ANAIS DO VI FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES E
II CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
ISSN 2176-7033
28 a 30 de novembro de 2013
UFS–Itabaiana/SE, Brasil.
VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS: O CASO DA HOMOFOBIA NAS ESCOLAS
Elaine de Jesus Souza (UFS)1
Joilson Pereira da Silva (UFS)2
INTRODUÇÃO
Embora a escola seja permeada pela diversidade sexual, os/as alunos/as com identidades
sexuais e de gênero destoantes da heteronormatividade são constantemente vítimas de diversas
violências homofóbicas, sendo marginalizados e privados de direitos humanos fundamentais para a
vivência plena da sexualidade, tais como liberdade, integridade e privacidade sexual; segurança do
corpo sexual; direito à expressão sexual e informação sexual.
Com efeito, é urgente a necessidade de uma formação docente que discuta as temáticas
sexualidade, gênero e diversidade sexual de forma coerente e democrática, pautando-se nos direitos
humanos. Visto que, o desconhecimento acerca de tais assuntos acaba levando a omissão diante de
práticas homofóbicas “sutis”, que costumam ser corriqueiras no espaço escolar, tais como os
apelidos pejorativos, piadinhas, humilhações e outras violências que apesar de serem ignoradas
causam sofrimentos e a violação de direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão
das sexualidades.
Assim, o objetivo principal da pesquisa em questão foi analisar os relatos de docentes da
educação básica acerca da homofobia nas escolas. Para tanto, visa-se também alcançar alguns
objetivos específicos: a) Identificar as principais violências homofóbicas que lesam direitos humanos
fundamentais; b) Conhecer as concepções e práticas dos docentes acerca das violências
homofóbicas.
REFERENCIAL TEÓRICO
DIVERSIDADE SEXUAL E DIREITOS HUMANOS
A diversidade sexual engloba as diferentes práticas, vivências e expressões da sexualidade e
do gênero não reguladas pelo padrão heteronormativo (DINIS, 2008; FIGUEIRÓ, 2007; JUNQUEIRA,
2009; KAMEL & PIMENTA, 2008; LOURO, 2000;). Desse modo, a diversidade sexual envolve as
identidades sexuais, ou seja, as formas como os sujeitos vivem suas sexualidades com outros
1 Mestranda em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe/UFS; Professora de Educação Básica. Email:
[email protected]
2 Doutor em Psicologia Social; Professor do Núcleo de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal de
Sergipe/UFS. Email: [email protected]
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indivíduos, podendo ser heterossexuais, homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, entre
outros, e as identidades de gênero, que representam o modo como os indivíduos constroem
histórica e socialmente suas masculinidades ou feminilidades (LOURO, 1997).
Entretanto, a sociedade ainda reproduz e adota como padrão a heterossexualidade, ou
seja, mesmo que de forma sutil ou camuflada, a heteronormatividade é tida como natural e
hegemônica, o que gera inúmeros preconceitos e discriminações contra os indivíduos que não
seguem as normas sexuais e/ou de gênero (FIGUEIRÓ, 2007; FURLANI, 2009; LOURO, 1997). Essa
naturalização da heterossexualidade acaba distinguindo, restringindo, preferindo ou mesmo
excluindo, com a consequente lesão ou anulação, o reconhecimento e/ou exercício de direitos
humanos e liberdades essenciais de diversos indivíduos que não se enquadram no padrão
heterossexista (RIOS, 2009).
Nessa margem, a Abglt (2006, p.13) caracteriza os “Direitos LGBT” como “[...] um conjunto
de normas legais (ordenamentos legais) e um instrumental processual que vise, ou, enfoque a
temática da homossexualidade / bissexualidade / identidade de gênero”.
Para Carrara (2010) a luta pelos “direitos LGBT” ou direitos relativos aos que constituem a
“diversidade sexual” envolve além das questões inerentes a sexualidade também outras questões
sociais e burocráticas. Por conseguinte, é acrescentado por Rios (2010) que ao longo dos debates
acerca da diversidade sexual e direitos humanos, são invocados vários direitos fundamentais para a
vivência plena da sexualidade e da cidadania, tais como liberdade, integridade e privacidade sexual;
segurança do corpo sexual; direito ao prazer e à expressão sexual; associação e informação sexual.
