CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
NATHÁLIA FURTADO GURGEL
A SOBREVIVÊNCIA E A PERMANÊNCIA DE UMA FUNDAÇÃO PÚBLICA:
UMA ANÁLISE A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS
SERVIDORES PÚBLICOS DO NUTEC
FORTALEZA
2014
NATHÁLIA FURTADO GURGEL
A SOBREVIVÊNCIA E A PERMANÊNCIA DE UMA FUNDAÇÃO PÚBLICA:
UMA ANÁLISE A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS
SERVIDORES PÚBLICOS DO NUTEC
Monografia submetida à Coordenação do
Curso de Serviço Social do Centro de
Ensino Superior do Ceará como requisito
parcial à obtenção do título de graduado em
Serviço Social.
Orientador:
Benevides
FORTALEZA
2013
Mário
Henrique
Castro
G978s Gurgel, Nathália Furtado
A sobrevivência e a permanência de uma fundação pública:
uma análise a partir da participação política dos servidores
públicos do NUTEC / Nathália Furtado Gurgel. Fortaleza – 2013.
68f.
Orientador: Prof.º Ms. Mario Henrique Castro Benevides.
Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Serviço Social, 2013.
1. Estado. 2. Sindicalismo e Associação. 3. Trabalho. I.
Benevides, Mario Henrique Castro. II. Título
CDU 36
Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
NATHÁLIA FURTADO GURGEL
A SOBREVIVÊNCIA E A PERMANÊNCIA DE UMA FUNDAÇÃO PÚBLICA:
UMA ANÁLISE A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS
SERVIDORES PÚBLICOS DO NUTEC
Monografia como pré-requisito para
obtenção do título de Bacharelado em
Serviço Social, outorgado pela Faculdade
Cearense – Fac, tendo sido aprovada pela
banca examinadora composta pelos
professores.
Data de aprovação: ____/____/______
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Professor Ms. Mário Henrique Castro Benevides
(Orientador)
_____________________________________________
Profa. Ms. Jane Meyre Silva Costa
Universidade Estadual do Ceará
____________________________________________
Profa. Ms. Sandra Costa Lima
Universidade Estadual do Ceará
AGRADECIMENTOS
À minha família por suportar com paciência a minha ansiedade e as minhas
ausências, em especial a minha mãe e pai que sempre serão exemplos de persistência,
dedicação e amor.
Aos meus irmãos, que entre uma brincadeira e outra me estimularam para
que este trabalho fosse concluído.
Aos meus companheiros de trabalho/estágio que entrevistei, pelo tempo
despendido comigo para o fornecimento das informações necessárias, presentes,
sobretudo, em suas memórias. Em especial a minha coordenadora Cleine Pinto, que
estimulou e fez acender um olhar mais crítico sobre a realidade estudada além de
possibilitar manhã e tardes mais produtivas, regadas de bons papos e demonstrações de
afeto.
Aos meus amigos que compreenderam meu afastamento e que ainda assim,
se fizeram tão carinhosos e pacientes enquanto estive ausente. Aqueles também que
entre um capítulo e outro vieram brindar comigo tornando possíveis dias e noites
agradáveis e mais leves para a continuação da construção deste trabalho.
Às alunas da turma e AMIGAS que me acompanharam ao longo desses
quatro anos de formação, Alba Pinto, Márcia Andrade, Carol Dias, Elenita Silva, Flávia
Linhares, Suelen Vieira, Jordânia da Luz e em especial amiga e irmã Natasha Xavier
que foi e será um presente mandando por Deus para que eu conseguisse discernir sobre
o que queria profissionalmente e pessoalmente. Obrigada pela sua companhia e tamanha
amizade, obrigada pelos banhos de piscinas entre uma prova e outra, entre uma página e
outra, entre um choro e outro, entre uma gargalhada e outra.
Aos docentes da Faculdade Cearense que contribuíram significativamente
para minha formação tanto profissional quanto pessoal. A cada manhã pude
experimentar as doses de vida que trouxeram para os debates e reflexões, em especial
Sandra Lima, Chris Porfírio, Mônica Cavaignac, Richelly Barbosa, Priscila Notty,
Joelma Freitas, em especial ao meu professor orientador Mário Benevides, que veio me
acompanhando acreditando e me apoiando nessa empreitada, obrigada pela sua
disponibilidade e amizade ao longo dessas páginas.
E com muito carinho e afeto, um agradecimento especial a amiga Iris Silva
que com muita paciência, cumplicidade e companheirismo acompanhou, na vida
privada, as loucuras e desventuras que também estiveram presentes na elaboração desse
texto. Que participou indiretamente acreditando e me apoiando. Compreendendo os
motivos de minha ausência e minhas necessárias escapulidas para aliviar as tensões da
realidade. Íris, obrigada!
A Deus, por todas as coisas.
“Como minha finalidade é a de escrever
coisa útil para quem a entender, julguei
mais conveniente acompanhar a realidade
efetiva do que a imaginação sobre esta.”
(Maquiavel)
“É preciso auto-disciplina interior,
maturidade intelectual, seriedade moral,
senso de dignidade e de responsabilidade,
todo um renascimento interior do
proletário. Com homens preguiçosos,
levianos,
egoístas,
irrefletidos
e
indiferentes não se pode realizar o
socialismo.”
(Rosa Luxemburgo)
RESUMO
O trabalho ora apresentado objetiva tratar sobre alguns elementos
fundadores da ideia de associação de trabalhadores no Estado do Ceará, bem como
entender o que motiva a participação dos mesmos na Associação dos Servidores do
Nutec e como se repercute tendo em vista sua visão enquanto classe trabalhadora. Para
facilitar a compreensão do assunto, o seu conteúdo foi dividido em três capítulos
sequenciais, que tratam, primeiro sobre a questão da administração pública e a
burocracia, trazendo elementos sobre a construção do Estado Moderno brasileiro e seus
desdobramentos; em seguida, sobre a questão da reestruturação produtiva e seus
impactos na organização sindical; e por último, sobre a história da criação da instituição
Nutec, bem como as respectivas formas de luta implementadas pelos servidores do
órgão na tentativa de defendê-lo para a sobrevivência e permanência da instituição. Para
o desenvolvimento deste trabalho fizemos uma pesquisa, em sua maior parte,
documental, além da realização de entrevistas e aplicações de questionários, nos sendo
permitido concluir que os atores das diversas formas de resistência foram de fato os
servidores, aglutinados na sua associação de classe, a Asnut, e que essas resistências não
se limitaram apenas ao nível de reivindicação corporativista, mas que avançaram para
uma manutenção e revitalização do próprio Nutec como entidade pública, embora
permaneça uma árdua e severa prática de desorganizar a classe, assim, desorganizando
também a associação.
Palavras-chaves: Estado. Sindicalismo e Associação. Trabalho.
ABSTRACT
This work presents has the objective to show the deal of some elements founders
of idea of workers’ association in the State of Ceará, as well as understand what
motivates their participation in the Serves’ Association of Foundation Nucleus of
Industrial Technology of Ceará (Nutec) and how it affects considering your vision while
working class. To facilitate the understanding of the subject, the content of work has
been divided into three sequential chapters, dealing first on the question of public
administration and bureaucracy, it bringing elements about the construction of the
Brazilian Modern State and its consequences; then the question of productive
restructuring and its impact on union organizing; and, finally, about the history of the
creation of the institution Nutec, and theirs forms of struggle implemented by the
servers of the agency in an attempt to defend it for survival and permanence of the
institution. For the development of this work we made the research, for the most part,
using documentary, besides conducting interviews and questionnaires applications, so
we conclude that the actors of the various forms of resistance were in fact the servers,
agglutinated in their class association, the Servers’ Association of Nutec (Asnut), and
that resistance is not limited only to the level of corporatist demands, but that moved
towards maintenance and revitalization of Nutec itself as a public entity, although it
remains an arduous and severe practice of disrupting the class, thereby also disrupting
the association.
Keywords: State. Syndicalism and Association . Labor.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9
2. A QUESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO, O ESTADO BRASILEIRO E A
BUROCRACIA ................................................................................................ 19
2.1 A QUESTÃO DA ADMINITRAÇÃO PÚBLICA .................................. 19
2.2 UMA BREVE ANÁLISE DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO.. 21
2.3 A BUROCRACIA E SEUS DESDOBRAMENTOS ............................... 26
3. AS TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS NO ESTADO MODERNO
BRASILEIRO E O SINDICALISMO BRASILEIRO ................................. 30
3.1 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O SINDICALISMO .......... 30
3.2 O SINDICALISMO NO SETOR PÚBLICO .......................................... 39
4. O CASO DA FUNDAÇÃO NUTEC E DA ASSOCIAÇÃO DOS
SERVIDORES DO NUTEC .......................................................................... 42
4.1 OS
PERCURSOS
HISTÓRICOS:
DO
CRESCIMENTO
AO
DECLÍNIO ................................................................................................. 42
4.2 A ORGANIZAÇÃO DOS SERVIDORES, SURGIMENTO DA ASNUT
...................................................................................................................... 54
4.3 UMA ANÁLISE DA ATUAL CONJUNTURA DO NUTEC E DA
ASNUT ........................................................................................................ 60
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................67
9
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto central a participação política dos
servidores públicos da Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec) a
partir da sua organização por meio da Associação dos Servidores do Nutec (Asnut). O
Nutec foi criado no Estado do Ceará desde 1978, visando a produção, geração e
transferência de tecnologias de fácil absorção voltadas para o meio produtivo cearense e
a comunidade estadual como um todo, especialmente no interior do Estado. Contudo, a
Instituição sofreu várias formas de ataques no sentido de sua extinção ou privatização,
sob a égide do marco político no Ceará conhecido como “Governo das Mudanças” a
datar de 1987 a 2002.
O Nutec enquanto Instituto de Pesquisa Tecnológica, que tem na geração e
aperfeiçoamento de tecnologias a sua principal atividade, e cuja natureza de atuação, é
desenvolver atividades e projetos, além de prestar serviços com alto valor agregado, que
dependem fundamentalmente de componentes como conhecimento, estratégia e
qualidade, encontra-se no centro de uma poderosa correlação de forças.
A Associação dos servidores do Nutec – Asnut, na condição de entidade
representativa dos interesses da categoria, considerando que o interesse coletivo de
maior relevância para seus representados é a defesa da instituição que compõem, e
reconhecendo a importância da instituição para o desenvolvimento do Estado e a
melhoria da qualidade de vida da população, iniciou, ainda nos primeiros anos de sua
criação, logo que sentiu a ansiedade dos servidores por encontrar caminhos para a
reconstrução e revitalização do Nutec, um processo de luta incansável, tendo
implementado diversos movimentos pela revalorização e reconstrução do órgão.
Embora tenham sido promovidos movimentos em defesa de causas
corporativas dos servidores, como reivindicações por reajustes salariais, plano de cargos
e carreiras, auxílios para alimentação e transportes, dentre outros, o núcleo da luta
esteve focalizado, historicamente, na defesa da continuidade da instituição enquanto
patrimônio público, oferecendo forte resistência contra as frequentes investidas do
governo de privatizar o Nutec.
Ciente da importância da construção de um diálogo produtivo e coerente
com as formulações teóricas prévias, que circunscrevem e delimitam minhas hipóteses,
10
procuro aqui desenvolver uma proposta metodológica que me possibilite, efetivamente,
encontrar e acompanhar os sujeitos que integram o meu objeto.
Nesse sentido, um primeiro procedimento necessário foi realizar uma
pesquisa de campo junto à Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do CearáNUTEC- no qual fica localizada a sede da Associação dos Servidores do Nutec –
ASNUT-, compreendendo e investigando a mobilização social e política dos servidores
públicos junto à ASNUT para sobrevivência e permanência do NUTEC. Paralelamente
a esta pesquisa, pretendo desenvolver uma análise reflexiva e crítica das categorias que
rodeiam o meu objeto de pesquisa que são: mobilização dos sindicatos e associações,
Estado, relação de trabalho e serviço público.
Trata-se de construir um trabalho que siga os agentes observados pelos
trajetos, em meio aos cenários do NUTEC, buscando observar as relações que os
mesmos estabelecem nos espaços, bem como os usos diferenciados que fazem dos
equipamentos do local de trabalho.
A pesquisa foi realizada numa perspectiva eminentemente qualitativa de
observação das sugestões advindas da interação com o campo, no qual o pesquisador
terá uma atuação marcada pela observação participante e análise dos dados coletados.
O percurso de escolha de sujeitos a serem pesquisados, do número de
entrevistas, serão definidos a partir do campo de pesquisa. Desde que entrei no Nutec
comecei a observar mais os espaços e as pessoas a serem pesquisadas, estabelecendo,
portanto, critérios para tal aproximação. Farei uso de dois tipos de instrumentais: 1Entrevista, no qual foi estabelecido o seguinte critério – Ser ou ter sido presidente da
Asnut e esteja ativo e lotado na Instituição; 2-Questionário, que será aplicado a todos os
servidores associados à ASNUT e que estejam ativos na Instituição. Os critérios foram
estabelecidos para que não inviabilizasse a pesquisa e que seu percurso obtenha
melhores resultados no tempo previsto para sua conclusão, bem como a
indisponibilidade de contatar associados aposentados.
No entanto, a pesquisa não se realiza sem um direcionamento do
pesquisador, que vai ao campo em busca de algo que deseja compreender. Assim, não
se deve confundir o olhar aberto para perceber as pistas do campo com a falta de um
direcionamento. Os rumos da pesquisa são definidos por um “investigador munido de
11
um conjunto de problemas que deseja submeter ao escrutínio da razão” (Da Matta,
Roberto. p. 160).
Considero a minha permanência no NUTEC e as relações de proximidade
fundamentais para a realização de uma pesquisa qualitativa. Vale salientar que no
período que corresponde o início da pesquisa até sua conclusão estive estagiária da
Instituição na Unidade de Serviço Social.
Tenho consciência das dificuldades metodológicas de um estudo complexo
e instigador proposto por esta pesquisa que passam por redefinições nos momentos da
pesquisa e da dificuldade de apreender suas estruturas, bem como assimilar e tornar
consciente as nuances que irão desabrochar na conjuntura que se pretende investigar.
Para que o trabalho possa se realizar com uma objetividade científica, venho
fazendo uma seleção de textos que possam auxiliar na minha conduta em campo e na
minha metodologia. Como primeiro passo, escolho dialogar com o texto do antropólogo
Gilberto Velho intitulado “O desafio da proximidade”.
Esse artigo escrito por Gilberto Velho é fruto da sua pesquisa em
Copacabana junto a moradores residentes num prédio de apartamentos conjugados. Esse
trabalho resultou na sua dissertação de mestrado e no livro intitulado A Utopia Urbana.
No artigo, o autor procura refletir sobre os problemas teóricos-metodológicos oriundos
de se pesquisar um objeto familiar ao pesquisador, ou seja, refletir sobre proximidade e
distância, familiaridade e estranhamento.
Penso ser bastante oportuna a reflexão que o autor faz para pensar e orientar
minha inserção em campo. Durante sua trajetória de pesquisa no Edifício estrela, em
Copacabana, ele nos afirma que se baseou, sobretudo, na observação direta e no contato
permanente com os moradores e com a vida do prédio em geral. “Conversei com as
pessoas e assisti a conflitos e dramas de todos os tipos”. (VELHO. 2003. p. 14) partindo
dessa reflexão, penso está numa posição privilegiada, pois tenho acessos cotidianos a
vários assuntos do NUTEC e da ASNUT. Não somente observo diretamente os eventos
cotidianos, como, também, coleto opiniões das pessoas envolvidas diretamente nas
atividades políticas do órgão completando minha observação participante (Malinowski).
Esse movimento não é tão apreciável pela academia, e nem é aconselhável a
pesquisadores iniciantes. Muitas vezes somos aconselhados a escolher temas que não
12
tenhamos tanta proximidade. No entanto, o autor nos mostra que é possível, a partir de
um movimento intelectual, estranhar aquilo que nos é familiar. “Tarefa nada trivial e,
com certeza, nem sempre bem-sucedida”. (VELHO, 2003. p.15). A dificuldade de
desnaturalizar noções, impressões, categorias, e classificações que constituam minha
visão de mundo sobre trabalho e posição política serão permanentes.
Essa perspectiva é fundamental durante minha pesquisa de campo, pois
entrevistei indivíduos com discursos e práticas de crítica e inovação dentro do NUTEC
e da ASNUT. Esses indivíduos ocupam determinados espaços dentro do órgão e da
sociedade cearense. Será um dos meus desafios situá-los dentro desse mapa de relações
sociais que Gilberto velho se refere, derivando daí a importância do estudo de projetos
individuais e coletivos nos quais as possíveis contradições e ambiguidades, provindas
dos multipertencimentos, apresentam-se, pelo menos em parte, subordinadas a uma ação
racional.
