UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH - I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE VERBAL EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS: UMA ANÁLISE VARIACIONISTA EDUARDO PEREIRA SANTOS Salvador 2012 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH - I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE VERBAL EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS: UMA ANÁLISE VARIACIONISTA EDUARDO PEREIRA SANTOS Orientadora: Profa. Dra. Norma da Silva Lopes Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Estudo de Linguagens. Salvador 2012 EDUARDO PEREIRA SANTOS A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE VERBAL EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS: UMA ANÁLISE VARIACIONISTA BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Norma da Silva Lopes – UNEB/PPGEL (orientadora) ___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Josane Moreira de Oliveira – UEFS ___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Cristina dos Santos Carvalho – UNEB Salvador 2012 FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Santos, Eduardo Pereira A expressão da futuridade verbal em Santo Antônio de Jesus: uma análise variacionista / Eduardo Pereira Santos. - Salvador, 2012. 152f. Orientadora: Profa. Dra. Norma da Silva Lopes. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Letras. Campus I. 2012. Contém referências. 1. Linguística. 2.Teoria da variação linguística. 3. Língua portuguesa -Variação - Santo Antonio de Jesus (BA). I. Lopes, Norma da Silva. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD: 410.285 Dedico este trabalho aos dois seres que me servem de base e eixo: minha mãe, Maria José Pereira Santos, e meu companheiro, Zulmiro de Souza Castro Júnior. AGRADECIMENTOS À minha orientadora, perspicaz e humana, Profa. Dra. Norma da Silva Lopes: obrigado por não desistir de mim! Aos meus professores no mestrado da UNEB, pelo exemplo de dedicação e humildade intelectual, especialmente à Profa. Dra. Cristina dos Santos Carvalho. Ao Prof. Dr. Dante Lucchesi, da UFBA, por ter cedido tão gentilmente os inquéritos de Santo Antônio de Jesus, e por sugestões fundamentais no início desta pesquisa. Aos meus colegas da UNEB, que me acompanharam durante os dois anos do curso, com carinho e cuidado, em especial a Orlivalda Reis e Lorena Nascimento. Aos meus amigos da UFBA, que souberam compreender as minhas dificuldades durante passagem por essa instituição, sem nunca me desestimularem, em especial a Ari Sacramento. Aos meus amigos não-acadêmicos e/ou pós-acadêmicos, que choraram comigo as dores e riram comigo as alegrias do processo, em especial a Nanci Loula Filha, Jamile Borges, Lícia Sobral e Marcos André Queiroz de Lima. Aos meus familiares que me deram todo o apoio emocional de que precisei (e preciso!): minhas irmãs, Alana Sheila Santos Silva e Jeruza Jesus do Rosário; meus irmãos, Eric Pereira dos Santos e José Carlos do Rosário Júnior; meus sobrinhos, Lucas e Maria Sofia. Aos meus colegas do Colégio Estadual Oliveira Britto, parceiros na difícil tarefa de educar, em especial às professoras Ivonildes Santana, Marli dos Santos Socorro, Eliene dos Anjos, Débora Aquino da Silva, Elinaide Aquino da Silva e Sandra Peixoto. À professora Márcia Brito, por ter traduzido o resumo para o inglês, com presteza e rapidez. Ao Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria da Educação, pela dispensa em um dos meus turnos de trabalho no início desta pesquisa. ORAÇÃO AO TEMPO (Caetano Veloso) És um senhor tão bonito De modo que o meu espírito Quanto a cara do meu filho Ganhe um brilho definido Tempo, tempo, tempo, tempo Tempo, tempo, tempo, tempo Vou te fazer um pedido E eu espalhe benefícios Tempo, tempo, tempo, tempo... Tempo, tempo, tempo, tempo... Compositor de destinos O que usaremos pra isso Tambor de todos os ritmos Fica guardado em sigilo Tempo, tempo, tempo, tempo Tempo, tempo, tempo, tempo Entro num acordo contigo Apenas contigo e comigo Tempo, tempo, tempo, tempo... Tempo, tempo, tempo, tempo... Por seres tão inventivo E quando eu tiver saído E pareceres contínuo Para fora do teu círculo Tempo, tempo, tempo, tempo Tempo, tempo, tempo, tempo És um dos deuses mais lindos Não serei nem terás sido Tempo, tempo, tempo, tempo... Tempo, tempo, tempo, tempo... Que sejas ainda mais vivo Ainda assim acredito No som do meu estribilho Ser possível reunirmo-nos Tempo, tempo, tempo, tempo Tempo, tempo, tempo, tempo Ouve bem o que te digo Num outro nível de vínculo Tempo, tempo, tempo, tempo... Tempo, tempo, tempo, tempo... Peço-te o prazer legítimo Portanto, peço-te aquilo E o movimento preciso E te ofereço elogios Tempo, tempo, tempo, tempo Tempo, tempo, tempo, tempo Quando o tempo for propício Nas rimas do meu estilo Tempo, tempo, tempo, tempo... Tempo, tempo, tempo, tempo... RESUMO Esta pesquisa trata da expressão da futuridade verbal na cidade baiana de Santo Antônio de Jesus pelo enfoque da Teoria da Variação ou Sociolinguística Variacionista, a partir dos trabalhos de William Labov. Identifica as estratégias de futuridade verbal usadas nessa comunidade de fala, as variáveis linguísticas e sociais condicionadoras da seleção dessas formas em corpus sincrônico de língua falada distensa. Aponta o desaparecimento da forma sintética de futuro. Focaliza a relação entre a forma perifrástica de futuro, formada pelo verbo auxiliar ir e outro verbo no infinitivo, e a forma de presente com valor de futuro. Testa variáveis comuns à área, como ‘Ausência/Presença de outro constituinte de valor temporal’, ‘Paralelismo sintático-discursivo’ e ‘Paradigma verbal’, ‘Papel temático do sujeito’ e ‘Tipo semântico do verbo principal’, mas acrescenta a ‘Telicidade’, como aspecto semântico. Nesta variedade do português falado no Brasil, há o espraiamento da forma perifrástica de futuro, que convive em variação estável com a forma de presente, restrita esta a contextos específicos de uso, a saber: na expressão de futuro pelo verbo ir pleno ou outro verbo, inacusativo ou que apresente o traço acional da telicidade; na presença de outro constituinte de valor temporal; em sentenças matriz vinculadas a outra sentença subordinada adverbial condicional; com sujeito de primeira pessoa (argumento externo) com traço [+ agentivo]. Além dessas variáveis linguísticas, a pesquisa aponta a variável ‘Saída/Permanência na comunidade’ como característica social relevante para a seleção das formas de futuridade entre os santoantonienses. Palavras-chave: Futuridade verbal. Santo Antônio de Jesus-BA. Teoria da Variação. ABSTRACT This master thesis deals with the expression of verbal futurity in Santo Antonio de Jesus city, Bahia, from the focus on the Theory of Variation or Variacionist Sociolinguistic and from William Labov works. It identifies strategies of verbal futurity used in this speech community, linguistic and social variables that are constraints of assortment on those ways in synchronic corpus of distensible spoken language. It points to the disappearance of the synthetic form of the future. It focuses on the relationship between the periphrastic future form, composed by the auxiliary verb “ir” (to go) and another verb in the infinitive form and the present form with value (aspect). It tests common variables to this area like “Absence/Presence of another component of temporal value”, “Syntactic-discursive parallelism”, “Verbal paradigm”, “The subject thematic role” and “Semantic type of main verb”, but its adds “Telicity” as a semantic aspect. On this variety of the spoken Portuguese in Brazil, there is the spreading of the periphrastic form of the future, that is in stable variation with the present form this one restricted to specific contexts of usage: in the future expression through the verb “ir” (to go) in this totality or another unaccusative verb or that presents the ational aspect of telicity; in the presence of another component of temporal value; in several matrix linked to another ‘subordinada adverbial condicional or temporal sentence’; with the first person (external topic) with the aspect [+agentive]. Beyond those linguistic variables, the research points to “Out/stay in the community” variable as a relevant social characteristic for a selection of the ways of futurity among the “santo-antonienses”. Keywords: Verbal futurity. Santo Antonio de Jesus-BA. Theory of variation. SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES ....................................................................................................10 LISTA DE TABELAS .............................................................................................................11 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13 1 O PORTUGUÊS DO BRASIL .........................................................................................16 1.1 O PORTUGUÊS PADRÃO .......................................................................................19 1.2 O PORTUGUÊS CULTO E O PORTUGUÊS POPULAR BRASILEIROS ...................20 2 A EXPRESSÃO DE TEMPO FUTURO .........................................................................22 2.1 AS ORIGENS DAS FORMAS DE FUTURO .................................................................22 2.2 O PERCURSO DESDE O LATIM ...................................................................................23 2.3 A GRAMATICALIZAÇÃO DE IR...................................................................................25 2.4 O FUTURO NAS GRAMÁTICAS NORMATIVAS .......................................................26 3 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ...................................................30 3.1 A TEORIA DA VARIAÇÃO ...........................................................................................30 3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................................................................34 3.2.1 A comunidade .................................................................................................................35 3.2.2 O corpus: definição e constituição da amostra ...............................................................36 3.3 VARIÁVEIS .....................................................................................................................37 3.3.1 Variável dependente .......................................................................................................38 3.3.2 Variáveis explanatórias ...................................................................................................38 3.3.2.1 Tipo sintático do verbo principal ...............................................................................39 3.3.2.2 Telicidade ...................................................................................................................41 3.3.2.3 Tipo semântico do verbo principal ............................................................................43 3.3.2.4 Pessoa gramatical do sujeito .....................................................................................46 3.3.2.5 Animacidade do sujeito ..............................................................................................48 3.3.2.6 Extensão fonológica do verbo ....................................................................................49 3.3.2.7 Paradigma verbal ......................................................................................................50 3.3.2.8 Papel temático do sujeito ...........................................................................................50 3.3.2.9 Projeção de futuridade ..............................................................................................52 3.3.2.10 Tipo de sentença ......................................................................................................53 3.3.2.11 Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal ...................................58 3.3.2.12 Polaridade da frase .................................................................................................59 3.3.2.13 Paralelismo sintático-discursivo .............................................................................60 3.3.2.14 Sexo/Gênero do informante .....................................................................................62 3.3.2.15 Faixa etária do informante ......................................................................................62 3.3.2.16 Escolaridade do informante ....................................................................................63 3.3.2.17 Local de residência do informante no município ....................................................64 3.3.2.18 Saída/Permanência na comunidade ........................................................................65 3.4 SUPORTE QUANTITATIVO ..........................................................................................65 4 A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS: ANÁLISE DOS RESULTADOS .........................................................................................................67 4.1 A RODADA TERNÁRIA ................................................................................................68 4.2 A PRIMEIRA RODADA BINÁRIA ................................................................................70 4.3 GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS ..................................................................71 4.3.1 Tipo sintático do verbo principal ....................................................................................73 4.3.2 Tipo semântico do verbo principal .................................................................................76 4.3.2.1 ‘Tipo semântico do verbo principal’: dinamicidade versus estatividade.....................77 4.3.2.2 ‘Tipo semântico do verbo principal’: o parâmetro controle .......................................78 4.3.2.3 ‘Tipo semântico do verbo principal’: a telicidade .......................................................80 4.3.2.4 Os três componentes do ‘Tipo semântico do verbo principal’: inclusão da Telicidade .................................................................................................................................................. 82 4.3.2.5 A rodada geral para o ‘Tipo semântico do verbo principal’ .......................................87 4.3.2.6 ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ ...................................................................................................................................................89 4.3.3 Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal ...........................................94 4.3.4 Papel temático do sujeito ................................................................................................95 4.3.4.1 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’ .........................................97 4.3.4.2 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’ ...............................104 4.3.5 Paralelismo sintático-discursivo .................................................................................108 4.3.6 Paradigma verbal ........................................................................................................109 4.3.7 Tipo de sentença .........................................................................................................111 4.3.8 Saída/Permanência na comunidade ............................................................................120 4.4 GRUPOS DE FATORES NÃO-SELECIONADOS ......................................................122 4.4.1 Extensão fonológica do verbo principal .....................................................................122 4.4.2 Pessoa gramatical do sujeito ......................................................................................124 4.4.3 Animacidade do sujeito ..............................................................................................128 4.4.4 Projeção de futuridade ................................................................................................130 4.4.5 Polaridade da frase .....................................................................................................134 4.4.6 Sexo/Gênero do informante .......................................................................................135 4.4.7 Faixa etária do informante ..........................................................................................137 4.4.8 Escolaridade do informante ........................................................................................138 4.4.9 Local de residência no município ...............................................................................141 4.4.10 Conclusões .................................................................................................................142 CONCLUSÕES ....................................................................................................................143 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................147 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Mapa de localização – Santo Antônio de Jesus no Estado da Bahia .......................35 Quadro 1: Grupos selecionados na rodada básica ..................................................................72 Gráfico 1: Rodada geral para o ‘Tipo semântico do verbo principal’ ....................................88 Gráfico 2: Uso da perífrase – ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ - telicidade ....................................................................................................90 Gráfico 3: Uso da perífrase – ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir) ............................................................................93 Figura 2: Continuum de seleção da perífrase – animacidade/agentividade .........................102 Figura 3: Continuum de seleção da perífrase - animacidade/agentividade polarizadas ......104 Gráfico 4: Uso da perífrase pelo sujeito – ‘Pessoa gramatical do sujeito’ com ‘Papel temático do sujeito’ ...............................................................................................................................107 Figura 4: Continuum de favorecimento da perífrase – ‘animacidade do sujeito’ .................129 Gráfico 5: Uso percentual da perífrase em relação à ‘Faixa Etária do informante’ ............138 Gráfico 6: Uso da Perífrase – ‘Faixa Etária do informante com ‘Escolaridade do informante’ .................................................................................................................................................140 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Resultado geral de frequência das três variantes ....................................................68 Tabela 2: Resultado geral de frequência (perífrase versus presente) .....................................70 Tabela 3: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ ......................73 Tabela 4: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (copulativos com inacusativos) .....................................................................................................................74 Tabela 5: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (sem verbo ir) ...................................................................................................................................................75 Tabela 6: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (multiargumentais versus monoargumentais) ..........................................................................76 Tabela 7: Perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ - dinamicidade versus estatividade ..............................................................................................................................77 Tabela 8: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – controle ...78 Tabela 9: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ - Controle (sem o verbo ir pleno) ..............................................................................................................79 Tabela 10: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’: telicidade nos verbos dinâmicos ...............................................................................................................80 Tabela 11: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade (com verbo ir) - ação versus processo......................................................................................81 Tabela 12: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir pleno) - ação versus processo ...........................................................................82 Tabela 13: Frequência da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ ......86 Tabela 14: Perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’: rodada geral .......87 Tabela 15: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ - telicidade ....................................................................................................89 Tabela 16: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade ....................................................................................................91 Tabela 17: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir) ............................................................................92 Tabela 18: Uso da perífrase em relação à ‘Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal’ ..................................................................................................................................94 Tabela 19: Uso da perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’ ................................96 Tabela 20: Frequência da perífrase - ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’ ....................................................................................................................................101 Tabela 21: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’ ..102 Tabela 22: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ (agente/ paciente) com ‘Animacidade do sujeito’ .......................................................................................................103 Tabela 23: Perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’ ....................................................................................................................................105 Tabela 24: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’ .................................................................................................................................................106 Tabela 25: Uso da perífrase em relação ao ‘Paralelismo sintático-discursivo’ ...................108 Tabela 26: Uso da perífrase em relação ao ‘Paradigma verbal’ ..........................................109 Tabela 27: Uso da perífrase em relação ao ‘Paradigma verbal’ (sem o verbo ir) ................110 Tabela 28: Frequência da perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ ................................112 Tabela 29: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ ............................................115 Tabela 30: Perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ – Relação sentencial ......................116 Tabela 31: Uso da perífrase em relação à ‘Saída/Permanência na comunidade’ ................120 12 Tabela 32: Uso da perífrase - ‘Saída/Permanência na comunidade’ com ‘Sexo/Gênero’ ....121 Tabela 33: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Extensão fonológica do verbo’ ..123 Tabela 34: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Extensão fonológica do verbo’ (sem verbo ir pleno) ........................................................................................................................124 Tabela 35: Frequência da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’ ...............125 Tabela 36: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’ – P1 versus P2 versus P3 ...............................................................................................................126 Tabela 37: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’ - Eu versus Não-Eu ........................................................................................................................127 Tabela 38: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Animacidade do sujeito’ ............128 Tabela 39: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de Futuridade’ ...........131 Tabela 40: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de futuridade’- Projeção próxima versus Projeção longínqua ......................................................................................132 Tabela 41: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de futuridade’ – Projeção próxima versus Projeção distante ..........................................................................................133 Tabela 42: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de Futuridade’ – Projeção iminente versus Projeção não-iminente .................................................................................134 Tabela 43: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Polaridade da frase’ ..................135 Tabela 44: Frequência de uso da perífrase em relação ao ‘Sexo/Gênero do informante’ ....136 Tabela 45: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Faixa etária do informante’ ......137 Tabela 46: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Escolaridade do informante’ .....139 Tabela 47: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Faixa etária do informante’ com ‘Escolaridade do informante’ ................................................................................................139 Tabela 48: Frequência de uso da perífrase em relação ao ‘Local de residência do informante no município’ .........................................................................................................................141 13 INTRODUÇÃO Todas as línguas variam. Pelo termo variação entende-se a existência de diferenças no uso de uma mesma língua, que podem ser lexicais, fonéticas, morfológicas ou sintáticas, e se atualizam na possibilidade estrutural que todas as línguas naturais oferecem de se dizer a mesma coisa de formas diferentes. O Português do Brasil (PB) não constitui uma exceção a essa tese. Aliás, a própria especificação, Português do Brasil, já revela uma variedade diferente da língua: em algum outro país se fala português de maneira diferente dos brasileiros. Apesar de serem diferentes os usos, não se considera uma forma ou construção linguística superior à outra, o que vai de encontro a toda a tradição gramatical vigente em nosso país, fruto de uma gramática tradicional cultuada por muitos, que quer estabelecer regras de “bom uso” da língua em detrimento das variantes, consideradas inferiores ou erradas. Esta dissertação se insere no contexto atual dos estudos linguísticos brasileiros e está especificamente vinculada à grande área da Linguística Histórica e da subárea da Sociolinguística (MATTOS E SILVA, 2008) 1. Com essa vinculação, aponta-se a relevância da pesquisa: contribuir para o conhecimento da realidade sociolinguística brasileira, baiana, santo-antoniense em especial. Deve ser encarada como uma pequena “fotografia sociolinguística” de um aspecto morfossintático em uma sincronia definida, para usar a metáfora cunhada pelo linguista Fernando Tarallo, um dos introdutores da Sociolinguística Variacionista em nosso país (TARALLO, 1989). Pretende contribuir também para a necessária e urgente reavaliação das normas padrão, local e nacional, permitindo a comparação entre os usos linguísticos urbanos e rurais. 