Contudo, apesar das diversas instâncias sociais serem permeadas pela diversidade sexual,
parece que os grupos LGBT são ‘invisíveis’ no quesito exercício da cidadania plena, isto é, os sujeitos
ou grupos com identidades sexuais e de gênero destoantes do padrão heteronormativo continuam
sendo marginalizados e privados dos direitos humanos e sexuais indispensáveis. Assim, os grupos
LGBT ao invés de vivenciarem suas sexualidades com segurança e liberdade, são vítimas de várias
formas de preconceitos, discriminações e outras violências que são incluídas nas práticas
homofóbicas.
HOMOFOBIA NAS ESCOLAS: VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Os preconceitos e discriminações perpetrados contra homossexuais, bissexuais, travestis,
transexuais e outras formas de diversidade sexual são designados pelo termo homofobia, e envolvem
elevado grau de violação dos direitos humanos de tais sujeitos e/ou grupos sociais (RIOS, 2009).
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Destarte, percebe-se que o conceito homofóbico não está mais centrado somente no
indivíduo e na sua “reação anti-homossexual”, mas envolve a reflexão, crítica e denúncia contra
situações, atitudes e comportamentos discriminatórios que deveriam ser combatidos no âmbito
social, pois incluem
aspectos culturais, educacionais, políticos, institucionais, jurídicos,
antropológicos (JUNQUEIRA, 2009).
A homofobia começa a ser entendida como fator de limitação dos direitos de cidadania dos
grupos LGBT, visto que atua restringindo direitos humanos fundamentais, tais como à educação, à
saúde, à segurança, ao trabalho, por isso chega-se a propor sua criminalização, o que representa
novas possibilidades e batalhas para o combate efetivo das práticas homofóbicas (JUNQUEIRA,
2009).
Dessa maneira, salienta-se que a homofobia manifestada na escola e em toda sociedade,
assim como toda forma de exclusão, não se limita a constatar uma diferença, ela a interpreta e tira
conclusões que são manifestadas na prática de diversas maneiras, mas sempre lesionando os direitos
humanos dos grupos LGBT ou afins (BORRILO, 2009).
Nesse contexto, destaca-se a manifestação de uma violência homofóbica denominada
Homofobia Cognitiva ou social, que refere-se a manutenção da diferença homo/hetero, pregando a
tolerância. Nesse caso não há rejeição aos homossexuais, mas também não se importam e até
defendem que a diferença de direitos seja mantida (BORRILO, 2009; TOSSO, 2012).
Então, alerta-se que a omissão, negação e/ou silenciamento acerca da diversidade sexual e
das práticas homofóbicas que permeiam a escola, inclusive a homofobia “sutil” acaba enaltecendo
essas manifestações de preconceitos e discriminações que violam direitos humanos essenciais, tais
como igualdade, liberdade de expressão e direito à educação, ou seja, o direito de obter informações
sobre as múltiplas possibilidades da sexualidade humana (CAVALEIRO, 2009; DINIS, 2012; LOURO,
2009)
Dessa forma, ressalta-se que as violências homofóbicas englobam práticas discriminatórias
intensas e cotidianas que são expressas, na instituição escolar e em diversos âmbitos sociais, por
meio de distinções, exclusões, restrições ou preferências que anulam e/ou prejudicam o
reconhecimento e o exercício igualitário de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos
sociocultural, econômico ou em qualquer esfera da vida pública. Compreender a homofobia nessa
perspectiva ampla permite elucidar que a qualificação de um ato como homofóbico não depende da
intencionalidade ou da situação que ocasiona a lesão aos direitos humanos e liberdades essenciais
afetadas. (RIOS, 2009)
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Assim, a violação dos direitos humanos e sexuais constitui uma grave consequência da
homofobia nas escolas, pois impede que a diversidade sexual seja (re)conhecida, incluída de forma
efetiva, e possa vivenciar plenamente as suas sexualidades, sem temer ou sofrer ameaças, exclusões,
agressões físicas ou psicológicas.
METODOLOGIA
O estudo em questão trata-se de uma pesquisa qualitativa. A saber, esta é empregada para
estudar o comportamento humano, logo, o/a pesquisador/a utiliza técnicas para estudar as
experiências de determinadas pessoas, e a partir disso, busca compreender determinado fenômeno,
tomando como base a perspectiva dos/as participantes (MOREIRA, 2004).
