moralidade das eleições deverá ser punida. A esse se liga o princípio da intervenção mínima. A esse propósito, não é necessária a aferição da potencialidade de o fato desequilibrar a disputa eleitoral, porquanto a proibição de captação de sufrágio visa resguardar a livre vontade do eleitor e não a normalidade e equilíbrio do pleito. 10 O Direito Eleitoral, ramo autônomo do Direito, com regras e princípios próprios que garantem sua atuação, revela-se como ciência imprescindível na luta pelo exercício da democracia. Não obstante, hodiernamente ainda observamos diversas condutas, seja por parte de candidatos, seja por parte dos próprios eleitores, que maculam o Estado Democrático de Direito, tão almejado pela Carta Magna. Na esfera eleitoral, a prática de captação ilícita é antiga, exigindo-se, para sua caracterização, a permanente vigilância e punição dos praticantes e, ainda, um processo de 7 Recurso Especial Eleitoral n°25.215 – Rel. Caputo Bastos – j. 04.08.2005. Respe nº 25.146, rel. designado Min. Marco Aurélio, de 07.03.2006. 9 RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 2006. p. 338. 10 Acórdão nº 3.510 REspE nº 21.248 – SC. 8 reeducação para extirpar a postura assistencialista dos candidatos e a conscientização política do eleitor de que seu voto não é objeto mercantil. 2. A CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E A SANÇÃO DE INELEGIBILIDADE Certo é que há doutrina11 e jurisprudência12 no sentido de que não cabe a sanção de inelegibilidade para a conduta de captação ilícita de sufrágio, eis que a Constituição Federal, em seu artigo 14, § 9º, aduz que esta matéria somente poderá ser tratada por Lei Complementar. Contudo, a captação ilícita de sufrágio foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio de Lei Ordinária. Logo, não poderia gerar a inelegibilidade. Nesse diapasão, apesar do corruptor ter cassado o registro ou diploma ficava apto a concorrer à próxima eleição, o que gerava muita polêmica. Porém, hodiernamente, com a entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa todas as vezes que o candidato sofrer a punição da cassação do registro ou diploma, pela captação ilícita de sufrágio tornar-se-á inelegível, consoante alínea J, inciso I, artigo 1° da Lei Complementar 64/1990, que preconiza: os que forem condenados, em decisão com transito em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ilícita ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição. Dessa forma, ficou claro que o corruptor que for condenado na captação ilícita de sufrágio será inelegível para a próxima eleição. Finalizou-se a celeuma no que tange a inelegibilidade do corruptor. Contudo, o agente, ainda, continuará a praticar conduta que será captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico, de autoridade ou dos meios de comunicação, fato previsto no artigo 22, caput, da Lei Complementar n º 64/1990. O procedimento para ação por captação ilícita de sufrágio é o previsto no artigo 22, da Lei Complementar n° 64/1990. Com vista, a salvaguardar a vontade do eleitor, constata-se que poderá haver três hipóteses de conduta: a) o corruptor que responderá pela captação ilícita de sufrágio e b) o corruptor que responderá pela captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico ou político, e c) o corruptor que irá responder pela captação ilícita de sufrágio e condutas vedadas aos agentes públicos em campanha. Ressalta-se que com a entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa todos os candidatos e terceiros que anuíram com a conduta passam a se tornar inelegível pelo prazo de oito anos. 3. SUJEITO ATIVO PROCESSUAL DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. É cediço que os sujeitos ativos da ação de captação ilícita de sufrágio são o candidato, partido político, coligação e o Ministério Público. 11 12 RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 2006. p. 337. TR TRE-CE, Recurso Eleitoral n.º 12.938, de 6.12.2004, Rel. Juiz Celso Albuquerque Macedo. Nesse ponto, o Ministério Público13 assume papel relevante, eis que é o garantidor do regime democrático de direito, artigo 127, da Constituição Federal. Assim, na ordem jurídica eleitoral, os promotores de justiça e os procuradores atuaram como custos legis fiscalizando o andamento dos processos eleitorais e como parte ajuizando ações para garantir a lisura das eleições. Nas eleições como os candidatos, partidos políticos e coligações têm interesses na disputa, geralmente, procuram não se indisporem judicialmente entre eles, somente levando ao conhecimento do Judiciário questão de relevância para eles, até como forma de garantir