1 Mattos e Silva (2008, p. 10) considera como componente da Linguística Histórica “todo tipo de linguística que trabalha com corpora datados e localizados”, como é o caso da Sociolinguística Variacionista. 14 Esta dissertação tem como objetivo geral analisar a relação entre a escolha das variantes utilizadas para a expressão da futuridade e variáveis linguísticas e sociais e como objetivos específicos (i) identificar as variáveis linguísticas que condicionam o uso das variantes sintéticas (presente e futuro do presente) e da variante perifrástica de futuro, formada pelo verbo auxiliar ir e outro verbo no infinitivo, na variedade linguística popular do português falado em Santo Antônio de Jesus; (ii) identificar as variáveis sociais que condicionam o uso das variantes sintéticas (presente e futuro do presente) e da variante perifrástica de futuro, na variedade linguística popular do português falado em Santo Antônio de Jesus; e (iii) verificar a relação entre o processo de variação observado e a possibilidade de mudança linguística. Este trabalho se compõe de uma introdução, quatro capítulos, considerações finais e referências. Na Introdução, apresentam-se o objeto de estudo e os objetivos da pesquisa. No primeiro capítulo, intitulado O português do Brasil, apresenta-se um breve histórico da implantação da língua lusa em terras americanas e se discute o status das variedades padrão, culta e popular da língua. No capítulo dois, denominado A expressão de tempo futuro, traçam-se breves comentários sobre a constituição do tempo nas línguas naturais, especificamente a origem das formas de futuridade; descreve-se o percurso evolutivo cíclico das formas de futuro do latim ao português; comenta-se a proposta funcionalista de mudança por gramaticalização, no caso da perífrase de futuro composta pelo verbo auxiliar ir, seguida de outro verbo no infinitivo, considerado principal; e, por fim, mostra-se um levantamento quanto ao posicionamento de algumas gramáticas normativas sobre a expressão de futuro. Em Pressupostos teórico-metodológicos (capítulo três), faz-se uma apresentação dos pressupostos teóricos da Sociolinguística Variacionista ou Teoria da Variação, definem-se os procedimentos metodológicos, como a caracterização socioeconômica da comunidade 15 linguística de Santo Antônio de Jesus, a constituição do corpus e explicitam-se as variáveis a serem consideradas no trabalho. No capítulo A expressão de futuridade verbal em Santo Antônio de Jesus: análise dos resultados (capítulo quatro), apresentam-se os resultados de frequência e os pesos relativos (obtidos a partir da ferramenta estatística usada), que são cotejados com as hipóteses prévias para o condicionamento sociolinguístico das variantes de futuridade levantadas no corpus de Santo Antônio de Jesus. Por fim, são apresentadas as Conclusões, seguidas pelas Referências. 16 1 O PORTUGUÊS DO BRASIL Como toda língua, o português apresenta variação. Já se percebeu a necessidade de diferenciar, por exemplo, a variedade usada em Portugal daquela usada no Brasil. Mas, mesmo dentro do nosso país, existem variedades diferenciadas, se for levada em conta a nossa continental extensão territorial, dentre outros aspectos. Como se constituiu o português brasileiro (PB)? Que aspectos histórico-sociais contribuíram para a atual configuração da língua falada no Brasil? O que caracteriza o português popular em comparação com o português culto? Para a caracterização sócio-histórica da realidade linguística brasileira podem ser seguidos diversos caminhos. Mattos e Silva (2004, p. 16) aponta a necessidade de se conhecer a história da colonização do nosso país e seu fluxo demográfico para o conhecimento da história, externa e interna, do português brasileiro. Ela ressalta a importância de se estudar “como se passa o processo de contato sócio-histórico e linguístico entre línguas indígenas e língua portuguesa”, além do contato com as línguas africanas que aqui chegaram com o influxo de escravos africanos. Ilari e Basso (2006, p. 55), além de remeterem para a história da língua e suas origens latinas, ressaltam que, para a compreensão da difusão do português no continente sulamericano, é preciso considerar vários processos por que o país passou ao longo dos últimos três séculos, a saber: o crescimento demográfico, a urbanização e a ocupação do interior. A primeira característica a ser ressaltada sobre o PB é o fato de ser uma língua transplantada (ELIA, 1989; LOBO, s.d.). Para Lobo (s.d.), isso possibilita o surgimento de “interpretações controversas” sobre a caracterização do PB diante do português europeu (PE). É bastante conhecida a história da implantação da língua portuguesa em terras americanas: a partir do século XIV, os europeus, especialmente os portugueses e os espanhóis, 17 empreenderam um imenso processo de ocupação e colonização de terras alheias em África, Ásia e América. No final do século XV, com a chegada e apropriação, pelos portugueses, da porção sul-oriental do continente americano, ou seja, daquela parte que corresponde hoje ao Brasil, a língua portuguesa entrou em contato com centenas de outras línguas, autóctones. Mota (1996, p. 507) ressalta que “a existência de contato linguístico supõe o contacto social dos respectivos falantes, enquadrados em situações de comunicação de ordem diversa”, e que a essas “subjazem relações sociais, políticas e culturais igualmente diversificadas e que condicionam as relações linguísticas” (grifo da autora). A partir desse fato inaugural é que se deve analisar o percurso sociolinguístico da língua portuguesa no Brasil. Então, a realidade linguística brasileira, multilinguística em sua fase histórica pré-cabralina, ganha mais um elemento, que a tornaria ainda mais complexa, principalmente, a partir da fundação de vilas e cidades, em meados do século XVI. Como a colonização portuguesa se deu de maneira violenta e opressiva, os autóctones e suas línguas foram inseridos em um longo processo de genocídio e glotocídio: a partir de sua resistência à escravização, sua população passou a decair consideravelmente até chegar a um percentual mínimo atualmente (RODRIGUES, 1983). A opção seguida pelos portugueses foi a da importação de homens e mulheres africanos para o trabalho nas colônias, na condição de escravos. Ainda no século XVI, chegam as primeiras levas de africanos escravizados e a quantidade deles será crescente e significativa durante os três primeiros séculos de colonização. As personagens básicas que comporiam o enredo da formação linguística do Brasil já estavam em cena: o colonizador português, o habitante indígena e o africano escravizado. A interação entre esses elementos, porém, não é tão simples, levando-se em conta a multiplicidade de línguas faladas pelos indígenas e a também múltipla quantidade de línguas trazidas da África pelos escravizados. 18 Para a época do “achamento” do Brasil, a população de índios é estimada em seis milhões de pessoas, que falavam cerca de 340 línguas. Além de serem muitas, essas línguas não apresentavam parentesco com as conhecidas línguas indo-europeias. Impunha-se, portanto, o aprendizado delas pelos portugueses para levar a cabo seus fins exploratórios (ILARI; BASSO, 2006, p. 60). O elemento africano, oriundo de regiões diversas daquele continente, também era falante de inúmeras línguas, muitas pertencentes ao tronco níger-congo. O número desses africanos varia entre as estimativas dos diversos estudiosos que se debruçaram sobre o tema, desde 3.000.000 até 13.500.000 (LUCCHESI, 2001). A difusão da língua portuguesa no Brasil, nesse contexto, possui como característica básica o contato entre línguas de origens diversas. Ressalte-se que se trata de adultos com a imperiosa necessidade de aprender a língua do dominador em situação de acesso a poucos dados de input, cujos fornecedores dominavam não a variedade padrão do PE mas as variantes populares dessa língua. A configuração demográfica brasileira ganha, então, uma caracterização que opõe o decréscimo gradual do número de indígenas ao crescimento vertiginoso do número de africanos e afro-descendentes (MATTOS E SILVA, 2004, p. 100-102). O africano escravizado e o afrodescendente passam a ocupar um espaço cada vez maior no processo econômico, como mão-de-obra. As frentes de exploração econômica que caracterizam o período colonial e imperial do Brasil passam por constantes mudanças: primeiramente, o ciclo da cana-de-açúcar e do tabaco, no nordeste brasileiro, em especial nos estados da Bahia e de Pernambuco; em seguida, no século XVIII, o ciclo do ouro, em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso; e, por fim, a produção de café, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Essas frentes de exploração econômica promovem ciclos migratórios que, segundo Mattos e Silva (op. cit., p. 102), elevam os africanos e afrodescendentes ao posto de 19 verdadeiros difusores do “português geral brasileiro, antecedente histórico do atualmente designado de vernáculo ou português popular, variante sociolinguística mais generalizada no Brasil”. 1.1 O PORTUGUÊS PADRÃO O português padrão tem suas origens num processo de normatização tardio em terras brasileiras, já que só acontece em fins do século XIX e toma como parâmetro a língua literária. Estudos sociolinguísticos têm demonstrado a enorme quantidade de aspectos em que o uso real da língua contraria a regra normativa (ver LEITE; CALLOU, 2002), fixada com base no “modelo lusitano de escrita, praticado por alguns escritores portugueses do Romantismo” (FARACO, 2002, p. 43). Mesmo a(s) classe(s) socialmente favorecida(s) realiza(m) muitas formas linguísticas distantes do padrão ideal estabelecido, o que deixa claro que há algum problema no estabelecimento do padrão. No Brasil, já se percebeu a necessidade de reavaliar a norma oficialmente definida como padrão, mas o primeiro grande problema é a definição do que seria isso. Faraco (op. cit., 2002, p. 38) define “norma linguística” como o uso comum de certas formas linguísticas que distingue os grupos sociais. O uso efetivo dos mais escolarizados é normalmente o ponto de partida para a normatização, mormente para a modalidade escrita da língua. Numa sociedade estratificada como a brasileira, e ainda com a extensão territorial que esse país possui, é de se esperar a existência de muitas normas linguísticas. Por isso, projetos como o da Norma Urbana Culta (NURC) pretendem descrever os usos de grupos de pessoas com formação universitária, a fim de propiciar uma base para a “reconstrução de nossas referências padronizadoras” (FARACO, op. cit., p. 38). 20 Os casos em que a norma real está em flagrante confronto com a norma ideal têm sido alvo de muitas pesquisas pelo país afora. Nesses casos, a variante popular é estigmatizada e seus usuários vítimas de uma discriminação sem fundamentos linguísticos (BAGNO, 2001). Mas há casos em que as variantes convivem pacificamente, sem que haja uma definição de qual delas é prestigiada ou estigmatizada. Beline (2004, p. 137) ressalta que “questões desse tipo são de grande interesse para o desenvolvimento da teoria sociolingüística”. Parece ser esse o caso da variação no uso do futuro no PB: ante a forma sintética tradicional, usa-se também uma forma perifrástica, com o auxiliar ir no presente do indicativo, adotando a terminologia das gramáticas normativas tradicionais, além da possibilidade de uso das formas de presente para indicar futuridade. 1.2 O PORTUGUÊS CULTO E O PORTUGUÊS POPULAR BRASILEIROS As diferenças entre a variedade europeia e a brasileira do português fazem surgir questionamentos acerca das origens do PB. No início dos anos oitenta do século XX, o crioulista Gregory Guy lança a tese da crioulização prévia do PB (LUCCHESI, 2001) e conclui que, dadas as características sócio-históricas do contato entre línguas ocorrido aqui, seria difícil não ter havido crioulização. Também John Holm, em estudo comparativo com crioulos de base portuguesa, caracteriza o português popular brasileiro como semicrioulo, após análise com as expressões idiomáticas faladas pela população de nível social mais baixo e sem muita instrução (BONVINI; PETTER, 1998). Naro e Scherre (2007) se opõem a essa tese de crioulização prévia no Brasil, advogando que a variação e as mudanças identificadas no PB deveriam ser entendidas à luz da deriva secular da língua, já que estão prefiguradas no sistema linguístico português. Assim, 21 surgem duas grandes hipóteses explicativas da constituição histórica do português brasileiro: a crioulização prévia e a deriva secular. Lucchesi (2001, p.100) fez uma análise das conclusões a que chegaram diversos estudos acerca do contato linguístico e conclui que a sua forte influência no PB “é admitida por todos os grandes estudiosos que se dedicaram ao tema”, mesmos por aqueles que negaram a tese da crioulização, e defende uma hipótese intermediária, a da Transmissão Linguística Irregular (TLI), conforme Lucchesi e Baxter (2009, p.101-124). O conceito de norma é extremamente relevante para uma adequada compreensão da configuração do PB: no Brasil, para além de um padrão lusitanizante, sem uso no Brasil por nenhum grupo sociolinguístico, formou-se outra divisão, em português culto brasileiro (PCB) e português popular brasileiro (PPB). Essa é a proposta de Lucchesi (2001), que sugere uma classificação do PB como polarizada, levando em conta o abismo existente entre a norma culta e a(s) norma(s) popular(es). Segue ainda aberta a discussão sobre a caracterização do PB, embora, no caso específico das formas de futuridade verbal, Silva (2003, p. 129-135) tenha chegado à conclusão de que há elementos que permitem interpretar a configuração sincrônica das comunidades afrobrasileiras que estudou como em processo “descrioulizante”, como proposto pela hipótese da TLI. Ele compara os seus resultados aos do estudo feito com a variedade de Florianópolis (GIBBON, 2000; GÖRSKI et al., 2002) e conclui que o contato linguístico foi “o fator decisivo para constatar um aprendizado imperfeito do português proveniente de uma transmissão irregular”. 22 2 A EXPRESSÃO DE TEMPO FUTURO A expressão temporal nas línguas humanas tem merecido a atenção de estudiosos de diversas áreas dos estudos linguísticos. Já há diversos trabalhos acadêmicos brasileiros que tentam esmiuçar essa noção complexa. A futuridade verbal, por exemplo, é expressa de diversas maneiras. No português do Brasil, há várias estratégias para isso, e podem ser citadas, no mínimo, três formas 2: • a forma simples de futuro do presente – eu cantarei hoje à noite; • a forma do presente do indicativo – eu canto hoje à noite; • a forma perifrástica com o auxiliar ir – eu vou cantar hoje à noite. A origem das formas de futuro, seu percurso do Latim ao Português, o processo de mudança linguística por gramaticalização e as instruções normativas veiculadas em gramáticas prescritivas são aspectos abordados neste capítulo. 2.1 AS ORIGENS DAS FORMAS DE FUTURO Bybee e Dahl (1989 apud SILVA, 2003, p. 16-21) indicam que as origens das formas de futuro nas línguas humanas são basicamente fontes lexicais (lexical source) indicativas de 2 Existe ainda a possibilidade de o futuro ser expresso pela perífrase com HAVER DE + INFINITIVO e pela perífrase IR + INFINITIVO, com o verbo auxiliar ir flexionado no futuro do presente. 23 desejo, movimento em direção a um alvo e obrigação 3. Bybee, Perkins e Pagliuca (1994, apud SILVA, op. cit., p. 16-21), em estudo tipológico sobre o uso das formas de futuro em setenta línguas, observaram que a variação é comum para expressar o estado de coisas futuro. Esses autores chegam à conclusão de que a intenção e a predição são as duas funções centrais das formas de futuro, o que aponta para seu caráter de modalidade epistêmica. Martelotta (2011, p. 75) afirma que isso é uma tendência nas línguas humanas e que reflete “um processo de transferência entre domínios”, já que “um elemento de valor volitivo tem seu uso estendido para a expressão da categoria gramatical de futuro”. Câmara Jr. (1956, p. 25) tem posicionamento semelhante ao afirmar que “o impulso linguístico que criou um futuro gramatical não foi o de situar o processo como posterior ao momento em que se fala, mas o de assinalar uma atitude do falante em relação a um processo posterior ao momento da enunciação”. Outra característica das formas de futuridade nas línguas humanas é a nãofactualidade, já que não se pode predizer com certeza; o que o falante faz ao dizer algo que vai ocorrer é avaliar a necessidade, a probabilidade, a possibilidade ou impossibilidade de sua ocorrência. 2.2 O PERCURSO DESDE O LATIM As formas latinas que indicavam futuridade eram bastante diferentes em sua forma culta e popular. Segundo Poggio (2004, p 180-181), no latim clássico, havia formas com flexão em -b- (amabo, delebo), provenientes de formas volitivas, ou aquelas provenientes de subjuntivo, em -a- e -e- (legam, leges; audiam, audies), e “tanto a homonímia com outras 3 Os exemplos são referentes à língua inglesa (desire, movement toward goal e a estrutura have/be + infinitivo). Há também indicação de outras fontes lexicais menos comuns, como advérbios temporais, outras formas verbais e fontes orientadas para um agente. 24 formas verbais, como a falta de unidade, contribuíram para o desaparecimento dessas formas de futuro”. Além dessas formas sintéticas, havia formas perifrásticas, usadas desde a época de Cícero para indicar uma possibilidade (habere... scribere, habere... dicere). Poggio (2004, p. 181-183) ainda afirma que as formas infinitivas se apresentam como base para as formas analíticas, pois estão livres para finitização e modalização, o que é feito com o uso de verbos auxiliares em tempo finito. No latim vulgar tardio, porém, predominava o uso do presente com valor de futuro. Na passagem para as línguas românicas, houve uma preferência pelas formas perifrásticas de futuro, cujos constituintes eram velle (baseado na vontade do falante), debeo e habeo (baseados na forma que dirige a atuação do agente) ou venio (baseado no movimento do agente preparatório da ação), seguidos de uma forma infinitiva imperfeita. Said Ali (1971, p. 143, 310-311) descreve como o uso das formas de presente para indicar futuro ocorria no período arcaico, embora limite esse uso à linguagem familiar e lhe atribua um caráter de certeza. Quanto à forma de futuro, ele afirma que “as línguas românicas ficaram privadas das formas de futuro do indicativo que possuía o idioma latino” e que “supriu-se a falta, unindo ao infinitivo o presente de haver para o futuro do presente”. Pode-se perceber uma evolução cíclica das formas de futuro, partindo da(s) forma(s) sintética(s), no latim clássico, até a atual forma analítica, sempre em coexistência com formas de presente com valor de futuro: amabo ~ habeo amare > amare habeo > amar’ai(o) > amarei ~ vou amar Segundo Câmara Jr. (1956), o processo de gramaticalização parece ser recorrente em formas de futuridade, de forma que, gradativamente, vai esmaecendo seu valor modoaspectual até que elas se especializam na significação pura e simples de futuro. 25 2.3 A GRAMATICALIZAÇÃO DE IR A gramaticalização é um dos processos mais estudados no chamado Funcionalismo Linguístico, que tem suas bases atuais nos trabalhos de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), Hopper e Traugott (1993) e Givón (1995). O paradigma da gramaticalização busca explicar processos de mudança linguística em que um item lexical ou construção sintática assume funções referentes à organização interna do discurso ou a estratégias comunicativas; no final de um desses processos, “o elemento linguístico tende a se tornar mais regular e mais previsível, pois sai do nível da criatividade eventual do discurso para penetrar nas restrições da gramática” (MARTELLOTA, VOTRE e CEZARIO, 1996, p. 12, 46). O processo de gramaticalização não é abrupto, passando por estágios com cinco parâmetros, a saber, estratificação, divergência, especialização, persistência e decategorização (HOPPER, 1991), que são aplicáveis ao estudo do fenômeno da variação no uso das formas de futuro do português (OLIVEIRA, 2006, p. 56). Dos principais processos cognitivos envolvidos na mudança por gramaticalização da perífrase IR + INF, parece ser a metonímia o mais importante (MARTELOTTA, VOTRE e CEZARIO, op. cit., p. 56-58), já que o processo se inicia em sentenças complexas, cuja subordinada é adverbial final reduzida de infinitivo, que, por fim, se une ao verbo de movimento da sentença matriz. Segundo Oliveira (op. cit., p. 59), no processo, há também a reanálise e a analogia, conforme trecho a seguir transcrito: a gramaticalização da estrutura ir + infinitivo envolve necessariamente uma reanálise, que altera a hierarquia de constituintes, permitindo uma fusão entre elementos que, numa interpretação inicial, pertencem a unidades sintáticas distintas. Ocorre também analogia, pois a construção perifrástica com ir + infinitivo é, até certo ponto da história da língua portuguesa, muito semelhante à construção com haver de + infinitivo. Aliás, tanto a reanálise 26 como a analogia são mecanismos que atuam na gramaticalização de verbos de movimento em auxiliares de tempo. Desde o século XIII já aparecem documentadas no português ocorrências da perífrase com ir (LIMA, 2001 apud OLIVEIRA 2006). Porém, levando-se em conta que o processo de gramaticalização não é abrupto, Oliveira (2006, p. 84) situa no século XIV as primeiras ocorrências que podem ser consideradas embrionárias da perífrase de futuro, ou seja, aquelas em que começa a esmaecer o valor de movimento espacial do verbo ir, passando a exercer o papel de auxiliar de futuridade, embora a auxiliarização se instale apenas no século XVI. 2.4 O FUTURO NAS GRAMÁTICAS NORMATIVAS As gramáticas normativas, em geral, apontam a forma simples do futuro do presente como a padrão, mas algumas delas fazem referência à possibilidade de expressão de futuridade verbal com o uso das outras formas. Segue um levantamento aleatório de alguns desses compêndios gramaticais. Rocha Lima (2003, p. 123, 134), em Gramática Normativa da Língua Portuguesa, define o tempo futuro como algo expresso pelo verbo a ocorrer “numa ocasião que ainda esteja por vir” e o divide em duas modalidades no modo indicativo: do presente e do pretérito. Faz também referência ao uso de verbos auxiliares “a fim de melhor se expressarem certos aspectos especiais não traduzíveis pelas formas simples”. Segundo o estudioso, esses verbos auxiliares (querer, estar, ficar, ir etc.) formam os tempos compostos, acompanhando uma das formas nominais do verbo. O citado gramático carioca, portanto, aponta apenas a forma simples do futuro do presente como maneira de expressar o futuro; esquece-se ou opta por ignorar as outras 27 possibilidades de expressão de futuridade verbal. Na interlocução com o leitor, contudo, usa uma perífrase verbal, ao falar sobre as conjugações verbais: “A mesma vogal ainda vai aparecer em, por exemplo, poente (po-E-nte) e poedeira (po-E-d-eira)” (ROCHA LIMA, 2003, p. 125), evidenciando que a forma perifrástica alcançou a fala e a escrita das pessoas que demonstram mais preocupação com a tradição linguística, os gramáticos. Almeida (1997 [1938], p. 228), na Gramática Metódica da Língua Portuguesa, ao falar sobre a noção de tempo, afirma que, para uma “perfeita discriminação” dos tempos verbais, é preciso ter em mente duas coisas: “uma é a ação expressa pelo verbo, outra é o ato da palavra, isto é, o momento em que se fala”. Sobre o futuro, ele diz que “a ação expressa pelo verbo será praticada depois do ato da palavra (...) ou depois de realizada outra ação” também futura, fazendo referência, neste último caso, ao futuro composto. Quanto à forma da expressão de futuro, apontam-se duas formas possíveis: o tempo simples, expresso por uma só palavra, e outro composto, com a ajuda de um verbo auxiliar (Id., ibid., p. 228, 230, 314). Esse gramático, porém, faz referência à possibilidade de o presente do indicativo poder ser usado em lugar do futuro para anunciar um acontecimento próximo. Ao falar das locuções verbais “que indicam linguagem projetada”, ele faz uma nota, dizendo incluírem-se nesse tipo as “locuções verbais como vou louvar, estou para louvar, devo louvar, etc.” Em seguida, expondo seu conceito sobre as “locuções verbais que indicam desenvolvimento gradual da ação”, cuja formação se dá com o verbo ir ou o verbo vir junto com o gerúndio de qualquer verbo, ele dá como exemplo “eu vou indo”. Dos exemplos dados por Almeida (1997 [1938], p. 230), fica claro que, no segundo, a ideia é do “desenvolvimento gradual da ação”, mas, no primeiro, “vou louvar”, não se sabe tratar-se de uma expressão de futuridade ou uma indicação de “locomoção”, já que não há um contexto nem co-texto para dirimir a dúvida. O mesmo autor, então, indica a forma simples de futuro do presente como a forma canônica de expressão de futuridade, admite que a forma do 28 presente do indicativo pode exercer a mesma função, mas não explicita a possibilidade de uso de uma perífrase verbal para indicar o vir-a-ser, embora faça uso de uma na interação com o leitor ao conceituar o próprio futuro do presente simples: “É o que, expresso por uma só palavra, indica, simplesmente, ação que irá realizar-se, sem estabelecer relação com outra ação: sairei. É também chamado futuro imperfeito”. Cunha e Cintra (2001, p. 395, 449 e 460), na Nova Gramática do Português Contemporâneo, afirmam que o futuro do presente é empregado, dentre outras possibilidades, para indicar fatos certos ou prováveis, posteriores ao momento em que se fala; mas que “na língua falada o futuro simples é de emprego relativamente raro. Preferimos, na conversação, substituí-lo por locuções constituídas” (o grifo é nosso), dentre outras, pelo “presente do indicativo do verbo ir + infinitivo do verbo principal, para indicar uma ação futura imediata”. Essa mesma perífrase, segundo os autores, pode ser empregada “para exprimir o firme propósito de executar a ação, ou a certeza de que ela será realizada em futuro próximo”. O presente também é citado como possível de marcar “um fato futuro, mas próximo, caso em que, para impedir qualquer ambiguidade, se faz acompanhar geralmente de um adjunto adverbial”. Conclui-se que Cunha e Cintra (2001) admitem a variação na forma de expressão de futuro verbal, referindo-se às três formas como estratégias válidas, a saber: a forma sintética, a forma perifrástica e a forma de presente com valor de futuro. Infante (1995, p. 205-206), no Curso de Gramática Aplicada aos Textos, indica que o presente pode ser usado para indicar um fato futuro próximo e de realização considerada certa. Quanto ao futuro do presente, o gramático afirma que “exprime basicamente os processos certos ou prováveis que ainda não se realizaram no momento em que se fala ou escreve”. Mas ressalta que esse tempo “tem uso limitado na linguagem cotidiana: em seu lugar, costumamos empregar locuções verbais com o infinitivo, principalmente as formadas pelo verbo ir”. 