LUCIENE STRADA DE OLIVEIRA MODERNIZAÇÃO DA FROTA RIBEIRINHA Políticas e Estratégias Trabalho de Conclusão de Curso Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador:Coronel Rfm Heitor Montmorency Bizarro Pestana. Rio de Janeiro 2014 C2014 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencionálos, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG. ____________________________ Assinatura do autor Biblioteca General Cordeiro de Farias Strada de Oliveira, Luciene. Modernização da Frota Ribeirinha: políticas e estratégias/ Advogada Luciene Strada de Oliveira. - Rio de Janeiro : ESG, 2014. 44 f.: il. Orientador: Coronel Rfm Heitor de Montmorency Bizarro Pestana. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2014. 1. Amazônia. 2. Embarcações ribeirinhas. 3. Escalpelamento. 4. Políticas públicas. 5. Financiamento. Dedico aos ribeirinhos. AGRADECIMENTOS A Defensoria Pública da União pelo cargo de Defensora Púbica Federal função que exerci com dedicação e me permitiu inovar, em prol da população de baixa renda do Brasil. Ao Tribunal Marítimo pela chance de conhecer o universo de pessoas envolvidas na dinâmica da navegação fluvial e marítima no Brasil e internacional. A direção da ESG por ter me oferecido a oportunidade de conhecer diferentes ângulos de Políticas e Estratégias com foco no Desenvolvimento, na Segurança e na Defesa do Brasil. Aos estagiários da Turma do CAEPE de 2014 – “ESG 65 anos Pensando o Brasil” ─ pelo prazer em conviver nos últimos meses com pessoas maravilhosas e que muito aprendi a respeitar pelo seu comprometimento com o Brasil. E por fim, ao meu orientador por ter tido a paciência em ajudar elaborar o presente estudo, tornando a leitura agradável e interessante. RESUMO O presente trabalho tem como finalidade despertar às autoridades do Estado brasileiro sobre a necessidade de se criar financiamento público para a modernização da atual frota ribeirinha da Região Norte, considerando o trinômio conforto-segurança-tecnologia, não só visando a prevenção de acidentes, mas também a regularização de centenas de milhares de embarcações que hoje navegam fora dos padrões de segurança determinados por lei. A metodologia utilizada foi pesquisa de campo junto a diversos órgãos federais e estaduais, aos ribeirinhos, aos carpinteiros navais e os fabricantes de motor aliada à observação participante realizada pela autora. O tema está desenvolvido em títulos, iniciando pela caracterização da Amazônia elencando os seus graves problemas de mobilidade, os reflexos da informalidade, na construção naval artesanal e nas linhas de navegação, a ausência de políticas públicas para o desenvolvimento local, a incidência de inúmeros acidentes e fatos da navegação em virtude da falta de investimento para a modernização desta frota e a aplicação de modelos que contornam a questão sem atacar o problema em sua raiz. Nos títulos seguintes são abordados os principais vetores que impedem ou dificultam o desenvolvimento socioeconômico da região e, de forma ousada, é sugerido a criação de um programa titulado de "Profrota Ribeirinha" com rumo ao desenvolvimento local, sem a perda de identidade da região. No caso específico do escalpelamento só haverá a erradicação quando forem retirados do mercado os motores que não possuem seus eixos cobertos de fábrica, já que as coberturas de eixo que vem sendo realizadas pela Marinha do Brasil podem ser removíveis, em virtude da necessidade de manutenção do motor. Palavras-chave: Políticas públicas. Financiamento. Escalpelamento. Amazônia. Embarcações ribeirinhas. ABSTRACT The present work aims to awaken Brazilian authorities to the need for creating public financing for the modernization of the fleet of small watercraft for the river-dwellers of Brazil’s northern region. While considering the triad of safetycomfort-technology, this proposal is not only focused at preventing accidents, but also at regulating the hundreds of thousands of small watercraft that are operating well outside established safety standards, as required by law. The methodology adopted was comprised of field research within various Federal and State agencies, interviews with the river-dwellers themselves, as well as boat and engine manufacturers, and participant observation as conducted by the author. The research begins with the characterization of the Amazon and its acute mobility problems; then it explains the consequences of informality and improvisation in the river-crafts’ construction and navigation, the absence of public policies for this transportation system’s development, the presence of repeated accidents due to the lack of initiative to modernize this fleet and the application of models that circumvent this issue without attacking the problem at its root. Then, the work approaches the main reasons that prevent or hinder the socioeconomic development of the region and boldly suggests the creation of a program titled "Profrota Ribeirinha" that promotes local development without the loss of identity of the region. Lastly, approaching the specific case of accidental scalping (as often occurs to the river-dwellers as a result of these improvised vessels), the eradication of this problem will only occur when these non-factory issued engines that lack axle covers are no longer employed or are replaced by those used by the Brazilian Navy. Keywords: Public policies. River-craft. Funding. Scalping. Amazon. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 . FIGURA 2 Barco com motor de popa ou rabeta .......................................10 Barco com motor de centro .....................................................10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AP Estado do Amapá ANTAQ Agência Nacional de Transportes Aquaviários CV Cavalo vapor DAP Declaração de aptidão ao PRONAF DPC Diretoria de Portos e Costas DPDC Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor FMM Fundo da Marinha Mercante HP Horse power Kw Quilowatt LGBT Lésbicas, gays, transgêneros MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MJ Ministério da Justiça MPA Ministério da Pesca e Aquicultura PNLT Plano Nacional de Logística e Transportes PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PSB Partido Socialista Brasileiro RGP Registro Geral de Atividade Pesqueira RPM Rotação por minuto SAF Secretaria de Agricultura Familiar SISGEMB Sistema de Gerência de Embarcações STN Secretaria do Tesouro Nacional SBCP Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica TM Tribunal Marítimo bissexuais, travestis, transexuais e SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 9 1.1 DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DO PROGRAMA ........................................ 14 1.2 CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA.................................. 14 2 ANÁLISE DOS PRINCIPAIS VETORES DE DESENVOLVIMENTO ......... 15 2.1 UNIVERSO DE EMBARCAÇÕES RIBEIRINHAS ....................................... 15 2.2 CONSTRUÇÃO NAVAL .............................................................................. 17 2.2.1 Estaleiros formais ...................................................................................... 17 2.2.2 Estaleiros informais .................................................................................. 17 2.3 LINHAS DE NAVEGAÇÃO .......................................................................... 18 2.4 DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÔMICO LOCAL ................................ 19 2.4.1 Mobilidade dos ribeirinhos ....................................................................... 21 2.5 FISCALIZAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DAS EMBARCAÇÕES .............. 23 2.6 ACIDENTES E FATOS DA NAVEGAÇÃO .................................................. 25 2.7 CAMPANHAS PREVENTIVAS DE ACIDENTES ........................................ 27 3 MODERNIZAÇÃO DA FROTA RIBEIRNHA ............................................... 28 4 POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS ................................................................... 30 4.1 POLÍTICAS ................................................................................................. 30 4.1.1 Programa Frota Ribeirinha ....................................................................... 32 4.1.2 Aspectos legais ......................................................................................... 32 4.1.3 Objetivo do Profrota Ribeirinha ................................................................ 35 4.1.4 Pontos fortes para o ribeirinho ................................................................ 35 4.1.5 Pontos fortes para o Estado brasileiro .................................................... 35 4.1.6 Público alvo ................................................................................................ 36 4.1.7 Operacionalização .................................................................................... 37 4.1.8 Financiamento ............................................................................................ 38 4.1.9 Limite de financiamento e seguro ........................................................... 38 4.1.10 Recursos financeiros ................................................................................ 38 4.2 ESTRATÉGIAS ........................................................................................... 39 4.2.1 Ações já realizadas .................................................................................... 39 4.2.2 Ações a serem realizadas.......................................................................... 42 5 CONCLUSÃO ............................................................................................. 