Ao mesmo tempo, é, esse multipertencimento, que permite ao antropólogo
[pesquisador] pesquisar sua própria sociedade e, dentro dela, situações com
as quais ele tem algum tipo de envolvimento e das quais participa(...) As
possibilidades desse empreendimento ser bem-sucedido dependem, sem
dúvida, das peculiaridades das próprias trajetórias dos pesquisadores, que
poderão estar mais inclinados ou aptos a trabalhar com maior ou menor grau
de proximidade de seu objeto. Logo, para variar, não há fórmulas nem
receitas, e sim tentativas de armar estratégias e planos de investigação que
evitem esquematismos empobrecedores. Assim, cada pesquisador deve
buscar suas trilhas próprias a partir do repertório de mapas possíveis
(VELHO,2003.p.18)
Segundo VELHO, podemos, então, considerar que de acordo com a situação
em que se depara o pesquisador, no que diz respeito ao campo da pesquisa, se
estabelece uma correlação de identidade e identificação com o espaço, ainda, alertando
que nesse processo de construção da identificação é o momento em que a pesquisa
estabelece e toma para si, olhares, concepções, análises e dentre outros atributos
oriundos do pesquisador.
Um outro elemento que trago encontra-se no livro “O Poder simbólico”, de
Pierre Bourdieu (1996) que elabora uma teoria geral das classes sociais. O livro é uma
inspiração para um modelo de compreensão dos mecanismos sociais e culturais, que
retira os fatores econômicos do centro das análises da sociedade porque remete as
práticas de consumo culturais a uma estrutura relacional. A abordagem de Bourdieu
(1996), sobre as classes sociais parece frutífera para discutir a questão da posição social
13
do servidor público. Negando a existência de classes sociais, porém concordando com a
existência de relações entre dominantes e dominados, argumenta o sociólogo francês
que classe social é uma categoria abstrata, invisível na realidade, sugerindo como
alternativa analítica o conceito de agente ou classe de agentes que se separam por
diferenças em suas propriedades, práticas, bens possuídos, gostos e estilos de vida,
condicionados socialmente. Diz Bourdieu (1996): “as classes sociais não existem. (...) o
que existe é um espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de
algum modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se
trata de fazer”.
Bourdieu (1996) busca estabelecer desde cedo que as práticas culturais
juntamente com as preferências estão ligadas ao nível de instrução, submetidas ao
volume global de capital acumulado, aferidas pelos diplomas escolares ou pelo número
de anos de estudo e, secundariamente, à herança familiar. Desmistificando a afirmação
de que gosto não se discute, Bourdieu (1996) irá afirmar que gosto se discute, e mais do
que isso, o gosto classifica e distingue, aproxima e afasta aqueles que experimentam os
bens culturais. Porém, de que maneira as preferências culturais dos agentes são
estruturadas? Para o autor isso se inicia com a transmissão do capital cultural inculcado
na escola e aquele herdado pela família, efetuadas de maneira precoce ou através do
aprendizado tardio, ou seja, pelas ações de imposições positivas de valores. As práticas
culturais incentivadas por essas duas instâncias distinguem aquilo que será reconhecido
como gosto legítimo burguês, de classe média ou popular. O gosto, como diz Bourdieu
(1996), é a aversão, é a intolerância às preferências dos outros.
A família e a escola tomadas como mercados simbólicos, funcionam como
espaços instituidores de competências necessárias aos agentes para atuarem nos
diferentes campos. Desta forma, a transmissão dos valores, virtudes e competências,
maneira de ver o mundo simbólico serve de fundamento à filiação legítima de “habitus”
distintos e desiguais, fortalecendo e intensificando a hierarquia do culturalmente aceito
ou execrável porque o “habitus” encontra-se no princípio das afinidades imediatas que
coordenam os encontros e as aquisições sociais.
14
O habitus1 em Bourdieu (1996) é responsável pelas práticas objetivamente
classificáveis, sem, contudo, deixar de ser um sistema de classificação. Além do habitus
estruturar os estilos de vida do campo simbólico, nele encontra-se inserida toda a
estrutura do sistema de condições ou disposições possíveis, fundamentando as estruturas
das diferenças. O habitus é o que faz um agente ser detentor de um gosto, porque as
preferências estão associadas às condições objetivas de existência. Os agentes
apreendem os objetos ofertados simbolicamente através dos esquemas de percepção e
de apreciação de seus Habitus.
Possibilitando a nós, estudantes, compreender que as incessantes
interpretações e revisões das escolhas individuais não são frutos de ordenamentos
isolados ou decorrentes do acaso, a distinção põe em evidência que a lógica intrínseca
aos gostos e preferências culturais é aquela submetida à lógica interna de cada campo
tomado numa relação simbólica.
As distinções críticas das preferências manifestadas pelos agentes são
aplicadas em todo e qualquer ponto da distribuição e reprodução dos Habitus. As
experiências incorporadas do mundo social – a doxa – adesão às relações de ordem
aceitas como evidentes, definem os limites, as posições e os legados daquilo que será
objetivamente pensado nas estruturas das classes sociais. No pensamento de Bourdieu
(1996), o mundo social funciona simultaneamente como um sistema de relações de
poder e como um sistema simbólico em que as distinções minuciosas do gosto se
transformam em base para o julgamento social.
Tomando como exemplo a obra de arte, para ibdem(1996), os bens culturais
possuem uma economia e uma lógica específicas de apropriação que fazem com que
esses bens, em determinado momento, sejam ou não valorados como obras de arte. A
pesquisa de autor aponta para diferentes modos hierarquizados de aquisição da cultura
ligados às classes de indivíduos. Ou seja, uma obra de arte só adquire sentido e só tem
interesse para quem é dotado do código segundo o qual ela é codificada. Partindo dessa
1
É aquilo que confere às práticas sua relativa autonomia no que diz respeito às determinações externas
do presente imediato. O habitus fornece, ao mesmo tempo, um princípio de sociação e individuação:
sociação porque nossas categorias de juízo e de ação, vindas da sociedade, são partilhadas por todos
aqueles que foram submetidos a condições e condicionamentos sociais similares; individuação porque
cada pessoa, tendo trjetória e uma localização únicas no mundo, internaliza uma combinação
incomparável de esquemas. (Bourdieu, 1990 [1980],p.256).
15
premissa, os gostos ou as preferências manifestadas são a afirmação prática de uma
diferença inevitável, pois, são a expressão distintiva de uma posição privilegiada no
espaço social, cujo valor distintivo determina-se objetivamente na relação com
expressões engendradas a partir de condições diferentes.
De acordo com o tipo e o volume de capitais adquiridos – econômico,
social, cultural e simbólico – cada grupo social, em função das condições que
caracterizam sua posição na estrutura social, constitui seu próprio sistema específico de
disposições para a ação – O habitus– composta por esquemas de ação e pensamento
construído pelo acúmulo histórico de experiências de êxito e de fracasso.
As práticas engendradas pelos diferentes habitus apresentam-se como
configurações sistemáticas e funcionam como estilos de vida. Estrutura estruturante que
organiza a percepção do mundo social e, por consequência, funciona como uma força
conservadora que mantém a divisão em classes sociais.
Os esquemas dos habitus devem sua eficácia ao fato de funcionarem aquém
da consciência e do discurso. Logo, o habitus se encontra fora das tomadas do exame e
do controle voluntário – orientando as práticas, dissimula o que seria designado,
erroneamente, como “valores” nos gestos mais automáticos.
As estruturas cognitivas utilizadas pelos agentes sociais para conhecer o
mundo social são estruturas sociais incorporadas, como forma de classificação,
estruturas mentais, formas simbólicas, e, por serem o produto da incorporação das
estruturas fundamentais de uma sociedade, os princípios de divisão são comuns aos
agentes dessa sociedade e tornam possível a produção de um mundo comum a todos os
seus membros.
Nesse contexto, idem (1996), formulará a noção de Habitus e romperá com
o estruturalismo, passando da tentativa de verificação das regras às análises das
estratégias em movimento. Essa noção de estratégia está umbilicalmente relacionada ao
conceito de Habitus, na medida em que as próprias estratégias utilizadas se definem
pelo próprio Habitus individual.
Para OpCit, agimos em função do Habitus, que orienta nossas ações,
entretanto, seguindo as estratégias internas próprias à determinada sociedade, os homens
são capazes de subverter as normas vigentes de uma configuração social, que são as
16
“exterioridades interiorizadas”, ou seja, as estruturas de uma sociedade elaboradas de
acordo com as práticas individuais. Para se compreender um Habitus de um indivíduo, é
preciso analisar sua trajetória individual, ao mesmo tempo em que a história do
ambiente em que vivia. É propriamente este “senso de jogo” capaz de orientar o homem
em suas estratégias individuais no interior de estruturas, em que se define o Habitus
como uma estrutura estruturada que se faz estruturante.
Concluindo, a noção de campo, nos ajuda a romper com as distâncias entre
as lógicas internas e externas de análise. É fato que as obras do autor aproxima-se no
sentido de que buscam a dessacralização da teoria: para o autor, a pesquisa, a análise
dos dados dever-se-ia congregar a teoria perfeitamente.
No tipo de abordagem dos autores, a separação entre os pólos sociológicos
(indivíduo e sociedade) se mostra ineficaz, afinal, na pesquisa empírica será
verdadeiramente impossível separar o homem de seu tempo.
Assim, partindo da perspectiva teórico-metodológica de Bourdieu é possível
pensar o campo identitário do trabalhador como os demais campos do espaço social,
definindo-se e funcionando de forma relacional. Para Bourdieu os atores inseridos em
um campo, constroem e se ajustam a uma lógica particular, através de alianças, lutas e
conflitos, num confronto de posições e relações estabelecidas pelo contínuo jogo, onde
estratégias de conservação ou de transformação são estabelecidas.
Articuladas entre si, identidade social ou do trabalhador e campo social são
simultaneamente elementos históricos que expressam assim, a proposta de Bourdieu
(1996) ao afirmar que um campo é o resultado da luta travada na dialética entre as
dimensões internas e externas.
Assim, partindo de Bourdieu (1996), é possível uma análise que capte as
nuances das construções relacionais das identidades individuais e sociais. O autor
compreende o mundo social como um espaço plural, ou seja, o espaço não é um “pano
de fundo” dos objetos, nem se define por uma distância linear entre os mesmos. O que
existe é um espaço de relações.
Portanto, se a condição de campo é relacional e histórica, se torna possível
tentar entender as relações estabelecidas na Associação dos Servidores Públicos do
Nutec, não de forma estática e definitiva, mas partindo das articulações que em um
17
determinado momento do tempo o campo estrutura em conjugação com os outros
campos e com o espaço social. A identidade entendida como campo teria a dimensão de
seu funcionamento representada pelo alcance da relação entre o que lhe é colocado e a
forma como ela se articula.
As relações que me levaram a buscar entender as relações estabelecidas
entre servidores associados e seus exercício políticos estão na relativa aproximação que
tenho com eles, pelo fato de estar estagiária do Nutec no setor de Serviço Social, desde
2012.
Para chegar ao resultado que ora se apresenta, tendo sempre em mente os
acontecimentos das últimas décadas, o ponto de partida foram as hipóteses de que, por
um lado, o governo vinha dando sinais do seu interesse de privatizar o Nutec, os quais
estavam impressos ao longo da história do órgão nesse período, revelados, por exemplo,
em ações que eliminaram a sua natureza jurídica de interesses particulares. Por outro
lado, que o Nutec, a despeito de todas as investidas privatizantes que sofreu, ofereceu
forte resistência, a tirar pela história de luta desenvolvida pelos servidores através da sua
associação, a Asnut.
Enfim, por meio do relato dessa trajetória de resistência dos servidores do
Nutec às investidas de privatização, o presente trabalho objetiva se constituir, embora
modestamente, em um instrumento que revele de forma concatenada a história da luta
dessa categoria de trabalhadores do serviço público cearense e a sua tentativa de
impedir o avanço dos interesses particulares sobre o interesse coletivo que se revela na
invasão da esfera pública pela esfera privada.
Assim, este trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro refere-se à
questão da administração pública, sobre o Estado e a burocracia, trazendo discussões
sobre a conjuntura que está inserida a atual situação do objeto dessa pesquisa, que seja o
âmbito público, além de abordar de forma não aprofundada mas entendendo a
importância de trazer a cena do Estado do Ceará no qual estão incluídos os servidores o
qual foram estudados.
O segundo capítulo traz o diálogo sobre a identidade da militância e o
sindicalismo brasileiro, subdividindo-o sobre a organização da classe trabalhadora, as
18
transformações oriundas da reestruturação produtiva. A estrutura sindical brasileira e a
realidade do Sindicato dos Servidores Públicos do Ceará.
Já o terceiro trará para o debate, além do percurso histórico da Instituição
em que os sujeitos da pesquisa trabalham, a história da organização desses servidores
por meio da Associação dos Servidores do Nutec (Asnut) e, ainda, de possibilitar uma
análise da conjuntura em que estão inseridos, buscando assim uma leitura crítica sobre a
resistência e a sobrevivência de uma fundação pública.
19
2.
A QUESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO, O ESTADO BRASILEIRO E A
BUROCRACIA
2.1
A questão da Administração Pública
Para dar início a esta exposição, iremos abordar alguns elementos que se
configuram como imprescindíveis para nossa análise ao longo da pesquisa. Neste ponto
específico iremos trazer o conceito usual de administração. Ao pesquisar sobre,
encontramos a definição em geral do termo “administração” que é “a utilização racional
de recursos para realização de fins determinados” (Paro, 2000, p.18).
Partindo da definição acima, podemos perceber que refere-se à organização
de recursos para uma dada finalidade, ou seja, a finalidade a ser alcançada determina
quais os recursos que irão ser utilizados bem como a racionalidade que envolvem a
ação. Essa correlação estabelecida, representa uma relação dialética, pois apresenta três
possíveis articulações, seja ela fim-meio, racionalidade-meio, racionalidade-fim,
propiciando uma administração democrática.
Mas o que seria essa administração democrática? De acordo com Paro
(2000), a administração é uma atividade exclusivamente humana, exatamente por ser
teleológica2 e, ainda, é necessária porque, na medida em que o homem propõe-se a
realizar objetivos, ou seja, para a efetivação dos meios se faz necessário a
racionalização, como forma de se trabalhar a razão, buscando a emancipação do
homem.
A finalidade racional é aquela destinada à liberdade humana, é aquela (...)
que coloca como questão fundamental a busca de objetivos que atendam
aos interesses de toda a sociedade e não de grupos privilegiados dentro dela
(Paro, 2000, p.57).
Portanto, para se pensar em uma administração democrática é necessário
compreender a racionalidade associada à questão da emancipação humana, tendo em
vista a sua interação com todos os espaços que demandam os seres sociais. Busca
articular a dimensão política e a dimensão técnica da administração na tentativa de
evitar a cisão entre o político e o técnico.
2
A capacidade teleológica do ser social põe em movimento formas diferentes da
atividade mecânica animal, sendo a representação prévia do processo de trabalho. É o
momento em que se manifesta o ato consciente.( Antunes, 2007)
20
A presente discussão se faz relevante por considerarmos que discutir a
questão da administração está para além de discutir o valor universal da mesma ou
desmistificar sobre o fato de ser um mero instrumento de dominação da sociedade
vigente. Ora, ambas as concepções não nos possibilitam uma perspectiva de
administração pública num viés democrático, pois, ou negam a administração,
desconsiderando assim as determinações sociais e econômicas, ou renovam as relações
de dominação presentes na sociedade.
Assim, a administração ganha substância para discussão para além de
vinculações estreitas e exclusivas à ordem burguesa. Segundo Paro,
Captada em sua especificidade (ou seja, sua forma geral, aquela que é comum
a todo o tipo de estrutura social), é possível identificar quais os elementos
que, em sua existência concreta, se devem às determinações históricas
próprias de um dado modo de produção. Numa perspectiva de transformação
social, é possível, além disso, raciocinar em termos dos elementos dos quais
esta forma, historicamente determinada numa sociedade de classes, precisa
ser depurada para que, numa sociedade avançada, se possa pô-la a serviço de
propósitos não autoritários (Paro,2000, p.18).
De acordo com o autor, essa concepção de administração para além de
meras vinculações tendenciosas, evita tanto um olhar “tecnicista”, ou seja, uma noção
de gestão relacionada à dimensão técnica, como também evita uma visão “politicista”
em que a dimensão ético-política tende a se resolver naturalmente. Desse modo,
observa-se que é concebida à administração a relação entre duas dimensões; a dimensão
ético-política e a técnico-operativa.
Assim, para tratar o tema referente à gestão deve ser realizado inserindo-o
no campo da dimensão política como questão pública, pois se faz necessário fazer um
resgate com a articulação dialética entre política/finalidade e utilização de
recursos/meios/técnica.
