10 segundO SEMESTRE 2011 ISSN 1984-056X 5 anos de Cultura Em seu aniversário, Programa Arte Sesc faz um balanço do resultado de suas ações e propõe uma reflexão para levar mais arte para mais pessoas Também nesta edição II festival internacional sesc de música de pelotas será em janeiro Caderno de teatro: entrevista com gennadi bogdanov nesta edição 27 38 44 06 síntese 2011 34 música 44 CINEMA 06 Os cinco anos do Arte Sesc 12 34 Sonora Brasil traz programação identificada com o desenvolvimento histórico artes cênicas da música nacional 12 Diferentes olhares sobre o Circuito Teatral Universitário 38 Arte Sesc amplia oferta de shows nativistas 16 Artigo de Zé Adão Barbosa analisa a comédia atual 39 Projeto Fábrica de Gaiteiros, de Renato Borghetti, resgata 18 Grupos contam suas a arte de produzir e ensina a experiências no Palco 44 Carlos Magalhães, diretor executivo da Cinemateca Brasileira, fala em entrevista sobre a instituição que é exemplo de preservação e restauração de filmes, além do Programadora Brasil, iniciativa que auxilia na aproximação do público com o cinema produzido no país e que tem o Sesc como parceiro tocar o instrumento Giratório 2011 40 Pelotas se prepara para o 20 A despedida do mestre da iluminação João Acir II Festival Internacional Sesc de Música, que será realizado de 9 a 21 de janeiro de 2012 22 Teatro a Mil leva a arte a milhares de crianças e adolescentes de 50 cidades 27 Caderno de Teatro: Gennadi Bogdanov e a Biomecânica Teatral de Meyerhold 2 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 48 52 DIRETORIA Zildo De Marchi – Presidente do Sistema Fecomércio-RS, Sesc e Senac Everton Dalla Vecchia – Diretor Regional Sesc/RS GERÊNCIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA Silvio Alves Bento – Gerente de Educação e Cultura Jane Schöninger – Coordenadora de Cultura 48 Gilberto Perin conta detalhes 52 literatura 52 Luisa Geisler, vencedora do da sua exposição fotográfica Prêmio Sesc de Literatura Camisa Brasileira, que mostra 2010-2011 com o livro Contos os bastidores do futebol de Mentira, mostra seu talento que ninguém vê a partir de no conto inédito Turistas imagens captadas durante uma temporada do Grêmio Esportivo Brasil, de Pelotas 57 Formando leitores críticos, artigo de Aline de Medeiros Weibert fala da importância 51 Grandes exposições como a de Zoravia Bettiol, da série Aos Grandes Mestres, movimentam cidades gaúchas da realização de Feiras de Livros BALCÕES SESC/SENAC Alvorada - Av. Getúlio Vargas, 941 - (51) 3411.7750 • Cachoeirinha - Av. Flores da Cunha, 1320 - Sala 805 - (51) 3438.3249 • Caçapava do Sul - Av. XV de Novembro, 267 - (55) 3281.3684 • Frederico Westphalen - R. do Comércio, 1013 - (55) 3744.8193 • Gravataí - R. Álvares Cabral, 880 – (51) 3043.7916 • Guaíba - R. São José, 433 - Sala 01 - (51) 3402.2106 • Itaqui - R. Dom Pedro II, 1026 - (55) 3433.1164 • Jaguarão - R. XV de Novembro, 211 - (53) 3261.2941 • Lagoa Vermelha - Av. Afonso Pena, 414 - Sala 104 - (54) 3358.3089 • Nova Prata - Av. Cônego Peres, 612 - Sala 107B - (54) 3242.3302 • Osório - Av. Jorge Dariva, 941 - (51) 3663.3023 • Palmeira das Missões - R. Marechal Floriano, 1038 - (55) 3742.7164 • Quaraí - R. Baltazar Brum, 617 - 8º andar - (55) 3423.1664 • Santiago - R. Pinheiro Machado, 2232 - (55) 3251.5528 • São Gabriel - João Manuel, 508 - (55) 3232.8422 • São Sebastião do Caí - R. 13 de Maio, 935 - Sala 04 - (51) 3635.2289 • São Sepé - R. Coronel Chananeco, 790 - (55) 3233.2726 • Sobradinho – R. Lino Lazzari, 91 - (51) 3742.1013 • Três Passos – Rua Don John Becker, 310 – (55) 3522.8146 • Vacaria - R. Marechal Floriano, 488 - Sala 17 - (54) 3231.5883 • Viamão - Marechal Deodoro, 175 - Loja 102 - (51) 3434.0391 NÚCLEO DE ATENDIMENTO SESC São Luiz Gonzaga - R. Treze de Maio, 1297 (55) 3352.7398 Coordenação, execução e produção editorial: Pubblicato Design Editorial Rua Mariante, 200, sala 02 CEP 90430-180 | Porto Alegre | RS Fone/Fax: (51) 3013.1330 Andréa Costa – Diretora de Criação e Atendimento Vitor Mesquita – Diretor Editorial Edição e Reportagem: Clarissa Eidelwein, MTb nº 8.396 ([email protected]) – Projeto Gráfico, Edição de Arte: Rose Tesche – Ilustração da Capa: Fábio Zimbres – Tratamento de Imagem: Pubblicato – Revisão de Texto: Grace Prado – Tiragem: 1.000 exemplares – Impressão: Ideograf O conteúdo dos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. 48 ARTES VISUAIS UNIDADES SESC NO RIO GRANDE DO SUL SESC Alegrete - R. dos Andradas, 71 - (55) 3422.2129 • SESC Bagé - R. Barão do Triunfo, 1280 - (53) 3242.7600 • SESC Bento Gonçalves - Av. Cândido Costa, 88 - (54) 3452.6103 • SESC Cachoeira do Sul - R. Sete de Setembro, 1324 (51) 3722.3315 • SESC Cachoeirinha – João Pessoa, 27 – (51) 3439.1751 • SESC Camaquã - R. General Zeca Neto, 1085 - (51) 3671.6492 • SESC Campestre - POA - Av. Protásio Alves, 6220 - (51) 3382.8801 • SESC Carazinho - Av. Flores da Cunha, 1975 - (54) 3331.2451 • SESC Caxias do Sul - R. Moreira César, 2462 - (54) 3221.5233 • SESC Centro - POA - Av. Alberto Bins, 665 - (51) 3284.2000 • SESC Comunidade - POA - R. Dr. João Inácio, 247 - (51) 3224.1268 • SESC Cruz Alta - Av. Venâncio Aires, 1507 - (55) 3322.7040 • SESC Erechim R. Portugal, 490 - (54) 3522.1033 • SESC Farroupilha - R. Coronel Pena de Moraes, 320 - (54) 3261.6526 • SESC Gramado - Av. das Hortênsias, 4150 - (54) 3286.0503 • SESC Ijuí R. Crisanto Leite, 202 - (55) 3332.7511 • SESC Lajeado - R. Silva Jardim, 135 - (51) 3714.2266 • SESC Montenegro - R. Capitão Porfírio, 2205 - (51) 3649.3403 • SESC Navegantes - POA - Av. Brasil, 483 - (51) 3342.5099 • SESC Novo Hamburgo R. Bento Gonçalves, 1537 - (51) 3593.6700 • SESC Passo Fundo Av. Brasil, 30 - (54) 3311.9973 • SESC Pelotas - R. Gonçalves Chaves, 914 - (53) 3225.6093 • SESC Redenção - POA - Av. João Pessoa, 835 - (51) 3226.0631 • SESC Rio Grande - Av. Silva Paes, 416 - (53) 3231.6011 • SESC Santa Cruz do Sul - R. Ernesto Alves, 1042 - (51) 3713.3222 • SESC Santa Maria - Av. Itaimbé, 66 - (55) 3223.2288 • SESC Santa Rosa - R. Concórdia, 114 (55) 3512.6044 • SESC Santana do Livramento - R. Brigadeiro Canabarro, 650 - (55) 3242.3210 • SESC Santo Ângelo - R. 15 de Novembro, 1500 - (55) 3312.4411 • SESC São Borja - R. Serafim Dornelles Vargas, 1020 - (55) 3431.8957 • SESC São Leopoldo - R. Marquês do Herval, 784 - (51) 3592.2129 • SESC Taquara - R. Júlio de Castilhos, 2835 - (51) 3541.2210 • SESC Torres - R. Plínio Kroeff, 465 - (51) 3626.9400 • SESC Tramandaí - R. Barão do Rio Branco, 69 - (51) 3684-3736 • SESC Uruguaiana - R. Flores da Cunha, 1984 - (55) 3412.2482 • SESC Vale do Gravataí - R. Anápio Gomes, 1241 - (51) 3497.6263 • SESC Venâncio Aires - R. Jacob Becker, 1676 - (51) 3741.5668 • Hotel SESC Campestre - POA - Av. Protásio Alves, 6220 (51) 3382.8801 • Hotel SESC Gramado - Av. das Hortênsias, 4150 - (54) 3286.0503 • Hotel SESC Torres - R. Plínio Kroeff, 465 - (51) 3626.9400 www.sesc-rs.com.br SEGUNDO SEMESTRE | 2011 3 A cultura 'a mil' pelo Rio Grande! 4 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Em 2011, chegamos ao 5º ano do Arte Sesc – Cultura por toda parte, e os números comprovam que as ações propostas dentro das diferentes manifestações artísticas têm obtido amplo êxito. Exemplo disso foi o mais recente projeto, “Teatro a Mil”, que teve início neste ano e oportunizou às comunidades escolares o acesso a apresentações de espetáculos regionais, formando, assim, plateia e movimentando a produção cultural local. Esta edição da Revista Arte Sesc procura traçar um panorama sobre tudo aquilo que temos desenvolvido no cenário cultural gaúcho, a partir de artigos de personagens do cenário artístico regional, nacional e até mesmo internacional, assim como com matérias que sintetizam em números as ações promovidas em nosso Estado. Projetos nas artes cênicas e visuais, na música, no cinema e na literatura integram o grande ‘guarda-chuva’ que é o Arte Sesc. Relatos de expoentes desse universo artístico como Gennadi Bogdanov, Gilberto Monteiro, Luiz Carlos Borges, Renato Borghetti e Gilberto Perin podem ser apreciados nesta publicação, dando uma dimensão do trabalho que desenvolvemos em prol da cultura. E é chegando em toda a parte e a todas as pessoas, que temos como meta para os próximos anos, estarmos ainda mais próximos do nosso público preferencial, o trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo, proporcionando-lhes o acesso às diferentes manifestações culturais. Um excelente 2012 e uma boa leitura! Forte abraço, Everton Dalla Vecchia Diretor Regional do Sesc/RS SEGUNDO SEMESTRE | 2011 5 cinco anos Cinco anos de cultura para todas as regiões do Rio Grande do Sul O Arte Sesc – Cultura por toda parte é o con- existência de equipamentos culturais próprios ou em junto de projetos realizados pelo Sesc/RS que con- parceria com órgãos culturais locais; demandas da co- templa todas as linguagens artísticas: cinema, literatu- munidade local; existência de grupos culturais dispo- ra, artes visuais, artes cênicas e música. Em 2011, o níveis para interlocução entre diversas frentes; e movi- Programa completou cinco anos de sistematização e mentos culturais com continuidade. vem se consolidando e legitimando como uma política A programação é formatada a partir de espe- cultural, devido ao seu caráter de descentralização, de táculos assistidos, atividades presenciadas e material articulação e de fruição dos bens culturais. recebido para avaliação, de todo o território nacional, Ser um veículo para a formação efetiva de pla- com prioridade para a produção cultural do nosso teias na área cultural foi o objetivo que orientou a im- Estado. Como critérios específicos, são observadas plantação do Programa desde seu início. De lá para as questões de estética (qualidade da atividade, pes- cá, as atividades vêm crescendo e sendo aperfeiçoa- quisa de linguagem do espetáculo, entre outros), téc- das em diversas cidades do Rio Grande do Sul. Enten- nicas (estruturas possíveis e que tenham capacidade demos que, por meio das ações disponibilizadas, há a de adaptação para as diversas cidades que participam possibilidade de reflexão pelo público, o maior benefi- do Programa) e éticas (capacidade dos profissionais ciado, de sua própria atuação na sociedade. participantes da programação se relacionarem com as É importante ressaltar que o formato da programação com ações sistemáticas, ou seja, as cidades 6 comunidades, tanto público em geral, como classe ligada à área cultural). participantes do programa recebem periodicamente Para o ano de 2012, reforça-se a atuação atra- atividades, viabiliza que o público de determinada vés das palavras-chave transversalidade, acessibili- comunidade esteja sempre em contato com propos- dade e diversidade da programação proposta. Com tas artísticas, abrindo as portas para um diálogo com esse viés, propõe-se atender à população com uma produções locais, regionais e nacionais, reforçando o programação comprometida com o desenvolvimento desenvolvimento local. cultural e humano das localidades. A escolha dos municípios que recebem a pro- Queremos brindar essa conquista: cinco anos gramação sistemática é definida por fatores como de cultura para todas as regiões do Rio Grande do Sul! SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Circuito Palco Giratório Circuito Universitário O projeto trabalha na difusão das artes cêni- Realizado em parceria com a Universidade Fede- cas e na democratização do acesso à cultura. ral de Santa Maria, o projeto foi implantado com Teatro de bonecos e de rua, para a infância e o objetivo maior de oportunizar espaços e expe- juventude, circo, dança e outras manifestações riências para artistas, estudantes que estão con- artísticas tomam espaços convencionais e não cluindo seus cursos em artes dramáticas. Propõe convencionais por todo o país. A iniciativa pro- também o intercâmbio entre esses estudantes e porciona a troca de experiências e vivências en- coletivos das cidades por onde passaram. ARTES CÊNICAS Resultados de 2011 tre os artistas e demais integrantes da cadeia produtiva das artes cênicas. • 4 espetáculos participantes • 20 sessões realizadas • 5 grupos circulando • 15 cidades envolvidas • 11 cidades participantes • 44 sessões realizadas 6º Festival Palco Giratório Sesc Iniciativa desenvolvida no RS e em outras 10 Rio Grande no Palco capitais. Durante 30 dias consecutivos, os Criado com o objetivo de difundir e descen- grupos programados para o projeto Circuito tralizar as artes cênicas no RS, o projeto trans- Palco Giratório apresentaram suas produções formou-se em uma das ações culturais mais e seu repertório, com atividades complemen- importantes, pois permite que a população te- tares. No RS, outros grupos são convidados nha acesso a produções teatrais de qualidade e a participar da programação, que ocorre em diversificadas. Com uma programação múltipla, diversos espaços de Porto Alegre, no mês de diversos espetáculos circulam pelas cidades do maio. Na sua 6ª edição, o Festival consolidou- interior do Estado, viabilizando a troca de expe- -se como um dos mais importantes eventos de riências entre grupos de teatro e comunidades. artes cênicas do Estado, tendo em vista sua preocupação com a produção cênica atual, • 110 espetáculos na programação apresentando obras de qualidade estética, éti- • 343 sessões ca, e com uma diversidade de olhares. Além • Mais de 140 municípios envolvidos de apresentações de artes cênicas, são realiza- • Mais de 40 circulações realizadas das atividades formativas, como conferências, bate-papos, oficinas e intercâmbios entre gru- Teatro a Mil pos, público e interessados da área. Circulação de espetáculos para a infância e juventude. O projeto atende a alunos de escolas • 124 ações públicas de diversos municípios do Estado, pos- • 39 grupos sibilitando momentos de lazer, educação e arte. • 91 sessões • 51 espetáculos • 20 espetáculos que circularam • 5 países e 13 estados brasileiros envolvidos • 50 cidades participantes • Mais de 130 sessões realizadas Circuito de Teatro de Rua • Mais de 75 mil espectadores A ação propõe familiarizar o público com esse • Mais de 250 escolas gênero teatral, bem como possibilitar o reconhecimento das produções atuais existentes no Estado, reafirmando conceitos de acessibilidade e diversidade de programação. • 5 grupos participantes • 50 sessões realizadas • 50 cidades contempladas SEGUNDO SEMESTRE | 2011 7 cinco anos Circuito Sonora Brasil Cinema Projeto que leva a música escrita e de tradição oral Projeto de exibição de filmes com uma programa- de diversos estados a diferentes partes do país. Os referentes ao estilo musical, instrumentos e tradição do trabalho apresentado. • 4 grupos participantes • 7 cidades envolvidas • 28 shows realizados Sesc Música Circulação da música contemporânea com a proposta de diversidade de estilo. Preza por apresentações musicais em espaços fechados e em formato acústico, buscando a valorização da apreciação da música brasileira. • Mais de 60 grupos/artistas • Mais de 85 espetáculos • 30 circuitos realizados • 251 apresentações musicais • 115 cidades envolvidas 1º Festival Internacional Sesc de Música – Pelotas/RS Durante 14 dias de evento, a música de concerto, instrumental e jazz ocupou diversos pontos da cidade de Pelotas. Músicos de diferentes países reuniram-se para apresentar uma programação artística com busca o lazer cultural até os artistas e produtores culturais. Privilegia a formação de público e o desenvolvimento artístico cultural, com exibição de filmes, realização de mostras, debates, festivais, ofi- cinema da apresentação, os músicos passam informações ção que atende a todos os públicos, desde o que música shows são desenvolvidos com apelo didático. Além cinas e cursos livres de cinema e vídeo. Dentre inúmeras ações, propicia o acesso à cinematografia de caráter artístico e cultural, com ênfase na produção contemporânea, e busca valorizar a produção local. Cine Sesc em salas Exibição de filmes nacionais e internacionais (curtas ou longas-metragens) com o objetivo de buscar a aproximação dessa linguagem, por meio de produções não veiculadas na grande mídia, para a clientela principal, os comerciários. • 471 sessões • 163 filmes exibidos Cinema de Rua Projeto que leva o cinema para diversas cidades do interior do Estado, realizando exibições gratuitas de filmes ao ar livre. As praças, largos e ruas são tomados pela magia das imagens em movimento. • 4 circuitos realizados • 64 sessões realizadas na rua mais de 40 espetáculos, divididos em recitais, música de câmara, concertos e apresentações de música instrumental, apresentações do Núcleo de Inclusão Cultural. Foram realizadas ainda mais de 30 oficinas de • 49 professores • 38 espetáculos • 30 oficinas • 240 alunos de todo o Brasil O projeto assume a programação de espaços expositivos nas unidades do Sesc, promovendo paralelamente às exposições, mostras de pinturas, desenhos, gravuras, esculturas e outras modalidades de artistas gaúchos e nacionais. artes visuais instrumentos e canto para alunos de todo o Mercosul. • 51 exposições • 52 cidades participantes 8 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 DESENVOLVIMENTO ARTÍSTICO E CULTURAL Possibilitou o aperfeiçoamento de conhecimen- São oficinas, encontros, palestras e cursos de curta tos sobre a área literária por meio da realização duração direcionados às linguagens artísticas traba- de encontros literários em que são desenvolvidas conferências sobre temas específicos. O projeto também contempla oficinas ministradas por profissionais da área. literatura Oficinas e encontros literários lhadas pela instituição que possibilitam aperfeiçoamento, apoio à formação e troca de informações entre os participantes. • Mais de 1,5 mil horas de oficina • 21 oficinas • Total de 252 horas • 7 cidades participantes BIBLIOTECAS • 16 encontros realizados As bibliotecas do Sesc são públicas, comunitárias, infantis e escolares e têm como missão principal propiciar o Feiras de Livros acesso à literatura de lazer, informativa e didática, num A realização de feiras de livros tem se revelado uma primeiro plano. E de uma forma mais ampla, despertar das formas mais organizadas e econômicas para al- o hábito da leitura e promover o acesso às informações cançar o objetivo de formação de leitores com mais pertinentes aos seus usuários. Além disso, propõe con- abrangência. O projeto é resultado de uma grande tribuir para o desenvolvimento da cidadania; estimular o mobilização de pessoas e instituições interessadas consumo de produtos culturais; integrar suas atividades no desenvolvimento cultural da comunidade e visa a programas de ação na formação de leitores; manter não apenas à oferta de obras literárias, mas tam- a imagem das bibliotecas como referência na progra- bém ao envolvimento de segmentos estratégicos mação cultural do Estado e implementar ações que (professores, estudantes, pais, empresários) com o contribuam para o desenvolvimento social, intelectual e propósito de pensar o papel do livro como elemen- cultural dos usuários das bibliotecas. to de construção do ser em meio à sociedade, da própria sociedade e a cultura como expressão de • 12 bibliotecas fixas valores, de desenvolvimento ético, ou seja, o livro • 3 bibliotecas ambulantes (Bibliosesc) como bem comum. O Sesc atua como realizador, • 3 salas de leitura em hotéis parceiro e apoiador em diversas cidades do RS. • 19 bibliotecas itinerantes • 15,4 mil livros adquiridos • 140 escritores participando • 47 feiras realizadas ALDEIAS CULTURAIS SESC PrÊmio Sesc de Literatura As aldeias são desenvolvidas em mais de 35 cidades Projeto que propõe revelar novos talentos e pro- no Brasil. No RS, ocorre em São Leopoldo, Ijuí e, em mover a literatura nacional. Lançado em 2003, o 2011, também em Santa Maria. A finalidade do projeto concurso identifica escritores inéditos, cujas obras é o intercâmbio entre as diversas linguagens das artes, possuam qualidade literária para edição e circula- inseridas em espaços e horários que possibilitem uma ção nacional. real maratona cultural. O público acaba consumindo, intensivamente, diversos processos artísticos de profis- • 35 obras inscritas pelo RS sionais da sua região e de outros espaços do país. • 3 cidades participantes • Mais de 120 ações disponibilizadas • Mais de 15 mil atendimentos realizados SEGUNDO SEMESTRE | 2011 9 cinco anos Ao final de cinco anos de Projeto Arte Sesc, buscamos transformações. Depois de promover mais de 350 circuitos de teatro e música com 8 milhões de atendimentos realizados nas diversas linguagens e tantas outras conquistas, resolvemos fazer uma reflexão. Para onde devemos ir? Onde temos que nos reinventar? E nada mais óbvio do que perguntar para quem sempre está se reinventando... A classe artística e os grandes movimentadores da cultura no Estado. A cultura é instrumento de humanidade e este é o seu papel fundamental: restituir no homem os valores éticos propositadamente esquecidos Parece paradoxal, vivemos numa época em e desprezados na nossa sociedade consumista. que todo movimento social e cultural é para não A solidariedade, a honestidade pessoal e a liber- sair da frente da tela (do computador, da televi- dade são princípios para realização de uma arte são, do celular, dos tablets...). Entretanto, esque- comprometida com a vida. A arte como atividade cemos que para chegar a esse desenvolvimento criadora do homem é uma manifestação social, tecnológico, a Humanidade passou por um longo o artista é um ser social e seu trabalho é sempre caminho “analógico”. E são desses momentos um reflexo do que ele vive, e a cultura que ele “analógicos” que nasceu a Civilização, refletida gera influi de algum modo na sociedade por meio pela cultura e pelo conhecimento. de seus valores estéticos e ideológicos. A cultura, Atingir “milhares de acessos” é o que conta portanto, nasce do homem e regressa novamen- nesse tempo de redes mundiais. Contudo, tam- te ao homem. Nada do que é humano lhe é indi- bém esquecemos que tudo começa em você, em ferente, pelo contrário, o assume, potencializa e nós, em mim; as sensações individuais são as que o integra a uma categoria estética. Por tudo isso, movem a roda, associadas às impressões de mais um projeto que descentralize e leve cultura para um, de mais um, de mais um. Estar em contato todos os cantos deste nosso Rio Grande é de direto com a arte e/ou artista é uma experiência importância fundamental para a construção da única e pode transformar um pouco a comuni- cidadania. dade em que vivemos. Não se trata de enfrentar Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz ou rejeitar o momento tecnológico, mas, sim, de reconhecer a escala de valores de cada manifestação. Um circuito de arte por cidades mais ou menos distantes da capital – aonde as pessoas cheguem bem próximas da fonte de criação – é o incentivo para que mais gente tenha momentos únicos, reais, inesquecíveis. Esse circuito multiplicador tem nome: Sesc. Gilberto Perin Fotógrafo A cultura em sua gênese, pode-se dizer que é uma manifestação particular, localizada. No entanto, para referenciar-se e, assim, tornar-se universal, ela precisa necessariamente extrapolar-se, comunicar-se com outras culturas e com isso transformar a sua essência e o seu entorno. Essa comunicação cria uma rede de criação, que reverbera em toda a sociedade. Tal espetáculo ou obra visual ou musical influenciam sensitivamente outros artistas, agentes culturais ou leigos Porque em toda parte tem gente fazendo cultura, em toda parte tem gente que pode consumir a transformar-se ou a disponibilizar outro conhecimento, abrindo o círculo iniciado na localidade. qualquer tipo de cultura. Porque, como diria o Ca- Como ser que procura a liberdade de expres- etano, eu parto do princípio de que todo mundo são e a comunicação, o humano tem vocação para pode entender tudo. E porque, como diria o outro dispor sua arte por toda parte, por todo lugar, por baiano, Gil, o povo sabe o que quer, mas o povo todo mundo. também quer o que não sabe. Arthur de Faria Eduardo Kraemer Diretor de teatro | Cia. Teatrofídico Músico 10 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Vivemos em um tempo que busca e celebra redes, conexões, trânsitos, multiplicidade: podemos dizer que o movimento de ir além das fronteiras é parte da cultura contemporânea. A cultura deseja navegar no espaço, se espalhar por toda parte. Nesse contexto, é necessário que a produção cultural vá além dos lugares estabelecidos e previsíveis, se infiltre no improvável e fomente a invenção de novos territórios de pensamento, criação e intercâmbio. O projeto Arte Sesc se justifica e afirma sua importância a partir dessa perspectiva, constituindo uma das iniciativas de maior relevância, alcance e significado do Estado. Aplausos para sua existência e continuidade. Co- Porque a cultura é a forma de expressão e reflexão do homem sobre a sua existência, o estar no mundo, buscar definições sobre o seu destino, dialogar sobre o seu tempo (passado, presente e futuro). Se a Cultura estiver em todas as partes, estaremos nela nos atualizando sobre o sentido das nossas vidas. Onde estiver o artista, estará a humanidade. Claudio Levitan Músico e escritor memorando seus bem vividos cinco anos, talvez o fortalecimento de intercâmbios com as cidades/ comunidades participantes se aponte como um caminho desejado, por meio de uma maior permanência dos artistas em cada local, diversificando suas atividades. Enfim, parabéns a todos! Patricia Fagundes Diretora de teatro | Cia. Rústica A cultura é imprescindível. Ela é quem movimenta o mundo, embora as pessoas nem sempre se deem conta. A cultura é fonte inesgotável e precede a educação, o meio ambiente, as relações humanas. Ela é o conhecimento. Ela é o que nos faz humanos. Ela é que nos permite tirar leite de pedra e encontrar estrelas no charco. Todo e qualquer esforço que façamos por ela é pouco, João da Cunha Vargas (1900-1980), cujos poemas vêm sendo musicados (e revelados) por Vitor Ramil, viveu a vida toda no interior de Alegrete. Era um homem simples do campo, um peão apenas alfabetizado. Mas em contraste com a dureza da vida campeira, ainda mais naqueles tempos, cantava seu cotidiano e seu universo com altíssima sensibilidade e irretocável construção poética. Não escrevia os versos, fazia-os na cabeça, e os decorava para declamar depois. De onde viria essa arte, que um crítico formalista chamaria de "primitiva" e que, na voz de Vitor, emociona ouvintes sofisticados Brasil afora? E Ramil ainda teria a audácia de "misturá-lo" com Jorge Luís Borges (1899-1986). Lado a lado, um poeta gauchesco-brasileiro de obra quantitativamente breve, e um poeta e escritor argentino de vasta produção e lugar destacado no cânone literário mundial. Unidos por um terceiro agente, são redimensionados. A Arte e a Cultura não desprezam contrastes. Ao contrário, mostra o tempo, mais vezes os harmonizam. Propiciar a circulação irrestrita de Arte e Cultura é fomentar/debater democracia, cidadania, progresso, harmonia. Acho que Cunha Vargas e muito pouco, considerando a contrapartida que ela nos oferece. Como diz Ernesto Sabato, “a única coisa que pode nos salvar é a cultura e tudo que existe para aplacá-la deve ser combatido até a morte. Temos que defender a cultura até a morte, ainda que para certos políticos isso pareça estupidez ou fantasia de um homem que vive como numa ilha”. No momento em que o Arte Sesc completa cinco anos, estas reflexões, talvez, sejam válidas e importantes. Raro encontrar uma instituição, mesmo as públicas, que realizem um trabalho deste porte, o qual engloba todas as manifestações e linguagens artísticas. E mais: levando-as para o interior do Rio Grande. Bom seria que a elas se somassem outras e mais outras e mais outras até o dia em que o nosso Estado fosse inundado pela cultura. Pode ser que, então, víssemos este Estado emergir diante dos outros como um estado de ponta, altaneiro, e com uma respeitável visão de futuro e progresso. Sonhar não custa nada e nem nos cobra imposto (por enquanto). Sergio Napp Escritor Borges cabem direito nessas questões. Juarez Fonseca Jornalista e crítico de música SEGUNDO SEMESTRE | 2011 11 artes cênicas O olhar da academia Por André Galarça, aluno do curso de Direção Teatral, e Daniel Reis Plá, professor do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria “Pode o teatro existir sem uma plateia? Pelo menos um es- tro e dança. A presença dessa pluralidade de lingua- pectador é necessário para que se faça uma representação. gens artísticas, e dos artistas que as produzem, faz de Assim, ficamos com o ator e o espectador. Podemos então Santa Maria, um foco de produção na área cultural. definir o teatro como “o que ocorre entre o espectador e o Apesar disso, a distância dos grandes centros, e dos ator”. Todas as outras coisas são suplementares – talvez ne- principais circuitos de circulação artística, dificulta o cessárias, mas ainda assim suplementares.” (Jerzy Grotowski, acesso dos estudantes de arte à produção dos grandes pesquisador polonês). artistas da atualidade, bem como a circulação da produção local para os principais centros. Santa Maria é uma cidade de porte médio, situ- Diante dessa situação, o Departamento de Artes ada no centro do Rio Grande do Sul. Por sua posição Cênicas da UFSM, juntamente com o Sesc/RS, promoveu o estratégica ela é um ponto de confluência de pessoas Circuito Teatral Universitário, no qual, através da circulação de diferentes lugares. Em parte, isso se deve ao fato de de quatro espetáculos produzidos pelos alunos do Curso ela possuir um número significativo de estruturas mili- de Artes Cênicas por 11 cidades gaúchas, abriu-se a opor- tares, mas principalmente, por abrigar uma das princi- tunidade de expansão do acesso da população gaúcha à pais universidades do Estado, a Universidade Federal produção teatral desenvolvida no interior do Estado. de Santa Maria (UFSM). tou-se como uma forma de fomento à cultura no Esta- destacado como foco de desenvolvimento cultural e do do Rio Grande do Sul, contribuindo para a formação tecnológico, em nível estadual e nacional. Fiel a sua dos estudantes, integrando ensino, pesquisa e extensão política de produzir conhecimento a partir de um diálo- e proporcionando a eles uma experiência concreta do go constante com a comunidade, dos laboratórios des- mercado de trabalho em sua área de atuação, abrindo, sa instituição têm saído importantes produtos, equipa- também, novas possibilidades de troca e de inserção de mentos e tecnologias, os quais têm contribuído para a sua produção artística no mercado cultural. melhoria na qualidade de vida da população que está sob sua área de abrangência, direta e indireta. Com um público estimado de mais de 2 mil pessoas nos quatro circuitos, a circulação dos espetáculos No entanto, não somente essas pessoas são bene- ocorreu da seguinte forma: os Circuitos 1 e 2, com as ficiadas. Atualmente, nos corredores dos diferentes centros cidades de Porto Alegre, Pelotas, Passo Fundo e Ca- de ensino, é possível ouvir sotaques e idiomas variados: maquã, receberam os espetáculos As Linhas de Elise e estudantes do norte, nordeste e sudeste do Brasil, bem Sucesso a Qualquer Preço; o Circuito 3, em Caxias do como de países tão diferentes quanto Índia, Paquistão, Sul, Santa Cruz do Sul, Bento Gonçalves e Montenegro Alemanha, Espanha, Argentina, entre outros, tem vindo abrigou o espetáculo Fando & Lis; já o Circuito 4, reali- ao interior do Rio Grande do Sul para se beneficiarem dos zado em Santa Maria, Santiago e São Sepé, recebeu o conhecimentos produzidos nesta instituição e levarem um espetáculo solo Maria Metade. pouco do que se produz aqui para seus locais de origem. 12 Durante todo o ano de 2011, o projeto apresen- A UFSM, ao longo de sua existência, tem se A oportunidade oferecida aos estudantes de Entretanto, não é só de tecnologia que se faz teatro por esse convênio entre Sesc e UFSM tem sido essa universidade. Ela também é feita de esculturas, determinante para sua formação. Uma vez que, como pinturas, tecnoarte, performances, música, canto, tea- afirma Grotowski, o teatro é aquilo que se dá entre o SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Espaço de aprendizagem e profissionalização Por Eduardo Colombo, ator e diretor de teatro e pesquisador do mestrado em Artes da Cena da Unicamp ator e o público, os quatro circuitos realizados pelas 11 cidades gaúchas, não só fortaleceram os objetivos Resultante de uma parceria entre o Sesc/RS e de expansão e acesso aos bens culturais para a popu- o curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de lação, como também proporcionaram novas experiên- Santa Maria (UFSM), o projeto Circuito Teatral Univer- cias de trabalho e produção teatral aos jovens estudan- sitário tem se mostrado uma iniciativa de grande rele- tes. Estes, a partir das apresentações, puderam tornar vância para a formação artística dos estudantes, for- prático o trabalho realizado na academia, ampliando mandos ou recém-formados, ao viabilizar a circulação suas experiências artísticas e compreendendo os me- de seus espetáculos por cidades de diferentes regiões canismos de criação e produção teatral. do Estado durante o ano de 2011. O Circuito Teatral Universitário proporcionou, Tive a oportunidade de participar do Circuito também, a criação de novas redes de interações artísti- no seu primeiro mês, viajando junto com os atores cas entre produtores culturais de diferentes localidades Anderson Martins, Geison Somer, Ícaro Costa, Már- disso, esse projeto apresentou-se como mecanismo eficaz para a formação de novas plateias nas cidades que o acolheram. Por fim, destaca-se a influência do convênio para o fortalecimento de grupos teatrais já presentes na cidade e para o incentivo à formação de Foto: Cláudia Schulz e os estudantes-artistas participantes do projeto. Além novos coletivos teatrais, o que representou uma expansão no movimento teatral de Santa Maria. Todos esses resultados apontam para a força de transformação da realidade que a troca de experiências e a cooperação entre os setores público e privado possuem. A realização do Circuito Teatral Universitário se mostra como uma importante ferramenta para o fomento cultural em âmbito regional e estadual, bem como uma estratégia eficaz para o acesso da população aos bens culturais produzidos na universidade, e de inserção dos novos profissionais no mercado de trabalho. A UFSM abraça tais ações de extensão, pois se trata de sua própria identidade social, e o Departamento de Artes Cênicas, com mais de 30 anos de tradição teatral, sente-se realizado por ter a parceria com o Sesc para a circulação dos trabalhos concretizados dentro da universidade. Por fim, só resta louvar Dioniso, o deus do teatro, para que ele dê longevidade e saúde a essa parceria: Evoé Baco!!! E que novos circuitos venham!!! SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Circuito auxilia a inserção dos novos profissionais no mercado de trabalho. Na foto, atores encenam Fando & Lis 13 artes cênicas 14 cio Carvalho e Raiana Paludo, acompanhado de Juliet sentem-se desamparados e inaptos para encarar o Castaldello (técnica de iluminação) e do professor Pa- mercado. Um dos fatores que colaboram para isso é a blo Canalles para apresentações do espetáculo Fando fragilidade das disciplinas de produção teatral ofereci- & Lis nas cidades de Montenegro, Bento Gonçalves, das pelos cursos, tendo em vista a falta de professores Caxias do Sul e Santa Cruz do Sul, entre os dias 26 e capacitados para discutir com propriedade esse tema 29 de maio. O espetáculo, baseado no texto homô- com os alunos, a partir de experiências próprias. nimo do dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, es- A parceria Sesc-UFSM aparece como estímulo treou em dezembro de 2010, no Teatro Caixa Preta da ao preenchimento dessa lacuna, tanto para os alunos UFSM. Este espetáculo foi resultado do meu trabalho quanto para os professores do curso, que também fa- de conclusão de curso, uma pesquisa sobre a utiliza- zem parte das equipes que viajam para se apresentar. ção de princípios da teoria da Montagem Dialética do Acredito, inclusive, que foi justamente essa uma das cineasta russo Serguei Eisenstein como estímulo para motivações do professor Daniel Reis Plá ao propor a a criação da dramaturgia cênica pelo diretor. ideia do Circuito. Os benefícios que a circulação da peça propor- Tendo como base a minha trajetória na UFSM, cionou à equipe foram muitos: o aprofundamento da felizmente posso dizer que nos últimos anos os estu- pesquisa para além das salas de ensaio e das apresen- dantes do curso de artes cênicas da instituição têm se tações de estreia; o consequente amadurecimento ar- preocupado com a continuidade do seu trabalho para tístico de cada integrante no contexto mesmo do espe- além da estreia das peças. E, em função disso, há um táculo e também para além dele – agregando em seus interesse maior na formação de grupos de teatro e, corpos mais experiência de palco; o contato direto com nesses grupos, a busca por uma auto-organização que profissionais de teatro que atuam de maneira bastante possibilite sua atuação no mercado de trabalho após diferente daqueles que atuam na universidade, etc. a formatura. Nessa auto-organização, geralmente as Eu poderia escrever sobre todos esses pon- tarefas de produção são divididas entre os integrantes tos, mas, ocupando aqui um espaço para uma breve do grupo, pois a demanda de trabalho não exige ain- reflexão, busco deter-me sobre apenas um: a relação da a figura de um produtor que se responsabilize pela dos artistas participantes do projeto com aspectos sua administração e representação. da produção de seus espetáculos. Escolho esse pon- Nesse sentido, o Circuito Universitário pode to porque, dos benefícios que uma circulação como servir como via concreta de aprendizagem para todos. essa proporciona, me chama a atenção a possibilidade Isso porque, mesmo que futuramente o grupo decida que ela cria de gerar um espaço para que os artistas eleger algum de seus integrantes como responsável em formação lidem na prática com especificidades do por isso, ou mesmo que decida contratar um produtor, trabalho de produção em um nível que está bastante é importante um período de autoprodução, autoges- além do contexto universitário no qual estão inseridos. tão, para que os artistas possam entender na prática As práticas de criação e apresentação de espe- questões sobre a sustentabilidade do grupo e de seus táculos dentro das universidades, necessárias para o espetáculos. Ou seja, para que amadureçam o seu fortalecimento do fazer artístico dos alunos, certamen- pensamento sobre o trabalho não só artisticamente, te levam em consideração aspectos da produção tea- mas também em diálogo com as condições do mer- tral. No entanto, sendo as apresentações exercícios de cado. Há espaço para esse aprimoramento quando se