29 Bechara (2004, p. 215, 276, 279), em sua Moderna Gramática Portuguesa, afirma que o tempo futuro denota “uma ação que ainda se vai realizar”. O autor indica a possibilidade de o presente ser empregado pelo futuro “para indicar com ênfase uma decisão”, mas a forma dos exemplos dados é a sintética: “parecerão”, “será”, “terá”, “defenderás”, “furtarás”. Sobre a expressão perifrástica, não há nenhuma afirmação categórica; mas, citando as categorias de análise estabelecidas por Eugenio Coseriu, o gramático põe lado a lado as formas “farei” e “irei fazer” como equivalentes. Do exposto, conclui-se que (i) há uma tendência entre os gramáticos de, ainda, indicar as formas sintéticas de futuro como canônicas, (ii) a maioria deles admite o uso da forma de presente com valor de futuro, embora com valor semântico diferenciado da anterior, e (iii) ainda são reticentes quanto à indicação da forma perifrástica como estratégia de expressão de futuridade verbal. 30 3 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Neste capítulo, encontram-se delimitados os pressupostos teóricos que embasam a pesquisa e os procedimentos metodológicos básicos da área, que incluem a definição dos grupos de fatores que se supõem importantes para a seleção das formas de futuridade na comunidade de fala de Santo Antônio de Jesus e a exposição das hipóteses para cada um deles em relação às formas variantes em cotejo. 3.1 A TEORIA DA VARIAÇÃO A Teoria da Variação, fundamentada pelo linguista William Labov (LABOV, 2008 [1972], 1994; WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006 [1968]), trata a variação linguística observável na fala, considerando a língua um fenômeno inerentemente heterogêneo. Para a Teoria da Variação, também chamada de Sociolinguística Quantitativa, a variação linguística é algo sistematizável e, para isso, procura-se delimitar os fenômenos variáveis e os reguladores dessa variação, incluídos os linguísticos e os relacionados à sócio-história da língua. Os princípios básicos do modelo laboviano são os seguintes: a) toda língua possui uma heterogeneidade ordenada, contrariando a relação proposta por Saussure entre língua e homogeneidade (LUCCHESI, 2004; SAUSSURE, 1975 [1916]); b) é possível sistematizar e explicar o suposto “caos” da língua falada, especialmente do vernáculo, nosso objeto de estudo (TARALLO, 2003); 31 c) a variação linguística é regulada por fatores internos e/ou externos, ou seja, de ordem linguística e/ou social (MOLLICA; BRAGA, 2012); d) através do estudo da variação, podem ser percebidos os rumos de possíveis mudanças linguísticas ou a estabilidade da variação (LABOV, 1994). A partir desses princípios, desenvolve-se a Sociolinguística Quantitativa, instrumentalizada por uma metodologia refinada para a análise da fala, que tanto ajuda a compreender a estruturação da variação linguística, quanto da mudança, rompendo com a rígida dicotomia saussuriana entre sincronia e diacronia. Assume-se, nessa orientação teórica, que apenas dados produzidos em circunstâncias reais mostram a identidade de uma língua e as mudanças pelas quais ela pode passar. Por isso, há todo um arsenal metodológico para a constituição de amostras significativas de fala espontânea (TARALLO, 2003). Dentro do arcabouço teórico em que este trabalho se insere, é importante o conceito de “variável dependente”: fenômeno linguístico em variação sob investigação. Os fenômenos são variáveis na medida em que os conteúdos podem ser expressos por duas ou mais variantes linguísticas; a variação é regular e passível de ser descrita e explicada. No caso de fenômenos morfossintáticos, ocorreu uma dilatação para abarcar não apenas o aspecto formal das variantes, mas sua funcionalidade (LAVANDERA, 1978; TAGLIAMONTE, 2006). Uma das hipóteses neste trabalho, a partir do trabalho de Oliveira (2006, p. 195), é a hipótese de que a variação no uso das formas de futuro em Santo Antônio de Jesus, na fala sincrônica, “configura-se um quadro de mudança em progresso quase concluída”, em que a forma sintética já quase desapareceu, permanecendo um quadro de variação estável entre a forma perifrástica e a de presente. Assim, a análise de várias faixas etárias, como se propõe aqui, deve permitir uma visualização desse quadro no tempo aparente (NARO, 2012). 32 Considera-se variação estável a configuração em que não há alterações significativas nos pesos relativos e nos percentuais de uso das variantes na observação entre as gerações. Como esta pesquisa utiliza dados de apenas uma sincronia, só haverá indícios da configuração dessas variantes a partir dos resultados das faixas de idade investigadas, considerando-se que “o estado atual da língua de um falante adulto reflete o estado da língua adquirida quando o falante tinha aproximadamente 15 anos de idade. Assim sendo, a fala de uma pessoa com 60 anos hoje representa a língua de quarenta e cinco anos atrás” (NARO, 2012, p. 44-45). Caso os percentuais de uso e os pesos relativos da variante considerada inovadora sejam maiores nas faixas etárias mais novas, inferem-se indícios de mudança em progresso; se esses indicadores não forem díspares, interpretam-se os resultados como revelação de variação estável. Paiva e Duarte (2012, p. 179), porém, alertam para as dificuldades nem sempre contornáveis desse tipo de análise. Elas demonstram a necessidade do estudo da mudança no tempo real, ou seja, aquele em que se comparam várias sincronias, pois a predominância de uma determinada variante linguística na fala de pessoas mais jovens coloca o pesquisador frente a duas possibilidades: a) trata-se da instalação gradual de uma nova variante na língua (mudança linguística propriamente); b) trata-se de uma diferenciação linguística etária que se repete a cada geração. Isso só pode ser resolvido conjugando-se evidências de estudo da mudança no tempo aparente e no tempo real. Os estudos no tempo real podem ser de curta ou de longa duração, ou seja, com interstícios maiores ou menores entre as sincronias. Partindo dos resultados, pode-se indicar a necessidade de um aprofundamento diacrônico da pesquisa, já que isso ultrapassaria os limites e objetivos atuais. O estudo sociolinguístico, por isso, vai de encontro à dicotomia saussureana entre sincronia e diacronia. Os estudos no tempo real podem ser de curta ou de longa duração, ou seja, com interstícios maiores ou menores entre as sincronias. Partindo dos resultados, pode-se indicar a 33 necessidade de um aprofundamento diacrônico da pesquisa, já que isso ultrapassaria os limites e objetivos atuais. Também partindo de Oliveira (2006), esta dissertação pretende mostrar os efeitos da variável escolaridade sobre a escolha das formas de futuridade verbal. O corpus em análise permite uma comparação entre informantes que não foram alfabetizados, que não sofreram, portanto, a força coercitiva da norma escolar, com aqueles que estudaram alguns poucos anos, considerados como semialfabetizados. Apesar de a variável em estudo não apresentar estigma social em nenhuma das suas formas, nem seu uso ser formalmente destacado nas escolas brasileiras, apenas o futuro do presente é apresentado formalmente, na escola e nas gramáticas pedagógicas, como expressão de futuridade verbal. É preciso verificar, por tudo isso, qual o papel dessa variável social (OLIVEIRA E SILVA; PAIVA, 1998, p. 335-350). Diversos estudos sociolinguísticos apontam uma tendência para o que se poderia denominar “uma maior consciência do status social das formas linguísticas” por parte das mulheres (PAIVA, 2012, p. 35). Conforme esses estudos, as mulheres tenderiam a utilizar mais as formas de prestígio do que os homens. Mas há contra-exemplos, em que as mulheres lideram a implementação de uma variante linguística inovadora sem avaliação social explícita ou que não sofra exclusão normativa. Esses estudos apontam para uma necessária relativização da variável sexo/gênero em função do grupo social considerado e do status social da variante. Paiva (op. cit., p. 36) compara diversos estudos e conclui que nem sempre as mudanças linguísticas se implementam da mesma maneira. A autora nos diz que, quando se trata de implementar na língua uma forma socialmente prestigiada, as mulheres tendem a assumir a liderança da mudança. Ao contrário, quando se trata de implementar uma forma socialmente desprestigiada, as mulheres assumem uma atitude conservadora e os homens tomam a liderança do processo. 34 Ainda é preciso ressaltar que é necessário cautela quanto a qualquer explicação acerca da variável sexo/gênero, em vista da sua interface com outras variáveis sociais, especialmente (i) o grau de escolarização, pois as mulheres tenderiam a ser mais receptivas à atuação normativa da escola; (ii) a idade, já que se percebe uma tendência de neutralização dos usos linguísticos nas faixas etárias mais jovens; (iii) a classe social, já que uma distinção maior entre os sexos costuma se dar nas classes socioeconômicas intermediárias (PAIVA, 2012). O arcabouço teórico da Teoria da Variação já foi bastante testado de forma a garantir resultados confiáveis, que, de fato, ajudem no (re)conhecimento da realidade linguística das comunidades estudadas. É essa uma das pretensões desta pesquisa. 3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS As etapas básicas desta pesquisa seguiram as orientações comuns aos trabalhos da área (TARALLO, 2003): (i) realização das entrevistas e transcrição dos inquéritos, (ii) definição do envelope da variação, com criação de hipóteses para cada uma das variantes, (iii) definição dos grupos de fatores que podem ter relação com a seleção por uma ou outra variante e suas respectivas hipóteses, (iv) levantamento das ocorrências no corpus, (v) codificação das ocorrências para que se pudesse dar aos dados o tratamento estatístico, (vi) tratamento estatístico em si, com uso de um programa computacional, e (vii) análise dos resultados em cotejo com as hipóteses prévias e os resultados de outras pesquisas. 35 3.2.1 A comunidade Santo Antônio de Jesus, a cidade baiana na qual foram recolhidas amostras de fala vernácula escolhidas para compor esta pesquisa, localiza-se no Recôncavo Baiano, região sob a influência das atividades marítimas ocorridas na Baía de Todos os Santos, acidente geográfico de capital importância para o desenvolvimento do Estado da Bahia, desde o período colonial. Figura 2: Mapa de localização – Santo Antônio de Jesus no Estado da Bahia 4 4 Mapa de localização disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bahia_Municip_SantoAntoniodeJesus.svg>. Acesso em 29 abr. 2012. 36 Segundo Dante Lucchesi, coordenador do Projeto Vertentes (2011), a escolha desse município para a constituição da amostra leva em conta suas características econômicas e sociodemográficas. Santo Antônio de Jesus é uma cidade com cerca de 90.000 habitantes, possui intenso comércio e está localizada a apenas 187km de Salvador, capital do Estado da Bahia. Essas características foram decisivas para a escolha em cotejo com as outras cidades que compõem a segunda etapa do Projeto, por permitir comparação com municípios menos populosos, que representem comércio menos intenso e que se localizem longe da capital. 3.2.2 O corpus: definição e constituição da amostra O corpus estudado é formado por inquéritos do Acervo de Fala Vernácula do Português Rural do Estado da Bahia, do Projeto Vertentes do Português Rural do Estado da Bahia (doravante Vertentes), sediado na Universidade Federal da Bahia (UFBA). O Vertentes tem por finalidade fornecer “a base empírica para a elaboração de um panorama sociolinguístico da língua falada no interior do Estado da Bahia” (PROJETO VERTENTES, 2011). Esta pesquisa usa os inquéritos da cidade de Santo Antônio de Jesus, onde foram realizadas 24 entrevistas, 12 com moradores do seu distrito-sede e 12 com moradores da zona rural. A escolha dos informantes em cada comunidade de fala foi feita de acordo com as seguintes variáveis estratificadas: sexo/gênero e idade. Há seis células na amostra, com dois informantes em cada célula, constituindo um total de 12 informantes por amostra assim distribuídos: duas mulheres e dois homens de 25 a 35 anos; duas mulheres e dois homens de 45 a 55 anos; duas mulheres e dois homens de mais de 65 anos de idade. Esse corpus de Santo Antônio de Jesus é comparável com outras amostras de fala vernacular na medida em que foram utilizadas para sua constituição, como premissas básicas, 37 as orientações da sociolinguística quantitativa laboviana. Os aspectos que se mostrarem incompatíveis serão discutidos e analisados separadamente. Após o levantamento inicial das ocorrências, foi aplicado o “teste de substituição”, que implica o uso do futuro do presente do indicativo no lugar das supostas formas de futuridade. Aquelas formas que tiveram seu valor temporal alterado foram excluídas da análise, pois não tinham a significação de tempo futuro e expressavam um fato habitual (GÖRSKI et al., 2002, p. 228). 3.3 VARIÁVEIS Nesta seção são apresentadas as variantes que formam a variável linguística da pesquisa e os grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos que surgiram a partir das hipóteses de condicionamento da escolha da expressão de futuridade verbal na comunidade de fala de Santo Antônio de Jesus. Os exemplos retirados do corpus são apresentados nos fatores das variáveis explanatórias linguísticas 5; esses exemplos seguem numerados e podem ser repetidos quando exemplificam mais de uma variável, mas recebem nova numeração. Optamos por apresentar os exemplos como foram transcritos pelo Projeto Vertentes, que fez a transcrição grafemática; apenas foram corrigidos os evidentes erros ortográficos. Os exemplos do corpus são identificados pela sigla SAJ (Santo Antônio de Jesus), seguida de S ou R, identificando a residência do informante, se do distrito sede ou da zona rural; em seguida aparece o número do inquérito, identificação do informante no Projeto Vertentes. 5 Os grupos de fatores são dados a partir do corpus sempre que possível. Quando não houve exemplos no corpus, foram dados outros hipotéticos. 38 3.3.1 Variável dependente Como já dito antes, “variável dependente” é o fenômeno de variação linguística em investigação. Neste trabalho, trata-se do uso variável das formas para expressão da futuridade verbal na língua portuguesa do Brasil, a saber: a) forma sintética: (1) Então é... como vocês deve sabê, né... que tem aquela coisa do espírito e a coisa da carne. Espiritualmente se num 'tivé bem, a gente será abalado. (SAJ-S, Inf. 08) b) forma perifrástica: (2) Aí eu vô gastá uns cinco mil reais nesse carro.” (SAJ-R, Inf. 01) c) forma de presente: (3) Eu vô demorá aqui um pôquim e depois eu vou pra minha casa.” (SAJ-R, Inf. 03) Configurava-se, assim, de início, uma variável ternária. Apesar disso, esperávamos um uso mínimo da forma sintética, o que possibilitaria uma alteração, por exclusão, para uma variável binária, o que de fato ocorreu. 3.3.2 Variáveis explanatórias Este trabalho apresenta dezoito grupos de fatores como possíveis contextos condicionadores das variantes escolhidas, que contemplam variáveis linguísticas e 39 extralinguísticas ou sociais. Alguns deles foram baseados em trabalhos da área, como os de Alves (2011), Gibbon (2000), Görski et al. (2002), Oliveira (2006) e Silva (2003). Esses grupos de fatores envolvem aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos, além das características sociolinguísticas dos informantes (sexo/gênero, faixa etária e escolarização), e de outras específicas da constituição da amostra em análise (local de residência do informante no município e saída ou permanência na comunidade). Seguem os dezoito grupos de fatores, com as justificativas/hipóteses que tentam explicar as escolhas. Apresentamos pares de exemplos: no primeiro, sempre a forma perifrástica e em seguida a forma de presente. 3.3.2.1 Tipo sintático do verbo principal Com este grupo de fatores, pretende-se verificar os possíveis condicionamentos do tipo de predicação verbal na escolha da variante de futuro. Oliveira (2006, p. 68) afirma que, embora esse grupo de fatores não tenha sido selecionado em sua análise quantitativa, a sua hipótese de que os verbos transitivos favorecem o uso da perífrase, por projetarem vários argumentos para um maior equilíbrio na distribuição dos constituintes na oração, se confirmou pelos percentuais. Silva (2003, p. 106-108) constatou favorecimento do uso da perífrase pelos verbos bitransitivos e pelos verbos transitivos direto e indireto; os verbos intransitivos foram apontados como o tipo sintático desfavorecedor da perífrase. Motivados pela análise de Oliveira (2006), a hipótese a ser testada nesta pesquisa é a mesma. Acrescentamos à variável o fator ‘Verbos inacusativos’, pois, segundo Coelho et alii (2006), esse tipo de verbo monoargumental se comporta sintaticamente de modo diferente dos intransitivos propriamente ditos. Esse fator foi configurado a partir da generalização proposta 40 por Mioto, Silva e Lopes (2007), que propõem a inclusão nesse fator dos verbos tradicionalmente classificados como copulativos, existenciais e impessoais, por conta de sua configuração sintática. Mantivemos, porém, os verbos copulativos como fator independente, para que fosse verificado o seu comportamento, procedendo a uma futura amalgamação a partir dos primeiros resultados. Foram codificados juntos os verbos copulativos tradicionais e os verbos funcionais, aqueles que, ocasionalmente, têm esse tipo de comportamento sintático, como os verbos fazer, dar e ter, embora mantenham suas características semânticas (NEVES, 2011, p. 53-61). Os tipos sintáticos são, então, os seguintes: a) verbos transitivos: (4) Até que a gente vai botá assim... tipo assim uma votação assim de... de.. de dedo. (SAJ-R, Inf. 05) (5) Porque eu mesmo, se eu pegá dez reais, cinco reais, eu penso den’de casa. (SAJ-S, Inf. 03) b) verbos bitransitivos: (6) “Óia, esse mês eu não vô dá mais dinheiro pa fêra não!" (SAJ-R, Inf. 01) (7) “Eu vô cuspi no chão... que você demorá... que você demorá, quando eu chegá aqui... eu... eu... eu dô-lhe uma mão de ferro ni você”. (SAJ-R, Inf. 11) c) verbos intransitivos: (8) “Eu vô cuspi no chão... que você demorá... que você demorá, quando eu chegá aqui... eu... eu... eu dô-lhe uma mão de ferro ni você”. (SAJ-R, Inf. 11) 41 (9) “Ô dotora, não quero mais não. Eu tenho certeza que eu vô e não volto mais. (SAJS, Inf. 10) d) verbos inacusativos, incluindo os impessoais e existenciais: (10) Quem é que é o doido que vai sair hoje... hoje pá sê... virá lobisome aí na estrada? (SAJ-R, Inf. 11) (11) “Pera aí que eu vô aí e venho já. (SAJ-S, Inf. 11) e) verbos copulativos: (12) “Mas, dotô, tem uma coisa, que aí fica caro poque aí vai ficá tudo mais caro..." (SAJ-R, Inf 05) (13) Porque quando ela acaba de almoçá, o de noite ela já dêxa o meu lá, porque eu como fejão é duas veze no dia, e no dia que num tivé fejão, fico com fome. (SAJ-S, Inf. 11) 3.3.2.2 Telicidade A telicidade 6 foi incluída, de modo a que se possa verificar os efeitos desse traço acional na escolha das variáveis. Em trabalho sobre os tipos de estrutura das situações relevantes para a semântica temporal, Peres (2003, p. 201) afirma que o critério da termitividade “atende à presença ou não de um ponto terminal intrínseco à situação”, sendo terminativo (ou télico) o valor das situações que tendem para um ponto final intrínseco, e nãoterminativo (ou atélico) o valor correspondente à ausência desse ponto. Ele dá os seguintes 6 O professor Telmo Móia, da Universidade de Lisboa, em comunicação pessoal, durante seu minicurso no GELNE, em 2010, em Teresina, sugeriu testar os efeitos desse traço acional na seleção de formas verbais com valor de futuro. 42 exemplos para as situações télicas (construir uma casa) e estes outros para as situações atélicas (correr, dormir, habitar, ser estudante). Segundo Basso (2007, p. 16, nota 12), diferenciando as três categorias acionais do verbo: De um ponto de vista mais conceitual, podemos dizer que a estatividade relaciona-se com os eventos envolverem ou não dinamicidade; a duratividade relaciona-se com os eventos apresentarem a possibilidade de quantificação sobre sua duração através de adjuntos como “por / durante X tempo"; e a telicidade refere-se à existência de um ponto final previsível para o evento em questão (grifos nossos). Foi usada como teste para a definição da telicidade dos verbos a proposta de Garey (1957 apud CASTILHO, 2010, p. 417): Se alguém estava –ndo, mas foi interrompido quando –va/-ia, pode-se dizer que –ou? Se a resposta for afirmativa, o estado de coisas descrito pelo verbo examinado não precisa de um desfecho para ter existência, e por isso tal verbo integrará a classe dos atélicos. Se a resposta for negativa, o verbo será télico. Basso (op. cit., p. 33-42) ainda chama a atenção para a confusão conceitual entre telicidade e aspectualidade. Segundo ele, são categorias pertencentes a domínios distintos e devem ser tratadas com independência. Para mostrar que essas categorias pertencem a domínios diferentes, são dados exemplos em que “é possível identificar isoladamente cada uma dessas noções”, como segue: A ideia de trabalhar com a distinção entre as categorias de aspecto, acionalidade e referência temporal implica em pensar que uma sentença, com um verbo flexionado, que faça referência a um evento, veicule um certo arranjo de traços ou subcategorias. É assim que podemos caracterizar a sentença (1.57) abaixo como perfectiva (aspecto), atélica (acionalidade) e passada (referência temporal) e a sentença (1.58) como imperfectiva (aspecto), télica (acionalidade) e futura (referência temporal): (1.57) João correu (ontem). (1.58) João (ainda) estará construindo sua casa (ano que vem). 43 Acatando então essa separação, a hipótese é a de que os verbos télicos, por sua definitude “natural”, devem favorecer o uso das formas de presente com valor de futuro. Consideramos que essa subcategoria acional não se aplica aos verbos estativos, que são em essência apenas atélicos. Os fatores que compõem esse grupo são: a) verbos télicos: (14) Aqui eu vô tirá a carne que tá aqui, pa botá o... o feijão. (SAJ-R, Inf. 06 reserva) (15) Se eu saí(r) aqui, pedi(r) um real aqui, ninguém me dá! (SAJ-S, Inf. 03) b) verbos atélicos (16) Eu vô falá mesmo, num vô mentir, vô falá a verdade. Se já aconteceu ININT vô escondê mais? (SAJ-R, Inf. 01) (17) Na hora que chegá o tempo dele, ele qué(r), né? (SAJ-R, Inf. 05) 3.3.2.3 Tipo semântico do verbo principal Este grupo de fatores tem a intenção de verificar se o valor semântico do verbo principal que acompanha o auxiliar ir nas perífrases de futuro, do verbo flexionado no futuro e do verbo no presente com valor de futuro interfere na escolha dos falantes. Nos dados de Oliveira (2006, p. 158-161), esse grupo de fatores foi selecionado apenas para a modalidade escrita da língua. No trabalho de Silva (2003, p. 88-92, p. 99-102), porém, esse grupo de fatores foi selecionado como o mais significativo. Sua hipótese foi a de que, como nos dados da região Sul (GÖRSKI et al., 2002), os verbos de estado favorecessem a perífrase por possuírem o traço [-movimento] e [-deslocamento] e que a forma de presente fosse favorecida 44 por aqueles verbos que apresentassem os traços [+movimento] e [+deslocamento]. Essa hipótese, porém, não foi confirmada; não se pode afirmar com certeza se isso se deu por conta de diferenças significativas nos dois sistemas (da região Sul e das comunidades afrobrasileiras) ou se ocorreu devido às opções de configuração de seu grupo de fatores. Após amalgamações, seus dados indicaram favorecimento da perífrase com verbos declarativos – fator que incluiu os verbos de ordem e os de inquirição –, com verbos intelectivos – fator que incluiu os verbos de atividade mental, os perceptivos, os de julgamento e os volitivos/optativos –, e com verbos não-estativos – os verbos de eventos. Esses resultados se aproximam dos de Oliveira (2006), mas, como no trabalho dela, esse grupo de fatores foi selecionado apenas para a modalidade escrita, a comparação foi feita com a forma sintética e, diante do fato de a quantidade de dados ser pequena, não se pode ter certeza da relevância dos resultados. Nesta dissertação, optou-se por uma disposição de fatores que opõe os verbos dinâmicos (ações e processos) aos não dinâmicos (estativos). Neves (2011, p. 25-28) diferencia os verbos dinâmicos a partir do componente pragmático [controle], possuindo as <ações>, o componente [+controle] e os <processos>, [-controle]. Esse componente também compõe os verbos estativos. Nossa hipótese, então, era a de que os verbos que designam ações, ou seja, aqueles que apresentam o traço [+controle], favorecessem a forma perifrástica do que aqueles que designam processos [-controle], por conta do traço modal de intenção relacionado a essa forma. Optamos, porém, por codificar separadamente as ocorrências do verbo ir com valor pleno e os outros verbos de movimento, para que se verifiquem seus comportamentos separadamente, procedendo às amalgamações a partir dos primeiros resultados. Seguem os fatores desse grupo com exemplos: a) verbos de ação (com controle): (18) “Ói Edézio, vô arranjá uma obra pra tu." (SAJ-R, Inf. 01) 45 (19) Se eu dé um bom dia a ele ou... ou conversá com ele, (...) num a... num aceita mais eu aqui, nem eu e nem o menino. (SAJ-R, Inf. 04) b) verbos de processo (sem controle): (20) Que se a gente recusá umas pessoa dessa, (...), o que que a gente vai... vai recebê lá mais tarde? (SAJ-S, Inf. 04) (21) Faz um ano agora em vinte e seis de setembro, casô. (SAJ-R, Inf. 04) c) verbo ir pleno: (22) Eu só vou ir pra casa semana que vem. (exemplo hipotético) (23) Não, não, ela pode... chegá aqui agora e dizê assim: “Ah, vô pa festa em Santo Antônio de Jesus...” (SAJ-R, Inf. 01) d) verbos de movimento/deslocamento com controle (24) Quando fô agora de tarde, eu vô buscá mais [fi’] de banana, vô ‘cabá de prantá. (SAJ-R, Inf. 11) (25) Eu sei que eu vô pas... pagá um preço muito alto, mas eu num volto. (SAJ-S, Inf. 08) e) verbos de movimento/deslocamento sem controle (26) Cuidado! Você vai cair desse brinquedo! (exemplo hipotético) (27) Cuidado, menino! Se não você cai desse brinquedo! (exemplo hipotético) f) verbos estativos com controle: (28) Então eu vô ficá esperano a dentista. (SAJ-R, Inf. 03) 46 (29) Amanhã eu vou e fico até o fim do dia. (exemplo hipotético) g) verbos estativos sem controle: (30) Aí você vai tê uma garantia de uma venda de muda de cinco mil (SAJ-R, Inf. 05) (31) Se de manhã acordá de um jeito, lhe rezá, de tarde já ‘tá de ôto jeito. (SAJ-S, Inf. 01) 3.3.2.4 Pessoa