A aplicação dessa pesquisa está sendo realizada em duas escolas públicas de um município
sergipano, denominado Simão Dias. A escolha desse lócus deve-se a escassez de estudos acerca
dessa temática no interior de Sergipe. A pesquisa em questão conta com uma amostragem não
probabilística por conveniência, bem como, a amostra inicial foi de 7 professores/as (das disciplinas
de Artes, Educação Física, Biologia, Português e Matemática) da educação básica (ensino
fundamental maior e ensino médio), visto que a análise da pesquisa está em andamento.
Nesse estudo foi utilizado como técnica para coleta das informações a entrevista
semiestruturada, norteada por um questionário envolvendo perguntas abertas e fechadas, que
foram elaborados com base na bibliografia estudada (DINIS, 2012; MADUREIRA, 2007; SILVA JÚNIOR,
2010; TOSSO, 2012).
Inicialmente o projeto foi enviado ao Comitê de Ética. Posteriormente, foi solicitada a
autorização das escolas para os/as educadores/as participarem da pesquisa. Para a realização das
entrevistas, os/as participantes assinaram termos de consentimentos livres e esclarecidos. Bem
como, foi aplicado um questionário com questões abertas e fechadas sobre Diversidade Sexual e
Homofobia nas escolas e questões com os dados sociodemográficos (idade, sexo, religião, graduação,
tempo de atuação docente) dos/as participantes. Finalizando com a entrevista semiestruturada.
Os dados obtidos foram organizados por meio da análise de conteúdo que constitui: um
conjunto de técnicas que utiliza procedimentos sistemáticos para descrever os conteúdos de um
texto e realizar inferências que permitam uma interpretação da realidade fundamentada nos
objetivos e na teoria que embasam a pesquisa (BARDIN, 2011),
Nesse viés, para a análise de conteúdo dos dados foi empregada a modalidade categorial
temática, que consiste em desmembrar o texto em unidades de sentido, ou seja, são determinadas
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as principais opiniões, crenças e tendências encontradas nas respostas das entrevistas abertas, e
posteriormente essas unidades serão agrupadas em categorias de análise (BARDIN, 2011).
A análise de conteúdo temática foi norteada pelas seguintes etapas operacionais (BARDIN,
2011): Constituição do corpus, formado pela transcrição das entrevistas; Leitura flutuante, que
consiste na leitura superficial das transcrições para absorver os dados obtidos; Codificação e
recortes, para decomposição do corpus e a codificação dos temas, com agrupamento do material em
categorias e subcategorias; Composição das unidades temáticas obtidas a partir da relação com as
categorias codificadas e validadas; Categorização, que refere-se a classificação das unidades
temáticas com base nas categorias empíricas codificadas e validadas; Descrição das categorias, que
consiste na discussão e análise detalhada da categorização com base na teoria e no objeto de estudo,
e por fim os resultados da análise servirão para delimitar as concepções (SARAIVA, 2007) dos/as
educadores/as acerca da diversidade sexual e da homofobia na escola.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos evidenciaram que os/as educadores/as entrevistados/as possuem
concepções reducionistas acerca da sexualidade e em consequência não apreendem de forma
efetiva a diversidade sexual e nem a amplitude da homofobia, isso é justificado devido à carência
dessas temáticas na formação docente. Nesse viés, a maioria acaba se omitindo diante de práticas
homofóbicas “sutis”, até por não perceberem a dimensão de tais ocorrências na vida dos/as jovens
com identidades sexuais e de gênero destoantes da heteronormatividade que permeiam o espaço
escolar, mas que, na maioria dos casos, são invisibilizados/as. Por conseguinte, desvelou-se a
ocorrência de agressões verbais, psicológicas e físicas no espaço escolar, perpetradas contra jovens
que destoam do padrão heteronormativo.
