UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH - I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE VERBAL EM SANTO ANTÔNIO DE
JESUS: UMA ANÁLISE VARIACIONISTA
EDUARDO PEREIRA SANTOS
Salvador
2012
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH - I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE VERBAL EM SANTO ANTÔNIO DE
JESUS: UMA ANÁLISE VARIACIONISTA
EDUARDO PEREIRA SANTOS
Orientadora: Profa. Dra. Norma da Silva Lopes
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção de título de Mestre em Estudo de
Linguagens.
Salvador
2012
EDUARDO PEREIRA SANTOS
A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE VERBAL EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS:
UMA ANÁLISE VARIACIONISTA
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Norma da Silva Lopes – UNEB/PPGEL (orientadora)
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Josane Moreira de Oliveira – UEFS
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Cristina dos Santos Carvalho – UNEB
Salvador
2012
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Santos, Eduardo Pereira
A expressão da futuridade verbal em Santo Antônio de Jesus: uma análise variacionista /
Eduardo Pereira Santos. - Salvador, 2012.
152f.
Orientadora: Profa. Dra. Norma da Silva Lopes.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências
Humanas. Programa de Pós-Graduação em Letras. Campus I. 2012.
Contém referências.
1. Linguística. 2.Teoria da variação linguística. 3. Língua portuguesa -Variação - Santo
Antonio de Jesus (BA). I. Lopes, Norma da Silva. II. Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências Humanas.
CDD: 410.285
Dedico este trabalho aos dois seres que me
servem de base e eixo: minha mãe, Maria José
Pereira Santos, e meu companheiro, Zulmiro de
Souza Castro Júnior.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, perspicaz e humana, Profa. Dra. Norma da Silva Lopes:
obrigado por não desistir de mim!
Aos meus professores no mestrado da UNEB, pelo exemplo de dedicação e humildade
intelectual, especialmente à Profa. Dra. Cristina dos Santos Carvalho.
Ao Prof. Dr. Dante Lucchesi, da UFBA, por ter cedido tão gentilmente os inquéritos
de Santo Antônio de Jesus, e por sugestões fundamentais no início desta pesquisa.
Aos meus colegas da UNEB, que me acompanharam durante os dois anos do curso,
com carinho e cuidado, em especial a Orlivalda Reis e Lorena Nascimento.
Aos meus amigos da UFBA, que souberam compreender as minhas dificuldades
durante passagem por essa instituição, sem nunca me desestimularem, em especial a Ari
Sacramento.
Aos meus amigos não-acadêmicos e/ou pós-acadêmicos, que choraram comigo as
dores e riram comigo as alegrias do processo, em especial a Nanci Loula Filha, Jamile
Borges, Lícia Sobral e Marcos André Queiroz de Lima.
Aos meus familiares que me deram todo o apoio emocional de que precisei (e
preciso!): minhas irmãs, Alana Sheila Santos Silva e Jeruza Jesus do Rosário; meus irmãos,
Eric Pereira dos Santos e José Carlos do Rosário Júnior; meus sobrinhos, Lucas e Maria
Sofia.
Aos meus colegas do Colégio Estadual Oliveira Britto, parceiros na difícil tarefa de
educar, em especial às professoras Ivonildes Santana, Marli dos Santos Socorro, Eliene dos
Anjos, Débora Aquino da Silva, Elinaide Aquino da Silva e Sandra Peixoto.
À professora Márcia Brito, por ter traduzido o resumo para o inglês, com presteza e
rapidez.
Ao Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria da Educação, pela dispensa em
um dos meus turnos de trabalho no início desta pesquisa.
ORAÇÃO AO TEMPO
(Caetano Veloso)
És um senhor tão bonito
De modo que o meu espírito
Quanto a cara do meu filho
Ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
E eu espalhe benefícios
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Compositor de destinos
O que usaremos pra isso
Tambor de todos os ritmos
Fica guardado em sigilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Apenas contigo e comigo
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Por seres tão inventivo
E quando eu tiver saído
E pareceres contínuo
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Que sejas ainda mais vivo
Ainda assim acredito
No som do meu estribilho
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Peço-te o prazer legítimo
Portanto, peço-te aquilo
E o movimento preciso
E te ofereço elogios
Tempo, tempo, tempo, tempo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Nas rimas do meu estilo
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Tempo, tempo, tempo, tempo...
RESUMO
Esta pesquisa trata da expressão da futuridade verbal na cidade baiana de Santo Antônio de
Jesus pelo enfoque da Teoria da Variação ou Sociolinguística Variacionista, a partir dos
trabalhos de William Labov. Identifica as estratégias de futuridade verbal usadas nessa
comunidade de fala, as variáveis linguísticas e sociais condicionadoras da seleção dessas
formas em corpus sincrônico de língua falada distensa. Aponta o desaparecimento da forma
sintética de futuro. Focaliza a relação entre a forma perifrástica de futuro, formada pelo verbo
auxiliar ir e outro verbo no infinitivo, e a forma de presente com valor de futuro. Testa
variáveis comuns à área, como ‘Ausência/Presença de outro constituinte de valor temporal’,
‘Paralelismo sintático-discursivo’ e ‘Paradigma verbal’, ‘Papel temático do sujeito’ e ‘Tipo
semântico do verbo principal’, mas acrescenta a ‘Telicidade’, como aspecto semântico. Nesta
variedade do português falado no Brasil, há o espraiamento da forma perifrástica de futuro,
que convive em variação estável com a forma de presente, restrita esta a contextos específicos
de uso, a saber: na expressão de futuro pelo verbo ir pleno ou outro verbo, inacusativo ou que
apresente o traço acional da telicidade; na presença de outro constituinte de valor temporal;
em sentenças matriz vinculadas a outra sentença subordinada adverbial condicional; com
sujeito de primeira pessoa (argumento externo) com traço [+ agentivo]. Além dessas variáveis
linguísticas, a pesquisa aponta a variável ‘Saída/Permanência na comunidade’ como
característica social relevante para a seleção das formas de futuridade entre os santoantonienses.
Palavras-chave: Futuridade verbal. Santo Antônio de Jesus-BA. Teoria da Variação.
ABSTRACT
This master thesis deals with the expression of verbal futurity in Santo Antonio de Jesus city,
Bahia, from the focus on the Theory of Variation or Variacionist Sociolinguistic and from
William Labov works. It identifies strategies of verbal futurity used in this speech
community, linguistic and social variables that are constraints of assortment on those ways in
synchronic corpus of distensible spoken language. It points to the disappearance of the
synthetic form of the future. It focuses on the relationship between the periphrastic future
form, composed by the auxiliary verb “ir” (to go) and another verb in the infinitive form and
the present form with value (aspect). It tests common variables to this area like
“Absence/Presence of another component of temporal value”, “Syntactic-discursive
parallelism”, “Verbal paradigm”, “The subject thematic role” and “Semantic type of main
verb”, but its adds “Telicity” as a semantic aspect. On this variety of the spoken Portuguese in
Brazil, there is the spreading of the periphrastic form of the future, that is in stable variation
with the present form this one restricted to specific contexts of usage: in the future expression
through the verb “ir” (to go) in this totality or another unaccusative verb or that presents the
ational aspect of telicity; in the presence of another component of temporal value; in several
matrix linked to another ‘subordinada adverbial condicional or temporal sentence’; with the
first person (external topic) with the aspect [+agentive]. Beyond those linguistic variables, the
research points to “Out/stay in the community” variable as a relevant social characteristic for
a selection of the ways of futurity among the “santo-antonienses”.
Keywords: Verbal futurity. Santo Antonio de Jesus-BA. Theory of variation.
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ....................................................................................................10
LISTA DE TABELAS .............................................................................................................11
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13
1 O PORTUGUÊS DO BRASIL .........................................................................................16
1.1
O PORTUGUÊS PADRÃO .......................................................................................19
1.2 O PORTUGUÊS CULTO E O PORTUGUÊS POPULAR BRASILEIROS ...................20
2 A EXPRESSÃO DE TEMPO FUTURO .........................................................................22
2.1 AS ORIGENS DAS FORMAS DE FUTURO .................................................................22
2.2 O PERCURSO DESDE O LATIM ...................................................................................23
2.3 A GRAMATICALIZAÇÃO DE IR...................................................................................25
2.4 O FUTURO NAS GRAMÁTICAS NORMATIVAS .......................................................26
3 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ...................................................30
3.1 A TEORIA DA VARIAÇÃO ...........................................................................................30
3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................................................................34
3.2.1 A comunidade .................................................................................................................35
3.2.2 O corpus: definição e constituição da amostra ...............................................................36
3.3 VARIÁVEIS .....................................................................................................................37
3.3.1 Variável dependente .......................................................................................................38
3.3.2 Variáveis explanatórias ...................................................................................................38
3.3.2.1 Tipo sintático do verbo principal ...............................................................................39
3.3.2.2 Telicidade ...................................................................................................................41
3.3.2.3 Tipo semântico do verbo principal ............................................................................43
3.3.2.4 Pessoa gramatical do sujeito .....................................................................................46
3.3.2.5 Animacidade do sujeito ..............................................................................................48
3.3.2.6 Extensão fonológica do verbo ....................................................................................49
3.3.2.7 Paradigma verbal ......................................................................................................50
3.3.2.8 Papel temático do sujeito ...........................................................................................50
3.3.2.9 Projeção de futuridade ..............................................................................................52
3.3.2.10 Tipo de sentença ......................................................................................................53
3.3.2.11 Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal ...................................58
3.3.2.12 Polaridade da frase .................................................................................................59
3.3.2.13 Paralelismo sintático-discursivo .............................................................................60
3.3.2.14 Sexo/Gênero do informante .....................................................................................62
3.3.2.15 Faixa etária do informante ......................................................................................62
3.3.2.16 Escolaridade do informante ....................................................................................63
3.3.2.17 Local de residência do informante no município ....................................................64
3.3.2.18 Saída/Permanência na comunidade ........................................................................65
3.4 SUPORTE QUANTITATIVO ..........................................................................................65
4 A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS: ANÁLISE
DOS RESULTADOS .........................................................................................................67
4.1 A RODADA TERNÁRIA ................................................................................................68
4.2 A PRIMEIRA RODADA BINÁRIA ................................................................................70
4.3 GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS ..................................................................71
4.3.1 Tipo sintático do verbo principal ....................................................................................73
4.3.2 Tipo semântico do verbo principal .................................................................................76
4.3.2.1 ‘Tipo semântico do verbo principal’: dinamicidade versus estatividade.....................77
4.3.2.2 ‘Tipo semântico do verbo principal’: o parâmetro controle .......................................78
4.3.2.3 ‘Tipo semântico do verbo principal’: a telicidade .......................................................80
4.3.2.4 Os três componentes do ‘Tipo semântico do verbo principal’: inclusão da Telicidade
.................................................................................................................................................. 82
4.3.2.5 A rodada geral para o ‘Tipo semântico do verbo principal’ .......................................87
4.3.2.6 ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’
...................................................................................................................................................89
4.3.3 Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal ...........................................94
4.3.4 Papel temático do sujeito ................................................................................................95
4.3.4.1 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’ .........................................97
4.3.4.2 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’ ...............................104
4.3.5 Paralelismo sintático-discursivo .................................................................................108
4.3.6 Paradigma verbal ........................................................................................................109
4.3.7 Tipo de sentença .........................................................................................................111
4.3.8 Saída/Permanência na comunidade ............................................................................120
4.4 GRUPOS DE FATORES NÃO-SELECIONADOS ......................................................122
4.4.1 Extensão fonológica do verbo principal .....................................................................122
4.4.2 Pessoa gramatical do sujeito ......................................................................................124
4.4.3 Animacidade do sujeito ..............................................................................................128
4.4.4 Projeção de futuridade ................................................................................................130
4.4.5 Polaridade da frase .....................................................................................................134
4.4.6 Sexo/Gênero do informante .......................................................................................135
4.4.7 Faixa etária do informante ..........................................................................................137
4.4.8 Escolaridade do informante ........................................................................................138
4.4.9 Local de residência no município ...............................................................................141
4.4.10 Conclusões .................................................................................................................142
CONCLUSÕES ....................................................................................................................143
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................147
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Mapa de localização – Santo Antônio de Jesus no Estado da Bahia .......................35
Quadro 1: Grupos selecionados na rodada básica ..................................................................72
Gráfico 1: Rodada geral para o ‘Tipo semântico do verbo principal’ ....................................88
Gráfico 2: Uso da perífrase – ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do
