Issn 0102-0382 • ano 119 • Nº 358 • abr/mai/jun • 2011
11 de junho:
aniversários do
clube naval e da
batalha naval
do riachuelo
Nesta edição:
4 editorial
• A nova Diretoria para o biênio 2011/2013
6 EM PAUTA
• Notas sobre acontecimentos no CN
8 11 de junho
As comemorações dessa data histórica no Clube Naval
16 defesa
estratégia nacional de defesa. uma brave análise
• Alte-de-Esq Mario Cesar Flores
estratégia
nacional de
defesa • Pág 16 •
• Como foi tratada a
Defesa Nacional, desde
1930 até o atual e
complexo documento
aprovado em 2008
• Mario Cesar Flores
21 atualidade
a nova “união soviética” (islâmica)
• Reis Friede
22 atualidade
áfrica e oriente médio, da primavera
direto para o outono político
• CMG Roberto Carvalho de Medeiros
26 atualidade
a recuperação japonesa
• Fernando Malburg da Silveira
32 direito internacional
bin laden e o direito internacional
• José Monserrat Filho
a recuperação
japonesa • Pág 26
• Diante da catástrofe
sofrida, o povo japonês
dá um bom exemplo ao
mundo • Fernando
Malburg da Silveira
34 opinião
além de bin laden
• Claudio Fabiano de Barros Sendin
35 clube naval
a praça d’armas da marinha
• CMG Paulo de Paula Mesiano
38 odontologia
o seu sorriso é a nossa vitória – 75 anos da
odontoclínica central da marinha
• Marcello José Gomes Loureiro
44 física
a crise
• CMG Paulo Roberto Gotag
53 marinha do brasil
43º aniversário da estação rádio da marinha
(erms) em salvador
54 marinha do brasil
jubileu de prata da ermn
• Cap-de-Corv Eduardo Rabha Tozzini
56 marinha do brasil
comando da força de submarinos
completa 97 anos
bin laden e
o direito
internacional
• Pág 32 • O episódio
do assassinato do líder
terrorista, visto pelo
prisma legal • José
Monserrat Filho
58 direito
adequação da legislação militar
• Roberto Carlos do Vale Ferreira
62 navios da mb
aviso de transporte fluvial piraim
• 1º Ten Igor Corrêa
64 personalidade
vida e morte do comandante lorena
• Luís Severiano Soares Rodrigues
68 segunda guerra
recordações de um tripulante especial
do cruzador bahia
• VAlte Estanislau Façanha Sobrinho
70 ensaio
o curumim, visão livre
• CMG Sergio L. Y. dos Guaranys
72 histórias navais
a boia do magdalena
• Cap-Ten Carlos Roberto Continentino Ribeiro
74 última página
para que servem os militares
• Citação de Barack Obama
áfrica e
oriente médio,
da primavera
direto pra o
outono político
• Pág 22 • Análise
dos recentes movimentos
sociais no Oriente Médio
• CMG Roberto Carvalho
de Medeiros
No dia 11 de junho passado, foi comemorado o 146º aniversário
da Batalha Naval do Riachuelo e o 127º aniversário do Clube Naval.
Na ocasião, tomou posse a nova Diretoria para o biênio 2011/2013,
composta dos seguintes membros:
Presidente: Vice-Almirante (Ref) Ricardo
Antônio da Veiga Cabral
1º Vice-presidente: Vice-Almirante (FN)
Carlos Alfredo Vicente Leitão.
Diretor do Departamento Esportivo:
Vice-Almirante (FN-Ref) Paulo Frederico
Soriano Sobbin
2º Vice-presidente: Contra-Almirante
(RM1) Ricardo Sérgio Paes Rios.
Diretor do Departamento Náutico:
Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1) Fernando
Araújo de Almeida
Diretor Cultural: Vice-Almirante (RM1)
José Eduardo Pimentel de Oliveira
1º Secretário: Capitão-de-Mar-e-Guerra
(FN-RM1) José Joaquim Pires
Diretor Social: CF (EN-Ref) Mario Márcio
Simões Huguet
2º Secretário: Capitão-de-Mar-e-Guerra
(T-RM1) Nilcéa Aparecida Noble Santos..
Diretor Financeiro: Contra-Almirante
(IM) Francisco José de Araujo
Também tomaram posse o Presidente
do Conselho Diretor, Capitão-de-Mar-eGuerra (Ref) Fernando Moraes Baptista
da Costa, o Presidente do Conselho Fiscal,
Capitão-de-Mar-e-Guerra (IM-Ref)
Haroldo Rodriguez da Cunha Fonseca,
bem como os respectivos Conselheiros.
Diretor da CHI: Vice-Almirante (EN-RM1)
Lauro Reis Salgado
Diretor da CABENA: Contra-Almirante
(IM-RM1) Carlos Henrique Miranda
A família naval prestigiou o evento,
destacando-se a presença do Comandante
da Marinha, dos Ex-Presidentes do Clube,
Almirante-de-Esquadra (Ref) Alfredo Karam e
Vice-Almirante (Ref) Odilon Luiz Wolstein,
dos Almirantes sediados na cidade do Rio de
Janeiro e de centenas de Sócios, dentre eles,
jovens oficiais, que com suas esposas, noivas
e/ou namoradas, respaldaram o propósito de
revigoramento do Quadro Social do Clube.
Na Sessão Magna comemorativa da data,
foram feitas a alocução pelo Contra-Almirante
José Carlos Mathias e os discursos do
Comandante da Marinha, Almirante Moura
Neto e do Presidente do Clube Naval,
Almirante Veiga Cabral.
O Prêmio Almirante Tamandaré do ano 2011
foi concedido ao Capitão-de-Mar-e-Guerra
(RM1) Cláudio da Costa Braga.
Registramos, também, no trimestre que se
finda, a realização do 19º Salão do Mar, no
período de 28 de abril a 13 de maio de 2011.
Além das atividades festivas, proporcionamos
aos Sócios uma variedade de eventos, o que
denota o dinamismo de nossa Instituição.
Issn 0102-0382 • ano 119 • nº 358 • abr/maI/jun • 2011
11 de junho:
anIversárIos do
clube naval e da
batalha naval
do rIachuelo
•••
Clube Naval
Av. Rio Branco, 180 • 5º andar
Centro • Rio de Janeiro • RJ
Brasil • 20040-003
Tel.: (21) 2112-2425
Presidente
V Alte Ricardo Antonio da Veiga Cabral
Diretor do Departamento Cultural
Nossa capa
O monumento ao
Almirante Saldanha da Gama,
inaugurado em 1946 durante
a presidência do General
Eurico Gaspar Dutra, está
localizado no Jardim de Alah,
no bairro do Leblon, na zona
Sul do Rio de Janeiro.
O Projeto é de autoria do
escultor brasileiro Antônio
Caringi, integrante da
Academia de Belas Artes de
Munique, Alemanha.
Caringi ergueu um admirável
obelisco alusivo à vitória
brasileira na Batalha do
Riachuelo, utilizando bronze e
granito como componentes
principais de sua obra
memorial dedicada ao
herói Saldanha da Gama.
V Alte José Eduardo Pimentel de Oliveira
•••
Editoria
VAlte José Eduardo Pimentel de Oliveira
CMG Adão Chagas de Rezende
Jornalista Responsável
Antônio de Oliveira Pereira
(DRT-MT. Reg. 15.712)
Direção de Arte e Diagramação
AG Rio - Comunicação Corporativa
[email protected]
(21) 2569-9651
Produção
José Carlos Medeiros
Atendimento Comercial
Tel.: (21) 2262-1873
[email protected]
•••
As informações e opiniões emitidas em
entrevistas, matérias assinadas e cartas
publicadas são de exclusiva responsabilidade
de seus autores. Não exprimem,
necessariamente, informações, opiniões
ou pontos de vista oficiais da Marinha do
Brasil, nem do Clube Naval, a menos que
explicitamente declarado.
A transcrição ou reprodução de matérias aqui
publicadas, em todo ou em parte, necessita
da autorização prévia da Revista do Clube Naval.
•••
Os artigos enviados estão sujeitos a cortes
e modificações em sua forma, obedecendo
a critérios de nosso estilo editorial.
Também estão sujeitos às correções
gramaticais, feitas pelo revisor da revista.
As fotos enviadas através de e-mail devem
medir o mínimo de 15cm, em jpg ou tif,
com 300dpi.
•••
4
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
5
aniversário do
presidente DO CLUBE NAVAL •
Inauguração do Salão do Mar • A abertura do 19º Salão do Mar, o segundo mais tradicional Salão de Belas Artes
do Clube Naval, aconteceu em 28 de abril. Inicialmente, às 18h, com apresentação das obras premiadas, em telão de projeção,
no Salão dos Conselheiros, a entrega de troféus e diplomas aos artistas em destaque. Às 18:30h, no Salão Nobre, a abertura
da exposição, quando o Presidente, Vice-Almirante Ricardo Antonio da Veiga Cabral e o Diretor Cultural, Vice-Almirante José
Eduardo Pimentel de Oliveira, descerraram a fita inaugural, e foram apresentadas as diversas obras de arte, enquanto era
servido um coquetel. O prêmio Aquisição, o mais importante do Salão, foi entregue ao artista plástico Roger Vianna, por
sua aquarela "Marinha". Na foto, a Comissão Julgadora e membros da Comissão de Organização, em almoço de
confraternização no dia 5 de abril, onde estão Mazza Francesco, (professor idealizador e fundador do Salão do Mar),
Maria Helena Coelho Curti, Vice-Almirante Pimentel, Diretor do Departamento Cultural, Comte Hugo Bernardi,
Comte Ronaldo Machado Cevidanes, Comte Osmar Boavista, Comte Eurico e Comte Chagas.
Em 29 de junho, foi comemorado o
aniversário do Presidente do Clube
Naval, Vice-Almirante Ricardo Antonio
da Veiga Cabral, acontecido dia 26 do
mesmo mês. Reunidos inicialmente em
coquetel no Salão Verde, ás 12:30h, e
em seguida em almoço, no Salão
Vermelho, os membros da Diretoria e
suas esposas felicitaram o Presidente
e sua esposa, Sra. Elsa. O tradicional
parabéns e o corte do bolo foram
momentos de alegria e emoção,
somados aos votos de um futuro
feliz ao casal e sua família.
palestra do pré sal • No dia 12 de abril, no Salão dos Conselheiros,
o Assessor Técnico da Gerência Executiva do Pré Sal da Petrobras, Dr. Alberto Sampaio
de Almeida, proferiu oportuna palestra para sócios e convidados, entre eles o Presidente,
Vice-Almirante Ricardo Antonio da Veiga Cabral. Ao final, foi entregue um diploma em
reconhecimento ao palestrante por seu trabalho envolvendo um tema de vital
interesse para o Brasil.
eventos e
comemorações
na sede social
Turma Bauclair, de 1943,
troca de presidente em concorrido almoço • O Comte Marcelo de Lyra
assumiu a presidência da "Turma Bouclair", sucedendo o Comte Jorge Manuel da Purificação.
Junto à turma de 1943, os oficiais e suas esposas, estava oVice-Almirante Veiga Cabral,
Presidente do Clube Naval, participando do almoço do dia 15 de junho e desejando um
promissor mandato ao novo dirigente.
eleições para
presidente 2011 • Os sócios mais antigos representam
a memória viva do Clube, suas presenças e relatos retratam
fielmente os fatos que, somados, traduzem a sua história.
Com muita alegria, o Presidente, Vice-Almirante Veiga Cabral,
recebeu o Vice-Almirante EN Abel Campbell de Barros, 98
anos de idade, quando de sua visita à Sede Social, para exercer
seu direito de votar. Exemplo da democracia que sempre
alicerçou os destinos do Clube, regido desde sua fundação por
administrações representativas da vontade dos Sócios.
6
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
7
eventos e
comemorações
na sede social
O11 DE JUNHO NO CLUBE NAVAL
11 DE JUNHO
Alocução da Capitão-de-Mar-e-Guerra (Md-RM1)
Sheila Aragão de Andrada
Cerimônia cívica
em homenagem ao Almirante
Saldanha da Gama
A
linha da história nos traz aqui pela primeira vez para
enobrecermos um calendário onde datas muito significativas são alinhavadas num tecido que, bordado, exibe
monumento a Saldanha da Gama
para
nossa lembrança a silhueta de homens memoráveis e
recebeu expressiva comitiva do Cludesenhos
epopeicos dos méritos de nossa Marinha.
be Naval, no dia 10 de junho, às 9h,
Nesta convergência de comemorações de momentos
ocasião em que o presidente do Clube
históricos, exaltamos a Batalha Naval do Riachuelo, data
Naval, Alte Ricardo Antonio da Veiga CaMagna da Marinha na figura de nosso patrono Alte Tamanbral, fez aposição floral em homenagem
daré e, celebramos os 127 anos do Clube Naval, reunidos em
ao Alte Luiz Filipe de Saldanha da Gama,
frente ao Monumento do Almirante Saldanha da Gama.
em comemoração ao 146º aniversário
Com honra patriótica e nobres espíritos, enfileiraramda Batalha Naval do Riachuelo e 127º CMG Sheila Aragão fala aos presentes
se
diversos
vultos em nome da Marinha do Brasil, mas
aniversário do Clube Naval, do qual foi durante o evento
alguns deles são exemplos tão fiéis de inteligência, corafundador e presidente.
gem, bravura e lealdade, que representarão sempre essa gama de
A praça Almirante Saldanha da Gama, Jardim de Alah, Leblon,
homens que marcaram sua época e legaram às seguintes a força de
RJ, onde se localiza o monumento tornou-se o local escolhido para
suas palavras e de suas ações.
a expressiva homenagem, realizada anualmente. O espaço aberto e a
Um desses ilustres homens foi Luiz Philippe de Saldanha da
beleza natural proporcionam ambiente adequado para a perfeita inGama,
nascido em Campos dos Goytacazes no ano 1846. Já na
tegração da sociedade civil com os militares da Marinha do Brasil que
infância
destacou-se por sua inteligência e, aos 14 anos, ingressou
por dever e honra patriótica homenageiam esse importante oficial.
como aspirante a Guarda-Marinha da Escola da Marinha.
O Coro do Clube Naval, sob a regência da Maestrina CMG (S-RM1)
Com 18 anos apenas, quando o Alte Tamandaré, durante a CamSylvia da Costa Orazem, interpretou um Hino para o Clube Naval.
panha Oriental, iniciou o cerco a Paissandu, o então Guarda-Marinha
A cerimônia teve a participação de autoridades civis e militares
Saldanha da Gama, embarcado na Fragata Amazonas, dirigiu-se ao
da Marinha, Exército e Aeronáutica, de estudantes e do público
rio da Prata onde participou pela primeira vez de uma ação militar,
habitualmente frequentador do local. A todos foi proporcionada
assim recebendo seu batismo de guerra contra o Uruguai. Sua braa oportunidade de estar em convívio com fatos da História do
vura nessa guerra foi louvada pelo Alte Tamandaré.
Brasil e seus heróis.
Casou-se com D. Emília Josefina de Melo e, por um longo períComo tradicionalmente acontece foi proferida alocução,
odo, esteve embarcado em diversas ações militares.
publicada a seguir, em exaltação às datas históricas e ao Alte
Aos 23 anos, quando promovido a Capitão-Tenente, equivalente
Saldanha da Gama.
hoje a Capitão-de-Corveta, aprimorou-se intelectualmente.
O jovem oficial devido a sua fluência em línguas que mais tarde
somaram-se diversas, entre elas francês, inglês, espanhol, com conhecimento, também, da língua italiana e alemã, teve gosto pela leitura e, com
O
8
Revista do Clube Naval • 358
cartas ao seu pai na campanha paraguaia, abriu um caminho de escritor
com diversas obras impressas. Com inteligência aguçada e elegância,
atuou como um verdadeiro diplomata quando o Império o escolheu para
representá-lo junto à Exposição Internacional de Viena, em 1873.
Aos 30 anos foi designado membro da Comissão que representaria
o Brasil na Exposição Internacional da Filadélfia nos Estados Unidos.
Aos 33 anos, depois de integrar a Missão Especial à China, já como
Capitão-de-Fragata, assumiu o comando da Corveta Paraíba e dirigiu-se
a Buenos Aires como Delegado do Império na Exposição Continental.
Seus conhecimentos foram expandidos até a ciência astronômica e levaram o Imperador a designá-lo para conduzir a Missão
do Dr. Louis Cruls, em Punta Arenas no Chile, onde devia assistir
à passagem do planeta Vênus pelo disco solar.
Como a mente de um homem brilhante não descansa, em busca
de componentes que coroem o tempo com novas ideias sempre em
prol de seu grupo, sua classe, sua instituição e seu país, Saldanha
da Gama vislumbrou a união de pessoas que formariam um clube,
o nosso hoje homenageado Clube Naval.
Foi um militar obstinado e disciplinado, um comandante vigoroso e reconhecido pelos seus comandados. À frente da Escola Naval
que havia passado por períodos de muita indisciplina, seu prestígio
aumentou. Foi um diretor exigente que modificou a instrução militar, implantando liderança e, entre outros itens, noções de boas
maneiras. Homens assim edificaram uma Marinha como a nossa,
na tradicional excelência e no trato.
Num momento de transição política do país até a sua derradeira
batalha em Campo de Osório, em 24 de junho de 1895, este homem
não foi um guerreiro selvagem e intempestivo. Foi sua educação,
sua personalidade, suas opiniões pessoais e sua postura política que
o endereçaram a conflitos partidários.
A Nação continuou seu curso histórico e Saldanha da Gama
pertence hoje a esse quadro dinâmico como um representante
heroico da Marinha do Brasil. Viveu e morreu deixando ecoar uma
existência para além de seu consagrado uniforme. Era um ser humano fiel a seus princípios.
Passados 127 anos, quando tomamos conhecimento hoje das
iniciativas da atual Presidência do Clube Naval que implanta o
ensino da língua mandarim, entre outras atividades que se tornam
ferramentas expressivas para um mundo globalizado e contem-
Revista do Clube Naval • 358
porâneo, podemos enxergar o passado como uma colcha colorida
que nunca acaba de ser costurada pelas ideias daquele Almirante.
Podemos ouvir sua voz reverberando na atualidade, ensinando-nos
a nos reprogramar e a manter sempre acesa a chama do orgulho
de sermos homens e mulheres embarcados no seu mesmo navio, o
navio ideológico de Saldanha da Gama, o navio itinerante da nossa
história, um navio construído pela Marinha do Brasil.
Muito obrigada!
Missa em Ação de Graças
N
a manhã do dia 10 de junho, às 11h, realizou-se na Igreja da
Santa Cruz dos Militares, a Missa em Ação de Graças, dedicada
à Marinha do Brasil, ao Clube Naval, por seus 127 anos, aos
seus sócios falecidos e atuais sócios e administradores.
Reconhecendo o dom da vida e o trabalho que dignifica o ser
humano, o presidente do Clube Naval, Alte Ricardo Antonio da Veiga
Cabral, e sua esposa, os membros da Diretoria e inúmeros convidados, participaram da Santa Eucaristia. O Coro do Clube Naval,
regido pela Maestrina Sylvia da Costa Orazem, se apresentou na
celebração, pela primeira vez, entoando todos os cantos litúrgicos,
emocionando principalmente no canto da comunhão.
Após a benção final, exaltando a união pelo amor em Cristo, os
homens do mar se confraternizaram, com votos de paz e confiança na
construção de um futuro sempre promissor para o Clube Naval.
9
Sessão Magna
O Comandante da
Marinha, Alte-de-Esq
Júlio Soares de Moura
Neto, em seu discurso, na
Sessão Magna
Renovando o compromisso e honrando a tradição.
N
o dia 11 de junho, às 21 horas, teve início a principal solenidade realizada
anualmente no Clube Naval, presidida pelo Presidente do Clube, a Sessão
Magna em Homenagem à Batalha Naval do Riachuelo, data Magna da
Marinha e ao 127º aniversário do Clube Naval.
Neste 127º aniversário do Clube Naval, na presença do Comandante da
Marinha Almirante-de-Esquadra Julio Soares de Moura Neto, do ex-Ministro da
Marinha Almirante-de-Esquadra Alfredo Karam, do Presidente do Clube Militar
General-de-Exército Renato Cesar Tibau da Costa, do Presidente do Clube de
Aeronáutica Tenente-Brigadeiro-do-Ar Carlos Almeida Batista e de membros
da diretoria do Clube Naval e demais autoridades, civis e militares, sócios e
convidados o Presidente do Clube Naval Vice-Almirante Ricardo Antonio da
Veiga Cabral renovou seu compromisso de, eleito que foi por mais dois anos
de mandato, dedicar sua vida ao Clube, no biênio que se inicia em 2011.
Em seu discurso de Posse o Alte Veiga Cabral ressaltou fatos de sua
administração anterior e, com orgulho, prometeu uma trajetória de novas
conquistas para o Clube.
Alocução comemorativa,
proferida pelo Contra-Almirante José Carlos Mathias
Na foto anterior,
a mesa de abertura do
Sesão Magna
estabelecimento da livre navegação nos rios da região.
Nesse tratado, assinado em 1º de maio de 1865, os aliados firmaram que a guerra não seria travada contra o povo paraguaio e
sim contra o seu governo, estabelecendo-se que o Comandante-emChefe dos exércitos aliados seria o General Argentino Bartolomeu
Mitre e que as forças navais ficariam sob o Comando do VA Visconde
de Tamandaré, Comandante-em-Chefe das forças navais brasileiras
que já se encontrava na região cuidando da questão uruguaia.
Tamandaré estabeleceu um bloqueio naval, no intuito de impedir
que a esquadra paraguaia atingisse o Atlântico ou recebesse o reforço
de navios contratados junto a estaleiros ingleses. Dividiu suas forças
em três divisões: uma sob seu comando direto que permaneceu no
rio da Prata, com base em Montevidéu e outras duas que operaram
no rio Paraná, apoiando as tropas aliadas em sua reação contra o
avanço paraguaio em território argentino.
No intuito de recuperar a cidade Argentina de Corrientes, que
havia sido tomada pelas forças paraguaias, Tamandaré determinou
que o Comandante da 2ª Divisão, o Almirante Francisco Manuel Barroso da Silva, “Chefe Naval” experiente a quem conhecia desde jovem
e em quem confiava totalmente, subisse o rio Paraná e apoiasse um
ataque à cidade com desembarque de tropas aliadas.
Em 25 de maio de 1865, as forças aliadas atacaram Corrientes
e, apesar do bom êxito inicial, tiveram que reembarcar as tropas,
fazendo com que a força naval brasileira permanecesse fundeada
em suas imediações, no rio Paraná, até o dia 11 de junho, quando
é atacada pela força naval paraguaia e ocorre então a Batalha
Naval do Riachuelo.
Solano Lopez percebeu, após o ataque das forças aliadas a
Corrientes, que a presença da esquadra brasileira no rio Paraná
impedia que suas tropas avançassem para o sul, ameaçando permanentemente seu flanco direito, e planejou pessoalmente o ataque
que deveria surpreender, ainda fundeados, os valorosos navios
brasileiros: a Fragata Amazonas (Capitânea); as Corvetas Jequitinhonha, Beberibe, Parnaíba e Belmonte e as Canhoneiras Mearim,
Araguari, Iguatemi e Ipiranga.
Ao final daquele inesquecível domingo de céu azul, quase ao pôr
do sol, após mais de nove horas de batalha contínua, a vitória era
brasileira. Não há dúvidas de que o grande herói do dia foi Barroso
É
com muita honra que participo desta Sessão Magna, a convite
do Presidente do Clube Naval, para proferir a alocução comemorativa do 146o aniversário da Batalha Naval do Riachuelo,
Data Magna da Marinha, neste ano em que nosso Clube, fundado
pelo então Capitão-de-Fragata Luiz Philippe de Saldanha da Gama,
completa 127 anos de existência. É, pois, com muita satisfação que
o faço, não só pela importância desta efeméride para todos os brasileiros e em especial para nós Oficiais de Marinha, mas também por
estar neste querido Clube, do qual sou sócio há mais de 30 anos,
falando para uma plateia tão distinta.
É ocasião oportuna para relembrarmos o que nos levou a participar deste Combate e quem foram os notáveis brasileiros que
propiciaram esta primeira grande vitória, resultado de batalha
decisiva que marcou uma inversão de expectativas em um conflito
que até então nos era amplamente desfavorável.
Estamos falando da Guerra da Tríplice Aliança que, entre 1865
e 1870, reuniu o Brasil, a Argentina e o Uruguai contra o invasor
paraguaio que, à época, possuía um exército de 77 mil homens, em
muito superior às tropas dos aliados disponíveis na região.
Em 1864 a República paraguaia, cuja independência só foi
formalmente proclamada em 1842, era conduzida pelo ditador
Francisco Solano Lopez, sucessor de seu pai que foi presidente
por quase 20 anos. Solano Lopez tinha sérias desconfianças em
relação aos três países vizinhos devido às questões de limites não
solucionadas. Havia por parte dos paraguaios a reivindicação de
território no Mato Grosso, parcialmente ocupado por brasileiros;
mas o verdadeiro estopim da guerra foi as ações brasileiras no
conflito interno do Uruguai.
Em novembro de 1864, o governo paraguaio capturou o Navio
brasileiro Marquês de Olinda, que se encontrava em Assunção,
invadiu com suas tropas o atual estado do Mato Grosso do Sul e
posteriormente o território da Argentina, tirando-a de sua posição
de neutralidade e possibilitando então a assinatura do tratado da
Tríplice Aliança com a finalidade explícita de obter o fim da ditadura
de Solano Lopez, a resolução definitiva dos litígios de fronteira, e o
10
Revista do Clube Naval • 358
que, com sua postura ousada, ao utilizar a proa da Amazonas como
aríete para afundar os navios inimigos e seu destemor, ao ordenar
“Atacar e destruir o inimigo o mais perto que puder”, foi determinante no resultado do confronto.
Vale mencionar que, em todos os navios ocorreram fatos
heroicos importantes, certamente motivados pela ordem do
Comandante-em-Chefe “Sustentar o fogo que a vitória é nossa”.
Gostaria de destacar, nesta oportunidade, a atuação destemida
O CAlte
José Carlos Mathias
em sua alucução
Revista do Clube Naval • 358
do Chefe do Rodízio da Corveta Parnaíba o Imperial Marinheiro
de 1ª Classe Marcílio Dias.
Marcílio Dias já tinha experiência em combate, havia sido
condecorado com a Medalha Paissandu, pela bravura com que
participou da tomada da Vila de Paissandu, durante a campanha
oriental quando, ao final de 27 dias de peleja e as tropas brasileiras obtêm sucesso, é ele quem desfralda o pavilhão auriverde
no alto da torre da Igreja Matriz.
A Corveta Parnaíba viveu um dos momentos mais dramáticos
dos combates desse dia. Último navio da coluna brasileira, foi
atacada por três navios paraguaios e conseguiu avariar seriamente
um deles, porém foi abordada por BB e BE pelos Vapores Taquari
e Salto. A partir de então, calaram-se os canhões e passou-se à
luta corpo a corpo, contra um inimigo numericamente superior
para - em meio a atos de bravura, ousadia e extremo sacrifício
pessoal - defender o território brasileiro invadido. O herói Marcílio Dias está na primeira fileira de defesa. Imortalizou-se nesse
dia pela bravura e coragem demonstrada ao sustentar uma luta
de sabre contra quatro inimigos ao mesmo tempo. Insensível
às dores, matou dois dos atacantes mas é ferido mortalmente e
perde seu braço direito, vindo a falecer no dia seguinte. Sua ação
destemida e de outros heróis desse dia como o Guarda-Marinha
João Guilherme Greenhalgh, que morreu defendendo o pavilhão
nacional, impediram que o navio fosse tomado pelo inimigo.
Mas quem foi esse marinheiro heroicamente morto no
cumprimento do dever?
Marcílio Dias nasceu na cidade de Rio Grande, em 1838, e
aos 17 anos foi enviado, como voluntário, para a Companhia do
Corpo de Imperiais-Marinheiros, à época instalada na Ilha de
Villegaignon, no Rio de Janeiro, sob o comando do então Capitãode-Mar-e-Guerra BARROSO, onde sentou praça no Corpo de
Imperiais-Marinheiros, como Grumete, no dia 6 de agosto de 1855.
Permaneceu nesta Escola de Formação de Marinheiros, recebendo
instrução militar (entre elas manejo de armas) até 17 de janeiro
de 1856, quando embarcou na Fragata Constituição.
Em 1863, já Marinheiro de 2ª Classe, foi matriculado na Escola
Prática de Artilharia, que então funcionava a bordo da Fragata
Constituição. Esse curso constava de uma fase teórica e de uma fase
11
prática, com um “cruzeiro de 45 dias em navio misto com diversos exercícios de tiro real”. Na fase teórica com currículo já bastante
abrangente, com 26 matérias, entre as quais noções de aritmética, e
conhecimento prático dos princípios de balística, utilizavam o Manual
de Artilheiro do então Primeiro-Tenente Henrique Antonio Batista,
que mais tarde viria a ser o Patrono dos Armamentistas da Marinha,
reverenciado anualmente no dia 15 de maio, Dia do Armamentista.
Marcílio Dias terminou o curso com distinção, sendo um dos
15 que lograram êxito em 51 que o iniciaram, e adquiriu o direito
de usar o Distintivo de Marinheiro-Artilheiro. Militar exemplar,
que jamais sofreu qualquer punição, com espírito no culto da
disciplina, obediente, respeitador, exemplo completo de lealdade
aos chefes e aos seus companheiros, “a praça mais distinta da
Parnaíba”, conforme registrou seu Comandante o CT Aurélio
Garcindo Fernandes de Sá.
É importante lembrar que até 1836, as guarnições dos navios de
guerra brasileiros eram constituídas de alguns marinheiros volun-
tários (sem nenhuma capacitação formal), marinheiros estrangeiros
contratados e em boa parte por marinheiros recrutados à força,
homens que, em sua maioria, não sabiam ler nem escrever.
Essa situação começou a mudar a partir do Decreto nº 49, do Governo Imperial, de 22 de outubro de 1836, que criou quatro companhias fixas de marinheiros, compostas de cem praças cada uma, com
a tarefa de ministrar instrução primária e aprendizagem nas artes do
marinheiro, do artilheiro e do fuzileiro, aos jovens de 14 a 17 anos
de idade. Em seguida, é criado o Corpo de Imperiais-Marinheiros e
as Companhias de Aprendizes-Marinheiros, destinadas a dar melhor
preparo aos jovens que quisessem seguir a carreira naval.
Em 1885, essas Companhias passam a se chamar Escolas de
Aprendizes-Marinheiros, e são a origem das atuais Escolas, que
em número de quatro, localizadas em Fortaleza, Recife, Vitória e
Florianópolis, continuam perseguindo o mesmo propósito de formar marinheiros para o Corpo de Praças da Armada, assegurando
o preparo intelectual, físico, psicológico, moral e militar-naval de
O Presidente do Clube
Naval, VAlte Ricardo
Antonio da Veiga Cabral,
em seu discurso
Discurso do Presidente
A
data que hoje comemoramos, magna da Marinha
do Brasil, pelo 146º aniversário da Batalha Naval de
Riachuelo, coincide, também, com o 127º aniversário
do Clube Naval e, a cada biênio nos anos ímpares, com a
posse dos membros da Diretoria, Conselhos Diretor e Fiscal
de nossa centenária instituição.
Hoje, portanto, é um dia muito especial.
Renovaremos o compromisso de bem conduzir os
destinos do nosso Clube.
Compromisso que, repito, renovamos com muito orgulho por representarmos o desejo do corpo social que nos
elegeu dia 31 de maio passado de forma tão expressiva.
Por outro lado, cresce a nossa responsabilidade em
corresponder aos anseios da classe.
Esperamos responder com muito trabalho, determinação e entusiasmo.
Novas propostas e realizações se impõem, mas elas só
12
cerca de 2.200 novos marinheiros a cada ano.
Por volta de 1850, diante da evolução tecnológica dos navios a
vapor e da artilharia, a Marinha Imperial observou a necessidade
de formar especialistas e criou a Escola de Exercícios Práticos de
Artilharia e em seguida fundou a Escola de Maquinistas.
Essas Escolas de Especialistas e as Companhias Fixas de Marinheiros são a origem do nosso atual Centro de Instrução Almirante
Alexandrino que com quase 175 anos de existência e organizado em
nove Escolas (Armamento e Convés, Máquinas e Artífices, Eletricidade e Eletrônica, Comunicações, Administração, Taifa, Cursos de
Formação, Ensino à Distância e Qualificação Técnica Especial) tem
a tarefa de formar, especializar e aperfeiçoar cerca de 5.500 praças
da Marinha do Brasil por ano.
