UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
EIXO: AMÉRICA LATINA
A dependência da América Latina
Almiro Petry1 (2008)2
O capitalismo só tem êxito quando começa
a ser identificado com o Estado, quando é ele o próprio Estado.
Fernand Braudel
Quando o consenso se impõe a uma sociedade,
é porque ela atravessa uma era pouco criativa.
Celso Furtado (2002)
1 Introdução
A temática do subdesenvolvimento e desenvolvimento vem sendo abordada há décadas com
vistas aos problemas econômicos, políticos, sociais e culturais gerados neste processo
histórico recente. Desde as “décadas do desenvolvimento” (década de 1960, a primeira),
proclamadas pela ONU, aumentam os interesses acadêmicos pelo tema, tentando
compreender a profundidade das relações entre as nações e descobrir as causas desta imensa
defasagem entre as nações ditas desenvolvidas e as subdesenvolvidas, evidenciando-se a
condenação de umas à pobreza e à miséria e outras elevadas à opulência. Entre as nações
“condenadas à pobreza” estão as latino-americanas.
Objetiva-se abordar, rapidamente, alguns aspectos deste processo, dando ênfase às
explicações deste processo e as relações de dependência que o sistema-mundo gera e mantém.
2 As interpretações do processo
No plano acadêmico consolidam-se posições interpretativas que têm como referência os
processos de desenvolvimento dos países europeus ocidentais e dos EUA e querem induzir,
politicamente, as nações pobres a seguirem a mesma trajetória, sinalizando com a esperança
de, caso adotassem as mesmas políticas, atingirem os níveis sócio-econômicos alcançados
pelos primeiros. Entretanto, há diferenças históricas muito importantes que determinam a saga
de cada país, de modo particular os latino-americanos. Dentre as diferenças podem ser
destacadas: a) a industrialização tardia e controlada, frente ao processo europeu; b) a
1
Mestre em Sociologia Rural (UFRGS) e Doutor em Ciências Sociais (Unisinos); Professor do Curso de
Ciências Sociais da Unisinos e do Departamento de Sociologia da UFRGS ([email protected]).
2
Versão ampliada da publicada em 2007.
1
colonização pelas potências européias que transformaram as colônias em “entrepostos
comerciais”; c) o prolongamento do período de ausência de investimentos em educação,
ciência e tecnologia, imposto pelos colonizadores; d) a dependência econômica e a exploração
daí decorrentes; e) a exportação de produtos primários, extraídos dos recursos naturais ou
produzidos para “abastecer” a voracidade do mercado internacional; f) mais recentemente, a
rapidez da urbanização e as seqüelas daí decorrentes; etc. etc.
Apresenta-se a seguir, os principais enfoques3 que tentaram interpretar o fenômeno do
subdesenvolvimento/desenvolvimento.
1º - O enfoque linear descreve, baseado na análise de Rostow4, o fenômeno como um
continuum de países de baixa renda per capita e de alta renda per capita que se encontram em
diferentes estágios (alguns mais avançados e outros mais atrasados) do mesmo processo. Os
mais avançados têm uma estrutura econômica moderna e diversificada e os atrasados estão
nos estágios iniciais do processo. Nesta ótica, os países subdesenvolvidos têm, do lado do
consumo, em decorrência da baixa renda per capita, baixo consumo de bens e serviços e, do
lado da produção, uma estrutura produtiva pouco diversificada. Da mesma forma,
acompanhando o baixo consumo, há precárias condições de escolarização, de habitação, de
alimentação e de saúde. E, do outro lado, há baixa produção e produtividade e baixa taxa de
investimento.
Oculta este enfoque a idéia de que as diferenças são apenas quantitativas, ou seja,
diferenças de grau e não de espécie. E que estas diferenças podem ser reduzidas com um
adequado crescimento econômico mediante a injeção de capital, um adequado aproveitamento
dos recursos naturais e humanos, a inovação tecnológica e certa visão política. Fazendo isso,
invariavelmente os subdesenvolvidos galgariam as etapas do desenvolvimento.
