Dossiê
Pesquisa Narrativa, (auto)Biografias e História Oral: ensino, pesquisa e formação em
Educação Matemática
Elizeu Clementino de Souzaa
RESUMO
A intenção deste trabalho é discutir as aproximações e possíveis distanciamentos entre a pesquisa
narrativa, as (auto)biografias, a história oral e as práticas de formação em Educação Matemática.
Busca-se, através dos textos selecionados pelo GT de Educação Matemática, no que se refere
à utilização e aos modos próprios de trabalho com as narrativas, as (auto)biografias, os memoriais,
as práticas de escritas de si e a história oral, levantar algumas questões, sistematizar reflexões
e discutir aspectos teórico-metodológicos da abordagem biográfica. Assim, com ênfase na
pesquisa narrativa e na História Oral, tais questões serão tratadas no contexto da formação de
professores e das práticas de formação empreendidas pelos grupos de pesquisa em educação
matemática e no âmbito da pós-graduação em educação.
Palavras-chave: Pesquisa (auto)biográfica; História Oral; Educação Matemática.
Narrative Research, (Auto) Biographies And Oral History: teaching, research and formation
in mathematical education
ABSTRACT
The intention this work is to discuss about the approaches and possible estrangements between
the research narrative, biography, oral history and the practice of formation in Mathematics
Education. Researches from the texts called for the GT of Mathematical Education, with
respect to use and in the proper ways of work with the narratives, biographies, memorials,
practical of writings of oneself and oral history, to raise some questions, to systemize reflections
and to discuss aspects theoretical methodologies of the biographical approaches, with emphasis
in the narrative research and oral history, focusing the context of the formation of teachers
and the practical of formation undertaken by the groups of research in mathematical education,
the scope of the after-graduation in education, when pointing out epistemologies passages of
the research with history of life or narratives of formation.
Key words: Biography research; Oral history; Mathematics education.
Pesquisador do CNPq.
Doutor em Educação. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da
Universidade do Estado da Bahia (PPGEduC/UNEB). Coordenador do GRAFHO/PPGEduC/UNEB/CNPq.
Presidente da Associação Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Membro do Conselho de Administração da
Associação Internacional das Histórias de Vida em Formação (ASSIHVIF) e da Associação Norte e Nordeste das
Histórias de Vida em Formação (ANNIHVIF). Pesquisador Associado do EXPERICE – Paris 8 / Paris 13/
Nord. Secretario Adjunto da ANPEd (Biênio 2010/11).
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As discussões sobre pesquisa narrativa, (auto)biografias e História Oral têm se intensificado
nos domínios das pesquisas das Ciências Sociais e, mais especificamente, no campo educacional
brasileiro, que desde o final dos anos 80, vem aprofundando discussões sobre questões
vinculadas às fontes, procedimentos de recolha, análise e interpretação na pesquisa no contexto
da formação de professores, na didática e na História da Educação. Tal prática confirma a
relevância e o significado da temática para o campo das pesquisas na Educação Matemática,
tanto no âmbito dos programas de pós-graduação em educação e em educação matemática,
quanto no que se refere à criação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) e
à consolidação dos grupos de pesquisas nas diferentes regiões do país.
A proposição do trabalho encomendado busca dar visibilidade a outras fontes (orais e escritas),
a perspectivas de pesquisa-formação e a modos próprios de trabalho com as narrativas,
(auto)biografias e história oral, no contexto da educação matemática. A intenção deste trabalho
é discutir as aproximações e os possíveis distanciamentos entre a pesquisa narrativa, as
(auto)biografias, a história oral e as práticas de formação em Educação Matemática, por entender,
como afirma Catani, que, “as escritas das obras autobiográficas que testemunham as relações
pessoais com a escola pode ser útil como fonte para a elaboração da história da educação”
(2005, p. 32) ao traduzir sentimentos, representações e significados individuais das memórias,
das histórias e das relações sociais com a escola.
