XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina – PI.
Grupo de Trabalho: Educação, Cultura e Sociedade. GT 04.
Título do Trabalho: “EU E O OUTRO”: o desafio da convivência entre
(des)iguais - o bullying escolar em questão.
Autoras:
Maria de Fátima Alves.
[email protected]
Universidade
Estadual
do
Piauí.
E-mail:
Maria do Socorro Sousa de Araújo. Universidade Federal do Maranhão. E-mail:
[email protected]
1- INTRODUÇÃO:
A questão da violência é instigante e desafiadora, pois implica no
entendimento de questões abrangentes que envolvem não apenas o ambiente
escolar, mas, que perpassa pela discussão da cultura, da ética e das normas
de conduta de cada sociedade.
Na atualidade, no contexto da denominada violência na escola o
bullying se tornou um dos problemas mais destacados entre as condutas
praticadas por crianças, adolescentes e jovens, uma vez que pode acarretar
consequências danosas para a vida escolar e pessoal das vítimas, dos
agressores e dos espectadores.
Contudo, consideramos que conforme argumenta Twemlow1 (2012) a
prática do bullying não caracteriza a existência de uma epidemia, pois sempre
existiu. Tampouco, nem sempre é resultado de uma doença mental, de
psicopatia. Na maioria das vezes é resultado de um processo normal de
convivência em que a agressividade se faz presente2.
No presente trabalho apresentamos resultados parciais de uma pesquisa
sobre a ocorrência de maus tratos repetitivos, o bullying escolar entre alunos
como expressão da violência na escola.
Realizamos pesquisa sobre o bullying escolar entre alunos da 5ª e 6ª
séries do Ensino Fundamental Maior, adotando como referência empírica de
análise três escolas, Escola Zezinho Vasconcelos da Rede Pública Estadual;
Escola Aréa Leão da Rede Pública Municipal e Colégio Potencial, da Rede
Privada, localizadas na sede do município de Floriano/PI.
A pesquisa foi baseada na metodologia qualitativa-quantitativa da
pesquisa social, porque concordamos com Minayo e Sanches (IN:MINAYO
1
Stuart Twemlow é psiquiatra, professor da Escola de Medicina do Baylor College, no Texas-EUA.
Desenvolveu em parceria com o psicólogo americano Frank Sacco um programa para evitar o bullying. É
autor do livro Why school antibullying programs don´t work.(sem edição no Brasil).
2
Conforme Silva (2004, p.35) a violência é algo que perpassa a história da humanidade e potencialmente
está presente em todo o ser humano: “[...] todo ser humano é potencialmente violento (já que tem a
capacidade de emitir comportamentos violentos), mas sua violência latente pode não se manifestar se
não houver estímulos suficientes para desencadeá-la.” Fraga (2002) também destaca que a violência é
uma das formas de expressão da agressividade; e que a agressividade está presente em toda a pulsão; e
é uma condição necessária para a atividade humana, pois um ser sem agressividade seria um ser sem
iniciativa, sem autonomia, sem possibilidade de defesa e de questionamento. Conforme enfatiza: “Alícia
Fernandez lembra que “Freud dizia que a agressividade faz parte de toda a pulsão”, e que, portanto, “em
toda a pulsão, seja de vida ou de morte, há um quantum de agressividade.” (p.45).
2000) quando afirmam que “ [...] o método quantitativo e o método qualitativo
[...] são de natureza diferenciada, mas, se complementam na compreensão da
realidade social”.(p.2)
Conforme ressaltam, a metodologia quantitativa:
Tem como campo de prática trazer à luz dados, indicadores e
tendências observáveis. Deve ser utilizada para abarcar, do
ponto de vista social, grandes conglomerados de dados [...]
classificando-os e tornando-os inteligíveis através de
variáveis.”( MINAYO E SANCHES, IN: MINAYO 2000, p.11)
A metodologia quantitativa nos possibilitou o acesso a dados,
indicadores e tendências que nos permitiram quantificar os tipos de ocorrência
de bullying entre alunos(as); caracterizar as ações de bullying entre alunos;
identificar se a ocorrência entre os sujeitos – vítimas, espectadores e
agressores, é maior entre meninos ou meninas nas escolas pesquisadas; e, se
no município de Floriano a ocorrência das ações do bullying é maior em
escolas da Rede de Ensino Pública ou Privada.