verbo principal’ - telicidade ....................................................................................................90
Gráfico 3: Uso da perífrase – ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do
verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir) ............................................................................93
Figura 2: Continuum de seleção da perífrase – animacidade/agentividade .........................102
Figura 3: Continuum de seleção da perífrase - animacidade/agentividade polarizadas ......104
Gráfico 4: Uso da perífrase pelo sujeito – ‘Pessoa gramatical do sujeito’ com ‘Papel temático
do sujeito’ ...............................................................................................................................107
Figura 4: Continuum de favorecimento da perífrase – ‘animacidade do sujeito’ .................129
Gráfico 5: Uso percentual da perífrase em relação à ‘Faixa Etária do informante’ ............138
Gráfico 6: Uso da Perífrase – ‘Faixa Etária do informante com ‘Escolaridade do informante’
.................................................................................................................................................140
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Resultado geral de frequência das três variantes ....................................................68
Tabela 2: Resultado geral de frequência (perífrase versus presente) .....................................70
Tabela 3: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ ......................73
Tabela 4: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (copulativos
com inacusativos) .....................................................................................................................74
Tabela 5: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (sem verbo ir)
...................................................................................................................................................75
Tabela 6: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (multiargumentais versus monoargumentais) ..........................................................................76
Tabela 7: Perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ - dinamicidade versus
estatividade ..............................................................................................................................77
Tabela 8: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – controle ...78
Tabela 9: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ - Controle
(sem o verbo ir pleno) ..............................................................................................................79
Tabela 10: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’: telicidade
nos verbos dinâmicos ...............................................................................................................80
Tabela 11: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade
(com verbo ir) - ação versus processo......................................................................................81
Tabela 12: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade
(sem verbo ir pleno) - ação versus processo ...........................................................................82
Tabela 13: Frequência da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ ......86
Tabela 14: Perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’: rodada geral .......87
Tabela 15: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do
verbo principal’ - telicidade ....................................................................................................89
Tabela 16: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do
verbo principal’ – telicidade ....................................................................................................91
Tabela 17: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do
verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir) ............................................................................92
Tabela 18: Uso da perífrase em relação à ‘Presença/Ausência de outro constituinte de valor
temporal’ ..................................................................................................................................94
Tabela 19: Uso da perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’ ................................96
Tabela 20: Frequência da perífrase - ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do
sujeito’ ....................................................................................................................................101
Tabela 21: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’ ..102
Tabela 22: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ (agente/ paciente) com
‘Animacidade do sujeito’ .......................................................................................................103
Tabela 23: Perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do
sujeito’ ....................................................................................................................................105
Tabela 24: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’
.................................................................................................................................................106
Tabela 25: Uso da perífrase em relação ao ‘Paralelismo sintático-discursivo’ ...................108
Tabela 26: Uso da perífrase em relação ao ‘Paradigma verbal’ ..........................................109
Tabela 27: Uso da perífrase em relação ao ‘Paradigma verbal’ (sem o verbo ir) ................110
Tabela 28: Frequência da perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ ................................112
Tabela 29: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ ............................................115
Tabela 30: Perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ – Relação sentencial ......................116
Tabela 31: Uso da perífrase em relação à ‘Saída/Permanência na comunidade’ ................120
12
Tabela 32: Uso da perífrase - ‘Saída/Permanência na comunidade’ com ‘Sexo/Gênero’ ....121
Tabela 33: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Extensão fonológica do verbo’ ..123
Tabela 34: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Extensão fonológica do verbo’ (sem
verbo ir pleno) ........................................................................................................................124
Tabela 35: Frequência da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’ ...............125
Tabela 36: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’ – P1
versus P2 versus P3 ...............................................................................................................126
Tabela 37: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’ - Eu
versus Não-Eu ........................................................................................................................127
Tabela 38: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Animacidade do sujeito’ ............128
Tabela 39: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de Futuridade’ ...........131
Tabela 40: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de futuridade’- Projeção
próxima versus Projeção longínqua ......................................................................................132
Tabela 41: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de futuridade’ – Projeção
próxima versus Projeção distante ..........................................................................................133
Tabela 42: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de Futuridade’ – Projeção
iminente versus Projeção não-iminente .................................................................................134
Tabela 43: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Polaridade da frase’ ..................135
Tabela 44: Frequência de uso da perífrase em relação ao ‘Sexo/Gênero do informante’ ....136
Tabela 45: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Faixa etária do informante’ ......137
Tabela 46: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Escolaridade do informante’ .....139
Tabela 47: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Faixa etária do informante’ com
‘Escolaridade do informante’ ................................................................................................139
Tabela 48: Frequência de uso da perífrase em relação ao ‘Local de residência do informante
no município’ .........................................................................................................................141
13
INTRODUÇÃO
Todas as línguas variam. Pelo termo variação entende-se a existência de diferenças no
uso de uma mesma língua, que podem ser lexicais, fonéticas, morfológicas ou sintáticas, e se
atualizam na possibilidade estrutural que todas as línguas naturais oferecem de se dizer a
mesma coisa de formas diferentes. O Português do Brasil (PB) não constitui uma exceção a
essa tese. Aliás, a própria especificação, Português do Brasil, já revela uma variedade
diferente da língua: em algum outro país se fala português de maneira diferente dos
brasileiros. Apesar de serem diferentes os usos, não se considera uma forma ou construção
linguística superior à outra, o que vai de encontro a toda a tradição gramatical vigente em
nosso país, fruto de uma gramática tradicional cultuada por muitos, que quer estabelecer
regras de “bom uso” da língua em detrimento das variantes, consideradas inferiores ou
erradas.
Esta dissertação se insere no contexto atual dos estudos linguísticos brasileiros e está
especificamente vinculada à grande área da Linguística Histórica e da subárea da
Sociolinguística (MATTOS E SILVA, 2008) 1. Com essa vinculação, aponta-se a relevância
da pesquisa: contribuir para o conhecimento da realidade sociolinguística brasileira, baiana,
santo-antoniense em especial. Deve ser encarada como uma pequena “fotografia
sociolinguística” de um aspecto morfossintático em uma sincronia definida, para usar a
metáfora cunhada pelo linguista Fernando Tarallo, um dos introdutores da Sociolinguística
Variacionista em nosso país (TARALLO, 1989). Pretende contribuir também para a
necessária e urgente reavaliação das normas padrão, local e nacional, permitindo a
comparação entre os usos linguísticos urbanos e rurais.
1
Mattos e Silva (2008, p. 10) considera como componente da Linguística Histórica “todo tipo de linguística que
trabalha com corpora datados e localizados”, como é o caso da Sociolinguística Variacionista.
14
Esta dissertação tem como objetivo geral analisar a relação entre a escolha das
variantes utilizadas para a expressão da futuridade e variáveis linguísticas e sociais e como
objetivos específicos (i) identificar as variáveis linguísticas que condicionam o uso das
variantes sintéticas (presente e futuro do presente) e da variante perifrástica de futuro,
formada pelo verbo auxiliar ir e outro verbo no infinitivo, na variedade linguística popular do
português falado em Santo Antônio de Jesus; (ii) identificar as variáveis sociais que
condicionam o uso das variantes sintéticas (presente e futuro do presente) e da variante
perifrástica de futuro, na variedade linguística popular do português falado em Santo Antônio
de Jesus; e (iii) verificar a relação entre o processo de variação observado e a possibilidade de
mudança linguística.
Este trabalho se compõe de uma introdução, quatro capítulos, considerações finais e
referências. Na Introdução, apresentam-se o objeto de estudo e os objetivos da pesquisa. No
primeiro capítulo, intitulado O português do Brasil, apresenta-se um breve histórico da
implantação da língua lusa em terras americanas e se discute o status das variedades padrão,
culta e popular da língua.
No capítulo dois, denominado A expressão de tempo futuro, traçam-se breves
comentários sobre a constituição do tempo nas línguas naturais, especificamente a origem das
formas de futuridade; descreve-se o percurso evolutivo cíclico das formas de futuro do latim
ao português; comenta-se a proposta funcionalista de mudança por gramaticalização, no caso
da perífrase de futuro composta pelo verbo auxiliar ir, seguida de outro verbo no infinitivo,
considerado principal; e, por fim, mostra-se um levantamento quanto ao posicionamento de
algumas gramáticas normativas sobre a expressão de futuro.
Em Pressupostos teórico-metodológicos (capítulo três), faz-se uma apresentação dos
pressupostos teóricos da Sociolinguística Variacionista ou Teoria da Variação, definem-se os
procedimentos metodológicos, como a caracterização socioeconômica da comunidade
15
linguística de Santo Antônio de Jesus, a constituição do corpus e explicitam-se as variáveis a
serem consideradas no trabalho.
No capítulo A expressão de futuridade verbal em Santo Antônio de Jesus: análise dos
resultados (capítulo quatro), apresentam-se os resultados de frequência e os pesos relativos
(obtidos a partir da ferramenta estatística usada), que são cotejados com as hipóteses prévias
para o condicionamento sociolinguístico das variantes de futuridade levantadas no corpus de
Santo Antônio de Jesus. Por fim, são apresentadas as Conclusões, seguidas pelas Referências.
16
1 O PORTUGUÊS DO BRASIL
Como toda língua, o português apresenta variação. Já se percebeu a necessidade de
diferenciar, por exemplo, a variedade usada em Portugal daquela usada no Brasil. Mas,
mesmo dentro do nosso país, existem variedades diferenciadas, se for levada em conta a nossa
continental extensão territorial, dentre outros aspectos.
Como se constituiu o português brasileiro (PB)? Que aspectos histórico-sociais
contribuíram para a atual configuração da língua falada no Brasil? O que caracteriza o
português popular em comparação com o português culto?
Para a caracterização sócio-histórica da realidade linguística brasileira podem ser
seguidos diversos caminhos. Mattos e Silva (2004, p. 16) aponta a necessidade de se conhecer
a história da colonização do nosso país e seu fluxo demográfico para o conhecimento da
história, externa e interna, do português brasileiro. Ela ressalta a importância de se estudar
“como se passa o processo de contato sócio-histórico e linguístico entre línguas indígenas e
língua portuguesa”, além do contato com as línguas africanas que aqui chegaram com o
influxo de escravos africanos.
Ilari e Basso (2006, p. 55), além de remeterem para a história da língua e suas origens
latinas, ressaltam que, para a compreensão da difusão do português no continente sulamericano, é preciso considerar vários processos por que o país passou ao longo dos últimos
três séculos, a saber: o crescimento demográfico, a urbanização e a ocupação do interior.
A primeira característica a ser ressaltada sobre o PB é o fato de ser uma língua
transplantada (ELIA, 1989; LOBO, s.d.). Para Lobo (s.d.), isso possibilita o surgimento de
“interpretações controversas” sobre a caracterização do PB diante do português europeu (PE).
É bastante conhecida a história da implantação da língua portuguesa em terras americanas: a
partir do século XIV, os europeus, especialmente os portugueses e os espanhóis,
17
empreenderam um imenso processo de ocupação e colonização de terras alheias em África,
Ásia e América. No final do século XV, com a chegada e apropriação, pelos portugueses, da
porção sul-oriental do continente americano, ou seja, daquela parte que corresponde hoje ao
Brasil, a língua portuguesa entrou em contato com centenas de outras línguas, autóctones.
Mota (1996, p. 507) ressalta que “a existência de contato linguístico supõe o contacto social
dos respectivos falantes, enquadrados em situações de comunicação de ordem diversa”, e que
a essas “subjazem relações sociais, políticas e culturais igualmente diversificadas e que
condicionam as relações linguísticas” (grifo da autora). A partir desse fato inaugural é que se
deve analisar o percurso sociolinguístico da língua portuguesa no Brasil. Então, a realidade
linguística brasileira, multilinguística em sua fase histórica pré-cabralina, ganha mais um
elemento, que a tornaria ainda mais complexa, principalmente, a partir da fundação de vilas e
cidades, em meados do século XVI.
Como a colonização portuguesa se deu de maneira violenta e opressiva, os autóctones
e suas línguas foram inseridos em um longo processo de genocídio e glotocídio: a partir de
sua resistência à escravização, sua população passou a decair consideravelmente até chegar a
um percentual mínimo atualmente (RODRIGUES, 1983).
A opção seguida pelos portugueses foi a da importação de homens e mulheres
africanos para o trabalho nas colônias, na condição de escravos. Ainda no século XVI,
chegam as primeiras levas de africanos escravizados e a quantidade deles será crescente e
significativa durante os três primeiros séculos de colonização.
As personagens básicas que comporiam o enredo da formação linguística do Brasil já
estavam em cena: o colonizador português, o habitante indígena e o africano escravizado. A
interação entre esses elementos, porém, não é tão simples, levando-se em conta a
multiplicidade de línguas faladas pelos indígenas e a também múltipla quantidade de línguas
trazidas da África pelos escravizados.