que não serão acionados em ação eleitoral. Assim, o Ministério Público tem a função constitucional de fazer com que as eleições ocorram com transparência, haja vista que por meio de sua ação ou fiscalização é possível afastar a corrupção eleitoral. Nesse rumo, Marcos Ramayana14 ministra que os promotores eleitorais devem pautar seus atos e atitudes pela coerência, discrição, firmeza de caráter, independência e senso de oportunidade, que formam o arcabouço dos predicados inerentes ao exercício das atribuições eleitorais. O Ministério Público Eleitoral atuante evita não somente que o corruptor e seus aliados venham a lograr êxito nas eleições, mas a improbidade administrativa, os crimes e a corrupção em geral, uma vez que esses são frutos do mau uso dos recursos públicos praticados por políticos que não tem compromisso com a população. Às vezes, o promotor eleitoral ou procurador terá, ainda, a missão de atuar contra o próprio eleitor que, por tantos anos presenciando os candidatos praticando captação ilícita de sufrágio sem qualquer punição, não percebe a gravidade da conduta, isto é, que os políticos são os geradores das mazelas que vive a nossa sociedade. Por fim, tem o promotor eleitoral ou procurador a função de alterar essa realidade social, objetivando a construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direitos, pois somente com a mudança de mentalidade haverá a construção de um país melhor. 4. O TERCEIRO NÃO CANDIDATO COMO SUJEITO PASSIVO PROCESSUAL DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO Poucos doutrinadores se aventuram em escrever a respeito do tema. Os que escrevem lecionam que o sujeito passivo processual15 seria o candidato, haja vista o artigo 41 – A, da Lei nº 9.504/97 dispor dessa forma, aplicando-se ao caso a interpretação literal da norma e a vedação de interpretação extensiva às normas que impõem sanção. Alguns tribunais, também, sinalizam pelo não cabimento do terceiro como sujeito passivo16. Nessa esteira, o doutrinador Adriano da Costa17 preconiza que quem comete o ato ilícito é o candidato, e apenas ele. O terceiro não poderá praticar a captação ilícita de sufrágio, 13 VELOSSO. Carlos Mário da Silva. Elementos do Direito eleitoral, 2009. p. 33. RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 2006. p. 215. 15 RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 2006, p. 534. 16 Ac. de 8.10.2009 no RO n.º 2.373, rel. Min. Arnaldo Versiani. (TRE-CE, Representação n.º 701682, de 17.4.2012, Rel. Juiz João Luís Nogueira Matias) 14 17 COSTA. Adriano Soares. Instituições de Direito Eleitoral, 2002. p.483/484. mesmo que doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem, comete abuso de poder econômico ou corrupção, mas não a captação de sufrágio. Leciona que o candidato tem que ser flagrado praticando o ato ilícito. Não poderá ser acusado se outro realizar o ato ilícito. Para que a norma viesse de ter esse alcance, haveria de estar prescrevendo que o candidato ou alguém por ele captasse ilicitamente o sufrágio. Dado que não é possível emprestar interpretação elástica às normas que prescrevem sanções, apenas o candidato poderá realizar a conduta descrita no suporte fático da norma. Não é difícil perceber que a interpretação reduz consideravelmente o sentido da norma. É bom lembrar que a captação ilícita de sufrágio foi criada por lei de iniciativa popular, em que o desejo era de que o eleitor não fosse corrompido pelo candidato e seus cabos eleitorais, haja vista que aquele, raramente, atua sozinho. De fato é possível identificar os seguintes grupos de casos de atuações de terceiros não candidatos na prática de captação ilícita de sufrágio: a) a captação ilícita de sufrágio e o abuso do poder econômico ou político; b) a captação ilícita de sufrágio e as condutas vedadas aos agentes públicos em campanha e c) a captação ilícita de sufrágio não enquadráveis no artigo 22, caput, da Lei Complementar 64/90 e artigo 73, da Lei n. 504/97. É sabido que o candidato, raras vezes, atua sozinho, geralmente pratica a captação ilícita de sufrágio utilizando-se de seus cabos eleitorais, conduta que, em tese, enquadra-se também no abuso do poder de autoridade ou econômico. Logo, a conduta de doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor é perfeitamente associável ao abuso do poder econômico ou de autoridade. Nesse sentido, a jurisprudência18 entendeu que a utilização da estrutura de empresa de considerável porte para a realização de campanha eleitoral em favor de candidato, mediante a convocação de 1000 (mil) funcionários para reuniões nas quais houve pedido de votos e disponibilização de