Os dados quantitativos obtidos através da aplicação dos questionários
nos forneceram elementos que tiveram suas análises aprofundadas através da
metodologia qualitativa, pois a investigação qualitativa “adequa-se a aprofundar
a complexidade de fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de
grupos mais ou menos delimitados em extensão e capazes de serem atingidos
intensamente.” (MINAYO E SANCHES, IN:MINAYO 2000 P.11)
Assim, para efetuar um levantamento das prováveis ações, programas
ou projetos de combate ao bullyng, considerando as especificidades das
práticas do bullying e a incidência dessas práticas foram realizadas entrevistas
com a Diretoria e Coordenação Pedagógica nas escolas pesquisadas.
Os resultados parciais aqui apresentados são oriundos da pesquisa
quantitativa, cujos dados foram levantados através da aplicação de
questionários com os 157 alunos da 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental
Maior das três escolas citadas, o que corresponde a cem por cento (100%).
O questionário foi utilizado como principal instrumento de coleta de
dados porque permite associar informações qualitativas e quantitativas e ainda
possibilita atingir um número significativo de aluno (a)s.
Na pesquisa adotamos a palavra ‘maus-tratos’ por favorecer a não
associação da violência apenas com a agressão física ou verbal, assim ‘maus-
tratos’ é toda e qualquer atitude, ação de violência que pode ou não ser
caracterizada como bullying, cujo fator determinante é a frequência com que
acontecem.
Outro ponto crucial para utilização da expressão ‘maus-tratos’ ocorreu
pelo fato de partilhar do procedimento utilizado pela ONG PLAN 3, que ao
realizar suas pesquisas utilizou o termo maus-tratos, justificando que a palavra
bullying poderia não ser bem entendida entre os participantes e devido a
grande dificuldade em diferenciar o bullying de outras práticas.
Foram escolhidos como sujeitos da pesquisa alunos especificamente
matriculados na 5ª e 6ª séries do ensino Fundamental Maior porque pesquisas
realizadas em nível nacional indicam que nas referidas séries se concentram o
maior registro de casos de bullying nas escolas brasileiras. (PLAN BRASIL,
2010).
A pesquisa foi realizada em uma escola da rede pública estadual, outra
da rede pública municipal e outra da rede particular, também porque pesquisas
divulgadas em nível nacional apontam que o bullying está presente tanto na
rede pública quanto na privada, prevalecendo uma incidência maior nas
instituições de ensino da rede privada. (IBGE, 2009). Dessa forma, a pesquisa
permitiu verificar onde se encontra a maior ocorrência de casos nas escolas no
município de Floriano/PI.
A Escola da Rede Pública Estadual Zezinho Vasconcelos e o Colégio
Aréa Leão da Rede Pública Municipal foram escolhidas por estarem localizadas
em bairros periféricos, sendo caracterizados pelo baixo nível de renda dos
moradores e pela existência de ações violentas, tais como roubos, furtos,
venda de drogas, etc.
A instituição da Rede Privada de Ensino – Colégio Potencial foi
escolhido por atender alunos considerados de classe média e por estar
localizada no centro de cidade e receber alunos de variados bairros.
Após a coleta de dados foi realizado o exercício de classificação e
análise dos dados coletados. A classificação dos resultados obtidos através da
aplicação dos questionários consistiu em proceder a quantificação dos casos
de bullying verificados nas escolas e especificação dos tipos de ações de
bullying verificados, tipificando-os como verbal: físico e material; psicológico e
3
É uma organização não governamental que atua no Brasil desde 1994.
moral; e sexual; e identificação de que se a ocorrência entre os sujeitos –
vítimas, espectadores e agressores, é maior entre meninos ou meninas.
2- “BOLO FOFO... GIRAFA... QUATRO OLHO”: a convivência entre
(des)iguais.
De acordo com Fante (2005) podemos afirmar que o bullying é um
fenômeno social tão antigo quanto a própria instituição escola, apesar de que
os primeiros estudos sistematizados sobre o tema iniciaram tão somente na
década de 1970.