18
Para a época do “achamento” do Brasil, a população de índios é estimada em seis
milhões de pessoas, que falavam cerca de 340 línguas. Além de serem muitas, essas línguas
não apresentavam parentesco com as conhecidas línguas indo-europeias. Impunha-se,
portanto, o aprendizado delas pelos portugueses para levar a cabo seus fins exploratórios
(ILARI; BASSO, 2006, p. 60).
O elemento africano, oriundo de regiões diversas daquele continente, também era
falante de inúmeras línguas, muitas pertencentes ao tronco níger-congo. O número desses
africanos varia entre as estimativas dos diversos estudiosos que se debruçaram sobre o tema,
desde 3.000.000 até 13.500.000 (LUCCHESI, 2001). A difusão da língua portuguesa no
Brasil, nesse contexto, possui como característica básica o contato entre línguas de origens
diversas. Ressalte-se que se trata de adultos com a imperiosa necessidade de aprender a língua
do dominador em situação de acesso a poucos dados de input, cujos fornecedores dominavam
não a variedade padrão do PE mas as variantes populares dessa língua.
A configuração demográfica brasileira ganha, então, uma caracterização que opõe o
decréscimo gradual do número de indígenas ao crescimento vertiginoso do número de
africanos e afro-descendentes (MATTOS E SILVA, 2004, p. 100-102). O africano
escravizado e o afrodescendente passam a ocupar um espaço cada vez maior no processo
econômico, como mão-de-obra.
As frentes de exploração econômica que caracterizam o período colonial e imperial do
Brasil passam por constantes mudanças: primeiramente, o ciclo da cana-de-açúcar e do
tabaco, no nordeste brasileiro, em especial nos estados da Bahia e de Pernambuco; em
seguida, no século XVIII, o ciclo do ouro, em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso; e, por fim,
a produção de café, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Essas frentes de exploração econômica promovem ciclos migratórios que, segundo
Mattos e Silva (op. cit., p. 102), elevam os africanos e afrodescendentes ao posto de
19
verdadeiros difusores do “português geral brasileiro, antecedente histórico do atualmente
designado de vernáculo ou português popular, variante sociolinguística mais generalizada no
Brasil”.
1.1 O PORTUGUÊS PADRÃO
O português padrão tem suas origens num processo de normatização tardio em terras
brasileiras, já que só acontece em fins do século XIX e toma como parâmetro a língua
literária. Estudos sociolinguísticos têm demonstrado a enorme quantidade de aspectos em que
o uso real da língua contraria a regra normativa (ver LEITE; CALLOU, 2002), fixada com
base no “modelo lusitano de escrita, praticado por alguns escritores portugueses do
Romantismo” (FARACO, 2002, p. 43). Mesmo a(s) classe(s) socialmente favorecida(s)
realiza(m) muitas formas linguísticas distantes do padrão ideal estabelecido, o que deixa claro
que há algum problema no estabelecimento do padrão.
No Brasil, já se percebeu a necessidade de reavaliar a norma oficialmente definida
como padrão, mas o primeiro grande problema é a definição do que seria isso. Faraco (op. cit.,
2002, p. 38) define “norma linguística” como o uso comum de certas formas linguísticas que
distingue os grupos sociais. O uso efetivo dos mais escolarizados é normalmente o ponto de
partida para a normatização, mormente para a modalidade escrita da língua.
Numa sociedade estratificada como a brasileira, e ainda com a extensão territorial que
esse país possui, é de se esperar a existência de muitas normas linguísticas. Por isso, projetos
como o da Norma Urbana Culta (NURC) pretendem descrever os usos de grupos de pessoas
com formação universitária, a fim de propiciar uma base para a “reconstrução de nossas
referências padronizadoras” (FARACO, op. cit., p. 38).
20
Os casos em que a norma real está em flagrante confronto com a norma ideal têm sido
alvo de muitas pesquisas pelo país afora. Nesses casos, a variante popular é estigmatizada e
seus usuários vítimas de uma discriminação sem fundamentos linguísticos (BAGNO, 2001).
Mas há casos em que as variantes convivem pacificamente, sem que haja uma definição de
qual delas é prestigiada ou estigmatizada. Beline (2004, p. 137) ressalta que “questões desse
tipo são de grande interesse para o desenvolvimento da teoria sociolingüística”. Parece ser
esse o caso da variação no uso do futuro no PB: ante a forma sintética tradicional, usa-se
também uma forma perifrástica, com o auxiliar ir no presente do indicativo, adotando a
terminologia das gramáticas normativas tradicionais, além da possibilidade de uso das formas
de presente para indicar futuridade.
1.2 O PORTUGUÊS CULTO E O PORTUGUÊS POPULAR BRASILEIROS
As diferenças entre a variedade europeia e a brasileira do português fazem surgir
questionamentos acerca das origens do PB. No início dos anos oitenta do século XX, o
crioulista Gregory Guy lança a tese da crioulização prévia do PB (LUCCHESI, 2001) e
conclui que, dadas as características sócio-históricas do contato entre línguas ocorrido aqui,
seria difícil não ter havido crioulização. Também John Holm, em estudo comparativo com
crioulos de base portuguesa, caracteriza o português popular brasileiro como semicrioulo,
após análise com as expressões idiomáticas faladas pela população de nível social mais baixo
e sem muita instrução (BONVINI; PETTER, 1998).
Naro e Scherre (2007) se opõem a essa tese de crioulização prévia no Brasil,
advogando que a variação e as mudanças identificadas no PB deveriam ser entendidas à luz da
deriva secular da língua, já que estão prefiguradas no sistema linguístico português. Assim,
21
surgem duas grandes hipóteses explicativas da constituição histórica do português brasileiro: a
crioulização prévia e a deriva secular.
Lucchesi (2001, p.100) fez uma análise das conclusões a que chegaram diversos
estudos acerca do contato linguístico e conclui que a sua forte influência no PB “é admitida
por todos os grandes estudiosos que se dedicaram ao tema”, mesmos por aqueles que negaram
a tese da crioulização, e defende uma hipótese intermediária, a da Transmissão Linguística
Irregular (TLI), conforme Lucchesi e Baxter (2009, p.101-124).
O conceito de norma é extremamente relevante para uma adequada compreensão da
configuração do PB: no Brasil, para além de um padrão lusitanizante, sem uso no Brasil por
nenhum grupo sociolinguístico, formou-se outra divisão, em português culto brasileiro (PCB)
e português popular brasileiro (PPB). Essa é a proposta de Lucchesi (2001), que sugere uma
classificação do PB como polarizada, levando em conta o abismo existente entre a norma
culta e a(s) norma(s) popular(es).
Segue ainda aberta a discussão sobre a caracterização do PB, embora, no caso
específico das formas de futuridade verbal, Silva (2003, p. 129-135) tenha chegado à
conclusão de que há elementos que permitem interpretar a configuração sincrônica das
comunidades afrobrasileiras que estudou como em processo “descrioulizante”, como proposto
pela hipótese da TLI. Ele compara os seus resultados aos do estudo feito com a variedade de
Florianópolis (GIBBON, 2000; GÖRSKI et al., 2002) e conclui que o contato linguístico foi
“o fator decisivo para constatar um aprendizado imperfeito do português proveniente de uma
transmissão irregular”.
22
2 A EXPRESSÃO DE TEMPO FUTURO
A expressão temporal nas línguas humanas tem merecido a atenção de estudiosos de
diversas áreas dos estudos linguísticos. Já há diversos trabalhos acadêmicos brasileiros que
tentam esmiuçar essa noção complexa.
A futuridade verbal, por exemplo, é expressa de diversas maneiras. No português do
Brasil, há várias estratégias para isso, e podem ser citadas, no mínimo, três formas 2:
• a forma simples de futuro do presente – eu cantarei hoje à noite;
• a forma do presente do indicativo – eu canto hoje à noite;
• a forma perifrástica com o auxiliar ir – eu vou cantar hoje à noite.
A origem das formas de futuro, seu percurso do Latim ao Português, o processo de
mudança linguística por gramaticalização e as instruções normativas veiculadas em
gramáticas prescritivas são aspectos abordados neste capítulo.
2.1 AS ORIGENS DAS FORMAS DE FUTURO
Bybee e Dahl (1989 apud SILVA, 2003, p. 16-21) indicam que as origens das formas
de futuro nas línguas humanas são basicamente fontes lexicais (lexical source) indicativas de
2
Existe ainda a possibilidade de o futuro ser expresso pela perífrase com HAVER DE + INFINITIVO e pela
perífrase IR + INFINITIVO, com o verbo auxiliar ir flexionado no futuro do presente.
23
desejo, movimento em direção a um alvo e obrigação 3. Bybee, Perkins e Pagliuca (1994, apud
SILVA, op. cit., p. 16-21), em estudo tipológico sobre o uso das formas de futuro em setenta
línguas, observaram que a variação é comum para expressar o estado de coisas futuro. Esses
autores chegam à conclusão de que a intenção e a predição são as duas funções centrais das
formas de futuro, o que aponta para seu caráter de modalidade epistêmica. Martelotta (2011,
p. 75) afirma que isso é uma tendência nas línguas humanas e que reflete “um processo de
transferência entre domínios”, já que “um elemento de valor volitivo tem seu uso estendido
para a expressão da categoria gramatical de futuro”.
Câmara Jr. (1956, p. 25) tem posicionamento semelhante ao afirmar que “o impulso
linguístico que criou um futuro gramatical não foi o de situar o processo como posterior ao
momento em que se fala, mas o de assinalar uma atitude do falante em relação a um processo
posterior ao momento da enunciação”.
Outra característica das formas de futuridade nas línguas humanas é a nãofactualidade, já que não se pode predizer com certeza; o que o falante faz ao dizer algo que
vai ocorrer é avaliar a necessidade, a probabilidade, a possibilidade ou impossibilidade de sua
ocorrência.
2.2 O PERCURSO DESDE O LATIM
As formas latinas que indicavam futuridade eram bastante diferentes em sua forma
culta e popular. Segundo Poggio (2004, p 180-181), no latim clássico, havia formas com
flexão em -b- (amabo, delebo), provenientes de formas volitivas, ou aquelas provenientes de
subjuntivo, em -a- e -e- (legam, leges; audiam, audies), e “tanto a homonímia com outras
3
Os exemplos são referentes à língua inglesa (desire, movement toward goal e a estrutura have/be + infinitivo).
Há também indicação de outras fontes lexicais menos comuns, como advérbios temporais, outras formas verbais
e fontes orientadas para um agente.
24
formas verbais, como a falta de unidade, contribuíram para o desaparecimento dessas formas
de futuro”. Além dessas formas sintéticas, havia formas perifrásticas, usadas desde a época de
Cícero para indicar uma possibilidade (habere... scribere, habere... dicere). Poggio (2004, p.
181-183) ainda afirma que as formas infinitivas se apresentam como base para as formas
analíticas, pois estão livres para finitização e modalização, o que é feito com o uso de verbos
auxiliares em tempo finito. No latim vulgar tardio, porém, predominava o uso do presente
com valor de futuro.
Na passagem para as línguas românicas, houve uma preferência pelas formas
perifrásticas de futuro, cujos constituintes eram velle (baseado na vontade do falante), debeo e
habeo (baseados na forma que dirige a atuação do agente) ou venio (baseado no movimento
do agente preparatório da ação), seguidos de uma forma infinitiva imperfeita.
Said Ali (1971, p. 143, 310-311) descreve como o uso das formas de presente para
indicar futuro ocorria no período arcaico, embora limite esse uso à linguagem familiar e lhe
atribua um caráter de certeza. Quanto à forma de futuro, ele afirma que “as línguas românicas
ficaram privadas das formas de futuro do indicativo que possuía o idioma latino” e que
“supriu-se a falta, unindo ao infinitivo o presente de haver para o futuro do presente”.
Pode-se perceber uma evolução cíclica das formas de futuro, partindo da(s) forma(s)
sintética(s), no latim clássico, até a atual forma analítica, sempre em coexistência com formas
de presente com valor de futuro:
amabo ~ habeo amare > amare habeo > amar’ai(o) > amarei ~ vou amar
Segundo Câmara Jr. (1956), o processo de gramaticalização parece ser recorrente em
formas de futuridade, de forma que, gradativamente, vai esmaecendo seu valor modoaspectual até que elas se especializam na significação pura e simples de futuro.