Procura-se, neste trabalho, por meio dos textos selecionados pelo GT de Educação Matemática1,
no que se refere à utilização e aos modos próprios de trabalho com as narrativas, as
(auto)biografias, os memoriais, as práticas de escritas de si e a História Oral, levantar algumas
questões, sistematizar reflexões2 e discutir aspectos teórico-metodológicos da abordagem
biográfica. Assim, com ênfase na pesquisa narrativa e na história oral, tais questões são tratadas
no contexto da formação de professores e das práticas de formação empreendidas pelos grupos
de pesquisa em educação matemática e no âmbito da pós-graduação em educação. (Esse
parágrafo está muito confuso, seria mais interessantes reescrevê-lo, fazendo frases menores).
Pesquisa (auto)biográfica: cenário e tipificações
O cenário no qual se pode tentar compreender como os trabalhos com histórias de vida em
pesquisa e em formação e o que se convencionou chamar de métodos autobiográficos
responderam e respondem a demandas presentes no campo educacional deve ser assim
explicitado. Inicia-se ponderando que, decerto, as formas de trabalho, as escolhas de
procedimentos e os argumentos utilizados para justificá-los e fundamentá-los são extremamente
variados e que, para compreendê-los, é preciso entender o espaço acadêmico no qual surgem.
A proliferação de estudos que buscam, no território da formação de professores, encontrar
modalidades mais significativas para os próprios sujeitos favoreceu a leitura e a apropriação
das ideias, principalmente europeias e norte-americans, voltadas para as vertentes autobiográficas.
Do mesmo modo, o recurso às histórias de vida como fonte para a elaboração de estudos
sócio-históricos dos processos educacionais deve-se ao entendimento de que elas são fontes
potentes para a consideração dos processos de dotação de sentidos das experiências dos sujeitos.
A História da Educação, a educação matemática e as práticas de formação têm sido, no caso
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brasileiro e, mais especificamente nos grupos de pesquisa de educação matemática, importantes
vertentes nas quais se fazem presentes as histórias de vida e o trabalho com as narrativas de
formação e a História Oral.
As histórias de vida são, atualmente, utilizadas em diferentes áreas das ciências humanas e da
formação. Tal utilização ocorre por meio da adequação de seus princípios epistemológicos e
metodológicos à outra lógica da formação do adulto, através dos saberes tácitos ou
experienciais e da revelação das aprendizagens construídas ao longo da vida como uma
metacognição ou metareflexão do conhecimento de si.
As histórias de vida adotam e comportam uma variedade de fontes e de procedimentos de
recolha, podendo ser agrupadas em duas dimensões: os diversos documentos pessoais
(autobiografias, diários, cartas, fotografias e objetos pessoais) e as entrevistas biográficas, que
podem ser orais ou escritas. De fato, as biografias são bastante utilizadas em pesquisas na área
educacional como fontes históricas. Cada texto deve ser utilizado como objeto de análise
considerando, sobretudo, o contexto de sua produção, sua forma textual e o seu conteúdo em
relação ao projeto de pesquisa a que está vinculado. Ainda assim, as pesquisas biográficas
partem do princípio de que a educação caracteriza-se como uma narratividade intersubjetiva,
recolocando a subjetividade como categoria heurística e fenomenológica de tal abordagem.
A revalorização das autobiografias instaura-se no campo da história social, especificamente,
com a viragem e as contribuições teórico-epistemológicas da história cultural e seu interesse
pelo cotidiano, pelo pessoal, pelo privado, pelo familiar e suas representações e apropriações.
A utilização das autobiografias, tanto na história da educação quanto em outros campos
educacionais, dá-se através do estudo da história do currículo, das reformas educativas, das
práticas e culturas escolares, da feminização da profissão, do processo de profissionalização,
do acompanhamento das práticas docentes e, mais especialmente, dos estudos vinculados à
História Oral e à Educação Matemática.
Pineau (2006), ao discutir sobre a diversificação das entradas e das terminologias das pesquisas,
afirma que “a flutuação terminológica em torno das histórias e relatos de vida, biografias e
autobiografias é indicativa da flutuação do sentido atribuído a essas tentativas de expressão da
temporalidade vivida pessoalmente.” (PINEAU, 2006, p. 41). O autor destaca também as
possibilidades de experiências na educação e na formação do adulto ao buscar ampliar a
discussão epistemológica e o panorama histórico, em uma dialética ascendente/descendente
entre os discursos e os percursos de vida, articulando o bio-questionamento à expansão das
artes da existência.