A Batalha Naval do Riachuelo, ocorrida há exatos 146 anos,
foi a primeira grande vitória dessa guerra que motivou e impulsionou as forças aliadas a perseguirem o triunfo final, ocorrido
cinco anos depois. É, também, um marco inconteste do preparo
e até mesmo das tarefas do dia a dia da vida administrativa,
estamos dispostos a ajudar e seremos solidários, sensibilizando a opinião pública por meio de palestras e publicações
relacionadas à imagem da Força, ressaltando a importância
da Marinha para o país, tanto na Amazônia azul, quanto
na Amazônia verde e no Pantanal.
Por outro lado, sabemos que o componente mais valioso da Instituição é o seu pessoal. Por ele pugnaremos
sempre visando à melhoria e ao equilíbrio salarial entre a
ativa e a reserva bem como a previdência dos militares.
Só se trabalha bem quando se está conscientemente
satisfeito com as respectivas famílias felizes e realizadas
em seus anseios e projetos de vida.
Para tal, continuaremos a assumir posições conjuntas com os demais clubes coirmãos, Militar e de
e do brio do marinheiro brasileiro, ainda hoje motivado pelo sinal
içado por Barroso ao início da batalha: “O Brasil espera que cada
um cumpra o seu dever”.
A Marinha do Brasil, ainda hoje motivada pelos feitos heroicos
do 11 de junho, busca aperfeiçoar a capacitação de seu pessoal,
nosso maior patrimônio, atuando em duas vertentes, na ampliação
e na modernização de nossas Escolas. A primeira ação visa atender
à necessidade de aumento de nosso efetivo de oficiais e praças,
recentemente aprovado pela Lei nº 12.216/2010, que permite à
Marinha incorporar cerca de 21 mil homens até 2030, e a segunda
para, como diz a Canção do CIAA: “Formar profissionais/ Prontos
para guarnecerem/ Os modernos meios navais/ Bravos homens
aguerridos/ Com missão em terra, mar e ar”. Homens que guarnecem com eficiência nossos meios atuais e que em breve estarão
guarnecendo também nosso submarino nuclear.
“Tudo pela pátria – rumo ao mar.” Viva a Marinha!
Muito obrigado!
Aeronáutica, em assuntos relevantes que afetem nossas
Forças Armadas.
O biênio que hoje se encerra, marcou a celebração
do centenário da nossa sede social, motivo de orgulho de
todas as gerações de oficiais.
Procuramos mantê-la digna de nosso respeitável patrimônio, iluminando-a como uma joia na avenida mais
representativa do Centro do Rio de Janeiro.
Obras de recuperação e melhorias das instalações
também foram executadas, tanto na Sede quanto no
Piraquê e no Charitas.
A informatização atualizada interligando os Departamentos, a CHI, a Cabena, e a Secretaria, está em
plena execução, assim como o sistema de contabilidade
unificado, medida há muito necessária para o correto
podem ser postas em prática se contarmos com apoio e a
participação de todos.
Esperamos, assim, a colaboração do quadro social do
Clube, que aliás, oportuno mencionar, nunca nos faltou
nos dois anos anteriores.
Sempre foi meta primordial trabalharmos em plena
harmonia e em estreito relacionamento com os Sócios,
visando ao bem-estar de todos, tornando nossas sedes
ambientes de agradável convívio, leve e respeitador das
diversas correntes de opinião, próprias e naturais de
todo ser humano.
Nossa intenção é preservar esse clima, não deixando
de levar em conta outros tópicos importantes.
Entre eles, o empenho em manter um diálogo franco
e cordial com o comando de nossa Força, o que, por sinal,
temos realizado com muita satisfação e pleno sucesso com
o Alte Moura Neto, seu Comandante.
Conhecedores das restrições que o orçamento impõe à
Marinha, dificultando a realização de suas metas prioritárias
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
13
relacionamento com a Receita Federal. Novos escritórios
de advocacia foram contratados para a eficiente defesa
dos interesses do Clube.
Na área social, o Baile do Marinheiro está, a cada ano,
mais se firmando no calendário do Clube, assim como
as festas temáticas relativas aos costumes e tradições de
nossos estados e de países detentores de características
folclóricas mais significativas no cenário internacional.
Foram criados, também, o Hino e o Coral do Clube
Naval que têm dado um colorido muito especial às
nossas solenidades.
Os inúmeros encontros promovidos pelo Clube com
a oficialidade dos navios e estabelecimentos, bem como
dos grupos de interesse, têm procurado atender à meta
de difundir nossas atividades no meio naval.
As facilidades criadas para a vida do Sócio, como
o posto avançado do Serviço de Distribuição de Medicamentos (Sedime), o atendimento médico e de
nutricionista na Sede têm sido muito bem recebidas,
assim como as implementações efetuadas em nosso
restaurante Praça D’Armas e as novas alternativas de
estacionamento no Centro da cidade.
Tudo isso tem sido feito visando aumentar a motivação e a frequência dos sócios à Sede, principalmente
da oficialidade mais jovem.
A esse respeito, temos procurado, por meio de
palestras na Escola Naval, no CIAW e com a secretaria
itinerante aumentar nosso quadro social, divulgando
as atividades do Clube e incentivando os jovens a
juntarem-se a nós.
Junto ao monumento a Saldanha da Gama, que
todo ano reverenciamos, como fundador dessa nobre
Instituição, assumimos o compromisso de manter suas
tradições de valor, coragem moral e descortino.
De olhos postos no futuro queremos vê-la moderna
e atualizada, compartilhando com a sociedade brasileira seus avanços para o desenvolvimento almejado
de nossa nação.
O desafio é grande, mas nossa determinação e entusiasmo não serão menores!
Agradeço a presença de todas as autoridades, associados e demais convidados e de seus familiares que
aqui comparecem, abrilhantando a Sessão Magna e esta
cerimônia de posse.
Vamos brindar com muita alegria a data de hoje,
com a nossa confraternização de gala de 11 de junho
de 2011.
Honras a Riachuelo!
Parabéns ao nosso Clube Naval!!
Baile de Gala na Sede Social
Entrega do Prêmio Marquês de Tamandaré 2011.
Na foto, o vencedor do concurso, CMG Claudio da Costa
Braga(esquerda), o Alte-de-Esquadra Alfredo Karam
(centro) e o CMG Adão Chagas de Rezende
O Presidente do Clube Naval, Vice-Alte
Ricardo Antonio da Veiga Cabral, o
Comandante da Marinha, Alte-de-Esquadra
Júlio Soares de Moura Neto e o Ex-Ministro
da Marinha, Alte-de-Esquadra (Ref.)
Alfredo Karam cortam o bolo
A música emociona e agita, aflora recordações, a gastronomia é
de excelente qualidade, a decoração proporciona conforto e beleza.
O Presidente do Clube, Alte Veiga Cabral, e o Comandante da
Marinha, Alte Moura Neto, percorreram os diversos ambientes, cumprimentando a todos, repetindo o mesmo trajeto de 1910, quando o
O prédio da Sede Social do Clube Naval se transforma, torna-se
jovem aos 101 anos, recebe convidados em traje a rigor, desperta a
atenção do público passante, exala história e cultura, faz acontecer
no Corredor Cultural da Cidade do Rio de Janeiro. O Baile de Gala
do 11 de Junho, tão aguardado pelos sócios e convidados, é exemplo
de organização, alegria e confraternização.
Os andares ficam repletos, desde jovens Oficiais até veteranos Almirantes, é a Marinha do Brasil, que se mostra vigorosa,
fraterna, unida.
presidente da República Nilo Peçanha acompanhado do Presidente
do Clube Naval VA J. J. de Proença assim também procederam, após
a primeira Sessão Magna.
O momento do “Parabéns para você” celebra 127 anos de história
e tradição do nosso glorioso Clube Naval.. n
Oficiais, em grupos, brindam o 11 de junho,
enquanto o Baile de Gala sela com alegria os
festejos dessa data tão importante para o
Clube Nval, a Marinha e o Brasil.
14
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
15
defesa
ESTRATÉGIA
NACIONAL
DE
Uma breve
DEFESA análise
A
provada há mais de dois anos, qual foi até agora a
repercussão da END no Congresso Nacional, órgão inerentemente vinculado ao assunto e por ele
corresponsável numa democracia? Não houve, ao
menos em termos de despertar a atenção da mídia
e da opinião pública. Tampouco houve repercussão
na intelligenzia nacional (universidades) e em setores
econômicos relacionados com o assunto – a indústria de interesse
da defesa. Quanto ao próprio Poder Executivo, o decreto que aprova
a END contém esse preceito: “os órgãos e entidades da administração pública federal deverão considerar, em seus planejamentos,
ações que concorram para fortalecer a defesa nacional”. Em
tópico sobre a implementação da estratégia de defesa são citadas
recomendações nos campos da energia, transporte e comunicações. Estarão sendo elas praticadas? Dada a tendência histórica
brasileira de estanqueidade funcional, não é seguro que isso venha
ocorrendo... A END reconhece toda essa deficiência e preconiza
sua superação para que “a Nação participe da defesa”.
A END foi elaborada por Comissão (Comitê Ministerial)
dirigida pelo Ministro da Defesa, coordenada
pelo Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos
Estratégicos e integrada pelos Ministros do
Planejamento, Fazenda e Ciência e Tecnologia,
“assistidos” pelos comandantes das três Forças,
ouvidos especialistas e pessoas de reconhecido
saber no campo da defesa. É no mínimo curiosa
a não participação (ao menos a não participação
formal, explicitada no documento) de representante do Ministério do Exterior, cuja contribuição
seria supostamente fundamental numa estratégia
de defesa. A formulação teria de fato ocorrido
sem o aporte daquele ministério? Improvável...
Apesar da configuração heterogênea da Comissão,
é sensível no seu produto a influência singular
do Ministério da Defesa, da SAE (de seu titular
à época do preparo do documento e seu coordenador) e das próprias Forças, cujos axiomas
Mario Cesar Flores *
A Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada
pelo Decreto no 6.703, de 18 de dezembro de
2008, é um documento complexo e abrangente
sobre a defesa nacional em seus vários aspectos
e temas interativos, militares e civis. De 1930
até meado dos 1980 tivemos como documento
orientador o Conceito Estratégico Nacional,
com sua avaliação da situação e suas diretrizes,
formulado pelo então Conselho de Segurança
Nacional e rigorosamente mantido sob alto
grau de sigilo; poucos militares do alto escalão
o conheciam! E no pós-Constituição de 1988
tivemos “políticas de defesa”, em geral
superficiais e vagas. Todos, documentos de
precária (se tanto) utilidade para estimular o
interesse nacional no tocante à defesa; no caso
do Conceito Estratégico, até porque não havia
acesso público a ele. A END, pelo contrário, é
aberta ao conhecimento público. Mas está
interessando à opinião pública, ou mesmo ao
mundo político? Aparentemente não.
A despeito da importância do seu conteúdo,
é raro encontrar qualquer manifestação
sobre ela, na mídia.
16
Revista do Clube Naval • 358
tradicionais, desenvolvidos com autonomia ao longo da história,
transparecem no documento.
A END pretende orientar a modernização do sistema de
defesa nacional, com a reestruturação das Forças e da indústria
da defesa, bem como a revisão da “política da composição humana”
das Forças – objetivos desenvolvidos em considerações e orientações
em geral positivas, ainda que algumas sujeitas a dúvidas ou mesmo
discutíveis, como veremos. Seria inviável em artigo como este comentar os inúmeros detalhes da END, que se desdobram e se complementam em muitos tópicos temáticos interativos, distribuídos
em dois capítulos: formulação e implementação. O artigo focaliza
seletivamente alguns aspectos dos temas tratados no documento,
particularmente relevantes e/ou que merecem ponderações sobre
suas circunstâncias e realidades.
Comecemos com o Ministério da Defesa.
A END procura consolidar e prestigiar o ministério – um
propósito imposto naturalmente pelo fato de ser o Ministério da
Defesa uma inovação colidente com a longa tradição de autonomia
corporativa das Forças. Deixa clara a direção do Ministro sobre as
Forças – “O Ministro exercerá, na plenitude, todos os poderes de
direção das Forças Armadas que a Constituição e as leis não reservarem, expressamente, ao Presidente da República” –, centraliza
a “política de compras” e através de seu Estado-Maior Conjunto
Revista do Clube Naval • 358
“construirá as iniciativas que deem realidade prática à tese da
unificação doutrinária, estratégica e operacional” das Forças.
Preconiza até mesmo a formação de quadros de especialistas civis
em assuntos relacionados com a defesa nacional, sem os quais o
Ministério da Defesa não atingirá sua maturidade. Diz a END: esses
especialistas “...permitirão, no futuro, aumentar a presença de civis
em postos dirigentes do Ministério da Defesa”. Detalhe importante:
a END estabelece que cabe ao Ministro indicar ao Presidente da
República os Comandantes das três Forças. Esse preceito aponta
caber ao Ministro da Defesa a intermediação da subordinação do
sistema militar ao poder político – intermediação que significa uma
ruptura com nosso passado.
Outro assunto relevante, a que a END se reporta várias vezes: a
integração das três Forças. A ideia é correta e vem se aplicando no
mundo desenvolvido e de poder militar eficiente, onde está sendo
integrado o que é possível integrar, nos campos estratégico, operacional, logístico e tecnológico. Ela preconiza “unificar as operações
das três Forças...” e dispõe que “...os instrumentos principais dessa
unificação serão o Ministério da Defesa e o ...Estado-Maio Conjunto...”. Em coerência com a ideia integralizante, preconiza até mesmo
a coincidência territorial dos Comandos Regionais das três Forças e
a existência neles, de Estados-Maiores (regionais) Conjuntos.
No Brasil a integração não tem concretização fácil e tranquila,
em razão da nossa cultura de autonomia. Ao longo
da história brasileira cada uma das Forças cultivou
preocupações e prioridades que lhes são peculiares
e respondem às suas perspectivas corporativas, à
margem de uma escala nacional integrada – prática
para a qual concorre há muitos decênios a apatia do
poder político pela defesa nacional. A tradição de
autonomia corporativa das Forças, além de discutível
sob a perspectiva objetiva da defesa nacional, em que
a tecnologia vem evidenciando a integração, está em
choque com as restrições financeiras. Realmente:
quando a relação integrada de prioridades é a soma
das relações corporativas singulares de prioridades e
tudo é igualmente prioritário, o atendimento racional, com recursos curtos, torna-se impraticável.
Esclarecendo: a END define como primeira missão da Marinha a negação do uso do mar (ao eventual
inimigo...) – missão estratégica naval consagrada, de
17
defesa do país contra agressão que se manifeste pelo mar – e, para
isso, os submarinos nela corretamente enfatizados são eficientes, os
convencionais e mais ainda os nucleares. Entretanto se a preocupação nacional maior diz respeito à defesa da Amazônia, essa ênfase
naval prioritária se justifica em se tratando de ameaça clássica de
grande potência, que inclua o acesso à área pelo mar (atualmente, a
única grande potência capaz disso são os EUA...). Se a ameaça mais
preocupante for a irregular (guerrilha, criminalidade transnacional
em suas diversas modalidades) ou mesmo regular, de Estado regional (hoje inverossímil, embora não impossível), a participação dos
submarinos seria respectivamente nula ou secundária. A integração
de prioridades é tema crítico e complexo. A END não o aprofunda, talvez (conjectura do autor desse artigo) para não acicatar o
ressentimento das visões corporativas das Forças e para não criar
embaraços internacionais, já que prioridades hierarquicamente
definidas sugerem ameaças também definidas.
Essa observação tem a ver com as hipóteses de emprego das
Forças, “para resguardar (proteger, defender...) o espaço aéreo,
o território e as águas jurisdicionais brasileiras”. Diferente das
hipóteses de guerra mais incisivas, do antigo Conceito Estratégico
Nacional sigiloso, as vagas hipóteses de emprego da END não estão
relacionadas claramente com ameaças específicas e são, portanto,
menos objetivas como balizamento da configuração e da distribuição
territorial do sistema militar como um todo. O macropropósito
definido na END – “...resguardo (proteção, defesa...?) do território,
das linhas de comunicações marítimas (até onde isso se aplicaria,
estender-se-ia, por exemplo, ao transporte de soja e minério de ferro
até a China...?), das plataformas de petróleo e do espaço aéreo” – é
em princípio correto, embora talvez fosse preferível “exploração
dos recursos no mar sob jurisdição brasileira”, em vez de “plataformas de petróleo”. Mas sem uma razoável ideia das ameaças e seus
graus de verossimilidade – se clássicas em que nível, as irregulares
se guerrilha ou meramente criminalidade transfronteiriça – é de
fato complicado definir tanto a configuração como a distribuição
territorial das Forças, particularmente num quadro de escassez de
recursos, em que se impõe a lógica das prioridades. Afirma a END
que “convém organizar as Forças Armadas em torno de capacidade,
não em torno de inimigos específicos. O Brasil não tem inimigos
no presente”. Realmente não temos inimigos estatais específicos,
embora tenhamos, como têm nossos vizinhos, ameaças irregulares,
mas o fato é que a feliz indefinição de inimigos (é preferível não ter,
a tê-los...) não ajuda a organizar a defesa nacional.
É provável que essas imprecisões venham a ser parcialmente
superadas nos desdobramentos propriamente militares da END,
que ao menos em parte terão que ser sigilosos, como ocorre em
todo o mundo
Sobre a distribuição territorial, um comentário sucinto. É curioso observar que a END, ao criticar a concentração do Exército no
Sudeste e Sul (concentração coerente com as tensões do passado) e
da Marinha no Rio de Janeiro e embora afirmando a indefinição de
ameaças (e de inimigos), ela diz que “...as preocupações mais agudas
estão... no Norte, no Oeste e no Atlântico Sul...”, sem esclarecer o
que justificaria as “preocupações mais agudas”. No contexto dessa
ideia, a distribuição indicada na END é lógica: Amazônia e fronteiras
em geral, forças dotadas de mobilidade estratégica na região central,
para rápido emprego onde necessário e forças no Sul e Sudeste
para defesa da concentração demográfica e econômica e da infraestrutura de geração de energia nessas regiões, além do aumento
da presença naval no Norte (é citada especificamente a “...região
da foz do Amazonas”) e Nordeste. A END aponta “a necessidade de
constituição de uma Esquadra no Norte/Nordeste...”. Se isso vier a
ser algum dia possível, ótimo; entretanto, mais urgente é o preparo
de estrutura de apoio (base naval), porque os navios podem ser para
lá deslocados, quando conveniente.
Passando a outro tema: a END enfatiza o desenvolvimento científico e tecnológico que libere o Brasil da dependência tecnológica
externa. Essa ênfase é absolutamente correta: no Brasil pretendente
à presença ativa na ordem internacional a tecnologia tem que ser
instrumento fundamental no seu preparo militar. Conviria ter
constado uma breve referência ao esforço de desenvolvimento tecnológico particularmente orientado para o que não nos é acessível
por parcerias que transfiram conhecimento – orientação que inclui
três setores repetidamente mencionados na END como justificando especial atenção e nos quais é difícil ou inviável a cooperação
internacional: o espaço, a cibernética e o nuclear onde se insere a
propulsão de submarino.
A citação de nosso compromisso (TNP e Constituição) com a não
proliferação de armas nucleares é complementada pela afirmação
da “...necessidade estratégica de desenvolver e dominar essa tecnologia)” – a fórmula semântica (energia nuclear para uso pacífico)
usada por alguns países (o Irã é o grande exemplo atual) que querem
manter aberta a porta tecnológica para o uso da tecnologia nuclear
que vier a ser visto como necessário...
O domínio da tecnologia espacial preconizado na END está relacionado com as comunicações, com a tecnologia de localização e
posicionamento e com o monitoramento/controle territorial. Esse,
associado à ideia da mobilidade militar. Num país como o Brasil é
inviável a onipresença militar e para compensar essa inviabilidade a
solução é a mobilidade oportuna, propiciada pelo conhecimento da
situação. A END associa acertadamente os cuidados com a Amazônia
à capacidade de monitoramento da região. Teria sido conveniente
acrescentar àqueles três setores críticos (espaço, cibernética e
nuclear) a missilística, também incluída na relutância internacional de transferência de conhecimento. É incompreensível que, a
18
Revista do Clube Naval • 358
despeito do atual nível de desenvolvimento industrial brasileiro, o
desenvolvimento missilístico do Irã (mísseis estratégicos e táticos)
esteja tão à frente do nosso e esse atraso só se resolve por esforço
próprio. Talvez (isso não está claro) a END integre implicitamente
a missilística no tema espaço – o que não seria exatamente correto
porque a missilística militar inclui mísseis que não cabem rigorosamente na rubrica espacial.
Complemento natural da ênfase na tecnologia, correta e reiteradamente reconhecido na END, é o estímulo à indústria de interesse
militar. Na verdade, mais do que estímulo, o resgate dessa indústria,
que já viveu época de razoável sucesso e entrou em melancólico
declínio há cerca de 20/30 anos. Embora a END realce a participação da indústria privada, natural em país de economia capitalista,
ela atribui à indústria estatal o pioneirismo em tecnologia “que as
empresas privadas não possam alcançar ou obter, a curto ou médio
prazo, de maneira rentável”.
No quadro industrial-financeiro da participação da indústria
privada a END menciona um aspecto de grande pertinência, corresponsável pelo declínio das indústrias de defesa: a necessidade de que
os orçamentos assegurem continuidade aos projetos, indispensável
à sobrevivência dos próprios projetos e até mesmo à sobrevivência
empresarial – o que há muito não vem acontecendo (dois casos
relevantes: o colapso da Engesa e o eclipse da Avibrás). Essa continuidade tem sido muito prejudicada pela insegurança e insuficiência
orçamentária. Basta-nos imaginar, a respeito, a preocupação a que
estão sujeitos alguns projetos, imposta pelos cortes orçamentários
definidos no início de 2011 – em realce os caças da FAB e o acordo
com a França, que inclui submarinos.
As parcerias industriais com empresas estrangeiras são corretamente condicionadas à efetiva transferência de tecnologia.
Ademais, preconiza a END que “sempre que possível, as parcerias
serão construídas como expressões de associação estratégica mais
abrangente, entre o Brasil e o país parceiro” – o que é obviamente
preferível, desde que possível...
Revista do Clube Naval • 358
Quanto à preconização de regime jurídico especial que “...permite a continuidade e o caráter preferencial nas compras públicas”
na industria nacional de interesse militar, ele tem realmente sentido
racional, mas com limites. Aplica-se ao material que, por sua singularidade, inclusive no tocante à superação de gargalos tecnológicos e
à viabilização industrial-financeira em prol da continuidade, convém
adjudicar sua obtenção a determinada(s) empresa(s). Mas não deve
se aplicar ao material de tecnologia simples, frequentemente similar
ao de uso civil, produzido rotineiramente em várias empresas. Essa
diferença não está expressa, mas provavelmente não seria diferente
disso o pensamento da Comissão formuladora da END.
A END procura enaltecer o Brasil no cenário internacional e
preconiza (acertadamente no mundo do século XXI) o preparo para
a participação de militares brasileiros em forças de intervenção
(operações de paz e humanitárias) a serviço da ONU ou de outras
organizações internacionais. Afirma que “o Brasil ascenderá ao
primeiro plano no mundo sem exercer hegemonia e dominação”
e, de fato, o Brasil não tem vocação para uma e outra, mas em
sua região geopolítica cabe-lhe destaque estratégico natural, com
suas responsabilidades correlatas – condição para a participação
permanente no Conselho de Segurança da ONU. A END passa
discretamente por esse tema, provavelmente para evitar polêmica
e crítica, mas seu exuberante conteúdo no que tange ao preparo
militar aparenta corroborar isso – o destaque natural –, sem
expressá-lo claramente.
A END não cita o conceito de segurança coletiva, como a supostamente propiciada pelo Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca/TIAR, que efetivamente perdeu sua razão de ser com o
término da Guerra Fria e de sua ameaça comum, a ex-URSS. Mas
tampouco preconiza um substituto regional sul-americano para
o TIAR, até porque um tratado de segurança coletiva só tem cabimento se existir a percepção de ameaça comum – que não existe,
salvo na concepção bolivariana do presidente Chavez... Embora não
explicitamente, a END aparenta sugerir o afastamento dos EUA de
19
atualidade
engajados no serviço militar, que incorpora anualmente pequena
fração do total de jovens na idade de prestá-lo, a ideia é louvável.
Difícil será concretizá-la. Numa primeira e superficial vista do
problema, o preferível aparenta ser o emprego de jovens de formação seletivamente adequada – profissionais da saúde, engenharia,
agronomia e talvez outras, obviamente uma diminuta minoria do
excesso não incorporado – em regiões atrasadas, mas isso deixa de
ser aqui desenvolvido por se tratar de assunto além do conhecimento
do autor do artigo. Ademais, vale a pergunta: trata-se de assunto de
uma estratégia nacional de defesa?
Algumas observações sobre as Forças Armadas na segurança
interna. A END afirma, com razão, que “o país cuida para evitar que
as Forças Armadas desempenhem papel de polícia”. Evidentemente,
em situações excepcionais, que exijam a ação militar, ela a admite, é
claro que de acordo com o que preceitua a Constituição. A redação
um tanto dúbia “cuida para evitar” aparenta aceitar, ainda que a
contragosto, o papel de polícia. O caso do “Complexo da Favela do
Alemão” (Rio de Janeiro, novembro de 2010) sugere exatamente isso:
uma vez cessado o episódio crítico em que realmente se impunha o
uso de meios militares, a ocupação de natureza policial continuou
a contar com a participação militar – uma participação em princípio imprópria, numa democracia federativa em que a atividade de
segurança pública rotineira é encargo dos estados. Essa hipótese de
atuação militar está exigindo, como diz a END, “legislação que ordene
e respalde as condições específicas e os procedimentos federativos que
deem ensejo a tais operações, com resguardo de seus integrantes”.
Enfim, que lhe confira a legitimação adequada. Já existem algumas
molduras legais, a exemplo da “lei do abate” e do amparo à ação do
Exército na faixa de fronteira, mas isso é insuficiente.
Ao final, a END especifica uma longa série de providências a serem
adotadas (planos, políticas, projetos de lei e outros documentos), com
seus respectivos responsáveis, que incluem vários ministérios e órgãos
públicos (a essa altura, já devem ou deveriam ter sido formuladas e/ou
adotadas, pois todas têm prazos limitados a 2009!). Nesse artigo não
há como afirmar que os encargos foram ou não foram cumpridos. A
ausência de repercussão na mídia (alguns certamente a mereceriam)
sugere insegurança quanto ao cumprimento.
Para finalizar: a END é um documento positivo, há muito tempo
conveniente, mais ainda com a institucionalização do Ministério da
Defesa. Aliás, só o reconhecimento da conveniência de sua existência já é um fato positivo, em país como o Brasil, em que a defesa
nacional não é tema que entusiasme o mundo político e a sociedade
em geral. Como todo documento multifacetado e complexo como
esse, há sempre espaço para aperfeiçoamentos, alguns insinuados
neste artigo – insinuações evidentemente sujeitas a controvérsias.
Aperfeiçoamentos que deverão acontecer naturalmente no correr do
tempo, nas revisões periódicas do documento, sem desmerecimento
para o esforço pioneiro, já realizado.
Talvez o problema fundamental a ser resolvido seja a compatibilização do ideal desejável (sobre esse ideal, não há o que criticar
na END) com o real exequível – o que provavelmente ocorrerá nos
desdobramentos propriamente militares da END, no que tange ao
preparo militar concreto, quando as limitações da realidade se imporão inexoravelmente. A complexa questão das prioridades integradas
evidenciar-se-á então em toda a sua plenitude, como um grande
desafio do Ministério da Defesa, das Forças e do mundo político, que
não pode continuar a eximir-se da participação no processo. n
O Conselho de Defesa Sul-Americano apoiado pelo governo do
presidente Lula (ainda não é possível saber se o será pelo governo
Dilma Rousseff) não é compromisso de segurança coletiva. E a pretensão mencionada na END de que ele “criará mecanismo consultivo que permitirá prevenir conflitos...” (regionais) é dissonante do
funcionamento regular da política internacional: prevenir conflitos
cabe às organizações políticas – ONU, OEA e a Unasul se houver a
intenção de evitar a influência dos EUA. Como instrumento para
“fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases
industriais de defesa” o Conselho é útil, embora de utilidade complexa quanto às indústrias, dada a assimetria existente. É sintomática
a observação final do parágrafo em que é mencionado o Conselho
de Defesa Sul-americano “...sem que dele participe país alheio à
região”. A que país a frase se refere, China, Austrália, EUA...?
Tema realçado na END: o serviço militar obrigatório. A posição
nela defendida é a da continuidade do sistema legal atual, que,
em tese, responde ao ideal republicano da responsabilidade de
toda a sociedade, pela defesa nacional – em tese, porque sabida e
consensualmente escamoteado na realidade brasileira, tanto assim
que inexistem recrutas das camadas superiores da pirâmide social.
O sistema atual é de fato correto, mas sua realização tem que ser
cotejada com o imperativo da tecnologia militar moderna: ela exige
um nível de profissionalização dificilmente adquirido em 10/12
meses de serviço militar. É improvável a adequação de recrutas de
18 anos de idade, majoritariamente com grau de instrução modesto
– é esse, por ora, o perfil de nossa sociedade – para operacionalizar
forças armadas pautadas por tecnologia sofisticada. A respeito, vale
citar essa diretriz da END: “...cada combatente deve contar com
meios e habilitações para atuar em rede, não só com outros... da
sua própria Força, mas também com...das outras Forças”. Será isso
viável com recrutas de 18 anos, de instrução precária?
O relevo que a END atribui acertadamente e em consonância
com os poderes militares mais desenvolvidos, às forças de pronto
emprego e às forças de operações especiais, se não as duas simultâneas, reforça a observação sobre a influência da tecnologia
na composição dos efetivos militares: é da natureza intrínseca
às forças especiais a complexidade e a profissionalização. Seria
possível organizar uma força de fuzileiros navais moderna, inerentemente expedicionária (como afirma a END) e para projeção
de poder, com recrutas de 18 anos...?
Numa menção à mobilização (assunto bem colocado na END),
há uma frase no mínimo ambígua: a mobilização “...jamais tratará
a evolução tecnológica como alternativa à mobilização nacional...”.
Estará a END hierarquizando a quantidade acima da qualidade, na
contramão do mundo desenvolvido e de poder militar eficiente?
É preciso, portanto, procurar o equilíbrio certo na solução da
equação “serviço militar obrigatório x profissionalização naturalmente voluntária” – equilíbrio que promova o ideal republicano sem
comprometer a eficácia militar condicionada pela tecnologia. No
mundo desenvolvido e de poder militar eficiente, a profissionalização
ganha terreno. Não nos convém seguir sem maiores cuidados essa
propensão, até porque em país grande e heterogêneo como o Brasil
o ideal embutido no serviço militar obrigatório preferenciado na
END se impõe como instrumento de solidariedade nacional. Mas
tampouco nos convém “ignorar” as injunções da tecnologia moderna, só superáveis no serviço militar obrigatório de perfil republicano
se o nível de instrução dos recrutas for suficientemente alto para
adequá-los rapidamente à tecnologia – mas não é esse, por ora, o
caso brasileiro. A solução da equação é um desafio nacional.
Quanto ao serviço civil aventado na END para os jovens não
* Almirante-de-Esquadra (Reformado).
• Este artigo foi publicado na revista on-line Liberdade e Cultura,
nº 12, abril-junho de 2011, da Fundação Liberdade e Cultura.
20
Revista do Clube Naval • 358
A NOVA
“UNIÃO SOVIÉTICA”
Reis Friede *
A ingenuidade irresponsável de Barack
Obama – quase em uma compilação histórica
do desastroso governo Henry Truman
(1945-1952) –, vem logrando reeditar –
não obstante as naturais limitações
comparativas com supostos paralelos
históricos –, as mesmas ações (ou inações)
que conduziram, em grande medida, a
consolidação do comunismo expansionista,
com centro irradiador na extinta
União Soviética, e os consequentes 50 anos
de Guerra Fria.
Trata-se do fortalecimento e consolidação
do islamismo radical, com foco na
reconstrução do Império Persa que,
guardadas as devidas proporções, já sinaliza
o ressurgimento de uma nova “União
Soviética”, no sentido da caracterização
de um novo e indesejado desafio para
a paz mundial.
Revista do Clube Naval • 358
S
(ISLÂMICA)
uperados todos os obstáculos para a construção de seu impressionante
poderio bélico – tal como sucedeu, no caso da URSS, logo após a
rendição alemã –, o Irã será o grande e único beneficiário do vácuo
político resultante da degradação dos regimes ditatoriais moderados,
em sua maioria pró Ocidente, existentes em grande parte do atual
Oriente Médio, mesmo incluído o adversário regime sírio, considerado, por muitos, como aliado ocasional do regime iraniano.
Com o iminente isolamento da Arábia Saudita sunita e dos pequenos Emirados
que lhe são próximos e com o previsível desastre no Afeganistão – adicionado à
capacidade estratégica nuclear de dissuasão iraniana que estará, em breve, plenamente operacional –, não existirá mais qualquer obstáculo ao nascimento de
uma nova superpotência militar com extensa projeção de poderio sobre todo o
Oriente Médio e com efetiva capacidade de rivalizar, ainda que pontualmente,
com o poderio norte-americano, mormente quando as lideranças políticas de
Washington continuam preocupadas, quase que exclusivamente, em fortalecer a Índia como possível elemento de contenção à emergência silenciosa, de
natureza econômico-militar, da China.