2º - O enfoque dual-estrutural5 explicita as peculiaridades do subdesenvolvimento pelo
dualismo estrutural interno do país. O dualismo econômico caracteriza-se por duas economias,
uma moderna e dinâmica e a outra tradicional e atrasada. Isto se reflete no dualismo
territorial, tendo de um lado áreas com crescimento econômico intenso – regiões avançadas,
ricas e industrializadas -, e do outro, áreas com crescimento econômico lento, mantendo
regiões atrasadas, pobres e agrícolas de subsistência. Aí ocorre o dualismo funcional, inerente
ao anterior, que se caracteriza pela coexistência de dois sistemas econômicos, o pré3
PETRY, Almiro; SCHNEIDER, José; LENZ, Martinho. Realidade Brasileira. 10ª ed. Porto Alegre: Sulina,
1990, p.29-36.
4
5
ROSTOW, Walt. As etapas do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.
FURTADO, Celso. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.
2
capitalista: onde predomina a economia de subsistência; o capitalista: onde a acumulação e a
diferenciação do sistema produtivo se processam nos moldes do capitalismo industrial. Do
dualismo econômico, do territorial e do funcional decorre o dualismo social que se
caracteriza, por um lado, pelo atraso cultural, pela dicotomia das camadas sociais e da
organização política; por outro lado, viceja uma cultura urbano-industrial moderna com
significativos segmentos sociais intermediários com a devida representação política.
O estruturalismo tem por base a caracterização das economias periféricas em contraste
com as economias centrais. Mendes e Teixeira (2004)6 apontam a:
baixa diversidade produtiva; reduzida integração horizontal e vertical; insuficiente infraestrutura; especialização em bens primários; heterogeneidade tecnológica; oferta ilimitada de
mão-de-obra desqualificada; e estrutura institucional incompatível com a acumulação de
capital e progresso técnico. A partir dessa contextualização, realiza-se a análise da forma de
inserção das economias subdesenvolvidas no ambiente internacional e das condições para a
superação das situações adversas das economias periféricas por meio de um processo de
industrialização conduzido por um planejamento estratégico, tendo o Estado como agente
principal (Mendes e Teixeira, 2004, p.9).
Celso Furtado, no entanto, contribui à abordagem estruturalista em três aspectos
importantes: “a inclusão da dimensão histórica; a análise das relações entre crescimento e
distribuição de renda; e a ênfase do sistema cultural como característica específica do
subdesenvolvimento das economias periféricas” (idem, p.9). Em texto recente7 afirma que o
Brasil contemporâneo é uma sociedade criada pela expansão do capitalismo industrial e “não
é herdeiro de nenhuma velha civilização como são outras grandes nações hoje denominadas
subdesenvolvidas” (p.8). Simplificando o quadro histórico brasileiro, ele destaca duas
tendências estruturais: “1) a propensão ao endividamento externo; e 2) a propensão à
concentração social da renda,”8 que considera perversas. Atribui a manutenção histórica
destes processos ao “comportamento das elites tradicionais” que “imitam os padrões de
consumo dos países de elevado nível de desenvolvimento”, da qual decorre a forte propensão
a importar, deixando de gerar poupanças internas para novos investimentos. Por isso
considera que o desafio do futuro e dos próximos governos é:
1) como elevar a taxa de poupança interna?; e 2) como reduzir a propensão a importar dos
grupos de alto nível de vida? Assim, se pretendermos recuperar o dinamismo que conhecemos
no passado, o país terá de retornar ao controle de câmbio e ao planejamento indicativo dos
investimentos básicos (idem, p. 9).
6
MENDES, Constantino e TEIXWEIRA, Joanílio. Desenvolvimento econômico brasileiro: uma releitura da
contribuição de Celso Furtado. Braília: IPEA, 2004.
