10
segundO
SEMESTRE
2011
ISSN 1984-056X
5 anos
de Cultura
Em seu aniversário, Programa Arte Sesc
faz um balanço do resultado de suas ações
e propõe uma reflexão para levar
mais arte para mais pessoas
Também nesta edição
II festival internacional
sesc de música de pelotas
será em janeiro
Caderno de teatro: entrevista
com gennadi bogdanov
nesta edição
27
38
44
06 síntese 2011
34 música
44 CINEMA
06 Os cinco anos do Arte Sesc
12
34 Sonora Brasil traz
programação identificada com
o desenvolvimento histórico
artes cênicas
da música nacional
12 Diferentes olhares sobre o
Circuito Teatral Universitário
38 Arte Sesc amplia oferta
de shows nativistas
16 Artigo de Zé Adão Barbosa
analisa a comédia atual
39 Projeto Fábrica de Gaiteiros,
de Renato Borghetti, resgata
18 Grupos contam suas
a arte de produzir e ensina a
experiências no Palco
44 Carlos Magalhães, diretor
executivo da Cinemateca
Brasileira, fala em entrevista
sobre a instituição que é
exemplo de preservação e
restauração de filmes, além do
Programadora Brasil, iniciativa
que auxilia na aproximação
do público com o cinema
produzido no país e que tem o
Sesc como parceiro
tocar o instrumento
Giratório 2011
40 Pelotas se prepara para o
20 A despedida do mestre da
iluminação João Acir
II Festival Internacional Sesc
de Música, que será realizado
de 9 a 21 de janeiro de 2012
22 Teatro a Mil leva a arte
a milhares de crianças e
adolescentes de 50 cidades
27 Caderno de Teatro: Gennadi
Bogdanov e a Biomecânica
Teatral de Meyerhold
2
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
48
52
DIRETORIA
Zildo De Marchi – Presidente do Sistema Fecomércio-RS,
Sesc e Senac
Everton Dalla Vecchia – Diretor Regional Sesc/RS
GERÊNCIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA
Silvio Alves Bento – Gerente de Educação e Cultura
Jane Schöninger – Coordenadora de Cultura
48 Gilberto Perin conta detalhes
52 literatura
52 Luisa Geisler, vencedora do
da sua exposição fotográfica
Prêmio Sesc de Literatura
Camisa Brasileira, que mostra
2010-2011 com o livro Contos
os bastidores do futebol
de Mentira, mostra seu talento
que ninguém vê a partir de
no conto inédito Turistas
imagens captadas durante
uma temporada do Grêmio
Esportivo Brasil, de Pelotas
57 Formando leitores críticos,
artigo de Aline de Medeiros
Weibert fala da importância
51 Grandes exposições como
a de Zoravia Bettiol, da
série Aos Grandes Mestres,
movimentam cidades gaúchas
da realização de Feiras de
Livros
BALCÕES SESC/SENAC
Alvorada - Av. Getúlio Vargas, 941 - (51) 3411.7750 • Cachoeirinha - Av. Flores da Cunha, 1320 - Sala 805 - (51) 3438.3249 •
Caçapava do Sul - Av. XV de Novembro, 267 - (55) 3281.3684 •
Frederico Westphalen - R. do Comércio, 1013 - (55) 3744.8193
• Gravataí - R. Álvares Cabral, 880 – (51) 3043.7916 • Guaíba - R. São José, 433 - Sala 01 - (51) 3402.2106 • Itaqui - R.
Dom Pedro II, 1026 - (55) 3433.1164 • Jaguarão - R. XV de
Novembro, 211 - (53) 3261.2941 • Lagoa Vermelha - Av. Afonso Pena, 414 - Sala 104 - (54) 3358.3089 • Nova Prata - Av.
Cônego Peres, 612 - Sala 107B - (54) 3242.3302 • Osório - Av.
Jorge Dariva, 941 - (51) 3663.3023 • Palmeira das Missões - R.
Marechal Floriano, 1038 - (55) 3742.7164 • Quaraí - R. Baltazar
Brum, 617 - 8º andar - (55) 3423.1664 • Santiago - R. Pinheiro
Machado, 2232 - (55) 3251.5528 • São Gabriel - João Manuel,
508 - (55) 3232.8422 • São Sebastião do Caí - R. 13 de Maio,
935 - Sala 04 - (51) 3635.2289 • São Sepé - R. Coronel Chananeco, 790 - (55) 3233.2726 • Sobradinho – R. Lino Lazzari,
91 - (51) 3742.1013 • Três Passos – Rua Don John Becker, 310
– (55) 3522.8146 • Vacaria - R. Marechal Floriano, 488 - Sala
17 - (54) 3231.5883 • Viamão - Marechal Deodoro, 175 - Loja
102 - (51) 3434.0391
NÚCLEO DE ATENDIMENTO
SESC São Luiz Gonzaga - R. Treze de Maio, 1297 (55) 3352.7398
Coordenação, execução e produção editorial:
Pubblicato Design Editorial
Rua Mariante, 200, sala 02
CEP 90430-180 | Porto Alegre | RS
Fone/Fax: (51) 3013.1330
Andréa Costa – Diretora de Criação e Atendimento
Vitor Mesquita – Diretor Editorial
Edição e Reportagem: Clarissa Eidelwein, MTb nº 8.396
([email protected]) – Projeto Gráfico, Edição de
Arte: Rose Tesche – Ilustração da Capa: Fábio Zimbres –
Tratamento de Imagem: Pubblicato – Revisão de Texto: Grace
Prado – Tiragem: 1.000 exemplares – Impressão: Ideograf
O conteúdo dos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.
48 ARTES VISUAIS
UNIDADES SESC NO RIO GRANDE DO SUL
SESC Alegrete - R. dos Andradas, 71 - (55) 3422.2129 • SESC
Bagé - R. Barão do Triunfo, 1280 - (53) 3242.7600 • SESC
Bento Gonçalves - Av. Cândido Costa, 88 - (54) 3452.6103
• SESC Cachoeira do Sul - R. Sete de Setembro, 1324 (51) 3722.3315 • SESC Cachoeirinha – João Pessoa, 27 –
(51) 3439.1751 • SESC Camaquã - R. General Zeca Neto,
1085 - (51) 3671.6492 • SESC Campestre - POA - Av. Protásio
Alves, 6220 - (51) 3382.8801 • SESC Carazinho - Av. Flores da
Cunha, 1975 - (54) 3331.2451 • SESC Caxias do Sul - R. Moreira César, 2462 - (54) 3221.5233 • SESC Centro - POA - Av.
Alberto Bins, 665 - (51) 3284.2000 • SESC Comunidade - POA
- R. Dr. João Inácio, 247 - (51) 3224.1268 • SESC Cruz Alta
- Av. Venâncio Aires, 1507 - (55) 3322.7040 • SESC Erechim R. Portugal, 490 - (54) 3522.1033 • SESC Farroupilha - R. Coronel Pena de Moraes, 320 - (54) 3261.6526 • SESC Gramado
- Av. das Hortênsias, 4150 - (54) 3286.0503 • SESC Ijuí R. Crisanto Leite, 202 - (55) 3332.7511 • SESC Lajeado - R. Silva
Jardim, 135 - (51) 3714.2266 • SESC Montenegro - R. Capitão Porfírio, 2205 - (51) 3649.3403 • SESC Navegantes - POA
- Av. Brasil, 483 - (51) 3342.5099 • SESC Novo Hamburgo R. Bento Gonçalves, 1537 - (51) 3593.6700 • SESC Passo Fundo Av. Brasil, 30 - (54) 3311.9973 • SESC Pelotas - R. Gonçalves
Chaves, 914 - (53) 3225.6093 • SESC Redenção - POA - Av. João
Pessoa, 835 - (51) 3226.0631 • SESC Rio Grande - Av. Silva Paes,
416 - (53) 3231.6011 • SESC Santa Cruz do Sul - R. Ernesto
Alves, 1042 - (51) 3713.3222 • SESC Santa Maria - Av. Itaimbé,
66 - (55) 3223.2288 • SESC Santa Rosa - R. Concórdia, 114 (55) 3512.6044 • SESC Santana do Livramento - R. Brigadeiro
Canabarro, 650 - (55) 3242.3210 • SESC Santo Ângelo - R. 15
de Novembro, 1500 - (55) 3312.4411 • SESC São Borja - R.
Serafim Dornelles Vargas, 1020 - (55) 3431.8957 • SESC São
Leopoldo - R. Marquês do Herval, 784 - (51) 3592.2129 • SESC
Taquara - R. Júlio de Castilhos, 2835 - (51) 3541.2210 • SESC
Torres - R. Plínio Kroeff, 465 - (51) 3626.9400 • SESC Tramandaí - R. Barão do Rio Branco, 69 - (51) 3684-3736 • SESC Uruguaiana - R. Flores da Cunha, 1984 - (55) 3412.2482 • SESC
Vale do Gravataí - R. Anápio Gomes, 1241 - (51) 3497.6263 •
SESC Venâncio Aires - R. Jacob Becker, 1676 - (51) 3741.5668
• Hotel SESC Campestre - POA - Av. Protásio Alves, 6220 (51) 3382.8801 • Hotel SESC Gramado - Av. das Hortênsias,
4150 - (54) 3286.0503 • Hotel SESC Torres - R. Plínio Kroeff,
465 - (51) 3626.9400
www.sesc-rs.com.br
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
3
A cultura
'a mil' pelo
Rio Grande!
4
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Em 2011, chegamos ao 5º ano do Arte
Sesc – Cultura por toda parte, e os números
comprovam que as ações propostas dentro
das diferentes manifestações artísticas têm
obtido amplo êxito. Exemplo disso foi o mais
recente projeto, “Teatro a Mil”, que teve início neste ano e oportunizou às comunidades
escolares o acesso a apresentações de espetáculos regionais, formando, assim, plateia e
movimentando a produção cultural local.
Esta edição da Revista Arte Sesc procura traçar um panorama sobre tudo aquilo
que temos desenvolvido no cenário cultural
gaúcho, a partir de artigos de personagens
do cenário artístico regional, nacional e até
mesmo internacional, assim como com matérias que sintetizam em números as ações
promovidas em nosso Estado.
Projetos nas artes cênicas e visuais, na
música, no cinema e na literatura integram
o grande ‘guarda-chuva’ que é o Arte Sesc.
Relatos de expoentes desse universo artístico como Gennadi Bogdanov, Gilberto Monteiro, Luiz Carlos Borges, Renato Borghetti e
Gilberto Perin podem ser apreciados nesta
publicação, dando uma dimensão do trabalho que desenvolvemos em prol da cultura.
E é chegando em toda a parte e a todas as pessoas, que temos como meta para
os próximos anos, estarmos ainda mais próximos do nosso público preferencial, o trabalhador do comércio de bens, serviços e
turismo, proporcionando-lhes o acesso às
diferentes manifestações culturais.
Um excelente 2012 e uma boa leitura!
Forte abraço,
Everton Dalla Vecchia
Diretor Regional do Sesc/RS
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
5
cinco anos
Cinco anos
de cultura para
todas as regiões
do Rio Grande do Sul
O Arte Sesc – Cultura por toda parte é o con-
existência de equipamentos culturais próprios ou em
junto de projetos realizados pelo Sesc/RS que con-
parceria com órgãos culturais locais; demandas da co-
templa todas as linguagens artísticas: cinema, literatu-
munidade local; existência de grupos culturais dispo-
ra, artes visuais, artes cênicas e música. Em 2011, o
níveis para interlocução entre diversas frentes; e movi-
Programa completou cinco anos de sistematização e
mentos culturais com continuidade.
vem se consolidando e legitimando como uma política
A programação é formatada a partir de espe-
cultural, devido ao seu caráter de descentralização, de
táculos assistidos, atividades presenciadas e material
articulação e de fruição dos bens culturais.
recebido para avaliação, de todo o território nacional,
Ser um veículo para a formação efetiva de pla-
com prioridade para a produção cultural do nosso
teias na área cultural foi o objetivo que orientou a im-
Estado. Como critérios específicos, são observadas
plantação do Programa desde seu início. De lá para
as questões de estética (qualidade da atividade, pes-
cá, as atividades vêm crescendo e sendo aperfeiçoa-
quisa de linguagem do espetáculo, entre outros), téc-
das em diversas cidades do Rio Grande do Sul. Enten-
nicas (estruturas possíveis e que tenham capacidade
demos que, por meio das ações disponibilizadas, há a
de adaptação para as diversas cidades que participam
possibilidade de reflexão pelo público, o maior benefi-
do Programa) e éticas (capacidade dos profissionais
ciado, de sua própria atuação na sociedade.
participantes da programação se relacionarem com as
É importante ressaltar que o formato da programação com ações sistemáticas, ou seja, as cidades
6
comunidades, tanto público em geral, como classe ligada à área cultural).
participantes do programa recebem periodicamente
Para o ano de 2012, reforça-se a atuação atra-
atividades, viabiliza que o público de determinada
vés das palavras-chave transversalidade, acessibili-
comunidade esteja sempre em contato com propos-
dade e diversidade da programação proposta. Com
tas artísticas, abrindo as portas para um diálogo com
esse viés, propõe-se atender à população com uma
produções locais, regionais e nacionais, reforçando o
programação comprometida com o desenvolvimento
desenvolvimento local.
cultural e humano das localidades.
A escolha dos municípios que recebem a pro-
Queremos brindar essa conquista: cinco anos
gramação sistemática é definida por fatores como
de cultura para todas as regiões do Rio Grande do Sul!
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Circuito Palco Giratório
Circuito Universitário
O projeto trabalha na difusão das artes cêni-
Realizado em parceria com a Universidade Fede-
cas e na democratização do acesso à cultura.
ral de Santa Maria, o projeto foi implantado com
Teatro de bonecos e de rua, para a infância e
o objetivo maior de oportunizar espaços e expe-
juventude, circo, dança e outras manifestações
riências para artistas, estudantes que estão con-
artísticas tomam espaços convencionais e não
cluindo seus cursos em artes dramáticas. Propõe
convencionais por todo o país. A iniciativa pro-
também o intercâmbio entre esses estudantes e
porciona a troca de experiências e vivências en-
coletivos das cidades por onde passaram.
ARTES CÊNICAS
Resultados de 2011
tre os artistas e demais integrantes da cadeia
produtiva das artes cênicas.
• 4 espetáculos participantes
• 20 sessões realizadas
• 5 grupos circulando
• 15 cidades envolvidas
• 11 cidades participantes
• 44 sessões realizadas
6º Festival Palco Giratório Sesc
Iniciativa desenvolvida no RS e em outras 10
Rio Grande no Palco
capitais. Durante 30 dias consecutivos, os
Criado com o objetivo de difundir e descen-
grupos programados para o projeto Circuito
tralizar as artes cênicas no RS, o projeto trans-
Palco Giratório apresentaram suas produções
formou-se em uma das ações culturais mais
e seu repertório, com atividades complemen-
importantes, pois permite que a população te-
tares. No RS, outros grupos são convidados
nha acesso a produções teatrais de qualidade e
a participar da programação, que ocorre em
diversificadas. Com uma programação múltipla,
diversos espaços de Porto Alegre, no mês de
diversos espetáculos circulam pelas cidades do
maio. Na sua 6ª edição, o Festival consolidou-
interior do Estado, viabilizando a troca de expe-
-se como um dos mais importantes eventos de
riências entre grupos de teatro e comunidades.
artes cênicas do Estado, tendo em vista sua
preocupação com a produção cênica atual,
• 110 espetáculos na programação
apresentando obras de qualidade estética, éti-
• 343 sessões
ca, e com uma diversidade de olhares. Além
• Mais de 140 municípios envolvidos
de apresentações de artes cênicas, são realiza-
• Mais de 40 circulações realizadas
das atividades formativas, como conferências,
bate-papos, oficinas e intercâmbios entre gru-
Teatro a Mil
pos, público e interessados da área.
Circulação de espetáculos para a infância e juventude. O projeto atende a alunos de escolas
• 124 ações
públicas de diversos municípios do Estado, pos-
• 39 grupos
sibilitando momentos de lazer, educação e arte.
• 91 sessões
• 51 espetáculos
• 20 espetáculos que circularam
• 5 países e 13 estados brasileiros envolvidos
• 50 cidades participantes
• Mais de 130 sessões realizadas
Circuito de Teatro de Rua
• Mais de 75 mil espectadores
A ação propõe familiarizar o público com esse
• Mais de 250 escolas
gênero teatral, bem como possibilitar o reconhecimento das produções atuais existentes
no Estado, reafirmando conceitos de acessibilidade e diversidade de programação.
• 5 grupos participantes
• 50 sessões realizadas
• 50 cidades contempladas
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
7
cinco anos
Circuito Sonora Brasil
Cinema
Projeto que leva a música escrita e de tradição oral
Projeto de exibição de filmes com uma programa-
de diversos estados a diferentes partes do país. Os
referentes ao estilo musical, instrumentos e tradição
do trabalho apresentado.
• 4 grupos participantes
• 7 cidades envolvidas
• 28 shows realizados
Sesc Música
Circulação da música contemporânea com a proposta de diversidade de estilo. Preza por apresentações
musicais em espaços fechados e em formato acústico, buscando a valorização da apreciação da música
brasileira.
• Mais de 60 grupos/artistas
• Mais de 85 espetáculos
• 30 circuitos realizados
• 251 apresentações musicais
• 115 cidades envolvidas
1º Festival Internacional Sesc
de Música – Pelotas/RS
Durante 14 dias de evento, a música de concerto, instrumental e jazz ocupou diversos pontos da cidade
de Pelotas. Músicos de diferentes países reuniram-se para apresentar uma programação artística com
busca o lazer cultural até os artistas e produtores
culturais. Privilegia a formação de público e o desenvolvimento artístico cultural, com exibição de
filmes, realização de mostras, debates, festivais, ofi-
cinema
da apresentação, os músicos passam informações
ção que atende a todos os públicos, desde o que
música
shows são desenvolvidos com apelo didático. Além
cinas e cursos livres de cinema e vídeo. Dentre inúmeras ações, propicia o acesso à cinematografia de
caráter artístico e cultural, com ênfase na produção
contemporânea, e busca valorizar a produção local.
Cine Sesc em salas
Exibição de filmes nacionais e internacionais (curtas
ou longas-metragens) com o objetivo de buscar a
aproximação dessa linguagem, por meio de produções não veiculadas na grande mídia, para a clientela principal, os comerciários.
• 471 sessões
• 163 filmes exibidos
Cinema de Rua
Projeto que leva o cinema para diversas cidades do
interior do Estado, realizando exibições gratuitas de
filmes ao ar livre. As praças, largos e ruas são tomados pela magia das imagens em movimento.
• 4 circuitos realizados
• 64 sessões realizadas na rua
mais de 40 espetáculos, divididos em recitais, música
de câmara, concertos e apresentações de música instrumental, apresentações do Núcleo de Inclusão Cultural. Foram realizadas ainda mais de 30 oficinas de
• 49 professores
• 38 espetáculos
• 30 oficinas
• 240 alunos de todo o Brasil
O projeto assume a programação de espaços expositivos nas unidades do Sesc, promovendo paralelamente às exposições, mostras de pinturas, desenhos, gravuras, esculturas e outras modalidades de
artistas gaúchos e nacionais.
artes visuais
instrumentos e canto para alunos de todo o Mercosul.
• 51 exposições
• 52 cidades participantes
8
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
DESENVOLVIMENTO ARTÍSTICO E CULTURAL
Possibilitou o aperfeiçoamento de conhecimen-
São oficinas, encontros, palestras e cursos de curta
tos sobre a área literária por meio da realização
duração direcionados às linguagens artísticas traba-
de encontros literários em que são desenvolvidas
conferências sobre temas específicos. O projeto
também contempla oficinas ministradas por profissionais da área.
literatura
Oficinas e encontros literários
lhadas pela instituição que possibilitam aperfeiçoamento, apoio à formação e troca de informações entre os participantes.