DESCONHECIMENTO ACERCA DA DIVERSIDADE SEXUAL E OMISSÃO DA HOMOFOBIA NA ESCOLA
Sobre a formação docente no quesito das temáticas sexualidade e diversidade sexual
percebe-se que os/as participantes não tiveram nenhuma disciplina que abordasse de modo claro e
significativo, bem como não participaram de nenhum curso ou formação continuada, todavia alguns
disseram ter visto apenas a dimensão biológica da sexualidade (a questão reprodutiva, genética). O
que pode ser vislumbrado nas falas a seguir:
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Minha formação docente foi puramente, puramente acadêmica, puramente formal. Creio que não
tenha, não... não tenham sido aberto espaços para que temáticas como essas fossem discutidas,
fossem trabalhadas.” (Prof. Maurício)
“Não, não tive nenhuma. Nenhuma palestra, nenhum curso a respeito desses temas [...]. Na disciplina
sociologia foi abordada alguma coisa sobre a sexualidade, porém ficou a critério dos alunos
montarem seminários [...]” (Prof.ª Pâmela)
O desconhecimento acerca da sexualidade e da diversidade sexual, bem como das diversas
formas de violências homofóbicas acaba contribuindo para a negação ou mesmo conformismo
acerca dessas práticas que permeiam o âmbito escolar, visto que por não reconhecerem as graves
consequências que os preconceitos, discriminações e estereótipos perpetrados contra indivíduos
com identidades sexuais e de gênero fora do modelo heteronormativo podem ocasionar para estes e
para a sociedade de um modo geral. Nesse sentido, é notável no discurso dos/as docentes que a
homofobia é caracterizada somente como agressões e que as piadinhas e apelidos pejorativos não
são consideradas violências homofóbicas, a saber:
[...] Então, em relação à homofobia propriamente dita assim ao crime não muito. Mas só o
preconceito mesmo, quando a pessoa não tá fica falando com ela assim: Ah! Aquele “viadinho”,
mangando. (Prof.ª Sabrina).
[...] Mas, nunca presenciei agressão física e mesmo agressão verbal ficou na base das piadas e dos
apelidos. Nunca presenciei também algo mais sério. (Prof. Uilson)
[...] Eu no momento interpretei como bullying... né. Essa mangação. Às vezes nem é, mas fica é:
“Viadinho! Ói, a bichinha! Não sei o quê.” Ou até mesmo com o professor. Eu vejo quando o professor
passa e dizem assim: “Ei, você é bichinha!” “Olha o caminhado dele!” [...] (Prof.ª Pâmela)
Em contraponto, é proferido que a homofobia envolve diferentes práticas de preconceito e
discriminação expressas em diversos âmbitos sociais, por meio de distinções, exclusões, restrições ou
preferências que anulam e prejudicam o reconhecimento e o exercício pleno da cidadania por parte
da diversidade sexual. É acrescentado que a gravidade da homofobia não consiste somente nas
práticas de violência física, mas também nas manifestações da violência não física, presente nos
insultos, nas piadas, na linguagem cotidiana, entre outras manifestações que violam direitos
humanos básicos e essenciais Assim, a homofobia representa um ato violento e criminoso não
apenas quando envolve agressões físicas, mas, sobretudo por transgredir direitos humanos e sexuais
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de um indivíduo que é julgado inferior apenas por sua identidade sexual e/ou de gênero ser contrária
as normas sociais impostas de forma arbitrária (BORRILO, 2009; RIOS, 2009).
Com efeito, na maioria dos casos, foram notificadas práticas de homofobia “sutil”
envolvendo insultos, apelidos pejorativos, ameaças e exclusões decorrentes dos estereótipos de
gênero. Ademais, foram desveladas situações de discriminação, silenciadas, negadas e até
compartilhadas por educadores/as, denotando a presença de estereótipos e preconceitos
recorrentes em torno da diversidade sexual, ocasionados por diversos fatores socioculturais e pela
carência dessas temáticas na formação docente inicial e continuada.
