GT-03: Direitos Humanos, Políticas Sociais e Pobreza
POLÍTICAS SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA: UMA
RELAÇÃO NECESSÁRIA
PIMENTA, Weslley Ribeiro Carvalho. 1
[email protected]
SILVEIRA, Ludiana Martins.2
[email protected]
AGUIAR, Wanderleide Berto.3
[email protected]
Resumo: A emergência das políticas sociais está intimamente ligada ao projeto de desenvolvimento em
vigor. A relação entre desenvolvimento e políticas sociais se dá na medida em que a segunda é entendida
como resposta política e econômica ao projeto hegemônico. Parte-se do entendimento de que as políticas
sociais são frutos da dinâmica social, se materializam na inter-relação entre os atores sociais e a partir
das relações de força estabelecidas entre eles. Diante disso, o estudo propõe uma reflexão sobre o ideário
de desenvolvimento em voga, e o papel das políticas sociais em resposta à questão social. O estudo
primou por analisar as propostas de desenvolvimento construídas a partir da modernidade na sociedade
ocidental e a importância das políticas sociais como estratégia fundamental de enfrentamento das
expressões da questão social na sociedade capitalista. Destaca -se que o Estado enquanto instrumento
da burguesia age no intuito de amenizar os efeitos da questão social. As políticas sociais, portanto,
ganham função e legitimidade no sistema. Considera-se que a modernidade rompeu com a lógica
tradicional de proteção social, exigindo a criação de novos mecanismos que levaram à consolidação das
políticas sociais. Deste modo, entende-se que desenvolvimento e políticas sociais são frutos da
modernidade e desta maneira devem ser analisados.
Palavras-chave: Desenvolvimento; Capitalismo; Política Social; Questão Social; Modernidade
Abstract: The emergence of social policies is closely linked to the development project into effect. The
relationship between development and social policies takes place insofar as the latter is understood as a
response to political and economic hegemonic project. Party is the understanding that social policies are
the result of social dynamics, materialize in the interrelationship between social actors and from the
power relations between them. Therefore, the study proposes a reflection on the development of ideas
in vogue, and the role of social policies in response to the social question. The study was conspicuous
by reviewing development proposals constructed from modernity in Western society and the importance
of social policies as a key coping strategy expressions of social issues in capitalist society. It is
noteworthy that the State acts as an instrument of the bourgeoisie in order to mitigate the effects of social
issues. Social policies thus gain legitimacy and function in the system. It is considered that modernity
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Mestrando em Desenvolvimento Social, Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes
Mestranda em Desenvolvimento Social, Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes
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Mestranda em Desenvolvimento Social, Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes
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has broken with the traditional logic of social protection, requiring the creation of new mechanisms that
led to the consolidation of social policies. Thus, it is understood that development and social policies
are fruits of modernity and thus should be analyzed.
Keywords: Development; capitalism; Social Policy; Social Issues; modernity
Introdução
As discussões sobre os rumos do desenvolvimento capitalista estão em evidência
diante das profundas transformações decorrentes do processo de reestruturação produtiva e
societária. A emergência das políticas sociais está intimamente ligada ao projeto de
desenvolvimento em vigor. A relação entre desenvolvimento e políticas sociais se dá na medida
em que a segunda é entendida como resposta política e econômica ao projeto hegemônico. As
políticas sociais são frutos da dinâmica social, se materializam na inter-relação entre os atores
sociais e a partir das relações de força estabelecidas entre eles (PASTORINI, 1997). Diante
disso, o estudo propõe uma reflexão sobre o ideário de desenvolvimento em voga, e o papel das
políticas sociais em resposta à questão social. O texto realiza um recorte histórico da reflexão
sobre o desenvolvimento a partir da modernidade na sociedade ocidental destacando a
perspectiva de progresso como primeira visão da humanidade em relação ao futuro e a crise
desse ideal que leva à construção da ideia de desenvolvimento. Ao traçar a construção do
desenvolvimento em moldes capitalistas o que se almeja é situar a função estratégica das
políticas sociais frente às expressões da questão social. É importante destacar que, o Serviço
Social ao se apropriar sobre os estudos de políticas sociais as entende como fruto das múltiplas
relações que se estabelecem na totalidade social e que realizam funções políticas e econômicas
e por isso a ligação lógica com as propostas de desenvolvimento.
