CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL NATHÁLIA FURTADO GURGEL A SOBREVIVÊNCIA E A PERMANÊNCIA DE UMA FUNDAÇÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO NUTEC FORTALEZA 2014 NATHÁLIA FURTADO GURGEL A SOBREVIVÊNCIA E A PERMANÊNCIA DE UMA FUNDAÇÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO NUTEC Monografia submetida à Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará como requisito parcial à obtenção do título de graduado em Serviço Social. Orientador: Benevides FORTALEZA 2013 Mário Henrique Castro G978s Gurgel, Nathália Furtado A sobrevivência e a permanência de uma fundação pública: uma análise a partir da participação política dos servidores públicos do NUTEC / Nathália Furtado Gurgel. Fortaleza – 2013. 68f. Orientador: Prof.º Ms. Mario Henrique Castro Benevides. Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2013. 1. Estado. 2. Sindicalismo e Associação. 3. Trabalho. I. Benevides, Mario Henrique Castro. II. Título CDU 36 Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274 NATHÁLIA FURTADO GURGEL A SOBREVIVÊNCIA E A PERMANÊNCIA DE UMA FUNDAÇÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO NUTEC Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – Fac, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/____/______ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Professor Ms. Mário Henrique Castro Benevides (Orientador) _____________________________________________ Profa. Ms. Jane Meyre Silva Costa Universidade Estadual do Ceará ____________________________________________ Profa. Ms. Sandra Costa Lima Universidade Estadual do Ceará AGRADECIMENTOS À minha família por suportar com paciência a minha ansiedade e as minhas ausências, em especial a minha mãe e pai que sempre serão exemplos de persistência, dedicação e amor. Aos meus irmãos, que entre uma brincadeira e outra me estimularam para que este trabalho fosse concluído. Aos meus companheiros de trabalho/estágio que entrevistei, pelo tempo despendido comigo para o fornecimento das informações necessárias, presentes, sobretudo, em suas memórias. Em especial a minha coordenadora Cleine Pinto, que estimulou e fez acender um olhar mais crítico sobre a realidade estudada além de possibilitar manhã e tardes mais produtivas, regadas de bons papos e demonstrações de afeto. Aos meus amigos que compreenderam meu afastamento e que ainda assim, se fizeram tão carinhosos e pacientes enquanto estive ausente. Aqueles também que entre um capítulo e outro vieram brindar comigo tornando possíveis dias e noites agradáveis e mais leves para a continuação da construção deste trabalho. Às alunas da turma e AMIGAS que me acompanharam ao longo desses quatro anos de formação, Alba Pinto, Márcia Andrade, Carol Dias, Elenita Silva, Flávia Linhares, Suelen Vieira, Jordânia da Luz e em especial amiga e irmã Natasha Xavier que foi e será um presente mandando por Deus para que eu conseguisse discernir sobre o que queria profissionalmente e pessoalmente. Obrigada pela sua companhia e tamanha amizade, obrigada pelos banhos de piscinas entre uma prova e outra, entre uma página e outra, entre um choro e outro, entre uma gargalhada e outra. Aos docentes da Faculdade Cearense que contribuíram significativamente para minha formação tanto profissional quanto pessoal. A cada manhã pude experimentar as doses de vida que trouxeram para os debates e reflexões, em especial Sandra Lima, Chris Porfírio, Mônica Cavaignac, Richelly Barbosa, Priscila Notty, Joelma Freitas, em especial ao meu professor orientador Mário Benevides, que veio me acompanhando acreditando e me apoiando nessa empreitada, obrigada pela sua disponibilidade e amizade ao longo dessas páginas. E com muito carinho e afeto, um agradecimento especial a amiga Iris Silva que com muita paciência, cumplicidade e companheirismo acompanhou, na vida privada, as loucuras e desventuras que também estiveram presentes na elaboração desse texto. Que participou indiretamente acreditando e me apoiando. Compreendendo os motivos de minha ausência e minhas necessárias escapulidas para aliviar as tensões da realidade. Íris, obrigada! A Deus, por todas as coisas. “Como minha finalidade é a de escrever coisa útil para quem a entender, julguei mais conveniente acompanhar a realidade efetiva do que a imaginação sobre esta.” (Maquiavel) “É preciso auto-disciplina interior, maturidade intelectual, seriedade moral, senso de dignidade e de responsabilidade, todo um renascimento interior do proletário. Com homens preguiçosos, levianos, egoístas, irrefletidos e indiferentes não se pode realizar o socialismo.” (Rosa Luxemburgo) RESUMO O trabalho ora apresentado objetiva tratar sobre alguns elementos fundadores da ideia de associação de trabalhadores no Estado do Ceará, bem como entender o que motiva a participação dos mesmos na Associação dos Servidores do Nutec e como se repercute tendo em vista sua visão enquanto classe trabalhadora. Para facilitar a compreensão do assunto, o seu conteúdo foi dividido em três capítulos sequenciais, que tratam, primeiro sobre a questão da administração pública e a burocracia, trazendo elementos sobre a construção do Estado Moderno brasileiro e seus desdobramentos; em seguida, sobre a questão da reestruturação produtiva e seus impactos na organização sindical; e por último, sobre a história da criação da instituição Nutec, bem como as respectivas formas de luta implementadas pelos servidores do órgão na tentativa de defendê-lo para a sobrevivência e permanência da instituição. Para o desenvolvimento deste trabalho fizemos uma pesquisa, em sua maior parte, documental, além da realização de entrevistas e aplicações de questionários, nos sendo permitido concluir que os atores das diversas formas de resistência foram de fato os servidores, aglutinados na sua associação de classe, a Asnut, e que essas resistências não se limitaram apenas ao nível de reivindicação corporativista, mas que avançaram para uma manutenção e revitalização do próprio Nutec como entidade pública, embora permaneça uma árdua e severa prática de desorganizar a classe, assim, desorganizando também a associação. Palavras-chaves: Estado. Sindicalismo e Associação. Trabalho. ABSTRACT This work presents has the objective to show the deal of some elements founders of idea of workers’ association in the State of Ceará, as well as understand what motivates their participation in the Serves’ Association of Foundation Nucleus of Industrial Technology of Ceará (Nutec) and how it affects considering your vision while working class. To facilitate the understanding of the subject, the content of work has been divided into three sequential chapters, dealing first on the question of public administration and bureaucracy, it bringing elements about the construction of the Brazilian Modern State and its consequences; then the question of productive restructuring and its impact on union organizing; and, finally, about the history of the creation of the institution Nutec, and theirs forms of struggle implemented by the servers of the agency in an attempt to defend it for survival and permanence of the institution. For the development of this work we made the research, for the most part, using documentary, besides conducting interviews and questionnaires applications, so we conclude that the actors of the various forms of resistance were in fact the servers, agglutinated in their class association, the Servers’ Association of Nutec (Asnut), and that resistance is not limited only to the level of corporatist demands, but that moved towards maintenance and revitalization of Nutec itself as a public entity, although it remains an arduous and severe practice of disrupting the class, thereby also disrupting the association. Keywords: State. Syndicalism and Association . Labor. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9 2. A QUESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO, O ESTADO BRASILEIRO E A BUROCRACIA ................................................................................................ 19 2.1 A QUESTÃO DA ADMINITRAÇÃO PÚBLICA .................................. 19 2.2 UMA BREVE ANÁLISE DO ESTADO MODERNO BRASILEIRO.. 21 2.3 A BUROCRACIA E SEUS DESDOBRAMENTOS ............................... 26 3. AS TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS NO ESTADO MODERNO BRASILEIRO E O SINDICALISMO BRASILEIRO ................................. 30 3.1 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O SINDICALISMO .......... 30 3.2 O SINDICALISMO NO SETOR PÚBLICO .......................................... 39 4. O CASO DA FUNDAÇÃO NUTEC E DA ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DO NUTEC .......................................................................... 42 4.1 OS PERCURSOS HISTÓRICOS: DO CRESCIMENTO AO DECLÍNIO ................................................................................................. 42 4.2 A ORGANIZAÇÃO DOS SERVIDORES, SURGIMENTO DA ASNUT ...................................................................................................................... 54 4.3 UMA ANÁLISE DA ATUAL CONJUNTURA DO NUTEC E DA ASNUT ........................................................................................................ 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................67 9 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objeto central a participação política dos servidores públicos da Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec) a partir da sua organização por meio da Associação dos Servidores do Nutec (Asnut). O Nutec foi criado no Estado do Ceará desde 1978, visando a produção, geração e transferência de tecnologias de fácil absorção voltadas para o meio produtivo cearense e a comunidade estadual como um todo, especialmente no interior do Estado. Contudo, a Instituição sofreu várias formas de ataques no sentido de sua extinção ou privatização, sob a égide do marco político no Ceará conhecido como “Governo das Mudanças” a datar de 1987 a 2002. O Nutec enquanto Instituto de Pesquisa Tecnológica, que tem na geração e aperfeiçoamento de tecnologias a sua principal atividade, e cuja natureza de atuação, é desenvolver atividades e projetos, além de prestar serviços com alto valor agregado, que dependem fundamentalmente de componentes como conhecimento, estratégia e qualidade, encontra-se no centro de uma poderosa correlação de forças. A Associação dos servidores do Nutec – Asnut, na condição de entidade representativa dos interesses da categoria, considerando que o interesse coletivo de maior relevância para seus representados é a defesa da instituição que compõem, e reconhecendo a importância da instituição para o desenvolvimento do Estado e a melhoria da qualidade de vida da população, iniciou, ainda nos primeiros anos de sua criação, logo que sentiu a ansiedade dos servidores por encontrar caminhos para a reconstrução e revitalização do Nutec, um processo de luta incansável, tendo implementado diversos movimentos pela revalorização e reconstrução do órgão. Embora tenham sido promovidos movimentos em defesa de causas corporativas dos servidores, como reivindicações por reajustes salariais, plano de cargos e carreiras, auxílios para alimentação e transportes, dentre outros, o núcleo da luta esteve focalizado, historicamente, na defesa da continuidade da instituição enquanto patrimônio público, oferecendo forte resistência contra as frequentes investidas do governo de privatizar o Nutec. Ciente da importância da construção de um diálogo produtivo e coerente com as formulações teóricas prévias, que circunscrevem e delimitam minhas hipóteses, 10 procuro aqui desenvolver uma proposta metodológica que me possibilite, efetivamente, encontrar e acompanhar os sujeitos que integram o meu objeto. Nesse sentido, um primeiro procedimento necessário foi realizar uma pesquisa de campo junto à Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do CearáNUTEC- no qual fica localizada a sede da Associação dos Servidores do Nutec – ASNUT-, compreendendo e investigando a mobilização social e política dos servidores públicos junto à ASNUT para sobrevivência e permanência do NUTEC. Paralelamente a esta pesquisa, pretendo desenvolver uma análise reflexiva e crítica das categorias que rodeiam o meu objeto de pesquisa que são: mobilização dos sindicatos e associações, Estado, relação de trabalho e serviço público. Trata-se de construir um trabalho que siga os agentes observados pelos trajetos, em meio aos cenários do NUTEC, buscando observar as relações que os mesmos estabelecem nos espaços, bem como os usos diferenciados que fazem dos equipamentos do local de trabalho. A pesquisa foi realizada numa perspectiva eminentemente qualitativa de observação das sugestões advindas da interação com o campo, no qual o pesquisador terá uma atuação marcada pela observação participante e análise dos dados coletados. O percurso de escolha de sujeitos a serem pesquisados, do número de entrevistas, serão definidos a partir do campo de pesquisa. Desde que entrei no Nutec comecei a observar mais os espaços e as pessoas a serem pesquisadas, estabelecendo, portanto, critérios para tal aproximação. Farei uso de dois tipos de instrumentais: 1Entrevista, no qual foi estabelecido o seguinte critério – Ser ou ter sido presidente da Asnut e esteja ativo e lotado na Instituição; 2-Questionário, que será aplicado a todos os servidores associados à ASNUT e que estejam ativos na Instituição. Os critérios foram estabelecidos para que não inviabilizasse a pesquisa e que seu percurso obtenha melhores resultados no tempo previsto para sua conclusão, bem como a indisponibilidade de contatar associados aposentados. No entanto, a pesquisa não se realiza sem um direcionamento do pesquisador, que vai ao campo em busca de algo que deseja compreender. Assim, não se deve confundir o olhar aberto para perceber as pistas do campo com a falta de um direcionamento. Os rumos da pesquisa são definidos por um “investigador munido de 11 um conjunto de problemas que deseja submeter ao escrutínio da razão” (Da Matta, Roberto. p. 160). Considero a minha permanência no NUTEC e as relações de proximidade fundamentais para a realização de uma pesquisa qualitativa. Vale salientar que no período que corresponde o início da pesquisa até sua conclusão estive estagiária da Instituição na Unidade de Serviço Social. Tenho consciência das dificuldades metodológicas de um estudo complexo e instigador proposto por esta pesquisa que passam por redefinições nos momentos da pesquisa e da dificuldade de apreender suas estruturas, bem como assimilar e tornar consciente as nuances que irão desabrochar na conjuntura que se pretende investigar. Para que o trabalho possa se realizar com uma objetividade científica, venho fazendo uma seleção de textos que possam auxiliar na minha conduta em campo e na minha metodologia. Como primeiro passo, escolho dialogar com o texto do antropólogo Gilberto Velho intitulado “O desafio da proximidade”. Esse artigo escrito por Gilberto Velho é fruto da sua pesquisa em Copacabana junto a moradores residentes num prédio de apartamentos conjugados. Esse trabalho resultou na sua dissertação de mestrado e no livro intitulado A Utopia Urbana. No artigo, o autor procura refletir sobre os problemas teóricos-metodológicos oriundos de se pesquisar um objeto familiar ao pesquisador, ou seja, refletir sobre proximidade e distância, familiaridade e estranhamento. Penso ser bastante oportuna a reflexão que o autor faz para pensar e orientar minha inserção em campo. Durante sua trajetória de pesquisa no Edifício estrela, em Copacabana, ele nos afirma que se baseou, sobretudo, na observação direta e no contato permanente com os moradores e com a vida do prédio em geral. “Conversei com as pessoas e assisti a conflitos e dramas de todos os tipos”. (VELHO. 