Por efeito, é cediço concluir que, tal como ocorreu em 1979, com a queda
do regime político implantado por Reza Pahlevi – incentivada pela leviana
política de defesa dos direitos humanos do governo Jimmy Carter –, os regimes ditatoriais do Oriente Médio não serão simples e automaticamente
substituídos por desejadas democracias pluralistas, até porque a concepção
estrutural de soberania destes países é nitidamente teocrática, afastando, por
si só, a existência de um pretenso caminho abreviado para a radical transformação dos pilares ideológicos dessas sociedades, mesmo considerando toda
a plenitude do poder das novas tecnologias digitais. n
*
Desembargador federal e ex-membro do Ministério Público. Mestre e doutor
em Direito e autor de mais de 30 obras sobre Direito e Segurança Internacional.
21
atualidade
África e Oriente Médio,
A Primavera Árabe prova que a informação, aliada à capacidade
de mobilização das pessoas, agora ampliada pelas redes sociais
globais e regionais, representa instrumentos factíveis para a neutralização de regimes ditatoriais. Vale observar que a preservação dos
canais de informação será fundamental para a construção de Estados
democráticos de direito, em substituição às monarquias absolutistas
e às repúblicas ditatoriais do norte da África e do Oriente Médio.
É provável que os Estados islâmicos enfrentem enormes desafios
após a queda dos regimes ditatoriais, entre eles, o estabelecimento
desse Estado democrático de direito, particularmente de caráter
da primavera
direto para o outono
político
Movimentos sociais
promovidos em diversos países
do antigo Magreb1 e no Oriente
Médio, a meu ver, por si já podem ser considerados históricos, tanto que a série de
manifestações populares está sendo denominada “Primavera Árabe”.
Roberto Carvalho de Medeiros *
Primavera Árabe representa um anseio popular legítimo, em que se
busca alcançar um direito2 reconhecido pelo Direito Internacional
outrora, como a Resolução nº 1999/57 das Nações Unidas.
Desde os movimentos sociais que derrubaram governos ditatoriais há anos no poder, especialmente o egípcio, até os mais recentes
atos de extrema violência na Líbia e na Síria, não se conhece existência de fato capaz de promover tamanha mobilização comunitária.
É fascinante observar o poder das redes sociais na contribuição dos
valores mais caros ao homem, quais sejam, a liberdade e os direitos
fundamentais há décadas sintetizados na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, adotada e proclamada por Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (AG-NU) em 1948.
N
a verdade, trata-se de um movimento democrático, de
baixo para cima, associado à globalização da informação e
aos novos meios de comunicação, em especial, a internet.
Assim sendo, o amplo acesso à informação no mundo
atual têm tornado cada vez mais difícil a permanência
de regimes totalitários, tendo em vista que a rede global
retira dos regimes não democráticos a capacidade de
controlar a informação. Além disso, o movimento conhecido como
SÍRIA
Homs
LÍBANO
Damasco
ISRAEL
IRAQUE
JORDÂNIA
Mapa 2 • A Síria e o entorno
Mapa 3 • Regiões turbulentas e o compromisso norte-americano
Tunísia
Territórios palestinos
• Apoio às eleições e
incentivos econômicos
• Apoio a estado nas fronteiras de 1967
Iêmen
Líbia
• Pressão pelo cumprimento do acordo
para transição de poder
• Reconhecimento da legitimidade do
Conselho Interino de Benghazi
• Pressão pela saída de Kadafi
Barhrein
• Pedido de diálogo entre governo e
oposição e a libertação de dissidentes
• Perdão de 1 bilhão da dívida egípcia
OCEANO
ATLÂNTICO
TUNÍSIA MAR MEDITERRÂNEO SÍRIA
ISRAEL
MARROCOS
ARGÉLIA
MAURITÂNIA MALI
Revista do Clube Naval • 358
TURQUIA
laico, que preserve a diversidade de opiniões e opções religiosas,
garantindo o diálogo e respeitando a dignidade da pessoa humana,
tanto da maioria, quanto da minoria da população.
Vivemos outro tempo, radicalmente distinto daquele onde a
comunidade internacional aceitava, mesmo de forma velada, a
opressão para impedir a liberdade de expressão. As mesmas sociedades amordaçadas pela força do poder reinante local encontraram
apoio3 suficiente para externarem indignações há décadas presas
em suas respectivas gargantas.
Para bem compreender a evolução dos movimentos sociopolíticos internacionais, é justo destacar um conjunto de momentos
históricos. O processo de descolonização patrocinado pelos países
“vencedores” da Segunda Guerra Mundial e supervisionado pelo
recém-criado organismo internacional de alcance global (ONU),
Egito
22
Mapa 1 • O Magreb
Revista do Clube Naval • 358
NÍGER
LÍBIA
CHADE
23
EGITO
SUDÃO
Iraque
• Elogios ao país como exemplo
de democracia multiétnica
Síria
• Pressionar Assad por escolha
entre transição e renúncia
Irã
• Crítica ao envolvimento na
repressão na Síria
IRAQUE
IRÃ
ARÁBIA
SAUDITA
IÂMEN
OCEANO
PACÍFICO
Mapa 4 • Regiões turbulentas e o compromisso norte-americano
Alemanha
19%
Trapani Birgi • Sicília, Itália
Outros
10%
Caças canadenses
em base militar
Caças anorte-mericanos
em base militar
Mar Mediterrâneo
Caças ingleses
Suíça
4%
Espanha
8%
Akrotiri • Chipre
Caças canadenses em base militar
Caças canadenses em base militar
Caças canadenses em base militar
França
6%
EUA
7%
Benghazi • Líbia
Caças franceses realizam ataques
em área entre 100 e 150 km
Mapa 5 • Líbia e seus “clientes”
Fadado a mais um fracasso (infelizmente),
Abbas sinaliza em usar a Primavera Árabe como
instrumento de massa contra Israel. Aliás, a única identidade ainda presente entre árabes e não
árabes muçulmanos é o ódio contra Israel. Essa
provável manobra palestina em vez de levar à paz
desencadeará mais uma nova intifada que, lamentavelmente, concorrerá para mais um conflito
armado no Oriente Médio.
Cabe mais aos EUA impedir tal demanda do
que Israel, pois este está há anos em condições
político-militares de prontidão para defender seus
Itália
interesses estratégicos contra quem os desafie, e as
38% Grécia
repercussões serão inevitavelmente pesarosas não
3%
só para ambos os atores, mas, sobretudo, apagando
o brilho das formidáveis conquistas obtidas pela já
ameaçada Primavera Árabe.
Ventos contrários a uma solução política em
China
curto prazo sinalizam a intenção do governo de
4%
Barack Obama em articular uma sessão extraordinária do CS-NU para fazer uso de seu poder de veto
ali aceito a fim de evitar a ida da Autoridade Palestina à AG-NU com o propósito de forçar a votação do
estabelecimento do Estado palestino na Cisjordânia
(ver mapa 6), mediante trocas de glebas proporcionais aos assentamentos judaicos ali existentes
por parte de Israel. Mesmo com
desfechos práticos desfavoráveis
Mar
Mediterrâneo
às pretensões dos palestinos, será
Jenin
politicamente humilhante para
Israel e para os EUA assistirem a
um resultado de votação na ONU
Tulkerm
com ampla maioria favorável ao
Estado palestino, ali incluindo
Nablus
atores de peso global, como a
Qualgitya
França e o Reino Unido, que já
manifestaram seu apoio explicito
Salfit
ao pleito em questão.
Tipicamente associada ao
Tel-Aviv
reflorescimento da flora e da
fauna terrestre, a esperança
embutida nessa Primavera vai
Jericó
sendo substituída pela “queda na
Jerusalém –––––––– –––– Jerusalém temperatura e o amarelar das foIsrael pretende ter
lhas” em mais um triste outono
Oriental
toda a cidade como
Belém
do bom senso humano. n
sua capital
envolvem direta e indiretamente o Estado sírio
no Oriente Médio.
Simultaneamente fica nítido e lícito afirmar que todos os eventos políticos ali desenvolvidos passam, sem exceção, pela questão
“judeu-palestina”. Tentativas de negociação de
paz foram empreendidas sob os auspícios dos
EUA junto aos variados representantes dos dois
atores em litígio, umas com maior musculatura
política e estratégica, outras nem tanto.
O que mais aflige os estudiosos é o contrassenso adotado dias atrás pelo líder palestino
moderado Mahmoud Abbas ao firmar acordo
de reconciliação com o Hamas, recusando a
fazer concessões a Israel e desfazendo anos
de construção institucional, uma demanda
na contramão das negociações bilaterais,
prestes a deixar para trás uma paz relativa
conquistada na região, com inédita e crescente
prosperidade econômica e social Cisjordânia,
* Capitão-de-Mar-e-guerra (REF)
obtida com o apoio dos EUA.
Diretor de Relações Internacionais
Mar
Hebron
O premiê israelense Benjamin Netanyahu
do Instituto Sagres.
Negro
esteve na Casa Branca e foi cauteloso e relutante em aceitar as sugestões propostas por
Notas
Barack Obama para reiniciar mais um processo
1
de paz entre Israel e os palestinos, defendendo
Região do norte da África
Mapa 6 • O possível Estado palestino
que abrange Marrocos, Saara
os variados assentamentos judaicos em terra
Ocidental, Argélia, Tunísia
palestina. Na mesma ocasião também externou,
(“Pequeno Magreb”), Mauritânia e Líbia.
agora diante do Congresso dos EUA, que aceita a solução de dois
2
Right to democracy.
Estados (Israel e Palestina), inclusive disposto a fazer “concessões
3
Mídia,
classes sociais distintas e opinião pública internacional.
dolorosas” aos palestinos para atingir a paz na região, mas também
4
Região
estratégica para a vigilância e controle local,
reafirmou que o retorno para as fronteiras de 1967 e a divisão da
e fonte de água potável.
capital Jerusalém são questões indefensáveis.
CISJORDÂNIA
200 km
estipulando fronteiras ilegítimas entre novos Estados, a criação do
Estado de Israel e os conflitos armados empreendidos entre este e
seus Estados vizinhos, foi determinante para a eclosão de conflitos
armados e crises político-estratégicas na Palestina. Os reflexos da
Guerra Fria, as duas crises do petróleo, o fundamentalismo islâmico e o advento das ações terroristas a ele decorrente, os impactos
da queda do Muro de Berlim e a implosão da antiga URSS, com
o desmantelamento dos seus estados-satélites, os ataques terroristas contra sedes da ONU e embaixadas de Estados ocidentais,
particularmente dos EUA e seus meios navais, culminando com os
ataques simultâneos contra alvos civis no solo norte-americano,
promovendo reação imediata daquela nação em diversos pontos no
exterior, são fatos de inegável substância que concorreram para uma
cinemática semelhante à das peças de um dominó, conduzindo uma
após outra à queda de forma normalmente irreversível.
Voltando à Primavera Árabe, nenhum movimento ali surgido e
ampliado, mesmo sem se consolidar (ainda), foi e é de maior amplitude e profundidade do que o em plena atividade na Síria.
Enquanto a Tunísia, o Egito, o Bahrein e a Líbia implodem, os
movimentos sociais promovidos pelos sírios concorrem para uma
verdadeira “explosão” nas duas regiões. Isso porque a provável democratização do regime sírio repercutirá diretamente no Líbano, onde
a Síria possui (ainda) forte controle político e militar, inclusive com
apoio velado ao partido Hezbollah xiita. Também no Irã, onde apoia
ideias e exporta ações relacionadas com a Revolução Iraniana desde
sua implementação naquele país. Na Turquia, um de seus vizinhos,
haverá reflexos por compartilhar a diversidade étnica, especialmente
os curdos. No Iraque, que também compartilha os levantes cursos por
reconhecimento étnico-político, os impactos ocorrerão por servir de
passagem para jihadistas suicidas. Em Israel, pelo fato de há pouco
tempo desenvolver negociações sigilosas para uso compartilhado das
Colinas de Golan;4 e com o Hamas, organização palestina sunita de
resistência islâmica radical, cujo líder vive em Damasco.
Do outro lado do Mediterrâneo, o governo do ditador Coronel
Kadafi procura se manter no poder, apesar do crescente movimento
internacional para sua saída imediata, aí incluindo as ações militares empreendidas pela OTAN contra o governo líbio (ver mapa 4),
respaldadas por resolução específica concedida pelo Conselho de
Segurança da ONU (CS-NU), a fim de proteger a população civil
contra as atrocidades promovidas pela parcela fiel, militar e civil,
ao seu poder claramente enfraquecido.
Por outro lado, apesar de ser a Líbia tradicional fornecedora
de petróleo para a Europa (ver mapa 5), tais ataques bélicos contra as forças leais a Kadafi minimizam as fortes medidas internas
promovidas pelo governo sírio contra as manifestações populares
desencadeadas naquele pais. Não devemos nos iludir e esperar
resultados satisfatórios oriundos da crise na Síria. Pelo contrário,
existem de fato expectativas em escaladas nas variadas “frentes” que
24
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
25
A RECUPERAÇÃO
JAPONESA O
atualidade
Dois momentos da Segunda Guerra: o
ataque japonês a Pearl Harbour (acima)
e uma foto rara da bomba atômica
devastando Hiroshima
Geopolítica do Japão
Fernando Malburg da Silveira*
O Japão é um dos países do planeta mais afetados por grandes desastres naturais ao longo
dos tempos. Além disso, passou pelas amarguras de uma derrota na 2ª Guerra Mundial, na qual
foi alvo de duas destruidoras bombas nucleares, mas apesar de tudo jamais deixou de ocupar
– depois da era de reestruturação comandada pelo imperador Meiji, em meados do século
XIX – lugar de destaque entre as grandes potências.
O terremoto e o tsunami de março de 2011 castigaram o Império do Sol Nascente em meio a
um persistente esforço de recuperação do crescimento econômico, ainda afetado pela crise
causadora da recessão do início dos anos 90. Para melhor compreender quais as previsíveis
posturas da combativa sociedade japonesa diante da recente catástrofe sísmica e os caminhos
de recuperação que diante dela se apresentam, convém examinar sucintamente a geopolítica
do Japão, suas principais dependências externas e as características da sociedade japonesa.
26
Revista do Clube Naval • 358
arquipélago japonês tem como fronteira a leste o imenso Oceano Pacífico, o que justifica o nome Nippon – ou
“origem do Sol” – para o país. A oeste estão as grandes
terras da massa continental eurasiana, despontando a
Rússia, a China e o Sudeste Asiático, enquanto para o
sul se situam as Filipinas, a Indonésia, e mais abaixo
a Austrália e a Nova Zelândia. Enquanto a leste se
descortina o maior oceano integrador de economias fortes, a oeste
e ao sul estão ao alcance as mais fortes economias dos continentes
asiático e australiano.
Remoto, pequeno, distante, montanhoso, possuindo pouca
terra cultivável, muito poucos recursos naturais, frequentemente
acossado por tufões e terremotos, o Japão não parecia ser um país
que reunisse boas condições para ser uma potência, mas a sociedade japonesa não se rendeu a essas dificuldades e construiu um
império que, no pós 2ª Guerra Mundial, alcançou o segundo lugar
entre as economias mais desenvolvidas do mundo, posto que só
recentemente cedeu para a China.
Somente uma quarta parte do território japonês é adequada à
habitação, confinando a população em estreitas faixas planas de terra
ao redor das ilhas principais. Pouco mais de 10% da terra é arável;
e cerca de 45% de sua população de cerca de 128 milhões de almas
encontra-se nas três cidades principais (Tóquio, Osaka e Nagoya).
Os rios são muitos, mas não se interconectam e são pouco
navegáveis, praticamente obrigando o povo japonês a desenvolver,
Revista do Clube Naval • 358
desde priscas eras, uma cultura ligada à maritimidade. Isso, ligado
à necessidade de buscar matérias-primas no continente, levou os
nipônicos a construir um notável poder marítimo, energicamente
utilizado – inclusive mediante o agressivo uso de forte poder naval
– para perseguir objetivos estratégicos além das fronteiras insulares
limitadoras do desenvolvimento.
A separação física da Eurásia levou o Japão a períodos de isolamento insular e a tentativas de superar as limitações daí decorrentes.
Essa circunstância trouxe vantagens e desvantagens. As vantagens
podem ser sintetizadas na unidade cultural e linguística, decorrente
de uma única corrente imigratória expressiva, ocorrida 300 anos a.C.
(gerando uma só etnia predominante); e na ausência de ameaças de
invasões por outros povos, embora tenham ocorrido no século XIII
tentativas (fracassadas) dos mongóis. A dificuldade de conquistar
as ilhas japonesas, aliás, permaneceu nos tempos modernos, tendo
sido um dos fatores que levaram os Estados Unidos – após avaliar as
grandes perdas de vidas americanas que certamente ocorreriam nas
invasões das ilhas japonesas – a recorrer ao uso de bombas atômicas
para dobrar os joelhos dos nipônicos na 2ª Guerra Mundial.
As desvantagens maiores foram a dependência de acessar externamente o desenvolvimento tecnológico para passar da cultura
feudal rural para a industrial; e a necessidade de buscar externamente quase todos os insumos necessários à construção de uma
moderna potência econômica, principalmente, entre eles, o petróleo
e o aço. Nesse contexto, a península coreana sempre foi o alvo mais
próximo, tendo sido objeto de invasões japonesas ao longo dos
séculos. Em épocas mais recentes (séculos XIX e XX) não apenas a
Coreia, mas também Taiwan, Sibéria, Mandchúria, China e muitos
territórios do Sudeste Asiático foram palco de invasões e dominações militaristas nipônicas, só detidas com o advento da 2ª Guerra
Mundial, quando o poderio industrial e aeronaval norte-americano,
provocado pelo ataque a Pearl Harbour, derrotou o poderio naval
japonês no Pacífico.
27
O Problema Energético
A geopolítica japonesa desenha alguns imperativos estratégicos
que norteiam o comportamento do governo e da sociedade japonesa
nos tempos modernos. Entre eles, a preservação de uma unidade e
da centralização do poder nas ilhas do arquipélago; a manutenção
da soberania sobre os mares e ilhas centrais e periféricos; o controle
autônomo dos acessos às ilhas do império japonês e a manutenção
das vias marítimas que sustentam seu abastecimento e seu comércio; e a continuidade do acesso às matérias-primas e insumos que
alimentam o poderio industrial e econômico do Japão. Este último
aspecto, que de fato foi o que levou o Japão à guerra contra os Estados Unidos em 1941, é de crucial importância, dado que o Japão
possui uma enorme planta industrial, todavia instalada num país
totalmente dependente de recursos minerais alienígenas.
As condições naturais para a consecução desses objetivos são
bastante adversas, mas a sociedade japonesa é dotada de notável
disciplina e extraordinária tenacidade, atributos que viabilizaram
chegar ao status sociopolítico e socioeconômico que o país ostenta
no mundo, apesar de suas seculares dependências externas e do
severo problema decorrente do atual envelhecimento da população,
acompanhado de queda da taxa de natalidade.
Além das matérias-primas essenciais, das quais existe severa
dependência externa, o Japão depende intensamente de energia
para manter operacional sua indústria e seus centros financeiros.
Essa energia é essencialmente oriunda de duas fontes: o petróleo
(praticamente 100% importado) e as centrais nucleares (uma delas
destruída pelo tsunami recente).
Quanto ao petróleo, o infortúnio do terremoto e do tsunami
de março foi acompanhado por simultâneos distúrbios no mundo
Em Tóquio,
os prédios tremem
pela liderança do continente asiático, como ainda no ranking mundial das economias mais poderosas.
No presente, o Japão, terceira potência econômica do mundo,
luta para retomar níveis de crescimento do PIB (hoje superior a US$
5 trilhões) compatíveis com os do passado mais pujante, em que
pesem as limitações já mencionadas. A natureza, porém, interferiu
adversamente, desferindo em março deste ano de 2011 violento
golpe contra o arquipélago, representado pelo terremoto seguido
de tsunami que arrasou grandes áreas do nordeste do país, afetando
inclusive (pesadamente e no longo prazo), a produção de energia
de centrais nucleares japonesas.
Uma vez mais, a sociedade nipônica será desafiada a se recuperar de uma catástrofe, geradora da maior crise desde a 2ª Guerra
Mundial. Não obstante, já deu mostras de que enfrentará com a
inquebrantável fibra japonesa o infortúnio. Não há como duvidar.
Derrotado na guerra, ressurgiu dos escombros um país que rapidamente se adaptou aos padrões de produção e aos avanços tecnológicos ocidentais, chegando a galgar o patamar de segunda economia do
planeta. Basta olhar para as fotos de Hiroshima arrasada pela bomba
nuclear americana e a moderníssima Hiroshima de hoje, totalmente
reconstruída em apenas 60 anos. Não será a primeira vez que os
japoneses, com sua inquebrantável disciplina, tenacidade e grande
senso de responsabilidade social, poderão vir a usar o desafio como
uma nova chamada à autoafirmação, imprimindo rápidas mudanças
políticas internas e revitalizando a sinergia nacional.
A vitória dos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial constituiu
severo golpe nos objetivos estratégicos japoneses, privando temporariamente o Império Nipônico de sua soberania e impondo aos
japoneses uma Constituição que limitou o poder militar apenas a
forças de defesa, ceifando seu domínio naval sobre o Pacífico. O
Tratado de São Francisco, porém, em 1952, reabilitou o Japão nos
seus caminhos, embora o poder militar japonês tenha permanecido
limitado (todavia sempre contando com o suporte dos EUA, seu
ex-inimigo e hoje seu principal aliado). O Japão retomou as vias do
crescimento e durante longo tempo sustentou a posição de segunda
economia mais forte do planeta, mas a recessão dos anos 80/90
(quando o rápido crescimento, acompanhado por baixas taxas de
remuneração do capital, causou crise financeira cujos efeitos ainda
não foram de todo superados) e o fantástico crescimento da China
levaram os chineses a ultrapassar os japoneses, não só na disputa
28
Revista do Clube Naval • 358
Desabrigados aguardam
atendimento, em ordem
Revista do Clube Naval • 358
árabe, elevando o preço do barril e os riscos no mercado do ouro
negro. A maior parte do petróleo que abastece o Japão é proveniente
do Golfo Pérsico, região sempre marcada pelas relações conflituosas
entre árabes e israelenses e entre Oriente e Ocidente. Há fontes
alternativas para o suprimento de outros recursos minerais para
o Japão, como o minério de ferro, obtenível de mais de um país
exportador, mas a economia japonesa não pode prescindir do fluxo
de petróleo que atravessa o Estreito de Ormuz, choke point cuja
possível interdição, seja por minagem ou pelas baterias de mísseis
instaladas em terra pelo Irã, constitui permanente dor de cabeça
para o mundo ocidental e para o Japão. Se a convulsão política que
vem acossando o mundo árabe neste início de 2011 não serenar, ou
se as tensões entre EUA e Irã resultarem em conflito armado e em
bloqueio – ainda que temporário – de Ormuz, as reservas japonesas
de óleo serão rapidamente consumidas e sua economia sofrerá brutal
constrição, com sérias consequências para a economia global.
Para reduzir (mas sem eliminar) a dependência do petróleo,
o Japão conta com duas possibilidades: a geração de energia por
usinas movidas a carvão mineral (do qual é o maior importador
mundial) e por usinas nucleares (setor em que a planta instalada
japonesa é a terceira maior do mundo, abaixo apenas da americana e da francesa).
O recente terremoto causou enormes danos a vários reatores nucleares japoneses e levou o governo a paralisar outros por prudência,
gerando uma carência de energia que decerto terá longa duração, o
que agrava muito os efeitos adversos da catástrofe natural, por si só
bastante devastadora. A geração de energia nuclear em larga escala
vinha sendo o único componente do problema energético japonês
sobre o qual governo e sociedade depositavam grande confiança,
por estar sob total controle nacional e por sua menor dependência
externa. A vulnerabilidade desse setor, agora evidenciada pelo desastre natural, decerto causou grande choque aos nipônicos.
Não é difícil imaginar, portanto, o gigantesco problema a ser enfrentado caso a redução da produção das usinas nucleares (responsáveis por um terço da energia elétrica do país)
seja combinada com uma drástica redução no
suprimento de petróleo. Essa redução poderá
ser causada pelo agravamento de convulsões
no Oriente Médio e na Península Arábica,
ou pela interdição das vias marítimas que
representam as grandes artérias do abastecimento japonês, onde exponenciam as
vulnerabilidades de choke points como os
Estreitos de Ormuz e de Málaca (este último,
ligando o Índico e o Pacífico, contempla o
trânsito de cerca de ¼ do petróleo mundial,
em mais de 50 mil navios por ano, tendo
como destino todos os países consumidores
asiáticos do Pacífico, inclusive as poderosas
economias da China e do Japão; e situa-se em
região de navegação difícil, sujeita a ações
de pirataria e terrorismo).
Uma conjunção de fatores adversos
dessa dimensão teria efeito avassalador
sobre a economia japonesa, com terríveis
consequências para sua sociedade e para
toda a economia mundial. Ainda assim,
o governo pode contar com uma certeza
animadora: o povo japonês fará sua parte e
mostrará novamente sua fibra.
29
Caminhos da Recuperação
As características do povo japonês serão, decerto, outro forte
ponto de apoio para a recuperação nacional.
Sob o ponto de vista sociorreligioso, os japoneses têm a singular
característica de ser um povo oriental de pensamento xintoísta e
budista, portanto não cristão, mas sem nenhuma dificuldade em
conviver, sob o prisma econômico, com padrões éticos e econômicos
típicos do capitalismo ocidental (este, como sabido, originalmente
motivado ao lucro pela doutrina cristã protestante calvinista). Isso
permite identificar no povo japonês uma ascese, uma efetiva busca
pela realização da virtude e pela plenitude da vida moral, que concilia
a visão filosófica xintoísta e budista do povo com o comportamento
econômico de instituições capitalistas sólidas, cujos fundamentos foram transplantados da cultura econômica ocidental para o Extremo
Oriente, mas sem abalar as pedras angulares da visão teológica da
sociedade nipônica. A Reforma Meiji do século XIX, responsável pela
transição do feudalismo japonês para o capitalismo e pela abertura
definitiva do Japão ao Ocidente, soube absorver os valores ocidentais que lhe interessavam sem despir o Japão de seus milenares
valores filosóficos orientais. Nos momentos de crise, isso se traduz
na solidariedade do povo com seus líderes e governantes, todos
visando ao interesse comum (razão pela qual não se teve notícias de
assaltos, invasões de supermercados e violência entre os milhares
de necessitados que se espalharam pelas áreas atingidas).
O cenário devastado pelo terremoto é desalentador para os observadores externos, mas os analistas que bem conhecem o Japão e
seu aguerrido povo enxergam perspectivas de recuperação em tempo
menor do que avaliam os mais pessimistas. O Banco Mundial e a Associação dos Países do Sudeste Asiático (Asean) acenam com o início
de expressiva recuperação em poucos meses, ainda em 2011.
A capacidade de mobilização e o sentimento de responsabilidade de cada cidadão em relação à sociedade, que os japoneses mais
de uma vez no passado já demonstraram possuir (lembremos do
pós 2a Guerra e da recuperação do terremoto de Kobe, em 1995),
deverão ter papel decisivo nos esforços de recuperação. Não foram
poucos os noticiários da mídia mundial que retrataram o heroísmo
e o desprendimento dos japoneses no socorro às vítimas; respostas
rápidas do governo na recuperação de partes da infraestrutura
afetada foram notáveis (estradas arrasadas foram reconstruídas em
poucas semanas; um aeroporto totalmente devastado pelo tsunami
voltou a operar em sua plenitude em tempo recorde; e muitos outros
exemplos continuam a ser a cada dia revelados); e os japoneses não
deixarão de, num momento tão difícil, financiar a recuperação,
mesmo sabendo que terão baixo retorno, pois o sentimento nacional
está acima da ambição na tradição cultural nipônica.
Não deverá faltar o apoio do mundo ocidental, principalmente
o norte-americano. Afinal, de inimigo dos EUA no último conflito mundial o Japão passou à condição de baluarte dos Estados
Unidos no Extremo Oriente, exercendo importantíssimo papel na
contenção da expansão do comunismo na Ásia durante a Guerra
Fria; e, no presente, mostra-se um aliado relevante dos americanos
no permanente jogo estratégico de contrabalançar o crescente
poderio chinês na Ásia, que tende a hospedar uma imensa área de
livre-comércio capitaneada pela China e capaz de competir com a
primazia econômica norte-americana. O Japão, além disso, dá importante suporte à presença da mais poderosa esquadra da US Navy
naquele importante cenário estratégico, o que os norte-americanos
não podem negligenciar. Há suficientes incentivos econômicos e
estratégicos, portanto, para que o Japão seja assistido em mais esse
momento difícil. Ao mundo ocidental interessa, tal como interessava
ao término da 2ª Guerra Mundial, contar com o Japão no seu lado da
economia globalizada, o que tanta relevância teve durante a Guerra
Fria para fazer frente ao poderio da URSS, na era da bipolaridade
de poderes. Papel similar se configura agora para o Japão diante do
crescimento chinês na Ásia, na visão estadunidense.
Soma-se a isso a influência do bushido na sociedade japonesa.
O período feudal japonês durou do século XII até meados do XIX,
e coincidiu com a época de prestígio da classe dos samurais, elite
guerreira que exercia o papel de guardiões do poder junto aos senhores feudais. Essa elite observava um rigoroso código de honra
e de conduta, o bushido (literalmente, o “caminho do guerreiro”).
Com fundamentos em valores do xintoísmo, do budismo e do
confucionismo, o respeito e a lealdade aos superiores, a coragem,
a justiça, o espírito de autossacrifício, a humildade, a austeridade, a
sabedoria e a honra eram os atributos mais valiosos de um samurai
no desempenho de suas obrigações e na defesa de sua reputação (e
da de seus ancestrais, a serem sempre honrados).
A transição japonesa do feudalismo para o capitalismo e as
transformações socioeconômicas decorrentes exauriram, como era
de se esperar, o poder e o prestígio dos samurais, mas os princípios,
os valores, o estilo sóbrio de vida e o modo de pensar disciplinado
daqueles guerreiros permanecem influentes, presentes e notáveis
nas características do povo japonês, refletindo-se inclusive na
educação escolar das crianças, que desde cedo são estimuladas a
reverenciar a pátria e o imperador, respeitar o senso de verdade e
justiça e valorizar a cultura e as artes (entre elas, as marciais).
O autossacrifício é um exemplo que se pode ver com clareza
em dois momentos dramáticos, no final da guerra e no desastroso
terremoto de março. Na fase final da guerra no Pacífico, diante do
incontido avanço do poder naval norte-americano sobre o perímetro defensivo japonês, os pilotos da aviação naval nipônica, após
cumprirem um ritual tipicamente samurai a bordo de seus naviosaeródromos, não hesitavam em lançar suas aeronaves em missões
suicidas (kamikase, ou “o vento divino”) contra os costados das belonaves americanas. No terremoto de março, diversos trabalhadores
(engenheiros e técnicos) das usinas nucleares afetadas dirigiram-se
às mesmas, em sucessivas tentativas de minorar o superaquecimento
dos reatores e o vazamento de substâncias radioativas, ainda que
sabendo que isso os condenava a uma morte sofrida.
Acima da pessoa está o sentimento do dever, atributo de origem
confucionista enraizado na sociedade. Causa-nos espanto, mas não
aos nipônicos, o caso do menino de cerca de dez anos que, disciplinadamente alinhado numa comportada fila de distribuição de
alimentos, recebeu de um jornalista estrangeiro algo para comer
e, após uma solene reverência de agradecimento, dirigiu-se ao começo da fila para entregar os alimentos à autoridade responsável
pela distribuição. Perguntado por que o fizera, respondeu que havia
idosos mais necessitados do que ele, e retornou silenciosamente
ao seu lugar.
Como terceira potência econômica do mundo, o Japão não
hesitará em investir imediatamente na recuperação de toda a infraestrutura destruída pelo abalo sísmico e pelas ondas gigantes. Para
financiar esse enorme esforço de reconstrução o governo, apesar
de já contar com uma dívida pública bastante elevada, contará com
a população – que sempre foi a grande financiadora dessa dívida
– para investir mais em títulos públicos, mesmo que com baixa
remuneração (cerca de 1,5% ao ano, ao passo que em países como
o Brasil o retorno pode passar dos 12% anuais!).
Não faltarão também as fontes externas de financiamento, embora o governo nipônico prefira evitar a desnacionalização de sua
dívida. Há tal confiança na capacidade japonesa de recuperação que
o mercado financeiro, mesmo diante das circunstâncias atuais, reduziu as taxas de risco japonesas nas agências avaliadoras de risco.