De acordo com Filho (2013) A conjuntura neoliberal na qual privilegia a
análise somente tecnicista sem, contudo, discuti a questão da gestão/administração, não
nos dá subsídios para argumentar de forma aprofundada sobre as conexões existentes
entre fins e meios de qualquer expressão concreta da administração. Pelo contrário, é,
pois, a partir daí, da capacidade de interligarmos as dimensões, que encontraremos
argumentos para debatermos sobre a fundamentação da administração pública, numa
perspectiva democrática.
21
Em concomitância com esse debate, necessitamos situar a administração no
contexto do Estado capitalista, para que seja possível, além de, explorar sua forma
concreta de expressão fenomênica, qual seja, a burocracia, também pensar numa
perspectiva de administração pública que supere a atual configuração administrativa da
sociedade realizada pelo Estado (Filho, 2013).
Em particular, no período estudado, aconteceram na administração estadual
cearense: privatizações, extinções e fusões de órgãos, transformações de empresas e
organizações sociais, geridas por trabalhadores contratados sem vínculo empregatício
com a administração pública; e flexibilização da mão-de-obra, com incentivos a
demissões voluntárias e aposentadorias proporcionais, antes do período regular. Os
servidores têm procurado adaptar-se a esse contexto adverso, tentando manter-se no
emprego, capacitando-se para enfrentar os novos desafios do mercado de trabalho,
tornado-se polivalentes e reciclados, de acordo com as exigências conjunturais.
2.2
Uma breve análise do Estado Moderno brasileiro
Para retomarmos o debate, nos utilizaremos de produções marxistas3 e
marxianas, visando o aprofundamento crítico-dialético, os fundamentos do Estado
moderno no início do desenvolvimento e consolidação da sociedade capitalista. Nesse
sentido, torna-se fundamental e necessário, além de resgatar a concepção hegeliana de
Estado e burocracia, também a análise weberiana sobre a burocracia e o
desenvolvimento do capitalismo, nos possibilitando identificar as categorias
imprescindíveis para tornar claros os fenômenos propostos neste capítulo.
Como sabemos, a análise hegeliana4 foi o protótipo clássico que formulou
teoricamente a descrição do Estado burguês moderno. Em Hegel, considera-se o modo
de produção capitalista um modo de produção anárquico 5, devasso e irracional do ponto
de vista da produção e distribuição das mercadorias e da construção do interesse
comum.
3
Obras formuladas a partir do pensamento seguido por Karl Marx. Por exemplo: O Capital, Os sentidos
do Trabalho.
4
Utilizaremos como referencias central para tratarmos a concepção de sociedade em Hegel sua obra
Princípios da Filosofia do Direito (Hegel, 1997).
5
Sistema político e social segundo o qual o indivíduo deve ser emancipado de qualquer tutela
governamental. Estado de um povo que não tem mais governo.
22
De acordo com Marcuse, Hegel reafirma o caráter negativo do sistema
econômico na medida em que “a própria natureza da estrutura econômica impede o
estabelecimento de um autêntico interesse comum” (Marcuse, 1987, p.67).
Ora, se a estrutura econômica, que por sua vez é fundada na propriedade
privada, portanto, impedindo a construção do interesse comum, em Hegel, não se vê a
possibilidade de eliminação dessa ordem na medida em que ela expressa realização da
liberdade, ou seja, para o filósofo alemão, o homem torna a coisa desejada um fim
substancial que não existe “em si”, mas passa a existir na medida em que a coisa
transforma-se na realização da vontade; a realização da vontade sobre a coisa efetiva-se
através da apropriação.
Nesse sentido, como afirma Hegel, a liberdade tem na propriedade a sua
primeira existência, o seu fim essencial para si. Apesar de que, na necessidade, a
propriedade aparece apenas como meio, e não como fim.
A propriedade, portanto, é a base da liberdade. Como ressalta Marcuse em
sua análise, para Hegel, “o indivíduo só é livre quando se conhece como livre, e só
atinge este conhecimento quando põe à prova sua liberdade. Esta prova pode consistir
na demonstração do seu poder sobre os objetos que deseja, deles se apropriando”
(Marcuse, 1978, p. 181).
Esta concepção de liberdade vinculada à propriedade leva Hegel a estruturar
o seu sistema buscando garantir a manutenção da propriedade privada (Filho, 2013).
Essa perspectiva é um componente central da resignação hegeliana, que condiz com a
realidade da sua época.
A partir da concepção de liberdade, que implica a expressão da vontade em
suas dimensões particular e universal, Hegel, também traz a questão da Moralidade
Objetiva, esta, sendo a ideia de liberdade, portanto, o conceito de liberdade realizado
concretamente. Segundo o filósofo, esse conceito realiza-se na sociedade a partir de um
tripé: família, sociedade civil e Estado.
Ainda em Hegel, a sociedade civil é uma esfera onde predominam os
interesses particulares, apesar de encontrarmos, também, espaços de constituição da
universalidade e a formação do interesse comum. Estes espaços correspondem à
mediações realizadas pelo Estado para a constituição da universalidade na sociedade, ou
23
seja, são expressões do universal (jurisdição/administração) na sociedade civil, uma
forma de o Estado se inserir na sociedade civil, bem como a formação de corporações
sendo, esta, a representação da presença da sociedade civil na constituição do Estado
(Filho, 2013).
A propriedade, protoforma da liberdade, decorre da capacidade individual
de satisfazer suas exigências, livre-arbítrio e desejos. Portanto, a desigualdade é um
elemento constitutivo da sociedade civil, na medida em que cada indivíduo possui uma
determinada capacidade a partir de determinada contingência. Ao passo que se expande
a particularidade, baseada na propriedade, aumenta-se o acúmulo de riqueza em
contrapartida, aumenta também, a miséria, a desigualdade social.
Na concepção hegeliana, é reconhecida as desigualdades existentes na
sociedade e a produção de pobreza e miséria como resultado da satisfação das carências
por meio da propriedade e do trabalho; também compreende que o Bem6 é a liberdade
em sua universalidade, que deve estar presente em cada particular, deve ser viabilizado
sem comprometer a ordem da propriedade privada (Filho, 2013).
Para Hegel, essa é a função da “administração”:
A previdência administrativa começa por realizar e salvaguardar o que há de
universal na particularidade da sociedade civil, sob a forma de ordem exterior
e de instituições destinadas a proteger e assegurar aquelas infinidades de fins
e interesses particulares que, efetivamente, no universo se alicerçam (1997, p.
211)
Partindo dessa premissa, podemos perceber que, ao passo que Hegel
aceitava um tipo liberal de propriedade privada, também, reivindicava uma nova
estrutura que contemplasse o universo a partir de uma intervenção na sociedade,
ocasionando o bem-estar particular, porém, de modo que atendesse o interesse
comum.Sobre a perspectiva de Hegel, o que podemos recortar de mais fundamental é a
sua tentativa de construir um sistema onde se exige um profundo respeito à liberdade
individual, entretanto, nesta ordem, o privado está condicionado ao público. O espaço
da sociedade civil é um espaço de manifestações na tentativa da garantia das
“particularidades” e não da efetivação da universalidade.
6
“O Bem, que é necessidade de se realizar por intermédio da vontade particular e, ao mesmo tempo,
substância dessa vontade, tem o direito absoluto em face do direito abstrato da propriedade e dos fins
particulares do bem-estar. Cada momento destes, separados do Bem, só tem valor quando lhe é conforme
e subordinado” (Hegel, 1997, p.115).
24
Dessa forma, não é possível visualizar uma forma de eliminar a produção de
pobreza e miséria, então o Estado é chamado para se apresentar como uma forma de
garantir a vigência do interesse comum, portanto, sob a égide do capital. A sociedade
individualista, alimentada pelo capital, precisa da figura do Estado para propiciar a
realização da liberdade.
O papel do Estado, ou de qualquer organização política adequada, é o de
zelar para que as contradições inerentes à estrutura econômica não destruam
todo o sistema. O Estado deve assumir a função de frear os processos sociais
e econômicos anárquicos (Marcuse, 1987, p.67).
Hegel identifica no Estado a tarefa de realizar o Bem/universal. Para ele, só
o Estado pode atuar de forma a produzir o Bem e garantir o universal, preservando,
portanto, o fundamental que é a propriedade privada. Desta forma, Hegel defende a
intervenção estatal de modo que esta elimine as falhas do sistema na tentativa de
garantir o interesse comum.
Quando se confunde o Estado com a sociedade civil, destinando-o à
segurança e proteção da propriedade e da liberdade pessoais, o interesse dos
indivíduos enquanto tais é o fim supremo para que se reúnam, do que resulta
ser facultativo ser membro de um Estado. Ora, é muito diferente a sua relação
com o indivíduo. Se o Estado é o espírito objetivo, então só como membro é
que o indivíduo. Se o Estado tem objetividade, verdade e moralidade. A
associação como tal é o verdadeiro fim, e o destino dos indivíduos está em
participarem numa vida coletiva; quaisquer outras satisfações, atividades e
modalidades de comportamento têm o seu ponto de partida e o seu resultado
neste ato substancial e universal (Hegel, 1997,p.217).
Outro elemento que faz jus para nosso debate, e que, podemos perceber em
seus estudos, é que em Hegel(1997) é possível identificar que a vida coletiva é vista
como o verdadeiro fim do indivíduo e o Estado passa a ser a expressão objetiva da vida
pública. Ainda que o Estado se apresentasse em uma situação de contrariedade, pois, ao
passo que defendia e garantia a propriedade privada, através do discurso da liberdade,
também propunha uma diminuição das desigualdades e misérias oriundas deste sistema.
É importante salientar que, de acordo com Filho (2013) em momento algum,
Hegel não pensa em superar as contradições da sociedade capitalista, mas sim controlálas através da “dimensão universal” do Estado.
Sobre a concepção hegeliana, Karl Marx, em 1859, escreve, no seu Prefácio
da obra Para a Crítica da Economia Política, que o Estado, na verdade, deve ser
analisado a partir da constituição da sociedade civil:
25
Na produção social da própria vida, os homens contraem relações
determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de
produção estas que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas
relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real
sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual
correspondem formas sociais determinadas de consciência (Marx, 1996a,
p.52)
Apesar de a concepção hegeliana tratar o Estado como universalidade, Marx
em suas argumentações nos mostra que existe a dimensão da universalidade no Estado
capitalista, contudo, configura-se como uma dimensão limitada devido à estrutura da
própria sociedade civil, não se configurando como essência7 do Estado, ou seja, ele
acredita que dimensão universal existe, mas como componente da estrutura do Estado.
Marx quando trata a dimensão universal do Estado, diz respeito às ações do
Estado que atendem a interesses das camadas dominadas. Ou seja, o Estado não
expressa o interesse geral nem está voltado para o bem comum, ele também atua
atendendo a determinados interesses das classes subalternas, ao passo da necessidade de
garantir a estrutura de dominação fundada pelo capitalismo8.
O que nos interessa para o desenvolvimento da nossa reflexão sobre a
concepção de Estado em Marx, que por sua vez analisa Hegel, é o seu ponto de vista
político, o que ele traz de essencial em seu discurso que seja a dimensão contraditória
do Estado, já que lhe cabe o dever de atuar de forma divergente atendendo interesses
contrários que emergem na sociedade e, portanto, aparece como um ente acima das
classes, mostrando-nos que o Estado, apesar de ser essencialmente uma forma de
expressão da dominação de classe, é, também, a única estrutura da sociedade vigente
capaz de realizar os interesses das classes dominadas.
7
Lukács destaca, de forma enfática, a relação dialética existente entre aparência e essência, ressaltando
sua unidade e distinção, necessárias para um estudo científico. Nas palavras do autor, “trata-se, de uma
parte, de arrancar os fenômenos de sua forma imediatamente dada, de encontrar as mediações pelas quais
eles podem ser relacionados a seu núcleo e a sua essência e tomados em sua essência mesma, e, de outra
parte, de alcançar a compreensão deste caráter fenomênico, desta aparência fenomênica, considerada
como sua forma de aparição necessária (...) Esta dupla determinação, este reconhecimento e esta
ultrapassagem simultâneos do ser imediato é precisamente a relação dialética” (Lukács, 1981, p.68)
8
No capitalismo, as classes fundamentais que representam o capital e o trabalho possuem interesses, do
ponto de vista estrutural, antagônicos e inconciliáveis, pois a participação nas decisões fundamentais da
produção são assimétricas, já que o poder está nas mãos de quem detém os meios de produção e se
apropria da riqueza produzida e não daqueles que participam do processo a partir de sua força de trabalho
(Filho, 2013, p.29).
26
Nesse sentido, consideramos que a crítica materialista da sociedade é
fundamental para compreendermos a essência do Estado, e este fato não elimina, em
nosso entendimento, a particularidade do momento político em Marx, vinculando, dessa
forma, o pensador alemão à tradição da reflexão política moderna.
Por outro lado, o ponto chave do pensamento marxiano, está em analisar as
questões da sociedade capitalista sob o ponto de vista da totalidade. Segundo Filho
(2013) “pensar o político isolado da dinâmica global do capitalismo é ferir a essência do
método marxiano”.
O Estado é um elemento estratégico de mediação para o processo
revolucionário. A tomada do poder de Estado precede à mudança societária,
por isso a transição socialista, na perspectiva marxiana, é estruturada a partir
da ditadura do proletariado, que busca, através das ações do Estado,
implementar mudanças voltadas para a supressão da propriedade privada dos
meios de produção e, por conseguinte, para a extinção da estrutura de classes.
(Filho, 2013, p.37).
Para finalizar, só o Estado, tanto para Marx quanto para Hegel, tem poder e
capacidade, numa sociedade de classes, de atuar viabilizando interesses das classes e
camadas da sociedade que não sejam as dominantes e requer, necessariamente, que o
Estado implemente proposições sob a perspectiva de universalização dos direitos sociais
e na melhoria das condições sociais das classes subalternas.
Nesse sentido, refletir sobre o processo burocrático como estrutura clássica
de organização e administração estatal, passa a ser uma categoria relevante, e que,
necessita, ser tratada tanto do ponto de vista teórico quanto prático-político.
2.3
A burocracia e seus desdobramentos
Para iniciarmos a nossa reflexão sobre o tema, iremos utilizar como
referências centrais, principalmente, Hegel e Weber, a partir da perspectiva da teoria
social crítica vinculada à tradição marxista. Ainda, vale ressaltar que não pretendemos
criar polêmicas contra as ideias dos pensadores. E sim, pensar e refletir junto com eles.
O que pretendemos com este tópico é trazer elementos que nos possibilite
analisarmos criticamente as determinações acerca da burocracia, captando as categorias
que efetivamente correspondam ao fenômeno.
27
Para tanto, iniciaremos com o que Hegel nos traz sobre a burocracia, que
diz:
A conservação do interesse geral do Estado e da legalidade entre os direitos
particulares, a redução destes àqueles exigem uma vigilância por
representantes do poder governamental, por funcionários executivos e
também por autoridades mais elevadas com poder deliberativo, portanto,
colegialmente organizada ( Hegel, 1997, p 266-267.
Hegel nos apresenta a determinação central do servidor, qual seja, garantir o
interesse geral do Estado em detrimento dos interesses particulares. Segundo Filho
(2013), a burocracia, em Hegel, portanto, se caracteriza como um instrumento do
governo com responsabilidade de Estado afim de garantir o interesse geral apresentados
pelas corporações.
Diferentemente de Hegel, Marx (1978) visualiza que não há, na burocracia,
uma orientação voltada para o interesse geral, identificando nela a materialização de
interesses particulares presentes no Estado.
Nesse sentido, a relação com a corporação torna-se essencial para a
existência da burocracia, pois sua razão de ser encontra-se na existência das
particularidades da sociedade civil, expressas pelas corporações, que devem ser
subordinadas ao interesse geral, que por sua vez, é fiscalizado pela burocracia. Desse
modo, seria o caso de a burocracia negar a corporação, porém, caso aconteça, não será
necessária a existência de um aparato para submeter o particular ao geral. Ou seja, não
seria necessária a existência da burocracia.
O mesmo espírito que cria na sociedade a corporação cria no Estado a
burocracia. Portanto, tão logo se vê atacado o espírito corporativo é também
objeto de ataques o espírito burocrático, e se antes a burocracia combatia a
existência das corporações para afirmar sua própria existência, agora trata de
defender violentamente a existência das corporações para salvar o espírito
corporativo que é seu próprio espírito (Marx, 1978, p. 358)
Como podemos perceber, a existência de corporações está vinculada a
interesses particulares que têm no antagonismo de classe o conflito central, assim,
podemos compreender que o antagonismo é o ponto crucial das contradições e tensões a
serem enfrentadas pela burocracia, enquanto a representante dos “interesses gerais” da
sociedade.