2003. p. 14) partindo dessa reflexão, penso está numa posição privilegiada, pois tenho acessos cotidianos a vários assuntos do NUTEC e da ASNUT. Não somente observo diretamente os eventos cotidianos, como, também, coleto opiniões das pessoas envolvidas diretamente nas atividades políticas do órgão completando minha observação participante (Malinowski). Esse movimento não é tão apreciável pela academia, e nem é aconselhável a pesquisadores iniciantes. Muitas vezes somos aconselhados a escolher temas que não 12 tenhamos tanta proximidade. No entanto, o autor nos mostra que é possível, a partir de um movimento intelectual, estranhar aquilo que nos é familiar. “Tarefa nada trivial e, com certeza, nem sempre bem-sucedida”. (VELHO, 2003. p.15). A dificuldade de desnaturalizar noções, impressões, categorias, e classificações que constituam minha visão de mundo sobre trabalho e posição política serão permanentes. Essa perspectiva é fundamental durante minha pesquisa de campo, pois entrevistei indivíduos com discursos e práticas de crítica e inovação dentro do NUTEC e da ASNUT. Esses indivíduos ocupam determinados espaços dentro do órgão e da sociedade cearense. Será um dos meus desafios situá-los dentro desse mapa de relações sociais que Gilberto velho se refere, derivando daí a importância do estudo de projetos individuais e coletivos nos quais as possíveis contradições e ambiguidades, provindas dos multipertencimentos, apresentam-se, pelo menos em parte, subordinadas a uma ação racional. Ao mesmo tempo, é, esse multipertencimento, que permite ao antropólogo [pesquisador] pesquisar sua própria sociedade e, dentro dela, situações com as quais ele tem algum tipo de envolvimento e das quais participa(...) As possibilidades desse empreendimento ser bem-sucedido dependem, sem dúvida, das peculiaridades das próprias trajetórias dos pesquisadores, que poderão estar mais inclinados ou aptos a trabalhar com maior ou menor grau de proximidade de seu objeto. Logo, para variar, não há fórmulas nem receitas, e sim tentativas de armar estratégias e planos de investigação que evitem esquematismos empobrecedores. Assim, cada pesquisador deve buscar suas trilhas próprias a partir do repertório de mapas possíveis (VELHO,2003.p.18) Segundo VELHO, podemos, então, considerar que de acordo com a situação em que se depara o pesquisador, no que diz respeito ao campo da pesquisa, se estabelece uma correlação de identidade e identificação com o espaço, ainda, alertando que nesse processo de construção da identificação é o momento em que a pesquisa estabelece e toma para si, olhares, concepções, análises e dentre outros atributos oriundos do pesquisador. Um outro elemento que trago encontra-se no livro “O Poder simbólico”, de Pierre Bourdieu (1996) que elabora uma teoria geral das classes sociais. O livro é uma inspiração para um modelo de compreensão dos mecanismos sociais e culturais, que retira os fatores econômicos do centro das análises da sociedade porque remete as práticas de consumo culturais a uma estrutura relacional. A abordagem de Bourdieu (1996), sobre as classes sociais parece frutífera para discutir a questão da posição social 13 do servidor público. Negando a existência de classes sociais, porém concordando com a existência de relações entre dominantes e dominados, argumenta o sociólogo francês que classe social é uma categoria abstrata, invisível na realidade, sugerindo como alternativa analítica o conceito de agente ou classe de agentes que se separam por diferenças em suas propriedades, práticas, bens possuídos, gostos e estilos de vida, condicionados socialmente. Diz Bourdieu (1996): “as classes sociais não existem. (...) o que existe é um espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer”. Bourdieu (1996) busca estabelecer desde cedo que as práticas culturais juntamente com as preferências estão ligadas ao nível de instrução, submetidas ao volume global de capital acumulado, aferidas pelos diplomas escolares ou pelo número de anos de estudo e, secundariamente, à herança familiar. Desmistificando a afirmação de que gosto não se discute, Bourdieu (1996) irá afirmar que gosto se discute, e mais do que isso, o gosto classifica e distingue, aproxima e afasta aqueles que experimentam os bens culturais. Porém, de que maneira as preferências culturais dos agentes são estruturadas? Para o autor isso se inicia com a transmissão do capital cultural inculcado na escola e aquele herdado pela família, efetuadas de maneira precoce ou através do aprendizado tardio, ou seja, pelas ações de imposições positivas de valores. As práticas culturais incentivadas por essas duas instâncias distinguem aquilo que será reconhecido como gosto legítimo burguês, de classe média ou popular. O gosto, como diz Bourdieu (1996), é a aversão, é a intolerância às preferências dos outros. A família e a escola tomadas como mercados simbólicos, funcionam como espaços instituidores de competências necessárias aos agentes para atuarem nos diferentes campos. Desta forma, a transmissão dos valores, virtudes e competências, maneira de ver o mundo simbólico serve de fundamento à filiação legítima de “habitus” distintos e desiguais, fortalecendo e intensificando a hierarquia do culturalmente aceito ou execrável porque o “habitus” encontra-se no princípio das afinidades imediatas que coordenam os encontros e as aquisições sociais. 14 O habitus1 em Bourdieu (1996) é responsável pelas práticas objetivamente classificáveis, sem, contudo, deixar de ser um sistema de classificação. Além do habitus estruturar os estilos de vida do campo simbólico, nele encontra-se inserida toda a estrutura do sistema de condições ou disposições possíveis, fundamentando as estruturas das diferenças. O habitus é o que faz um agente ser detentor de um gosto, porque as preferências estão associadas às condições objetivas de existência. Os agentes apreendem os objetos ofertados simbolicamente através dos esquemas de percepção e de apreciação de seus Habitus. Possibilitando a nós, estudantes, compreender que as incessantes interpretações e revisões das escolhas individuais não são frutos de ordenamentos isolados ou decorrentes do acaso, a distinção põe em evidência que a lógica intrínseca aos gostos e preferências culturais é aquela submetida à lógica interna de cada campo tomado numa relação simbólica. As distinções críticas das preferências manifestadas pelos agentes são aplicadas em todo e qualquer ponto da distribuição e reprodução dos Habitus. As experiências incorporadas do mundo social – a doxa – adesão às relações de ordem aceitas como evidentes, definem os limites, as posições e os legados daquilo que será objetivamente pensado nas estruturas das classes sociais. No pensamento de Bourdieu (1996), o mundo social funciona simultaneamente como um sistema de relações de poder e como um sistema simbólico em que as distinções minuciosas do gosto se transformam em base para o julgamento social. Tomando como exemplo a obra de arte, para ibdem(1996), os bens culturais possuem uma economia e uma lógica específicas de apropriação que fazem com que esses bens, em determinado momento, sejam ou não valorados como obras de arte. A pesquisa de autor aponta para diferentes modos hierarquizados de aquisição da cultura ligados às classes de indivíduos. Ou seja, uma obra de arte só adquire sentido e só tem interesse para quem é dotado do código segundo o qual ela é codificada. Partindo dessa 1 É aquilo que confere às práticas sua relativa autonomia no que diz respeito às determinações externas do presente imediato. O habitus fornece, ao mesmo tempo, um princípio de sociação e individuação: sociação porque nossas categorias de juízo e de ação, vindas da sociedade, são partilhadas por todos aqueles que foram submetidos a condições e condicionamentos sociais similares; individuação porque cada pessoa, tendo trjetória e uma localização únicas no mundo, internaliza uma combinação incomparável de esquemas. (Bourdieu, 1990 [1980],p.256). 15 premissa, os gostos ou as preferências manifestadas são a afirmação prática de uma diferença inevitável, pois, são a expressão distintiva de uma posição privilegiada no espaço social, cujo valor distintivo determina-se objetivamente na relação com expressões engendradas a partir de condições diferentes. De acordo com o tipo e o volume de capitais adquiridos – econômico, social, cultural e simbólico – cada grupo social, em função das condições que caracterizam sua posição na estrutura social, constitui seu próprio sistema específico de disposições para a ação – O habitus– composta por esquemas de ação e pensamento construído pelo acúmulo histórico de experiências de êxito e de fracasso. As práticas engendradas pelos diferentes habitus apresentam-se como configurações sistemáticas e funcionam como estilos de vida. Estrutura estruturante que organiza a percepção do mundo social e, por consequência, funciona como uma força conservadora que mantém a divisão em classes sociais. Os esquemas dos habitus devem sua eficácia ao fato de funcionarem aquém da consciência e do discurso. Logo, o habitus se encontra fora das tomadas do exame e do controle voluntário – orientando as práticas, dissimula o que seria designado, erroneamente, como “valores” nos gestos mais automáticos. As estruturas cognitivas utilizadas pelos agentes sociais para conhecer o mundo social são estruturas sociais incorporadas, como forma de classificação, estruturas mentais, formas simbólicas, e, por serem o produto da incorporação das estruturas fundamentais de uma sociedade, os princípios de divisão são comuns aos agentes dessa sociedade e tornam possível a produção de um mundo comum a todos os seus membros. Nesse contexto, idem (1996), formulará a noção de Habitus e romperá com o estruturalismo, passando da tentativa de verificação das regras às análises das estratégias em movimento. Essa noção de estratégia está umbilicalmente relacionada ao conceito de Habitus, na medida em que as próprias estratégias utilizadas se definem pelo próprio Habitus individual. Para OpCit, agimos em função do Habitus, que orienta nossas ações, entretanto, seguindo as estratégias internas próprias à determinada sociedade, os homens são capazes de subverter as normas vigentes de uma configuração social, que são as 16 “exterioridades interiorizadas”, ou seja, as estruturas de uma sociedade elaboradas de acordo com as práticas individuais. Para se compreender um Habitus de um indivíduo, é preciso analisar sua trajetória individual, ao mesmo tempo em que a história do ambiente em que vivia. É propriamente este “senso de jogo” capaz de orientar o homem em suas estratégias individuais no interior de estruturas, em que se define o Habitus como uma estrutura estruturada que se faz estruturante. Concluindo, a noção de campo, nos ajuda a romper com as distâncias entre as lógicas internas e externas de análise. É fato que as obras do autor aproxima-se no sentido de que buscam a dessacralização da teoria: para o autor, a pesquisa, a análise dos dados dever-se-ia congregar a teoria perfeitamente. No tipo de abordagem dos autores, a separação entre os pólos sociológicos (indivíduo e sociedade) se mostra ineficaz, afinal, na pesquisa empírica será verdadeiramente impossível separar o homem de seu tempo. Assim, partindo da perspectiva teórico-metodológica de Bourdieu é possível pensar o campo identitário do trabalhador como os demais campos do espaço social, definindo-se e funcionando de forma relacional. Para Bourdieu os atores inseridos em um campo, constroem e se ajustam a uma lógica particular, através de alianças, lutas e conflitos, num confronto de posições e relações estabelecidas pelo contínuo jogo, onde estratégias de conservação ou de transformação são estabelecidas. Articuladas entre si, identidade social ou do trabalhador e campo social são simultaneamente elementos históricos que expressam assim, a proposta de Bourdieu (1996) ao afirmar que um campo é o resultado da luta travada na dialética entre as dimensões internas e externas. Assim, partindo de Bourdieu (1996), é possível uma análise que capte as nuances das construções relacionais das identidades individuais e sociais. O autor compreende o mundo social como um espaço plural, ou seja, o espaço não é um “pano de fundo” dos objetos, nem se define por uma distância linear entre os mesmos. O que existe é um espaço de relações. Portanto, se a condição de campo é relacional e histórica, se torna possível tentar entender as relações estabelecidas na Associação dos Servidores Públicos do Nutec, não de forma estática e definitiva, mas partindo das articulações que em um 17 determinado momento do tempo o campo estrutura em conjugação com os outros campos e com o espaço social. A identidade entendida como campo teria a dimensão de seu funcionamento representada pelo alcance da relação entre o que lhe é colocado e a forma como ela se articula. As relações que me levaram a buscar entender as relações estabelecidas entre servidores associados e seus exercício políticos estão na relativa aproximação que tenho com eles, pelo fato de estar estagiária do Nutec no setor de Serviço Social, desde 2012. Para chegar ao resultado que ora se apresenta, tendo sempre em mente os acontecimentos das últimas décadas, o ponto de partida foram as hipóteses de que, por um lado, o governo vinha dando sinais do seu interesse de privatizar o Nutec, os quais estavam impressos ao longo da história do órgão nesse período, revelados, por exemplo, em ações que eliminaram a sua natureza jurídica de interesses particulares. Por outro lado, que o Nutec, a despeito de todas as investidas privatizantes que sofreu, ofereceu forte resistência, a tirar pela história de luta desenvolvida pelos servidores através da sua associação, a Asnut. Enfim, por meio do relato dessa trajetória de resistência dos servidores do Nutec às investidas de privatização, o presente trabalho objetiva se constituir, embora modestamente, em um instrumento que revele de forma concatenada a história da luta dessa categoria de trabalhadores do serviço público cearense e a sua tentativa de impedir o avanço dos interesses particulares sobre o interesse coletivo que se revela na invasão da esfera pública pela esfera privada. Assim, este trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro refere-se à questão da administração pública, sobre o Estado e a burocracia, trazendo discussões sobre a conjuntura que está inserida a atual situação do objeto dessa pesquisa, que seja o âmbito público, além de abordar de forma não aprofundada mas entendendo a importância de trazer a cena do Estado do Ceará no qual estão incluídos os servidores o qual foram estudados. O segundo capítulo traz o diálogo sobre a identidade da militância e o sindicalismo brasileiro, subdividindo-o sobre a organização da classe trabalhadora, as 18 transformações oriundas da reestruturação produtiva. A estrutura sindical brasileira e a realidade do Sindicato dos Servidores Públicos do Ceará. Já o terceiro trará para o debate, além do percurso histórico da Instituição em que os sujeitos da pesquisa trabalham, a história da organização desses servidores por meio da Associação dos Servidores do Nutec (Asnut) e, ainda, de possibilitar uma análise da conjuntura em que estão inseridos, buscando assim uma leitura crítica sobre a resistência e a sobrevivência de uma fundação pública. 19 2. A QUESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO, O ESTADO BRASILEIRO E A BUROCRACIA 2.1 A questão da Administração Pública Para dar início a esta exposição, iremos abordar alguns elementos que se configuram como imprescindíveis para nossa análise ao longo da pesquisa. Neste ponto específico iremos trazer o conceito usual de administração. Ao pesquisar sobre, encontramos a definição em geral do termo “administração” que é “a utilização racional de recursos para realização de fins determinados” (Paro, 2000, p.18). Partindo da definição acima, podemos perceber que refere-se à organização de recursos para uma dada finalidade, ou seja, a finalidade a ser alcançada determina quais os recursos que irão ser utilizados bem como a racionalidade que envolvem a ação. Essa correlação estabelecida, representa uma relação dialética, pois apresenta três possíveis articulações, seja ela fim-meio, racionalidade-meio, racionalidade-fim, propiciando uma administração democrática. Mas o que seria essa administração democrática? De acordo com Paro (2000), a administração é uma atividade exclusivamente humana, exatamente por ser teleológica2 e, ainda, é necessária porque, na medida em que o homem propõe-se a realizar objetivos, ou seja, para a efetivação dos meios se faz necessário a racionalização, como forma de se trabalhar a razão, buscando a emancipação do homem. A finalidade racional é aquela destinada à liberdade humana, é aquela (...) que coloca como questão fundamental a busca de objetivos que atendam aos interesses de toda a sociedade e não de grupos privilegiados dentro dela (Paro, 2000, p.57). Portanto, para se pensar em uma administração democrática é necessário compreender a racionalidade associada à questão da emancipação humana, tendo em vista a sua interação com todos os espaços que demandam os seres sociais. Busca articular a dimensão política e a dimensão técnica da administração na tentativa de evitar a cisão entre o político e o técnico. 2 A capacidade teleológica do ser social põe em movimento formas diferentes da atividade mecânica animal, sendo a representação prévia do processo de trabalho. É o momento em que se manifesta o ato consciente.( Antunes, 2007) 20 A presente discussão se faz relevante por considerarmos que discutir a questão da administração está para além de discutir o valor universal da mesma ou desmistificar sobre o fato de ser um mero instrumento de dominação da sociedade vigente. Ora, ambas as concepções não nos possibilitam uma perspectiva de administração pública num viés democrático, pois, ou negam a administração, desconsiderando assim as determinações sociais e econômicas, ou renovam as relações de dominação presentes na sociedade. Assim, a administração ganha substância para discussão para além de vinculações estreitas e exclusivas à ordem burguesa. Segundo Paro, Captada em sua especificidade (ou seja, sua forma geral, aquela que é comum a todo o tipo de estrutura social), é possível identificar quais os elementos que, em sua existência concreta, se devem às determinações históricas próprias de um dado modo de produção. Numa perspectiva de transformação social, é possível, além disso, raciocinar em termos dos elementos dos quais esta forma, historicamente determinada numa sociedade de classes, precisa ser depurada para que, numa sociedade avançada, se possa pô-la a serviço de propósitos não autoritários (Paro,2000, p.18). De acordo com o autor, essa concepção de administração para além de meras vinculações tendenciosas, evita tanto um olhar “tecnicista”, ou seja, uma noção de gestão relacionada à dimensão técnica, como também evita uma visão “politicista” em que a dimensão ético-política tende a se resolver naturalmente. Desse modo, observa-se que é concebida à administração a relação entre duas dimensões; a dimensão ético-política e a técnico-operativa. Assim, para tratar o tema referente à gestão deve ser realizado inserindo-o no campo da dimensão política como questão pública, pois se faz necessário fazer um resgate com a articulação dialética entre política/finalidade e utilização de recursos/meios/técnica. De acordo com Filho (2013) A conjuntura neoliberal na qual privilegia a análise somente tecnicista sem, contudo, discuti a questão da gestão/administração, não nos dá subsídios para argumentar de forma aprofundada sobre as conexões existentes entre fins e meios de qualquer expressão concreta da administração. Pelo contrário, é, pois, a partir daí, da capacidade de interligarmos as dimensões, que encontraremos argumentos para debatermos sobre a fundamentação da administração pública, numa perspectiva democrática. 