43 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 45 9 1 INTRODUÇÃO A Região Amazônica conta com uma extensa malha hidroviária de aproximadamente vinte e dois mil quilômetros de rios navegáveis, com uma população estimada de vinte milhões de pessoas, das quais mais de quatro milhões (INSTITUTO, 2011) encontram-se espalhadas em comunidades ribeirinhas distribuídas ao longo desta vasta rede hidroviária, sendo que centenas de milhares destes ribeirinhos são usuários das pequenas embarcações ribeirinhas, tornando o transporte fluvial indispensável à sobrevivência da quase totalidade dos vilarejos e no instrumento de integração social, econômico e ambiental. Essas pequenas embarcações, por conta do seu pouco calado1, são as mais utilizadas pelos ribeirinhos o que torna possível o aproveitamento da malha hidroviária regional, permitindo assim o acesso e a ocupação dos espaços vazios da Região Amazônica. A embarcação é o meio de transporte mais usado para as diversas atividades como o transporte de pessoas e de produtos, a atividade pesqueira, o esporte e laser. O casco da embarcação pode ser de madeira, alumínio ou fibra de vidro e a instalação do motor também é feita de forma artesanal pelo construtor, pelo proprietário do barco ou pelo profissional da região conhecido como "assentador de motor"2, especializado na instalação do bloco propulsor (motor, eixo e hélice) em perfeita harmonia com o equilíbrio da embarcação. A escolha do motor dependerá de vários fatores, tais como: disponibilidade financeira do ribeirinho, do comprimento e peso da embarcação, do tipo do casco e da atividade em que a embarcação será empregada. O motor pode ser de centro ou de popa com "rabeta"3 curta ou longa. O motor de popa (fig. 1) é instalado na parte de trás da embarcação e o eixo e a hélice ficam para fora da embarcação. No caso da rabeta, o motor 1 Distância vertical entre a superfície da água e a parte mais baixa da quilha de uma embarcação. (Nota da autora). 2 Denominação dada na Amazônia ocidental para pessoa responsável pela instalação do motor de centro na embarcação ribeirinha. (Nota da autora). 3 Parte de baixo do motor de popa que sustenta o eixo de transmissão e em sua ponta é instalado a hélice. Também pode designar um tipo de barco com motor e hélice traseira não profunda, usado em rios com pouca profundidade. (Nota da autora). 10 que transfere energia para a hélice é de baixa potência e a gasolina, usado em pequena embarcação com casco leve, normalmente, em alumínio, sendo muito utilizada no Estado do Amazonas, por conta da Zona Franca de Manaus que tem montadoras de motores de popa como a Honda e Yamaha. Esse tipo de motor vem sendo mais utilizado na Região Norte em virtude do baixo custo, em especial, as marcas fabricadas na China. Figura 1 O motor de centro (fig. 2) é instalado no meio da seção transversal do barco devido ao seu peso, a uma distância entre 1,5 a 2,5 metros da popa, e a ligação do motor a hélice é feita por meio de um eixo (barra de aço) chamado de eixo "cardã", que será ajustado conforme o comprimento da embarcação, já que passa por dentro da embarcação. A potência do motor varia entre 5,2 kW e 11kW (7 CV a 15 CV). A instalação deste motor requer mais habilidade a fim de dar um maior equilíbrio a embarcação e assim obter um melhor rendimento na navegação. Figura 2 O motor de centro é mais potente, podendo ser a gasolina ou a diesel, utilizado em qualquer tipo de embarcação. Em virtude do alto custo de um motor novo, os motores em circulação, em sua grande maioria, são 11 comprados usados, podendo ser retificado4 ou adaptados para ser instalado na embarcação, requerendo, desta forma, manutenção constante em virtude de permitir a entrada de água por qualquer imperfeição na vedação do eixo, que gira numa velocidade que pode chegar a 2400 rotações por minuto (rpm). A água que se acumula no fundo do barco e próximo ao motor pode acabar dificultando seu correto funcionamento, o que leva o proprietário da embarcação a deixar o motor e o eixo descobertos, buscando com isso facilitar a retirada d’água, manobra feita, muitas vezes, pelos próprios passageiros do barco que, com uma garrafa plástica cortada ou vasilhame semelhante, aproximam-na do eixo em alta rotação para retirar a água que fica acumulada embaixo do eixo, o que pode resultar em acidentes como o escalpelamento5 de mulheres e de crianças, além de outras mutilações graves. Os acidentes e fatos da navegação6 com as embarcações ribeirinhas na Região Norte não se restringem aos escalpelamentos, mas também ao abalroamento7, colisão8, excesso de carga e passageiros, ausência de equipamento de segurança, tais como: coletes salva-vidas, entre outros que são catalogados pelo Tribunal Marítimo9. Não há um estudo de quantos acidentes ou fatos da navegação ocorrem na região, já que muitos acidentes não são comunicados a Autoridade Marítima local, em virtude de irregularidades nas embarcações ou em sua tripulação. Segundo os registros da Defensoria Pública da União10 em janeiro de 2013 havia 292 vítimas de escalpelamento, sendo 195 vítimas no Pará, 95 vítimas no Amapá, 1 vítima no Amazonas e 1 vítima em Rondônia, podendo 4 Processo de manutenção do motor para reparar pequenos danos causados pelo desgaste natural de sua utilização. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org/wiki/retifica_de_motor>. Acesso em: 19 ago. 2014. 5 Avulsão do couro cabeludo por meio mecânico. (Nota da autora). 6 Acidentes e fatos da navegação definidos pelos artigos 14 e 15, da Lei 2.180/54. (BRASIL, 1954). 7 Abalroamento é o choque entre embarcações. (Nota da autora). 8 Colisão é o choque entre uma embarcação e outro corpo que não seja uma embarcação. (Nota da autora). 9 Definido no artigo 1º, da Lei 2.180/54, possui jurisdição em todo território nacional, com atribuição de julgar os fatos e acidentes de navegação marítimo, fluvial e lacustre. (BRASIL, 1954). 10 Instituída pela Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Disponível em: <www.dpu.gov.br>. (BRASIL,1994) 12 aumentar o número a medida que as vítimas procuram a Instituição para obter os benefícios reparadores contidos no Projeto de Erradicação do Escalpelamento por Embarcação11 que tem como meta a reinserção da vítima na sociedade. O projeto prevê também medidas preventivas como campanhas educativas, a cobertura do eixo para as embarcações em circulação e a modernização da frota ribeirinha, por meio de uma linha de crédito, alocando recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM)12, fundo de natureza contábil, para o financiamento de embarcações, motores e demais equipamentos necessários à segurança da navegação, tendo como metas: contribuir para erradicação do escalpelamento causado por embarcação; modernizar a frota de embarcação para transportes de cargas e passageiros; possibilitar a identificação e legalização das embarcações existentes na região amazônica; e facilitar o acesso ao crédito às populações de baixa renda beneficiadas pelo programa (BRASIL, 2004). Em 2008, a Secretaria de Fomento para Ações de Transportes, do Ministério dos Transportes, coordenou um grupo de Trabalho de Transporte Fluvial de Passageiros e Cargas com atribuições de diagnosticar a situação do transporte fluvial de passageiros e cargas no país e propor diretrizes para a formulação de políticas públicas para o transporte fluvial de passageiros e cargas. Desse trabalho, resultou a elaboração de Projeto de Lei para criar o Programa Especial para a Renovação da Frota Fluvial de Passageiros – Profrota Fluvial, em que os beneficiários do programa são empresas brasileiras de navegação e o parque industrial de construção naval (Relatório de Gestão, exercício 2009, da Secretaria de Fomento para Ações de Transportes do Ministério dos Transportes). Considerando o público alvo do Profrota Fluvial está restrito a empresas, verificou-se a necessidade de se propor diretrizes que beneficiasse a pessoa física do ribeirinho que também utiliza a embarcação como principal meio de transporte de passageiros e de cargas, em escala menor do que as empresas de navegação, mas que também contribui para o 11 Criado pela autora e aprovado pelo Defensor Público-Geral da União em agosto de 2005. (Nota da autora). 12 Lei no 10.893, de 13 de julho de 2004. 13 desenvolvimento da região. Assim, nasceu o Programa Especial para a Modernização da Frota Ribeirinha – Profrota Ribeirinha. Segundo Freitas (2011) a criação do Programa de Modernização da Frota Ribeirinha – Profrota Ribeirinha terá por finalidade principal, fomentar, por meio da instituição de uma linha de crédito, a modernização das embarcações ribeirinhas artesanais em operação na Região Norte do Brasil, ampliando a frota regular e incentivando a construção naval regional. Subsidiariamente, o programa contribuirá para a erradicação do escalpelamento por embarcação. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) lançou em 2012 o Programa de Revitalização da Frota Pesqueira Artesanal - Revitaliza13 com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) Mais Alimentos que tem por objetivo a reforma, a modernização e até a construção de novas embarcações de até 20 (vinte) toneladas de arqueação bruta, limitado a pescador inscrito no Registro Geral de Atividade Pesqueira (RGP) e que preencha os requisitos para obter a anuência para o financiamento do Ministério. Já o PRONAF14 Mais Alimentos oferece os mesmos benefícios do Revitaliza, contudo, o problema reside na limitação do programa aos agricultores e aos pescadores artesanais que precisam apresentar a Declaração de Aptidão ao Programa (DAP) emitida pela Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) ou agentes credenciados pelo MDA15 e a condição básica para a concessão de crédito de investimento é a apresentação de projeto técnico ou proposta simplificada, conforme estipulado pelo agente financeiro, o que acaba inibindo o ribeirinho em virtude de sua baixa escolaridade, dependendo de terceiros para acesso ao crédito. 13 Instrução Normativa nº 10, de 30 de outubro de 2012, do Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA. Disponível em: <www.mpa.gov.br/...instrucoes-normativas/293-instrucoesnnormativas-2012>. Acesso em: 27 ago. 2014. 14 O PRONAF é a política pública voltada aos agricultores familiares, pescadores artesanais e aquicultores bem como suas organizações. Lei 11.326, de 24 de julho de 2006. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/le/l11326.htm>. Acesso em: 27 ago. 2004. 15 Portaria MDA nº 75, de 25 de julho de 2003. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=189336 >. Acesso em: 14 ago. 2014. 14 1.1 DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DO PROGRAMA O Programa de Modernização da Frota Ribeirinha intitulado de "Profrota Ribeirinha" tem no seu escopo geográfico atender os ribeirinhos da Região Norte, área com mais registros de acidentes em virtude do grande número de embarcações em circulação, para o transporte de passageiros e cargas. Por outro lado, não se pode deixar de mencionar que a falta de política para modernização das embarcações ribeirinhas se estende pelas demais bacias hidrográficas no Brasil, destacando a navegação pela bacia do São Francisco16, do Paraná-Paraguai17, do Paraná18, entre outras, mas para fins de mensuração e controle de desempenho foi fixado a Região Norte para o início do Programa proposto. 