• Mais de 1,5 mil horas de oficina
• 21 oficinas
• Total de 252 horas
• 7 cidades participantes
BIBLIOTECAS
• 16 encontros realizados
As bibliotecas do Sesc são públicas, comunitárias, infantis e escolares e têm como missão principal propiciar o
Feiras de Livros
acesso à literatura de lazer, informativa e didática, num
A realização de feiras de livros tem se revelado uma
primeiro plano. E de uma forma mais ampla, despertar
das formas mais organizadas e econômicas para al-
o hábito da leitura e promover o acesso às informações
cançar o objetivo de formação de leitores com mais
pertinentes aos seus usuários. Além disso, propõe con-
abrangência. O projeto é resultado de uma grande
tribuir para o desenvolvimento da cidadania; estimular o
mobilização de pessoas e instituições interessadas
consumo de produtos culturais; integrar suas atividades
no desenvolvimento cultural da comunidade e visa
a programas de ação na formação de leitores; manter
não apenas à oferta de obras literárias, mas tam-
a imagem das bibliotecas como referência na progra-
bém ao envolvimento de segmentos estratégicos
mação cultural do Estado e implementar ações que
(professores, estudantes, pais, empresários) com o
contribuam para o desenvolvimento social, intelectual e
propósito de pensar o papel do livro como elemen-
cultural dos usuários das bibliotecas.
to de construção do ser em meio à sociedade, da
própria sociedade e a cultura como expressão de
• 12 bibliotecas fixas
valores, de desenvolvimento ético, ou seja, o livro
• 3 bibliotecas ambulantes (Bibliosesc)
como bem comum. O Sesc atua como realizador,
• 3 salas de leitura em hotéis
parceiro e apoiador em diversas cidades do RS.
• 19 bibliotecas itinerantes
• 15,4 mil livros adquiridos
• 140 escritores participando
• 47 feiras realizadas
ALDEIAS CULTURAIS SESC
PrÊmio Sesc de Literatura
As aldeias são desenvolvidas em mais de 35 cidades
Projeto que propõe revelar novos talentos e pro-
no Brasil. No RS, ocorre em São Leopoldo, Ijuí e, em
mover a literatura nacional. Lançado em 2003, o
2011, também em Santa Maria. A finalidade do projeto
concurso identifica escritores inéditos, cujas obras
é o intercâmbio entre as diversas linguagens das artes,
possuam qualidade literária para edição e circula-
inseridas em espaços e horários que possibilitem uma
ção nacional.
real maratona cultural. O público acaba consumindo,
intensivamente, diversos processos artísticos de profis-
• 35 obras inscritas pelo RS
sionais da sua região e de outros espaços do país.
• 3 cidades participantes
• Mais de 120 ações disponibilizadas
• Mais de 15 mil atendimentos realizados
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
9
cinco anos
Ao final de cinco anos de Projeto Arte Sesc,
buscamos transformações. Depois de promover mais de 350
circuitos de teatro e música com 8 milhões de atendimentos
realizados nas diversas linguagens e tantas outras conquistas,
resolvemos fazer uma reflexão. Para onde devemos ir?
Onde temos que nos reinventar? E nada mais óbvio do que
perguntar para quem sempre está se reinventando...
A classe artística e os grandes
movimentadores da cultura
no Estado.
A cultura é instrumento de humanidade e este
é o seu papel fundamental: restituir no homem
os valores éticos propositadamente esquecidos
Parece paradoxal, vivemos numa época em
e desprezados na nossa sociedade consumista.
que todo movimento social e cultural é para não
A solidariedade, a honestidade pessoal e a liber-
sair da frente da tela (do computador, da televi-
dade são princípios para realização de uma arte
são, do celular, dos tablets...). Entretanto, esque-
comprometida com a vida. A arte como atividade
cemos que para chegar a esse desenvolvimento
criadora do homem é uma manifestação social,
tecnológico, a Humanidade passou por um longo
o artista é um ser social e seu trabalho é sempre
caminho “analógico”. E são desses momentos
um reflexo do que ele vive, e a cultura que ele
“analógicos” que nasceu a Civilização, refletida
gera influi de algum modo na sociedade por meio
pela cultura e pelo conhecimento.
de seus valores estéticos e ideológicos. A cultura,
Atingir “milhares de acessos” é o que conta
portanto, nasce do homem e regressa novamen-
nesse tempo de redes mundiais. Contudo, tam-
te ao homem. Nada do que é humano lhe é indi-
bém esquecemos que tudo começa em você, em
ferente, pelo contrário, o assume, potencializa e
nós, em mim; as sensações individuais são as que
o integra a uma categoria estética. Por tudo isso,
movem a roda, associadas às impressões de mais
um projeto que descentralize e leve cultura para
um, de mais um, de mais um. Estar em contato
todos os cantos deste nosso Rio Grande é de
direto com a arte e/ou artista é uma experiência
importância fundamental para a construção da
única e pode transformar um pouco a comuni-
cidadania.
dade em que vivemos. Não se trata de enfrentar
Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
ou rejeitar o momento tecnológico, mas, sim, de
reconhecer a escala de valores de cada manifestação. Um circuito de arte por cidades mais ou
menos distantes da capital – aonde as pessoas
cheguem bem próximas da fonte de criação – é o
incentivo para que mais gente tenha momentos
únicos, reais, inesquecíveis. Esse circuito multiplicador tem nome: Sesc.
Gilberto Perin
Fotógrafo
A cultura em sua gênese, pode-se dizer que é
uma manifestação particular, localizada. No entanto, para referenciar-se e, assim, tornar-se universal,
ela precisa necessariamente extrapolar-se, comunicar-se com outras culturas e com isso transformar a sua essência e o seu entorno.
Essa comunicação cria uma rede de criação,
que reverbera em toda a sociedade. Tal espetáculo ou obra visual ou musical influenciam sensitivamente outros artistas, agentes culturais ou leigos
Porque em toda parte tem gente fazendo cultura, em toda parte tem gente que pode consumir
a transformar-se ou a disponibilizar outro conhecimento, abrindo o círculo iniciado na localidade.
qualquer tipo de cultura. Porque, como diria o Ca-
Como ser que procura a liberdade de expres-
etano, eu parto do princípio de que todo mundo
são e a comunicação, o humano tem vocação para
pode entender tudo. E porque, como diria o outro
dispor sua arte por toda parte, por todo lugar, por
baiano, Gil, o povo sabe o que quer, mas o povo
todo mundo.
também quer o que não sabe.
Arthur de Faria
Eduardo Kraemer
Diretor de teatro | Cia. Teatrofídico
Músico
10
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Vivemos em um tempo que busca e celebra
redes, conexões, trânsitos, multiplicidade: podemos dizer que o movimento de ir além das fronteiras é parte da cultura contemporânea. A cultura deseja navegar no espaço, se espalhar por
toda parte. Nesse contexto, é necessário que a
produção cultural vá além dos lugares estabelecidos e previsíveis, se infiltre no improvável e fomente a invenção de novos territórios de pensamento, criação e intercâmbio. O projeto Arte Sesc
se justifica e afirma sua importância a partir dessa
perspectiva, constituindo uma das iniciativas de
maior relevância, alcance e significado do Estado.
Aplausos para sua existência e continuidade. Co-
Porque a cultura é a forma de expressão e
reflexão do homem sobre a sua existência, o
estar no mundo, buscar definições sobre o seu
destino, dialogar sobre o seu tempo (passado,
presente e futuro). Se a Cultura estiver em todas
as partes, estaremos nela nos atualizando sobre
o sentido das nossas vidas. Onde estiver o artista, estará a humanidade.
Claudio Levitan
Músico e escritor
memorando seus bem vividos cinco anos, talvez o
fortalecimento de intercâmbios com as cidades/
comunidades participantes se aponte como um
caminho desejado, por meio de uma maior permanência dos artistas em cada local, diversificando suas atividades. Enfim, parabéns a todos!
Patricia Fagundes
Diretora de teatro | Cia. Rústica
A cultura é imprescindível. Ela é quem movimenta o mundo, embora as pessoas nem sempre
se deem conta. A cultura é fonte inesgotável e
precede a educação, o meio ambiente, as relações humanas. Ela é o conhecimento. Ela é o que
nos faz humanos. Ela é que nos permite tirar leite
de pedra e encontrar estrelas no charco. Todo e
qualquer esforço que façamos por ela é pouco,
João da Cunha Vargas (1900-1980), cujos
poemas vêm sendo musicados (e revelados)
por Vitor Ramil, viveu a vida toda no interior de
Alegrete. Era um homem simples do campo,
um peão apenas alfabetizado. Mas em contraste com a dureza da vida campeira, ainda mais
naqueles tempos, cantava seu cotidiano e seu
universo com altíssima sensibilidade e irretocável construção poética. Não escrevia os versos,
fazia-os na cabeça, e os decorava para declamar
depois. De onde viria essa arte, que um crítico
formalista chamaria de "primitiva" e que, na voz
de Vitor, emociona ouvintes sofisticados Brasil
afora? E Ramil ainda teria a audácia de "misturá-lo" com Jorge Luís Borges (1899-1986). Lado
a lado, um poeta gauchesco-brasileiro de obra
quantitativamente breve, e um poeta e escritor
argentino de vasta produção e lugar destacado
no cânone literário mundial. Unidos por um terceiro agente, são redimensionados. A Arte e a
Cultura não desprezam contrastes. Ao contrário, mostra o tempo, mais vezes os harmonizam.
Propiciar a circulação irrestrita de Arte e Cultura é fomentar/debater democracia, cidadania,
progresso, harmonia. Acho que Cunha Vargas e
muito pouco, considerando a contrapartida que
ela nos oferece.
Como diz Ernesto Sabato, “a única coisa que
pode nos salvar é a cultura e tudo que existe para
aplacá-la deve ser combatido até a morte. Temos
que defender a cultura até a morte, ainda que
para certos políticos isso pareça estupidez ou fantasia de um homem que vive como numa ilha”.
No momento em que o Arte Sesc completa
cinco anos, estas reflexões, talvez, sejam válidas
e importantes. Raro encontrar uma instituição,
mesmo as públicas, que realizem um trabalho
deste porte, o qual engloba todas as manifestações e linguagens artísticas. E mais: levando-as
para o interior do Rio Grande.
Bom seria que a elas se somassem outras e
mais outras e mais outras até o dia em que o nosso Estado fosse inundado pela cultura.
Pode ser que, então, víssemos este Estado
emergir diante dos outros como um estado de
ponta, altaneiro, e com uma respeitável visão de
futuro e progresso. Sonhar não custa nada e nem
nos cobra imposto (por enquanto).
Sergio Napp
Escritor
Borges cabem direito nessas questões.
Juarez Fonseca
Jornalista e crítico de música
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
11
artes cênicas
O olhar da academia
Por André Galarça, aluno do curso de Direção Teatral,
e Daniel Reis Plá, professor do Departamento
de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria
“Pode o teatro existir sem uma plateia? Pelo menos um es-
tro e dança. A presença dessa pluralidade de lingua-
pectador é necessário para que se faça uma representação.
gens artísticas, e dos artistas que as produzem, faz de
Assim, ficamos com o ator e o espectador. Podemos então
Santa Maria, um foco de produção na área cultural.
definir o teatro como “o que ocorre entre o espectador e o
Apesar disso, a distância dos grandes centros, e dos
ator”. Todas as outras coisas são suplementares – talvez ne-
principais circuitos de circulação artística, dificulta o
cessárias, mas ainda assim suplementares.” (Jerzy Grotowski,
acesso dos estudantes de arte à produção dos grandes
pesquisador polonês).
artistas da atualidade, bem como a circulação da produção local para os principais centros.
Santa Maria é uma cidade de porte médio, situ-
Diante dessa situação, o Departamento de Artes
ada no centro do Rio Grande do Sul. Por sua posição
Cênicas da UFSM, juntamente com o Sesc/RS, promoveu o
estratégica ela é um ponto de confluência de pessoas
Circuito Teatral Universitário, no qual, através da circulação
de diferentes lugares. Em parte, isso se deve ao fato de
de quatro espetáculos produzidos pelos alunos do Curso
ela possuir um número significativo de estruturas mili-
de Artes Cênicas por 11 cidades gaúchas, abriu-se a opor-
tares, mas principalmente, por abrigar uma das princi-
tunidade de expansão do acesso da população gaúcha à
pais universidades do Estado, a Universidade Federal
produção teatral desenvolvida no interior do Estado.
de Santa Maria (UFSM).
tou-se como uma forma de fomento à cultura no Esta-
destacado como foco de desenvolvimento cultural e
do do Rio Grande do Sul, contribuindo para a formação
tecnológico, em nível estadual e nacional. Fiel a sua
dos estudantes, integrando ensino, pesquisa e extensão
política de produzir conhecimento a partir de um diálo-
e proporcionando a eles uma experiência concreta do
go constante com a comunidade, dos laboratórios des-
mercado de trabalho em sua área de atuação, abrindo,
sa instituição têm saído importantes produtos, equipa-
também, novas possibilidades de troca e de inserção de
mentos e tecnologias, os quais têm contribuído para a
sua produção artística no mercado cultural.
melhoria na qualidade de vida da população que está
sob sua área de abrangência, direta e indireta.
Com um público estimado de mais de 2 mil pessoas nos quatro circuitos, a circulação dos espetáculos
No entanto, não somente essas pessoas são bene-
ocorreu da seguinte forma: os Circuitos 1 e 2, com as
ficiadas. Atualmente, nos corredores dos diferentes centros
cidades de Porto Alegre, Pelotas, Passo Fundo e Ca-
de ensino, é possível ouvir sotaques e idiomas variados:
maquã, receberam os espetáculos As Linhas de Elise e
estudantes do norte, nordeste e sudeste do Brasil, bem
Sucesso a Qualquer Preço; o Circuito 3, em Caxias do
como de países tão diferentes quanto Índia, Paquistão,
Sul, Santa Cruz do Sul, Bento Gonçalves e Montenegro
Alemanha, Espanha, Argentina, entre outros, tem vindo
abrigou o espetáculo Fando & Lis; já o Circuito 4, reali-
ao interior do Rio Grande do Sul para se beneficiarem dos
zado em Santa Maria, Santiago e São Sepé, recebeu o
conhecimentos produzidos nesta instituição e levarem um
espetáculo solo Maria Metade.
pouco do que se produz aqui para seus locais de origem.
12
Durante todo o ano de 2011, o projeto apresen-
A UFSM, ao longo de sua existência, tem se
A oportunidade oferecida aos estudantes de
Entretanto, não é só de tecnologia que se faz
teatro por esse convênio entre Sesc e UFSM tem sido
essa universidade. Ela também é feita de esculturas,
determinante para sua formação. Uma vez que, como
pinturas, tecnoarte, performances, música, canto, tea-
afirma Grotowski, o teatro é aquilo que se dá entre o
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Espaço de aprendizagem
e profissionalização
Por Eduardo Colombo, ator e diretor de teatro
e pesquisador do mestrado em Artes da Cena da Unicamp
ator e o público, os quatro circuitos realizados pelas
11 cidades gaúchas, não só fortaleceram os objetivos
Resultante de uma parceria entre o Sesc/RS e
de expansão e acesso aos bens culturais para a popu-
o curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de
lação, como também proporcionaram novas experiên-
Santa Maria (UFSM), o projeto Circuito Teatral Univer-
cias de trabalho e produção teatral aos jovens estudan-
sitário tem se mostrado uma iniciativa de grande rele-
tes. Estes, a partir das apresentações, puderam tornar
vância para a formação artística dos estudantes, for-
prático o trabalho realizado na academia, ampliando
mandos ou recém-formados, ao viabilizar a circulação
suas experiências artísticas e compreendendo os me-
de seus espetáculos por cidades de diferentes regiões
canismos de criação e produção teatral.
do Estado durante o ano de 2011.
O Circuito Teatral Universitário proporcionou,
Tive a oportunidade de participar do Circuito
também, a criação de novas redes de interações artísti-
no seu primeiro mês, viajando junto com os atores
cas entre produtores culturais de diferentes localidades
Anderson Martins, Geison Somer, Ícaro Costa, Már-
disso, esse projeto apresentou-se como mecanismo
eficaz para a formação de novas plateias nas cidades
que o acolheram. Por fim, destaca-se a influência do
convênio para o fortalecimento de grupos teatrais já
presentes na cidade e para o incentivo à formação de
Foto: Cláudia Schulz
e os estudantes-artistas participantes do projeto. Além
novos coletivos teatrais, o que representou uma expansão no movimento teatral de Santa Maria.
Todos esses resultados apontam para a força de
transformação da realidade que a troca de experiências
e a cooperação entre os setores público e privado possuem. A realização do Circuito Teatral Universitário se
mostra como uma importante ferramenta para o fomento cultural em âmbito regional e estadual, bem como
uma estratégia eficaz para o acesso da população aos
bens culturais produzidos na universidade, e de inserção
dos novos profissionais no mercado de trabalho.
A UFSM abraça tais ações de extensão, pois se
trata de sua própria identidade social, e o Departamento de Artes Cênicas, com mais de 30 anos de tradição
teatral, sente-se realizado por ter a parceria com o Sesc
para a circulação dos trabalhos concretizados dentro
da universidade. Por fim, só resta louvar Dioniso, o deus
do teatro, para que ele dê longevidade e saúde a essa
parceria: Evoé Baco!!! E que novos circuitos venham!!!
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Circuito auxilia a inserção dos novos profissionais
no mercado de trabalho. Na foto, atores encenam Fando & Lis
13
artes cênicas
14
cio Carvalho e Raiana Paludo, acompanhado de Juliet
sentem-se desamparados e inaptos para encarar o
Castaldello (técnica de iluminação) e do professor Pa-
mercado. Um dos fatores que colaboram para isso é a
blo Canalles para apresentações do espetáculo Fando
fragilidade das disciplinas de produção teatral ofereci-
& Lis nas cidades de Montenegro, Bento Gonçalves,
das pelos cursos, tendo em vista a falta de professores
Caxias do Sul e Santa Cruz do Sul, entre os dias 26 e
capacitados para discutir com propriedade esse tema
29 de maio. O espetáculo, baseado no texto homô-
com os alunos, a partir de experiências próprias.
nimo do dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, es-
A parceria Sesc-UFSM aparece como estímulo
treou em dezembro de 2010, no Teatro Caixa Preta da
ao preenchimento dessa lacuna, tanto para os alunos
UFSM. Este espetáculo foi resultado do meu trabalho
quanto para os professores do curso, que também fa-
de conclusão de curso, uma pesquisa sobre a utiliza-
zem parte das equipes que viajam para se apresentar.
ção de princípios da teoria da Montagem Dialética do
Acredito, inclusive, que foi justamente essa uma das
cineasta russo Serguei Eisenstein como estímulo para
motivações do professor Daniel Reis Plá ao propor a
a criação da dramaturgia cênica pelo diretor.
ideia do Circuito.
