Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 O QUE É PRA FAZEIÊ: ESTUDO DE MARCA LINGUÍSTICA EM UMA COMUNIDADE FAXINAL Luciane Trennephol da Costa (UNICENTRO)1 [email protected] Simone Guimarães (UNICENTRO)2 [email protected] RESUMO: Neste estudo, investigamos o uso de uma variante fonética, a terminação [ie] em palavras invariáveis como advérbios e em formas verbais, em uma comunidade faxinal, chamada Faxinal dos Mineiros, do município de Teixeira Soares, interior do estado do Paraná. Um faxinal é um sistema agrosilvopastoril com áreas de uso coletivo. Inicialmente, recorremos à metodologia da Sociolinguística Variacionista (Labov,1972) em busca de fatores condicionantes para a produção da variante investigada. Em vista de nosso insucesso na coleta de dados através de entrevistas com relatos de experiências pessoais, direcionamos nossa pesquisa à Sociolinguística Interacional ( Ribeiro e Garcez, 2002) e analisamos a pronúncia da variante [ie] na interação entre falantes nativos da comunidade de Faxinal dos Mineiros com outros interlocutores em uma sala de aula. Os dados analisados constituem uma evidência do papel condicionante que a situação de interação social e os interlocutores podem exercer no uso linguístico. A pronúncia [ie] do falante nativo da Faxinal dos Mineiros parece estar ligada a interação face a face com a professora, considerada um interlocutor ratificado. A fala ratificada é endereçada a um ou mais interlocutores específicos dentre os participantes e, conforme Garcez e Ostermann (2002), constitui uma pista de contextualização que sinaliza para os interlocutores o status de ouvinte endereçado da fala que lhe está sendo dirigida. Palavras-chave: Variação Linguística, Sociolinguística Interacional, Variante Fonética. RESUMEN: En este estudio investigamos el uso de una variante fonética, la terminación [ie] en palabras invariables como adverbios y en formas verbales, en una comunidad faxinal, llamada Faxinal dos Mineiros, en el municipio de Teixeira Soares, interior del estado de Paraná. Uno faxinal es un sistema agrosilvopastoril con áreas de uso colectivo. Inicialmente, recorremos a la metodología de la Sociolingüistica Variacionista (Labov, 1972) en búsqueda de factores condicionantes para la producción de la variante investigada. En vista nuestra falta de suceso en la coleta de datos a través de entrevistas con relatos de experiencias personales, direccionamos nuestro estudio a la Sociolingüística Interaccional (Ribeiro e Garcez, 2002) y analizamos la pronuncia de la variante [ie] en la interacción entre hablantes nativos de la comunidad de Faxinal dos Mineiros con otros interlocutores en un salón de clase. Los datos analizados constituyen una evidencia del papel condicionante que la situación de interacción social y los interlocutores pueden ejercer en el uso lingüístico. La pronuncia [ie] del hablante nativo de Faxinal dos Mineiros parece estar ligada a la interacción frente a frente con la profesora, considerada un interlocutor ratificado. El habla ratificado es enderezado a uno o mas interlocutores específicos entre los participantes y, conforme Garcez y Ostermann (2002), constituye una pista de contextualización que señala para los interlocutores el status de oyente enderezado del habla que le está siendo dirigida. 1 Doutora em Letras, Professora Colaboradora na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) do Departamento de Letras do campus de Irati-Paraná. 2 Acadêmica do quarto ano do curso de Letras/Espanhol na Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO) campus de Irati-Paraná. 1 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 Palabras-clave: Variación Lingüística; Sociolingüística Interaccional; Variante Fonética. 1. INTRODUÇÃO Em face da heterogeneidade natural da língua, pois sabemos que “Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variações. Pode-se afirmar mesmo que nenhuma língua se apresenta como uma entidade homogênea” (Alkmim, 2007, p.33), este estudo tem por finalidade descrever e explicar uma variante de nível fonético, produzida por falantes da comunidade rural de Faxinal dos Mineiros, pertencente ao município de Teixeira Soares no Paraná. O interesse por essa pesquisa surgiu devido a uma ocorrência presenciada em sala de aula na qual uma criança moradora dessa comunidade pronunciou a palavra “fazeiê” para a realização do verbo fazer no infinitivo, no seguinte enunciado: “professora, como é que é pra fazeiê?”