1.2 CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA De acordo com o censo de 2010 do IBGE a população da Região Norte é em torno de dezesseis milhões de habitantes sendo que no interior vivem mais de quatro milhões de habitantes. O campo do presente estudo fica delimitado aos Estados do Amazonas, Amapá e Pará em virtude da intensidade da navegação, em especial, da população ribeirinha. O Estado do Amazonas abriga 62 municípios, com uma população estimada para 2013 de 3.807.923 habitantes (IBGE,2013), sendo que na capital Manaus reside 49,98% da população estadual e o restante dos habitantes correspondendo 50,02% residem no interior do estado, pulverizada em municípios ribeirinhos cuja população varia por município de 5.000 a 50.000 habitantes, exceção com relação ao município de Parintins 16 O rio São Francisco é o mais importante da bacia de mesmo nome, com uma extensão de 2.700 km, tem sua nascente na Serra da Canastra, em Minas Gerais. A sua importância é principalmente pela contribuição histórica e econômica na fixação de populações ribeirinhas. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/area.cfm?id_area=104>. Acesso em: 14 ago. 2014. 17 Grande parte da bacia do rio Paraguai estende-se pela planície do pantanal. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/geografa/bacias_hidrograficas.htm>. Acesso em: 14 ago. 2014. 18 A hidrovia Tietê-Paraná localiza-se na bacia do rio Paraguai nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/geografa/bacias_hidrograficas.htm>. Acesso em: 14 ago. 2014. 15 que possui mais de 100.000 habitantes (INSTITUTO, 2011) que depende da embarcação como principal meio de transporte para outros municípios. O Estado do Amapá abriga 16 municípios, com uma população de 669.526 habitantes, sendo que na capital Amapá residem em torno de 58% da população do estado e 42% no interior do estado. (INSTITUTO, 2011). O Estado do Pará abriga 143 municípios, com uma população de 7.792.561 habitantes, sendo que na capital Belém residem em torno de 18% da população do estado e o restante dos habitantes correspondendo 78% estão pulverizados no interior do estado. (INSTITUTO, 2011). É interessante ressaltar que segundo CORREA (2011) o órgão de pesquisa do IBGE, com base na antiga premissa do “perímetro urbano”19, leva em consideração como espaço urbano as sedes municipais (cidades) e distritos (vilas) que, em sua grande parte, apresentam fortes características rurais e interações com o mundo rural, principalmente em se tratando de Região Amazônica. 2 ANÁLISE DOS PRINCIPAIS VETORES DE DESENVOLVIMENTO As demandas econômico-sociais devem ser consideradas a partir da realidade dos indivíduos que vivem na região em que a embarcação é o principal meio de transporte. As ações que irão nortear o desenvolvimento regional devem considerar a segurança da navegação e dos passageiros, além do incremento de novas tecnologias para as embarcações ribeirinhas, que gerarão um novo cenário, onde emergirão novas demandas formando assim um fluxo contínuo de ações e desenvolvimento. 2.1 UNIVERSO DE EMBARCAÇÕES RIBEIRINHAS A Região Norte apresenta uma estrutura bastante jovem, devido aos altos níveis de fecundidade no passado, conforme a Sinopse do Censo Demográfico 2010. Em 1980, a fecundidade nessa região ainda se 19 Área interna de uma cidade ou vila, definida por lei municipal. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/manual_nocoes/elementos_represen tacao.html>. Acesso em: 14 ago. 2014. 16 encontrava em patamares elevados, acima de 6 filhos por mulher. A população de crianças menores de 5 anos da Região Norte vem diminuindo de 14,3% em 1991 caiu para 12,7% em 2000, chegando a 9,8% em 2010. (INSTITUTO, 2011). Se for considerado que cada família possui em média quatro membros, considerando a população rural no interior da Região Norte divulgada pelo censo IBGE 2010 (INSTITUTO, 2011), estima-se existir quase 1 milhão de embarcações circulando na região, podendo ser um pouco mais ou menos, mas não muito distante dessa quantidade, levando também em conta que o IBGE não consegue mapear todas as áreas, em virtude do “desafio” em chegar as vilas no interior por embarcação diante da imensidão amazônica. Em consulta realizada em março de 2013 ao Comando do 4º Distrito Naval20, o Departamento de Assessoria de Assuntos Marítimos e Ambientais informou que segundo registros do Sistema de Gerência de Embarcações (SISGEMB) das Capitanias dos Portos da Amazônia Oriental (Pará) e do Amapá subordinadas ao Comando, existia 38.510 embarcações inscritas, consideradas como ribeirinhas, classificadas como passageiro, pesca e carga menores de até 14 metros. Acrescenta que a Capitania dos Portos da Amazônia Oriental alerta que cada embarcação inscrita há pelo menos cinco (5) não inscritas, estimando-se 192.550 embarcações na área do Pará e Amapá, finalizando que não existe estudo técnico sobre o real número de embarcações circulando na Região Amazônia (FERREIRA, 2013). Já, na área de jurisdição do 9o. Distrito Naval que compreende os Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima estão inscritas no Sistema de Gerenciamento de Embarcações (SISGEMB) 35.575 embarcações até outubro de 2014. (SILVA, 2014). O IBGE possuir pesquisas e diversos dados sobre a população da Região Norte, contudo, no tocante a frota de transporte apenas contabilizou os veículos com rodas, não considerando as embarcações, apesar de ser o 20 Os Distritos Navais têm o propósito de contribuir para o cumprimento das tarefas de responsabilidade da Marinha do Brasil. Disponível em: <www.4dn.mar.mil.br>. Acesso em: 30 ago. 2014. 17 principal meio de transporte ligando os distritos locais (vilas), os municípios (cidades) e a capital do Estado. 2.2 CONSTRUÇÃO NAVAL A construção naval na Amazônia divide-se em dois setores, os formais e os informais. 2.2.1 Estaleiros Formais Os estaleiros formais são aqueles que constroem embarcações de qualquer porte, dando preferência as embarcações de grande porte, podendo o casco ser de aço, alumínio ou fibra de vidro. Os estaleiros formais são regularizados, podendo ter grandes investimentos visando a construção em aço, reparos e manutenção de navio ou balsas ou menores investimentos para atender construção, reparos e manutenção com foco nas embarcações de madeira de grande porte. Os estaleiros formais têm acesso a financiamento, em vista de atender aos requisitos legais exigidos. 2.2.2 Estaleiros Informais Os estaleiros informais são normalmente familiares e artesanais, em que os barcos são produzidos por artesões, utilizando madeira, passando a arte de construção naval de pai para filho por gerações, e as embarcações possuem uma assinatura pelas suas características arquitetônicas identificando o carpinteiro naval artesão. As oficinas são simples, muitas vezes não regularizadas, o que dificulta acesso a linhas de crédito, dispondo apenas de equipamentos básicos para o desempenho da arte e não contam com a presença de um projetista ou engenheiro naval qualificado para apresentar o plano de construção da embarcação exigido pela legislação brasileira. Não podemos deixar de mencionar que a construção de uma embarcação ribeirinha também pode ser realizada no fundo da casa do 18 ribeirinho que contrata o carpinteiro naval, por diária, para a construção do casco, já que a madeira pode ser obtida próxima a sua residência. O novo nicho de mercado são as "voadeiras" cujo casco é de alumínio e que vem ganhando espaço em vista de seu peso e a possibilidade de uso de motor com baixa potência, com custo mais baixo, acessível à população ribeirinha. A construção naval informal contribui para o desenvolvimento econômico da região e destaca-se como um dos maiores geradores de emprego, apesar dos problemas de acesso aos financiamentos oficiais, as novas tecnologias e aos regulamentos de segurança a bordo da embarcação. 2.3 LINHAS DE NAVEGAÇÃO Pode-se classificar em dois tipos de linhas de navegação na Amazônia, considerando o mercado regional: (a) uma linha regular que atende a intermunicipalidade, partindo da capital, fazendo a ligação de várias cidades no interior do estado ou ligando um município a outros municípios. A navegação é feita por embarcação mista (passageiros e carga) acima de 15 metros e a viagem pode ser de longa duração; e (b) a outra, em menor escala de distância, a linha informal que atende aos moradores das vilas e das comunidades no interior. A embarcação é pequena e a navegação pode ser curta ou de média duração. Na concepção de embarcação pequena, entende-se que se pode dividir em dois grupos: grupo I – embarcação de até 8 metros e Grupo II – embarcação de 8,01 metros até 14 metros. A embarcação de até 8 metros é conhecida como canoa, sendo que nos primórdios era construída em um único tronco de madeira de lei. Nos dias atuais, canoas podem ser de madeira ou de alumínio normalmente equipadas com motor de popa. Transporta de cinco a dez passageiros e uma pequena quantidade de carga. Já a embarcação grupo II a partir de 8 metros 14 metros de comprimento e construída com casco de madeira, utilizando motor a gasolina 19 ou a diesel. A capacidade varia de 10 a 20 passageiros e transporta uma quantidade de carga média. De acordo com o relatório executivo da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) sobre a movimentação total de passageiros nas principais 317 linhas de navegação regulares de transporte fluvial nos Estados do Amazonas, Pará, Amapá e Rondônia, contabilizou 602 embarcações prestando serviços regulares de percurso interestadual e de travessias transportando 8.894.208 passageiros/ano. O estudo não considerou diversas linhas intermunicipais de pequena expressão e não identificou outras tantas linhas em virtude da dispersão e da amplitude territorial da Região Amazônica (AGÊNCIA, 2013). Com relação a movimentação anual de carga foi estimado 4.575.023 toneladas, sem considerar as linhas informais e eventuais feitas por embarcações de pequeno porte que transportam a produção regional (AGÊNCIA, 2013). 