Os benefícios que a circulação da peça propor-
Tendo como base a minha trajetória na UFSM,
cionou à equipe foram muitos: o aprofundamento da
felizmente posso dizer que nos últimos anos os estu-
pesquisa para além das salas de ensaio e das apresen-
dantes do curso de artes cênicas da instituição têm se
tações de estreia; o consequente amadurecimento ar-
preocupado com a continuidade do seu trabalho para
tístico de cada integrante no contexto mesmo do espe-
além da estreia das peças. E, em função disso, há um
táculo e também para além dele – agregando em seus
interesse maior na formação de grupos de teatro e,
corpos mais experiência de palco; o contato direto com
nesses grupos, a busca por uma auto-organização que
profissionais de teatro que atuam de maneira bastante
possibilite sua atuação no mercado de trabalho após
diferente daqueles que atuam na universidade, etc.
a formatura. Nessa auto-organização, geralmente as
Eu poderia escrever sobre todos esses pon-
tarefas de produção são divididas entre os integrantes
tos, mas, ocupando aqui um espaço para uma breve
do grupo, pois a demanda de trabalho não exige ain-
reflexão, busco deter-me sobre apenas um: a relação
da a figura de um produtor que se responsabilize pela
dos artistas participantes do projeto com aspectos
sua administração e representação.
da produção de seus espetáculos. Escolho esse pon-
Nesse sentido, o Circuito Universitário pode
to porque, dos benefícios que uma circulação como
servir como via concreta de aprendizagem para todos.
essa proporciona, me chama a atenção a possibilidade
Isso porque, mesmo que futuramente o grupo decida
que ela cria de gerar um espaço para que os artistas
eleger algum de seus integrantes como responsável
em formação lidem na prática com especificidades do
por isso, ou mesmo que decida contratar um produtor,
trabalho de produção em um nível que está bastante
é importante um período de autoprodução, autoges-
além do contexto universitário no qual estão inseridos.
tão, para que os artistas possam entender na prática
As práticas de criação e apresentação de espe-
questões sobre a sustentabilidade do grupo e de seus
táculos dentro das universidades, necessárias para o
espetáculos. Ou seja, para que amadureçam o seu
fortalecimento do fazer artístico dos alunos, certamen-
pensamento sobre o trabalho não só artisticamente,
te levam em consideração aspectos da produção tea-
mas também em diálogo com as condições do mer-
tral. No entanto, sendo as apresentações exercícios de
cado. Há espaço para esse aprimoramento quando se
aprendizagem, geralmente o pensamento e o apren-
participa do Circuito.
dizado sobre produção teatral, estes que se desenvol-
Nessa parceria com o Sesc, as responsabilida-
vem em paralelo à criação das peças, se restringem à
des de produção dos artistas se evidenciam pelo fato
articulação necessária para que haja uma divulgação
das atividades acontecerem na forma de uma circu-
bem-sucedida (confecção de material gráfico e conta-
lação e não de uma única apresentação ou mesmo
to com os veículos de comunicação da cidade).
uma temporada do espetáculo. Estas ações também
Além disso, acredito que muitos estudantes
seriam interessantes e eficientes para o aprendizado
universitários de teatro concordam comigo se afirmo
dos alunos, mas envolveriam fatores não contempla-
que há uma evidente lacuna deixada por grande par-
dos pela circulação.
te dos cursos de artes cênicas do país no que tange
As apresentações em diversas cidades do Es-
à formação do aluno como produtor cultural, agente
tado exigem a organização dos artistas-produtores
responsável não somente pela criação artística, mas
no que diz respeito ao agenciamento das relações de
também pela relação do seu trabalho com o merca-
contato com produtores, equipes técnicas, espaços de
do no qual atuará. Nesse contexto, são comuns os
apresentação, tipos de público, arranjos de logística
depoimentos de alunos que, ao saírem da faculdade,
do grupo (transporte da equipe e do cenário, hospe-
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Foto: Cláudia Schulz
dagem e alimentação), meios de divulgação, etc., diferentes em cada local, o que possibilita a experiência
do “jogo de cintura” necessário quando se trabalha
com produção. Nesta conjuntura, é incontestável a
sustentação do Sesc para que essa experiência mais
intensa de produção seja possível, ao responsabilizar-se pelo agendamento das apresentações com os produtores locais e os espaços por eles administrados,
providenciando também a alimentação, o transporte
e a hospedagem do grupo.
No entanto, o processo completa-se e efetiva-se durante os dias em que os artistas estão “na estrada”, em contato direto com as equipes que encontram
em cada cidade. É nesse contato, e principalmente ao
deparar-se com as sempre presentes situações inesperadas, que o grupo tem espaço para aprimorar sua
Os artistas de Fando & Lis aprenderam "na estrada", em contato com
as equipes de cada a cidade, a lidar com as situações inesperadas
postura profissional, estando mais exposto a circunsFoto: Divulgação Maria Metade
tâncias reais de produção, apartado do espaço “protegido” da universidade.
O caráter inovador do projeto não se restringe
a isso, evidentemente. Sendo assim, satisfeito e grato
pela possibilidade da circulação de Fando & Lis e dos
espetáculos dos colegas que participaram do Circuito
durante o ano, desejo que sejam feitas ainda muitas
reflexões sobre essa bela parceria Sesc-UFSM que, aos
meus olhos, merece vida longa!
O olhar da artista
Para Daine Brum, que circulou com Maria Metade, um dos méritos
do projeto é a possibilidade de intercâmbio
Por Daiani Brum, artista independente quando atuou e também
foi responsável pela criação e adaptação em Maria Metade;
hoje, faz parte do Palco Fora do Eixo,
desenvolvido em Santa Maria pelo Cenário Coletivo
O espetáculo teatral Maria Metade estreou em
aos alunos estabeleceu uma realidade ainda desco-
novembro de 2010 e foi criado por meio do Curso de
nhecida para muitos, a continuidade dos espetáculos
Artes Cênicas da UFSM, com orientação de Gabriela
após a avaliação do curso. Para mim, foi uma experiên-
Amado. Atualmente, o espetáculo conta com 14 apre-
cia muito interessante, muitas outras oportunidades de
sentações, destacando-se a participação no Projeto Tre-
continuar com espetáculo foram ocasionadas pela visi-
ze: O Palco da Cultura; Festival Grito Rock-Palco Fora do
bilidade gerada nas apresentações durante o Circuito
Eixo; Festival Folclórico de Esteio e Circuito Universitário
e pela possibilidade de intercâmbio.
Sesc. O espetáculo também integrou a programação do
Aldeia Sesc Imembuy, realizado em novembro.
Garantindo espaço, equipe técnica qualificada,
divulgação e público para as apresentações, a organi-
O Circuito Universitário proporcionou três apre-
zação do Circuito proporcionou aos alunos/artistas o
sentações do espetáculo ao público de Santa Maria,
contato com a realidade profissional do teatro. Acre-
São Sepé e Santiago. Devido a sua linguagem popu-
dito que o desenvolvimento do projeto ocorreu de
lar, verificou-se uma boa recepção em todos estes es-
maneira positiva em diversos aspectos para todos os
paços. A iniciativa gerou a circulação de espetáculos
alunos envolvidos. Esperamos que esta iniciativa tenha
acadêmicos, oportunizando a inserção dos alunos no
continuidade e prossiga beneficiando o público, assim
mercado de trabalho. Esta oportunidade concedida
como os futuros profissionais do teatro.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
15
artes cênicas
Por Zé Adão Barbosa,
ator, diretor, sócio-fundador e professor do Teatro Escola de Porto Alegre (Tepa)
e fundador da Casa de Teatro de Porto Alegre
A comédia
No início da minha carreira, sonhava com dramas, tragédias, personagens sofridos, angustiados,
comediantes da reconhecida Terça Insana. Pode ser
heróicos. Qual não foi minha surpresa quando um
um besteirol aos moldes dos geniais Vicente Pereira,
dia, em um ensaio, o diretor disse que eu era muito
Ricardo de Almeida e Miguel Magno. A comédia pode
engraçado e que poderia ser um ótimo comediante,
ser tanto cruel, negra, impactante como a maravilhosa
fiquei pasmo, mas adorei a ideia de descobrir o outro
Pterodátilos, vista no último Porto Alegre em Cena,
lado. A comédia é mais difícil para um ator, exige um
com um dos maiores comediante brasileiros: Marco
timing diferente, uma percepção maior que pode re-
Nanini (que também é um grande ator dramático).
sultar num bom “caco” ou num improviso genial que
poderá até ser incorporado à peça.
16
16
como Lenny Bruce, Karl Valentin ou pelos excelentes
O que acontece é que, na visão de alguns produtores, a comédia independe de dramaturgia, de
Sempre falo aos alunos que se pode treinar
bons elencos e de uma produção mais bem cuidada,
um ator dramático, mas o comediante já vem pron-
o que é um grande erro. Não bastam algumas piadas,
to. O comediante tem que ser, inevitavelmente, bem-
um cenário malfeito, figurinos caricatos e um elenco
-humorado, sarcástico, inteligente e livre de qualquer
de pseudocomediantes para fazer rir. Estas tristes
preconceito para não se perder em uma exibição sim-
tentativas são o que se chama de “caça-níqueis”, um
plória. No humor, o que conta é a piada, o comedian-
pretexto para atrair um público maior que, após ex-
te tem que saber interpretá-la com maestria, exercita
perimentar uma montagem medíocre, sai desmotiva-
seu humor não só no palco, mas também no cotidiano,
do, acreditando que foi enganado e jura nunca mais
na família, no trabalho, nas rodas de amigos, tirando
botar os pés em um teatro. É lógico que também
partido de qualquer situação, por mais banal que seja.
existe um público de gosto duvidoso, que se diverte
A comédia pode ser revolucionária no momen-
com piadas chulas e preconceituosas, um erotismo
to que faz um espectador rir da própria desgraça.
forçado e uma absoluta falta de dramaturgia. Existe
Pode ser um simples stand up exercitado por gênios
público pra tudo, mas estamos falando de um bom
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
público, uma boa comédia e de bons
comediantes, além do que, existem
caça-níqueis que montam dramas pavorosos também.
Existe, há um bom tempo, uma visível
crise no público de teatro. Os produtores, temerosos de um fracasso de bilheteria, acabam buscando montagens comerciais que tragam espectadores
ávidos por um divertimento “rapidamente digestivo”, e isto é natural. Nos anos de 1970 já se lotava
plateias com os shows de humor de Jô Soares, José
Vasconcellos, Chico Anysio e tantos outros. Só nos
resta acreditar que o público, com o tempo, aprenda
a diferenciar o bom teatro dos “caça-níqueis”, mas
sempre lembrando que, em um país sem uma educação básica, é provável que a grande dramaturgia e os
grandes autores só interessem aos mais exigentes.
Ilustração:
Intervenção digital de Rose Tesche na imagem da atriz Sarah Bernhardt,
na primeira adaptação de Hamlet, de William Shakespeare,
para o cinema, em 1900
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
17
17
artes cênicas
Grupos participantes
relatam as experiências
em levar seus espetáculos
a todo o Brasil,
dos grandes centros
às mais remotas
localidades
Concerto de Ispinhu e Fulô
Cia. do Tijolo, de São Paulo
Talvez a sensação mais gratificante e mais difícil de expressar em palavras seja a de uma espécie de
“gravidez”. Como se estivéssemos prenhes de algu-
Acabamos de completar nossa travessia, nossa
ma coisa ainda sem nome, mas que carrega em si uma
caminhada com o espetáculo Concerto de Ispinho e
espécie de potência incomum. Sairá dessa coisa um
Fulô no projeto Palco Giratório. Durante o ano de 2011,
novo espetáculo, um texto, uma canção? Uma nova
passamos por mais de 40 cidades brasileiras, apresen-
concepção do que é o trabalho de grupo, do que é ou
tando nosso espetáculo, conversando, debatendo,
não é o Brasil? Alguma coisa assim, ainda indefinida,
ministrando oficinas, enfim, criando pontes, diálogos
mas com um peso criativo inconteste.
com plateias e artistas de diferentes cantos do Brasil.
Entretanto, fica-nos a sensação da importância
Quantas coisas compreendemos e quantas novas e
e da relevância desse projeto para o Brasil. Não só para
inesperadas perguntas surgiram tomando o lugar de
os grupos envolvidos, que têm a possibilidade de mos-
velhas certezas sobre o teatro, sobre a arte, sobre ética,
trar seu trabalho a plateias diferentes, entrar em conta-
convivência, sobre o ser ou não ser brasileiro...
to com outros grupos maravilhosos e conhecer as peculiaridades de diversas regiões; não só para o público
das cidades, que pode assistir a espetáculos de regiões
distantes com diferentes linguagens e influências, mas
também para os produtores locais, aprendendo a produzir em condições muitas vezes bastante complicadas, e os técnicos, tendo que atender aos grupos, encontrar saídas e desenvolverem-se como profissionais.
Os grupos teatrais das cidades, confrontados com outras experiências criativas...
Enfim, o Palco Giratório é um projeto que pode
promover, a partir do contato entre experiências diversas,
um desenvolvimento real de todos os envolvidos em sua
realização. No mais, só mesmo a saudade de tantos novos amigos, de tantos bons momentos, de tantos belos
espetáculos vistos e realizados, saudades de um Brasil
que se revela em toda sua magnitude e complexidade.
Rodrigo Mercadante,
ator e fundador da Cia. do Tijolo
18
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Dentrofora
Cia. In.Co.Mo.De-Te, do Rio Grande do Sul
Participar do Festival Palco Giratório realizado
pelo Sesc/RS, em Porto Alegre, sendo uma produção
gaúcha, fazendo parte do cenário teatral local, é como
ser recebido na sala de estar da nossa própria casa.
Sentimo-nos cercados de afeto e respeito profissional.
Temos a liberdade e a oportunidade de mostrar nosso trabalho dentro de um projeto vigoroso que
reúne em um grande painel a diversidade teatral produzida no país.
A Cia. In.Co.Mo.De-Te, com o espetáculo Dentrofora, também participa desde abril deste ano do
Circuito Palco Giratório Nacional Sesc, levando seu
trabalho para 12 estados do Brasil: Ceará, Pernambu-
São iniciativas desse porte que fazem com que
co, Mato Grosso, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São
o Sesc afirme cada vez mais a sua grande contribuição
Paulo, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Bahia,
e incentivo às artes cênicas brasileira. Agradecemos, de
Rondônia e Amazonas.
coração, a todos os funcionários e coordenadores do
Uma experiência singular, em que temos a chan-
Sesc que nos receberam em todas as regiões por onde
ce de mostrar nossa produção para públicos tão diver-
cruzamos. Gente que ficará para sempre em nossa lem-
sos e realizar oficinas, participar de diálogos sobre o
brança, levando adiante a cultura para toda parte.
processo teatral e, principalmente, absorver a resposta
imediata do público por meio de debates realizados
Nelson Diniz,
ator
logo após o espetáculo.
A Tecelã e Encantadores de Histórias
ciente, a tantas cidades espalhadas por essas enormes
Cia. Caixa do Elefante, do Rio Grande do Sul
terras brasileiras. Certamente, graças a este projeto, o
espetáculo pode aprimorar-se durante este ano.
O ano de 2011 foi repleto de encontros e surpresas provindas de nossas andanças pelo Brasil. Participar
Carolina Garcia,
do circuito Palco Giratório proporcionou uma vivência
atriz, produtora cultural e arte-educadora
singular para os integrantes do nosso grupo, possibilitando conhecer diferentes plateias e artistas de variadas
regiões do país, com os quais, mesmo nesses rápidos
encontros, criamos um vínculo permanente.
Durante o circuito, realizamos com os espetáculos A Tecelã e Encantadores de Histórias um total de
40 apresentações, 12 oficinas abertas à comunidade e
um intercâmbio com o grupo de dança Ginga, do Mato
Grasso do Sul. O projeto teve a abrangência geográfica de 14 estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Distrito
Federal, Mato Grosso, Goiás, Rondônia, Espírito Santo,
Tocantins, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.
Somente devido a esta iniciativa cultural empreendedora do Sesc é que nos foi possível levar um espetáculo tão complexo como A Tecelã, de forma tão efi-
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
19
artes cênicas
“João Acir surgiu na minha vida em 1975 e, durante
36 anos, trabalhamos juntos. Em todos os nossos
espetáculos, e foram dezenas, lá estava o Tigrinho
com sua genialidade e generosidade. Reconhecido
como cenotécnico e iluminador, era chamado em
todo o país quando uma reforma na estrutura de
palcos e urdimentos era necessária. No Teatro Novo
DC, foi fundamental o seu apoio para termos um
dos maiores palcos da capital. O nosso palco e suas
Um dos mais experientes e talentosos técnicos do teatro gaúcho e
brasileiro, o iluminador e cenotécnico João Acir, conhecido como Tigrinho,
faleceu em 3 de setembro, aos 78 anos. Por mais de cinco décadas, João
Acir destacou-se no panorama das artes cênicas pelo seu conhecimento
técnico e qualidade artística de seu trabalho. Os últimos palcos que iluminou foram os do projeto Teatro a Mil, do Sesc/RS, destinado às crianças.
João Acir começou sua carreira no teatro como ator do grupo União
possibilidades se devem à "arquitetura" do João.
Eu, particularmente, perdi além de um braço direito
profissional, também um grande amigo que tive ao
meu lado inclusive em muitos momentos difíceis da
minha trajetória. Ele foi o mestre!”
Ronald Radde
Diretor de teatro | Cia. Teatro Novo
Teatral de Amadores, em 1947. No começo dos anos de 1950, como técnico auxiliar de iluminação do Teatro São Pedro, teve a oportunidade de
participar de montagens produzidas pelas melhores companhias do país.
Colaborou na iluminação das óperas Rigoletto e La Traviatta, de Verdi sob
a regência de Pablo Komlós, no centenário do teatro.
Com informações do site Itaú Cultural Foto: Arquivo de família
Entre 1967 e 1971, João Acir excursionou pelo Brasil com a Companhia Paulo Autran, na qual atuou como iluminador e, ocasionalmente, como
cenotécnico de alguns espetáculos marcantes da história do moderno teatro brasileiro, tais como Édipo Rei, de Sófocles, com direção de Flávio
Rangel, em 1967, e Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto,
com direção de Silnei Siqueira, em 1969.
Pelo espetáculo Salão Grená, com roteiro e direção de Irene Brietzke,
em 1980, conquistou o Prêmio Açorianos de melhor iluminador, o primeiro
de sua carreira. E, paralelamente às atividades em teatro, especializou-se
na criação de luz para espetáculos de dança, colaborou com montagens
líricas, além de atuar em escolas de samba do carnaval de Porto Alegre.
João Acir integrou a comissão fundadora do Porto Alegre Em Cena, festival que o homenageou como padrinho em 2009, e como assessor técnico
participou da construção e remodelação de vários teatros em todo o Brasil.
“Acredito que o Acir é uma destas pessoas raras,
uma pele de 'tigre' em um coração açucarado,
imenso. Alma adolescente... irrequieta. Seu
profissionalismo e sua fidelidade aos amigos
eram impressionantes. Mestre em criar 'volumes
e texturas' para a dança, com um mínimo de
equipamentos (o que era impressionante). No
hospital, ele gostava de lembrar da nossa viagem
para o Norte e Nordeste com o genial projeto
Diálogos entre Sul e Norte – as artes cênicas
aproximando o país. Nessa viagem, conheci o Acir
que criou o projeto de reforma de iluminação do
Theatro José Alencar. Senti o maior orgulho quando,
ao lado dele, fui visitar o teatro-templo. O Acir foi
'reverenciado' e lindamente homenageado. Fizeram
um espetáculo especial à meia-noite (estávamos em
cartaz até 23h) onde entramos pelos bastidores.
Junto com a Terpsí Teatro de Dança, mais de 14 anos
de criações. Um tempo luminoso, iluminado como
não poderia deixar de ser. Saudades."
Carlota Albuquerque
Diretora da Terpsí Teatro de Dança
20
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Muito mais que avô
Por Chamile Wiest, estilista e neta de João Acir
Meu avô viveu sempre sua vida intensamente,
o que fosse. Acredito que foi isso que o fez tornar-se
fez sempre tudo o que teve vontade, exemplo para
o Tigrinho. Suas conversas eram todas voltadas à di-
mim. Desse modo, foi que largou o exército e foi se
vulgação da cultura, acessibilidade a todos.
aventurar no teatro, o qual se apaixonou e virou um
Adorava assistir a noticiários de esporte e
ícone de trabalho na área. Nós da família sempre es-
assuntos em geral. Dançava como ninguém, tinha
tivemos presentes nas suas empreitadas, assistindo a
orgulho de dizer que quando mais novo ganhou um
suas peças ou até mesmo colaborando na execução
concurso de tango com minha avó aprendendo pas-
de seus cenários e adereços.
sos com filmes de Fred Astaire. Assava um delicioso
Em especial, para mim, João Acir foi mais que
churrasco. Usava uma boina de couro que todos a re-
um avô, foi um pai, um mestre, um parceiro. Quando
conheciam. Aos 70 anos, diziam que ele só tinha 50,
tinha três anos de idade, ele me colocou no balé. Aos
pois sempre foi muito ativo e conservado. Boêmio de
seis, já o acompanhava para espetáculos e afinações
carteirinha. Um amigo um dia me disse que João Acir
de luz. Aos 19 anos, foi a primeira vez que nos encon-
era o último Dom Juan que existia.
tramos no palco, dancei e produzi o figurino de um
Esse era meu avô, um amigo que dou graças
espetáculo da Carlota da Cia. Terpsí, para o qual ele
de ter tido em minha vida, por todas as conversas,
fez a iluminação e ficou tão orgulhoso que naquele
ensinamentos, conselhos e muitas, mas muitas, gar-
ano, quando ganhou o prêmio de melhor iluminação
galhadas que demos juntos. Agradeço por ele ter, em
do Troféu Açorianos (2003), dedicou-o a mim. Guardo-
vida, o devido reconhecimento do seu trabalho pelos
-o com muito carinho e orgulho.
seus colegas, saber o quanto nós da família o amáva-
Ao mesmo tempo em que ele era uma pessoa
mos, e o quanto ele significou para mim.
geniosa, tinha um grande coração. Sempre caridoso,
Com lágrimas nos olhos acabo este texto, lem-
ajudava a todos do jeito que podia. Apenas exigia
brando desse rabugento, que subiu ao céu para ilumi-
perfeição naquilo que nos propúnhamos a fazer, seja
nar melhor os palcos das nossas vidas.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
21
artes cênicas
Teatro
a mil
Projeto promoveu uma maratona de
apresentações de teatro para mais de
75 mil crianças de todas as regiões do
Rio Grande Sul
Em 2011, o Sesc/RS iniciou uma programação
intensiva com o teatro infantil. Embora sempre presente na programação, a instituição buscou valorizar ainda
mais esses espectadores tão especiais: as crianças. Foi
uma verdadeira maratona de apresentações, passando
por todas as regiões, cruzando esse imenso Estado,
levando arte para todos os cantos. Em formato de circuitos, os grupos teatrais foram inseridos na realidade
e povoaram a imaginação de muitas crianças. No total,
20 espetáculos realizaram mais de 130 sessões em teatros e escolas de 50 municípios, atraindo um público
de mais de 75 mil estudantes de 250 escolas públicas.