. Também devido a conversas com professores da escola onde algumas crianças dessa localidade estudam e a percepção geral desses professores de que tal traço linguístico é utilizado constantemente por falantes daquela comunidade. Desse modo, o objetivo de nossa pesquisa é analisar a realização de uma variante linguística de nível fonético em falantes dessa comunidade rural. A variante que observamos é a presença da terminação [ie] em algumas palavras, tais como: “fazer” e “comer”, produzidas como [fazeie] e [komeie]3. A partir da análise dos dados de fala coletados, procuramos determinar o contexto linguístico e as circunstâncias na qual os falantes produzem essa variante, utilizando como base teórica pressupostos da Sociolinguística Interacional segundo Ribeiro e Garcez (2002), Cavalcanti e BortoniRicardo (2007) e Loder e Jung (2008). 3 Neste texto, transcreveremos a transcrição ortográfica entre aspas e a transcrição fonética, de acordo com o Alfabeto Fonético Internacional, versão 2005, entre colchetes. 2 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 2. BREVE HISTÓRICO ACERCA DA COMUNIDADE A comunidade onde se realizou esta pesquisa é chamada Faxinal dos Mineiros e situa-se no interior do município de Teixeira Soares, no estado do Paraná. Não foi possível buscar dados mais concretos acerca dessa localidade, uma vez que, segundo funcionários da Prefeitura Municipal de Teixeira Soares, não há registros oficiais sobre a mesma. Sendo assim, os dados relatados aqui são por conhecimento prévio sobre a localidade e por convivência e conversas com os moradores que nos passaram algumas informações. Um faxinal é um sistema agrosilvopastoril de uso coletivo da terra encontrado na região centro-sul do Paraná (Shuster e Sahr, 2009). Esse sistema é dividido em duas partes separadas por cercas ou valos: as “terras de criar” de uso coletivo onde ficam as casas e as criações de toda a comunidade e as “terras de plantar” onde ficam as áreas particulares de casa morador para cultivo da terra. Faxinal dos Mineiros é uma localidade que quase não possui recursos e benefícios para os moradores, já que não possui atendimento médico, não tem escola, não possui lojas e mercados, somente uma mercearia. O sustento maior dos moradores é a plantação de fumo, na qual a família toda trabalha. Há aproximadamente três anos atrás, havia uma pequena escola em Faxinal dos Mineiros, no entanto, por ser multiseriada4 e devido à aposentadoria da única professora formada dessa localidade, a escola foi desativada e por isso, atualmente, as crianças de Faxinal dos Mineiros estudam na escola do Rio D’Areia de Cima para onde os moradores também se deslocam para receber atendimento médico. Há alguns anos atrás, havia atendimento médico em Faxinal dos Mineiros, porém, com a saída da escola há três anos os atendimentos médico e dentário também acabaram. Assim, as crianças têm que se deslocar até essa outra localidade para poder estudar e como a distância entre uma localidade a outra é grande, aproximadamente 8 km, os alunos são levados de 4 Organização do ensino nas escolas em que o professor trabalha, na mesma sala de aula, com várias séries simultaneamente. (Fonte: MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."Classes multisseriadas" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=71, visitado em 27/7/2012.) 3 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 ônibus até a escola. Foi no ambiente da nova escola que se percebeu uma variante linguística na fala dos alunos oriundos de Faxinal dos Mineiros, dando origem ao interesse por esse estudo. 