2.4 DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÔMICO LOCAL Segundo Araújo (2010) a mídia transmite a Amazônia como patrimônio universal, a maior floresta do mundo, que precisa ser preservada, que no imaginário da maior parte da população brasileira, acredita-se que tudo gira em torno das questões ambientais e da população indígena. Os discursos dos movimentos ecológicos e internacionalista, nas últimas décadas, pregoam que a Amazônia deve ser terra intocável, sem levar em consideração o povo que habita suas florestas e a sociodiversidade da região. Levantamentos pontuais como o que foi realizado em 2009 na região compreendida entre Santarém e Itaituba, na área de influência do Baixo Tapajós, em que Amaral (2009) constatou que a navegabilidade confere mobilidade já que o rio conecta vários distritos oferecendo serviços, abastecimento e comércio o ano todo o que garante a subsistências das 64 comunidades ribeirinhas nas margens do rio Tapajós, com 40 famílias em média e um sutil crescimento populacional. 20 As comunidades vivem da produção de farinha de mandioca, da pesca, e algumas da agricultura de subsistência. O Programa Bolsa Família contribui expressivamente para a renda das comunidades e, em menor proporção, os benefícios da aposentadoria. Turismo ecológico, produtos de marcenaria, artesanato, couro ecológico, produção de frutas tropicais e outras atividades alternativas estão em processo de instalação em algumas comunidades incrementando o desenvolvimento local. Barcos menores que fazem linhas entre as comunidades, também podem ser fretados ou ainda podem fazer o transporte e comércio da produção de algumas comunidades, normalmente, peixe e farinha (AMARAL, 2009). As prefeituras utilizam as embarcações para o transporte de crianças de pequenas vilas até a escola de ensino fundamental instalada nas redondezas das comunidades. A embarcação também está presente nos serviços de remoção de enfermos por meio das "ambulanchas", a ambulância fluvial. Brondízio (2006), em seus estudos sobre sistemas de caboclos e colonos, nos ajuda a entender que os produtores de pequena escala na Amazônia compartilham de uma condição de invisibilidade econômica e social, alimentada em parte, por essas formas preconceituosas utilizadas pelas agências de desenvolvimento nacionais e internacionais e a própria academia na interpretação de seus sistemas de produção. Eles ocultam que os caboclos e os colonos desenvolvem uma agricultura ativamente na economia regional, responsabilizando-se pelo fornecimento de alimentos às populações urbanas e rurais, mesmo compartilhando a falta de suporte econômico, político e infraestrutural, que tem sido proporcionado ao agronegócio, voltado para a exportação (CORRÊA; HAGE, 2011). Alerta-se para as distorções de conduta que vem ocorrendo na região com o crescente aumento de furto de motores novos que se deve ao fato de ser inacessível para a grande massa que vive no interior, devido ao alto custo do motor e a necessidade de pagamento integral na sua aquisição (PEDUZZI, 2014). 21 2.4.1 Mobilidade dos ribeirinhos No interior da Amazônia existe uma população ativa, que se movimenta com suas embarcações, em especial, as rabetas, conferindo agilidade e rapidez no transporte, podendo ser equiparadas as motocicletas nos centros urbanos. De acordo com levantamento por amostragem realizado em abril de 2009, nas capitais de Belém e Amapá, verificou-se que a compra de novo casco é feita por meio de encomenda ao estaleiro ou carpinteiro próximo ao local de residência do ribeirinho. A construção de um casco de embarcação de 8 até 10 metros de comprimento por 2,20 metros de boca leva em média 20 dias e para embarcação até 14 metros de comprimento por 2,80 metros de boca, cerca de 60 dias. O preço médio do casco da embarcação de 10 metros é de R$ 4.500,00 e casco até 14 metros é de R$ 15.000,00. A construção é padronizada por meio de gabarito desenvolvido por cada construtor e no Amapá a madeira usada é a Itaúba. O ritmo da construção dependerá da forma de pagamento escolhida pelo comprador, sendo que a entrega do casco será mediante o pagamento da última parcela do preço contratado. O ribeirinho comprador do casco poderá instalar o motor no estaleiro, mas, normalmente, o casco é rebocado para a residência do ribeirinho que, numa segunda fase, irá instalar o meio propulsor da embarcação. A instalação do motor é feita pelo “assentador de motor”, pessoa responsável pela instalação do motor e seu conjunto propulsor no interior da embarcação, sendo que o eixo da embarcação de até 12 metros pode variar de 1,90 metros a 2,50 metros de comprimento. Devido ao custo do motor novo, muitos motores em circulação são usados, recondicionados ou adaptados para embarcação. Não são motores "marinizados", apropriados para embarcações e sim motores velhos adaptados que requer manutenção constante e que faz água pelo eixo em rotação. Esse é o motivo do proprietário não ter interesse de cobrir o eixo, 22 qual seja: para facilitar a retirada d’água que entra pelo eixo e que fica acumulada no fundo da embarcação. O preço médio do motor de segunda mão de 5 HP até 15 HP varia em média de R$ 4.000,00 até R$ 13.000,00. Em julho de 2014 foi realizada pesquisa no estado do Amazonas, no entorno de Manaus, tendo sido observado que a maior parte das embarcações em circulação são com casco em alumínio com 6,00 a 7,00 metros de comprimento, com motor de popa rabeta longa de 5 HP a 6 HP. A comunidade flutuante de Vila Nova na margem oposta a cidade de Manaus possui 90 (noventa) famílias composta em média de cinco membros, considerando pai, mãe e três filhos. A distância até Manaus é de até uma hora por barco, já que seu acesso é somente por água. O preço da passagem em média é de R$ 5,00 a R$ 15,00 e o interesse dos ribeirinhos proprietários da embarcação em obter linha de crédito seria para a compra de equipamentos de segurança para a regularização da embarcação junto a Autoridade Marítima. A grande parte dos ribeirinhos entrevistados querem trocar seus motores por outro mais potente. O casco da embarcação pode ser em madeira ou alumínio, sendo que o conjunto propulsor é comprado separado. O motor rabeta novo de 5 a 6 HP custa em torno de R$ 800,00, já o custo do conjunto propulsor (motor, rabeta e hélice) passa para R$ 1.500,00. O interior do Amazonas, o mesmo conjunto propulsor passa a custar de R$ 3.000,00 a R$ 4.000,00. A canoa de alumínio com motor de 5 HP a 6 HP completa custa em torno de R$ 5.000,00 a R$ 6.000,00, em Manaus. O ribeirinho no entorno de Manaus tem a renda média de R$ 1.000,00 a R$ 2.000,00, sendo que estaria disposto a pagar uma prestação de até R$ 500,00 para a troca de um motor novo mais potente. Já no interior do Amazonas observou-se embarcações de madeira com motor de centro. Estudos realizados mostram que o motor de centro a diesel é o equipamento mais caro da embarcação, pois o motor usado é praticamente o preço do casco da embarcação. Desse modo, o proprietário da embarcação relega para segundo plano os aspectos de segurança, tais como: cobertura 23 do eixo, material de salvatagem21, luzes de navegação, proteção do cano descarga, entre outros. Diante do quadro, no intuito de oferecer subsídios concretos foram levantados os fabricantes de motores no Brasil e, assim teremos: (a) motores Mercedes – fabricação nacional de 4 cilindros ou mais, para embarcação de grande porte. (b) motores MWM – fabricação nacional de 3 cilindros ou mais, para embarcação de grande porte. (c) motores Yamaha, Honda – fabricantes de motores de popa a gasolina. Montados e comercializados na Zona Franca de Manaus. (d) motor Suzuki – fabricante de motor de popa de 2 e 4 tempos. Comercializados no Brasil. (e) motor Kawashima – fabricante de motor de popa de 2 tempos e rabetas longa ou curta para barco com motor a gasolina de 7 HP a 14 HP. Comercializados no Brasil. (f) motores Titan, Forth, Toyanma e Branco – motores importados e produzidos na Ásia. (g) motores Agrale – motor a gasolina e diesel de fabricação nacional no complexo industrial do Rio Grande do Sul. (h) motores Yanmar – motor a diesel de fabricação nacional no complexo industrial de São Paulo. (i) motores MWM – motor a Diesel com potência acima de 51 HP de fabricação nacional no complexo industrial de São Paulo. 2.5 FISCALIZAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DE EMBARCAÇÕES A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), criada pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001 (BRASIL, 2001), é um órgão vinculado ao Ministério dos Transporte e tem como competência a regulação, 21 Material de salvatagem compreende: bóias, coletes salva-vidas, sinalizadores, rádio VHF fixo e portátil, extintor de incêndio, bússola, âncora, amarras, cabos, âncoras, lanternas, caixa de primeiros socorros etc. O material de salvatagem exigido pela Diretoria de Portos e Costas da Marinha é relativo ao tamanho e ao tipo de navegação que se pretende com o barco. Disponível em: <http://bombarco.com.br/marinheiro_primeira_viagem/exibir/materialde-salvatagem-e-caixa-de-primeiros-socorros>. Acesso em: 14 ago. 2014. 24 fiscalização e harmonização das atividades portuárias e de transporte aquaviário de passageiros e de serviço de transporte misto na navegação interior de percurso longitudinal interestadual e internacional, serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas da navegação interior de travessias interestadual, internacional e em diretriz de rodovias federais. Em se tratando de Região Amazônica a ANTAQ é responsável pela regulação e pela fiscalização das empresas de navegação que atuam no transporte de passageiros e carga nas rotas interestaduais e internacional, além, das travessias quando realizadas por empresas de navegação. Para a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana e a prevenção da poluição hídrica, como preconiza a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário nº 9.537/97 (BRASIL, 1997) cabe à Autoridade Marítima Brasileira, por meio da Marinha do Brasil, a fiscalização e inspeção das embarcações na navegação interior, independente de seu comprimento e tipo de atividade, conforme regulamentação contida na Norma da Autoridade Marítima para Embarcações Empregadas na Navegação Interior – NORMAM-02/DPC, emitida pela Diretoria de Portos e Costas em 2005. As Capitanias dos Portos na Amazônia exercem atividade fiscalizadora de Estado (Autoridade Marítima) cuidando da segurança da navegação, das embarcações, das tripulações e passageiros, das cargas, das rotas, do meio ambiente e até dos portos, não só legislando por meio de normas e procedimentos da área de sua jurisdição, mas também na função pública de apuração de infrações por não atender as normas de segurança e nos acidentes e fatos da navegação22. Os principais equipamentos de segurança a bordo da embarcação ribeirinha são adquiridos ou corrigidos quando se tem recursos financeiros para equipar a embarcação. Em se tratando de embarcação ribeirinha seus proprietários possuem recursos limitados, não podendo desembolsar de uma única vez a compra, por exemplo, de 5 (cinco) coletes salva-vidas, levandose em conta uma embarcação de pequeno porte, cujo custo de um único colete corresponde quase 10% (dez por cento) do salário mínimo brasileiro em 2014. 