Sobretudo, não faltarão ao Japão a disciplina e a tenacidade do
seu povo.
É esse conjunto de fatores econômicos e sociais que permitem
dar razão aos que enxergam com maior otimismo a recuperação do
Japão, que em poucos anos estará de volta ao cenário mais pujante
do continente asiático e do planeta. n
* Capitão-de-Mar-e-Guerra (Ref).
Referências:
Carvalho, Hamilton Cesar de Castro. Max Weber e o capitalismo
japonês. Poiésis – Literatura, Pensamento & Arte, n. 88, jul. 2003.
Costa, Ana Clara. Como o Japão se recuperará de seu maior desastre. Veja, Economia, 11/3/2011.
Friedman, George. Japan, the Persian Gulf and Energy. Disponível em: <http://www.stratfor.com/weekly/20110314-japan-persiangulg-energy>.
Silveira, F. Malburg. A disputa pela liderança asiática no pós Guerra
Fria. Revista Marítima Brasileira, v. 127, n. 10/12 (Parte I) e v. 128,
n. 1/3 (Parte II).
Silveira, F. Malburg. Choke points – ameaças a estreitos e canais
internacionais. Revista do Clube Naval, n. 350, abr./maio/jun. 2009.
Vale, Sérgio. Japão. Instituto Millenium, 23/3/2011. Disponível
em: <http://www.imil.org.br/artigos/ptjapo>.
Stratfor Geopolitical Analisys: Japan. Disponível em: <http://
forums.spacebattles.com/showthread.php?t=160251>.
“Sobretudo, não faltarão ao Japão
a disciplina e a tenacidade do seu povo”
30
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
31
direito internacional
direitos e obrigações internacionais universalmente reconhecidos
não tem qualquer amparo legal.
Guido Fernando Silva Soares, professor da USP, falecido
em 2005, frisa que “a Carta [das Nações Unidas] reconhece um
direito inerente à legítima defesa, mas, como um direito novo,
estabelece condições prévias para seu exercício: além de deixar
claro que se trata de um ato provisório, até que o Conselho de
Segurança [das Nações Unidas] venha a adotar as medidas que
lhe competem, o ato de legítima defesa deve estar motivado como
uma resposta à ocorrência de uma agressão por parte de outro
Estado”. Como, em tais condições, invocar a legítima defesa para
legalizar a eliminação de Bin Laden?
Alega-se, também, que se tratou de “uma operação de guerra”.
No Paquistão, que não está em guerra contra os EUA, é muito difícil
falar de um ato de guerra no sentido usado no Direito Internacional,
comenta o jurista suíço Me Phillippe Currat.
Proclamou-se que “a justiça foi feita”. Erro crasso. Não existe
justiça sem direito definido e sem julgamento imparcial. n
José Monserrat Filho *
Bin Laden
e o Direito
Internacional
E conclui com uma lição de mestre: “A comunidade internacional prospera quando o direito e o poder são parceiros, e
não quando estão em conflito”. Essa parceria, porém, tem sido
lograda em poucos momentos da história. Sir Arthur Watts tem
consciência das artimanhas: “Os países são capazes de sentir
que a importância do direito internacional pode ser facilmente
admitida, precisamente porque, em última análise, ele [o direito
internacional] é fraco e pode ser ignorado”.
É fraco, sim, mas ignorá-lo pura e simplesmente é cada vez
mais difícil e não recomendável. Não por acaso, Cesáreo Gutiérrez Espada e Maria José Cervell Hortal, professores espanhóis,
perguntam: “Se os Estados não julgassem que deve existir um
direito internacional que os obrigue, por que precisariam tentar
acobertar suas más ações com base no próprio direito (por via da
exceção ou da existência de uma causa justificadora)?”
Por tudo isso, a avaliação jurídica dos fatos internacionais
marcantes – sobretudo na era de intensa globalização em que
vivemos, quando a interdependência e a necessidade de cooperação
entre os países atingem níveis sem precedentes – não é simples
possibilidade, oportunidade ou opção. É imperativo incontornável. É conquista e exigência da cultura humana, acumulada em
séculos de erros e acertos, recuos e avanços, experiências trágicas
e triunfantes de toda a sorte.
O caso Bin Laden choca a consciência jurídica. Sua execução
sumária e extrajudicial e o lançamento de seu corpo ao mar configuram o ápice de uma sequência de atos ilícitos e antiéticos. O
homicídio planejado por um governo de uma pessoa desarmada,
buscada há dez anos acusado de cometer crimes de lesa-humanidade, não resiste a uma análise baseada nos princípios e normas do
Direito Internacional vigente, bem como nos preceitos de justiça
consagrados no mundo contemporâneo.
Como qualquer criminoso, e mais ainda por ser considerado
“A sociedade internacional (…)
está longe de ser uma sociedade sem lei.”
Oscar Schachter (1915-2003 ),
in International Law in Theory and Practice, 1991
“Q
uanto mais eficaz for o sistema jurídico
internacional, mais incômodo pode ser
para os Estados”, observa muito bem Sir
Arthur Watts (1931-2007), ex-professor
de Direito em Oxford e ex-consultor jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido e da Comnidade Britânica,discorrendo sobre “a importância do direito internacional” em 2000.
Ele indaga: “Podemos agir na área internacional, como bem
entendemos, certo?” E ele próprio responde: “Não, não podemos. Há
um conjunto de regras – o Direito Internacional – que, assim como
confere alguns direitos aos Estados, também impõe a eles certas
obrigações na condução de suas relações internacionais”.
Daí a grande relevância, a seu ver, do Estado de direito internacional. Sua explicação é simples e clara: “O Estado de direito nos
assuntos internacionais envolve a existência de um sistema jurídico
abrangente, a certeza sobre as regras em vigor, a ausência de poder
arbitrário e a aplicação efetiva e imparcial do direito. Os benefícios
do estado de coisas em que esses elementos estejam presentes são
autoevidentes, e exercem poderosa e positiva influência”.
E mais: “O Estado de direito compreende a aceitação de que
o direito internacional não é uma escolha à la carte. Aplica-se
como um todo e a todos os Estados, inclusive (e na verdade especialmente) aos que detêm poder físico e político para descartar
a lei se assim decidirem”.
32
Revista do Clube Naval • 358
* Jornalista e jurista, mestre em Direito Internacional,
membro da International Law Association (ILA).
E-mail: <[email protected]>
especialmente perigoso, Bin Laden deveria ter sido capturado vivo e submetido a julgamento justo com todas as
garantias de isenção, como prescrevem as leis de todos
os países do mundo. Tal procedimento é conquista irrevogável do processo civilizatório. O tribunal poderia ter
sido nacional ou internacional. Mas seria preferível uma
corte internacional, mais adequada à natureza dos crimes
de alcance global imputados ao criador e chefe do grupo
terrorista Al-Qaeda. O terrorismo pode ser uma questão
nacional, mas, acima de tudo, é internacional, pois afeta
grande número de países, se não todos.
Nada justifica introduzir um contingente militar no
território de um país soberano, sem sua devida autorização,
para buscar e, no caso, matar deliberadamente um criminoso.
A alegação de “legítima defesa” para validar a violação de
A mansão de Bin Laden.
Desenhos como este
fizeram parte do plano de
ataque norte-americano
Revista do Clube Naval • 358
33
Além A
opinião
de Bin
Laden
Claudio Fabiano de Barros Sendin *
CLUBE NAVAL
pesar de Bin Laden ter, sem dúvida, representado uma ameaça
para a humanidade, o desfecho do seu caso não deixou de ser um
assassinato encomendado.
A ação norte-americana assemelhou-se a um filme de cowboy, onde o
mocinho pratica justiça com as próprias mãos e o xerife faz vista grossa.
Os EUA exerceram sem cerimônia o seu arbitrário superpoder, que lhe
é outorgado tão somente por ser a maior força bélica mundial.
Fico então, ingênua e utopicamente para muitos, pensando que as disputas,
a violência e as guerras, perderiam o motivo de existir na Terra, se nós, seus
habitantes chamados de racionais, tivéssemos um nível melhor de compreensão
humana, preferindo cooperar a competir.
Penso que todo o caos mundial é resultante da educação que vem sendo
transmitida de pai para filho, desde o surgimento do Homo sapiens. Todas as
civilizações, todas as culturas, sempre educaram seus filhos para a competição,
para “serem alguém na vida”, isto é, terem cada vez mais, sejam bens materiais
ou não, e conquistarem cada vez mais poder.
Da infância à velhice, nas escolas, nas universidades, nas empresas, nas religiões,
nos quartéis ou nos partidos políticos, entre analfabetos ou letrados, esportistas,
artistas ou empresários, em qualquer sociedade, sob qualquer regime, vivemos
competindo uns contra os outros, de forma velada ou explícita.
Nem Krishna, nem Buda, nem Sócrates, Jesus Cristo ou outro mestre ou
filósofo, conseguiu mudar essa mentalidade e elevar o nível de compreensão
humana, a ponto de transformá-la em altruísta.
Através dos tempos, esses pensadores criaram os princípios éticos, morais
e religiosos, adotados por toda a humanidade.
Não há quem não se coloque a favor da paz e da justiça. Os governantes,
tanto de pequenos países quanto das grandes potências, se dizem pacifistas,
são adeptos de religiões e filosofias que pregam o altruísmo, o amor ao
próximo e à humanidade, mas na prática promovem a guerra, até mesmo
e absurdamente, como forma de conseguir a paz.
Há um abismo entre o que se pensa e o que se faz.
Revoluções e mudanças de regimes políticos tampouco tornaram o
mundo mais justo. Os ideais de fraternidade e igualdade da Revolução
Francesa, por exemplo, não passaram de ideais, pois logo os vencedores
se tornaram tão tiranos quanto os vencidos.
Na Revolução Russa, a ideia da liderança do proletariado como um
regime justo para todos, também foi apenas um pensamento. Na realidade, a ausência de classes sociais não afetou a tirania dos dirigentes
nem diminuiu a competição entre todos os cidadãos.
Nesse contexto, torna-se perfeitamente natural o vale-tudo da luta
político-partidária, e o exercício da imposição de regras dos países
dominantes aos dominados.
Para colocar rédeas nesse processo de competição desenfreada e de
mútua agressão, foi instituído o Direito, com normas éticas de comportamento baseadas nos pensamentos clássicos, filosóficos e religiosos.
Criou-se também a ONU, instituição que tem a missão de fazer cumprir,
internacionalmente, esse direito. Apesar de a tentativa ser louvável, seu
poder é limitado e muitas vezes ignorado, como foi no caso Bin Laden, na
medida das necessidades de dominação das potências que a mantêm.
A Ética e o Direito, embora imprescindíveis, são um remédio externo,
uma espécie de pomada contra a dor, que não cura a doença.
Esta só vai sarar quando nós todos, povos e dirigentes, empresários e
operários, conseguirmos compreender claramente que habitamos uma
minúscula partícula do universo, e somos na verdade uma só nação
humana. Quando a humanidade se tornar menos egoísta e mais altruísta, e conseguir trocar o hábito da competição pelo da colaboração, nas
relações entre as pessoas, e, consequentemente, entre as nações.
Aí não caberão mais guerras nem bin ladens. n
* Diretor de arte e Cartunista • [email protected]
34
Revista do Clube Naval • 358
A Praça
d’Armas da
Marinha
Paulo de Paula Mesiano *
O que era e o que é uma Praça d’Armas?
N
a Idade Média, vamos encontrar Praça d’Armas como o
grande espaço aberto no centro do castelo ou fortaleza,
o local de concentração de tropas para desfechar o
contra-ataque. Na Espanha medieval, Plaza de Armas
(Praça d’Armas) era a praça principal das cidades fortificadas; na Suíça, Waffenplatz (Praça d’Armas) era a
base militar com quartel, paióis e oficinas, utilizada
para instruções e adestramento de defesa. Na Marinha, a bordo dos navios, Praça d’Armas é o compartimento de estar dos Oficiais, onde também eram servidas as suas refeições,
presididas pelo Imediato, que lidera a oficialidade, onde, informalmente e descontraidamente, os Oficiais trocam ideias, comentam
procedimentos, distraem-se e, por vezes, até se insubordinavam; é
um local de descontração e privativo da oficialidade. A Praça d’Armas
é o único compartimento do navio a que o Comandante não tem
acesso franco e só comparece se for convidado pelo Imediato.
A Praça d’Armas, para a Marinha, é uma instituição que remonta aos navios a vela, aos corsários e bucaneiros, e aos navios e às
Marinhas regulares, que os combatiam.
O homem do mar é muito conservador, tanto os Oficiais como
os Praças. Admira e cultua o mar, com suas aventuras e perigos, é
muito cioso das tradições marinheiras, dos usos e costumes navais,
que cultiva e alimenta com devoção; tem um arraigado “espírito de
corpo” e, em função disso, costuma, genericamente, considerar o
Clube Naval como sua Praça d’Armas.
Desde aquela época que nos navios, como na Marinha em geral, em sua tripulação existiam e existem três estratos: a primeira
camada é individual, a camada do consagrado, a camada solitária
do Comandante, aquele que tudo pode mas que vive a solidão do
comando. No tempo da Marinha a vela, dispunha até da vida e da
morte dos seus subordinados, sendo seu privilégio enforcá-los no
lais da verga de boreste,1 passá-los de um bordo a outro sob a quilha
do navio, ou ainda mandar açoitá-los. Na Royal Navy, a Marinha
Inglesa, da qual herdamos muitas tradições e costumes, o açoite era
Revista do Clube Naval • 358
chamado de gato de nove caudas (the cat of nine tails). Na Marinha
do Brasil, à época da chibata, chegou a haver uma revolta devido à
aplicação de uma pena de açoite considerada exagerada, e que gerou
a Revolta da Chibata.2 Hoje, o Comandante é o juiz em 1ª instância
para aqueles que transgridem o Regulamento Disciplinar da Marinha
(RDM), e aplica penas de reclusão ou de serviços extraordinários. Se
o ilícito cometido for capitulado no Código Penal Militar, a situação
se complica. É instaurado, por sua ordem, uma Sindicância ou um
Inquérito Penal Militar (IPM), o julgamento sai da esfera administrativa e vai para a da Justiça Militar, se o ilícito for crime militar;
ou para a Justiça Civil, se o crime for civil.
A segunda camada é a da oficialidade, liderada pelo Imediato,
que é a ligação entre o Comandante e a oficialidade, e o verdadeiro
administrador do navio. O Comandante raramente se dirige diretamente aos Oficiais, à exceção do Oficial de Quarto, no passadiço,
em viagem, ou ao Oficial de Serviço, no porto. Costuma-se dizer,
quando o navio vai bem, que tem um bom Comandante, e, quando
vai mal, que tem um mau Imediato.
A terceira camada é a guarnição. Podemos simplificar dizendo
que a guarnição é o resto da tripulação, sem nenhum sentido pejorativo. Sempre tomando os navios a vela como referência, onde
o Comandante se alojava num compartimento amplo – a câmara
do comando – na parte alta da popa, chamado de castelo de popa,
onde também fazia suas refeições sozinho. Os Oficiais, inclusive
o Imediato, alojavam-se em camarotes singelos ou duplos, localizados em convés abaixo do da câmara, e tinham as suas refeições
na Praça d’Armas. E a guarnição se alojava em compartimentos
chamados de cobertas, localizados na proa, e faziam suas refeições
nas cobertas de rancho. Foi assim que esse fragmento da sociedade
fez as grandes navegações e descobertas, com as caravelas, galeões,
naus de guerra, fragatas e corvetas.
Neste artigo, estamos enfocando a Praça d’Armas dos navios.
Mas, por que Praça d’Armas? Porque era nesse compartimento
que armas portáteis, por uma questão de segurança, eram guardadas, pois a marujada3 não era muito confiável, poderia se amotinar,
usando as armas para trucidar os Oficiais e o Comandante, e se
transformarem em piratas, flibusteiros, bucaneiros e outros tipos.
35
Por similaridade, principalmente para os oficiais que transferiram-se para a Reserva ou foram Reformados,4 o Clube Naval, na
sua sede social, na Av. Rio Branco, 180, é considerado como se fora
uma Praça d’Armas, congregando seus sócios, Oficiais de Marinha
em Serviço Ativo, da Reserva e Reformados, oferecendo atividades
culturais, ligadas à literatura, artes plásticas, música, história, estudos políticos e estratégicos, simpósios, conferências,
assuntos de interesse naval, assuntos marítimos de
interesse geral e de amplitude nacional, dispondo de
um local para refeições e acomodações para lazer. Há
porém uma enorme diferença: nos navios da Marinha,
a presidência da Praça d’Armas é imposta por força
dos regulamentos, e a liderança é conquistada ou não,
por força da capacidade e atuação do Imediato, uma
vez que a ele é designado, por ato administrativo,
ao passo que o Clube Naval, tanto a liderança como
a presidência, dá-se por escolha dos sócios (Corpo
Social), em eleições diretas e livres, às quais podem
concorrer qualquer sócio.
Porém, o mais importante, que emociona e atrai, é
o convívio entre os colegas de turmas de Escola Naval,
dos amigos adquiridos nos mais diversos embarques,
nos navios da Esquadra, aqueles que atracavam no
Cais Norte do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro e
que a evolução do país, da modernidade e operatividade da Marinha transferiu para a Base Naval do Rio de
Janeiro, em Mocanguê, sem esquecer aqueles amigos
com os quais os laços de amizade foram forjados fora
de sede,5 quer nas antigas Corvetas classe Guillobel,6
como nos Esquadrões de Aeronaves em São Pedro
d’Aldeia,7 dos Fuzileiros Navais da Colina8 e da Ilha
do Governador, sem esquecer os Intendentes do complexo (porque é complicado) da Avenida Brasil, onde
também muitos colegas nossos contribuíram com
seus conhecimentos para a Formação do Pessoal da
Marinha Mercante, no Centro de Instrução Almirante
Graça Aranha, que aliás, são também Marinha e compõem o Poder Marítimo, que, somando-se ao pessoal
da Gola,9 compõem o Poder Naval, o braço militar da
Marinha do Brasil, a que tanto nos orgulhamos de
pertencer, e dos inúmeros amigos que efetuamos ao
longo de nossa carreira, com integrantes dos mais
variados quadros e corpos, que constituem a Família
Naval. O Clube nos proporciona o mesmo ambiente agradável e
descontraído das nossas Praças d’Armas. Ousaríamos até dizer que
o Clube Naval é a Praça d’Armas da Marinha.
Há algum tempo, o Clube era mais frequentado, e entendemos
porque hoje a assiduidade é mais fraca. Porque, como antigamente, pouquíssimos Sócios tinham automóvel, vinham apanhar a
condução de regresso para casa, ou na Cinelândia, no Castelo ou
nas imediações da Igreja da Candelária, pois a Esquadra ficava estacionada no Cais Norte, os navios hidrográficos ficavam no molhe
Onze de Junho, a Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) era na
Ilha Fiscal, os que estavam cursando Máquinas o faziam no Curso
de Aperfeiçoamento de Máquinas para oficiais (CAMO), no Arsenal
da Marinha no Rio de Janeiro (AMRJ), as outras especialidades na
Ilha das Enxadas, no Centro de Instrução Almirante Wandenkolk
(CIAW), e os que cursavam Eletrônica, na Diretoria de Eletrônica
e os de Comunicações na M-50.10 Nessa ocasião, tudo ficava no
Rio, de forma que, antes de irmos para casa, vínhamos ao Clube,
e, além de usufruirmos das facilidades que ele nos oferecia, havia
o principal, que era a confraternização com os “Irmãos d’Armas”,
que se encontravam na “Praça d’Armas”. Se hoje tudo é mais facilitado, pois quase todos possuem automóveis, há o problema de
onde deixá-los, e o Departamento Social tem uma solução paliativa11
para o parqueamento, mas que nem todos utilizam. Os problemas
A Praça d’Armas e
a confortável e aconchegante
sala de leitura do Clube Naval, a
“Praça d’Armas da Marinha”
vindos, principalmente os sócios mais modernos e mais jovens. É importante
salientar que o Clube não é uma OM, é uma associação civil, sem participação
político-partidária, sem fins lucrativos, de Oficiais de Marinha, e a sua representatividade depende, e muito, de sua frequência. Não nos esqueçamos de
que o Clube Naval é a nossa Praça d’Armas, com todas as suas tradições. n
* Capitão-de-Mar-e-Guerra (AvN-Ref).
Notas
Lais da verga de boreste:
extremidade boreste de
uma verga.
2
Revolta da Chibata:
revolta ocorrida em 1910,
capitaneada pelo
Encouraçado Minas
Gerais, em que os marujos
liderados pelo MN João
Candido Felisberto
reivindicavam a abolição
do uso da chibata como
meio disciplinador. Nessa
ocasião assassinaram o
Comandante, CMG João
Batista das Neves.
3
Os marinheiros eram
recrutados entre os
marginais detidos nas
prisões, ou então entre
os que necessitavam de
medidas correcionais,
ou ainda do rebotalho
bêbado que estava na
sarjeta curtindo sua
bebedeira.
4
Os militares ou estão
em Serviço Ativo, ou na
Reserva ou Reformados.
5
Fora de Sede: a Sede
era o Rio de Janeiro, fora
de Sede era a referência
ao território fora do
Rio de Janeiro.
6
Na realidade Classe
Imperial Marinheir”,
mandadas construir
na Holanda, pelo então
Ministro Almirante
Renato de Almeida
Guillobel.
7
Chamada carinhosamente
pelo pessoal da Aviação
Naval de “Macega”.
8
Colina: onde se localiza o
Comando Geral do CFN, o
antigo Forte de São José.
9
Como os marujos se
referem ao pessoal da
Marinha de Guerra, numa
alusão à gola azul da
gandola usada desde os
primórdios da Marinha.
10
M-50 Subchefia de
Comunicações do Estado
Maior da Armada.
11
O Clube Naval subsidia
parcela do pagamento do
estacionamento.
12
Base Naval do Rio de
Janeiro, Mocanguê.
1
de trânsito se agravaram com tempo de deslocamento para casa, o
aumento da distância de casa para a sede do Clube, a ida dos navios
para Niterói,12 algumas Organizações Militares (OM) para Brasília,
o que explica a diminuição do comparecimento.
Quem frequenta diuturnamente o Clube e faz dele a sua Praça
d’Armas? Um pequeno grupo de sócios, da Reserva e Reformados.
Também frequentam, mensalmente ou em períodos mais espaçados, algumas turmas de Escola Naval e as Confrarias que, como
as Turmas, se alternam entre a Sede Esportiva (Piraquê) e a Sede
Social no Centro da cidade, para seus encontros e almoços de confraternização. As Confrarias dos Bodes Preto (Maquinistas), Verde
(Hidrógrafos), dos Aviadores Navais, e outras como a dos Dentistas
Navais, a Praça d’Armas do Cruzador Tamandaré, do CT Amazonas,
do CT Mariz e Barros, e do CT Catarina são as mais assíduas.
Portanto, frequentemos o Clube, nós somos o Clube. Ele precisa de nós, utilizem as salas de Leitura e de Informática, o Pub,
a Biblioteca e o Salão do segundo andar, onde todos são bem36
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
37
ODONTOLOGIA
O seu sorriso é a nossa vitória
75 anos da
Odontoclínica
Central da
Marinha
E
Marcello José Gomes Loureiro(1)
m 2010, a Odontoclínica Central da Marinha (OCM) completou 75 anos. Muitas comemorações divulgaram sua
instigante história e celebraram um passado que merece
ser lembrado. “Vamos ao passado para nos reencontrarmos: trata-se de um ato de reconhecimento.”(2) Grandes
datas servem para marcar momentos significativos, que
asseguram e afirmam a identidade dos grupos sociais. Na
verdade, têm ainda outra importância: permitem refletir sobre o que
construímos no passado e o que esperamos para o futuro.
Por óbvio, a conexão dessas duas dimensões temporais – passado e futuro – se estabelece pelo presente, que somente pode
comportar consciência do valor da trajetória de grupos ou instituições se for perpassado por sua história. As comemorações,
então, trazem à tona memórias e histórias. Enchem o presente
de significados. Promovem reflexão e perspectivas para o futuro.
E, ainda, advertem que as ações que atualmente empreendemos
são fundamentais para atingirmos o futuro desejado.
O marco de origem da história da OCM é 7 de setembro de 1935.
No contexto das comemorações da Independência do Brasil, o VA
Protógenes Pereira Guimarães, Ministro da Marinha, inaugurava a
Odontoclínica Naval, no edifício do então Laboratório Farmacêutico
da Marinha, na Ilha das Cobras. Na verdade, com isso, o Laboratório
cedia algumas salas para abrigar quatro consultórios.(3) Com esse ato,
suplantando ponderáveis óbices financeiros e técnicos, o ministro
satisfazia os antigos anseios de muitos cirurgiões-dentistas, entre eles,
o CC (CD) Pedro de Moraes Sarmento. Ele, em última análise, era o
grande responsável pela viabilidade dessa inauguração, conseguida
graças aos seus esforços junto às autoridades da Marinha, bem como
à estima de que gozava entre a oficialidade. Com personalidade cativante, diz-se que costumava entrar nos navios e só sair após receber
algum donativo de material, esclarecendo e convencendo incansavelmente as autoridades sobre a necessidade da assistência dentária,
de modo que todos cooperassem para sua Odontoclínica.(4)
Sarmento entrara na Marinha bem jovem, como dentista con-
O Almirante
(CD) Zetho
Cardoso Caldas,
aprovado no
primeiro
concurso para
cirurgião-dentista,
em 1933, e
Diretor da OCM
entre 1955-1956
Foto do prédio da Odontoclínica Naval, instalada pelo Dr. Sarmento, em 1935, na Ilha das Cobras.
A foto, no entanto, é posterior à década de 1930 (Acervo OCM)
(Acervo OCM)
tratado. Tinha experiência militar, já que participou da I Guerra
Mundial como segundo tenente honorário, embarcado no Tender
Belmonte, que na ocasião integrava a Divisão Naval para Operações
de Guerra, a DNOG. Efetivado na Marinha em 1932, acabaria por
dirigir a Odontoclínica Naval, depois Odontoclínica Central da Marinha (OCM), desde sua inauguração até 17 de setembro de 1938.(5)
Apesar de a OCM ter sido inaugurada em 1935, a questão da saúde
bucal no Brasil, por óbvio, era bem mais antiga. Na Marinha, uma das
primeiras orientações normativas foi registrada em 1825 e consta
no “Regime Provisório para o Serviço e Disciplina nos Navios da
Armada Real”. Nessa época, a maior preocupação vinculada à saúde
bucal era com o escorbuto, chamado popularmente de “flosedão das
gengivas”. Determinava-se, nesse texto de 1825, que:
...haverá na bocca da Escotilha hum barril com vinagre e agoa
misturada, para todas as manhaes lavarem a bocca, e huma selha
38
Revista do Clube Naval • 358
em que lancem, ou reponhao as bochechas, que tomarem, sem as
lançarem no convez; o Comandante do Navio deve obrigar toda a
Guarnição a que use esta providencia, meio tão essencial para a
conservação da saúde das Equipagens.(6)
Perceba-se que a doença era tratada como um mal contagioso,
vinculado estritamente à saúde bucal, sem relação com a ausência
de vitamina C. Uma vez detectada a doença, suas vítimas usavam um
“babadouro de folha de flandres tendo gargalo com rolha de cortiça,
no qual se acumulava a saliva sangrenta de fedor cadavérico, que
escorria das bocas gangrenosas, brevemente seladas pela morte”.7
Em 1869, durante a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai,
houve inúmeros casos.
No final do século XIX, a prática da Odontologia no Brasil se
formalizava e adquiria certa autonomia dos cursos de medicina. O
primeiro Curso Superior de Odontologia foi oficializado em 1884, nas
Revista do Clube Naval • 358
Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. Antes (desde
1851), para obtenção do título de “dentista” ou de “dentista aprovado”,
o candidato fazia exames nessas mesmas faculdades. Mas a Odontologia, na prática, era considerada eminentemente artesanal. (8)
Dois anos depois, em 5 de novembro de 1886, fundava-se o primeiro Serviço Odontológico da Armada Nacional e Imperial. Nesse
mesmo ano, a Armada Imperial admitia seu primeiro cirurgiãodentista, Francisco da Silveira Gusmão, que se diplomou em 1888
pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.(9) Em 1889, Francisco
Gusmão recebeu de D. Pedro II a comenda de Cavaleiro da Ordem da
Rosa; depois, da República, recebeu a patente de primeiro tenente
da Armada. Prestou serviços de forma gratuita e ininterrupta por
24 anos, até ser contratado com as vantagens de capitão-tenente.
Faleceu em 1920, acabrunhado pelo veto do Presidente Epitácio
Pessoa, em 18 de janeiro de 1921, acerca do projeto de elaboração
do Quadro de Cirurgiões-Dentistas.(10)
39
A ideia de se estabelecer um quadro de dentistas militares no
Brasil adquiriu força depois da criação de um quadro semelhante
na Marinha dos Estados Unidos em 1912. Em 1920, a Missão Naval
Americana sugeria, inclusive, tal criação.(11)
Nessa época, a prestação de serviços gratuitos por profissionais
dentistas na Marinha era algo normal. Em 1919, eram seis contratados
e 18 gratuitos, que prestavam serviços já por seis anos. Depois de 1932,
os contratados foram efetivados e regularizados na Marinha.(12)
Em 1933, no contexto do esforço de formalização por que passou
o Estado brasileiro sob a administração do Presidente Getúlio Vargas,
ao ingresso de dentistas na Marinha, agregou-se nova dinâmica.
Definia-se agora, como requisito, a necessidade de uma Prova de
Habilitação, com duas etapas, uma Escrita e outra Prático-Oral. No
primeiro concurso, foram aprovados Jurandir de Oliveira Pereira, Zetho Cardoso Caldas (que fora contratado antes, em 1931) e Jose Elias
de Moraes Fonseca Portela. No ano seguinte, no Corpo de Saúde da
Armada, foi incorporado o Quadro de Cirurgiões-Dentistas, conforme
o Decreto n° 24.532, de 7 de junho de 1934. O novo quadro admitia:
um capitão de corveta; três capitães-tenentes; oito primeiros tenentes;
e 12 segundos tenentes. Em 11 de julho do mesmo ano, foi criado o
Serviço Clínico Odontológico da Armada e a Odontoclínica Central
da Marinha, que somente seria inaugurada em 1935.
A década de 1930 representa, dessa forma, um momento importante, de afirmação inicial, para os cirurgiões-dentistas. Afinal,
nesses anos, tornou-se possível ingressar no Quadro de CirurgiõesDentistas; foi-lhes atribuída uma sede, a OCM; e, finalmente, foram
submetidos a um conjunto de instruções e normas jurídicas. É
preciso sublinhar, entretanto, que a ampliação da importância dos
cirurgiões-dentistas nas Forças Armadas não pode ser desvencilhada
do próprio significado que a Odontologia – nas suas dimensões práticas, epistemológicas e estéticas – adquiriu nos quadros mentais da
sociedade brasileira durante as primeiras décadas do século XX.
Estabelecida a sede da Odontoclínica Naval, em 7 de setembro
1935, cedo se verificou, no entanto, a demanda por ampliação do
novo Serviço de Saúde, que dispunha, sem dúvida, já de utilíssima
valia. As instalações foram então transferidas, em 1937, por iniciativa
do próprio ministro, para o segundo andar de um antigo prédio
vizinho, localizado na parte sudeste da Ilha das Cobras, próximo à
ponte Arnaldo Luz, onde funcionou por muitas décadas.(13) Antes,
o prédio já houvera se destinado a abrigar a sede da Patromoria
do Arsenal, a Auditoria da Marinha e, por último, destinou-se às
guarnições dos navios docados nos diques Santa Cruz e Guanabara.
Como afirmou o CMG (CD) Raul Pereira Rangel, diretor da OCM
entre 1962 a 1966, “este casarão da Ilha das Cobras (...) orgulha-se
de ser para a Marinha o marco de transição entre o empirismo e o
conhecimento científico”.(14)
A inauguração do novo domicílio foi revestida de grande prestígio. Contou com a presença do Almirantado e até do Presidente
da República, Getúlio Vargas.(15) Na prática, entretanto, o prédio
apresentava um grande problema: não estava nada adequado para
abrigar um serviço de saúde, nem sequer a proporcionar conforto
para os que ali trabalhavam. Por isso, em toda sua história, sempre
houve um esforço enorme para se adaptar um imóvel cuja finalidade
original não era a prestação de serviços odontológicos. Assim, por
exemplo, na década de 1960, foram melhorados os alojamentos,
criada uma Praça D’Armas (1967), um refeitório de praças e civis,
bem como instituído o serviço de rancho, até então inexistente. Já
em 1969, dispunha o prédio de vinte gabinetes odontológicos; mas,
nesse mesmo ano, havia a aprovação de uma obra que deveria viabilizar o funcionamento de mais cinco.(16) Outras obras ocorreram
ao longo da década de 1970.