gramatical do sujeito Seguiu-se a proposta de Silva (2003) para as hipóteses desse grupo de fatores: sendo a primeira pessoa do singular a pessoa do discurso mais marcada morfologicamente, especialmente em estudos de concordância número-pessoal (LUCCHESI; BAXTER, 1995 apud SILVA, op. cit., p. 83), e sendo a forma perifrástica a mais subjetiva das formas de futuridade (POPLACK; TURPIN, 1999), toma-se como verdadeira a hipótese de que uma estaria vinculada à outra. Mas não se excluem dessa análise as outras pessoas gramaticais, com o intuito de se observar quais das variantes são favorecidas por cada uma. Fica assim a distribuição dos fatores, seguidos de exemplos: a) P1 - Primeira pessoa do singular: (32) Agora que eu não vô votá mais não. (SAJ-S, Inf. 10) (33) E no dia que num tivé fejão, (eu) fico com fome. (SAJ-S, Inf. 11) b) P2 - Segunda pessoa do singular: (34) Você vai fazê essa ultrassonografia agora. (SAJ-S, Inf. 02) 47 (35) Se de manhã acordá de um jeito, lhe rezá, de tarde já ‘tá de ôto jeito. (SAJ-S, Inf. 01) c) P3 - Terceira pessoa do singular: (36) Eu tenho uma menina de sei... cinco anos, vai fazê seis. (SAJ-S, Inf. 02) (37) Ela vem; hoje mesmo de noite ela ‘tá chegando aqui pra olhá os filho dela. (SAJR, Inf. 04) d) P4 – Primeira pessoa do plural (38) Então, a gente... nós num vai desisti não. A gente vai continuá a tirá essas criança da rua. (SAJ-S, Inf. 04) (39) A gente já fundô essa associação pa ficá mais fácil, poque se a [leis] pegá mesmo, a gente já tem... (SAJ-R, Inf. 05) e) P5 – Segunda pessoa do plural (40) Eu digo: “olha, num é porque sua mãe não estuda... que vocês não vai estudá”. (SAJ-S, Inf. 04) (41) Hoje à noite vocês estudam bastante para a prova de amanhã. (exemplo hipotético) f) P6 – Terceira pessoa do plural (42) Eles nunca vai vendê pelo preço que eles compraro, eles só vai vendê sempre mais. (SAJ-S, Inf. 04) (43) Aqueles que tivé lá uma condição de fazê por conta própria, lá eles faz. (SAJ-R, Inf. 05) 48 3.3.2.5 Animacidade do sujeito Esse grupo de fatores seguiu as mesmas hipóteses de Oliveira (2006, p. 161-163) para a expressão de futuridade: assume-se que o futuro perifrástico é implementado na língua em contextos em que o sujeito apresenta o traço [+humano], restringindo-se o futuro simples aos casos que apresentem o traço [-humano]. O traço [+humano] conferiria “maior grau de certeza e de compromisso em relação à ação verbal que se realizará no tempo futuro”. Lima (2001 apud OLIVEIRA, op. cit.) ressalta a importância da animacidade do sujeito no processo de gramaticalização do auxiliar ir e sua composição nas formas perifrásticas de futuro, através de um processo metafórico. Também no trabalho de Malvar (2003 apud OLIVEIRA, op. cit.), o sujeito não-animado condicionou o uso da forma sintética. Neste trabalho, os fatores deste grupo são os seguintes, com os exemplos de cada fator: a) sujeito animado humano: (44) É, agora a gente [vai] fazê a casa, botá... botá a casa pa frente. (SAJ-S, Inf. 05) (45) Ele disse assim, ó: “Você acerte tudo com ele, se ele me aceitá, pode vim aqui me chamá que eu vô.” (SAJ-S, Inf. 06) b) sujeito animado não-humano: (46) O verda... o tatu verdadêro desapareceu, num vai vim. (SAJ-R Inf. 09) (47) O tatu verdadeiro desapareceu, não vem mais. (exemplo hipotético) c) sujeito inanimado: (48) Se um pé-de-laranja ‘tivé doente, ele vai sê ‘liminado... (SAJ-R, Inf. 05) (49) Mas um dia a grana entra e a gente melhora! (SAJ-S, Inf. 06) 49 d) sujeito abstrato, que se refere a nomes coletivos “envolvendo o traço [+humano], mesmo sendo um substantivo classificado como comum” (OLIVEIRA, 2006, p. 161): (50) É. Toma, eu vô botá lá pá vê, se não esse povo vai chegá e a comida num cozinhô. (SAJ-R, Inf. 06 reserva) (51) Agora... esse... esse agora vai sê... esse mês... desse mês agora vai sê quatorze, vai sê nesse domingo que vem agora, porque ia sê vinte e um que o tercêro domingo, mas porque o pessoal vão lá, vai pra Milagres, pra lá pa... pa. (SAJ-R, Inf. 05) 3.3.2.6 Extensão fonológica do verbo Esse grupo de fatores, inspirado em Oliveira (op. cit.), pretende verificar a influência da extensão fonológica de um verbo, medida pela quantidade de sílabas do verbo principal no infinitivo, na seleção das variantes de futuro. Tomamos como hipótese os resultados dela (para DIDs da década de 70), de que os verbos monossilábicos favorecem o uso forma de presente, considerado em seu trabalho como um nicho de uso específico para indicação da futuridade. Porém, como houve também favorecimento dessa forma por verbos polissilábicos, a autora aventou a hipótese de ser esse um contexto de concorrência entre as duas formas. Os fatores são os que seguem: a) verbos monossilábicos; b) verbos dissilábicos; c) verbos trissilábicos; d) verbos polissilábicos (com quatro sílabas ou mais). 50 3.3.2.7 Paradigma verbal Esse grupo de fatores, baseado nas hipóteses de Oliveira (2006), pretende verificar a influência dos verbos regulares e irregulares sobre a seleção de formas de futuridade verbal. Os verbos de padrão especial tendem a favorecer o uso da forma sintética de futuro, por conta do efeito de retenção ou estocagem, proposto por Bybee (2003 apud OLIVEIRA, op. cit., p. 62). Testamos a hipótese de que os verbos com paradigma regular favorecessem o uso da forma perifrástica de futuro, enquanto os irregulares favorecessem o uso da forma de presente e da forma sintética. Os fatores desse grupo, portanto, são: a) verbos regulares; b) verbos irregulares. 3.3.2.8 Papel temático do sujeito Esse grupo de fatores tem como objetivo verificar os possíveis condicionamentos a partir do papel temático do sujeito, ou, utilizando a nomenclatura de Castilho (2010), a sua agentividade. Oliveira (2006, p. 117-119) testou e constatou a hipótese de que um sujeito agente favoreceria a ocorrência da perífrase verbal de futuro, por conta de um maior comprometimento entre ele e a ação verbal, enquanto um sujeito paciente o desfavoreceria, ficando os sujeitos experienciadores numa posição intermediária. A hipótese, neste trabalho, é a mesma. Diferentemente da proposta de Oliveira (op. cit.), porém, os fatores que compõem esse grupo são levemente ampliados por conta da dificuldade de enquadramento das ocorrências em apenas três fatores, seguindo a nomenclatura e as definições levantadas por 51 Duarte (2006), adotadas aqui. Observe-se a possibilidade de um mesmo verbo selecionar papéis temáticos diferentes. a) sujeito agente: o controlador da ação verbal (52) Licença aqui, qu’eu vô bebê um copo de água. (SAJ-S, Inf. 07) (53) Eu digo: “Ah, mãe, de noite eu num vô fazê mais charuto não! Faço de dia; de noite eu num faço mais não!”. (SAJ-S, Inf. 06) b) sujeito paciente: o afetado pelo efeito da ação verbal (54) Esse motô vai sê de... devolvido lá pa... pra o pessoal da [casa]. (SAJ-R, Inf. 05) (55) Quem num se enquadrá nessa parte aí, fica de fora. (SAJ-R, Inf. 05) c) sujeito experienciador: entidade que experiencia algum estado psicológico ou físico (56) Se eu chegá ali pegá um umbu (...), aí todo mundo vai sabê qu’eu robei! (SAJ-S, Inf. 03) (57) Se de manhã acordá de um jeito, lhe rezá, de tarde já ‘tá de ôto jeito. (SAJ-S, Inf. 01) d) sujeito possuidor ou recipiente: entidade que recebe ou possui alguma outra entidade (58) Aí, sai [o de] Julho, aí, você agora só vai recebê em setembro. (SAJ-S, Inf. 02) (59) É porque, se acontecê pegá, a gente já ‘tá com [a associação]. (SAJ-R, Inf. 05) 52 3.3.2.9 Projeção de futuridade Trata-se de um grupo de fatores em que se quer verificar a influência da distância entre o momento de fala e o momento do evento futuro na seleção das formas de futuridade. Vários trabalhos apontam uma relação entre a proximidade e o uso da forma perifrástica e/ou da forma de presente. Oliveira (2006, p. 141) utiliza a divisão tríplice futuro próximo, futuro distante e futuro indefinido, apontando uma implementação do uso da perífrase em caso de futuro próximo. Silva (2003, p. 76 e 119) revela que, diferentemente do trabalho de Poplack e Turpin (1999), no qual se inspirou, utilizaria uma “nova divisão por se pensar que uma absoluta polarização (proximal ou distal) não seja coerente”. Esse grupo de fatores não foi selecionado pelo Varbrul, o que o levou a amalgamar alguns fatores, e isso provocou uma “absoluta polarização” (iminente versus não-iminente). Daí, os resultados apontaram um favorecimento da perífrase em contextos iminentes. Para esta dissertação, a hipótese é essa, apesar de serem mantidos os fatores nãopolarizados, como seguem: a) projeção indefinida: (60) Mas num tem oportunidade pa... a pessoa a parti(r) dos quarenta seis ano... como eu [que] vô fazê quarenta e sete... trabaio... porque já é... gente já ‘tá na hora de se aposentá. Agora sem dá uma renda pa o bra... pra o governo, com’é que vai se aposentá? Num tem como. Porque eu acho assim, ó, que tem que entrá ainda um governo que dê oportunidade para nossa [turma] trabalhá. Que um pessoa da minha idade num é velha. (SAJ-S, Inf. 06) (61) DOC: É mesmo. O senhô tem... E o senhô acha assim que o senhô tem esperança de um dia as coisas melhorarem assim pra...? INF: Melhora, né, se Deus dé vida e saúde, e licença... que tivé uma boa indústria den’de Sant’Antônio de Jesus... (SAJ-S, Inf. 07) 53 b) projeção iminente (imediatamente após a fala): (62) É bom, agora eu vô dizê a tu, eu nunca fui num forró aqui em Santo Antônio não. (SAJ-S, Inf. 10) (63) Mas eu só digo uma coisa a você: eu não lhe digo é nada. (exemplo hipotético) c) projeção próxima (entre o iminente até 24h) (64) Quando fô agora de tarde, eu vô buscá mais [fi’] de banana, vô ‘cabá de prantá. (SAJ-R, Inf. 11) (65) Daqui a pôco o padre vem buscá. Ele tá aqui desde quinta-fêra. Vai hoje. (SAJ-S, Inf. 10) d) projeção distante (após 24h até um mês): (66) Ah, minha filha, pelo SUSO, eu vô fazê uma terça-fêra. (SAJ-S, Inf. 10) (67) Essa semana mesmo vô... uns exame que ele me pediu. (SAJ-S, Inf. 08) e) projeção longínqua (após um mês): (68) Esse ano, eu num sei nem em quem eu vô votá. (SAJ-R, Inf. 04 reserva) (69) É. A minha cumadre vai fazê cem anos... agora em dezembro, dezembro desse ano, ela faz cem anos. (SAJ-R, Inf. 10) 3.3.2.10 Tipo de sentença Esse grupo de fatores, inspirado em Silva (2003), tem como hipótese básica a de que a perífrase verbal seria favorecida pelas sentenças simples (absolutas), por conta do contexto mais indicativo. Os dados de Silva (op. cit., p. 81-82, 102-105), surpreendentemente, 54 indicaram uma neutralização dessa variável com as ocorrências em que a perífrase apareceu em sentenças complexas subordinadas. Usando a nomenclatura sugerida por Castilho 7 (2010, p. 321-390), testamos se tal comportamento se dá com os dados desta pesquisa, mantendo-se a análise das ocorrências de expressões de futuridade em sentenças matrizes vinculadas a subordinadas substantivas e a subordinadas adjetivas. As ocorrências de futuridade verbal em sentenças matrizes vinculadas a subordinadas adverbiais foram seccionadas para que se verifique seu comportamento, em especial, as condicionais e as temporais, por conta de sua configuração semântico-temporal (GÖRSKI et al., 2002, p. 232). São também fatores independentes as sentenças subordinadas substantivas, adjetivas e adverbiais, embora esses subtipos possuam características diferentes: só os dois primeiros tipos apresentam os traços [+ encaixamento] e [+ dependência], conforme Neves, Braga e Hattnher (2008 apud CASTILHO, 2010, p. 373), enquanto o último tipo, as subordinadas adverbiais, “se deixam identificar pelos traços [-encaixamento] e [+dependência]”. Acrescentamos ainda fatores para testar o comportamento das coordenadas, tanto as que sejam a primeira de uma sequência, como as coordenadas assindéticas, além das coordenadas sindéticas (aditivas e adversativas). Bechara (2004, p. 476-479) caracteriza essas sentenças como sintaticamente independentes, o que pode significar, no caso da expressão de futuridade verbal, um maior uso da forma sintética ou da forma perifrástica, que já possuem a marca temporal. Neves, Braga e Hattnher (2008 apud CASTILHO, op. cit., p. 373) ressaltam que as sentenças coordenadas se caracterizam pelos traços, [-encaixamento] e [-dependência], corroborando a ideia de independência entre elas. As coordenadas alternativas e as conclusivas foram incluídas aqui no grupo genérico denominado “outras adverbiais”, 7 Castilho (2010, p. 384-390) propõe outro tipo de sentença, as correlatas. Optamos por não usar esse tipo, que compartilha propriedades com as coordenadas e as subordinadas, classificando as ocorrências das sentenças complexas entre esses dois tipos apenas. 55 enquanto as coordenadas explicativas foram codificadas juntamente com as adverbiais causais, seguindo a hipótese de Castilho (op. cit., p. 346-349). Esse grupo de fatores tem a seguinte configuração, com exemplos de cada tipo de sentença retirados do corpus: a) sentença simples: (70) Aí eu vô gastá uns cinco mil reais nesse carro. (SAJ-R, Inf. 01) (71) Eu! Deus me livre! Num vô, não. (SAJ-R, Inf. 11) b) sentença matriz vinculada a subordinada substativa: (72) A senhora vai dizê que isso num é verdade? (SAJ-S, Inf. 11) (73) Faz um ano agora em vinte e seis de setembro, casô. (SAJ-S, Inf. 09) c) sentença matriz vinculada a subordinada adjetiva: (74) Eu tenho meu sonho... meu sonho ainda vô realizá, que é tê minha casa. (SAJ-S, Inf. 04) (75) Aqueles que tivé lá uma condição de fazê por conta própria lá, eles faz. (SAJ-R, Inf. 05) d) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial temporal: (76) Aí minha mãe me disse assim: quando eu achá um trabazim, vô botá tu pra comprá assim as coisinha do menino (SAJ-R, Inf. 04) (77) Mas quando eu fô, num vô mais pro grupo que eu ‘tava não. (SAJ-S, Inf. 06) 56 e) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial condicional; (78) Se ele pegá cinquenta reais e botá no bolso, ele vai pensá den’de casa. (SAJ-S, Inf. 03) (79) Aí se eu fô, eu vô só. (SAJ-R, Inf. 01) f) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial final: (80) Aqui eu vô tirá a carne que tá aqui, pa botá o... o feijão. (SAJ-R, Inf. 06 reserva) (81) Amanhã mesmo eu vô pra Salvadô pra fazê revisão. (SAJ-R, Inf. 10) g) sentença matriz vinculada a subordinada causal/explicativa: (82) Agora que eu vô entrá, porque eu fui agora num achei mais vaga. (SAJ-S, Inf. 07) (83) Professora: “Ó, hoje eu nem passo devê pa você, porque você tá com sono.” (SAJ-S, Inf. 02) h) sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial (inclui todas tradicionalmente chamadas adverbiais não explicitadas acima e as tradicionalmente chamadas coordenadas alternativas e conclusivas): (84) Ô é assim, ô vai tentá negociá no banco, fazê quarqué uma coisa pra num prejudicá os viverista. (SAJ-R, Inf. 05) (85) Eu sô um viverista; se eu num quisé me enquadrá aí, [vai vim um tempo] ININT vai vim um tempo de eu ficá de fora, sem podê trabalhá. Ô... ô eu me enquadro nessa parte ô eu fico de fora. (SAJ-R, Inf. 05) 57 i) subordinada adverbial; (86) Mais dotô, tem uma coisa, que aí fica caro poque aí vai ficá tudo mais caro... (SAJ-R, Inf. 05) (87) É uma cegueira quando elas tão aqui: quando é que eu vô lá, quando é que eu vô. (SAJ-R, Inf. 12) j) subordinada adjetiva: (88) Quem é que é o doido que vai sair hoje... hoje pá sê... virá lobisome aí na estrada? (SAJ-R, Inf. 11) (89) O garoto que vai com você já chegou. (exemplo hipotético) k) subordinada substantiva: (90) Porque ele disse que vai começá distruíno os policiais que tá involvido nisso aí. (SAJ-S, Inf. 04) (91) Ô dotora não quero mais não. Eu tenho certeza que eu vô e não volto mais. (SAJS, Inf. 10) l) primeira coordenada ou coordenada assindética: (92) Eu vô pegá cinquenta reais e vô dá pra mãe dele abri(r) uma cabeça direitinha pra ele (SAJ-S, Inf.11) (93) Nunca mais eu vô nesses lugares, nunca mais eu vô confiá ne um Deus que num seje Tu. (SAJ-S, Inf. 08) 58 m) coordenada sindética (aditiva ou adversativa): (94) Pra podê a gente trabalhá com fogos, mas só que... num vai tê ninguém...(SAJ-S, Inf. 04) (95) Aí, quando... é... eu quisé vê ele, ela leva na... ele na cidade; ô eu venho [para] vê e volto de novo. (SAJ-R, Inf. 04) 3.3.2.11 Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal Este grupo de fatores refere-se à possibilidade de existirem contextos em que haja sintagmas ou orações adverbiais que indiquem a posterioridade, além dos morfemas verbais. Silva (2003, p. 73-75) aponta para o estudo de Poplack e Turpin (1999), em que se analisou o futuro no francês canadense e se constatou um favorecimento da forma de presente quando aparece um constituinte de valor temporal específico no contexto. Ele testou esse mesmo grupo na sua pesquisa e chegou à mesma conclusão. Neste trabalho, a hipótese é a mesma: a presença de outro elemento de valor temporal deve favorecer o uso da forma de presente para expressão de futuro. Uma questão precisa ser respondida: existe a possibilidade de a forma de presente indicar futuro sem a presença desse outro constituinte de valor temporal? 8 Os fatores que compõem este grupo são os que seguem, devidamente exemplificados com ocorrências do corpus: a) presença de outro constituinte de valor temporal: (96) Que agora mesmo já ‘tô de féria e já vô vendê minhas féria. (SAJ-S, Inf. 01) 8 Trata-se de questionamento feito durante comunicação no Gelne, em Teresina, no ano de 2010. 59 (97) “Eu vô cuspi no chão... que você demorá... que você demorá, quando eu chegá aqui... eu... eu... eu dô-lhe uma mão de ferro ni você”. (SAJ-R, Inf. 11) b) ausência de outro constituinte de valor temporal: (98) Deus vai me ajudá, que aos pôco a gente chega lá. (SAJ-S, Inf. 12) (99) Aí, eu, antes de ir, eu disse: “Ô, meu Deus, eu vô po médico, meu Deus, mas Tu sabe, que não seje aquele home a falá, mas que seje você, Deus, a falá.” (SAJ-S, Inf. 08) 3.3.2.12 Polaridade da frase O objetivo desse grupo de fatores é verificar os possíveis condicionamentos advindos da polaridade da frase: se ela é negativa, afirmativa ou interrogativa. Oliveira (2006, p. 72) afirma que esse aspecto “em nada interfere na seleção de uma ou outra variante de futuro, em relação à fala”, já que o grupo de fatores não foi selecionado para nenhum dos corpora estudados. Já Silva (2003, p. 110-112) verificou uma neutralidade no uso da forma perifrástica pelas frases afirmativas, um leve desfavorecimento quando a polaridade é negativa e seu favorecimento se a frase é interrogativa. Neste trabalho, a hipótese a ser seguida é motivada pelos resultados de Silva (op. cit.), de que poderá haver favorecimento das frases interrogativas, em detrimento dos outros tipos de frases. Seguem o grupo de fatores: a) frase afirmativa; b) frase negativa; c) frase interrogativa. 60 3.3.2.13 Paralelismo sintático-discursivo Esta variável refere-se à estrutura de orações consecutivas, em que a primeira ocorrência de uma forma pode ou não condicionar a repetição da mesma forma nas orações seguintes (PAIVA; SCHERRE, 1999). A hipótese é a de que as construções com ocorrência única favoreçam a forma perifrástica, assim como aquelas que sejam a primeira de uma série e as precedidas dessa mesma forma, enquanto as ocorrências precedidas pelas outras formas (forma sintética e presente) desfavoreceriam a perífrase. Os fatores ficam distribuídos da seguinte forma, exemplificados com ocorrências do corpus: a) ocorrência única: (100) ‘Cê tem que falá com meu pai porque se ele num dexá, eu num vô namorá. (SAJ-S, Inf. 06) (101) eu vô... poque ela me disse que eu querendo arrumá um trabalhozinho, ela olha o nenê. (SAJ-R, Inf. 04) b) primeira ocorrência de uma série: (102) Quando ele soube lá, os colega disse a ele que minha mãe vinha viajá pra Bom Jesus da Lapa, ele pegô... ele disse “Vai ficá Solange e o irmão, então eu vô pa lá”. Ele aqui ‘poveitô que eu fiquei com meu irmão, sozinha, e veio. (SAJ-R, Inf. 04) (103) Aí, ele telefonô pro posta da MBA que fica de frente ao hospital. Aí, a menina disse: “Não, pode mandá ela pra cá que eu faço” Quando fez a ultrassonografia, a menina disse: “É. Ela tá com... faltano... é... ela ‘tá com quarenta e oito semana... ô! Quarenta e três semanas. E ela vai fazê dez mês mesmo.” (SAJ-S, Inf. 02) 61 c) ocorrência após forma de presente: (104) Agora em novembo faço dois ano que botei aparelho. Que botei aparelho em dois mil, [faz ago...] vai fazê três ano agora em novembo. (SAJ-S, Inf. 07) (105) Eu disse: “Ô dotora, não quero mais não. Eu tenho certeza que eu vô e não volto mais. Eu não vô não.” (SAJ-S, Inf. 10) d) ocorrência após perífrase: (106) Aí minha mulher disse: “Cê vai fazê o quê?” “eu vô pegá cinquenta reais e vô dá pra mãe dele abri(r) uma cabeça direitinha pra ele”, mas só que num fizero isso. (SAJ-S, Inf. 11) (107) É porque elas lá já está acostumada né? já tem, há... há... há anos que ela mora lá, mora lá em Salvador. Aí eu disse: “Eu vô demorá aqui um pôquim e depois eu vou pra minha casa”, que lá a... a gente já está acostumado, né? (SAJ-R, Inf. 03) e) ocorrência após forma sintética (108) Amanhã nós sairemos e você vai rever seus amigos, certo? (exemplo hipotético) (109) Amanhã nós sairemos e você revê seus amigos, certo? (exemplo hipotético) Considerando o alerta feito por Amaral (2006), os procedimentos para este grupo de fatores estão levando em conta a possível falta de ortogonalidade. No caso das variáveis “presença/ausência de outro constituinte de valor temporal” e “projeção de futuridade”, o paralelismo desempenha um papel extremamente relevante, já que é preciso tomar decisões 62 metodológicas quanto ao alcance de um constituinte não expresso na frase, mas evidentemente influente, por conta da proximidade sintática. Optamos aqui por considerar o tópico como parâmetro da influência dos constituintes entre si. 3.3.2.14 Sexo/Gênero do informante Os estudos sociolinguísticos indicam quase sempre relação entre o sexo/gênero do informante e a seleção de variantes linguísticas, conforme visto anteriormente. No trabalho de Oliveira (2006, p. 126), esse grupo de fatores “foi selecionado apenas nos corpora de fala mais formal, o que indica que a distinção homem X mulher é anulada na fala menos formal”. Já no trabalho de Silva (2003), houve um leve favorecimento do uso da perífrase pelas mulheres, embora ambos os pesos relativos não sejam muito díspares. A hipótese aqui é a de que as mulheres usam mais a perífrase por conta do espraiamento da variante no português do Brasil. Os fatores foram assim definidos: a) sexo/gênero masculino; b) sexo/gênero feminino. 3.3.2.15 Faixa etária do informante Este grupo de fatores pode permitir visualizar processos de mudança em progresso, se for esse o caso em relação às formas de futuridade verbal. Silva (2003) inicia seus estudos propondo avaliar a possibilidade de explicar esse tipo de variação nas comunidades que 63 estudou a partir tanto da hipótese da deriva quanto da TLI e concluiu, partindo dos resultados desta variável explanatória, que a melhor explicação que se pode dar é através da hipótese da transmissão linguística irregular. Suas conclusões se deram pela frequência das variantes e pelos resultados das faixas etárias, indicando uma implementação da forma perifrástica nas faixas etárias mais jovens, considerada em seu trabalho como marcada, e um consequente abandono da forma não-marcada, a de presente com valor de futuro. Por sua hipótese há um processo “descrioulizante” em Helvécia e Cinzento, como previsto por Lucchesi (2000). Para a análise dos dados da comunidade de Santo Antônio de Jesus, a hipótese básica é a de que os falantes mais jovens utilizam mais a forma inovadora (a perífrase) do que a forma de presente com valor de futuro e se espera um uso mínimo da forma sintética. Nesta pesquisa, os fatores desse grupo ficam assim distribuídos: a) faixa I - 25 a 35 anos; b) faixa II - 45 a 55 anos; c) faixa III - 65 anos ou mais. 3.3.2.16 Escolaridade do informante É de aceitação consensual entre estudiosos da linguagem que o acesso à educação promove alterações no vernáculo, mormente em direção à norma padrão. No caso das formas de futuridade verbal, não ocorre pressão social para o uso de uma forma específica, nem parece haver, na fala espontânea, um uso de valor estilístico, apesar de as gramáticas normativas descreverem quase que exclusivamente a forma sintética como expressão de 64 futuro. É possível ainda encontrar algum uso da forma sintética em contextos formais em que os falantes se valeriam de características discursivas para tal escolha. Considerando que é na interação verbal que se aprende uma língua, mesmo as pessoas com maior nível de escolaridade tenderiam a usar a forma perifrástica, usada pela maioria. Para efeito de comparabilidade, é preciso pontuar que, para a constituição dos inquéritos de Santo Antônio de Jesus, houve grande liberdade na seleção dos informantes que constituiriam o subgrupo “semialfabetizados” – todos os que tiveram algum grau de contato com o ensino formal –, ao passo que o subgrupo “não-alfabetizados” é composto por aqueles que não tiveram qualquer contato com a escola. Os fatores desse grupo organizam-se como segue: a) informantes não-alfabetizados; b) informantes semialfabetizados. 3.3.2.17 Local de residência do informante no município Com esse grupo de fatores, pretende-se verificar se o local de residência do informante no município (sede ou zona rural) interfere na escolha das formas linguísticas. A hipótese é a de que os moradores da sede do município, por sua maior rede de contatos, sua maior mobilidade, seu maior contato com meios de comunicação de massa e seu maior acesso à escolarização, devem usar mais a forma perifrástica para expressar a futuridade verbal; essa variante é considerada a forma inovadora e não sofre nenhum tipo de avaliação negativa por parte de membros da comunidade. Os fatores são: a) informantes residentes no distrito-sede; 65 b) informantes residentes na zona rural. 3.3.2.18 Saída/Permanência na comunidade A hipótese básica desse grupo de fatores é a de que os falantes que passaram algum tempo fora da comunidade tenderiam a utilizar formas mais próximas do português culto ou semiculto (LUCCHESI, 2000, 2006). O contato com outras normas, principalmente as dos grandes centros urbanos, promoveriam mudanças no vernáculo desses informantes, afetando o que Silva (2003, p. 95) chama de “originalidade” da gramática da comunidade de fala. No caso da variável dependente em estudo, como já mencionado, não há uma avaliação negativa explícita quanto ao uso de nenhuma das formas em variação (OLIVEIRA, 2011). Por isso, assume-se que esses falantes devem tender a usar mais a forma perifrástica, embora ocasionalmente possam utilizar até mesmo a forma sintética em elocuções formais. Os fatores que compõem este grupo são: a) informantes que passaram algum tempo fora da comunidade; b) informantes que permaneceram na comunidade. 3.4 SUPORTE QUANTITATIVO Depois de codificados, os dados foram quantificados através do pacote de programas GoldVarb X, que faz o cruzamento das variáveis, a verificação das frequências e dos pesos relativos (SANKOFF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2005), permitindo então a análise 66 qualitativa. O GoldVarb X, baseado no programa GoldVarb 2.0, é um aplicativo para análise multivariacional que realiza os cálculos estatísticos e probabilísticos na plataforma Windows (OLIVEIRA, 2006). Esse aplicativo foi desenvolvido para implementar modelos matemáticos que procuram dar tratamento estatístico adequado a dados linguísticos variáveis (SILVA, 2003). 