Goiânia e Heidelberg, 02 de setembro de 2015
Senhora
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Palácio do Planalto, Praça dos Três Poderes, Brasília – DF
Ref.: Ataque à comunidade Guarani e Kaiowá Ñande Ru Marangatú e assassinato do
jovem Semião Vilhalva.
Excelentíssima Senhora Presidenta:
Receba as saudações da FIAN Internacional, uma organização de Direitos
Humanos que trabalha pela realização do direito à alimentação e nutrição adequadas há
cerca de 30 anos. O nosso Secretariado Internacional tem sede em Heidelberg,
Alemanha. Contamos com seções e coordenações nacionais em 20 países por todo o
mundo, incluindo o Brasil. A FIAN tem status consultivo ante a Organização dos
Estados Americanos e das Nações Unidas, incluindo representação permanente em
Genebra. A Seção Brasileira da FIAN Internacional e o próprio Secretariado
Internacional acompanham, desde 2005, a situação das comunidades indígenas Guarani
e Kaiowá do Estado de Mato Grosso do Sul.
O propósito desta carta é expressar nossa profunda preocupação com o ataque
contra a comunidade Guarani e Kaiowá Ñande Ru Marangatú, que culminou com a
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morte de jovem Semião Vilhalva de 24 anos e outros feridos; dentre eles, uma criança
de um ano de idade atingida por bala de borracha1.
No dia 29 de agosto, cerca de cem fazendeiros armados e com coletes à prova de
balas, em quarenta caminhonetes, se dirigiram à Fazenda Barra2, com o propósito de
expulsar, de maneira ilegal, os Guarani e Kaiowá do seu território ancestral.
No dia 30 de agosto, o caixão com o corpo do jovem Semião Vilhalva foi
entregue à comunidade por um motorista terceirizado da Secretaria Especial de Saúde
Indígena (Sesai)3.
A terra indígena Ñande Ru Marangatú foi homologada pelo ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, em 28 de março de 2005, mas o processo foi suspenso por meio de
uma liminar concedida pelo então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson
Jobim, no mesmo ano de 2005 (MS nº 25463). Desde então, o processo aguarda
julgamento e atualmente está sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
A comunidade de Ñande Ru Marangatú tem sido afetada, nos últimos 10 anos,
pelo uso protelatório de ações judiciais, que visam impedir a execução do decreto de
homologação, o qual foi emitido segundo o ordenamento jurídico brasileiro. Os recursos
judiciais e a morosidade em seu julgamento têm causado a violação do direito dos
povos indígenas ao seu território e à alimentação adequada. Em razão da demora de 10
anos para o julgamento, pelo STF, do Mandado de Segurança nº 25463, a comunidade
decidiu, em 23 de agosto deste ano, ocupar as áreas que se sobrepõem ao seu Tekoha
Ñande Ru Marangatú. Foi esta reocupação que gerou o ataque do dia 29 de agosto.
1
- CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Nota Pública. Disponível em: http://www.cimi.org.br/site/ptbr/?system=news&action=read&id=8297 . Acesso em: 31 de ago. 2015.
2
-CORREIO DO ESTADO. Notícias. Disponível em:
http://www.correiodoestado.com.br/cidades/autoridades-confirmam-morte-de-indigena-em-area-deconflito-no/256339. Acesso em: 31 de agos.205.
3
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Nota Pública. Disponível em: http://www.cimi.org.br/site/ptbr/?system=news&action=read&id=8297. Acesso em: 31 de ago.2015.
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Importante registrar que foi noticiado pela imprensa local, Dourados News4, que
na data de 29 de agosto, pela manhã, houve reunião na sede da Federação de
Agricultura de Mato Grosso do Sul (FAMASUL), na cidade de Antônio João. Desta
reunião participaram produtores rurais, o Deputado Luis Henrique Mandetta (DEM), a
Deputada Tereza Cristina (PSDB) e o Senador Valdemir Moca (PMDB). Logo após a
reunião, cerca de cem pessoas, armadas e com coletes a prova de balas, em quarenta
caminhonetes, se dirigiram para expulsar a comunidade.