28
Ora, a burocracia, como um dos elementos da materialidade do Estado,
expressa também as contradições da sociedade de classes que exigem a existência do
Estado como estrutura de dominação política. Portanto, a burocracia apresenta-se como
uma das mediações entre o Estado e as classes sociais, visando a manutenção da ordem.
Sendo assim, a burocracia responde a uma dada organização social que supõe a
existência de dominados e dominantes, social e economicamente falando.
De acordo com Filho (2013), o caráter de dominação presente na burocracia
e a racionalidade de sua estruturação são determinações centrais que merecem destaques
ao se analisar a burocracia. E Weber traz elementos indispensáveis para refletirmos
essas questões.
Segundo Weber, a burocracia implica dominação na medida em que ela é
uma estrutura administrativa e, para ele, toda administração é dominação, pois remete à
obediência (Weber, 1999a, p. 32-34)
A partir da perspectiva marxista, podemos dizer que esse tipo de dominação,
apontado por Weber, não desaparece com a extinção do Estado. A extinção do Estado
implica a extinção da dominação de uma classe sobre a outra. Assim, a dominação
exercida pelo quadro administrativo estatal como probabilidade de encontrar obediência
a determinadas ordens por determinadas pessoas pode perpetuar numa sociedade sem
classes.
Dominação, para Weber, significa “a probabilidade de encontrar obediência
para ordens específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas” (Weber
1999a, p.139).
Mesmo estabelecendo uma nova ordem social e econômica, se o poder de
mandar ficar concentrado nas mãos de um pequeno grupo responsável pela condução
política e administrativa, a dominação exercida poderá resultar numa dominação de
classe, na medida em que esse grupo se apropria, também, dos meios de produção; o
que, efetivamente, apresenta-se como mais opressivo que a dominação como
mecanismo de obter obediência.
Nesse sentido, podemos observar que a questão da dominação, em seu
sentido weberiano, não deixa de ser tratada pelos autores de caris marxistas, apesar da
questão central tratada por eles ser associado à dominação de classe.
29
Retomando nossa argumentação, no tocando sobre a administração, cabe a
seguinte observação: a definição da administração como dominação não é
compartilhada pela concepção de administração em geral desenvolvida por Paro (2000),
que utiliza em sua definição a concepção da tradição marxista, utilizando-se da
racionalidade como categoria central, seja na perspectiva da utilização dos recursos para
atingir os fins, seja na perspectiva da definição dos próprios fins.
Entretanto, se considerarmos o sentido weberiano de dominação (sua
relação com a obediência) e analisarmos a formulação de Paro(2000), podemos observar
que a questão da obediência está implícita em sua concepção, pois, segundo o autor,
coordenar o esforço humano coletivo é uma das dimensões da utilização racional dos
recursos para atingir os fins. E coordenar qualquer esforço coletivo implica,
necessariamente, na relação de mando e obediência, por mais democrática que seja a
coordenação pretendida.
De acordo com Filho (2013) a definição de burocracia nos remete a uma
forma racional de administração necessária para obter a obediência de um grupo de
pessoas. Em resumo, a burocracia é uma estrutura administrativa racional de
dominação.
Como podemos observar, existe uma dimensão de dominação presente na
burocracia, que se faz necessário relacionar, sinteticamente, os elementos centrais
presentes na concepção marxiana e na tradição marxista.
30
3. AS TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS NO ESTADO MODERNO E O
SINDICALISMO BRASILEIRO
3.1 A reestruturação produtiva e o sindicalismo
Podemos dizer que a incapacidade do fordismo/keynesianismo de conter as
contradições inerentes ao sistema capitalista gerou em seu bojo uma crise de
superprodução, provocando a saturação dos mercados, que passaram a exigir uma
crescente diferenciação dos produtos, o que demandou, por sua vez, uma reestruturação
geral nos processos produtivos, ou seja, produtos diferenciados precisavam de processos
de produção mais flexíveis, envolvendo desde seus elementos técnicos como turnos de
trabalho mais curtos e novas tecnologias, até novas formas de contratação e gestão da
força de trabalho, passando pelas novas formas, também diferenciadas, de proteção
social.
Assim, a crise que se estabeleceu dentro do modelo vigente até a década de
1970, constrangeu o capital a buscar novas alternativas de superação, fato que, segundo
Antunes (1999, p. 19) provocou a crescente substituição ou alteração do padrão
fordistas/taylorista por formas flexibilizadas e desregulamentadas de produzir, como por
exemplo, a chamada acumulação flexível e o toyotismo.
Antunes assegura que
foi, entretanto, o toyotismo ou o modelo japonês, que maior impacto tem
causado, tanto pela revolução técnica que operou na indústria japonesa,
quanto pela potencialidade de propagação que alguns dos pontos básicos do
toyotismo têm demonstrado, expansão que hoje atinge uma escala mundial
(Antunes; 2005,31).
O toyotismo é um padrão produtivo, oriundo do Japão pós-guerra e, por ser
o que mais se adéqua à necessidade de reprodução do capitalismo nesse período de
crise, vem ganhando dimensão mundial veiculado pelo processo de globalização,
podendo ser visualizado pelas seguintes características que se contrapõem ao
fordismo/taylorismo): Horizontalização da produção: parte do trabalho que era feito
pela montadora é transferido para terceiros ou empresas subcontratadas; a produção só é
feita de acordo com a demanda, sendo heterogênea e bastante variada;os operários
trabalham em equipe desempenhando, cada um, variadas funções;ganham importância e
são propagados por toda a rede de fornecedores elementos como “kanban, just in time, ,
31
flexibilização, terceirização, subcontratação, CCQ, controle de qualidade total,
eliminação de desperdício, “gerência participativa”, sindicalismo de empresa, entre
tantos outros elementos.” (Antunes; 2005, p. 35); envolvimento dos trabalhadores com
os índices de produtividade das empresas, propiciando uma apropriação ainda maior do
trabalho pelo capital, através da manipulação que leva o trabalhador a assimilar o
ideário
capitalista.
Desse
modo,
o
despotismo
característico
do
modelo
fordista/taylorista é aprofundado ao invés de ser amenizado, transformando-se numa
dupla tirania do capital sobre o trabalho.
Analisando essas características, Antunes defende a ideia de que o
toyotismo, além de não se apresentar como uma nova forma de organização societária,
livre das mazelas provenientes do modelo produtor de mercadorias, sequer pode ser
concebido como um avanço em relação ao modelo anteriormente vigente. Para ele, ao
contrário, a expansão do toyotismo pela Europa, devido a sua estreita sintonia com os
preceitos do neoliberalismo, pode representar um grave risco para o que restou do
“WelfareState” naquele continente. Para ele, “a ocidentalização do toyotismo
confirmaria em verdade uma decisiva aquisição do capital contra o trabalho.” (2005, p.
40).
Tal forma de adequação produtiva se constituiu num modelo de acumulação
flexível que visa tanto a flexibilização do aparato produtivo quanto da organização do
trabalho, trazendo graves consequências tanto para a população que trabalha quanto
para o meio ambiente, ambos subordinados aos interesses de acumulação do capital.
Sem o processo de globalização não seria possível a disseminação desse ou
de qualquer outro modelo em nível de planeta, daí porque consideramos necessário uma
rápida explanação do conceito e importância desse processo.
O processo de globalização ou mundialização da economia, como alguns
costumam chamar, significa basicamente uma uniformização de padrões econômicos e
culturais em âmbito mundial que não é uma novidade oriunda do modo de produção
capitalista, nem é uma exclusividade deste sistema. Suas origens datam da era do
Renascimento e das grandes navegações, porém naquela época se efetuou de forma
tímida, resumindo-se à busca de expansão da Europa pela descoberta e colonização da
América.
32
Somente com a revolução industrial é que efetivamente a globalização
ganhou ênfase, tornando-se uma tendência indissociável do capitalismo onde quer que
ele se manifeste. Isto porque este sistema pressupõe, na sua lógica, os conceitos de
dominação e apropriação e a consequente necessidade de expansão dos espaços de
lucro, alargando sua área de ação para o mundo, que passou a ser a referência para
obtenção de matérias-primas, novos mercados e novos locais de investimentos.
Mas foi durante o século XX, mais especificamente na década de 80, que o
processo de globalização ganhou maior visibilidade, sendo intensificado pelo
desenvolvimento tecnológico que abrangeu a facilitação dos transportes, a revolução da
microeletrônica - principalmente na área das comunicações e da informação, que
propiciou a globalização também dos padrões culturais e de consumo-, a criação dos
blocos econômicos e a interligação da Economia.
É através desse processo com todos os seus componentes que se tornou
possível o novo paradigma tecnológico ou, o novo regime de acumulação, facilitado por
fatores como a queda progressiva das barreiras comerciais entre os países, o aumento do
fluxo de investimentos estrangeiros e a internacionalização da produção.
A globalização possibilita a uma grande mobilidade do capital industrial,
permitindo às empresas transnacionais ampla liberdade de implantação, deslocamento,
terceirização, aquisição e fusão, de acordo com os interesses de acumulação,
prevalecendo o empenho em alcançar o lucro e, por isso, se constituindo em um
processo excludente e gerador de desigualdades.
Além disso, uma de suas principais características, é o crescimento do
sistema financeiro internacional. Referindo-se à conjuntura da crise do modelo anterior,
iniciada na década de 70, Bianchetti (Pág. 29) diz que
“Os novos poderes econômicos surgidos desta conjuntura, representam os
interesses dos bancos internacionais[...] O novo capitalismo financeiro cria
uma nova ordem internacional capitalista, que controla o fluxo de capitais e
estabelece as condições em que esse capital se distribui. Favorece essa
estratégia o controle que esse poder exerce sobre os organismos financeiros
internacionais que, em função das novas condições, desenvolvem um modelo
de ajuste das economias dos países devedores, para garantir a recuperação
dos empréstimos outorgados na primeira etapa de explosão dos
petrodólares.”
33
Na atualidade, segundo Abreu,
“Os capitais mundialmente articulados dominam o mundo[...] As empresas
multinacionais controlam mais de 50% do comércio entre as nações[...] A
acumulação de capital está fora do controle dos Estados e das respectivas
soberanias nacionais.” (P. 41-42)
Este autor afirma que, nessa dinâmica frenética, os países de
industrialização tardia se inserem de forma subalterna e passiva pela total falta de
condições de serem sujeitos na ordem mundial. Mesmo os governos e as classes
dominantes se submetem, nesse contexto, ao papel de sócios minoritários daqueles
organismos que detém a hegemonia do capital e, portanto, sem encontrar qualquer
resistência, ditam as regras da ordem mundial, revelando com isso a gravidade das
desigualdades provocadas pela globalização.
Em conformidade com essas colocações, para Bianchetti
“ A característica da relação entre os países desenvolvidos da Europa e
Estados Unidos da América e os países latino-americanos tem sido
historicamente uma relação desigual na qual os laços estabelecidos
fortaleceram a situação de dependência dos últimos em ralação aos
primeiros. Ao longo da história dos países latino-americanos, a aliança dos
setores dominantes locais com os interesses do capitalismo internacional deu
como resultado uma estrutura dependente e condicionada pelas estratégias
de acumulação do capitalismo central.”
Dessa forma, para ceder empréstimos ou realizar investimentos nestes
Estados nacionais, impõem como condição, ajustes políticos e institucionais que
representam uma verdadeira invasão e desrespeito às soberanias nacionais. É dessa
forma que a globalização subordina os destinos dos povos aos interesses das grandes
empresas e organismos transnacionais, aumentando cada vez mais o poder das grandes
potências industrializadas. Abreu (P.41) cita seis dessas exigências que consideramos
conveniente transcrever:
1)
a desregulamentação da entrada e saída de capitais nos países;
2)
a liberação do comércio com a eliminação das barreiras
alfandegárias;
3)
a privatização e transnacionalização das empresas públicas;
4)
o reconhecimento jurídico das marcas e patentes tecnológicas do
34
capitalismo mundial;
5)
a redução dos gastos públicos (portanto, de serviços públicos como
saúde, educação, transporte, fundos de aposentadoria e pensão, telefonia, água,
energia etc., que devem ser concedidos e explorados comercialmente pelo capital
privado);
6)
a desregulamentação das relações de trabalho, retirando-as da
esfera pública e submetendo-as às condições do mercado (de domínio privado).
Esse ajuste estrutural a que são constrangidos os países de terceiro mundo e
os intermediários ou considerados em desenvolvimento pelo seu razoável parque
industrial, como é o caso do Brasil, faz parte do amplo processo de reestruturação
implementado pelo capital numa tentativa de recuperar o seu ciclo reprodutivo e possui
um caráter neoliberalizante, na medida em que submete os Estados nacionais às
exigências do capital transnacionalizado. Ao mesmo tempo, surge como uma das
mazelas da globalização, pois agrava cada vez mais a desorganização e fragilidade das
finanças públicas, inclusive pela falta de perspectiva de solução para o problema da
dívida externa.
Teixeira (1998) assim se coloca a respeito dessa investida do
neoliberalismo, que surge como a face política da reestruturação produtiva presente no
capitalismo contemporâneo:
Muito embora o neoliberalismo tenha surgido como uma reação localizada
ao Estado intervencionista e de bem-estar, ele nasce como um fenômeno de
alcance mundial[…] a transnacionalização do sistema capitalista de
produção representou a morte do Estado, isto é, seu poder de fazer políticas
econômicas e sociais de forma autônoma e soberana (p.196)
O novo paradigma de produção, tornou-se um fenômeno caracterizado de
um lado pelo fato de que se globaliza e se abre cada vez mais com a concorrência a se
fazer presente na escala mundial e, de outro, em uma economia essencialmente baseada
no conhecimento, ou seja, onde o fator decisivo é o capital intelectual. (Meneses e
Fonseca, 2003. p. 12)
No plano ideológico, surge o neoliberalismo, como doutrina que substitui a
lógica da produção pela da circulação, isto é, coloca a lógica do mercado na primazia,
enfatizando sua posição de estruturadora das relações sociais e políticas. Para os
neoliberais, o mercado é um “um mecanismo insuperável para estruturar e coordenar as
35
decisões de produção e investimento sociais(...) para solucionar os problemas de
emprego e renda da sociedade.” (Teixeira, 1998. p.195)
Essa onda liberalizante da compreensão de liberdade e supremacia do
mercado, marcou o mundo em especial no final dos anos 80 e início dos anos 90 e foi
uma arma suficiente para possibilitar a abertura dos mercados, especialmente nos países
“emergentes”, como era o caso do Brasil. O país passou a adotar uma política de
abertura comercial no início da década de 90, por ocasião do governo Collor e se
constituiu no elemento central da política industrial, pois as preocupações foram
deslocadas da expansão da capacidade produtiva para a eficiência e competitividade.
Esse processo de abertura da economia nacional constrangeu o setor
produtivo a intensos ajustes em busca da competitividade, tanto em função do
decréscimo das barreiras alfandegárias quanto pela redução da demanda agregada
interna. Entretanto os avanços alcançados na implementação da política de
competitividade foram bem mais modestos do que o sucesso alcançado com a política
de abertura.
Além disso, como anuência à lógica do modelo neoliberal, o Brasil
implementou outras políticas como, a redução da função social do estado e as
privatizações das empresas estatais. Neste contexto, empreendeu-se uma verdadeira
guerra contra o Estado. Passou-se a pregar de maneira sistemática a necessidade de o
estado não só se despojar das empresas estatais como financiar as operações de
privatização.
Adotou-se, ainda, outras medidas, como cortes nos gastos públicos e
eliminação de subsídios e, por fim, o estabelecimento das formas mais apropriadas para
a inversão estrangeira.
A política de abertura econômica tornou-se coadjuvante no processo de
entrada de capitais externos na economia brasileira, posto que, juntamente com as
privatizações empreendidas pelo governo, criaram-se as condições favoráveis e atrativas
para o capital externo, e aqui se inserem as possibilidades do investimento direto
português, particularmente no setor de telecomunicações.
Como foi possível perceber com essas explanações, o que estava em jogo,
como sempre, era a plena certeza do lucro. Considerando-se, pois, que a sua base, no
36
modo de produção capitalista, é o trabalho, tornou-se condição sinequa non, a
reorganização do trabalho, de modo a poder continuar o movimento de extração visando
à ampliação da acumulação, agora sob uma forma flexível. Por outro lado, tornou-se
necessário libertar o capitalismo daquelas amarras, retirando todo obstáculo à ação do
mercado e abrindo, assim, as portas para o novo modelo de gestão neoliberal. Segundo
Teixeira “É nesse contexto de reestruturação produtiva que os neoliberais encontram
munição para difundir sua doutrina e seus programas de política econômica.”