4. METODOLOGIA E ESTRATÉGIAS DE AÇÃO Essa pesquisa, inicialmente, tratava-se de uma pesquisa quantitativa, em que trabalharíamos com os pressupostos teórico-metodológicos da Socioliguística Variacionista. Essa teoria, proposta e desenvolvida, principalmente, pelo americano William Labov (1972), acredita ser possível sistematizar a variação inerente à fala. Na interação linguística, pode haver várias formas de se falar a mesma coisa, a essas formas diferentes de falar, dá-se o nome de variantes. As variantes são, portanto, diversas maneiras de dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, sem perder o valor de verdade (Tarallo, 1997, p.8). Para a ocorrência de uma variante, ou uma variação, ou uma marcação linguística, podem ser atribuídos vários fatores condicionantes, sejam eles linguísticos, devido a fatores estruturais da fala, ou extralinguísticos, externos ao falante, como seu sexo, sua escolaridade, sua faixa etária e até mesmo o contexto de sua fala podendo esta ser formal ou informal (Tarallo, 1997, p. 46). Tudo isso pode servir de fator condicionante para a realização de uma variante linguística. A variabilidade inerente a qualquer sistema linguístico e que pode desencadear ou não uma mudança linguística pode ser diretamente observada de acordo com os pressupostos da Sociolinguística Variacionista através de amostras de fala de uma comunidade, na qual se analisam as possíveis pressões sociais e estruturais que atuam no uso de determinada variável. A incorporação de fatores sociais como, por exemplo, a etnia, a escolaridade e a faixa etária implica a asserção de que a mudança linguística não ocorre no vácuo social: “The point of view of the present study is that one cannot understand the development of a language change apart from the social life of the community in which it occurs.” (Labov, 1972, p.3.). Tais estudos empíricos, com dados reais de fala, permitem o método indutivo que cria generalizações baseadas em fatos e espera-se que essas generalizações 4 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 possibilitem, como já possibilitaram no curso do desenvolvimento dos trabalhos sociolinguísticos, o entendimento e a sistematização da variabilidade e da mudança linguística. Acreditando-se que forças similares devam produzir resultados similares, através de configurações sociais e linguísticas, podemos prever movimentos de mudança, mudança em progresso ou variação estável, pela comparação de pesquisas: “The role of empirical reserch is to determine which configurations of social and linguistic factors are similar.” (Labov, 2002, p.75). Para colhermos uma amostra com dados de fala da variante analisada, a pronúncia de [ie], fomos até a localidade de Faxinal dos Mineiros e selecionamos os falantes de acordo com sexo, idade e escolaridade. Seguindo a metodologia variacionista, realizamos entrevistas de narrativas pessoais em que os informantes foram levados a relatar sua história de vida, falando sobre a comunidade e o tempo que residiam ali, buscando a fala espontânea descuidada em que “o informante desvencilhase praticamente de qualquer preocupação com a forma” (Tarallo,1997, p. 22). Os informantes também responderam a um questionário no qual informaram sua renda, tempo que residiam na comunidade, sexo, idade e escolaridade, enfim informações que pudessem desvendar alguma possível interferência de variável social na realização da variante. Com a metodologia da narrativa de experiências pessoais não se coletou a variação desejada, pois nenhum falante pronunciou a marca linguística [ie] durante as entrevistas sociolinguísticas. Assim, não foi possível testarmos nossa hipótese impressionística de que a variante [ie] estaria ligada ao grau de escolaridade dos falantes, de modo que se vai perdendo a marcação no período em que se entra na escola e, com o “auxilio” do professor e através do convívio com outros falantes, a variante é cada vez menos pronunciada, sendo provavelmente extinta. Retornamos até a localidade com um método diferente, ao invés de entrevistas, foi realizado um jogo com novos informantes. Vimos que no módulo da narração da história de vida e relatos sobre a comunidade em si não houve a pronúncia da variante pretendida, mas, conforme Tarallo (1997, p. 22), o sucesso da aplicação do módulo pode variar de acordo com a comunidade de fala e cabe ao investigador usar de outras 5 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 estratégias para lograr êxito. Assim, nesse novo módulo foi dito às pessoas que elas participariam de um jogo mneumônico. Novamente nesta