7
FURTADO, Celso. Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. São Paulo: Paz e
Terra, 2002.
8
Sobre estas duas tendências, pode-se afirmar que a primeira, a partir do Presidente Lula, foi substituída pelo
endividamento interno que, em inícios de 2008, já atingia a estratosfera dos R$ 1,3 trilhão; a segunda, permanece
e se acentua, apesar dos ditos programas sociais.
3
Na medida em que Furtado foi avançando em suas análises ele aponta novas variáveis
não contempladas pelo dual-estruturalismo. Podemos sinalizar com as seguintes, destacadas
pelo próprio autor, para as quais ele exige uma atenção especial:
1) A aceitação de riscos tende a ser apresentada como principal fonte de legitimação do poder
econômico.
2) O processo de globalização torna inevitável o avanço da concentração do poder nas mãos
de poucos.
3) A evolução das estruturas de poder no capitalismo avançado escapa aos esquemas teóricos
que herdamos do passado.
4) Durante muito tempo a sociedade civil, particularmente ali onde floresceram as
organizações sindicais, desempenhou o papel de contrapeso do poder do capital, o qual foi se
metamorfoseando em poder financeiro.
5) Esse processo evolutivo, baseado num equilíbrio de forças, levou a modificações
importantes na distribuição da renda social, sem contudo afetar de forma significativa o
conteúdo das estruturas produtivas.
6) Foi de grande importância o papel desempenhado pelo Estado nacional na configuração das
sociedades capitalistas modernas. Esse processo evolutivo abriu espaço para a concentração
do poder econômico e para a emergência das estruturas transnacionais.
7) As estruturas transnacionais debilitam progressivamente os Estados nacionais, suporte das
forças que operam no sentido de reduzir as desigualdades sociais.
8) Prevalece a doutrina de que a estrutura social é legitimada pela aceitação de riscos,
9) Presenciamos um processo de concentração de renda e poder sob o comando de grandes
empresas desligadas de compromissos com a sociedade civil.
10) O agravamento das tensões sociais leva a pensar que pode estar se preparando uma crise
de grandes dimensões, cuja natureza nos escapa. Ainda não sabemos como enfrentá-la
(Furtado, 2002, p. 9-10).
Segundo abordagem dual-estruturalista, a saída do subdesenvolvimento dar-se-ia pela
superação dos diversos dualismos através da implantação de pólos de desenvolvimento que
irradiariam seus efeitos positivos, provocando uma regressão das dicotomias através dos
estímulos propulsivos que diminuiriam as distâncias e os desequilíbrios econômicos,
territoriais, funcionais e sociais. Tem este enfoque o pressuposto da necessidade do macro
planejamento e de investimentos direcionados para estimular o crescimento econômico.
Limita-se este enfoque, no entanto, em analisar o capitalismo como um sistema
econômico nacional e não transnacional; enfatiza a ótica do mercado nacional e não o
intersocietário; entende o capitalismo como um sistema plenamente configurado no centro
que gera a periferia no próprio país (e não entre países). Estas limitações analíticas restringem
este enfoque à descrição e à análise da unidade territorial sem entender que este país
subdesenvolvido é um subsistema capitalista periférico gerado pelo capitalismo central.
Cabe ressaltar que Celso Furtado, em suas análises, superou esta abordagem,
avançando na compreensão do sistema-mundo e da sociedade globalizada, como foi
evidenciado acima.
4
3º - O enfoque da causalidade circular explica o subdesenvolvimento pela tipicidade do
conjunto de indicadores de consumo da baixa renda per capita que se relaciona com o
conjunto de indicadores de produção, mantendo um círculo vicioso de pobreza, de baixa
produção e de baixo consumo. Estabelece-se um processo descensional de efeitos regressivos,
tanto do lado da oferta – pequena capacidade de poupar, baixa produtividade, ausência de
capital, etc. -, quanto da procura – baixo estímulo para investir, baixo poder aquisitivo, etc.