21 Em concomitância com esse debate, necessitamos situar a administração no contexto do Estado capitalista, para que seja possível, além de, explorar sua forma concreta de expressão fenomênica, qual seja, a burocracia, também pensar numa perspectiva de administração pública que supere a atual configuração administrativa da sociedade realizada pelo Estado (Filho, 2013). Em particular, no período estudado, aconteceram na administração estadual cearense: privatizações, extinções e fusões de órgãos, transformações de empresas e organizações sociais, geridas por trabalhadores contratados sem vínculo empregatício com a administração pública; e flexibilização da mão-de-obra, com incentivos a demissões voluntárias e aposentadorias proporcionais, antes do período regular. Os servidores têm procurado adaptar-se a esse contexto adverso, tentando manter-se no emprego, capacitando-se para enfrentar os novos desafios do mercado de trabalho, tornado-se polivalentes e reciclados, de acordo com as exigências conjunturais. 2.2 Uma breve análise do Estado Moderno brasileiro Para retomarmos o debate, nos utilizaremos de produções marxistas3 e marxianas, visando o aprofundamento crítico-dialético, os fundamentos do Estado moderno no início do desenvolvimento e consolidação da sociedade capitalista. Nesse sentido, torna-se fundamental e necessário, além de resgatar a concepção hegeliana de Estado e burocracia, também a análise weberiana sobre a burocracia e o desenvolvimento do capitalismo, nos possibilitando identificar as categorias imprescindíveis para tornar claros os fenômenos propostos neste capítulo. Como sabemos, a análise hegeliana4 foi o protótipo clássico que formulou teoricamente a descrição do Estado burguês moderno. Em Hegel, considera-se o modo de produção capitalista um modo de produção anárquico 5, devasso e irracional do ponto de vista da produção e distribuição das mercadorias e da construção do interesse comum. 3 Obras formuladas a partir do pensamento seguido por Karl Marx. Por exemplo: O Capital, Os sentidos do Trabalho. 4 Utilizaremos como referencias central para tratarmos a concepção de sociedade em Hegel sua obra Princípios da Filosofia do Direito (Hegel, 1997). 5 Sistema político e social segundo o qual o indivíduo deve ser emancipado de qualquer tutela governamental. Estado de um povo que não tem mais governo. 22 De acordo com Marcuse, Hegel reafirma o caráter negativo do sistema econômico na medida em que “a própria natureza da estrutura econômica impede o estabelecimento de um autêntico interesse comum” (Marcuse, 1987, p.67). Ora, se a estrutura econômica, que por sua vez é fundada na propriedade privada, portanto, impedindo a construção do interesse comum, em Hegel, não se vê a possibilidade de eliminação dessa ordem na medida em que ela expressa realização da liberdade, ou seja, para o filósofo alemão, o homem torna a coisa desejada um fim substancial que não existe “em si”, mas passa a existir na medida em que a coisa transforma-se na realização da vontade; a realização da vontade sobre a coisa efetiva-se através da apropriação. Nesse sentido, como afirma Hegel, a liberdade tem na propriedade a sua primeira existência, o seu fim essencial para si. Apesar de que, na necessidade, a propriedade aparece apenas como meio, e não como fim. A propriedade, portanto, é a base da liberdade. Como ressalta Marcuse em sua análise, para Hegel, “o indivíduo só é livre quando se conhece como livre, e só atinge este conhecimento quando põe à prova sua liberdade. Esta prova pode consistir na demonstração do seu poder sobre os objetos que deseja, deles se apropriando” (Marcuse, 1978, p. 181). Esta concepção de liberdade vinculada à propriedade leva Hegel a estruturar o seu sistema buscando garantir a manutenção da propriedade privada (Filho, 2013). Essa perspectiva é um componente central da resignação hegeliana, que condiz com a realidade da sua época. A partir da concepção de liberdade, que implica a expressão da vontade em suas dimensões particular e universal, Hegel, também traz a questão da Moralidade Objetiva, esta, sendo a ideia de liberdade, portanto, o conceito de liberdade realizado concretamente. Segundo o filósofo, esse conceito realiza-se na sociedade a partir de um tripé: família, sociedade civil e Estado. Ainda em Hegel, a sociedade civil é uma esfera onde predominam os interesses particulares, apesar de encontrarmos, também, espaços de constituição da universalidade e a formação do interesse comum. Estes espaços correspondem à mediações realizadas pelo Estado para a constituição da universalidade na sociedade, ou 23 seja, são expressões do universal (jurisdição/administração) na sociedade civil, uma forma de o Estado se inserir na sociedade civil, bem como a formação de corporações sendo, esta, a representação da presença da sociedade civil na constituição do Estado (Filho, 2013). A propriedade, protoforma da liberdade, decorre da capacidade individual de satisfazer suas exigências, livre-arbítrio e desejos. Portanto, a desigualdade é um elemento constitutivo da sociedade civil, na medida em que cada indivíduo possui uma determinada capacidade a partir de determinada contingência. Ao passo que se expande a particularidade, baseada na propriedade, aumenta-se o acúmulo de riqueza em contrapartida, aumenta também, a miséria, a desigualdade social. Na concepção hegeliana, é reconhecida as desigualdades existentes na sociedade e a produção de pobreza e miséria como resultado da satisfação das carências por meio da propriedade e do trabalho; também compreende que o Bem6 é a liberdade em sua universalidade, que deve estar presente em cada particular, deve ser viabilizado sem comprometer a ordem da propriedade privada (Filho, 2013). Para Hegel, essa é a função da “administração”: A previdência administrativa começa por realizar e salvaguardar o que há de universal na particularidade da sociedade civil, sob a forma de ordem exterior e de instituições destinadas a proteger e assegurar aquelas infinidades de fins e interesses particulares que, efetivamente, no universo se alicerçam (1997, p. 211) Partindo dessa premissa, podemos perceber que, ao passo que Hegel aceitava um tipo liberal de propriedade privada, também, reivindicava uma nova estrutura que contemplasse o universo a partir de uma intervenção na sociedade, ocasionando o bem-estar particular, porém, de modo que atendesse o interesse comum.Sobre a perspectiva de Hegel, o que podemos recortar de mais fundamental é a sua tentativa de construir um sistema onde se exige um profundo respeito à liberdade individual, entretanto, nesta ordem, o privado está condicionado ao público. O espaço da sociedade civil é um espaço de manifestações na tentativa da garantia das “particularidades” e não da efetivação da universalidade. 6 “O Bem, que é necessidade de se realizar por intermédio da vontade particular e, ao mesmo tempo, substância dessa vontade, tem o direito absoluto em face do direito abstrato da propriedade e dos fins particulares do bem-estar. Cada momento destes, separados do Bem, só tem valor quando lhe é conforme e subordinado” (Hegel, 1997, p.115). 24 Dessa forma, não é possível visualizar uma forma de eliminar a produção de pobreza e miséria, então o Estado é chamado para se apresentar como uma forma de garantir a vigência do interesse comum, portanto, sob a égide do capital. A sociedade individualista, alimentada pelo capital, precisa da figura do Estado para propiciar a realização da liberdade. O papel do Estado, ou de qualquer organização política adequada, é o de zelar para que as contradições inerentes à estrutura econômica não destruam todo o sistema. O Estado deve assumir a função de frear os processos sociais e econômicos anárquicos (Marcuse, 1987, p.67). Hegel identifica no Estado a tarefa de realizar o Bem/universal. Para ele, só o Estado pode atuar de forma a produzir o Bem e garantir o universal, preservando, portanto, o fundamental que é a propriedade privada. Desta forma, Hegel defende a intervenção estatal de modo que esta elimine as falhas do sistema na tentativa de garantir o interesse comum. Quando se confunde o Estado com a sociedade civil, destinando-o à segurança e proteção da propriedade e da liberdade pessoais, o interesse dos indivíduos enquanto tais é o fim supremo para que se reúnam, do que resulta ser facultativo ser membro de um Estado. Ora, é muito diferente a sua relação com o indivíduo. Se o Estado é o espírito objetivo, então só como membro é que o indivíduo. Se o Estado tem objetividade, verdade e moralidade. A associação como tal é o verdadeiro fim, e o destino dos indivíduos está em participarem numa vida coletiva; quaisquer outras satisfações, atividades e modalidades de comportamento têm o seu ponto de partida e o seu resultado neste ato substancial e universal (Hegel, 1997,p.217). Outro elemento que faz jus para nosso debate, e que, podemos perceber em seus estudos, é que em Hegel(1997) é possível identificar que a vida coletiva é vista como o verdadeiro fim do indivíduo e o Estado passa a ser a expressão objetiva da vida pública. Ainda que o Estado se apresentasse em uma situação de contrariedade, pois, ao passo que defendia e garantia a propriedade privada, através do discurso da liberdade, também propunha uma diminuição das desigualdades e misérias oriundas deste sistema. É importante salientar que, de acordo com Filho (2013) em momento algum, Hegel não pensa em superar as contradições da sociedade capitalista, mas sim controlálas através da “dimensão universal” do Estado. Sobre a concepção hegeliana, Karl Marx, em 1859, escreve, no seu Prefácio da obra Para a Crítica da Economia Política, que o Estado, na verdade, deve ser analisado a partir da constituição da sociedade civil: 25 Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência (Marx, 1996a, p.52) Apesar de a concepção hegeliana tratar o Estado como universalidade, Marx em suas argumentações nos mostra que existe a dimensão da universalidade no Estado capitalista, contudo, configura-se como uma dimensão limitada devido à estrutura da própria sociedade civil, não se configurando como essência7 do Estado, ou seja, ele acredita que dimensão universal existe, mas como componente da estrutura do Estado. Marx quando trata a dimensão universal do Estado, diz respeito às ações do Estado que atendem a interesses das camadas dominadas. Ou seja, o Estado não expressa o interesse geral nem está voltado para o bem comum, ele também atua atendendo a determinados interesses das classes subalternas, ao passo da necessidade de garantir a estrutura de dominação fundada pelo capitalismo8. O que nos interessa para o desenvolvimento da nossa reflexão sobre a concepção de Estado em Marx, que por sua vez analisa Hegel, é o seu ponto de vista político, o que ele traz de essencial em seu discurso que seja a dimensão contraditória do Estado, já que lhe cabe o dever de atuar de forma divergente atendendo interesses contrários que emergem na sociedade e, portanto, aparece como um ente acima das classes, mostrando-nos que o Estado, apesar de ser essencialmente uma forma de expressão da dominação de classe, é, também, a única estrutura da sociedade vigente capaz de realizar os interesses das classes dominadas. 7 Lukács destaca, de forma enfática, a relação dialética existente entre aparência e essência, ressaltando sua unidade e distinção, necessárias para um estudo científico. Nas palavras do autor, “trata-se, de uma parte, de arrancar os fenômenos de sua forma imediatamente dada, de encontrar as mediações pelas quais eles podem ser relacionados a seu núcleo e a sua essência e tomados em sua essência mesma, e, de outra parte, de alcançar a compreensão deste caráter fenomênico, desta aparência fenomênica, considerada como sua forma de aparição necessária (...) Esta dupla determinação, este reconhecimento e esta ultrapassagem simultâneos do ser imediato é precisamente a relação dialética” (Lukács, 1981, p.68) 8 No capitalismo, as classes fundamentais que representam o capital e o trabalho possuem interesses, do ponto de vista estrutural, antagônicos e inconciliáveis, pois a participação nas decisões fundamentais da produção são assimétricas, já que o poder está nas mãos de quem detém os meios de produção e se apropria da riqueza produzida e não daqueles que participam do processo a partir de sua força de trabalho (Filho, 2013, p.29). 26 Nesse sentido, consideramos que a crítica materialista da sociedade é fundamental para compreendermos a essência do Estado, e este fato não elimina, em nosso entendimento, a particularidade do momento político em Marx, vinculando, dessa forma, o pensador alemão à tradição da reflexão política moderna. Por outro lado, o ponto chave do pensamento marxiano, está em analisar as questões da sociedade capitalista sob o ponto de vista da totalidade. Segundo Filho (2013) “pensar o político isolado da dinâmica global do capitalismo é ferir a essência do método marxiano”. O Estado é um elemento estratégico de mediação para o processo revolucionário. A tomada do poder de Estado precede à mudança societária, por isso a transição socialista, na perspectiva marxiana, é estruturada a partir da ditadura do proletariado, que busca, através das ações do Estado, implementar mudanças voltadas para a supressão da propriedade privada dos meios de produção e, por conseguinte, para a extinção da estrutura de classes. (Filho, 2013, p.37). Para finalizar, só o Estado, tanto para Marx quanto para Hegel, tem poder e capacidade, numa sociedade de classes, de atuar viabilizando interesses das classes e camadas da sociedade que não sejam as dominantes e requer, necessariamente, que o Estado implemente proposições sob a perspectiva de universalização dos direitos sociais e na melhoria das condições sociais das classes subalternas. Nesse sentido, refletir sobre o processo burocrático como estrutura clássica de organização e administração estatal, passa a ser uma categoria relevante, e que, necessita, ser tratada tanto do ponto de vista teórico quanto prático-político. 2.3 A burocracia e seus desdobramentos Para iniciarmos a nossa reflexão sobre o tema, iremos utilizar como referências centrais, principalmente, Hegel e Weber, a partir da perspectiva da teoria social crítica vinculada à tradição marxista. Ainda, vale ressaltar que não pretendemos criar polêmicas contra as ideias dos pensadores. E sim, pensar e refletir junto com eles. O que pretendemos com este tópico é trazer elementos que nos possibilite analisarmos criticamente as determinações acerca da burocracia, captando as categorias que efetivamente correspondam ao fenômeno. 27 Para tanto, iniciaremos com o que Hegel nos traz sobre a burocracia, que diz: A conservação do interesse geral do Estado e da legalidade entre os direitos particulares, a redução destes àqueles exigem uma vigilância por representantes do poder governamental, por funcionários executivos e também por autoridades mais elevadas com poder deliberativo, portanto, colegialmente organizada ( Hegel, 1997, p 266-267. Hegel nos apresenta a determinação central do servidor, qual seja, garantir o interesse geral do Estado em detrimento dos interesses particulares. Segundo Filho (2013), a burocracia, em Hegel, portanto, se caracteriza como um instrumento do governo com responsabilidade de Estado afim de garantir o interesse geral apresentados pelas corporações. Diferentemente de Hegel, Marx (1978) visualiza que não há, na burocracia, uma orientação voltada para o interesse geral, identificando nela a materialização de interesses particulares presentes no Estado. Nesse sentido, a relação com a corporação torna-se essencial para a existência da burocracia, pois sua razão de ser encontra-se na existência das particularidades da sociedade civil, expressas pelas corporações, que devem ser subordinadas ao interesse geral, que por sua vez, é fiscalizado pela burocracia. Desse modo, seria o caso de a burocracia negar a corporação, porém, caso aconteça, não será necessária a existência de um aparato para submeter o particular ao geral. Ou seja, não seria necessária a existência da burocracia. O mesmo espírito que cria na sociedade a corporação cria no Estado a burocracia. Portanto, tão logo se vê atacado o espírito corporativo é também objeto de ataques o espírito burocrático, e se antes a burocracia combatia a existência das corporações para afirmar sua própria existência, agora trata de defender violentamente a existência das corporações para salvar o espírito corporativo que é seu próprio espírito (Marx, 1978, p. 358) Como podemos perceber, a existência de corporações está vinculada a interesses particulares que têm no antagonismo de classe o conflito central, assim, podemos compreender que o antagonismo é o ponto crucial das contradições e tensões a serem enfrentadas pela burocracia, enquanto a representante dos “interesses gerais” da sociedade. 