22 Artigo 14 e 15 da Lei 2.180, de 5 de fevereiro de 1954. (BRASIL, 1954). 25 As dimensões da Amazônia somam quase 4 (quatro) milhões de quilômetros quadrados e a quantidade de unidades da Capitania dos Portos e seus organismos subordinados23 na região são insuficientes para atender às centenas de milhares de embarcações espalhadas na região, levando-se em conta que o ribeirinho para obter sua habilitação terá que ficar afastado de sua família e de sua produção por, no mínimo, três dias, sem conta o tempo de viagem até a unidade mais próxima da Capitania do Portos. 2.6 ACIDENTES E FATOS DA NAVEGAÇÃO As principais deficiências apresentadas pelas embarcações ribeirinhas relacionadas aos itens à segurança da navegação são: ausência de material de salvatagem e de combate a incêndio, falta de habilitação da tripulação, ausência da cobertura do eixo que liga o motor à hélice e do volante do motor24, entre outros. No caso de ocorrer um acidente ou fato da navegação, a Capitania dos Portos instaura inquérito apurando os fatos e quando concluído, encaminha o inquérito administrativo para o Tribunal Marítimo que irá julgar definindo a natureza, determinando a causa, circunstância e extensão, indicando os responsáveis, se houver, e respectivas penas a serem aplicadas e, em especial, propondo medidas preventivas e de segurança da navegação, a fim de que futuros acidentes ou fatos iguais sejam evitados. Graças ao Tribunal Marítimo, a Defensoria Pública da União que atua na defesa das pessoas necessitadas e sem advogado constituído, tomou conhecimento dos acidentes de escalpelamento. Constatou-se que o acidente de escalpelamento ocorre em embarcação entre 7 a 12 metros, em geral, embarcação familiar, regional muito difundida na Amazônia. 23 A Capitania dos Portos é uma organização militar cujo propósito é contribuir para a orientação, coordenação e controle das atividades relativas à Marinha Mercante e organizações correlatas, no que se refere à segurança da navegação, salvaguarda da vida humana no mar, defesa nacional e preservação da poluição hídrica, com os órgãos subordinados: Delegacia e Agência. Disponível em: <https://www.mar.mil.br>. Acesso em: 16 ago. 2014. 24 Parte do motor que transfere o torque obtido na cambota para caixa de velocidade. Disponível em: <www.Wikipédia.org>. Acesso em: 16 ago. 2014. 26 Para obter dados concretos sobre a percepção dos ribeirinhos de um modo geral e, em particular, das vítimas que sofreram escalpelamento a Defensoria Pública da União realizou pesquisa junto a população da Região Amazônica, em especial, no Pará, Amapá, Amazonas e Rondônia. Não existe um estudo que fixe os custos econômico e social dos acidentes e fatos da navegação no Brasil. É necessário computar os custos dos prejuízos materiais, da perda de produção, da interrupção das atividades, da investigação do acidente, dos processos judiciais, dos gastos previdenciários, dos cuidados com a saúde, considerando os pré-hospitalar, pós-hospitalar, remoção e traslado, custos esses que oneram toda a sociedade, por meio dos impostos que garantem o sistema, em especial, o da saúde pública, além das perdas irreparáveis sofridas pela vítima e por sua família, valores incalculáveis diante das seqüelas deixadas pelo evento. Para se ter uma dimensão dos custos crescentes do tratamento do escalpelamento cita-se o acidente ocorrido com uma embarcação sem nome, enquadrada como invisível, ou seja, sem registro na Capitania dos Portos, em novembro de 1972 que navegava da comunidade de Jupati, no município de Afuá, para o centro da cidade de Afuá-PA quando no percurso ocorreu o escalpelamento total, em que a vítima, à época com 15 (quinze) anos de idade, ao deitar-se no assoalho da popa da embarcação, próximo ao motor, teve seus cabelos enrolados e puxados pelo movimento do eixo. (BRASIL, 2013). A vítima dessa embarcação após mais de 35 (trinta e cinco) anos, residindo atualmente no Amapá, usando peruca para disfarçar seu escalpelamento total, acabou por agredir no decorrer dos anos o seu couro cabeludo que ficou sensível pelo uso contínuo de peruca provocando pequenas feridas, o que se transformou com passar do tempo em câncer em estágio bastante avançado só detectado por ocasião do mutirão de cirurgia plástica realizado no estado do Amapá25, quando a vítima foi submetida a uma avaliação médica. 25 Mutirão de Cirurgia Plástica, realizado em 2012 no estado do Amapá, com a parceria da Defensoria Pública da União, do Governo do Estado do Amapá e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica que recrutou médicos cirurgiões plásticos de todo o Brasil para participar, de forma voluntária, nos mutirões de cirurgia plástica em prol das vítimas de escalpelamento (Nota da autora). 27 2.7 CAMPANHAS PREVENTIVAS DE ACIDENTES No início de março de 2010 foi lançada a Campanha Nacional do Combate ao Escalpelamento26 em Belém desenvolvida pelo Secretaria de Comunicação da Presidência da República com mensagens alertando sobre o acidente e os primeiros socorros em caso de ocorrência do evento. Apesar dos esforços das campanhas educativas e da cobertura gratuita do eixo feito pelas Capitanias dos Portos da região, a quantidade de acidentes diminuiu mais de 75% (setenta e cinco por cento), contudo, não foi erradicado. Entende-se que a erradicação do acidente de escalpelamento só ocorrerá quando ocorrer à modernização da frota ribeirinha de baixa renda da Região Norte, com a troca do conjunto propulsor sem o eixo coberto por outro mais moderno com eixo encapsulado de fábrica, ou seja, com tubo protetor envolvendo o eixo propulsor. 26 A Campanha Nacional do Combate ao Escalpelamento foi implementada pela Marinha do Brasil, pelos governos dos estados do Pará e Amapá e pelos principais meios de comunicação locais. (Nota da autora). 28 3 MODERNIZAÇÃO DA FROTA RIBEIRINHA A incipiência de uma política hidroviária somada a falta de investimento no sistema de navegação regional envolvendo principalmente as pequenas e médias embarcações vem contribuindo para uma série de acidentes e fatos de navegação na Região Norte. Em pleno século XXI, o Brasil depara-se com um acidente grave e deformante que é o escalpelamento. Não se trata de casos isolados mas de uma triste realidade que já fez centenas de vítimas, se forem considerados apenas os registros da Defensoria Pública da União. É pertinente dizer que a instalação do eixo que liga o motor a hélice não é de responsabilidade da empresa fabricante do motor, que vende tão somente o motor, cabendo ao construtor ou ao proprietário da embarcação a instalação do conjunto propulsor formado pelo motor, eixo e hélice. O diferencial da proposta é que na aquisição de um motor novo, o motor velho/usado será dado como parte de pagamento no motor novo, a fim de incentivar o ribeirinho a trocar seu motor velho, poluente e antieconômico e com eixo descoberto, por outro motor novo, antipoluente, econômico e com cobertura do eixo feita pelo fabricante do motor. A proposta tende a impulsionar a economia local, gerando novos empregos diretos nos locais de venda e instalação de motores novos, na construção de embarcações e no comércio de peças, e de forma indireta na cadeia produtiva, pois contempla ainda o mercado produtor de motores e equipamentos de segurança a bordo, impulsionando a economia e o desenvolvimento econômico em várias partes do país. O motor velho/usado da embarcação do tomador deverá ser entregue para amortização da dívida, a título de bônus de incentivo, visando estimular a participação do ribeirinho na cota de financiamento além de promover a retirada de circulação do motor sem cobertura do eixo, evitando, assim, seu retorno ao mercado. O motor dado para a amortização será destinado para reciclagem, de acordo com as normas de segurança e ambientais, gerando novos postos de trabalho. 29 Objetivando evitar furtos de motores na região e a revenda imediata dos motores financiados, as peças essenciais dos motores terão números de série que fará parte dos cadastros da compra do motor novo e de sua legalização junto a Autoridade Marítima local. O aspecto relevante é a obrigatoriedade de legalização junto a Capitania dos Portos da embarcação ribeirinha para contrair o empréstimo para a compra do motor ou construção de embarcação, permitindo, assim, conhecer o número real de embarcações que trafegam nos rios amazônicos, hoje, dado desconhecido. Não se pode descartar a necessidade de se manter a cultura da construção naval artesanal, capacitando artesões navais a adequar suas oficinas, por meio de capacitação, com mão-de-obra especializada para o atendimento da demanda novas embarcações, oferecendo empregos aos milhares de jovens que vem crescendo na Região Norte, sem o correspondente campo de trabalho. O público alvo do programa são os ribeirinhos que necessitam de embarcações, de até 14 metros para transporte de passageiros ou cargas, com renda familiar de até 10 salários mínimos. 30 4 POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS O processo de desenvolvimento local exige a participação da população residente, pois os maiores responsáveis e beneficiários desse desenvolvimento são eles. Para que isso ocorra é preciso que o Estado desenhe políticas desenvolvimento públicas sustentável, que ofereçam adotando uma oportunidades estratégia para de o gestão compartilhada em vista de se tratar de uma região com características próprias. 4.1 POLÍTICA: Cabe ao Estado detectar um problema e buscar solução efetiva, definindo as linhas de ação que deverão ser adotadas para a resolução da questão. Por isso está cada vez mais incorporando o conceito de temas transversais no dia a dia das políticas públicas em que o objetivo é trazer para discussão questões importantes da vida cotidiana, já que os temas transversais tratam de problemas sociais que estão sendo vividos pela sociedade. São questões urgentes e de abrangência nacional que necessitam de imediatas intervenções do Estado para reverter o quadro. É importante ressaltar que desde há muito está se postergando soluções definitivas para a navegação fluvial, já que o governo exige, por norma técnica, que o ribeirinho tenha em sua embarcação determinados equipamentos de segurança, mas não lhe oferece meios financeiros tampouco a possibilidade de equipar sua embarcação com itens obrigatórios com valores acessíveis, considerando que a grande parte desses equipamentos vem de outras regiões do Brasil, o que onera consideravelmente o preço de venda final ao ribeirinho no interior da Amazônia. Assim sendo, torna-se imperativo estabelecer uma Política Pública de Estado que permita o ribeirinho cumprir a Lei nº 9.537/97, Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (BRASIL, 1997). 