aprendizagem, geralmente o pensamento e o apren- participa do Circuito. dizado sobre produção teatral, estes que se desenvol- Nessa parceria com o Sesc, as responsabilida- vem em paralelo à criação das peças, se restringem à des de produção dos artistas se evidenciam pelo fato articulação necessária para que haja uma divulgação das atividades acontecerem na forma de uma circu- bem-sucedida (confecção de material gráfico e conta- lação e não de uma única apresentação ou mesmo to com os veículos de comunicação da cidade). uma temporada do espetáculo. Estas ações também Além disso, acredito que muitos estudantes seriam interessantes e eficientes para o aprendizado universitários de teatro concordam comigo se afirmo dos alunos, mas envolveriam fatores não contempla- que há uma evidente lacuna deixada por grande par- dos pela circulação. te dos cursos de artes cênicas do país no que tange As apresentações em diversas cidades do Es- à formação do aluno como produtor cultural, agente tado exigem a organização dos artistas-produtores responsável não somente pela criação artística, mas no que diz respeito ao agenciamento das relações de também pela relação do seu trabalho com o merca- contato com produtores, equipes técnicas, espaços de do no qual atuará. Nesse contexto, são comuns os apresentação, tipos de público, arranjos de logística depoimentos de alunos que, ao saírem da faculdade, do grupo (transporte da equipe e do cenário, hospe- SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Foto: Cláudia Schulz dagem e alimentação), meios de divulgação, etc., diferentes em cada local, o que possibilita a experiência do “jogo de cintura” necessário quando se trabalha com produção. Nesta conjuntura, é incontestável a sustentação do Sesc para que essa experiência mais intensa de produção seja possível, ao responsabilizar-se pelo agendamento das apresentações com os produtores locais e os espaços por eles administrados, providenciando também a alimentação, o transporte e a hospedagem do grupo. No entanto, o processo completa-se e efetiva-se durante os dias em que os artistas estão “na estrada”, em contato direto com as equipes que encontram em cada cidade. É nesse contato, e principalmente ao deparar-se com as sempre presentes situações inesperadas, que o grupo tem espaço para aprimorar sua Os artistas de Fando & Lis aprenderam "na estrada", em contato com as equipes de cada a cidade, a lidar com as situações inesperadas postura profissional, estando mais exposto a circunsFoto: Divulgação Maria Metade tâncias reais de produção, apartado do espaço “protegido” da universidade. O caráter inovador do projeto não se restringe a isso, evidentemente. Sendo assim, satisfeito e grato pela possibilidade da circulação de Fando & Lis e dos espetáculos dos colegas que participaram do Circuito durante o ano, desejo que sejam feitas ainda muitas reflexões sobre essa bela parceria Sesc-UFSM que, aos meus olhos, merece vida longa! O olhar da artista Para Daine Brum, que circulou com Maria Metade, um dos méritos do projeto é a possibilidade de intercâmbio Por Daiani Brum, artista independente quando atuou e também foi responsável pela criação e adaptação em Maria Metade; hoje, faz parte do Palco Fora do Eixo, desenvolvido em Santa Maria pelo Cenário Coletivo O espetáculo teatral Maria Metade estreou em aos alunos estabeleceu uma realidade ainda desco- novembro de 2010 e foi criado por meio do Curso de nhecida para muitos, a continuidade dos espetáculos Artes Cênicas da UFSM, com orientação de Gabriela após a avaliação do curso. Para mim, foi uma experiên- Amado. Atualmente, o espetáculo conta com 14 apre- cia muito interessante, muitas outras oportunidades de sentações, destacando-se a participação no Projeto Tre- continuar com espetáculo foram ocasionadas pela visi- ze: O Palco da Cultura; Festival Grito Rock-Palco Fora do bilidade gerada nas apresentações durante o Circuito Eixo; Festival Folclórico de Esteio e Circuito Universitário e pela possibilidade de intercâmbio. Sesc. O espetáculo também integrou a programação do Aldeia Sesc Imembuy, realizado em novembro. Garantindo espaço, equipe técnica qualificada, divulgação e público para as apresentações, a organi- O Circuito Universitário proporcionou três apre- zação do Circuito proporcionou aos alunos/artistas o sentações do espetáculo ao público de Santa Maria, contato com a realidade profissional do teatro. Acre- São Sepé e Santiago. Devido a sua linguagem popu- dito que o desenvolvimento do projeto ocorreu de lar, verificou-se uma boa recepção em todos estes es- maneira positiva em diversos aspectos para todos os paços. A iniciativa gerou a circulação de espetáculos alunos envolvidos. Esperamos que esta iniciativa tenha acadêmicos, oportunizando a inserção dos alunos no continuidade e prossiga beneficiando o público, assim mercado de trabalho. Esta oportunidade concedida como os futuros profissionais do teatro. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 15 artes cênicas Por Zé Adão Barbosa, ator, diretor, sócio-fundador e professor do Teatro Escola de Porto Alegre (Tepa) e fundador da Casa de Teatro de Porto Alegre A comédia No início da minha carreira, sonhava com dramas, tragédias, personagens sofridos, angustiados, comediantes da reconhecida Terça Insana. Pode ser heróicos. Qual não foi minha surpresa quando um um besteirol aos moldes dos geniais Vicente Pereira, dia, em um ensaio, o diretor disse que eu era muito Ricardo de Almeida e Miguel Magno. A comédia pode engraçado e que poderia ser um ótimo comediante, ser tanto cruel, negra, impactante como a maravilhosa fiquei pasmo, mas adorei a ideia de descobrir o outro Pterodátilos, vista no último Porto Alegre em Cena, lado. A comédia é mais difícil para um ator, exige um com um dos maiores comediante brasileiros: Marco timing diferente, uma percepção maior que pode re- Nanini (que também é um grande ator dramático). sultar num bom “caco” ou num improviso genial que poderá até ser incorporado à peça. 16 16 como Lenny Bruce, Karl Valentin ou pelos excelentes O que acontece é que, na visão de alguns produtores, a comédia independe de dramaturgia, de Sempre falo aos alunos que se pode treinar bons elencos e de uma produção mais bem cuidada, um ator dramático, mas o comediante já vem pron- o que é um grande erro. Não bastam algumas piadas, to. O comediante tem que ser, inevitavelmente, bem- um cenário malfeito, figurinos caricatos e um elenco -humorado, sarcástico, inteligente e livre de qualquer de pseudocomediantes para fazer rir. Estas tristes preconceito para não se perder em uma exibição sim- tentativas são o que se chama de “caça-níqueis”, um plória. No humor, o que conta é a piada, o comedian- pretexto para atrair um público maior que, após ex- te tem que saber interpretá-la com maestria, exercita perimentar uma montagem medíocre, sai desmotiva- seu humor não só no palco, mas também no cotidiano, do, acreditando que foi enganado e jura nunca mais na família, no trabalho, nas rodas de amigos, tirando botar os pés em um teatro. É lógico que também partido de qualquer situação, por mais banal que seja. existe um público de gosto duvidoso, que se diverte A comédia pode ser revolucionária no momen- com piadas chulas e preconceituosas, um erotismo to que faz um espectador rir da própria desgraça. forçado e uma absoluta falta de dramaturgia. Existe Pode ser um simples stand up exercitado por gênios público pra tudo, mas estamos falando de um bom SEGUNDO SEMESTRE | 2011 público, uma boa comédia e de bons comediantes, além do que, existem caça-níqueis que montam dramas pavorosos também. Existe, há um bom tempo, uma visível crise no público de teatro. Os produtores, temerosos de um fracasso de bilheteria, acabam buscando montagens comerciais que tragam espectadores ávidos por um divertimento “rapidamente digestivo”, e isto é natural. Nos anos de 1970 já se lotava plateias com os shows de humor de Jô Soares, José Vasconcellos, Chico Anysio e tantos outros. Só nos resta acreditar que o público, com o tempo, aprenda a diferenciar o bom teatro dos “caça-níqueis”, mas sempre lembrando que, em um país sem uma educação básica, é provável que a grande dramaturgia e os grandes autores só interessem aos mais exigentes. Ilustração: Intervenção digital de Rose Tesche na imagem da atriz Sarah Bernhardt, na primeira adaptação de Hamlet, de William Shakespeare, para o cinema, em 1900 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 17 17 artes cênicas Grupos participantes relatam as experiências em levar seus espetáculos a todo o Brasil, dos grandes centros às mais remotas localidades Concerto de Ispinhu e Fulô Cia. do Tijolo, de São Paulo Talvez a sensação mais gratificante e mais difícil de expressar em palavras seja a de uma espécie de “gravidez”. Como se estivéssemos prenhes de algu- Acabamos de completar nossa travessia, nossa ma coisa ainda sem nome, mas que carrega em si uma caminhada com o espetáculo Concerto de Ispinho e espécie de potência incomum. Sairá dessa coisa um Fulô no projeto Palco Giratório. Durante o ano de 2011, novo espetáculo, um texto, uma canção? Uma nova passamos por mais de 40 cidades brasileiras, apresen- concepção do que é o trabalho de grupo, do que é ou tando nosso espetáculo, conversando, debatendo, não é o Brasil? Alguma coisa assim, ainda indefinida, ministrando oficinas, enfim, criando pontes, diálogos mas com um peso criativo inconteste. com plateias e artistas de diferentes cantos do Brasil. Entretanto, fica-nos a sensação da importância Quantas coisas compreendemos e quantas novas e e da relevância desse projeto para o Brasil. Não só para inesperadas perguntas surgiram tomando o lugar de os grupos envolvidos, que têm a possibilidade de mos- velhas certezas sobre o teatro, sobre a arte, sobre ética, trar seu trabalho a plateias diferentes, entrar em conta- convivência, sobre o ser ou não ser brasileiro... to com outros grupos maravilhosos e conhecer as peculiaridades de diversas regiões; não só para o público das cidades, que pode assistir a espetáculos de regiões distantes com diferentes linguagens e influências, mas também para os produtores locais, aprendendo a produzir em condições muitas vezes bastante complicadas, e os técnicos, tendo que atender aos grupos, encontrar saídas e desenvolverem-se como profissionais. Os grupos teatrais das cidades, confrontados com outras experiências criativas... Enfim, o Palco Giratório é um projeto que pode promover, a partir do contato entre experiências diversas, um desenvolvimento real de todos os envolvidos em sua realização. No mais, só mesmo a saudade de tantos novos amigos, de tantos bons momentos, de tantos belos espetáculos vistos e realizados, saudades de um Brasil que se revela em toda sua magnitude e complexidade. Rodrigo Mercadante, ator e fundador da Cia. do Tijolo 18 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Dentrofora Cia. In.Co.Mo.De-Te, do Rio Grande do Sul Participar do Festival Palco Giratório realizado pelo Sesc/RS, em Porto Alegre, sendo uma produção gaúcha, fazendo parte do cenário teatral local, é como ser recebido na sala de estar da nossa própria casa. Sentimo-nos cercados de afeto e respeito profissional. Temos a liberdade e a oportunidade de mostrar nosso trabalho dentro de um projeto vigoroso que reúne em um grande painel a diversidade teatral produzida no país. A Cia. In.Co.Mo.De-Te, com o espetáculo Dentrofora, também participa desde abril deste ano do Circuito Palco Giratório Nacional Sesc, levando seu trabalho para 12 estados do Brasil: Ceará, Pernambu- São iniciativas desse porte que fazem com que co, Mato Grosso, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São o Sesc afirme cada vez mais a sua grande contribuição Paulo, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Bahia, e incentivo às artes cênicas brasileira. Agradecemos, de Rondônia e Amazonas. coração, a todos os funcionários e coordenadores do Uma experiência singular, em que temos a chan- Sesc que nos receberam em todas as regiões por onde ce de mostrar nossa produção para públicos tão diver- cruzamos. Gente que ficará para sempre em nossa lem- sos e realizar oficinas, participar de diálogos sobre o brança, levando adiante a cultura para toda parte. processo teatral e, principalmente, absorver a resposta imediata do público por meio de debates realizados Nelson Diniz, ator logo após o espetáculo. A Tecelã e Encantadores de Histórias ciente, a tantas cidades espalhadas por essas enormes Cia. Caixa do Elefante, do Rio Grande do Sul terras brasileiras. Certamente, graças a este projeto, o espetáculo pode aprimorar-se durante este ano. O ano de 2011 foi repleto de encontros e surpresas provindas de nossas andanças pelo Brasil. Participar Carolina Garcia, do circuito Palco Giratório proporcionou uma vivência atriz, produtora cultural e arte-educadora singular para os integrantes do nosso grupo, possibilitando conhecer diferentes plateias e artistas de variadas regiões do país, com os quais, mesmo nesses rápidos encontros, criamos um vínculo permanente. Durante o circuito, realizamos com os espetáculos A Tecelã e Encantadores de Histórias um total de 40 apresentações, 12 oficinas abertas à comunidade e um intercâmbio com o grupo de dança Ginga, do Mato Grasso do Sul. O projeto teve a abrangência geográfica de 14 estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Mato Grosso, Goiás, Rondônia, Espírito Santo, Tocantins, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. Somente devido a esta iniciativa cultural empreendedora do Sesc é que nos foi possível levar um espetáculo tão complexo como A Tecelã, de forma tão efi- SEGUNDO SEMESTRE | 2011 19 artes cênicas “João Acir surgiu na minha vida em 1975 e, durante 36 anos, trabalhamos juntos. Em todos os nossos espetáculos, e foram dezenas, lá estava o Tigrinho com sua genialidade e generosidade. Reconhecido como cenotécnico e iluminador, era chamado em todo o país quando uma reforma na estrutura de palcos e urdimentos era necessária. No Teatro Novo DC, foi fundamental o seu apoio para termos um dos maiores palcos da capital. O nosso palco e suas Um dos mais experientes e talentosos técnicos do teatro gaúcho e brasileiro, o iluminador e cenotécnico João Acir, conhecido como Tigrinho, faleceu em 3 de setembro, aos 78 anos. Por mais de cinco décadas, João Acir destacou-se no panorama das artes cênicas pelo seu conhecimento técnico e qualidade artística de seu trabalho. Os últimos palcos que iluminou foram os do projeto Teatro a Mil, do Sesc/RS, destinado às crianças. João Acir começou sua carreira no teatro como ator do grupo União possibilidades se devem à "arquitetura" do João. Eu, particularmente, perdi além de um braço direito profissional, também um grande amigo que tive ao meu lado inclusive em muitos momentos difíceis da minha trajetória. Ele foi o mestre!” Ronald Radde Diretor de teatro | Cia. Teatro Novo Teatral de Amadores, em 1947. No começo dos anos de 1950, como técnico auxiliar de iluminação do Teatro São Pedro, teve a oportunidade de participar de montagens produzidas pelas melhores companhias do país. Colaborou na iluminação das óperas Rigoletto e La Traviatta, de Verdi sob a regência de Pablo Komlós, no centenário do teatro. Com informações do site Itaú Cultural Foto: Arquivo de família Entre 1967 e 1971, João Acir excursionou pelo Brasil com a Companhia Paulo Autran, na qual atuou como iluminador e, ocasionalmente, como cenotécnico de alguns espetáculos marcantes da história do moderno teatro brasileiro, tais como Édipo Rei, de Sófocles, com direção de Flávio Rangel, em 1967, e Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, com direção de Silnei Siqueira, em 1969. Pelo espetáculo Salão Grená, com roteiro e direção de Irene Brietzke, em 1980, conquistou o Prêmio Açorianos de melhor iluminador, o primeiro de sua carreira. E, paralelamente às atividades em teatro, especializou-se na criação de luz para espetáculos de dança, colaborou com montagens líricas, além de atuar em escolas de samba do carnaval de Porto Alegre. João Acir integrou a comissão fundadora do Porto Alegre Em Cena, festival que o homenageou como padrinho em 2009, e como assessor técnico participou da construção e remodelação de vários teatros em todo o Brasil. “Acredito que o Acir é uma destas pessoas raras, uma pele de 'tigre' em um coração açucarado, imenso. Alma adolescente... irrequieta. Seu profissionalismo e sua fidelidade aos amigos eram impressionantes. Mestre em criar 'volumes e texturas' para a dança, com um mínimo de equipamentos (o que era impressionante). No hospital, ele gostava de lembrar da nossa viagem para o Norte e Nordeste com o genial projeto Diálogos entre Sul e Norte – as artes cênicas aproximando o país. Nessa viagem, conheci o Acir que criou o projeto de reforma de iluminação do Theatro José Alencar. Senti o maior orgulho quando, ao lado dele, fui visitar o teatro-templo. O Acir foi 'reverenciado' e lindamente homenageado. Fizeram um espetáculo especial à meia-noite (estávamos em cartaz até 23h) onde entramos pelos bastidores. Junto com a Terpsí Teatro de Dança, mais de 14 anos de criações. Um tempo luminoso, iluminado como não poderia deixar de ser. Saudades." Carlota Albuquerque Diretora da Terpsí Teatro de Dança 20 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Muito mais que avô Por Chamile Wiest, estilista e neta de João Acir Meu avô viveu sempre sua vida intensamente, o que fosse. Acredito que foi isso que o fez tornar-se fez sempre tudo o que teve vontade, exemplo para o Tigrinho. Suas conversas eram todas voltadas à di- mim. Desse modo, foi que largou o exército e foi se vulgação da cultura, acessibilidade a todos. aventurar no teatro, o qual se apaixonou e virou um Adorava assistir a noticiários de esporte e ícone de trabalho na área. Nós da família sempre es- assuntos em geral. Dançava como ninguém, tinha tivemos presentes nas suas empreitadas, assistindo a orgulho de dizer que quando mais novo ganhou um suas peças ou até mesmo colaborando na execução concurso de tango com minha avó aprendendo pas- de seus cenários e adereços. sos com filmes de Fred Astaire. Assava um delicioso Em especial, para mim, João Acir foi mais que churrasco. Usava uma boina de couro que todos a re- um avô, foi um pai, um mestre, um parceiro. Quando conheciam. Aos 70 anos, diziam que ele só tinha 50, tinha três anos de idade, ele me colocou no balé. Aos pois sempre foi muito ativo e conservado. Boêmio de seis, já o acompanhava para espetáculos e afinações carteirinha. Um amigo um dia me disse que João Acir de luz. Aos 19 anos, foi a primeira vez que nos encon- era o último Dom Juan que existia. tramos no palco, dancei e produzi o figurino de um Esse era meu avô, um amigo que dou graças espetáculo da Carlota da Cia. Terpsí, para o qual ele de ter tido em minha vida, por todas as conversas, fez a iluminação e ficou tão orgulhoso que naquele ensinamentos, conselhos e muitas, mas muitas, gar- ano, quando ganhou o prêmio de melhor iluminação galhadas que demos juntos. Agradeço por ele ter, em do Troféu Açorianos (2003), dedicou-o a mim. Guardo- vida, o devido reconhecimento do seu trabalho pelos -o com muito carinho e orgulho. seus colegas, saber o quanto nós da família o amáva- Ao mesmo tempo em que ele era uma pessoa mos, e o quanto ele significou para mim. geniosa, tinha um grande coração. Sempre caridoso, Com lágrimas nos olhos acabo este texto, lem- ajudava a todos do jeito que podia. Apenas exigia brando desse rabugento, que subiu ao céu para ilumi- perfeição naquilo que nos propúnhamos a fazer, seja nar melhor os palcos das nossas vidas. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 21 artes cênicas Teatro a mil Projeto promoveu uma maratona de apresentações de teatro para mais de 75 mil crianças de todas as regiões do Rio Grande Sul Em 2011, o Sesc/RS iniciou uma programação intensiva com o teatro infantil. Embora sempre presente na programação, a instituição buscou valorizar ainda mais esses espectadores tão especiais: as crianças. Foi uma verdadeira maratona de apresentações, passando por todas as regiões, cruzando esse imenso Estado, levando arte para todos os cantos. Em formato de circuitos, os grupos teatrais foram inseridos na realidade e povoaram a imaginação de muitas crianças. No total, 20 espetáculos realizaram mais de 130 sessões em teatros e escolas de 50 municípios, atraindo um público de mais de 75 mil estudantes de 250 escolas públicas. 22 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Fotos: Divulgação Sesc/RS Por meio dos espetáculos do Projeto Teatro a Mil, os alunos do professor Márcio André Oliveira da Silva, da 4ª série da Escola Municipal Marcelo de Freitas Faraco, de Alegrete, têm a oportunidade de conhecer o mundo a partir de uma perspectiva lúdica e prazerosa. Parceiro do Sesc, ele levou as crianças de sua classe, com idade de 9 a 13 anos, para assistir às duas O projeto Teatro a Mil tem o objetivo de co- peças que circulam pelo projeto na cidade em 2011: laborar com um processo fundamental: a educação Pum! Histórias Mal Cheirosas e Zão e Zoraida. “Somos dos sentidos. Possibilitar o ver, conhecer, sentir, ou- muito gratos pela oportunidade de desfrutar de es- vir, inventar, criar. Enfim, oferecer ferramentas para petáculos teatrais de grande qualidade e beleza aqui que a criança tenha uma visão mais ampla do seu longe dos grandes centros. Essas peças nos renderam mundo e do seu espaço, entendendo que o melhor muita diversão e aprendizado durante vários dias ao caminho é através da arte. trabalharmos sobre os assuntos defendidos”, revela. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 23 artes cênicas O teatro, seja no aspecto pedagógico seja no aspecto artístico, assistido ou encenado, auxilia a crianA declaração de uma das alunas do professor ça no seu crescimento cultural e na sua formação como Márcio confirma a vocação do projeto, de formar cida- indivíduo. A escola é um espaço de conhecimento e dãos. “O importante na história é que se você tem um aprendizagem, assim, as artes – música, literatura, pin- problema não precisa ter vergonha”, avaliou, depois tura, escultura, teatro e outras – passam a ser essenciais de assistir à comédia Pum! Histórias Mal Cheirosas, para o desenvolvimento perceptivo da criança. referindo-se à flatulência da protagonista. Um colega, Trabalhar com o teatro na sala de aula traz uma comentando o outro espetáculo: “A história é muito série de benefícios aos alunos: ensina a improvisar, de- engraçada e os personagens mais ainda, mas o mais senvolve a oralidade, a expressão corporal, a imposta- importante é que a aventura não tem idade.” ção de voz, estimula o entrosamento com as pessoas, Com o texto a seguir, o professor Márcio justifi- amplia o vocabulário, desenvolve as habilidades para as ca a participação de sua turma em todas as oportunida- artes plásticas e a redação, oportuniza a pesquisa, tra- des que o projeto oferece: balha o lado emocional e a cidadania, a religiosidade, Foto: Fabricio Oliano ética, sentimentos, interdisciplinaridade e incentiva a leitura. Além disso, propicia o contato com obras clássicas, fábulas, reportagens; ajuda os alunos a desinibirem-se e adquirirem autoconfiança, estimula a imaginação e a organização do pensamento. Enfim, são incontáveis as vantagens da introdução do teatro em sala de aula. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) buscam identificar os diversos argumentos sobre a importância do conhecimento artístico. A abordagem dramática na educação admite a importância do teatro infantil e considera-o como base da educação criativa. De acordo com os PCN, o teatro na escola tem o intuito Foto: Divulgação Sesc/RS de que o aluno desenvolva um maior domínio do corpo, tornando-o expressivo, um melhor desempenho na verbalização, uma melhor capacidade para responder às situações emergentes e uma maior capacidade de organização de domínio de tempo. Estimula ainda o indivíduo no seu desenvolvimento mental e psicológico. Entretanto, apesar disso, o teatro é arte, arte que precisa ser estudada não apenas em níveis pedagógicos, mas também como uma atividade artística que tem as suas características como tal. Assim declara Reverbel (1989): Que o teatro tem a função de divertir instruindo é uma verdade que ninguém pode contestar, pois seria negar-lhe a própria história. 24 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Eu entendi que um rei tinha uma filha que ninguém queria chegar perto. Seu pai estava tão orgulhoso porque ela ia cantar num programa de TV, mas ela não conseguia cantar porque soltava um pum. Um dia ela disse para seu pai que queria se casar. Seu pai chamou todos os príncipes do reino para ela escolher um. Quando ela contava que tinha um defeito eles iam embora. Até que chegou um príncipe que aceitou se casar com ela. Esta foi a parte que mais gostei. Bruna Samira Muniz Fernandes, 9 anos (Pum! História mal cheirosa) Em todas as pontas, o projeto Teatro a Mil só traz benefícios para a sociedade. Tem o lado das crianças, dos educadores, que contam com rico conteúdo para trabalhar em sala de aula, da sociedade, que recebe cidadãos mais conscientes de seu papel, dos gestores, que tem no Sesc um parceiro que promove espetáculos de qualidade em localidades que não receberiam Foto: Divulgação Sesc/RS de outra forma, e do fomento à produção cultural. Em Charqueadas, onde 1.317 crianças assistiram ao espetáculo Ópera Monstra, da Cia. Stravaganza, a secretária de Cultura, Desporto e Lazer do município, Sandra Peres, não se cansa de agradecer a parceria firmada com o Sesc. “Ficamos encantados com o profissionalismo e desenvoltura dos atores. Todos os adultos, crianças e adolescentes que assistiram à peça ainda comentam sobre a beleza do espetáculo”, diz. Não é para menos, a companhia tem 23 anos, já encenou 22 espetáculos – 10 deles infantis –, ganhou 106 prêmios e, atualmente, tem sete peças no repertório. Foto: Divulgação Sesc/RS O Bando de Brincantes circulou com o espetáculo Jogos de Inventar, Cantar e Dançar pelas cidades de Farroupilha, Caxias do Sul, Carlos Barbosa, Carazinho, Erechim e Passo Fundo, num total de 15 apresentações. A coordenadora do grupo, artista e produtora cultural Viviane Juguero afirma que o projeto Teatro a Mil concretiza uma proposta pedagógica, artística e educativa, fundamental para a disseminação da arte teatral e para a formação de plateia. “O mais importante, no entanto, é que proporciona a milhares de crianças vivenciarem um divertimento artístico que instiga os sentidos e propõe distintas percepções do mundo, SEGUNDO SEMESTRE | 2011 25 artes cênicas Fotos: Divulgação Sesc/RS revelando que sempre é possível buscarmos olhares “Zão era muito diferentes dos convencionais, ressignificando a vida e atrapalhado e Zoraida muito engraçada. louvando a beleza das relações humanas”, ressalta. Viviane diz que as crianças já estavam traba- Eu gostei do carro e do lhando com o livro e o CD do espetáculo e, em diver- nariz dos personagens. sas ocasiões, as crianças sabiam cantar todas as músi- A peça incentiva a busca cas. “Como autora, fiquei emocionada várias vezes. Há pela aventura.” anos que o Bando de Brincantes trabalha com o Sesc, sempre em projetos de grande valor cultural, os quais proporcionam condições de trabalho dignas a artistas e técnicos. O Teatro a Mil é um projeto incrível e espero que vire Teatro a Milhões, pois é uma ação artística Vitor Gustavo dos Anjos Pedroso, e cultural maravilhosa.” 11 anos (Zão e Zoraida) TEATRO A MIL EM NÚMEROS 26 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 O Caderno de Teatro é uma seleção de entrevistas com artistas que nos últimos anos participaram do Festival Palco Giratório no Arte Sesc – Cultura por toda parte. Sua edição desempenha um papel fundamental na difusão de conhecimento. Nas páginas que seguem, apresentamos uma entrevista inédita com o russo Gennadi Bogdanov, um dos mais destacados mestres descendente direto da Biomecânica Teatral de Meyerhold. O artista esteve em Porto Alegre durante o 6º Festival Palco Giratório, realizado no mês de maio. #07 Fotos: Claudio Etges SEGUNDO SEMESTRE | 2010 2011 27 artes cênicas de Biomecânica com Kustov no Teatro O trabalho desenvolvido por Vsevolod Emilevich São poucas as pessoas que dedicaram seu tempo Meyerhold, importante encenador russo do início do para conhecer esta técnica diretamente (diferente século XX, é transmitido por poucos mestres que tive- de Vsevolod Emilevich Meyerhold quando escreveu), ram contato com sua obra e seu sistema. Entre eles, mesmo quando existe uma possibilidade. Lembro- está Gennadi Bogdanov, descendente direto da se- -me, a propósito, de um estudante da GITIS (Acade- gunda geração desta tradição. Nesta entrevista iné- mia Russa de Artes Teatrais) que pretendia assistir 20 dita, cedida pelo Centro Internacional de Estudos em minutos de aula para compreender e analisar um pro- Biomecânica Teatral de Meyerhold, na Itália, através cesso de meses de trabalho, e isto para preparar sua de seu coordenador Claudio Massimo Paternò, Gen- tese de doutorado sobre Meyerhold. Seu trabalho, nadi relata seu encontro com a Biomecânica Teatral e baseado em uma longa busca nos arquivos, não en- o trabalho com seus mestres Nikolaj Kustov e Valentin volveu uma verificação direta com a prática. Acredito Plucek, ambos atores de Meyerhold. Esses encontros que em seus 10 minutos de permanência na sala de deram continuidade ao legado de Meyerhold: seu tea- aula (sua impaciência não permitia uma "estada" mais tro, princípios, ideias e ensinamentos. longa) nós não conseguimos contribuir para enriquecer o seu trabalho. Você pode nos falar sobre a Biomecânica de Meyerhold e de como você entrou em contato com Eu não sou um teórico. Pratico a Biomecânica Teatral este sistema? de Meyerhold há 40 anos. Após me formar na GITIS como ator, trabalhei por 20 anos no Teatro de Sátira 28 Sempre escreveram muitas coisas sobre a Biomecânica de Moscou. Em 1992, retornei para a mesma institui- Teatral de Meyerhold, quase todas formuladas a partir ção, desta vez como professor, para depois trabalhar de documentos. Muitas vezes, as coisas se repetem e como formador e diretor em outras universidades, es- dificilmente enriquecem o assunto como algo que real- colas teatrais e companhias de todo o mundo. Esta é mente seja interessante. a minha atividade atual. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Os encontros Teatral de Meyerhold de Sátira de Moscou Tradução russo-italiano: Liudmila Strakh | Tradução italiano-português: Marcelo Bulgarelli * Editores: Marcello Manuali, Claudio Massimo Paternò e Marcelo Bulgarelli Vou falar apenas aquilo que conheço. Vou falar tam- Eu, jovem ator, recém-formado, tive a honra e a sorte, bém sobre a Biomecânica Teatral de Meyerhold, uma não somente de poder trabalhar em um dos teatros técnica que por 40 anos foi praticada extraoficialmente mais importantes de Moscou, mas de participar dos por poucos e estreitos colaboradores de Meyerhold, e encontros que o mesmo Plucek realizava com os 75 que hoje se redescobre. Vou fazê-lo com conhecimen- atores de sua companhia de teatro. Nesses encontros, to de causa, porque conheço a técnica diretamente, falava-se sobre a nossa profissão, sobre arte, e nunca sem filtros, pois pratiquei 20 anos como ator em um perdíamos a chance de falar sobre Meyerhold e da sua dos teatros mais importantes da URSS (União Soviética) Biomecânica teatral. e, em seguida, da Rússia. Isto porque tenho dedicado toda a minha vida para o seu desenvolvimento artístico Certo dia, quando apenas me contrataram para tra- e sua divulgação, sempre com grande generosidade. balhar neste Teatro, o diretor Plucek fez um pedido explícito no quadro de avisos e anúncios, solicitando Inicialmente, é impossível agradecer o suficiente àque- que todos os atores participassem, juntamente com le que foi o elo entre mim e a Biomecânica Teatral de outras atividades de formação, como o balé clássico, Meyerhold: Valentin Plucek. Primo de Peter Brook, Va- por exemplo, do Treinamento em Biomecânica Teatral, lentin Plucek foi por mais de 40 anos diretor artístico do com Nikolaj Kustov. Teatro de Sátira. Grande diretor no cenário teatral da URSS – as pessoas formavam filas nas primeiras horas Você pode falar mais sobre o Mestre Kustov? da manhã para comprar ingressos para seus espetáculos –, formou-se, primeiro, como ator e depois como Nikolaj Georgevic Kustov trabalhou com V. E. Meyerhold diretor, na GEKTEMAS (Instituto Teatral Experimental por muitos anos, participando no desenvolvimento da do Estado), escola dirigida por Meyerhold, sendo di- Biomecânica Teatral e na criação de muitos espetáculos – rigido por este nos lendários espetáculos O Inspetor dele podemos lembrar-nos das fotografias capturadas en- Geral, de N. Gogol, e O Percevejo, de Maiakovski. quanto ele treinava exercitando o Etude do Tiro com Arco. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 29 artes cênicas De 1971 (quando Plucek o convidou para trabalhar no todo o processo, o seu significado, e qual era a ideia de Teatro de Sátira) até 1976 (quando faleceu), ele condu- Meyerhold em relação à educação artística de um ator. ziu toda a formação de Biomecânica Teatral, trabalhan- Processo era uma palavra que Nikolaj Kustov nunca se do com um grupo de atores, na verdade, nunca fixo. cansava de repetir durante os nossos encontros. Embora, de fato, Valentin Plucek investisse e insistisse para que todos participassem constantemente da ativi- Agora, entrando em questões mais específicas sobre dade, a não obrigatoriedade do treinamento fez com esses encontros: inicialmente, aquecíamo-nos com que se formasse um pequeno grupo de participantes, uma série de exercícios que incluíam correr, saltar, de seis a oito integrantes. Plucek enxergava a mim e controlar as principais articulações do corpo e alon- Aleksej Levinskij como os únicos atores constantes e gar a musculatura. A segunda fase era a de desen- sempre presentes. Com a morte de Nikolaj Kustov, volver e fortalecer os músculos, principalmente nas Aleksej e eu fomos os únicos a levar adiante o treina- pernas, braços, abdômen e costas. Em seguida, rea- mento como ele mesmo havia nos ensinado. lizávamos exercícios acrobáticos sobre mesas e praticáveis – no início simples, e gradualmente mais com- Nikolaj Kustov ensinava rápido, com poucas e claras plexo (incluindo cambalhotas, andar sobre as mãos palavras que te possibilitavam compreender tudo. O e acrobacias em duplas e grupo). Depois, Kustov mesmo aplicava-se aos seus olhos: de um olhar seu chamava atenção para o equilíbrio: com o auxílio de podia-se ler muitas coisas. Uma pessoa muito reser- hastes colocadas em diferentes alturas, praticávamos vada e rigorosa. Em parte, por suas experiências in- exercícios de dificuldades variadas (de um simples felizes durante o período stalinista – lembre-se que caminhar a prática de danças, saltar, pular corda, pra- V. E. Meyerhold foi reabilitado somente em 1954, e ticar números de malabarismo com bolinhas, claves que ainda nos anos de 1970 permanecia, em relação e argolas). Não faltavam também exercícios rítmicos, ao seu nome, uma aura de medo – e outra devido ao incluindo o sapateado. Todo o trabalho, como men- seu caráter pouco disponível ao diálogo. As pessoas cionado anteriormente, era acompanhado por músi- demonstravam muito respeito por ele, mas poucos ca ao vivo, porque devíamos desenvolver a musicali- conseguiam aproximar-se. dade de cada gesto. Todos os exercícios tinham uma finalidade precisa: desenvolver o controle sobre seu Plucek, com seu grupo de atores, foi um dos únicos próprio mecanismo físico e aumentar a consciência artistas do meio teatral que Nikolaj Kustov tinha con- de suas ações. cordado em conduzir o que hoje posso definir de aulas de Biomecânica Teatral de Meyerhold. A última parte do treino foi dedicada ao estudo e à prática dos Etudes Clássicos da Biomecânica Teatral Como era o trabalho com o mestre Kustov? de Meyerhold. Os encontros eram sempre pontuados por músicas to- O que são os Etudes Clássicos da Biomecânica Tea- cadas ao piano pelo Maestro Boris Fingaret (da Filarmô- tral de Meyerhold? nica de Moscou). Acompanhado pela música do maestro, com Kustov ainda vivo, havíamos demonstrado os Há 70 anos que o mundo interpreta os Etudes, desde resultados do nosso trabalho (como fazia Meyerhold) o tempo de V. E. Meyerhold. Algumas pessoas pen- em duas ocasiões: a primeira na Casa dos Cientistas de sam como o resultado cênico da Biomecânica Tea- Moscou; e a segunda, em nosso teatro, atendendo ao tral; outros, céticos, os consideram como um objeto desejo de Plucek, com a presença de todos os atores arqueológico; outros ainda (e são os mais perigosos) da companhia. Da primeira demonstração, recordo da o observam como um movimento muito específico a grande emoção do público às lágrimas. Da segunda, ser estudado apenas sob a forma e não em conteúdo, recordo-me como mostramos todo o processo de tra- para depois reutilizá-los em qualquer ocasião cênica, balho – de um simples aquecimento a acrobacia. Dos somente para impressionar. exercícios rítmicos para aqueles com vários objetos. E, 30 finalmente, demonstramos os Etudes Clássicos da Bio- Como disse no início desta entrevista, falo somente da- mecânica Teatral de Meyerhold. Tudo foi apresentado quilo que sei e pratico há 40 anos. Os Etudes não são de maneira comprimida e simplificada, mas ficou claro nada disso, e somente na prática diária e constante é SEGUNDO SEMESTRE | 2011 possível entender como eles são ricos e oferecem ao ator sempre novas informações. No mundo, até hoje, somente eu, Alexei Levinskij e poucos estudantes têm a consciência clara destes Etudes. A minha tarefa aqui é oferecer uma explicação mais clara possível, na certeza, porém, que somente praticando estes Etudes é possível dar ao ator as ferramentas técnicas contida neles. Nikolaj Kustov definia o Etude como um modelo de comportamento do ator durante a execução de um espetáculo. O Etude é um exemplo para o ator de como construir uma ação teatral de um ponto de vista técnico e lhe dá a possibilidade de compreender a estrutura do gesto teatral e os princípios biomecânicos que o regem para controlar constantemente o progresso dinâmico espacial de uma ação teatral. Conhecendo o próprio corpo profundamente, enten- E tudo com uma forma precisa e com dificuldades fí- dendo como o principal meio de expressão, o ator é sicas importantes, que resultam na execução destes capaz de improvisar com a forma (etude é apenas um Etudes em um exercício completo. modelo), dando concretude à imaginação, criando metáforas e imagens em movimento. Quais são os princípios da Biomecânica Teatral de Meyerhold? O ensinamento pedagógico da Biomecânica Teatral nunca foi sistematizado no papel por seu criador Meyerhold, que temia a transmissão da técnica por pessoas despreparadas Quais efeitos você encontrou no seu trabalho após anos de trabalho com Kustov? V. E. Meyerhold nunca escreveu de modo sistemático os princípios que constituem o gesto teatral – chegam O trabalho com Nikolaj Kustov serviu muito para mim e até nós somente notas de seus assistentes e taquigra- meus companheiros. Isto não somente nas produções fias – e que podem ser definidos como os princípios da do Teatro de Sátira, mas também para desenvolver os construção da ação. O mesmo vale para Nikolaj Kustov. nossos primeiros espetáculos fora deste contexto. Neste ponto de vista, não é correto eu divulgar isto. Nenhum daqueles que conhecem a técnica e respei- Alexei Levinskij formou-se como ator na Escola Studio tam a vontade do Meyerhold falaram sobre isso, exceto del M. A. T. Ele frequentava as aulas gratuitas de direção pela prática em sala de trabalho. da GITIS . Isto permitiu que ele tivesse um grupo de atores que se engajavam nas primeiras montagens seguin- Digo somente que os princípios da construção da do os princípios da Biomecânica Teatral. Em tudo isto, ação trabalham sobre a dinâmica, o controle, o traba- Nikolaj Kustov era uma testemunha, e mesmo fora do lho com o espaço, a coordenação e a cooperação de trabalho, ele expressava sua opinião com moderação. todos os compartimentos do corpo. Trabalham tam- A sua morte não interrompeu este processo. Nós tra- bém com o equilíbrio, a conservação da energia e a balhamos com textos de Garcia Lorca, Molière, Brecht, racionalização de cada ação, gesto e movimento do Carlo Gozzi. Tínhamos nos interessado na Comédie- ator. Outro aspecto igualmente importante é o desen- -Française a na Commedia dell'Arte, trabalhando da volvimento de excitabilidade reflexa. Vou citar apenas nossa maneira para encontrar o nosso trabalho teatral. os nomes dos princípios que constituem uma frase de ação: Otkaz, Posil, Tocka ou Stoika. Cada um destes Tudo isto para desenvolver os temas que já entre 1918- termos corresponde a uma etapa claramente identi- 1920 Meyerhold percorria: a improvisação, a pantomi- ficável na ação teatral. Associados a estes, temos o ma, o controle técnico sobre a máscara e o trabalho Tormoz ou controle, e o Rakurs – um termo muito caro sobre o palco. a Eisenstein (um dos mais importantes alunos de V. E. Meyerhold) – que é conectado com o trabalho do Desfrutando do fato de que Aleksej Levinskij frequen- corpo no espaço em relação ao ritmo. Outro termo é tava as aulas, fomos capazes de demonstrar o nosso o Gruppirovka – o centro do ator. trabalho na faculdade de direção da GITIS. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 31 artes cênicas Em 1983, decidimos então trabalhar com um autor primeira vez apenas para amigos e atores no teatro, "novo" para a URSS: Samuel Beckett, em Esperan- em uma pequena sala de ensaios (Beckett era ainda do Godot. O elenco, composto por todos os atores censurado), estreou com o advento da perestróica em que tinham estudado com Nikolaj Kustov, como Alek- 22 de outubro 1987, em ocasião da inauguração da sala sej Levinskij (que também dirigiu), Oleg Sevostianov, Malaia, do Teatro de Sátira, e após seguir temporada Alexander Voevodin, eu e meu filho (para a parte do no Teatro Ermolova. menino). O trabalho foi criado coletivamente. Não houve líderes e tudo se baseava na colaboração e no Como e quando você começou a transmitir trabalho em equipe – modo típico de trabalho da Bio- esta técnica? mecânica Teatral de Meyerhold. No final dos anos de 1980, comecei a me perguntar Utilizar um texto dramático do Teatro do Absurdo ofe- como compartilhar esse conhecimento e como trans- recia a nós, atores, e ao diretor a possibilidade de de- mitir aos outros essa técnica. Passaram-se quase 20 senvolver plenamente o nosso potencial expressivo, anos do encontro com Nikolaj Kustov. Anos de trei- construindo ações teatrais precisas, todas controladas namento pesado e muita prática. Compreendi com o pela técnica. Para nós, o trabalho tinha um significado tempo toda a complexidade de uma técnica que parte que ia além das questões e fatos artísticos, tornando-se do treinamento como base para conhecer, organizar e um espetáculo quase autobiográfico. desenvolver os meios de expressão do ator. Gostaria de saber se já era o momento de ensinar, e então co- Nesse espetáculo, eu representava, com máscara, o mecei a fazê-lo com cautela. Acho engraçado pensan- personagem Lucky. Durante os ensaios, definia preci- do sobre o que acontece hoje. Muitas pessoas frequen- samente todos os pensamentos do meu personagem, tam qualquer curso ou simplesmente assistem alguma que foram criados, antes, com excepcionais possibili- demonstração e começam a ensinar. Isso é exatamente dades expressivas. Foi definitivamente o ponto alto do o que V. E. Meyerhold temia e procurava combater, não nosso trabalho cênico. A montagem, encenada pela sistematizando no papel todo o ensinamento pedagógico da Biomecânica Teatral. O mestre e seu discípulo Marcelo Bulgarelli demonstram a técnica do "golpe da adaga", parte dos Estudos Clássicos da Biomecânica Teatral Em 1992, propus a S. Isaev, reitor da GITIS, academia na qual sempre mantive relações após a minha formação, a criação de um curso específico de Biomecânica Teatral com um programa estabelecido e aberto aos estudantes de interpretação e direção. Paralelamente, enviei um programa didático ao Mime Centrum e a Escola d’Arte Drammatica Ernst Busch, em Berlim (na qual até hoje sou colaborador). Isto me permitiu portar a técnica em várias estruturas teatrais e universidades estrangeiras. Dentro deste projeto, a partir desta ideia, com a colaboração do Mine Centrum e do seu diretor, Thilo Wittenbecher, e apoiada pelo reitor Isaev, foi criado, dentro da GITIS, uma estrutura que permitia aos estudantes estrangeiros frequentar as aulas da Escola Internacional de Biomecânica. Esta experiência durou até o final dos anos de 1990, quando deixei definitivamente a GITIS. Como pode ser vista a Biomecânica Teatral de Meyerhold no teatro contemporâneo? O que eu e meus colegas de várias partes do mundo havíamos notado é como a Biomecânica Teatral de 32 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Meyerhold é capaz de potencializar a técnica individual do ator e o trabalho em grupo. Ela evidencia não só um simples treinamento ou técnica – como pode ser o movimento cênico – mas também um verdadeiro e próprio sistema teatral. A Biomecânica Teatral fornece um código comum, uma terminologia específica, um conjunto de tarefas e de modelos técnicos – resultado da experiência prática acumulada por V. E. Meyerhold, nos quais os atores se baseavam para o trabalho em conjunto. Lembro-me das experiências positivas na França, com uma companhia de atores de diferentes nações e línguas (neste caso, também fui o codiretor do espetáculo), e em Berlim com o meu estudante T. Ostermaier, diretor artístico e diretor do Teatro Schaubühne. Em ambas as ocasiões, o treinamento criou uma linguagem interna que se movia além do indivíduo, criando um amálgama em conjunto. Este trabalho nos levou a resultados excepcionais com o espetáculo O Homem é Homem, de B. Brecht, do Teatro Nacional Alemão, em Berlim (dirigido por mim e Ostermaier). Fomos convidados para o Festival de Avignon (França) e, na Durante o 6º Festival Palco Giratório, em Porto Alegre, Bogdanov ministrou oficina de introdução ao treinamento da Biomecânica Teatral de Meyerhold Inglaterra, como diretor da Companhia Talia Theatre (indicado para Melhor Elenco no Festival Internacional de Edimburgo). Para finalizar, atualmente, onde você da continuidade ao seu trabalho? participação de estudantes, provenientes de várias Após a experiência na GITIS e na Escola Internacional partes do mundo, em cursos de formação. Em 2009, de Biomecânica, em Moscou, o meu trabalho peda- com um grupo de atores estáveis, sob a minha direção, gógico junto a Claudio Massimo Paternò (meu aluno montamos George Dandin ou o Marido Enganado, de desde 1998) não parou. Estamos dando continuidade Molière, produzido pelo Teatro CRT de Milão. ao trabalho na Itália pelo Centro Internacional de Estudos de Biomecânica Teatral. Esta nova experiência me Antes de finalizar, não posso deixar de agradecer ao oferece a possibilidade de desenvolver, de maneira es- meu mestre Nikolaj Kustov por ter me transmitido pecífica e contínua, desde 2004, um programa didático essa técnica teatral; e ao meu diretor, Valentin Plucek, e a organização de uma estrutura dedicada e indepen- sem o qual a Biomecânica Teatral, exatamente como dente, capaz de assegurar a transmissão desse sistema Meyerhold tinha estruturado ao fim de um longo pro- de forma ordenada. Atualmente, os resultados são a cesso, jamais chegaria até nós. * Marcelo Bulgarelli é ator, integrante do Teatro Torto. Desde 2008, é aluno de Gennadi Bogdanov, sendo seu assistente na sessão de trabalhos práticos intitulado Os estudos clássicos da Biomecânica Teatral de Meyerhold, realizado no Brasil em maio de 2011, dentro da programação do 6º Festival Palco Giratório Sesc – Porto Alegre. REFERÊNCIAS: “Mejerchol’d” B. Picon Vallin, 2006 MTTMedizioni, Perugia “Ecrite sur le Theatre” Mejerchol’d, traduzione B. Picon Vallin, Age d’Homme, Paris “L’attore biomeccanico”, Mejerchol’d, Ubu Libri, Milano “L’Arte segreta dell’attore”, Barba-Savarese, Ubu libri, Milano “Scena”, 09/1976, Milano “Das Theater Meyerholds und die Biomechanik”, Jörg Bochow, Alexander Verlang, Berlin O Teatro das Classes de Meyerhold Biomecânica com Kustov no Teatro de Moscou de Sátira. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 33 música Projeto temático promove programações identificadas com o desenvolvimento histórico da música no Brasil O projeto Sonora Brasil busca despertar no pú- Montenegro, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Ibirubá blico um olhar crítico sobre a produção e sobre os me- e Passo Fundo. Esta metodologia faz com que as mes- canismos de difusão de música no país, incentivando mas comunidades tenham contato com todos os gru- novas práticas e novos hábitos de apreciação musical pos do mesmo tema, contribuindo significativamente a partir de apresentações de caráter essencialmen- para o conjunto de ações desenvolvidas pelo Sesc te acústico que valorizam a pureza do som e a qua- com vistas à formação de plateia. lidade das obras e de seus intérpretes. A cada ano, O diretor-geral do Departamento Nacional o Sesc define um tema e entorno dele reúne artistas do Sesc, Maron Emile Abi-Abib, no catálogo que dedicados a uma obra de fundamentação artística não apresenta a programação do biênio 2011-2012, comercial, o que possibilita às populações de locali- destaca que a instituição criou o Sonora Brasil, há dades do país inteiro o contato com a qualidade e a 14 anos, por entender que é na diversidade que es- diversidade da música brasileira. tão as raízes de riqueza cultural do país. Segundo Em 2011, na 14ª edição do Sonora Brasil, o Sesc ele, o projeto percorre os mais variados recantos inovou ao apresentar dois temas – Sotaques do Fole do país levando ao público um panorama histórico e Sagrados Mistérios – com a participação de quatro da nossa música e mostrando ritmos e instrumen- grupos em cada. Os grupos estão se alternando pe- tos pouco difundidos no universo musical brasileiro, las regiões brasileiras e a circulação será concluída ao mas que retratam a realidade de nossas diversas final de 2012. Cada um dos oito grupos participan- culturas. “Hoje, consolidado como iniciativa das tes realiza em torno de 70 apresentações por ano em mais relevantes para o país, o Sonora apresenta a formato de circuito pelas mais remotas localidades, o arte genuína, regional, rica na sua brasilidade, uma que proporciona aos músicos uma experiência ímpar mistura de sotaques com a marca da diversidade.” de difusão do trabalho e impulsão da carreira. 34 Entre os temas do projeto em anos anteriores, Circularam pelo Rio Grande do Sul, em 2011, estiveram A Obra de Cláudio Santoro e Guerra-Peixe, os quatro grupos relacionados ao tema Sotaques do em 2010; Violão Brasileiro, marcando a participação Fole. As sete cidades envolvidas, que receberam 28 do primeiro gaúcho no Sonora: Daniel Wolf, em 2009; apresentações, foram Porto Alegre, São Leopoldo, e A Música de Heitor Villa-Lobos, em 2008. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 O tema Sagrados Mistérios: vozes do Brasil foi apresentado, em 2011, nas regiões Norte, Nor- Foto: Cesar Duarte O som da devoção Quarteto Colonial é o representante da música sacra no tema Sagrados Mistérios: vozes do Brasil, que circulará em 2012 no Rio Grande do Sul deste e Centro-oeste e, no próximo ano, circulará por cidades das regiões Sul e Sudeste. Quatro grupos apresentam a música das festividades populares em devoção às entidades religiosas. Inspirados na dente e dos colonizadores portugueses, os cânticos entoam o sagrado e o profano, exaltando louvores espirituais. Entre as formas mais conhecidas, estão hinos, poemas litúrgicos, antífonas, lamentações, oratórios, réquiens, cantatas. Foto: Marcos Gatinho tradição oral vinda da cultura indígena, afrodescen- Do Pará, a Comitiva de São Benedito da Marujada de Bragança, grupo constituído para levar os ritmos afro-brasileiros roda, retumbão e choraouvintes do Sonora Brasil, representa a manifestação cultural em que foliões saem às ruas rezando ladainhas para celebrar São Benedito, do Pará até o Maranhão, de abril a dezembro. A comitiva que se apresenta no Rio Grande do Sul em 2012 é formada Foto: Marcos Gatinho do e os europeus mazurca, xote e contradança aos pelos cantadores Zezinho Brito, rezador há mais de 20 anos, Rafael Almeida, Waldir Santos e Nazareno Nascimento, que, além de entoarem os cânticos, SEGUNDO SEMESTRE | 2010 2011 35 música tocam tambor, pandeiro, reco-reco e onça (cuíca nas práticas da tradição oral, e suas características grave), Mestre Zito, rabequeiro oficial do evento, e interpretativas traduzem a força alcançada pela re- Júnior Soares, cantador, banjista e violonista, e pes- lação de devoção ao Divino Espírito Santo. quisador da cultura amazônica. Entre os elementos mais importantes da Fes- Meu Divino Espírito Santo ta do Divino, que ocorre em diversas cidades do Quem é vós e quem sou eu Maranhão, estão as caixeiras, senhoras devotas que Sou uma pobre pecadora cantam e tocam caixas. Elas têm a responsabilidade E Vós é um Senhor Deus de conhecer todo o ritual, seu variado repertório e (refrão de Espírito Santo Dobrado) ainda ter a habilidade do improviso para responder a situações imprevistas no decorrer dos festejos, A Banda de Congo Panela de Barro represen- que podem durar até 15 dias. No Sonora, repre- ta a principal manifestação oral capixaba. O congo é sentam esta importante manifestação Dona Maria entoado para São Benedito e, em alguns locais, São Rosa, Dona Maria de Jesus, Dona Zezé de Iemanjá, Sebastião, São Pedro e Nossa Senhora da Penha. As- Dona Rosa Barbosa e Dona Rosa de Coxo, as Caixei- sociada a um naufrágio ocorrido no litoral do Espírito ras do Divino de São Luís do Maranhão. O canto em Santo, quando um grupo de escravos se salvou agar- uníssono ou duas vozes pode apresentar variações rando-se a um mastro com a imagem de São Benedi- na melodia principal, como ocorre tradicionalmente to, a cerimônia profano-religiosa é registrada desde Acordeom: símbolo da diversidade musical brasileira Nas 14ª e 15ª edições do Sonora Brasil, Sotaques do Fole apresenta o acordeom em suas variantes regionais ligadas à tradição oral, trazendo a gaita-pon- Gilberto Monteiro com sua gaita-ponto apresenta temas mais antigos da tradição gaúcha O tema Sotaques do Fole traz o som do acorde- to com o músico gaúcho Gilberto Monteiro, a sanfona om, também conhecido como sanfona, gaita, harmônica de oito baixos do pernambucano Truvinca (PE), e o e fisarmônica, de acordo com a região. Com precursores acordeom de 120 baixos, com Dino Rocha, do Mato que remetem à antiguidade chinesa, o instrumento ga- Grosso do Sul. Em um contraponto com a tradição nhou ainda o fole e foi utilizado por vários povos, entre oral, o projeto traz o duo de acordeons Ferragutti/ eles, gregos, romanos e germânicos. Depois de passar Kramer, que apresenta composições modernas e con- por diversas culturas e adaptações, o acordeom é hoje temporâneas relacionadas à música de concerto e a um símbolo da diversidade musical brasileira. outras formas ligadas à vertente acadêmica. Todos Foto: Thiago Moreira circularam pelo Rio Grande do Sul em 2011. Instrumentista e compositor, nascido na cidade de Santiago do Boqueirão, Gilberto Monteiro é considerado um dos mais importantes músicos do Estado. Seu instrumento é conhecido no sul como gaita-ponto, gaita de duas conversas ou acordeona de oito baixos, a gaita sulista é diatônica, ou seja, funciona pelo sistema de “voz trocada”, em que cada botão gera dois sons distintos, dependendo da direção do movimento no fole. Diferente do acordeom de teclado, em que cada tecla corresponde a uma única nota, independentemente do movimento do fole. Sonoro, resistente à umidade, fácil de conduzir, capaz de animar toda uma sala de baile, impõe-se como instrumento solista, substituto da rabeca e da 36 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 o século XIX. A participação da Panela de Barro inicia jeto do Sesc a música sacra brasileira de concerto. As em 8 de dezembro, quando segue em procissão em músicas apresentadas pelo grupo partem da obra do direção à mata para a cortada do mastro. No dia 25, Padre José Maurício Nunes Garcia (1767 – 1830), que a procissão chega à igreja católica local para a finca- foi mestre de capela da Sé e, posteriormente, da Ca- da do mastro, que recebe a benção e permanece até pela Real, passando pela obra de compositores mo- a Páscoa. Em todas as etapas, são entoados cânticos dernos e contemporâneos inspirada nesse universo. de devoção ao santo e, após cada cerimônia, a população segue com a festa. Foi eu quem mandou buscar Amor de congo é batuque Morena, vamos sambar (Amor de Congo) O Quarteto Colonial, do Rio de Janeiro, for- Foto: Tom Boechat/Usina de Imagem Foi eu, foi eu A Banda de Congo Panela de Barro simboliza a principal manifestação oral do Espírito Santo mado por Doriana Mendes, Daniela Mesquita, Geilson Santos e Luiz Kleber Queiroz, apresenta no pro- viola em temas musicais que acompanham as dan- “Pensar em sanfona é pensar ças tradicionais gaúchas em ritmos de vaneras, vane- no povo brasileiro. rões, chamamés, chamarritas, contra-passos, xotes, bugios, milongas e rancheiras. Na sua diversidade cultural Em 2011, em circulação pelo Sonora Brasil, e geográfica. Na solidão dos acompanhado de Eduardo Cantero no violão e Fer- pampas gaúchos e dos aboios nando Gorrie na percussão, Gilberto Monteiro levou a música de Tia Bela, Tio Bilia, Nego Laranjeira, em nordestinos. No colorido um resgate dos temas mais antigos, a ouvintes das dos reizados, na graça dos regiões Sul e Sudeste. “Fazemos um show quase ar- fandangos, na imensidão dos caico, apresentando a música da minha região, com sons pantaneiros, na cadência a nossa maneira de tocar, de músicos de rincão, não de radio, e a receptividade tem sido ótima, repleta das rancheiras, na alegria dos de carinho e respeito”, conta. calangos e dos forrós. O compositor de Milonga para as Missões, eternizada na gaita de Renato Borghetti e recentemente gravada pela dupla pop Victor e Leo, diz que toca o que aprendeu “de berço”. “Minha faculdade é A sanfona exprime