IMPACTO DA URBANIZAÇÃO NO BALANÇO DE ENERGIA NA CIDADE DE CUIABÁ-MT/BRASIL Ivan Júlio Apolonio Callejas (1); Luciane Cleonice Durante (2); Thiago Rangel Rodrigues (3); Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira (4); Francisco de Almeida Lobo (5), Marcelo Sacardi Biuldes (6); Affonso Ciekalski Soares Campos (7) (1), (2) e (3) Doutorandos e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental (4), (5) e (6) Professores do. Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental (7) Discente Departamento de Arquitetura. Bolsista Iniciação Científica FAPEMAT Universidade Federal de Mato Grosso, s/n, CEP: 78060-900, Cuiabá-MT Tel.: (65) 3615 8739 RESUMO: Neste trabalho, objetivou-se avaliar os impactos ambientais produzidos pelo processo de urbanização na cidade de Cuiabá-MT. Os resultados demonstraram que existe alteração no balanço de energia no meio urbano quando comparado com o rural. Entre as alterações verificadas se destacam: maior taxa de armazenamento de energia dentro do dossel urbano; predominância de fluxos de calor sensível sobre os fluxos de calor latente tanto no período seco quanto no chuvoso, o que propicia desta forma maior quantidade de energia para aquecer o ar atmosférico nesses ambientes. Uma constatação importante foi a de que o fluxo de calor armazenado dentro do dossel urbano e no solo no meio rural se encontra praticamente em fase com o saldo de energia disponível do meio. ABSTRACT: This study aimed to assess the environmental impacts produced by the process of urbanization in the city of Cuiabá-MT. The results showed that there is change in energy balance in urban when compared to rural areas. The principal changes are: increased rate of energy storage inside the urban canopy; prevalence of sensible heat flux over latent heat flux in rainy and dry season. These behaviors observed provide more energy to heat the air inside atmosphere in urban environments. An important finding was the observation that the fluxes stored inside the urban canopy and soil in rural areas is almost in phase with the available energy in the environment. 1. INTRODUÇÃO O enfoque atual dos estudos de clima urbano concentra-se em temáticas como balanço de energia, contaminação da atmosfera e qualidade do ar, configuração de ilhas de calor e os impactos pluviais. Abordando o clima sob a ótica do balanço de energia, Oke (1988) destaca que o mesmo é um processo físico e termodinâmico que acopla a superfície e a camada limite. Através dele são determinados os fluxos de temperatura e umidade do ar, bem como os superficiais, que contribuem no perfil médio de temperatura potencial dentro da camada limite atmosférica. A cidade apresenta outros fluxos, os denominados antropogênicos, que contribuem para o acréscimo de energia no dossel urbano. Oke (1988) computou os ganhos, as perdas e o armazenamento de energia no dossel urbano e equacionou o balanço de energia dentro de volume de controle (Eq. 1), na qual Q* é o saldo de radiação líquida (K - K + L - L); QF a fonte de calor antropogênica introduzida dentro do volume de controle; QH o fluxo de calor sensível turbulento; QE o fluxo de calor latente turbulento; ΔQS o fluxo de calor armazenado dentro do dossel urbano; ΔQA a advecção horizontal de calor sensível e latente conduzida para dentro ou fora do volume de controle; K radiação de ondas curtas incidente; K radiação de ondas curtas refletido; L radiação de ondas longas emitido pelo céu e L radiação de ondas longas emitido pela superfície. Q* + QF = QH + QE + ΔQS + ΔQA Equação 1 O processo de urbanização de Cuiabá-MT se iniciou na década de 1930, intensificou-se durante a década de 1960, tornando a cidade em um centro de abastecimento das áreas de alta produtividade agrícola da região do Cerrado e do sul da Amazônia. Em 1970, a população de Cuiabá era de 88.254 habitantes e, em 2010, alcançou 551.350, caracterizando aumento de 624% (IBGE, 2010). Esse intenso crescimento populacional favoreceu o processo acelerado de mudanças ambientais, com alterações nas coberturas das superfícies do solo, principalmente, pela substituição das áreas naturais por áreas construídas e impermeabilizadas. 