22
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Fotos: Divulgação Sesc/RS
Por meio dos espetáculos do Projeto Teatro a
Mil, os alunos do professor Márcio André Oliveira da
Silva, da 4ª série da Escola Municipal Marcelo de Freitas Faraco, de Alegrete, têm a oportunidade de conhecer o mundo a partir de uma perspectiva lúdica e prazerosa. Parceiro do Sesc, ele levou as crianças de sua
classe, com idade de 9 a 13 anos, para assistir às duas
O projeto Teatro a Mil tem o objetivo de co-
peças que circulam pelo projeto na cidade em 2011:
laborar com um processo fundamental: a educação
Pum! Histórias Mal Cheirosas e Zão e Zoraida. “Somos
dos sentidos. Possibilitar o ver, conhecer, sentir, ou-
muito gratos pela oportunidade de desfrutar de es-
vir, inventar, criar. Enfim, oferecer ferramentas para
petáculos teatrais de grande qualidade e beleza aqui
que a criança tenha uma visão mais ampla do seu
longe dos grandes centros. Essas peças nos renderam
mundo e do seu espaço, entendendo que o melhor
muita diversão e aprendizado durante vários dias ao
caminho é através da arte.
trabalharmos sobre os assuntos defendidos”, revela.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
23
artes cênicas
O teatro, seja no aspecto pedagógico seja no
aspecto artístico, assistido ou encenado, auxilia a crianA declaração de uma das alunas do professor
ça no seu crescimento cultural e na sua formação como
Márcio confirma a vocação do projeto, de formar cida-
indivíduo. A escola é um espaço de conhecimento e
dãos. “O importante na história é que se você tem um
aprendizagem, assim, as artes – música, literatura, pin-
problema não precisa ter vergonha”, avaliou, depois
tura, escultura, teatro e outras – passam a ser essenciais
de assistir à comédia Pum! Histórias Mal Cheirosas,
para o desenvolvimento perceptivo da criança.
referindo-se à flatulência da protagonista. Um colega,
Trabalhar com o teatro na sala de aula traz uma
comentando o outro espetáculo: “A história é muito
série de benefícios aos alunos: ensina a improvisar, de-
engraçada e os personagens mais ainda, mas o mais
senvolve a oralidade, a expressão corporal, a imposta-
importante é que a aventura não tem idade.”
ção de voz, estimula o entrosamento com as pessoas,
Com o texto a seguir, o professor Márcio justifi-
amplia o vocabulário, desenvolve as habilidades para as
ca a participação de sua turma em todas as oportunida-
artes plásticas e a redação, oportuniza a pesquisa, tra-
des que o projeto oferece:
balha o lado emocional e a cidadania, a religiosidade,
Foto: Fabricio Oliano
ética, sentimentos, interdisciplinaridade e incentiva a leitura. Além disso, propicia o contato com obras clássicas,
fábulas, reportagens; ajuda os alunos a desinibirem-se
e adquirirem autoconfiança, estimula a imaginação e a
organização do pensamento. Enfim, são incontáveis as
vantagens da introdução do teatro em sala de aula.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
buscam identificar os diversos argumentos sobre a
importância do conhecimento artístico. A abordagem
dramática na educação admite a importância do teatro
infantil e considera-o como base da educação criativa.
De acordo com os PCN, o teatro na escola tem o intuito
Foto: Divulgação Sesc/RS
de que o aluno desenvolva um maior domínio do corpo, tornando-o expressivo, um melhor desempenho na
verbalização, uma melhor capacidade para responder
às situações emergentes e uma maior capacidade de
organização de domínio de tempo. Estimula ainda o indivíduo no seu desenvolvimento mental e psicológico.
Entretanto, apesar disso, o teatro é arte, arte que precisa ser estudada não apenas em níveis pedagógicos,
mas também como uma atividade artística que tem as
suas características como tal. Assim declara Reverbel
(1989): Que o teatro tem a função de divertir instruindo
é uma verdade que ninguém pode contestar, pois seria
negar-lhe a própria história.
24
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Eu entendi que um rei
tinha uma filha que ninguém
queria chegar perto. Seu pai estava
tão orgulhoso porque ela ia cantar num
programa de TV, mas ela não conseguia cantar
porque soltava um pum. Um dia ela disse para
seu pai que queria se casar. Seu pai chamou
todos os príncipes do reino para ela escolher
um. Quando ela contava que tinha um defeito
eles iam embora. Até que chegou um
príncipe que aceitou se casar com ela.
Esta foi a parte que mais gostei.
Bruna Samira Muniz Fernandes,
9 anos (Pum! História mal cheirosa)
Em todas as pontas, o projeto Teatro a Mil só
traz benefícios para a sociedade. Tem o lado das crianças, dos educadores, que contam com rico conteúdo
para trabalhar em sala de aula, da sociedade, que recebe cidadãos mais conscientes de seu papel, dos gestores, que tem no Sesc um parceiro que promove espetáculos de qualidade em localidades que não receberiam
Foto: Divulgação Sesc/RS
de outra forma, e do fomento à produção cultural.
Em Charqueadas, onde 1.317 crianças assistiram
ao espetáculo Ópera Monstra, da Cia. Stravaganza, a
secretária de Cultura, Desporto e Lazer do município,
Sandra Peres, não se cansa de agradecer a parceria
firmada com o Sesc. “Ficamos encantados com o profissionalismo e desenvoltura dos atores. Todos os adultos, crianças e adolescentes que assistiram à peça ainda comentam sobre a beleza do espetáculo”, diz. Não
é para menos, a companhia tem 23 anos, já encenou 22
espetáculos – 10 deles infantis –, ganhou 106 prêmios
e, atualmente, tem sete peças no repertório.
Foto: Divulgação Sesc/RS
O Bando de Brincantes circulou com o espetáculo Jogos de Inventar, Cantar e Dançar pelas cidades
de Farroupilha, Caxias do Sul, Carlos Barbosa, Carazinho, Erechim e Passo Fundo, num total de 15 apresentações. A coordenadora do grupo, artista e produtora
cultural Viviane Juguero afirma que o projeto Teatro a
Mil concretiza uma proposta pedagógica, artística e
educativa, fundamental para a disseminação da arte
teatral e para a formação de plateia. “O mais importante, no entanto, é que proporciona a milhares de crianças vivenciarem um divertimento artístico que instiga
os sentidos e propõe distintas percepções do mundo,
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
25
artes cênicas
Fotos: Divulgação Sesc/RS
revelando que sempre é possível buscarmos olhares
“Zão era muito
diferentes dos convencionais, ressignificando a vida e
atrapalhado e Zoraida
muito engraçada.
louvando a beleza das relações humanas”, ressalta.
Viviane diz que as crianças já estavam traba-
Eu gostei do carro e do
lhando com o livro e o CD do espetáculo e, em diver-
nariz dos personagens.
sas ocasiões, as crianças sabiam cantar todas as músi-
A peça incentiva a busca
cas. “Como autora, fiquei emocionada várias vezes. Há
pela aventura.”
anos que o Bando de Brincantes trabalha com o Sesc,
sempre em projetos de grande valor cultural, os quais
proporcionam condições de trabalho dignas a artistas
e técnicos. O Teatro a Mil é um projeto incrível e espero que vire Teatro a Milhões, pois é uma ação artística
Vitor Gustavo dos Anjos Pedroso,
e cultural maravilhosa.”
11 anos (Zão e Zoraida)
TEATRO A MIL EM NÚMEROS
26
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
O Caderno de Teatro é uma seleção de entrevistas com artistas que nos últimos anos participaram do Festival Palco
Giratório no Arte Sesc – Cultura por toda
parte. Sua edição desempenha um papel
fundamental na difusão de conhecimento.
Nas páginas que seguem, apresentamos uma entrevista inédita com o russo
Gennadi Bogdanov, um dos mais destacados mestres descendente direto da Biomecânica Teatral de Meyerhold.
O artista esteve em Porto Alegre
durante o 6º Festival Palco Giratório, realizado no mês de maio.
#07
Fotos: Claudio Etges
SEGUNDO SEMESTRE | 2010
2011
27
artes cênicas
de Biomecânica
com Kustov no Teatro
O trabalho desenvolvido por Vsevolod Emilevich
São poucas as pessoas que dedicaram seu tempo
Meyerhold, importante encenador russo do início do
para conhecer esta técnica diretamente (diferente
século XX, é transmitido por poucos mestres que tive-
de Vsevolod Emilevich Meyerhold quando escreveu),
ram contato com sua obra e seu sistema. Entre eles,
mesmo quando existe uma possibilidade. Lembro-
está Gennadi Bogdanov, descendente direto da se-
-me, a propósito, de um estudante da GITIS (Acade-
gunda geração desta tradição. Nesta entrevista iné-
mia Russa de Artes Teatrais) que pretendia assistir 20
dita, cedida pelo Centro Internacional de Estudos em
minutos de aula para compreender e analisar um pro-
Biomecânica Teatral de Meyerhold, na Itália, através
cesso de meses de trabalho, e isto para preparar sua
de seu coordenador Claudio Massimo Paternò, Gen-
tese de doutorado sobre Meyerhold. Seu trabalho,
nadi relata seu encontro com a Biomecânica Teatral e
baseado em uma longa busca nos arquivos, não en-
o trabalho com seus mestres Nikolaj Kustov e Valentin
volveu uma verificação direta com a prática. Acredito
Plucek, ambos atores de Meyerhold. Esses encontros
que em seus 10 minutos de permanência na sala de
deram continuidade ao legado de Meyerhold: seu tea-
aula (sua impaciência não permitia uma "estada" mais
tro, princípios, ideias e ensinamentos.
longa) nós não conseguimos contribuir para enriquecer o seu trabalho.
Você pode nos falar sobre a Biomecânica de
Meyerhold e de como você entrou em contato com
Eu não sou um teórico. Pratico a Biomecânica Teatral
este sistema?
de Meyerhold há 40 anos. Após me formar na GITIS
como ator, trabalhei por 20 anos no Teatro de Sátira
28
Sempre escreveram muitas coisas sobre a Biomecânica
de Moscou. Em 1992, retornei para a mesma institui-
Teatral de Meyerhold, quase todas formuladas a partir
ção, desta vez como professor, para depois trabalhar
de documentos. Muitas vezes, as coisas se repetem e
como formador e diretor em outras universidades, es-
dificilmente enriquecem o assunto como algo que real-
colas teatrais e companhias de todo o mundo. Esta é
mente seja interessante.
a minha atividade atual.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Os encontros
Teatral de Meyerhold
de Sátira de Moscou
Tradução russo-italiano: Liudmila Strakh | Tradução italiano-português: Marcelo Bulgarelli *
Editores: Marcello Manuali, Claudio Massimo Paternò e Marcelo Bulgarelli
Vou falar apenas aquilo que conheço. Vou falar tam-
Eu, jovem ator, recém-formado, tive a honra e a sorte,
bém sobre a Biomecânica Teatral de Meyerhold, uma
não somente de poder trabalhar em um dos teatros
técnica que por 40 anos foi praticada extraoficialmente
mais importantes de Moscou, mas de participar dos
por poucos e estreitos colaboradores de Meyerhold, e
encontros que o mesmo Plucek realizava com os 75
que hoje se redescobre. Vou fazê-lo com conhecimen-
atores de sua companhia de teatro. Nesses encontros,
to de causa, porque conheço a técnica diretamente,
falava-se sobre a nossa profissão, sobre arte, e nunca
sem filtros, pois pratiquei 20 anos como ator em um
perdíamos a chance de falar sobre Meyerhold e da sua
dos teatros mais importantes da URSS (União Soviética)
Biomecânica teatral.
e, em seguida, da Rússia. Isto porque tenho dedicado
toda a minha vida para o seu desenvolvimento artístico
Certo dia, quando apenas me contrataram para tra-
e sua divulgação, sempre com grande generosidade.
balhar neste Teatro, o diretor Plucek fez um pedido
explícito no quadro de avisos e anúncios, solicitando
Inicialmente, é impossível agradecer o suficiente àque-
que todos os atores participassem, juntamente com
le que foi o elo entre mim e a Biomecânica Teatral de
outras atividades de formação, como o balé clássico,
Meyerhold: Valentin Plucek. Primo de Peter Brook, Va-
por exemplo, do Treinamento em Biomecânica Teatral,
lentin Plucek foi por mais de 40 anos diretor artístico do
com Nikolaj Kustov.
Teatro de Sátira. Grande diretor no cenário teatral da
URSS – as pessoas formavam filas nas primeiras horas
Você pode falar mais sobre o Mestre Kustov?
da manhã para comprar ingressos para seus espetáculos –, formou-se, primeiro, como ator e depois como
Nikolaj Georgevic Kustov trabalhou com V. E. Meyerhold
diretor, na GEKTEMAS (Instituto Teatral Experimental
por muitos anos, participando no desenvolvimento da
do Estado), escola dirigida por Meyerhold, sendo di-
Biomecânica Teatral e na criação de muitos espetáculos –
rigido por este nos lendários espetáculos O Inspetor
dele podemos lembrar-nos das fotografias capturadas en-
Geral, de N. Gogol, e O Percevejo, de Maiakovski.
quanto ele treinava exercitando o Etude do Tiro com Arco.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
29
artes cênicas
De 1971 (quando Plucek o convidou para trabalhar no
todo o processo, o seu significado, e qual era a ideia de
Teatro de Sátira) até 1976 (quando faleceu), ele condu-
Meyerhold em relação à educação artística de um ator.
ziu toda a formação de Biomecânica Teatral, trabalhan-
Processo era uma palavra que Nikolaj Kustov nunca se
do com um grupo de atores, na verdade, nunca fixo.
cansava de repetir durante os nossos encontros.
Embora, de fato, Valentin Plucek investisse e insistisse
para que todos participassem constantemente da ativi-
Agora, entrando em questões mais específicas sobre
dade, a não obrigatoriedade do treinamento fez com
esses encontros: inicialmente, aquecíamo-nos com
que se formasse um pequeno grupo de participantes,
uma série de exercícios que incluíam correr, saltar,
de seis a oito integrantes. Plucek enxergava a mim e
controlar as principais articulações do corpo e alon-
Aleksej Levinskij como os únicos atores constantes e
gar a musculatura. A segunda fase era a de desen-
sempre presentes. Com a morte de Nikolaj Kustov,
volver e fortalecer os músculos, principalmente nas
Aleksej e eu fomos os únicos a levar adiante o treina-
pernas, braços, abdômen e costas. Em seguida, rea-
mento como ele mesmo havia nos ensinado.
lizávamos exercícios acrobáticos sobre mesas e praticáveis – no início simples, e gradualmente mais com-
Nikolaj Kustov ensinava rápido, com poucas e claras
plexo (incluindo cambalhotas, andar sobre as mãos
palavras que te possibilitavam compreender tudo. O
e acrobacias em duplas e grupo). Depois, Kustov
mesmo aplicava-se aos seus olhos: de um olhar seu
chamava atenção para o equilíbrio: com o auxílio de
podia-se ler muitas coisas. Uma pessoa muito reser-
hastes colocadas em diferentes alturas, praticávamos
vada e rigorosa. Em parte, por suas experiências in-
exercícios de dificuldades variadas (de um simples
felizes durante o período stalinista – lembre-se que
caminhar a prática de danças, saltar, pular corda, pra-
V. E. Meyerhold foi reabilitado somente em 1954, e
ticar números de malabarismo com bolinhas, claves
que ainda nos anos de 1970 permanecia, em relação
e argolas). Não faltavam também exercícios rítmicos,
ao seu nome, uma aura de medo – e outra devido ao
incluindo o sapateado. Todo o trabalho, como men-
seu caráter pouco disponível ao diálogo. As pessoas
cionado anteriormente, era acompanhado por músi-
demonstravam muito respeito por ele, mas poucos
ca ao vivo, porque devíamos desenvolver a musicali-
conseguiam aproximar-se.
dade de cada gesto. Todos os exercícios tinham uma
finalidade precisa: desenvolver o controle sobre seu
Plucek, com seu grupo de atores, foi um dos únicos
próprio mecanismo físico e aumentar a consciência
artistas do meio teatral que Nikolaj Kustov tinha con-
de suas ações.
cordado em conduzir o que hoje posso definir de aulas
de Biomecânica Teatral de Meyerhold.
A última parte do treino foi dedicada ao estudo e à
prática dos Etudes Clássicos da Biomecânica Teatral
Como era o trabalho com o mestre Kustov?
de Meyerhold.
Os encontros eram sempre pontuados por músicas to-
O que são os Etudes Clássicos da Biomecânica Tea-
cadas ao piano pelo Maestro Boris Fingaret (da Filarmô-
tral de Meyerhold?
nica de Moscou). Acompanhado pela música do maestro, com Kustov ainda vivo, havíamos demonstrado os
Há 70 anos que o mundo interpreta os Etudes, desde
resultados do nosso trabalho (como fazia Meyerhold)
o tempo de V. E. Meyerhold. Algumas pessoas pen-
em duas ocasiões: a primeira na Casa dos Cientistas de
sam como o resultado cênico da Biomecânica Tea-
Moscou; e a segunda, em nosso teatro, atendendo ao
tral; outros, céticos, os consideram como um objeto
desejo de Plucek, com a presença de todos os atores
arqueológico; outros ainda (e são os mais perigosos)
da companhia. Da primeira demonstração, recordo da
o observam como um movimento muito específico a
grande emoção do público às lágrimas. Da segunda,
ser estudado apenas sob a forma e não em conteúdo,
recordo-me como mostramos todo o processo de tra-
para depois reutilizá-los em qualquer ocasião cênica,
balho – de um simples aquecimento a acrobacia. Dos
somente para impressionar.
exercícios rítmicos para aqueles com vários objetos. E,
30
finalmente, demonstramos os Etudes Clássicos da Bio-
Como disse no início desta entrevista, falo somente da-
mecânica Teatral de Meyerhold. Tudo foi apresentado
quilo que sei e pratico há 40 anos. Os Etudes não são
de maneira comprimida e simplificada, mas ficou claro
nada disso, e somente na prática diária e constante é
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
possível entender como eles são ricos e oferecem ao
ator sempre novas informações. No mundo, até hoje,
somente eu, Alexei Levinskij e poucos estudantes têm
a consciência clara destes Etudes. A minha tarefa aqui é
oferecer uma explicação mais clara possível, na certeza,
porém, que somente praticando estes Etudes é possível
dar ao ator as ferramentas técnicas contida neles.
Nikolaj Kustov definia o Etude como um modelo de
comportamento do ator durante a execução de um
espetáculo. O Etude é um exemplo para o ator de
como construir uma ação teatral de um ponto de vista técnico e lhe dá a possibilidade de compreender
a estrutura do gesto teatral e os princípios biomecânicos que o regem para controlar constantemente
o progresso dinâmico espacial de uma ação teatral.
Conhecendo o próprio corpo profundamente, enten-
E tudo com uma forma precisa e com dificuldades fí-
dendo como o principal meio de expressão, o ator é
sicas importantes, que resultam na execução destes
capaz de improvisar com a forma (etude é apenas um
Etudes em um exercício completo.
modelo), dando concretude à imaginação, criando metáforas e imagens em movimento.
Quais são os princípios da Biomecânica Teatral de
Meyerhold?