Myrdal e Nurkse propõem ser necessário romper a causação circular descendente do
círculo vicioso da pobreza através do aumento da poupança e do investimento para gerar uma
causação circular ascendente do lado da oferta e do lado da procura. Para tanto seria
fundamental acionar mecanismos sócio-culturais – mudança nas estruturas mentais e de
condutas – quanto no plano econômico com mudanças no sistema econômico e no tipo de
organização política.
4º - O enfoque da dependência sustenta que a raiz do subdesenvolvimento está na relação de
dependência entre as nações ricas e as nações pobres. É um complexo de relações
econômicas, comerciais, políticas, financeiras e tecnológicas, gerado historicamente, que
ultrapassa a ordem interna e se firma na ordem externa. Segundo os defensores desta tese9, o
sistema
capitalista
realiza-se
em
âmbito
intersocietário
em
que
as
formações
subdesenvolvidas são periféricas às formações desenvolvidas e centrais. Para caracterizar bem
estas relações, recorrem a analogia da metrópole e do satélite, configurando um único sistema.
No sistema, a satelitização ocorre pela dependência e pela exploração. A dependência: a) a
política (pode ser legal ou de fato) significa que as decisões são tomadas fora do país; b) a
econômica ocorre no plano comercial – o país exporta mais matérias-primas e importa bens
beneficiados e tecnologia – e no plano financeiro – os investidores são não-residentes; c) a
tecnológica consiste no monopólio técnico-científico dos países centrais dos quais os
periféricos a importam. Esta situação de dependência gera uma constante exploração. A
exploração consiste: a) no plano financeiro (a alta remuneração pelos serviços do capital nãoresidente); b) no plano comercial (a constante deterioração da relação de preços nas relações
de intercâmbio); c) no plano da tecnologia (o pagamento de royalties e a transferência de
tecnologias obsoletas).
Nesta relação a metrópole se apropria do excedente econômico dos satélites,
impedindo a formação do capital próprio. Disto decorre um circulo vicioso da pobreza com
todas as mazelas possíveis. Assim, mantidas as atuais tendências, podem ser vistas três
alternativas: a) aceitar um desenvolvimento sistêmico e hierarquizado, que se dá num
9
Fernando H. Cardoso, Enzo Faletto, André G. Frank, Luiz Pereira, entre outros.
5
contexto de economias dominantes e de dominadas, reduzindo as diferenças das periferias em
relação aos centros, através de mecanismos de investimentos direcionados; b) partir para um
desenvolvimento combinado em que as periferias utilizariam tecnologias avançadas –
inadequadas no momento para a sua realidade – por pressão dos países centrais, visando a
sustentação mais equilibrada do sistema; c) agravar o desenvolvimento desigual, aumentando
as distâncias no próprio país periférico e em relação aos paises centrais. Esta última parece a
que está em curso. Entretanto, para superar a situação de subdesenvolvimento dependente não
há outra alternativa a não ser uma ruptura com estes mecanismos historicamente
estabelecidos.
Para Cardoso10, historicamente, “o Estado sempre desempenhou papel importante na
consolidação do capitalismo”, alterando seu papel conforme as intencionalidades políticas de
quem está no poder. Assim por exemplo, no chamado modelo prussiano11 de capitalismo para
reerguer a economia alemã,
o Estado não só interferiu abertamente na regulação econômica, mas também desempenhou
papel de investidor importante. O mesmo se repetiu mais recentemente na Coréia por
exemplo. Hoje em dia a China exibe fulgurante capitalismo de Estado, aliado, sob condições,
ao capitalismo das multinacionais. Essa fusão entre poder e mercado abrigou formas
autoritárias quando não ditatoriais de poder (Cardoso, idem, p.13).