O estudo resulta da experiência vivida na disciplina teorias do desenvolvimento
social do programa de pós-graduação em desenvolvimento social da Unimontes4 e se faz
pertinente, tendo em vista que, os rumos do desenvolvimento são pontos fundamentais da
organização societária e são norteadores para a formulação de políticas públicas. Ao evidenciar
a relação entre desenvolvimento e políticas sociais, se quer contribuir para a reflexão a respeito
dos rumos da sociedade brasileira atual, portanto refletir sobre as estratégias do
desenvolvimento em moldes capitalistas é tarefa para toda sociedade.
Programa de pós-graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros –
PPGDS/Unimontes
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O ideal de progresso e a crise do projeto burguês em debate
Até o advento da modernidade o pensamento social era dominado pela ideia de um
equilíbrio de forças entre o bem e o mal que garantia a evolução do mundo de forma natural.
Desse modo, os problemas sociais eram vistos como frutos inerentes à condição do mundo
natural. A maneira de lidar com as manifestações dos chamados problemas sociais, tais como,
as doenças, deficiências e a miséria, era pelo viés social-assistencial em que critérios da
incapacidade de prover o necessário para a subsistência e o pertencimento à comunidade
definiam os que estavam em condição de beneficiados, ou seja, aptos à caridade alheia. A Igreja
Católica, especialmente na Europa, se legitimou como a principal instituição de gestão da
assistência (CASTEL, 1998). Uma nova atitude é evidenciada na sociedade ocidental, o homem
abandona aquela visão contemplativa do mundo, e busca exercitar a razão. Tem-se que a
emancipação do homem e a dessacralização da natureza permitiram que o ser humano buscasse
explicações racionais para seus problemas e suas perguntas básicas a respeito da natureza, da
vida, da organização social, da história e do futuro. É nessa busca incessante pela explicação
racional que estão as bases teóricas do ideal de progresso. As raízes do entendimento de
progresso se encontram em três correntes do pensamento europeu que assumiram uma visão
otimista da história a partir do século XVIII. A primeira parte do pensamento iluminista em que
concebe a história como uma marcha progressiva para o racional. A segunda firma-se na
concepção de que a sociedade humana era regida pela mesma lei da “seleção natural das
espécies”. A terceira funda-se na ideia de acumulação de riqueza, na qual está implícita a opção
de um futuro marcado pela promessa de melhor bem-estar. Essa terceira corrente está ligada ao
desenvolvimento da ciência econômica (FURTADO, 2000).
Os fundamentos da ideia de progresso apresentados se articulam na expansão do
projeto de sociedade europeu para o resto do mundo. As lutas travadas no período de
colonização foram cultivadas em nome do progresso. Na busca de efetivá-lo se desestruturaram
os antigos modelos de proteção social, levando à emergência de novas formas que acentuavam
o papel da educação, do gosto pelo trabalho e das instituições de benemerência. Furtado (2000),
assim sendo, aponta que o progresso não surge da lógica da história necessariamente, mas
encontra-se inscrito no horizonte de possibilidades do homem. Todo o processo se resume em
dotar a sociedade de instituições que sejam capazes de evidenciar as potencialidades do
indivíduo e que propiciem o aprofundamento das contradições levando à eclosão do futuro.
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Após o entendimento da perspectiva do progresso, busca-se refletir sobre o projeto
burguês e os seus limites. Sob a ideologia do progresso, o projeto burguês chega ao seu estremo
diante dos inúmeros problemas sociais gerados, e que evidencia-se nas reações realizadas pela
classe trabalhadora, forçando a classe dominante a reconstruir o seu projeto e firmá-lo em novas
bases. Os problemas sociais gerados pelo capitalismo liberal atingiam os trabalhadores da
cidade como do campo, os artesãos e os pequenos comerciantes, provocando uma “desfiliação
em massa”, inscrita no próprio processo de produção de riquezas (CASTEL, 1998). “Uma
riqueza nunca vista passou a ser companheira inseparável de uma pobreza nunca vista”
(POLANYI, 2000, p. 126-127). Verifica-se, dessa forma, o desemprego em massa”; condições
de pobreza de grande parte da população das cidades; a piora do estado físico da população; os
males da promiscuidade; os problemas habitacionais entre outros, que caracterizam o
acirramento da questão social.