67 4 A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE VERBAL EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS: ANÁLISE DOS RESULTADOS Neste capítulo são apresentados, a partir da análise multivariacional, os resultados quantitativos verificados pelo programa GoldVarb X, em cada um dos grupos de fatores que se supôs condicionarem a seleção das formas de futuridade verbal na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus, relacionando-os com a teoria e comparando com resultados de outros estudos. Por conta do teste de substituição previsto na Metodologia, foram excluídas 24 (vinte e quatro) ocorrências, nas quais não é possível ter certeza quanto ao tempo expresso, se futuro ou presente, ou com valor imperativo, como nos exemplos a seguir: (110) Aqui dá [melancia], mas aqui não tem; eu pegava em Santo Antônio de Jesus, vô pegá na Boa Vista, Sapeaçu e São Felipe. (SAJ-R, Inf. 01) (111) Quano eu ‘tava bem numa boa trabalhano, ele ia lá me tirava do trabalho, então eu disse ó, sabe de uma? Você vai pro seu canto que eu vô po meu. (SAJ-S, Inf. 04) Sem nenhuma ancoragem contextual, essas ocorrências podem ser interpretadas, respectivamente, como indicando uma ação habitual, vinculada, por isso, ao presente, e um valor de ordem ou sugestão. Foram excluídas também ocorrências sequenciais, nas quais só foi considerada a primeira, como no caso abaixo: 68 (112) Eu digo: “Rapaz, faz o seguinte: a associação dá vinte lito de óleo”; aí tinha um rapaz lá, disse: “Eu dô dez mais”, ôto: “Eu dô dez”, ôto: “Eu dô dez”, ôto: “Eu dô dez”. Cada um falô dez, claro, eu digo: “É que é uma ajuda”. (SAJ-R, Inf. 05) 4.1 A RODADA TERNÁRIA Como são três as variantes da variável em estudo, iniciou-se o estudo fazendo uma análise ternária da frequência, ou seja, com três fatores na variável dependente. Como já era esperado, na rodada ternária houve baixíssima ocorrência da forma sintética (futuro do presente), apenas uma, em termos mais exatos. Os resultados percentuais obtidos nessa rodada são os seguintes: Tabela 1: Resultado geral de frequência das três variantes Forma sintética Forma perifrástica Forma de presente Total Ocorrências 1 494 108 603 Percentuais 0,1% 81,8% 18,1% 100% Essa única ocorrência da forma sintética 9 de futuro, repetida abaixo, é uma forma com evidente influência do discurso religioso escrito (1) Então é... como vocês deve sabê, né... que tem aquela coisa do espírito e a coisa da carne. Espiritualmente se num ‘tivé bem, a gente será abalado. (SAJ-S, inf. 08) 9 Houve duas ocorrências de “será que”, que não apresentam significado de futuro. Trata-se apenas de forma cristalizada na língua. 69 Se não houvesse um número de ocorrências tão pequeno e se não fosse só uma pessoa a realizar o dado com o futuro do presente, o fato de ser uma mulher o informante a usar uma forma em evidente desuso poderia ser um argumento a reforçar as hipóteses sociolinguísticas de que são as mulheres mais sensíveis às imposições sociais. Trata-se de uma informante considerada semialfabetizada, já que cursou as duas primeiras séries do ensino fundamental, com 45 anos de idade, exposta à mídia, com estada de cerca de seis meses fora da comunidade. No levantamento dos dados sociolinguísticos, ressaltou-se que ela é leitora da Bíblia. Essa informação corrobora a interpretação de que se trata de uma forma influenciada pelo discurso religioso. Podemos então concluir que a forma sintética de futuro, embora ainda prevista nas gramáticas normativas e manuais pedagógicos como forma canônica, desapareceu da comunidade de fala vernacular de Santo Antônio de Jesus, sendo substituída pela forma perifrástica de futuro e/ou pela forma de presente com valor de futuro. Não descartamos, é claro, que a forma sintética seja usada em situações mais formais de elocução, devendo ser encontrada ainda, principalmente, na modalidade escrita da língua. Essa hipótese deve ser testada em futuros trabalhos que comparem dados de fala com dados de escrita. Esse resultado impôs uma revisão das hipóteses indicadas nos Procedimentos metodológicos: propomos então que a maior generalidade normalmente associada à forma sintética de futuro passe a ser uma característica da forma perifrástica, enquanto a forma de presente com valor de futuro passe a assumir contextos específicos, os quais configuram o seu “nicho 10”. Assim, foi feita a exclusão desse único dado com a forma sintética e a variável tornou-se, então, binária. 10 Termo proposto por Oliveira (2006), para quem não há concorrência entre as formas perifrástica e de presente com valor de futuro, havendo, no caso desta última forma, contextos específicos de uso, denominados “nicho do presente”. 70 Uma das características que postulamos como associada à forma de presente é uma maior certeza da realização do estado de coisas futuro. Malvar e Poplack (2008, p. 07) alertam que sentimentos de intenção, certeza, probabilidade ou dúvida não podem ser identificados se não houver alguma pista contextual explícita. O único acesso possível à intenção do falante e por meio do que ele diz; assim como nosso único acesso à interpretação do ouvinte se dá por meio de suas intervenções. As distinções que podem ser operacionalizadas são aquelas que se baseiam não no significado conferido à variante (o que seria circular), mas em indicadores contextuais que evidenciam esse significado, quando eles existem. Assim, por exemplo, noções como agentividade, subjetividade, vontade, desejo, frequentemente associadas à escolha da variante no contexto de referência futura, podem ser captadas por fatores como pessoa gramatical ou animacidade (grifos das autoras). Assim, alguns grupos de fatores previstos nesta pesquisa como ‘Animacidade do sujeito’, ‘Papel temático do sujeito’, ‘Projeção de futuridade’ e ‘Pessoa gramatical do sujeito’ devem dar indícios desse maior grau de certeza. 4.2 A PRIMEIRA RODADA BINÁRIA Os primeiros resultados da rodada com apenas duas variantes na variável dependente foram os que seguem: Tabela 2: Resultado geral de frequência (perífrase versus presente) Forma perifrástica Forma de presente Total Ocorrências 494 108 602 Percentuais 82,1% 17,9% 100% 71 O número absoluto de ocorrências permite afirmar que há um espraiamento bastante significativo da forma perifrástica de futuro na comunidade de Santo Antônio de Jesus, já que, das 602 (seiscentas e duas) ocorrências de futuridade verbal consideradas, 82,1% delas (494 ocorrências) tinham essa forma, enquanto à forma de presente com valor de futuro ficaram reservados 17,9%, ou seja, 108 (cento e oito) ocorrências. Esses resultados não estão distantes dos encontrados em outros corpora de fala brasileiros não-marcados etnicamente (ALVES, 2011; OLIVEIRA, 2006). No trabalho de Silva (2003), que usou corpora de comunidades marcadas etnicamente, a frequência da forma de presente é significativamente maior, alcançando 35%. Também na pesquisa de Gibbon (2000), que analisou a fala de florianopolitanos, os percentuais de uso da forma de presente alcançam os 36%. Silva (op. cit.) considera que isso é uma característica de comunidades que têm o “contato linguístico” como marca sociolinguística, embora em ambas as pesquisas a forma perifrástica esteja se impondo como variante default de expressão de futuridade verbal. 4.3 GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS Decidimos, baseados em Guy e Zilles (2007, p. 57-61 e 159), usar uma linha de corte para os fatores que apresentassem poucos dados (até 14 ocorrências), para que se considerem confiáveis os resultados, e um limite de 95% em casos de uso quase categórico, a partir do qual se considera definida a preferência do contexto ou fator. Os fatores (e seus respectivos grupos) que acusaram knockout 11 e informações sobre as decisões metodológicas tomadas para as rodadas estatísticas seguem na análise específica de cada grupo. 11 Knockout é o termo usado no GoldVarb para indicar um resultado categórico, ou seja, aquele em que todas as ocorrências levantadas se dão com apenas uma das variantes linguísticas, ou indica que não houve nenhuma ocorrência prevista na configuração dos grupos de fatores. 72 A rodada estatística levada em consideração teve input de 0.918, log likelihood igual a -128.091, nível de significância de 0.012 e usou a forma perifrástica como regra de aplicação. É importante salientar que a análise é feita relativamente aos outros resultados do mesmo grupo e não simplesmente pela interpretação de favorecimento ou desfavorecimento a partir do peso relativo de 0.50 (TAGLIAMONTE, 2006, p. 156). 1. Quadro 01: Grupos selecionados na rodada básica Tipo sintático do verbo principal Tipo semântico do verbo principal Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal Papel temático do sujeito Paralelismo sintático-discursivo Paradigma verbal Tipo de sentença Saída/Permanência na comunidade Input 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012 Os resultados dos grupos selecionados como relevantes para a escolha das variantes de futuro seguem agora, na ordem de importância definida pelo GoldVarb X, devidamente exemplificados com ocorrências do corpus (para aqueles grupos cuja exemplificação se considerou necessária). 73 4.3.1 Tipo sintático do verbo principal A hipótese básica desse grupo era a de que os verbos com mais de um argumento favoreceriam a seleção da perífrase para indicar futuro, por conta da manutenção do equilíbrio entre as estruturas (OLIVEIRA, 2006, p. 68). Os resultados com os dados de Santo Antônio de Jesus confirmam parcialmente essa hipótese: Tabela 3: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Verbos transitivos Pesos relativos 309/330 93,6% 0.73 Verbos bitransitivos 31/36 86,1% 0.38 Verbos intransitivos 57/72 79,2% 0.28 Verbos inacusativos 77/141 54,6% 0.15 Verbos copulativos 20/23 87,0% 0.58 Input 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012 A hipótese de que os <verbos transitivos> favorecem a forma perifrástica se confirma com um peso relativo de 0.73, mas isso não se verifica com os <verbos bitransitivos>, que apresentam peso relativo de 0.38, mas que também possuem vários argumentos. Os <verbos copulativos> isoladamente também favorecem a forma perifrástica, com um peso relativo de 0.58. Como o número de dados de verbos bitransitivos e copulativos foi pequeno, esse fato pode ter interferido nos resultados desses fatores. Os <verbos intransitivos> e os <verbos inacusativos>, por sua vez, desfavorecem o uso dessa forma, com pesos relativos de 0.28 e 0.15, respectivamente. 74 Silva (2003, p. 106-108) encontrou um peso relativo nos verbos bitransitivos (0.74) também favorecendo a perífrase, além de pesos relativos de 0.64 e 0.51 para os verbos transitivos direto e indireto, respectivamente. O tipo intransitivo foi apontado por esse autor como o desfavorecedor da perífrase (0.38). Foi feita em seguida uma nova rodada, considerando a hipótese de Mioto, Silva e Lopes (2007) de que os <Verbos copulativos> possuem comportamento sintático semelhante ao dos <Verbos inacusativos>, e o grupo passou a ter um fator a menos, por conta da amalgamação desses dois fatores. Os resultados são os seguintes: Tabela 4: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (copulativos com inacusativos) Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Verbos transitivos Pesos relativos 309/330 93,6% 0.71 Verbos bitransitivos 31/36 86,1% 0.38 Verbos intransitivos 57/72 79,2% 0.29 97/164 59,1% 0.21 Verbos inacusativos e copulativos Input 0.922 Log likelihood = -128.388 Nível de significância = 0.018 O grupo continuou selecionado como estatisticamente relevante pelo programa, percebendo-se uma oposição entre os <verbos transitivos> e os outros. Enquanto o primeiro favorece o uso da perífrase, com peso relativo de 0.71, os <Verbos bitransitivos>, com peso relativo de 0.38 (mais uma vez, os resultados podem ter sido comprometidos pelo pequeno número de dados), os <verbos intransitivos>, com peso relativo de 0.29, e os <verbos 75 inacusativos>, com peso relativo de 0.21, desfavorecem o uso da perífrase, selecionando em muito mais vezes a forma de presente com valor de futuro. É preciso que se faça uma observação sobre a composição do fator <Verbos inacusativos>: nele há a presença maciça de ir, como verbo pleno, que inibe o uso da forma perifrástica. Levando isso em consideração, foi feita uma rodada sem esse verbo. Com essa exclusão, o grupo só voltou a ser selecionado após procedimentos para uma melhor distribuição dos dados no grupo ‘Tipo semântico do verbo principal’ 12. Com esses procedimentos, os resultados para o ‘Tipo sintático do verbo principal’ são os seguintes: Tabela 5: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (sem o verbo ir) Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Verbos transitivos Pesos relativos 309/331 93,4% 0.63 Verbos bitransitivos 31/36 86,1% 0.41 Verbos intransitivos 66/78 84,6% 0.32 Verbos inacusativos 88/104 84,6% 0.28 Input = 0.945 Log likelihood = -113.732 Nível de significância = 0.026 De fato, a grande ocorrência do verbo ir pleno, influencia a composição percentual dos <Verbos inacusativos>, já que sem eles, o grupo passa a ter um percentual bastante próximo dos outros. Mesmo com esse procedimento, é perceptível uma oposição entre os verbos com vários argumentos e os verbos monoargumentais. 12 Houve uma alteração na configuração deste grupo de fatores (ver seção 4.3.2.4). Adiante, explica-se esse procedimento (ver seção 4.3.2.3). 76 Seguindo a hipótese de Oliveira (2006, p. 68) de que aqueles verbos com vários argumentos selecionam a forma perifrástica para garantir maior equilíbrio entre as duas estruturas, foi feita uma última rodada, opondo-os aos monoargumentais. Os resultados são os que seguem: Tabela 6: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (multiargumentais versus monoargumentais) Fatores Ocorrências/ Percentuais Pesos relativos Total de ocorrências Verbos multiargumentais 340/367 92,6% 0.62 Verbos monoargumentais 154/182 84,6% 0.32 Input = 0.943 Log likelihood = -114.717 Nível de significância = 0.008 Os resultados mostram, de fato, uma polarização entre os verbos que possuem mais de um argumento (transitivos e bitransitivos) e aqueles que só possuem um argumento (intransitivos e inacusativos), com pesos relativos respectivos de 0.62 e 0.32 13. 4.3.2 Tipo semântico do verbo principal Como especificado nos Procedimentos metodológicos, este grupo de fatores tem a intenção de verificar se o valor semântico do verbo principal interfere na escolha das formas de futuridade verbal pelos falantes. Optou-se inicialmente por uma disposição de fatores que 13 Ver, na seção 4.3.2.6, cruzamento entre este grupo com o grupo ‘Tipo semântico do verbo principal’. 77 opõe os verbos dinâmicos (ações e processos) aos não dinâmicos (estativos), com inclusão do parâmetro [controle] aplicável àqueles dois tipos de verbos (NEVES, 2011, p. 25-28), e a telicidade 14. Nossa hipótese, então, era a de que os verbos que designam ações (incluindo os de movimento e o verbo ir com valor pleno), ou seja, aqueles que apresentam o traço [+controle], favorecessem a forma perifrástica de futuro mais do que aqueles que designam processos [-controle]. Já que consideramos que a forma de presente apresenta maior grau de certeza da realização do estado de coisas proposto pelo verbo, os verbos com [+controle] estariam vinculadas a esta forma. 4.3.2.1 ‘Tipo semântico do verbo principal’: dinamicidade versus estatividade Esse grupo de fatores permite a comparação entre verbos dinâmicos e estativos em relação à seleção de formas de futuridade verbal. Numa rodada em que se fez essa oposição, desconsiderando-se as ocorrências do verbo ir pleno, os resultados são os que seguem: Tabela 7: Perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ - dinamicidade versus estatividade Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Verbos dinâmicos Verbos estativos Input = 0.910 14 Pesos relativos 459/508 90,4% 0.53 35/41 85,4% 0.17 Log likelihood = -120.905 Nível de significância = 0.000 Ver detalhes da inclusão deste aspecto semântico neste grupo de fatores na seção 4.3.2.4. 78 Os <verbos dinâmicos>, com peso relativo de 0.53, favorecem levemente a forma perifrástica de futuro, enquanto os <verbos estativos>, com peso relativo de 0.17, a desfavorecem fortemente. Consideramos pouco confiáveis esses resultados dado o desequilíbrio na frequência dos dois tipos de verbos (508 ocorrências de dinâmicos contra 41 ocorrências de estativos). 4.3.2.2 ‘Tipo semântico do verbo principal’: o parâmetro controle O parâmetro pragmático [controle] é a “capacidade de começar, manter ou interromper um processo ou um estado” (MOREIRA, 2000, p. 34), estando diretamente ligado ao papel temático agentivo. Considerando apenas esse parâmetro, foi feita uma rodada opondo esse traço ([-controle] versus [+controle]); para tanto foram desconsideradas as ocorrências dos verbos estativos, por conta do traço [-agentivo] dos sujeitos desses verbos e incluídas as ocorrências do verbo ir pleno. Os resultados que seguem demonstram ser esse traço importante para a seleção de formas de futuridade verbal no corpus em análise: Tabela 8: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – Controle Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos Verbos com controle 307/397 77,3% 0.40 Verbos sem controle 152/164 92,7% 0.73 Input = 0.887 Log likelihood = -138.366 Nível de significância = 0.038 79 Com essa configuração, o parâmetro [controle] se mostra relevante para a escolha das formas verbais de futuro na comunidade de Santo Antônio de Jesus, pois os verbos que possuem [-controle] favorecem o uso da perífrase, com peso relativo de 0.73, e os verbos que possuem [+controle] permitem em mais vezes a seleção da forma de presente com valor de futuro, com peso relativo de 0.40 para a perífrase. Esses resultados nos permitiriam relacionar, então, a forma de presente à ideia de certeza, já que o sujeito teria o controle da ação verbal, podendo, por isso, comprometer-se mais para a realização do estado futuro de coisas indicado pelo verbo. Em rodada desconsiderando as ocorrências do verbo ir com valor pleno, porém, os resultados são os que seguem: Tabela 9: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ - Controle (sem o verbo ir pleno) Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos Verbos com controle 307/344 89,2% 0.502 15 Verbos sem controle 152/164 92,7% 0.496 Input = 0.930 Log likelihood = -123.780 Nível de significância = 0.014 Surpreendentemente, os resultados apontam uma neutralização desse traço na seleção das formas de futuro, pois os pesos relativos são tecnicamente iguais, sendo 0.502 para os <verbos com controle> e 0.496 para os <verbos sem controle>. Isso leva à interpretação de que esse resultado sofre influência direta da frequência do verbo ir com valor pleno, que é um dos itens lexicais mais frequentes no português brasileiro (MARQUES, 1996 apud OLIVEIRA, 2006, p. 114) e inibidor categórico do uso da forma perifrástica na comunidade 15 Optamos por apresentar mais um dígito nos resultados para permitir comparação. 80 de fala de Santo Antônio de Jesus. Resultados mais refinados em relação a este parâmetro são discutidos na análise do grupo de fatores ‘Papel temático do sujeito’ (ver seção 4.3.4). 4.3.2.3 ‘Tipo semântico do verbo principal’: a telicidade Em relação à influência do traço acional [telicidade] sobre a seleção das formas de futuridade verbal, previsto inicialmente como grupo de fatores independente, foram tomadas as seguintes decisões metodológicas: além de excluirmos as ocorrências dos verbos estativos, já que a telicidade não se aplica a esse tipo de verbo, amalgamamos os verbos de movimento aos seus respectivos tipos (todos compõem o grupo dos verbos de ação, sendo alguns télicos, outros atélicos), incluindo as ocorrências do verbo ir pleno 16. Assim, a análise da telicidade fica circunscrita aos verbos dinâmicos. Seguem os resultados sem as ocorrências do verbo ir pleno: Tabela 10: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’: telicidade nos verbos dinâmicos Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências relativos Verbos télicos 298/334 89,2% 0.43 Verbos atélicos 161/174 92,5% 0.64 Input = 0.935 16 Pesos Log likelihood = -122.167 Trata-se dos procedimentos referidos na seção 4.3.1. Nível de significância = 0.012 81 Esses resultados apresentam uma oposição entre os verbos dinâmicos: os que possuem o traço [+ telicidade], desfavorecendo o uso da perífrase de futuro (0.43), de um lado, e de outro lado aqueles que possuem o traço [- telicidade], como favorecedores do uso da forma perifrástica (0.64). Tentando entender como a telicidade condiciona a definição da variante entre os verbos dinâmicos, testou-se a separação entre os verbos de ação e os de processo, cujos resultados são a seguir apresentados: Tabela 11: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade (com verbo ir) – ação versus processo Fatores Ocorrências/ Percentuais Pesos relativos Total de ocorrências Verbos de ação télicos 217/300 72,3% 0.33 Verbos de ação atélicos 90/97 92,8% 0.68 Verbos de processo télicos 81/87 93,1% 0.67 Verbos de processo atélicos 71/77 92,2% 0.75 Input = 0.898 Log likelihood = -135.134 Nível de significância = 0.045 Os resultados da Tabela 11 indicam que os <verbos de ação télicos> desfavorecem o uso da forma perifrástica, com peso relativo de 0.33. Favorecendo a mesma forma aparecem os <verbos de ação atélicos>, com peso relativo de 0.68, os <verbos de processo télicos>, com peso relativo de 0.67, e os <verbos de processo atélicos>, com peso relativo de 0.75. Como o nível de significância da rodada foi muito próximo do limite considerado aceitável, optou-se pela exclusão do fator <verbo ir pleno>, que, como já visto, exerce um peso muito grande sobre todos os grupos que lhe dizem respeito diretamente (‘Paradigma 82 verbal’, ‘Extensão fonológica do verbo’, ‘Tipo semântico do verbo principal’, ‘Tipo sintático do verbo principal’). Com esse procedimento, o grupo foi novamente selecionado, com os resultados que seguem: Tabela 12: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir pleno) – ação versus processo Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos Verbos de ação télicos 217/247 87,9% 0.44 Verbos de ação atélicos 90/97 92,8% 0.70 Verbos de processo télicos 81/87 93,1% 0.36 Verbos de processo atélicos 71/77 92,2% 0.57 Input = 0.937 Log likelihood = -121.546 Nível de significância = 0.012 Os <Verbos de ação télicos>, ao lado dos <Verbos de processos télicos>, são os tipos semânticos que mais abrem brecha para a seleção da forma de presente com valor de futuro, desfavorecendo o uso da perífrase, com pesos relativos respectivos de 0.44 e 0.36. Já aqueles <Verbos de ação atélicos>, juntamente com os <Verbos de processo atélicos>, favorecem o uso da forma perifrástica, com pesos relativos de 0.70 e 0.57, respectivamente. Esses resultados confirmam as hipóteses sobre os efeitos da telicidade na escolha de formas de futuro no português da comunidade de Santo Antônio de Jesus. 83 4.3.2.4 Os três componentes do ‘Tipo semântico do verbo principal’: inclusão da telicidade Por conta de uma rodada inicial, em que o grupo de fatores ‘Telicidade’ foi selecionado, mas com um nível de significância próximo demais do limite aceitável (0.048), e por observar que foi a seleção do grupo ‘Telicidade’ que promoveu esse aumento indesejado no nível de significância 17, resolvemos, por recodificação, cruzar essa propriedade semântica com os fatores do grupo ‘Tipo semântico do verbo’, organizado a partir do traço [controle], resultando nos seguintes fatores desse novo grupo: a) verbo ir pleno (télico com controle): (113) Eu só vou ir pra casa semana que vem. (exemplo hipotético) (114) Não, não, ela pode... chegá aqui agora e dizê assim: “Ah, vô pa festa em Santo Antônio de Jesus...” (SAJ-R, Inf. 01) b) verbos de movimento/deslocamento télicos com controle (excetuando-se o verbo ir): (115) Quando fô agora de tarde, eu vô buscá mais [fi’] de banana, vô ‘cabá de prantá. (SAJ-R, Inf. 11) (116) Eu sei que eu vô pas... pagá um preço muito alto, mas eu num volto. (SAJ-S, Inf. 08) c) verbos de movimento/deslocamento télicos sem controle: (117) Cuidado! Você vai cair desse brinquedo! (exemplo hipotético) (118) Cuidado, menino! Se não você cai desse brinquedo! (exemplo hipotético) 17 Na rodada em análise, o passo imediatamente anterior àquele considerado pelo GoldVarb X como o melhor da rodada tinha nível de significância de 0.016. 84 d) verbos de movimento/deslocamento atélicos com controle: (119) Amanhã mesmo eu vou viajar; cedo eu vou viajar. (SAJ-R, Inf. 01) (120) Agora domingo eu viajo de novo. (SAJ-R, Inf. 01) e) verbos de movimento/deslocamento atélicos sem controle: (121) Esse vento forte vai derrubar muitas árvores. (exemplo hipotético) (122) Esse vento forte de hoje derruba muitas árvores. (exemplo hipotético) f) verbos de ação télicos (excetuando-se os de movimento/deslocamento): (123) “Ói Edézio, vô arranjá uma obra pra tu." (SAJ-R, Inf. 01) (124) Se eu dé um bom dia a ele ou... ou conversá com ele, (...) num a... num aceita mais eu aqui, nem eu e nem o menino. (SAJ-R, Inf. 04) g) verbos de ação atélicos (excetuando-se os de movimento/deslocamento): (125) E se esse objetivo fô deu cuidá dessas crianças, eu vou cuidá. (SAJ-S, Inf. 04) (126) Mais tarde quando Deus me amostrá um companheiro e eu vê que dá certo, eu fico. (SAJ-R, Inf. 04) h) verbos de processos télicos (excetuando-se os de movimento/deslocamento): (127) Que se a gente recusá umas pessoa dessa, (...), o que que a gente vai... vai recebê lá mais tarde? (SAJ-S, Inf. 04) (128) Faz um ano agora em vinte e seis de setembro, casô. (SAJ-R, Inf. 04) i) verbos de processo atélicos (excetuando-se os de movimento/deslocamento): 85 (129) Esse fim de ano mesmo não vai ter [a festa], poque começa do dia primêro de... de janeiro até o dia doze... de São Benedito, até o dia doze. Mas esse ano tá... desmanchô a Igreja pa podê reformá, fazê [ota]. (...) Aí, nem começô a fazê o alicerce ainda, então não vai ter nada. (SAJ-S, Inf. 02) (130) Meu pai num trabalha mais, coluna. (...) Num trabalha. Se ele limpá um pezim de mato aqui, quando fô de nôte ele não dorme. De dô. Dô aqui assim nas costa de coluna. (SAJ-R, Inf. 04) j) verbos estativos com controle: (131) Então eu vô ficá esperano a dentista. (SAJ-R, Inf. 03) (132) Amanhã eu vou e fico até o fim do dia. (exemplo hipotético) k) verbos estativos sem controle: (133) Aí você vai tê uma garantia de uma venda de muda de cinco mil (SAJ-R, Inf. 05) (134) Se de manhã acordá de um jeito, lhe rezá, de tarde já ‘tá de ôto jeito. (SAJ-S, Inf. 01) Combinadas as duas variáveis, a hipótese passa a ser a de que os verbos que possuem o traço [+controle] e a propriedade acional [+telicidade] favoreçam mais o uso da forma de presente do que os que não apresentam esses dois traços combinados, por conta da definitude “natural” e da possibilidade de que o sujeito se comprometa mais com a realização do estado de coisas futuro, por avaliá-lo como mais factual (GÖRSKI et al., 2002, p. 227). Com essa nova configuração do grupo ‘Tipo semântico do verbo principal’, não houve ocorrências do fator <Verbos de movimento/deslocamento télicos sem controle> nem do fator <Verbos de movimento/deslocamento atélicos sem controle>. 