Cardoso entende de que na história do Brasil houve alianças semelhantes como partes
do “período varguista”; no regime militar, em especial no governo Geisel, que se tornou
francamente “desenvolvimentista-autoritário”, inspirado na visão da doutrina da segurança
nacional do “Brasil-potência”. Ele acredita que “certos setores da esquerda” também foram
(ou são) “autoritário-desenvolvimentistas”. Por isso, ele vislumbra que na atualidade
brasileira “o velho modelo monopolista de Estado ressurge das cinzas nos corações da velha
direita e da ‘nova’ esquerda capitalista estatizante”, fomentada pela coalizão políticopartidária que está no poder. Considera que “este amálgama espúrio entre interesses privados,
interesses partidários e interesses corporativos pode dar sustentação a formas arbitrárias de
exercício de poder”. De modo professoral Cardoso ensina que “todo modelo que tende ao
monopólio e à concentração do poder é também concentrador de rendas e redutor de
oportunidades”. Desta forma, a coligação partidária construída em torno do poder central
pode elaborar o objetivo de se manter no poder, promovendo a aliança “entre o grande capital
público e privado com os fundos estatais de pensão e com o sindicalismo dócil aos governos”
(idem, p.13).
10
CARDOSO, Fernando H. Apenas nomes ou reais alternativas? Porto Alegre: Jornal Zero Hora, 03-02-2008,
p.13.
11
No século 18 e no final do século 19.
6
Em relação à América Latina, historicamente, está ocorrendo um processo de
subdesenvolvimento/desenvolvimento capitalista periférico e dependente, via industrialização
e urbanização. Há um interesse especial dos países centrais pelas condições excepcionais do
território, da população (mercado consumidor) e pelos abundantes recursos naturais. Este
modelo caracteriza-se pela exportação (com ênfase nas matérias-primas), pela concentração
da riqueza e das terras, pelos desequilíbrios regionais, pelas decisões políticas vinculadas aos
grupos oligárquicos e pela intensa exclusão social.
Segundo Melo (2002)12, neste processo histórico latino-americano destacam-se: a)
“Uma verdadeira revolução no modo de produção social capitalista, no sentido da
incorporação cada vez maior e mais intensa da ciência e da tecnologia, como forças
produtivas principais, nas diversas fases de realização do capital. O fordismo impulsionou
décadas de mudanças, não só de progresso técnico, e de novas formas de organização de
trabalho na indústria, mas também imprimindo novas qualidades ao processo interligado das
fases de produção, distribuição e circulação de mercadorias e do próprio capital”. b) “A
reprodução ampliada do capital se desdobra no fortalecimento do capital privado e no
fortalecimento da esfera pública nos países. O crescimento dos investimentos externos diretos
se traduz no aumento do número de multinacionais instaladas nos países dependentes, cujos
governos também contribuem para facilitar o fortalecimento do capital privado, tanto nacional
quanto internacional, em condições históricas específicas: tanto criando condições mais
propícias para o envio de lucros para as matrizes das empresas multinacionais, quanto
investindo em infra-estrutura pública, regulando a cobrança de impostos, no sentido de
favorecê-lo e, mais ainda, emprestando e investindo dinheiro público para compor o capital
das empresas privadas. A industrialização do pós-guerras nestes países, especificamente na
América Latina, encontra também um entrave no próprio processo de substituição de
importações, caracterizando estes países como exportadores de matéria-prima, o que contribui
para manter antigas estruturas sociais de poder”. c) “A reprodução ampliada do trabalho
também se fundamenta nas realizações do welfare state e, nos países dependentes, adquire
características especiais, provocando mudanças nas relações de assalariamento. O desemprego
começa a crescer, se tornando, nos anos 70, quase parte estrutural das relações sociais de
produção capitalistas, e um exército industrial de reserva, cada vez mais desqualificado para
enfrentar as exigências das sociedades urbanas industriais, se acumula na periferia dos
grandes centros. A crescente diversificação da produção provoca necessidades de qualificação
para o trabalho cada vez mais heterogêneas, a depender dos setores produtivos, da posição das
12
MELO, Adriana. Apontamentos para a crítica do projeto neoliberal de sociedade e de educação: a realização.