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Tabela I
Diferenciação terminológica das abordagens entrando pela vida
segundo os tipos de vida abordados
Fonte: PINEAU, Gaston – Experiências de Aprendizagem e Histórias de vida, 1999, p. 344.
Diferenciação terminológica3 apresentada por Pineau (1999) marca uma análise de diferentes
trabalhos desenvolvidos, desde o final dos anos 80, com a abordagem biográfica, na qual a
história de vida se cruza com o tempo, a memória, as lembranças, mas que são marcados pela
diversidade da forma de abordagem e dos tipos de vida abordados. Nessa perspectiva, a
biografia é entendida “como escrito da vida do outro” (PINEAU, 1999, p. 343) e inscreve-se
em uma abordagem denominada abordagem biográfica. Pierre Dominicé (1996) a define
como “biografia educativa” por fazer entrada na trajetória educativa dos sujeitos e Christine
Josso (1991) a reconhece como “biografia formativa”, pressupondo que o sujeito não pode
entender o sentido da autoformação se não perceber as lógicas de apropriação e da transmissão
de saberes que viveu ao longo da vida através de suas aprendizagens pela experiência.
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Já a autobiografia expressa o “escrito da própria vida” (idem, p. 343), caracterizando-se como
oposta à biografia, porque o sujeito desloca-se entre o papel de ator e de autor de suas próprias
experiências, sem que haja uma mediação externa de outros. Dessa forma, entende-se que a
abordagem biográfica e a autobiografia das trajetórias de escolarização e de formação, tomadas
como narrativas de formação, inscrevem-se nesta abordagem epistemológica e metodológica por
serem compreendidas como processo formativo e autoformativo por meio das experiências
dos sujeitos em formação. Inserem-se também nessa abordagem porque ela constitui estratégia
adequada e fértil para ampliar a compreensão do mundo escolar e de práticas culturais do
cotidiano dos sujeitos em processo de formação. Assim, para Nóvoa,
[...] as histórias de vida e o método (auto) biográfico integram-se no movimento actual
que procura repensar as questões da formação, acentuando a idéia que ‘ninguém forma
ninguém’ e que ‘a formação é inevitavelmente um trabalho de reflexão sobre os percursos
de vida’ [...]” (NÓVOA, 1988, p. 116 – grifos do autor).(Fazer a referência corretamente).
O entendimento de Josso (2002) e de Dominicé (1988, 1990 e 1996) sobre a abordagem
biográfica como um processo de conhecimento ou de investigação/formação nasce das
experiências desenvolvidas na Universidade de Genebra, através das aprendizagens significativas
e formativas que são construídas, nos seus diferentes momentos, pelos sujeitos que participaram
do seminário História de Vida em Formação. Essa perspectiva de trabalho, centrada na
abordagem biográfica, configura-se como investigação porque se vincula à produção de
conhecimentos experienciais dos sujeitos adultos em formação. Por outro lado, é considerada
como formação porque parte do princípio de que o sujeito toma consciência de si e de suas
aprendizagens experienciais quando vive, simultaneamente, os papéis de ator e de investigador
da sua própria história.
Segundo Pineau, o relato de vida “insiste sobre ‘o enunciado de uma intriga’ sem privilegiar o
escrito ou o oral” (PINEAU, 1999, p. 343) , sendo utilizado no processo de investigação e de
formação, como também na investigação e na intervenção. Para Pineau (op. cit), D. Bertaux4
foi quem introduziu a utilização dessa abordagem, em uma perspectiva sociológica, na França.
A utilização do termo História de vida corresponde a uma denominação genérica em formação
e em investigação visto que se revela como pertinente para a autocompreensão do que cada
um é, das aprendizagens que são construídas ao longo da vida, das experiências e de um
processo de conhecimento de si e dos significados atribuídos aos diferentes fenômenos que
mobilizam e tecem a vida individual/coletiva. Tal categoria integra diversas pesquisas ou
projetos de formação, através das vozes dos atores sobre uma vida singular, sobre vidas
plurais ou sobre vidas profissionais, no particular e no geral, por meio da tomada da palavra
como estatuto da singularidade, da subjetividade e dos contextos dos sujeitos.