Neste processo de agravamento do conflito entre capital e trabalho, Karl Marx (1991)
aponta a exploração sofrida pelos trabalhadores, transformados em mercadorias no processo de
produção capitalista. O autor destaca as excessivas mortes por acidentes de trabalho e por doenças
decorrentes do trabalho; a exploração do trabalho infantil e o feminino; às condições insalubres e
desumanas a que eram submetidos os trabalhadores e os baixos salários. Tem-se que o capitalismo,
“mais do que qualquer outro modo de produção, esbanja seres humanos, desperdiça carne e sangue,
dilapida nervos e cérebros” (MARX, 1991, p. 99).
Diante desse quadro desfavorável e degradante das condições de vida da classe
trabalhadora, a mesma reage ao processo de exploração latente, os empobrecidos passaram a não
aceitar mais a situação de forma resignada, passaram a protestar, tornando-se uma ameaça real às
instituições sociais existentes. A politização dos problemas sociais é que os transforma em “questão
social” (NETTO, 2001). Aspectos que antes eram vistos como naturais e tratados de forma
individual ou como provenientes de desfuncionalidades passageiras da sociedade, passam a ser
polemizados e colocados como decorrentes do conflito de classes e da lógica perversa da
reprodução da sociedade de classes. A estratégia da burguesia perante o conflito instaurado foi
reunir intelectuais para construir explicações para o fenômeno sem comprometer a ordem social
estabelecida. A “naturalização”, a “desfuncionalidade”, “os desvios morais”, “o não-trabalho”, a
“criminalização” foram algumas das explicações utilizadas pela burguesia para desqualificar as
exigências feitas pelos que estavam fora do usufruto dos benefícios da nova sociedade burguesa.
Enquanto instrumento nas mãos da classe burguesa, o Estado passou a ser utilizado no
enfrentamento da questão social no sentido de amenizar ou reduzir seus efeitos através de políticas
sociais (NETTO, [1947], 2001).
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No período pós 1850 foi apresentado pelos liberais a criação de um conjunto de
associações voluntárias para a melhoria e a defesa social. A estratégia apresentada pelos liberais
buscava resolver os problemas dos indivíduos que não conseguiam se inserir na nova sociedade,
por meio do seu próprio esforço. Diante dessa lógica, a proposta criada para as políticas sociais
é torna-las de responsabilidade dos cidadãos, ou seja, da sociedade civil, que deveriam exercer
voluntariamente essa função de proteção das classes populares. Apontam-se três formas básicas
de proteção: a assistência aos indigentes através dos visitadores sociais, o desenvolvimento de
instituições de poupança e previdência voluntária e as instituições de proteção patronal. As
últimas mencionadas propuseram criar uma organização racional do trabalho, em que os donos
das empresas organizariam um sistema de proteção com a sua contribuição e a contribuição dos
operários, no intuito de até mesmo fornecer habitação aos trabalhadores (CASTEL, 1998).
Apesar das inúmeras estratégias da burguesia para cooptar e fragmentar a classe
trabalhadora, a mobilização da mesma se fazia presente. As estruturas de sindicato,
cooperativas e partidos exerciam importante papel na articulação e mobilização dos
trabalhadores. Fortemente influenciados por ideias socialistas, o que os mantinha unidos e
mobilizados era a confiança de que todos os benefícios que podiam ser feitos na sociedade
sejam pela via da revolução ou da conquista gradual, provinham da ação e da organização deles
próprios enquanto classe (HOBSBAWM, 2002).
Diante dos efeitos da revolução industrial e do acirramento da questão social os
pensadores liberais reconhecem que a ameaça à liberdade não se encontra apenas no Estado
mas também na própria sociedade, o que exige a reformulação do liberalismo. O Advento das
reformas liberais é caracterizado pela superação da dualidade entre os chamados de homens de
bem ou os notáveis em que exerciam uma concepção moralizante que via solução pela caridade
e o trabalho, e os partidários da luta de classes que concebiam os problemas sociais como frutos
da exploração e como solução a luta organizada para a revolução. Posições essas inegociáveis
até então. Perante o fracasso dos notáveis no enfrentamento da questão social, abriu-se um
espaço de mediação de negociação dos interesses diferentes. Constrói-se uma atmosfera para a
criação de legislações sociais que superem o caráter local e particular e comecem a adquirir um
caráter mais abrangente (CASTEL, 1998). A discussão da legislação social, por ocasião da
revisão da Lei dos Pobres, na Inglaterra, serve como exemplo para demonstrar como se deram
as diferentes posições a respeito da indigência, da situação das crianças, dos idosos, e dos
desempregados. Em outro sentido, o debate que se constrói ao final do século XIX, em relação
à importância da efetivação de políticas sociais, demonstra a nova mentalidade que se começa
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a estabelecer. Esse debate que se tinha a respeito das políticas sociais na dinâmica do progresso
de uma nação foi prejudicado pelos acontecimentos que se estabeleceram no início do século
XX. A Primeira Guerra Mundial, a Grande Depressão, o Nazismo e o Fascismo e a Segunda
Guerra Mundial foram os eventos históricos de grande expressão que ocultaram e dificultaram
o debate na maior parte do mundo. (POLANYI, 2000). Por outro lado, esses acontecimentos
contribuíram para que se efetivassem as opções socialista e a do liberalismo social como opções
à crise enfrentada pelas sociedades que tinham implementado as teorias do ideário do progresso.