Perceba-se, portanto, como a ampliação e a valorização da Odontologia Naval podem ser acompanhadas pelo crescimento de suas
próprias instalações. Afinal, o contínuo incremento da demanda por
esses serviços obrigou transformações prediais praticamente ininterruptas ao longo de mais de 30 anos. E, paradoxalmente, mesmo
com todas essas obras, a OCM teve de buscar novo domicílio (de
2.580 m2) na década de 1980, mais precisamente em 15 de outubro
de 1983, sob a direção do CMG (CD) Murillo José Soares.(17) Dessa vez,
as instalações da “Casa Nova”, como é comumente chamada, foram
pensadas cuidadosamente para abrigar os serviços odontológicos:
mais de 60 gabinetes foram disponibilizados para atendimento, e
constituem apenas uma parcela de toda uma estrutura voltada para
o atual desenvolvimento de procedimentos refinados e modernos.
Em 1955, sob a Coordenação do CMG (CD) Zetho Caldas, diretor
da OCM, foi iniciada a primeira tentativa de especialização profissional, com a criação da Clínica Cirúrgica e Sala de Operações.(18)
Mais tarde promovido a vice-almirante, em 10 de abril de 1956, o
Dr. Zetho Caldas foi um dos grandes mentores do desenvolvimento
da Odontologia Naval nas décadas de 1930 a 1960. Dispondo de
uma longa folha de comissões, que incluía, apenas para citarmos
algumas, o Hospital Central da Marinha; a Escola de Aviação Naval,
o Navio-Escola Saldanha, em circunavegação na América do Sul;
o Sanatório Naval de Nova Friburgo; a Base Naval de Salvador; e a
Flotilha de Submarinos, recebeu várias medalhas, entre as quais
a de Serviços de Guerra, pela sua experiência na Segunda Guerra,
sobretudo a bordo do Cruzador Bahia.
Em termos técnicos, a grande reformulação da OCM se processou durante a década de 1960. Em 28 de agosto de 1960, foi
inaugurada, na direção do CMG (CD) Ovidio Cavalcanti Filho, no
Laboratório de Próteses, a seção de trabalhos de prótese amovível em
Vitalium, cujo material e aparelhagem se encontravam guardados
na OCM desde 1955. Além do Chefe do Estado-Maior da Armada,
Almirante Jorge da Silva Leite, a inauguração contou também com
a presença da viúva do Dr. Pedro de Moraes Sarmento.
Também foi criado, em 1960, um sistema de quatro grandes
clínicas especializadas: a Clínica Odontológica e Endodôntica; a Clínica Cirúrgica e Parodôntica; a Clínica Protética; e o Laboratório de
Prótese. A finalidade de tais incrementos era viabilizar não apenas um
maior número de atendimentos, mas, sobretudo atender com melhor
qualidade, a partir do grau de especialização dos procedimentos.
Na história da OCM, uma constatação recorrente é a preocupação com o ensino e a profissionalização. Um dos instrumentos para
isso era a publicação, desde 1953, da Revista Naval de Odontologia,
pelo Centro Naval de Estudos e Pesquisas Odontológicas, anexo à
OCM.(19) Além disso, as conferências eram frequentes, a exemplo
da proferida pelo Dr. José de Lucca, em 1955, sobre “Fundamentos
de Pontes Móveis por Attachment”.
Os cursos, por sua vez, também agregavam substancial valor
ao processo de profissionalização. Em 1955, o CT (CD) Marcelo
Borges realizava um curso de Cirurgia de Boca, na Navy Dental
Foto da nova instalação
da OCM, a partir de 1937,
vista do Arsenal de Marinha.
Ela ocupava o segundo
pavimento desse prédio;
o primeiro servia de
alojamento para as
guarnições dos navios
docados no dique
Santa Cruz, cujo, nome,
inclusive, é possível ler
abaixo de uma das escadas.
(Acervo OCM)
Fachada do novo prédio da OCM, na década de 1980.
Sua capacidade de atendimento era sobremaneira superior
à do antigo “casarão” que ocupava na Ilha das Cobras,
desde 1937 (Acervo OCM)
40
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
School, em Bethesda, Maryland, Estados Unidos. Já em abril de
1956, teve início o curso de enfermagem odontológica, destinado
aos auxiliares odontológicos da própria OCM, bem como aos dos
diversos consultórios odontológicos de navios e estabelecimentos.
As aulas seriam ministradas duas vezes na semana, à tarde, e a
duração do curso, de poucos meses.
No final da década de 1960, o padrão técnico-profissional que se
exigia nos serviços tecnológicos era de excelência. Havia um Departamento Técnico que mantinha um programa quinzenal de reuniões
técnicas, quando eram apresentados e discutidos os temas mais atualizados na área profissional. Especialistas, inclusive estrangeiros,
foram convidados para disseminar seus conhecimentos.(20)
Apesar do constante esforço de ampliação e profissionalização
dos cirurgiões-dentistas, havia uma demanda que nem sempre podia
ser atendida prontamente. No final da década de 1960, sublinhavase que “não haverá mais fila de espera para início de tratamento
em qualquer das Clínicas (sic), e sim marcação de tantas consultas
quantas forem necessárias ao bom funcionamento da Clínica”.(21)
Mais adiante, falava-se de “limitação de meios, poucos profissionais
e instalações insuficientes”.(22) As demandas por atendimento eram
bastante irregulares, conforme a movimentação dos navios no porto.
Tal problema foi registrado, antes, em um boletim, de 1955:
O movimento diário de clientes em nossa clínica aumenta constantemente, desde que a Esquadra esteja no Porto. Observava-se diminuição de trabalho durante os períodos de exercícios, normalmente,
porém, com a Esquadra no Porto, cerca de 90 homens passam pelas 8
cadeiras da clínica de praças, diariamente, entre civis e militares.(23)
Outra dificuldade recorrente estava no abandono dos tratamentos por parte dos pacientes. Tanto isso é verdade que em diversas
instruções havia orientações para encaminhar pacientes novamente
para a Semiologia, iniciando-se novo tratamento, caso faltassem a
três consultas consecutivas.(24)
Em 1972, todo o ideário vinculado à profissionalização ganhava ainda mais força, concretizando-se com o início, na própria
Odontologia Central da Marinha, dos Cursos de Aperfeiçoamento
de Cirurgia, Periodontia, Prótese Clínica e Endodontia, cujos currículos foram aprovados pela Diretoria de Ensino da Marinha.(25) A
OCM assumia agora a responsabilidade de aperfeiçoar os oficiais que
integravam o Quadro de Cirurgiões-Dentistas do Corpo de Saúde
da Marinha. No dia 10 de abril foram efetivamente inaugurados os
cursos, com a presença de várias autoridades civis e militares.(26)
Incremento digno de nota, de iniciativa do Alte Maximiano da
Fonseca, foi a inclusão de cirurgiões-dentistas do sexo feminino, a
partir da criação do Corpo Auxiliar Feminino da Marinha, em 1980.
Em 1981, depois de rigorosa seleção e treinamento, estava incorporada a primeira turma. O resultado foi tão positivo que a experiência,
pioneira na Marinha, estendeu-se ao Exército, Força Aérea e Forças
Auxiliares. Em novembro de 2000, duas oficiais do Corpo de Saúde
da Marinha, sendo uma cirurgiã-dentista, a CT (CD) Renata Cabral
Borges de Oliveira, participaram da Operação Antártica XIX.(27)
Ressalta-se, por fim, a atuação de cirurgiões-dentistas na Antártica, desde a II Operação, em 1984, e no atendimento às populações
que vivem em regiões do país onde somente as Forças Armadas são
capazes de chegar. Trabalho árduo, posto que realizado sob condições adversas, por vezes em localidades inóspitas, longe do conforto
proporcionado pelos consultórios convencionais encontrados nos
centros urbanos. Não foi à toa, pois, que a sociedade brasileira
aprendeu a valorizar seus dentistas militares.(28)
41
viabilizou esta investigação.
Trata-se, na verdade, de uma ampla
massa documental diversificada,
riquíssima, que traz informações
sobre a questão material, de pessoal
e técnica referente à OCM.
Não houve, necessariamente, um
critério lógico para organização
dos assuntos, em geral pertinentes
ao período compreendido entre
as décadas de 1930 a 1970.
A dentisteria
operatória, por
volta de meados
dos anos 1950.
Interessante porque
a proximidade
e sequência dos
gabinetes
odontológicos
trazem a sensação
de uma prática
reiterativa e serial.
Perceba-se,
também, a
inexistência do
uso de luvas.
O fundador da OCM. Revista
Brasileira de Odontologia Militar.
Rio de Janeiro: Abomi, v. 8,
n. 14/16, p. 4, 1989-1990.
(5)
Cf. Regimento Provisional para
o Serviço e Disciplina das
Esquadras e Navios da Armada
Real. Apud RANGEL, Raul Pereira.
O tratamento dentário do marinheiro
e a Odontoclínica Central da Marinha.
In: Livro de Estabelecimento, 1965.
Nesta citação, foi mantida a forma
antiga de grafia na íntegra.
(6)
(Acervo OCM)
Cirurgiões-Dentistas da
Marinha do Brasil em ações cívico-sociais.
(Acervo OCM)
(2.259 atendimentos), Odontogeriatria (1.386 atendimentos),
Endodontia (1.258) e Dentística (1.091).
Mas essa história não foi feita apenas de transformações. Se
ela possui algumas linhas axiais de permanência, uma delas, sem
dúvida, refere-se ao esforço incansável pela excelência e pela força
de vontade de se construir um amanhã ainda mais prodigioso.
Em razão de tudo isso, em todos esses anos, sob a proteção de
Santa Apolônia, padroeira dos dentistas, houve a afirmação e consolidação ponderável da imagem e do significado da Odontologia Naval.
(29)
Seus profissionais, hoje, beneficiam-se de um reconhecimento
notável na Marinha e na sociedade em geral.
Para tanto, não houve ócio. O trabalho cotidiano foi apenas uma
parte – fundamental, sem dúvida – de toda uma miríade de multifacetadas atividades. Congressos, palestras, exposição de equipamentos exclusivos, exibição de documentos, filmes e fotos lembram sobre
a importância de se manter a saúde bucal da família naval.
Por ocasião de seus 75 anos, comemorados em 2010, esperamos
que esses aspectos históricos da OCM possam mesmo contribuir para
a reflexão sobre a importância e grande significado dos cirurgiõesdentistas para a Marinha do Brasil. Afinal, datas comemorativas
são ótimas oportunidades para pensarmos naquilo que, juntos,
construímos.(30) A Odontoclínica Central da Marinha “muito deve
a seu passado e espera de seu futuro”.(31) Porque se o presente, encruzilhada de temporalidades, é o desdobramento lógico do passado,
indica, simultaneamente, as perspectivas para o amanhã.
Agradeço as críticas, comentários e sugestões da CMG (CD)
Helena Rosa Campos Rabang, sem os quais não teria sido possível
escrever este trabalho. As possíveis limitações das investigações ora
apresentadas, contudo, são de minha responsabilidade. Agradeço
também ao Exmo. Sr. Almirante Armando de Senna Bittencourt,
42
Revista do Clube Naval • 358
Diretor do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, e
ao seu Vice-Diretor, CF (T) Carlos Fernando Corbage Rabello, que
permitiram e viabilizaram esta pesquisa. n
Notas
(1)
Capitão-Tenente (IM),
doutorando e mestre
em História pelo Programa de
Pós-graduação em História
Social da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (PPGHISUFRJ); concluiu o Curso de
Especialização em História do
Brasil pela Universidade Federal
Fluminense (UFF) e em História
Militar Brasileira pela
Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (UNIRIO); e
é bacharel e licenciado em
História pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Este texto é uma versão
resumida do artigo intitulado
“‘Do idealismo de seus
predecessores à contínua busca
pela excelência’ – A missão da
Odontoclínica Central da
Revista do Clube Naval • 358
Marinha sob os aspectos de sua
história”, publicado na edição
histórica da Revista Naval de
Odontologia, 2010, v. 37, n. 1,
Rio de Janeiro – RJ.
Cf. GUIMARÃES, Manoel
Salgado. Balanço das comemorações. Revista de História da
Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro, v. 4,
n. 39, p. 98, dez. 2008.
(2)
BORGES, Guido Brandão.
Histórico da OCM. Revista Naval
de Odontologia. Edição
Comemorativa do Cinquentenário
da OCM. Rio de Janeiro: Centro
de Estudos Almirante (CD) Zetho
Cardoso Caldas, 1985, p. 8-9.
(3)
(4)
Histórico do Estabelecimento. In:
Livro do Estabelecimento. O Livro
do Estabelecimento, organizado
nas décadas de 1960 e 1970, foi a
principal fonte de pesquisa que
(22)
Cf. Boletim n. 1, de 1955, Livro
do Estabelecimento.
Um exemplo está nas instruções
sobre prótese, cf. Histórico
do Estabelecimento, Livro do
Estabelecimento, capítulo XVI,
fl. 41D.
(24)
Verificar 7° Despacho n° 0935 de
8 de dezembro de 1971, em
continuação do Ofício de n° 0579,
de 18 de maio de 1971, da Diretoria
de Saúde da Marinha à Odontoclínica
Central da Marinha. Já os Programas
dos Cursos foram encaminhados
pela OCM à DSM por meio do 5°
Despacho n° 0073, de 17 de agosto
de 1971, em continuação do Ofício
n° 0579, de 18 de maio de 1971.
(25)
Histórico do Estabelecimento.
In: Livro do Estabelecimento,
capítulo XVI, fl. 41AB.
(26)
(27)
ROSENTHAL, Elias. A Odontologia
no Brasil até 1900, op. cit.,
p. 31-46, especialmente p. 37-46.
(28)
LOUREIRO, Ivan. A Odontologia
nas Forças Armadas. In:
ROSENTHAL, Elias. A Odontologia
no Brasil no Século XX. São Paulo:
Santos Livraria Editora, 2001, p. 266.
(9)
RANGEL, op. cit e BORGES,
op. cit., p. 3.
(10)
(11)
Idem.
(12)
LOUREIRO, op. cit., p. 266-267.
MIRANDA, Wilson Souza de.
Aniversário da OCM. Revista
NOMAR, n. 151, 20 set. 1969.
(13)
(14)
Cf. RANGEL, op. cit.
(15)
Idem.
(16)
Idem.
(17)
BORGES, op. cit, p. 9.
Histórico do Estabelecimento.
In: Livro do Estabelecimento.
(18)
Revista Naval de Odontologia.
Edição Comemorativa do
Cinqüentenário da OCM. Rio de
Janeiro: Centro de Estudos
Almirante Zetho Cardoso Caldas,
1985, p. 58.
(19)
(20)
MIRANDA, op. cit.
Cf. Histórico do Estabelecimento.
In: Livro do Estabelecimento,
(21)
43
Cf. ibidem.
(23)
(7)
Cf. RANGEL, Raul Pereira.
O tratamento dentário do
marinheiro e a Odontoclínica
Central da Marinha. In: Livro de
Estabelecimento, 1965.
(8)
A história da Odontologia Naval é a história da conquista de
um espaço, aliás, assim como é a própria história da Odontologia
como um todo. O trabalho incansável de personalidades como o Dr.
Sarmento, que entrava nos navios explicando sobre a necessidade
de haver uma Odontoclínica Naval, bem como os esforços do Dr.
Zetho, anos mais tarde, pela especialização são apenas exemplos que
evidenciam como tal conquista se revestiu de complexidade.
De 1935 aos dias atuais, houve inúmeros acréscimos e reformas
prediais no antigo estabelecimento que a OCM ocupou na Ilha das
Cobras. A experiência cotidiana, no entanto, explicitou sua insuficiência. Tanto que em 1983 houve a transferência da OCM para as
instalações que atualmente lhe servem. Em 2010, um magnífico
projeto de expansão está em curso, demonstrando que, cada vez
mais, a Odontologia Naval não cessou seu crescimento. Ao fim das
obras, haverá significativo incremento no número de consultórios,
que passarão de 81 para 112. Serão criados, ainda, um Centro Cirúrgico, com quatro consultórios; três Salas de Raios X Panorâmico;
duas de Raios X Periapical; uma Sala de Tomógrafo; e um Centro
de Estudos com capacidade para 120 pessoas.
Quando se pensa nos recursos humanos, as conclusões são
similares. No início do século, os profissionais eram, muitas vezes,
voluntários e contratados. Muitos trabalhavam, inclusive, gratuitamente. Hoje, são cirurgiões-dentistas altamente especializados,
constituintes de um quadro coeso, perfeitamente integrados ao
contexto profissional e cultural da Marinha.
As estatísticas de atendimento atual impressionam. Se em 1955,
por exemplo, não totalizavam 600, apenas em setembro de 2010,
por exemplo, 109 cirurgiões-dentistas, por meio de 81 consultórios,
atenderam a 13.036 pacientes, perfazendo um total de mais de 25
mil procedimentos. As Clínicas que mais atenderam foram Prótese
capítulo XVI, fl. 41F.
Participação militar feminina
na Antártica. Entrevista ao CT (CD)
Carlos Alexandre Souza de Lima.
Revista Naval de Odontologia,
n. 1, p. 67-68, 2003.
LOUREIRO, op. cit., p. 265-276.
Santa Apolônia, virgem e idosa
diaconisa, foi martirizada em
Alexandria, no Egito, por ocasião
de um levante local contra o
cristianismo, na década de 240 d.C.,
provavelmente em 248 ou 249.
Teria tido seus dentes arrancados
por um torquês; outros quebrados
juntamente com seu maxilar, por
meio de vários golpes. Talvez para
preservar sua castidade, ou para
não blasfemar contra Deus,
atirou-se no fogo. No século XVIII,
foi feita padroeira dos dentistas.
SGARBOSSA, Mario & GIOVANNINI,
Luigi. Um santo para cada dia. São
Paulo: Paulinas, 1983; e PEYRAUD,
Albert. Santa Apolônia, benfeitora
espiritual dos dentistas. Revista
Naval de Odontologia. Edição
Comemorativa do Cinquentenário
da OCM. Rio de Janeiro: Centro de
Estudos Almirante (CD) Zetho
Cardoso Caldas, 1985, p. 52-54.
(29)
GUIMARÃES, Manoel Salgado.
Um futuro para o passado. Texto de
abertura da exposição comemorativa
dos 70 anos do Curso de História da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro: UFRJ, 2010.
(30)
(31)
Cf. RANGEL, op. cit.
A crise
física
Paulo Roberto Gotaç *
As Marcellus would have put it, something was rotten in the
state of the theory from Denmark. *
Banesh Hoffman in “The Strange Story
of the Quantum”, Dover, 1959
E
ste artigo é uma continuação de artigos publicados em números anteriores desta revista.1,2,3 Ao fechar o último deles, concluiu-se que o ano
de 1924, com as perplexidades da dualidade onda-partícula que emergiu
do trabalho de Einstein sobre o efeito fotoelétrico,2 marcaria o início
do agitado período de aproximadamente dez anos ao longo do qual a
moderna teoria quântica seria estabelecida.
Talvez por se sentir ainda um pouco despreparado para apresentar,
de maneira acessível, essa nova fase, desafiadora do “senso comum” da época
(talvez a noção atual de senso comum seja um pouco diferente), com alta dose
de abstração matemática da linguagem associada, decidiu o autor, neste artigo,
dentro do contexto do debate Einstein-Bohr, estender-se somente até 1925, por
entender ser este o ano no qual a crise conceitual da Física se torna aguda, com
os modelos vigentes, provisórios, chegando ao seu limite, sem um rumo a seguir. Forma-se, em consequência, um quadro irremediável que clama por uma
solução mais radical. Nomes ainda não citados nos trabalhos anteriores são agora
apresentados como uma espécie de grupo precursor do formalismo da moderna
Mecânica Quântica que surgiria ao longo dos próximos três anos. Assim, Arnold
Sommerfeld, com suas tentativas de salvar o modelo de Bohr, Wolfgang Pauli,
introduzindo um quarto número quântico, mais tarde associado ao que veio
a ser conhecido como spin do elétron, para contornar as fragilidades cada vez
maiores daquele modelo, ao lado do seu fundamental Princípio da Exclusão, e a
ideia do príncipe Louis de Broglie colocando mais ruído na questão da dualidade
onda-partícula, são alguns dos sinais de que uma nova era se avizinhava e era
inevitável. Ao longo do artigo, procura-se também resumir o estado de espírito
e o momento histórico marcado pelo final da Grande Guerra.
44
Os físicos são conservadores
Ernst Rutherford
Revista do Clube Naval • 358
Os fatos experimentais levantados por Ernst Rutherford, publicados em 1911, estabeleceram de maneira indiscutível a forma
planetária da estrutura atômica neutra, com um núcleo positivo
“orbitado” por partículas com carga negativa (elétrons, aceleradas,
portanto), desbancando o modelo de J.J. Thomson, até então aceito, apelidado de “pudim de ameixa” por causa da imagem associada
a elétrons (partículas descobertas pelo próprio Thomson) incrustados numa massa positiva, tornando o conjunto eletricamente
neutro.4 Apesar de corroborado pelos experimentos, o modelo de
Rutherford contrariava os cânones da Eletrodinâmica clássica
que afirmavam que cargas elétricas aceleradas irradiavam energia
continuamente, perdendo-a. Tal fato determinaria, pelo princípio
de conservação de energia, uma diminuição da velocidade da partícula planetária, provocando um colapso para o centro positivo,
instabilizando e inviabilizando a própria existência da matéria.
Forçando a analogia com o movimento planetário modelado pela
lei da gravidade, tudo se passaria como se a Terra, por exemplo,
na sua órbita, perdesse energia continuamente, reduzindo sua
velocidade até colapsar com o Sol (o que talvez esteja ocorrendo,
felizmente de maneira muito lenta).
Diante de tal perplexidade, acreditando na realidade (o quer que
isso signifique) do modelo de Rutherford, Bohr, com sua enorme
capacidade de sintetizar informações, aliada a um invejável potencial
intuitivo, percebeu que os fatos do microcosmo atômico possuíam
características tais que sua descrição teria que romper com certos
preceitos vigentes na Física, dominada então pela visão clássica, ou
Revista do Clube Naval • 358
seja, pelas regras da ciência da escala humana.
Mas os físicos são conservadores e pouco dados a rupturas
radicais com o passado. São resistentes a quebras de paradigma,
para usar um termo muito em moda, como, na verdade, o são os
profissionais de qualquer outra área da atividade humana. Mesmo
quando as ousadias conceituais constituem a única saída para um
impasse, há sempre uma tentativa meio desesperada de, pelo menos
nos estágios iniciais, enquadrá-las no esquema tradicional, mediante
a formulação de penduricalhos a serem colocados no corpo da velha
teoria, com a única finalidade de resolver um problema específico, o
que a torna às vezes estruturalmente disforme e pesada. Há ainda o
fator humano, muito bem sintetizado por Planck, quando declara:
“Uma nova verdade científica não triunfa por causa de sua aceitação
por parte dos oponentes, o que os faria enxergar com mais clareza,
mas, ao contrário, porque eventualmente eles morrem e uma nova
geração surge, mais familiar com a nova verdade” (T.A.).5
Bohr, nascido a 7 de outubro de 1885, desenvolveu sua formação
no período de ouro da Física clássica durante o qual a mecânica
newtoniana e o trabalho de Maxwell, com a unificação da ótica, do
magnetismo e da eletricidade, pontuavam sucessos consecutivos
no confronto com os experimentos. Era a época da escola de pensamento designada por mecanicismo, quando se achava que não havia
mais perguntas sem respostas, tudo sendo somente uma questão de
adaptar a teoria. Como um dos símbolos da fé inabalável nos princípios clássicos, cita-se um registro de 1898 do Departamento de
Física da Universidade de Chicago, provavelmente firmado pelo físico
americano A. A. Michelson (1852-1931), Nobel de Física em 1907,
estabelecendo que os futuros fatos físicos deveriam ser descobertos
45
a partir da “sexta casa decimal”.6 O enigma da radiação do corpo
negro, explicado dois anos depois por uma hipótese revolucionária
devida a Planck, introduzindo uma constante estranha ao mundo
clássico, mas fundamental do mundo quântico;1 a teoria da relatividade de Einstein de 1905, ao solucionar as discrepâncias das
relações de espaço e tempo, latentes no próprio esquema clássico,
e a sua abordagem heurística do efeito fotoelétrico, também de
1905, com a proposta desconcertante da dualidade onda-partícula,3
demonstraram que a “sexta casa decimal” nada tinha a ver com o
futuro próximo da Física. Ironicamente, o mesmo Michelson foi
o coordenador do famoso experimento destinado a determinar a
velocidade relativa da propagação da luz, devida ao movimento da
Terra pelo éter (referencial até então aceito para os fenômenos eletromagnéticos) cujo resultado (negativo) constituiu um dos fatores
determinantes para o aparecimento da teoria da relatividade.7
de Bohr só previa um número n para cada nível ou órbita circular
permitida) e em reavaliar a forma das órbitas, algumas das quais
agora passariam a ser elípticas, com o núcleo ocupando um dos
focos, para levar em consideração fatores relativistas (relembra-se
que o círculo é um caso particular da elipse, assim como a Física
newtoniana é um caso particular da relatividade). A figura 1 representa as órbitas elípticas a serem acrescentadas no caso dos
números quânticos de Bohr n = 1 e 2. Tais órbitas correspondem
a números k que vão de 1 até n. No caso da figura 1, a órbita original de Bohr n = 1, corresponde ao par de números n = 1, k = 1
e de n = 2 corresponde aos pares n = 2, k = 1 e n = 2, k = 2. Cada
par n, k é associado a uma órbita (circular ou elíptica) permitida.
Observe-se que as órbitas circulares possuem um par de números
iguais (n = k). Tais modificações explicaram a multiplicidade das
raias. Lança-se, assim, um bote salva-vidas, preservando momentaneamente a teoria.
O chamado efeito Zeeman,11 descoberto experimentalmente
em 1897, pelo físico holandês Pieter Zeeman (1865-1943), prêmio
Nobel de Física de 1902, consiste na divisão das linhas espectrais
sob a ação de um campo magnético, fato não explicado pela teoria
de Bohr, passando a constituir mais uma fragilidade.
As primeiras fissuras
Assim, Bohr, extremamente impregnado pela cultura clássica,
adotou um compromisso, inovando, sem romper totalmente com
o passado. Refletindo sobre o espectro discreto de raias espectrais
do hidrogênio, introduziu o quantum no modelo atômico, criando,
em 1913, um sistema híbrido de axiomas nos quais misturavam-se
regras clássicas com outras revolucionárias.3 O fato de o modelo
proposto constituir um conjunto heterogêneo (ad hoc), sem formar
uma estrutura teórica sólida, criou, desde a sua concepção, uma
fragilidade que, com o tempo só iria agravar-se. Havia também a
preocupação evidente de relacionar o movimento dos elétrons a
imagens familiares à escala humana, como órbitas, por exemplo,
conceito que, com o desenvolvimento posterior da Mecânica Quântica, mostrar-se-ia ilusório.
Apesar disso, o modelo de Bohr foi extremamente bem-sucedido
na explicação das raias espectrais, tendo determinado com exatidão,
em função de parâmetros fundamentais como a constante de Planck,
a massa e a carga do elétron, o valor de uma constante conhecida
desde meados do século XIX (constante de Rydberg) por meros exercícios de numerologia baseados em observações.8 Foi fundamental
também na elucidação da tabela periódica dos elementos químicos
e no mecanismo das reações, aspectos que não serão comentados
no presente trabalho, mas que são dignos de menção, na medida
em que praticamente explicou toda a química através das famosas
camadas eletrônicas, conceito até hoje transmitido quase sem
alteração nos cursos básicos.9 Há quem afirme que a evolução da
Física desde o final do século XIX até as três primeiras décadas do
século XX pode ser sintetizada da seguinte forma: “A Física do século
XIX ajusta-se muito bem aos objetos do dia a dia. A Física de 1923
ajusta-se muito bem à maior parte da Química; e a Física dos anos
30 vai até onde é possível atualmente na elucidação dos fenômenos
básicos da matéria, sem grandes progressos ou modificações nos
quase 70 anos transcorridos” (T.A.).10
Os primeiros sintomas de que o modelo de Bohr, devido à sua
característica ad hoc, deixava a desejar, começaram a aparecer
ainda em 1915, com a Grande Guerra já rugindo, quando técnicas
experimentais mais refinadas revelaram que determinadas raias do
espectro do hidrogênio não eram traços simples mas múltiplos, fato
não explicado pelo modelo teórico. Aí entra em cena o físico alemão
Arnold Sommerfeld (1868-1951), célebre por suas qualidades de
excelente professor e líder com a capacidade de identificar jovens
talentos. Sua proposta, apresentada a Bohr e publicada no início de
1916, consistia em “corrigir” o modelo original, introduzindo um
segundo número quântico, k, para cada nível de energia (o esquema
da constante de Planck, a intuição de Bohr ao vislumbrar que no
micromundo as coisas não se comportavam exatamente como os
objetos da escala humana e o, até certo ponto bizarro, elemento
probabilístico introduzido por Einstein em 1917, a ser ironicamente
questionado por ele próprio anos depois, serviram de trampolim
para a revolução que se avizinhava.
Por outro lado, o fundo artístico-cultural do final da guerra
era caracterizado por uma ruptura de tudo que representava o
estabelecido. Era a época do dadaísmo, movimento surgido aproximadamente em 1916, padrasto do surrealismo,13 como protesto
pelos horrores da guerra e em contraposição à rigidez dos padrões
artísticos e culturais vigentes. Tratava-se, na verdade, de uma antiarte,14 cujo objetivo era chocar e negar todas as conquistas da espécie
humana, por considerar que nenhuma delas valia a pena. Sua base
niilística era o nonsense e o escândalo. A exibição organizada por
um certo Marcel Duchamp, por exemplo, em 1917, em Nova York,
num mictório público, qualificada como “ready-made art, era uma
manifestação típica do espírito do dadaísmo (fotos abaixo).13
Foi dentro desse ambiente que os físicos da nova geração, mais
ou menos na ausência de guias, realizaram a grande revolução
quântica, marcada, como se verá nos próximos trabalhos desta
série, por um rompimento com o passado, o que significa dizer que
no mundo atômico as reconfortantes imagens da escala humana
deveriam ser definitivamente esquecidas.
O físico alemão
Arnold Sommerfeld
Figura 1. – Representação das órbitas elípticas
correspondentes ao números quânticos n = 1 e 2 de Bohr.
As letras s e p estão relacionadas com as camadas eletrônicas,
citadas no texto. Disponível em:
<http://www.feiradeciencias.com.br/sala23/23_MA02.asp>.
E, mais uma vez, o socorro veio através de Sommerfeld, com a
adição de mais um número quântico, m, representativo da orientação espacial das órbitas. Ou seja: as órbitas não mais estariam
somente num plano, como mostrado na figura 1, e as permitidas
pertenceriam a um número quântico n, original de Bohr, que, por
sua vez compreenderiam órbitas elípticas permitidas pelo número
k, orientadas no espaço em direções quantizadas pelo número m.
Sem entrar em maiores detalhes, menciona-se, por curiosidade,
que, para cada n, k = 1... n e m = –n... 0... n. Este trio de números salvou, mais uma vez, o modelo original do naufrágio. Todo
o esquema teórico resultante passou a denominar-se modelo de
Bohr-Sommerfeld.
A situação permaneceu mais ou menos estável até os primeiros anos
da década de 20 do século passado. Os três números quânticos serviram
de base para a consolidação das ideias relacionadas com a explicação da
tabela periódica, ensinada até hoje nos cursos de Química.
Mas era cada vez maior a sensação de que o modelo de
46
Revista do Clube Naval • 358
Bohr-Sommerfeld era provisório, constituindo uma tentativa
desesperada de manter os vínculos com os confortáveis conceitos da escala humana tais como trajetórias e modelos atômicos
planetários, entre outros.
O cenário
É evidente que a vida nunca mais foi a mesma após a primeira
Grande Guerra. Na Física, o conflito provocou uma lamentável
interrupção do intercâmbio entre cientistas alemães e seus pares
europeus, além da paralisação de importantes projetos de pesquisa.
Alguns de seus principais coordenadores foram mobilizados para
a guerra e muitos dos jovens talentos promissores, capazes de
prosseguir e aperfeiçoar os trabalhos dos físicos já consagrados
(Bohr, em 1918, ano do término da guerra, já estava com 33 anos
e Einstein, com 38) não voltaram para casa. Assim, a nova geração
encarregada de desenvolver o legado dos fundadores, nascida no
alvorecer do século XX, ou seja, à época da revolucionária hipótese
quântica de Planck,1 estava no auge da capacidade criativa em torno
do início da década de 20, com pouco mais de 20 anos de idade (fase
da vida no qual a maioria dos físicos faz suas grandes descobertas),
sem receber o bastão dos possíveis continuadores, dizimados pela
“guerra que deveria pôr fim a todas as guerras”.12 Seria natural
esperar, portanto, que esse novo time viesse meio que descompromissado com a manutenção das velhas imagens clássicas que o
modelo de Bohr fez tudo para manter. Isso não significava, porém,
que os novos talentos iriam despojar-se de toda a base conceitual já
formada na incipiente teoria quântica. Fatos como a universalidade
Revista do Clube Naval • 358
Marcel Duchamp,
Salvador Dali,
e duas peças do
ready-made art:
o dadaísmo e o
surrealismo, na
segunda década do
século passado
47
durante alguns períodos, dificuldades em obter posições de emprego
na vida acadêmica, já que estas são quase sempre conseguidas por
meio de indicações.