28 Ora, a burocracia, como um dos elementos da materialidade do Estado, expressa também as contradições da sociedade de classes que exigem a existência do Estado como estrutura de dominação política. Portanto, a burocracia apresenta-se como uma das mediações entre o Estado e as classes sociais, visando a manutenção da ordem. Sendo assim, a burocracia responde a uma dada organização social que supõe a existência de dominados e dominantes, social e economicamente falando. De acordo com Filho (2013), o caráter de dominação presente na burocracia e a racionalidade de sua estruturação são determinações centrais que merecem destaques ao se analisar a burocracia. E Weber traz elementos indispensáveis para refletirmos essas questões. Segundo Weber, a burocracia implica dominação na medida em que ela é uma estrutura administrativa e, para ele, toda administração é dominação, pois remete à obediência (Weber, 1999a, p. 32-34) A partir da perspectiva marxista, podemos dizer que esse tipo de dominação, apontado por Weber, não desaparece com a extinção do Estado. A extinção do Estado implica a extinção da dominação de uma classe sobre a outra. Assim, a dominação exercida pelo quadro administrativo estatal como probabilidade de encontrar obediência a determinadas ordens por determinadas pessoas pode perpetuar numa sociedade sem classes. Dominação, para Weber, significa “a probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas” (Weber 1999a, p.139). Mesmo estabelecendo uma nova ordem social e econômica, se o poder de mandar ficar concentrado nas mãos de um pequeno grupo responsável pela condução política e administrativa, a dominação exercida poderá resultar numa dominação de classe, na medida em que esse grupo se apropria, também, dos meios de produção; o que, efetivamente, apresenta-se como mais opressivo que a dominação como mecanismo de obter obediência. Nesse sentido, podemos observar que a questão da dominação, em seu sentido weberiano, não deixa de ser tratada pelos autores de caris marxistas, apesar da questão central tratada por eles ser associado à dominação de classe. 29 Retomando nossa argumentação, no tocando sobre a administração, cabe a seguinte observação: a definição da administração como dominação não é compartilhada pela concepção de administração em geral desenvolvida por Paro (2000), que utiliza em sua definição a concepção da tradição marxista, utilizando-se da racionalidade como categoria central, seja na perspectiva da utilização dos recursos para atingir os fins, seja na perspectiva da definição dos próprios fins. Entretanto, se considerarmos o sentido weberiano de dominação (sua relação com a obediência) e analisarmos a formulação de Paro(2000), podemos observar que a questão da obediência está implícita em sua concepção, pois, segundo o autor, coordenar o esforço humano coletivo é uma das dimensões da utilização racional dos recursos para atingir os fins. E coordenar qualquer esforço coletivo implica, necessariamente, na relação de mando e obediência, por mais democrática que seja a coordenação pretendida. De acordo com Filho (2013) a definição de burocracia nos remete a uma forma racional de administração necessária para obter a obediência de um grupo de pessoas. Em resumo, a burocracia é uma estrutura administrativa racional de dominação. Como podemos observar, existe uma dimensão de dominação presente na burocracia, que se faz necessário relacionar, sinteticamente, os elementos centrais presentes na concepção marxiana e na tradição marxista. 30 3. AS TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS NO ESTADO MODERNO E O SINDICALISMO BRASILEIRO 3.1 A reestruturação produtiva e o sindicalismo Podemos dizer que a incapacidade do fordismo/keynesianismo de conter as contradições inerentes ao sistema capitalista gerou em seu bojo uma crise de superprodução, provocando a saturação dos mercados, que passaram a exigir uma crescente diferenciação dos produtos, o que demandou, por sua vez, uma reestruturação geral nos processos produtivos, ou seja, produtos diferenciados precisavam de processos de produção mais flexíveis, envolvendo desde seus elementos técnicos como turnos de trabalho mais curtos e novas tecnologias, até novas formas de contratação e gestão da força de trabalho, passando pelas novas formas, também diferenciadas, de proteção social. Assim, a crise que se estabeleceu dentro do modelo vigente até a década de 1970, constrangeu o capital a buscar novas alternativas de superação, fato que, segundo Antunes (1999, p. 19) provocou a crescente substituição ou alteração do padrão fordistas/taylorista por formas flexibilizadas e desregulamentadas de produzir, como por exemplo, a chamada acumulação flexível e o toyotismo. Antunes assegura que foi, entretanto, o toyotismo ou o modelo japonês, que maior impacto tem causado, tanto pela revolução técnica que operou na indústria japonesa, quanto pela potencialidade de propagação que alguns dos pontos básicos do toyotismo têm demonstrado, expansão que hoje atinge uma escala mundial (Antunes; 2005,31). O toyotismo é um padrão produtivo, oriundo do Japão pós-guerra e, por ser o que mais se adéqua à necessidade de reprodução do capitalismo nesse período de crise, vem ganhando dimensão mundial veiculado pelo processo de globalização, podendo ser visualizado pelas seguintes características que se contrapõem ao fordismo/taylorismo): Horizontalização da produção: parte do trabalho que era feito pela montadora é transferido para terceiros ou empresas subcontratadas; a produção só é feita de acordo com a demanda, sendo heterogênea e bastante variada;os operários trabalham em equipe desempenhando, cada um, variadas funções;ganham importância e são propagados por toda a rede de fornecedores elementos como “kanban, just in time, , 31 flexibilização, terceirização, subcontratação, CCQ, controle de qualidade total, eliminação de desperdício, “gerência participativa”, sindicalismo de empresa, entre tantos outros elementos.” (Antunes; 2005, p. 35); envolvimento dos trabalhadores com os índices de produtividade das empresas, propiciando uma apropriação ainda maior do trabalho pelo capital, através da manipulação que leva o trabalhador a assimilar o ideário capitalista. Desse modo, o despotismo característico do modelo fordista/taylorista é aprofundado ao invés de ser amenizado, transformando-se numa dupla tirania do capital sobre o trabalho. Analisando essas características, Antunes defende a ideia de que o toyotismo, além de não se apresentar como uma nova forma de organização societária, livre das mazelas provenientes do modelo produtor de mercadorias, sequer pode ser concebido como um avanço em relação ao modelo anteriormente vigente. Para ele, ao contrário, a expansão do toyotismo pela Europa, devido a sua estreita sintonia com os preceitos do neoliberalismo, pode representar um grave risco para o que restou do “WelfareState” naquele continente. Para ele, “a ocidentalização do toyotismo confirmaria em verdade uma decisiva aquisição do capital contra o trabalho.” (2005, p. 40). Tal forma de adequação produtiva se constituiu num modelo de acumulação flexível que visa tanto a flexibilização do aparato produtivo quanto da organização do trabalho, trazendo graves consequências tanto para a população que trabalha quanto para o meio ambiente, ambos subordinados aos interesses de acumulação do capital. Sem o processo de globalização não seria possível a disseminação desse ou de qualquer outro modelo em nível de planeta, daí porque consideramos necessário uma rápida explanação do conceito e importância desse processo. O processo de globalização ou mundialização da economia, como alguns costumam chamar, significa basicamente uma uniformização de padrões econômicos e culturais em âmbito mundial que não é uma novidade oriunda do modo de produção capitalista, nem é uma exclusividade deste sistema. Suas origens datam da era do Renascimento e das grandes navegações, porém naquela época se efetuou de forma tímida, resumindo-se à busca de expansão da Europa pela descoberta e colonização da América. 32 Somente com a revolução industrial é que efetivamente a globalização ganhou ênfase, tornando-se uma tendência indissociável do capitalismo onde quer que ele se manifeste. Isto porque este sistema pressupõe, na sua lógica, os conceitos de dominação e apropriação e a consequente necessidade de expansão dos espaços de lucro, alargando sua área de ação para o mundo, que passou a ser a referência para obtenção de matérias-primas, novos mercados e novos locais de investimentos. Mas foi durante o século XX, mais especificamente na década de 80, que o processo de globalização ganhou maior visibilidade, sendo intensificado pelo desenvolvimento tecnológico que abrangeu a facilitação dos transportes, a revolução da microeletrônica - principalmente na área das comunicações e da informação, que propiciou a globalização também dos padrões culturais e de consumo-, a criação dos blocos econômicos e a interligação da Economia. É através desse processo com todos os seus componentes que se tornou possível o novo paradigma tecnológico ou, o novo regime de acumulação, facilitado por fatores como a queda progressiva das barreiras comerciais entre os países, o aumento do fluxo de investimentos estrangeiros e a internacionalização da produção. A globalização possibilita a uma grande mobilidade do capital industrial, permitindo às empresas transnacionais ampla liberdade de implantação, deslocamento, terceirização, aquisição e fusão, de acordo com os interesses de acumulação, prevalecendo o empenho em alcançar o lucro e, por isso, se constituindo em um processo excludente e gerador de desigualdades. Além disso, uma de suas principais características, é o crescimento do sistema financeiro internacional. Referindo-se à conjuntura da crise do modelo anterior, iniciada na década de 70, Bianchetti (Pág. 29) diz que “Os novos poderes econômicos surgidos desta conjuntura, representam os interesses dos bancos internacionais[...] O novo capitalismo financeiro cria uma nova ordem internacional capitalista, que controla o fluxo de capitais e estabelece as condições em que esse capital se distribui. Favorece essa estratégia o controle que esse poder exerce sobre os organismos financeiros internacionais que, em função das novas condições, desenvolvem um modelo de ajuste das economias dos países devedores, para garantir a recuperação dos empréstimos outorgados na primeira etapa de explosão dos petrodólares.” 33 Na atualidade, segundo Abreu, “Os capitais mundialmente articulados dominam o mundo[...] As empresas multinacionais controlam mais de 50% do comércio entre as nações[...] A acumulação de capital está fora do controle dos Estados e das respectivas soberanias nacionais.” (P. 41-42) Este autor afirma que, nessa dinâmica frenética, os países de industrialização tardia se inserem de forma subalterna e passiva pela total falta de condições de serem sujeitos na ordem mundial. Mesmo os governos e as classes dominantes se submetem, nesse contexto, ao papel de sócios minoritários daqueles organismos que detém a hegemonia do capital e, portanto, sem encontrar qualquer resistência, ditam as regras da ordem mundial, revelando com isso a gravidade das desigualdades provocadas pela globalização. Em conformidade com essas colocações, para Bianchetti “ A característica da relação entre os países desenvolvidos da Europa e Estados Unidos da América e os países latino-americanos tem sido historicamente uma relação desigual na qual os laços estabelecidos fortaleceram a situação de dependência dos últimos em ralação aos primeiros. Ao longo da história dos países latino-americanos, a aliança dos setores dominantes locais com os interesses do capitalismo internacional deu como resultado uma estrutura dependente e condicionada pelas estratégias de acumulação do capitalismo central.” Dessa forma, para ceder empréstimos ou realizar investimentos nestes Estados nacionais, impõem como condição, ajustes políticos e institucionais que representam uma verdadeira invasão e desrespeito às soberanias nacionais. É dessa forma que a globalização subordina os destinos dos povos aos interesses das grandes empresas e organismos transnacionais, aumentando cada vez mais o poder das grandes potências industrializadas. Abreu (P.41) cita seis dessas exigências que consideramos conveniente transcrever: 1) a desregulamentação da entrada e saída de capitais nos países; 2) a liberação do comércio com a eliminação das barreiras alfandegárias; 3) a privatização e transnacionalização das empresas públicas; 4) o reconhecimento jurídico das marcas e patentes tecnológicas do 34 capitalismo mundial; 5) a redução dos gastos públicos (portanto, de serviços públicos como saúde, educação, transporte, fundos de aposentadoria e pensão, telefonia, água, energia etc., que devem ser concedidos e explorados comercialmente pelo capital privado); 6) a desregulamentação das relações de trabalho, retirando-as da esfera pública e submetendo-as às condições do mercado (de domínio privado). Esse ajuste estrutural a que são constrangidos os países de terceiro mundo e os intermediários ou considerados em desenvolvimento pelo seu razoável parque industrial, como é o caso do Brasil, faz parte do amplo processo de reestruturação implementado pelo capital numa tentativa de recuperar o seu ciclo reprodutivo e possui um caráter neoliberalizante, na medida em que submete os Estados nacionais às exigências do capital transnacionalizado. Ao mesmo tempo, surge como uma das mazelas da globalização, pois agrava cada vez mais a desorganização e fragilidade das finanças públicas, inclusive pela falta de perspectiva de solução para o problema da dívida externa. Teixeira (1998) assim se coloca a respeito dessa investida do neoliberalismo, que surge como a face política da reestruturação produtiva presente no capitalismo contemporâneo: Muito embora o neoliberalismo tenha surgido como uma reação localizada ao Estado intervencionista e de bem-estar, ele nasce como um fenômeno de alcance mundial[…] a transnacionalização do sistema capitalista de produção representou a morte do Estado, isto é, seu poder de fazer políticas econômicas e sociais de forma autônoma e soberana (p.196) O novo paradigma de produção, tornou-se um fenômeno caracterizado de um lado pelo fato de que se globaliza e se abre cada vez mais com a concorrência a se fazer presente na escala mundial e, de outro, em uma economia essencialmente baseada no conhecimento, ou seja, onde o fator decisivo é o capital intelectual. (Meneses e Fonseca, 2003. p. 12) No plano ideológico, surge o neoliberalismo, como doutrina que substitui a lógica da produção pela da circulação, isto é, coloca a lógica do mercado na primazia, enfatizando sua posição de estruturadora das relações sociais e políticas. Para os neoliberais, o mercado é um “um mecanismo insuperável para estruturar e coordenar as 35 decisões de produção e investimento sociais(...) para solucionar os problemas de emprego e renda da sociedade.” (Teixeira, 1998. p.195) Essa onda liberalizante da compreensão de liberdade e supremacia do mercado, marcou o mundo em especial no final dos anos 80 e início dos anos 90 e foi uma arma suficiente para possibilitar a abertura dos mercados, especialmente nos países “emergentes”, como era o caso do Brasil. O país passou a adotar uma política de abertura comercial no início da década de 90, por ocasião do governo Collor e se constituiu no elemento central da política industrial, pois as preocupações foram deslocadas da expansão da capacidade produtiva para a eficiência e competitividade. Esse processo de abertura da economia nacional constrangeu o setor produtivo a intensos ajustes em busca da competitividade, tanto em função do decréscimo das barreiras alfandegárias quanto pela redução da demanda agregada interna. Entretanto os avanços alcançados na implementação da política de competitividade foram bem mais modestos do que o sucesso alcançado com a política de abertura. Além disso, como anuência à lógica do modelo neoliberal, o Brasil implementou outras políticas como, a redução da função social do estado e as privatizações das empresas estatais. Neste contexto, empreendeu-se uma verdadeira guerra contra o Estado. Passou-se a pregar de maneira sistemática a necessidade de o estado não só se despojar das empresas estatais como financiar as operações de privatização. Adotou-se, ainda, outras medidas, como cortes nos gastos públicos e eliminação de subsídios e, por fim, o estabelecimento das formas mais apropriadas para a inversão estrangeira. A política de abertura econômica tornou-se coadjuvante no processo de entrada de capitais externos na economia brasileira, posto que, juntamente com as privatizações empreendidas pelo governo, criaram-se as condições favoráveis e atrativas para o capital externo, e aqui se inserem as possibilidades do investimento direto português, particularmente no setor de telecomunicações. Como foi possível perceber com essas explanações, o