A ideia de desenvolvimento em foco
Conceituar desenvolvimento é uma tarefa árdua porque se tem diferentes e
divergentes posicionamentos, problematizar a finalidade e para quem se destina é caminho
propício. Furtado (2000) destaca que o conceito de desenvolvimento na história contemporânea
tem sido usado em dois sentidos, o primeiro diz respeito à evolução de um sistema de produção,
em que por meio da acumulação e o avanço das técnicas alcança-se maior eficácia. Já o segundo
sentido parte da relação com o grau de satisfação das necessidades humanas. No entanto, esta
é uma relação ambígua, pois falar de necessidades humanas tanto pode ser objetivo como
subjetivo. Enquanto se estiver falando de necessidades elementares, tais como, alimentação e
habitação, a objetividade se faz mais presente. Mas à medida em que se afasta desse plano
chegamos à uma interpretação das necessidades baseada em um sistema de valores, em um
contexto cultural, onde se percebe diferentes apreensões do que seja necessidade. Diante disso,
constrói-se uma outra dimensão ao desenvolvimento. Portanto, a ideia de desenvolvimento
possui pelo menos três dimensões, a do incremento da eficácia do sistema social de produção,
a segunda seria a da satisfação de necessidades elementares da população e a terceira refere-se
à consecução de objetivos almejados por grupos dominantes e que competem na utilização de
recursos escassos. As discussões acerca do desenvolvimento estão ligadas à ideia de interesse
nacional em que fazem referência à terceira dimensão apresentada. Com o surgimento de
centros econômicos autônomos, o juízo de desenvolvimento está intimamente ligado ao ideal
de interesse nacional. Furtado analisa que
a reflexão sobre o desenvolvimento, no período subsequente à Segunda
Guerra Mundial, teve como causa principal a tomada de consciência do atraso
econômico em que vive a grande maioria da humanidade. Indicadores mais
específicos, tais como mortalidade infantil, incidências de enfermidades
contagiosas, grau de alfabetização e outros logo foram lembrados, o que
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contribui para amalgamar as ideias de desenvolvimento, bem-estar social,
modernização, enfim tudo o que sugeria acesso às formas de vida criadas pela
civilização industrial. (FURTADO, 2000, p. 25)
Este presente estudo busca elucidar o modelo capitalista de desenvolvimento e
perante este objetivo, Rotta (2007) destaca-se que a concepção capitalista de desenvolvimento
estruturou-se por meio da ideia de planejamento da economia e da sociedade para livrar-se das
crises e catástrofes ocasionadas pelo jogo das forças do mercado; de uma nova compreensão da
relação entre o Estado, mercado e sociedade civil, na direção do controle e da regulação e
ainda do compromisso negociado; de uma nova apreensão do processo histórico que as diversas
sociedades mundiais precisavam percorrer para obter o desenvolvimento e por fim, de numa
nova ideologia, a ideologia da modernização que propagava a ideia de que as sociedades que
quisessem alcançar o desenvolvimento teriam que implementar um processo de modernização
dos processos produtivos, das estruturas sociais, das instituições e até dos comportamentos
individuais. Essa busca pelo desenvolvimento por via da modernização leva ao que Furtado
(1983) apud Rotta (2007) chamou de “mito do desenvolvimento” onde se propagava a crença
da necessidade de sacrificar tudo e todos para que se alcançasse o modelo das sociedades
industriais modernas. O caminho propagado aos países mais pobres para se tornarem também
ricos era imitar o processo de industrialização desenvolvido nos países ocidentais (ALMEIDA,
1997).