As palavras de Bianchett (1999) são complementares a essa observação:
A alternativa neoliberal que avassala o mundo neste final de século, apoiada
ideologicamente pela ideia de fim da história, fim das ideologias e
impossibilidades de uma alternativa socialista, constituiu-se na verdade num
ataque frontal à classe trabalhadora, seus ganhos históricos e à utopia de
estruturação de uma sociedade fundada na solidariedade e na igualdade:
socialismo com efetiva democracia[...] A opção neoliberal implica o
retrocesso à barbárie com a exclusão das maiorias (p.11)SEM ITÁLICO
Todas essas mudanças nos processos produtivos, comumente chamadas de
reestruturação produtiva, se assentam especialmente no conceito de flexibilidade, tanto
no âmbito produtivo como nas reformulações do capital financeiro.
No âmbito produtivo, a reestruturação é facilitada pelos processos
microeletrônicos, que acentuam a produção vinculada à demanda (produção variada e
heterogênea), exigindo, como decorrência, um novo perfil da força de trabalho, marcado
pelo número cada vez menor de trabalhadores fixos e com estabilidade, por um número
maior de trabalhadores subcontratados, sem vínculos, sem proteção social, mas, ao
mesmo tempo, envolvidos e comprometidos com o processo produtivo, seja pela
requerida polivalência e multifuncionalidade produtiva, seja pela insegurança e
facilidade de substituição do processo de trabalho.
No âmbito financeiro, a reestruturação se dá pela desregulamentação da
atividade produtiva estatal e pela desregulamentação dos sistemas de proteção social
públicos, pois para a gestão da matriz produtiva flexível a liberdade do mercado é
fundamental. Assim sendo, a ação do Estado deve ser mínima no sentido de garantir a
ordem pública e arbitrar os conflitos que a sociedade civil não resolve sozinha e, ao
mesmo tempo, possibilitar a despolitização do mercado, uma vez que a liberdade
absoluta de circulação dos indivíduos e dos capitais privados é fundamental para que
haja competitividade e autonomia desses indivíduos.
37
Faz-se necessário aqui fazer um paralelo com a crise do movimento sindical
que teve, na reestruturação produtiva, impactos face à classe trabalhadora em nosso
país. Como sabemos, a busca pela produção enxuta, oriunda do próprio processo de
reestruturação, fez brotar uma série de fatores que transformaram o movimento sindical:
o desemprego estrutural, o trabalho em tempo parcial e temporário, a terceirização
dentre outras que sem dúvidas trouxeram mudanças para a estratégia que vinham sendo
adotadas até então face ao movimento sindical.
A década de 1930, nos trouxe grandes avanços acerca dos direitos sociais
no Brasil, porém, após 1930 foram muito maiores as conquistas; o que vale salientar é
que por de trás disso existia o desejo do Estado autoritário varguista em levar o
movimento operário, assim como os setores do empresariado para dentro do Estado e,
assim, melhor controlá-los, numa clara tentativa de buscar a colaboração de classe entre
esses grupos sociais.
Para nos dar uma noção do que de fato aconteceu, trago a seguinte tabela:
TABELA 1 Número de sindicatos reconhecidos pelo Estado no Brasil em 1930
1931
32
1932
83
1933
141
1934
111
1935
73
1936
242
Total
682
Fonte: Costa, S. Estado e controle sindical no Brasil, p. 23. Citado por: Mattos, Marcelo Badaró.
Trabalhadores e sindicatos no Brasil, p.36.
Como podemos perceber, o processo de reconhecimento dos sindicatos só
ganhou maior ênfase após 1935, período marcado pelo aumento da política repressiva
do governo Vargas aos trabalhadores que se organizavam fora do âmbito estatal. Após
um curto indício de desejo veemente liberal com a Constituição de 1934, Getúlio
oficializa de maneira mais precisa todo o seu projeto autoritário, com o conhecido
Golpe do Estado Novo. É nesse período, de acordo com Castro Gomes (2002), que se
expande o discurso que desqualifica os direitos políticos e todo tipo de práticas liberal-
38
democráticas e que valoriza, ao mesmo tempo, direitos sociais que “materializados com
destaque nos direitos do trabalho tornam-se o centro definidor da condição de cidadania
no país”.
Os sindicatos eram instituições tuteladas pelo Estado, Vargas conseguia a
partir deles estabelecer o controle sobre a classe trabalhadora, objetivo traçado desde a
ampliação da legislação trabalhista e previdenciária no inicio dos anos 1930.
Com o fim do Estado Novo em 1945, e as possíveis tendências voltadas
para a redemocratização, vê-se que o sistema corporativo de representação pôde
tranquilamente conviver com outros tipos de regimes, como liberal, por exemplo. De
acordo com Castro Gomes (2002), por mais que tenha ensaiado críticas a esse sistema
acabou por se acomodar e não organizou os trabalhadores para derrotar a estrutura
sindical.
O regime militar após 1964 também não alterou essa estrutura, mas
esvaziou o poder da Justiça do Trabalho e criou, em 1966, o fundo de garantia por
tempo de serviço, que extinguia a estabilidade no emprego após dez anos, tão criticada
pelos empresários; e criou também o Instituto Nacional de Previdência Social, que
buscava uniformizar a prestação dos serviços previdenciários.
Apesar de não intervirem muito na estrutura sindical vigente, os militares
apertaram o cerco sobre os sindicatos para que estes voltassem a ser essencialmente
assistenciais, como nos tempos do Estado Novo varguista.
Na década de 1978, podemos perceber que os discursos dos sindicalistas
não levavam em consideração as artimanhas contidas na estrutura sindical oficial, que
poderiam persuadir mesmo os que ousassem romper com ela, o que acabou por fazer
que a ruptura ficasse no meio do caminho.
De acordo com Boito Jr. A estrutura sindical é o sistema de relações que
assegura a subordinação dos sindicatos às cúpulas do aparelho de Estado e tem como
seu elemnto essencial a necessidade de reconhecimento oficial-legal do sindicato pelo
Estado. Essa estrutura compreenderia, assim, a representação sindical outorgada, a
unicidade, as contribuições sindicais obrigatórias e a tutela do Estado, particularmente
da Justiça do Trabalho, sobre a atividade reivindicativa dos sindicatos. Sendo assim, o
39
Estado, para regulamentar com rigor ou flexibilidade a vida associativa da entidade
sindical, dependerá da correlação de forças, ou seja, da conjuntura.
O que essa discussão nos possibilita é que podemos perceber as nuances que
se expressam a partir da continuidade da insistente fragmentação na organização dos
trabalhadores no Brasil. Demonstra ainda, toda a força que ainda possui a estrutura
sindical implementada pelo primeiro governo de Vargas.
A Constituição de 1988 é considerada um marco na institucionalização do
sindicalismo, porque liberalizou as relações trabalhistas e sindicais, diminuindo a
intervenção estatal, garantiu o direito de sindicalização e de greve para os servidores
públicos civis, constituindo uma nova ordem jurídica. Contudo, Siqueira Neto (1993) e
Dallari (1993) esclarecem que a Constituição, apesar de seus avanços no campo dos
direitos sociais do trabalhador, manteve a unicidade sindical, o autoritarismo e a
conflituosidade judicial entre empregados e governo, pois não definiu os padrões gerais
das relações de trabalho; estimulou a pulverização de entidades sindicais, quando
permitiu aos servidores públicos a sindicalização; e manteve a intervenção da Justiça do
Trabalho nos conflitos coletivos.
Nogueira (1993) ressalta que essa categoria profissional, no período de
1978-1989, superou os trabalhadores das indústrias em número de horas paradas em
greves, residindo aí a novidade dessa conjuntura, ou seja, o peso maior dos servidores
no quadro das mobilizações políticas ocorridas no país, até então reservado aos
operários.
3.2 O Sindicalismo no setor Público
O sindicalismo no setor público surgiu como uma alternativa de organização
para aqueles trabalhadores, servidores, que se encontravam excluídos da estrutura
sindical brasileira. Essa inclusão foi possível pela força de mobilização e das greves
dessa categoria, a qual influenciou a configuração do movimento sindical nacional, até
então restrito ao setor privado da economia.
Esses novos atores sociais, organizados em associações e sindicatos,
tornaram-se visíveis no final da década de 1970 e início dos anos 1980, em um contexto
revigorado politicamente pela participação política de amplos setores da sociedade:
40
intelectuais, empresários, movimentos populares, urbanos e rurais, além do movimento
operário.
Apesar de o movimento dos servidores ter vindo ao cenário questionando o
modelo sindical vigente, não deu respostas alternativas aos limites impostos pelo
Estado, nem propôs um novo tipo de organização para os servidores, submetendo-se à
disciplina e à lealdade institucional.
O sindicalismo no setor público, porém, trouxe à tona a questão da relação
entre Estado e Trabalho, mostrando a ausência de participação política dos servidores
públicos nas decisões de Governo, colocando em questão a democracia do Estado
brasileiro e incapacidade da sociedade em controlá-lo.
O Sindicato, nas sociedades modernas e burocratizadas, ao formalizar-se e
construir sua alteridade ao Governo do Estado, identifica-se com o sistema
organizacional formal, ficando submetido a normas e disciplinas rígidas, não
participando da revolução política na estrutura do Estado, ficando limitado às reformas
política estatal.
A cultura política, analisada pelos prismas do cotidiano, da identidade, do
imaginário e da representação, foi chave para entender a realidade social pesquisada. Na
comunicação sindical, espaços de criatividade e de interação com a sociedade residem
outras inovações do sindicalismo no setor público. O uso de praças e ruas cria espaços
de poder alternativos e periféricos além de ser formas de contrapor-se à ordem política.
O caminho que fiz pelo mundo sindical através da Asnut, levou-se a tempos
e espaços especiais, a um mundo imaginário onde significados específicos transitavam,
onde conflitos foram vividos, trajetórias e experiências compartilhadas, construindo
objetos e sujeitos em relação. Esse percurso me fez descobrir que a própria natureza do
sindicato – corporativa, elitizada, burocratizada – é um limite a mais para seus objetivos
e desejos, por isso ele não reúne condições para transformar, sozinho, o mundo do
trabalho pois essas mudanças não se dão apenas nos espaços e nos tempos sindicais.
Não são as burocracias nem as legislações que impedem um modo de ser e
de agir sindical, mas a cultura ou o conjunto de culturas que determina o
conservadorismo ou a criatividade, que produz o corporativismo ou a universalidade,
incentiva o ativismo ou o imobilismo.
41
Não são as condições conjunturais ou materiais que explicam o
comportamento sindical, pois em momentos distintos, por exemplo na ditadura militar e
na democracia, no tempo dos “coronéis” e no do “jovem empresariado”, no caso do
Estado do Ceará, a prática sindical foi corporativa, distante dos trabalhadores e
internamente conflituosa. Tampouco o tipo de organização alterou esse procedimento,
pois observei a mesma situação em associações, sindicatos “pelegos” ou “autênticos”.
42
4. O CASO DA FUNDAÇÃO NUTEC E DA ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES
DO NUTEC
4.1 Os Percursos Históricos: Do crescimento ao declínio
A ideia de um núcleo tecnológico para o Ceará surgiu de um projeto da
Secretaria de Indústria e Comércio do Estado em convênio com a Secretaria de
Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio, sob a coordenação do
engenheiro Francisco Ariosto Holanda, e tornou-se realidade por meio do Decreto nº
13.017, de 12 de dezembro de 1987, autorizado pela Lei nº 10.213, de 17 de novembro
de 1987 do Governo do Estado do Ceará, que instituiu, sob a forma de fundação pública
de direito privado, o Núcleo de Tecnologia Industrial – NUTEC.
Neste primeiro momento, o NUTEC tinha como objetivos realizar pesquisas
aplicadas, prestar serviços técnicos às empresas, ao setor público e à comunidade, assim
como formar e aperfeiçoar técnicos do sistema produtivo e do governo. O início das
atividades se deu a partir da constituição de um grupo de trabalho cuja estratégia de
ação era conhecer e atender as reais necessidades do meio e promover a integração entre
a universalidade e o setor produtivo. O ponto de partida foi uma pesquisa realizada para
diagnosticar as necessidades tecnológicas industriais da região nas áreas de manutenção,
controle de qualidade, treinamento de pessoal, transferência de tecnologia, pesquisa
aplicada e consultoria, cujo resultado, propiciou ao NUTEC eleger nove áreas de
interesse do setor industrial local: alimentos, química industrial, mecânica e
metalúrgica; eletrônica; construção civil; geofísica aplicada; tecnologia mineral e
recursos hídricos, sobre as quais pautou sua atuação, dando início às suas atividades no
ano de 1979.
Nos primeiros anos de suas atividades, o NUTEC cresceu e se consolidou
como instituto tecnológico, construindo uma considerável capacidade instalada e um
quadro de técnicos qualificados e com condições para pesquisa e prestação de serviços
que lhe permitia atender à demanda tecnológica oriunda das diversas áreas, sobretudo,
um forte papel na capacitação técnica do meio.
Paulatinamente, o processo de crescimento e consolidação desta instituição
ganhou visibilidade pública e a partir de 1985, com a construção da sede própria em
terreno cedido pela Universidade Federal do Ceará em regime de comodato, com
43
recursos do tesouro estadual, numa área coberta de aproximadamente 4.500m².
Inicialmente, desenvolveu dezenove laboratórios que eram financiados com fontes
internacionais, nacionais e estaduais. Segundo Holanda (1990, p.14), o NUTEC recebeu
o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e
da Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP, que proporcionou a divulgação do
órgão junto aos demais estados do Brasil.
No que se refere aos recursos humanos, no ano de 1986, o Nutec possuía um
quadro de técnicos que dispunha de alta qualificação, onde, de um total de 323
funcionários, apenas 66 compunham o corpo de apoio administrativo e 86 eram técnicos
de nível médio, enquanto 142 eram graduados, 24 eram mestres e 05 doutores. (Fonte:
Unidade de Recursos Humanos do NUTEC).
Além de atuar como um núcleo de prestação de serviços, o NUTEC se
destacou pelas pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novas tecnologias,
sobretudo aquelas destinadas ao aproveitamento de matérias primas regionais.
Até 1986, o NUTEC construiu uma imagem de grande credibilidade pela
qualidade dos serviços oferecidos à sociedade, desenvolvendo projetos de reconhecida
importância em áreas fundamentais para o desenvolvimento sustentável, que por sua
vez, contribuiu para a geração de tecnologias alternativas e de baixo custo e de fácil
apreensão para as comunidades que delas necessitarem. Contribuíram, por exemplo,
para o desenvolvimento de novas formas de tecnologias como energia, alimentos, meio
ambiente, minerais, agroindústria, entre outros, que deram visibilidade a nível
internacional.
Atualmente, o NUTEC consta em seu quadro funcional, com 73
funcionários ativos e locados na Instituição, e mais 35 cedidos para outros órgãos, tendo
um
quantitativo
relevante
de
terceirizados
que
perfazem
o
total
de
46
funcionários.Porém, este é um elemento indispensável que será analisado mais à frente,
quando formos refletir sobre as condições de trabalho e da questão de organização
política dos servidores.
Esta breve narrativa sobre o surgimento do Nutec nos faz refletir a sua
relevância social de sua existência quando percebemos que suas atividades estão
44
direcionadas para a evolução da ciência da alta tecnologia, como fator preponderante
não só para o crescimento, mas para o desenvolvimento do estado e do país.
De acordo com Priori, sobre a necessidade da intervenção do estado na
produção de políticas claras concernentes a essa questão:
É fundamental redefinir a inserção do povo brasileiro na divisão internacional
do trabalho, procurando introduzir o trabalho científico e tecnológico no
interior da nossa economia e da nossa sociedade. Mas isso só será possível se
redefinirmos a nossa política científica, tecnológica e industrial. Ela precisa
ter por meta “orientar a pesquisa e o desenvolvimento para elevar
radicalmente os níveis de educação e saúde do povo, democratizar o acesso à
informação e ao conhecimento e expandir postos de trabalho nos ramos de
atividade que se mostram cada vez mais economicamente dinâmicos e
geradores de renda” (documento lançado em 2001 pelos partidos de
esquerda, entre eles o PT, intitulado “Brasil, ciência e tecnologia”). Evidente
que o Estado deve ter papel estratégico nessa nova política, já que caberá a
ele definir as prioridades e mobilizar a comunidade científica. (PRIORI:
2004)9
Como sabemos a temática da esfera da ciência e da tecnologia, desde o
início da década de 80, vinha vivenciando uma forte crise o que ia contrário ao que o
NUTEC propunha, pois foi nesse período que a Instituição pôde vivenciar sua fase
máxima, pois se empenhava em cumprir essa missão que seja a de “dar respostas às
necessidades tecnológicas, propriamente do estado do Ceará, em áreas estratégicas do
seu desenvolvimento sustentável, através da difusão de informações, certificação,
pesquisa aplicada, serviços tecnológicos, desenvolvendo a transferência de tecnologia”;
contudo não demorou muito para começar a viver o drama do abandono a que foram
relegadas as diversas instituições de pesquisa científica e tecnológica (sobre este assunto
iremos discutir aprofundadamente mais à frente) por parte dos governos. Conforme
HOLANDA (1992, p.6) o quadro de indefinição de políticas de ciência e tecnologia
levou o conjunto dos institutos a conviver com uma situação insustentável de
sucateamento.