Educação Temática Digital, Campinas, v.3, n.2, p.55-70, jun. 2002.
7
empresas e, especificamente, da posição dos países na divisão internacional do trabalho e do
capital”. d) No anos 70, “as barreiras, os limites nacionais começam a se dissolver, em ritmos
históricos diferentes para os diversos países, em relação à sua posição na divisão internacional
do trabalho e do capital”.
3 A abordagem sistêmica
Na sociedade globalizada em que vivemos as trocas econômicas, políticas e culturais se
tornaram irreversíveis, ao menos assim pensam os detentores do poder sistema-mundo, que
determinaram a nova ordem global. Em sintonia com este processo, a soberania dos Estados
nacionais tem diminuído gradualmente, o que afeta a capacidade do Estado de regular o
sistema produtivo, o financeiro, o tecnológico e o fluxo de pessoas e de bens.
A soberania declinante dos Estados-nação, e sua crescente incapacidade de regular as
permutas econômicas e culturais, é certamente um dos sintomas primários da chegada do
Império. A soberania do Estado-nação era a pedra angular do imperialismo que as potências
européias construíram na idade média (Hardt e Negri, 2001,p.12).
O imperialismo e conseqüentemente o colonialismo, era uma extensão da soberania
dos Estados-nação europeus para além de suas fronteiras, como entendem Hardt e Negri. A
nova ordem expressa na globalização, não estabelece um centro territorial de poder e nem se
baseia em fronteiras fixas, assim o sistema-mundo constitui “um aparelho de descentralização
e desterritorialização do geral que incorpora gradualmente o mundo inteiro dentro de suas
fronteiras abertas e em expansão”. Isto é tão evidente que os autores afirmam que as divisões
espaciais dos três mundos – Primeiro, Segundo e Terceiro – “ficaram tão misturados que a
qualquer momento nos deparamos com o Primeiro Mundo no Terceiro, o Terceiro no
Primeiro, e o Segundo, a bem dizer, em parte alguma”, forçando ao abandono desta visão
tripartite espacial para adotar a terminologia da centralidade e da periferização.
Para Hobsbawn,
as próprias unidades básicas da política – os “Estados nacionais” territoriais, soberanos e
independentes, inclusive os mais antigos e estáveis entre eles – foram dilaceradas por forças
da economia supranacional ou transnacional e por forças infranacionais das regiões e grupos
étnicos separatistas. Alguns destes – eis a ironia da história – reivindicaram para si o status
ultrapassado e irreal de “Estados nacionais” soberanos em miniatura. O futuro da política era
obscuro, mas sua crise, no fim do curto século XX, era patente (Hobsbawn, 1994, apud:
Arrighi e Silver, 2001, p.11).
Com a queda do muro de Berlim, o ocaso do regime soviético e o colapso do
comunismo, Francis Fukuyama declarou que
a democracia liberal permanece como a única aspiração coerente que abrange regiões e
culturas diferentes em todo o planeta. [...] Duas gerações atrás, muitas pessoas sensatas
conseguiram antever um radiante futuro socialista em que a propriedade privada e o
capitalismo teriam sido abolidos. [...] Hoje, ao contrário, temos dificuldade em imaginar um
8
mundo que seja radicalmente melhor do que o nosso, ou um futuro que não seja
essencialmente democrático e capitalista (Fukyama, 1992, apud: Arrighi e Silver, 2001, p.12)
No contexto da globalização e da consolidação do sistema-mundo, emerge o debate da
hegemonia deste processo, se há ou não um Estado que desempenhará esse papel. Não há um
consenso sobre esta possibilidade. Sugere-se que possa continuar sendo os EUA, pelo poder, a
influência e o dinheiro que têm para exercer diversas pressões, ou a UE com sua posição mais
elevada, escapando de seu declínio histórico, ou até o Japão, apesar de ter atingido o seu auge
com a revitalização do iene, no final do século XX.