O ensinamento
pedagógico
da Biomecânica
Teatral nunca foi
sistematizado no
papel por seu criador
Meyerhold, que temia
a transmissão da
técnica por pessoas
despreparadas
Quais efeitos você encontrou no seu trabalho após
anos de trabalho com Kustov?
V. E. Meyerhold nunca escreveu de modo sistemático
os princípios que constituem o gesto teatral – chegam
O trabalho com Nikolaj Kustov serviu muito para mim e
até nós somente notas de seus assistentes e taquigra-
meus companheiros. Isto não somente nas produções
fias – e que podem ser definidos como os princípios da
do Teatro de Sátira, mas também para desenvolver os
construção da ação. O mesmo vale para Nikolaj Kustov.
nossos primeiros espetáculos fora deste contexto.
Neste ponto de vista, não é correto eu divulgar isto.
Nenhum daqueles que conhecem a técnica e respei-
Alexei Levinskij formou-se como ator na Escola Studio
tam a vontade do Meyerhold falaram sobre isso, exceto
del M. A. T. Ele frequentava as aulas gratuitas de direção
pela prática em sala de trabalho.
da GITIS . Isto permitiu que ele tivesse um grupo de atores que se engajavam nas primeiras montagens seguin-
Digo somente que os princípios da construção da
do os princípios da Biomecânica Teatral. Em tudo isto,
ação trabalham sobre a dinâmica, o controle, o traba-
Nikolaj Kustov era uma testemunha, e mesmo fora do
lho com o espaço, a coordenação e a cooperação de
trabalho, ele expressava sua opinião com moderação.
todos os compartimentos do corpo. Trabalham tam-
A sua morte não interrompeu este processo. Nós tra-
bém com o equilíbrio, a conservação da energia e a
balhamos com textos de Garcia Lorca, Molière, Brecht,
racionalização de cada ação, gesto e movimento do
Carlo Gozzi. Tínhamos nos interessado na Comédie-
ator. Outro aspecto igualmente importante é o desen-
-Française a na Commedia dell'Arte, trabalhando da
volvimento de excitabilidade reflexa. Vou citar apenas
nossa maneira para encontrar o nosso trabalho teatral.
os nomes dos princípios que constituem uma frase de
ação: Otkaz, Posil, Tocka ou Stoika. Cada um destes
Tudo isto para desenvolver os temas que já entre 1918-
termos corresponde a uma etapa claramente identi-
1920 Meyerhold percorria: a improvisação, a pantomi-
ficável na ação teatral. Associados a estes, temos o
ma, o controle técnico sobre a máscara e o trabalho
Tormoz ou controle, e o Rakurs – um termo muito caro
sobre o palco.
a Eisenstein (um dos mais importantes alunos de V.
E. Meyerhold) – que é conectado com o trabalho do
Desfrutando do fato de que Aleksej Levinskij frequen-
corpo no espaço em relação ao ritmo. Outro termo é
tava as aulas, fomos capazes de demonstrar o nosso
o Gruppirovka – o centro do ator.
trabalho na faculdade de direção da GITIS.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
31
artes cênicas
Em 1983, decidimos então trabalhar com um autor
primeira vez apenas para amigos e atores no teatro,
"novo" para a URSS: Samuel Beckett, em Esperan-
em uma pequena sala de ensaios (Beckett era ainda
do Godot. O elenco, composto por todos os atores
censurado), estreou com o advento da perestróica em
que tinham estudado com Nikolaj Kustov, como Alek-
22 de outubro 1987, em ocasião da inauguração da sala
sej Levinskij (que também dirigiu), Oleg Sevostianov,
Malaia, do Teatro de Sátira, e após seguir temporada
Alexander Voevodin, eu e meu filho (para a parte do
no Teatro Ermolova.
menino). O trabalho foi criado coletivamente. Não
houve líderes e tudo se baseava na colaboração e no
Como e quando você começou a transmitir
trabalho em equipe – modo típico de trabalho da Bio-
esta técnica?
mecânica Teatral de Meyerhold.
No final dos anos de 1980, comecei a me perguntar
Utilizar um texto dramático do Teatro do Absurdo ofe-
como compartilhar esse conhecimento e como trans-
recia a nós, atores, e ao diretor a possibilidade de de-
mitir aos outros essa técnica. Passaram-se quase 20
senvolver plenamente o nosso potencial expressivo,
anos do encontro com Nikolaj Kustov. Anos de trei-
construindo ações teatrais precisas, todas controladas
namento pesado e muita prática. Compreendi com o
pela técnica. Para nós, o trabalho tinha um significado
tempo toda a complexidade de uma técnica que parte
que ia além das questões e fatos artísticos, tornando-se
do treinamento como base para conhecer, organizar e
um espetáculo quase autobiográfico.
desenvolver os meios de expressão do ator. Gostaria
de saber se já era o momento de ensinar, e então co-
Nesse espetáculo, eu representava, com máscara, o
mecei a fazê-lo com cautela. Acho engraçado pensan-
personagem Lucky. Durante os ensaios, definia preci-
do sobre o que acontece hoje. Muitas pessoas frequen-
samente todos os pensamentos do meu personagem,
tam qualquer curso ou simplesmente assistem alguma
que foram criados, antes, com excepcionais possibili-
demonstração e começam a ensinar. Isso é exatamente
dades expressivas. Foi definitivamente o ponto alto do
o que V. E. Meyerhold temia e procurava combater, não
nosso trabalho cênico. A montagem, encenada pela
sistematizando no papel todo o ensinamento pedagógico da Biomecânica Teatral.
O mestre e seu
discípulo Marcelo
Bulgarelli demonstram
a técnica do "golpe
da adaga", parte dos
Estudos Clássicos da
Biomecânica Teatral
Em 1992, propus a S. Isaev, reitor da GITIS, academia
na qual sempre mantive relações após a minha formação, a criação de um curso específico de Biomecânica
Teatral com um programa estabelecido e aberto aos
estudantes de interpretação e direção. Paralelamente, enviei um programa didático ao Mime Centrum e
a Escola d’Arte Drammatica Ernst Busch, em Berlim
(na qual até hoje sou colaborador). Isto me permitiu
portar a técnica em várias estruturas teatrais e universidades estrangeiras. Dentro deste projeto, a partir
desta ideia, com a colaboração do Mine Centrum e
do seu diretor, Thilo Wittenbecher, e apoiada pelo
reitor Isaev, foi criado, dentro da GITIS, uma estrutura
que permitia aos estudantes estrangeiros frequentar
as aulas da Escola Internacional de Biomecânica. Esta
experiência durou até o final dos anos de 1990, quando deixei definitivamente a GITIS.
Como pode ser vista a Biomecânica Teatral de
Meyerhold no teatro contemporâneo?
O que eu e meus colegas de várias partes do mundo
havíamos notado é como a Biomecânica Teatral de
32
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Meyerhold é capaz de potencializar a técnica individual
do ator e o trabalho em grupo. Ela evidencia não só
um simples treinamento ou técnica – como pode ser o
movimento cênico – mas também um verdadeiro e próprio sistema teatral. A Biomecânica Teatral fornece um
código comum, uma terminologia específica, um conjunto de tarefas e de modelos técnicos – resultado da
experiência prática acumulada por V. E. Meyerhold, nos
quais os atores se baseavam para o trabalho em conjunto. Lembro-me das experiências positivas na França,
com uma companhia de atores de diferentes nações e
línguas (neste caso, também fui o codiretor do espetáculo), e em Berlim com o meu estudante T. Ostermaier,
diretor artístico e diretor do Teatro Schaubühne. Em
ambas as ocasiões, o treinamento criou uma linguagem interna que se movia além do indivíduo, criando
um amálgama em conjunto. Este trabalho nos levou a
resultados excepcionais com o espetáculo O Homem
é Homem, de B. Brecht, do Teatro Nacional Alemão,
em Berlim (dirigido por mim e Ostermaier). Fomos
convidados para o Festival de Avignon (França) e, na
Durante o 6º Festival
Palco Giratório,
em Porto Alegre,
Bogdanov ministrou
oficina de introdução
ao treinamento da
Biomecânica Teatral
de Meyerhold
Inglaterra, como diretor da Companhia Talia Theatre
(indicado para Melhor Elenco no Festival Internacional
de Edimburgo).
Para finalizar, atualmente, onde você da continuidade ao seu trabalho?
participação de estudantes, provenientes de várias
Após a experiência na GITIS e na Escola Internacional
partes do mundo, em cursos de formação. Em 2009,
de Biomecânica, em Moscou, o meu trabalho peda-
com um grupo de atores estáveis, sob a minha direção,
gógico junto a Claudio Massimo Paternò (meu aluno
montamos George Dandin ou o Marido Enganado, de
desde 1998) não parou. Estamos dando continuidade
Molière, produzido pelo Teatro CRT de Milão.
ao trabalho na Itália pelo Centro Internacional de Estudos de Biomecânica Teatral. Esta nova experiência me
Antes de finalizar, não posso deixar de agradecer ao
oferece a possibilidade de desenvolver, de maneira es-
meu mestre Nikolaj Kustov por ter me transmitido
pecífica e contínua, desde 2004, um programa didático
essa técnica teatral; e ao meu diretor, Valentin Plucek,
e a organização de uma estrutura dedicada e indepen-
sem o qual a Biomecânica Teatral, exatamente como
dente, capaz de assegurar a transmissão desse sistema
Meyerhold tinha estruturado ao fim de um longo pro-
de forma ordenada. Atualmente, os resultados são a
cesso, jamais chegaria até nós.
* Marcelo Bulgarelli é ator, integrante do Teatro Torto.
Desde 2008, é aluno de Gennadi Bogdanov,
sendo seu assistente na sessão de trabalhos práticos intitulado
Os estudos clássicos da Biomecânica Teatral de Meyerhold,
realizado no Brasil em maio de 2011, dentro da programação do
6º Festival Palco Giratório Sesc – Porto Alegre.
REFERÊNCIAS:
“Mejerchol’d” B. Picon Vallin, 2006 MTTMedizioni, Perugia
“Ecrite sur le Theatre” Mejerchol’d, traduzione B. Picon Vallin, Age d’Homme, Paris
“L’attore biomeccanico”, Mejerchol’d, Ubu Libri, Milano
“L’Arte segreta dell’attore”, Barba-Savarese, Ubu libri, Milano
“Scena”, 09/1976, Milano
“Das Theater Meyerholds und die Biomechanik”, Jörg Bochow, Alexander Verlang, Berlin
O Teatro das Classes de Meyerhold Biomecânica com Kustov no Teatro de Moscou de Sátira.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
33
música
Projeto temático promove
programações identificadas
com o desenvolvimento
histórico da música no Brasil
O projeto Sonora Brasil busca despertar no pú-
Montenegro, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Ibirubá
blico um olhar crítico sobre a produção e sobre os me-
e Passo Fundo. Esta metodologia faz com que as mes-
canismos de difusão de música no país, incentivando
mas comunidades tenham contato com todos os gru-
novas práticas e novos hábitos de apreciação musical
pos do mesmo tema, contribuindo significativamente
a partir de apresentações de caráter essencialmen-
para o conjunto de ações desenvolvidas pelo Sesc
te acústico que valorizam a pureza do som e a qua-
com vistas à formação de plateia.
lidade das obras e de seus intérpretes. A cada ano,
O diretor-geral do Departamento Nacional
o Sesc define um tema e entorno dele reúne artistas
do Sesc, Maron Emile Abi-Abib, no catálogo que
dedicados a uma obra de fundamentação artística não
apresenta a programação do biênio 2011-2012,
comercial, o que possibilita às populações de locali-
destaca que a instituição criou o Sonora Brasil, há
dades do país inteiro o contato com a qualidade e a
14 anos, por entender que é na diversidade que es-
diversidade da música brasileira.
tão as raízes de riqueza cultural do país. Segundo
Em 2011, na 14ª edição do Sonora Brasil, o Sesc
ele, o projeto percorre os mais variados recantos
inovou ao apresentar dois temas – Sotaques do Fole
do país levando ao público um panorama histórico
e Sagrados Mistérios – com a participação de quatro
da nossa música e mostrando ritmos e instrumen-
grupos em cada. Os grupos estão se alternando pe-
tos pouco difundidos no universo musical brasileiro,
las regiões brasileiras e a circulação será concluída ao
mas que retratam a realidade de nossas diversas
final de 2012. Cada um dos oito grupos participan-
culturas. “Hoje, consolidado como iniciativa das
tes realiza em torno de 70 apresentações por ano em
mais relevantes para o país, o Sonora apresenta a
formato de circuito pelas mais remotas localidades, o
arte genuína, regional, rica na sua brasilidade, uma
que proporciona aos músicos uma experiência ímpar
mistura de sotaques com a marca da diversidade.”
de difusão do trabalho e impulsão da carreira.
34
Entre os temas do projeto em anos anteriores,
Circularam pelo Rio Grande do Sul, em 2011,
estiveram A Obra de Cláudio Santoro e Guerra-Peixe,
os quatro grupos relacionados ao tema Sotaques do
em 2010; Violão Brasileiro, marcando a participação
Fole. As sete cidades envolvidas, que receberam 28
do primeiro gaúcho no Sonora: Daniel Wolf, em 2009;
apresentações, foram Porto Alegre, São Leopoldo,
e A Música de Heitor Villa-Lobos, em 2008.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
O tema Sagrados Mistérios: vozes do Brasil
foi apresentado, em 2011, nas regiões Norte, Nor-
Foto: Cesar Duarte
O som da devoção
Quarteto Colonial
é o representante da música
sacra no tema Sagrados
Mistérios: vozes do Brasil,
que circulará em 2012
no Rio Grande do Sul
deste e Centro-oeste e, no próximo ano, circulará
por cidades das regiões Sul e Sudeste. Quatro grupos apresentam a música das festividades populares
em devoção às entidades religiosas. Inspirados na
dente e dos colonizadores portugueses, os cânticos
entoam o sagrado e o profano, exaltando louvores
espirituais. Entre as formas mais conhecidas, estão
hinos, poemas litúrgicos, antífonas, lamentações,
oratórios, réquiens, cantatas.
Foto: Marcos Gatinho
tradição oral vinda da cultura indígena, afrodescen-
Do Pará, a Comitiva de São Benedito da Marujada de Bragança, grupo constituído para levar
os ritmos afro-brasileiros roda, retumbão e choraouvintes do Sonora Brasil, representa a manifestação cultural em que foliões saem às ruas rezando
ladainhas para celebrar São Benedito, do Pará até o
Maranhão, de abril a dezembro. A comitiva que se
apresenta no Rio Grande do Sul em 2012 é formada
Foto: Marcos Gatinho
do e os europeus mazurca, xote e contradança aos
pelos cantadores Zezinho Brito, rezador há mais de
20 anos, Rafael Almeida, Waldir Santos e Nazareno
Nascimento, que, além de entoarem os cânticos,
SEGUNDO SEMESTRE | 2010
2011
35
música
tocam tambor, pandeiro, reco-reco e onça (cuíca
nas práticas da tradição oral, e suas características
grave), Mestre Zito, rabequeiro oficial do evento, e
interpretativas traduzem a força alcançada pela re-
Júnior Soares, cantador, banjista e violonista, e pes-
lação de devoção ao Divino Espírito Santo.
quisador da cultura amazônica.
Entre os elementos mais importantes da Fes-
Meu Divino Espírito Santo
ta do Divino, que ocorre em diversas cidades do
Quem é vós e quem sou eu
Maranhão, estão as caixeiras, senhoras devotas que
Sou uma pobre pecadora
cantam e tocam caixas. Elas têm a responsabilidade
E Vós é um Senhor Deus
de conhecer todo o ritual, seu variado repertório e
(refrão de Espírito Santo Dobrado)
ainda ter a habilidade do improviso para responder
a situações imprevistas no decorrer dos festejos,
A Banda de Congo Panela de Barro represen-
que podem durar até 15 dias. No Sonora, repre-
ta a principal manifestação oral capixaba. O congo é
sentam esta importante manifestação Dona Maria
entoado para São Benedito e, em alguns locais, São
Rosa, Dona Maria de Jesus, Dona Zezé de Iemanjá,
Sebastião, São Pedro e Nossa Senhora da Penha. As-
Dona Rosa Barbosa e Dona Rosa de Coxo, as Caixei-
sociada a um naufrágio ocorrido no litoral do Espírito
ras do Divino de São Luís do Maranhão. O canto em
Santo, quando um grupo de escravos se salvou agar-
uníssono ou duas vozes pode apresentar variações
rando-se a um mastro com a imagem de São Benedi-
na melodia principal, como ocorre tradicionalmente
to, a cerimônia profano-religiosa é registrada desde
Acordeom: símbolo da diversidade
musical brasileira
Nas 14ª e 15ª edições do Sonora Brasil, Sotaques do Fole apresenta o acordeom em suas variantes
regionais ligadas à tradição oral, trazendo a gaita-pon-
Gilberto Monteiro
com sua gaita-ponto
apresenta temas
mais antigos
da tradição gaúcha
O tema Sotaques do Fole traz o som do acorde-
to com o músico gaúcho Gilberto Monteiro, a sanfona
om, também conhecido como sanfona, gaita, harmônica
de oito baixos do pernambucano Truvinca (PE), e o
e fisarmônica, de acordo com a região. Com precursores
acordeom de 120 baixos, com Dino Rocha, do Mato
que remetem à antiguidade chinesa, o instrumento ga-
Grosso do Sul. Em um contraponto com a tradição
nhou ainda o fole e foi utilizado por vários povos, entre
oral, o projeto traz o duo de acordeons Ferragutti/
eles, gregos, romanos e germânicos. Depois de passar
Kramer, que apresenta composições modernas e con-
por diversas culturas e adaptações, o acordeom é hoje
temporâneas relacionadas à música de concerto e a
um símbolo da diversidade musical brasileira.
outras formas ligadas à vertente acadêmica. Todos
Foto: Thiago Moreira
circularam pelo Rio Grande do Sul em 2011.
Instrumentista e compositor, nascido na cidade de Santiago do Boqueirão, Gilberto Monteiro é
considerado um dos mais importantes músicos do
Estado. Seu instrumento é conhecido no sul como
gaita-ponto, gaita de duas conversas ou acordeona
de oito baixos, a gaita sulista é diatônica, ou seja,
funciona pelo sistema de “voz trocada”, em que cada
botão gera dois sons distintos, dependendo da direção do movimento no fole. Diferente do acordeom
de teclado, em que cada tecla corresponde a uma
única nota, independentemente do movimento do
fole. Sonoro, resistente à umidade, fácil de conduzir,
capaz de animar toda uma sala de baile, impõe-se
como instrumento solista, substituto da rabeca e da
36
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
o século XIX. A participação da Panela de Barro inicia
jeto do Sesc a música sacra brasileira de concerto. As
em 8 de dezembro, quando segue em procissão em
músicas apresentadas pelo grupo partem da obra do
direção à mata para a cortada do mastro. No dia 25,
Padre José Maurício Nunes Garcia (1767 – 1830), que
a procissão chega à igreja católica local para a finca-
foi mestre de capela da Sé e, posteriormente, da Ca-
da do mastro, que recebe a benção e permanece até
pela Real, passando pela obra de compositores mo-
a Páscoa. Em todas as etapas, são entoados cânticos
dernos e contemporâneos inspirada nesse universo.
de devoção ao santo e, após cada cerimônia, a população segue com a festa.
Foi eu quem mandou buscar
Amor de congo é batuque
Morena, vamos sambar
(Amor de Congo)
O Quarteto Colonial, do Rio de Janeiro, for-
Foto: Tom Boechat/Usina de Imagem
Foi eu, foi eu
A Banda de Congo
Panela de Barro
simboliza a principal
manifestação oral
do Espírito Santo
mado por Doriana Mendes, Daniela Mesquita, Geilson Santos e Luiz Kleber Queiroz, apresenta no pro-
viola em temas musicais que acompanham as dan-
“Pensar em sanfona é pensar
ças tradicionais gaúchas em ritmos de vaneras, vane-
no povo brasileiro.
rões, chamamés, chamarritas, contra-passos, xotes,
bugios, milongas e rancheiras.