25
2.3 A GRAMATICALIZAÇÃO DE IR
A gramaticalização é um dos processos mais estudados no chamado Funcionalismo
Linguístico, que tem suas bases atuais nos trabalhos de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991),
Hopper e Traugott (1993) e Givón (1995).
O paradigma da gramaticalização busca explicar processos de mudança linguística em
que um item lexical ou construção sintática assume funções referentes à organização interna
do discurso ou a estratégias comunicativas; no final de um desses processos, “o elemento
linguístico tende a se tornar mais regular e mais previsível, pois sai do nível da criatividade
eventual do discurso para penetrar nas restrições da gramática” (MARTELLOTA, VOTRE e
CEZARIO, 1996, p. 12, 46).
O processo de gramaticalização não é abrupto, passando por estágios com cinco
parâmetros, a saber, estratificação, divergência, especialização, persistência e decategorização
(HOPPER, 1991), que são aplicáveis ao estudo do fenômeno da variação no uso das formas
de futuro do português (OLIVEIRA, 2006, p. 56).
Dos principais processos cognitivos envolvidos na mudança por gramaticalização da
perífrase IR + INF, parece ser a metonímia o mais importante (MARTELOTTA, VOTRE e
CEZARIO, op. cit., p. 56-58), já que o processo se inicia em sentenças complexas, cuja
subordinada é adverbial final reduzida de infinitivo, que, por fim, se une ao verbo de
movimento da sentença matriz.
Segundo Oliveira (op. cit., p. 59), no processo, há também a reanálise e a analogia,
conforme trecho a seguir transcrito:
a gramaticalização da estrutura ir + infinitivo envolve necessariamente uma
reanálise, que altera a hierarquia de constituintes, permitindo uma fusão
entre elementos que, numa interpretação inicial, pertencem a unidades
sintáticas distintas. Ocorre também analogia, pois a construção perifrástica
com ir + infinitivo é, até certo ponto da história da língua portuguesa, muito
semelhante à construção com haver de + infinitivo. Aliás, tanto a reanálise
26
como a analogia são mecanismos que atuam na gramaticalização de verbos
de movimento em auxiliares de tempo.
Desde o século XIII já aparecem documentadas no português ocorrências da perífrase
com ir (LIMA, 2001 apud OLIVEIRA 2006). Porém, levando-se em conta que o processo de
gramaticalização não é abrupto, Oliveira (2006, p. 84) situa no século XIV as primeiras
ocorrências que podem ser consideradas embrionárias da perífrase de futuro, ou seja, aquelas
em que começa a esmaecer o valor de movimento espacial do verbo ir, passando a exercer o
papel de auxiliar de futuridade, embora a auxiliarização se instale apenas no século XVI.
2.4 O FUTURO NAS GRAMÁTICAS NORMATIVAS
As gramáticas normativas, em geral, apontam a forma simples do futuro do presente
como a padrão, mas algumas delas fazem referência à possibilidade de expressão de
futuridade verbal com o uso das outras formas. Segue um levantamento aleatório de alguns
desses compêndios gramaticais.
Rocha Lima (2003, p. 123, 134), em Gramática Normativa da Língua Portuguesa,
define o tempo futuro como algo expresso pelo verbo a ocorrer “numa ocasião que ainda
esteja por vir” e o divide em duas modalidades no modo indicativo: do presente e do
pretérito. Faz também referência ao uso de verbos auxiliares “a fim de melhor se expressarem
certos aspectos especiais não traduzíveis pelas formas simples”. Segundo o estudioso, esses
verbos auxiliares (querer, estar, ficar, ir etc.) formam os tempos compostos, acompanhando
uma das formas nominais do verbo.
O citado gramático carioca, portanto, aponta apenas a forma simples do futuro do
presente como maneira de expressar o futuro; esquece-se ou opta por ignorar as outras
27
possibilidades de expressão de futuridade verbal. Na interlocução com o leitor, contudo, usa
uma perífrase verbal, ao falar sobre as conjugações verbais: “A mesma vogal ainda vai
aparecer em, por exemplo, poente (po-E-nte) e poedeira (po-E-d-eira)” (ROCHA LIMA,
2003, p. 125), evidenciando que a forma perifrástica alcançou a fala e a escrita das pessoas
que demonstram mais preocupação com a tradição linguística, os gramáticos.
Almeida (1997 [1938], p. 228), na Gramática Metódica da Língua Portuguesa, ao
falar sobre a noção de tempo, afirma que, para uma “perfeita discriminação” dos tempos
verbais, é preciso ter em mente duas coisas: “uma é a ação expressa pelo verbo, outra é o ato
da palavra, isto é, o momento em que se fala”. Sobre o futuro, ele diz que “a ação expressa
pelo verbo será praticada depois do ato da palavra (...) ou depois de realizada outra ação”
também futura, fazendo referência, neste último caso, ao futuro composto.
Quanto à forma da expressão de futuro, apontam-se duas formas possíveis: o tempo
simples, expresso por uma só palavra, e outro composto, com a ajuda de um verbo auxiliar
(Id., ibid., p. 228, 230, 314). Esse gramático, porém, faz referência à possibilidade de o
presente do indicativo poder ser usado em lugar do futuro para anunciar um acontecimento
próximo. Ao falar das locuções verbais “que indicam linguagem projetada”, ele faz uma nota,
dizendo incluírem-se nesse tipo as “locuções verbais como vou louvar, estou para louvar,
devo louvar, etc.” Em seguida, expondo seu conceito sobre as “locuções verbais que indicam
desenvolvimento gradual da ação”, cuja formação se dá com o verbo ir ou o verbo vir junto
com o gerúndio de qualquer verbo, ele dá como exemplo “eu vou indo”.
Dos exemplos dados por Almeida (1997 [1938], p. 230), fica claro que, no segundo, a
ideia é do “desenvolvimento gradual da ação”, mas, no primeiro, “vou louvar”, não se sabe
tratar-se de uma expressão de futuridade ou uma indicação de “locomoção”, já que não há um
contexto nem co-texto para dirimir a dúvida. O mesmo autor, então, indica a forma simples de
futuro do presente como a forma canônica de expressão de futuridade, admite que a forma do
28
presente do indicativo pode exercer a mesma função, mas não explicita a possibilidade de uso
de uma perífrase verbal para indicar o vir-a-ser, embora faça uso de uma na interação com o
leitor ao conceituar o próprio futuro do presente simples: “É o que, expresso por uma só
palavra, indica, simplesmente, ação que irá realizar-se, sem estabelecer relação com outra
ação: sairei. É também chamado futuro imperfeito”.
Cunha e Cintra (2001, p. 395, 449 e 460), na Nova Gramática do Português
Contemporâneo, afirmam que o futuro do presente é empregado, dentre outras possibilidades,
para indicar fatos certos ou prováveis, posteriores ao momento em que se fala; mas que “na
língua falada o futuro simples é de emprego relativamente raro. Preferimos, na conversação,
substituí-lo por locuções constituídas” (o grifo é nosso), dentre outras, pelo “presente do
indicativo do verbo ir + infinitivo do verbo principal, para indicar uma ação futura imediata”.
Essa mesma perífrase, segundo os autores, pode ser empregada “para exprimir o firme
propósito de executar a ação, ou a certeza de que ela será realizada em futuro próximo”. O
presente também é citado como possível de marcar “um fato futuro, mas próximo, caso em
que, para impedir qualquer ambiguidade, se faz acompanhar geralmente de um adjunto
adverbial”. Conclui-se que Cunha e Cintra (2001) admitem a variação na forma de expressão
de futuro verbal, referindo-se às três formas como estratégias válidas, a saber: a forma
sintética, a forma perifrástica e a forma de presente com valor de futuro.
Infante (1995, p. 205-206), no Curso de Gramática Aplicada aos Textos, indica que o
presente pode ser usado para indicar um fato futuro próximo e de realização considerada
certa. Quanto ao futuro do presente, o gramático afirma que “exprime basicamente os
processos certos ou prováveis que ainda não se realizaram no momento em que se fala ou
escreve”. Mas ressalta que esse tempo “tem uso limitado na linguagem cotidiana: em seu
lugar, costumamos empregar locuções verbais com o infinitivo, principalmente as formadas
pelo verbo ir”.
29
Bechara (2004, p. 215, 276, 279), em sua Moderna Gramática Portuguesa, afirma
que o tempo futuro denota “uma ação que ainda se vai realizar”. O autor indica a
possibilidade de o presente ser empregado pelo futuro “para indicar com ênfase uma decisão”,
mas a forma dos exemplos dados é a sintética: “parecerão”, “será”, “terá”, “defenderás”,
“furtarás”. Sobre a expressão perifrástica, não há nenhuma afirmação categórica; mas, citando
as categorias de análise estabelecidas por Eugenio Coseriu, o gramático põe lado a lado as
formas “farei” e “irei fazer” como equivalentes.
Do exposto, conclui-se que (i) há uma tendência entre os gramáticos de, ainda,
indicar as formas sintéticas de futuro como canônicas, (ii) a maioria deles admite o uso da
forma de presente com valor de futuro, embora com valor semântico diferenciado da anterior,
e (iii) ainda são reticentes quanto à indicação da forma perifrástica como estratégia de
expressão de futuridade verbal.
30
3 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Neste capítulo, encontram-se delimitados os pressupostos teóricos que embasam a
pesquisa e os procedimentos metodológicos básicos da área, que incluem a definição dos
grupos de fatores que se supõem importantes para a seleção das formas de futuridade na
comunidade de fala de Santo Antônio de Jesus e a exposição das hipóteses para cada um deles
em relação às formas variantes em cotejo.
3.1 A TEORIA DA VARIAÇÃO
A Teoria da Variação, fundamentada pelo linguista William Labov (LABOV, 2008
[1972], 1994; WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006 [1968]), trata a variação linguística
observável na fala, considerando a língua um fenômeno inerentemente heterogêneo. Para a
Teoria da Variação, também chamada de Sociolinguística Quantitativa, a variação linguística
é algo sistematizável e, para isso, procura-se delimitar os fenômenos variáveis e os
reguladores dessa variação, incluídos os linguísticos e os relacionados à sócio-história da
língua.
Os princípios básicos do modelo laboviano são os seguintes:
a) toda língua possui uma heterogeneidade ordenada, contrariando a relação proposta por
Saussure entre língua e homogeneidade (LUCCHESI, 2004; SAUSSURE, 1975
[1916]);
b) é possível sistematizar e explicar o suposto “caos” da língua falada, especialmente do
vernáculo, nosso objeto de estudo (TARALLO, 2003);
31
c) a variação linguística é regulada por fatores internos e/ou externos, ou seja, de ordem
linguística e/ou social (MOLLICA; BRAGA, 2012);
d) através do estudo da variação, podem ser percebidos os rumos de possíveis mudanças
linguísticas ou a estabilidade da variação (LABOV, 1994).
A
partir
desses
princípios,
desenvolve-se
a
Sociolinguística
Quantitativa,
instrumentalizada por uma metodologia refinada para a análise da fala, que tanto ajuda a
compreender a estruturação da variação linguística, quanto da mudança, rompendo com a
rígida dicotomia saussuriana entre sincronia e diacronia.
Assume-se, nessa orientação teórica, que apenas dados produzidos em circunstâncias
reais mostram a identidade de uma língua e as mudanças pelas quais ela pode passar. Por isso,
há todo um arsenal metodológico para a constituição de amostras significativas de fala
espontânea (TARALLO, 2003).
Dentro do arcabouço teórico em que este trabalho se insere, é importante o conceito de
“variável dependente”: fenômeno linguístico em variação sob investigação. Os fenômenos são
variáveis na medida em que os conteúdos podem ser expressos por duas ou mais variantes
linguísticas; a variação é regular e passível de ser descrita e explicada. No caso de fenômenos
morfossintáticos, ocorreu uma dilatação para abarcar não apenas o aspecto formal das
variantes, mas sua funcionalidade (LAVANDERA, 1978; TAGLIAMONTE, 2006).
Uma das hipóteses neste trabalho, a partir do trabalho de Oliveira (2006, p. 195), é a
hipótese de que a variação no uso das formas de futuro em Santo Antônio de Jesus, na fala
sincrônica, “configura-se um quadro de mudança em progresso quase concluída”, em que a
forma sintética já quase desapareceu, permanecendo um quadro de variação estável entre a
forma perifrástica e a de presente. Assim, a análise de várias faixas etárias, como se propõe
aqui, deve permitir uma visualização desse quadro no tempo aparente (NARO, 2012).