As transições hegemônicas históricas – declínio de um Estado nacional e ascensão de
outro – do sistema capitalista não ocorreram com rupturas como ocorreu a globalização do
sistema mundial. Com a constituição da China, como Estado moderno, afigura-se a percepção
de que estejamos ultrapassando as hegemonias ocidentais, passando da ainda hegemonia
norte-americana, que transformou parte do Leste asiático em periferia do sistema comercial
centrado nos EUA para uma hegemonia sinocêntrica, como nos sinalizam Arrighi e Silver. A
junção entre o capital transnacional e a imensa reserva de mão-de-obra competitiva, na
divisão internacional do trabalho, foi facilitada pela “diáspora capitalista chinesa ultramarina”
que se constituiu sob o regime da República Popular da China. A confiança de Pequim nos
chineses ultramarinos para reincorporar a China Continental nos mercados regional e mundial
estabeleceu a estreita aliança “entre o Partido comunista Chinês e os capitalistas chineses de
além-mar” que deu a estes
oportunidades extraordinários para tirar proveito da intermediação comercial e financeira, ao
mesmo tempo dando ao Partido Comunista Chinês um meio eficaz de matar dois coelhos de
uma só cajadada: melhorar a economia interna da China Continental e promover a unificação
nacional de acordo com o modelo de “uma nação, dois sistemas” (Arrighi e Silver, 2001, p.
276).
Daí emerge como ironia da história, um poderoso instrumento da emancipação da
China em relação à dominação ocidental. Os EUA “usaram” a diáspora, durante a guerra fria,
para sufocar pelo embargo o comércio externo da China e o próprio governo comunista chinês
impôs restrições ao comércio interno e externo com estes empresários capitalistas.
Não obstante, a expansão das redes norte-americanas de poder e das redes japonesas de
comércio, nas regiões marítimas do Leste da Ásia, deu à diáspora uma profusão de
oportunidades para exercer novas formas de intermediação comercial entre essas redes e as
redes locais que ela controlava. Quando foram relaxadas as restrições ao comércio com e
dentre da China, a diáspora não tardou a despontar como agente mais poderoso da
reunificação econômica da economia regional do Leste da Ásia (Arrighi e Silver, 2001, p.
277).
Desta reunificação emerge a mais espetacular e rápida expansão econômica do Leste
asiático formando o centro mais dinâmico dos processos de acumulação de capital em escala
9
mundial.. Esta pode ser vista como o fim de um longo processo de dominação ocidental na
Ásia que dá sinais da “provável trajetória futura, bem como de suas implicações para a
economia global”. A primeira década do século XXI já revela a possível hegemonia que o
sistema está consolidando naquela região, deixando para um plano inferior a América Latina e
outras regiões planetárias.
Esta é a lógica da dinâmica do sistema-mundo: buscar diuturnamente as taxas mais
elevadas de lucro a partir do trabalho vivo humano, da abundância de matérias-primas e dos
estímulos e proteção do Estado. A novidade está na geopolítica e na geoeconomia na
formação hegemônica do sistema capitalista que “migra” impulsionado pelas vantagens
auferidas. Ao se esgotarem, a dinâmica redirecionará o sistema para aquela região onde elas
novamente são possíveis, seja a África ou a América Latina. É aceito de que no sistema
capitalista as estruturas mais importantes de poder são as empresas e o mercado que se
sustentam pela ação consumidora dos cidadãos. Está, portanto, nas mãos dos cidadãos o
redirecionamento do mercado e, conseqüentemente, das empresas.