2. OBJETIVO O objetivo deste trabalho foi avaliar os impactos ambientais nos componentes do balanço de energia devido ao intenso processo de urbanização sofrido pela cidade de Cuiabá-MT. 3. MATERIAL E MÉTODO Para avaliar o comportamento dos fluxos energéticos em área que sofreu intensa urbanização, selecionou-se o Sítio 1 (urbano) posicionado na região Leste e o Sítio 2 (rural), localizado ao Sul, distantes aproximadamente 1,45 e 15km do Centro da cidade (Fig. 1). Para caracterização do uso e ocupação do solo no entorno dos sítios, quantificou-se as frações de área das categorias definidas em um raio de 500 m, segundo Oke (2006), para avaliação da energia armazenada no dossel urbano (ΔQs). Na coleta de dados durante o período seco (setembro/ 2010) e chuvoso (fevereiro /2011), os seguintes equipamentos meteorológicos foram utilizados: termohigrômetros (avaliação do perfil de temperatura e umidade do ar); piranômetros (avaliação da radiação solar global incidente); saldo radiômetros (avaliação do saldo de radiação líquida) e fluxímetros (avaliação do fluxo de calor no solo). Para o particionamento dos fluxos energéticos se utilizou o método da Razão de Bowen que se baseia na lei de conservação de energia no sistema Solo-Ar-Atmosfera e na teoria da similaridade de Monin-Obukhov conforme Eq. 2, na qual ΔT e Δe se referem à diferença de temperatura e pressão de vapor d’água entre dois níveis verticais de medição junto à superfície; =cpp/ϵLv a constante psicrométrica; p a pressão atmosférica; ϵ a razão entre os pesos moleculares do vapor d’água e do ar (0,622) e Lv o calor latente de vaporização da água, sendo os demais termos já definidos na equação 1. Δ Δ Δ Δ Δ Δ Equação 2 2 O fluxo de calor antropogênico dissipado no dossel urbano foi estimado pelo Método do Inventário proposto por Sailor e Lu (2004) conforme Eq. 3, onde QFV o fluxo de antropogênico gerado pelas fontes veiculares, QFS gerado pelas fontes estacionárias e QFM gerado pelo metabolismo humano e/ ou animal. QF = QFV + QFS +QF Equação 3 Estimou-se o fluxo de calor no solo na área rural por meio de fluxímetros. A energia armazenada no dossel urbano (ΔQs) foi avaliada pelo Modelo Objetivo de Histerese (OHM) proposto por Grimmond et al. (1991) conforme Eq. 4, onde ΔQS o fluxo de calor armazenado no dossel urbano; Q* o saldo de radiação líquida na superfície urbana em estudo; Q*/ t a taxa de variação da radiação líquida no tempo; a1i, a2i e a3i são coeficientes empíricos para cada tipo de superfície i (asfalto, concreto, paredes, telhados, vegetação, solo exposto) associados à resposta térmica da superfície em relação a intensidade do fluxo de energia de entrada e fi a fração dessas superfícies i dentro da área de estudo (Fig. 1). Os coeficientes de regressão a1, a2 e a3 correspondem à resposta do modelo de histerese para cada tipo de superfície do meio urbano e obtidos a partir de estudos de fluxo de calor no solo da região, em áreas vegetadas, solo total ou parcialmente descoberto e de fluxo de calor no concreto. Para telhado e asfalto, utilizou-se os coeficientes apresentados por Meyn e Oke (2009) e Anandakumar (1999). Δ Equação 4 4. ANÁLISE DE RESULTADOS Ao se comparar os fluxos no meio urbano e rural (Tab. 1, Fig. 2) observa-se que, no mês de setembro (seco), o fluxo de calor sensível prepondera sobre o latente nos dois meios e o fluxo de calor sensível corresponde a 68 e 60% da energia disponível no meio rural e urbano, respectivamente. Este fato justifica a ocorrência de maior temperatura do ar no meio rural do que no meio urbano em algumas horas do dia. No mês de fevereiro (chuvoso), o fluxo de calor sensível se reduziu na cidade e no meio rural (50% e 41%, respectivamente). O fluxo de calor latente é inferior ao fluxo de calor sensível durante o mês seco, sendo na cidade ligeiramente superior ao do meio rural (22% e 19% da energia disponível, respectivamente), comportamento este justificado devido à maior disponibilidade de água na cidade, proveniente da irrigação de jardins e canteiros centrais. Durante o mês fevereiro (chuvoso), no meio urbano ainda há predominância do fluxo de calor sensível sobre o latente (50% e 40%, respectivamente) e no meio rural, ocorre fenômeno inverso (58% e 41%). Este comportamento é justificado devido à maior disponibilidade de água no meio rural do que no urbano, em conseqüência da menor taxa de impermeabilização do solo naquele ambiente. Durante o mês de setembro (seca), nota-se que a taxa de armazenamento de energia no dossel urbano e solo rural (17% e 13%, respectivamente) são superiores a do mês de fevereiro (chuvoso) (10% e 1%). Nota-se que o fluxo de calor armazenado no dossel urbano e no solo rural se encontra praticamente em fase 3 com o saldo de energia disponível no meio, diferentemente do que acontece em países de clima temperado (GRIMMOND et al.,1991). A média diária da Razão de Bowen para o período seco no meio rural (3,49) é superior à observada no meio urbano (2,74), o que indica predomínio de fluxos de calor sensível sob o latente, neste período. Para o chuvoso, observa-se comportamento inverso ao do mês seco (1,26, no meio urbano e 0,7, no rural). Desta forma, no mês chuvoso, na cidade, o fluxo de calor sensível prepondera sobre o latente, enquanto que, no meio rural, ocorre comportamento inverso. 