Após a diferenciação conceitual e terminológica apresentada, percebe-se que é pertinente
refletir sobre a origem da história de vida como método e técnica de pesquisa. Isso possibilita
um novo olhar sobre os sujeitos em formação, aproximando-se de aspectos concernentes à
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Escola de Chicago e às influências gestadas no movimento de ruptura e de reformulação de
diferentes campos do conhecimento. A História Oral e seu imbricamento com a dinâmica da
Escola dos Annales toma as fontes orais e a pesquisa com os excluídos da história como
potencializadores de uma nova forma de compreender o cotidiano e as vozes dos atores negada
por uma perspectiva histórica factual e centrada nos valores dos vencedores, visto que permite
reafirmar o sentido da história de vida como método e técnica de pesquisa.
As variadas tipificações ou classificações presentes no uso do método biográfico inscrevem-se
no âmbito de pesquisas sócio-educacionais como uma possibilidade de, através da voz dos
atores sociais, recuperar a singularidade das histórias narradas por sujeitos históricos,
sócioculturalmente situados, garantindo o seu papel de construtores da história individual/
coletiva.
No contexto internacional e nacional, situam-se as experiências com História de Vida no
início do século XX na Escola de Chicago até as desenvolvidas a partir da década 60 até a
atualidade na França, Inglaterra, Suíça, Canadá, Portugal, na América Latina. Sobre essas
experiências, no que se refere à educação, buscam-se, em Nóvoa e Finger (1988), reflexões
que permitam compreender melhor a autonomia, as críticas e os desafios da história de vida
ou da abordagem autobiográfica.
No contexto brasileiro, a utilização da história de vida inscreve-se sob as influências da História
Oral. Foi introduzida nos anos 60 com o programa de História Oral do CPDOC/FGV (Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - Fundação Getúlio Vargas),
que tinha o objetivo de colher depoimentos da elite política nacional. Expandiu-se nos anos
90, época em que foi criada a ABHO (Associação Brasileira de História Oral – 1994), que
influênciou na realização de seminários e na divulgação de pesquisas da área.
No campo da sociologia, as pesquisas desenvolvidas pelo CERU (Centro de Estudos Rurais e
Urbanos – 1976) são empreendidas com a utilização da História Oral. Como expressão dessa
produção, Demartini (1992) aponta que as investigações têm girado em torno de questões que
envolvem diferentes procedimentos de recolha e trabalho das falas e das narrativas dos atores
sociais.
As pesquisas desenvolvidas na pós-graduação em educação no Brasil e a criação de diferentes
grupos de pesquisas, conforme Souza (2006) e Sousa, Catani, Bueno e Chamlian (2006),
contribuíram para a ampliação das pesquisas com as histórias de vida e as (auto)biografias na
área educacional, seja como prática de formação, seja como investigação ou como investigaçãoformação. Essas questões levam à conclusão de que a diversidade da produção brasileira sofre
influência teórica e metodológica de diferentes disciplinas e áreas do conhecimento. As diferentes
tipificações e entradas construídas como prática de pesquisa, de formação ou de pesquisaformação com histórias de vida nas Ciências Sociais e, mais especificamente, na educação,
destacam que a heterogeneidade da temática e dos percursos da abordagem de investigação
deve-se ao fato de serem constituídos de diferentes campos disciplinares.
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O Movimento biográfico no Brasil
O movimento biográfico no Brasil é vinculado às pesquisas na área educacional (SOUZA,
SOUSA e CATANI, 2007), tanto no âmbito da História da Educação, da didática, da formação
de professores, da educação matemática, quanto em outras áreas que tomam as narrativas
como perspectiva de pesquisa e de formação. Destaca-se, aqui, a análise desenvolvida por
Stephanou (2008), que realizou o mapeamento de 150 resumos de teses e dissertações da área
de Educação, disponibilizados no Banco de Teses da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior). O autor, ao tomar os dois descritores – biografia e (auto)biografia
– e ter como recorte temporal o período entre 1997 e 2006, evidenciou uma proliferação de
pesquisas sobre memórias, histórias de vida, história oral, biografias e (auto)biografias, no
âmbito da formação docente, no território da pesquisa e da pós-graduação brasileira na última
década. A diversificação de temática e abordagens tem caracterizado as perspectivas de trabalho
e utilização das histórias de vida no campo educacional que se desenvolve na pesquisa e pósgraduação no Brasil, bem como com outras áreas que tomam as narrativas como perspectiva
de pesquisa e de formação.