Os primeiros sinais concretos de enfraquecimento começaram a se fazer
sentir pelo NUTEC, não coincidentemente, a partir de 1987, quando se inicia no Ceará o
chamado “Governo das Mudanças”, tendo como protagonista do primeiro mandato o
empresário Tasso Jereissati. Durante a chamada “Era Tasso”. O NUTEC, para continuar
de pé, teve que s envolver numa luta desigual contra diversas estratégias de
9
PRIORI, Ângelo. Ciência, Cultura e Universidade. Revista Espaço Acadêmico Nº 34, Março/2004.
Disponível em www.espacoacademico.com.br. Acesso em 15/Abril/2013.
45
sucateamento e desmonte, que denotavam claramente a proposta de extinção ou
privatização do órgão.
Uma nova crise se instalou no país após o plano cruzado I10, teve
repercussão generalizada, se abatendo também sobre os institutos de fomento à pesquisa
e ao desenvolvimento e trazendo como uma primeira consequência a paralisação dos
projetos, devido às dificuldades para a obtenção de recursos, tendo em vista as
principais fontes de financiamento haverem sofrido cortes substanciais em seus
orçamentos, o que veio potencializar os efeitos das novas práticas administrativas que já
haviam se instituído no contexto local.
O entendimento de que a privatização não se resume ao simples ato em que
uma empresa ou instituição pública é vendida, mas que se estende às diversas formas
pelas quais o público é privadamente apropriado, o que inclui formas de tratamento da
coisa pública pela lógica do interesse privado, pode-se também considerar que o Nutec
passou por um intenso processo de privatização, que teve início com a retirada gradual
do Estado de suas responsabilidades para com o órgão, obrigando-o a buscar por seus
próprios meios o sustento necessário.
De acordo com alguns documentos cedidos pela Associação dos Servidores
que discorre sobre esse assunto, do ponto de vista de alguns entrevistados, que pensam
ter sido essa forma de privatizar o NUTEC:
A partir do “Governo das Mudanças”, o governo começou com atitudes
perante a instituição que era uma instituição de ciência e tecnologia, (...)
começou a desprestigiara a instituição e a tomar atitudes tais que a instituição
começou a se enfraquecer. (...) Quem pensa em desenvolver o Estado, está
pensando em desenvolver tecnologia, ciência e tudo o mais. E se faz com que
o órgão que é o principal representante do governo do Estado, que faz esse
tipo de trabalho comece a enfraquecer, é um contra-senso. Aos poucos o
Estado foi tirando os recursos, fazendo com que aquela instituição ficasse
menos capaz e fosse perdendo a sua importância mais ainda para o Estado.
Isso não deixou de ser uma maneira de privatizar, porquê todo esse trabalho
que a instituição fazia, quem começou a fazer foram ooutras instituições,
outras empresas (...) o Nutec tinha e tem toda capacidade de continuar
prestado bons serviços para os governos, sejam quais sejam eles os seus
mentores, os seus governantes ( ROBINHO, ex-servidor do Estado, cedido ao
Nutec pelo período de 10 anos e ex-presidente da Asnut em duas gestões.
Entrevista concedida em 23/01/2006).
10
Plano econômico lançado em 01/03/1986, por Dilson Funaro, Ministro da Fazenda de Sarney. O plano
mudou a moeda do Brasil de Cruzeiro para o Cruzeiro Novo, congelou os preços e salários e criou o
gatilho salarial e o seguro-desemprego. (Disponível em HTTP://pt.wikipedia.org/wiki/plano_cruzado,
acesso em 18/02/2013)
46
Os primeiros anos da gestão Tasso já trouxeram consigo drásticos cortes no
orçamento do órgão, impedindo qualquer investimento na capacidade instalada, que já
dava os primeiros sinais de degradação e obsolescência. Além disso, foram definidas
pelo governo estadual, novas prioridades, “contemplando programas como Liceus de
Artes e Ofícios e Fábricas-Escolas, em detrimento das atividades de P&D11 praticadas
pelo NUTEC até então.
Esses eventos tiveram um forte impacto sobre as atividades do NUTEC que,
para se manter, teve que direcionar a maior parte de suas energias para a prestação de
serviços, visando ao incremento do faturamento para honrar os compromissos
financeiros institucionais.
Alguns depoimentos dos servidores publicados no jornal da associação de
dezembro de 1988, por ocasião dos dez anos da instituição, permitiria que se percebesse
os problemas da instituição na época que se prolongam até os dias de hoje.
Basicamente, apresentavam-se duas preocupações: a supervalorização da prestação de
sérvios em detrimento da pesquisa aplicada, que deveria ser a verdadeira meta de um
instituto tecnológico e a falta de planejamento, ou seja, falta de definição dos rumos do
Nutec.
Conforme detectado pelos servidores
O crescimento do NUTEC se deu de forma desordenada, sem planejamento
que definisse claramente os destinos da instituição. Nunca se definiu um
programa de treinamento e de contratação de pessoal qualificado. (...) A falta
de planejamento e a grande responsabilidade para com o meio produtivo
fizeram com que o NUTEC passasse (...) a fazer tudo, inclusive o que não era
de competência de seu pessoal. A partir desse ponto, iniciou-se o que se pode
chamar de improvisação, sob todos os aspectos e o NUTEC passou a ser
questionado interna e externamente quanto aos seus reais objetivos (ASNUT.
Movimento de revalorização e reconstrução do NUTEC; 07/1990, p.13).
Um entrevistado, respondendo à pergunta sobre as consequências do
processo de privatização do NUTEC afirma que a falta de planejamento pode ser
proposital e faz parte de um método de administração que levou à precarização do
NUTEC e da situação dos servidores. Para ele,
O NUTEC não fechou, mas se encontra hoje sob o resultado de todo esse
processo longo. É bom a gente ressaltar, por exemplo, o planejamento do
NUTEC foi iniciado várias vezes, umas duas ou três vezes, sendo
11
P & D: significa Pesquisa e Desenvolvimento.
47
abandonado pelo próprio governo. Ele mesmo não levava adiante, ou seja, o
NUTEC nunca definiu claramente o seu rumo, os seus objetivos, porque não
podia definir porque o objetivo era fechar, era privatizar, então era bom que
tudo nunca ficasse claro mesmo. Deixar claro isso, escrever num papel, num
planejamento era um trabalho inverso do que eles queriam. A ideia era deixar
tudo como estava, deixar tudo confuso, tudo nebuloso, porque aí ia sendo
concretizado nos gabinetes, em nível de governo (ENRICO, engenheiro,
servidor do Estado desde 1980, oriundo da extinta Sudec, ex- diretor da
Asnut. Entrevista concedida em 23/01/2006).
Todas essas dificuldades, como se viu, estão ligadas à política do governo
no que se refere ao controle e ao direcionamento dado à aplicação dos recursos
estaduais. Para garantir a centralização rigorosa das finanças do Estado, o “Governo das
Mudanças” ainda implantou, como já foi dito, o Sistema Integrado de Contabilidade
(SIC) que permite um acompanhamento da execução orçamentária, financeira e contábil
de todos os órgãos da administração estadual, inclusive o Legislativo, o Judiciário, o
Ministério Público, fundos, fundações, autarquias, empresas públicas e sociedades de
economia mistas. (GONDIM, 1998).
Embora essa centralização pudesse parecer uma atitude necessária para a
moralização da máquina estatal, como foi divulgado pelo governo, para as instituições,
como o NUTEC por exemplo, isso representou a perda total de flexibilidade quanto à
gestão de recursos financeiros, mesmo aquelas receitas geradas pelo próprio órgão
mediante a prestação de serviços, pois esse sistema amarrou às suas determinações
todas as decisões organizacionais, inclusive o processo de compras que passou a ser
realizado através de licitações públicas e também passou a ser controlado de maneira
centralizada pelo governo, tirando do órgão toda a possibilidade de autonomia e
trazendo sérios problemas na escolha dos equipamentos de pesquisa, submetida desde
então ao critério de menor preço, sem ao menos impor o esperado benefício da
transparência.
A impossibilidade de movimentar os recursos gerados internamente, somouse à escassez de recursos advindos do tesouro estadual, que passou a diminuir
paulatinamente o repasse de custeio, tornando o órgão, algumas vezes, inadimplente até
quanto às suas contas mais elementares, como água, luz e telefone.
Conforme dados do Sistema Integrado de Contabilidade, citados por Matos
(2002), na execução orçamentária do NUTEC, os recursos advindos do tesouro estadual
caracterizaram-se por uma diminuição progressiva, caindo de 91% em 1994 para apenas
48% em 1999. Ora, se o arrocho financeiro chegou a esse ponto, não fica difícil calcular
48
a total carência pela qual passou o NUTEC quanto aos necessários investimentos em
estrutura física e laboral, à reciclagem de seus equipamentos de pesquisa e ao
treinamento de técnicos.
Quanto aos recursos humanos do NUTEC, em 1990, com o advento do
Regime Jurídico Único – RJU, por meio da Lei nº 11.712 de 24/07/90, todo o quadro de
empregados da instituição foi transferido compulsoriamente do regime CLT para o
Estatuto dos Servidores Públicos do Ceará – Lei nº 9.826 de 14/05/1974, transformando
seus empregos em funções. Segundo um entrevistado, ao realizar essa simples
transferência, considerando que muitos trabalhadores do serviço público haviam sido
investido nos empregos sem passar pelo instituto do concurso público, o que foi o caso
de todos os funcionários do Nutec.
O Estado deu um “tiro no pé”, porque ele queria, naquela época, se livrar de
todos os encargos sociais, mas não viu que estava também dando aos
servidores direito de serem servidores públicos na acepção da palavra, ou
seja, eles estavam sendo transformado de CLT em estatutários para quem, a
constituição, havia dado a estabilidade e com isso, tempos depois, anos
depois, governos depois, o mesmo governo ensaiou uma reviravolta, mas aí
ele não teve mais como retirar esses servidores, não podia demitir esses
servidores e nem transformá-los em estatutários em CLT, não poderia
transformar “na marra” como foi feito (quando obrigou a mudança de CLT
para estatutários), não poderia fazer o inverso (ROBINHO, ex-servidor do
estado a serviço do Nutec e ex-presidente da Asnut em duas gestões.
Entrevista concedida em 23/01//2006).
Para o NUTEC, esse acontecimento teve e continua tendo uma influência
nefasta sobre a instituição e se coloca como uma estratégia perversa por parte do
governo de, a médio e longo prazo, extinguir seu único instituto de desenvolvimento e
difusão de tecnologia, pois o condenou à morte por inanição na medida em que os
empregos anteriores foram transformados em funções públicas, as quais, conforme
expressos na lei são extintas ao vagarem. Isso significa que, cada vez que um servidor,
por qualquer razão ou forma for excluído do quadro da instituição, seja por demissão,
aposentadoria ou falecimento, a função que ocupa será extinta.
Embora o decreto nº 23.265 de 21 de junho de 1994, que reorganizou o
quadro de pessoal do NUTEC, contenha o cargo público como um de seus elementos,
os servidores não puderam ocupá-los pois, como foi mencionado, haviam ingressados
no Estado por força da lei do Regime Jurídico Único e não mediante concurso público;
por outro lado, também não foram criados os cargos correspondentes às funções, nem
tampouco realizada a abertura de concurso público para preenchê-los, causando um
49
enxugamento progressivo do quadro de servidores e a consequente desmotivação e
instabilidade.
Por sua vez, os salários sofreram um severo processo de achatamento
provocado, de um lado pela política de reajuste do governo do Estado, que sequer
repunha ano a ano as perdas inflacionárias dos salários dos servidores e, de outro, pelas
distorções salariais contidas no Plano de Cargos e Carreira (PCC). O PCC do Nutec foi
implantado também conforme o Decreto governamental de nº 23.265, de 21/06/1994,
possibilitando a avaliação anual dos servidores, quer por desempenho, quer por tempo
de serviço.
Entretanto, o que deveria ser um instrumento de valorização do servidor
com a possibilidade de corrigir as distorções existente na tabela salarial em vigor,
tornou-se mais um problema, devido ao fato de que a Secretaria de Administração do
Estado concebeu os enquadramentos dos servidores no plano sobre erros preexistentes
na tabela anterior, que havia sido formulada sem obedecer a qualquer critério técnico,
mas mediante critérios subjetivos, institucionalizando, assim, as suas distorções,
principalmente no tocante do pessoal de nível superior. Este fato teve uma repercussão
tal sobre a vida funcional do NUTEC, a ponto de desencadear um processo de
adoecimento de alguns servidores que chegaram a se aposentar por invalidez.
Conforme Matos (2002), no ano base 2001, 41% dos servidores do NUTEC
estavam na faixa salarial de até 3 salários mínimos e apenas 13% recebiam acima de 9
salários mínimos, observando-se que esta faixa compunha-se exatamente de técnicos
que estavam cedidos a outras instituições com ônus para o Nutec. Vale lembrar que os
engenheiros, que são os agentes da realização das atividades-fim do Nutec, por força de
lei deveriam receber pelo menos o piso salarial da categoria que é de 8,5 salários
mínimos. Porém, o governo muitas vezes descumpriu a lei e os trabalhadores
precisaram reivindicar judicialmente para implantar um direito já adquirido.
As formas de sucateamento do NUTEC podem ser resumidas em um trecho
do documento construído a partir do “Movimento de revalorização e reconstrução do
Nutec”, segundo o qual, a questão salarial foi de fundamental importância.
As políticas econômicas e salariais praticadas pelo governo federal nos
últimos anos, a política de intransigência e de arrocho salarial adotada pelo
governo estadual nas negociações salariais quando da data-base dos órgãos
da administração indireta e o descaso para com o Nutec demonstrado pelo
50
atual governo, aliados às más administrações internas, fizeram com que os
salários hoje praticados na instituição tenham chegado a um nível de
defasagem absurdo (ASNUT. Movimento de revalorização e reconstrução do
NUTEC; 1990,p.13).
Todos estes agentes desmotivadores causaram uma significativa evasão de
profissionais que buscaram alternativas para a composição de seu orçamento pessoal,
levando consigo uma parte da memória técnica da instituição, o que seguramente
representou um grande prejuízo para o NUTEC enquanto instituto tecnológico. Vários
destes técnicos se desligaram do Estado, aproveitando os Programas de Demissão
Voluntária (PDV’s) do governo que, por sua vez, desejava “enxugar” a máquina
administrativa, reduzindo ao mínimo possível o número de servidores vinculados ao
quadro estatutário.
Há histórias de casos em que os servidores, pressionados pelo
endividamento pessoal provocado pelo arrocho salarial, se engajaram no PDV na
expectativa de quitar suas dívidas com o valor da indenização, ficando, porém,
desempregados, e alguns voltando para o NUTEC em busca de uma oportunidade de
prestar serviços, porém, desta vez, sem qualquer vínculo com a instituição. Outros, com
o propósito de melhoria salarial, buscaram lotações em outros órgãos do Estado, através
da ocupação de cargos comissionados, o que foi mais uma forma de desfalque nos
recursos humanos do NUTEC.
Dados divulgados pela ASNUT em edição especial do jornal da categoria,
em maio de 1990, já revelavam uma perda bastante significativa em número de
técnicos. Segundo aquele informativo, no período entre 1987 – início do Governo das
Mudanças – e 1990, 37 servidores se evadiram do NUTEC, sendo que, destes, 65%
eram nível superior e 35% eram nível médio; outra informação é que 51% dos que
foram embora saíram entre os anos 89 e 90. Além disso, a maioria era funcionários
antigos, visto que dos 37, apenas 7 tinham medos de 2 anos na Fundação
(ASNUTÍCIAS – Edição Especial – 01/05/1990).
Com o passar dos anos a situação tornou-se ainda mais crítica pois, de
acordo com Matos (2002), dos 160 servidores pertencentes ao quadro de ativos da
instituição, 45, ou seja 28%, encontravam-se à disposição de outros órgãos, com ônus
para o Nutec.
51
De acordo com alguns dados fornecidos pela unidade de recursos humanos
em setembro de 2013, através do levantamento de pessoal dos anos de 1986,1990, 2000,
2009 e 2013, podemos observar o grau de defasagem de recursos humanos ocorrida na
instituição ao longo desse período. Em 1986, o quadro de funcionários ativos
correspondia à 323. Em 1990, a quantidade de servidores ativos na instituição
correspondeu à 303 funcionários. Em 2000, o número de recursos caiu para 115; em
2009, diminuiu ainda mais perfazendo um total de 90 funcionários e em 2013, consta
apenas 73.