Nesse sentido, Twemlow (2012) enfatiza, que as práticas de bullying
que acontecem atualmente sempre existiram. Não se trata de um fenômeno
novo e nem de uma epidemia. A esse respeito ressalta que:
Não há epidemia de bullying em nenhum lugar. O que acontece
agora sempre existiu. O bullying está entre nós desde que os
seres humanos existem. Já li sobre coisas que aconteceram no
século XVI. Mas, agora com a expansão dos meios de
comunicação, temos mais informações sobre essas histórias.
Conforme Fante & Pedra (2008, p. 33) o termo bullying “é uma palavra
de origem inglesa adotada em muitos países para definir “o desejo consciente
e deliberado de maltratar a uma outra pessoa e colocá-la sob tensão”.
Há uma definição universal para utilização do termo, qual seja:
Por definição universal, bullying é um conjunto de atitudes
agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem
motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra
outro (s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos,
intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam
profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que
hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos
levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e
materiais, são algumas das manifestações do comportamento
bullying. (FANTE, 2005, p. 29).
Essa denominação é utilizada universalmente em inglês, porque na
língua portuguesa e alguns outros idiomas ainda não existe uma palavra
equivalente. De acordo com Neto (2005):
A adoção universal do termo bullying foi decorrente da
dificuldade em traduzi-lo para diversas línguas. Durante
a realização da Conferência Internacional Online School
Bullying and Violence, de maio a junho de 2005, ficou
caracterizado que o amplo conceito dado à palavra
bullying dificulta a identificação de um termo nativo
correspondente em países com Alemanha, França,
Espanha, Portugal e Brasil, entre outros. (NETO, 2005,
p. 165).
Dessa forma, (Ventura 2011, apud NETO, 2005, p.165) justifica a
preferência pela adoção do termo em inglês “pelo fato de possuir uma carga
semântica que é capaz de abarcar o conjunto de comportamentos que se
insere no âmbito deste tipo de fenômeno”.
Contudo há países que não utilizam o termo em inglês e adotam
termos oriundos de suas línguas de origem. De acordo com Fante (2005) :
Existem outros termos para conceituar esses tipos de
comportamentos. Mobbning é um deles, empregado na
Noruega e na Dinamarca; mobbing, na Suécia e na Finlândia
(...) Na França, denominam harcèlement quotidién; na Itália, de
prepotenza ou bullismo; no Japão, é conhecido como yjime; na
Alemanha, como agressionen unter Schuler; na Espanha,
como acoso y amenaza entre ecolares; em Portugal, como
maus tratos entre pares. ( FANTE, 2005, p. 27- 28)
A ocorrência do bullying não se restringe ao espaço escolar. Pode
estar presente em qualquer ambiente ou contexto aonde existam relações de
convívio entre pessoas. Dessa forma, várias ações de bullying já foram
noticiadas em penitenciárias, asilos, em locais de trabalho, em quartéis e
instituições ligadas ao contexto da força militar no Brasil e no mundo. Porém,
conforme acentua Fante (2002), no Brasil estabeleceu-se um consenso entre
os pesquisadores para utilização do termo bullying quando esse tipo de
violência ocorre entre crianças, adolescentes e jovens, ou seja, entre pares,
particularmente no espaço escolar.
Em relação a formas de violência envolvendo diferentes sujeitos no
espaço escolar Fante (In Costa, 2011) ressalta que “quando o bullying ocorre
do aluno para o professor, é considerada como ato infracional, do professor
para o aluno é crime ou contravenção e entre adultos é assédio moral”.
Conforme Silva (2010, p.117) é admissível presumir que na atualidade
o bullying esteja presente em todas as escolas, seja ela de caráter pública ou
privada, variando apenas a ocorrência que possa vir a ser encontrada em cada
instituição.
A esse respeito conforme Fante & Pedra (2008) o bullying não deve ser
confundido com ações violentas pontuais, pois para caracterizar-se como tal, a
ação
deve
obedecer
aos
critérios
de
identificação
marcados
pela
intencionalidade e repetição de ações, pelo desequilíbrio de poder podendo
este ser adquirido pela força física ou por qualquer outra forma de vantagem, e
pela sutileza com que é desenvolvido, o que faz com que as pessoas que
sofrem os atos de violência, na maioria dos casos, se encontrem
impossibilitados de se defender das agressões sofridas.