31 O presente estudo está suportado na necessidade de estabelecimento de políticas públicas que atenda a agenda transversal do Plano Mais Brasil – PPA de 2012-2015 (BRASIL, 2012), no Programa 2020 Cidadania e Justiça das Políticas para as Mulheres que tem como meta “normatizar a substituição de eixos das embarcações na Amazônia Legal, de forma a erradicar os casos de escalpelamento”. Como se vê, no PPA existe a meta de se reverter o quadro de acidentes de escalpelamento, hoje, um acidente controlável, mas que poderá aumentar com o crescimento desordenado do número de embarcações ribeirinhas, sem o acompanhamento do Estado. É fundamental tirar de circulação os eixos descobertos ou cobertos de forma improvisada numa solução paliativa, mas para que isso ocorra é necessário substituir os motores velhos e poluentes por motores novos com o eixo que liga o motor a hélice encapsulado de fábrica, envolto numa estrutura protetora irremovível, evitando, assim, acidentes. A criação de uma linha de financiamento para a modernização das embarcações ribeirinhas de pequeno e médio porte é crucial para a região, não só para que se possa cumprir as exigências da Autoridade Marítima, mas também tirar a embarcação da clandestinidade, já que muitas estão navegando em situação irregular e invisíveis aos olhos do Estado. Esta ilegalidade pode ser entendida como imposta pelo próprio Governo, uma vez que não oferece meios para mudar essa realidade e promover o desenvolvimento da região gerando novos postos de trabalho, já que a mobilidade é fundamental para a competividade da economia, o transportes de pessoas, o escoamento da produção e a integração de sua cadeia produtiva por meio da navegação fluvial. Na verdade, é necessário que o Estado defina como uma das Políticas Públicas para a região Norte a criação de linha de crédito para o financiamento da modernização da frota ribeirinha da população de baixa renda, por meio do Profrota Ribeirinha em prol da erradicação do acidente de escalpelamento. 32 4.1.1 Programa – Profrota Ribeirinha O Programa da Frota Ribeirinha ─ Profrota Ribeirinha ─ foi desenhado com o objetivo de criar uma linha de financiamento para a modernização da frota ribeirinha, dentro de programas factíveis com a meta de levar tecnologia, conforto e segurança no transporte fluvial. O Brasil se orgulha de tantos avanços tecnológicos e sociais; como por exemplo de sua matriz energética, do percentual de energias renováveis, da redução da taxa de queimadas na Região Norte e da diminuição das emissões de gases do efeito estufa, da melhoria nas condições sociais das famílias da região por meio do Programa Bolsa Família. Entretanto, esqueceu de criar mecanismos que possam gerar empregos permanentes na Região Norte, em especial, voltados para o transporte dos ribeirinhos, o que ampliaria os ganhos em termos econômicos, sociais e ambientais. O Profrota Ribeirinha está alicerçado na sustentabilidade, contemplando as três linhas básicas para o desenvolvimento da cidadania; quais sejam: aspectos sociais, econômicos e ambientais, contemplando vários outros projetos, a partir dos estudos já existentes, tais como: (a) promover o aperfeiçoamento da construção naval artesanal das embarcações, com implementação de novas técnicas e tecnologias buscando conforto e segurança; (b) criar cursos para a disseminação das inovações tecnológicas na construção naval artesanal, a utilização dos equipamentos de bordo e a capacitação para as atividades de bordo; (c) incentivar o comércio de equipamento previstos na legislação brasileira e, consequentemente, a criação de novos postos de trabalho. 4.1.2 Aspectos Legais A Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, garante o acesso à cidadania e a redução das desigualdades regionais como pilar do desenvolvimento nacional estampado como princípio no art. 3º, III, e parcialmente reafirmado no art. 170, VII, da CF. (BRASIL, 1988). 33 A Lei nº 9.537 de 1997 (BRASIL, 1997), alterada pelo Lei 11.970/2009 (BRASIL, 2009), que dispõe sobre segurança do tráfego aquaviário em águas sob a jurisdição brasileira, estabelece, no art. 4º-A, a obrigatoriedade do uso de proteção no motor, eixo e quaisquer outras partes móveis das embarcações que possam promover riscos à integridade física dos passageiros e tripulação. A Lei 11.970/2009 (BRASIL, 2009), de autoria da Deputada Federal Janete Capiberibe (PSB/AP), foi apresentado por meio do Projeto de Lei nº 1531/2007, em 06/07/2007, visando criar mecanismo para evitar o escalpelamento dentro de embarcações. A Lei nº 10.893, de 2004, estabelece no artigo 26, V, que o Ministro dos Transportes, mediante proposta, pode alocar recursos do Fundo da Marinha Mercante em programas especiais direcionados ao transporte de passageiros, quando considerados como atividades prioritárias e de relevante interesse social, com redução dos encargos financeiros referentes a juros e atualização monetária (BRASIL, 2004). Ressalta-se ainda a publicação, em dezembro de 2010, pelo Ministério dos Transportes, das Diretrizes da Política Nacional de Transporte Hidroviário, que abrange a navegação interior, constituindo um marco para as ações no setor público e uma referência para iniciativas do setor privado. Neste documento, a melhoria do nível de serviço do transporte de passageiros é uma das diretrizes e, entre as ações defendidas pelo Ministério dos Transportes, destacam-se a implantação de um sistema de financiamento que estimule a ampliação da frota através da construção naval regional e a política de modernização das embarcações artesanais existentes. De imediato, o estabelecido na Lei nº 10.893 e nas diretrizes emanadas no Ministério dos Transportes para o transporte hidroviário, aduzem o raciocínio na direção de que caberia primeiramente ao próprio ministério a responsabilidade de formular, gerir e supervisionar as atividades relacionadas ao Programa Profrota Ribeirinha (BRASIL, 2004). Outra atividade a ser prevista neste programa é a capacitação profissional, visando a habilitação do condutor ou do proprietário da 34 embarcação. O Ministério dos Transportes também lista como diretriz para a Política Nacional de Transporte Hidroviário o apoio à Marinha do Brasil para a formação de fluviários. Freitas (2011) alerta que no âmbito do Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), uma das diretrizes gerais do Ministério dos Transportes consiste em fomentar o uso mais intensivo e adequado das hidrovias, com o intuito de elevar, em um horizonte entre 15 e 20 anos, a participação do modal aquaviário no Brasil dos atuais 13% para 29%. Neste contexto, ganham força as diretrizes de capacitar fluviários, apoiar a construção naval regional e modernizar as embarcações artesanais existentes. É digno de registro a aderência desse programa ao Plano Nacional de Desenvolvimento Regional, dando foco ao combate às desigualdades regionais, buscando aproximação aos territórios mais distantes. O programa se insere neste contexto por representar a modernização da frota artesanal em apoio aos arranjos produtivos locais, cuja logística está baseada no transporte de bens e mercadorias pelos rios, muitas vezes em embarcações de pequeno porte (FREITAS, 2011). Cabe destaque o papel da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais27 que tem como atribuições propor diretrizes para políticas governamentais vinculadas à temática do desenvolvimento sustentável dos povos e das comunidades tradicionais, bem como coordenar e acompanhar a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) (BRASIL, 2007). A bem da verdade, embora a população ribeirinha esteja enquadrada como comunidade tradicional, questões primordiais permanecem pendentes decorrente principalmente “[...] no despreparo histórico dos órgãos e agentes públicos para lidar com elas [...]” (SILVA, 2007, p. 7-9). 27 Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Disponível em:<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15 maio de 2014. (BRASIL, 2007). 35 4.1.3 Objetivo do Profrota Ribeirinha Criar uma linha de crédito para o financiamento de embarcações, motores e demais equipamentos necessários à segurança da navegação, das pessoas e cargas transportadas, modernizando e melhorando as condições de segurança e conforto das embarcações utilizadas pela população de baixa renda na Amazônia, além de promover sua legalização junto às autoridades competentes. 4.1.4 Pontos fortes para o ribeirinho Considerando o objetivo pretendido, as vantagens para atrair o ribeirinho para o programa são: (a) motores próprios para embarcação ("marinizados" e sem de ser adaptações); (b) motores econômicos (- 30% de consumo de combustível); (c) motores mais velozes (redução do tempo das viagens); (d) legalização obrigatória da embarcação (deixaria clandestina); (e) inclusão do ribeirinho no sistema financeiro; (f) melhoria na renda (menor custo operacional da atividade econômica que exerce); (g) melhoria na qualidade de vida do passageiro e tripulantes (conforto e segurança); (h) proteção ao meio ambiente (motores antipoluentes). 4.1.5 Pontos fortes para o Estado brasileiro As vantagens que a política proposta traria para o Estado são: (a) erradicar o escalpelamento, que hoje, é um acidente controlável; (b) conhecer o número real de embarcações navegando na Região Norte; (c) atender à legislação do tráfego aquaviário; (d) fiscalizar as embarcações de forma eficaz; 36 (e) diminuir roubos e furtos de motores novos; (f) gerar novas oportunidades de trabalho na Região Norte; (g) melhorar segurança a bordo das embarcações; (h) diminuir os acidentes e fatos da navegação; (i) diminuir os custeios do sistema de saúde devido aos acidentes envolvendo embarcações ribeirinhas; (j) reduzir os custos previdenciários pela diminuição do número de acidentados; (l) incluir novas pessoas física no sistema financeiro; (m) gerar poupança e desenvolvimento econômico e social; (n) incrementar a economia local; (o) gerar menos dependência ao Programa Bolsa Família; (p) gerar novos postos de trabalho nas regiões onde estão instaladas as indústrias de motores (Sul e Sudeste) e no Norte por conta de novos postos de trabalho contratados por essas indústrias; (q) criar novos negócios para a distribuição de equipamentos de segurança da navegação, gerando novos postos de trabalho nas indústrias fabricantes desses equipamentos. 