Dada essa defasagem e a impossibilidade de contratação, o NUTEC teve
que buscar outras formas de aquisição de recursos humanos, como por exemplo, a
terceirização. Por ocasião do diagnóstico realizado pela Associação dos Servidores, em
2002, havia uma composição do contingente funcional da instituição com 33
empregados terceirizados. Porém, de acordo com as regras de terceirização do Estado, a
maioria dos contratados estavam nas áreas de limpeza, conservação e apoio
administrativo. A título de dados para futuras considerações, o mesmo levantamento,
porém feito pela unidade de recursos humanos, concluiu que em 2013, o número de
serviços prestados via terceirização passou para 46.
Embora o projeto do governo tenha tido, provavelmente, maior peso no
desgaste do NUTEC, é mister lembrar que também houve acontecimentos relativos à
gestão interna que o colocaram em situação de risco, pois comprometeram o conceito de
importância do órgão junto ao governo e trouxeram perdas financeiras de grande vulto.
O NUTEC dispunha anteriormente de uma receita advinda do Fundo de
Desenvolvimento Industrial – FDI, que era retido pelo Estado através do ICMS de
industrias que recebiam incentivos fiscais. Esse fundo era da ordem de
aproximadamente R$ 85.000,00 (oitenta e cinco mil reais) mensais e tinha como
propósito os investimentos no desenvolvimento da instituição quanto à renovação de
laboratórios e equipamentos de última geração necessários aos trabalhos técnicos.
A Instituição desenvolvia um trabalho bastante rentável financeiramente na
área da Segurança Veicular, com certificação de segurança para veículos modificados e
com Gás Natural Veicular (GNV). Essa seria uma das formas de utilização dos recursos
do FDI, contudo, o laboratório foi considerado inadequado para inspeção veicular e o
52
NUTEC desabilitado para a prestação do serviço, tendo um enorme prejuízo na sua
receita.
Provavelmente por razões de utilização inadequada como essa, o FDI foi
retirado do NUTEC em outubro de 2002, deixado uma lacuna de grandes proporções
nas finanças do órgão que perdeu duas fontes de recursos bastante significativas e
diminuiu a lista de serviços prestados à comunidade.
Anteriormente a esses acontecimentos que se deram em nível local, o
governo federal, dentro da proposta de reforma administrativa, editou a Medida
Provisória nº 1591, de 10/10/1997, criando as duas primeiras Organizações Sociais
(OS): A Fundação Roquete Pinto – TVE do Rio de Janeiro e o Laboratório Nacional de
Luz Sincroton, de Campinas.
A OS é um modelo de organização pública, não estatal, regida pelo direito
privado, que tem autonomia administrativa, podendo realizar compras e contratações
sem licitação, contratar e demitir empregados (regime CLT) e remunerar produtividade,
a título de competência, dentre outras facilidades. Seu patrimônio é público e deverá
cumprir metas de serviços e produtos estabelecidos por um Conselho Diretor Misto
(público e privado) para continuar atuando como organização social.
A qualificação de órgãos públicos como organização social faz parte do
programa de publicização do Estado, que significa a transferência para o terceiro setor,
de serviços sociais considerados pelo governo como não exclusivos do Estado. Foram
considerados publicizáveis os sérvios de saúde, educação, meio ambiente, pesquisa
científica e desenvolvimento tecnológico.
No Ceará, o governo estadual, através do governo de Tasso Jereissati,
aprovou junto à Assembléia Legislativa a Lei nº 12.781 de 30 de dezembro de 1997,
instituindo o Programa Estadual de Incentivo às Organizações Sociais, como proposta
assemelhada à Medida Provisória Federal. A regulamentação para as organizações
sociais, só veio a se efetivar na esfera federal no ano seguinte, por meio da Lei nº
9.637/98.
O desejo do governo de privatizar o NUTEC não era exatamente uma
novidade. Conforme registrado em ata de reunião da ASNUT, durante um encontro do
Conselho de Administração do NUTEC, em outubro de 1991, o secretário da SIC já
53
havia e declarado a favor de uma mudança na natureza jurídica da instituição, afirmando
que ela não poderia ficar dentro da estrutura do governo, pois teria muito mais
oportunidades se saísse da máquina burocrática; e para reforçar seu parecer usou como
exemplo o Sebrae, que teria espaço por não estar atrelado ao Estado.
Assim, após a edição do Programa Estadual de Incentivo às organizações
Sociais, as investidas privatizantes do governo para com o NUTEC resumiram-se a
apenas uma estratégia: a sua qualificação como OS. Essa intenção era constantemente
divulgada nos meios de comunicação, especialmente os jornais locais, como por
exemplo a reportagem em que o secretário de Ciência e Tecnologia, Ariosto Holanda,
declara que “dentre outras instituições, o NUTEC será transformado em OS, contudo,
na área de ciência e tecnologia é o único órgão que está apresentando maiores
dificuldades, mas estão sendo discutidas as formas de incentivo”. (Jornal Diário do
Nordeste. Caderno de Negócios, 25/01/1998).
Muitas outras formas foram utilizadas para divulgar a ideia de privatização
do NUTEC, provavelmente como estratégia de convencimento prévio do público, e
principalmente dos servidores que, conforme as declarações relatadas acima, do
secretário Ariosto Holanda, já se revelam contrários.
Como última tentativa de por em prática esse projeto, antes de sair da
Secretaria de Ciência e Tecnologia, o secretário Ariosto Holanda convocou para o dia
02 de abril uma reunião do Conselho de Administração do NUTEC, a qual, segundo a
ASNUT, tinha o claro propósito de referendar a proposta apresentada na ocasião, de
extinção do NUTEC e criação de uma organização social. Essa intenção, contudo, não
logrou êxito, pelo fato de encontrarem-se presentes na reunião, mesmo que numa
participação informal, membros da ASNUT, que se manifestaram contra e pediram aos
conselheiros para estudarem o caso com cautela antes de qualquer tomada de decisão
(ASNUTÍCIAS, dez/2004).
Apesar dos servidores já haverem sentido os impactos da política
governamental, desde o início do “Governo das Mudanças”, que comprometeu a
capacidade de desenvolvimento das funções do NUTEC pela ausência de investimento
que levou à deficiência na infra-estrutura, carência de recursos humanos e materiais,
além de várias ameaças de extinção ou fusão, a proposta de qualificação da instituição
54
como OS parece ter sido o marco que deu aos servidores a percepção clara da intenção
do governo de privatizar o órgão.
Esses fatos geraram um impasse, tornando o espaço do NUTEC um
verdadeiro campo de batalha na luta contra esse projeto. Mediante as investidas do
“Governo das Mudanças” no sentido de extinguir ou privatizar o NUTEC – entendidas
como nocivas à instituição e aos servidores quanto à garantia de suas funções públicas,
conforme aqui descrito, - foram implementadas, principalmente por parte dos servidores
da instituição, correspondentes formas de resistência, que serão descritas no item a
seguir.
4.2 A organização dos servidores, surgimento da ASNUT
Até o advento da Constituição Cidadã Brasileira, promulgada em outubro de
1988, era vedada aos servidores públicos a atividade sindical. Segundo o MOVA-SE12,
essa é a razão pela qual, no Ceará, a história da organização dos servidores em sua
quase totalidade, até aquela data, à exceção de algumas sociedades de economia mista
como no caso da Coelce e Cagece, foi contada através de associações beneficentes e
assistenciais.
As quais, passaram, a partir da década de 1980, a assumir um papel de cunho
mais reivindicatório, basicamente salarial e trabalhista, papel esse que, no
final daquela década, foi em parte superado, ganhando relevância e até
prioridade, nessas associações, as atividades de caráter mais político e
questionador (MOVA-SE, 1993, p.11)
Essa assertiva encontra respaldo no depoimento da presidenta do Mova-se
quando declara que
Foi por meio das associações por órgãos que se pôde iniciar um processo de
luta, primeiro timidamente, porém com o passar do tempo, extrapolando os
interesses corporativistas e, “apontando para compromisso cada vez maior
com a sociedade, no sentido da moralização no uso dos recursos e bens
públicos, da melhoria na qualidade dos serviços prestados, apontando para a
conscientização do servidor como cidadão e trabalhador”. (Jornal Asnutícias,
ano 3, nº4, edição do dia do trabalhador, maio/1990).
O próprio Sindicato dos Servidores Públicos Estaduais do Ceará –
SINSECE, cujo embrião foi o Movimento de Valorização e Articulação dos Servidores
Estaduais – MOVA-SE, teve suas origens em sua articulação de presidentes de
associações e sindicatos específicos, que se uniram na tentativa de juntar forças para a
12
MOVA-SE: Estado e movimento dos Servidores Estaduais – OUT/93
55
luta em defesa dos servidores. A primeira diretoria do sindicato foi constituída
totalmente por presidentes de associações, o que vem justificar a vinculação entre o
SINSECE/MOVA-SE, as associações e os sindicatos de servidores, sempre presente ao
longo de sua história.
A Associação dos Servidores do NUTEC – ASNUT foi criada em 1985,
tendo, inicialmente, como principal objetivo o de lutar pelo interesse dos servidores
públicos do NUTEC, numa busca incessante de seus direitos, para promover o bemestar geral, assim como, ajudar a organizarem-se na luta contra todas as forças
contrárias, que estão a ferir esses direitos.
Contudo, expressava seu caráter meramente assistencialista, conforme
definido no artigo 1º de seu estatuto, pelo qual foi constituída como “sociedade civil de
Direito Privado, sem fins lucrativos e de caráter beneficente, sócio-cultural e
recreativo”. Somente a partir da segunda gestão, que teve início em meados de 1987, no
primeiro ano do “Governo das Mudanças”, foi que a entidade começou a trabalhar
segundo uma visão reivindicatória, por questões pontuais dos direitos dos servidores,
evoluindo rapidamente para questões mais amplas, tendo em vista a defesa da
instituição como necessária à sociedade, contra o processo de sucateamento que já se
fazia sentir no NUTEC, sob a égide dos empresários no poder estatal.
As lutas travadas pelos servidores levaram a um avanço na organização do
mesmo e foram despertando a consciência de que, sem uma participação do conjunto na
busca dos interesses da maioria, não se conseguiriam obter saldos positivos para os
trabalhadores do NUTEC.
O ano de 1987 pode ser considerado um marco na história de resistência do
NUTEC, que já começava a se organizar contra o descaso do governo com a instituição
e o achatamento salarial que atingia a todos os servidores, ao mesmo tempo em que,
avançando para além dos limites das próprias paredes e dando início às suas atividades
como entidade combativa, a Asnut mobilizou os funcionários do Nutec, tendo alcançado
grande adesão à greve geral de todos os trabalhadores do Brasil, que aconteceu em 20
de agosto de 1987, tendo como pauta questões gerais da classe trabalhadora brasileira,
como o protesto contra o governo do Presidente Sarney, o arrocho salarial e o Plano
56
Bresser13, e a favor da Reforma Agrária e de uma constituição voltada para os interesses
dos trabalhadores. A participação massiva dos servidores do Nutec naquele movimento
foi inédita e teve um grande significado em termos de desenvolvimento da consciência
política dos servidores.
Logo em seguida ao movimento grevista, foi lançada, em setembro de 1987,
a primeira edição do Jornal da ASNUT, denominado Asnutícias, um veículo de
comunicação como espaço para a manifestação livre e independente dos servidores,
cujo intuito era favorecer a aglutinação de todos em torno da associação e o
fortalecimento da categoria enquanto classe trabalhadora.
Já no final do ano, em 28/12/1987, foi realizada uma Assembléia Geral, na
qual foram tiradas como principais bandeiras para o ano de 1988, a luta por reajustes
salariais, insalubridade e periculosidade, tickets refeição, regularização da situação dos
remanejados14 e dos prestadores de serviços, plano de cargos e salários – PCS e
anuênio, dentre outras. Esse movimento foi levado à Assembléia Legislativa, contando
com o apoio de alguns deputados e denotando o nível de consciência dos servidores em
torno de sua condição como classe trabalhadora e o seu papel social como sujeitos da
construção da credibilidade alcançada pelo NUTEC nos seus dez anos de existência,
período em que procurou “construir um mundo novo, onde a ciência e a tecnologia
estejam a serviço do homem” (ASNUTÍCIAS; edição especial, 12/1988). Foi esse,
provavelmente, o marco do crescimento
Em consciência política. Política como conjugação das ações de indivíduos e
grupos na busca de um bem comum a todos. E foi esta consciência de que
somos sujeitos e não objetos da história que nos fez crescer (FREIRE, Dulce.
Asnutícias: Edição especial, 12/1988).
Os servidores do NUTEC mostraram sua capacidade de organização e luta,
comparecendo, em significativo número, à primeira audiência de conciliação sobre o
13
Em junho de 1987 foi apresentado o “Plano Bresser” que decretava o congelamento de preços, dos
alugueis e salários por 60 dias. E para diminuir o déficit público tomou algumas medidas, como:
aumentar tributos eliminou o subsídio do trigo e as obras de grande porte já planejadas foram adiadas (...)
desativa o gatilho salarial. Retomou as negociações com o FMI suspendendo a moratória. Mesmo com
todas essas medidas a inflação chegou a 366% em dezembro de 1987. (Ruiz, Manoel. A história do Plano
Cruzado I e II, plano Bresser, Plano Verão e Cruzado novo. 11/09/03. Disponível em:
HTTP://www.sociedadedigital.com.br/atigo acesso em 08/10/13.
14
Em outubro de 1987, o Nutec recebeu cerca de trinta servidores remanescentes de entidades extintas ou
fundidas, sendo mais da metade deles provenientes da SUDEC em: Diário Oficial do Estado em setembro
de 1987.
57
dissídio coletivo do órgão, no TRT, dia 30 de janeiro, causando admiração inclusive ao
juiz daquele tribunal.
Tendo em vista a reforma administrativa do Estado e a iminente
implantação do Regime Jurídico Único- RJU, prevista na Constituição Federal de 1988,
a ASNUT começou a se mobilizar juntamente com o SINSECE/MOVA-SE, visando
debater a proposta governamental, por considerá-la lesiva aos servidores, tendo
participado de discussão na Assembléia Legislativa, no dia 14/02/1990 acerca do tema,
bem como se fazendo presente nos grupos de estudos organizados pelo sindicato para
discutir e elaborar uma nova proposta de Estatuto para os servidores públicos estaduais
(ASNUTÍCIAS; nº2, 28/02/1990).
Por considerar que o NUTEC, na qualidade de instituto de pesquisa e
tecnologia do Estado do Ceará, não estava recebendo o apoio necessário, tanto interna
como externamente, para a realização de seus trabalhos visando o cumprimento de seus
objetivos e a realização de seu papel social, a ASNUT- provocada pelo corpo técnico da
instituição, que manifestara sua insatisfação com a situação do órgão naquela ocasião e
propusera unirem-se para encontrar saídas para o seu soerguimento – encabeçou um
movimento desencadeado a partir de uma assembléia geral dos servidores, realizada no
dia 11 de maio de 1990, auto-denominado “Movimento de revalorização e reconstrução
do Nutec”.
Esse movimento foi uma das primeiras formas de resistência do NUTEC ao
descaso do “Governo das mudanças” com a ciência e tecnologia como política pública,
e gerou um dossiê composto com todo o seu histórico, bem como vários anexos
comprobatórios das denúncias feitas também sobre os desmandos e atos de
autoritarismo da própria diretoria do órgão, o qual foi socializado com vários órgãos do
governo, como SIC, SEAD E SEPLA, e ainda como os conselheiros do NUTEC, os três
candidatos ao governo do Estado e os meios de comunicação, com o objetivo de
questionar, divulgar e denunciar a situação do órgão.
Conforme registro no livro de ata de reuniões da ASNUT, após avaliação do
movimento, a diretoria concluiu que foi válido, apesar das retaliações por parte do
Nutec, principalmente o então presidente, e que foi correto fazer as denúncias, pois as
más administrações só contribuíam para o descrédito dos órgãos públicos.
58
Em nota divulgada no Jornal O povo do dia 22 de maio de 1990, acerca da
luta pela reconstrução do NUTEC, a ASNUT afirmou que o descaso do governo havia
redundado em um processo de sucateamento da instituição e numa intensa defasagem
salarial que, naquela ocasião, já teria chegado a 286,75%, acumulados durante o
governo em curso.
Segundo o ponto de vista do Mova-se, isso se deu porque o governo não tem
uma política salarial, mas tem um “arrocho salarial”. Considerando os dados do mês de
julho de 1993, esse sindicato afirmou que, se por um lado o governo elevou o saláriobase do estado para pouco acima do salário mínimo, por outro, achatou os níveis de
salário de uma forma tal que
Os 30 níveis de atividades auxiliares, os 19 de atividades de nível médio e os
30 de artes e ofícios ficaram no mesmo patamar, ou seja, estão todos
nivelados ao menor salário pago no Estado. Quer dizer, o profissional é
promovido de um nível para o outro sem o devido aumento de salário. Cabe
então a pergunta: pra que promoção?” (Jornal do MOVA-SE, s/nº, agosto de
1993).
