Caso clínico Asma e Tuberculose Caso clínico Mauro Gomes – CRM-SP 59917 Mestre em Medicina e professor da disciplina de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Coordenador do Ambulatório de Tuberculose e Bronquiectasias da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Médico colaborador da disciplina de Pneumologia da Unifesp – Ambulatório de DPOC. Asma e Tuberculose Caso clínico 1 GAF, 46 anos, sexo feminino, branca, casada. Paciente asmática em uso de formoterol 12 mcg / budesonida 400 mcg, duas vezes ao dia. Apresentou emagrecimento com tosse produtiva e febre diária por três meses. A radiografia apresentou opacidades apicais bilaterais e PPD com 21 mm. Apesar de a baciloscopia do escarro ter sido negativa, foi iniciado tratamento para tuberculose pulmonar baseado nas apresentações clínica e radiológica. Após um mês de utilização de esquema tríplice, regrediram todos os sintomas relacionados à tuberculose. A paciente completou o tratamento em seis meses e recebeu alta do Ambulatório de Tuberculose. Durante todo o período, manteve a asma controlada com o uso da combinação formoterol / budesonida, não sendo necessário o uso de corticoide oral, antibióticos ou associação de outros antiasmáticos. Caso clínico 2 NS, 32 anos, sexo masculino, branco, solteiro. Paciente asmático em uso de formoterol 12 mcg / budesonida 400 mcg, duas vezes ao dia. Apresentou tosse produtiva e perda ponderal por dois meses. Radiografia com infiltrado micronodular difuso bilateral. A broncofibroscopia demonstrou lesão ulcerada en- dobrônquica; a biópsia revelou tratar-se de processo inflamatório crônico granulomatoso. Realizado diagnóstico de tuberculose pulmonar e endobrônquica, e iniciado esquema tríplice. Após dois meses de uso das drogas antituberculose, regrediram os sintomas da doença. O paciente completou o tratamento em seis meses, com melhora clínica e radiológica, e recebeu alta ambulatorial. Durante todo o período, manteve a asma controlada com o uso da combinação formoterol / budesonida, não sendo necessário o uso de corticoide oral, antibióticos ou associação de outros antiasmáticos. Caso clínico 3 AC, 60 anos, sexo feminino, negra, viúva. A paciente apresentava histórico sugestivo de asma na infância, mas nunca investigou ou tratou. Procurou o serviço por tosse produtiva e dispneia progressiva com seis meses de duração. A radiografia torácica apresentou infiltrado micronodular difuso bilateral e a pesquisa de BAAR no escarro deu positiva, diagnóstico confirmado por meio de cultura. Após três meses de medicação antituberculose, a paciente apresentou melhora da dispneia, que agora se manifestava aos grandes esforços; a tosse passou a ser seca, mas iniciou com sibilância difusa. Foi 1a Figura 1a e 1b – Radiografias em posição posteroanterior de caso de tuberculose com apresentação radiológica difusa bilateral antes e após tratamento 1b introduzida a combinação formoterol 12 mcg / budesonida 400 mcg, duas vezes ao dia, com regressão total do quadro. Após seis meses de tratamento, houve regressão clínica e radiológica, recebendo alta do Ambulatório de Tuberculose. Discussão Estimativas da Organização Mundial da Saúde apontam que cerca de cem milhões de pessoas no mundo são infectadas a cada ano pelo bacilo da tuberculose, com três milhões de mortes anuais. No Brasil, estima-se uma incidência de cerca de 110 mil casos novos anuais de tuberculose. Com relação à asma, segundo a Global Initiative for Asthma (GINA), estima-se que mais de 300 milhões de pessoas tenham a doença ao redor do mundo, com evidências de aumento da prevalência em vários países. No Brasil, a estimativa é que mais de 10% da população tenha asma, situação que pode ser ainda pior se entendermos que há subdiagnóstico da doença.1 Com essa alta prevalência das duas doenças, seria de se esperar o achado frequente da associação entre asma e tuberculose na prática diária, mas não é 2a Figura 2a