etapa, selecionamos seis informantes masculinos e seis informantes femininos com escolaridade fundamental ou ensino médio e idade até 15 anos, de 20 a 40 anos e acima de 40. No jogo, o informante recebia um estímulo visual através de figuras impressas e deveria falar o nome do objeto visualizado e qual a sua serventia. Assim, no jogo havia figuras em que possivelmente os falantes pronunciariam a variante como, por exemplo, “flor” com o intuito de pronúncia “cheraie”, “boneca” com o intuito de pronúncia “brincaie”, “colher” com o intuito da pronúncia “comeie”. Foram utilizadas 14 figuras, que a pesquisadora mostrava, uma a uma, de forma ligeira, ao participante. Para que o falante não percebesse qual o propósito do jogo – realização da variante [ie] - incluímos alguns distratores, palavras que não possuíam o contexto para realização de [ie] como, por exemplo, livro, orelha, cama, etc. Como no módulo narrativa de experência pessoal, no jogo mneumônico também não obtivemos sucesso na coleta dos dados. Devido ao fato de os falantes nativos daquela localidade não pronunciarem a variante esperada nos dois módulos de coleta de dados, decidimos mudar o foco da pesquisa e ao invés de analisar a variante em si e as circunstâncias em que aparecia, investigar o porquê de ela não haver sido pronunciada. Os informantes não produziram a variante nas coletas, porém ela é sistematicamente realizada em contexto de sala de aula pelas crianças conforme relatos de seus professores. Diante disso, partimos em busca do referencial teórico da Sociolinguística Interacional, pois ao não conseguirmos lograr êxito com os dois módulos anteriores suspeitamos que a não pronúncia da variante poderia estar relacionada com a interação com a pesquisadora. A observação da língua em relação com a sociedade tem sido feita por várias áreas de estudo, entre elas a Sociolinguística em suas diversas abordagens. Segundo Alkmim (2007, p.26), o objetivo do estudo sociolinguístico é estudar a língua (falada, observada, descrita) e analisá-la em seu contexto social, no seu uso real no dia-a-dia. Conforme Bortone (2007, p.139): “a língua funciona como um fator de identificação social através de estruturas linguísticas que revelam os valores culturais, sociais e históricos de uma comunidade específica.” Essa língua só pode ser analisada em seu 6 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 meio de ação, a linguagem está como mediadora entre os homens, ela é como uma “ponte” entre a comunicação humana, pois é a linguagem que proporciona a interação entre as pessoas. Conforme Camacho (2007, p. 55) “a linguagem é a expressão mais característica de um comportamento social”, sendo assim, não se pode separá-la das funções sóciointeracionais. A Sociolinguística Interacional trabalha com pesquisa qualitativa empírica e interpretativa e propõe o estudo do uso da língua na interação social conforme Ribeiro e Garcez (2002, p. 8). Para essa abordagem sociolinguística, a interação face a face é a parte essencial para a explicação das identidades sociais, além disso, citando Hymes (1989) e Goffman (2002), Jung e Garcez dizem que: Trata-se de compreender que os participantes de uma dada interação não somente comunicam palavras e constroem o sentido dessas mesmas palavras, mas, sobretudo, agem enquanto negociam construções sociais de identidades. Tanto as situações de interação como os papeis interacionais assumidos durante uma dada interação são cruciais para a construção da identidade social. (JUNG e GARCEZ, 2007, p. 98) Na interação social é que se desenvolve a língua/fala de uma comunidade linguística, é através da interação entre as pessoas, quando elas não se preocupam como falam, mas sim o que falam, que se pode observar o uso real da fala. É a interação face a face que a Sociolinguística Interacional elege como o lugar central para a análise linguística conforme Villaça (2009, p.95): “ Pode-se afirmar, então, como sugere o próprio nome, que a SI se apoia na interação (relação) entre os participantes de uma dada situação e não apenas no aspecto puramente linguístico” Sustentadas pelo aporte teórico da Sociolinguística Interacional e focando na situação de interação do uso linguístico, no