32
Considera-se variação estável a configuração em que não há alterações significativas nos
pesos relativos e nos percentuais de uso das variantes na observação entre as gerações. Como
esta pesquisa utiliza dados de apenas uma sincronia, só haverá indícios da configuração
dessas variantes a partir dos resultados das faixas de idade investigadas, considerando-se que
“o estado atual da língua de um falante adulto reflete o estado da língua adquirida quando o
falante tinha aproximadamente 15 anos de idade. Assim sendo, a fala de uma pessoa com 60
anos hoje representa a língua de quarenta e cinco anos atrás” (NARO, 2012, p. 44-45). Caso
os percentuais de uso e os pesos relativos da variante considerada inovadora sejam maiores
nas faixas etárias mais novas, inferem-se indícios de mudança em progresso; se esses
indicadores não forem díspares, interpretam-se os resultados como revelação de variação
estável.
Paiva e Duarte (2012, p. 179), porém, alertam para as dificuldades nem sempre
contornáveis desse tipo de análise. Elas demonstram a necessidade do estudo da mudança no
tempo real, ou seja, aquele em que se comparam várias sincronias, pois
a predominância de uma determinada variante linguística na fala de pessoas
mais jovens coloca o pesquisador frente a duas possibilidades: a) trata-se da
instalação gradual de uma nova variante na língua (mudança linguística
propriamente); b) trata-se de uma diferenciação linguística etária que se
repete a cada geração.
Isso só pode ser resolvido conjugando-se evidências de estudo da mudança no tempo
aparente e no tempo real. Os estudos no tempo real podem ser de curta ou de longa duração,
ou seja, com interstícios maiores ou menores entre as sincronias. Partindo dos resultados,
pode-se indicar a necessidade de um aprofundamento diacrônico da pesquisa, já que isso
ultrapassaria os limites e objetivos atuais. O estudo sociolinguístico, por isso, vai de encontro
à dicotomia saussureana entre sincronia e diacronia.
Os estudos no tempo real podem ser de curta ou de longa duração, ou seja, com
interstícios maiores ou menores entre as sincronias. Partindo dos resultados, pode-se indicar a
33
necessidade de um aprofundamento diacrônico da pesquisa, já que isso ultrapassaria os limites
e objetivos atuais.
Também partindo de Oliveira (2006), esta dissertação pretende mostrar os efeitos da
variável escolaridade sobre a escolha das formas de futuridade verbal. O corpus em análise
permite uma comparação entre informantes que não foram alfabetizados, que não sofreram,
portanto, a força coercitiva da norma escolar, com aqueles que estudaram alguns poucos anos,
considerados como semialfabetizados. Apesar de a variável em estudo não apresentar estigma
social em nenhuma das suas formas, nem seu uso ser formalmente destacado nas escolas
brasileiras, apenas o futuro do presente é apresentado formalmente, na escola e nas gramáticas
pedagógicas, como expressão de futuridade verbal. É preciso verificar, por tudo isso, qual o
papel dessa variável social (OLIVEIRA E SILVA; PAIVA, 1998, p. 335-350).
Diversos estudos sociolinguísticos apontam uma tendência para o que se poderia
denominar “uma maior consciência do status social das formas linguísticas” por parte das
mulheres (PAIVA, 2012, p. 35). Conforme esses estudos, as mulheres tenderiam a utilizar
mais as formas de prestígio do que os homens. Mas há contra-exemplos, em que as mulheres
lideram a implementação de uma variante linguística inovadora sem avaliação social explícita
ou que não sofra exclusão normativa. Esses estudos apontam para uma necessária
relativização da variável sexo/gênero em função do grupo social considerado e do status
social da variante. Paiva (op. cit., p. 36) compara diversos estudos e conclui que nem sempre
as mudanças linguísticas se implementam da mesma maneira. A autora nos diz que, quando se
trata de implementar na língua uma forma socialmente prestigiada, as mulheres tendem a
assumir a liderança da mudança. Ao contrário, quando se trata de implementar uma forma
socialmente desprestigiada, as mulheres assumem uma atitude conservadora e os homens
tomam a liderança do processo.
34
Ainda é preciso ressaltar que é necessário cautela quanto a qualquer explicação acerca
da variável sexo/gênero, em vista da sua interface com outras variáveis sociais, especialmente
(i) o grau de escolarização, pois as mulheres tenderiam a ser mais receptivas à atuação
normativa da escola; (ii) a idade, já que se percebe uma tendência de neutralização dos usos
linguísticos nas faixas etárias mais jovens; (iii) a classe social, já que uma distinção maior
entre os sexos costuma se dar nas classes socioeconômicas intermediárias (PAIVA, 2012).
O arcabouço teórico da Teoria da Variação já foi bastante testado de forma a garantir
resultados confiáveis, que, de fato, ajudem no (re)conhecimento da realidade linguística das
comunidades estudadas. É essa uma das pretensões desta pesquisa.
3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
As etapas básicas desta pesquisa seguiram as orientações comuns aos trabalhos da área
(TARALLO, 2003): (i) realização das entrevistas e transcrição dos inquéritos, (ii) definição
do envelope da variação, com criação de hipóteses para cada uma das variantes, (iii) definição
dos grupos de fatores que podem ter relação com a seleção por uma ou outra variante e suas
respectivas hipóteses, (iv) levantamento das ocorrências no corpus, (v) codificação das
ocorrências para que se pudesse dar aos dados o tratamento estatístico, (vi) tratamento
estatístico em si, com uso de um programa computacional, e (vii) análise dos resultados em
cotejo com as hipóteses prévias e os resultados de outras pesquisas.
35
3.2.1 A comunidade
Santo Antônio de Jesus, a cidade baiana na qual foram recolhidas amostras de fala
vernácula escolhidas para compor esta pesquisa, localiza-se no Recôncavo Baiano, região sob
a influência das atividades marítimas ocorridas na Baía de Todos os Santos, acidente
geográfico de capital importância para o desenvolvimento do Estado da Bahia, desde o
período colonial.
Figura 2: Mapa de localização – Santo Antônio de Jesus no Estado da Bahia 4
4
Mapa de localização disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bahia_Municip_SantoAntoniodeJesus.svg>. Acesso em 29 abr. 2012.
36
Segundo Dante Lucchesi, coordenador do Projeto Vertentes (2011), a escolha desse
município para a constituição da amostra leva em conta suas características econômicas e
sociodemográficas. Santo Antônio de Jesus é uma cidade com cerca de 90.000 habitantes,
possui intenso comércio e está localizada a apenas 187km de Salvador, capital do Estado da
Bahia. Essas características foram decisivas para a escolha em cotejo com as outras cidades
que compõem a segunda etapa do Projeto, por permitir comparação com municípios menos
populosos, que representem comércio menos intenso e que se localizem longe da capital.
3.2.2 O corpus: definição e constituição da amostra
O corpus estudado é formado por inquéritos do Acervo de Fala Vernácula do
Português Rural do Estado da Bahia, do Projeto Vertentes do Português Rural do Estado da
Bahia (doravante Vertentes), sediado na Universidade Federal da Bahia (UFBA). O Vertentes
tem por finalidade fornecer “a base empírica para a elaboração de um panorama
sociolinguístico da língua falada no interior do Estado da Bahia” (PROJETO VERTENTES,
2011). Esta pesquisa usa os inquéritos da cidade de Santo Antônio de Jesus, onde foram
realizadas 24 entrevistas, 12 com moradores do seu distrito-sede e 12 com moradores da zona
rural. A escolha dos informantes em cada comunidade de fala foi feita de acordo com as
seguintes variáveis estratificadas: sexo/gênero e idade. Há seis células na amostra, com dois
informantes em cada célula, constituindo um total de 12 informantes por amostra assim
distribuídos: duas mulheres e dois homens de 25 a 35 anos; duas mulheres e dois homens de
45 a 55 anos; duas mulheres e dois homens de mais de 65 anos de idade.
Esse corpus de Santo Antônio de Jesus é comparável com outras amostras de fala
vernacular na medida em que foram utilizadas para sua constituição, como premissas básicas,
37
as orientações da sociolinguística quantitativa laboviana. Os aspectos que se mostrarem
incompatíveis serão discutidos e analisados separadamente.
Após o levantamento inicial das ocorrências, foi aplicado o “teste de substituição”, que
implica o uso do futuro do presente do indicativo no lugar das supostas formas de futuridade.
Aquelas formas que tiveram seu valor temporal alterado foram excluídas da análise, pois não
tinham a significação de tempo futuro e expressavam um fato habitual (GÖRSKI et al., 2002,
p. 228).
3.3 VARIÁVEIS
Nesta seção são apresentadas as variantes que formam a variável linguística da
pesquisa e os grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos que surgiram a partir das
hipóteses de condicionamento da escolha da expressão de futuridade verbal na comunidade de
fala de Santo Antônio de Jesus. Os exemplos retirados do corpus são apresentados nos fatores
das variáveis explanatórias linguísticas 5; esses exemplos seguem numerados e podem ser
repetidos quando exemplificam mais de uma variável, mas recebem nova numeração.
Optamos por apresentar os exemplos como foram transcritos pelo Projeto Vertentes, que fez a
transcrição grafemática; apenas foram corrigidos os evidentes erros ortográficos. Os exemplos
do corpus são identificados pela sigla SAJ (Santo Antônio de Jesus), seguida de S ou R,
identificando a residência do informante, se do distrito sede ou da zona rural; em seguida
aparece o número do inquérito, identificação do informante no Projeto Vertentes.
5
Os grupos de fatores são dados a partir do corpus sempre que possível. Quando não houve exemplos no corpus,
foram dados outros hipotéticos.
38
3.3.1 Variável dependente
Como já dito antes, “variável dependente” é o fenômeno de variação linguística em
investigação. Neste trabalho, trata-se do uso variável das formas para expressão da futuridade
verbal na língua portuguesa do Brasil, a saber:
a) forma sintética:
(1) Então é... como vocês deve sabê, né... que tem aquela coisa do espírito e a coisa da
carne. Espiritualmente se num 'tivé bem, a gente será abalado. (SAJ-S, Inf. 08)
b) forma perifrástica:
(2) Aí eu vô gastá uns cinco mil reais nesse carro.” (SAJ-R, Inf. 01)
c) forma de presente:
(3) Eu vô demorá aqui um pôquim e depois eu vou pra minha casa.” (SAJ-R, Inf. 03)
Configurava-se, assim, de início, uma variável ternária. Apesar disso, esperávamos um
uso mínimo da forma sintética, o que possibilitaria uma alteração, por exclusão, para uma
variável binária, o que de fato ocorreu.
3.3.2 Variáveis explanatórias
Este trabalho apresenta dezoito grupos de fatores como possíveis contextos
condicionadores das variantes escolhidas, que contemplam variáveis linguísticas e
39
extralinguísticas ou sociais. Alguns deles foram baseados em trabalhos da área, como os de
Alves (2011), Gibbon (2000), Görski et al. (2002), Oliveira (2006) e Silva (2003). Esses
grupos de fatores envolvem aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos, além
das características sociolinguísticas dos informantes (sexo/gênero, faixa etária e
escolarização), e de outras específicas da constituição da amostra em análise (local de
residência do informante no município e saída ou permanência na comunidade). Seguem os
dezoito grupos de fatores, com as justificativas/hipóteses que tentam explicar as escolhas.
Apresentamos pares de exemplos: no primeiro, sempre a forma perifrástica e em seguida a
forma de presente.
3.3.2.1 Tipo sintático do verbo principal
Com este grupo de fatores, pretende-se verificar os possíveis condicionamentos do
tipo de predicação verbal na escolha da variante de futuro. Oliveira (2006, p. 68) afirma que,
embora esse grupo de fatores não tenha sido selecionado em sua análise quantitativa, a sua
hipótese de que os verbos transitivos favorecem o uso da perífrase, por projetarem vários
argumentos para um maior equilíbrio na distribuição dos constituintes na oração, se
confirmou pelos percentuais. Silva (2003, p. 106-108) constatou favorecimento do uso da
perífrase pelos verbos bitransitivos e pelos verbos transitivos direto e indireto; os verbos
intransitivos foram apontados como o tipo sintático desfavorecedor da perífrase. Motivados
pela análise de Oliveira (2006), a hipótese a ser testada nesta pesquisa é a mesma.
Acrescentamos à variável o fator ‘Verbos inacusativos’, pois, segundo Coelho et alii
(2006), esse tipo de verbo monoargumental se comporta sintaticamente de modo diferente dos
intransitivos propriamente ditos. Esse fator foi configurado a partir da generalização proposta
40
por Mioto, Silva e Lopes (2007), que propõem a inclusão nesse fator dos verbos
tradicionalmente classificados como copulativos, existenciais e impessoais, por conta de sua
configuração sintática. Mantivemos, porém, os verbos copulativos como fator independente,
para que fosse verificado o seu comportamento, procedendo a uma futura amalgamação a
partir dos primeiros resultados. Foram codificados juntos os verbos copulativos tradicionais e
os verbos funcionais, aqueles que, ocasionalmente, têm esse tipo de comportamento sintático,
como os verbos fazer, dar e ter, embora mantenham suas características semânticas (NEVES,
2011, p. 53-61).