que estava em jogo, como sempre, era a plena certeza do lucro. Considerando-se, pois, que a sua base, no 36 modo de produção capitalista, é o trabalho, tornou-se condição sinequa non, a reorganização do trabalho, de modo a poder continuar o movimento de extração visando à ampliação da acumulação, agora sob uma forma flexível. Por outro lado, tornou-se necessário libertar o capitalismo daquelas amarras, retirando todo obstáculo à ação do mercado e abrindo, assim, as portas para o novo modelo de gestão neoliberal. Segundo Teixeira “É nesse contexto de reestruturação produtiva que os neoliberais encontram munição para difundir sua doutrina e seus programas de política econômica.” As palavras de Bianchett (1999) são complementares a essa observação: A alternativa neoliberal que avassala o mundo neste final de século, apoiada ideologicamente pela ideia de fim da história, fim das ideologias e impossibilidades de uma alternativa socialista, constituiu-se na verdade num ataque frontal à classe trabalhadora, seus ganhos históricos e à utopia de estruturação de uma sociedade fundada na solidariedade e na igualdade: socialismo com efetiva democracia[...] A opção neoliberal implica o retrocesso à barbárie com a exclusão das maiorias (p.11)SEM ITÁLICO Todas essas mudanças nos processos produtivos, comumente chamadas de reestruturação produtiva, se assentam especialmente no conceito de flexibilidade, tanto no âmbito produtivo como nas reformulações do capital financeiro. No âmbito produtivo, a reestruturação é facilitada pelos processos microeletrônicos, que acentuam a produção vinculada à demanda (produção variada e heterogênea), exigindo, como decorrência, um novo perfil da força de trabalho, marcado pelo número cada vez menor de trabalhadores fixos e com estabilidade, por um número maior de trabalhadores subcontratados, sem vínculos, sem proteção social, mas, ao mesmo tempo, envolvidos e comprometidos com o processo produtivo, seja pela requerida polivalência e multifuncionalidade produtiva, seja pela insegurança e facilidade de substituição do processo de trabalho. No âmbito financeiro, a reestruturação se dá pela desregulamentação da atividade produtiva estatal e pela desregulamentação dos sistemas de proteção social públicos, pois para a gestão da matriz produtiva flexível a liberdade do mercado é fundamental. Assim sendo, a ação do Estado deve ser mínima no sentido de garantir a ordem pública e arbitrar os conflitos que a sociedade civil não resolve sozinha e, ao mesmo tempo, possibilitar a despolitização do mercado, uma vez que a liberdade absoluta de circulação dos indivíduos e dos capitais privados é fundamental para que haja competitividade e autonomia desses indivíduos. 37 Faz-se necessário aqui fazer um paralelo com a crise do movimento sindical que teve, na reestruturação produtiva, impactos face à classe trabalhadora em nosso país. Como sabemos, a busca pela produção enxuta, oriunda do próprio processo de reestruturação, fez brotar uma série de fatores que transformaram o movimento sindical: o desemprego estrutural, o trabalho em tempo parcial e temporário, a terceirização dentre outras que sem dúvidas trouxeram mudanças para a estratégia que vinham sendo adotadas até então face ao movimento sindical. A década de 1930, nos trouxe grandes avanços acerca dos direitos sociais no Brasil, porém, após 1930 foram muito maiores as conquistas; o que vale salientar é que por de trás disso existia o desejo do Estado autoritário varguista em levar o movimento operário, assim como os setores do empresariado para dentro do Estado e, assim, melhor controlá-los, numa clara tentativa de buscar a colaboração de classe entre esses grupos sociais. Para nos dar uma noção do que de fato aconteceu, trago a seguinte tabela: TABELA 1 Número de sindicatos reconhecidos pelo Estado no Brasil em 1930 1931 32 1932 83 1933 141 1934 111 1935 73 1936 242 Total 682 Fonte: Costa, S. Estado e controle sindical no Brasil, p. 23. Citado por: Mattos, Marcelo Badaró. Trabalhadores e sindicatos no Brasil, p.36. Como podemos perceber, o processo de reconhecimento dos sindicatos só ganhou maior ênfase após 1935, período marcado pelo aumento da política repressiva do governo Vargas aos trabalhadores que se organizavam fora do âmbito estatal. Após um curto indício de desejo veemente liberal com a Constituição de 1934, Getúlio oficializa de maneira mais precisa todo o seu projeto autoritário, com o conhecido Golpe do Estado Novo. É nesse período, de acordo com Castro Gomes (2002), que se expande o discurso que desqualifica os direitos políticos e todo tipo de práticas liberal- 38 democráticas e que valoriza, ao mesmo tempo, direitos sociais que “materializados com destaque nos direitos do trabalho tornam-se o centro definidor da condição de cidadania no país”. Os sindicatos eram instituições tuteladas pelo Estado, Vargas conseguia a partir deles estabelecer o controle sobre a classe trabalhadora, objetivo traçado desde a ampliação da legislação trabalhista e previdenciária no inicio dos anos 1930. Com o fim do Estado Novo em 1945, e as possíveis tendências voltadas para a redemocratização, vê-se que o sistema corporativo de representação pôde tranquilamente conviver com outros tipos de regimes, como liberal, por exemplo. De acordo com Castro Gomes (2002), por mais que tenha ensaiado críticas a esse sistema acabou por se acomodar e não organizou os trabalhadores para derrotar a estrutura sindical. O regime militar após 1964 também não alterou essa estrutura, mas esvaziou o poder da Justiça do Trabalho e criou, em 1966, o fundo de garantia por tempo de serviço, que extinguia a estabilidade no emprego após dez anos, tão criticada pelos empresários; e criou também o Instituto Nacional de Previdência Social, que buscava uniformizar a prestação dos serviços previdenciários. Apesar de não intervirem muito na estrutura sindical vigente, os militares apertaram o cerco sobre os sindicatos para que estes voltassem a ser essencialmente assistenciais, como nos tempos do Estado Novo varguista. Na década de 1978, podemos perceber que os discursos dos sindicalistas não levavam em consideração as artimanhas contidas na estrutura sindical oficial, que poderiam persuadir mesmo os que ousassem romper com ela, o que acabou por fazer que a ruptura ficasse no meio do caminho. De acordo com Boito Jr. A estrutura sindical é o sistema de relações que assegura a subordinação dos sindicatos às cúpulas do aparelho de Estado e tem como seu elemnto essencial a necessidade de reconhecimento oficial-legal do sindicato pelo Estado. Essa estrutura compreenderia, assim, a representação sindical outorgada, a unicidade, as contribuições sindicais obrigatórias e a tutela do Estado, particularmente da Justiça do Trabalho, sobre a atividade reivindicativa dos sindicatos. Sendo assim, o 39 Estado, para regulamentar com rigor ou flexibilidade a vida associativa da entidade sindical, dependerá da correlação de forças, ou seja, da conjuntura. O que essa discussão nos possibilita é que podemos perceber as nuances que se expressam a partir da continuidade da insistente fragmentação na organização dos trabalhadores no Brasil. Demonstra ainda, toda a força que ainda possui a estrutura sindical implementada pelo primeiro governo de Vargas. A Constituição de 1988 é considerada um marco na institucionalização do sindicalismo, porque liberalizou as relações trabalhistas e sindicais, diminuindo a intervenção estatal, garantiu o direito de sindicalização e de greve para os servidores públicos civis, constituindo uma nova ordem jurídica. Contudo, Siqueira Neto (1993) e Dallari (1993) esclarecem que a Constituição, apesar de seus avanços no campo dos direitos sociais do trabalhador, manteve a unicidade sindical, o autoritarismo e a conflituosidade judicial entre empregados e governo, pois não definiu os padrões gerais das relações de trabalho; estimulou a pulverização de entidades sindicais, quando permitiu aos servidores públicos a sindicalização; e manteve a intervenção da Justiça do Trabalho nos conflitos coletivos. Nogueira (1993) ressalta que essa categoria profissional, no período de 1978-1989, superou os trabalhadores das indústrias em número de horas paradas em greves, residindo aí a novidade dessa conjuntura, ou seja, o peso maior dos servidores no quadro das mobilizações políticas ocorridas no país, até então reservado aos operários. 3.2 O Sindicalismo no setor Público O sindicalismo no setor público surgiu como uma alternativa de organização para aqueles trabalhadores, servidores, que se encontravam excluídos da estrutura sindical brasileira. Essa inclusão foi possível pela força de mobilização e das greves dessa categoria, a qual influenciou a configuração do movimento sindical nacional, até então restrito ao setor privado da economia. Esses novos atores sociais, organizados em associações e sindicatos, tornaram-se visíveis no final da década de 1970 e início dos anos 1980, em um contexto revigorado politicamente pela participação política de amplos setores da sociedade: 40 intelectuais, empresários, movimentos populares, urbanos e rurais, além do movimento operário. Apesar de o movimento dos servidores ter vindo ao cenário questionando o modelo sindical vigente, não deu respostas alternativas aos limites impostos pelo Estado, nem propôs um novo tipo de organização para os servidores, submetendo-se à disciplina e à lealdade institucional. O sindicalismo no setor público, porém, trouxe à tona a questão da relação entre Estado e Trabalho, mostrando a ausência de participação política dos servidores públicos nas decisões de Governo, colocando em questão a democracia do Estado brasileiro e incapacidade da sociedade em controlá-lo. O Sindicato, nas sociedades modernas e burocratizadas, ao formalizar-se e construir sua alteridade ao Governo do Estado, identifica-se com o sistema organizacional formal, ficando submetido a normas e disciplinas rígidas, não participando da revolução política na estrutura do Estado, ficando limitado às reformas política estatal. A cultura política, analisada pelos prismas do cotidiano, da identidade, do imaginário e da representação, foi chave para entender a realidade social pesquisada. Na comunicação sindical, espaços de criatividade e de interação com a sociedade residem outras inovações do sindicalismo no setor público. O uso de praças e ruas cria espaços de poder alternativos e periféricos além de ser formas de contrapor-se à ordem política. O caminho que fiz pelo mundo sindical através da Asnut, levou-se a tempos e espaços especiais, a um mundo imaginário onde significados específicos transitavam, onde conflitos foram vividos, trajetórias e experiências compartilhadas, construindo objetos e sujeitos em relação. Esse percurso me fez descobrir que a própria natureza do sindicato – corporativa, elitizada, burocratizada – é um limite a mais para seus objetivos e desejos, por isso ele não reúne condições para transformar, sozinho, o mundo do trabalho pois essas mudanças não se dão apenas nos espaços e nos tempos sindicais. Não são as burocracias nem as legislações que impedem um modo de ser e de agir sindical, mas a cultura ou o conjunto de culturas que determina o conservadorismo ou a criatividade, que produz o corporativismo ou a universalidade, incentiva o ativismo ou o imobilismo. 41 Não são as condições conjunturais ou materiais que explicam o comportamento sindical, pois em momentos distintos, por exemplo na ditadura militar e na democracia, no tempo dos “coronéis” e no do “jovem empresariado”, no caso do Estado do Ceará, a prática sindical foi corporativa, distante dos trabalhadores e internamente conflituosa. Tampouco o tipo de organização alterou esse procedimento, pois observei a mesma situação em associações, sindicatos “pelegos” ou “autênticos”. 42 4. O CASO DA FUNDAÇÃO NUTEC E DA ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DO NUTEC 4.1 Os Percursos Históricos: Do crescimento ao declínio A ideia de um núcleo tecnológico para o Ceará surgiu de um projeto da Secretaria de Indústria e Comércio do Estado em convênio com a Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio, sob a coordenação do engenheiro Francisco Ariosto Holanda, e tornou-se realidade por meio do Decreto nº 13.017, de 12 de dezembro de 1987, autorizado pela Lei nº 10.213, de 17 de novembro de 1987 do Governo do Estado do Ceará, que instituiu, sob a forma de fundação pública de direito privado, o Núcleo de Tecnologia Industrial – NUTEC. Neste primeiro momento, o NUTEC tinha como objetivos realizar pesquisas aplicadas, prestar serviços técnicos às empresas, ao setor público e à comunidade, assim como formar e aperfeiçoar técnicos do sistema produtivo e do governo. O início das atividades se deu a partir da constituição de um grupo de trabalho cuja estratégia de ação era conhecer e atender as reais necessidades do meio e promover a integração entre a universalidade e o setor produtivo. O ponto de partida foi uma pesquisa realizada para diagnosticar as necessidades tecnológicas industriais da região nas áreas de manutenção, controle de qualidade, treinamento de pessoal, transferência de tecnologia, pesquisa aplicada e consultoria, cujo resultado, propiciou ao NUTEC eleger nove áreas de interesse do setor industrial local: alimentos, química industrial, mecânica e metalúrgica; eletrônica; construção civil; geofísica aplicada; tecnologia mineral e recursos hídricos, sobre as quais pautou sua atuação, dando início às suas atividades no ano de 1979. Nos primeiros anos de suas atividades, o NUTEC cresceu e se consolidou como instituto tecnológico, construindo uma considerável capacidade instalada e um quadro de técnicos qualificados e com condições para pesquisa e prestação de serviços que lhe permitia atender à demanda tecnológica oriunda das diversas áreas, sobretudo, um forte papel na capacitação técnica do meio. Paulatinamente, o processo de crescimento e consolidação desta instituição ganhou visibilidade pública e a partir de 1985, com a construção da sede própria em terreno cedido pela Universidade Federal do Ceará em regime de comodato, com 43 recursos do tesouro estadual, numa área coberta de aproximadamente 4.500m². Inicialmente, desenvolveu dezenove laboratórios que eram financiados com fontes internacionais, nacionais e estaduais. Segundo Holanda (1990, p.14), o NUTEC recebeu o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e da Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP, que proporcionou a divulgação do órgão junto aos demais estados do Brasil. No que se refere aos recursos humanos, no ano de 1986, o Nutec possuía um quadro de técnicos que dispunha de alta qualificação, onde, de um total de 323 funcionários, apenas 66 compunham o corpo de apoio administrativo e 86 eram técnicos de nível médio, enquanto 142 eram graduados, 24 eram mestres e 05 doutores. (Fonte: Unidade de Recursos Humanos do NUTEC). Além de atuar como um núcleo de prestação de serviços, o NUTEC se destacou pelas pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novas tecnologias, sobretudo aquelas destinadas ao aproveitamento de matérias primas regionais. Até 1986, o NUTEC construiu uma imagem de grande credibilidade pela qualidade dos serviços oferecidos à sociedade, desenvolvendo projetos de reconhecida importância em áreas fundamentais para o desenvolvimento sustentável, que por sua vez, contribuiu para a geração de tecnologias alternativas e de baixo custo e de fácil apreensão para as comunidades que delas necessitarem. Contribuíram, por exemplo, para o desenvolvimento de novas formas de tecnologias como energia, alimentos, meio ambiente, minerais, agroindústria, entre outros, que deram visibilidade a nível internacional. Atualmente, o NUTEC consta em seu quadro funcional, com 73 funcionários ativos e locados na Instituição, e mais 35 cedidos para outros órgãos, tendo um quantitativo relevante de terceirizados que perfazem o total de 46 funcionários.Porém, este é um elemento indispensável que será analisado mais à frente, quando formos refletir sobre as condições de trabalho e da questão de organização política dos servidores. Esta breve narrativa sobre o surgimento do Nutec nos faz refletir a sua relevância social de sua existência quando percebemos que suas atividades estão 44 direcionadas para a evolução da ciência da alta tecnologia, como fator preponderante não só para o crescimento, mas para o desenvolvimento do estado e do país. De acordo com Priori, sobre a necessidade da intervenção do estado na produção de políticas claras concernentes a essa questão: É fundamental redefinir a inserção do povo brasileiro na divisão internacional do trabalho, procurando introduzir o trabalho científico e tecnológico no interior da nossa economia e da nossa sociedade. Mas isso só será possível se redefinirmos a nossa política científica, tecnológica e industrial. Ela precisa ter por meta “orientar a pesquisa e o desenvolvimento para elevar radicalmente os níveis de educação e saúde do povo, democratizar o acesso à informação e ao conhecimento e expandir postos de trabalho nos ramos de atividade que se mostram cada vez mais economicamente dinâmicos e geradores de renda” (documento lançado em 2001 pelos partidos de esquerda, entre eles o PT, intitulado “Brasil, ciência e tecnologia”). Evidente que o Estado deve ter papel estratégico nessa nova política, já que caberá a ele definir as prioridades e mobilizar a comunidade científica. (PRIORI: 2004)9 Como sabemos a temática da esfera da ciência e da tecnologia, desde o início da década de 80, vinha vivenciando uma forte crise o que ia contrário ao que o NUTEC propunha, pois foi nesse período que a Instituição pôde vivenciar sua fase máxima, pois se empenhava em cumprir essa missão que seja a de “dar respostas às necessidades tecnológicas, propriamente do estado do Ceará, em áreas estratégicas do seu desenvolvimento sustentável, através da difusão de informações, certificação, pesquisa aplicada, serviços tecnológicos, desenvolvendo a transferência de tecnologia”; contudo não demorou muito para começar a viver o drama do abandono a que foram relegadas as diversas instituições de pesquisa científica e tecnológica (sobre este assunto iremos discutir aprofundadamente mais à frente) por parte dos governos. Conforme HOLANDA (1992, p.6) o quadro de indefinição de políticas de ciência e tecnologia levou o conjunto dos institutos a conviver com uma situação insustentável de sucateamento. Os primeiros sinais concretos de enfraquecimento começaram a se fazer sentir pelo NUTEC, não coincidentemente, a partir de 1987, quando se inicia no Ceará o chamado “Governo das Mudanças”, tendo como protagonista do primeiro mandato o empresário Tasso Jereissati. Durante a chamada “Era Tasso”. O NUTEC, para continuar de pé, teve que s envolver numa luta desigual contra diversas estratégias de 9 PRIORI, Ângelo. Ciência, Cultura e Universidade. Revista Espaço Acadêmico Nº 34, Março/2004. Disponível em www.espacoacademico.com.br. Acesso em 15/Abril/2013. 