evento de interação entre alunos e professores na sala de aula, acreditamos que poderia ocorrer a pronúncia da variante pretendida. Assim, foi nesse contexto, interação falante nativo-professor, que continuamos nossa pesquisa, observando a interação entre os falantes e a professora como um membro familiar de interlocução e não a interação entre os alunos e a pesquisadora como um membro estranho. Nesta etapa, a pesquisadora ficaria na sala de 7 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 aula, como uma ajudante da professora, apenas observando o contexto situacional de interação na sala de aula. Retornamos até a escola do Rio D’Areia de Cima, em que estudam as crianças que moram na localidade de Faxinal dos Mineiros. A coleta foi realizada através de gravações, sem conhecimento e identificação dos alunos, por um período de 30 minutos (em cada sala) durante a aula, com a presença da professora regente como se a estivéssemos ajudando. Nossa hipótese era que através da interação entre as crianças nativas de Faxinal dos Mineiros, em sala de aula, com o outro nativo e/ou professora fosse pronunciada a marcação [ie]. Com essa metodologia, conseguimos colher alguns dados da variante que seguem detalhados na próxima seção. 5. ANÁLISE DOS DADOS Como já referido, esta pesquisa iniciou-se com um cunho variacionista, porém, ao nos depararmos com a complexidade do uso linguístico e com o não êxito dos métodos iniciais, optamos por enveredar por outros caminhos, especificamente o da Sociolinguística Interacional. Teoria na qual, como detalhamos na seção anterior, o foco é a interação entre os falantes considerada como o canal pelo qual a fala é produzida e conforme Beline, “tendemos a falar como aquelas pessoas com quem mais falamos” (2005, p. 129, grifo no original). Adotando a interação como ponto de partida, adentramos no contexto das salas de aula onde estudam alguns falantes moradores de Faxinal dos Mineiros e que, acreditávamos, pronunciassem a variante [ie]. Observamos, primeiramente, uma sala de 2º ano de ensino fundamental, onde um aluno do sexo masculino, com idade aproximada de 7 anos, em interação com a professora, pronunciou a marcação [ie] no seguinte enunciado: “profe é pra copiá quiê” [pɾofɪ ɛ pɾa kopiá kie] conforme transcrevemos no trecho abaixo5 5 Seguimos aqui o Modelo Jefferson de transcrição ( LODER, 2008), acrescentando informações que julgamos utéis para facilitar a compreensão da transcrição de fala por um leitor não especializado. 8 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 Trecho 1 (4:48 a 5:14 minutos de gravação) 01 Falante 1 ... não, aquimbaxo (pesquisadora) 02 [ ruído, alunos falando ao mesmo tempo] 03 não é quimbaxo? 04 [ruído, alunos falando ao mesmo tempo] 05 O que a prssora mandô fazê? não sei. O que a prssora mandô fazê? 06 Aluno 2 (ao fundo) ssora, vem qui. 07 [ruído, alunos falando ao mesmo tempo] 08 Aluno 3 Profe é pra copiá quiê? 09 Professora Vamo: que ce tá esperando Emanuel? 10 [ruído, alunos falando ao mesmo tempo] 11 (pausa 4s) 12 Aluno 2 Prssora vem qui Notamos que a variante é proferida no final do enunciado no momento de entonação da voz do falante para sua interlocutora - a professora – poder ouvir sua pronúncia. Nota-se, também, que a variante [ie] é utilizada como uma prolongação do advérbio [aki] o que ocasiona uma maior entonação na sua fala. Esse falante também proferiu o seguinte enunciado: “profe já termineiê” [pɾofɪ ʒa teɾmineie]. Como no enunciado anterior, a variante aparece na interação com a professora no final do enunciado, dando ênfase na entonação do final da frase. A variante surge, também, como um prolongamento da forma verbar “terminar” conforme o trecho 2 abaixo. Trecho 2 (9:45 a 10:29 minutos de gravação) 01 Falante 1 [Que quié pra fazeí será?] (pesquisadora) 02 [muito ruído/barulho na sala de aula, todos falando ao mesmo tempo] 03 [XXX não se entende a pronúncia de ninguém] Pausa 9s 04 Aluno 2 [Profe já termineiê ] 05 [muito ruído/barulho na sala de aula, todos falando ao mesmo tempo] 06 [XXX não se entende a pronúncia de ninguém] 07 Aluno 3 Dezoito 08 Aluno 4 Dezesseis 09 Aluno 5 Vinte 10 (barulho, muitos falando ao mesmo tempo) 11 Aluno 1 Dezoito e uma 9 