material de propaganda, bem como a distribuição posterior de fichas de cadastros nas quais cada empregado deveria indicar ao menos dez pessoas, configura abuso do poder econômico, com potencial lesivo ao pleito eleitoral, configura a captação ilícita de sufrágio e o abuso do poder econômico. Visível caso de captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico 19, quando os corruptores, candidato e terceiro, utilizam-se de valores patrimoniais para influenciar na vontade do eleitor. Destaca-se, nesse caso, o abuso do poder econômico da propriedade, da posse ou a disponilidade de bens ou serviços. É cabível a realização de captação ilícita de sufrágio e abuso do poder de autoridade ou político, quando a máquina administrativa serve-se ao interesse do candidato, já que desvirtua completamente a função pela qual o Estado foi criado e gera desequilíbrio no pleito. No Brasil, esse tipo de artimanha sempre foi utilizado pelos candidatos e terceiro não candidato. Nesse ponto, comprovado que o agente abusou de sua autoridade em doar, entregar, prometer ou oferecer bens 18 4377-64.2010.607.0000. RO - Recurso Ordinário nº 437764 - brasília/DF. Acórdão de 17/11/2011. Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 232, Data 09/12/2011, Página 34-35. 19 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 2011. p. 217. ou serviço em prol de determinado candidato é possível a cumulação da captação ilícita de sufrágio e abuso do poder de autoridade. José Jairo Gomes20 aduz que o abuso do poder de autoridade possui interpretação elástica, que pode ser preenchida por fatos ou situações tão variadas quando as seguintes: uso, doação ou utilização de bens ou serviços, desvirtuamento de propaganda institucional, manipulação de programas sociais, contratação ilícita de pessoal, ameaça de demissão ou transferência de servidor. O Tribunal Superior Eleitoral21 entendeu que se caracteriza o abuso do poder quando demonstrado que o ato administrativo, aparentemente regular e benéfico à população, teve como objetivo imediato o favorecimento de algum candidato. Além disso, é cabível a aplicação cumulativa da corrupção eleitoral com as condutas vedadas aos agentes públicos em campanha, artigo 73, da Lei nº 9.504/97. Destaca-se que o candidato à reeleição ou o prefeito do mesmo partido utiliza-se o poder de autoridade e do fato de ser agente político ou de agente público para angariar votos para o candidato. Não há dúvidas que geralmente doa, entrega, promete ou oferece bens ou serviços aproveitando da função pública que ocupa. Por isso, fácil a cumulação de pedidos, eis que as condutas previstas no artigo 41 – A Lei nº9504/97 têm correspondências ou semelhanças no artigo 73, da Lei nº9504/97. É cediço que as condutas vedadas aos agentes públicos em campanha são aplicadas a estes e a todos que tiverem contribuído para o ato, agente público ou não, consoante preconiza §5°, artigo 73, da Lei nº9504/97. Dessa forma, comprovado que o agente público ou candidato a reeleição doou, entregou, ofereceu ou prometeu bens ou serviços caberá a cumulação de pedido de captação ilícita de sufrágio e condutas vedadas aos agentes públicos em campanha. E, ainda, ação de improbidade administrativa. Enfatize-se que o rol das condutas vedadas não é numerus clausus, ou seja, não havendo a previsão da conduta improba no rol do artigo 73, da Lei nº 9.504/97, caberá a aplicação da norma prevista no artigo 22, caput, da Lei Complementar 64/90, que é mais ampla. Ressalta-se que, como promotora eleitoral, ofereci ação de investigação eleitoral contra candidato a reeleição e seus cabos eleitorais por contratar pessoas durante o período vedado, com fundamento no artigo 41-A e 73, V, ambos da Lei das Eleições, ou seja, contratação sem concurso público, e o Tribunal entendeu ter ocorrido a conduta de captação ilícita de sufrágio por todos e condutas vedadas aos agentes públicos. Nesse sentido, cabe transcrever o entendimento do Tribunal Regional do Estado do 22 Acre , vejamos: RECURSO ELEITORAL – ELEIÇÕES 2012 – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL CUMULAÇÃO COM REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO – PRELIMINAR DE NULIDADE DO 20 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 2011. p. 218. 21 TSE – Respe nº 25.074/RS –DJ 28-10-2005. Acordão n. 3.127/2013 22 PROCESSO POR JULGAMENTO EXTRA PETITA – NÃO ACOLHIMENTO – CONDENAÇÃO DA COLIGAÇÃO – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – NÃO ACATAMENTO – CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA VEDADA E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO MEDIANTE A CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES – DESNECESSIDADE DO PEDIDO EXPRESSO DE VOTOS – VIOLAÇÃO AO ART. 41 – A E AO ART. 73, V, DA LEI DAS ELEIÇÕES – RECURSO IMPROCEDENTE EM PARTE PARA JULGAR IMPROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO EM FACE DA COLIGAÇÃO. 