5. CONCLUSÕES Este trabalho objetivou avaliar os impactos ambientais provenientes da urbanização em CuiabáMT. Os principais efeitos ocasionados nos fluxos energéticos no meio urbano são altas taxas de calor armazenado no dossel urbano, devido às propriedades térmicas dos materiais artificiais nele utilizados e a maior área de armazenado nos cânions; predomínio dos fluxos de calor sensível sobre o latente, tanto no período seco quanto no chuvoso, propiciando desta forma maior quantidade de energia para aquecimento do ar atmosférico; redução do fluxo de calor latente devido a elevada área impermeabilizada e baixa presença de vegetação, principalmente no mês chuvoso. Houve redução do calor armazenado no dossel urbano no período chuvoso quando comparado ao seco, provavelmente devido às trocas térmicas por condução ocorridas durante os períodos de chuva e maior destinação de energia para evaporação da água. Este comportamento pode ser um indício de que a intensidade da ilha de calor urbana em Cuiabá-MT seja maior durante no período seco do que no chuvoso. AGRADECIMENTOS À Fundação de Amparo a Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT) pelo suporte financeiro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANANDAKUMAR, K. A study on the partition of net radiation into heat fluxes on a dry asphalt surface, Atmos. Environment., v.33, p. 3911–3918, 1999. GRIMMOND, C.S.B.; CLEUGH, H.A. and OKE, T.R. An objective urban heat storage model and its comparison with other schemes. Atmos. Environment, v.25, n.3, p.311-326, 1991. IBGE. Instituto Brasileiro de Pesquisas Geográficas. Estimativas Populacionais 2010. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: mar/ 2011. MEYN, S., OKE, T. R. Heat Fluxes Through Roofs and Their Relevance to Estimates of Urban Heat Storage. Energy and Building, v.41, p.745-752, 2009. OKE, T. R. The Urban Energy Balance. Progress in Physical Geog, v.12, p.471-508, 1988. OKE, T. R. Initial guide to obtain representative metorological observations at urban site. Word Meteorological Organization. Canadá, 2006. SAILOR, D.J.; LU, L. A top-down methodology for developing diurnal and seasonal anthropogenic heating profiles for urban areas. Atmos. Envi., v.38, 2737–2748, 2004. 4 Figura 1 – Localização e entorno do Sítio 1 (urbano) e 2 (rural) em Cuiabá-MT. Setembro Rg Q* QF ΔQs QE QH Fluxos Energéticos (W m-2) 900.00 800.00 700.00 600.00 500.00 400.00 300.00 200.00 100.00 -100.00 800.00 700.00 600.00 500.00 400.00 300.00 200.00 100.00 -100.00 Hora local (h) a) Q* QF ΔQs QE QH b) Setembro 600.00 500.00 400.00 Rg 300.00 Q* 200.00 G 100.00 QE QH Fevereiro 700 600 500 400 Rg 300 Q* 200 G 100 QE 0 QH -100 0:00 1:30 3:00 4:30 6:00 7:30 9:00 10:30 12:00 13:30 15:00 16:30 18:00 19:30 21:00 22:30 -100.00 Fluxos energéticos (W m-2) 800 700.00 0.00 Rg Hora Local (h) Sítio Urbano 0:00 1:30 3:00 4:30 6:00 7:30 9:00 10:30 12:00 13:30 15:00 16:30 18:00 19:30 21:00 22:30 Fluxos Energéticos (W m-2) 800.00 Fevereiro 00:00 01:30 03:00 04:30 06:00 07:30 09:00 10:30 12:00 13:30 15:00 16:30 18:00 19:30 21:00 22:30 00:00 01:30 03:00 04:30 06:00 07:30 09:00 10:30 12:00 13:30 15:00 16:30 18:00 19:30 21:00 22:30 Fluxos Energéticos (W m-2) Tabela 2– Valores médios diários dos componentes do balanço de energia - sítio urbano e rural. Meses Setembro/ 2010 Fevereiro/ 2011 Fluxo Urbano (1) Rural (2) Urbano (1) Rural (2) Rg 19,72 17,52 16,10 16,61 Q* 11,83 7,48 8,08 10,85 0,65 0,61 QF QH 7,45 5,06 4,32 4,47 QE 2,72 1,45 3,43 6,37 ΔQs ou G 2,10 0,95 0,85 0,04 Fração Q*/Rg 0,60 0,43 0,50 0,65 QH/(Q*+QF) ou QH/Q* 0,60 0,68 0,50 0,41 QE/(Q*+QF) ou QE/Q* 0,22 0,19 0,40 0,58 ΔQs/(Q*+QF) ou G/Q* 0,17 0,13 0,10 0,01 2,74 3,49 1,26 0,70 Horal Local (h) c) Hora Local (h) Sítio Rural d) Figura 2 – Fluxos energéticos médios nos sítios urbano (1) e rural (2). 5