A criação e atuação do Grupo de Estudos Docência, Memória e Gênero (GEDOMGE-FEUSP)
marcam as primeiras experiências com pesquisas sobre as (auto)biografias como práticas de
formação, através das aproximações das memórias e das trajetórias de professoras com seus
percursos e aprendizagens da docência, entrecruzando com questões de gênero. O trabalho de
Sousa, Catani, Bueno e Chamlian (2006a) sistematiza o percurso do grupo, destacando pesquisas
realizadas, experiências desenvolvidas com projetos de formação de professores em serviço
com base nas histórias de vida como perspectiva de formação e auto-formação. Cabe destacar
o 1º Seminário Memória, Docência e Gênero (1997), que teve a intenção de reunir pesquisadores e
conhecer as investigações desenvolvidas no âmbito das histórias de vida e suas relações com
a formação, o trabalho docente e a identidade profissional, o que se configura como uma das
primeiras possibilidades de aglutinação e mapeamento de pesquisas com as histórias de vida
na educação brasileira, no campo da formação de professores.
As edições do Congresso Internacional sobre Pesquisa (Auto)Biográfica, realizadas em Porto
Alegre (2004), em Salvador (2006) e em Natal (2008), configuram-se como momentos
significativos para o campo biográfico no Brasil, tendo em vista a sistematização de
peculiaridades das produções, das formas de trabalho, dos espaços acadêmicos onde emergem
e se consolidam tais estudos com ênfase nos métodos (auto)biográficos, a diversidade de
estudos que se apropriam das autobiografias como prática de formação no âmbito da formação
de professores, as análises na esfera da história da educação e das práticas de formação, e, por
fim, a re-invenção dos modos de trabalhos ancorados em uma base teórica e autores que
apresentam diferentes práticas de pesquisa com histórias de vida.
A organização do I CIPA, realizado em Porto Alegre (2004), oportunizou aos pesquisadores
brasileiros, em parceria com pesquisadores de diferentes países, discutirem questões teóricometodológicas da pesquisa (auto)biográfica, pautadas em resultados de pesquisa, que deram
origem ao livro A pesquisa (auto) biográfica: teoria e empiria (ABRAHÃO, 2004), e sua socialização
no espaço do referido congresso, que tomou como tema o título do livro. O II Congresso
Internacional de Pesquisa Autobiográfica (CIPA)5 – Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si
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–, realizado em Salvador (2006), fortaleceu o intercâmbio entre grupos de pesquisa do país,
permitindo definir melhor alguns pontos sobre a configuração do campo da pesquisa
(auto)biográfica na área educacional. Em função desses pontos foram pensados os
encaminhamentos para a realização do III CIPA e os indicativos para a criação da Associação
brasileira de pesquisa (auto)biográfica.
Cabe destacar a criação da ANNHIVIF (Associação Norte e Nordeste das Histórias de Vida
em Formação), em junho de 2007, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A ANNHIVIF tem por ‘fim desenvolver
pesquisas e práticas no domínio da abordagem (auto) biográfica. Seus principais meios de
ação inscrevem-se no domínio da pesquisa, da formação de adultos e de publicações’. (Estatuto
ANNHVIF). É importante ressaltar a contribuição que a referida Associação trará para a
consolidação das pesquisas no campo das histórias de vida e das (auto)biografias em educação
e na formação no Norte e Nordeste do Brasil.
O III Congresso Internacional sobre Pesquisa (Auto)biográfica (III CIPA) elegeu como temática
– (Auto)Biografia: formação, território e saberes – ao introduzir a noção de espaço como
condição constitutiva do indivíduo e, por extensão, dos grupos sociais. Sua intenção é evidenciar
as relações dialéticas entre a formação, seus territórios e saberes de interesse ímpar para os objetivos
da pesquisa (auto)biográfica. A noção de territórios ocupa, portanto, uma posição central e faz
apelo aos vínculos que se estabelecem entre a memória e os lugares, entre espaços e
aprendizagens, deslocamentos e experiências na constituição do eu e suas (trans)formações.