Refletir sobre os caminhos do desenvolvimento é tarefa árdua mas necessária para
entender a dinâmica da sociedade e os seus efeitos na vida cotidiana dos indivíduos alvos das
políticas sociais. O capitalismo, desde a sua emergência, exercita claramente o seu poder de
reinvenção e adaptação às contradições oriundas de sua própria estrutura. A ideia de
desenvolvimento também caminha nesta mesma lógica de apreender as mudanças societárias,
de identificar a realidade social e reestabelecer suas bases. As reflexões sobre o
desenvolvimento continuam em evidência e se faz necessário refletir sobre novas visões e
pontos de vistas acerca da temática. Conforme tal assertiva, debruçaremos um pouco mais sobre
importantes pontos do pensamento de Furtado sobre a temática.
O ponto de partida para problematizar sobre desenvolvimento é ter em vista a
apreensão da realidade social, é identificar as entidades que assumem uma nova forma marcadas
pela ideia de estrutura. A estrutura é vista, como o ponto de partida para a apreensão da
totalidade, e ter uma visão totalizante é nada mais que identificar as simetrias do processo. É
preciso não perder de vista que a estrutura é uma das descrições da forma do todo, logo, projeta
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luz sobre certos aspectos particulares, deixando outros na sombra. (FURTADO, 2000). Tem-se
que a ideia em fluxo de desenvolvimento diz respeito a um processo de transformação, no
sentido de adoção de formas que não seguem uma simples lógica de desdobramentos das formas
já existentes, mas que na verdade, engloba o conjunto de uma sociedade.
Essa transformação está ligada à introdução de métodos produtivos mais
eficazes e se manifesta na forma de aumento do fluxo de bens e serviços finais
à disposição da coletividade. Assim, a ideia de desenvolvimento articula-se,
numa direção, com o conceito de eficiência, e noutra, com o de riqueza. As
formas mais racionais de comportamento correspondem uma satisfação mais
plena das necessidades humanas (FURTADO, 2000, p.41).
Dizer que a construção do desenvolvimento está intimamente ligada à ideia de
eficiência é ter claro que o que cria o desenvolvimento é a faculdade do homem para inovar
posto que possibilita o avanço da racionalidade no comportamento. “É porque o homem é um
agente criador que o desenvolvimento significa a gênese de formas sociais efetivamente novas”
(FURTADO, 2000, p. 42)
As proposições sobre desenvolvimento econômico têm enfatizado o processo
acumulativo das forças produtivas. Por trás dos aspectos quantitativos, alvos da preocupação
dos economistas, encontra-se o processo histórico de ascensão da civilidade industrial marcada
pela adoção dos padrões de modernidade por todos os povos. Diante desse processo de mudança
na forma de vida sob moldes da industrialização, tem-se que a função da criatividade no
desenvolvimento tenha perdido sua evidência, assim como a relação entre acumulação e os
valores que regem a vida social. O que se verifica é que esse processo oculta a existência de
modos de desenvolvimento que monopolizam a criação dos fins a favor de certos países.
Furtado (2000) destaca a importância da acumulação para a obtenção do desenvolvimento, mas
frisa que a mesma não é suficiente sozinha. Nesta relação entre acumulação e desenvolvimento,
um outro componente se faz necessário, o excedente ligado à estratificação social. O excedente
é alcançado por meio da estratificação social. É a estratificação social que permite à
acumulação. Portanto, os mesmos recursos que permitem o desenvolvimento das forças
produtivas são os mesmos que concebem as desigualdades sociais. “Por toda parte é o sistema
de dominação social que configura o perfil de distribuição de renda” (FURTADO, 2000, p.47).
Apreende-se que a ideia de desenvolvimento nasce atrelada ao projeto da
modernidade que buscava a emancipação do ser humano em relação ao pensamento mágico e
da religião, buscando afirmar a capacidade do homem gerir sua própria história pelo uso da
razão. As novas reflexões sobre o desenvolvimento trazem contribuições importantes para a
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construção de um novo papel das políticas sociais nas dinâmicas de desenvolvimento. Neste
traçar teórico, Rotta (2007) destaca-se a fragilidade das metodologias de aferir o
desenvolvimento e consequentemente a construção de políticas fundadas apenas no PIB e na
renda per capita. Ressalta-se a necessidade de se levar em conta os indicadores sociais, para
que de fato se tenha apreensão da totalidade social.