3. A contratação de servidores em período vedado praticado por candidato (agente público) e seus auxiliares configura captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41 – A, bem como a condutada vedada prevista no art. 73, V, ambos da Lei 9.504/97. Práticas dos ilícitos corroboradas por prova documental e testemunhal coesa, detalhadas e prestadas sob o crivo do contraditório, em que se observou o especial fim de agir, bem como o desequilíbrio na disputa. 4. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que não é preciso comprovar o efetivo desequilíbrio no pleito, bastando que a conduta irregular tenha a capacidade ou potencialidade de influenciar nas eleições. (...) Contudo, ainda, entende-se ser possível a punição do terceiro não candidato quando comete captação ilícita de sufrágio, sem que o fato se enquadre na conduta vedada ao agente público em campanha ou abuso do poder econômico ou de autoridade. Nessa esteira, o doutrinador Rodrigo Lópes Zilio23 lesiona ser possível a aplicação da captação ilícita de sufrágio ao terceiro: a) pelo fato das normas sancionadoras serem dirigidas a todos indistintamente; b) o fato é objetivamente ilícito; c) o Tribunal Superior Eleitoral diz ser punível a mera participação do candidato ou anuência dele – entendendo que a corrupção pode ser praticada por terceiro em nome do candidato; d) reconhecendo-se o fato do artigo 299 do Código Eleitoral permitir a punição do candidato e do terceiro; e) no artigo 41 – A, da Lei nº 9.504/97 não existe nenhum elemento que exija, para sua configuração, a caracterização de sujeito passivo qualificado; f) a ausência de punição ao não candidato implica a ofensa ao bem jurídico tutelado que é a vontade do eleitor; g) a existência da sanção adequada para o terceiro não candidato que é a pena de multa; h) o princípio da responsabilidade solidária do artigo 241, do Código Eleitoral, que pune os candidatos e aqueles que praticam propaganda irregular da mesma forma. Por outro lado, há jurisprudência 24 que também entende ser cabível a punição do terceiro não candidato, cujo teor segue: Não obstante o artigo 41-A da Lei n. 9.504/97 faça referência apenas ao candidato como sujeito ativo da conduta vedada, deve-se entender que, numa interpretação sistemática, o terceiro não candidato que praticou a odiosa prática de captação ilícita de sufrágio deve, sim, sofrer os efeitos desta norma. Ressalte-se que, ao se admitir a participação indireta do candidato na pratica da captação ilícita de sufrágio, admite23 ZILLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral, p. 495/496. José De Freitas/PI. Decisão Monocrática de 06/05/2010. Relator(a) Min. HAMILTON CARVALHIDO. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 11/05/2010, Página 14/16. 24 se implicitamente que o ilícito possa ser praticado por outra pessoa. Desta forma, se o candidato que participou indiretamente será punido, seguramente, o terceiro, não candidato, que praticou diretamente o ato, também deverá ser rigorosamente penalizado, nos termos do diploma legal supramencionado. Nota-se que o artigo 41-A, da Lei nº 9.605/97 dispõe que o candidato comete captação ilícita de sufrágio, quando doar, entregar, prometer ou oferecer bens a eleitores. Todavia, o Tribunal Superior Eleitoral interpretando esse dispositivo disse que é cabível punição ao candidato quando ele pratica, participa ou anui com a conduta de terceiro. Ora, se há entendimento de que terceiro pode praticar a conduta não há porque entender não ser ele punível por mera interpretação literal. Não devemos esquecer de que já algum tempo o povo, titular do poder, quer punir os candidatos e quem com eles atuam na corrupção eleitoral. Assim, por meio do poder constituído derivado, acrescentou ao §9º, do artigo 14, da Constituição Federal o dever da probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Nesse contexto, parece que a norma constitucional dotada de eficácia prevê a moralidade que deve ter o candidato e seus cabos eleitorais nas eleições. Além disso, pelo princípio da igualdade, cláusula pétrea, não há porque tratar desiguais pessoas que cometem juntas conduta ilícita, sendo ambas, a meu ver, corruptos e merecedores de punição. A captação ilícita de sufrágio é uma norma proibitiva e sancionatória, mas não há porque ser ela direcionada somente ao candidato. Certo é que dele