Conforme consulta no livro de atas de reuniões da ASNUT, além de sofrer
as consequências de todo esse descaso por pare do governo para com o NUTEC,
frequentemente os servidores eram surpreendidos por informações, muitas vezes
divulgadas em jornais locais, de que estaria sendo planejada a extinção do órgão, ou a
sua fusão com outras instituições do Estado, como foi o caso da divulgação de um
projeto de transferência do NUTEC para a UECE (Ata de reunião da ASNUT.
Maio/1992).
Essa possibilidade não foi vista com bons olhos pelos servidores, que a
rechaçaram de princípio, por entender que essa medida poderia acarretar a
descaracterização do NUTEC como instituto autônomo de ciência e tecnologia, que e
uma função social diferente da universidade.
Em Assembléia Geral Extraordinária realizada no dia 21/05/1992, foi
deliberada implementação de mais um movimento, cujo tema, “Mobilização SalvaNutec”, foi escolhido em alusão ao termo “salva-vida”, pois foi considerada “por um
fio” a vida do NUTEC e a sobrevivência de seus servidores. O movimento trabalhou em
duas frentes: internamente, buscado os canais institucionais para negociar as questões
internas e estudando o projeto de criação da Secretaria de Ensino Superior, Ciência e
59
Tecnologia; e externamente, estabelecendo todos os contatos possíveis e buscando o
apoio d pessoa e entidades simpatizantes e interessadas de alguma forma pelo NUTEC.
A mobilização “Salva-Nutec”, contudo, não teve somente simpatizantes,
mas também encontrou barreiras, inclusive dentro do próprio órgão, tendo por isso de
travar uma luta paralela contra as atitudes autoritárias do presidente da instituição
naquele momento, que proibiu toda mobilização, ameaçando inclusive por escrito –
Ordem de Serviço nº 06 de 19/06/1992 – tomar medidas enérgicas e avisando: “Quem
não estiver satisfeito com o sistema, que saia dele” (ASNUTÍCIAS. Ano 4. Ed. Extra
“Mobilização Salva-Nutec”, junho/1992).
Os servidores, contudo, não se deixaram abater pelas retaliações, mantendose em constante estado de alerta, não só para impedir a extinção sumária do órgão, mas
também em busca de garantir direitos que, no seu entendimento, na medida em que
valorizavam o servidor, também contribuíam para a revitalização do NUTEC.
Assim, em 1994, finalmente a luta por um Plano de Cargos e Carreira (PCC)
teve expectativa de concretização. Porém, o governo, durante a polêmica gestão de Ciro
Gomes, por meio de uma manobra que, na melhor das hipóteses, pode ser considerada
ilegal, barganhou com os servidores trocando o PCC por causas trabalhistas em
andamento na justiça contra o Estado, ou seja, para implementar o PC exigiu que os
servidores que tivessem causas trabalhistas contra o governo abrissem mão delas, sob
pena de não enquadramento no plano, o que de fato aconteceu aos que não aderiram a
essa proposta.
A atitude governamental significou a troca de um direito por outro direito,
desconsiderando a previsão constitucional que garante a todo servidor público, tanto o
direito ao PCC como também o direito a postular em juízo. O MOVA-SE criticou essa
atitude ressaltando que o “Estado, que deveria garantir o cumprimento da lei, é o
primeiro a ferir a Constituição” (Jornal do MOVA-SE, 1994).
As mais recentes ações da associação tem sido a luta contra esse tipo de
postura, buscando para isso, em parceria com o MOVA-SE, e também junto ao Fórum
Unificado das Associações e Sindicatos dos Servidores Públicos Estaduais do Ceará
(FUASPEC) no qual a atual presidenta da ASNUT, Francisca Jeruza Feitosa de Matos,
também atual presidente da Mesa de Negociação Permanente (MENP), o apoio junto a
60
outros organismos, a participação dos servidores públicos na construção dos projetos
que defendem a categoria.
Qualquer nova investida ou estratégia do governo, que traga a possibilidade
de implementação das intenções governamentais de privatizar o Nutec, ou sucatear até
seu extermínio, já faz com que o espaço de representação política desses servidores se
envolvam em novos processos de resistência e vislumbrem para um futuro próximo,
novas formas de luta no intuito de impedir o avanço dos interesses privados sobre a
vontade e o bem coletivos.
4.3 Uma análise da atual conjuntura do Nutec e da Asnut
Atualmente a Instituição é presidida pelo professor Lindberg Lima
Gonçalves, na gestão desde março de 2011. Como podemos ter percebido ao longo
deste trabalho, a Instituição foi e é alvo de ataques persistentes de privatização dos seus
serviços, bem como o sucateamento do próprio órgão através do descaso com os
servidores públicos do NUTEC. Vale salientar que não é uma característica dessa
fundação especificamente, mas de todos os órgãos vinculados ao Governo do Estado.
De acordo com o que se apresenta o NUTEC tem vivenciado sua
maturidade funcional, atualmente completou 35 anos de fundação, e com eles os
embates oriundos de uma sociedade fervorosamente capitalista, e não diferentemente
dos dias da sua criação, ainda é um equipamento que corre riscos de extinção por grupos
de interesses privados. Se insere assim na atual realidade vivenciada pelo Ceará da
construção das grandes empreitadas, característica do atual governador do Estado Cid
Gomes, como por exemplo a implantação em curso da Companhia Siderúrgica do
Pecém e da Refinaria da Petrobrás, que trará no seu esteio o desenvolvimento de um
pólo metal-mecânico e de um pólo petroquímico que traz em seu discurso para
reafirmar tal empreendimento, a responsabilidade que se põem para todos os órgãos que
compõem o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Ceará, com
destaque especial para os institutos tecnológicos.
Ora, este não seria então um momento de salto e marco para a consolidação
permanente do NUTEC? De acordo com os últimos dados colhidos por meio de
entrevistas e observações, não é bem assim que se apresenta a situação gritante desta
instituição. Como podemos perceber, durante toda a trajetória de vida do NUTEC, os
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governos que chegam ao poder, assumem uma postura claramente neoliberal, na qual, o
interesse maior é desvencilhar-se dos encargos com as políticas de proteção social,
dando maior importância à estabilidade financeira. O capital estrangeiro foi atraído pela
redução de impostos e outros incentivos, foi permitido o avanço das privatizações, das
terceirizações e a flexibilização das leis trabalhistas, numa tentativa de alterar a lógica
do direito do trabalho para uma lógica flexível, que na realidade não existe. O que existe
é uma supressão de direitos, não dando ao trabalhador a possibilidade de recuperar suas
perdas.
Para compreender a atual conjuntura do NUTEC, entendemos que se faz
necessário aqui trazer mais uma vez a principal atividade do órgão: geração e
aperfeiçoamento de tecnologias, desenvolvendo projetos e prestações de serviços com
alto teor agregado. Concomitante a esta fundação e seus princípios ao longo deste
trabalho já relatado, eis que surge no ceio cearense, dentro dos espaços da Universidade
Federal do Ceará, o Instituto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (IPDI),
inaugurado dia 11 de maio de 2011, pelo Governo do Estado, através da Secretaria da
Ciência, Tecnologia e Educação Superior (SECITECE), curiosamente presidido pelo
atual presidente do NUTEC, professor Lindberg Lima Gonçalves.
Assim como o NUTEC e de acordo com o presidente supramencionado
2011, o IPDI é uma organização de direito privado criada com a finalidade de promover
o estímulo à pesquisa científica e à inovação no Ceará, estendendo os benefícios à
região Nordeste. Tem como foco o atendimento de demandas por projetos de
desenvolvimento e inovação do setor produtivo. Entre suas atividades estão o
desenvolvimento de tecnologias, produtos e processos e apoio aos projetos
interdisciplinares de pesquisa, desenvolvimento e inovação, além da promoção de
transferência de tecnologia para o setor empresarial da região.
Eis que surge o atual emblema da situação de sobrevivência do NUTEC.
Para simplificar, porém não sem críticas reflexivas e profundas, o NUTEC, órgão
maduro, no auge dos seus 35 anos, organização pública, com missão e visão definidas,
se depara com outra instituição que detém os mesmos interesses e objetivos, criada com
a mesma finalidade, porém com caris privado. E como se não bastassem as
semelhanças, atualmente possuem o mesmo presidente.
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De acordo com Jeruza Matos 2013, servidora do NUTEC liberada para
presidir a ASNUT, na apresentação do Programa de Ciência e Tecnologia, criado no
segundo mandato do governo de Cid Gomes, muito se enfatizou o investimento e a
valorização para o IPDI e, no entanto, pouco se discutiu melhorias ou investimentos
para o NUTEC. A mesma em reunião da mesa de negociação com o governo, fez um
pronunciamento se dirigindo diretamente ao governador com a seguinte fala: “Em vez
do governo investir em outro órgão em pesquisa e tecnologia, separado do NUTEC
apenas por uma cerca, o governo deveria investir no NUTEC e na Fundação Cearense
de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME), que está sofrendo dificuldades em
suas infra estrutura e na defasagem do quadro de pessoal.” (Entrevista concedida para
este trabalho em 16 de setembro de 2013). Foi neste momento em que o governador Cid
Gomes, se comprometeu em sua campanha política promover um concurso público para
o NUTEC.
Atualmente, um dos grandes embates e desafios enfrentados hoje pela
ASNUT refere-se ao concurso para o NUTEC e concomitante a isso, a reestruturação da
tabela salarial, pois como dito anteriormente, o órgão está se desmanchando e entrando
em desuso por falta de profissionais para manejar os laboratórios e equipamentos
específicos que demandam profissionais qualificados para tal. E este acontecimento, de
comprometimento do governador com o concurso para o NUTEC, foi e está sendo os
suspiros e aspirações de todo o corpo da ASNUT e de expectativa para sobrevivência da
Instituição.
Dentre os acontecimentos em que se chocaram os interesses tanto da
ASNUT quanto do quanto da diretoria do NUTEC, houve em uma das reuniões na
Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG) com a Mesa Estadual de Negociação
Permanente (MENP), na qual Jeruza Matos também é presidente, houve uma insistência
em se debater o concurso e o ajuste da tabela salarial para o NUTEC e, no entanto, a
diretoria do NUTEC se posicionou recusando esse pedido. E foi neste momento em que
se ficou claro os interesses que se divergiam disfarçadamente ao longo da história da
Fundação e que agora, com “caras limpas” sabe-se das finalidades de cada espaço,
tanto da diretoria do NUTEC quanto da ASNUT e o conflito se tornou mais visível.
Posto isso, fizemos uma breve pesquisa sobre a questão da organização dos
servidores do NUTEC, junto à ASNUT na perspectiva criar um corpo para o
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enfrentamento do atual desafio que se ora se apresenta. No entanto, o que podemos
perceber é que há uma desmotivação por parte destes servidores, em sua maioria, entre
os 40 associados pesquisados, em torno de 60% , vêem na associação uma forma sim de
luta para conquista dos seus direitos, mas que afirmam que a luta é antiga, que o
“patrão” não está “nem aí” para a melhoria dos servidores, e que se não fosse a
insistência por luta da associação, o NUTEC já teria sido extinto.
Conta-se ainda, das mobilizações atuais feitas pela associação que levam
alguns servidores que se enquadram e participam, por acreditar nos princípios desta
organização, mas sabe-se que está cada vez mais fragmentada e por assim estar perde
dia após dia a sua força, caindo inevitavelmente nas armadilhas arquitetadas pelo
modelo neoliberal do atual Estado.
Em torno de 90% dos pesquisados possuem mais de 10 anos de
associativismo, se reconhecem como membro importante para a associação no processo
de luta, porém, 30% participam das mobilizações políticas que envolvem os direitos
pleiteados pela associação. Isso nos mostra o quanto está fragilizada esta organização,
os mesmos servidores, já que não há renovação do quadro de pessoal, encontram-se,
após 35 anos de serviços prestados à sociedade, pleiteando e gritando por seus direitos
através da organização de classe. Ainda que sejam diferentes de outrora, os direitos dos
trabalhadores ainda são e serão o motivo pelo qual se faz necessária a organização
política dos servidores por meio de sindicatos e associações.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos ao longo deste trabalho, a configuração estatal e a burocracia
criadas e desenvolvidas no Brasil foram precárias para proporcionar a universalização
de direitos, devido à coalização conservadora das classes que conduziu à modernização
capitalista – a qual constituiu um Estado forte, porém, não permeável aos interesses
populares/das classes subalternas- e à parcialidade da racionalidade burocrática
desenvolvida, na medida em que sua realização plena foi evitada ou interferida, através
de sua articulação com patrimonialismo/clientelismo, objetivando garantir a
manutenção de privilégios e, simultaneamente, visando viabilizar os interesses
imediatos da burguesia industrial nascente, via expansão do “insulamento burocrático” e
estruturação dos “anéis burocráticos”.
Os anos de neoliberalismo no Brasil têm sido marcado por uma ampla e
renovada contrarreforma do Estado. Ao passo que estamos diante de uma crise de
gestão do Estado e não frente à crise do capitalismo em sua fase madura e destrutiva e
de que é necessário tornar o Estado supostamente mais eficiente é reposto sob novas
faces como panacéia de todos os males: as organizações sociais, as fundações estatais de
direitos privado, o gerencialismo.
Como se pode constatar através da experiência do NUTEC relatada neste
trabalho, a qual não é uma realidade isolada dentro do grupo de instituições estatais, o
governo do Ceará desde o período governado por Tasso Jereissati denominado como
“Governo das Mudanças”, implementou efetivamente um novo paradigma de Estado,
utilizando estratégias típicas do modelo de acumulação flexível.
Não foi sem luta com toda resistência, a despeito de todos os entraves,
conforme exposto neste trabalho, que o NUTEC conseguiu manter-se vivo até hoje,
buscando se firmar naquilo que se caracteriza historicamente como a missão para a qual
foi criado. A Associação dos servidores do NUTEC – ASNUT, na condição de entidade
representativa dos interesses da categoria, considerando que o interesse coletivo de
maior relevância para seus representados é a defesa da instituição que compõem, e
reconhecendo a importância da instituição para o desenvolvimento do estado e a
melhoria da qualidade de vida da população, iniciou ainda nos primeiros anos de sua
criação, logo que sentiu a ansiedade dos servidores por encontrar caminhos para a
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reconstrução e revitalização do NUTEC, um processo de luta incansável, tendo
implementado diversos movimentos pela revalorização e reconstrução do órgão.
Através deste estudo, foi possível perceber que os servidores do NUTEC
arregimentados em sua associação, revelaram-se os verdadeiros sujeitos de todo esse
processo de resistência ao insistente propósito de privatização do órgão, tendo
enriquecido a luta pelos interesses da categoria com o firme empenho na defesa da
instituição, não se limitado ao exercício da prática sindical pura e simplesmente, mas
avançando para uma dimensão propositiva.
Além disso, o fato dos servidores haverem conseguido manter o NUTEC
vivo e ainda atuante em algumas das áreas pertinentes à sua missão, e com perspectivas
de crescimento e reestruturação, apesar de todo o processo de sucateamento e sucessivas
tentativas de privatização impostos pelo governo, enquanto poder constituído, pode
comportar um importante significado. Traz à reflexão o pressuposto de que, embora não
se possa negar a efetiva existência de um poder hegemônico, também não se pode
desconsiderar a sempre latente possibilidade de que, mediante a correlação de forças
presente entre os blocos sociais em um determinado contexto histórico, haja
deslocamentos que permitam algum tipo de mudança nas condições de dominação, o
que, no caso específico do NUTEC se revelou como forma de impedimento, mesmo que
parcial, para a realização dos propósitos de classe.
Então, com esse intuito, provocamos o sujeito. Deste ente com potência para
mover-se com capacidade de deliberação e compreensão sobre o sentimento
de outros homens. A partir destas capacidades, o homem adquire a
capacidade de tornar-se sujeito da criação do tempo e, este tempo, pela ação
proposital-instrumental, habilita-se a produzir uma data [pré-determinada]
história que será contada pelo sujeito de suas criações. Nesta esfera, os meios
de mediação assumem relevância também proposital-instrumental. Estado e
sociedade, portanto, são temas de uma mesma construção: o tempo, e este
tempo é o social-histórico posto à disposição daqueles que o podem criar.
(NETO, Ricardo Giuliani. p. 234. 2009)
A expectativa deste estudo foi ser um ponto de partida, um despertar para
novos conhecimentos e questionamentos que possam induzir não só a outros
pesquisadores mas também aos servidores do NUTEC a trilhar pelo caminho da
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reflexão e da busca por novas descobertas, que tornam maduro e consciente o processo
de luta e a resistência contra a dominação e a exploração.
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