A revolução de Sua Alteza
Nascido em 1892, o príncipe Louis de Broglie era o mais jovem
de quatros irmãos de nobre família. Desde criança, destacou-se pela
vivacidade intelectual, sendo visto como esperança para ocupar
futuros cargos ligados ao poder, seguindo a tradição familiar, como
indica o fato de que seu avô havia sido primeiro-ministro da França.
Com a morte prematura do pai, contando o jovem príncipe com
14 anos de idade, tais planos tiveram que ser revistos, na medida
em que a condução do clã ficou sob a responsabilidade do irmão
17 anos mais velho, Maurice de Broglie (1875-1960), oficial de
Marinha, que conseguiu obter grau de doutor em Física, o que o
levou a abandonar a carreira militar para dedicar-se inteiramente
à ciência, criando um laboratório para pesquisa, onde trabalhava
quase sempre sob o olhar do irmão mais jovem. Aos 20 anos, Louis
ingressou na Universidade de Paris, e lá estudou, sem muita motivação, História Medieval. Sua falta de entusiasmo provinha, provavelmente, do interesse despertado pela Física durante os períodos que
passou ao lado do irmão em seu laboratório. Suas dúvidas quanto
Thomas S. Kuhn, autor de
The Structure of Scientific Revolutions
Arthur Koestler,
auror de The
Sleepwalkers.
Os sonâmbulos
Segundo o historiador da ciência, Thomas S. Kuhn
(1922- 1996), em seu famoso livro The Structure of
Scientific Revolutions (1962),15 pode-se identificar,
ao longo do desenvolvimento científico, dois tipos de
atividades: a “ciência normal“ e as revoluções científicas.
A primeira baseia-se numa série de paradigmas, com
regras estabelecidas, teorias consolidadas e técnicas de
cálculo bem aceitas. É a que normalmente se ensina nos
sistemas educacionais. As revoluções, por outro lado,
surgem quando os paradigmas falham na antecipação
ou na explicação de fatos experimentais. Os dois tipos,
apesar de poderem coexistir durante algum tempo, são
facilmente identificáveis no registro histórico.
Embora ambos sejam essenciais para o desenvolvimento da área específica, os cientistas que se destacam
nos períodos normais são diferentes dos que se destacam
nas revoluções. Aqueles, apesar de se mostrarem muitas
vezes imaginativos, caracterizam-se pela grande capacidade de trabalho, pela organização e pela eficiência no
emprego dos recursos técnicos; estes, mais raros, são
sonhadores ou sonâmbulos, como os apelidou o escritor húngaro Arthur Koestler (1905-1983), no seu livro
The Sleepwalkers.16 Nada impede, porém, que existam
os que reúnem as duas características. De um modo
geral, os da ciência normal descobrem sua vocação via
desempenho escolar. São ótimos alunos e, no caso da
Física, na sua maioria, destacam-se nas matemáticas e tendem, ao
longo da carreira, a valorizar, nos outros físicos, a capacidade de
calcular. Já os sonhadores dirigem-se à atividade científica movidos
por questões cujas respostas, normalmente, não estão nos livrostexto. Não demonstrando, em muitos casos, grandes habilidades
matemáticas, nem sempre são considerados bons alunos, na medida
em que, com dúvidas às vezes fora do contexto, constrangem os
mestres encarregados de avaliá-los. Com frequência, encontram,
Abaixo, o
príncipe Louis
de Broglie
Figura 2. Ondas estacionárias de mesmo comprimento de corda (L) representativas dos três primeiros harmônicos. As respectivas
frequências e comprimentos de onda são quantizados (n = 1, 2, 3). Disponível em: <http://www.infoescola.com/fisica/onda-estacionaria/>.
na qual o irmão Maurice, já gozando de grande prestígio nos meios
acadêmicos por suas pesquisas experimentais ligadas à difração de
raios X e espectroscopia, participou como coordenador e interagiu
com os pioneiros da fase revolucionária do início do século XX (estavam presentes Planck, Rutherford, Mme. Curie, Henri Poincaré, o
jovem Einstein, então com 32 anos e Lorentz, entre outros), Louis,
felizmente para o futuro do desenvolvimento conceitual da Mecânica
Quântica, mudou de área, obtendo em 1913 um grau de Licenciatura em Física, a partir do qual esperava dar início então à nova
carreira. Lamentavelmente, porém, os primeiros passos tiveram que
ser repentinamente interrompidos pela convocação para a guerra
do jovem príncipe que, apesar da descendência nobre, atuou como
mero engenheiro de comunicações, trabalhando durante a maior
parte do combate nas proximidades da Torre Eiffel. Seu contato com
a Física só foi retomado após a baixa, em 1919. Apesar de estimulado
pelo irmão a compartilhar de algumas atividades experimentais no
à carreira a seguir foram agravadas pelo fato
de ter sido reprovado em exame de admissão
em curso de Física. Após, porém, ter assistido
à primeira das Conferências de Solvay (1911),
(em etapa futura desta sequência de artigos,
serão apresentados alguns detalhes relativos a
essas conferências, face à sua importância para
o crescimento da Física teórica), em Bruxelas,
48
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
laboratório deste último, decidiu escolher, em 1922, o caminho da
Física teórica, incorporando a dualidade onda-partícula de Einstein
como fato estabelecido. (As notas biográficas aqui apresentadas
foram baseadas em Kumar, M, 2010.)17
O maior e, sob certos aspectos, último período revolucionário
na Física, com ecos repercutindo até os dias atuais, foi iniciado por
Planck, curiosamente uma espécie de “revolucionário relutante”,1
com a formulação da famosa hipótese quântica, muito bemsucedida na explicação do espectro de radiação do corpo negro.
Nas mãos de verdadeiros revolucionários (Einstein, o principal),2
a ideia de Planck, com seus desdobramentos, deflagrou a mais
violenta convulsão conceitual da história da Física. Não é surpreendente, portanto, que a esquizofrenia que se seguiu tenha
ensejado o aparecimento de uma numerosa sucessão de sonhadores
responsáveis pela edificação do corpo teórico da Mecânica Quântica
cuja interpretação, na sua forma mais ou menos consolidada, gera
debates até hoje. Após Einstein, apresentando ao mundo sua bizarra
dualidade onda-partícula para explicar o efeito fotoelétrico,2 Bohr,
com seu modelo atômico inspirado nos experimentos de Rutherford,
revolucionou a visão clássica, introduzindo algumas hipóteses com
ela incompatíveis, capazes, no entanto, de elucidar com sucesso as
raias espectrais do hidrogênio, e de modelar as reações químicas
por meio da ideia das camadas eletrônicas, aceitas até hoje nos
cursos básicos. Apesar de revolucionário, seu modelo, desafiado por
novos resultados experimentais, perdeu consistência e, em 1924,
aproximava-se do limite. Por outro lado, seu primeiro embate contra
a dualidade de Einstein foi perdida diante de evidências experimentais apresentadas por Arthur Compton3 no mesmo ano, o que levou
a Física a um impasse sobre a natureza real da radiação.3
Neste momento entra em cena o príncipe de Broglie para deflagrar a sua revolução. Após um longo período de reflexão iniciado
em 1923, imaginou uma generalização da dualidade introduzida
por Einstein em 1905, consubstanciando sua ideia na seguinte
indagação: se ondas eletromagnéticas (luz) manifestam-se em
algumas ocasiões como partículas, não seria admissível considerar
que partículas, especialmente elétrons, exibam eventualmente características ondulatórias? Assim, a revolução consistiu em associar
à partícula uma onda fictícia, com determinado comprimento de
onda e frequência, que, no caso do elétron em órbita seria estacionária (onda com nós fixos, semelhantes às cordas de um violão,
quando dedilhadas, dando origem aos harmônicos, ver figura 2, com
os três primeiros harmônicos – V é a velocidade de propagação da
onda ao longo da corda, em sentidos opostos, dando origem à onda
y y
y
estacionária e 1, λ 2 e λ 3, os respectivos comprimentos de onda),
só existindo as órbitas se as cordas, de comprimento L, da figura
2 tivessem suas extremidades unidas, sendo seus comprimentos
49
qualquer corpo material possui sua onda associada, sendo, no entanto, sua detecção para corpos do dia a dia, por exemplo, praticamente
impossível, em virtude do valor extremamente pequeno da constante
de Planck. Assim, o comprimento da onda associada a uma bola de
sinuca de 100 g de massa, dotada de uma velocidade de 10 km/h é
de ± 2,3 × 10-33 m! (0 seguido de 31 zeros).
A tese de doutorado na qual de Broglie expôs suas propostas
revolucionárias foi por ele defendida em novembro de 1924, aos
32 anos, bem mais maduro, portanto, que jovens que estavam promovendo a revolução quântica. Recebidas inicialmente por alguns
com ceticismo por serem por demais fantasiosas, sua aceitação pela
comunidade científica teve que esperar até 1927, quando os físicos
americanos Clinton Davisson (1881-1958) e Lester Germer (18961975) obtiveram dados experimentais comprovando a difração de
elétrons, com comprimento de onda compatível com o previsto na
tese de de Broglie. A revolução deflagrada pelo príncipe lhe valeu
o prêmio Nobel de Física de 1929 e a confirmação de Davisson e
Germer lhes garantiu o de 1937. Entre as muitas aplicações práticas
em cuja base está a dualidade proposta por de Broglie, destaca-se
o microscópio eletrônico, com capacidade de magnificação bem
superior à dos óticos, importante em trabalhos de pesquisa em
Física, Química e Biologia.
circulares caracterizados por um número inteiro de nós, dando
origem, com outra imagem, às órbitas quantizadas de Bohr. Sua
representação possuiria a vantagem de não precisar contar com a
hipótese, contrária ao eletromagnetismo clássico, da não radiação
do elétron, enquanto partícula, em aceleração (figura 3).
O sonhador do spin
Aproximadamente na
mesma época da defesa
de tese de de Broglie, o
modelo atômico de BohrSommerfeld, já com o
penduricalho de ter que
contar, para cada nível de
energia, com três números quânticos (n, k e m),
Figura 3. Ondas estacionárias com as extremidades unidas
formando órbitas quantizadas.17
O trabalho de de Broglie se desdobrou a ponto de ser ele capaz
y
de prever o valor do comprimento de onda, , da onda associada à
partícula, em função da sua quantidade de movimento, p (produto da
massa, m, pela velocidade da partícula, v) e da constante de Planck, h,
mediante a relação:
Clinton Davisson,
Lester Germer e,
abaixo, um moderno
microscópio eletrônico
y = h/p
A fim de demonstrar a plausibilidade de sua ideia, sugeriu que
um feixe de elétrons, mesmo não fazendo parte de órbitas atômicas, ao
passar por uma pequena fenda deveria difratar-se como se fosse onda.
(O fenômeno da difração, típico de
comportamento ondulatório, pode
ser facilmente observado quando,
ao passar por um tecido tipo rede
[filó], a luz de uma lâmpada é vista
como vários pontos luminosos
dispostos segundo um padrão a
partir do qual é possível medir, em
princípio, o comprimento de onda
da luz que incide no tecido.)
A esta altura, se poderia indagar
se a imagem ondulatória proposta
só se limita a elétrons. Na verdade,
50
Revista do Clube Naval • 358
necessários para explicar resultados experimentais relacionados com
a subdivisão de raias do espectro de hidrogênio (efeito Zeeman),
defrontava-se com novas dificuldades. Elas estavam relacionadas
com o chamado efeito Zeeman anômalo (as particularidades não
serão aqui expostas), sem explicação pelo modelo de Bohr.
Aí surge outro sonhador-revolucionário cujo trabalho constitui um dos pilares da Mecânica Quântica que emergiria desse
confuso cenário.
Wolfgang Pauli nasceu em Viena em 1900. Seu pai – médico
de formação, mas cientista por convicção – promoveu a conversão
de toda a família do judaísmo para o catolicismo, temendo que a
crescente onda de antissemitismo interferisse em suas pretensões
acadêmicas.17
Aluno extremamente bem dotado, constituía, no entanto, um
incômodo para os professores e administradores escolares, por
considerar a escola um sistema sem desafios, sendo surpreendido
com frequência dormindo durante as aulas ou lendo às escondidas
sobre assuntos alheios aos que estavam sendo explicados.
Em 1918, com a Áustria derrotada e Viena intelectualmente
esvaziada, transfere-se para Munique, onde se torna aluno de Arnold
Sommerfeld, que, graças à sua capacidade de identificar os mais
brilhantes entre seus alunos, vê no jovem Pauli um raro talento,
encarregando-o de redigir um texto sobre a Relatividade de Einstein para uma prestigiada enciclopédia científica alemã. Publicado
em 1921 (aos 21 anos de idade), no mesmo ano em que se tornou
assistente de Max Born, sobre o qual se falará mais tarde, e em que
defendeu sua tese de doutorado em Física, o artigo, transformado
mais tarde em livro,18 é ainda hoje uma referência no assunto por
seu rigor e abrangência.
Ao receber a tarefa de aplicar o modelo de Bohr-Sommerfeld,
com seus três números quânticos já mencionados, a estruturas
mais complexas que o átomo de hidrogênio, obteve resultados
discordantes com a experiência, primeiro sinal de que o modelo,
construído com regras ad hoc, estava no limite de aplicabilidade. Em
1922, já com certa visibilidade no meio acadêmico aceitou convite
para trabalhar com Bohr por um ano em Copenhagen, período durante o qual dedicou-se, entre outros trabalhos, a elucidar o efeito
Zeeman anômalo, sem sucesso, convencendo-se da necessidade de
um esquema teórico abrangente e rigoroso, diferente das regras
provisórias do modelo vigente. Mesmo assim, usa-o na explicação
de determinadas inconsistências ligadas às camadas eletrônicas
dos átomos na tabela periódica, chegando à conclusão que teria de
haver um critério na distribuição dos elétrons pelas várias camadas.
Mas pagou um preço: a introdução de um quarto número quântico,
restrito a dois valores, que explicavam o efeito Zeeman anômalo
e sanavam os problemas relacionados com a tabela periódica. Os
elétrons dos átomos possuíam agora quatro números quânticos a
caracterizá-los e este fato, aliado ao critério de distribuição citado
acima, levou Pauli a enunciar, no final de 1924, o seu famoso
Princípio da Exclusão, peça fundamental dos processos naturais,
razão do seu prêmio Nobel de Física de 1945. Seu enunciado: “não
existem, num átomo, dois elétrons com o mesmo conjunto de
quatro números quânticos.
Apesar do sucesso emergencial decorrente da proposta de um
número quântico adicional, aliada ao Princípio da Exclusão, a situação
da Física estava longe de ser confortável. Como o próprio Pauli admitiu em trabalho de 1925, não havia como justificar aquele princípio
(“We can not give a more precise reason for this rule”).17 Por outro
lado, sendo ainda o modelo de Bohr-Sommerfeld o único esquema
conceitual existente, com seus agora quatro números quânticos,
Revista do Clube Naval • 358
Wolfgang Pauli
51
MARINHA DO BRASIL
matéria” de de Broglie) bem fundadas e formalmente diferentes,
embora matematicamente equivalentes, conforme provado por um
dos proponentes pouco tempo após a publicação de ambas. Elas
constituiriam os pilares básicos da moderna Mecânica Quântica,
fonte de todo o retumbante avanço tecnológico que transformou a
atividade humana de maneira nunca vista em período comparável
da história (eletrônica do estado sólido, computadores, microprocessadores etc.). Seus criadores foram o alemão Werner Heisenberg
(1901-1976), Nobel de Física de 1932 e o austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961) (outra exceção etária), Nobel de física de 1933. O
corpo conceitual das duas, juntamente com hipóteses relativas a
aspectos probabilísticos, constituem o conteúdo ensinado até hoje
nos cursos básicos de graduação em Física. Mas aí é outra longa e
agitada história. n
sendo os três primeiros sugestivos de noções puramente clássicas,
como trajetórias e planos onde elas se situavam, ficava a questão de
como interpretar o quarto número quântico proposto por Pauli.
O trabalho teórico dos físicos americanos George Uhlenbeck
(1900-1988) e Samuel Goudsmith (1902-1978) associou-o a um
possível movimento de rotação do elétron (spin), semelhante ao
movimento de rotação da Terra em torno de seu eixo, com a ressalva
de que, ao contrário do spin clássico cujo eixo de rotação poderia ter
qualquer direção, este deveria restringir-se a dois valores opostos,
compatíveis com o efeito do campo magnético do efeito Zeeman
anômalo, um dos responsáveis por todo esse esforço conceitual.
As argumentações que se seguiram (não serão reproduzidas
no presente trabalho), envolvendo o próprio Pauli, determinaram
que o novo grau de liberdade do elétron, de rotação, não possuía
correspondente clássico, como os três restantes, sendo um conceito
estranho ao modelo de Bohr-Sommerfeld, embora a denominação
– spin”– permaneça até hoje. Toda essa movimentação estabeleceu
de maneira concreta que o modelo havia alcançado o seu limite
conceitual, uma vez que o spin não possuía contrapartida clássica,
sendo uma representação, pode-se dizer, puramente quântica.
* Capitão-de-Mar-e-Guerra (Ref)
* Como diria Marcellus, há algo de podre no estado da teoria
originária da Dinamarca (T.A.).
A crise
Referências bibliográficas
Assim, chega-se ao ano de 1925 com uma sensação de crise no
ar. O dilema da dualidade onda-partícula, longe de ser resolvido,
agravou-se com a proposta de de Broglie, associando características
ondulatórias às partículas eletrônicas, consolidando um rompimento com o passado representado pela Física clássica. Por outro
lado, o único modelo atômico disponível estava no seu limite de
aplicabilidade. Havia grande conteúdo de adivinhação e golpes
intuitivos desacompanhados de raciocínio científico. A situação
da Física, segundo o historiador da ciência Max Jammer19 “era, sob
o ponto de vista metodológico, de uma lamentável confusão de
hipóteses, princípios, teoremas e receitas computacionais ao invés
de uma teoria lógica e consistente” (T.A.). Ou, como escrevia Pauli,
com seu famoso humor ácido, em maio de 1925: “A Física, no momento, está, de novo, turva; de qualquer maneira, para mim tudo
está muito complicado e preferiria ser um comediante de cinema
ou algo do gênero e nunca ter ouvido nada sobre Física” (T.A.).17
Seis meses após ter proposto o Princípio da Exclusão, o mesmo
Pauli torcia para que “Bohr venha salvar-nos com uma nova ideia...”
(T.A.).17 Este estado de espírito, além de refletir a perplexidade do
momento, evidencia o fato, nem sempre identificado por quem não
está engajado no trabalho de pesquisa, que o progresso científico,
longe de constituir um processo crescente, contínuo e metódico,
se dá por saltos ocasionais, ziguezagues, regressões, amnésias e
serendipidades (procura por algo e, nesta procura, a descoberta de
fatos não relacionados com a pesquisa original). Há quem especule
que, se o progresso científico fosse contínuo e crescente, tudo que se
sabe sobre teoria dos números ou geometria analítica, por exemplo,
seria descoberto no período de poucas gerações após Euclides.16
1. Gotaç, P.R. Revista do Clube Naval, n. 356.
2. Gotaç, P.R. Revista do Clube Naval, n. 354.
3. Gotaç, P.R. Revista do Clube Naval, n. 352.
4. Disponível em: <http://www.algosobre.com.br/fisica/
modelos-atomicos.html>.
5. Disponível em: <www.thinkexist.com/quotes/max_
planck>.
6. Treiman, S. The Odd Quantum. Princeton, 1999.
7. Caruso, F.; Oguri, V. Física moderna. Campus, 2006.
8. Disponível em: <http://www.ufsm.br/gef/Moderna21.
htm>.
9. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/3395783/
Quimica-Aula-03-Configuracao-eletronica>.
10. Gribbin, J. Le chat de Schrödinger. Champs-Flammarion, 1984.
11. Disponível em: <http://www.ifsc.usp.br/~lavfis/BancoApostilasImagens/ApEfZeeman/Zeeman-1.pdf>.
12. Disponível em: <http://www.theamericancause.org/
patwilsonswartoendwar.htm>.
13. Hobsbawn, E. The Age of Extremes. Vintage Books,
1994.
14. Disponível em: <http://www.huntfor.com/arthistory/
C20th/dadaism.htm>.
15. Smolin, L. The Trouble with Physics. A Mariner Book
- Houghton Mifflin Company, 2007.
16. Koestler, A. The Sleepwalkers. Penguin Books,
1964.
17. Kumar, M. Quantum – Einstein, Bohr, and the Great
Debate about the Nature of Reality. W. W. Norton & Company, 2010.
18. Pauli, W. Theory of Relativity. Dover Publications,
1981.
19. Jammer, M. The Conceptual Development of Quantum
Mechanics. McGraw-Hill, 1966.
Conclusão
A confusão a que se chegou, em 1925 na Física, clamava por
uma arrumação da casa. Urgia o aparecimento de um corpo teórico
abrangente, lógico e dotado até de uma nova linguagem (não se
sabia o que “era” o spin do elétron!), capaz de juntar os cacos. Apesar das reduzidas esperanças de que tal movimento revolucionário
surgisse imediatamente, a comunidade da Física assistiu, atônita,
ao aparecimento, ao longo dos três anos seguintes, não de uma,
mas duas estruturas teóricas (uma delas inspirada pelas “ondas de
52
Revista do Clube Naval • 358
N
43o Aniversário da Estação
Rádio da
Marinha
(erms) em Salvador
o dia 3 de maio, a ERMS
completa seu 43° aniversário. Sua origem remonta a 1943, durante a
Segunda Guerra Mundial,
com a instalação da US
Naval Suplementary Radio Station em Salinas de Margarida,
na Baía de Todos os Santos. Nesse
mesmo local, em 1947, por ocasião da
transferência de suas instalações para a
Marinha do Brasil, foi criada a Estação
Rádio Salinas de Margarida. Após alguns anos de estudos, projeto e obras,
em 1958, foi ativada a Estação Rádio de Salvador. Finalmente, em 3
de maio de 1968, a Estação Rádio da Marinha em Salvador (ERMS),
como hoje é conhecida, teve sua criação consolidada, passando a
fazer parte da estrutura do então Ministério da Marinha.
A ERMS tem a missão de proporcionar comunicações entre as
OM da Marinha do Brasil, ou entre elas e outras de interesse, pela
operação de redes e circuitos de comunicações e cumprir e fiscalizar
a doutrina e as normas de comunicações na área do Comando do 2°
Distrito Naval a fim de contribuir para o pleno exercício do Comando
pelas autoridades navais e o controle das comunicações navais, e tem
Revista do Clube Naval • 358
como visão de futuro ser referência na área de comunicações
entre as Estações Rádio, com
reconhecimento das OM por
ela apoiadas. ,
A despeito das dificuldades encontradas ao longo da
árdua jornada, a Estação Rádio da Marinha em Salvador
mantém seu espírito jovial e
empreendedor, adaptando-se
perfeitamente aos desafios
dos novos tempos, através de
um processo de autoavaliação
dinâmico, aplicando continuamente os princípios da gestão participativa, meio através do qual, na atualidade, estamos revendo
nosso planejamento estratégico, de forma a nos mantermos fiéis
aos nossos valores de Prontidão e Excelência.
Nessa data em que mais um ano de trabalho é completado, temos
a certeza de que nada disso seria possível sem a dedicação e o esforço
dos militares que fazem parte da história desta Estação Rádio e que
hoje trazem consigo o orgulho de terem aqui servido.
Parabéns, Estação Rádio da Marinha em Salvador! PWF-33: sem
QRM, sempre QAP! n
53
marinha do brasil
JUBILEU DE PRATA DA
ERMN
Bandeira de faina da ERMN
na faixa de HF (High Frequency), principalmente nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), já que tais limites são traçados por
convenções internacionais, não existindo barreiras físicas para
se impedir eventuais invasões. Nesse ínterim, em junho de 1994,
a Estação Rádio da Marinha em Natal passou a operar também
como Estação Radiogoniométrica de Alta Frequência (ERGAF),
em substituição à extinta Estação Rádio Pina (Recife). No entanto,
sua denominação para Estação Radiogoniométrica da Marinha em
Natal ocorreu apenas em 16 de abril de 2002.
Localizada em uma área de aproximadamente 5.700.000 m2,
de densa macega, no bairro Guarapes, município de Parnamirim/
RN, a ERMN é subordinada ao Comando do 3o Distrito Naval
e tem como principal missão prover apoio de Comunicações
às Organizações Militares (OM) da MB e realizar Atividades de
Inteligência das Comunicações, a fim de contribuir para o pleno
exercício do Comando pelas Autoridades Navais.
Atualmente, a ERMN conta com equipamentos no “estado da
arte” em transmissão e recepção de sinais em radiofrequência na
faixa de HF. Da mesma maneira, destaca-se a operação dos equipamentos e das antenas adequadas ao guarnecimento dos serviços de
comunicações ininterruptos. Nesse contexto, o sistema GATEWAY/
ALE em HF se destaca, promovendo uma comunicação confiável
e automatizada, visto que identifica a melhor frequência a ser empregada, possibilitando a transferência de arquivos de dados (textos
e imagens) entre navio-terra e vice-versa.
Vale destacar que na construção da solidez da ERMN, foi imperativo que seu pessoal, qualificado e motivado, tivesse a real compreensão da importância de suas atribuições e procurasse sempre
exercê-las com determinação, lealdade e profissionalismo.
No dia 17 de maio de 2011, o Comandante de Operações Navais,
AE João Afonso Prado Maia de Faria, acompanhado do VA Airton
Teixeira Pinho Filho, Comandante do 3o Distrito Naval, em visita à
ERMN, descerrou placa comemorativa ao Jubileu de Prata.
A cerimônia militar alusiva aos 25 anos da ERMN foi realizada no dia 26 de maio de 2011 e contou com a presença de
ex-comandantes, ex-membros da tripulação, autoridades civis e
militares, e convidados.
Ao longo dos meses de maio e junho, a ERMN desenvolveu
várias atividades, dentre elas destacam-se: o Culto Ecumênico,
a Campanha de Doação de Sangue para o Hemonorte, na BNN,
a “Olimguarapes” (jogos internos), palestras sobre Motivação e
Empreendedorismo e o 1o Simpósio de Comunicações Navais do
Comando do 3o Distrito Naval.
Ao comemorarmos o Jubileu de Prata da ERMN, externamos
o nosso reconhecimento a todos os militares, do passado e do
presente, que contribuíram e contribuem, com excelência, para
o cumprimento de nossa missão, emitindo em sinal “FORTE E
CLARO” o lema de nossa tão honrosa Estação Radiogoniométrica:
“EM TERRA OU NO MAR, GUARAPES SEMPRE NO AR!” n
*
CMG Brasil,
Comandante da BNN,
preside a cerimônia
A
EDUARDO RABHA TOZZINI *
Estação Radiogoniométrica da Marinha em Natal
(ERMN) completou, no dia 15 de maio de 2011, 25
anos de existência, período em que o cenário do
setor de telecomunicações foi constantemente alterado, devido ao surgimento de inovadoras técnicas,
tornando-se mister a modernização e a inserção de
novos sistemas para o apoio de comunicações aos
meios da Marinha do Brasil (MB).
A então Estação Rádio da Marinha em Natal foi criada pela
Portaria Ministerial no 1.695 de dezembro de 1983, com a finalidade
de atender aos serviços afetos a uma Estação Rádio de primeira
classe. Inicialmente, foi criado um Núcleo nas dependências da
Base Naval de Natal (BNN) até a sua prontificação. A ativação em
sua plenitude ocorreu em 15 de maio de 1986, aprovada por Portaria do Comandante de Operações Navais e com a consequente
extinção do Núcleo até então formado.
A MB, em sua constante atuação para a Defesa Nacional, verificou a necessidade em monitorar as emissões de radiofrequências
54
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
55
Capitão-de-Corveta • Comandante da ERMN
marinha do brasil
Comando
da Força de
Submarinos
completa
A tradição estabelecida ao longo de seus 97 anos faz com que a
Força de Submarinos veja sua doutrina ser difundida, reconhecida
e respeitada em toda a MB. Resultado que é fruto do empenho, entusiasmo, profissionalismo e do saudável ambiente de camaradagem
entre submarinistas, mergulhadores, mergulhadores de combate e
médicos hiperbáricos tanto de hoje como de outrora.
Às portas da aproximação do centenário do ComForS, cresce a
expectativa da comunidade submarinista da MB, que aponta para
um futuro repleto de realizações e excelência nas atividades submarinistas e de mergulho no Brasil.
Parabéns ao Comando da Força de Submarinos!
Usq ad sub aquam nauta sum!
Marinheiros até debaixo d’água! n
97 anos
N
o dia 17 de julho de 2011, o Comando da Força de
Submarinos (ComForS) completa seu 97º aniversário de criação. A celebração reafirma a missão do
Comando, que é executar o controle operativo dos
submarinos no mar, além de estabelecer normas,
procedimentos e efetuar o domínio das atividades
de mergulho na Marinha do Brasil (MB), a fim de
contribuir para a eficácia do emprego dos meios navais
subordinados na aplicação do Poder Naval.
O Comando da Força de Submarinos, criado em
1914 e edificado na Ilha de Mocanguê (Niterói-RJ),
é uma Organização Militar da MB subordinada ao
Comando-em-Chefe da Esquadra (Comemch).
Em 97 anos de existência, o ComForS firmou como marca registrada
o empreendedorismo de esforços no trabalho em conjunto com as OM
Subordinadas – a Base Almirante Castro e Silva (BACS), o Centro de
Instrução e Adestramento Almirante Áttila Monteiro Aché (CIAMA), o
Grupamento de Mergulhadores de Combate (GRUMEC), os submarinos das Classes Tupi e Tikuna e o Navio de Socorro Submarino Felinto
Perry (fotos abaixo). Fator que possibilitou ao Comando o alcance da
excelência nas atividades submarinistas e de mergulho.
A Alta Administração Naval, no decorrer dos anos, tem empreendido esforços para que o Poder Naval brasileiro obtenha uma
alta capacidade de concepção e operacionalização de submarinos
no país. O mais recente é o início da construção, em Itaguaí (RJ),
do Estaleiro e da Base Naval de Submarinos, que fazem parte do
Prédio das
instalações da
Base Almirante
Castro e Silva –
BACS
Centro de Instrução
e Adestramento
Almirante Áttila
Monteiro Aché –
CIAMA
Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear (PROSUB). Nas novas instalações, que ocuparão uma área de
mais de 90 mil metros quadrados e deverão estar prontas no início
da segunda metade desta década, serão construídos quatro submarinos convencionais, além do primeiro submarino com propulsão
nuclear projetado e construído por brasileiros. Essa iniciativa colocará o Brasil em posição de destaque no cenário mundial, como
o primeiro país do Hemisfério Sul a atingir tal
avanço tecnológico.
Fotos do
adestramento do
GRUMEC
56
Revista do Clube Naval • 358
Revista do Clube Naval • 358
57
direito
ADEQUAÇÃO
DA LEGISLAÇÃO
MILITAR
MILITARES FEDRAIS E
MILITARES ESTADUAIS
JUSTIÇA MILITAR.
CONSELHOS DE JUSTIÇA.
COMPATIBILIDADE.
RECEPÇÃO. CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL MILITAR (CPPM) E LEI DE
ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR (LOJMU).
ADEQUAÇÃO.
APERFEIÇOAMENTO
Roberto Carlos do Vale Ferreira *
A Legislação penal militar da União e a dos estados têm
seu assento constitucional, nos artigos 122 a 125. O artigo 124
tem a seguinte dicção: “à Justiça Militar compete processar
e julgar os crimes militares definidos em lei.””
O seu parágrafo único diz que “A lei disporá sobre a organização,
o funcionamento e a competência da Justiça Militar.”
E
Juiz Natural, desde que haja suficientes indícios
de autoria, vale dizer, presumida responsabilidade do
Indiciado pelo ato infrator, e da materialidade delituosa. É o Princípio
“in dubio pro societate”. Esse Princípio, por nós designado também
Princípio da Cautela Social, é exigido do “defensor da sociedade”
(como tão bem o define o jurista Diogo de Figueiredo), associado á sua
condição de “fiscal da lei”, já que, está ele defronte de uma situação
que exige aprofundamento maior; um radar e um sonar mais confiáveis.
Sua inicial impressão, o possível oferecimento da Denúncia, é posta
aos cuidados do julgador para que o juiz possa bem melhor decidir do
destino do denunciado.