Interrogam-se as tradicionais concepções de espaço e de território, substancialmente modificadas
pela sociedade da informação e pela globalização da economia, buscando evidenciar suas
repercussões sobre o humano, situado entre espaços planetários e a realidade corpórea e sensível.
No que se refere às publicações no III CIPA, destaca-se o lançamento de duas coleções6 sobre
a pesquisa (auto)biográfica que resultaram dos trabalhos de cooperação internacional entre
pesquisadores brasileiros e pesquisadores franceses do Centre Interuniversitaire EXPERICE
(Paris 13/Nord-Paris 8). As duas coleções têm um duplo objetivo: divulgar na França as
pesquisas realizadas por pesquisadores brasileiros e colocar ao alcance de pesquisadores
brasileiros os trabalhos realizados na França. Cabe aqui ainda destacar o lançamento, em 2009,
da Coleção Argentina, intitulada Narrativas, Autobiografías y Educación e publicada pelo Laboratório
de Políticas Públicas de Buenos Aires (LPP), pela Faculdade de Filosofia e Letras da
Universidade de Buenos Aires (FFyL-UBA) e pelo Conselho Latinoamericano de Ciências
Sociais (CLACSO).
As diferentes ações e trajetórias construídas ao longo dos anos contribuem para novos e
constantes questionamentos sobre os destinos e os domínios das pesquisas (auto)biográficas e
suas vinculações com as práticas de formação. O IV CIPA, que tem como temática Espaço
(auto)biográfico: artes de viver, conhecer e formar e está sendo organizado pelo Programa de
Pós-graduação em Educação da FE/USP e pela BIOgraph (Associação Brasileira de Pesquisa
(Auto)biográfica), será realizado no período de 26 a 29 de julho de 2010, na Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo.
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Os trabalhos desenvolvidos no âmbito do GRAFHO (Grupo de Pesquisa (Auto)biografia,
Formação e História Oral) permitem a apreensão de diferentes entradas de pesquisas centradas
nas práticas de formação com as histórias de vida. Estas são denominadas de narrativas
(auto)biográficas ou narrativas de formação por entender que as mesmas possibilitam analisar possíveis
implicações da utilização desse recurso metodológico como fértil para a compreensão de memórias
e histórias de escolarização de professores/professoras em processo de formação. Entende-se,
também, que a experiência construída através da história da escolarização pode apresentar
contribuições significativas para o campo educacional em seus diferentes aspectos, especificamente,
aqueles relativos aos estudos e às pesquisas sobre a formação docente, sobre o ensino e sobre as
semelhantes ou diferentes práticas pedagógicas vivenciadas pelos alunos.
Pesquisa narrativa e educação matemática: pesquisa e formação
Cabe aqui destacar a análise realizada sobre os textos encomendados pelo GT de Educação
Matemática da ANPEd, por entender que os oito textos apresentados utilizam modos próprios
de trabalho, no que se refere às pesquisas e às práticas de formação com história oral e Educação
Matemática, especialmente, no contexto e no domínio de proliferação das práticas de investigaçãoformação com autobiografias, memoriais, entrevistas narrativas e história oral na área educacional
e no campo da Educação Matemática.
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Quadro II - Síntese dos trabalhos Encomendados – GT Educação Matemática – 32ª
Reunião Anual da ANPEd
Fonte: Textos apresentados no Trabalho Encomendado no GT – Educação Matemática – 32ª Reunião Anual da
ANPEd – 04 a 07/10/2009 – Caxambu-MG
A análise realizada levou à identificação dos grupos de pesquisa sobre História Oral e/ou
Histórias de vida e Educação Matemática cadastrados no Diretório dos Grupos de Pesquisa
do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na tentativa de
identificar princípios teóricos utilizados pelos grupos e cruzá-los com os trabalhos aqui
referenciados.
Conforme já destacado ao longo do texto, compreende-se que a flutuação terminológica
identificada por Pineau (1999) ajuda a estabelecer três eixos centrais ou palavras-chave que
aparecem com recorrência nos oito textos analisados, a saber: pesquisa narrativa, narrativas
autobiografias e história oral. Os três descritores identificados no conjunto dos textos parecem
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remeter a uma mesma lógica e a um mesmo procedimento de pesquisa/análise sobre as fontes
orais e ou escritas, no contexto da pesquisa biográfica. Contudo, faz-se necessário compreender,
conforme já explicitado, as especificidades que guardam cada um desses termos.