a alma dessa gente no sopro de seus foles.” meu convívio com amigos, tocando com grandes músicos, minha família de músicos de campo, uma músi- Lêda Dias, ca bem raiz, e procuro transmitir isso, que é a nossa historiadora e aprendiz de fole de oito baixos bandeira”, explica. Gilberto Monteiro, que tocou com (Sotaques do Fole, SESC, Departamento o violonista Lucio Yanel em uma parceria de mais de Nacional, 2011) 20 anos, já levou a sua gaita, instrumento de maior representação da música gaúcha, por toda a América Latina, Estados Unidos, França e Alemanha. SEGUNDO SEMESTRE | 2010 2011 37 música O programa Arte Sesc ampliou sua atuação na divulgação da música tradicionalista do Rio Grande do Sul em 2011. Músicos como Renato Borghetti, Leonel Gomes, Neto Fagundes, Wilson Paim, além de Robison Boeira e Lucio Yanel, entre outros, realizaram mais de 60 apresentações em 34 cidades. Luiz Carlos Borges, acompanhado dos músicos Yuri Menezes (guitarra), Marco Michelon (bateria) e Rodrigo Maia (baixo), fizeram 14 apresentações do espetáculo Quarteto, em dois circuitos. O cantor, compositor e acordeonista considera a promoção destes circuitos de grande importância. “A música regional gaúcha ainda não ganhou sequer o próprio Estado do Rio Grande do Sul, justamente porque são poucos os circuitos de shows, recitais e concertos no estilo, além da quase inexistência de espaços especializados para a arte regional”, justifica. Além de circular pelo Sesc, em 2011, o músico que acumula mais de 100 prêmios em 20 anos de participação ativa em festivais e no movimento nativista gravou com Yamandu Costa e os irmãos Rudi y Nini Flores, da Argentina, um CD ainda inédito com 16 temas voltados para o cancioneiro sul-americano. Borges também fez uma turnê pela Argentina e, com o parceiro Leandro Rodrigues, participou de festivais de acordeom na Bélgica e na França, como convidado especial do grande acordeonista francês Richard Galliano. A ano de 2012 promete ser ainda mais intenso. Junto com Andressa, sua esposa, o músico aguarda o nascimento de seu filho Gregório para a primeira quinzena de janeiro. Borges, que já tem 33 discos, entre LPs e CDs, gravados e mais de 200 participações em projetos de colegas, pretende terminar a gravação de outros dois, um duo de acordeom com o amigo Alessandro Kramer e outro com os componentes de seu quarteto. O grande momento ficará para o mês de outubro, quando Luiz Carlos Borges comemorará “50 anos de música” em três grandes espetáculos com amigos e convidados especiais no Teatro São Pedro. Durante a trajetória do músico considerado por muitos o mais completo do sul do Brasil – com- Luiz Carlos Borges foi um as próprias canções –, o período que mais lhe mar- dos destaques em 2011, cou ocorreu entre outubro e novembro de 2008. quando o Arte sesc promoveu “Fiz a mais importante turnê musical da minha vida mais de 60 apresentações de shows nativistas 38 põe, canta, toca acordeom e violão, além de arranjar ao lado da inesquecível amiga e hermana Mercedes Sosa, realizando a seu lado 14 concertos divididos entre Alemanha e Israel”, lembra. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Borghetti e sua fábrica de gaiteiros Projeto que resgata a arte de produzir o instrumento e ensina música a crianças e jovens conta com a parceria do Sesc/RS O primeiro contato oferecer uma oportunidade às crianças e aos jovens de Renato, ainda meni- que queiram aprender a tocar a gaita-ponto e não con- no, com a gaita-ponto seguem, seja por falta de recursos, por se tratar de um foi como um brinquedo e instrumento caro, seja por falta de informações. Bor- não como um instrumento mu- ghetti diz que por este motivo, além de proporcionar sical. A descoberta de que daquele as aulas, oferece o instrumento de fabricação própria objeto com duas caixas e um fole no meio para o ensino e para o estudo em casa. saía música ocorreu com 12, 13 anos e, a partir Aberta para visitação, a fábrica está sob a super- daí, Renato tornou-se gaiteiro. E que gaiteiro. Rena- visão direta do músico, que preza muito pela qualidade to Borghetti é um dos artistas brasileiros com carreira para que as gaitas produzidas por meio do projeto não internacional mais consolidada. Sua world music ou sejam instrumentos apenas de iniciação, mas também jazz fusion – para os gaúchos, milonga, vanerão, xote definitivos. “Além disso, criei um método que junta a ora- e chamamé – é apreciada todos os anos por milhares lidade característica do aprendizado do acordeom diatô- de pessoas em parques, teatros ou casas de jazz de nico em todo o mundo com algumas noções básicas de toda a Europa. O instrumentista é um exemplo para teoria, situando o aluno nas notas que executa”, conta. as crianças atendidas no projeto Fábrica de Gaiteiros e No município de Guaíba, onde o projeto tem estas já iniciam o aprendizado sabendo exatamente o apoio da Celulose Riograndense, 26 alunos de 8 a 15 potencial da gaita-ponto. anos iniciaram o aprendizado neste ano. Em Porto Alegre, as atividades serão desenvolvidas a partir de março de 2012, no Sesc Campestre. As aulas serão in- a fabricação do acordeom, em Guaíba, com o objetivo dividuais e, na primeira etapa, será possível trabalhar de resgatar esta antiga tradição no Rio Grande do Sul, com 20 alunos. “Nossa prioridade não é formar músi- referência nacional no passado com mais de 20 indús- cos profissionais, mas nada impede que isso aconteça trias. Atualmente, todas estão fechadas ou mudaram no futuro, o que seria muito gratificante para nós e uma o ramo de atividade. A outra finalidade do projeto é sensação de dever cumprido.” Foto: Divulgação Borghetti está envolvido com o projeto coordenado por sua Fundação desde 2010, quando teve início SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Com 26 alunos, turma de Guaíba iniciou as aulas em 2011. No próximo ano, projeto será desenvolvido no Sesc Campestre, em Porto Alegre 39 música Pelotas vai respirar música novamente centenas de músicos de diversos países são aguardados para a segunda edição do festival internacional sesc de música, de 9 a 21 de janeiro Fotos: Laureano Bittencourt de 2012 40 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 O I Festival Internacional Sesc de Música de Pelotas realizado em janeiro de 2011, representou para o Sesc um marco na promoção de um grande evento musical capaz de integrar músicos renomados, estudantes, profissionais da música e a comunidade. Após a realização desse evento, não temos receio em afirmar que um passo importante foi dado no sentido de inserção de um novo espaço para a música de concerto no sul do Brasil; que a realização dos concertos, dos recitais, das oficinas e cursos fez com que público, profissionais da imprensa, músicos, professores de música e estudantes concentrassem sua atenção para esse evento. Idealizado com o desejo de incentivar o desenvolvimento da produção musical, fomentar o intercâmbio, a fruição de bens culturais, firmar um espaço para a música no sul do Brasil e resgatar valores culturais que caracterizaram a cidade de Pelotas, a edição de 2012 busca consolidar estes objetivos. Integrando a programação do Arte Sesc – Cultura por toda a parte, o II Festival Internacional Sesc de Música de Pelotas, a ser realizado de 9 a 21 de janeiro de 2012, passa a integrar o calendário cultural do Estado, estimulando estudantes e meio artístico, promovendo o desenvolvimento de parcerias estratégicas, além do incremento econômico para cidade de Pelotas. A abordagem pedagógica, o tratamento individual e integral do aluno, em que o aspecto técnico-musical foi desenvolvido com base em um trabalho reflexivo de autoconhecimento e de potencialização da prática interpretativa, foi um dos diferenciais da primeira edição. O evento possibilitou o contato de jovens estudantes com músicos de reconhecida carreira artística e atividade pedagógica nacional e internacional, propiciando intenso intercâmbio de ideias e vivências. E ainda, considerando a realidade brasileira, por meio de concertos do circuito popular e da música nos bairros, o evento realizou, em parceria com o município, atividades direcionadas a comunidades carentes e grupos especiais com ações em centros de idosos e nos hospitais. Em resumo, é de suma importância que o Rio Grande do Sul, estrategicamente situado em relação aos outros países do Mercosul, mantenha um projeto desta natureza, trazendo aos estudantes e professores da área musical a possibilidade de conviver, aprender, reciclar e trocar experiências e oferecer ao público alternativas de vivências culturais multifacetadas. Informações sobre o Festival em www.sesc-rs.com.br/festival SEGUNDO SEMESTRE | 2011 41 música Festivais de música: "ambiente ideal" para estudantes, cultura e entretenimento para o público Por Max Uriarte, pianista/coordenador de Música de Câmara do F. I. Sesc de Música 42 Na trajetória do indivíduo que se dedica seria- em que, além das aulas de instrumento e matérias te- mente ao estudo da música ocorre um contínuo pro- óricas básicas, são necessárias tantas outras situações cesso de desenvolvimento, através do qual ele procura e atividades ligadas à prática da música. Todo estudan- sempre descobrir novas e inexploradas facetas da arte te de música aspira à existência de um “ambiente ide- dos sons. A técnica instrumental, a compreensão mu- al”, onde ele teria tempo integral para o estudo, aulas sical, e consequentemente a interpretação de obras com professores altamente credenciados, possibilida- musicais são aspectos que sofrem constantes trans- des de conhecer novas obras musicais em concertos formações durante todo o caminho percorrido por um e representações ao vivo nas execuções de destacados profissional desta arte. A confrontação cotidiana com o intérpretes e, também, a oportunidade de atuar nas universo musical faz com que o músico seja estimulado mais variadas formações instrumentais. a se renovar diariamente. A sua capacidade de renova- Se além de tudo isso, este mesmo aluno ainda ção se deve, por um lado, à parcela de talento inerente pudesse conviver com outros estudantes provenientes a cada ser humano e, por outro, à qualidade de sua de outros meios musicais, realizando, assim, um valio- formação musical, que lhe fornece as ferramentas ne- so intercâmbio de conhecimentos e adicionando im- cessárias para poder empreender esta jornada sempre portantes experiências que o fizessem crescer como nova, de busca e aperfeiçoamento ilimitados. ser humano – tudo isso emoldurado pelo espírito de Por esta razão, é de suma importância a fase de confraternização através da música –, o quadro estaria aprendizado para um músico, na qual ele estará cons- completo. Em resumo, viver e respirar música 24 horas truindo as futuras bases para toda a sua vida profissio- por dia. E isto é exatamente o que o estudante vivencia nal. Inúmeros fatores contribuem para este processo, no “ambiente ideal” dos festivais de música. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 A primeira década do século XXI contou com o surgimento de importantes festivais internacionais de música no Brasil, sobretudo no período do verão, uma vez que no inverno já existiam eventos de grande porte afirmados ao longo de muitos anos e que já eram referenciais para os estudantes brasileiros e estrangeiros, como o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão (SP) e o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga (Juiz de Fora /MG). No mês de janeiro, a Oficina de Música de Curitiba (PR) já era um tradicional ponto de encontro dos alunos de música há quase três décadas. Entre os principais festivais surgidos nos últimos anos e realizados nos meses de verão estão o Festival Música nas Montanhas (Poços de Caldas/MG), o Festival de Música de Santa Catarina (Jaraguá do Sul/SC) e o Festival Internacional de Música Verões Musicais (Gramado-Canela/RS), que funcionou em seis edições, de 2001 a 2006. A primeira edição do Festival Internacional Sesc de Música realizado em Pelotas (RS) no mês de fevereiro de 2011 veio preencher uma grande lacuna existente no desenvolvimento e na difusão da música de concerto no Rio Grande do Sul. O imenso sucesso obtido nesta primeira edição através de uma eficiente proposta pedagógica e de uma programação de eventos cuidadosamente elaborada para oferecer uma grande variedade de entretenimento, culminou na extraordinária resposta de público, tanto de estudantes inscritos nos cursos como de espectadores que superlotaram as tradicionais salas de espetáculos de Pelotas, aplaudindo com entusiasmo todas as apresentações durante as duas semanas em que se desenvolveu o festival. Anunciada com grande alegria ao final da primeira edição, a segunda edição do Festival Internacional Sesc de Música, que será realizada de 9 a 21 de janeiro de 2012 em Pelotas, promete trazer grandes nomes nacionais e internacionais da música erudita e uma programação que certamente superará em brilhantismo a da edição passada, visando adequar-se, assim, ao especial momento em que a cidade de Pelotas comemora seus dois séculos de existência. principais festivais de verão na internet Oficina de Música de Curitiba: www.oficinademusica.org.br Festival de Música de Santa Catarina: www.femusc.com.br Festival Música nas Montanhas: www.festivalmusicanasmontanhas.com.br SEGUNDO SEMESTRE | 2011 43 Parceira do Sesc por meio do Programadora Brasil – programa cinema que contribui de maneira decisiva para modificar a situação de distanciamento entre o público e o cinema produzido no país –, a Cinemateca Brasileira é a A do naci instituição responsável pela preservação da produção audiovisual nacional. Criada a partir de um clube de cinema, hoje conta com um acervo de 44 mil títulos, entre filmes e edições de cinejornais, um dos maiores da América Latina, além de contar com um laboratório de restauração reconhecido como exemplo em todo o mundo. Nesta entrevista, Carlos Magalhães, diretor executivo da instituição há quase 10 anos, conta um pouco desta história. 44 A Cinemateca foi criada a partir da mobilização de do curso de Filosofia da USP, entre eles: Paulo Emí- pessoas em prol da preservação da memória do au- lio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e Antonio diovisual produzido no Brasil. Conte-nos a história Candido de Mello e Souza. da instituição até fazer parte do governo federal e O Clube foi fechado pela polícia do Estado que personagem o senhor destaca nesta trajetória? Novo e, depois de diversas tentativas de se organiza- A Cinemateca foi criada a partir da iniciativa de inte- rem cineclubes, foi inaugurado, em 1946, o segundo lectuais admiradores de cinema, que organizaram o Clube de Cinema de São Paulo. Seu acervo de filmes Clube de Cinema de São Paulo em 1940 e estiveram constituiu a Filmoteca do Museu de Arte Moderna em contato direto com o movimento de criação da (MAM), que viria a se tornar uma das primeiras institui- Cinemateca Francesa, uma das primeiras do mundo. ções de arquivos de filmes a se filiar à FIAF – Federação Os fundadores desse Clube eram jovens estudantes Internacional de Arquivos de Filmes, em 1948. A par- SEGUNDO SEMESTRE | 2011 casa cinema ional tir de 1956, passou a se chamar Cinemateca Brasileira conseguiu a cessão do terreno em que fica a nossa e assumiu, em 1961, o formato jurídico de Fundação, sede, em 1988, pela Prefeitura Municipal de São Pau- extinta em 1984, quando a Cinemateca Brasileira foi lo, e vem desempenhando um importante papel ainda incorporada ao governo federal como um órgão do hoje, como Conselheiro da instituição e como Secre- então Ministério de Educação e Cultura (MEC). Desde tário Municipal de Cultura de São Paulo. 2003, está vinculada à Secretaria do Audiovisual. A Cinemateca Brasileira é resultado do esforço Já são 10 anos à frente da instituição. Por quais de muitas pessoas, mas sem dúvida o empenho de transformações passou à Cinemateca neste período? Paulo Emílio Salles Gomes, tanto para a sua fundação Assumi a Direção Executiva da Cinemateca Brasileira quanto para a sua consolidação, foi notável. Desta- em 2002, quando a instituição estava prestes a se vin- co também a atuação de Carlos Augusto Calil, que cular à Secretaria do Audiovisual e contava com cerca SEGUNDO SEMESTRE | 2010 2011 45 cinema de 60 colaboradores, entre servidores públicos, técni- Quais são as obras mais importantes que compõem cos e estagiários. O principal projeto em andamento o acervo da Cinemateca? naquele período era o Censo Cinematográfico Brasi- A Cinemateca conta com um acervo de mais de 44 mil leiro, uma extensa pesquisa sobre o acervo, que teve títulos (aí incluídos longas e curtas-metragens e edi- como resultado a publicação na internet da base de ções de cinejornais que compõem o acervo). Conside- dados Filmografia Brasileira, que registra toda a pro- rando que, apenas do período do cinema mudo (até a dução cinematográfica brasileira desde 1896. década de 1930), sobraram 7% de todos os materiais Desde então, entramos em um período de intenso crescimento e consolidação institucional, ob- cinematográficos produzidos, podemos dizer que todos os materiais “sobreviventes” são raridades. tidos principalmente com o aumento e a diversificação das parcerias estabelecidas e com a elaboração Como ocorreu a recente aquisição do acervo da de outros projetos fundamentais, como o Progra- Vera Cruz e da Atlântida e em que estado de con- ma de Restauro de Filmes, que está em sua segun- servação estavam? da edição e conta com o patrocínio da Petrobras, A Cinemateca recebe doações e depósitos, não ad- o Programa de Preservação e Difusão de Acervos quire materiais diretamente. O Ministério da Cultura Audiovisuais e diversas mostras que já se tornaram instituiu em 2008 uma importante política de aquisição parte do calendário cultural da cidade de São Paulo, de acervos, no âmbito do Programa de Preservação como a Jornada Brasileira do Cinema Silencioso e a de Acervos Audiovisuais, que a Cinemateca executa Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do – recebe os acervos para incorporação, tratamento e Sul, iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos da acesso. Com isso, o poder público assume responsabi- Presidência da República. lidade pela conservação e pelo amplo acesso a acervos Conseguimos, ao longo desse tempo, esta- de valor inestimável para a preservação da memória belecer projetos que garantiram a modernização da cultural brasileira e que, sem os cuidados necessários, sede e o aumento considerável do quadro de funcio- poderiam se perder ainda mais rapidamente do que já nários, que hoje passa de 220 pessoas. Esse processo verificamos, infelizmente, ao longo da história da pro- contou com o apoio fundamental da Sociedade Ami- dução cinematográfica no Brasil. Esses dois acervos gos da Cinemateca no estabelecimento de parcerias foram adquiridos pelo MinC como parte desta política. com a iniciativa pública – nas esferas municipal, esta- Lamentavelmente, os acervos que chegam para serem dual e federal – e privada. Além disso, contamos com incorporados na Cinemateca quase sempre apresen- o entendimento do Ministério da Cultura a respeito tam avançados processos de deterioração. da solidez com que fizemos cumprir nossa missão institucional, de preservar e difundir o patrimônio audio- O que representa todo o trabalho da Cinemateca visual brasileiro em todas as suas manifestações. E, é para a Cultura Brasileira? claro, nenhum progresso teria sido conseguido sem O trabalho da Cinemateca contribui para a preser- uma equipe muito dedicada e talentosa. vação e a difusão do patrimônio audiovisual brasi- Atingir o equilíbrio entre preservar (guardar um leiro, o que significa valorizar uma importante forma determinado conteúdo para que esteja acessível no de expressão da nossa cultura. Com os ricos acervos futuro) e difundir (ação que necessariamente desgasta sob a guarda da Cinemateca, podem ser resgatados o suporte no qual está gravado o conteúdo) é uma costumes, fatos da vida pública e privada, episódios das tarefas mais difíceis para um arquivo de filmes. históricos e o resultado da criação artística de gera- No caso da Cinemateca, podemos dizer que ele vem ções de realizadores. sendo conseguido graças a projetos que conjugam a 46 preservação de materiais e a sua difusão em mostras De que forma o público tem acesso ao acervo? temáticas. Um projeto exemplar, nesse sentido, é o Para acessar o acervo em busca de materiais para fes- Clássicos & Raros do Nosso Cinema, parceria nossa tivais ou novas produções, temos a Difusão e a Pes- com o Centro Cultural Banco do Brasil, que faz exata- quisa de Imagem; a Difusão promove mostras e pro- mente isso: gera materiais de preservação de títulos gramações ao longo de todo o ano nas nossas duas ameaçados de desaparecer e também cópias especí- salas de cinema; a Biblioteca Paulo Emílio Salles Go- ficas para a sua difusão, que são exibidas em Brasília, mes, do Centro de Documentação e Pesquisa, recebe no Rio de Janeiro e em São Paulo. consulentes de segunda a sábado. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Temos também o portal Banco de Conteúdos Culturais, no qual estão disponíveis acervos da TV Tupi, INCE, Atlântida e Vera Cruz, além de nossa coleção de cartazes e fotografias. Essa ferramenta permite dar acesso direto, via internet, a conteúdos de propriedade do MinC; esperamos ainda sensibilizar realizadores e produtoras para que também compar- Mais especificamente sobre a Programadora Brasil, que tem o Sesc como conveniado, qual o objetivo do programa e que resultados tem atingido? Trata-se de uma iniciativa da Secretaria do Audiovisual do MinC, realizada pela Cinemateca Brasileira com o apoio da sua Sociedade Amigos, que faz circular a Foto: Ozualdo Candeias tilhem seus acervos. produção de importantes filmes da cinematografia nacional de todas as épocas, gêneros e formatos. A Programadora Brasil contempla um conjunto de ações que visam à preservação e organização de acervos, gerando programas duplicados em DVD, site, catálogo, revista e folhetos. Seu objetivo principal é fomentar a circulação de obras audiovisuais brasileiras em um circuito de exibição e difusão não comercial, de modo a democratizar o acesso ao patrimônio audiovisual nacional em todo o território brasileiro. Atualmente, o catálogo da Programadora conta com 700 filmes e vídeos de todo o país, organizados em 214 programas (DVDs). No final de 2010, a Programadora Brasil contava com 1.190 instituições associadas, representando 1.351 pontos de exibição audiovisual em 707 municípios, nos 27 estados brasileiros. Ou seja, o conteúdo da Programadora Brasil chegou a 13% dos municípios do país, superando o percentual de ocupação das sa8,5%. Podemos dizer, portanto, que a Programadora Brasil está atingindo sua meta de ser uma alternativa de acesso aos filmes brasileiros. Por fim, gostaria que você fizesse uma análise do atual momento do cinema nacional. Pode-se perceber uma grande diversidade de formatos e modos de fazer, que se traduzem em desafios sobre como manter esses conteúdos acessíveis a longo prazo. Fotos: Fernando Fortes/Cinemateca Brasileira las comerciais de cinema, que é de aproximadamente Quanto à Cinemateca, enfrentamos agora um momento em que é preciso garantir institucionalmente o crescimento verificado durante os últimos anos. Temos trabalhado nisso com bastante empenho, para que esse panorama que temos atualmente não se perca no futuro. SEGUNDO SEMESTRE | 2010 2011 Carlos Magalhães está há 10 anos a frente da Cinemateca Brasileira, localizada desde 1992 no espaço do antigo Matadouro Municipal, na Vila Mariana, em São Paulo. Seus edifícios históricos, inaugurados no século XIX, são tombados e foram restaurados pela entidade 47 artes visuais Por Gilberto Perin* Na minha infância, as tardes de domingo tinham as imagens do cinema e o som do rádio com as transmissões de futebol. Isso, de certa forma, continua até hoje. O jogo no gramado era o lado visível, o que era tornado público. Mas o calor, a face mais lúdica e Os bastidores sempre estiveram humana era transmitida do vestiário ao final dos jogos. presentes na minha vida, seja por Nos dias seguintes, jornais e revistas revelavam para interesse profissional, pessoal, ou pelo prazer de decifrar códigos da vida cotidiana, artística, política ou cultural. Sinto um prazer estético e vital 48 mim fotos mais emocionantes do que aquelas das grandes jogadas em campo. As imagens mostravam a alegria, dor e exaustão nos vestiários dos times. Dando um salto no tempo, hoje os torcedores pagam, literalmente, para assistir à apresentação oficial do futebol no gramado. O vestiário está fechado, pois há interesses comerciais, afinal jogadores, técnicos e em descobrir o que produz a dirigentes devem apresentar-se para entrevistas cole- magia que sentimos quando tivas em frente às marcas que patrocinam seu clube. No final de 2009, eu quis tentar ressignificar es- estamos frente a um momento ses momentos íntimos e pessoais dos jogadores, mas único (e certo). não como uma reportagem ou relatório documental. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Lembrei, então, de uma afirmação da ensaísta Susan Sontag: “A fotografia não apenas reproduz o real, recicla-o”. Isso mesmo, eu queria reciclar a minha memória e lembrança, com a minha experiência atual de vida, estética e emocional. Aqui, cito um fragmento de texto do escritor Aldyr Garcia Schlee no livro Camisa Brasileira, onde parte do ensaio fotográfico que fiz nos vestiários do Grêmio Esportivo Brasil, da cidade de Pelotas (RS), foi publicado. Diz Schlee: “(...) a foto como suporte da memória, como formadora da memória, como memória mesma, faz-se não como espelho mas como revelação e epifania. Isso porque Perin não esteve interessado em criar imagens para depois tentar encaixá-las em uma determinada realidade: ele simplesmente partiu e se aproveitou da realidade dada para criar imagens novas, reveladoras de outras realidades insuspeitadas e grandiloquentes.” Quando pensei nesse projeto, digamos que a parte teórica estava bem clara para mim: colocar o meu olhar estético sobre o tema. Contudo, as dificuldades surgiram logo, afinal nenhum clube que tentei no Rio Grande do Sul me autorizava a realizar esse ensaio fotográfico. Um deles, inclusive, confirmou e no dia anterior ao início do campeonato gaúcho, os responsáveis passaram a não atender mais nenhum telefonema meu. A ideia de realizar fotografias nesse mundo fechado do futebol era vista com estranheza e até desconfiança. Eu não queria fotografar um clube cheio de “estrelas”, onde as dificuldades seriam maiores, tanto do ponto de vista prático como de resultado estético, afinal para mim não importavam os grandes nomes, mas a emoção e a espontaneidade – requisitos que eu acreditava serem mais difíceis num ambiente com mais interesses de marketing e econômicos envolvidos. Por meio de Aldyr Garcia Schlee, escritor, criador do uniforme da seleção brasileira de futebol e fanático torcedor do G. E. Brasil, consegui me aproximar de Helder Lopes, presidente do clube na época, que autorizou o ensaio fotográfico. A partir desse momento, tudo mudou. Conversei uma única vez com todos os jogadores e comissão técnica, expliquei o projeto e fiz “um pacto de invisibilidade” com eles. Combinei que ficaria “invisível”, sem interferir na rotina do vestiário. Para captar a intimidade deles, paradoxalmente, evitei a convivência mais próxima. Assim, pude me movimentar durante quatro meses pelos vestiários onde o Brasil disputava a segunda divisão do campeonato gaúcho, sem nenhuma restrição. Com o máximo de liberdade, consegui dar a minha visão estética e emocional de gente que se encontra em momentos limite de tensão, alegria, disputa. E, também, é claro, revelar um mundo desconhecido (e proibido) para torcedores e mídia. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 49 artes visuais Schlee descreveu assim a sua interpretação dessas fotografias: “Não é um álbum de recordações (...) seus ídolos, em 2009; além da dificuldade para deixar a segunda divisão do campeonato gaúcho. mas um belíssimo ensaio sobre solidão, a preocupação No entanto, o clube tem uma boa estrutura e e o medo; a solidariedade, a confiança e o contentamen- tem contratado jogadores de diversas partes, inclusive to. (...) a estética, a luz e a magia dos instantâneos são alguns com experiência fora do país. Quando fotogra- trespassadas pela crueza da realidade que as imagens fei os vestiários do clube, havia 30 jogadores oriundos de Perin escondem (ou revelam). Seus personagens de 10 estados, proporcionando uma interessante mis- parecerão derrotados, excitados, lastimados, solitários tura de tipos de homens brasileiros que se reflete nas – mas, antes de tudo, aparecem tal como são, indiferen- imagens. Fiz aproximadamente três mil fotos das quais tes e perfeitamente à vontade ante a câmara do artista. foram selecionadas 50 pelo curador Alfredo Aquino Porque afinal são eles mesmos. São seus desejos e suas para integrar a exposição Camisa Brasileira, inicialmen- frustrações, suas vitórias e suas derrotas que enchem de te mostrada em Porto Alegre, em 2010, durante a Copa força vigor a fotografia de Gilberto Perin.” do Mundo, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. A escolha do Brasil da cidade de Pelotas aca- Atualmente, graças ao projeto Arte Sesc, Cami- bou tornando-se uma metáfora para o ensaio fotográ- sa Brasileira circula por diversas cidades do Rio Grande fico. O clube tem uma torcida fanática que tem supe- do Sul, como Bagé, Pelotas, Montenegro e Camaquã, rado momentos difíceis dentro e fora de campo, como aproximando o público da arte fotográfica em galerias um acidente com o ônibus em que morreram alguns de e museus do interior. A exposição com uma temática próxima do público cria uma identificação inicial que logo se torna empática e lúdica quando homens, mulheres e crianças visitam as 50 ampliações 80cm x 80cm em papel de 100% de fibra de algodão. Em alguns momentos, acontecem verdadeiros happenings como em Pelotas, onde a charanga do Brasil e o Grupo Tholl compareceram na abertura da exposição, unindo alegria, arte e emoção no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo. Esses encontros do público com a fotografia têm mostrando o quanto é importante, num mundo cada vez mais virtual, que as pessoas tenham essa aproximação com aquilo que é real (ou pelo menos, com aquilo que pode ser a visão do imaginário de alguém). Ah, sempre fui péssimo atleta. No futebol, meus colegas de escola me escalavam para a função de juiz, pois ninguém queria um perna de pau no time... Mas sou apaixonado pelo futebol, sim. Acho que no momento em que a equipe está em campo é também uma metáfora da guerra, uma luta de gladiadores modernos pela sobrevivência. Depois de conviver com a intimidade dos jogadores, algo que ficou claro pra mim: se o torcedor tivesse a compreensão que os atletas são trabalhadores igual a ele que fica na arquibancada, talvez isso contribuísse para que houvesse mais espírito esportivo e menos violência entre a torcida; além de menos agressões aos jogadores quando uma equipe não é Foto: Tonico Alvarez vencedora naquele dia. * Gilberto Perin – www.gilbertoperin.com Formado pela Faculdade de Comunicação Social da PUC-RS (Porto Alegre – RS), em 1976. Fotógrafo, diretor de cena, roteirista. Dirigiu curtas-metragens, e médias e longas-metragens para a televisão. Em Porto Alegre, há 12 anos dirige o Núcleo de Programas Especiais da RBS TV que realiza documentários e programas de ficção. 50 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Uma das áreas em que o Arte Sesc reforçou sua Em formato de circuito, atuação em 2011 foi a de artes visuais, com a realização mostras levam apreciadores de grandes exposições. Em formato de circuito, mos- de arte aos espaços tras como a da série Aos Grandes Mestres, com Zoravia expositivos e também Bettiol, Camisa Brasileira, do fotógrafo Gilberto Perin, contribuem para e A Ponte do Guaíba, em parceria com a Concepa, ti- formação de público veram um grande e diversificado público nas cidades por onde passaram. Em Pelotas, Camisa Brasileira registrou um público de 4 mil visitantes no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo. Por tratar de um tema popular, os bastidores do futebol de um dos clubes que tem os torcedores mais apaixonados – o Grêmio Esportivo Brasil –, o lançamento da mostra fotográfica contou com a presença da torcida organizada Garra Xavante e do grupo Tholl. “Nos dias seguintes, o sucesso do evento se espalhou pela cidade despertando a curiosidade e contagiando não só torcedores, mas também acadêmicos de artes visuais e comunidade em geral, deixando o Museu sempre lotado”, conta a auxiliar de Cultura e Lazer do Sesc Pelotas, Adriana Velasques Silva. Para Adriana, a promoção de exposições sistemáticas contribui para a formação de público e, como consequência, dá a diferentes artistas a oportunidade de expressar seus trabalhos, além de manter os espaços tradicionais e alternativos em evidência. Desde julho, a exposição circulou também por Bagé, Montenegro e Camaquã. A exposição Aos Grandes Mestres – Zoravia Bettiol é a continuidade do projeto do cineasta e produtor cultural Henrique de Freitas Lima que homenageia mostra, realizada em Porto Alegre e em Santa Maria, é composta por 76 obras que mostram a diversidade e a pluralidade da produção atual da artista. O arquiteto e professor Luiz Gonzaga Binato de Almeida foi um dos Foto: Divulgação expoentes das artes plásticas no Rio Grande do Sul. A que visitou a exposição em Santa Maria. Admirador da obra de Zoravia, levou seus alunos na abertura e declarou que “o nível da exposição foi irrepreensível”. Pedro Cezar Saccol Filho, gerente da Unidade Sesc Santa Maria, afirmou que o público foi bastante diversificado. “Autoridades, apreciadores, artistas visuais que tem a mestra Zoravia como referência e também de outras manifestações artísticas, estudantes universitários, em especial, dos cursos de artes visuais e arquitetura, sendo que alguns professores acompanharam seus alunos em visitas guiadas”, disse. Para a diretora do Theatro Treze de Maio, Ruth Sopher Péreyron, “iniciativas como esta que o Sesc está proporcionando de trazer eventos como este e vários outros para o nosso município de Santa Maria têm um valor imenso para difundir e incentivar a cultura, permitindo a troca de conhecimento que é essencial ao ser humano!” SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Abertura da exposição Camisa Brasileira, em Pelotas 51 literatura Luisa Geisler, aos 19 anos, venceu o Prêmio Sesc de Literatura com o livro Contos de Mentira Ao ler uma reportagem sobre a quantidade de mentiras que as pessoas contam – em torno de oito por dia – a gaúcha Luisa Geisler teve a ideia para escrever o livro de contos que lhe rendeu o Prêmio Sesc de Literatura 2010/2011, aos 19 anos. As mentiras contadas vão de “está tudo bem”, a campeã, a “eu só tomei uma cerveja”, outra entre as top 10. O livro Contos de Mentira explora o tema sobre vários ângulos e possibilidades. Há textos em que a mentira contada pelos personagens afeta o enredo, outros com mentiras mais metafóricas que fazem relação com uma vida de mentira, tem as mentiras que contamos para nós mesmos para lidar com o dia a dia e há, ainda, os personagens que não sabem lidar com a verdade. “O assunto dá tanto pano pra manga que podia até pensar em escrever um Contos de Mentira Returns”, brinca a escritora. Estudante de Relações Internacionais, Luisa diz que o fato de ter vencido o Prêmio Sesc dá mais certeza do caminho que deseja seguir e também de que não é fácil. “Quero ter duas profissões: lidar com relações internacionais, além de trazer temas para os textos sobre questões sociais, diferenças culturais, refugiados, e como há pessoas nisso, me areja a cabeça; assim como lidar com literatura me areja das relações internacionais. É uma troca necessária para o meu funcionamento”, afirma. Desde criança bem pequena, a vida de Luisa gira em torno dos livros. “Ia à Feira do Livro de Porto Alegre 52 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 LUISA POR LUISA: O livro de estreia de Luisa Geisler, Contos de Mentira, foi agraciado com o Prêmio Sesc de Literatura 2010/2011 e publicado pela editora Record. Luisa já ganhou um ou outro concurso literário, publicou em uma ou outra antologia e revista, já fugiu de casa e arrancou os sisos. No momento, Luisa é cronista para a revista Capricho, da editora Abril. Além disso, estuda Rela- Luiz Antonio Assis Brasil, escritor, ções Internacionais e faz monitoria de pesquisa secretário da Cultura do RS e professor de Luisa em Conjuntura Econômica. Escreve. Nasceu em na Oficina de Criação Literária do Programa 1991 em Canoas (RS). Foto: Arquivo pessoal “Desde que a Luisa apresentou seus primeiros trabalhos na Oficina, percebi que estava à frente de um grande talento. No decorrer das aulas essa convicção apenas se consolidou. Terá uma brilhante carreira, e isso não é um desejo de professor, mas a reiteração de uma certeza. A crítica e o concurso já sabem disso; logo o grande público também saberá.” de Pós-graduação em Letras da PUC-RS com meus pais e tinha uma cota para gastar. Sempre sar de citar como referências Francis Ford Coppola, acabava negociando meu presente de Natal na fren- Sophia Coppola, Kubrick, Tarantino, Lynch, Hitchcock, te dos estandes mesmo e, como eles esqueciam do além de Almodóvar, Polanski, Fernando Meirelles e adiantamento, acabava pedindo outro livro”, conta. John Woo. E, claro, os escritores clássicos Tchekhov, No restante do ano, acabada a mesada, a escritora Hemingway, Flaubert, Joyce, Machado de Assis, Gui- fazia seus próprios livros com folhas de caderno gram- marães Rosa, Pynchon, Saramago e também o con- peadas, capa com glitter e colagens, ilustrações e tex- temporâneo Luiz Ruffato. tos curtos e espalhava pela mesa da sala para vender. O comprador? O pai, óbvio. “Qualquer coisa me influencia num texto, uma frase dita de um jeito meio esquisito, uma foto que vi A menina que desde a infância escrevia sem na internet, meu cachorro, minha mãe, até panfletos parar, em casa, entediada, na escola, muito mais até que recebo a caminho do trem”, afirma. Ela também que o solicitado pelos professores, conta que tudo cita o trabalho do ilustrador Pirecco como influência ficou mais oficial quando, em 2010, entrou na Ofici- e diz que o melhor da literatura é se colocar no lugar na de Criação Literária do Luiz Antonio Assis Brasil. do outro, fingir e forjar pessoas. “As minhas melho- “Nem imaginava passar no processo seletivo e foi res ideias surgiram enquanto rabiscava durante a aula onde ganhei método, aprendi técnica e, acima de de Cálculo, ou na volta para casa, no trem, ouvindo tudo, a ouvir críticas e me aproximar do olhar do ou- música, sem pensar em nada.” Tudo isso é trabalha- tro ao escrever. Ao