De modo geral os motivos que levam os agressores a praticarem
bullying não são ocasionados por fator algum, muito menos são justificáveis.
Os estudos sobre o tema apontam que o que se nota é que muitas crianças,
adolescentes e jovens, considerados mais fortes ou populares, utilizam os mais
frágeis para praticar a crueldade, visando maltratar, intimidar, amedrontar e
principalmente humilhar o indivíduo, obtendo o prazer e a diversão desejados.
Esta assimetria de poder caracteriza as práticas do bullying, pois
muitas atitudes inapropriadas e comportamentos incorretos podem ser
consequências da diferença de idade entre agressor e vítima, de tamanho, de
peso, de desenvolvimento emocional, e até mesmo pode se caracterizar pelo
apoio que o agressor recebe por parte de outros que presenciam tais
comportamentos.
O bullying também não deve ser confundido com brincadeiras entre as
pessoas. Conforme Fante e Pedra (2008) há critérios que possibilitam essa
distinção. Consoante apontam:
As brincadeiras acontecem de forma natural entre as pessoas.
Elas brincam, “zooam”, colocam apelidos umas nas outras, dão
risadas e se divertem. Porém, quando essas brincadeiras
ganham requinte de crueldade, de perversidade e “segundas
intenções” e extrapolam os limites suportáveis – que variam de
acordo com a história interpsíquica de cada indivíduo-,
transformam-se em atos de violência. (FANTE E PEDRA, 2008,
p. 38)
De acordo com Fante e Pedra (2008) existem alguns critérios básicos,
que foram estabelecidos pelo pesquisador Dan Olweus, da Universidade de
Bergen, na Noruega (1999), para diferenciá-las de outras formas de violência e
das brincadeiras próprias da idade, quais sejam:
O bullying é compreendido como um subconjunto de
comportamentos agressivos, sendo caracterizado por sua
natureza repetitiva e por desequilíbrio de poder. Ainda,
segundo o autor (Olweus,1999), considera-se que as ações
são repetitivas quando os ataques são desferidos contra a
mesma vítima num período de tempo, podendo variar de duas
ou mais vezes no ano letivo. (FANTE E PEDRA, 2008. p. 3940)
O bullying é uma violência que ocorre repetidas vezes, sem motivo
aparente; em que o agressor escolhe no grupo aquele que possivelmente
oferecerá menos resistência e menos possibilidade de defesa; aquele que fala
pouco, é tímido e que possivelmente não denunciará as agressões e não
dispõe de capacidade de mobilizar os colegas em sua defesa própria.
Consoante Fante (2005) o bullying pode ser praticado das seguintes
formas: direta e indireta.
A forma indireta é a que causa mais danos psicológicos, em suas
vítimas e é mais difícil de ser detectada. É realizada através de ações tais
como: meter medo, constranger, intimidar, fazer gozações e acusações
injustas, espalhar boatos maldosos, realizar insinuações e práticas de assédio.
A forma direta é mais explícita e inclui: agressões físicas - como, bater,
empurrar; xingar, jogar objetos contra a vítima, destruir os pertences, excluir,
humilhar.
De maneira geral, o Bullying pode ser classificado das seguintes
formas:
VERBAL
Tabela 1 – Classificação do Bullying
FÍSICO E MATERIAL
PSICOLÓGICO E
MORAL
Apelidos
Batidas
Gozação
Xingamento
Insultos
Ofensas
Piadas
ofensivas
Calúnia
Difamação
Chutes
Espancamento
Empurrões
Provocação de Ferimentos
Beliscões
Disseminação
de rumores
Roubos,
Furtos
ou
Destruição de pertences.