Evidencia-se a base epistemológica utilizada pelos diferentes grupos e autores analisados no
que concerne aos princípios da abordagem qualitativa e à influência da virada paradigmática
das pesquisas no campo das Ciências Humanas e Sociais. É deste lugar que os trabalhos de
Garnica (2003 e 2009) são utilizados como referência para os pesquisadores da Educação
Matemática, tendo em vista o modo como utiliza no espaço do GHOEM (Grupo de Pesquisa
História Oral e Educação Matemática) e por constituir-se referência e suporte teórico para os
pesquisadores da área de Educação Matemática. O balanço teórico-metodológico apresentado
no texto de Garnica caracteriza-se como um ensaio teórico, especialmente, por apresentar o
‘estado da arte’ das pesquisas da área, aproximando-se de outros trabalhos que mapeiam o
campo da pesquisa (auto)biográfica na área educacional (SOUSA et. al., 2006; SOUZA et. al.,
2007 e STEPANHOU, 2008).
A análise evidencia que os oito textos apresentados circunscrevem-se como produções de três
Grupos de Pesquisa: GHOEM, GEPFPM e GRIFARS. Destaca-se também a representatividade
regional, com ausência de produções da região Norte. No que se refere à abordagem e ao
método utilizado, todos os textos adotam princípios e orientações da abordagem qualitativa,
oscilando entre fontes orais (História Oral e entrevistas narrativas) e escritas (memoriais e
diários de formação). Três fazem uma discussão teórica sobre as pesquisas com História Oral
e Educação Matemática, sistematizando questões epistemológicas para o domínio de pesquisa
ao tomarem a produção brasileira e as contribuições da História Oral de corrente inglesa e
norte-americana. As contribuições teóricas e as produções brasileiras possibilitam modos
próprios de pensar a pesquisa, configurando-se na análise de teses e dissertações produzidas
no GHOEM e na investigação da forma como os pesquisadores estão trabalhando com a
História Oral e das possíveis interlocuções com outras áreas.
O que há em comum entre estes textos? Primeiro, a identificação do modo como os
pesquisadores propõem o trabalho de formação através das narrativas orais e das proposições
de escritas de si como dimensão de formação inicial ou continuada. As especificidades nacionais
possibilitam aos pesquisadores inventarem modos de trabalhos que guardam em si aproximações,
vizinhanças e distâncias, o que não significa fragilidade teórica ou metodológica. Pelo contrário,
explicitam perspectivas de verticalização do trabalho de pesquisa com as narrativas, a História
Oral e as práticas de formação em Educação Matemática, resguardando o espaço-tempo
acadêmico em que cada trabalho foi produzido.
Segundo, a pluralidade de abordagem e a diversificação terminológica apresentadas nos textos
destacam modos de trabalhos centrados na oralidade e na escrita em uma perspectiva
colaborativa através da análise teórico-prática dos processos constitutivos da identidade docente
e dos saberes de professores de matemática. Evidencia-se que o modo como os professores
narram e compartilham suas histórias de vida-formação, através da apreensão de memórias e
lembranças da trajetória de escolarização, dos dispositivos de formação, dos episódios de aula,
do trabalho com os memoriais de formação, das narrativas compartilhadas e das práticas
exploratório-investigativas, configuram-se como adjetivações de conceitos que os pesquisadores
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adotam para apreender singularidades na pesquisa da vida e das aprendizagens profissionais
no contexto da docência em educação matemática.
Os caminhos trilhados desde o início do século XX e os embates travados em diferentes
campos do conhecimento têm permitido compreender melhor e reafirmar a abordagem
biográfica e a utilização da narrativa (auto)biográfica e das pesquisas com história oral como
opção metodológica para a formação de professores, visto que as mesmas possibilitam,
inicialmente, um movimento de investigação sobre o processo de formação. Além disso, tornam
possível, por meio das narrativas (auto)biográficas, entender os sentimentos e representações
dos atores sociais no seu processo de formação e (auto)formação.