Nessa direção, alguns/as educadores/as deixaram evidente que se omitem diante de
situações de preconceitos e discriminações contra a diversidade sexual, cometidos pelos/as próprios
colegas de profissão ou alunos/as. Tal visão pode ser observada nos seguintes registros:
É complicado você chegar para uma pessoa que tem esse tipo de pensamento fechado e
você colocar o seu que é um pouco mais aberto, aí às vezes ficam falando, pensando mal de você, ou
até mesmo uma grosseria ou um clima chato. (Prof.ª Sabrina)
Porque eu não gosto de interferir em opinião feita, porque é como religião... Tem
pessoas que... Tem pessoas que quer interferir, né? Por exemplo, eu sou católica e
você é evangélica aí você quer fazer uma lavagem cerebral e, eu, eu acho que a
diversidade sexual é dessa mesma forma. Pois se você é homofóbico, você chega e
declara... é: “Isso é coisa de gente doente!” [...] eu não gosto de discussão... (Prof.ª
Pâmela)
Sabe-se que é bastante difícil abordar a questão da diversidade sexual no espaço escolar, já
que a sociedade considera normal, isto é, aceita apenas as relações entre pessoas de sexos opostos,
ou seja, a heteronormatividade, que precisa urgentemente ser desconstruída. No entanto, como
esse assunto é pouco discutido no âmbito escolar acredita-se que a concepção da
heteronormatividade também é compartilhada pela escola, e essa falta de informação, esse
desconhecimento acaba contribuindo para discriminações e diversas violências contra a diversidade
sexual, sobretudo a privação de direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão
sexual e o direito à informação. É enfatizado que a omissão de um assunto tão importante, que
necessita ser esclarecido no espaço escolar acaba reforçando e validando práticas homofóbicas
(CAVALEIRO, 2009; DINIS, 2011; LOURO, 2009).
Por isso, os/as docentes devem ser qualificados/as, seja na formação inicial e/ou
continuada, para que estejam aptos/as a desempenhar seu papel no combate a homofobia e todas
as formas de preconceitos e discriminações que permeiam o espaço escolar, já que a escola deve ser
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também um ambiente de formação de cidadania e de reafirmação dos direitos humanos (DINIS,
2011).
Sobre as práticas homofóbicas cometidas no espaço escolar, apesar de alguns/mas
docentes terem respondido em uma questão que não testemunharam casos, na questão que tinha
as alternativas, foi predominante o relato da ocorrência de piadinhas e apelidos pejorativos, mas
também foi destacado a incidência de insultos e zombarias; humilhações, exclusões e até ameaças,
porém quase não foi notificado a ocorrência de agressões físicas.
Destarte, é notável a presença da homofobia indireta que é manifestada na escola,
sobretudo através apelidos pejorativos (“viadinho”, “sapatona”, “machão”, “boiola”, etc.) contra
jovens que diferem do modelo hegemônico de masculinidade e feminilidade. Visto que, além das
identidades sexuais não heterossexuais, os estereótipos de gênero também ocasionam práticas
homofóbicas, que em muitos casos são até tidas como “naturais” ou “inofensivas” pelos/as docentes
e pela escola.
Os relatos destacam que quaisquer atitudes e comportamentos diferentes das identidades
sexuais e de gênero hegemônicas geram violências contra indivíduos que são ridicularizados,
marginalizados e segregados no ambiente escolar, o que representa a violação de uma série de
direitos humanos imprescindíveis, portanto a homofobia precisa urgentemente ser combatida em
todas as suas faces.
HOMOFOBIA E A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Com relação aos direitos humanos da população LGBT, notou-se uma divergência entre
os/as educadores/as, visto que alguns/mas afirmaram que não concordam com a adoção e/ou união
civil entre homossexuais.
Não, isso vai de encontro aos meus princípios religiosos. (Prof.ª Roberta)
Sim. Pois cada um tem sua opção de escolha na convivência com o outro. (Prof. Antônio)
Não. Infelizmente ou felizmente ainda tenho esse único medo de receio, por ser católica e temer
perante Deus. [...] (Prof.ª Camila)
Nesse viés, é vislumbrada a manifestação da homofobia cognitiva ou social, que apesar de
pregar a tolerância com relação a identidades sexuais que destoam do modelo heterossexual,
defendem a manutenção da diferença de direitos humanos e sexuais. (BORRILO, 2009; TOSSO, 2012).
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Vale enaltecer, que a falta dessas temáticas na formação docente e a influência da religião contribui
de forma bastante significativa para essa concepção contrária a equidade de direitos entre todos os
indivíduos, independente da identidade sexual.