Os tipos sintáticos são, então, os seguintes:
a) verbos transitivos:
(4) Até que a gente vai botá assim... tipo assim uma votação assim de... de.. de dedo.
(SAJ-R, Inf. 05)
(5) Porque eu mesmo, se eu pegá dez reais, cinco reais, eu penso den’de casa. (SAJ-S,
Inf. 03)
b) verbos bitransitivos:
(6) “Óia, esse mês eu não vô dá mais dinheiro pa fêra não!" (SAJ-R, Inf. 01)
(7) “Eu vô cuspi no chão... que você demorá... que você demorá, quando eu chegá
aqui... eu... eu... eu dô-lhe uma mão de ferro ni você”. (SAJ-R, Inf. 11)
c) verbos intransitivos:
(8) “Eu vô cuspi no chão... que você demorá... que você demorá, quando eu chegá
aqui... eu... eu... eu dô-lhe uma mão de ferro ni você”. (SAJ-R, Inf. 11)
41
(9) “Ô dotora, não quero mais não. Eu tenho certeza que eu vô e não volto mais. (SAJS, Inf. 10)
d) verbos inacusativos, incluindo os impessoais e existenciais:
(10) Quem é que é o doido que vai sair hoje... hoje pá sê... virá lobisome aí na
estrada? (SAJ-R, Inf. 11)
(11) “Pera aí que eu vô aí e venho já. (SAJ-S, Inf. 11)
e) verbos copulativos:
(12) “Mas, dotô, tem uma coisa, que aí fica caro poque aí vai ficá tudo mais caro..."
(SAJ-R, Inf 05)
(13) Porque quando ela acaba de almoçá, o de noite ela já dêxa o meu lá, porque eu
como fejão é duas veze no dia, e no dia que num tivé fejão, fico com fome. (SAJ-S,
Inf. 11)
3.3.2.2 Telicidade
A telicidade 6 foi incluída, de modo a que se possa verificar os efeitos desse traço
acional na escolha das variáveis. Em trabalho sobre os tipos de estrutura das situações
relevantes para a semântica temporal, Peres (2003, p. 201) afirma que o critério da
termitividade “atende à presença ou não de um ponto terminal intrínseco à situação”, sendo
terminativo (ou télico) o valor das situações que tendem para um ponto final intrínseco, e nãoterminativo (ou atélico) o valor correspondente à ausência desse ponto. Ele dá os seguintes
6
O professor Telmo Móia, da Universidade de Lisboa, em comunicação pessoal, durante seu minicurso no
GELNE, em 2010, em Teresina, sugeriu testar os efeitos desse traço acional na seleção de formas verbais com
valor de futuro.
42
exemplos para as situações télicas (construir uma casa) e estes outros para as situações
atélicas (correr, dormir, habitar, ser estudante).
Segundo Basso (2007, p. 16, nota 12), diferenciando as três categorias acionais do
verbo:
De um ponto de vista mais conceitual, podemos dizer que a estatividade
relaciona-se com os eventos envolverem ou não dinamicidade; a
duratividade relaciona-se com os eventos apresentarem a possibilidade de
quantificação sobre sua duração através de adjuntos como “por / durante X
tempo"; e a telicidade refere-se à existência de um ponto final previsível
para o evento em questão (grifos nossos).
Foi usada como teste para a definição da telicidade dos verbos a proposta de Garey
(1957 apud CASTILHO, 2010, p. 417):
Se alguém estava –ndo, mas foi interrompido quando –va/-ia, pode-se dizer
que –ou? Se a resposta for afirmativa, o estado de coisas descrito pelo verbo
examinado não precisa de um desfecho para ter existência, e por isso tal
verbo integrará a classe dos atélicos. Se a resposta for negativa, o verbo será
télico.
Basso (op. cit., p. 33-42) ainda chama a atenção para a confusão conceitual entre
telicidade e aspectualidade. Segundo ele, são categorias pertencentes a domínios distintos e
devem ser tratadas com independência. Para mostrar que essas categorias pertencem a
domínios diferentes, são dados exemplos em que “é possível identificar isoladamente cada
uma dessas noções”, como segue:
A ideia de trabalhar com a distinção entre as categorias de aspecto,
acionalidade e referência temporal implica em pensar que uma sentença,
com um verbo flexionado, que faça referência a um evento, veicule um certo
arranjo de traços ou subcategorias. É assim que podemos caracterizar a
sentença (1.57) abaixo como perfectiva (aspecto), atélica (acionalidade) e
passada (referência temporal) e a sentença (1.58) como imperfectiva
(aspecto), télica (acionalidade) e futura (referência temporal):
(1.57) João correu (ontem).
(1.58) João (ainda) estará construindo sua casa (ano que vem).
43
Acatando então essa separação, a hipótese é a de que os verbos télicos, por sua
definitude “natural”, devem favorecer o uso das formas de presente com valor de futuro.
Consideramos que essa subcategoria acional não se aplica aos verbos estativos, que são em
essência apenas atélicos. Os fatores que compõem esse grupo são:
a) verbos télicos:
(14) Aqui eu vô tirá a carne que tá aqui, pa botá o... o feijão. (SAJ-R, Inf. 06 reserva)
(15) Se eu saí(r) aqui, pedi(r) um real aqui, ninguém me dá! (SAJ-S, Inf. 03)
b) verbos atélicos
(16) Eu vô falá mesmo, num vô mentir, vô falá a verdade. Se já aconteceu ININT vô
escondê mais? (SAJ-R, Inf. 01)
(17) Na hora que chegá o tempo dele, ele qué(r), né? (SAJ-R, Inf. 05)
3.3.2.3 Tipo semântico do verbo principal
Este grupo de fatores tem a intenção de verificar se o valor semântico do verbo
principal que acompanha o auxiliar ir nas perífrases de futuro, do verbo flexionado no futuro
e do verbo no presente com valor de futuro interfere na escolha dos falantes. Nos dados de
Oliveira (2006, p. 158-161), esse grupo de fatores foi selecionado apenas para a modalidade
escrita da língua. No trabalho de Silva (2003, p. 88-92, p. 99-102), porém, esse grupo de
fatores foi selecionado como o mais significativo. Sua hipótese foi a de que, como nos dados
da região Sul (GÖRSKI et al., 2002), os verbos de estado favorecessem a perífrase por
possuírem o traço [-movimento] e [-deslocamento] e que a forma de presente fosse favorecida
44
por aqueles verbos que apresentassem os traços [+movimento] e [+deslocamento]. Essa
hipótese, porém, não foi confirmada; não se pode afirmar com certeza se isso se deu por conta
de diferenças significativas nos dois sistemas (da região Sul e das comunidades afrobrasileiras) ou se ocorreu devido às opções de configuração de seu grupo de fatores. Após
amalgamações, seus dados indicaram favorecimento da perífrase com verbos declarativos –
fator que incluiu os verbos de ordem e os de inquirição –, com verbos intelectivos – fator que
incluiu os verbos de atividade mental, os perceptivos, os de julgamento e os
volitivos/optativos –, e com verbos não-estativos – os verbos de eventos. Esses resultados se
aproximam dos de Oliveira (2006), mas, como no trabalho dela, esse grupo de fatores foi
selecionado apenas para a modalidade escrita, a comparação foi feita com a forma sintética e,
diante do fato de a quantidade de dados ser pequena, não se pode ter certeza da relevância dos
resultados.
Nesta dissertação, optou-se por uma disposição de fatores que opõe os verbos
dinâmicos (ações e processos) aos não dinâmicos (estativos). Neves (2011, p. 25-28)
diferencia os verbos dinâmicos a partir do componente pragmático [controle], possuindo as
<ações>, o componente [+controle] e os <processos>, [-controle]. Esse componente também
compõe os verbos estativos. Nossa hipótese, então, era a de que os verbos que designam
ações, ou seja, aqueles que apresentam o traço [+controle], favorecessem a forma perifrástica
do que aqueles que designam processos [-controle], por conta do traço modal de intenção
relacionado a essa forma. Optamos, porém, por codificar separadamente as ocorrências do
verbo ir com valor pleno e os outros verbos de movimento, para que se verifiquem seus
comportamentos separadamente, procedendo às amalgamações a partir dos primeiros
resultados. Seguem os fatores desse grupo com exemplos:
a) verbos de ação (com controle):
(18) “Ói Edézio, vô arranjá uma obra pra tu." (SAJ-R, Inf. 01)
45
(19) Se eu dé um bom dia a ele ou... ou conversá com ele, (...) num a... num aceita
mais eu aqui, nem eu e nem o menino. (SAJ-R, Inf. 04)
b) verbos de processo (sem controle):
(20) Que se a gente recusá umas pessoa dessa, (...), o que que a gente vai... vai recebê
lá mais tarde? (SAJ-S, Inf. 04)
(21) Faz um ano agora em vinte e seis de setembro, casô. (SAJ-R, Inf. 04)
c) verbo ir pleno:
(22) Eu só vou ir pra casa semana que vem. (exemplo hipotético)
(23) Não, não, ela pode... chegá aqui agora e dizê assim: “Ah, vô pa festa em Santo
Antônio de Jesus...” (SAJ-R, Inf. 01)
d) verbos de movimento/deslocamento com controle
(24) Quando fô agora de tarde, eu vô buscá mais [fi’] de banana, vô ‘cabá de prantá.
(SAJ-R, Inf. 11)
(25) Eu sei que eu vô pas... pagá um preço muito alto, mas eu num volto. (SAJ-S, Inf.
08)
e) verbos de movimento/deslocamento sem controle
(26) Cuidado! Você vai cair desse brinquedo! (exemplo hipotético)
(27) Cuidado, menino! Se não você cai desse brinquedo! (exemplo hipotético)
f) verbos estativos com controle:
(28) Então eu vô ficá esperano a dentista. (SAJ-R, Inf. 03)
46
(29) Amanhã eu vou e fico até o fim do dia. (exemplo hipotético)
g) verbos estativos sem controle:
(30) Aí você vai tê uma garantia de uma venda de muda de cinco mil (SAJ-R, Inf. 05)
(31) Se de manhã acordá de um jeito, lhe rezá, de tarde já ‘tá de ôto jeito. (SAJ-S, Inf.
01)
3.3.2.4 Pessoa gramatical do sujeito
Seguiu-se a proposta de Silva (2003) para as hipóteses desse grupo de fatores: sendo a
primeira pessoa do singular a pessoa do discurso mais marcada morfologicamente,
especialmente em estudos de concordância número-pessoal (LUCCHESI; BAXTER, 1995
apud SILVA, op. cit., p. 83), e sendo a forma perifrástica a mais subjetiva das formas de
futuridade (POPLACK; TURPIN, 1999), toma-se como verdadeira a hipótese de que uma
estaria vinculada à outra. Mas não se excluem dessa análise as outras pessoas gramaticais,
com o intuito de se observar quais das variantes são favorecidas por cada uma. Fica assim a
distribuição dos fatores, seguidos de exemplos:
a) P1 - Primeira pessoa do singular:
(32) Agora que eu não vô votá mais não. (SAJ-S, Inf. 10)
(33) E no dia que num tivé fejão, (eu) fico com fome. (SAJ-S, Inf. 11)
b) P2 - Segunda pessoa do singular:
(34) Você vai fazê essa ultrassonografia agora. (SAJ-S, Inf. 02)
47
(35) Se de manhã acordá de um jeito, lhe rezá, de tarde já ‘tá de ôto jeito. (SAJ-S, Inf.
01)
c) P3 - Terceira pessoa do singular:
(36) Eu tenho uma menina de sei... cinco anos, vai fazê seis. (SAJ-S, Inf. 02)
(37) Ela vem; hoje mesmo de noite ela ‘tá chegando aqui pra olhá os filho dela. (SAJR, Inf. 04)
d) P4 – Primeira pessoa do plural
(38) Então, a gente... nós num vai desisti não. A gente vai continuá a tirá essas criança
da rua. (SAJ-S, Inf. 04)
(39) A gente já fundô essa associação pa ficá mais fácil, poque se a [leis] pegá mesmo,
a gente já tem... (SAJ-R, Inf. 05)
e) P5 – Segunda pessoa do plural
(40) Eu digo: “olha, num é porque sua mãe não estuda... que vocês não vai estudá”.