86 São os seguintes os resultados percentuais para os fatores que apresentaram ocorrências: Tabela 13: Frequência da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Verbos de ação télicos 202/221 91,4% Verbos de ação atélicos 84/90 93,3% Verbos de processo télicos 81/87 93,1% Verbos de processo atélicos 71/77 92,2% Verbos de movimento/deslocamento 15/26 57,7% 6/7 85,7% Verbo ir pleno (télico com controle) 0/53 0,0% Verbos estativos com controle 5/5 100% Verbos estativos sem controle 30/36 83,3% télicos com controle Verbos de movimento/deslocamento atélicos sem controle Como se pode ver na Tabela 13, todas as 5 (cinco) ocorrências de <Verbos estativos com controle> foram com a forma perifrástica, de modo que esse fator foi excluído da rodada básica de análise. Também houve uso categórico com o fator <Verbo ir pleno>, em que todas as 53 (cinquenta e três) ocorrências foram usadas na forma do presente. Esse resultado já era esperado já que parece haver uma restrição quanto ao uso da perífrase ir + ir (vou ir), típica 87 da linguagem infantil e documentada em poucos corpora no Brasil (ALVES, 2011; GIBBON, 2000). Para a rodada básica de análise, optamos pela exclusão desse fator. Foi excluído da rodada básica de análise também o fator <Verbos de movimento/deslocamento atélicos sem controle>, de cujas 7 (sete) ocorrências, 6 (seis) tinham a forma da perífrase. 4.3.2.5 A rodada geral para o “Tipo semântico do verbo principal’ Os resultados da rodada geral de análise, incluindo os três aspectos semânticos possíveis na configuração do grupo, são os que seguem: Tabela 14: Perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’: rodada geral Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos Verbos de ação télicos (com controle) 202/221 91,4% 0.47 Verbos de ação atélicos (com controle) 84/90 93,3% 0.62 Verbos de processo télicos (sem controle) 81/87 93,1% 0.49 Verbos de processo atélicos (sem controle) 71/77 92,2% 0.66 Verbos de movimento/deslocamento télicos 15/26 57,7% 0.48 30/36 83,3% 0.14 com controle Verbos estativos sem controle Para facilitar a visualização desses resultados, segue gráfico: 88 Gráfico 1: Rodada geral para o ‘Tipo semântico do verbo principal’ A perífrase de futuro é favorecida pelos <Verbos de ação atélicos>, com peso relativo de 0.62, e pelos <Verbos de processo atélicos>, com peso relativo de 0.66. Favorecem ainda essa forma os <Verbos de movimento/deslocamento atélicos com controle>, já que houve um uso quase categórico com a perífrase (6/7), e os <Verbos estativos com controle>, pelo fato de ter havido uso categórico com a perífrase (5/5), embora com poucos dados nesses dois fatores. Não obstante os <Verbos de ação télicos>, os <Verbos de processo télicos>, os <Verbos de movimento/deslocamento télicos com controle> têm peso relativo próximo da neutralidade, na escolha da perífrase para indicar a futuridade verbal (pesos de 0.47, 0.49 e 0.48, respectivamente), e os <Verbos estativos sem controle> se constituem num fator de grande desfavorecimento da forma perifrástica, com peso relativo de 0.14. 89 4.3.2.6 ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ Segundo Ciríaco e Cançado (2004), muitos autores apontam uma relação direta entre telicidade e inacusatividade. Elas citam o estudo realizado por Van Hout 18, em dados da língua holandesa, em que esta autora identifica a [telicidade] como a propriedade semântica definidora da caracterização sintática daquele subtipo de verbos monoargumentais. Levando isso em consideração, cruzamos os resultados dos grupos ‘Tipo sintático do verbo principal’ e ‘Tipo semântico do verbo principal’ a fim de verificar uma possível interação entre essas duas variáveis linguísticas. Os resultados apresentam indícios de uma sobreposição de informações 19, como segue: 18 É possível ter acesso à introdução do livro em que tal estudo foi publicado através do endereço eletrônico http://fds.oup.com/www.oup.co.uk/pdf/0-19-925764-7.pdf. Acesso em 23 mai 2012. 19 Optou-se aqui pela manutenção de todos os subtipos possíveis no cruzamento para que se tivesse uma visão total da relação em análise, independentemente dos limites percentuais e de ocorrências pré-definidos. 90 Tabela 15: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade Fatores Ocorrências/ Percentuais Pesos relativos Total de ocorrências transitivos télicos 201/216 93,1% 0.35 transitivos atélicos 91/95 95,8% 0.97 bitransitivos télicos 28/32 87,5% 0.15 bitransitivos atélicos 03/04 75,0% 0.80 inacusativos télicos 45/108 41,7% 0.05 inacusativos atélicos 32/33 97,0% 0.99 intransitivos télicos 21/28 75,0% 0.07 intransitivos atélicos 32/38 84,2% 0.88 Input = 0.921 Log likelihood = -114.212 Nível de significância = 0.010 Como ferramenta de visualização desses resultados segue gráfico: Gráfico 2: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ - telicidade 91 Esses resultados indicam que a telicidade é uma propriedade semântica que interfere fortemente na seleção das formas de futuridade verbal na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus: a oposição é clara entre os verbos télicos e atélicos. Entre os verbos transitivos, tipo que favorece fortemente o uso da perífrase verbal de futuro, o parâmetro [telicidade] se mostra relevante, pois os <verbos transitivos télicos> desfavorecem o uso daquela forma, com peso relativo de 0.35, em oposição aos <verbos transitivos atélicos>, que, com peso relativo de 0.97, quase anulam a variação. Dentre os verbos bitransitivos, ocorre relação semelhante: os <verbos bitransitivos télicos> desfavorecem o uso da forma perifrástica, com peso relativo de 0.15, ao passo que os <verbos bitransitivos atélicos> a favorecem, com peso relativo de 0.80. Quanto aos verbos intransitivos, a oposição se mostra mais forte ainda: os <verbos intransitivos télicos> desfavorecem o uso da perífrase, com peso relativo de 0.07, enquanto os <verbos intransitivos atélicos> a favorecem, com peso relativo de 0.88. Mas é dentre os verbos inacusativos que a oposição alcança o ápice: os <verbos inacusativos télicos> praticamente anulam o uso da forma perifrástica, com peso relativo de 0.05, em oposição aos <verbos inacusativos atélicos>, que, com peso relativo de 0.97, praticamente só permitem o uso dessa mesma forma; por isso, podemos falar em sobreposição de informações. Propomos futuros estudos para detalhar a relação entre inacusatividade e telicidade. A fim de atender aos limites percentuais e de número mínimo de ocorrências, prédefinidos, foi feita outra rodada amalgamando-se os transitivos aos bitransitivos, e os intransitivos aos inacusativos. Os resultados são os que seguem: 92 Tabela 16: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade Fatores Ocorrências/ Percentuais Pesos relativos Total de ocorrências multiargumentais télicos 229/248 92,3% 0.31 multiargumentais atélicos 94/99 94,9% 0.97 monoargumentais télicos 66/136 48,5% 0.06 monoargumentais atélicos 64/71 90,1% 0.95 Input = 0.909 Log likelihood = -117.023 Nível de significância = 0.047 Os verbos <multiargumentais télicos> e os verbos <monoargumentais télicos> desfavorecem o uso da forma perifrástica de futuro, com pesos relativos respectivos de 0.31 e 0.06, enquanto os verbos <multiargumentais atélicos> e os verbos monoargumentais atélicos> favorecem fortemente o uso dessa mesma forma, com pesos relativos de 0.97 e 0.95, respectivamente. A oposição definida pelo parâmetro [telicidade] se mantém, apesar de os resultados não serem muito confiáveis por conta do nível de significância muito próximo do limite. Atribuímos isso à presença maciça do verbo ir pleno e, para testar, fizemos uma última rodada, desconsiderando esses dados. Os resultados são os que seguem, em uma tabela e em um gráfico: 93 Tabela 17: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir) Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos multiargumentais télicos 229/248 92,3% 0.49 multiargumentais atélicos 94/99 94,9% 0.74 monoargumentais télicos 66/83 79,5% 0.17 monoargumentais atélicos 64/71 90,1% 0.65 Input = 0.939 Log likelihood = -123.110 Nível de significância =0.030 Gráfico 3: Uso da perífrase – ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir) Os resultados ainda corroboram a hipótese de ser a [telicidade] um aspecto linguístico importante na seleção de formas de futuridade verbal em Santo Antônio de Jesus, sobrepondo-se ao tipo sintático do verbo. Os verbos multiargumentais télicos>, com peso relativo de 0.49, e os verbos <monoargumentais télicos>, com peso relativo de 0.17, são os 94 desfavorecedores da perífrase, embora o peso relativo daqueles esteja muito próximo do ponto neutro. Os verbos <multiargumentais atélicos> e os verbos <monoargumentais atélicos> são os grandes favorecedores do uso da forma perifrástica, com pesos relativos respectivos de 0.74 e 0.65. Concluímos que é o traço acional da [telicidade] o grande desfavorecedor da perífrase, constituindo-se porta de entrada do presente com valor de futuro. 4.3.3 Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal Este grupo de fatores refere-se à possibilidade de existirem contextos em que haja sintagmas ou orações adverbiais que indiquem a futuridade, além do próprio verbo. Neste trabalho, a hipótese é a de que a presença de outro elemento com valor temporal de futuro deve favorecer o uso da forma de presente para expressão de futuro, pois essa forma necessita de ancoragem temporal, como previsto desde as formas latinas (POGGIO, 2004; POPLACK; TURPIN, 1999; SILVA, 2003). Havia uma questão que precisava ser respondida, levantada durante o percurso da pesquisa 20: existe a possibilidade de a forma de presente indicar futuro sem a presença desse outro constituinte de valor temporal? Seguem os resultados para esse grupo de fatores: 20 Refere-se a questionamento feito durante apresentação no GELNE, em 2010, dos resultados preliminares desta pesquisa. 95 Tabela 18: Uso da perífrase em relação à ‘Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Ausência de outro constituinte de Pesos relativos 391/436 89,7% 0.63 103/166 62,0% 0.21 valor temporal Presença de outro constituinte de valor temporal Input= 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012 Os resultados confirmam a hipótese inicial de um maior favorecimento da forma perifrástica em contexto com <Ausência de outro constituinte de valor temporal>, com peso relativo de 0.63. Isso se explica para evitar a duplicidade da marcação temporal de futuro, pois o auxiliar, na perífrase de futuro, faz essa marcação. Por outro lado, o contexto com <Presença de outro constituinte de valor temporal>, com peso relativo de 0.21, desfavorece a forma perifrástica de futuro, abrindo o espaço para o uso do presente, forma não marcada morfologicamente, que necessita, por isso, de marcação fora do verbo. Esses resultados estão próximos dos de Silva (2003, p. 73-75), em corpora do português afrobrasileiro, e próximos dos de Poplack e Turpin (1999), em que se analisou o futuro no francês canadense. Quanto ao questionamento feito, a resposta é positiva. O verbo ir, em suas formas do presente do indicativo, é interpretado como indicando futuro. Para indicar o presente é necessária a ancoragem de um sintagma ou oração adverbial, como sempre, todos os dias. A opção mais comum para a indicação do presente do verbo ir é o uso da forma composta tenho ido, tem ido. No corpus que serve de base para esta pesquisa há 28 (vinte e oito) ocorrências de ir sem partícula de tempo, com valor de futuro, como o exemplo que segue: (135) Não... num... Eu vortei pra casa. Aí, Conça foi marcô pro dia dois de janêro. Peguei, tossia, tossia, do primêro de janeiro foi até o mês de são joão tossino. Aí, eu 96 fiquei. A dotora me perguntô: “Você qué se operá?” Eu disse: “Ô dotora, não quero mais não. Eu tenho certeza que eu vô e não volto mais. Eu não vô não.” (SAJ-S, Inf. 10) 4.3.4 Papel temático do sujeito Esse grupo de fatores, que tem como objetivo verificar os possíveis condicionamentos a partir do papel temático que o sujeito representa em relação ao escopo verbal, seguiu as hipóteses de Oliveira (2006, p. 117-119), que testou e constatou a hipótese de que um sujeito agente favoreceria a ocorrência da perífrase verbal de futuro, por conta de um maior comprometimento entre ele e a ação verbal, enquanto um sujeito paciente o desfavoreceria, ficando os sujeitos experienciadores numa posição intermediária. A hipótese neste trabalho, em cujos dados não há mais variação com a forma sintética de futuro, era a mesma: a de que um maior comprometimento existe entre um sujeito agente e a forma perifrástica, diminuindo gradativamente à medida que seu papel temático passa a ser [-agentivo]. Houve uso quase categórico com o fator <Sujeito possuidor ou recipiente>, já que, das 27 (vinte e sete) ocorrências, 26 (vinte e seis) ocorreram com a forma perifrástica. Esse fator foi retirado da primeira análise estatística para evitar sua influência nos resultados, já que o seu percentual ultrapassa o limite pré-estabelecido de 95%. Os resultados de frequência e pesos relativos para esse grupo são os que seguem: 97 Tabela 19: Uso da perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Sujeito agente ou causador Pesos relativos 296/392 75,5% 0.39 Sujeito experienciador 42/46 91,3% 0.60 Sujeito paciente 75/79 94,9% 0.87 Sujeito possuidor/recipiente 26/27 96,3% - Input= 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012 Esses resultados contrariam a hipótese de uma relação direta entre um <Sujeito agente ou causador> e a forma perifrástica: o peso relativo de 0.39 indica um forte desfavorecimento dessa forma. Ao contrário do esperado, o fator <Sujeito paciente> é que, com peso relativo de 0.87, é o contexto de favorecimento da forma perifrástica em relação ao papel temático do sujeito. O <Sujeito experienciador> também favorece o uso da forma perifrástica com peso relativo de 0.60, assim como o <Sujeito possuidor/recipiente>, com 96,3% de frequência com essa mesma forma. Esses dados podem indicar que a forma de presente indica mais certeza, já que ela seleciona mais um sujeito agente, ou seja, aquele que controla a ação verbal e pode, por isso, atribuir maior compromisso para a realização do estado de coisas futuro. 4.3.4.1 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’ Buscou-se um refinamento dos resultados cruzando-se o ‘Papel temático do sujeito’ com o grupo de fatores ‘Animacidade do sujeito’, pois, segundo Castilho (2010, p. 297), dois traços semânticos subordinam-se ao traço [+ animado]: o de [± humano], visto que um referente animado não precisa ser necessariamente 98 humano, e o de [± agentivo], visto que numa dada sentença um referente animado não precisa necessariamente ser o controlador da ação. Para Franchi e Cançado (2003, p. 17), em sua Teoria Generalizada dos Papéis Temáticos, “papéis como os de agente, paciente, experienciador etc. [podem ser definidos] como conjuntos ou "clusters" de acarretamentos que são comuns a todos os papéis temáticos individuais de argumentos de diferentes predicadores.” Assim, do papel temático de agente, podem-se inferir os acarretamentos de [controle], [animacidade], [causa] e [intencionalidade]. Ocorre, portanto, uma redundância nas informações dadas pelos dois grupos acima referidos. Os fatores possíveis e esperados, a partir desse cruzamento, são os que seguem, com exemplos: a) sujeito humano agentivo (136) Amanhã mesmo eu vou viajar, cedo eu vou viajar. (SAJ-R, Inf. 01) (137) Quande tivé maió, que eu comprá ôtro carro, eu dô um carro pra ela. (SAJ-R, Inf. 01) b) sujeito humano paciente (138) “— Eu não vô operá, porque eu não posso; eu não tenho camisola, eu não tenho calcinha, eu não tenho sandalha. (SAJ-S, Inf. 12) (139) Ô... ô eu me enquadro nessa parte, ô eu fico de fora. (SAJ-R, Inf. 05) c) sujeito humano experienciador (140) “Ah, você vai vê, você vai se arrependê” (SAJ-S, Inf. 08) (141) Agora em dezembro, dezembro desse ano, ela faz cem anos. (SAJ-R, Inf. 10) 99 d) sujeito humano possuidor/recipiente (142) Amanhã ô depois que ele achá um trabalho.. que ele achá... que ele vai ganhá, pode sê cento e cinquenta... duzento reais, que ele ‘tá é parado. (SAJ-S, Inf. 07) (143) É poque se acontecê pegá, a gente já ‘tá com [a associação]. (SAJ-R INF 05) e) sujeito animado não-humano agentivo (144) O verda... o tatu verdadêro desapareceu, num vai vim. (SAJ-R Inf. 09) (145) Coloquei alpiste pro pássaro, mas acho que ele não vem. (exemplo hipotético) f) sujeito animado não-humano experienciador (146) O cão vai sentir muita dor se for castrado sem anestesia. (exemplo hipotético) (147) Meu gato faz três anos nesta semana. (exemplo hipotético) g) sujeito animado não-humano possuidor/recipiente (148) Amanhã, aqueles poodles vão receber o prêmio no concurso de beleza canino. (exemplo hipotético) (149) Pelo que eu estou vendo, amanhã aqueles poodles recebem o prêmio no concurso de beleza canino. (exemplo hipotético) h) sujeito animado não-humano paciente (150) Os animais serão apreendidos pelo IBAMA. (exemplo hipotético) (151) Os animais? Se apreendem amanhã. (exemplo hipotético) 100 i) sujeito abstrato 21 agentivo (152) Toma, eu vô botá lá pá vê, senão esse povo vai chegá e a comida num cozinhô. (SAJ-R, Inf. 06 reserva) (153) Se eu saí aqui, pedi um real, aqui ninguém me dá! (SAJ-S, Inf. 03) j) sujeito abstrato paciente (154) Se [os agricultores] num tivé organizado assim como uma associação, (...) aí vai ficá de fora. (SAJ-R, Inf. 05) (155) Quem num se enquadrá nessa parte aí, fica de fora. (SAJ-R, Inf. 05) k) sujeito abstrato experienciador (156) Se eu chegá ali pegá um umbu (...),aí todo mundo vai sabê qu’eu robei! (SAJ-S, Inf. 03) (157) Com um simples telefonema, em cinco minutos, todo mundo já sabe o que aconteceu aqui agora. (exemplo hipotético) l) sujeito abstrato possuidor/recipiente (158) Não, isso aí... aconteceno isso, vai tê... todos viverista vai tê uma... uma garantia... (SAJ-R, Inf. 05) (159) Quem adquirir um seguro tem garantia em caso de sinistro. (exemplo hipotético) m) sujeito inanimado paciente (160) Esse motô vai sê de... devolvido lá pa... pra o pessoal da [casa] (SAJ-R, Inf. 05) 21 Conforme especificado no capítulo dos fundamentos teórico-metodológicos, o sujeito abstrato refere-se a nomes coletivos com o traço [+humano], mesmo sendo um substantivo classificado como comum, conforme página 50. 101 (161) São João a gente fage! Vai entrá uma verba maior pra gente trabaiá; a roça chega, né? São João eu faço! (SAJ-R, Inf. 01) Os resultados numéricos desse cruzamento aparecem no quadro a seguir: Tabela 20: Frequência da perífrase - ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências sujeito abstrato agente 26/32 81,2% sujeito abstrato experienciador 9/9 100% sujeito abstrato paciente 5/6 83,3% sujeito abstrato possuidor/recipiente 3/3 100% sujeito animado não-humano agente 7/7 100% sujeito animado não-humano experienciador Não houve ocorrências sujeito animado não-humano paciente Não houve ocorrências sujeito animado não-humano possuidor/recipiente Não houve ocorrências sujeito humano agente 263/353 74,5% sujeito humano experienciador 33/37 89,2% sujeito humano paciente 18/19 94,7% sujeito humano possuidor/recipiente 23/24 95,8% sujeito inanimado paciente 52/54 96,3% A partir desses resultados, foram tomadas as seguintes decisões metodológicas para rodada estatística: (i) a exclusão dos fatores <Sujeito inanimado paciente>, <sujeito humano 102 possuidor/recipiente> por conta de seu uso quase categórico com a perífrase, e do fator <sujeito animado não-humano agentivo>, por conta de seu uso categórico com a perífrase; e (ii) a exclusão dos fatores <sujeito abstrato paciente>, <sujeito abstrato experienciador> e <sujeito abstrato possuidor/recipiente>, considerando o baixo número de ocorrências. A rodada estatística apresentou os seguintes resultados: Tabela 21: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências sujeito humano agente Pesos relativos 289/385 75,1% 0.45 sujeito humano experienciador 42/46 91,3% 0.58 sujeito humano paciente 23/25 92,0% 0.93 sujeito abstrato agente 26/32 81,2% 0.62 Input = 0.878 Log likelihood = -131.018 Nível de significância = 0.033 O <Sujeito humano experienciador> favorece o uso dessa forma, com peso relativo de 0.58. Como favorecedores do uso da perífrase de futuro aparecem também o <Sujeito abstrato agente>, com peso relativo de 0.62, e o <Sujeito humano paciente>, com peso relativo de 0.93, que se firma como o grande favorecedor da forma perifrástica. O <Sujeito humano agente> aparece como o tipo que menos seleciona a forma perifrástica de futuro, com um peso relativo de 0.45. Considerando os fatores que foram excluídos da rodada estatística por seu uso categórico ou quase categórico, com uma quantidade de dados a partir de 15 ocorrências, podemos inferir a existência de um continuum de favorecimento da perífrase a partir do traço [agentividade]: 103 Figura 2: Continuum de seleção da perífrase – animacidade/agentividade + animado humano humano abstrato humano humano agente experienciador agente paciente possuidor/ recipiente inanimado paciente + agentivo - animado - agentivo 75,1% 0.45 91,3% 0.58 81,2% 0.62 92,0% 0.93 95,8% - 96,3% - O traço [animacidade] é importante na seleção das formas de futuridade verbal nesta comunidade, mas o traço [agentividade] se firma como seu definidor: ou seja, entre um traço e outro, o papel temático do sujeito é que seleciona a forma de futuridade verbal. Há uma polarização entre o papel de agente e o de paciente, mas o papel de experienciador se interpõe àqueles dois no continuum. Por isso, foi feita outra rodada em que os papéis temáticos de experienciador e possuidor/recipiente foram amalgamados ao de paciente. O primeiro em função das observações de Franchi e Cançado (2003, p. 36) de que esse papel temático não é relevante para uma teoria da gramática, por conta de sua limitação aos verbos psicológicos, e de seu peso relativo favorecedor ao uso da perífrase; o segundo, por conta de sua frequência tão favorecedora à perífrase quanto o sujeito paciente. Os resultados são os seguintes: Tabela 22: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ (agente/paciente) com ‘Animacidade do sujeito’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências sujeito humano agente Pesos relativos 263/353 74,5% 0.42 sujeito humano paciente 74/80 92,5% 0.73 sujeito animado não-humano agente 07/07 100% - sujeito abstrato agente 26/32 81,2% 0.52 sujeito abstrato paciente 17/18 94,4% 0.84 sujeito inanimado paciente 52/54 96,3% - Input = 0.899 Log likelihood = -131.945 Nível de significância = 0.047 104 Esses resultados demonstram mais claramente a hierarquia entre a [animacidade] e a [agentividade] na seleção das formas de futuridade verbal na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus, em que um sujeito humano agente condiciona mais a forma de presente do que a forma perifrástica, o que fortalece a hipótese de que aquela forma indica mais certeza quanto à realização futura do estado de coisas expresso pelo verbo. O continuum a seguir permite visualizar melhor a relação entre os traços [animacidade] / [agentividade] e o sujeito para a seleção das formas de futuridade verbal, em que, quanto mais à direita, o sujeito falante opta pela forma perifrástica; quanto mais à esquerda, opta pelo presente: Figura 3: Continuum de seleção da perífrase - animacidade/agentividade polarizada + animado humano abstrato agente agente humano paciente abstrato paciente inanimado paciente + agentivo - animado - agentivo 74,5% 0.42 81,2% 0.52 92,5% 0.73 94,4% 0.84 96,3% - 4.3.4.2 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’ A partir dos resultados anteriores, postulamos a oposição entre um sujeito falante (EU ou P1) e os outros (Não-EU ou P2/P3) em relação ao papel temático, para verificarmos se esse continuum polarizado (agente versus paciente) se aplica aos dados de Santo Antônio de Jesus. Esse cruzamento teve todas as suas células preenchidas, o que pode indicar maior confiabilidade nos resultados (GUY; ZILLES, 2007, p. 52-57), apesar de duas células possuírem menos de 15 (quinze) dados. Na Tabela 23, a seguir, pode-se perceber que houve baixo número de ocorrências com o fator <Sujeito EU paciente>, apenas 8 (oito) dados, sendo 7 (sete) com a forma perifrástica; 105 deu-se o mesmo fato com o fator <Sujeito EU possuidor/recipiente>, com apenas 9 (nove) dados, sendo 8 (oito) também com a perífrase de futuro. Além disso, não ocorreu variação com o fator <Sujeito Não-EU possuidor/recipiente>, cujas 18 (dezoito) ocorrências tinham a forma perifrástica. Todos esses três fatores foram excluídos da rodada estatística. O grupo foi selecionado como estatisticamente relevante, apresentando os seguintes resultados: Tabela 23: Perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências sujeito EU agente 198/274 72,3% 0.45 sujeito EU paciente 07/08 87,5% - sujeito EU experienciador 22/23 95,7% - sujeito EU possuidor/recipiente 08/09 88,9% - sujeito Não-EU agente 98/118 83,1% 0.58 sujeito Não-EU paciente 68/71 95,8% - sujeito Não-EU experienciador 20/23 87,0% 0.65 sujeito Não-EU possuidor/recipiente 18/18 100% - Input= 0.872 Log likelihood = -127.685 Nível de significância = 0.010 O <Sujeito EU agente>, com peso relativo de 0.45, desfavorece o uso da forma perifrástica, e esse resultado era o esperado, pois trata-se do único fator cujo percentual está abaixo da média geral de uso da perífrase. Favorecendo a perífrase de futuro, aparecem em ordem crescente o <Sujeito Não-EU agente>, com peso relativo de 0.58, e o <Sujeito Não-EU experienciador>, com peso relativo 106 de 0.65. Podemos incluir no grupo dos favorecedores da perífrase o <Sujeito Não-EU paciente>, com percentual de uso de 95,8%, o <sujeito EU experienciador>, com percentual de uso da forma perifrástica de 97,5%, além do <Sujeito Não-EU possuidor/recipiente>, que teve uso categórico com a mesma forma. Como última hipótese, resolvemos amalgamar, como feito antes, os subtipos <experienciador> e <possuidor/recipiente> ao subtipo <paciente>, polarizando então o <sujeito Eu agente> ao <sujeito Eu paciente>, e o <sujeito não-Eu agente> ao <sujeito não-Eu paciente>. Os resultados são os que seguem: Tabela 24: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências sujeito EU agente 199/274 72,6% 0.33 sujeito EU paciente 37/40 92,5% 0.77 sujeito Não-EU agente 98/118 83,1% 0.42 sujeito Não-EU paciente 106/112 94,6% 0.84 Input= 0.922 Log likelihood = -124.803 Nível de significância = 0.045 Os resultados da Tabela 24 elevam o traço [agentividade] ao posto de parâmetro definidor da seleção das formas de futuridade verbal na comunidade de Santo Antônio de Jesus em relação ao sujeito sobrepondo-se à pessoa gramatical: independentemente de ser P1, P2 ou P3 22, se o sujeito for agente da predicação verbal, o falante opta mais vezes pela forma de presente, já que tanto um <sujeito Eu agente>, quanto o <sujeito Não-Eu agente>, 22 Para esta análise, estão amalgamadas P1 com P4, P2 com P5 e P3 com P6, conforme explicitado na página 126. 