Socos
Jogar objetos contra vítima
Amedrontamento
Ameaça
Perseguição
Humilhação
Irritação
Ridicularização
Exclusão
e
Insinuação
Assédio
Abuso
Violentar
Isolamento
Ignorar, desprezar ou
fazer pouco caso
Discriminação
Chantagem
Intimidação
Tiranização
SEXUAL
e
Dominação
Passar
bilhetes
e
desenhos de caráter
ofensivo
Intrigas, fofocas e
mexericos
Fonte: Elaboração própria. Adaptado de Silva (2010); e Plan Brasil (2010)
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça-CNJ (2010), outra
classificação de Bullying entrou na pauta de discussão das áreas interessadas
em contribuir com a abordagem do tema. O CNJ classifica o Bullying Virtual ou
Ciberbullying praticado através das ferramentas tecnológicas, sendo que as
mais utilizadas são o celular e a internet.
Os resultados dos estudos realizados na Europa chegaram ao Brasil no
fim dos anos 1990 e início de 2000. Assim, no Brasil os estudos sobre essa
temática iniciaram recentemente e ainda hoje são incipientes.
As primeiras pesquisas foram desenvolvidas por Cleo Fante (20002003), Lopes Neto e Saavedra (2003), através da ONG Abrapia. Precussora
nos estudos sobre o tema no Brasil, Cleo Fante (2005) realizou na região de
São José do Rio Preto - interior paulista, no período de 2000-2003 uma
pesquisa com um grupo de dois mil estudantes de 5ª a 8ª série em escolas
públicas e privadas. A pesquisa revelou que 49% dos estudantes estavam
envolvidos em casos de bullying. Desses, 22% eram vítimas, 15% agressores e
12% vítimas agressoras.
Outra
pesquisa
pioneira
realizada
pela
Associação
Brasileira
Multiprofissional de proteção á Infância e á Adolescente (ABRAPIA), em 2002
no município do Rio de Janeiro, abrangendo um total de 5.875 alunos revelou
que 40,5% deles estavam envolvidos em casos de bullying. Desses, 17% eram
vítimas, 13% agressores e 11% espectadores. (Lopes Neto e Saavedra, 2003).
Contudo, naquele momento ainda não havia sido desenvolvido estudos
ou pesquisas que demonstrassem a proporção dos casos de bullying em nível
nacional que possibilitassem inclusive estudos comparativos entre as regiões
geográficas do país.
Somente em 2009 uma pesquisa em nível nacional intitulada Bullying
no Ambiente Escolar realizada pela Plan Brasil (2010) permitiu conhecer as
ocorrências do fenômeno dos maus-tratos nas relações entre os alunos nas
escolas das cinco regiões do país.
Para realização da pesquisa foram
definidas cinco escolas de cada uma das cinco regiões geográficas do país,
sendo que no total a pesquisa alcançou 5.168 alunos que responderam os
questionários sobre o tema. Os dados coletados indicam que 70% dos alunos
pesquisados já presenciaram cenas de agressões entre colegas no ano letivo
de realização da pesquisa; enquanto 30% já foram vítimas no mínimo de uma
situação violenta no mesmo período. Nesse contexto, o bullying foi praticado e
sofrido por 10% do total de alunos pesquisados, sendo mais comum a sua
ocorrência nas regiões Sudeste e Centro-oeste do País.
Outra pesquisa de abrangência nacional intitulada Pesquisa Nacional
de Saúde do Escolar de 2009 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE (2009), em parceria com o Ministério da Saúde, realizada
em 2009 coletou dados significativos junto aos estudantes do 9º ano (8ª série)
do ensino fundamental nos Municípios das Capitais Brasileiras e no Distrito
Federal. Os dados levantados indicam que 69,2% dos alunos disseram não ter
sofrido bullying. O percentual dos que foram vítimas deste tipo de violência,
raramente ou eventualmente, foi de 25,4%; e a proporção dos que afirmaram
ter sido vítima de bullying na maior parte das vezes ou sempre foi de 5,4%.
