APLICAÇÃO DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL sumário expositivo: localização temática; formas de isonomia; formas de aplicação. Logo, o intérprete e a autoridade pública não poderão aplicar as leis aos casos fáticos de forma a criar ou aumentar as desigualdades. Salienta Alexandre de Moraes que o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas.(1) 3. formas de aplicação 1. localização temática Inserto no “caput” do artigo 5º do Encarte Republicano, o Princípio da Isonomia Constitucional inaugura o título dos Direitos Fundamentais não por mero deleite do acaso. Dotado de eficácia plena e aplicabilidade imediata pelo próprio texto constitucional (art. 5º § 1º), esse preceito emana sua força orientadora sobre os demais princípios e tem o condão de revogar todas as normas que com ele sejam conflitantes. 2. formas de isonomia A didática doutrinária divide o conteúdo jurídico da Isonomia Constitucional em dois principais seguimentos – a igualdade formal ou jurídica e a igualdade material. A igualdade formal identifica-se como sendo a vinculação que afeta o legislador a produzir normas cujo conteúdo não estabeleça distinção entre os destinatários da lei produzida. Noutro dizer, é o que se chama de igualdade na Lei, eis que o conteúdo da mesma não pode, sob pena de eivar-se de inconstitucionalidade, promover uma diferença desarrazoada entre os administrados. Em outro plano, há o sentido material da Isonomia Constitucional. Este, por sua vez, assenta-se no dever que os interpretes e aplicadores das normas têm, de respeitar os iguais nas suas igualdades e os desiguais nas suas desigualdades. É o que se denomina de igualdade perante a Lei, uma vez que a Isonomia material se implementa em momento cronologicamente posterior à elaboração da Lei, por meio da aplicação do direito ao caso concreto. Outrossim, para a escorreita aplicação da Isonomia Constitucional em seu sentido material, fático, concreto, existe uma técnica de ponderação de normas que perpassa pelos critérios de origem, raça, cor, sexo, e idade. Esses elementos compõem a denominada Classificação Suspeita. Assim é conhecida pela doutrina, pois, presumidamente, esses critérios afrontam o princípio da Isonomia Constitucional. Celso Antônio Bandeira de Mello os alcunha de “critérios discrímen”(2), eis que, geralmente, fundamentam a discriminação entre os concidadãos. Ocorre que esses parâmetros são citados pelas leis e estão dispostos inclusive no Encarte Federal, justamente pelo fato de serem muito utilizados nas relações humanas. Idade, sexo, cor, etc., são elementos fundamentais para se identificar uma pessoa e fazem parte da vida cotidiana comunitária. Deste modo, o princípio constitucional da Isonomia não aspira erradicá-los da vida social, mas, tão somente, orientar para sua correta e ponderada utilização. Dessume-se, portanto, que referidas balizas podem ser aplicadas tanto pelo legislador, quanto pelo jurista que atua faticamente. Entretanto, existe um mecanismo constitucional que busca a escorreita aplicação dos critérios de discrímen e que deve ser observado para que se não afronte o princípio da Igualdade. Tal engenho consiste em submeter os referenciais de discriminação a dois filtros axiológicos implícitos ao princípio do Devido Processo Legal. O primeiro filtro é o princípio da razoabilidade; o segundo é o princípio da proporcionalidade. A razoabilidade verifica se houve inteligência, coerência e racionalidade na utilização da idade, do sexo ou outro elemento qualquer, como fundamento para a destinação seletiva da norma. Por sua vez, a proporcionalidade afere se houve adequação, necessidade e justiça, além de vedar os excessos na utilização dos critérios discriminatórios. Neste propósito, Luís Roberto Barroso dedicou uma obra ao assunto intitulada “Interpretação e Aplicação da Constituição”, onde leciona que: “a atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie.”(4) Assim, após esse processo valorativo que garante a constitucionalidade da lei e de sua aplicação, é possível que a cor, o sexo, a idade e outras características fundamentem uma discriminação. É permitido, então, que a lei separe algumas pessoas das demais e acometa a elas determinadas restrições ou privilégios. É possível, ressalte-se, desde que não seja desproporcional ou desarrazoado. Seguindo-se os ensinamentos do autor, percebe-se que o princípio genérico que estrutura o presente tema é o da Isonomia Constitucional. Os mais específicos, que possibilitam a aplicação do mais genérico, são os da razoabilidade e da proporcionalidade. Agora, cumpre a todos nós, independentemente da profissão que exercemos em nosso cotidiano, realizar a aplicação da Isonomia Constitucional. Um exemplo concreto de aplicação deste mecanismo que retira a suspeição dos critérios de discriminação, é o enunciado 683 do Pretório Excelso que dispõe: “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.” (3) Esse verbete utiliza a idade como critério de seleção de algumas pessoas. Não resulta inconstitucional, pois está presente a razoabilidade e proporcionalidade, quando da ressalva de que a natureza do cargo pode justificar a restrição de algumas pessoas. Outro exemplo, agora mais conturbado, é a criação das “ações afirmativas”, affirmative action, que são políticas compensatórias de discriminação ao reverso, reverse discrimination. Ou seja, diante de tantos anos de discriminação racial, surgem, como corolário destas ações afirmativas, políticas Estatais de cotas públicas que buscam compensar a exclusão operada. Por derradeiro, é necessário refletir que, tão importante quanto conhecer os momentos legislativos e históricos em que houve a implementação da Isonomia e, por conseguinte, a Constituição da República foi respeitada, é ter a exata noção do mecanismo pelo qual se emprega a Isonomia no mundo dos fatos, na vida concreta, na realidade prática das pessoas. 3 Dante D’Aquino é proprietário do escritório Dante D’Aquino Advocacia, especialista em direito constitucional com linha de pesquisa em Processo Penal, mestrando em direito, Professor de Processo Penal da Universidade Tuiuti do Paraná e do Curso Prof. Luiz Carlos. [email protected] (1) MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 67. (2) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1997. (3) CF – “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social; XXX: proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;” (4) BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 5. ed. São Apulo: Saraiva, 2003, p. 151.