(SAJ-S, Inf. 04)
(41) Hoje à noite vocês estudam bastante para a prova de amanhã. (exemplo
hipotético)
f) P6 – Terceira pessoa do plural
(42) Eles nunca vai vendê pelo preço que eles compraro, eles só vai vendê sempre
mais. (SAJ-S, Inf. 04)
(43) Aqueles que tivé lá uma condição de fazê por conta própria, lá eles faz. (SAJ-R,
Inf. 05)
48
3.3.2.5 Animacidade do sujeito
Esse grupo de fatores seguiu as mesmas hipóteses de Oliveira (2006, p. 161-163) para
a expressão de futuridade: assume-se que o futuro perifrástico é implementado na língua em
contextos em que o sujeito apresenta o traço [+humano], restringindo-se o futuro simples aos
casos que apresentem o traço [-humano]. O traço [+humano] conferiria “maior grau de certeza
e de compromisso em relação à ação verbal que se realizará no tempo futuro”. Lima (2001
apud OLIVEIRA, op. cit.) ressalta a importância da animacidade do sujeito no processo de
gramaticalização do auxiliar ir e sua composição nas formas perifrásticas de futuro, através de
um processo metafórico. Também no trabalho de Malvar (2003 apud OLIVEIRA, op. cit.), o
sujeito não-animado condicionou o uso da forma sintética.
Neste trabalho, os fatores deste grupo são os seguintes, com os exemplos de cada
fator:
a) sujeito animado humano:
(44) É, agora a gente [vai] fazê a casa, botá... botá a casa pa frente. (SAJ-S, Inf. 05)
(45) Ele disse assim, ó: “Você acerte tudo com ele, se ele me aceitá, pode vim aqui me
chamá que eu vô.” (SAJ-S, Inf. 06)
b) sujeito animado não-humano:
(46) O verda... o tatu verdadêro desapareceu, num vai vim. (SAJ-R Inf. 09)
(47) O tatu verdadeiro desapareceu, não vem mais. (exemplo hipotético)
c) sujeito inanimado:
(48) Se um pé-de-laranja ‘tivé doente, ele vai sê ‘liminado... (SAJ-R, Inf. 05)
(49) Mas um dia a grana entra e a gente melhora! (SAJ-S, Inf. 06)
49
d) sujeito abstrato, que se refere a nomes coletivos “envolvendo o traço [+humano],
mesmo sendo um substantivo classificado como comum” (OLIVEIRA, 2006, p. 161):
(50) É. Toma, eu vô botá lá pá vê, se não esse povo vai chegá e a comida num
cozinhô. (SAJ-R, Inf. 06 reserva)
(51) Agora... esse... esse agora vai sê... esse mês... desse mês agora vai sê quatorze, vai
sê nesse domingo que vem agora, porque ia sê vinte e um que o tercêro domingo, mas
porque o pessoal vão lá, vai pra Milagres, pra lá pa... pa. (SAJ-R, Inf. 05)
3.3.2.6 Extensão fonológica do verbo
Esse grupo de fatores, inspirado em Oliveira (op. cit.), pretende verificar a influência
da extensão fonológica de um verbo, medida pela quantidade de sílabas do verbo principal no
infinitivo, na seleção das variantes de futuro. Tomamos como hipótese os resultados dela
(para DIDs da década de 70), de que os verbos monossilábicos favorecem o uso forma de
presente, considerado em seu trabalho como um nicho de uso específico para indicação da
futuridade. Porém, como houve também favorecimento dessa forma por verbos polissilábicos,
a autora aventou a hipótese de ser esse um contexto de concorrência entre as duas formas. Os
fatores são os que seguem:
a) verbos monossilábicos;
b) verbos dissilábicos;
c) verbos trissilábicos;
d) verbos polissilábicos (com quatro sílabas ou mais).
50
3.3.2.7 Paradigma verbal
Esse grupo de fatores, baseado nas hipóteses de Oliveira (2006), pretende verificar a
influência dos verbos regulares e irregulares sobre a seleção de formas de futuridade verbal.
Os verbos de padrão especial tendem a favorecer o uso da forma sintética de futuro, por conta
do efeito de retenção ou estocagem, proposto por Bybee (2003 apud OLIVEIRA, op. cit., p.
62). Testamos a hipótese de que os verbos com paradigma regular favorecessem o uso da
forma perifrástica de futuro, enquanto os irregulares favorecessem o uso da forma de presente
e da forma sintética. Os fatores desse grupo, portanto, são:
a) verbos regulares;
b) verbos irregulares.
3.3.2.8 Papel temático do sujeito
Esse grupo de fatores tem como objetivo verificar os possíveis condicionamentos a
partir do papel temático do sujeito, ou, utilizando a nomenclatura de Castilho (2010), a sua
agentividade. Oliveira (2006, p. 117-119) testou e constatou a hipótese de que um sujeito
agente favoreceria a ocorrência da perífrase verbal de futuro, por conta de um maior
comprometimento entre ele e a ação verbal, enquanto um sujeito paciente o desfavoreceria,
ficando os sujeitos experienciadores numa posição intermediária. A hipótese, neste trabalho, é
a mesma. Diferentemente da proposta de Oliveira (op. cit.), porém, os fatores que compõem
esse grupo são levemente ampliados por conta da dificuldade de enquadramento das
ocorrências em apenas três fatores, seguindo a nomenclatura e as definições levantadas por
51
Duarte (2006), adotadas aqui. Observe-se a possibilidade de um mesmo verbo selecionar
papéis temáticos diferentes.
a) sujeito agente: o controlador da ação verbal
(52) Licença aqui, qu’eu vô bebê um copo de água. (SAJ-S, Inf. 07)
(53) Eu digo: “Ah, mãe, de noite eu num vô fazê mais charuto não! Faço de dia; de
noite eu num faço mais não!”. (SAJ-S, Inf. 06)
b) sujeito paciente: o afetado pelo efeito da ação verbal
(54) Esse motô vai sê de... devolvido lá pa... pra o pessoal da [casa]. (SAJ-R, Inf. 05)
(55) Quem num se enquadrá nessa parte aí, fica de fora. (SAJ-R, Inf. 05)
c) sujeito experienciador: entidade que experiencia algum estado psicológico ou físico
(56) Se eu chegá ali pegá um umbu (...), aí todo mundo vai sabê qu’eu robei! (SAJ-S,
Inf. 03)
(57) Se de manhã acordá de um jeito, lhe rezá, de tarde já ‘tá de ôto jeito. (SAJ-S, Inf.
01)
d) sujeito possuidor ou recipiente: entidade que recebe ou possui alguma outra
entidade
(58) Aí, sai [o de] Julho, aí, você agora só vai recebê em setembro. (SAJ-S, Inf. 02)
(59) É porque, se acontecê pegá, a gente já ‘tá com [a associação]. (SAJ-R, Inf. 05)
52
3.3.2.9 Projeção de futuridade
Trata-se de um grupo de fatores em que se quer verificar a influência da distância entre
o momento de fala e o momento do evento futuro na seleção das formas de futuridade. Vários
trabalhos apontam uma relação entre a proximidade e o uso da forma perifrástica e/ou da
forma de presente. Oliveira (2006, p. 141) utiliza a divisão tríplice futuro próximo, futuro
distante e futuro indefinido, apontando uma implementação do uso da perífrase em caso de
futuro próximo. Silva (2003, p. 76 e 119) revela que, diferentemente do trabalho de Poplack e
Turpin (1999), no qual se inspirou, utilizaria uma “nova divisão por se pensar que uma
absoluta polarização (proximal ou distal) não seja coerente”. Esse grupo de fatores não foi
selecionado pelo Varbrul, o que o levou a amalgamar alguns fatores, e isso provocou uma
“absoluta polarização” (iminente versus não-iminente). Daí, os resultados apontaram um
favorecimento da perífrase em contextos iminentes.
Para esta dissertação, a hipótese é essa, apesar de serem mantidos os fatores nãopolarizados, como seguem:
a) projeção indefinida:
(60)
Mas num tem oportunidade pa... a pessoa a parti(r) dos quarenta seis ano...
como eu [que] vô fazê quarenta e sete... trabaio... porque já é... gente já ‘tá na hora de
se aposentá. Agora sem dá uma renda pa o bra... pra o governo, com’é que vai se
aposentá? Num tem como. Porque eu acho assim, ó, que tem que entrá ainda um
governo que dê oportunidade para nossa [turma] trabalhá. Que um pessoa da minha
idade num é velha. (SAJ-S, Inf. 06)
(61) DOC: É mesmo. O senhô tem... E o senhô acha assim que o senhô tem esperança
de um dia as coisas melhorarem assim pra...? INF: Melhora, né, se Deus dé vida e
saúde, e licença... que tivé uma boa indústria den’de Sant’Antônio de Jesus... (SAJ-S,
Inf. 07)
53
b) projeção iminente (imediatamente após a fala):
(62) É bom, agora eu vô dizê a tu, eu nunca fui num forró aqui em Santo Antônio não.
(SAJ-S, Inf. 10)
(63) Mas eu só digo uma coisa a você: eu não lhe digo é nada. (exemplo hipotético)
c) projeção próxima (entre o iminente até 24h)
(64) Quando fô agora de tarde, eu vô buscá mais [fi’] de banana, vô ‘cabá de prantá.
(SAJ-R, Inf. 11)
(65) Daqui a pôco o padre vem buscá. Ele tá aqui desde quinta-fêra. Vai hoje. (SAJ-S,
Inf. 10)
d) projeção distante (após 24h até um mês):
(66) Ah, minha filha, pelo SUSO, eu vô fazê uma terça-fêra. (SAJ-S, Inf. 10)
(67) Essa semana mesmo vô... uns exame que ele me pediu. (SAJ-S, Inf. 08)
e) projeção longínqua (após um mês):
(68) Esse ano, eu num sei nem em quem eu vô votá. (SAJ-R, Inf. 04 reserva)
(69) É. A minha cumadre vai fazê cem anos... agora em dezembro, dezembro desse
ano, ela faz cem anos. (SAJ-R, Inf. 10)
3.3.2.10 Tipo de sentença
Esse grupo de fatores, inspirado em Silva (2003), tem como hipótese básica a de que a
perífrase verbal seria favorecida pelas sentenças simples (absolutas), por conta do contexto
mais indicativo. Os dados de Silva (op. cit., p. 81-82, 102-105), surpreendentemente,
54
indicaram uma neutralização dessa variável com as ocorrências em que a perífrase apareceu
em sentenças complexas subordinadas. Usando a nomenclatura sugerida por Castilho 7 (2010,
p. 321-390), testamos se tal comportamento se dá com os dados desta pesquisa, mantendo-se
a análise das ocorrências de expressões de futuridade em sentenças matrizes vinculadas a
subordinadas substantivas e a subordinadas adjetivas.
As ocorrências de futuridade verbal em sentenças matrizes vinculadas a subordinadas
adverbiais foram seccionadas para que se verifique seu comportamento, em especial, as
condicionais e as temporais, por conta de sua configuração semântico-temporal (GÖRSKI et
al., 2002, p. 232).
São também fatores independentes as sentenças subordinadas substantivas, adjetivas e
adverbiais, embora esses subtipos possuam características diferentes: só os dois primeiros
tipos apresentam os traços [+ encaixamento] e [+ dependência], conforme Neves, Braga e
Hattnher (2008 apud CASTILHO, 2010, p. 373), enquanto o último tipo, as subordinadas
adverbiais, “se deixam identificar pelos traços [-encaixamento] e [+dependência]”.
Acrescentamos ainda fatores para testar o comportamento das coordenadas, tanto as
que sejam a primeira de uma sequência, como as coordenadas assindéticas, além das
coordenadas sindéticas (aditivas e adversativas). Bechara (2004, p. 476-479) caracteriza essas
sentenças como sintaticamente independentes, o que pode significar, no caso da expressão de
futuridade verbal, um maior uso da forma sintética ou da forma perifrástica, que já possuem a
marca temporal. Neves, Braga e Hattnher (2008 apud CASTILHO, op. cit., p. 373) ressaltam
que as sentenças coordenadas se caracterizam pelos traços, [-encaixamento] e [-dependência],
corroborando a ideia de independência entre elas. As coordenadas alternativas e as
conclusivas foram incluídas aqui no grupo genérico denominado “outras adverbiais”,
7
Castilho (2010, p. 384-390) propõe outro tipo de sentença, as correlatas. Optamos por não usar esse tipo, que
compartilha propriedades com as coordenadas e as subordinadas, classificando as ocorrências das sentenças
complexas entre esses dois tipos apenas.