O entendimento da dinâmica do desenvolvimento traçado neste breve tópico buscou
elucidar o terreno histórico da efetivação do capitalismo na sociedade ocidental demonstrando
importantes aspectos para a sustentação do objetivo deste trabalho: o papel das políticas sociais
frente a desenvolvimento em moldes capitalistas. E é com essa problemática acerca do
desenvolvimento “para que e para quem? ”que refletiremos sobre a questão social.
O papel das políticas sociais frente ao acirramento da questão social
As transformações em curso no mundo são imprescindíveis para construção das
políticas sociais, e é diante dessa assertiva que se destaca a conjuntura histórica do surgimento
da chamada questão social e das estratégias de respostas a ela. No presente marco histórico
apreende-se que a natureza fora reduzida à terra privatizada, o homem tornou-se mercadoria,
reduzindo-se apenas à sua “força de trabalho”. Compreende-se que uma nova costura deu
coesão aos retalhos restantes do sistema feudal: a economia de mercado autorregulável, que
teve como alegoria máxima a indústria moderna (POLANYI, 2000 [1942]). Frente a isso
emerge a denominação de “questão social” na Europa Ocidental, na terceira década do séc.
XIX, para retratar o fenômeno do pauperismo5, proveniente da formação do capitalismo em seu
estágio industrial-concorrencial. Tem-se que “pela primeira vez na história registrada, a pobreza
crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas” (NETTO,
2001, p. 42). E esses pobres não se conformavam, mas passavam a protestar, evidenciando-se
dessa forma numa ameaça às instituições sociais existentes. Marx pôde elucidar com precisão
a respeito da questão social, para ele consiste em um processo complexo muito amplo,
indomável à sua mostra imediata como pauperismo. O que se verifica é que o desenvolvimento
5
CASTEL (1998) em seus estudos sobre as metamorfoses da “questão social”, na Inglaterra no século XIV, analisa
a existência de uma população pauperizada considerada entre indigentes inválidos, desobrigados do trabalho por
fatores tais como doença, velhice e viuvez e, diante disso, com direito à assistência, e indigentes válidos, os
vagabundos e similares, que estariam aptos ao trabalho, mas sem direito à assistência. Para o autor, este
“fenômeno”, o qual designa como pauperismo, não pode ainda ser entendido como uma expressão da “questão
social.
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capitalista produz a “questão social”. E as suas expressões se dão nos diferentes estágios
capitalistas. (NETTO, 2001). Castel (1998) analisa que a formação de um fragmentado e
miserável proletariado gerou progressivamente um processo revolucionário essencial à
constituição da modernidade liberal, permitindo, dessa maneira, que o acesso à força de trabalho
se tornasse o alicerce, para a reestruturação de toda a “questão social”. Conforme os estudos do
autor, o protagonismo dos atores sociais, o proletariado pauperizado, no cenário da época, é o
que leva à alteração do estatuto do pauperismo para “questão social”. Isso põe no centro a luta
de classe como fator determinante para o surgimento da “questão social”
Perante tal análise apreende-se que é a partir das lutas sociais e políticas travadas
pelo proletariado que passar a existir a “questão social”.
A ‘questão social’ não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da
sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros
tipos de intervenção, mais além da caridade e da repressão (IAMAMOTO,
1992, p. 77).
Conforme o traçar teórico até aqui percebe-se que a questão social é complexa pois
resulta das particularidades dos modos de produção e dos diferentes modos de efetivação do
desenvolvimento do capitalismo nas sociedades. A questão social se constrói a partir dos
vínculos históricos que amalgamam cada sociedade e das contradições que levam à sua ruptura.
Conforme as contradições, as rupturas e transformações nos estágios capitalistas na sociedade
moderna ocidental, emerge nas discussões do Serviço Social a problemática a respeito das
transformações da questão social, indagando a existência ou não de uma nova questão social.
Castel (1998) vai de encontro ao pensamento de uma “nova questão social. Seu posicionamento
evidencia que a conquista de um sistema de proteção social, em que possibilitou o cerceamento
do conjunto de necessidades básicas e ofereceu ao salariado condições de vida mais digna,
corresponde a uma curvatura no desenvolvimento capitalista e instaura uma nova condição da
classe trabalhadora, o que leva a extinção da “questão social” tal qual ela se manifestou com a
revolução industrial. Diante disso, o autor considera que há uma nova “questão social”, tendo
em vista que a “velha”, proveniente do processo de industrialização e das mazelas decorrentes
do mesmo, foi superada pelo sistema de proteção social estabelecido no pós-guerra, o
denominado Estado de Bem Estar Social.