A equidade entre os direitos humanos e sexuais da diversidade sexual apesar de ser
bastante complexa e exigir diversas políticas públicas e ações interventivas dos diversos movimentos
e instâncias sociais (como a escola) pode começar a ser resolvida na prática. Para tanto, o
reconhecimento dos direitos civis da comunidade LGBT seria o primeiro passo, pois se todos são
iguais perante a lei, é inadmissível que o Estado trate de maneira diferente lésbicas, gays, bissexuais,
transgêneros e heterossexuais. Portanto, para o enfrentamento da homofobia um requisito
fundamental que precisa ser compreendido e colocado em prática é que nenhum indivíduo pode ser
discriminando por causa da orientação afetivo-sexual ou identidade de gênero (RODRIGUES, 2011).
Ademais, quando os/as educadores/as foram indagados/as acerca de suas atitudes caso
um/a aluno/a lhes contasse que sofreu insultos porque estava andando de mãos dadas com um/a
colega do mesmo sexo, ficou evidenciado nas falas de alguns docentes, além da ideia errônea de
“opção sexual”, certa normatização à medida que tentaram justificar que a sociedade ainda não está
preparada para tanto, e que deve haver paciência ou evitar tal gesto em público.
Diria para que ele tivesse paciência, pois, a sociedade não é de um todo preparada e capaz
de aceitar diferentes opções sexuais das dela. (Prof.ª Pâmela)
Falaria, que mesmo apoiando, era melhor evitar andar assim, pois é melhor evitar esse tipo
de coisa. (Prof.ª Sabrina)
Essa omissão corrobora com a privação da liberdade de expressão sexual, um direito
humano fundamental para a vivência plena da sexualidade (RIOS, 2010), visto que não somente a
heterossexualidade que também compõe a diversidade sexual, mas todas as outras múltiplas
expressões de identidades sexuais e de gênero podem ser manifestadas nos diversos âmbitos sociais,
inclusive na escola, onde a democracia e o exercício pleno da cidadania devem ser reafirmados, e
isso inclui a liberdade de expressão das sexualidades.
Tais representações deixam evidente o silenciamento e a omissão acerca das práticas
homofóbicas cometidas contra a diversidade sexual, e desse modo, reforçam a ideia de que as
identidades sexuais não condizentes com a heteronormatividade devem ser invisibilizadas para que a
norma seja mantida (LOURO, 2007). Além disso, observa-se que é constante o uso de termo “opção
sexual”, nesse sentido, os/as docentes precisam compreender que o desejo sexual não se trata de
uma escolha consciente do indivíduo, uma vez que é resultado de um complexo processo de
construção social, assim o termo orientação afetivo-sexual é mais adequado para se referir as
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diferentes formas de desejos de ordem afetiva e sexual (COSTA, 1994; HENRIQUES et al., 2007). Cabe
reforçar que a carência das temáticas sexualidade e diversidade sexual na formação docente inicial e
continuada aliada a outros fatores socioculturais e religiosos constituem um dos principais fatores
que originam concepções equivocadas acerca desses temas.
Diante de tudo isso, infere-se que para o reconhecimento dos direitos humanos e sexuais
da diversidade de sujeitos com identidades sexuais e de gênero divergentes do padrão
heteronormativo, é fundamental que haja além da inclusão efetiva desses temas na formação
docente inicial e continuada, um engajamento entre as esferas jurídicas, públicas e sociais na luta
contra a homofobia e em prol da equidade e liberdade de manifestações das sexualidades.
CONCLUSÃO
Portanto, é necessário adotar estratégias pedagógicas que permitam o questionamento dos
padrões heteronormativos, o (re)conhecimento e a garantia de expressão das diversas identidades
sexuais e de gênero. Visando desestabilizar a homofobia na escola e garantir a equidade dos direitos
humanos e sexuais.
Para tanto, os/as docentes devem ser capacitados/as, seja na formação inicial e/ou
continuada, para desempenharem seu papel no combate a homofobia e todas as formas de
preconceitos e discriminações que permeiam o espaço escolar, já que a escola deve ser um ambiente
de formação de cidadania e de reafirmação dos direitos humanos.
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ANAIS DO VI FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES E
II CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
ISSN 2176-7033
28 a 30 de novembro de 2013
UFS–Itabaiana/SE, Brasil.
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VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS: O CASO DA HOMOFOBIA NAS ESCOLAS