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 Posteriormente, fomos para uma turma de 1º ano do ensino fundamental, onde não obtivemos êxito com as gravações. Assim como na turma do 5º ano do ensino fundamental, onde houve a interação com os colegas e com a professora, mas as crianças nativas do Faxinal dos Mineiros não pronunciaram a variante [ie]. Após essas turmas, encaminhamo-nos para a turma do pré-escolar, onde também há várias crianças nativas daquela comunidade com faixa etária aproximada de 5 anos. Nessa turma uma criança nativa da comunidade do sexo feminino pronunciou a variante desejada na seguinte frase: “professora já termineie” [ pɾofesoɾa ʒa teɾmineie]. Nesse caso, a falante proferiu a variante numa situação de repetência, primeiramente, ela proferiu a forma verbal usual para o pretérito perfeito no modo indicativo: “ professora já terminei”. Ao perceber que sua interlocutora, a professora, não tinha dado resposta a sua pronúncia, a falante, para dar mais ênfase no seu enunciado e atrair sua interlocutora para a conversação proferiu a variante no final do enunciado como um prolongamento do verbo [terminar] como podemos observar na transcrição do trecho 3. Trecho 3 (17:25 a 17:47 minutos de gravação) 01 Aluno 1 [Eu já tô terminandu] 02 Aluno 2 [anãã ] 03 Professora ó porque que não impresta, custa mu:ito 04 (pausa) 05 Aluno 3 eu não tenho 06 Professora Ahã 07 Aluno 4 Nem eu 08 Aluno 5 a a jalne te:im 09 (barulho ao fundo) 10 Aluno 6 Prussora já terminei 11 Aluno 5 Mais a jalni mimpresta 12 Aluno 6 Professora já termineiê 13 Aluno 7 Ó prossora , ó 14 (pausa, com barulho ao fundo) 15 Professora Eu já tô dando serviço pra voceis , não se preocupem Uma das possíveis estratégias do falante ao não ser ouvido, é a alteração da prosódia através de ênfase na entonação da voz, para atrair o seu interlocutor (Gumperz, 2002, p.172). No caso, os dois falantes, para poderem ser ouvidos, usaram a variante 10 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 como um prolongamento do advérbio “aqui” e do verbo “terminar” para dar ênfase a sua fala e atingir o seu objetivo de interagir com a professora. Apesar do pouco tempo de observação em cada aula, em média trinta minutos, conseguimos colher dados da variante estudada ao nos colocarmos no papel de mero observadores da interação social entre falantes nativos da comunidade de Faxinal dos Mineiros e a professora, considerada um interlocutor familiar a eles. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O percurso da nossa pesquisa contribui para demonstrar que a variação, ou o caos linguístico, sempre tem uma explicação, algo que o motiva, seja um fator estrutural, social e/ou interacional. A variante estudada foi presenciada no momento da interação entre os alunos e a professora, que é um interlocutor que não faz parte do contexto linguístico da comunidade, mas, por estar continuamente presente no contexto escolar dos falantes acaba se tornando “familiar” aos mesmos, acarretando uma maior familiaridade na interação mútua e possibilitando a pronúncia da variante. O que não aconteceu na interação social entre os informantes e a pesquisadora como um membro estranho à comunidade. A interação entre os falantes nativos de Faxinal dos Mineiros com a professora foi o ponto fulcral de nossa pesquisa, pois na interação face a face entre o falante-alunonativo e a interlocutora-familiarizada-professora acorreu a pronúncia da variante [ie] no contexto linguístico de familiaridade com a mesma. A Sociolinguística Interacional propõe o estudo do uso da língua na interação social, assim podemos entender a ocorrência da variante [ie] através de seus postulados, pois segundo Goffman (2002, p. 19) “a fala é socialmente organizada, não apenas em termos de quem fala para quem em que língua, mas também como um pequeno sistema de ações face a face que são mutuamente ratificadas e ritualmente governadas, em suma, um encontro social”. Partindo da interação para a interpretação que se dá através da conversa, podemos dizer que a interpretação se dá através de “implicaturas conversacionais baseadas em expectativas convencionalizadas de coocorrência entre 11 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 conteúdo e estilo de superfície.” (Gumperz, 2002, p. 153). Isso quer dizer que é através de traços presentes na estrutura da fala que o falante sinaliza e o interlocutor interpreta a mensagem que está sendo produzida. Esses traços são chamados pistas de contextualização (grifo no original), que, conforme Bortone, devem ser percebidas pelos interlocutores, pois se não percebidas, podem tornar o discurso opaco, “danificando, assim, a compreensão dos sentidos do discurso e resultando em divergências de sentido.”