e 2b – Cortes tomográficos com nódulos centrolobularesdifusos bilaterais, bronquiectasias e opacidades irregulares, bilaterais, em caso de tuberculose 2b isso que comumente se observa. No Ambulatório de Tuberculose da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, entre 554 pacientes tratados por tuberculose, oito (1,4%) se apresentaram com essa associação, sendo que apenas um doente apresentou descontrole da asma durante o tratamento da tuberculose. Existem poucos estudos relacionando asma e tuberculose. Em um deles, foram encontrados níveis aumentados de TNF-alfa nas duas doenças, mas polimorfismo do gen G-308A foi relacionado à asma, e não à tuberculose.2 Uma possível explicação para a pouca frequência da associação entre asma e tuberculose pode estar relacionada ao fato de que as vias da resposta imune são diferentes nas duas doenças. Os linfócitos T, chamados “auxiliares”, podem produzir dois tipos de resposta inflamatória, as quais são chamadas de reação do tipo Th1 (mediada principalmente pela interleucina 2 e pelo interferon-gama) e do tipo Th2 (mediada pelas interleucinas 4, 5, 6, 10 e 13). Na tuberculose, há predomínio de resposta do tipo Th1, o que favorece a doença a limitar-se e a localizar-se, enquanto na asma há predominância do tipo de resposta Th2. Figura 1a e 1b – Radiografias em posição posteroanterior de caso de tuberculose com apresentação radiológica difusa bilateral antes e após tratamento Embora isso seja fato, é controverso para explicar a baixa associação entre asma e tuberculose. Essa explicação não esclarece todas as situações, visto que, nas formas disseminadas da tuberculose, há predomínio de resposta do tipo Th2.3 Coincidência ou não, nos três casos relatados, a apresentação radiológica da tuberculose não era localizada (figuras 1 e 2). Baseado nesse aspecto imunológico, elaborou-se a hipótese, igualmente sujeita a questionamentos, de que a infecção pelo Mycobacterium tuberculosis poderia prevenir o aparecimento de doenças alérgicas, como a asma brônquica,4 embora alguns autores refiram esse achado como significativo apenas nas mulheres.5 Outro conceito que reforça essa afirmação do possível efeito protetor da contaminação pelo bacilo de Koch é o de que influências externas ao sistema imune, no período neonatal, podem apresentar consequências tardias na infância e na expressão da asma. Estudo realizado em país com baixa prevalência de tuberculose reforçou essa visão ao demonstrar que a vacinação com BCG no recém-nato poderia reduzir a prevalência de doenças alérgicas na adolescência por afetar a resposta pelas células-T nos indivíduos com predisposição genética alérgica.6 Figura 2a e 2b – Cortes tomográficos com nódulos centrolobularesdifusos bilaterais, bronquiectasias e opacidades irregulares, bilaterais, em caso de tuberculose Dados do estudo ISAAC (International Study of Asthma and Allergies in Childhood) demonstraram relação inversa entre as notificações por tuberculose e a prevalência de sintomas asmáticos nas crianças e nos adolescentes estudados, sendo isso mais forte no grupo de crianças entre seis a sete anos de idade.7 No entanto estudo brasileiro que utilizou dados extraídos do próprio ISAAC não corroborou essa afirmação em nosso meio. Os autores concluíram que não se pode dizer que há relação inversa entre a prevalência de doenças atópicas, como rinoconjuntivite, eczema atópico e asma, e a tuberculose entre os adolescentes brasileiros.8 Apesar de o chiado ser uma característica da asma, o diagnóstico de sibilância torácica, isoladamente, não pode ser interpretado como sintoma, principalmente se apresentar início na idade adulta. Formas de tuberculose endobrônquica podem cursar com sibilância, e a não investigação acarreta atraso no tratamento e graves consequências. Na infância, o diagnóstico diferencial entre as duas situações pode ser mais difícil, sendo que, por vezes, crianças apresentando chiado no peito