107 desfavorecem o uso da forma perifrástica, com pesos relativos de 0.33 e 0.42, respectivamente. Por outro lado, o <sujeito EU paciente>, com peso relativo de 0.77, e o sujeito Não-Eu paciente>, com peso relativo de 0.84, favorecem fortemente o uso da perífrase. Segue gráfico para melhor visualização dos resultados acima: Gráfico 4: Uso da perífrase pelo sujeito – ‘Pessoa gramatical do sujeito’ com ‘Papel temático do sujeito’ Parece possível, com esses resultados, fazer algumas generalizações quanto à influência do sujeito para a seleção de formas de futuridade verbal na fala popular de Santo Antônio de Jesus: (i) o falante opta muito mais vezes pelo uso da forma de presente com valor de futuro, se estiver se referindo a si mesmo (ou a um grupo em que se inclui) e exercer o papel de agente da predicação verbal; mas se ele exerce outro papel, como o de paciente, experienciador ou possuidor/recipiente, a tendência é a opção pela perífrase; e (ii) no caso de um sujeito interlocutor ou assunto, exercendo o papel temático de agente, pode selecionar a forma de presente para expressar a futuridade verbal, mas se exercer o papel de paciente, experienciador ou possuidor/recipiente avaliado aqui, o falante opta pela forma perifrástica. 108 4.3.5 Paralelismo sintático-discursivo Como já se disse, esse grupo de fatores refere-se a orações consecutivas, em que a primeira ocorrência de uma forma condicionaria a repetição dela nas orações seguintes (PAIVA; SCHERRE, 1999). Neste trabalho, resolvemos desconsiderar o fator <Ocorrência única> por entendermos que, sozinhas, essas ocorrências não fazem “paralelismo”, ou seja, não há consecutividade de formas, em que a primeira influencia a(s) seguinte(s). Verificamos então a relação entre a primeira ocorrência de uma série e a(s) outra(s). Também não houve <ocorrência após forma sintética>, por conta da quase inexistência dessa forma no corpus. Seguem os resultados: Tabela 25: Uso da perífrase em relação ao ‘Paralelismo sintático-discursivo’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos 1.ª ocorrência de uma série 108/126 85,7% 0.62 Ocorrência após forma de 10/29 34,5% 0.13 136/160 85,0% 0.50 presente Ocorrência após perífrase Input = 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012 A hipótese de que o fator <1.ª ocorrência de uma série> favorece a forma perifrástica se confirma com um peso relativo de 0.62, por ser esta a forma mais comum de expressar futuridade verbal na comunidade e possuir marcação temporal no auxiliar, ideal, portanto, para ocorrer em primeiro lugar numa série. O fator <Ocorrência após forma de presente> favorece o uso dessa mesma forma, comprovando a atuação do paralelismo, ou seja, a 109 tendência de que uma forma se repita consecutivamente no discurso, com peso relativo de 0.13 para a perífrase. Já o fator <Ocorrência após perífrase> apresentou-se neutro em relação à seleção da forma de futuridade verbal, com peso relativo de 0.50. Isso se explica pelo fato de a perífrase de futuro ser marcada temporalmente (vou/vai) e permitir então o uso do presente, forma não-marcada morfologicamente, logo a seguir (OLIVEIRA, 2006, p. 190). 4.3.6 Paradigma verbal A hipótese básica para esse grupo de fatores é a de que os verbos regulares tenderiam a favorecer mais a perífrase; e os verbos irregulares, a forma de presente. É preciso ressaltar a grande ocorrência do verbo ir com valor pleno (53 ocorrências), que perfaz quase 9% das ocorrências totais e mais de 20% das ocorrências dos verbos de padrão especial e que usa categoricamente a forma de presente para expressar futuro. Seguem os resultados: Tabela 26: Uso da perífrase em relação ao ‘Paradigma verbal’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos Verbos regulares 326/361 90,3% 0.68 Verbos irregulares 168/241 69,7% 0.25 Input = 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012 A hipótese se confirma tanto pelos percentuais, quanto pelos pesos relativos, apresentando os verbos regulares peso de 0.68 e os irregulares, 0.25. Mas, quando o verbo ir com valor pleno é retirado da rodada, ocorrem mudanças nos resultados: o grupo não foi mais 110 selecionado como relevante para a seleção das formas de futuridade verbal. A explicação pode estar nos percentuais, como segue: Tabela 27: Uso da perífrase em relação ao ‘Paradigma verbal’ (sem o verbo ir) Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Verbos regulares 326/361 90,3% Verbos irregulares 168/188 89,4% Input = 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012 Sem os dados do verbo ir pleno, os percentuais dos dois fatores se aproximam bastante, ficando o percentual dos <Verbos regulares> levemente acima da média do grupo, apenas 0,3%, e os do fator <Verbos irregulares> levemente abaixo, 0,6%. Assim, como o verbo ir com valor pleno apresenta sempre muita ocorrência em corpora de fala, ele influencia decisivamente a seleção das formas de futuridade verbal, por seu uso quase sempre categórico com a forma de presente, como aconteceu com estes dados da fala santoantoniense. Sem eles, porém, esse fator linguístico apresenta-se irrelevante para tal escolha, já que consideramos extinta da fala espontânea a forma sintética, favorecida pelos verbos irregulares (ALVES, 2011; OLIVEIRA, 2006), ficando a perífrase aplicável a qualquer outro tipo de verbo. 111 4.3.7 Tipo de sentença Esse grupo de fatores, inspirado em Silva (2003, p. 81-82, 102-105), tem como hipótese básica a de que a perífrase verbal seria favorecida pelas sentenças simples (absolutas), por conta do contexto mais indicativo. Surpreendentemente, porém, os resultados indicaram uma neutralização desse tipo de sentença, pois houve ocorrências em que a perífrase apareceu em sentenças complexas subordinadas, fazendo supor que outro aspecto das sentenças deve sobrepor-se ao modo verbal na seleção das formas de futuro. Durante a codificação deste grupo, optamos pela análise em separado das ocorrências de futuridade verbal em <sentenças matrizes vinculadas a subordinadas causais/explicativas 23> e as <sentenças matrizes vinculadas a subordinadas finais>, por conta de o número de ocorrências parecer relevante. Seguem os resultados para todos os fatores do grupo na página seguinte: 23 A opção por analisar juntos esses dois tipos de sentença se baseia nos argumentos de Castilho (2010, p. 346349), de que não há sustentação teórica para a separação entre elas, conforme p. 54-55. 112 Tabela 28: Frequência da perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Sentença simples 178/207 86,0% Matriz vinculada a subordinada substantiva 34/37 91,9% Sentença subordinada substantiva 29/30 96,7% 3/6 50,0% Sentença subordinada adjetiva 11/11 100% Matriz vinculada a uma sentença subordinada 12/28 42,9% 62/78 79,5% 17/22 77,3% 10/13 76,9% 5/6 83,3% Sentença subordinada adverbial 29/38 76,3% Primeira sentença coordenada ou assindética 72/85 84,7% Sentença coordenada sindética (aditiva ou 32/41 78,0% Matriz vinculada a subordinada adjetiva adverbial temporal Matriz vinculada a uma sentença subordinada adverbial condicional Matriz vinculada a uma sentença subordinada adverbial final Matriz vinculada a uma sentença subordinada adverbial causal/explicativa Matriz vinculada a outro tipo de sentença subordinada adverbial adversativa) 113 Houve uso categórico do fator <Sentença subordinada adjetiva>, pois as 11 (onze) ocorrências se deram com a perífrase. Só foram encontradas 6 (seis) ocorrências no fator <Sentença matriz vinculada a subordinada adjetiva>, sendo exatamente metade para cada uma das formas comparadas. Esses dois fatores foram amalgamados para a rodada básica, considerando a relação sentencial (matriz e subordinada) marcada pela “adjunção” (CASTILHO, 2010, p. 339 e 355), ou seja, por uma relação que, apesar de apresentar [+ encaixamento], permite maior independência semântica do que as substantivas. Juntos, esses dois fatores formam, doravante, o novo fator <Sentença adjetiva>. Ocorreu uso quase categórico com o fator <Sentença subordinada substantiva>, com 96,7% das ocorrências (29/30) apresentando a forma perifrástica de futuro. Esse fator foi então amalgamado ao fator <Sentença matriz vinculada a subordinada substantiva>, formando o novo fator <Sentença substantiva>, considerando-se a relação sentencial argumental da subordinada com a sentença matriz, caracterizada por [+encaixamento] sintático e [+dependência] semântica (CASTILHO, op. cit., p. 339 e 355). Houve uso quase categórico no fator <Matriz vinculada a outro tipo de oração subordinada adverbial>, já que, das 6 (seis) ocorrências encontradas, 5 (cinco) aconteceram com a forma perifrástica. O fator <Sentença matriz vinculada a subordinada causal/explicativa>, que apresentou apenas 13 (treze) ocorrências, sendo 10 (dez) relacionadas à perífrase e 3 (três) à forma de presente, passa a compor o fator <Sentença matriz vinculada a outro tipo de adverbial>. Optamos, então, por reorganizar o grupo para a rodada estatística básica, amalgamando os fatores como segue: a) sentença simples; 114 b) sentença coordenada, composta pelos fatores <Primeira sentença coordenada ou assindética> e <Sentença coordenada sindética aditiva ou adversativa>, considerando sua independência sintática; c) sentença substantiva (matriz vinculada a subordinada substantiva e sentença subordinada substantiva, considerando seus traços [+ encaixamento] e [+ dependência]); d) sentença adjetiva (matriz vinculada a subordinada adjetiva e subordinada adjetiva, considerando seus traços [+ encaixamento] e [- dependência]); e) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial temporal/condicional, considerando que as sentenças condicionais também instauram um contexto de projeção futura (GÖRSKI et al., 2002, p. 232); f) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial final; g) sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial; h) sentença subordinada adverbial. Após as decisões metodológicas explicitadas anteriormente, obtivemos os seguintes resultados: 115 Tabela 29: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos Sentença simples 178/207 86,0% 0.66 Sentença coordenada 104/126 82,5% 0.53 Sentença substantiva 63/67 94,0% 0.80 Sentença adjetiva 14/17 82,4% 0.16 74/106 69,8% 0.15 17/22 77,3% 0.47 15/19 78,9% 0.25 29/38 76,3% 0.41 Sentença matriz vinculada a subordinada adverbial temporal/condicional Sentença matriz vinculada a subordinada adverbial final Sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial Subordinada adverbial Input = 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012 A hipótese de que a <Sentença simples> favorece o uso da perífrase se confirma com um peso relativo de 0.66. O mesmo ocorre com a <Sentença substantiva>, com peso relativo de 0.80. A <Sentença coordenada> favorece ligeiramente o uso da forma perifrástica, com peso relativo de 0.53. Outro grupo se forma, então, com a <Sentença matriz vinculada a subordinada adverbial temporal/condicional>, que desfavorece fortemente o uso da perífrase (peso relativo 0.15), a <Sentença subordinada adverbial>, que tem peso relativo de 0.41, contexto sintático desfavorecedor do uso da perífrase e, por contraste, favorecedor o uso da forma de presente com valor de futuro. O mesmo se pode dizer da <Sentença matriz vinculada a subordinada 116 adverbial final> e da <Sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial>, com pesos relativos de 0.47 e 0.25, respectivamente, apesar de o desfavorecimento da forma perifrástica pela primeira ser mínimo. Surpreendentemente, a <Sentença adjetiva> também desfavorece o uso da perífrase, com peso relativo de 0.16. Numa amalgamação para refinar a análise, valendo-nos mais uma vez do conceito de relação intersentencial (CASTILHO, 2010, p. 337-340), foram unidos os fatores <Sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial>, <Sentença matriz vinculada a subordinada adverbial final>, <Sentença matriz vinculada a subordinada temporal/condicional> e <Sentença subordinada adverbial> num único fator chamado <Sentença adverbial>. Os fatores <Sentença simples> e <Sentença coordenada> passam, conjuntamente, a compor o fator <Sentença independente>, considerando a sua “independência” sintática (BECHARA, 2004, p. 476-479). Para melhor visualização, seguem os novos grupos de fatores: a) sentença independente (simples e coordenadas); b) sentença substantiva (matriz e subordinada); c) sentença adjetiva (matriz e subordinada); d) sentença adverbial (matriz e subordinada). Os resultados dessa nova configuração são os seguintes: Tabela 30: Perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ – Relação sentencial Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Sentença independente Pesos relativos 282/333 84,7% 0.62 Sentença substantiva 63/67 94,0% 0.78 Sentença adjetiva 14/17 82,4% 0.18 Sentença adverbial 135/185 73,0% 0.24 Input = 0.919 Log likelihood = -127.717 Nível de significância = 0.009 117 Nessa comunidade, com os dados disponíveis para esta análise, a forma perifrástica de futuro é favorecida pela <Sentença independente>, com peso relativo de 0.62, e pela <Sentença substantiva>, com peso relativo de 0.78. Já a <Sentença adverbial> e a <Sentença adjetiva> desfavorecem o uso da forma perifrástica de futuro, com pesos relativos de 0.24 e 0.18, respectivamente. No trabalho de Oliveira (2006, p. 165-169), essa variável só foi selecionada para dados de língua escrita: nos anos 70, as orações adverbiais foram as que apresentaram maior percentual de uso da perífrase; já nos anos 90, foram as substantivas (completivas) e as sentenças simples (absolutas) as que revelaram maior peso relativo para essa variante. Segundo a autora, “os dados são muito poucos para que se possa confirmar a relevância dessa variável e para que se possa concluir algo sobre o condicionamento da estrutura sintática na expressão do futuro verbal” nos dados analisados por ela. No caso dos dados de Santo Antônio de Jesus, podemos atribuir os resultados a algumas características específicas das sentenças e da relação intersentencial: a) as sentenças independentes (sentenças simples, sentença coordenada assindética, primeira sentença coordenada de uma série e sentença coordenada sindética), por seu grau de “independência” de outras sentenças, necessitam de uma forma com marcação de futuro, por isso optam pela perífrase, cujo verbo auxiliar contém essa marca. Quando a opção é pela forma de presente com valor de futuro, esta deve conter traços inerentes de futuridade, como as formas vou/vai, do verbo ir pleno. De fato, das 53 (cinquenta e três) ocorrências da forma de presente nas sentenças independentes, 31 (trinta e uma) são do verbo ir, mais de 58% do total. b) No fator <Sentença adjetiva>, merecem análise específica seus dois componentes: isoladamente, a <sentença matriz vinculada a uma subordinada adjetiva>, por sua baixa ocorrência, não permitiu análise quantitativa. Mas, como já foi dito 118 anteriormente, caso as ocorrências não tenham sido aleatórias, o fato de haver exatamente a mesma quantidade de dados para cada variante, indicaria uma neutralização nesse contexto sintático. Já a <sentença subordinada adjetiva> deve favorecer o uso da perífrase de futuro, já que, nos dados desta pesquisa, todas as 11 (onze) ocorrências de futuridade verbal tinham essa forma. Amalgamados os dados dos dois tipos, o GoldVarb X aponta um forte desfavorecimento da perífrase. Talvez a característica da adjunção (CASTILHO, 2010, p. 339 e 355) seja um dos caminhos para explicar o favorecimento da forma de presente, ou seja, a relação sentencial (matriz e subordinada), apesar de apresentar [+ encaixamento], permite maior independência semântica do que as substantivas. Talvez uma subdivisão nas subordinadas adjetivas (restritivas, explicativas e livres) desse resultados mais confiáveis. c) A <sentença matriz vinculada a uma subordinada substantiva> favorece o uso da perífrase de futuro, assim como a própria <sentença subordinada substantiva>. É significativo o número de sentenças subjetivas indicadoras de tempo transcorrido na composição desse grupo: das 37 ocorrências de formas de futuridade verbal em sentenças matrizes vinculadas a subordinadas substantivas, 26 (vinte e seis) apresentam a “configuração sintática relativamente fixa desse tipo de construção” (MACHADO VIEIRA, s.d., p. 19), mais de 70% do total. Interessa-nos especificamente a estruturação sintática sem sujeito, conforme explica Machado Vieira (2006) em outro trabalho: As construções com marcador temporal fazer caracterizam-se por expressarem um estado de coisas que não explicita um argumento agente/causa (causador ou produtor), uma estrutura que não tem sujeito gramatical. Os traços de controle, agentividade (intencional ou acidental) são anulados. Apenas o efeito é explicitado. (grifos da autora) 119 Essas características sintático-semânticas podem explicar a opção pela forma perifrástica de futuro, que, em nossa hipótese, apresenta menos certeza do que a forma de presente com valor de futuro. As poucas ocorrências dessa última forma nesse tipo de construção vêm sempre acompanhadas por outro constituinte de valor temporal futuro. d) A <sentença matriz vinculada a subordinada adverbial temporal ou condicional> seleciona com muito mais frequência o presente do indicativo com valor de futuro, já que ambos os tipos de subordinada podem indicar a futuridade, deixando aberta a possibilidade da seleção, pela sentença matriz, de uma forma não-marcada morfologicamente. e) Quanto à sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial, não é possível tecer grandes comentários por conta da baixa ocorrência: podemos inferir que, no caso das causais/explicativas, pode haver uma brecha semântica para um maior uso da forma de presente, pois segundo Neves, Braga e Hattnher (2008, p. 946, apud CASTILHO, 2010, p. 374), Sob uma perspectiva lógico-semântica, a construção causal pode ser caracterizada como a junção entre um evento-causa e um eventoconsequência ou evento-efeito. Concebida dessa forma, a relação causal implica uma sequência temporal entre os eventos, à qual se soma a ideia de que o segundo evento é previsível a partir do primeiro (ou porque tem nele a sua razão, ou porque há entre eles uma sucessão regular). (o grifo é nosso.) f) No caso das finais, já que a perífrase de futuro em português resulta de um processo de gramaticalização da construção ir + infinitivo em estruturas com uma sentença matriz seguida de outra, subordinada adverbial final reduzida de infinitivo, podemos inferir que a forma de presente na sentença matriz absorve o sentido de futuridade da sentença vinculada adverbial final, já que “atingir um objetivo ou realizar um desejo 120 também exige tempo” (OLIVEIRA, 2006, p. 81). Acrescente-se a isso o fato de que, das 5 (cinco) ocorrências de formas de presente com valor de futuro em sentenças matrizes vinculadas a subordinadas adverbiais finais, 4 (quatro) possuem em suas adjacências outro constituinte de valor temporal. A única ocorrência em que não há outro constituinte de valor temporal nas adjacências é do verbo ir pleno, que já traz em si a noção de futuridade. 4.3.8 Saída/Permanência na comunidade A hipótese básica desse grupo de fatores era a de que, com a ampliação das redes de contato, os falantes que passaram algum tempo fora da comunidade usassem mais a forma perifrástica, variante com maior espraiamento no português brasileiro. Seguem os resultados: Tabela 31: Uso da perífrase em relação à ‘Saída/Permanência na comunidade’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos Saída da comunidade 259/329 78,7% 0.41 Permanência na comunidade 234/273 85,7% 0.61 Input = 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012 Contrariando a hipótese inicial, o peso relativo de 0.41 aponta maior possibilidade de uso da forma de presente entre os informantes que saíram da comunidade, o que pode significar uma ideia de “novidade” nessa forma em relação à forma mais tradicional na comunidade, em oposição aos informantes que permaneceram na comunidade com peso 121 relativo de 0.61, que tendem a usar mais a perífrase. É necessário, então, análise em tempo real para que se verifique a frequência dessas duas variantes na comunidade de Santo Antônio de Jesus, a fim de, se possível, identificar qual a forma “original” de futuridade verbal em sua história linguística. Pode-se pensar também, como postulado anteriormente, que haja algum valor modal na forma de presente, o qual faça os informantes que saíram da comunidade optar por ela mais do que os que permaneceram na comunidade. Por ser comum haver interação entre as variáveis sociais, tomamos a decisão de cruzar esse grupo com o grupo de fatores ‘Sexo/Gênero’ para se verificar uma possível interação entre eles. Os resultados são os que seguem: Tabela 32: Uso da perífrase - ‘Saída/Permanência na comunidade’ com ‘Sexo/Gênero’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Pesos relativos Homens que saíram da comunidade 180/218 82,6% 0.45 Homens que permaneceram na comunidade 96/127 75,6% 0.49 Mulheres que saíram da comunidade 79/111 71,2% 0.31 Mulheres que permaneceram na comunidade 138/146 94,5% 0.73 Input = 0.911 Log likelihood = -129.783 Nível de significância = 0.024 Esse cruzamento mostra que, com peso relativo de 0.45, os <Homens que saíram da comunidade> tendem a usar mais a forma de presente com valor de futuro do que os <Homens que permaneceram na comunidade>, cujo peso relativo de 0.49 está muito próximo do ponto neutro, embora nenhum dos dois subgrupos tenda a desfavorecer o uso da perífrase fortemente. 122 Dentre as mulheres, ocorre uma polarização: as que passaram algum tempo fora da comunidade, de um lado, como favorecedoras do uso do presente (0.31), e do outro, aquelas que nunca saíram da comunidade, como favorecedoras do uso da perífrase (0.73). Já que consideramos ser a forma perifrástica a estratégia de futuridade verbal preferida no português brasileiro, e possuir status de variante inovadora, esses resultados reforçam a hipótese de haver um valor modal na forma de presente que é percebido pelas mulheres que passaram algum tempo fora da comunidade e tendem a usá-la mais; talvez a ideia de que essa forma expresse mais certeza do que a perífrase. As respostas a essas questões ultrapassam os limites desta dissertação e requerem o aprofundamento em futuros testes de avaliação e percepção subjetiva. 4.4 GRUPOS DE FATORES NÃO-SELECIONADOS Segue a análise dos grupos de fatores que não foram selecionados pelo programa GoldVarb X como relevantes para a seleção das variantes em análise, a saber: ‘Extensão fonológica do verbo’, ‘Pessoa gramatical do sujeito’, ‘Animacidade do sujeito’, ‘Projeção de futuridade’, ‘Polaridade da frase’, ‘Sexo/Gênero’, ‘Faixa etária’, ‘Escolaridade’ e ‘Local de residência no município’. 4.4.1 Extensão fonológica do verbo A hipótese desse grupo era a de que os verbos monossilábicos favoreceriam o uso da forma sintética de futuro, ficando os verbos com outra extensão relacionados à perífrase e à forma de presente. 123 Não ocorreu variação com o fator <Verbos com quatro sílabas ou mais>, pois todas as 19 (dezenove) ocorrências foram com a perífrase. Foi feita a exclusão desse fator na análise estatística básica. Os resultados para essa variável são os seguintes: Tabela 33: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Extensão fonológica do verbo’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Verbos com uma sílaba 87/152 57,2% Verbos com duas sílabas 310/344 90,1% Verbos com três sílabas 78/87 89,7% Verbos com quatro ou mais sílabas 19/19 100% Com a extinção da forma sintética da fala vernacular da comunidade santo-antoniense, os <verbos monossilábicos> apresentam uma relação com a forma de presente; isso se confirma pelos percentuais (57,2%), já que esse é o único fator cuja frequência está bem abaixo da média geral de uso da perífrase (81,5%), enquanto os verbos com mais de uma sílaba favorecem fortemente o uso da perífrase de futuro: dissilábicos = 90,1%, trissilábicos = 89,7% e polissilábicos = 100%. É preciso salientar, porém, que, das 152 (cento e cinquenta e duas) ocorrências com verbos monossílabos, 53 (cinquenta e três) são do verbo ir pleno, altamente restritivo ao uso da perífrase. Essas características talvez expliquem o comportamento dos verbos com essa extensão. Numa rodada desconsiderando o verbo ir, os percentuais se aproximam bastante, justificando o fato de esse grupo de fatores não ter sido selecionado pelo GoldVarb X como significativo para a seleção das variantes de futuro. Seguem os resultados: 124 Tabela 34: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Extensão fonológica do verbo’ (sem verbo ir pleno) Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Verbos com uma sílaba 87/99 87,9% Verbos com duas sílabas 310/344 90,1% Verbos com três sílabas 78/87 89,7% Verbos com quatro ou mais sílabas 19/19 100% Com percentuais tão próximos, podemos afirmar que, nessa comunidade, com essa amostra, a extensão fonológica do verbo não é fator decisivo para a seleção das formas de futuridade verbal, embora ainda seja perceptível que os verbos monossilábicos se opõem aos demais, pois é o único fator que tem percentual um pouco abaixo da média do grupo. A perífrase define-se então como aplicável a verbos com qualquer extensão fonológica. 4.4.2 Pessoa gramatical do sujeito A hipótese inicial para esse grupo era a de que haveria um vínculo entre a primeira pessoa do singular e a forma perifrástica, por ser esta a mais subjetiva das formas de futuridade verbal e aquela a pessoa mais marcada (SILVA, 2003, p. 83). O fator <quinta pessoa> apresentou uso categórico, sendo que sua única ocorrência se deu com a perífrase, reproduzida abaixo: 125 (48) Eu digo: “Olha, num é porque sua mãe não estuda... que vocês não vai estudá”. (SAJ-S, Inf. 04) Credita-se essa baixa ocorrência de P5 ao tipo de inquérito usado para coletar dados, em que há um diálogo direto entre um documentador e o informante (DID), inibindo a ocorrência do pronome “vocês”, embora possa, ocasionalmente, haver mais de um documentador e um ou mais circunstantes. Quanto ao fato de não ter sido documentada ocorrência com a forma de presente, Malvar e Poplack (2008, p. 19) ressaltam que parece haver “uma forte aversão” ao seu uso com a “segunda pessoa gramatical animada”. Talvez isso se explique para evitar confusão semântica com o imperativo, como se pode ver no exemplo hipotético abaixo: (49) Hoje à noite vocês estudam bastante para a prova de amanhã. Abaixo seguem os resultados para todas as pessoas: Tabela 35: Frequência da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências P1 – 1.ª pessoa singular 200/273 73,3% P2 – 2.ª pessoa singular 30/34 88,2% P3 – 3.ª pessoa singular 147/167 88,3% P4 – 1.