Se a manifestação do Parquet for recebida pelo Juiz Auditor
o denunciado passará à condição de Acusado. Esse agir, gerará o
contra-dizer e a ampla defesa, o que se dará no decorrer do processo
competente, da instrução criminal, cumpridas as exigências processuais, as do CPPM, e consoante a LOJMU.
O promotor, nesse primeiro momento, então age na defesa da
sociedade, ao contrário do que possa ocorrer ao ser julgado o caso,
se a dúvida persistir. Então reina o “Princípio in dubio pro reu”, se
prejuízo do acima referido “in dubio pro societate”.
O julgador a que vimos nos referindo é o mote deste trabalho,
o “ Conselho de Justiça Militar” competente.
Tal navegar exige sérios, adequados conhecimentos e cuidados,
além da submissão à Hierarquia das Leis, todos atentos às graves
conseqüências que podem advir:
a uma, aos irretorquíveis, intocáveis e indispensáveis Princípios
e Preceitos Constitucionais, valendo aqui destacar os Princípios
da Dignidade da Pessoa Humana, do Devido Processo Legal, do
Contraditório, da Ampla Defesa, da Presunção de Inocência, da
m razão disso, as leis que cumprem tais mandamentos
constitucionais, o Código Penal Militar (CPM)- DecretoLei nº 1.001/10/1969 - o Código de Processo Penal Militar- Decreto-Lei nº 1.002, de 21/10/1969 (CPPM) - e a Lei
nº 8.457, de 04/09/1992 (LOJMU), foram recepcionadas
pela Constituição de 1988.
No âmbito da União, a lei que hoje estrutura, que
forma o arcabouço da Justiça Militar Federal é a citada Lei nº 8.457,
de 04/09/1992, a que “Organiza a Justiça Militar da União e regula
o funcionamento de seus Serviços Auxiliares” (LOJMU).
O CPPM, Decreto-Lei Nº 1.002, de 21/10/1969, Código de Processo Penal Militar, que navega em águas processuais, informa,
determina o rito, os procedimentos que devem ter os processos
penais dessa justiça especial, vale dizer, traça o rumo e as pernadas,
travessias nas quais devem demandar todos os que comandam as
naus, no mar tormentoso do Direito Penal. Esse oceano-legislativo
repressivo é aplicável aos militares e aos civis, tendo como atores da
Administração da Justiça Militar, em 1ª Instância, os Juízes Auditores e os Juízes de Fato- militares que compõe o Conselho de Justiça,
membros do Ministério Público Militar da União (com vistas aos
Militares Federais) e membros do Ministério Público Estadual (com
vistas aos Militares Estaduais), bem assim os Advogados, LIberais ou
Defensores Públicos, a atuar na defesa de seus clientes. A LOJMU,
como registrado, somente em parte se aplica aos estados federados,
e ao Distrito Federal (este, um Estado sui-generis).
Assim, uma conduta reprovável prevista na lei substantiva, a propriamente lei repressivo- o CPM- em regra aplicável aos militares, e
eventualmente aos civis, tal fato, em tese tipificado por delito, seu autor será Denunciado pelo representante do Ministério Público ao
58
Revista do Clube Naval • 358
Igualdade de Direitos das Partes (acusação em um bordo e de outro
bordo a defesa) e demais princípios, como bem o fez o legislador
constituinte, no §2º do artigo 5º da CRF, os que poderão ser pertinentes e coerentes com tais comandos constitucionais.
A este Princípio, denominamos “Princípio da Reserva dos Direitos, Garantias e Deveres Individuais e Coletivos Fundamentais”.
Segue a grafia deste parágrafo:
“§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte; “
a duas, obedecidos os ditames legais em sítio penal.
Tudo, tendo por propósito, o Princípio exigível a um processo
penal, o “ Princípio da Verdade Real”, dentre outros.
Inobstante o juiz do foro cível também deva, de forma mais
temperada, com esse princípio se reger, em sítio processual penal,
bem mais ainda o é. Por outras palavras, é aquele princípio que exige do julgador decidir de acordo com seu livre entendimento, mas
calcado no máximo que se possa apurar com vistas ao fato em fase
procedimental, tais como, perícias, testemunhos de toda a espécie,
análise aprofundada de cada prova ou contra-prova constante dos autos; todos estes cuidados, permeados pelos argumentos do raciocínio
lógico-jurídico, este sob o império da Moral, da Ética, com vistas aos
documentos escritos, gravados(de forma legal) e depoimentos orais,
todos apresentados pela acusação e pela defesa. Portanto, o processo
penal há que ser mais acuradamente analisado, porque o que está sub
examen, é a vida, a liberdade, a cidadania do réu.
E, para que não pairem dúvidas, o representante do Ministério
Público Militar, apreciando o desdobramento do que for apurado,
concluindo pela inocência daquele que está sendo julgado, pode e
deve, de ofício, pleitear a absolvição do acusado, antecipando-se,
pois, à defesa, por ocasião do julgamento.
UM POUCO DE HISTÓRIA e de ESTUDO COMPARADO
O atual Código de Processo Penal Militar, Decreto–Lei n.
1.002/69 é sucedâneo do “Código da Justiça Militar”, Decerto–Lei n.
925, de 2 de dezembro de 1938, época em que ainda não havia sido
criado o Ministério da Aeronáutica, o que se deu em 20 de janeiro
de 1941, transformado em Comando da Aeronáutica, por força da
Lei Complementar n° 97, de 10 de junho de 1999 e que fez nascer o
Ministério da Defesa, pela qual os ministérios militares passaram a
se denominar Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
(art. 20 da citada LC).
Também nessa LC se encontram postas, nos artigos 17 e 18,
as figuras jurídicas da “Autoridade Marítima” e da “Autoridade
Aeronáutica”, ao tratar das “atribuições subsidiárias particulares”
dessas Forças. Ela também cuida do disposto no $ 1º do artigo 142
da CRF, que desta forma se expressa:
“§ 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças
Armadas”.
Estudo sobre essa Lei Complementar e suas alterações, nos
reservamos a apresentar em outro artigo.
De se destacar, outrossim, a tradição da Justiça Militar de
isentar o jurisdicionado de custas, exemplo de respeito à Cidadania,
e ao Princípio da Isonomia, o mesmo que dizer de uma Justiça
Irrestrita aos Jurisdicionados. Um belo exemplo, infelizmente não
absorvido, ainda, pelos demais ramos da Justiça em nosso país.
Ao contrário, em outros setores jurisdicionais, a cada tempo se
acrescem mais emolumentos no interesse dos entes responsáveis
pela administração da justiça.
Revista do Clube Naval • 358
O JURI. JUSTIÇA DO TRABALHO.
JUIZ LEIGO nos JUIZADOS ESPECIAIS.
JUIZ LEIGO na JUSTÇA MILITAR
Considerando que tanto os militares, oficiais federais, quanto os
estaduais participam de Conselho de Justiça Militar juízes leigos,que
são, decidimos por enfrentar em breve análise a existência da figura
do juiz leigo no Judiciário brasileiro.
A meu sentir, nessas passagens da CRF, encontramos sérios
equívocos como a seguir expomos.
O Júri- inciso XXXVIII, do artigo 5º da CF/88- o abriga, mas
tem um perfil oposto ao que o inciso XXXVII, do mesmo artigo,
inadmite. Seguem as transcrições destes incisos:
“ XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção”;
“XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;”
Com todas as venias a seus ilustres operadores e aplicadores
da lei, o Júri é instituição discrepante do Poder Judiciário, como
adiante examinaremos (e mais detidamente em outro exercício
jurídico). Seu nascimento com a Revolução Francesa, ela que
foi o grande marco do fim da aristocracia decadente, governo
autoritário, se dizendo representativo da Divindade, quando não
se diziam ser a própria.
Nesse momento, de fulgurante emoção, aflorou a Democracia,
o Estado Democrático, em que é ínsito que o Poder não é do governante, mas do Povo, por meio de seus representantes eleitos pela
vontade suprema da Soberania Popular.
No passado, a existência do Júri foi da maior importância, até
porque ainda não havia magistrados como passamos a ter ao longo
da história, deles sendo exigido elevado senso comum e alto conhecimento da Ciência do Direito. Considerados, em síntese, a realidade
atual de países como o nosso, é despropositado legar–se a um juiz
leigo julgar, sobretudo decidir do destino do acusado diante do crime
mais grave: o homicídio doloso. Sim, porque são os jurados, juízes
leigos, que dizem da absolvição ou não do acusado.
Disto, a Justiça Militar Federal está livre. Ao contrário, a Emenda
Constitucional n. 45, alterou a redação do artigo 125, §4º, da CF/88,
que determinou que os militares estaduais, se vierem a praticar
crime de homicídio doloso contra civis, tais militares serão processados e julgados pelo Júri, assim albergando a Lei n. 9299/96, que
criou o atual parágrafo único do artigo 9º, do C P M.
Os juízes militares ainda que sendo juízes de fato, por suas
características, e mais pelo que aqui acrescentaremos, os tornam
legítimos para atuar como magistrados. E passaram a ter assento
constitucional mais reforçado, pela mesma Emenda Constitucional
n. 45/2004- a primeira parte da reforma do Judiciário. Mantida está a
norma do artigo 124 e seu parágrafo único, como já registrado neste
trabalho, na sua Introdução, bem assim as Leis pertinentes.
Eis os parágrafos atinentes ao ora analisado:
“ § 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de
Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos
juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo
próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos
Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
“ § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os
militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as
ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a
59
competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal
competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais
e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
“ § 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar
e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis
e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao
Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar
e julgar os demais crimes militares. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
Todavia, tal emenda foi feliz em fazer competente a Justiça Militar Estadual nas Ações Judiciais contra punições administrativas
aplicáveis aos militares estaduais (também no §4º) . Afastou, o que
era guerreada: a atuação da Justiça Federal Comum.
A Justiça do trabalho, pela Emenda Constitucional 24/1999, já
aboliu os juízes classistas, criação meramente política, a querer o
ditador Vargas, que se dizia o pai dos trabalhadores, dar uma demonstração de equilíbrio entre empregados e empregadores.
JUIZ LEIGO, expresso na CRF:
“ Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os
Estados criarão:
“I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e
leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução
de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor
potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo,
permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;”
O Juiz Leigo, portanto admitido nos Juizados Especiais, inobstante inserido na CF/88, inciso I, artigo 98, de origem, se opõe pela
flagrante incongruência a princípios e preceitos superiores da Lei
Maior. E vem se tornando, como em outro artigo o dissemos, um
mal para a Justiça, minorando o Princípio do Acesso à Justiça e os
Princípios Informativos do Poder Judiciário.
À guisa de simplificar a atividade jurisdicional, ainda mais a
onera, a burocratiza e a desmerece, já que não se submetem às
exigências constitucionais a um Magistrado, Aplicador da Lei. Inexperientes; sem a presença do juiz togado, conduzem audiências e
formulam “ projetos de sentença”- de se admitir adrede preparadas
- restando ao togado Homologar, ao que faz transparecer, muita
vez, como se fora um “carimbo”. Na prática, o togado, é o que se
nota na maioria dos casos, jamais é visto pelas partes, a lembrar
um tipo virtual. Ou um ser soberano.
mar, de Imediato e de Juiz de um Conselho Especial (já bacharel
em Direito), e a tendo encerrado como professor concursado de
Direito da Escola Naval.
Associado da Associação dos Juízes Militares Estaduais (AMAJME), tive o prazer de ler em número de nossa revista, o artigo de
estudioso colega que questionou da pertinência constitucional do
Conselho de Justiça Militar.
Adentrando mais ao tema deste estudo, procurarei demonstrar
minha posição, considerando o Direito e a experiência forense nessa
sede especial, também como advogado.
Compartilho, em parte com o colega, sobre seus alevantados estudos quanto a aspectos de tais Conselhos, o que já venho praticando
em uma coletânea de trabalhos sobre a revisão das normas penais
castrenses, a contribuir para o aperfeiçoamento dessa Justiça, nascida
com D. João VI, e altamente respeitada por bem atender aos Princípios
ínsitos a um órgão julgador bem assim ás partes litigantes.
Quanto ao que me foi dado
apreciar, neste momento, sou
dos que entendem que a composição desses Conselhos deva ser
reformulada.
Por tais razões, proponho o
que segue:
1º- que os Conselhos sejam
compostos apenas por dois-2oficiais (sendo um deles oficialsuperior, militar de carreira) ,
além do juiz auditor;
2º- que o mais moderno seja
um capitão/capitão-tenente, podendo este ser oficial não oriundo
de escola militar, federal ou estadual, conforme o caso;
3º- que o Presidente do Conselho seja o Juiz Auditor, o que já vige na Justiça Militar Estadual.
A proposta aqui apresentada de alteração na LOJMU e do CPPM,
mais ainda se firma por razões concretas, que vêm se registrando,
como regra deletéria da justificação do escabinato, vale dizer, por
dele fazer parte militar de larga experiência, pela especialidade de
que deve se revestir o foro militar, historicamente embasado nessa
diretriz. Assim, sinteticamente, é como o sugeri, com a devida
motivação, a seguir:
Primeiro, porque vem se tornando comum deparar–se com CJM
composto apenas por oficiais que não se formaram nas escolas militares; oficiais de muito pouca experiência da realidade militar.
Segundo, na mesma trilha de raciocínio, oficiais no início da
carreira, é certo que ainda não adquiriram o conhecimento dos
meandros da profissão, além do pouco preparo para tão relevante
quanto complexa função.
A justificativa de oficiais militares comporem os Conselhos de
Justiça é o conhecimento e o sentimento que tem por sua atuação
na vida castrense. Portanto, há que ser um oficial com razoável
tempo de serviço, devendo, sempre que possível, ser oriundo da
Escola Naval e de suas congêneres do Exército e da Aeronáutica,
além de terem postos mais antigos (o mesmo se diga quanto ao
escabinato estadual). E o ideal seria que, sempre que possível, sejam
eles bacharéis em Direito o que hodiernamente não é difícil de se
ter, sobretudo na justiça estadual (o que sei ocorrer, por ter sido
professor da escolas de formação e da de nível superior da Polícia
Militar do Rio de Janeiro).
CONSELHO DE JUSTIÇA MILITAR, EM TEMPO DE PAZ
De início se esclareça que a legislação militar prevê o país em
Tempo de Paz e em Tempo de Guerra. Aqui me cingirei ao Tempo
de Paz e ao estudo da compatibilidade de quase toda a legislação
militar, ou seja, à sua recepção pelo legislador-constituinte. Outrossim, proponho algumas mudanças na estrutura dos Conselhos de Justiça Militar, deixando outras propostas sobre o tema,
quando vier a público a minha visão de como o CPPM e a LOJMU,
devem ser aperfeiçoadas, de forma mais ampla.
O exposto neste artigo, como em outros de nossa autoria, na
matéria, é resultante das diversas experiências e estudos a mim
proporcionadas como militar federal (Oficial de Marinha) e como
profissional do Direito. Dediquei-me, na carreira advocatícia e na
do magistério, mais ao estudo do Direito Constitucional, do Direito
Administrativo e do Direito Militar.
A par disso, trilhei a Carreira das Armas, na Marinha do Brasil,
e, quando na ativa, exerci os cargos de Comandante de navio, no
60
Revista do Clube Naval • 358
Ademais, o se retirar um oficial de suas naturais atribuições, sem
dúvida, traz prejuízo ao serviço militar. E não sendo ele bacharel em
Direito, sua posição em tal Conselho além de fragilizada, por mais
que possa ter sido orientado por sua Força e pelo Juiz, é tarefa, para
a imensa maioria, desmotivadora, fato natural de se compreender
(da qual sou testemunha credenciada ao longo de minha carreira
naval, iniciada em 1953).
Desta forma o artigo 16, alíneas a) e b) da LOJMU deve ter a
dicção ajustada a tais requisitos, bem como todos quantos sejam
diversos desta proposição, além dos preceitos atinentes insertos no
CPPM, como em obra específica proponho.
E que o determinado em lei, no artigo 26 da LOJMU, seja rigorosamente cumprido.
“Art. 26. Os juízes militares dos Conselhos Especial e Permanente ficarão dispensados do serviço em suas organizações,
nos dias de sessão.”
Também entendo que os
futuros oficiais, em suas escolas
de formação, tenham uma carga
horária de Direito ao menos correspondente a dois anos letivos,
nos quais aprenderiam, mais do
que hoje ocorre, noções básicas
da Ciência Jurídica; da Constituição, de Direito Administrativo,
da Lei de Introdução ao Código
Civil (LICC), a parte geral do
Código Civil e a do Processo
Civil, seguindo-se o estudo da
Legislação Penal Militar.
Ademais, proponho, como
de há muito o faço, que durante
sua carreira, nos cursos regulares a que já são obrigados para
nela crescer, fossem oferecidas oportunidades de reciclagem do
Direito, bem como, antes de serem nomeados para o exercício
de cargos de Direção, devam cursar, em um período razoável, tais
ensinamentos, dos quais muito necessitam bem conhecer e melhor
aplicar, sejam comandantes ou diretores.
DA COMPATIBILIDADE DOS CONSELHOS DE JUSTIÇA
Tratando-se de justiça especial, com regramentos tão específicos, sou pela intocabilidade da existência do escabinato. As
considerações esposadas, com seriedade e competência pelo colega,
sinto- as de forma um pouco diversa.
DO CONCURSO PÚBLICO PARA A MAGISTRATURA e OUTRAS
QUESTÕES ABORDADAS NO SEU TRABALHO
“ II - a investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e
títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para
cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”
Tal questionamento, não é requisito absoluto, como nada na vida.
De acordo com o artigo 94 da CF/88, para os juízes oriundos do
“quinto constitucional”, de real valia, inexiste também concurso
público, na forma ditada pela primeira parte do inciso II, do artigo
37, acima reproduzido.
A cabeça do artigo 37, dispositivo que encerra os Princípios
Revista do Clube Naval • 358
Informativos da Administração Pública, assim se expressa:
“ Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”
Princípios esses aplicáveis a todos os agentes públicos, o gênero,
inclusive aos agentes políticos, excelsa espécie estratégica, previstos
na Constituição Federal, e no entendimento do saudoso e sempre
referência, Helly Lopes Meirelles.
Vale registrar que o consagrado administrativista e constitucionalista além- mar, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em seu “Curso
de Direito Administrativo”, Ed. Forense, 12ª edição, p. 276, na letra
da CRF, denomina servidores públicos, o gênero, tendo por espécie
os agentes públicos, estes “ ... legalmente intitulados a exercer, em
nível decisório, uma parcela do poder público com uma competência
especificamente definida na ordem jurídica.”
E subdivide os agentes públicos em agentes políticos e agentes
administrativos, reservando o título de agentes políticos, também
previstos na Lei Magna, aos “ que têm investidura em cargos vitalícios,
efetivos ou em comissão, de assento constitucional ”, desde o Chefe do
Poder Executivo aos membros do Júri, entre outros. Por derivada, se
conclui que os militares enquanto membros dos Conselhos de Justiça
Militar, se amoldam à categoria de agentes políticos, amparados nessa
função como o previsto aos magistrados em geral.
Outro questionamento.
A INDEPENDÊNCIA e às GARANTIAS da MAGISTRATURA
Jamais se teve notícia de que os eventuais juízes militares no
atuar de um Conselho de Justiça, tenham praticado algum deslize e/ou sofrido qualquer tipo de imposição, de desrespeito a seu
comportamento.
Nomeado Guarda-Marinha em 1955 e tendo colado grau em
Direito, no ano de 1966, e ainda hoje atuando como advogado
(OAB/RJ, 18.993), somente tenho motivos para tecer loas à Justiça
Militar, seja por sua absoluta seriedade, seja por tudo o mais que
a caracteriza, como já constante de artigo publicado na Revista da
AMAJME, em 2005 e na do Clube Naval, número 332, sob o título
“JUSTIÇA MILITAR E AS FORÇAS ARMADAS.”
É o que ponho aos que se dedicam a esta seara, já que pelo diálogo, pelo dizer, e quando necessário, pelo contradizer, é que contribuiremos para o incansável dever de sempre mais e melhor obtermos
o aperfeiçoamento da Justiça, sua celeridade, e sua marcante missão
de ser atora privilegiada para uma sociedade mais justa,
“ fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica das controvérsias”, como se lê no espírito da Lei
Magna vigente, ou seja , em seu Preâmbulo.
Respeitados os Fundamentos Constitucionais, seus Objetivos,
em decorrência, os Direitos Individuais e Sociais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça, elegendo-os como valores supremos de mossa sociedade,
cada Cidadão estará cumprindo com seu Dever, enquanto pessoa
humana, e enquanto membro de uma comunidade magna, a Nação,
a solidificar de vez o Organismo Social, nossa Pátria, digna, forte e
por toda a comunidade mundial, reconhecida e respeitada, a liderar
um novo Tempo de Comunhão entre os Homens. n
* Capitão-de-Mar-e-Guerra, advogado, professor de Direito Público.
Presidente do IBDA, www.ibda.adv.br
61
NAVIOS DA MB
AVISO DE
TRANSPORTE
FLUVIAL
O
Igor Corrêa*
AvTrFlu Piraim foi construído
na Holanda em 1950, no estaleiro H. B. Peters, por encomenda
do Serviço de Navegação da
Bacia do Prata S/A, atual Cinco
& Bacia, sendo batizado com o
nome de Rebocador Guaicuru.
Posteriormente, em 1977, sofreu profundas modificações estruturais, sendo
convertido de rebocador para navio de
transporte de passageiros.
Em 9 de julho de 1981, o Comandante do
Sexto Distrito Naval solicitou a sua aquisição
para integrar a Flotilha do Mato Grosso, com
a finalidade de melhor dotá-la de meios, para
o cumprimento de suas missões no cenário
ribeirinho. Sua aquisição foi autorizada em
6 de novembro de 1981.
No dia 10 de março de 1982, em cumprimento à Portaria Ministerial n° 1.866/81 do
Ministro da Marinha, Almirante-de-Esquadra Maximiano Eduardo da Silva Fonseca, foi
incorporado à Armada, ficando subordinado
ao Comando da Flotilha de Mato Grosso,
com sede na cidade de Ladário, no estado
do Mato Grosso do Sul.
PIRAIM
ORIGEM DO NOME
O AvTrFlu Piraim foi o primeiro navio da
Marinha do Brasil a receber este nome, cujo
significado, na língua tupi, é “o rio do peixe”.
Foi assim denominado em uma justa homenagem ao feito militar de Augusto Leverger,
Chefe-de-Divisão e Barão de Melgaço, que,
à margem direita do rio Piraim, em Porto
Melgaço, organizou e comandou a resistência
que impediu o avanço paraguaio em direção
a Cuiabá e a consequente queda da capital,
tornando-se, por isso, um grande herói e
digno da gratidão de todos os brasileiros.
MISSÃO
As características de projeto e a configuração do AvTrFlu Piraim permitem o seu
emprego em operações no cenário ribeirinho,
realizando as seguintes tarefas: transportar
tropas, sendo a sua capacidade de até dois
pelotões de Fuzileiros Navais, transportar
até 10 toneladas de carga, reconhecimento
de áreas, operações aéreas de pickup de
pessoal e material, com a aeronave IH-6B,
e apoio às embarcações de desembarque de
viatura e pessoal (EDVP). Secundariamente
é empregado em missões de Patrulha Fluvial
e Inspeção Naval, Assistência Cívico-Social,
missões de socorro e salvamento, transporte administrativo de pessoal e missões
de representação.
CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS
• Comprimento total: 25 metros
• Boca: 5,5 metros
• Calado: 1,2 metro
• Deslocamento:
Leve: 58,7 t
Normal: 74,6 t
Plena carga: 91,51 t
• Velocidades:
Descendo o rio: 12 km/h
Subindo o rio: 8 km/h
• Tripulação: 3 Oficiais e 19 Praças
• Armamento fixo:
4 metralhadoras 0.50 mm
• Propulsão: 2 motores MWM TBD 229,
6 cilindros, 4 tempos e 197 HP
• Geração de energia: 2 motores MWM D
229, 6 cilindros, 4 tempos e 81 kVA
• Equipamentos de auxílio à navegação:
o navio dispõe de 1 Radar Furuno 1830,
1 Radar Furuno 1623 (em instalação),
1 agulha giroscópica Giro Compass
Standard 20, 2 agulhas magnéticas, 1 GPS
GP 500 e 1 GPS GP 35, 1 ecobatímetro
fixo SQN e 1 ecobatímetro fixo Furuno
LS-4100 (em instalação) e 1 ecobatímetro
portátil 150 SX
• Equipamentos de comunicação: o navio
dispõe de equipamentos para comunicação
em HF, VHF e UHF
BRASÃO
Descrição: em um pentágono formado de
cabos de ouro e encimado pela Coroa Naval,
em campo de vermelho, Coroa de Barão;
cortado de faixa ondada de azul, carregada
de sete peixes nadantes e voltados à destra;
contrachefe de verde.
Explicação: piraim – um dos braços em
que se bifurca o rio Cuiabá, logo abaixo de
Barão de Melgaço, vulto naval que faz parte
da história de Mato Grosso, região onde o
navio está vinculado a operar. A faixa ondada
carregada de peixes representa o rio Piraim,
corruptela do antigo “pirahy” (em tupi, “o
rio do peixe”). n
*
O Piraim camuflado
62
Revista do Clube Naval • 357
Revista do Clube Naval • 357
63
1º Tenente.
personalidade
Vida e
morte do
pela Câmara dos Vereadores que mudou o nome da Praça da
Constituição, onde se encontra a magnífica estátua equestre
de D. Pedro I, para Praça Tiradentes (Gerson, 2000:121).
O fato de ter figurado entre os conspiradores da República, não conferiu um status maior para Lorena, conclusão
que tiramos de uma passagem de Medeiros e Albuquerque
(1933:170), que narra que Aristides Lobo, Ministro do Interior,
ao recebê-lo para tratar de uma indicação sua de candidata
ao estudo de harpa no Instituto de Música, não deferiu sua
indicação, e disse-lhe que isso dependia unicamente do diretor
do instituto. Este era Leopoldo Miguez, autor da música do
aziago, hoje Hino da Proclamação da República, que à época
tentaram impor como Hino Nacional, e que foi escorraçado
Comandante
Lorena
rer
Luís Severiano Soares Rodrigues*
É um ponto pacífico na história brasileira, que o 15 de novembro de 1889, pegou a
Marinha de surpresa, e que esta, por meio de seus membros proeminentes, aceitaria
os desdobramentos dessa data, consternada, e permaneceria ainda por muito tempo
monarquista e aristocrática. Contudo, fontes maçônicas (GOB), dão como presentes
à reunião de 11 de novembro, em casa do Marechal Deodoro, dois marinheiros
maçons, o Alte Wanderkolk e o CF Frederico Guilherme de Lorena.
N
essa célebre reunião, os republicanos aproveitando o renascimento da questão militar,
convencem o marechal monarquista a depor
o chefe do governo, o Visconde de Ouro Preto. E no 15 de novembro, com as mentiras
inventadas pelo Major Solon, convencem
o dito marechal a derrubar as instituições
que ele jurara defender, e com elas o imperador e sua augusta
família, aos quais Deodoro devia não poucos favores.
O mal estava feito, mas temos de defender Wanderkolk,
que seria Ministro da Marinha do governo provisório, e Lorena,
pois o trabalho sujo foi todo do futuro General Solon, pai da
mulher que seria a desgraça de Euclides da Cunha, certamente
uma característica hereditária.
A aparente tranquilidade do advento da República, com
o povo assistindo bestializado nas palavras de Aristides Lobo,
foi apenas aparência. A consolidação das instituições republicanas não se daria, senão à custa de muito arbítrio, sangue e
lágrimas nos anos que se seguiram, e o Comte Lorena figurará
no capítulo sangue dessa história.
64
Frederico Guilherme de Lorena nasceu em 31/3/1839 em
Rio Grande, província de São Pedro do Rio Grande do Sul.
Provinha de uma família em nada ligada a tradições navais
recentes, pois seu pai e avós, todos foram oficiais de linha
das tropas de milícias da província, tradição trazida desde os
Açores, de onde provêm os Medeiros de Souza, que no Brasil
se ramificariam em Lorenas de Souza e Albuquerques, dos ramos dos Medeiros de Souza que ficaram em Portugal (Açores)
são seus parentes os barões e viscondes das Laranjeiras e os
viscondes, condes e marqueses da Praia e Monforte, todos de
Ponta Delgada, Ilha de São Miguel.
Sua família também estava ligada a altos interesses comerciais, seu pai, Delfino Lorena de Souza, exerceu a função
de delegado em Rio Grande, foi diretor da Caixa filial de S.P.
do Rio Grande do Sul do Banco do Brasil (1853), era acionista
da Cia. de Seguros Fidelidade, dedicava-se ao comércio de
ferragens em Rio Grande, e também era acreditado como
negociante na praça do Rio de Janeiro.
Em uma referência de relações de familiares de Lorena
com a Marinha, temos que seu bisavô José Rodrigues Barcellos
Revista do Clube Naval • 358
Capitão-de-Mar-e-Guerra Frederico Guilherme de Lorena
(Cavaleiro da Ordem de Cristo, Oficial e Dignatário da Ordem do
Cruzeiro) vendeu à Marinha a Escuna/Canhoneira Capivari em
27/11/1838. Por esse ramo dos Rodrigues Barcellos temos que seu
primo Miguel Rodrigues Barcellos (Barão de Itapitocay) exerceu
interinamente a presidência da província por ser vice-presidente.
Ainda nesse ramo encontramos entre seus ascendentes, João
Álvares Fagundes, navegador português dos séculos XV/XVI,
descobridor da costa nordeste americana, hoje províncias de Nova
Escócia, Terra Nova e Labrador no Canadá. Lorena se casou no
seio da alta aristocracia, pois sua esposa Dona Mariana da Fontoura Palmeiro Pereira da Cunha era filha do Alte Manoel Luís
Pereira da Cunha e neta paterna do Marquês de Inhambupe.
Sua carreira na Marinha começa aos 16 anos como aspirante
a guarda-marinha em 1855. A Guerra do Paraguai o encontrará
já primeiro tenente, apresentando-se em Montevidéu já em 1865.
No ano seguinte, por feitos na passagem do Passo da Pátria, foi
elogiado pelo comandante Visconde de Tamandaré. Em 1867 foi
licenciado por saúde, mas fixou-se no Rio Grande para não estar
longe, caso melhorasse. Nesse momento já era Cavaleiro das
Imperiais Ordens da Rosa e de Cristo. Em 1871 foi feito Cavaleiro
da Ordem do Cruzeiro e recebeu a medalha geral da Campanha
do Paraguai. Em 1875, capitão-tenente; em 1876, ajudante de
ordens e secretário da Força Naval do Rio Grande do Sul. Em
1883, capitão de fragata; e em 1890, capitão de mar e guerra.
Na República, Lorena se dedicou à política e foi eleito
vereador no Distrito Federal, e foi sua a proposta aprovada
Revista do Clube Naval • 358
Marechal Floriano Peixoto
por vontade do povo que preferia o antigo. Em tempo, a letra
bizarra do tal hino é do próprio Medeiros e Albuquerque.
A vida da República, como era de se esperar, não estava fácil.
Apesar da Constituição já promulgada em novembro de 1891, o
não político marechal presidente eleito indiretamente, frente à
forte oposição movida contra o seu governo no Parlamento, tenta
um golpe contra o Congresso, pretendendo fechá-lo. Isso provocou forte oposição na Marinha, com a reação do Alte Custódio de
Melo contra o ato do presidente, que, frente às circunstâncias, foi
forçado a renunciar. O vice-presidente, Mal. Floriano, assumiu o
poder, mas os problemas só estavam começando.
O governo do Mal. Floriano, certamente inaugurou a
maldição do vice, presente ao longo da história republicana
brasileira. O Mal. Floriano atraiu contra si grandes animosidades, já que, por dispositivo constitucional, deveria ser
realizada nova eleição para a Presidência da República, já
que a vacância aconteceu antes de dois anos transcorridos
do mandato presidencial. Floriano ignora completamente
esse fato, e manteve-se na presidência a ferro e fogo; para se
65
mostrar desentendido assina todos os atos de seu governo,
eufemisticamente, como vice-presidente em exercício. Todos
aqueles que cobraram o cumprimento da Constituição foram
alvo da ira do “vice-presidente”.
Como corolário dessa situação, teremos várias prisões,
desterros, exílios, governos estaduais sendo depostos e substituídos por amigos e aliados do vice. Essa situação só poderia
gerar descontentamento dos legalistas e idealistas, puristas da
utopia republicana. Apoiando Floriano só os jacobinos, aqueles
que gostam de ver o circo pegando fogo.
Nos primeiros momentos do governo Floriano, veremos
Lorena como os demais homens de Marinha, como espectadores do desenrolar da normalidade institucional, a título
de exemplo veremos Lorena como o 12o signatário da ata de
inauguração do bonde para Copacabana em 1891, Floriano é
o primeiro, e Custódio de Melo é o quarto (Cintra, 1956:126).