A pesquisa permite identificar em quais escolas das capitais
brasileiras, a pratica do bullying é mais comum. São elas:
1º. Brasília (Distrito Federal): 35,6% dos estudantes já sofreram bullying
2º. Belo Horizonte (Minas Gerais): 35,3% dos estudantes já foram vítimas
3º. Curitiba (Paraná): 35,2% afirmam ter sido vítima
4º. Vitória (Espírito Santo): 33,3% já sofreram bullying
5º. Porto Alegre (Rio Grande do Sul): 32,6% atestam ter vivenciado o bullying
6º. João Pessoa (Paraíba): 32,2% afirmam ter sido vítimas
7º. São Paulo (São Paulo): 31,6% informam já terem sofrido o bullying
8º. Campo Grande (MS): 31,4% atestam terem vivenciado o bullying
9º. Goiânia (Goiás): 31,2% apontam terem sido vítimas
10º. Teresina (Piauí) e Rio Branco (Acre): 30,8% informam terem vivido o
bullying na situação de vítimas.
Tais dados apontam que quase um terço (30,8%) dos estudantes
brasileiros nas cinco regiões do país informou já ter sofrido bullying, sendo que
a maioria das vítimas é do sexo masculino. O maior registro de ocorrência foi
verificado em escolas privadas (35,9%), enquanto que nas escolas públicas as
ocorrências atingiram 29,5% dos estudantes pesquisados.
Na pesquisa por nós realizada no município de Floriano/PI os dados
revelam a seguinte situação. No que diz respeito a faixa etária dos alunos das
5ª e 6ª séries, vejamos a representação gráfica a seguir:
Gráfico 01 – Idade dos alunos
Idade dos alunos(as)
11 anos
19%
25%
12 anos
13 anos
28%
28%
14 anos
Fonte: Pesquisa própria
Nas escolas pesquisadas 28% dos informantes estão na faixa etária de
12 e 13 anos; seguidos de 25% com 11 anos de idade e 19% com 14 anos.
Os resultados demonstram uma maior quantidade de alunos na faixa
etária de 12 e 13 anos, o que já era esperado, pois, as séries pesquisadas
correspondem a essas idades. No entanto aparecem alunos com 14 anos nas
três escolas o que demonstra uma distorção idade/série, e que pode contribuir
para maior incidência de maus tratos na escola.
De acordo com Costantini (2004):
“Em alguns países, pesquisas demonstram que a média de
idade de maior incidência entre agressores situa-se na casa
dos 13 aos 14 anos, enquanto as vítimas possuem em média
11 anos [...]” ( apud MELO, 2010, p.47)
Quanto ao sexo dos alunos (as) que participaram da pesquisa, esse
total está representado de acordo com o gráfico a seguir:
Gráfico 02 – Sexo dos alunos
Sexo dos alunos(as)
Meninos
42%
58%
Meninas
Fonte: Pesquisa própria
Em relação ao sexo dos informantes a maioria é do sexo masculino
com percentual de 58%, sendo então 42% do sexo feminino.
No que diz respeito a etnia dos informantes vejamos as informações a
seguir:
Gráfico 03 – Etnia dos alunos
Etnia dos Alunos (os)
13%
19%
Branco
Negro
Pardo
21%
21%
Mulato
Outros
26%
Fonte: Pesquisa própria
As informações relativas a etnia demonstra grande diversidade, sendo
que 26% dos alunos (as) se consideram pardos; 21% se consideram mulatos e
negros; seguidos dos 19% que se dizem brancos e 13% que se declararam de
outras etnias.
A respeito da questão se estão sendo vítimas de maus tratos
atualmente na escola os dados revelam a seguinte situação:
Gráfico 04 – Sobre maus tratos na escola atualmente
Sobre maus tratos na escola
atualmente
5% 4%
Não, não sou maltratado
7%
15%
69%
Sim, 1 ou 2 vezes por
mês
Sim, uma (01)vez por
semana
Sim,várias vezes por
semana
Fonte: Pesquisa própria
A pesquisa demonstra que 69% dos alunos (as) afirmaram não sofrer
maus tratos atualmente na escola; no entanto 15% afirmaram ser vitima pelo
menos 1 ou 2 vezes por mês; 7% dos participantes afirmaram ser maltratado
ao menos uma vez por semana; 5% afirmaram ser maltratados várias vezes
por semana e 4% disseram ser vitimas de maus tratos todos os dias.
A realidade que se apresenta nas três escolas retrata a gravidade do
problema, visto que um número considerável dos alunos (as) sofrem algum tipo
de maus tratos, sendo que alguns com maior frequência do que outros.