Este fato é forte indício de que estão organizados representantes do poder
público junto a particulares detentores de grande poder econômico, para a realização de
atos ilícitos. Esses atos visam barrar o direito ao território que foi constitucionalmente
reconhecido aos indígenas do Brasil e se constituem em reação criminosa a
exigibilidade dos direitos das comunidades indígenas.
Desde a suspensão do processo de demarcação pelo STF, os indígenas que lutam
pelas suas terras, há mais de quatro décadas, continuam sem direito ao seu território, nos
termos que lhe garante a Constituição Federal da República Federativa do Brasil.
Vivem, portanto, em situação de marginalização e dentro de um quadro gravíssimo de
violações de todos os seus direitos fundamentais em razão da ação e omissão do Estado
Brasileiro.
É importante também registrar que, recentemente, em decisão ainda não
publicada do STF no MS nº 31245, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu
que o Mandado de Segurança não é a via adequada para discutir demarcação de terras
indígenas.
Nesse contexto, o Estado Brasileiro não pode continuar descumprindo
obrigações internacionais previstas em tratados de direitos humanos, como, por
4
DOURADOS NEWS. Notícias. Disponível em:
http://www.douradosnews.com.br/noticias/cidades/revoltada-presidente-de-sindicato-deixa-reuniao-ediz-que-vai-retomar-terra-invadida. Acesso em 31 de ago.2015.
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exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, a
Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção 169 da OIT, entre outros.
Em
particular,
perpetuando
as
violações
do
direito
ao
território,
que
é
constitucionalmente reconhecido. Assim, em razão dos fatos expostos, a Fian Brasil e o
Secretariado Internacional da FIAN requerem aos três poderes do Estado brasileiro:
Ao Poder Executivo:
a) Que sejam garantidas ações emergenciais de respeito, proteção,
promoção e provimento de direitos fundamentais como saúde,
alimentação, água, moradia, educação e segurança., até a data em que
lhes seja efetivamente garantido o seu direito ao território;
b) Que sejam aceleradas as ações necessárias para conclusão definitiva do
processo de demarcação da T.I Nhanderu Marangatu e de outras Terras
Indígenas do Estado, para que não se repitam casos de violência como o
que vimos em Ñande Ru Marangatu;
c) Que se crie uma força tarefa para investigar o ocorrido, identificar os
autores e partícipes do assassinato do jovem indígena Semião Vilhalva e
garantir a punição exemplar de todos responsáveis pelos atos de
violência contra a comunidade Ñande Ru Marangatú, ocorridos no dia 29
de agosto.
Ao Poder Judiciário:
d) Que o STF julgue o Mandado de Segurança nº 25463, pendente de
julgamento há 10 anos;
e) Que o mandado de segurança não seja aceito como instrumento para
discussão de processos demarcatórios de terras indígenas;
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Ao Congresso Nacional:
f) Que apure a participação e envolvimento de Deputados Federais e
Senadores no ataque realizado no dia 29.08, no Município de São
João/MS, contra a comunidade Ñande Ru Marangatú e adote as medidas
adequadas.
Atenciosamente,
Marcelo
Brito
dos
Diretor Presidente da FIAN Brasil
Santos
Flávio Valente
Secretário Geral da FIAN Internacional
Com cópia para:
Ministro da Justiça
José Eduardo Cardozo
Presidente da FUNAI
João Pedro Gonçalves da Costa
Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça
Ricardo Lewandowski
Relatores das Nações Unidas sobre povos indígenas, defensores de DDHH e
Alimentação
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
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Serviço Europeu de Ação Exterior em Bruxelas, Bélgica.
Comissões de Direitos Humanos e Relações entre UE e Brasil no Parlamento Europeu.
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