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Com pensamento contrário outros autores tais como Pereira (2001) e Netto (2001)
consideram que a “questão social” em tempos atuais expressam a mesma contradição que
sustenta a base do sistema capitalista. O que se tem para estes autores, são novas expressões
diante das transformações da dinâmica do capital. Não se pode dizer em uma “nova questão
social” pois a velha não foi solucionada, o sistema que a originou se faz presente e depende da
sua existência. Portanto, para Pereira (2001) o enfrentamento e a possível extinção da questão
social se dar apenas por meio da supressão definitiva da estrutura da ordem vigente.
Castel (2011) destaca o papel do Estado no enfrentamento da questão social. As
contradições do capitalismo estão postas e os efeitos na classe trabalhadora necessitam ser
amenizados. O Estado age não simplesmente por comprometimento com os trabalhadores, pelo
contrário, é pela pressão política travada pelo proletariado e pelo imperativo estratégico do
mercado de manter suas bases de produção que ele se faz presente.
É por isso que as proteções construídas pelo Estado, as proteções sociais,
garantidas pela lei, têm tanta importância, porque se o Estado se retira, há o
risco do quase vazio, da anomia generalizada do mercado, pois este não
comporta nenhum dos elementos necessários à coesão social, muito pelo
contrário, funciona pela concorrência, “não faz sociedade” (CASTEL, 2011,
p. 298).
Diante desse imperativo, onde se situa as políticas sociais? A quem elas atendem?
Conforme traz Pastorini (1997), quem de fato mexe os fios da política social? Esses são
questionamentos que procuraremos a partir de então responder.
A política social deve ser entendida como formas de mediação entre as necessidades
básicas de valoração e acumulação do capital. É a maneira pela qual o sistema por meio da ação
estatal controla os não satisfeitos com o modo de vida imposto pelo capitalismo. O Estado é
quem se responsabiliza pelo bem-estar dos cidadãos e, em decorrência, cria e planeja atuações
dirigidas à proteção das classes sociais fragilizadas e estende a proteção a todos aqueles
cidadãos em situação de risco, seja ocasionado por doenças, incapacidade física, aposentadoria
ou outras situações que comprometam a capacidade para o trabalho. Desta maneira, o Estado
busca estabelecer um complexo sistema de seguridade social que assegure prestações sociais
ante as contingências e necessidades com o intuito de propiciar ainda que minimamente
condições de vida digna. A estratégia utilizada é efetivar políticas sociais pontuais para atender
precisões pontuais. O Estado Social por conseguinte, legitima sua função justamente em seu
caráter social ao reconhecer os direitos sociais e ao se vê na obrigação de materializar um bem
estar aos cidadãos em geral. Esses objetivos estão intimamente ligados ao sistema de prestações
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e às políticas sociais. Porém, é imprescindível que se fique claro que o Estado Social assume
posições muito diversificadas nos diversos países em que se instala, levando-se em conta a
realidade social e política encontrada em cada lugar, no entanto, sem perder de vista as suas
bases de sustentação. (ROTTA, 2007)
Conforme Netto (2001), a funcionalidade essencial da política social no Estado
burguês é preservar o controle da força de trabalho, por meio tanto dos sistemas de seguro social
como pela própria regulamentação das relações entre trabalhadores e capitalistas. Dessa
maneira, tem-se que o peso da política social é assegurar as condições necessárias para o
desenvolvimento monopolista. O que se pretende elucidar não é a decorrência natural das
políticas sociais no Estado burguês, pelo contrário, este caráter natural não existe, não há
dúvidas que tais políticas são frutos da capacidade de mobilização da classe trabalhadora.
Entretanto não se pode reduzir a análise de forma tão dualística, a emergência das políticas
sociais se dá em um campo marcado pela contradição e conflito, onde se realizam alianças e
rupturas que trazem novos apontamentos para a dinâmica societária.
Seguindo a lógica do entendimento tradicional aprende-se que perante a
naturalização das desigualdades, a política social entra em cena e encontra seu espaço, é
justamente, na compensação das desigualdades do mercado que a política social age no intuito
de compensar a distribuição desigual da esfera produtiva do sistema. (PASTORINI, 1997)
Alguns autores da perspectiva tradicional veem a política social com característica
redistributiva, e a exaltação dessa característica é estrategicamente propícia ao sistema, pois
não se questiona a distribuição de riqueza e o Estado, portanto, não assume o papel de
interferência na economia em prol da reversão da desigualdade. Já a interpretação marxista das
políticas sociais, conforme Pastorini (1997), observa uma dualidade contraditória no processo,
para os autores que seguem essa linha interpretativa as políticas sociais demonstram a imagem
de redistributivas e ao mesmo tempo favorecem às classes dominantes, ao desempenharem o
papel de diminuir os custos de manutenção e reprodução da força de trabalho.