Em relação ao sexo das vítimas de maus tratos obtivemos as seguintes
informações:
Gráfico 05 – Sexo das vítimas de maus tratos
Sexo das vítimas de maus tratos
Meninos
34%
66%
Meninas
Fonte: Pesquisa própria
Nas Escolas pesquisadas 66% dos meninos afirmaram ser vítimas de
maus tratos; enquanto 34% das meninas indicaram sofrer maus tratos.
Portanto, a grande maioria das vítimas é do sexo masculino.
No que diz respeito ao sexo dos agressores obtivemos as seguintes
informações:
Gráfico 06 – Sexo dos agressores
Sexo dos agressores
16%
Meninos
48%
36%
Meninas
Tanto meninos como
meninas
Fonte: Pesquisa própria
Como demonstra o gráfico, a maioria dos agressores é do sexo
masculino, sendo que 48% dos meninos são maltratados por outros meninos;
36% disseram ser maltratados só por meninas e 16% afirmaram ser
maltratados tanto por meninos quanto por meninas.
Vitimas e agressores podem ser de ambos os sexos, no entanto as
pesquisas em nível nacional mostraram que há um predomínio de agressores
do sexo masculino e isso pode ser justificado, de acordo com Silva (2010), pelo
fato de que os meninos são mais agressivos e usam a força física para
intimidar, ameaçar. Assim esse tipo de maltrato se torna mais visível, tanto na
escola como em outros ambientes.
A autora enfatiza que as meninas costumam utilizar intrigas, fofocas,
práticas de isolamento das colegas e costumam maltratar dentro do próprio
grupo de amigas, sendo que esse tipo de maltrato por ser mais sutil, passa
mais despercebido. Contudo, conforme destaca a autora, vítimas e agressores
podem ser de ambos os sexos:
“Eles podem ser de ambos os sexos. Possuem em sua
personalidade traços de desrespeito e maldade e, na maioria
das vezes, essas características estão associadas a um
perigoso poder liderança que, em geral, é obtido ou legitimado
através da força física ou intenso assédio psicológico.” (SILVA,
2010, p.43)
No que concerne aos tipos de maus tratos sofridos nas escolas, os
dados revelam que:
Gráfico 07 – Tipos de maus tratos sofridos pela vítima na escola
Tipos de maus tratos sofridos pela
vítima na escola
Me batem, dão socos, pontapés e
empurrões
16%
26%
Sou ameaçado de que vão me bater
Tiram-me dinheiro ou outras coisas
26%
Xingam-me insultam-me ou riem de
mim
21%
11%
Fonte: Pesquisa própria
Não me deixam fazer parte do seu
grupo de amigos
Os dados revelam que a maioria dos maus tratos, cerca de 26%
corresponde à prática de isolamento das vítimas e não permissão de que as
mesmas façam parte de grupos de amigos, ou que participem de brincadeiras
coletivas; 26% caracterizam-se pelas ameaças de agressões físicas; 21%
correspondem a xingamentos, insultos ou zoação; 16% dizem respeito a
agressões físicas, tais como socos e pontapés; e 11% dizem respeito ao furto
de dinheiro e de outros pertences.
Em relação ao local de ocorrência dos maus tratos a pesquisa
demonstra que:
Gráfico 08 – Local de frequência dos maus tratos
Local de frequência dos maus tratos
Na minha turma
12%
Nos corredores ou portões
da escola
13%
40%
No pátio no horário de
recreio
Pelo celular
19%
16%
Em outro local
Fonte: Pesquisa própria
Os dados indicam que 40% dos informantes apontam a sala de aula
como o local em que sofrem maus tratos; 19% indicam o pátio no horário de
recreio; 16% fazem referências aos corredores ou portão da escola; 13%
apontam que sofrem maus tratos pelo celular e 12% apontaram outros locais
dentro da escola.
Portanto, nas três escolas pesquisadas o local mais frequentemente
utilizado para os maus tratos é a sala de aula, o que sugere um
questionamento sobre a conduta dos professores no sentido de que ou não
percebem realmente a ocorrência dos maus tratos ou fingem que não
percebem.