Na sua diversidade cultural
Em 2011, em circulação pelo Sonora Brasil,
e geográfica. Na solidão dos
acompanhado de Eduardo Cantero no violão e Fer-
pampas gaúchos e dos aboios
nando Gorrie na percussão, Gilberto Monteiro levou
a música de Tia Bela, Tio Bilia, Nego Laranjeira, em
nordestinos. No colorido
um resgate dos temas mais antigos, a ouvintes das
dos reizados, na graça dos
regiões Sul e Sudeste. “Fazemos um show quase ar-
fandangos, na imensidão dos
caico, apresentando a música da minha região, com
sons pantaneiros, na cadência
a nossa maneira de tocar, de músicos de rincão, não
de radio, e a receptividade tem sido ótima, repleta
das rancheiras, na alegria dos
de carinho e respeito”, conta.
calangos e dos forrós.
O compositor de Milonga para as Missões,
eternizada na gaita de Renato Borghetti e recentemente gravada pela dupla pop Victor e Leo, diz que
toca o que aprendeu “de berço”. “Minha faculdade é
A sanfona exprime a alma
dessa gente no sopro
de seus foles.”
meu convívio com amigos, tocando com grandes músicos, minha família de músicos de campo, uma músi-
Lêda Dias,
ca bem raiz, e procuro transmitir isso, que é a nossa
historiadora e aprendiz de fole de oito baixos
bandeira”, explica. Gilberto Monteiro, que tocou com
(Sotaques do Fole, SESC, Departamento
o violonista Lucio Yanel em uma parceria de mais de
Nacional, 2011)
20 anos, já levou a sua gaita, instrumento de maior
representação da música gaúcha, por toda a América
Latina, Estados Unidos, França e Alemanha.
SEGUNDO SEMESTRE | 2010
2011
37
música
O programa Arte Sesc ampliou sua atuação
na divulgação da música tradicionalista do Rio Grande do Sul em 2011. Músicos como Renato Borghetti, Leonel Gomes, Neto Fagundes, Wilson Paim,
além de Robison Boeira e Lucio Yanel, entre outros,
realizaram mais de 60 apresentações em 34 cidades. Luiz Carlos Borges, acompanhado dos músicos
Yuri Menezes (guitarra), Marco Michelon (bateria) e
Rodrigo Maia (baixo), fizeram 14 apresentações do
espetáculo Quarteto, em dois circuitos. O cantor,
compositor e acordeonista considera a promoção
destes circuitos de grande importância. “A música
regional gaúcha ainda não ganhou sequer o próprio
Estado do Rio Grande do Sul, justamente porque
são poucos os circuitos de shows, recitais e concertos no estilo, além da quase inexistência de espaços
especializados para a arte regional”, justifica.
Além de circular pelo Sesc, em 2011, o músico que acumula mais de 100 prêmios em 20 anos
de participação ativa em festivais e no movimento
nativista gravou com Yamandu Costa e os irmãos
Rudi y Nini Flores, da Argentina, um CD ainda inédito com 16 temas voltados para o cancioneiro
sul-americano. Borges também fez uma turnê pela
Argentina e, com o parceiro Leandro Rodrigues,
participou de festivais de acordeom na Bélgica e
na França, como convidado especial do grande
acordeonista francês Richard Galliano.
A ano de 2012 promete ser ainda mais intenso. Junto com Andressa, sua esposa, o músico
aguarda o nascimento de seu filho Gregório para
a primeira quinzena de janeiro. Borges, que já tem
33 discos, entre LPs e CDs, gravados e mais de 200
participações em projetos de colegas, pretende terminar a gravação de outros dois, um duo de acordeom com o amigo Alessandro Kramer e outro com os
componentes de seu quarteto. O grande momento
ficará para o mês de outubro, quando Luiz Carlos
Borges comemorará “50 anos de música” em três
grandes espetáculos com amigos e convidados especiais no Teatro São Pedro.
Durante a trajetória do músico considerado
por muitos o mais completo do sul do Brasil – com-
Luiz Carlos Borges foi um
as próprias canções –, o período que mais lhe mar-
dos destaques em 2011,
cou ocorreu entre outubro e novembro de 2008.
quando o Arte sesc promoveu
“Fiz a mais importante turnê musical da minha vida
mais de 60 apresentações
de shows nativistas
38
põe, canta, toca acordeom e violão, além de arranjar
ao lado da inesquecível amiga e hermana Mercedes
Sosa, realizando a seu lado 14 concertos divididos
entre Alemanha e Israel”, lembra.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Borghetti e sua
fábrica de gaiteiros
Projeto que resgata a arte de
produzir o instrumento e ensina
música a crianças e jovens conta
com a parceria do Sesc/RS
O primeiro contato
oferecer uma oportunidade às crianças e aos jovens
de Renato, ainda meni-
que queiram aprender a tocar a gaita-ponto e não con-
no, com a gaita-ponto
seguem, seja por falta de recursos, por se tratar de um
foi como um brinquedo e
instrumento caro, seja por falta de informações. Bor-
não como um instrumento mu-
ghetti diz que por este motivo, além de proporcionar
sical. A descoberta de que daquele
as aulas, oferece o instrumento de fabricação própria
objeto com duas caixas e um fole no meio
para o ensino e para o estudo em casa.
saía música ocorreu com 12, 13 anos e, a partir
Aberta para visitação, a fábrica está sob a super-
daí, Renato tornou-se gaiteiro. E que gaiteiro. Rena-
visão direta do músico, que preza muito pela qualidade
to Borghetti é um dos artistas brasileiros com carreira
para que as gaitas produzidas por meio do projeto não
internacional mais consolidada. Sua world music ou
sejam instrumentos apenas de iniciação, mas também
jazz fusion – para os gaúchos, milonga, vanerão, xote
definitivos. “Além disso, criei um método que junta a ora-
e chamamé – é apreciada todos os anos por milhares
lidade característica do aprendizado do acordeom diatô-
de pessoas em parques, teatros ou casas de jazz de
nico em todo o mundo com algumas noções básicas de
toda a Europa. O instrumentista é um exemplo para
teoria, situando o aluno nas notas que executa”, conta.
as crianças atendidas no projeto Fábrica de Gaiteiros e
No município de Guaíba, onde o projeto tem
estas já iniciam o aprendizado sabendo exatamente o
apoio da Celulose Riograndense, 26 alunos de 8 a 15
potencial da gaita-ponto.
anos iniciaram o aprendizado neste ano. Em Porto
Alegre, as atividades serão desenvolvidas a partir de
março de 2012, no Sesc Campestre. As aulas serão in-
a fabricação do acordeom, em Guaíba, com o objetivo
dividuais e, na primeira etapa, será possível trabalhar
de resgatar esta antiga tradição no Rio Grande do Sul,
com 20 alunos. “Nossa prioridade não é formar músi-
referência nacional no passado com mais de 20 indús-
cos profissionais, mas nada impede que isso aconteça
trias. Atualmente, todas estão fechadas ou mudaram
no futuro, o que seria muito gratificante para nós e uma
o ramo de atividade. A outra finalidade do projeto é
sensação de dever cumprido.”
Foto: Divulgação
Borghetti está envolvido com o projeto coordenado por sua Fundação desde 2010, quando teve início
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Com 26 alunos,
turma de Guaíba
iniciou as aulas
em 2011.
No próximo ano,
projeto será
desenvolvido
no Sesc Campestre,
em Porto Alegre
39
música
Pelotas
vai respirar
música
novamente
centenas de músicos
de diversos países
são aguardados para
a segunda edição
do festival internacional
sesc de música,
de 9 a 21 de janeiro
Fotos: Laureano Bittencourt
de 2012
40
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
O I Festival Internacional Sesc de Música de Pelotas realizado em janeiro de 2011, representou para
o Sesc um marco na promoção de um grande evento
musical capaz de integrar músicos renomados, estudantes, profissionais da música e a comunidade.
Após a realização desse evento, não temos receio
em afirmar que um passo importante foi dado no sentido
de inserção de um novo espaço para a música de concerto no sul do Brasil; que a realização dos concertos, dos
recitais, das oficinas e cursos fez com que público, profissionais da imprensa, músicos, professores de música e
estudantes concentrassem sua atenção para esse evento.
Idealizado com o desejo de incentivar o desenvolvimento da produção musical, fomentar o intercâmbio, a fruição de bens culturais, firmar um espaço para a
música no sul do Brasil e resgatar valores culturais que
caracterizaram a cidade de Pelotas, a edição de 2012
busca consolidar estes objetivos.
Integrando a programação do Arte Sesc – Cultura por toda a parte, o II Festival Internacional Sesc de
Música de Pelotas, a ser realizado de 9 a 21 de janeiro de
2012, passa a integrar o calendário cultural do Estado,
estimulando estudantes e meio artístico, promovendo
o desenvolvimento de parcerias estratégicas, além do
incremento econômico para cidade de Pelotas.
A abordagem pedagógica, o tratamento individual e integral do aluno, em que o aspecto técnico-musical foi desenvolvido com base em um trabalho
reflexivo de autoconhecimento e de potencialização da
prática interpretativa, foi um dos diferenciais da primeira
edição. O evento possibilitou o contato de jovens estudantes com músicos de reconhecida carreira artística
e atividade pedagógica nacional e internacional, propiciando intenso intercâmbio de ideias e vivências. E
ainda, considerando a realidade brasileira, por meio de
concertos do circuito popular e da música nos bairros, o
evento realizou, em parceria com o município, atividades direcionadas a comunidades carentes e grupos especiais com ações em centros de idosos e nos hospitais.
Em resumo, é de suma importância que o Rio
Grande do Sul, estrategicamente situado em relação
aos outros países do Mercosul, mantenha um projeto
desta natureza, trazendo aos estudantes e professores
da área musical a possibilidade de conviver, aprender,
reciclar e trocar experiências e oferecer ao público alternativas de vivências culturais multifacetadas.
Informações sobre o Festival em www.sesc-rs.com.br/festival
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
41
música
Festivais de música:
"ambiente ideal" para
estudantes, cultura
e entretenimento
para o público
Por Max Uriarte,
pianista/coordenador de Música de Câmara do F. I. Sesc de Música
42
Na trajetória do indivíduo que se dedica seria-
em que, além das aulas de instrumento e matérias te-
mente ao estudo da música ocorre um contínuo pro-
óricas básicas, são necessárias tantas outras situações
cesso de desenvolvimento, através do qual ele procura
e atividades ligadas à prática da música. Todo estudan-
sempre descobrir novas e inexploradas facetas da arte
te de música aspira à existência de um “ambiente ide-
dos sons. A técnica instrumental, a compreensão mu-
al”, onde ele teria tempo integral para o estudo, aulas
sical, e consequentemente a interpretação de obras
com professores altamente credenciados, possibilida-
musicais são aspectos que sofrem constantes trans-
des de conhecer novas obras musicais em concertos
formações durante todo o caminho percorrido por um
e representações ao vivo nas execuções de destacados
profissional desta arte. A confrontação cotidiana com o
intérpretes e, também, a oportunidade de atuar nas
universo musical faz com que o músico seja estimulado
mais variadas formações instrumentais.
a se renovar diariamente. A sua capacidade de renova-
Se além de tudo isso, este mesmo aluno ainda
ção se deve, por um lado, à parcela de talento inerente
pudesse conviver com outros estudantes provenientes
a cada ser humano e, por outro, à qualidade de sua
de outros meios musicais, realizando, assim, um valio-
formação musical, que lhe fornece as ferramentas ne-
so intercâmbio de conhecimentos e adicionando im-
cessárias para poder empreender esta jornada sempre
portantes experiências que o fizessem crescer como
nova, de busca e aperfeiçoamento ilimitados.
ser humano – tudo isso emoldurado pelo espírito de
Por esta razão, é de suma importância a fase de
confraternização através da música –, o quadro estaria
aprendizado para um músico, na qual ele estará cons-
completo. Em resumo, viver e respirar música 24 horas
truindo as futuras bases para toda a sua vida profissio-
por dia. E isto é exatamente o que o estudante vivencia
nal. Inúmeros fatores contribuem para este processo,
no “ambiente ideal” dos festivais de música.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
A primeira década do século XXI contou com
o surgimento de importantes festivais internacionais de
música no Brasil, sobretudo no período do verão, uma
vez que no inverno já existiam eventos de grande porte
afirmados ao longo de muitos anos e que já eram referenciais para os estudantes brasileiros e estrangeiros,
como o Festival Internacional de Inverno de Campos
do Jordão (SP) e o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga (Juiz de Fora /MG).
No mês de janeiro, a Oficina de Música de Curitiba (PR) já era um tradicional ponto de encontro dos
alunos de música há quase três décadas. Entre os principais festivais surgidos nos últimos anos e realizados nos
meses de verão estão o Festival Música nas Montanhas
(Poços de Caldas/MG), o Festival de Música de Santa
Catarina (Jaraguá do Sul/SC) e o Festival Internacional
de Música Verões Musicais (Gramado-Canela/RS), que
funcionou em seis edições, de 2001 a 2006.
A primeira edição do Festival Internacional
Sesc de Música realizado em Pelotas (RS) no mês de
fevereiro de 2011 veio preencher uma grande lacuna
existente no desenvolvimento e na difusão da música
de concerto no Rio Grande do Sul. O imenso sucesso obtido nesta primeira edição através de uma eficiente proposta pedagógica e de uma programação
de eventos cuidadosamente elaborada para oferecer
uma grande variedade de entretenimento, culminou
na extraordinária resposta de público, tanto de estudantes inscritos nos cursos como de espectadores
que superlotaram as tradicionais salas de espetáculos de Pelotas, aplaudindo com entusiasmo todas as
apresentações durante as duas semanas em que se
desenvolveu o festival.
Anunciada com grande alegria ao final da primeira edição, a segunda edição do Festival Internacional Sesc de Música, que será realizada de 9 a 21 de
janeiro de 2012 em Pelotas, promete trazer grandes
nomes nacionais e internacionais da música erudita
e uma programação que certamente superará em
brilhantismo a da edição passada, visando adequar-se, assim, ao especial momento em que a cidade de
Pelotas comemora seus dois séculos de existência.
principais festivais de verão na internet
Oficina de Música de Curitiba: www.oficinademusica.org.br
Festival de Música de Santa Catarina: www.femusc.com.br
Festival Música nas Montanhas: www.festivalmusicanasmontanhas.com.br
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
43
Parceira do Sesc por meio do
Programadora Brasil – programa
cinema
que contribui de maneira decisiva
para modificar a situação de
distanciamento entre o público e
o cinema produzido no país –,
a Cinemateca Brasileira é a
A
do
naci
instituição responsável pela
preservação da produção
audiovisual nacional. Criada
a partir de um clube de cinema,
hoje conta com um acervo de
44 mil títulos, entre filmes e
edições de cinejornais, um dos
maiores da América Latina, além
de contar com um laboratório de
restauração reconhecido como
exemplo em todo o mundo. Nesta
entrevista, Carlos Magalhães,
diretor executivo da instituição
há quase 10 anos, conta um
pouco desta história.
44
A Cinemateca foi criada a partir da mobilização de
do curso de Filosofia da USP, entre eles: Paulo Emí-
pessoas em prol da preservação da memória do au-
lio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e Antonio
diovisual produzido no Brasil. Conte-nos a história
Candido de Mello e Souza.
da instituição até fazer parte do governo federal e
O Clube foi fechado pela polícia do Estado
que personagem o senhor destaca nesta trajetória?
Novo e, depois de diversas tentativas de se organiza-
A Cinemateca foi criada a partir da iniciativa de inte-
rem cineclubes, foi inaugurado, em 1946, o segundo
lectuais admiradores de cinema, que organizaram o
Clube de Cinema de São Paulo. Seu acervo de filmes
Clube de Cinema de São Paulo em 1940 e estiveram
constituiu a Filmoteca do Museu de Arte Moderna
em contato direto com o movimento de criação da
(MAM), que viria a se tornar uma das primeiras institui-
Cinemateca Francesa, uma das primeiras do mundo.
ções de arquivos de filmes a se filiar à FIAF – Federação
Os fundadores desse Clube eram jovens estudantes
Internacional de Arquivos de Filmes, em 1948. A par-
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
casa
cinema
ional tir de 1956, passou a se chamar Cinemateca Brasileira
conseguiu a cessão do terreno em que fica a nossa
e assumiu, em 1961, o formato jurídico de Fundação,
sede, em 1988, pela Prefeitura Municipal de São Pau-
extinta em 1984, quando a Cinemateca Brasileira foi
lo, e vem desempenhando um importante papel ainda
incorporada ao governo federal como um órgão do
hoje, como Conselheiro da instituição e como Secre-
então Ministério de Educação e Cultura (MEC). Desde
tário Municipal de Cultura de São Paulo.
2003, está vinculada à Secretaria do Audiovisual.
A Cinemateca Brasileira é resultado do esforço
Já são 10 anos à frente da instituição. Por quais
de muitas pessoas, mas sem dúvida o empenho de
transformações passou à Cinemateca neste período?
Paulo Emílio Salles Gomes, tanto para a sua fundação
Assumi a Direção Executiva da Cinemateca Brasileira
quanto para a sua consolidação, foi notável. Desta-
em 2002, quando a instituição estava prestes a se vin-
co também a atuação de Carlos Augusto Calil, que
cular à Secretaria do Audiovisual e contava com cerca
SEGUNDO SEMESTRE | 2010
2011
45
cinema
de 60 colaboradores, entre servidores públicos, técni-
Quais são as obras mais importantes que compõem
cos e estagiários. O principal projeto em andamento
o acervo da Cinemateca?
naquele período era o Censo Cinematográfico Brasi-
A Cinemateca conta com um acervo de mais de 44 mil
leiro, uma extensa pesquisa sobre o acervo, que teve
títulos (aí incluídos longas e curtas-metragens e edi-
como resultado a publicação na internet da base de
ções de cinejornais que compõem o acervo). Conside-
dados Filmografia Brasileira, que registra toda a pro-
rando que, apenas do período do cinema mudo (até a
dução cinematográfica brasileira desde 1896.
década de 1930), sobraram 7% de todos os materiais
Desde então, entramos em um período de intenso crescimento e consolidação institucional, ob-
cinematográficos produzidos, podemos dizer que todos os materiais “sobreviventes” são raridades.
tidos principalmente com o aumento e a diversificação das parcerias estabelecidas e com a elaboração
Como ocorreu a recente aquisição do acervo da
de outros projetos fundamentais, como o Progra-
Vera Cruz e da Atlântida e em que estado de con-
ma de Restauro de Filmes, que está em sua segun-
servação estavam?
da edição e conta com o patrocínio da Petrobras,
A Cinemateca recebe doações e depósitos, não ad-
o Programa de Preservação e Difusão de Acervos
quire materiais diretamente. O Ministério da Cultura
Audiovisuais e diversas mostras que já se tornaram
instituiu em 2008 uma importante política de aquisição
parte do calendário cultural da cidade de São Paulo,
de acervos, no âmbito do Programa de Preservação
como a Jornada Brasileira do Cinema Silencioso e a
de Acervos Audiovisuais, que a Cinemateca executa
Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do
– recebe os acervos para incorporação, tratamento e
Sul, iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos da
acesso. Com isso, o poder público assume responsabi-
Presidência da República.
lidade pela conservação e pelo amplo acesso a acervos
Conseguimos, ao longo desse tempo, esta-
de valor inestimável para a preservação da memória
belecer projetos que garantiram a modernização da
cultural brasileira e que, sem os cuidados necessários,
sede e o aumento considerável do quadro de funcio-
poderiam se perder ainda mais rapidamente do que já
nários, que hoje passa de 220 pessoas. Esse processo
verificamos, infelizmente, ao longo da história da pro-
contou com o apoio fundamental da Sociedade Ami-
dução cinematográfica no Brasil. Esses dois acervos
gos da Cinemateca no estabelecimento de parcerias
foram adquiridos pelo MinC como parte desta política.
com a iniciativa pública – nas esferas municipal, esta-
Lamentavelmente, os acervos que chegam para serem
dual e federal – e privada. Além disso, contamos com
incorporados na Cinemateca quase sempre apresen-
o entendimento do Ministério da Cultura a respeito
tam avançados processos de deterioração.
da solidez com que fizemos cumprir nossa missão institucional, de preservar e difundir o patrimônio audio-
O que representa todo o trabalho da Cinemateca
visual brasileiro em todas as suas manifestações. E, é
para a Cultura Brasileira?
claro, nenhum progresso teria sido conseguido sem
O trabalho da Cinemateca contribui para a preser-
uma equipe muito dedicada e talentosa.
vação e a difusão do patrimônio audiovisual brasi-
Atingir o equilíbrio entre preservar (guardar um
leiro, o que significa valorizar uma importante forma
determinado conteúdo para que esteja acessível no
de expressão da nossa cultura. Com os ricos acervos
futuro) e difundir (ação que necessariamente desgasta
sob a guarda da Cinemateca, podem ser resgatados
o suporte no qual está gravado o conteúdo) é uma
costumes, fatos da vida pública e privada, episódios
das tarefas mais difíceis para um arquivo de filmes.
históricos e o resultado da criação artística de gera-
No caso da Cinemateca, podemos dizer que ele vem
ções de realizadores.
sendo conseguido graças a projetos que conjugam a
46
preservação de materiais e a sua difusão em mostras
De que forma o público tem acesso ao acervo?
temáticas. Um projeto exemplar, nesse sentido, é o
Para acessar o acervo em busca de materiais para fes-
Clássicos & Raros do Nosso Cinema, parceria nossa
tivais ou novas produções, temos a Difusão e a Pes-
com o Centro Cultural Banco do Brasil, que faz exata-
quisa de Imagem; a Difusão promove mostras e pro-
mente isso: gera materiais de preservação de títulos
gramações ao longo de todo o ano nas nossas duas
ameaçados de desaparecer e também cópias especí-
salas de cinema; a Biblioteca Paulo Emílio Salles Go-
ficas para a sua difusão, que são exibidas em Brasília,
mes, do Centro de Documentação e Pesquisa, recebe
no Rio de Janeiro e em São Paulo.
consulentes de segunda a sábado.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Temos também o portal Banco de Conteúdos
Culturais, no qual estão disponíveis acervos da TV
Tupi, INCE, Atlântida e Vera Cruz, além de nossa coleção de cartazes e fotografias. Essa ferramenta permite dar acesso direto, via internet, a conteúdos de
propriedade do MinC; esperamos ainda sensibilizar
realizadores e produtoras para que também compar-
Mais especificamente sobre a Programadora Brasil,
que tem o Sesc como conveniado, qual o objetivo
do programa e que resultados tem atingido?