Contudo esses homens vinham de um mundo de estabilidade
político institucional, consolidado nos últimos 40 anos do
reinado do augusto Sr. D. Pedro II. A sucessão de governos
dentro de um ambiente político civilizado e estável permeava
suas mentes, e, na sua ilusão, era isso o que esperavam para a
sonhada República, que no íntimo pensavam ser uma evolução, ao menos na teoria, mas na prática a teoria era outra.
Assim não tardou que o Rio Grande do Sul (2/1893) se
levantasse contra o governo central. A imposição por Floriano
de Júlio de Castilhos como presidente do estado fora o estopim
para a revolta liderada pelo grande Silveira Martins e militarmente chefiada pelo Gal. Gumercindo Saraiva.
No Rio de Janeiro o Alte Custódio de Melo, temos convicção,
não poderia agir de outro jeito. Se opusera à ação inconstitucional de Deodoro e não poderia admitir a ação inconstitucional de
Floriano. Aqueles homens por 67 anos de Brasil independente
nunca haviam visto um Estado de sítio e viveram num Estado
de Direito. Assim a ameaça de Floriano aos membros do Supremo Tribunal, de que não haveria quem lhes desse habeas
corpus, se eles continuassem concedendo habeas corpus aos
presos políticos, deve ter pesado muito na mente daqueles que
se iludiram com a utopia republicana.
A Armada se rebela (9/1893) contra o governo, combatendo
aquilo que chamavam de militarismo, queriam o governo civil
dentro da normalidade constitucional. Era a guerra civil, e seus
resultados não poderiam ser outros além da divisão do país, e
o sofrimento de muitos pela insanidade de um déspota. No Sul
ver-se-iam grandes atrocidades e na baía do Rio de Janeiro uma
conflagração intestina de bombardeios recíprocos.
Em 6 de julho de 1893, antes mesmo da deflagração no Rio
de Janeiro, o Alte Wanderkolk, vindo de Buenos Aires a bordo
do Júpiter, tenta auxiliar os revoltosos federalistas, lançando
um manifesto aos cidadãos de Rio Grande, onde ele enfatiza:
“É tempo de agir em socorro dos irmãos. É tempo de se bater
este soldado sem escrúpulos, que fez da traição profissão de fé;
que procura por todos os meios, desde a intriga e a calúnia até
as armas, reduzir à escravidão sob o regime republicano uma
nação que foi sempre mais livre e republicana mesmo sob o regime monárquico”, os grifos são nossos (Thompson, 1934:30-31).
Wanderkolk será um dos primeiros presos pelo regime do Mal.
Floriano quando da revolta da esquadra em setembro.
66
Atendo-nos apenas à ação de Frederico de Lorena, temos
que este já a 16 e 17 de setembro, comanda uma flotilha, cuja
nau capitânia é o Cruzador República, que força a barra sob
fogo das fortalezas e dirige-se ao sul, tenta assediar Santos, mas
o mar virado e o desencontro com as forças de terra fazem-no
prosseguir rumo a Santa Catarina, para alívio dos santistas,
que sabiam não poder resistir mais tempo.
Sem resistência e sob a complacência das autoridades locais,
Lorena ocupa Desterro, e lá estabelece o governo provisório da
República e torna-se chefe desse governo. No entanto, o seu poder
de ação se mostrou limitado por falta de recursos e entrosamento
com os federalistas que quiseram se apoderar do governo provisório, o qual de acordo com Custódio de Melo não cede.
No tocante aos recursos, em carta de 4/11/1893, responde
a Rui Barbosa, que de Buenos Aires solicitara fundos para a
compra de armamentos para os revoltosos, Lorena declara
infundadas as notícias de avultados recursos encontrados nos
cofres de Santa Catarina, e que são diminutos os rendimentos
da alfândega do Desterro (Lopes, 1953:114-115).
Muitos foram os reveses dos revoltosos. O ardiloso Floriano, com a conivência estrangeira, armou as encostas da cidade
do Rio de Janeiro para bombardear a esquadra. Comprou uma
esquadra nos Estados Unidos e, com a intervenção direta dos
navios americanos fundeados na baía do Rio de Janeiro, deu o
golpe de força, que não deixou outra opção aos rebelados senão
pedir asilo político nos navios portugueses, conseguido graças
ao comandante Castilho, salvando assim suas cabeças.
Indo para o Sul, todos desceram em Montevidéu, muitos se
juntariam aos federalistas. No Desterro, as forças governistas
também foram exitosas, por terra e pelo mar. Lorena e outros
foram presos pelas tropas do Cel. Moreira César. Seu fuzilamento, na Fortaleza de Santa Cruz, na Ilha de Anhato-mirim, foi
sumário, sem julgamento. Fuzilados com ele dois sobrinhos: 1T
Delfino Lorena e o Aspirante Pedro Lorena e muitos outros.
Finda a sua curiosa saga, conspirara pela República, lutou
pela legalidade constitucional da República e foi fuzilado pela
República. Sua luta certamente foi para provar a si mesmo que
não estava errado ao presenciar aquela reunião de 11/11/1889,
mas frente ao pelotão de fuzilamento ele teve a sua resposta.
Sua morte seria vingada pelos monarquistas de Canudos, em
1898, que carregaram a cabeça do Cel. Moreira César como
troféu, mas, mesmo esses, a plácida República de 15/11/1889
mataria com requintes de crueldade. Anos depois, curiosamente, decretos do governo provisório assinados por Lorena,
seriam encontrados em uma gaveta do Palácio Itamaraty no
Rio de Janeiro (Rodrigo Otávio apud Barroso, 1968:63) e
encaminhados para o Arquivo Nacional.
Após o martírio do Alte Saldanha da Gama, em Campo Osório,
finda-se o último ato dessa tragédia republicana brasileira, coalhada
com o sangue de entorno de 10 mil brasileiros. Muitos daqueles
que obstinadamente lutaram contra Floriano foram anistiados
pela República civil. O próprio Custódio de Melo; Alexandrino de
Alencar chegou a ser Ministro da Marinha, entre outros exemplos.
Já é tempo de anistiar a memória e a honra desses bravos homens,
que sucumbiram, mas jamais desertaram apesar da ingênua utopia
de confundir República com liberdade, mesmo que a realidade
republicana provasse que eles estavam errados. n
Revista do Clube Naval • 358
CF Lorena e família
Bibliografia
Albuquerque, CMG A. L. Porto e.
Aos Perdedores a República. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 6 dez. 1991.
Albuquerque, Francisco Tomasco de.
Frederico Guilherme de Albuquerque um
escorço biográfico. Niterói, 1997.
Albuquerque, José; Medeiros, J. de C.
da C. Minha vida (memórias). 2. ed.
Rio de Janeiro: Calvino Filho Editor, 1933.
Araujo, Joaquim Aurélio Nabuco de.
A intervenção estrangeira durante
a Revolta de 1893.
São Paulo: Cia Editora Nacional, 1939.
Cintra, Alarico J.C. Bisbilhotando o
passado – o Rio das vacas gordas.
Rio de Janeiro: Editora Brand, 1956.
Laemmert. Rio de Janeiro. 1856.
Escobar, Wenceslau. Apontamentos para
a história da Revolução Rio-Grandense de
1893. Brasília: Ed. UnB, Coleção Temas
Brasileiros, 1983.
www.portfolium.com.com.br/artigooleone2.htm
Gerson, Brasil. História das ruas do Rio. 5.
ed. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2000.
Lopes, CT Murilo Ribeiro.
Rui Barbosa e a Marinha. Rio de Janeiro:
Casa de Rui Barbosa, 1953.
www2.uol.com.br/historiaviva/conteudo/
materia/materia_23.html
www.fortalezasmultimidia.com.br/
novidades/meses_mostra.php
//cadete.aman.ensino.eb.br/histgeo/
HistMildoBrasil/conflinRep/
2RevFedRS.htm
www.novomilenio.inf.br/santos/h0205.htm
Magalhães, Cel J. B. A consolidação
da República. Rio de Janeiro: Ministério
da Guerra, s/d.
www.bigua.com.br/modules.php
Barroso, Gustavo. História do
Palácio Itamaraty. MHDI – MRE.
Seção de publicações, 1968.
Thompson, Alte A. Guerra Civil no
Brazil de 1893-1895. Rio de Janeiro:
Editora Navarro, 1934.
www.geneall.net
Carvalho, Mário Teixeira de.
Nobiliário sul riograndense. Porto Alegre:
Editora Globo, 1937.
Outras fontes:
Revista do Clube Naval • 358
Relatório da Repartição dos Negócios
Estrangeiros. Typografia Universal de
67
www.gob.org.br/default/museu/
galeria/grao_12.htm
* O autor é economista, pós-graduado em
história, sócio correspondente do Instituto
Histórico e Geográfico de Niterói e
Conselheiro-Secretário do Instituto
Cultural D. Isabel I, A Redentora.
segunda guerra
RECORDAÇÕES DE
UM TRIPULANTE ESPECIAL DO
serviço não eram bem- vindos.
A marujada tinha de participar para
facilitar qualquer prestação de serviço por
paisanos.
Era louco por licença. Quando o navio
estava se preparando para passar a prancha
ele ficava impaciente, e mal ela era passada
nosso herói se lançava para terra ignorando
o registro dos cabos de e até o desembarque
do Comandante. Se licenciava antes do Comandante e chegava depois.
Durante a guerra nosso regresso de
licença era até as 24 horas. Netuno cumpria
disciplinadamente o horário. Houve contudo
uma ocasião em que ele excedeu a licença e
ao chegar ao cais o navio já havia desatracado.
Mas não titubeou, lançou-se ao mar e nadou
para o navio que evidentemente manobrou
para o recolher. Claro que não foi tesado pelo
Comandante que, ao contrário, teceu elogios
a seu gesto de não perder o navio.
Por 19 meses servi no glorioso Bahia
quando então desembarquei separando-me
de meu companheiro de tripulação perdido
com o afundamento de seu berço.
Entretanto, com o tempo, voltaremos
a nos encontrar nas águas do Atlântico que
juntos defendemos.
Sendo último Oficial ainda vivo do Cruzador Bahia, fantasma do Atlântico, quando
ocorrer meu último desembarque, serei
cremado e minhas cinzas serão lançadas ao
Atlântico, onde começamos juntos nossa
carreira naval. n
CRUZADOR
BAHIA
Estanislau Façanha Sobrinho *
É com os olhos marejados que escrevo estas linhas baseadas numa crônica
escrita na antiga Marinha em Revista da DPMM de julho de 1949, pelo então
CT Oswaldo Pinto de Carvalho, Guarda-Marinha de 1940, já falecido e que
era grande entusiasta de nosso velho cruzador.
Vou recordar relevante
egundo pudemos apurar ele era embarcado até novembro de 1944. Fui, dessa
membro da tripulação
50% policial e 50% vira-lata. forma companheiro de tripulação do heroico
Dessa mistura racial resultou Netuno por cerca de 19 meses.
do saudoso Cruzador
imponente estrutura física e
Netuno, evidentemente não procedeu de
Bahia e perdido com ele
bravura.
nenhuma de nossas Escolas de Aprendizes
Netuno nasceu em fins de Marinheiros.
em sua catástrofe em
1941, por coincidência ano de
Apresentou-se, ainda recém-nascido,
meu ingresso na Escola Naval. Assim, posso como voluntário, sendo inicialmente alijulho de 1945.
dizer que fomos calouros no mesmo ano. mentado por mamadeira. Dado o fato de ser
Trata-se do cão Netuno
Sentou praça no Bahia em 1 de janeiro de o primeiro dia do ano foi recebido a bordo
1942. Mais uma coincidência: foi o ano em com salva de 21 tiros. Seu berço foi portanto o
nosso grande mascote
que saí Guarda-Marinha, no mês de setembro velho cruzador e todos nós o adorávamos.
em virtude do Brasil no conflito mundial.
Seu período de adaptação ao navio passou
de grande fidelidade
Embarquei no Cruzador Bahia em 9 de por cima da Organização Interna.
ao seu navio.
abril de 1943, já Segundo-Tenente e fiquei
Entretanto, com cerca de um mês de
S
o
68
Revista do Clube Naval • 358
* Vice-Almirante (IM-Ref)
embarque, já se havia habituado com a vida
de bordo, isto é, balanço do navio, enjoo,
apitos e toques de cornetas. Só não se
habituou nunca com os exercícios de tiro.
Quando percebia que o navio se preparava
para atirar tratava logo de se enfurnar nas
cobertas abaixo.
Teria sido bom Imediato pois embora
sem conhecer os planos do navio conhecia
todos os compartimentos e instalações do
navio que ele vivia inspecionando a tudo e
a todos.
Seu local preferido sempre foi a proa.
Muitas vezes o víamos durante o expediente
junto à bandeira do Cruzeiro, ignorando o
Revista do Clube Naval • 358
vento, o salpico das águas e o caturro saltitante do navio.
Suas correrias e brincadeiras preenchiam a alma daqueles homens dedicados
do navio.
De quando em vez subia ao passadiço
como para quebrar a monotonia dos homens
de serviço.
Com a Oficialidade Netuno não tomava
intimidade. Era respeitoso. Sua intimidade
era só com a Guarnição a quem adorava.
Paisanos eram detestados. Apenas não agredia
alguns que participaram de comboio conosco.
Respeitava a tradicional gentileza naval. Civis
que vinham a bordo por qualquer razão de
69
ensaio
O CURUMIM,
VISÃO
LIVRE
N
Sergio L. Y. dos Guaranys *
ossa vida é contínua exploração de redondezas, com
elevações, aumentos de horizontes e de presenças realizando trocas de coisas definidas por coleções sem nome.
Rejeitando perder objeto indefinido em meio a numerosos
traços distantes vale a pena selecionar algum ainda desprovido de utilidade indicada, mirar nele desviando de sua
vizinhança a atenção. Enquanto a visão percebe formas e
cores da figura do objeto, a mente pode associar a vista com funções,
histórico e outras imagens onde estaria.
Replicamos a opção do curumim ora levando a mente em pala
perscrutando a situação de objeto, ora em escudo criando uma atitude
dele. Ganhamos tempo tratando antes dos indivíduos as coleções deles,
onde mais tarde enxergamos que alguns indivíduos importam mais que
as coleções onde estiverem. Situações nocivas criadas por indivíduos
notáveis ficam disfarçadas pela massa e pela distância como se aguardassem ser toldadas por clamores de origem ruim.
Proclamando semelhança entre União e Estados, pela qual têm Poder
Executivo e Legislativo, Ulisses deu aos municípios Poder Legislativo.
Não creio que ignorasse falta de senso municipal a exigir Legislativo, mais
bem sabia que partidos políticos devem emanar de disputa de opinião
pública, antecipando que na falta de disputa entre partidos ficaria mais
provável a disputa entre as pessoas, mais fértil quanto mais local fosse.
Esse o motivo do Poder Legislativo municipal. Enxerguem o absurdo:
um Legislativo que não tivesse nas leis sua motivação, mas tendo motivo na disputa partidária, seria incorrigível devido à impossibilidade de
suscitar argumentos contrários à existência dele. Nada a espantar em
consequência o enorme número de municípios (5.564), também enorme
o de vereadores (57 mil) e o de funcionários das câmaras municipais (837
mil). Nem ladrões nem inúteis, desfrutam a arrecadação e o fingimento
partidário entregues a eles. Nem atentam para déficit financeiro de seu
município. Sem nada enxergar criaram desfrute irrecorrível do PIB e
descompromisso com a coisa pública. Com a mão em escudo diante dos
olhos estão livres de ver todas as repulsas dirigidas aos políticos. O custo
enorme desse poder contrasta com as carências de ensino primário, de
atendimento ambulatorial e de urbanização inicial, deveres municipais
mais importantes de modo visível e incômodo a sugerir redução do
custo do poder, ao menos por ser mais fácil que atender às carências. Os
curumins de verdade, crianças dos municípios nunca enxergarão correção do contraste. A mera sobrevivência do Poder Legislativo municipal
é paradigma da categoria política brasileira. Mantém atuação interna
dos partidos, é a gênese da participação dos políticos no orçamento e
referencial mais acessível por eles que o Congresso.
70
O menino índio quer saber mais, explora
as redondezas de sua taba, vai afastando-se
seguramente, pois sabe orientar-se bem.
Chega ao sopé de um morro que começa a
escalar. A cada instante aumenta seu
horizonte, vê mais longe mais objetos que
ficam pequenos e sem linhas. Já no topo
querendo ver melhor põe como pala diante
da testa a mão desocupada afastando efeito
prejudicial de claridade, por que se a pusesse
em escudo diante dos olhos nada veria.
A Independência tornou dispensável a Brigada Policial criada por D.
João VI para impor a vontade real sobre as províncias, pois o Exército
subordinado a D. Pedro não conhecia contestação. Para não desempregar
o pessoal da Brigada, ele foi distribuído pelas províncias em milícias especialmente criadas para recebê-lo. Mais tarde com a criação da República,
transformando em estados as províncias, as milícias se tornaram Forças
Públicas também evitando desempregar o efetivo. Heterogêneas porque
algumas eram tropa de combate, outras conviviam com polícia e porque
os estados tinham diversidade constitucional, tiveram aturdimento
inicial. Essas Forças adotaram modelo e título militar a fim de ganhar
permanência sem a obrigação de ser polícias. Ganharam permanência,
embora faltando propósito e autenticidade. Assombraram o Exército, pois
tinham remuneração maior. A Revolução de 1964 ensejou mediante a
Inspetoria de Polícias Militares ingresso de pessoal do Exército nessas polícias coincidente com ambição de poder de alguns estados. Esse arranjo
esbarrava na ação policial civil, pois a militar era uma dupla negação nem
prevenia mediante policiamento nem investigava mediante diligência.
Conseguindo evitar correções inconvenientes, os estados deram situação
constitucional às polícias militares, deixando para uma descomprometida regulamentação posterior a norma dessas polícias. Acontece que
polícia de qualquer tipo e país precisa impedir que seu pessoal participe
do produto de crimes e sentencie infratores. A Polícia Civil, que policia
e investiga não aceitou repartir produto, argumento indeclarável, nem
adotou sentenciamento, que a converteria em criminosa. Em vez de permanecer o organismo, permaneceu o abuso: não há inteligência porque
não há caráter, não há rede dupla de informação porque a informação
é indiscreta. Comparando ao curumim no topo do morro, D. João usou
primeiro a mão em pala criando a Brigada, depois D. Pedro em escudo
dividindo em milícias. Os eventos seguintes aumentaram confusão,
inutilidade e permanência, com despesa gigantesca, transformação de
muitos policiais militares em milicianos e de segmentos policiais em
organizações criminosas. Assunto polícia ficou mostrengo, prenhe de
tentativas incapazes de produzir: redução de contravenção, instrução
útil de processos e rapidez de coerção policial, como Academia de Polícia
e Delegacias Especializadas. Explorando existência de duas polícias,
várias organizações adquiriram aspecto policial como a Judiciária e a
Rodoviária, outras militar como os Bombeiros Municipais, outras ainda
com implicação até penitenciária. E sustentação constitucional. Hoje
as polícias militares, voltadas para si mesmas, têm maior importância
política que as civis. Sem conseguir entender o que avistar no assunto
polícia, o curumim da história deve retornar à taba até o assunto ser
reiniciado em termos inéditos em vez de corrigidos.
Terminada a Segunda Guerra Mundial militares regressados da Itália
depuseram o presidente Vargas, entregaram em 1946 o Distrito Federal a
Mendes de Morais como prefeito e Ranieri Mazzilli como secretário de FaRevista do Clube Naval • 358
zenda, que em 1947 não reajustaram salários dos professores primários.
Essa atuação da sinistra dupla foi imitada pelos 20 outros secretários de
Fazenda dos estados, causando frustração imediata de vocações juvenis
para o magistério, destruição do entusiasmo dos professores em produzir
futuros pais e mães de alunos orgulhosos de saber e ao fim de uma geração, extinção da formação primária do povo brasileiro. Vinte e cinco anos
depois, em 1972 terminou o ensino primário, jamais recriado. Durante
os 25 anos outros procedimentos firmaram essa destruição: professores
diplomados fugiam da regência de turmas para inspetores, pesquisadores, coordenadores, administradores, cooperadores de ensino, recebiam
mais, trabalhavam menos e conseguiram sem querer nem saber, fazer
novos alunos chegarem à escola sem serem responsáveis por seus atos,
sem saberem propriedade e, pior, sem saberem de onde vinham. Não
admira que nenhum ministro, secretário, agente de educação desde
1960 em diante soubesse como atuar para recriar formação do povo.
Nenhum sabe que professor é o membro encarregado e remunerado
pela sociedade para fabricar pais e mães. Andaram dando aumentos salariais pífios aos professores, além de inferiores em valor aos salários dos
“ores”, os fugitivos da regência de turmas. Não é para comprar comida
e roupa que os professores precisam de salários aumentados, mas para
perceberem a colocação que merecem na classe “B” de consumo. Já não
adianta ao curumim contemplar cuidadosamente as escolas primárias,
se em qualquer cenário delas vê alunos ameaçando todo mundo, depredando qualquer patrimônio, sem mostrar cara de atenção. Temos que
dizer serem meliantes os funcionários operadores de material didático,
merenda, impressos sigilosos e medições eivadas de tolerância, tal a
frequência de furtos, agressões, desperdícios, perdimentos e fraudes.
Com mão em pala ou em escudo o curumim enxerga péssima homogeneidade. Países resolvidos complementam formação primária com
mídia e com consumo. O cidadão deles após o primário entra na mídia
opinando, explora para opinar a mostra de consumo, pois a formação
primária dele serviu para ter critério útil, calcado nos sentimentos
básicos de clã (quem somos, quem são os outros), de propriedade
(quem é o dono disso e daquilo) e responsabilidade (quem
responde por esse ou aquele dano). O cidadão
dos não desenvolvidos não tem critério,
logo despreza mídia e consumo. Os
três maiores colégios do país, a saber:
Senac, Senai e Fundação Bradesco
passam ao largo dessas mazelas e
inspiram o MEC a expandir o ensino
profissional.
Em 1948 um grupo de cidadãos
reagiu à falta de instituição dedicada ao
estudo de ações de âmbito nacional, cuja
conclusão fosse útil ao governo federal. Naquela época o órgão mais erudito do Exército
era a Escola de Estado-Maior, o da Marinha era
a Escola de Guerra Naval. A concepção dessa
instituição consistiria em congregar os melhores estudiosos do país e encomendar a grupos
deles os estudos desejáveis, mesclando aulas de
trabalho em grupo com pesquisas dos temas
escolhidos, ritual das escolas. A instituição
recebeu o infeliz título de Escola Superior
de Guerra, infeliz porque associava a ideia
de guerra à defesa da nação contra ações
estrangeiras, além de ensejar na instituição
divisão indesejável entre componentes civis e
componentes militares. Até hoje a ideia de defesa
Revista do Clube Naval • 358
está circunscrita ao campo militar, como se defesas econômica, cultural
e política não fossem necessárias. Imediatamente um grupo de oficiais do
Exército passou a conspirar com o propósito de impedir na instituição
comparações normais e inevitáveis entre civis e militares. Procuravam
o absurdo de, mediante articulação marginal, superar a desvantagem
numérica dos militares frente aos civis em um ambiente onde eventuais
vantagens não serviam a qualquer propósito. Articulados, preponderaram redigindo e impondo à Escola um Estatuto que mediante semântica
impedia debate. A semântica consistiu em atribuir o nome de debate a
um ritual autoritário e o de estratégia a um arranjo artístico dos verbetes
“recursos e óbices” em vez de técnica de manejar crescimento, assim
privando o país de aprender a ciência estratégia. Graças ao Estatuto a
Escola nunca produziu para o país um estudo sequer. Houve um instante
em que o Mal. Castelo Branco enviou um de seus generais ao Comandante da Escola, Gal. Mamede para trazer o suposto plano de governo,
inexistente. Esse instante sucedeu outro em que o presidente Juscelino
declarou vir da Escola o Plano de Metas anunciado e adotado por ele.
Os militares jamais estudaram governo porque nenhum Comandante
da Escola executou essa ideia e o Estatuto dá a ele essa discrição. O
valor militar de qualquer tropa é o nível de familiaridade tecnológica
ostentado. A familiaridade é adquirida nas escolas de formação e nos
centros de aperfeiçoamento mediante exigência de aproveitamento do
ensino, que acarreta freio à novidade. Ao rejeitar contribuição discente
à inovação, reduz esforço dos instrutores aos aspectos repetitivos, retira
das organizações militares a atividade de pesquisa, que não tem nos
centros de pesquisa casuística fértil. Quando o militar chega à escola de
altos estudos encontra corpo docente viciado em repetição, dando vigor
à dependência externa para elevação do valor militar da tropa. Os mais
elevados postos são preenchidos por pessoal formado e aperfeiçoado em
repetição. Não puderam aproveitar a oportunidade da Revolução para
elevar quanto pudessem o país, nem para consolidar a própria atuação
como o PT tenta hoje. O pequeno índio permanece espantado
com o que avista no campo militar e na Escola.
Os militares já sabem como usar a mão
em pala para observarem cenário, mas
esqueceram como usá-la em escudo a
fim de imaginarem a própria recolocação na sociedade. Essa recolocação
inclui colegiados consultores, exercício
de direção em estatais para clarear a
imagem delas em vez de remunerar
antigos sicários, situar a remuneração
funcional deles em acordo com o
restante da administração federal e
com o tirocínio deles. Até hoje têm
servido como vitrine para orientar
cobiças de cabos eleitorais porque essa
atuação é exercida sem peias pelos mais
diversos dirigentes, em consonância com
a baixa qualificação deles, mas com imperdoável assentimento dos militares.
Perante o mau desempenho dos civis os
militares têm preferido manter-se visivelmente corretos a praticar reprovações
aos civis, mas já deveriam ter percebido a
inconveniência dessa omissão e descoberto
por locutores legais desempenhos defeituosos nos três poderes. n
* Capitão-de-Mar-e-Guerra
[email protected]
71
histórias navais
A BOIA DO
MAGDALENA
Carlos Roberto Continentino Ribeiro *
C
orria o dia 25 de abril do ano da graça de 1949, lá na
distante Ipanema, verdadeiro éden sobre a face da Terra,
onde o bom Deus, na sua infinita bondade, resolveu nos
colocar, sabe-se lá por que méritos nossos, nossos e de
mais umas 25 mil almas privilegiadas, que por ali também
levavam, honestamente, as suas vidas.
O lugar era tão bonito, que o próprio Senhor, talvez embevecido com sua obra portentosa, houve por bem colocar lá no alto
da montanha, seu filho dileto, com os braços abertos protegendo a
todos nós do bairro e, em especial as crianças, nas
nossas traquinagens de Jardim de Alah (praça
Alte Saldanha da Gama).
Naquele dia, no verdor dos meus nove
anos de idade, postado no terraço do
quinto andar do prédio onde morávamos (R. Epitácio Pessoa, entre a
Visconde de Pirajá e a Rua Barão da
Torre) e munido do potente binóculo
do meu querido pai, assistia à tragédia do
navio Magdalena, da Mala Real Inglesa que, por
um erro crasso e fatal de navegação do oficial de serviço
do quarto d’alva, trepou canhestramente nas pedras das Ilhas
Tijucas, às 4:30 horas, na sua viagem inaugural.
Lá estava ele, tão lindo, tão jovem, apenas uma criança, que
poderia ter um futuro tão brilhante, navegando pelos mares do
mundo, mas que por agora apenas engatinhava ainda, no mister
de levar lá e cá cargas e passageiros.
O binóculo fazendo-o tão perto, mas na realidade tão longe
para que se pudesse tomar alguma iniciativa. Como se realmente
eu pudesse fazer alguma coisa.
Na minha fantasia infantil, corria uma sensação de frustração,
como se um menino muito menor do que eu, e da minha rua, tivesse
sido também mortalmente atingido e, ainda pedisse socorro, sem
que eu nada pudesse fazer para salvá-lo.
Um travo amargo de choro engasgou minha garganta, e uma
lágrima que insistia em rolar pelo canto do olho se negou
finalmente a cair, poupando-me da manifestação de
fraqueza (ah, universo masculino!), já no último e
derradeiro instante.
A entrada do porto do Rio de Janeiro é de navegação
fácil e bastante balizada.
O Farol da Ilha Rasa, quase nos convida:
“Venha cá, meu navegante, estou aqui pra te orientar nessa
entrada fácil e bem demarcada, sem muitos baixios perigosos,
e de águas bem profundas.
“Se quiser ver Copacabana, aproxime-se até uns
quatrocentos metros da beira, e nada te acontecerá.
O Magdalene, antes do acidente e depois, dividido em dois. Abaixo, o sino, uma escotilha, a bússola e a bitácula do Magdalene
“Eu, Rasa, farol experiente nas belezas dessa terra, aconselharia talvez
Ipanema, linda; de praias luxuriantes e quase intocadas.
“Vá conhecer esta cidade, navegante amigo, verdadeiro paraíso
sobre a face da Terra.”
Uma “Cidade, realmente, Maravilhosa”. E o era
àquela época...
Os jornais divulgaram, amplamente, a tragédia do Magdalena, com fotografias e toda a parafernália jornalística
dessas ocasiões.
O barco, emitiu, imediatamente, sinal de SOS, sendo o
Lóide Goiás, o primeiro navio a oferecer ajuda.
Após o alívio da carga e dos passageiros, feito por “chatas” e barcos de socorro, que chegaram rapidamente ao
local, devido à proximidade da costa. O Magdalena voltou
a flutuar, mas com um grande rombo no porão 3. Seu reboque foi conduzido pelos Rebocadores Triunfo
e Comandante Dorat.
As condições muito difíceis de mar e a quantidade de água
aberta acabaram por fazer com que o navio se partisse em
dois, num grande estrondo, justo à entrada da barra do porto
do Rio de Janeiro, em frente à praia de Imbuí, Niterói.
Os rebocadores, se desamarraram do navio o mais
rápido que puderam, temendo um naufrágio conjunto,
puxados que poderiam ser pelo peso do grande barco.
Remadores, durante semanas e semanas, recolheram garrafas de champanhe da primeira classe, da mais fina qualidade,
que boiavam, aqui e ali, resultado do navio partido.
Mas só a parte de vante do barco submergiu. A seção
restante teimou em flutuar. Justamente aquela em que o
comandante Douglas Lee, na companhia do prático-mor
do porto do Rio de Janeiro, que orientava a manobra, se
encontravam com mais um tripulante do navio.
Todos, imediatamente, foram resgatados.
O comandante, em processo posterior, viu-se condenado a um
ano de suspensão do exercício da função. A seção recalcitrante e à deriva teimava em não afundar, e acabou
por encalhar na praia de Imbuí, local de onde depois foi
rebocada para um estaleiro e vendida como sucata.
As instalações termoelétricas do navio, ali adquiridas, alimentaram de energia a cidade de Manaus até o ano 2000.
Seu sino e janelas, bem como bússolas de navegação
adquiridas no desmonte, até hoje enfeitam o Jurujuba
Iate Clube, em Niterói.
A metade teimosa – creiam-me senhores, navios têm
alma e é com certeza que vos digo – se negava a afundar: ”Eu era novinho em folha! Olhem só o que fizeram
comigo, me arrebentaram todo! Logo os ingleses, navegadores experimentados e... na minha primeira viagem!”
Mas, enfim, vos digo eu, caro leitor, tragédias marítimas
acontecem a navios de todas as bandeiras.
No local da barra onde naufragou parte do barco
havia até um tempo a boia de alerta de destroços no
fundo; a famosa boia do Magdalena, avisando aos navegantes incautos, das catástrofes a que estão sujeitas
as navegações mal conduzidas.
Poderíamos dizer que a tragédia do Magdalena foi
quase como um Titanic tupiniquim.
Nos tempos em que exerci a função de Encarregado
de Navegação do NAeL Minas Gerais, corria-me sempre
um frio à espinha, quando passávamos ao largo da boia
que demarcava a derradeira morada do meu velho amigo,
se é que o Magdalena vai aceitar que eu tome a liberdade
de ser tão íntimo assim, chamando-o por amigo. Como
todos no mundo sabem, ingleses, mesmo quando jovens,
são reservados e cerimoniosos. n
* Capitão-Tenente (Ref).
O Farol da Ilha Rasa,
um convite aos navegantes
para que se aproximem
Para que
servem os
militares
“...É graças aos soldados, e não aos sacerdotes,
que podemos ter a religião que desejarmos.
É graças aos soldados, e não aos jornalistas,
que temos liberdade de imprensa.
É graças aos soldados, e não aos poetas,
que podemos falar em público.
É graças aos soldados, e não aos professores,
que existe liberdade de ensino.
É graças aos soldados, e não aos advogados,
que existe o direito a um julgamento justo.
É graças aos soldados, e não aos políticos,
que podemos votar...”
Citação de Barack Obama,
no Memorial Day (Dia do Veterano),
em 2011, dedicada àqueles que perguntam:
“Para que servem os militares?”
Download

11 de junho: anIversárIos do clube naval e da batalha naval do