45 sucateamento e desmonte, que denotavam claramente a proposta de extinção ou privatização do órgão. Uma nova crise se instalou no país após o plano cruzado I10, teve repercussão generalizada, se abatendo também sobre os institutos de fomento à pesquisa e ao desenvolvimento e trazendo como uma primeira consequência a paralisação dos projetos, devido às dificuldades para a obtenção de recursos, tendo em vista as principais fontes de financiamento haverem sofrido cortes substanciais em seus orçamentos, o que veio potencializar os efeitos das novas práticas administrativas que já haviam se instituído no contexto local. O entendimento de que a privatização não se resume ao simples ato em que uma empresa ou instituição pública é vendida, mas que se estende às diversas formas pelas quais o público é privadamente apropriado, o que inclui formas de tratamento da coisa pública pela lógica do interesse privado, pode-se também considerar que o Nutec passou por um intenso processo de privatização, que teve início com a retirada gradual do Estado de suas responsabilidades para com o órgão, obrigando-o a buscar por seus próprios meios o sustento necessário. De acordo com alguns documentos cedidos pela Associação dos Servidores que discorre sobre esse assunto, do ponto de vista de alguns entrevistados, que pensam ter sido essa forma de privatizar o NUTEC: A partir do “Governo das Mudanças”, o governo começou com atitudes perante a instituição que era uma instituição de ciência e tecnologia, (...) começou a desprestigiara a instituição e a tomar atitudes tais que a instituição começou a se enfraquecer. (...) Quem pensa em desenvolver o Estado, está pensando em desenvolver tecnologia, ciência e tudo o mais. E se faz com que o órgão que é o principal representante do governo do Estado, que faz esse tipo de trabalho comece a enfraquecer, é um contra-senso. Aos poucos o Estado foi tirando os recursos, fazendo com que aquela instituição ficasse menos capaz e fosse perdendo a sua importância mais ainda para o Estado. Isso não deixou de ser uma maneira de privatizar, porquê todo esse trabalho que a instituição fazia, quem começou a fazer foram ooutras instituições, outras empresas (...) o Nutec tinha e tem toda capacidade de continuar prestado bons serviços para os governos, sejam quais sejam eles os seus mentores, os seus governantes ( ROBINHO, ex-servidor do Estado, cedido ao Nutec pelo período de 10 anos e ex-presidente da Asnut em duas gestões. Entrevista concedida em 23/01/2006). 10 Plano econômico lançado em 01/03/1986, por Dilson Funaro, Ministro da Fazenda de Sarney. O plano mudou a moeda do Brasil de Cruzeiro para o Cruzeiro Novo, congelou os preços e salários e criou o gatilho salarial e o seguro-desemprego. (Disponível em HTTP://pt.wikipedia.org/wiki/plano_cruzado, acesso em 18/02/2013) 46 Os primeiros anos da gestão Tasso já trouxeram consigo drásticos cortes no orçamento do órgão, impedindo qualquer investimento na capacidade instalada, que já dava os primeiros sinais de degradação e obsolescência. Além disso, foram definidas pelo governo estadual, novas prioridades, “contemplando programas como Liceus de Artes e Ofícios e Fábricas-Escolas, em detrimento das atividades de P&D11 praticadas pelo NUTEC até então. Esses eventos tiveram um forte impacto sobre as atividades do NUTEC que, para se manter, teve que direcionar a maior parte de suas energias para a prestação de serviços, visando ao incremento do faturamento para honrar os compromissos financeiros institucionais. Alguns depoimentos dos servidores publicados no jornal da associação de dezembro de 1988, por ocasião dos dez anos da instituição, permitiria que se percebesse os problemas da instituição na época que se prolongam até os dias de hoje. Basicamente, apresentavam-se duas preocupações: a supervalorização da prestação de sérvios em detrimento da pesquisa aplicada, que deveria ser a verdadeira meta de um instituto tecnológico e a falta de planejamento, ou seja, falta de definição dos rumos do Nutec. Conforme detectado pelos servidores O crescimento do NUTEC se deu de forma desordenada, sem planejamento que definisse claramente os destinos da instituição. Nunca se definiu um programa de treinamento e de contratação de pessoal qualificado. (...) A falta de planejamento e a grande responsabilidade para com o meio produtivo fizeram com que o NUTEC passasse (...) a fazer tudo, inclusive o que não era de competência de seu pessoal. A partir desse ponto, iniciou-se o que se pode chamar de improvisação, sob todos os aspectos e o NUTEC passou a ser questionado interna e externamente quanto aos seus reais objetivos (ASNUT. Movimento de revalorização e reconstrução do NUTEC; 07/1990, p.13). Um entrevistado, respondendo à pergunta sobre as consequências do processo de privatização do NUTEC afirma que a falta de planejamento pode ser proposital e faz parte de um método de administração que levou à precarização do NUTEC e da situação dos servidores. Para ele, O NUTEC não fechou, mas se encontra hoje sob o resultado de todo esse processo longo. É bom a gente ressaltar, por exemplo, o planejamento do NUTEC foi iniciado várias vezes, umas duas ou três vezes, sendo 11 P & D: significa Pesquisa e Desenvolvimento. 47 abandonado pelo próprio governo. Ele mesmo não levava adiante, ou seja, o NUTEC nunca definiu claramente o seu rumo, os seus objetivos, porque não podia definir porque o objetivo era fechar, era privatizar, então era bom que tudo nunca ficasse claro mesmo. Deixar claro isso, escrever num papel, num planejamento era um trabalho inverso do que eles queriam. A ideia era deixar tudo como estava, deixar tudo confuso, tudo nebuloso, porque aí ia sendo concretizado nos gabinetes, em nível de governo (ENRICO, engenheiro, servidor do Estado desde 1980, oriundo da extinta Sudec, ex- diretor da Asnut. Entrevista concedida em 23/01/2006). Todas essas dificuldades, como se viu, estão ligadas à política do governo no que se refere ao controle e ao direcionamento dado à aplicação dos recursos estaduais. Para garantir a centralização rigorosa das finanças do Estado, o “Governo das Mudanças” ainda implantou, como já foi dito, o Sistema Integrado de Contabilidade (SIC) que permite um acompanhamento da execução orçamentária, financeira e contábil de todos os órgãos da administração estadual, inclusive o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público, fundos, fundações, autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mistas. (GONDIM, 1998). Embora essa centralização pudesse parecer uma atitude necessária para a moralização da máquina estatal, como foi divulgado pelo governo, para as instituições, como o NUTEC por exemplo, isso representou a perda total de flexibilidade quanto à gestão de recursos financeiros, mesmo aquelas receitas geradas pelo próprio órgão mediante a prestação de serviços, pois esse sistema amarrou às suas determinações todas as decisões organizacionais, inclusive o processo de compras que passou a ser realizado através de licitações públicas e também passou a ser controlado de maneira centralizada pelo governo, tirando do órgão toda a possibilidade de autonomia e trazendo sérios problemas na escolha dos equipamentos de pesquisa, submetida desde então ao critério de menor preço, sem ao menos impor o esperado benefício da transparência. A impossibilidade de movimentar os recursos gerados internamente, somouse à escassez de recursos advindos do tesouro estadual, que passou a diminuir paulatinamente o repasse de custeio, tornando o órgão, algumas vezes, inadimplente até quanto às suas contas mais elementares, como água, luz e telefone. Conforme dados do Sistema Integrado de Contabilidade, citados por Matos (2002), na execução orçamentária do NUTEC, os recursos advindos do tesouro estadual caracterizaram-se por uma diminuição progressiva, caindo de 91% em 1994 para apenas 48% em 1999. Ora, se o arrocho financeiro chegou a esse ponto, não fica difícil calcular 48 a total carência pela qual passou o NUTEC quanto aos necessários investimentos em estrutura física e laboral, à reciclagem de seus equipamentos de pesquisa e ao treinamento de técnicos. Quanto aos recursos humanos do NUTEC, em 1990, com o advento do Regime Jurídico Único – RJU, por meio da Lei nº 11.712 de 24/07/90, todo o quadro de empregados da instituição foi transferido compulsoriamente do regime CLT para o Estatuto dos Servidores Públicos do Ceará – Lei nº 9.826 de 14/05/1974, transformando seus empregos em funções. Segundo um entrevistado, ao realizar essa simples transferência, considerando que muitos trabalhadores do serviço público haviam sido investido nos empregos sem passar pelo instituto do concurso público, o que foi o caso de todos os funcionários do Nutec. O Estado deu um “tiro no pé”, porque ele queria, naquela época, se livrar de todos os encargos sociais, mas não viu que estava também dando aos servidores direito de serem servidores públicos na acepção da palavra, ou seja, eles estavam sendo transformado de CLT em estatutários para quem, a constituição, havia dado a estabilidade e com isso, tempos depois, anos depois, governos depois, o mesmo governo ensaiou uma reviravolta, mas aí ele não teve mais como retirar esses servidores, não podia demitir esses servidores e nem transformá-los em estatutários em CLT, não poderia transformar “na marra” como foi feito (quando obrigou a mudança de CLT para estatutários), não poderia fazer o inverso (ROBINHO, ex-servidor do estado a serviço do Nutec e ex-presidente da Asnut em duas gestões. Entrevista concedida em 23/01//2006). Para o NUTEC, esse acontecimento teve e continua tendo uma influência nefasta sobre a instituição e se coloca como uma estratégia perversa por parte do governo de, a médio e longo prazo, extinguir seu único instituto de desenvolvimento e difusão de tecnologia, pois o condenou à morte por inanição na medida em que os empregos anteriores foram transformados em funções públicas, as quais, conforme expressos na lei são extintas ao vagarem. Isso significa que, cada vez que um servidor, por qualquer razão ou forma for excluído do quadro da instituição, seja por demissão, aposentadoria ou falecimento, a função que ocupa será extinta. Embora o decreto nº 23.265 de 21 de junho de 1994, que reorganizou o quadro de pessoal do NUTEC, contenha o cargo público como um de seus elementos, os servidores não puderam ocupá-los pois, como foi mencionado, haviam ingressados no Estado por força da lei do Regime Jurídico Único e não mediante concurso público; por outro lado, também não foram criados os cargos correspondentes às funções, nem tampouco realizada a abertura de concurso público para preenchê-los, causando um 49 enxugamento progressivo do quadro de servidores e a consequente desmotivação e instabilidade. Por sua vez, os salários sofreram um severo processo de achatamento provocado, de um lado pela política de reajuste do governo do Estado, que sequer repunha ano a ano as perdas inflacionárias dos salários dos servidores e, de outro, pelas distorções salariais contidas no Plano de Cargos e Carreira (PCC). O PCC do Nutec foi implantado também conforme o Decreto governamental de nº 23.265, de 21/06/1994, possibilitando a avaliação anual dos servidores, quer por desempenho, quer por tempo de serviço. Entretanto, o que deveria ser um instrumento de valorização do servidor com a possibilidade de corrigir as distorções existente na tabela salarial em vigor, tornou-se mais um problema, devido ao fato de que a Secretaria de Administração do Estado concebeu os enquadramentos dos servidores no plano sobre erros preexistentes na tabela anterior, que havia sido formulada sem obedecer a qualquer critério técnico, mas mediante critérios subjetivos, institucionalizando, assim, as suas distorções, principalmente no tocante do pessoal de nível superior. Este fato teve uma repercussão tal sobre a vida funcional do NUTEC, a ponto de desencadear um processo de adoecimento de alguns servidores que chegaram a se aposentar por invalidez. Conforme Matos (2002), no ano base 2001, 41% dos servidores do NUTEC estavam na faixa salarial de até 3 salários mínimos e apenas 13% recebiam acima de 9 salários mínimos, observando-se que esta faixa compunha-se exatamente de técnicos que estavam cedidos a outras instituições com ônus para o Nutec. Vale lembrar que os engenheiros, que são os agentes da realização das atividades-fim do Nutec, por força de lei deveriam receber pelo menos o piso salarial da categoria que é de 8,5 salários mínimos. Porém, o governo muitas vezes descumpriu a lei e os trabalhadores precisaram reivindicar judicialmente para implantar um direito já adquirido. As formas de sucateamento do NUTEC podem ser resumidas em um trecho do documento construído a partir do “Movimento de revalorização e reconstrução do Nutec”, segundo o qual, a questão salarial foi de fundamental importância. As políticas econômicas e salariais praticadas pelo governo federal nos últimos anos, a política de intransigência e de arrocho salarial adotada pelo governo estadual nas negociações salariais quando da data-base dos órgãos da administração indireta e o descaso para com o Nutec demonstrado pelo 50 atual governo, aliados às más administrações internas, fizeram com que os salários hoje praticados na instituição tenham chegado a um nível de defasagem absurdo (ASNUT. Movimento de revalorização e reconstrução do NUTEC; 1990,p.13). Todos estes agentes desmotivadores causaram uma significativa evasão de profissionais que buscaram alternativas para a composição de seu orçamento pessoal, levando consigo uma parte da memória técnica da instituição, o que seguramente representou um grande prejuízo para o NUTEC enquanto instituto tecnológico. Vários destes técnicos se desligaram do Estado, aproveitando os Programas de Demissão Voluntária (PDV’s) do governo que, por sua vez, desejava “enxugar” a máquina administrativa, reduzindo ao mínimo possível o número de servidores vinculados ao quadro estatutário. Há histórias de casos em que os servidores, pressionados pelo endividamento pessoal provocado pelo arrocho salarial, se engajaram no PDV na expectativa de quitar suas dívidas com o valor da indenização, ficando, porém, desempregados, e alguns voltando para o NUTEC em busca de uma oportunidade de prestar serviços, porém, desta vez, sem qualquer vínculo com a instituição. Outros, com o propósito de melhoria salarial, buscaram lotações em outros órgãos do Estado, através da ocupação de cargos comissionados, o que foi mais uma forma de desfalque nos recursos humanos do NUTEC. Dados divulgados pela ASNUT em edição especial do jornal da categoria, em maio de 1990, já revelavam uma perda bastante significativa em número de técnicos. Segundo aquele informativo, no período entre 1987 – início do Governo das Mudanças – e 1990, 37 servidores se evadiram do NUTEC, sendo que, destes, 65% eram nível superior e 35% eram nível médio; outra informação é que 51% dos que foram embora saíram entre os anos 89 e 90. Além disso, a maioria era funcionários antigos, visto que dos 37, apenas 7 tinham medos de 2 anos na Fundação (ASNUTÍCIAS – Edição Especial – 01/05/1990). Com o passar dos anos a situação tornou-se ainda mais crítica pois, de acordo com Matos (2002), dos 160 servidores pertencentes ao quadro de ativos da instituição, 45, ou seja 28%, encontravam-se à disposição de outros órgãos, com ônus para o Nutec. 