Trata-se de uma iniciativa da Secretaria do Audiovisual do MinC, realizada pela Cinemateca Brasileira com
o apoio da sua Sociedade Amigos, que faz circular a
Foto: Ozualdo Candeias
tilhem seus acervos.
produção de importantes filmes da cinematografia nacional de todas as épocas, gêneros e formatos.
A Programadora Brasil contempla um conjunto de ações que visam à preservação e organização
de acervos, gerando programas duplicados em DVD,
site, catálogo, revista e folhetos. Seu objetivo principal é fomentar a circulação de obras audiovisuais
brasileiras em um circuito de exibição e difusão não
comercial, de modo a democratizar o acesso ao patrimônio audiovisual nacional em todo o território brasileiro. Atualmente, o catálogo da Programadora conta
com 700 filmes e vídeos de todo o país, organizados
em 214 programas (DVDs).
No final de 2010, a Programadora Brasil contava com 1.190 instituições associadas, representando
1.351 pontos de exibição audiovisual em 707 municípios, nos 27 estados brasileiros. Ou seja, o conteúdo
da Programadora Brasil chegou a 13% dos municípios
do país, superando o percentual de ocupação das sa8,5%. Podemos dizer, portanto, que a Programadora
Brasil está atingindo sua meta de ser uma alternativa
de acesso aos filmes brasileiros.
Por fim, gostaria que você fizesse uma análise do
atual momento do cinema nacional.
Pode-se perceber uma grande diversidade de formatos
e modos de fazer, que se traduzem em desafios sobre
como manter esses conteúdos acessíveis a longo prazo.
Fotos: Fernando Fortes/Cinemateca Brasileira
las comerciais de cinema, que é de aproximadamente
Quanto à Cinemateca, enfrentamos agora um
momento em que é preciso garantir institucionalmente o crescimento verificado durante os últimos
anos. Temos trabalhado nisso com bastante empenho, para que esse panorama que temos atualmente
não se perca no futuro.
SEGUNDO SEMESTRE | 2010
2011
Carlos Magalhães está há 10 anos
a frente da Cinemateca Brasileira,
localizada desde 1992 no espaço
do antigo Matadouro Municipal,
na Vila Mariana, em São Paulo.
Seus edifícios históricos,
inaugurados no século XIX, são
tombados e foram restaurados
pela entidade
47
artes visuais
Por Gilberto Perin*
Na minha infância, as tardes de domingo tinham as imagens do cinema e o som do rádio com as
transmissões de futebol. Isso, de certa forma, continua
até hoje. O jogo no gramado era o lado visível, o que
era tornado público. Mas o calor, a face mais lúdica e
Os bastidores sempre estiveram
humana era transmitida do vestiário ao final dos jogos.
presentes na minha vida, seja por
Nos dias seguintes, jornais e revistas revelavam para
interesse profissional, pessoal,
ou pelo prazer de decifrar
códigos da vida cotidiana,
artística, política ou cultural.
Sinto um prazer estético e vital
48
mim fotos mais emocionantes do que aquelas das
grandes jogadas em campo. As imagens mostravam a
alegria, dor e exaustão nos vestiários dos times.
Dando um salto no tempo, hoje os torcedores
pagam, literalmente, para assistir à apresentação oficial
do futebol no gramado. O vestiário está fechado, pois
há interesses comerciais, afinal jogadores, técnicos e
em descobrir o que produz a
dirigentes devem apresentar-se para entrevistas cole-
magia que sentimos quando
tivas em frente às marcas que patrocinam seu clube.
No final de 2009, eu quis tentar ressignificar es-
estamos frente a um momento
ses momentos íntimos e pessoais dos jogadores, mas
único (e certo).
não como uma reportagem ou relatório documental.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Lembrei, então, de uma afirmação da ensaísta Susan
Sontag: “A fotografia não apenas reproduz o real, recicla-o”. Isso mesmo, eu queria reciclar a minha memória e lembrança, com a minha experiência atual de
vida, estética e emocional. Aqui, cito um fragmento
de texto do escritor Aldyr Garcia Schlee no livro Camisa Brasileira, onde parte do ensaio fotográfico que
fiz nos vestiários do Grêmio Esportivo Brasil, da cidade
de Pelotas (RS), foi publicado. Diz Schlee: “(...) a foto
como suporte da memória, como formadora da memória, como memória mesma, faz-se não como espelho mas como revelação e epifania. Isso porque Perin
não esteve interessado em criar imagens para depois
tentar encaixá-las em uma determinada realidade: ele
simplesmente partiu e se aproveitou da realidade dada
para criar imagens novas, reveladoras de outras realidades insuspeitadas e grandiloquentes.”
Quando pensei nesse projeto, digamos que a
parte teórica estava bem clara para mim: colocar o meu
olhar estético sobre o tema. Contudo, as dificuldades
surgiram logo, afinal nenhum clube que tentei no Rio
Grande do Sul me autorizava a realizar esse ensaio fotográfico. Um deles, inclusive, confirmou e no dia anterior ao início do campeonato gaúcho, os responsáveis
passaram a não atender mais nenhum telefonema meu.
A ideia de realizar fotografias nesse mundo fechado do
futebol era vista com estranheza e até desconfiança.
Eu não queria fotografar um clube cheio de “estrelas”,
onde as dificuldades seriam maiores, tanto do ponto
de vista prático como de resultado estético, afinal para
mim não importavam os grandes nomes, mas a emoção e a espontaneidade – requisitos que eu acreditava
serem mais difíceis num ambiente com mais interesses
de marketing e econômicos envolvidos.
Por meio de Aldyr Garcia Schlee, escritor, criador
do uniforme da seleção brasileira de futebol e fanático
torcedor do G. E. Brasil, consegui me aproximar de Helder Lopes, presidente do clube na época, que autorizou o
ensaio fotográfico. A partir desse momento, tudo mudou.
Conversei uma única vez com todos os jogadores e comissão técnica, expliquei o projeto e fiz “um
pacto de invisibilidade” com eles. Combinei que ficaria “invisível”, sem interferir na rotina do vestiário. Para
captar a intimidade deles, paradoxalmente, evitei a
convivência mais próxima. Assim, pude me movimentar durante quatro meses pelos vestiários onde o Brasil
disputava a segunda divisão do campeonato gaúcho,
sem nenhuma restrição.
Com o máximo de liberdade, consegui dar a
minha visão estética e emocional de gente que se encontra em momentos limite de tensão, alegria, disputa.
E, também, é claro, revelar um mundo desconhecido (e
proibido) para torcedores e mídia.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
49
artes visuais
Schlee descreveu assim a sua interpretação dessas fotografias: “Não é um álbum de recordações (...)
seus ídolos, em 2009; além da dificuldade para deixar a
segunda divisão do campeonato gaúcho.
mas um belíssimo ensaio sobre solidão, a preocupação
No entanto, o clube tem uma boa estrutura e
e o medo; a solidariedade, a confiança e o contentamen-
tem contratado jogadores de diversas partes, inclusive
to. (...) a estética, a luz e a magia dos instantâneos são
alguns com experiência fora do país. Quando fotogra-
trespassadas pela crueza da realidade que as imagens
fei os vestiários do clube, havia 30 jogadores oriundos
de Perin escondem (ou revelam). Seus personagens
de 10 estados, proporcionando uma interessante mis-
parecerão derrotados, excitados, lastimados, solitários
tura de tipos de homens brasileiros que se reflete nas
– mas, antes de tudo, aparecem tal como são, indiferen-
imagens. Fiz aproximadamente três mil fotos das quais
tes e perfeitamente à vontade ante a câmara do artista.
foram selecionadas 50 pelo curador Alfredo Aquino
Porque afinal são eles mesmos. São seus desejos e suas
para integrar a exposição Camisa Brasileira, inicialmen-
frustrações, suas vitórias e suas derrotas que enchem de
te mostrada em Porto Alegre, em 2010, durante a Copa
força vigor a fotografia de Gilberto Perin.”
do Mundo, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo.
A escolha do Brasil da cidade de Pelotas aca-
Atualmente, graças ao projeto Arte Sesc, Cami-
bou tornando-se uma metáfora para o ensaio fotográ-
sa Brasileira circula por diversas cidades do Rio Grande
fico. O clube tem uma torcida fanática que tem supe-
do Sul, como Bagé, Pelotas, Montenegro e Camaquã,
rado momentos difíceis dentro e fora de campo, como
aproximando o público da arte fotográfica em galerias
um acidente com o ônibus em que morreram alguns de
e museus do interior. A exposição com uma temática
próxima do público cria uma identificação inicial que
logo se torna empática e lúdica quando homens, mulheres e crianças visitam as 50 ampliações 80cm x 80cm
em papel de 100% de fibra de algodão. Em alguns
momentos, acontecem verdadeiros happenings como
em Pelotas, onde a charanga do Brasil e o Grupo Tholl
compareceram na abertura da exposição, unindo alegria, arte e emoção no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo. Esses encontros do público com a fotografia têm
mostrando o quanto é importante, num mundo cada
vez mais virtual, que as pessoas tenham essa aproximação com aquilo que é real (ou pelo menos, com aquilo
que pode ser a visão do imaginário de alguém).
Ah, sempre fui péssimo atleta. No futebol, meus
colegas de escola me escalavam para a função de juiz,
pois ninguém queria um perna de pau no time... Mas
sou apaixonado pelo futebol, sim. Acho que no momento em que a equipe está em campo é também
uma metáfora da guerra, uma luta de gladiadores modernos pela sobrevivência.
Depois de conviver com a intimidade dos jogadores, algo que ficou claro pra mim: se o torcedor
tivesse a compreensão que os atletas são trabalhadores igual a ele que fica na arquibancada, talvez isso
contribuísse para que houvesse mais espírito esportivo e menos violência entre a torcida; além de menos
agressões aos jogadores quando uma equipe não é
Foto: Tonico Alvarez
vencedora naquele dia.
* Gilberto Perin – www.gilbertoperin.com
Formado pela Faculdade de Comunicação Social da PUC-RS (Porto Alegre – RS), em 1976.
Fotógrafo, diretor de cena, roteirista. Dirigiu curtas-metragens, e médias e longas-metragens para a televisão. Em Porto Alegre, há 12 anos dirige o Núcleo de Programas Especiais
da RBS TV que realiza documentários e programas de ficção.
50
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Uma das áreas em que o Arte Sesc reforçou sua
Em formato de circuito,
atuação em 2011 foi a de artes visuais, com a realização
mostras levam apreciadores
de grandes exposições. Em formato de circuito, mos-
de arte aos espaços
tras como a da série Aos Grandes Mestres, com Zoravia
expositivos e também
Bettiol, Camisa Brasileira, do fotógrafo Gilberto Perin,
contribuem para
e A Ponte do Guaíba, em parceria com a Concepa, ti-
formação de público
veram um grande e diversificado público nas cidades
por onde passaram.
Em Pelotas, Camisa Brasileira registrou um público de 4 mil visitantes no Museu de Arte Leopoldo
Gotuzzo. Por tratar de um tema popular, os bastidores
do futebol de um dos clubes que tem os torcedores
mais apaixonados – o Grêmio Esportivo Brasil –, o lançamento da mostra fotográfica contou com a presença
da torcida organizada Garra Xavante e do grupo Tholl.
“Nos dias seguintes, o sucesso do evento se espalhou
pela cidade despertando a curiosidade e contagiando
não só torcedores, mas também acadêmicos de artes
visuais e comunidade em geral, deixando o Museu
sempre lotado”, conta a auxiliar de Cultura e Lazer do
Sesc Pelotas, Adriana Velasques Silva.
Para Adriana, a promoção de exposições sistemáticas contribui para a formação de público e,
como consequência, dá a diferentes artistas a oportunidade de expressar seus trabalhos, além de manter os espaços tradicionais e alternativos em evidência. Desde julho, a exposição circulou também por
Bagé, Montenegro e Camaquã.
A exposição Aos Grandes Mestres – Zoravia Bettiol é a continuidade do projeto do cineasta e produtor cultural Henrique de Freitas Lima que homenageia
mostra, realizada em Porto Alegre e em Santa Maria, é
composta por 76 obras que mostram a diversidade e a
pluralidade da produção atual da artista. O arquiteto e
professor Luiz Gonzaga Binato de Almeida foi um dos
Foto: Divulgação
expoentes das artes plásticas no Rio Grande do Sul. A
que visitou a exposição em Santa Maria. Admirador da
obra de Zoravia, levou seus alunos na abertura e declarou que “o nível da exposição foi irrepreensível”.
Pedro Cezar Saccol Filho, gerente da Unidade
Sesc Santa Maria, afirmou que o público foi bastante diversificado. “Autoridades, apreciadores, artistas visuais
que tem a mestra Zoravia como referência e também
de outras manifestações artísticas, estudantes universitários, em especial, dos cursos de artes visuais e arquitetura, sendo que alguns professores acompanharam
seus alunos em visitas guiadas”, disse. Para a diretora
do Theatro Treze de Maio, Ruth Sopher Péreyron, “iniciativas como esta que o Sesc está proporcionando de
trazer eventos como este e vários outros para o nosso
município de Santa Maria têm um valor imenso para
difundir e incentivar a cultura, permitindo a troca de
conhecimento que é essencial ao ser humano!”
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Abertura da exposição Camisa Brasileira, em Pelotas
51
literatura
Luisa Geisler, aos 19 anos,
venceu o Prêmio Sesc de Literatura
com o livro Contos de Mentira
Ao ler uma reportagem sobre a quantidade de
mentiras que as pessoas contam – em torno de oito
por dia – a gaúcha Luisa Geisler teve a ideia para escrever o livro de contos que lhe rendeu o Prêmio Sesc
de Literatura 2010/2011, aos 19 anos. As mentiras
contadas vão de “está tudo bem”, a campeã, a “eu
só tomei uma cerveja”, outra entre as top 10. O livro
Contos de Mentira explora o tema sobre vários ângulos e possibilidades. Há textos em que a mentira contada pelos personagens afeta o enredo, outros com
mentiras mais metafóricas que fazem relação com uma
vida de mentira, tem as mentiras que contamos para
nós mesmos para lidar com o dia a dia e há, ainda, os
personagens que não sabem lidar com a verdade.
“O assunto dá tanto pano pra manga que podia até pensar em escrever um Contos de Mentira
Returns”, brinca a escritora. Estudante de Relações
Internacionais, Luisa diz que o fato de ter vencido o
Prêmio Sesc dá mais certeza do caminho que deseja
seguir e também de que não é fácil. “Quero ter duas
profissões: lidar com relações internacionais, além de
trazer temas para os textos sobre questões sociais,
diferenças culturais, refugiados, e como há pessoas
nisso, me areja a cabeça; assim como lidar com literatura me areja das relações internacionais. É uma troca
necessária para o meu funcionamento”, afirma.
Desde criança bem pequena, a vida de Luisa gira
em torno dos livros. “Ia à Feira do Livro de Porto Alegre
52
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
LUISA POR LUISA:
O livro de estreia de Luisa Geisler, Contos de Mentira, foi agraciado com o Prêmio Sesc
de Literatura 2010/2011 e publicado pela editora
Record. Luisa já ganhou um ou outro concurso
literário, publicou em uma ou outra antologia e
revista, já fugiu de casa e arrancou os sisos. No
momento, Luisa é cronista para a revista Capricho, da editora Abril. Além disso, estuda Rela-
Luiz Antonio Assis Brasil, escritor,
ções Internacionais e faz monitoria de pesquisa
secretário da Cultura do RS e professor de Luisa
em Conjuntura Econômica. Escreve. Nasceu em
na Oficina de Criação Literária do Programa
1991 em Canoas (RS).
Foto: Arquivo pessoal
“Desde que a Luisa apresentou seus
primeiros trabalhos na Oficina, percebi que
estava à frente de um grande talento.
No decorrer das aulas essa convicção
apenas se consolidou. Terá uma brilhante
carreira, e isso não é um desejo de
professor, mas a reiteração de uma certeza.
A crítica e o concurso já sabem disso;
logo o grande público também saberá.”
de Pós-graduação em Letras da PUC-RS
com meus pais e tinha uma cota para gastar. Sempre
sar de citar como referências Francis Ford Coppola,
acabava negociando meu presente de Natal na fren-
Sophia Coppola, Kubrick, Tarantino, Lynch, Hitchcock,
te dos estandes mesmo e, como eles esqueciam do
além de Almodóvar, Polanski, Fernando Meirelles e
adiantamento, acabava pedindo outro livro”, conta.
John Woo. E, claro, os escritores clássicos Tchekhov,
No restante do ano, acabada a mesada, a escritora
Hemingway, Flaubert, Joyce, Machado de Assis, Gui-
fazia seus próprios livros com folhas de caderno gram-
marães Rosa, Pynchon, Saramago e também o con-
peadas, capa com glitter e colagens, ilustrações e tex-
temporâneo Luiz Ruffato.
tos curtos e espalhava pela mesa da sala para vender.
O comprador? O pai, óbvio.
“Qualquer coisa me influencia num texto, uma
frase dita de um jeito meio esquisito, uma foto que vi
A menina que desde a infância escrevia sem
na internet, meu cachorro, minha mãe, até panfletos
parar, em casa, entediada, na escola, muito mais até
que recebo a caminho do trem”, afirma. Ela também
que o solicitado pelos professores, conta que tudo
cita o trabalho do ilustrador Pirecco como influência
ficou mais oficial quando, em 2010, entrou na Ofici-
e diz que o melhor da literatura é se colocar no lugar
na de Criação Literária do Luiz Antonio Assis Brasil.
do outro, fingir e forjar pessoas. “As minhas melho-
“Nem imaginava passar no processo seletivo e foi
res ideias surgiram enquanto rabiscava durante a aula
onde ganhei método, aprendi técnica e, acima de
de Cálculo, ou na volta para casa, no trem, ouvindo
tudo, a ouvir críticas e me aproximar do olhar do ou-
música, sem pensar em nada.” Tudo isso é trabalha-
tro ao escrever. Ao ler, passei a prestar mais atenção
do mentalmente, com um planejamento da estrutura,
na intenção, nas construções, e escrever virou um
anotação de pontos-chave, antes de virar texto. De-
processo muito mais consciente de algo que antes
pois é analisado, reescrito, discutido, reescrito.
eu fazia por instinto ou achismo.”