ª pessoa plural 36/41 87,8% P5 – 2.ª pessoa plural 1/1 100% P6 – 3.ª pessoa plural 26/28 92,9% 126 Por conta também da baixa ocorrência de P2, P4 e P6, tomamos a decisão de amalgamar, a partir de então, a <Primeira pessoa> com a <Quarta pessoa>, a <Segunda pessoa> com a <Quinta pessoa> e a <Terceira pessoa> com a <Sexta pessoa>, desconsiderando assim a informação de número (singular e plural). Mesmo com a amalgamação prevista anteriormente, de P1 com P4, P2 com P5 e P3 com P6, esse grupo de fatores não foi selecionado pelo programa como estatisticamente relevante para a seleção das variantes em análise. Seguem os resultados: Tabela 36: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’- P1 versus P2 versus P3 Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências P1 235/314 74,8% P2 31/35 88,6% P3 173/195 88,7% A hipótese inicial de que <P1> estaria vinculada à forma perifrástica não se confirma. Em vez disso, ela está vinculada à forma de presente com valor de futuro, já que com essa pessoa está o maior percentual de uso dessa forma, enquanto <P2> e <P3> favorecem mais o uso da forma perifrástica. Esses resultados permitem dizer que há uma diferença no fato de o falante fazer referência a si mesmo ou de referir-se às outras pessoas gramaticais. Numa análise binária como esta, em que se comparam apenas a forma perifrástica com a forma de presente, postulamos que a maior generalidade atribuída à forma sintética de futuro passe a ser uma atribuição da forma perifrástica, relacionada ao <Não-EU>, na qual o verbo auxiliar ir, à 127 medida que se gramaticaliza, vai perdendo gradativamente as noções modais que possuía, por isso o <EU> opta mais pelo uso da forma de presente, à qual se atribui maior certeza de realização. Foi feita então a amalgamação de <P2> e <P3>, opondo-as a <P1>, para que fossem verificados os resultados. Nessa nova rodada, esse grupo de fatores também não foi selecionado como estatisticamente relevante, apresentando os percentuais que seguem: Tabela 37: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’- Eu versus Não-Eu Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências EU 235/314 74,8% Não-EU 204/230 88,9% Pelos percentuais, pode-se inferir que o sujeito de primeira pessoa, <Eu>, tenda a desfavorecer o uso da forma perifrástica de futuro, enquanto as outras pessoas, <Não-Eu>, tendam a favorecê-la como expressão de futuridade verbal. Retomando as sugestões de Malvar e Poplack (2008), esses resultados permitem atribuir maior subjetividade à forma de presente, já que ela se apresentou atrelada ao sujeito de primeira pessoa 24. Haveria, portanto, uma oposição entre os dois grupos, em que o grupo formado pelo falante utilizaria mais a forma de presente como forma de atribuir certeza à realização de sua proposição, enquanto isso não poderia ser feito em relação ao outro, tanto o interlocutor quanto uma terceira pessoa (assunto). Ressaltamos que essa hipótese deve ser confirmada por testes de percepção e avaliação das variantes em estudo. 24 Ver seção 4.3.2.2 que relaciona essa variável ao papel temático do sujeito, reforçando a hipótese explicitada acima. 128 4.4.3 Animacidade do sujeito Esse grupo de fatores, que tenta relacionar a animacidade do sujeito com a seleção de formas de futuridade verbal, seguiu as mesmas hipóteses de Oliveira (2006, p. 161-163). Segundo a autora, o traço [+humano] conferiria “maior grau de certeza e de compromisso em relação à ação verbal que se realizará no tempo futuro”. Como a forma sintética de futuro está em desuso na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus, hipotetizamos uma relação em que a forma de presente com valor de futuro seria selecionada por um sujeito com esse traço. Na análise de frequências, houve uso categórico no fator <Sujeito animado nãohumano>, cujas 7 (sete) ocorrências tinham a forma da perífrase. Ocorreu um uso quase categórico com o fator <Sujeito inanimado>, pois, das 45 (quarenta e cinco) ocorrências de futuro, 43 (quarenta e três) tinham a forma perifrástica, excedendo o limite pré-estabelecido de 95%. Esses fatores foram excluídos da análise estatística básica. Seguem os resultados de frequência para este grupo de fatores: Tabela 38: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Animacidade do sujeito’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Sujeito humano 337/433 77,8% Sujeito abstrato 43/50 86,0% 7/7 100% 52/54 96,3% Sujeito animado não-humano Sujeito inanimado 129 Embora não tenhamos pesos relativos para esse grupo, o fator <sujeito animado nãohumano> deve favorecer a perífrase, já que houve um uso categórico com essa forma (sete ocorrências). O fator <Sujeito inanimado> firma-se também como contexto favorecedor da forma perifrástica de futuro na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus, por conta de seu uso quase categórico (96,3%). O fator <Sujeito abstrato> também deve favorecer a forma perifrástica com um percentual acima da média do grupo (86,0%), enquanto o fator <Sujeito humano> tende a desfavorecer a forma perifrástica com um percentual abaixo da média do grupo (77,8%), o que reforça a ideia de que a forma de presente com valor de futuro indica mais certeza do que a forma perifrástica, pois seleciona um tipo de sujeito que pode fazer uma avaliação da possibilidade ou não de realização do estado de coisas expresso pelo verbo. Malvar (2003 apud OLIVEIRA, 2006) relaciona o traço [+humano] à ideia de certeza e compromisso com a realização do estado de coisas indicado pela forma verbal. Logo, pelos resultados percentuais verificados acima, podemos reafirmar a hipótese de que, entre a forma perifrástica e a forma de presente com valor de futuro, esta indica mais certeza e compromisso. A partir desses percentuais, podemos imaginar um possível continuum de favorecimento da perífrase de futuro, como segue: Figura 4: Continuum de favorecimento da perífrase – animacidade do sujeito - perífrase sujeito humano sujeito abstrato sujeito inanimado sujeito animado não-humano 77,8% 86,0% 96,3% 100% + perífrase Poder-se-ia pensar que, numa escala como essa, o sujeito inanimado tenderia a ficar no extremo favorecedor da forma perifrástica, considerando que a forma de presente indica mais 130 certeza. Mas Görski et al. (2002, p. 227) ressaltam que “o futuro se caracteriza por ausência de factualidade, pois só aceita asserções segundo a avaliação que o falante faz da possibilidade/impossibilidade de ocorrência de um estado de coisas, o que mostra que há sempre um valor modal ligado ao valor temporal”. Assim, como o referente nos sujeitos animado não-humano e inanimado passam pelo mesmo crivo, o falante parece preferir não se comprometer com a realização de algo por outrem, optando pela forma mais genérica, a perífrase 25. 4.4.4 Projeção de futuridade Vários trabalhos apontam uma relação entre a proximidade e o uso da forma perifrástica e/ou da forma de presente. Como já mencionado, Oliveira (2006, p. 141) utilizou a divisão tríplice futuro próximo, futuro distante e futuro indefinido, apontando uma implementação do uso da perífrase em caso de futuro próximo. Silva (2003, p. 76, 119), diferentemente do trabalho de Poplack e Turpin (1999), no qual se inspirou, utilizou uma “nova divisão por se pensar que uma absoluta polarização (proximal ou distal) não seja coerente”. Esse grupo de fatores não foi selecionado pelo Varbrul, o que o levou a amalgamar alguns fatores, e isso provocou uma “absoluta polarização”, iminente versus não-iminente. Daí os resultados apontaram um favorecimento da perífrase em contextos iminentes. Nos resultados desta análise, não houve variação com o fator <Projeção iminente>, aquele cuja realização é imediata ao momento da fala, pois todas as 30 (trinta) ocorrências aconteceram com a forma perifrástica. 25 Na análise dos resultados do grupo ‘Papel temático do sujeito’, mostramos um cruzamento entre os dois grupos, considerando que as informações deles são repetitivas (ver seção 4.3.4.2). 131 A tabela a seguir mostra os resultados para todos os fatores previstos na configuração do grupo: Tabela 39: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de Futuridade’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Projeção indefinida 386/463 83,4% Projeção iminente (imediatamente após a fala) 30/30 100% Projeção próxima (entre o iminente até 24h) 17/35 48,6% Projeção distante (entre 24h até um mês) 26/29 89,7% Projeção longínqua (após um mês) 35/45 77,8% Os resultados desse grupo parecem indicar que o contexto com <Projeção indefinida>, com 83,4%, e o contexto de <Projeção distante> favorecem o uso da forma perifrástica, assim como a <Projeção iminente>, por conta do uso categórico com essa forma. Das 30 (trinta) ocorrências com esse tipo de projeção de futuridade, 16 (dezesseis) são de verbos dicendi, usados na interlocução para introduzir um tópico; essa informação talvez explique a relação entre esse contexto e a perífrase, já que parece haver uma restrição ao uso da forma de presente com valor de futuro com esses verbos em contextos iminentes. Já os contextos <Projeção próxima> e <Projeção longínqua> permitem mais o uso da forma de presente, por conta dos percentuais respectivos de 48,6% e 77,8%. Esses resultados se aproximam dos encontrados por Oliveira (2011) em teste de percepção e atitude realizado em Feira de Santana, outra cidade da Bahia. Considerando os resultados de Silva (2003) e Poplack e Turpin (1999), nos quais uma absoluta polarização (proximal versus distal) condicionou a seleção das formas de futuridade verbal, foram amalgamados os fatores <Projeção próxima> e <Projeção distante>, para 132 promover uma polarização com o fator <Projeção longínqua>, excluído o fator <Projeção iminente, por conta do uso categórico com a perífrase, mas mesmo assim esse grupo de fatores não foi selecionado. Seguem os resultados: Tabela 40: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de futuridade’‘Projeção próxima’ versus ‘Projeção longínqua’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Projeção indefinida 385/463 83,2% Projeção próxima (após o iminente até um mês) 43/64 67,2% Projeção longínqua (mais de um mês) 35/45 77,8% Os percentuais permitem as seguintes interpretações: o contexto <Projeção indefinida> deve favorecer o uso da perífrase, já que seu percentual, 83,2%, está acima do percentual geral do grupo (80,9%); na comparação com os outros fatores, o contexto de realização <Projeção próxima> parece indicar um maior favorecimento da forma de presente, pois seu percentual, 67,2%, está bem abaixo do percentual geral de uso da perífrase; o outro contexto, <Projeção longínqua>, com 77,8%, parece favorecer o uso da perífrase, se comparado com o fator <Projeção próxima>, mas deve favorecer menos, em comparação com a <Projeção indefinida>. Porém a amalgamação talvez estivesse obscurecendo a influência do fator <Projeção próxima>, que apresenta quase metade das ocorrências com cada uma das formas cotejadas. Foi feita então outra rodada estatística, mantendo-se a exclusão do fator <Projeção iminente> e amalgamando-se o fator <Projeção distante> com o fator <Projeção longínqua>, fazendo 133 polarização com o primeiro. Esse procedimento não alterou os grupos já selecionados pelo GoldVarb X. Tabela 41: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de futuridade’ – ‘Projeção próxima’ versus ‘Projeção distante’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Projeção indefinida 385/463 83,2% Projeção próxima (entre o iminente e 24h) 17/35 48,6% Projeção distante (mais de 24h) 61/74 82,4% O fator <Projeção indefinida> ainda deve favorecer o uso da forma perifrástica assim como o fator <Projeção distante>, já que ambos os percentuais (83,2% e 82,4%, respectivamente) estão acima da média geral de uso da perífrase. Já o fator <Projeção próxima> deve desfavorecer o uso daquela forma, já que o percentual verificado (48,6%) é muito abaixo da média geral do grupo, que é de 80,9%. Foi feita mais uma amalgamação, promovendo a polarização <Projeção iminente> versus <Projeção não-iminente>, composta esta pelos fatores <Projeção próxima>, <Projeção distante> e <Projeção longínqua>. Para viabilizar essa rodada, foi criada uma ocorrência fictícia, para “desfazer” o nocaute do fator <Projeção iminente> (GUY; ZILLES, 2007, p. 162-163). O grupo ainda assim não foi selecionado e apresentou os seguintes resultados percentuais: 134 Tabela 42: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de Futuridade’ – ‘Projeção iminente’ versus ‘Projeção não-iminente’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Projeção indefinida 385/463 83,2% Projeção iminente (imediatamente após a fala) 30/30 100% Projeção não-iminente (após o iminente) 78/109 71,6% Esses resultados permitem inferir a existência de um continuum crescente de favorecimento da perífrase de futuro, em que a polarização iminente versus não-iminente se faz perceptível, a saber: contexto não-iminente (71,6%) > contexto indefinido (83,2%) > contexto iminente (100%) 4.4.5 Polaridade da frase As hipóteses para esse grupo eram de que, como no trabalho de Silva (2003), as frases afirmativas ficariam próximas ao ponto de neutralidade para a seleção das formas de futuro, as frases interrogativas favoreceriam a forma perifrástica, enquanto as frases negativas a desfavoreceriam. 135 Tabela 43: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Polaridade da frase’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Frase afirmativa 375/458 81,9% Frase negativa 84/105 80,0% Frase interrogativa 34/39 87,2% De fato, os percentuais parecem confirmar a hipótese inicial, já que há uma coincidência perfeita entre o percentual das <Frases afirmativas> e o percentual geral de uso da perífrase de futuro (81,9%). Pode-se perceber um continuum crescente em relação ao uso da perífrase, das frases negativas (80,0%) às interrogativas (87,2%), embora esse grupo não tenha sido selecionado como estatisticamente relevante: frases negativas (80,0%) > frases afirmativas (81,9%) > frases interrogativas (87,2%) 4.4.6 Sexo/Gênero do informante Uma das premissas básicas da Sociolinguística é de que há diferenças na seleção de variantes linguísticas entre homens e mulheres, principalmente se há avaliação negativa ou positiva de algumas dessas variantes. Caso haja avaliação positiva, as mulheres costumam liderar o uso de uma variante, em casos de variação estável, ou seu processo de implementação, em casos de mudança em curso, mantendo uma atitude linguisticamente conservadora caso essa avaliação social seja negativa. 136 No trabalho de Oliveira (2006, p. 126), esse grupo de fatores “foi selecionado apenas nos corpora de fala mais formal, o que indica que a distinção homem X mulher é anulada na fala menos formal”. Já no trabalho de Silva (2003), houve um leve favorecimento do uso da perífrase pelas mulheres (peso relativo 0.56), embora ambos os pesos relativos não sejam muito díspares (0.46 para o gênero masculino). Neste corpus, a variável ‘Sexo/Gênero’ não foi considerada relevante. As variantes de futuro em análise não parecem receber nenhum tipo de avaliação social, nem correção por parte da escola; isso talvez explique a indiferença desta variável social neste caso. Os resultados foram os que seguem: Tabela 44: Frequência de uso da perífrase em relação ao ‘Gênero/Sexo’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Homem 276/345 80,0% Mulher 217/257 84,4% A hipótese de que as mulheres usariam mais a perífrase por conta do espraiamento da variante no PB se confirma pelos percentuais (84,4%), enquanto os homens optam um pouco menos por essa mesma forma (80,0%). Foi mostrado anteriormente um cruzamento dessa variável social com outra, ‘Saída/Permanência na comunidade’, que nos levou a duas hipóteses sobre a seleção de formas de futuridade verbal na comunidade de Santo Antônio de Jesus (ver seção 4.3.8). 137 4.4.7 Faixa etária do informante Esse importante grupo de fatores costuma ser escrutinado por dar informações indicativas de mudanças em progresso. Em geral, uma variante linguística em processo de implementação apresenta percentuais de uso maiores nas faixas etárias menores e um decréscimo nas faixas mais altas. Os resultados aqui não apresentam indícios desse tipo, pois há um aumento na frequência de uso da forma perifrástica da Faixa III para a Faixa II, mas uma diminuição na frequência de uso na faixa etária mais nova, como segue: Tabela 45: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Faixa etária’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Faixa I – 25 a 35 anos 177/217 81,6% Faixa II – 45 a 55 anos 234/277 84,5% Faixa III – 65 anos ou mais 82/108 75,9% Esses resultados condizem com os de Oliveira (2006) e Alves (2011, p. 170-171), em que há um padrão curvilíneo, indicando variação estável, pois a mudança já atingiu todas as faixas etárias, como se pode ver no gráfico a seguir: 138 Gráfico 5: Uso percentual da perífrase em relação à ‘Faixa etária do informante’ Um cruzamento com a variável ‘Escolaridade’ talvez permita outras inferências acerca do papel da faixa etária na seleção das variantes. 4.4.8 Escolaridade Essa variável social normalmente está associada à avaliação das variantes e, como consequência, espera-se que, quanto maior o nível de escolarização, maior seja o uso de formas padrão. Neste trabalho, o corpus é composto por falantes das camadas populares com baixo nível de escolarização. Além disso, mais uma vez, parece que as variantes em análise não sofrem nenhum tipo de avaliação social negativa ou positiva, nem correção escolar; isso inibe o efeito dessa variável. Seguem os resultados do grupo: 139 Tabela 46: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Escolaridade’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Não-alfabetizados 73/98 74,5% Semialfabetizados 420/504 83,3% É preciso, porém, que se faça uma ressalva quanto à configuração desse grupo: na constituição da amostra, não houve muito rigor na distribuição dessa variável; há mais informantes <Semialfabetizados> (83,7% dos dados) do que <Não-alfabetizados>. A <Faixa etária I>, por exemplo, é composta apenas por <Semialfabetizados>. Assim, foi feito o cruzamento desses dois grupos para que pudéssemos verificar os efeitos da escolaridade. Seguem os resultados desse cruzamento: Tabela 47: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Faixa etária’ com ‘Escolaridade’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Faixa I –Semialfabetizados 177/217 81,6% Faixa II – Não-alfabetizados 25/31 80,6% Faixa II – Semialfabetizados 209/246 85,0% Faixa III - Não-alfabetizados 48/67 71,6% Faixa III – Semialfabetizados 34/41 82,9% Na comparação entre os falantes não-alfabetizados, percebe-se um aumento no uso da perífrase, pois na <Faixa III> há um percentual de 71,6%, enquanto na <Faixa II>, o 140 percentual sobe para 80,6%. A configuração das células não permite a comparação com a <Faixa I>. Em relação ao semialfabetizados, a <Faixa III> apresenta um percentual de 82,9%, a <Faixa II> possui um percentual mais alto, 85,0%, mas há uma queda no percentual da <Faixa I>, que é de 81,6%. Veja-se o gráfico a seguir, que possibilita melhor visualização dos resultados: Gráfico 6: Uso da Perífrase – ‘Faixa etária do informante’ com ‘Escolaridade do informante’ O fato de ser o percentual de uso da perífrase menor com os informantes da Faixa III que não foram alfabetizados talvez dê indícios do citado processo de “descrioulização”, já que, pela hipótese de Silva (2003), a forma de presente não é marcada, tipo preferido em situações de crioulização, havendo um processo de implementação da forma marcada, a perifrástica entre as faixas etárias mais novas e/ou entre os falantes que tiveram algum contato com a educação formal. 141 4.4.9 Local de residência no município A hipótese básica é a de que os moradores da sede do município, por sua maior rede de contatos, por sua maior mobilidade, pelo maior contato com meios de comunicação de massa e pelo acesso à escolarização, deveriam usar mais a forma perifrástica para expressar futuridade verbal, já que essa variante é considerada a forma inovadora e não sofre nenhum tipo de avaliação negativa por parte dos membros da comunidade. Seguem os resultados percentuais: Tabela 48: Frequência de uso da perífrase em relação ao ‘Local de residência no município’ Fatores Ocorrências/ Percentuais Total de ocorrências Zona rural 227/277 81,9% Sede 266/325 81,8% Os resultados apontam uma neutralização dessa variável, já que os percentuais são muito próximos entre si e tecnicamente iguais à média geral de uso da perífrase na comunidade. Isso nos permite afirmar que, nessa comunidade linguística, morar na sede do município ou na zona rural não exerce nenhum tipo de influência na seleção das variantes de futuro. 142 4.4.10 Conclusões Os resultados desses grupos não-selecionados apontam o espraiamento e implementação da perífrase como variante default para expressão da futuridade verbal na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus, variando com a forma de presente em contextos muito específicos. 143 CONCLUSÕES Esta dissertação utilizou-se da metodologia da Sociolinguística Quantitativa para analisar o processo de variação nas formas de expressão da futuridade verbal em Santo Antônio de Jesus. A análise mostra praticamente a inexistência da forma de futuro de presente, ocorrendo variação entre as formas perifrástica, formada pelo verbo auxiliar ir e um verbo principal no infinitivo, e a forma de presente do indicativo. Os resultados dos grupos que foram selecionados como estatisticamente relevantes para o uso das formas de futuridade verbal na comunidade de fala de Santo Antônio de Jesus permitem que façamos algumas generalizações quanto aos contextos que condicionam as duas formas cotejadas nesta pesquisa. Quanto à forma perifrástica, largamente atestada como variante default para expressão do futuro no português brasileiro, possui um vasto leque de características morfológicas e contextos sintáticos de favorecimento de seu uso. Destacam-se como condicionadores da perífrase de futuro os seguintes contextos: a) os verbos multiargumentais atélicos; b) os verbos com duas ou mais sílabas; c) os verbos pertencentes ao paradigma regular; d) em relação ao argumento externo, o sujeito pode ser de qualquer pessoa gramatical, mas que apresente, preferencialmente o traço [- agentivo]; e) o contexto sintático pode ser uma ocorrência isolada, normalmente numa sentença simples, ou numa sentença complexa formada por uma matriz vinculada a outra sentença substantiva; 144 f) em caso de paralelismo sintático-discursivo, pode ser a primeira ocorrência da série, prescindindo da presença de outro constituinte de valor temporal. Já a forma de presente possui contextos muito específicos de favorecimento; usando o termo proposto por Oliveira (2006), consideramos o “nicho do presente”, ou seja, o contexto que reúne o máximo de características morfossintáticas e semânticas a seguir, favorecedoras do uso dessa forma: a) o verbo ir com valor lexical pleno; b) verbos cujo principal traço semântico seja a telicidade; c) verbos sintaticamente inacusativos; d) verbos que pertençam ao paradigma irregular de conjugação; e) verbos monossilábicos; f) em relação ao argumento externo, o sujeito é humano, agente, controlador e de primeira pessoa do singular (eu); g) o melhor contexto sintático é uma sentença matriz vinculada a uma subordinada adverbial temporal/condicional. Dessas características, esta pesquisa aponta a [telicidade] como a variável linguística definidora da seleção das formas de futuridade verbal na comunidade de Santo Antônio de Jesus, independentemente da grande ocorrência do verbo ir pleno, que apresenta esse traço acional. Como já sugerido, é preciso, entretanto, aprofundar os estudos sobre a relação entre inacusatividade e telicidade. Os resultados apontam um espraiamento inconteste da perífrase de futuro na comunidade de Santo Antônio de Jesus como forma codificadora da futuridade verbal. Em 145 todos os aspectos linguísticos analisados, essa forma atinge mais de 80% da preferência dos falantes santo-antonienses para indicar futuro. Pode-se dizer então que essa forma ocupa também nessa comunidade uma posição default, na sincronia analisada, para a indicação do porvir. Desde o século XIII, quando foram documentadas as primeiras ocorrências da forma perifrástica, ela vem expandindo seus contextos de uso, primeiro tomando o lugar da perífrase modal-volitiva, com haver de + infinitivo, e a partir do século XIX, gradativamente, ocupando os espaços deixados pela variante sintética, denominada de futuro do presente, nas gramáticas normativas, chegando, no século XX, ao posto de forma básica de expressão de futuro verbal no português brasileiro (OLIVEIRA, 2006, p. 193), lugar em que se mantém neste início de século XXI. Nesse caminhar histórico-diacrônico, a perífrase de futuro conviveu com a forma de futuro de presente e, também, sempre com a forma de presente, mais antiga na língua. Em contextos específicos, a perífrase é preterida, como na codificação de futuro do verbo ir, que praticamente impede seu uso (eu vou ir). O quadro da expressão de futuridade verbal na comunidade de fala de Santo Antônio de Jesus pode então ser resumido assim: um processo de mudança quase concluído, em que a forma sintética cede espaço à forma perifrástica, e um processo de variação estável, em que há a convivência desta última com a forma de presente, cada uma em seus contextos específicos de uso. Esta pesquisa possui limites que devem ser superados em trabalhos futuros. É necessário, por exemplo, um estudo diacrônico na comunidade santo-antoniense que demonstre a convivência ou não das formas perifrástica, de presente e de futuro do presente, a fim de que se encontre uma explicação para o comportamento linguístico dos falantes que passaram algum tempo fora da comunidade. 146 Também se fazem necessárias pesquisas que tratem da percepção e da avaliação das formas, principalmente quanto à hipótese de que a forma de presente indica mais certeza do que a forma perifrástica. Esperamos ter contribuído significativamente com o (re)conhecimento da realidade linguística brasileira, baiana e santo-antoniense, em especial. 147 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Napoleão M. de. Gramática metódica da língua portuguesa. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 1997 [1938]. ALVES, Thiago G. L. A expressão de futuridade nos tipos de discurso do expor e do narrar a partir de textos de língua falada e escrita cearenses. Tese (Doutorado). Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2011. 262 f. AMARAL, Luís. O paralelismo formal reconsiderado. In: VANDRESEN, Paulino (Org.). Variação, mudança e contato linguístico no português da região sul. Pelotas: Editora da UCAT, 2006. p. 15-27. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001. BASSO, Renato M. Telicidade e detelicidade: semântica e pragmática do domínio tempoaspectual. Dissertação de mestrado. Campinas: IEL/Unicamp, 2007. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. rev. e ampl. 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