De acordo com Fante e Pedra (2008) é necessário considerarmos que
muitos professores não tem conhecimento sobre o tema, não recebem nenhum
treinamento para identificação, diagnostico do problema ou capacidade de
intervenção de forma adequada quando houver necessidade.
Em relação aos supostos motivos dos maus tratos, a pesquisa
demonstra que:
Gráfico 09 – Motivos dos maus tratos aos colegas
Motivos dos maus tratos aos colegas
Por que me sinto provocado
13%
13%
Por brincadeira
36%
Porque acho que eles
merecem
38%
Por que quero ser popular
Fonte: Pesquisa própria
Grande parte dos informantes, 38% disseram maltratar seus colegas
por brincadeira; 36% afirmam que maltratam porque se sentem provocados;
13% apontam que realizam maus tratos porque acham que os colegas
merecem e 13% afirmam que é porque querem ser popular.
Grande parte das motivações relacionadas às práticas de bullying
dizem respeito a diferenças existentes entre aluno(a)s, sejam elas físicas, de
etnias, de traços de comportamentos... As brincadeiras caracterizadas pelos
apelidos dizem respeito às características das vítimas, às diferenças em
relação ao padrão físico ou de conduta adotado pelos adolescentes.
Os risos e apelidos destacam traços físicos ou de comportamento
considerados fora do padrão. Assim algumas são vítimas porque chupam o
dedo; porque possuem uma boca grande; outros por serem gordinho(a)s (bolo
fofo); outros por serem magro(a) ou alto(a) demais (girafa); por possuírem pés
grandes ou considerados feios, sem as cavas (pés de facão); outros por
usarem óculos; outros por serem tímidos e retraídos (chamados de pastel,
besta...); outros por possuírem cicatrizes no corpo ou no rosto, ou
simplesmente por não residirem na mesma cidade onde a escola fica
localizada.
As provocações e os revides, na maioria das vezes ocorrem também
da prática de apelidos e de zombaria, provenientes das diferenças entre
aluno(a)s.
Os motivos dos agressores em praticar ações de bullying são os mais
variados, porém, nunca são devidamente justificáveis. Alguns estudiosos
relataram que muitos dos jovens agressores são considerados pelos colegas
como indivíduos mais fortes e populares, que costumam fragilizar as vítimas
através da crueldade, dos maus tratos, das intimidações e das humilhações,
provando que possuem mais poder em relação aos outros, além de obter
prazer e diversão com suas atitudes e comportamentos.
Portanto, a prática do bullying diz respeito ao conjunto de atitudes
agressivas que se tornam intencionais e repetitivas sem nenhum motivo
aparente,
provocando
sentimentos
que
podem
sensibilizar
a
vítima,
influenciando negativamente em seus aspectos emocionais, causando dor,
angústia e sofrimento.
3- CONCLUSÃO:
No presente trabalho analisamos a instituição escolar como um espaço
em que se desenvolvem relações sociais que expressam o desafio da
convivência com pessoas diferentes entre si.
A prática do bullying expressa parte do desafio da convivência, pois
qualquer ser humano pode vir a agredir dependendo das circunstâncias. A
grande maioria dos agressores praticantes do bullying não são psicopatas, nem
mentes doentias, são crianças normais. Daí porque a ocorrência do bullying em
todas as escolas em nível mundial.
As crianças e adolescentes praticantes do bullying na maioria das vezes
utilizam apelidos para ressaltar as diferenças sejam elas de etnia, de
características físicas, culturais ou de traços de personalidade.
Os resultados da pesquisa realizada em três escolas no município de
Floriano-PI sobre a ocorrência de maus tratados repetitivos demonstram a alta
ocorrência do bullying nas escolas pesquisadas e indicam que as agressões na
maioria das vezes são motivadas pelas características das vítimas,
consideradas feias, estranhas e diferentes. A dificuldade de aceitação da
pluralidade na relação com o(a) outro(a) permeia a grande ocorrência dos
casos.
Faz-se necessário o desenvolvimento de programas de prevenção e
combate ao bullying baseados nas práticas de diálogo, de aceitação das
diferenças, de respeito às diversidades, sejam elas quais forem.
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