Sobre o prêmio, para Luisa, valoriza o escri-
Há quem considere o texto de Luisa com um
tor iniciante e percebe-se que muitos dos ganha-
certo ritmo de roteiro cinematográfico, entre eles o
dores foram indicados ou ficaram entre os finalis-
escritor pernambucano Raimundo Carrero, autor do
tas de outros prêmios literários concedidos para
texto da orelha de Contos de Mentira. A escritora
autores de livros publicados. “O Sesc abre uma
admite a preferência pelo estilo narrativo dramático,
infinidade de portas das quais os autores devem
que segundo ela permite uma maior interpretação do
fazer proveito para se manter no mercado literário,
leitor, mas não o associa ao conceito de roteiro, ape-
que nunca é uma certeza!”
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
53
literatura
Turistas
Por Luisa Geisler
Bruno e Letícia estavam fora do hotel desde
e não se nota. Letícia era morena, que diferencial de
as dez da manhã e finalmente chegam à Ciudad Vieja,
todas as mulheres! Letícia comia arroz e feijão, que
em Montevideo. Os turistas ficarão por duas semanas
surpreendente! Chegaram os Long-Plays, o casal con-
até que a viagem acabe. O Sol esquenta os paralelepí-
tinuou conversando, tá gostando de ouvir? Webcams,
pedos quebrados, esquenta Bruno, esquenta Letícia.
que bonito o seu pijama, deixa eu te contar da cara do
Embora o Sol arda como se fosse ao meio-dia, Bruno
meu ex quando ele veio buscar as coisas dele e eu fa-
sabe que já passam das duas da tarde.
lei que tinha vendido até as camisetas do São Paulo…
– Quero descansar – Letícia senta-se no ban-
Como costuma acontecer quando começa o
co quebrado ao lado da Confiteria El Louvre – pô. –
amor e não se nota, Bruno e Letícia começaram a se
Bruno sorri e entrega a Letícia sua bolsa.
falar cada vez mais. Bruno abriu mão de sair com os
A placa anuncia, em letras azuis como blocos:
amigos para madrugar em frente ao computador e
Confiteria – e a fonte muda para curvilínea e amarela
discutir com Letícia assuntos que não tinham em co-
– El Louvre. Banners da Coca-cola, sujeira, pó, cabos
mum. Ela lhe falava de seu dia, do escritório de ad-
e fios à mostra cobrem o prédio branco de dois anda-
vocacia onde estagiava, das pessoas engraçadas, de
res. No nível superior, as janelas e portas estão fecha-
fatos, de coisas que lhe incomodavam, Bruno gostava
das enquanto a tinta descasca.
de ouvir e, quando conseguia, falava de seu dia como
Haviam se conhecido num fórum online sobre
professor de espanhol e/ou inglês, tudo isso em três
Beatles: Bruno queria Long-Plays antigos edição de
instituições diferentes. Era engraçado quando o as-
colecionador e Letícia queria se livrar de tudo que um
sunto convergia para música, em especial porque não
ex-namorado esquecera na casa dela antes que ele
convergia: Letícia grudando-se à Wikipédia e Bruno a
voltasse para buscar, claro que lucrando em cima. Bru-
sites de notícias de fofocas de celebridades.
no morava em Brasília e Letícia, em São Paulo.
Após acertarem a venda, fotos do produto, estava em bom estado? O preço do frete, continuaram
conversando, MSN Messenger por madrugadas. Não,
Letícia não gostava muito de Beatles, não conhecia
54
Letícia, que está cansada, sobre o banco quebrado em frente à Confiteria El Louvre, na Ciudad Vieja, em Montevideo.
Bruno, que está em pé na frente de Letícia, sorrindo, esperando-a terminar sua água mineral.
nada de rockabilly, não, não, achava Pink Floyd meio
Digitaram-conversaram sobre o carnaval, so-
esquisito, não tinha muita letra. Bruno considerava
bre a páscoa, sobre o dia dos namorados (e então
idiossincrática toda e qualquer característica de Letí-
sobre o ex-namorado de novo), sobre como o ano
cia, como costuma acontecer quando começa o amor
passava rápido, continuaram trocando fotos, web-
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
cam, tá tarde, né? E essa foi minha viagem nas férias
preensão, rumo ao “pai do século XXI e as novas
de primavera com as meninas, sim, sim, hahahah, as
formas de relação”, assistiria a isso ao ver os pais
férias atrazadas (com z)…
acatarem com as decisões do filho. A única frase
£ê
localocaloca diz:
dos pais era:
voce devia vim pra ca no ano novo
– A vida é sua.
E Bruno foi.
O cheiro do aromatizador de lavanda no Corolla
Bruno, que está em pé na frente de Letícia, suando, sentindo o calor, sentindo as pernas doerem.
do pai. Bruno viu na mãe, no banco do carona a caminho do aeroporto, o olhar de quem vê a paisagem,
Letícia, que estende sua garrafa d’água mineral
mas um olhar de choro. A mãe olhava para dentro do
vazia para Bruno colocar fora, reclama que está cansa-
carro em movimento, para a saída de ar-condicionado
da, não andará mais até o final da tarde.
desligada, como se contando os centímetros e peda-
– Pô, Lê – diz Bruno. – Não é assim também…
ços plásticos da saída de ar-condicionado. Não olhava
Bruno passou o ano-novo em São Paulo. Ano-
pela janela, mas para dentro do carro, que se movia.
-novo, vida nova, relação nova, o beijo à meia-noite, à
Era como se aquele fosse o olhar permanente da
uma da manhã, às duas, às três, nos dias em que ele
mãe, um olhar de quem olha os matos passando, mas no
permaneceu lá. Partiu com a promessa de Letícia que
fundo quer apoiar a cabeça no vidro e deixar que as lá-
ela o visitaria também, partiu prometendo que volta-
grimas corram, corram não pelo filho, mas por tudo que
ria, que repetiriam os programas – sagrados eufemis-
a mãe tinha certeza. A mãe, afinal, tinha muitas certezas:
mos –, que ele conheceria os bairros de São Paulo que
tinha certeza que era vítima de tudo que fazia, vítima do
não tiveram tempo para ver.
resultado de suas ações, a mãe tinha certeza de sua frus-
Foi tudo tão rápido, Bruno e Letícia diriam, foi
tudo tão certo, diriam. Antes do começo do ano leti-
tração, frustração desde que o filho se tornara professor
e de inglês e, logo em seguida, de espanhol.
vo, Letícia conseguiu para Bruno emprego em duas
Mas nunca dissera uma palavra. Nem ela, nem
escolas de inglês e, antes que Bruno pensasse sobre o
o pai. Tudo aquilo brilhava aos olhos de Bruno, junto
assunto, ele guardava suas camisas dentro do armário
das rugas dela que espigavam, que pesavam junto
de Letícia, para ficar.
das olheiras, do rosto flácido que denotava – a Bruno
Ela nunca conheceu Brasília de fato. Nunca
– todo o desânimo que a mãe sentia naquele instan-
conheceu os pais de Bruno que não se oporiam, não
te e que sempre sentira e sentiria. A mãe nunca se
apoiariam, não diriam nada.
opôs, nunca apoiou, mas Bruno tinha certeza da frus-
Bruno notaria o esforço dos pais rumo à com-
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
tração e tristezas inerentes àquele instante de olhar
55
literatura
para dentro do carro em movimento. Não pela janela, mas para dentro do carro, que se movia rumo ao
Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek.
Apesar do que os pais sentiam, Bruno sentia-se naquele instante feliz, sabia-se feliz porque falava
com Letícia via instant messaging no celular. Sabia que
– Você não entende.
– Não precisa ser aqui.
Letícia solta um muxoxo: ela não quer, pô, que
difícil de entender.
estava feliz porque dizia a ela que estava feliz. Após
– Eu não tô me sentindo bem – ela diz.
o voo, estariam juntos. Portanto, ao contrário da neu-
Bruno levanta-se. Sorri de novo para a namora-
tralidade dos pais, ele estava feliz.
da. Ao fundo, Bruno ouve as pessoas trocarem pedi-
Bruno, que insiste a Letícia que ainda têm
dos dentro da Confiteria. O cheiro de pães gorduro-
tanto para ver naquele dia, os museus, as galerias,
sos e de dulce de leche uruguayo saem da loja rumo à
será tão legal. Podem tomar um café, descansar e,
rua, rumo ao casal, rumo aos prédios brancos acinzen-
então, continuar.
tados, rumo ao segundo andar de janelas fechadas.
– Vamos lá – ele faz um gesto de incentivo.
Letícia, que nega. Não: está cansada e quer
voltar para o hotel.
Como comemoração por ele ter se mudado,
viajar para Montevideo, algo estilo lua-de-mel, duas
semanas num hotel quatro estrelas e, para conhecer
melhor a cidade, decidiram caminhar pela Ciudad Vieja, sem guias, apenas um mapa em mãos – que Bruno
perderia na cafeteria onde tomariam café. Estavam
fora do hotel desde as dez da manhã e finalmente
chegavam à Ciudad Vieja. O Sol esquenta os parale-
Decide que desafiará Letícia: ainda sustenta o
sorriso ao dizer que irá embora. Explica que Letícia tem
o dinheiro dela e, se quiser, pegará um táxi. Ele continuará caminhando pela rota que planejaram rumo ao
Teatro Solis, mas ela tem a liberdade que quiser.
– Eu não tô bem, Bruno. – Letícia levanta as
pernas no banco, apontando os joelhos para ele.
Bruno dá as costas, sorrindo. Letícia seguirá, ela
está bem, ela vai continuar com ele, vai seguir junto.
– Vai pro hotel, Lê – ele diz –, a gente se encontra lá depois.
lepípedos quebrados, esquenta Bruno, esquenta Le-
Letícia vai voltar para o hotel, Bruno sabe, ela
tícia. Embora o Sol arda como se fosse ao meio-dia,
assistirá a televisão, mais tarde pedirão Torta Rojel no
Bruno sabe que já passam das duas da tarde.
serviço de quarto, ele falará espanhol com ela e fica-
Letícia está cansada e quer voltar para o hotel.
rão bem, abraçados a noite inteira. Quem sabe, ela já
– Lê – Bruno senta-se ao lado dela – sente esse
se sinta melhor fisicamente, até lá.
cheirinho de outono chegando… Não te dá vontade
de continuar caminhando?
– Me dá vontade de pegar um táxi e voltar.
– Tá fresquinho, a gente já descansou. Que falta de espírito de viagem…
– Bruno – Letícia não se levantou –, se eu for
pro hotel sozinha, eu vou embora. – Bruno tem certeza que ela está blefando. Que bobagem.
– Então vai.
– Bruno…
– Ah, porque agora a culpa é minha, só por-
Bruno caminha rumo à próxima esquina da
que eu não tenho nenhum músculo. – Letícia aponta
Ciudad Vieja, deixando Letícia sentada. Sorri. Letí-
as próprias pernas, magras-gordas, pernas magras de
cia o chama mais uma vez. Bruno! Bruno caminha,
mulher de 1,75m e 60kg, mas 30% de gordura.
apressa o passo. Sabe que Letícia levantará, sabe
– Amor…
que ela o seguirá, virá rápido, passos velozes. Pas-
– Tá doendo, pô, eu não tô acostumada – ela
sarão uma tarde adorável juntos, Bruno a conhece
suspira – não tenho preparo.
56
– Lê, vamos tomar um café, tá? Daí, se você
não quiser mesmo, a gente vai embora.
melhor que ninguém. Letícia ainda está sentada:
Bruno sorri. Não rebate que para passar o dia
Bruno! Os turistas ficarão por duas semanas até que
em compras no Shopping Punta Carretas, Letícia tinha
a viagem acabe. O cheiro de pães gordurosos e de
bastante preparo físico. Talvez, no fundo, Bruno tema
dulce de leche uruguayo saem da Confiteria El Lou-
que Letícia tenha se cansado demais comprando no
vre rumo à rua, rumo a Letícia e não Bruno, rumo
shopping, dores musculares, cãibras, a coisa toda e
aos prédios brancos acinzentados, rumo ao segun-
por isso não queira caminhar.
do andar de janelas fechadas.
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Formando
leitores críticos
Muito mais do que um local
para venda de livros, as feiras
promovidas pelo Sesc/RS em todo
Estado envolvem a comunidade
em atividades complementares
Foto: Divulgação Sesc/RS
Por Aline de Medeiros Weibert,
bibliotecária da Gerência de Cultura do Sesc/RS
à Literatura, contribuindo para
a promoção da leitura e da escrita
O Sesc promoveu, juntamente com prefeituras,
universidades, livreiros e demais parceiros, 47 feiras de
livros em todo o Rio Grande do Sul durante o ano de
2011. Em aproximadamente 200 dias de evento, mais
de 140 escritores participaram por meio de oficinas literárias, palestras, sessões de autógrafos, saraus, contação de histórias e bate-papos. Além disso, foi disponibilizada toda uma gama de programações culturais
que complementam a Literatura, como espetáculos teatrais, sessões de cinema, shows musicais, exposições,
intervenções artísticas, entre outras atividades, todas
de forma gratuita e democrática, acessíveis e direcionadas a públicos conforme a faixa etária. Estudantes,
professores e pessoas de toda a comunidade puderam
se beneficiar não apenas com a diversidade da programação, mas também com a venda de livros a preços
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
Feiras oferecem programação cultural diversificada e livros a preços mais baixos
57
literatura
mais baixos e para todos os gostos, abrangendo os di-
escritor comparece para uma oficina com os professores
versos gêneros literários.
alguns meses antes do período da feira, a fim de tornar
Por meio das nossas feiras de livros, contribuí-
o trabalho com os alunos ainda mais rico e efetivo.
mos com a popularização do livro, com a promoção da
A seguir, o depoimento do Marcelo Carneiro
leitura e da escrita, mas ainda mais fundamentalmente
da Cunha sobre a Feira do Livro de Torres 2011, desta-
com a formação de leitores críticos, uma vez que tais
cando o comprometimento dos alunos que leram suas
bens culturais criam o gosto e o hábito pela leitura. As
obras previamente:
escolas envolvem-se de maneira bastante intensa e sig-
"Gostei muito do circo montado diante do mar e
nificativa, buscando promover a leitura – bem como ati-
das coisas que aconteceram lá dentro. Ótimas conversas
vidades complementares – das obras dos autores que
com adultos e garotada de diferentes jeitos e idades.
estão presentes nas feiras de livros. Em muitos casos, o
Demonstrações de leitores de que haviam mesmo lido
e compreendido. Experimentações com adaptações do
que tinham lido, num bom exercício de protagonismo.
Conversei com uma quantidade enorme de pessoas, o
que sempre quer dizer que a feira pegou e as pessoas
se reúnem ao redor dela. Muitos sintomas e indícios que
Eventos como
o de Lajeado (acima)
e Santa Cruz do Sul
(abaixo) contribuem
com a popularização
do livro e a promoção
da leitura e escrita
tudo vai bem, muito bem. E eu acho que isso acontece,
em grande parte, por conta da estrutura do Sesc, que
acumula muita, muita experiência com atuação cultural
de qualidade em todo o país, cada vez mais."
Nas cidades em que a Unidade do Sesc conta com
Foto: Divulgação Sesc/RS
o projeto de Biblioteca, seja ela fixa, seja itinerante, as feiras de livros também proporcionam local específico para
consulta e leitura de obras, contemplando as diferentes
faixas etárias. Para os que pretendem comprar um ou
mais livros, as feiras disponibilizam, entre livreiros locais e
de cidades vizinhas, uma variedade de títulos que garantem a diversidade de gêneros, desde infantis e juvenis até
os clássicos nacionais e estrangeiros, passando por conto, crônica, poesia, romance, biografias, autoajuda, entre
outros. Algumas bancas temáticas e outras variadas, que
atentam para as obras dos escritores convidados, permitem qualificar as sessões de autógrafo.
Além dos estudantes e professores, os demais
interessados da comunidade também têm a possibilidade de usufruir deste ambiente diferenciado que uma
feira do livro proporciona com atrações dinâmicas,
Foto: Divulgação Sesc/RS
gratuitas e distribuídas nos três turnos do dia. Como
atividade complementar, o Sesc promove em algumas
feiras de livros concursos literários direcionados ao público escolar, como evidencia a professora de Língua
Portuguesa, Língua Inglesa e Literaturas Josí Aparecida
de Freitas, supervisora educacional integrante da Equipe Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação
de Venâncio Aires:
"E o Concurso Literário... Ahhh... O Concurso Literário! Que emocionante a Cerimônia de Premiação!
Presença de autoridades, escolas participantes, alunos
e professores vencedores. Todos muito felizes em fazer
parte do livro da feira que traz os textos e desenhos
vencedores. E uma das histórias vencedoras, um conto
de fadas (havia os gêneros desenho, fábula, conto de
fadas, crônica e conto – divididos em nove categorias,
58
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
da Educação Infantil ao Ensino Médio, incluindo as ca-
do Sesc na promoção de feiras de livros no Estado
tegorias professor e comunidade em geral – e a temá-
do Rio Grande do Sul. Esse sucesso é fruto de um
tica dos textos deveria ser a mesma da Feira: Ler a Vida
trabalho intenso que começa muitos meses antes
em Movimento), foi contada por Geison Aquino, o que
do período do evento. São inúmeras reuniões para
fez a autora, uma menina de 5ª série, se emocionar na
tratar da escolha de temas, patrono(a), escritores
plateia... Não só ela como todos nós!"
convidados, atividades complementares, locais/
Um exemplo de atividade que agrega apre-
tendas específicas, livreiros, participação das es-
sentação teatral à Literatura, de forma bem-sucedida
colas, estrutura e divulgação. É de extrema impor-
em nossas feiras de livros, é o relato abaixo do escritor
tância também o momento pós-feira, quando os re-
Paulo Bentancur:
presentantes envolvidos na organização se reúnem
"Estive no dia 6 de outubro na Feira de Gravataí
para avaliar cada aspecto do evento.
para dois eventos. Um encontro às 14h com pré-adolescentes para os quais falei sobre o que a leitura pode
fazer por nós, o milagre da leitura, num espaço confortável, bonito, agradável para atividades dessa natureza, o Teatro Sesc. Achei excelente. Mais que excelente,
sob medida, adequadíssimo. E se o espaço ajuda e a
proposta do encontro também, naturalmente o resultado não poderia ser outro do que foi: mais que satisfatório. Não bastasse esse primeiro encontro, houve o segundo, o das 19h, no mesmo aprazível local, onde falei
Feira de Livros de Gravataí
contou com intensa
programação no Teatro Sesc
(acima). Em Alegrete (abaixo),
público escolar participou
de evento cultural na Praça
Getúlio Vargas
comunidade, acerca de O Sobrado, de Erico Verissimo,
obra cuja versão para teatro seria apresentada após a
minha fala. O êxito foi total, pleno. Percebi isso no meu
próprio envolvimento com o público, nas perguntas,
inumeráveis (passando do tempo previsto e tendo até
Foto: Denison Fagundes
para pessoas do Ensino Médio, professores, gente da
de ser interrompidas), nos aplausos, na intensidade da
participação da plateia e nas manifestações assim que
desci do palco e me encaminhei para a saída. Depois
de cerca de 500 participações em feiras de livro, esta
de Gravataí sem dúvida fica na minha memória como
um momento especial, bem acima da média. Mérito
total dos organizadores. Parabéns e obrigado."
O envolvimento dos pais dos alunos pode ser
evidenciado no próximo depoimento do escritor Marcio Scheibler sobre a mais recente Feira do Livro de
"Minha primeira participação na Feira do Livro
de Venâncio Aires, seja como autor ou como leitor, foi
deveras proveitosa, pois pude participar de um bate-papo muito produtivo ao lado de outro escritor, uma
aluna e uma professora. A conversa estendeu-se por
mais de uma hora, superando e muito minhas expec-
Foto: Divulgação Sesc/RS
Venâncio Aires:
tativas, com o público do Ensino Médio interagindo.
O ambiente da feira estava bem organizado, principalmente no espaço para recreação infantil. Foi gratificante ver pais com seus filhos brincando e tendo contato
com o mundo dos livros em apenas um lugar, o que
torna esse tipo de evento fundamental na programação cultural de qualquer município."
Todos os eventos relatados neste texto demonstram a crescente e significativa participação
SEGUNDO SEMESTRE | 2011
59
Download

II FESTIVAL INTERNACIONAL SESC DE MúSICA DE