Do ponto de vista das classes trabalhadoras, estes serviços podem ser
encarados como complementares, mas necessários à sua sobrevivência, diante
de uma política salarial que mantém os salários aquém das necessidades
mínimas historicamente estabelecidas para a reprodução de suas condições de
vida (...). Porém, à medida que a gestão de tais serviços escapa inteiramente
ao controle dos trabalhadores (...) tendem a ser utilizadas como meio de
subordinação dessa população aos padrões vigentes (...). Do ponto de vista do
capital, tais serviços constituem meios de socializar os custos de reprodução
da força de trabalho. (IAMAMOTO, 1992, p. 97)
12
Para finalizar a discussão tomo como auxilio o posicionamento de Behring (2000)
acerca da política social no capitalismo tardio. É preciso estar claro que a política social esteve
e está no centro do embate político e econômico pois ela é claramente um componente básico
da relação salarial no processo de reprodução da força de trabalho. O significado da política
social não pode ser apreendido pela sua inserção natural e objetiva e nem tampouco, apenas
pela luta coletiva dos sujeitos em condição subalterna, pois, é fruto da totalidade dessas ações
historicamente construídas, portanto, tem que se levar em conta continuamente, o processo de
demanda, luta, negociação, alianças e rupturas que caracterizam a sociedade moderna ocidental.
Considerações finais
O trajeto histórico das concepções de desenvolvimento e do surgimento das
políticas sociais feito neste breve espaço evidenciou que as ideias nascem das situações vividas
e da disputa política entre os sujeitos coletivos que compõem a história. História esta que está
para além do desenvolvimento de modos de produção capitalista, sua origem parte de
importantes elementos apresentados ainda no período em que o mundo era apenas explicado
pela magia e pela religião. Apreende-se que a modernidade rompeu com a lógica tradicional de
proteção social, exigindo a criação de novos mecanismos que levaram à consolidação das
políticas sociais. Deste modo, entende-se que desenvolvimento e políticas sociais são frutos da
modernidade e desta maneira devem ser analisados.
Ao destacar as raízes da questão social, o que se buscou foi sustentar o
entendimento de que é a ela que as políticas sociais reponde, mas não é uma resposta simplória
e direcionada unicamente às expressões da questão social. As políticas sociais respondem
também e principalmente às exigências dos modos de produção, ao mercado capitalista, se
configura como um componente necessário para o desenvolvimento e estabelecem uma relação
íntima que tem o Estado como interlocutor. Mais do que mediador o Estado é o executor dessas
políticas, é a instituição que chega até às mazelas da questão social e atua para amenizá-las,
com o pleno objetivo de evitar o colapso das contradições capitalistas.
O Estado em tempos de capital monopolista tem sido cooptado pela classe
dominante, e desta maneira suas ações são direcionadas em favor desse segmento. No entanto,
é ele o captador das lutas travadas no sistema, e a classe trabalhadora se articula diante dessa
premissa. As políticas sociais são respostas à pressão da classe trabalhadora, é o sistema se
reinventando e os trabalhadores se organizando por melhores condições de vida.
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Esta breve reflexão buscou problematizar o ideal de desenvolvimento em voga e o
papel das políticas sociais neste processo. Não se buscou construir uma visão pessimista ou
negativa a respeito da política social, o intuito foi traçar a finalidade da mesma para o sistema
e evidenciar as suas contribuições para as condições de vida das classes populares. Diante disso
tem-se que importantes contribuições foram atingidas. Em primeiro lugar, a política social deve
ser analisada inserida na realidade social levando-se em conta os agentes que a constrói. Em
segundo, o Estado se consolidou como o mediador entre burguesia e classe trabalhadora e neste
terreno encontrou finalidade para a política social. Em última análise, a política social é
ferramenta do capital e necessária à manutenção da força de trabalho. Portanto, é preciso ter
claro, ao mesmo tempo em que atende à classe trabalhadora, favorece à classe dominante, pois
mantém a desigualdade social e a perspectiva de desenvolvimento capitalista se sustenta na
sociedade moderna ocidental.
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