devemos cobrar com mais rigor, mas, assim, é feito para lei, haja vista que a ele será imposta a pena de cassação de registro ou diploma, multa e inelegibilidade e ao terceiro multa e inelegibilidade. Ademais, a Lei da Ficha Limpa alínea j, inciso I, artigo 1° da Lei Complementar 64/1990, aduz que os que forem condenados, em decisão com transito em julgado ou órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por captação ilícita de sufrágio serão inelegíveis por oito anos. Nesse ponto, fazendo interpretação sistemática da Lei das Eleições e da Lei da Ficha Lima, que é lei complementar e posterior, podemos dizer que o terceiro não candidato poderá responder por captação ilícita de sufrágio. Igualmente, verifica-se que a captação ilícita de sufrágio se assemelha ao crime previsto no artigo 299, do Código Eleitoral e são punições autônomas, mas que podem ser aplicadas aos agentes simultaneamente. Além do mais, o bem protegido pelo direto penal e eleitoral é o mesmo, qual seja: a vontade do eleitor, forçoso manter a punição do terceiro para manter a lógica do sistema, porquanto, se a conduta de corrupção foi suficiente para entender que é ilícito penal, com muito mais razão entendê-la como ilícito eleitoral, aplicação ao caso do princípio da subsidiariedade do direito penal. Enfatize-se que a mobilização social, para a criação da captação ilícita de sufrágio, foi gerada pelo grande número de casos de crime de corrupção eleitoral, tendo em vista a frequência de sua incidência. Certo é que no tipo penal é penalizado o candidato e o terceiro. É cediço que há entendimento que a norma dispõe que é o candidato que pode cometer a conduta ilícita. Caso contrário, há interpretação extensiva de normas punitivas. Correto dizer que se trata de norma punitiva e sancionadora, eis que descreve conduta e impõe sanção. Todavia, devemos analisar as normas não de forma isolada, mas como parte do Ordenamento Jurídico. Cabe frisar que a doutrina ao interpretar o crime de infanticídio, 25 crime próprio, entende que somente a mãe pode praticar como autora a conduta descrita no tipo, mas admite-se o concurso de pessoas como coautoria e participação. É defensável a aplicação da captação ilícita de sufrágio ao terceiro não candidato, entendo pela comunicabilidade de elementares, prevista no artigo 30, do Código Penal, pois se é possível esse tipo de interpretação no direito criminal e razoável aplica-la no direito eleitoral. Assim, é possível a aplicação da captação ilícita de sufrágio ao terceiro, independente de acumulação com a conduta vedada aos agentes público em campanha ou abuso do poder econômico ou de autoridade. CONCLUSÃO: É admissível, para a punição do terceiro não candidato, a cumulação de pedidos entre a captação ilícita de sufrágio e as condutas vedadas as agentes públicos em campanha ou, ainda, a captação ilícita de sufrágio com o abuso do poder econômico e de autoridade, uma vez que, geralmente, os candidatos nunca atuam sozinhos, mas, sim, utilizando-se do fato de eles ou terceiros serem agentes públicos, ter autoridade ou poder econômico. Além disso, aplicando-se a interpretação sistemática é possível concluir que o terceiro também pode ser incluído na ação por captação ilícita de sufrágio porque: a) o Tribunal Superior Eleitoral admite que o fato ilícito seja praticado por outrem; b) a norma do artigo 299, do Código Eleitoral protege o mesmo bem jurídico tutelado e há punição de ambos; c) há sanção adequada para o terceiro não candidato que é a multa; d) a doutrina entende ser punível em crime próprio o terceiro na condição de coautoria e participação; e) o ordenamento jurídico deve ser interpretado sistematicamente; f) a aplicação do princípio da igualdade g) a Constituição Federal instituiu o princípio da moralidade nas eleições. BIBLIOGRAFIA: 1. COSTA. Adriano Soares. Instituições de Direito Eleitoral, 5º ed. Belo Horizonte. Del Rey, 2002. 2. CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal: parte especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. 3. GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 7º ed. Ver. atual. e aplic. São Paulo: Atlas, 2011. 4. PAZZAGLINI FILHO, Marino. Eleições gerais 2010. São Paulo: Atlas, 2010. 5. RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral – 5ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. 6. VELOSSO. Carlos Mário da Silva e AGRA, Walber de Moura. Elementos do Direito eleitoral, São Paulo: Saraiva, 2009. 7. ZILIO, RODRIGO. Direito eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. 25 CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal: parte especial, 2008. p. 33.