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(Footnotes))
‘As construções que o tempo proporciona nas atividades docentes’, de autoria de Maria Rezende
Bernardes (Unip/Bauru e UNIFIL – Centro Universitário Filadélfia de Londrina), membro
do Grupo de Pesquisa História Oral e Educação Matemática – GHOEM; ‘O cálculo mental e
a escrita na formação inicial de professoras dos primeiros anos do ensino fundamental’, como
resultado da tese de doutoramento (FE-UNICAMP) de Maria Auxiliadora Bueno A. Megrid,
professora da PUC-Campinas; ‘Registrar oralidades, analisar narrativas: sobre pressupostos da
história oral em educação matemática’, de autoria de Antonio Vicente Marafioti Garnica,
professor da UNESP-Bauru e membro do Grupo de Pesquisa História Oral e Educação
Matemática – GHOEM; ‘Educação matemática e história oral: contribuições para um referencial
teórico’, de autoria de Maria Ednéia Martins-Salandim (Professora UNESP/Bauru/SP), Luzia
Aparecida de Souza (Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS,
campus de Paranaíba) e Déa Nunes Fernandes (Professora do Departamento de Matemática
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia- IF-MA, campus Monte Castelo- São
Luís), as quais são doutorandas do Programa de Pós- Graduação em Educação Matemática da
UNESP- Rio Claro, sob orientação do Prof. Dr. Antonio Vicente Marafioti Garnica; ‘O potencial
heurístico e autoformativo das biografias educativas para os formadores de professores de
matemática’, escrito com resultado da tese de doutoramento de Bárbara Cristina Moreira Sicardi
na FE-UNICAMP (Coordenadora do Curso de Matemática e Docente do Centro Universitário
Metodista IPA – Porto Alegre, RS), Dario Fiorentini (FE-UNICAMP e Joaquim Gonçalves
Barbosa (UMESP); ‘Narrativas e investigações matemática: professoras avaliando suas
aprendizagens’, Cármen Lúcia Brancaglion Passos (UFSCar); ‘Mediação virtual: a narrativa
escrita em foco na formação de professores de matemática’, de autoria de Maria Teresa Menezes
Freitas (UFU) e, por fim, o trabalho ‘Traçando horizontes de pesquisa com fontes
autobiográficas’, de autoria de Maria José Dantas de Melo e Maria da Conceição Passeggi
(GRIFARS – UFRN).
2
As reflexões aqui apresentadas correspondem à revisão e ampliação do texto ‘A arte de contar
e trocar experiências: reflexões teórico-metodológicas sobre história de vida em formação’,
publicado na Revista Educação em Questão, do PPGE/CCSO/UFRN, (SOUZA, 2006a).
3
A diferenciação apresentada pelo autor, através do exame realizado sobre as produções
europeias da área, evidencia quatro categorias: a biografia, a autobiografia, os relatos orais e as
histórias de vida.
4
Sobre essa questão, Pineau (1999) faz referência ao Livro de D. Bertaux, Lês récits de vie.
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SOUZA, E. C.
Perspective ethnosociologique, Paris, Nathan-Université, 1997. O referido livro será publicado, na
Coleção Brasileira – Pesquisa (auto)biográfica & Educação, no âmbito da ‘Série Clássicos ’.
5
Os trabalhos organizados por Souza (2006b), Autobiografias, histórias de vida e formação: pesquisa
e ensino e Souza e Abrahão (2006), Tempos, Narrativas e Ficções: a invenção de si, resultaram das
mesas, conferências, sessões dos grupos de pesquisas como atividades organizadas no âmbito
do II CIPA, em Salvador. Desataca-se também o livro organizado por Souza e Mignot (2008),
Histórias de vida e formação de professores, como resultado e ampliação do Boletim apresentado no
Programa realizado em 2007, na Série Salto para o Futuro, realizada pela TVE/Brasil, ainda
como extensão de ações do II CIPA. 6No período do Congresso foram lançadas as seguintes
coleções: 1.Collection « (Auto) biographie et Education », dirigida por Christine DeloryMomberger, Maria da Conceição Passeggi e Elizeu Clementino de Souza. 2.Coleção « Pesquisa
(Auto) Biográfica e Educação » dirigida por Maria da Conceição Passeggi, Elizeu Clementino
de Souza e Christine Delory-Momberger, publicada pelas Editoras da EDUFRN (Natal) e
Paulus (São Paulo).
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