O Estado como ator importante desta relação não tem perdido tanto espaço na
sociedade globalizada e o exercício do poder vem mudando de direção. As tradicionais
concepções de “poder estatal” estão sendo substituídas por novas estratégias de governo e de
governança, através das agências reguladoras, organizações intergovernamentais, agências
supranacionais, que marcam a presença do Estado na vida dos cidadãos. Assim, o capital age
numa racionalidade adaptativa buscando apoio logístico na reconfiguração do papel do Estado
para impulsionar as empresas e redinamizar o mercado para atender as novas demandas.
Esta tendência sistêmica reforça a concepção da interdependência entre o centro
hegemônico, as semiperiferias e as periferias, sejam mercados ou países. No entanto, as forças
de dominação permanecem e se reproduzem para manter as vantagens historicamente
acumuladas.
4 Conclusão
A partir das óticas abordadas evidencia-se um processo histórico extremamente desumano de
dominação e exploração, atualmente muito sofisticado pelo avanço e contínua inovação
tecnológica.. Talvez uma das escolhas mais desafiadoras para os cidadãos e a sociedade civil
seja optar por um caminho que leve à “humanização do capitalismo global”. Esta formação
histórico-estrutural tem gerado muita miséria, muita pobreza, diversas discriminações,
múltiplas formas de violência, além da poluição do ar, das águas, do solo e da destruição do
meio ambiente, deteriorando as condições de uma vida humana plena. Sonhamos com um
mundo perfeito – utopia inatingível –, entretanto é possível lutar por mais igualdade, mais
10
equilíbrio, com um crescimento econômico que seja ecoamigável e socialmente mais justo. O
desafio é construir o desenvolvimento sustentável. Sabe-se que o crescimento econômico não
é suficiente para o desenvolvimento, no entanto, o desenvolvimento necessita de crescimento;
para o crescimento econômico os mercados são indispensáveis, que por sua vez, imporão
custos e gerarão desigualdades. Como sair desta equação, uma armação de aço?
Na América Latina, as elites locais têm usufruído destes mecanismos ao levarem a
maioria dos países a privatizar e liberalizar suas economias, abrindo espaços para o capital
transnacional. Estas elites no poder ou próximo a ele, aceitam a globalização para serem
partícipes do domínio do mercado, buscando, constantemente, a legitimação de suas posições,
sem manifestarem em decisões a escolha pela redução das desigualdades. Por conseqüência,
as nações latino-americanas estão condenadas a “perene pobreza”.
Referências
ARRIGHI, Giovanni e SILVER, Beverly. Caos e governabilidade no moderno sistema
mundial. Rio de Janeiro: Contrapono; Editora UFRJ, 2001.
CARDOSO, Fernando H. Apenas nomes ou reais alternativas? Porto Alegre: Jornal Zero
Hora, 03-02-2008, p.13.
FURTADO, Celso. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.
_______. Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. São Paulo: Paz
e Terra, 2002.
HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Império. São Paulo/Rio de Janeiro: Editora Record,
2001.
MELO, Adriana. Apontamentos para a crítica do projeto neoliberal de sociedade e de
educação: a realização. Educação Temática Digital, Campinas, v.3, n.2, p.55-70, jun. 2002.
MENDES, Constantino e TEIXWEIRA, Joanílio. Desenvolvimento econômico brasileiro:
uma releitura da contribuição de Celso Furtado. Braília: IPEA, 2004.
PETRY, Almiro; SCHNEIDER, José; LENZ, Martinho. Realidade Brasileira. 10ª ed. Porto
Alegre: Sulina, 1990.
ROSTOW, Walt. As etapas do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.
Visitar: 1 http://www.ipea.gov.br/pub/td/2004/td_1051.pdf
2 http://www.ipea.gov.br/pub/td/2004/td_1016.pdf
3 http://www.ipea.gov.br/pub/td/2001/td_0847.pdf
4 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1254.pdf
5 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1244.pdf
6 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1231.pdf
11
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A dependência da América Latina