4.1.6 Público Alvo A população dos estados da Região Norte, residente em localidades ribeirinhas que necessitem de embarcações de até 14 metros para transporte de passageiros ou cargas, divididas em dois grupos: Grupo 1 Pessoas Físicas que necessitem de embarcação movida a motor ou motor e vela, com casco de madeira, convés, fechado ou semifechado, com ou sem "casaria", de até 8 metros de comprimento, para transporte dos membros da família ou de pequenos itens de produção familiar (açaí, cacau, mandioca, frutas e outros itens). Com renda até 5 (cinco) salários mínimos: (a) valor do motor usado como bônus de incentivo para amortização do financiamento; (b) isenção dos custos para registro na Capitania dos Portos; 37 (c) aplicação do bônus de adimplência; e (d) a prestação será de no mínimo R$ 50,00 e poderá comprometer até 10% da renda, por até 10 anos. Grupo 2 Pessoas Físicas que necessitem de embarcação movida a motor ou motor e vela, com casco de madeira, convés, fechado ou semifechado, com ou sem "casaria", comprimento entre 8 e 14 metros. Nesta categoria existe profissionalização do transporte na região, com pessoas trabalhando parcialmente ou interessadas na exploração da atividade; Com renda entre de 5 a 10 salários mínimos: (a) valor do motor usado como bônus de incentivo para amortização do financiamento; (b) isenção dos custos para registro na Capitania dos Portos; (c) aplicação do bônus de adimplência; e (d) a prestação será de no mínimo R$ 100,00 e poderá comprometer até 20% da renda, por até 10 anos. 4.1.7 Operacionalização Para operacionalização do estudo proposto, recomenda-se observar os seguintes quesitos: (a) alocação de recursos pela União; (b) apresentação pelos fabricantes de motores os equipamentos e acessórios necessários para a cobertura do motor, eixo e cano de descarga, além dos planos para a instalação do motor; (c) apresentação pelos construtores o casco da embarcação com a cobertura do eixo; (d) apresentação pelo comprador da embarcação a inscrição na Capitania dos Portos, Agências ou Delegacias da rede da DPC; (e) inspeção da embarcação pela Capitania dos Portos, Agências ou Delegacias da rede da DPC; 38 (f) prioridade para as famílias que usam a embarcação para transporte próprio familiar, de vítimas que sofreram escalpelamento, de deficientes físicos ou idosos; (g) fabricantes de motores e estaleiros deverão estar habilitados junto ao agente financiador; (h) repasse dos recursos será efetuado diretamente ao agente financeiro que se encarregará do pagamento ao fabricante, ao fornecedor e/ou ao construtor da embarcação; (i) os bônus de incentivo e de adimplência serão custeados pela União; (j) a União garantirá 100% (cem por cento) do valor financiado; e (k) as prefeituras responsáveis pelo desenvolvimento da população ribeirinha atuarão como parceiras estruturantes da linha de financiamento fornecendo capilaridade, divulgação e relacionamento com o programa. 4.1.8 Financiamento Linhas de crédito serão abertas a: (a) construção de casco da embarcação; (b) aquisição de motores; (c) aquisição de equipamento de segurança de bordo; ou (d) aquisição de embarcação completa. 4.1.9 Limite de financiamento e seguro O limite máximo de financiamento é de até R$ 40.000,00 por tomador, com a quitação do financiamento pela União em casos de morte e invalidez permanente do tomador. 4.1.10 Recursos financeiros Os recursos serão provenientes do Fundo da Marinha Mercante, no valor total de R$ 5 milhões/ano. 39 4.2 ESTRATÉGIAS O modelo de gestão transversal integrada na política nacional vem tomando forma na abordagem estratégica defendida por Reinhard Steurer em que a visão estratégica deve ser orientada pelos desafios mapeados pela conjuntura e pelo contexto, gerenciando a partir de uma composição política evitando impactos nas ações concorrentes dentro do próprio governo (BRASIL, 2012). Dando um exemplo concreto, embarcação ribeirinha não é tema nos debates governamentais quando se trata da Região Norte, mas pode impactar outras políticas como as políticas de transportes ou de segurança da navegação, quando não gerenciada a questão sob um enfoque transversal. 4.2.1 Ações já realizadas Foram realizadas diversas reuniões com os atores envolvidos, onde foram colhidos subsídios e estabelecidas parcerias, visto que o sucesso da proposta levará bons resultados a todos os segmentos sociais e econômicos pretendidos. A Defensoria Pública da União em 2006 se articulou com diversos órgãos do Governo Federal para identificar parceiros e definir estratégias para efetivar uma política para a erradicação do escalpelamento em embarcação ribeirinha. Nesta feita havia representantes da Marinha do Brasil, fabricantes de motores, Ministério da Justiça, PRONAF, Casa Civil, Seguradoras, FUNDACENTRO28, Ministério da Agricultura, Ministério dos Transportes, Governos dos estados do Amapá (5/9/2011) e do Pará (9/9/2011), Diretoria de Portos e Costas, Capitanias dos Portos da Amazônia Ocidental e do Amapá, além de terem sido realizadas duas audiências públicas na Câmara dos Deputados, uma, em 13/8/2008, sobre os acidentes 28 O programa FUNDACENTRO tem por missão a produção e difusão de conhecimentos que contribuam para a promoção da segurança e saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras, visando ao desenvolvimento sustentável, com crescimento econômico, equidade social e proteção do meio ambiente. Disponível em: <http://www.fundacentro.gov.br/institucional/missao>. Acesso em: 15 ago. 2014. 40 de escalpelamento e outra, em 23/11/2013, que tratou da necessidade de modernização da frota ribeirinha da Região Norte. Considerando que cabe ao Ministro dos Transportes alocar recursos do Fundo da Marinha Mercante em programas especiais direcionados ao transporte de passageiros, quando considerados como atividades prioritárias e de relevante interesse social, conforme artigo 26, V, da Lei nº 10.893, de 2004 (BRASIL, 2004), em agosto de 2009, a Defensoria Pública da União formalizou pedido ao Ministério dos Transportes para criação de financiamento para atender o Programa "Profrota Ribeirinha", tendo obtido, à época, parecer favorável da Secretaria de Fomento para Ações de Transportes e a parceria da Controladoria Geral da União na formatação da fiscalização do programa. Em julho de 2010, a Secretaria Executiva do Ministério dos Transportes, em resposta à auditoria realizada pela Controladoria Geral da União, entendeu que a participação do Ministério dos Transportes limitar-seia ao repasse de recursos do Fundo da Marinha Mercante ao Profrota Ribeirinha, desde que a gestão do programa ficasse a cargo de outro órgão que não fosse o Ministério dos Transportes. Surgiu o impasse na definição do órgão que seria gestor da linha de crédito ao ribeirinho para modernizar sua embarcação. Foram realizadas reuniões com o Ministro dos Transportes (maio/2007), com a Ministra chefe da Secretaria de Relações Institucionais e com a Ministra do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, visando definir o órgão gestor, uma vez que os recursos seriam alocados do FMM. Apesar dos esforços, não está definido o órgão gestor dos financiamentos, o que travou o prosseguimento do programa. Em 2012, a Defensoria Pública da União encaminhou a proposta para a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República que deu início a consulta aos Ministérios e as Secretarias envolvidas na questão, encaminhando o processo com as manifestações dos órgãos ao Ministério da Justiça para análise e as providências pertinentes pela Secretaria de Assuntos Legislativos do MJ. 41 Destaca-se que em março de 2013 foi realizado o Seminário da Frente Parlamentar Mista pelo Desenvolvimento da Navegação Fluvial da Amazônia no Congresso Nacional, em Brasília, visando à mobilização do Congresso Nacional para a importância da modernização da frota ribeirinha, pertencente à população de baixa renda da Amazônia, como forma de evitar acidentes previsíveis, além de criar uma frota moderna, oferecendo conforto, segurança, novas tecnologias e proteção ao meio ambiente. Ato contínuo, objetivando ajustar o Profrota Ribeirinha aos moldes operacionais de programas já existentes na esfera federal, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) fez, por meio da Nota nº 249/2013/GEOFE/COFIS/SUPOF/STN/MF-DF, de 23/04/2013, em resposta ao Ofício da Defensoria Pública da União, sugeriu alterações nos aspectos operacionais e financeiros do Programa entendendo caracterizá-lo como um programa de fomento econômico ao invés de um programa social. Em sua análise a STN ressaltou a importância da aplicação do Bônus de Incentivo e do Bônus de Adimplência proposto no Profrota Ribeirinha, comentando: (a) Bônus de Adimplência – percentual descontado da parcela do financiamento em função do pagamento pontual pelo beneficiário, e (b) Bônus de Incentivo – percentual descontado do financiamento do motor com cobertura do eixo pela entrega à Marinha do Brasil de motor usado sem cobertura do eixo. A proposta do Bônus de Adimplência é criar um mecanismo que estimule o pagamento em dia dos financiamentos, para assim reduzir o risco de inadimplência e, consequentemente, diminuir o spread29 cobrado pelo agente financeiro. Já a concessão de Bônus de Incentivo visa retirar de circulação os motores sem a cobertura de eixo, que são os responsáveis pelos acidentes de escalpelamento. A STN analisando o Programa Profrota Ribeirinha, sob ponto de vista econômico, concluiu que este pode gerar mais despesas ao Estado do que se fosse estabelecer uma simples doação de bens à população ribeirinha. 29 Spread bancário é a diferença entre os juros que o banco cobra ao emprestar e a taxa que ele mesmo paga ao captar dinheiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2051:cati d=28&Itemid=23>. Acesso em: 14 ago. 2014. 42 Contudo, haveria um equívoco já que não estaria considerando o mérito dos efeitos positivos de proporcionar financiamento à população de baixa renda da Região Norte. 