ler, passei a prestar mais atenção do mentalmente, com um planejamento da estrutura, na intenção, nas construções, e escrever virou um anotação de pontos-chave, antes de virar texto. De- processo muito mais consciente de algo que antes pois é analisado, reescrito, discutido, reescrito. eu fazia por instinto ou achismo.” Sobre o prêmio, para Luisa, valoriza o escri- Há quem considere o texto de Luisa com um tor iniciante e percebe-se que muitos dos ganha- certo ritmo de roteiro cinematográfico, entre eles o dores foram indicados ou ficaram entre os finalis- escritor pernambucano Raimundo Carrero, autor do tas de outros prêmios literários concedidos para texto da orelha de Contos de Mentira. A escritora autores de livros publicados. “O Sesc abre uma admite a preferência pelo estilo narrativo dramático, infinidade de portas das quais os autores devem que segundo ela permite uma maior interpretação do fazer proveito para se manter no mercado literário, leitor, mas não o associa ao conceito de roteiro, ape- que nunca é uma certeza!” SEGUNDO SEMESTRE | 2011 53 literatura Turistas Por Luisa Geisler Bruno e Letícia estavam fora do hotel desde e não se nota. Letícia era morena, que diferencial de as dez da manhã e finalmente chegam à Ciudad Vieja, todas as mulheres! Letícia comia arroz e feijão, que em Montevideo. Os turistas ficarão por duas semanas surpreendente! Chegaram os Long-Plays, o casal con- até que a viagem acabe. O Sol esquenta os paralelepí- tinuou conversando, tá gostando de ouvir? Webcams, pedos quebrados, esquenta Bruno, esquenta Letícia. que bonito o seu pijama, deixa eu te contar da cara do Embora o Sol arda como se fosse ao meio-dia, Bruno meu ex quando ele veio buscar as coisas dele e eu fa- sabe que já passam das duas da tarde. lei que tinha vendido até as camisetas do São Paulo… – Quero descansar – Letícia senta-se no ban- Como costuma acontecer quando começa o co quebrado ao lado da Confiteria El Louvre – pô. – amor e não se nota, Bruno e Letícia começaram a se Bruno sorri e entrega a Letícia sua bolsa. falar cada vez mais. Bruno abriu mão de sair com os A placa anuncia, em letras azuis como blocos: amigos para madrugar em frente ao computador e Confiteria – e a fonte muda para curvilínea e amarela discutir com Letícia assuntos que não tinham em co- – El Louvre. Banners da Coca-cola, sujeira, pó, cabos mum. Ela lhe falava de seu dia, do escritório de ad- e fios à mostra cobrem o prédio branco de dois anda- vocacia onde estagiava, das pessoas engraçadas, de res. No nível superior, as janelas e portas estão fecha- fatos, de coisas que lhe incomodavam, Bruno gostava das enquanto a tinta descasca. de ouvir e, quando conseguia, falava de seu dia como Haviam se conhecido num fórum online sobre professor de espanhol e/ou inglês, tudo isso em três Beatles: Bruno queria Long-Plays antigos edição de instituições diferentes. Era engraçado quando o as- colecionador e Letícia queria se livrar de tudo que um sunto convergia para música, em especial porque não ex-namorado esquecera na casa dela antes que ele convergia: Letícia grudando-se à Wikipédia e Bruno a voltasse para buscar, claro que lucrando em cima. Bru- sites de notícias de fofocas de celebridades. no morava em Brasília e Letícia, em São Paulo. Após acertarem a venda, fotos do produto, estava em bom estado? O preço do frete, continuaram conversando, MSN Messenger por madrugadas. Não, Letícia não gostava muito de Beatles, não conhecia 54 Letícia, que está cansada, sobre o banco quebrado em frente à Confiteria El Louvre, na Ciudad Vieja, em Montevideo. Bruno, que está em pé na frente de Letícia, sorrindo, esperando-a terminar sua água mineral. nada de rockabilly, não, não, achava Pink Floyd meio Digitaram-conversaram sobre o carnaval, so- esquisito, não tinha muita letra. Bruno considerava bre a páscoa, sobre o dia dos namorados (e então idiossincrática toda e qualquer característica de Letí- sobre o ex-namorado de novo), sobre como o ano cia, como costuma acontecer quando começa o amor passava rápido, continuaram trocando fotos, web- SEGUNDO SEMESTRE | 2011 cam, tá tarde, né? E essa foi minha viagem nas férias preensão, rumo ao “pai do século XXI e as novas de primavera com as meninas, sim, sim, hahahah, as formas de relação”, assistiria a isso ao ver os pais férias atrazadas (com z)… acatarem com as decisões do filho. A única frase £ê localocaloca diz: dos pais era: voce devia vim pra ca no ano novo – A vida é sua. E Bruno foi. O cheiro do aromatizador de lavanda no Corolla Bruno, que está em pé na frente de Letícia, suando, sentindo o calor, sentindo as pernas doerem. do pai. Bruno viu na mãe, no banco do carona a caminho do aeroporto, o olhar de quem vê a paisagem, Letícia, que estende sua garrafa d’água mineral mas um olhar de choro. A mãe olhava para dentro do vazia para Bruno colocar fora, reclama que está cansa- carro em movimento, para a saída de ar-condicionado da, não andará mais até o final da tarde. desligada, como se contando os centímetros e peda- – Pô, Lê – diz Bruno. – Não é assim também… ços plásticos da saída de ar-condicionado. Não olhava Bruno passou o ano-novo em São Paulo. Ano- pela janela, mas para dentro do carro, que se movia. -novo, vida nova, relação nova, o beijo à meia-noite, à Era como se aquele fosse o olhar permanente da uma da manhã, às duas, às três, nos dias em que ele mãe, um olhar de quem olha os matos passando, mas no permaneceu lá. Partiu com a promessa de Letícia que fundo quer apoiar a cabeça no vidro e deixar que as lá- ela o visitaria também, partiu prometendo que volta- grimas corram, corram não pelo filho, mas por tudo que ria, que repetiriam os programas – sagrados eufemis- a mãe tinha certeza. A mãe, afinal, tinha muitas certezas: mos –, que ele conheceria os bairros de São Paulo que tinha certeza que era vítima de tudo que fazia, vítima do não tiveram tempo para ver. resultado de suas ações, a mãe tinha certeza de sua frus- Foi tudo tão rápido, Bruno e Letícia diriam, foi tudo tão certo, diriam. Antes do começo do ano leti- tração, frustração desde que o filho se tornara professor e de inglês e, logo em seguida, de espanhol. vo, Letícia conseguiu para Bruno emprego em duas Mas nunca dissera uma palavra. Nem ela, nem escolas de inglês e, antes que Bruno pensasse sobre o o pai. Tudo aquilo brilhava aos olhos de Bruno, junto assunto, ele guardava suas camisas dentro do armário das rugas dela que espigavam, que pesavam junto de Letícia, para ficar. das olheiras, do rosto flácido que denotava – a Bruno Ela nunca conheceu Brasília de fato. Nunca – todo o desânimo que a mãe sentia naquele instan- conheceu os pais de Bruno que não se oporiam, não te e que sempre sentira e sentiria. A mãe nunca se apoiariam, não diriam nada. opôs, nunca apoiou, mas Bruno tinha certeza da frus- Bruno notaria o esforço dos pais rumo à com- SEGUNDO SEMESTRE | 2011 tração e tristezas inerentes àquele instante de olhar 55 literatura para dentro do carro em movimento. Não pela janela, mas para dentro do carro, que se movia rumo ao Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek. Apesar do que os pais sentiam, Bruno sentia-se naquele instante feliz, sabia-se feliz porque falava com Letícia via instant messaging no celular. Sabia que – Você não entende. – Não precisa ser aqui. Letícia solta um muxoxo: ela não quer, pô, que difícil de entender. estava feliz porque dizia a ela que estava feliz. Após – Eu não tô me sentindo bem – ela diz. o voo, estariam juntos. Portanto, ao contrário da neu- Bruno levanta-se. Sorri de novo para a namora- tralidade dos pais, ele estava feliz. da. Ao fundo, Bruno ouve as pessoas trocarem pedi- Bruno, que insiste a Letícia que ainda têm dos dentro da Confiteria. O cheiro de pães gorduro- tanto para ver naquele dia, os museus, as galerias, sos e de dulce de leche uruguayo saem da loja rumo à será tão legal. Podem tomar um café, descansar e, rua, rumo ao casal, rumo aos prédios brancos acinzen- então, continuar. tados, rumo ao segundo andar de janelas fechadas. – Vamos lá – ele faz um gesto de incentivo. Letícia, que nega. Não: está cansada e quer voltar para o hotel. Como comemoração por ele ter se mudado, viajar para Montevideo, algo estilo lua-de-mel, duas semanas num hotel quatro estrelas e, para conhecer melhor a cidade, decidiram caminhar pela Ciudad Vieja, sem guias, apenas um mapa em mãos – que Bruno perderia na cafeteria onde tomariam café. Estavam fora do hotel desde as dez da manhã e finalmente chegavam à Ciudad Vieja. O Sol esquenta os parale- Decide que desafiará Letícia: ainda sustenta o sorriso ao dizer que irá embora. Explica que Letícia tem o dinheiro dela e, se quiser, pegará um táxi. Ele continuará caminhando pela rota que planejaram rumo ao Teatro Solis, mas ela tem a liberdade que quiser. – Eu não tô bem, Bruno. – Letícia levanta as pernas no banco, apontando os joelhos para ele. Bruno dá as costas, sorrindo. Letícia seguirá, ela está bem, ela vai continuar com ele, vai seguir junto. – Vai pro hotel, Lê – ele diz –, a gente se encontra lá depois. lepípedos quebrados, esquenta Bruno, esquenta Le- Letícia vai voltar para o hotel, Bruno sabe, ela tícia. Embora o Sol arda como se fosse ao meio-dia, assistirá a televisão, mais tarde pedirão Torta Rojel no Bruno sabe que já passam das duas da tarde. serviço de quarto, ele falará espanhol com ela e fica- Letícia está cansada e quer voltar para o hotel. rão bem, abraçados a noite inteira. Quem sabe, ela já – Lê – Bruno senta-se ao lado dela – sente esse se sinta melhor fisicamente, até lá. cheirinho de outono chegando… Não te dá vontade de continuar caminhando? – Me dá vontade de pegar um táxi e voltar. – Tá fresquinho, a gente já descansou. Que falta de espírito de viagem… – Bruno – Letícia não se levantou –, se eu for pro hotel sozinha, eu vou embora. – Bruno tem certeza que ela está blefando. Que bobagem. – Então vai. – Bruno… – Ah, porque agora a culpa é minha, só por- Bruno caminha rumo à próxima esquina da que eu não tenho nenhum músculo. – Letícia aponta Ciudad Vieja, deixando Letícia sentada. Sorri. Letí- as próprias pernas, magras-gordas, pernas magras de cia o chama mais uma vez. Bruno! Bruno caminha, mulher de 1,75m e 60kg, mas 30% de gordura. apressa o passo. Sabe que Letícia levantará, sabe – Amor… que ela o seguirá, virá rápido, passos velozes. Pas- – Tá doendo, pô, eu não tô acostumada – ela sarão uma tarde adorável juntos, Bruno a conhece suspira – não tenho preparo. 56 – Lê, vamos tomar um café, tá? Daí, se você não quiser mesmo, a gente vai embora. melhor que ninguém. Letícia ainda está sentada: Bruno sorri. Não rebate que para passar o dia Bruno! Os turistas ficarão por duas semanas até que em compras no Shopping Punta Carretas, Letícia tinha a viagem acabe. O cheiro de pães gordurosos e de bastante preparo físico. Talvez, no fundo, Bruno tema dulce de leche uruguayo saem da Confiteria El Lou- que Letícia tenha se cansado demais comprando no vre rumo à rua, rumo a Letícia e não Bruno, rumo shopping, dores musculares, cãibras, a coisa toda e aos prédios brancos acinzentados, rumo ao segun- por isso não queira caminhar. do andar de janelas fechadas. SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Formando leitores críticos Muito mais do que um local para venda de livros, as feiras promovidas pelo Sesc/RS em todo Estado envolvem a comunidade em atividades complementares Foto: Divulgação Sesc/RS Por Aline de Medeiros Weibert, bibliotecária da Gerência de Cultura do Sesc/RS à Literatura, contribuindo para a promoção da leitura e da escrita O Sesc promoveu, juntamente com prefeituras, universidades, livreiros e demais parceiros, 47 feiras de livros em todo o Rio Grande do Sul durante o ano de 2011. Em aproximadamente 200 dias de evento, mais de 140 escritores participaram por meio de oficinas literárias, palestras, sessões de autógrafos, saraus, contação de histórias e bate-papos. Além disso, foi disponibilizada toda uma gama de programações culturais que complementam a Literatura, como espetáculos teatrais, sessões de cinema, shows musicais, exposições, intervenções artísticas, entre outras atividades, todas de forma gratuita e democrática, acessíveis e direcionadas a públicos conforme a faixa etária. Estudantes, professores e pessoas de toda a comunidade puderam se beneficiar não apenas com a diversidade da programação, mas também com a venda de livros a preços SEGUNDO SEMESTRE | 2011 Feiras oferecem programação cultural diversificada e livros a preços mais baixos 57 literatura mais baixos e para todos os gostos, abrangendo os di- escritor comparece para uma oficina com os professores versos gêneros literários. alguns meses antes do período da feira, a fim de tornar Por meio das nossas feiras de livros, contribuí- o trabalho com os alunos ainda mais rico e efetivo. mos com a popularização do livro, com a promoção da A seguir, o depoimento do Marcelo Carneiro leitura e da escrita, mas ainda mais fundamentalmente da Cunha sobre a Feira do Livro de Torres 2011, desta- com a formação de leitores críticos, uma vez que tais cando o comprometimento dos alunos que leram suas bens culturais criam o gosto e o hábito pela leitura. As obras previamente: escolas envolvem-se de maneira bastante intensa e sig- "Gostei muito do circo montado diante do mar e nificativa, buscando promover a leitura – bem como ati- das coisas que aconteceram lá dentro. Ótimas conversas vidades complementares – das obras dos autores que com adultos e garotada de diferentes jeitos e idades. estão presentes nas feiras de livros. Em muitos casos, o Demonstrações de leitores de que haviam mesmo lido e compreendido. Experimentações com adaptações do que tinham lido, num bom exercício de protagonismo. Conversei com uma quantidade enorme de pessoas, o que sempre quer dizer que a feira pegou e as pessoas se reúnem ao redor dela. Muitos sintomas e indícios que Eventos como o de Lajeado (acima) e Santa Cruz do Sul (abaixo) contribuem com a popularização do livro e a promoção da leitura e escrita tudo vai bem, muito bem. E eu acho que isso acontece, em grande parte, por conta da estrutura do Sesc, que acumula muita, muita experiência com atuação cultural de qualidade em todo o país, cada vez mais." Nas cidades em que a Unidade do Sesc conta com Foto: Divulgação Sesc/RS o projeto de Biblioteca, seja ela fixa, seja itinerante, as feiras de livros também proporcionam local específico para consulta e leitura de obras, contemplando as diferentes faixas etárias. Para os que pretendem comprar um ou mais livros, as feiras disponibilizam, entre livreiros locais e de cidades vizinhas, uma variedade de títulos que garantem a diversidade de gêneros, desde infantis e juvenis até os clássicos nacionais e estrangeiros, passando por conto, crônica, poesia, romance, biografias, autoajuda, entre outros. Algumas bancas temáticas e outras variadas, que atentam para as obras dos escritores convidados, permitem qualificar as sessões de autógrafo. Além dos estudantes e professores, os demais interessados da comunidade também têm a possibilidade de usufruir deste ambiente diferenciado que uma feira do livro proporciona com atrações dinâmicas, Foto: Divulgação Sesc/RS gratuitas e distribuídas nos três turnos do dia. Como atividade complementar, o Sesc promove em algumas feiras de livros concursos literários direcionados ao público escolar, como evidencia a professora de Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Literaturas Josí Aparecida de Freitas, supervisora educacional integrante da Equipe Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Venâncio Aires: "E o Concurso Literário... Ahhh... O Concurso Literário! Que emocionante a Cerimônia de Premiação! Presença de autoridades, escolas participantes, alunos e professores vencedores. Todos muito felizes em fazer parte do livro da feira que traz os textos e desenhos vencedores. E uma das histórias vencedoras, um conto de fadas (havia os gêneros desenho, fábula, conto de fadas, crônica e conto – divididos em nove categorias, 58 SEGUNDO SEMESTRE | 2011 da Educação Infantil ao Ensino Médio, incluindo as ca- do Sesc na promoção de feiras de livros no Estado tegorias professor e comunidade em geral – e a temá- do Rio Grande do Sul. Esse sucesso é fruto de um tica dos textos deveria ser a mesma da Feira: Ler a Vida trabalho intenso que começa muitos meses antes em Movimento), foi contada por Geison Aquino, o que do período do evento. São inúmeras reuniões para fez a autora, uma menina de 5ª série, se emocionar na tratar da escolha de temas, patrono(a), escritores plateia... Não só ela como todos nós!" convidados, atividades complementares, locais/ Um exemplo de atividade que agrega apre- tendas específicas, livreiros, participação das es- sentação teatral à Literatura, de forma bem-sucedida colas, estrutura e divulgação. É de extrema impor- em nossas feiras de livros, é o relato abaixo do escritor tância também o momento pós-feira, quando os re- Paulo Bentancur: presentantes envolvidos na organização se reúnem "Estive no dia 6 de outubro na Feira de Gravataí para avaliar cada aspecto do evento. para dois eventos. Um encontro às 14h com pré-adolescentes para os quais falei sobre o que a leitura pode fazer por nós, o milagre da leitura, num espaço confortável, bonito, agradável para atividades dessa natureza, o Teatro Sesc. Achei excelente. Mais que excelente, sob medida, adequadíssimo. E se o espaço ajuda e a proposta do encontro também, naturalmente o resultado não poderia ser outro do que foi: mais que satisfatório. Não bastasse esse primeiro encontro, houve o segundo, o das 19h, no mesmo aprazível local, onde falei Feira de Livros de Gravataí contou com intensa programação no Teatro Sesc (acima). Em Alegrete (abaixo), público escolar participou de evento cultural na Praça Getúlio Vargas comunidade, acerca de O Sobrado, de Erico Verissimo, obra cuja versão para teatro seria apresentada após a minha fala. O êxito foi total, pleno. Percebi isso no meu próprio envolvimento com o público, nas perguntas, inumeráveis (passando do tempo previsto e tendo até Foto: Denison Fagundes para pessoas do Ensino Médio, professores, gente da de ser interrompidas), nos aplausos, na intensidade da participação da plateia e nas manifestações assim que desci do palco e me encaminhei para a saída. Depois de cerca de 500 participações em feiras de livro, esta de Gravataí sem dúvida fica na minha memória como um momento especial, bem acima da média. Mérito total dos organizadores. Parabéns e obrigado." O envolvimento dos pais dos alunos pode ser evidenciado no próximo depoimento do escritor Marcio Scheibler sobre a mais recente Feira do Livro de "Minha primeira participação na Feira do Livro de Venâncio Aires, seja como autor ou como leitor, foi deveras proveitosa, pois pude participar de um bate-papo muito produtivo ao lado de outro escritor, uma aluna e uma professora. A conversa estendeu-se por mais de uma hora, superando e muito minhas expec- Foto: Divulgação Sesc/RS Venâncio Aires: tativas, com o público do Ensino Médio interagindo. O ambiente da feira estava bem organizado, principalmente no espaço para recreação infantil. Foi gratificante ver pais com seus filhos brincando e tendo contato com o mundo dos livros em apenas um lugar, o que torna esse tipo de evento fundamental na programação cultural de qualquer município." Todos os eventos relatados neste texto demonstram a crescente e significativa participação SEGUNDO SEMESTRE | 2011 59