51 De acordo com alguns dados fornecidos pela unidade de recursos humanos em setembro de 2013, através do levantamento de pessoal dos anos de 1986,1990, 2000, 2009 e 2013, podemos observar o grau de defasagem de recursos humanos ocorrida na instituição ao longo desse período. Em 1986, o quadro de funcionários ativos correspondia à 323. Em 1990, a quantidade de servidores ativos na instituição correspondeu à 303 funcionários. Em 2000, o número de recursos caiu para 115; em 2009, diminuiu ainda mais perfazendo um total de 90 funcionários e em 2013, consta apenas 73. Dada essa defasagem e a impossibilidade de contratação, o NUTEC teve que buscar outras formas de aquisição de recursos humanos, como por exemplo, a terceirização. Por ocasião do diagnóstico realizado pela Associação dos Servidores, em 2002, havia uma composição do contingente funcional da instituição com 33 empregados terceirizados. Porém, de acordo com as regras de terceirização do Estado, a maioria dos contratados estavam nas áreas de limpeza, conservação e apoio administrativo. A título de dados para futuras considerações, o mesmo levantamento, porém feito pela unidade de recursos humanos, concluiu que em 2013, o número de serviços prestados via terceirização passou para 46. Embora o projeto do governo tenha tido, provavelmente, maior peso no desgaste do NUTEC, é mister lembrar que também houve acontecimentos relativos à gestão interna que o colocaram em situação de risco, pois comprometeram o conceito de importância do órgão junto ao governo e trouxeram perdas financeiras de grande vulto. O NUTEC dispunha anteriormente de uma receita advinda do Fundo de Desenvolvimento Industrial – FDI, que era retido pelo Estado através do ICMS de industrias que recebiam incentivos fiscais. Esse fundo era da ordem de aproximadamente R$ 85.000,00 (oitenta e cinco mil reais) mensais e tinha como propósito os investimentos no desenvolvimento da instituição quanto à renovação de laboratórios e equipamentos de última geração necessários aos trabalhos técnicos. A Instituição desenvolvia um trabalho bastante rentável financeiramente na área da Segurança Veicular, com certificação de segurança para veículos modificados e com Gás Natural Veicular (GNV). Essa seria uma das formas de utilização dos recursos do FDI, contudo, o laboratório foi considerado inadequado para inspeção veicular e o 52 NUTEC desabilitado para a prestação do serviço, tendo um enorme prejuízo na sua receita. Provavelmente por razões de utilização inadequada como essa, o FDI foi retirado do NUTEC em outubro de 2002, deixado uma lacuna de grandes proporções nas finanças do órgão que perdeu duas fontes de recursos bastante significativas e diminuiu a lista de serviços prestados à comunidade. Anteriormente a esses acontecimentos que se deram em nível local, o governo federal, dentro da proposta de reforma administrativa, editou a Medida Provisória nº 1591, de 10/10/1997, criando as duas primeiras Organizações Sociais (OS): A Fundação Roquete Pinto – TVE do Rio de Janeiro e o Laboratório Nacional de Luz Sincroton, de Campinas. A OS é um modelo de organização pública, não estatal, regida pelo direito privado, que tem autonomia administrativa, podendo realizar compras e contratações sem licitação, contratar e demitir empregados (regime CLT) e remunerar produtividade, a título de competência, dentre outras facilidades. Seu patrimônio é público e deverá cumprir metas de serviços e produtos estabelecidos por um Conselho Diretor Misto (público e privado) para continuar atuando como organização social. A qualificação de órgãos públicos como organização social faz parte do programa de publicização do Estado, que significa a transferência para o terceiro setor, de serviços sociais considerados pelo governo como não exclusivos do Estado. Foram considerados publicizáveis os sérvios de saúde, educação, meio ambiente, pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico. No Ceará, o governo estadual, através do governo de Tasso Jereissati, aprovou junto à Assembléia Legislativa a Lei nº 12.781 de 30 de dezembro de 1997, instituindo o Programa Estadual de Incentivo às Organizações Sociais, como proposta assemelhada à Medida Provisória Federal. A regulamentação para as organizações sociais, só veio a se efetivar na esfera federal no ano seguinte, por meio da Lei nº 9.637/98. O desejo do governo de privatizar o NUTEC não era exatamente uma novidade. Conforme registrado em ata de reunião da ASNUT, durante um encontro do Conselho de Administração do NUTEC, em outubro de 1991, o secretário da SIC já 53 havia e declarado a favor de uma mudança na natureza jurídica da instituição, afirmando que ela não poderia ficar dentro da estrutura do governo, pois teria muito mais oportunidades se saísse da máquina burocrática; e para reforçar seu parecer usou como exemplo o Sebrae, que teria espaço por não estar atrelado ao Estado. Assim, após a edição do Programa Estadual de Incentivo às organizações Sociais, as investidas privatizantes do governo para com o NUTEC resumiram-se a apenas uma estratégia: a sua qualificação como OS. Essa intenção era constantemente divulgada nos meios de comunicação, especialmente os jornais locais, como por exemplo a reportagem em que o secretário de Ciência e Tecnologia, Ariosto Holanda, declara que “dentre outras instituições, o NUTEC será transformado em OS, contudo, na área de ciência e tecnologia é o único órgão que está apresentando maiores dificuldades, mas estão sendo discutidas as formas de incentivo”. (Jornal Diário do Nordeste. Caderno de Negócios, 25/01/1998). Muitas outras formas foram utilizadas para divulgar a ideia de privatização do NUTEC, provavelmente como estratégia de convencimento prévio do público, e principalmente dos servidores que, conforme as declarações relatadas acima, do secretário Ariosto Holanda, já se revelam contrários. Como última tentativa de por em prática esse projeto, antes de sair da Secretaria de Ciência e Tecnologia, o secretário Ariosto Holanda convocou para o dia 02 de abril uma reunião do Conselho de Administração do NUTEC, a qual, segundo a ASNUT, tinha o claro propósito de referendar a proposta apresentada na ocasião, de extinção do NUTEC e criação de uma organização social. Essa intenção, contudo, não logrou êxito, pelo fato de encontrarem-se presentes na reunião, mesmo que numa participação informal, membros da ASNUT, que se manifestaram contra e pediram aos conselheiros para estudarem o caso com cautela antes de qualquer tomada de decisão (ASNUTÍCIAS, dez/2004). Apesar dos servidores já haverem sentido os impactos da política governamental, desde o início do “Governo das Mudanças”, que comprometeu a capacidade de desenvolvimento das funções do NUTEC pela ausência de investimento que levou à deficiência na infra-estrutura, carência de recursos humanos e materiais, além de várias ameaças de extinção ou fusão, a proposta de qualificação da instituição 54 como OS parece ter sido o marco que deu aos servidores a percepção clara da intenção do governo de privatizar o órgão. Esses fatos geraram um impasse, tornando o espaço do NUTEC um verdadeiro campo de batalha na luta contra esse projeto. Mediante as investidas do “Governo das Mudanças” no sentido de extinguir ou privatizar o NUTEC – entendidas como nocivas à instituição e aos servidores quanto à garantia de suas funções públicas, conforme aqui descrito, - foram implementadas, principalmente por parte dos servidores da instituição, correspondentes formas de resistência, que serão descritas no item a seguir. 4.2 A organização dos servidores, surgimento da ASNUT Até o advento da Constituição Cidadã Brasileira, promulgada em outubro de 1988, era vedada aos servidores públicos a atividade sindical. Segundo o MOVA-SE12, essa é a razão pela qual, no Ceará, a história da organização dos servidores em sua quase totalidade, até aquela data, à exceção de algumas sociedades de economia mista como no caso da Coelce e Cagece, foi contada através de associações beneficentes e assistenciais. As quais, passaram, a partir da década de 1980, a assumir um papel de cunho mais reivindicatório, basicamente salarial e trabalhista, papel esse que, no final daquela década, foi em parte superado, ganhando relevância e até prioridade, nessas associações, as atividades de caráter mais político e questionador (MOVA-SE, 1993, p.11) Essa assertiva encontra respaldo no depoimento da presidenta do Mova-se quando declara que Foi por meio das associações por órgãos que se pôde iniciar um processo de luta, primeiro timidamente, porém com o passar do tempo, extrapolando os interesses corporativistas e, “apontando para compromisso cada vez maior com a sociedade, no sentido da moralização no uso dos recursos e bens públicos, da melhoria na qualidade dos serviços prestados, apontando para a conscientização do servidor como cidadão e trabalhador”. (Jornal Asnutícias, ano 3, nº4, edição do dia do trabalhador, maio/1990). O próprio Sindicato dos Servidores Públicos Estaduais do Ceará – SINSECE, cujo embrião foi o Movimento de Valorização e Articulação dos Servidores Estaduais – MOVA-SE, teve suas origens em sua articulação de presidentes de associações e sindicatos específicos, que se uniram na tentativa de juntar forças para a 12 MOVA-SE: Estado e movimento dos Servidores Estaduais – OUT/93 55 luta em defesa dos servidores. A primeira diretoria do sindicato foi constituída totalmente por presidentes de associações, o que vem justificar a vinculação entre o SINSECE/MOVA-SE, as associações e os sindicatos de servidores, sempre presente ao longo de sua história. A Associação dos Servidores do NUTEC – ASNUT foi criada em 1985, tendo, inicialmente, como principal objetivo o de lutar pelo interesse dos servidores públicos do NUTEC, numa busca incessante de seus direitos, para promover o bemestar geral, assim como, ajudar a organizarem-se na luta contra todas as forças contrárias, que estão a ferir esses direitos. Contudo, expressava seu caráter meramente assistencialista, conforme definido no artigo 1º de seu estatuto, pelo qual foi constituída como “sociedade civil de Direito Privado, sem fins lucrativos e de caráter beneficente, sócio-cultural e recreativo”. Somente a partir da segunda gestão, que teve início em meados de 1987, no primeiro ano do “Governo das Mudanças”, foi que a entidade começou a trabalhar segundo uma visão reivindicatória, por questões pontuais dos direitos dos servidores, evoluindo rapidamente para questões mais amplas, tendo em vista a defesa da instituição como necessária à sociedade, contra o processo de sucateamento que já se fazia sentir no NUTEC, sob a égide dos empresários no poder estatal. As lutas travadas pelos servidores levaram a um avanço na organização do mesmo e foram despertando a consciência de que, sem uma participação do conjunto na busca dos interesses da maioria, não se conseguiriam obter saldos positivos para os trabalhadores do NUTEC. O ano de 1987 pode ser considerado um marco na história de resistência do NUTEC, que já começava a se organizar contra o descaso do governo com a instituição e o achatamento salarial que atingia a todos os servidores, ao mesmo tempo em que, avançando para além dos limites das próprias paredes e dando início às suas atividades como entidade combativa, a Asnut mobilizou os funcionários do Nutec, tendo alcançado grande adesão à greve geral de todos os trabalhadores do Brasil, que aconteceu em 20 de agosto de 1987, tendo como pauta questões gerais da classe trabalhadora brasileira, como o protesto contra o governo do Presidente Sarney, o arrocho salarial e o Plano 56 Bresser13, e a favor da Reforma Agrária e de uma constituição voltada para os interesses dos trabalhadores. A participação massiva dos servidores do Nutec naquele movimento foi inédita e teve um grande significado em termos de desenvolvimento da consciência política dos servidores. Logo em seguida ao movimento grevista, foi lançada, em setembro de 1987, a primeira edição do Jornal da ASNUT, denominado Asnutícias, um veículo de comunicação como espaço para a manifestação livre e independente dos servidores, cujo intuito era favorecer a aglutinação de todos em torno da associação e o fortalecimento da categoria enquanto classe trabalhadora. Já no final do ano, em 28/12/1987, foi realizada uma Assembléia Geral, na qual foram tiradas como principais bandeiras para o ano de 1988, a luta por reajustes salariais, insalubridade e periculosidade, tickets refeição, regularização da situação dos remanejados14 e dos prestadores de serviços, plano de cargos e salários – PCS e anuênio, dentre outras. Esse movimento foi levado à Assembléia Legislativa, contando com o apoio de alguns deputados e denotando o nível de consciência dos servidores em torno de sua condição como classe trabalhadora e o seu papel social como sujeitos da construção da credibilidade alcançada pelo NUTEC nos seus dez anos de existência, período em que procurou “construir um mundo novo, onde a ciência e a tecnologia estejam a serviço do homem” (ASNUTÍCIAS; edição especial, 12/1988). Foi esse, provavelmente, o marco do crescimento Em consciência política. Política como conjugação das ações de indivíduos e grupos na busca de um bem comum a todos. E foi esta consciência de que somos sujeitos e não objetos da história que nos fez crescer (FREIRE, Dulce. Asnutícias: Edição especial, 12/1988). Os servidores do NUTEC mostraram sua capacidade de organização e luta, comparecendo, em significativo número, à primeira audiência de conciliação sobre o 13 Em junho de 1987 foi apresentado o “Plano Bresser” que decretava o congelamento de preços, dos alugueis e salários por 60 dias. E para diminuir o déficit público tomou algumas medidas, como: aumentar tributos eliminou o subsídio do trigo e as obras de grande porte já planejadas foram adiadas (...) desativa o gatilho salarial. Retomou as negociações com o FMI suspendendo a moratória. Mesmo com todas essas medidas a inflação chegou a 366% em dezembro de 1987. (Ruiz, Manoel. A história do Plano Cruzado I e II, plano Bresser, Plano Verão e Cruzado novo. 11/09/03. Disponível em: HTTP://www.sociedadedigital.com.br/atigo acesso em 08/10/13. 14 Em outubro de 1987, o Nutec recebeu cerca de trinta servidores remanescentes de entidades extintas ou fundidas, sendo mais da metade deles provenientes da SUDEC em: Diário Oficial do Estado em setembro de 1987. 57 dissídio coletivo do órgão, no TRT, dia 30 de janeiro, causando admiração inclusive ao juiz daquele tribunal. Tendo em vista a reforma administrativa do Estado e a iminente implantação do Regime Jurídico Único- RJU, prevista na Constituição Federal de 1988, a ASNUT começou a se mobilizar juntamente com o SINSECE/MOVA-SE, visando debater a proposta governamental, por considerá-la lesiva aos servidores, tendo participado de discussão na Assembléia Legislativa, no dia 14/02/1990 acerca do tema, bem como se fazendo presente nos grupos de estudos organizados pelo sindicato para discutir e elaborar uma nova proposta de Estatuto para os servidores públicos estaduais (ASNUTÍCIAS; nº2, 28/02/1990). Por considerar que o NUTEC, na qualidade de instituto de pesquisa e tecnologia do Estado do Ceará, não estava recebendo o apoio necessário, tanto interna como externamente, para a realização de seus trabalhos visando o cumprimento de seus objetivos e a realização de seu papel social, a ASNUT- provocada pelo corpo técnico da instituição, que manifestara sua insatisfação com a situação do órgão naquela ocasião e propusera unirem-se para encontrar saídas para o seu soerguimento – encabeçou um movimento desencadeado a partir de uma assembléia geral dos servidores, realizada no dia 11 de maio de 1990, auto-denominado “Movimento de revalorização e reconstrução do Nutec”. Esse movimento foi uma das primeiras formas de resistência do NUTEC ao descaso do “Governo das mudanças” com a ciência e tecnologia como política pública, e gerou um dossiê composto com todo o seu histórico, bem como vários anexos comprobatórios das denúncias feitas também sobre os desmandos e atos de autoritarismo da própria diretoria do órgão, o qual foi socializado com vários órgãos do governo, como SIC, SEAD E SEPLA, e ainda como os conselheiros do NUTEC, os três candidatos ao governo do Estado e os meios de comunicação, com o objetivo de questionar, divulgar e denunciar a situação do órgão. Conforme registro no livro de ata de reuniões da ASNUT, após avaliação do movimento, a diretoria concluiu que foi válido, apesar das retaliações por parte do Nutec, principalmente o então presidente, e que foi correto fazer as denúncias, pois as más administrações só contribuíam para o descrédito dos órgãos públicos. 