podem ser diagnosticadas como asmáticas quando, na realidade, apresentam tuberculose.9 O tratamento da asma baseia-se no uso do corticoide inalatório, muitas vezes associado ao broncodilatador de longa ação. Não há evidências que contraindiquem a terapêutica habitual da asma brônquica durante o tratamento da tuberculose. O uso de broncodilatadores, sejam de ação curta, sejam de longa, deve ser empregado de acordo com suas indicações baseadas no estudo da asma. Quanto ao corticoide inalatório, não há estudos que enfoquem a específica questão do seu uso na associação entre asma e tuberculose. Apesar de faltarem evidências que indiquem sua utilização, também não há evidências que contraindiquem seu uso. Há um relato na literatura de paciente que desenvolveu forma endobrônquica de tuberculose depois de nove anos do início de tratamento com beclometasona inalatória. Apesar da fraca evidência entre causa e efeito dessa medicação para o surgimento da tuberculose, durante o tratamento da infecção, foi suspenso o uso do corticoide inalado, com posterior recrudescimento dos sintomas asmáticos. Após a reintrodução do corticoide, houve melhora da asma e a paciente não evoluiu com estenose brônquica.10 Nos casos de associação asma e tuberculose que tivemos a oportunidade de acompanhar, a associação formoterol / budesonida manteve o controle da asma e não interferiu no resultado do tratamento da tuberculose. Como não há estudos sobre a utilização de drogas antiasmáticas nessa situação em particular, de associação de asma e tuberculose, entendemos que, desde que esteja sendo aplicada a terapêutica antitu- berculose, devemos seguir o tratamento recomendado para a asma, com a finalidade de não se perder o controle dessa doença. Mesmo as maiores doses de corticoide inalatório utilizadas na asma são pequenas quando comparadas às empregadas na corticoterapia oral das formas de tuberculose pericárdica ou meníngea, e, mesmo assim, há resposta adequada do tratamento da infecção tuberculosa. Outro achado comum na observação clínica de doentes tratados por tuberculose é o surgimento de sibilância após o tratamento da infecção. As informações sobre o tema são escassas na literatura, e esses pacientes acabam seguindo o tratamento preconizado pelas diretrizes de asma ou DPOC. Os pacientes tratados por tuberculose e que apresentam limitação ao fluxo aéreo tendem a apresentar maior reatividade ao teste de broncoprovocação11 e a desenvolver mais dispneia ao exercício.12 O distúrbio ventilatório combinado parece ser o mais frequente nos portadores de sequela de tuberculose, sendo mais acentuado naqueles que apresentam envolvimento pulmonar radiologicamente mais extensos.13 A sibilância após o tratamento da tuberculose também pode estar relacionada ao desenvolvimento de bronquiectasias, e as evidências para utilização de broncodilatadores ou de corticoides inalatórios também não existem para essa situação específica. Essas drogas podem ser recomendadas nas condições em que as bronquiectasias se associam à asma ou à DPOC, mas não há evidências além daquelas já existentes para asma ou para DPOC.14 Referências bibliográficas 1. Masoli M, Fabian D, Holt S, Beasley R. Global burden of asthma. [Acesso em 2009 Jan 7.] Disponível em: www.ginasthma.org. 2. Kumar V, Khosla R, Gupta V, Sarin BC, Sehajpal PK. Differential association of tumour necrosis factor-alpha single nucleotide polymorphism (-308) with tuberculosis and bronchial asthma. Natl Med J India. 2008;21(3):120-2. 3. Orme IM, Andersen P, Boom WT. T cell response to Mycobacterium tuberculosis. J Infect Dis. 1993;167:1481-97. 4. von Mutius E, Pearce N, Beasley R, Cheng S, von Ehrenstein O, Björkstén B, et al. International patterns of tuberculosis and the prevalence of symptoms of asthma, rhinitis, and eczema. Thorax. 2000;55(6):449-53. 5. von Hertzen L, Klaukka T, Mattila H, Haahtela T. 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