4.2.2 Ações a serem realizadas Apesar da primeira reunião para tratar da criação de linha de crédito visando a modernização da frota ribeirinha da população de baixa renda da região Norte tenha ocorrido em maio de 2007 no Ministério da Justiça como medida para a erradicação do escalpelamento, o Programa Profrota Ribeirinha encontra-se estagnado, até o fim do presente estudo, apesar de sua potencialidade, diante da impreterível necessidade do Estado definir o órgão gestor para o Programa, considerando que se trata de uma população atípica e não ter sido até hoje objeto de uma política pública para a região. Para a materialização do Profrota Ribeirinha é necessário que a proposta seja transformada em Política Pública de Estado e que sua implementação seja feita por meio da integração de diversos atores e parceiros, nas esferas Federal, Estadual e Municipal, além da iniciativa privada e da Sociedade Civil. 43 5 CONCLUSÃO O presente estudo visa estabelecer uma Política Pública tendo como base o Profrota Ribeirinha para comportar o desafio de tirar da invisibilidade uma parcela da população brasileira ─ o ribeirinho ─, que sequer é vista por seus vizinhos que residem nas áreas urbanas dentro do seu próprio estado, e é muito pouco conhecida nas demais regiões do Brasil, sendo "invisível" aos olhos do Estado brasileiro. Da análise dos principais vetores de desenvolvimento apresentados pode-se concluir que a efetivação imediata dessa política pública desencadeará processos e ferramentas cruciais que poderão resultar em outras políticas públicas próximas à realidade do universo de pessoas e embarcações que circulam na região, em vista da obrigatoriedade de legalização da embarcação para se ter acesso ao financiamento, dando o motor velho e sem cobertura no eixo como parte de pagamento. É incontestável que o transporte de pessoas e cargas entre comunidades ribeirinhas utilizando pequenas embarcações na Região Norte é expressivo e o seu crescimento desordenado acarretará acidentes que podem acarretar deformações e mortes sob os olhares contemplativos dos Governos que, diante da comoção social, tomam ações pífias sem atacar de frente a questão, buscando combater a causa e equacionando os seus fatores contribuintes, garantindo o desenvolvimento sustentável da região. A política proposta poderá mitigar as dificuldades enfrentadas por esse segmento da sociedade no campo econômico, em especial o acesso ao crédito e a carência de instituições financeiras, fazendo o Estado estabelecer metas para a inclusão dos ribeirinhos no sistema financeiro do país. Não basta aumentar a fiscalização das embarcações de pequeno e médio porte sem dar condições ao ribeirinho de comprar os equipamentos de segurança da navegação e do trabalho, a medida é inócua. As multas pecuniárias e apreensões, como exclusivo ou principal mecanismo de regularização, não traz uma visão estratégica e politicamente eficaz para a população e para a Amazônia, jogando "rio abaixo" os esforços de se buscar um desenvolvimento socioeconômico sustentável nessa região. 44 No cenário estratégico, políticas públicas de concessão de crédito para ribeirinhos devem ser implementadas de forma gradual. Os recursos de financiamento proposto no presente estudo estão limitados para atender, em princípio, 125 (cento e vinte e cinco) ribeirinhos ao ano se considerado o teto máximo de financiamento, para que haja uma melhor integração entre os atores envolvidos e aumento da confiança, por parte dos ribeirinhos, no financiamento, em vista de que muitos têm medo de se endividar. Se faz necessário acabar com a imagem preconcebida do ribeirinho da Amazônia como indivíduo de baixa condição social (pobre), ingênuo e sem capacidade de entender a modernidade. Ao contrário, apesar dos ribeirinhos serem cidadãos que não são alcançados pelos benefícios que trazem as Políticas Públicas brasileiras e não terem acesso às informações, tiram da floresta seu meio de subsistência, constroem suas vilas e formam suas famílias, criam e educam seus filhos, fazem suas economias para adquirir seu primeiro motor usado para instalar na sua embarcação e assim escoar sua produção para incrementar sua renda. A rigor, os ribeirinhos são heróis, pois conseguem viver sem que os governos prestem atenção a eles. A política pública proposta tem em seu alicerce a simplicidade, sem necessidade de se apresentar um projeto técnico de instalação e de acompanhamento, e isto deve ser mantido como tal, para que possa atingir o ribeirinho, pessoa simples, mas com o sentido de sobrevivência aguçado. É importante ressaltar que no Brasil o Estado estabelece políticas públicas para diversos segmentos da sociedade; a exemplo: criança e adolescente; mulheres; idosos; igualdade racial; comunidade quilombolas; juventude; pessoas com necessidades especiais; população LGBT; povos indígenas; contudo, não existem propostas para atender a mobilidade, a segurança pessoal e o desenvolvimento da população ribeirinha da Região Norte. 45 REFERÊNCIAS AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS. Relatório Executivo da Caracterização da Oferta e da Demanda do Transporte Fluvial de Passageiros na Região Amazônica. Brasília, DF, 2013. AMARAL, Silvana de et al. Da canoa à rabeta: estrutura e conexão das comunidades ribeirinhas no Tapajós (PA). Pesquisa de campo junho/julho de 2009. São José dos Campos: INPE, 2009. Disponível em: <http://urlib.net/Sid.inpe.br/mtc-m18@80/2009/09.11.18.27>. Acesso em: 20 ago. 2014. ARAÚJO, Ludmila et al. A Amazônia sob olhar da mídia. In: JORNADA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM COMUNICAÇÃO, Caxias do Sul, 2010; evento componente do XXXIII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. Trabalho apresentado na divisão temática jornalismo da Intercom Junior. Caxias do Sul, 2010. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 15 ago. 2014. BRASIL. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília, DF: Presidência da República, 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2007/decreto/d6040.htm>. Acesso em: 15 ago. 2014. ______. Lei n° 2.180, de 5 de fevereiro de 1954. Dispõe sobre o Tribunal Marítimo. Brasília, DF: Presidência da República, 1954. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L2180compilado.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. ______. Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a segurança do trafego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9537.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. ______. Lei n° 10.233, de 5 de junho de 2001. Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, e dá outras providências. DF: Presidência da República, 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10233.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. 46 BRASIL. Lei n° 10.893, de 13 de julho de 2004. Dispõe sobre o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante - AFRMM e o Fundo da Marinha Mercante - FMM, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.893.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. ______. Lei n° 11.970, de 6 de julho de 2009. Altera a Lei no 9.537, de 11 de dezembro de 1997, para tornar obrigatório o uso de proteção no motor, eixo e partes móveis das embarcações. Brasília, DF: Presidência da República, 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/Lei/L11970.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. ______. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp80.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. BRASIL. Ministério da Justiça. Gestão Integrada da Política. Brasília, DF, 2012a. Disponível em: <portal.mj.gov.br/services/.../FileDownload.ESTSvc.asp?...CB9B...>. Acesso em: 24 ago. 2014. BRASIL. Ministério do Planejamento. Plano Mais Brasil. PPA 2012-2015. Agendas Transversais: monitoramento participativo. Brasília, DF, 2012b. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/.../111206_agendas_transversai s.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2014. BRASIL. Ministério dos Transportes. Relatório de Gestão exercício 2009. Brasília, DF, 2009. Disponível em: < >. Acesso em: 26 out. 2014. BRONDÍZIO, Eduard S. Intensificação agrícola e identidade econômica e invisibilidade entre pequenos produtores rurais amazônicos: caboclos e colonos numa perspectiva comparada. In: ADAMES, Cristina; MURRIETA, Rui; NEVES, Walter (Ed.). Sociedade caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade. São Paulo: Amablume, 2006. In: CORREA, Sergio Roberto Moraes; HAGE, Salomão Antônio Mufarrej. Amazônia: a urgência e necessidade de construção de políticas e práticas educacionais inter/multiculturais. Revista Nera, Presidente Prudente, ano 14, n. 18, p. 79105, jan./jun. 2011. COSTA, Jônatas Tavares. Trajetórias, saberes e experiências no contexto da formação dos técnicos agrícolas do Instituto Federal do Amazonas. 2010. 69f. Dissertação (Mestrado em Educação Agrícola) - Instituto de 47 Agronomia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. DIEGUES, Antonio C. (Org.). Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. São Paulo: Hucitec, 2000. FERREIRA, Alessandro Rodrigues. Assessoria de Assuntos Marítimos e Ambientais do 4º. Distrito Naval [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: <[email protected] > em 13 mar. 2013. FREITAS, Tarcísio Gomes de. Contribuições da Coordenação-Geral de Auditoria da Área de Transportes da CGU para proposta do Profrota Ribeirinha [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: <[email protected]> em 8 jul. 2011. IBGE. Resolução nº 10, de 28 de agosto de 2013. Brasília-DF. Diário Oficial da União nº 167-29 de agosto de 2013 – seção 1 – p.65. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Disponível em: <189.28.128.178/sage/sistemas/apresentações/arquivos/resolução_ibge.pdf> em 9 set. 14. ______. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/>. Acesso em: 14 ago. 2014. PEDUZZI, Pedro. Problemas no transporte dificultam acesso de crianças à escola na Amazônia. Portal EBC, Brasília, 17 abr. 2014. Disponível em: <www.ariquermesonline.com.br/noticia.asp?cod=291483&codDep=38>. Acesso em: 20 ago. 2014. SILVA, Cleuton Alexandre da. Departamento de Segurança do Tráfego Aquaviário da Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: <[email protected]> em 30 out. 2014. SILVA, M. Saindo da invisibilidade: a política nacional de povos e comunidades tradicionais. Inclusão Social, Brasília, v. 2, n. 2, p. 7-9, abr./set. 2007. TRIBUNAL MARÍTIMO (Brasil). Processo 27.518/2012 – Acórdão: escalpelamento de passageira em embarcação a motor não identificada, provocando-lhe deformidade estética permanente. Rio de Janeiro, 13 jun. 2013. Disponível em: <https://www.mar.mil.br/tm/download/anuario/27518.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.