58 Em nota divulgada no Jornal O povo do dia 22 de maio de 1990, acerca da luta pela reconstrução do NUTEC, a ASNUT afirmou que o descaso do governo havia redundado em um processo de sucateamento da instituição e numa intensa defasagem salarial que, naquela ocasião, já teria chegado a 286,75%, acumulados durante o governo em curso. Segundo o ponto de vista do Mova-se, isso se deu porque o governo não tem uma política salarial, mas tem um “arrocho salarial”. Considerando os dados do mês de julho de 1993, esse sindicato afirmou que, se por um lado o governo elevou o saláriobase do estado para pouco acima do salário mínimo, por outro, achatou os níveis de salário de uma forma tal que Os 30 níveis de atividades auxiliares, os 19 de atividades de nível médio e os 30 de artes e ofícios ficaram no mesmo patamar, ou seja, estão todos nivelados ao menor salário pago no Estado. Quer dizer, o profissional é promovido de um nível para o outro sem o devido aumento de salário. Cabe então a pergunta: pra que promoção?” (Jornal do MOVA-SE, s/nº, agosto de 1993). Conforme consulta no livro de atas de reuniões da ASNUT, além de sofrer as consequências de todo esse descaso por pare do governo para com o NUTEC, frequentemente os servidores eram surpreendidos por informações, muitas vezes divulgadas em jornais locais, de que estaria sendo planejada a extinção do órgão, ou a sua fusão com outras instituições do Estado, como foi o caso da divulgação de um projeto de transferência do NUTEC para a UECE (Ata de reunião da ASNUT. Maio/1992). Essa possibilidade não foi vista com bons olhos pelos servidores, que a rechaçaram de princípio, por entender que essa medida poderia acarretar a descaracterização do NUTEC como instituto autônomo de ciência e tecnologia, que e uma função social diferente da universidade. Em Assembléia Geral Extraordinária realizada no dia 21/05/1992, foi deliberada implementação de mais um movimento, cujo tema, “Mobilização SalvaNutec”, foi escolhido em alusão ao termo “salva-vida”, pois foi considerada “por um fio” a vida do NUTEC e a sobrevivência de seus servidores. O movimento trabalhou em duas frentes: internamente, buscado os canais institucionais para negociar as questões internas e estudando o projeto de criação da Secretaria de Ensino Superior, Ciência e 59 Tecnologia; e externamente, estabelecendo todos os contatos possíveis e buscando o apoio d pessoa e entidades simpatizantes e interessadas de alguma forma pelo NUTEC. A mobilização “Salva-Nutec”, contudo, não teve somente simpatizantes, mas também encontrou barreiras, inclusive dentro do próprio órgão, tendo por isso de travar uma luta paralela contra as atitudes autoritárias do presidente da instituição naquele momento, que proibiu toda mobilização, ameaçando inclusive por escrito – Ordem de Serviço nº 06 de 19/06/1992 – tomar medidas enérgicas e avisando: “Quem não estiver satisfeito com o sistema, que saia dele” (ASNUTÍCIAS. Ano 4. Ed. Extra “Mobilização Salva-Nutec”, junho/1992). Os servidores, contudo, não se deixaram abater pelas retaliações, mantendose em constante estado de alerta, não só para impedir a extinção sumária do órgão, mas também em busca de garantir direitos que, no seu entendimento, na medida em que valorizavam o servidor, também contribuíam para a revitalização do NUTEC. Assim, em 1994, finalmente a luta por um Plano de Cargos e Carreira (PCC) teve expectativa de concretização. Porém, o governo, durante a polêmica gestão de Ciro Gomes, por meio de uma manobra que, na melhor das hipóteses, pode ser considerada ilegal, barganhou com os servidores trocando o PCC por causas trabalhistas em andamento na justiça contra o Estado, ou seja, para implementar o PC exigiu que os servidores que tivessem causas trabalhistas contra o governo abrissem mão delas, sob pena de não enquadramento no plano, o que de fato aconteceu aos que não aderiram a essa proposta. A atitude governamental significou a troca de um direito por outro direito, desconsiderando a previsão constitucional que garante a todo servidor público, tanto o direito ao PCC como também o direito a postular em juízo. O MOVA-SE criticou essa atitude ressaltando que o “Estado, que deveria garantir o cumprimento da lei, é o primeiro a ferir a Constituição” (Jornal do MOVA-SE, 1994). As mais recentes ações da associação tem sido a luta contra esse tipo de postura, buscando para isso, em parceria com o MOVA-SE, e também junto ao Fórum Unificado das Associações e Sindicatos dos Servidores Públicos Estaduais do Ceará (FUASPEC) no qual a atual presidenta da ASNUT, Francisca Jeruza Feitosa de Matos, também atual presidente da Mesa de Negociação Permanente (MENP), o apoio junto a 60 outros organismos, a participação dos servidores públicos na construção dos projetos que defendem a categoria. Qualquer nova investida ou estratégia do governo, que traga a possibilidade de implementação das intenções governamentais de privatizar o Nutec, ou sucatear até seu extermínio, já faz com que o espaço de representação política desses servidores se envolvam em novos processos de resistência e vislumbrem para um futuro próximo, novas formas de luta no intuito de impedir o avanço dos interesses privados sobre a vontade e o bem coletivos. 4.3 Uma análise da atual conjuntura do Nutec e da Asnut Atualmente a Instituição é presidida pelo professor Lindberg Lima Gonçalves, na gestão desde março de 2011. Como podemos ter percebido ao longo deste trabalho, a Instituição foi e é alvo de ataques persistentes de privatização dos seus serviços, bem como o sucateamento do próprio órgão através do descaso com os servidores públicos do NUTEC. Vale salientar que não é uma característica dessa fundação especificamente, mas de todos os órgãos vinculados ao Governo do Estado. De acordo com o que se apresenta o NUTEC tem vivenciado sua maturidade funcional, atualmente completou 35 anos de fundação, e com eles os embates oriundos de uma sociedade fervorosamente capitalista, e não diferentemente dos dias da sua criação, ainda é um equipamento que corre riscos de extinção por grupos de interesses privados. Se insere assim na atual realidade vivenciada pelo Ceará da construção das grandes empreitadas, característica do atual governador do Estado Cid Gomes, como por exemplo a implantação em curso da Companhia Siderúrgica do Pecém e da Refinaria da Petrobrás, que trará no seu esteio o desenvolvimento de um pólo metal-mecânico e de um pólo petroquímico que traz em seu discurso para reafirmar tal empreendimento, a responsabilidade que se põem para todos os órgãos que compõem o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Ceará, com destaque especial para os institutos tecnológicos. Ora, este não seria então um momento de salto e marco para a consolidação permanente do NUTEC? De acordo com os últimos dados colhidos por meio de entrevistas e observações, não é bem assim que se apresenta a situação gritante desta instituição. Como podemos perceber, durante toda a trajetória de vida do NUTEC, os 61 governos que chegam ao poder, assumem uma postura claramente neoliberal, na qual, o interesse maior é desvencilhar-se dos encargos com as políticas de proteção social, dando maior importância à estabilidade financeira. O capital estrangeiro foi atraído pela redução de impostos e outros incentivos, foi permitido o avanço das privatizações, das terceirizações e a flexibilização das leis trabalhistas, numa tentativa de alterar a lógica do direito do trabalho para uma lógica flexível, que na realidade não existe. O que existe é uma supressão de direitos, não dando ao trabalhador a possibilidade de recuperar suas perdas. Para compreender a atual conjuntura do NUTEC, entendemos que se faz necessário aqui trazer mais uma vez a principal atividade do órgão: geração e aperfeiçoamento de tecnologias, desenvolvendo projetos e prestações de serviços com alto teor agregado. Concomitante a esta fundação e seus princípios ao longo deste trabalho já relatado, eis que surge no ceio cearense, dentro dos espaços da Universidade Federal do Ceará, o Instituto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (IPDI), inaugurado dia 11 de maio de 2011, pelo Governo do Estado, através da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (SECITECE), curiosamente presidido pelo atual presidente do NUTEC, professor Lindberg Lima Gonçalves. Assim como o NUTEC e de acordo com o presidente supramencionado 2011, o IPDI é uma organização de direito privado criada com a finalidade de promover o estímulo à pesquisa científica e à inovação no Ceará, estendendo os benefícios à região Nordeste. Tem como foco o atendimento de demandas por projetos de desenvolvimento e inovação do setor produtivo. Entre suas atividades estão o desenvolvimento de tecnologias, produtos e processos e apoio aos projetos interdisciplinares de pesquisa, desenvolvimento e inovação, além da promoção de transferência de tecnologia para o setor empresarial da região. Eis que surge o atual emblema da situação de sobrevivência do NUTEC. Para simplificar, porém não sem críticas reflexivas e profundas, o NUTEC, órgão maduro, no auge dos seus 35 anos, organização pública, com missão e visão definidas, se depara com outra instituição que detém os mesmos interesses e objetivos, criada com a mesma finalidade, porém com caris privado. E como se não bastassem as semelhanças, atualmente possuem o mesmo presidente. 62 De acordo com Jeruza Matos 2013, servidora do NUTEC liberada para presidir a ASNUT, na apresentação do Programa de Ciência e Tecnologia, criado no segundo mandato do governo de Cid Gomes, muito se enfatizou o investimento e a valorização para o IPDI e, no entanto, pouco se discutiu melhorias ou investimentos para o NUTEC. A mesma em reunião da mesa de negociação com o governo, fez um pronunciamento se dirigindo diretamente ao governador com a seguinte fala: “Em vez do governo investir em outro órgão em pesquisa e tecnologia, separado do NUTEC apenas por uma cerca, o governo deveria investir no NUTEC e na Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME), que está sofrendo dificuldades em suas infra estrutura e na defasagem do quadro de pessoal.” (Entrevista concedida para este trabalho em 16 de setembro de 2013). Foi neste momento em que o governador Cid Gomes, se comprometeu em sua campanha política promover um concurso público para o NUTEC. Atualmente, um dos grandes embates e desafios enfrentados hoje pela ASNUT refere-se ao concurso para o NUTEC e concomitante a isso, a reestruturação da tabela salarial, pois como dito anteriormente, o órgão está se desmanchando e entrando em desuso por falta de profissionais para manejar os laboratórios e equipamentos específicos que demandam profissionais qualificados para tal. E este acontecimento, de comprometimento do governador com o concurso para o NUTEC, foi e está sendo os suspiros e aspirações de todo o corpo da ASNUT e de expectativa para sobrevivência da Instituição. Dentre os acontecimentos em que se chocaram os interesses tanto da ASNUT quanto do quanto da diretoria do NUTEC, houve em uma das reuniões na Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG) com a Mesa Estadual de Negociação Permanente (MENP), na qual Jeruza Matos também é presidente, houve uma insistência em se debater o concurso e o ajuste da tabela salarial para o NUTEC e, no entanto, a diretoria do NUTEC se posicionou recusando esse pedido. E foi neste momento em que se ficou claro os interesses que se divergiam disfarçadamente ao longo da história da Fundação e que agora, com “caras limpas” sabe-se das finalidades de cada espaço, tanto da diretoria do NUTEC quanto da ASNUT e o conflito se tornou mais visível. Posto isso, fizemos uma breve pesquisa sobre a questão da organização dos servidores do NUTEC, junto à ASNUT na perspectiva criar um corpo para o 63 enfrentamento do atual desafio que se ora se apresenta. No entanto, o que podemos perceber é que há uma desmotivação por parte destes servidores, em sua maioria, entre os 40 associados pesquisados, em torno de 60% , vêem na associação uma forma sim de luta para conquista dos seus direitos, mas que afirmam que a luta é antiga, que o “patrão” não está “nem aí” para a melhoria dos servidores, e que se não fosse a insistência por luta da associação, o NUTEC já teria sido extinto. Conta-se ainda, das mobilizações atuais feitas pela associação que levam alguns servidores que se enquadram e participam, por acreditar nos princípios desta organização, mas sabe-se que está cada vez mais fragmentada e por assim estar perde dia após dia a sua força, caindo inevitavelmente nas armadilhas arquitetadas pelo modelo neoliberal do atual Estado. Em torno de 90% dos pesquisados possuem mais de 10 anos de associativismo, se reconhecem como membro importante para a associação no processo de luta, porém, 30% participam das mobilizações políticas que envolvem os direitos pleiteados pela associação. Isso nos mostra o quanto está fragilizada esta organização, os mesmos servidores, já que não há renovação do quadro de pessoal, encontram-se, após 35 anos de serviços prestados à sociedade, pleiteando e gritando por seus direitos através da organização de classe. Ainda que sejam diferentes de outrora, os direitos dos trabalhadores ainda são e serão o motivo pelo qual se faz necessária a organização política dos servidores por meio de sindicatos e associações. 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como vimos ao longo deste trabalho, a configuração estatal e a burocracia criadas e desenvolvidas no Brasil foram precárias para proporcionar a universalização de direitos, devido à coalização conservadora das classes que conduziu à modernização capitalista – a qual constituiu um Estado forte, porém, não permeável aos interesses populares/das classes subalternas- e à parcialidade da racionalidade burocrática desenvolvida, na medida em que sua realização plena foi evitada ou interferida, através de sua articulação com patrimonialismo/clientelismo, objetivando garantir a manutenção de privilégios e, simultaneamente, visando viabilizar os interesses imediatos da burguesia industrial nascente, via expansão do “insulamento burocrático” e estruturação dos “anéis burocráticos”. Os anos de neoliberalismo no Brasil têm sido marcado por uma ampla e renovada contrarreforma do Estado. Ao passo que estamos diante de uma crise de gestão do Estado e não frente à crise do capitalismo em sua fase madura e destrutiva e de que é necessário tornar o Estado supostamente mais eficiente é reposto sob novas faces como panacéia de todos os males: as organizações sociais, as fundações estatais de direitos privado, o gerencialismo. Como se pode constatar através da experiência do NUTEC relatada neste trabalho, a qual não é uma realidade isolada dentro do grupo de instituições estatais, o governo do Ceará desde o período governado por Tasso Jereissati denominado como “Governo das Mudanças”, implementou efetivamente um novo paradigma de Estado, utilizando estratégias típicas do modelo de acumulação flexível. Não foi sem luta com toda resistência, a despeito de todos os entraves, conforme exposto neste trabalho, que o NUTEC conseguiu manter-se vivo até hoje, buscando se firmar naquilo que se caracteriza historicamente como a missão para a qual foi criado. A Associação dos servidores do NUTEC – ASNUT, na condição de entidade representativa dos interesses da categoria, considerando que o interesse coletivo de maior relevância para seus representados é a defesa da instituição que compõem, e reconhecendo a importância da instituição para o desenvolvimento do estado e a melhoria da qualidade de vida da população, iniciou ainda nos primeiros anos de sua criação, logo que sentiu a ansiedade dos servidores por encontrar caminhos para a 65 reconstrução e revitalização do NUTEC, um processo de luta incansável, tendo implementado diversos movimentos pela revalorização e reconstrução do órgão. Através deste estudo, foi possível perceber que os servidores do NUTEC arregimentados em sua associação, revelaram-se os verdadeiros sujeitos de todo esse processo de resistência ao insistente propósito de privatização do órgão, tendo enriquecido a luta pelos interesses da categoria com o firme empenho na defesa da instituição, não se limitado ao exercício da prática sindical pura e simplesmente, mas avançando para uma dimensão propositiva. Além disso, o fato dos servidores haverem conseguido manter o NUTEC vivo e ainda atuante em algumas das áreas pertinentes à sua missão, e com perspectivas de crescimento e reestruturação, apesar de todo o processo de sucateamento e sucessivas tentativas de privatização impostos pelo governo, enquanto poder constituído, pode comportar um importante significado. Traz à reflexão o pressuposto de que, embora não se possa negar a efetiva existência de um poder hegemônico, também não se pode desconsiderar a sempre latente possibilidade de que, mediante a correlação de forças presente entre os blocos sociais em um determinado contexto histórico, haja deslocamentos que permitam algum tipo de mudança nas condições de dominação, o que, no caso específico do NUTEC se revelou como forma de impedimento, mesmo que parcial, para a realização dos propósitos de classe. Então, com esse intuito, provocamos o sujeito. Deste ente com potência para mover-se com capacidade de deliberação e compreensão sobre o sentimento de outros homens. A partir destas capacidades, o homem adquire a capacidade de tornar-se sujeito da criação do tempo e, este tempo, pela ação proposital-instrumental, habilita-se a produzir uma data [pré-determinada] história que será contada pelo sujeito de suas criações. Nesta esfera, os meios de mediação assumem relevância também proposital-instrumental. Estado e sociedade, portanto, são temas de uma mesma construção: o tempo, e este tempo é o social-histórico posto à disposição daqueles que o podem criar. (NETO, Ricardo Giuliani. p. 234. 2009) A expectativa deste estudo foi ser um ponto de partida, um despertar para novos conhecimentos e questionamentos que possam induzir não só a outros pesquisadores mas também aos servidores do NUTEC a trilhar pelo caminho da 66 reflexão e da busca por novas descobertas, que tornam maduro e consciente o processo de luta e a resistência contra a dominação e a exploração. 67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, R. (1982). Classe operária, sindicatos e partido no Brasil: da revolução de 30 até a Aliança Nacional Libertadora. São Paulo. Autores Associados/Cortez. ____. (1995). Adeus ao trabalho?: Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo. Cortez/UNICAMP. ____. (1999). 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