(2007, p. 137). Assim, segundo Gumperz: Tais pistas podem aparecer sob várias manifestações linguísticas, dependendo do repertório linguístico, historicamente determinado, de cada participante. Os processos relacionados às mudanças de código, dialeto e estilo, [...] bem como as possibilidades de escolha entre opções lexicais e sintáticas, expressões pré-formuladas, aberturas e fechamentos conversacionais, e estratégias de sequenciamento podem, todos, ter funções semelhantes de contextualizações. (GUMPERZ, 2002, p. 152). Numa conversa entre indivíduos num mesmo contexto linguístico, os interlocutores se baseiam numa gama de conhecimentos e estereótipos relacionados à diversas maneiras de fala, segundo Gumperz, isso se faz através da diversidade linguística que funciona como “um recurso comunicativo nas interações verbais do diaa-dia.” (2002, p. 150). Sendo assim, “faz-se necessário que os interlocutores compartilhem conhecimentos para que haja sucesso na interação entre ambos.” (Bortone, 2007, p. 135). Os falantes podem se referir a eventos, intenções e possíveis previsões do que poderia vir a seguir numa conversação, ou seja, o que seria a próxima pronúncia do interlocutor, ou qual seria seu próximo interlocutor. Segundo Loder, Salimen e Müller (2008, p. 40), os falantes seguem uma sequência na fala/conversa que “refere-se ao fato de que as ações constituídas pelo uso da linguagem em interação social são organizadas em seqüencias de elocuções produzidas por diferentes participantes.”, esses participantes (ou falantes) ao produzirem uma elocução não a fazem de maneira desordenada, mas, sempre levando em consideração o que o seu interlocutor proferiu anteriormente. Além da familiaridade da professora, como um interlocutor do seu dia-a-dia, há que se considerar o seu papel de destaque na interlocução em sala de aula. Conforme Philips (2002, p. 28) citando Goffman (1974, 565), o interlocutor, poderá ser um 12 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 2 • novembro 2012 interlocutor não-ratificado, o qual o falante não lhe dirige diretamente a palavra; e o interlocutor ratificado, que é aquele ao qual o falante dirige sua fala, podendo ser identificado por expressão corporal/visual, ou até ser chamado pelo nome diretamente. Dessa forma a ocorrência da pronúncia [ie] do falante nativo parece estar ligada a interação face a face com a professora, considerada um interlocutor ratificado. A fala ratificada é endereçada a um ou mais interlocutores específicos dentre os participantes e, conforme Garcez e Ostermann (2002), constitui uma pista de contextualização que sinaliza para os interlocutores o status de ouvinte endereçado da fala que lhe está sendo dirigida. Apesar dos limites do nosso trabalho, que necessitaria de mais horas de observação e consequentemente de mais dados para uma maior robustez, essa pesquisa constitui uma evidência de que pode haver grandes diferenças entre os interlocutores e seus contextos de conversação podem ser vários. O que cabe ressaltar é que a interação é o grande mote no qual se pode realizar a conversação, é somente através da interação entre as pessoas que se propaga uma língua. Acreditamos ter cumprido nosso objetivo de elucidar o contexto linguístico e as circunstâncias de uso da variante [ie] na comunidade de Faxinal dos Mineiros ao observarmos que ela ocorreu em formas verbais e em advérbios e na situação social de interação com a professora na sala de aula. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALKMIM, Tânia. Sociolingüística – Parte I. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2007, p.p. 21-47. (Volume 1). BELINE, Ronald. 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