55
enquanto as coordenadas explicativas foram codificadas juntamente com as adverbiais
causais, seguindo a hipótese de Castilho (op. cit., p. 346-349).
Esse grupo de fatores tem a seguinte configuração, com exemplos de cada tipo de
sentença retirados do corpus:
a) sentença simples:
(70) Aí eu vô gastá uns cinco mil reais nesse carro. (SAJ-R, Inf. 01)
(71) Eu! Deus me livre! Num vô, não. (SAJ-R, Inf. 11)
b) sentença matriz vinculada a subordinada substativa:
(72) A senhora vai dizê que isso num é verdade? (SAJ-S, Inf. 11)
(73) Faz um ano agora em vinte e seis de setembro, casô. (SAJ-S, Inf. 09)
c) sentença matriz vinculada a subordinada adjetiva:
(74) Eu tenho meu sonho... meu sonho ainda vô realizá, que é tê minha casa. (SAJ-S,
Inf. 04)
(75) Aqueles que tivé lá uma condição de fazê por conta própria lá, eles faz. (SAJ-R,
Inf. 05)
d) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial temporal:
(76) Aí minha mãe me disse assim: quando eu achá um trabazim, vô botá tu pra
comprá assim as coisinha do menino (SAJ-R, Inf. 04)
(77) Mas quando eu fô, num vô mais pro grupo que eu ‘tava não. (SAJ-S, Inf. 06)
56
e) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial condicional;
(78) Se ele pegá cinquenta reais e botá no bolso, ele vai pensá den’de casa. (SAJ-S,
Inf. 03)
(79) Aí se eu fô, eu vô só. (SAJ-R, Inf. 01)
f) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial final:
(80) Aqui eu vô tirá a carne que tá aqui, pa botá o... o feijão. (SAJ-R, Inf. 06 reserva)
(81) Amanhã mesmo eu vô pra Salvadô pra fazê revisão. (SAJ-R, Inf. 10)
g) sentença matriz vinculada a subordinada causal/explicativa:
(82) Agora que eu vô entrá, porque eu fui agora num achei mais vaga. (SAJ-S, Inf.
07)
(83) Professora: “Ó, hoje eu nem passo devê pa você, porque você tá com sono.”
(SAJ-S, Inf. 02)
h) sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial (inclui todas
tradicionalmente chamadas adverbiais não explicitadas acima e as tradicionalmente
chamadas coordenadas alternativas e conclusivas):
(84) Ô é assim, ô vai tentá negociá no banco, fazê quarqué uma coisa pra num
prejudicá os viverista. (SAJ-R, Inf. 05)
(85) Eu sô um viverista; se eu num quisé me enquadrá aí, [vai vim um tempo] ININT
vai vim um tempo de eu ficá de fora, sem podê trabalhá. Ô... ô eu me enquadro nessa
parte ô eu fico de fora. (SAJ-R, Inf. 05)
57
i) subordinada adverbial;
(86) Mais dotô, tem uma coisa, que aí fica caro poque aí vai ficá tudo mais caro...
(SAJ-R, Inf. 05)
(87) É uma cegueira quando elas tão aqui: quando é que eu vô lá, quando é que eu vô.
(SAJ-R, Inf. 12)
j) subordinada adjetiva:
(88) Quem é que é o doido que vai sair hoje... hoje pá sê... virá lobisome aí na
estrada? (SAJ-R, Inf. 11)
(89) O garoto que vai com você já chegou. (exemplo hipotético)
k) subordinada substantiva:
(90) Porque ele disse que vai começá distruíno os policiais que tá involvido nisso aí.
(SAJ-S, Inf. 04)
(91) Ô dotora não quero mais não. Eu tenho certeza que eu vô e não volto mais. (SAJS, Inf. 10)
l) primeira coordenada ou coordenada assindética:
(92) Eu vô pegá cinquenta reais e vô dá pra mãe dele abri(r) uma cabeça direitinha pra
ele (SAJ-S, Inf.11)
(93) Nunca mais eu vô nesses lugares, nunca mais eu vô confiá ne um Deus que num
seje Tu. (SAJ-S, Inf. 08)
58
m) coordenada sindética (aditiva ou adversativa):
(94) Pra podê a gente trabalhá com fogos, mas só que... num vai tê ninguém...(SAJ-S,
Inf. 04)
(95) Aí, quando... é... eu quisé vê ele, ela leva na... ele na cidade; ô eu venho [para] vê
e volto de novo. (SAJ-R, Inf. 04)
3.3.2.11 Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal
Este grupo de fatores refere-se à possibilidade de existirem contextos em que haja
sintagmas ou orações adverbiais que indiquem a posterioridade, além dos morfemas verbais.
Silva (2003, p. 73-75) aponta para o estudo de Poplack e Turpin (1999), em que se analisou o
futuro no francês canadense e se constatou um favorecimento da forma de presente quando
aparece um constituinte de valor temporal específico no contexto. Ele testou esse mesmo
grupo na sua pesquisa e chegou à mesma conclusão. Neste trabalho, a hipótese é a mesma: a
presença de outro elemento de valor temporal deve favorecer o uso da forma de presente para
expressão de futuro. Uma questão precisa ser respondida: existe a possibilidade de a forma de
presente indicar futuro sem a presença desse outro constituinte de valor temporal? 8
Os fatores que compõem este grupo são os que seguem, devidamente exemplificados
com ocorrências do corpus:
a) presença de outro constituinte de valor temporal:
(96) Que agora mesmo já ‘tô de féria e já vô vendê minhas féria. (SAJ-S, Inf. 01)
8
Trata-se de questionamento feito durante comunicação no Gelne, em Teresina, no ano de 2010.
59
(97) “Eu vô cuspi no chão... que você demorá... que você demorá, quando eu chegá
aqui... eu... eu... eu dô-lhe uma mão de ferro ni você”. (SAJ-R, Inf. 11)
b) ausência de outro constituinte de valor temporal:
(98) Deus vai me ajudá, que aos pôco a gente chega lá. (SAJ-S, Inf. 12)
(99) Aí, eu, antes de ir, eu disse: “Ô, meu Deus, eu vô po médico, meu Deus, mas Tu
sabe, que não seje aquele home a falá, mas que seje você, Deus, a falá.” (SAJ-S, Inf.
08)
3.3.2.12 Polaridade da frase
O objetivo desse grupo de fatores é verificar os possíveis condicionamentos advindos
da polaridade da frase: se ela é negativa, afirmativa ou interrogativa. Oliveira (2006, p. 72)
afirma que esse aspecto “em nada interfere na seleção de uma ou outra variante de futuro, em
relação à fala”, já que o grupo de fatores não foi selecionado para nenhum dos corpora
estudados. Já Silva (2003, p. 110-112) verificou uma neutralidade no uso da forma
perifrástica pelas frases afirmativas, um leve desfavorecimento quando a polaridade é
negativa e seu favorecimento se a frase é interrogativa. Neste trabalho, a hipótese a ser
seguida é motivada pelos resultados de Silva (op. cit.), de que poderá haver favorecimento das
frases interrogativas, em detrimento dos outros tipos de frases. Seguem o grupo de fatores:
a) frase afirmativa;
b) frase negativa;
c) frase interrogativa.
60
3.3.2.13 Paralelismo sintático-discursivo
Esta variável refere-se à estrutura de orações consecutivas, em que a primeira
ocorrência de uma forma pode ou não condicionar a repetição da mesma forma nas orações
seguintes (PAIVA; SCHERRE, 1999). A hipótese é a de que as construções com ocorrência
única favoreçam a forma perifrástica, assim como aquelas que sejam a primeira de uma série
e as precedidas dessa mesma forma, enquanto as ocorrências precedidas pelas outras formas
(forma sintética e presente) desfavoreceriam a perífrase.
Os fatores ficam distribuídos da seguinte forma, exemplificados com ocorrências do
corpus:
a) ocorrência única:
(100) ‘Cê tem que falá com meu pai porque se ele num dexá, eu num vô namorá.
(SAJ-S, Inf. 06)
(101) eu vô... poque ela me disse que eu querendo arrumá um trabalhozinho, ela olha o
nenê. (SAJ-R, Inf. 04)
b) primeira ocorrência de uma série:
(102) Quando ele soube lá, os colega disse a ele que minha mãe vinha viajá pra Bom
Jesus da Lapa, ele pegô... ele disse “Vai ficá Solange e o irmão, então eu vô pa lá”.
Ele aqui ‘poveitô que eu fiquei com meu irmão, sozinha, e veio. (SAJ-R, Inf. 04)
(103) Aí, ele telefonô pro posta da MBA que fica de frente ao hospital. Aí, a menina
disse: “Não, pode mandá ela pra cá que eu faço” Quando fez a ultrassonografia, a
menina disse: “É. Ela tá com... faltano... é... ela ‘tá com quarenta e oito semana... ô!
Quarenta e três semanas. E ela vai fazê dez mês mesmo.” (SAJ-S, Inf. 02)
61
c) ocorrência após forma de presente:
(104) Agora em novembo faço dois ano que botei aparelho. Que botei aparelho em
dois mil, [faz ago...] vai fazê três ano agora em novembo. (SAJ-S, Inf. 07)
(105) Eu disse: “Ô dotora, não quero mais não. Eu tenho certeza que eu vô e não volto
mais. Eu não vô não.” (SAJ-S, Inf. 10)
d) ocorrência após perífrase:
(106) Aí minha mulher disse: “Cê vai fazê o quê?” “eu vô pegá cinquenta reais e vô
dá pra mãe dele abri(r) uma cabeça direitinha pra ele”, mas só que num fizero isso.
(SAJ-S, Inf. 11)
(107) É porque elas lá já está acostumada né? já tem, há... há... há anos que ela mora
lá, mora lá em Salvador. Aí eu disse: “Eu vô demorá aqui um pôquim e depois eu vou
pra minha casa”, que lá a... a gente já está acostumado, né? (SAJ-R, Inf. 03)
e) ocorrência após forma sintética
(108) Amanhã nós sairemos e você vai rever seus amigos, certo? (exemplo
hipotético)
(109) Amanhã nós sairemos e você revê seus amigos, certo? (exemplo hipotético)
Considerando o alerta feito por Amaral (2006), os procedimentos para este grupo de
fatores estão levando em conta a possível falta de ortogonalidade. No caso das variáveis
“presença/ausência de outro constituinte de valor temporal” e “projeção de futuridade”, o
paralelismo desempenha um papel extremamente relevante, já que é preciso tomar decisões
62
metodológicas quanto ao alcance de um constituinte não expresso na frase, mas
evidentemente influente, por conta da proximidade sintática. Optamos aqui por considerar o
tópico como parâmetro da influência dos constituintes entre si.
3.3.2.14 Sexo/Gênero do informante
Os estudos sociolinguísticos indicam quase sempre relação entre o sexo/gênero do
informante e a seleção de variantes linguísticas, conforme visto anteriormente. No trabalho de
Oliveira (2006, p. 126), esse grupo de fatores “foi selecionado apenas nos corpora de fala
mais formal, o que indica que a distinção homem X mulher é anulada na fala menos formal”.
Já no trabalho de Silva (2003), houve um leve favorecimento do uso da perífrase pelas
mulheres, embora ambos os pesos relativos não sejam muito díspares. A hipótese aqui é a de
que as mulheres usam mais a perífrase por conta do espraiamento da variante no português do
Brasil.
Os fatores foram assim definidos:
a) sexo/gênero masculino;
b) sexo/gênero feminino.
3.3.2.15 Faixa etária do informante
Este grupo de fatores pode permitir visualizar processos de mudança em progresso, se
for esse o caso em relação às formas de futuridade verbal. Silva (2003) inicia seus estudos
propondo avaliar a possibilidade de explicar esse tipo de variação nas comunidades que
63
estudou a partir tanto da hipótese da deriva quanto da TLI e concluiu, partindo dos resultados
desta variável explanatória, que a melhor explicação que se pode dar é através da hipótese da
transmissão linguística irregular. Suas conclusões se deram pela frequência das variantes e
pelos resultados das faixas etárias, indicando uma implementação da forma perifrástica nas
faixas etárias mais jovens, considerada em seu trabalho como marcada, e um consequente
abandono da forma não-marcada, a de presente com valor de futuro. Por sua hipótese há um
processo “descrioulizante” em Helvécia e Cinzento, como previsto por Lucchesi (2000).
Para a análise dos dados da comunidade de Santo Antônio de Jesus, a hipótese básica é
a de que os falantes mais jovens utilizam mais a forma inovadora (a perífrase) do que a forma
de presente com valor de futuro e se espera um uso mínimo da forma sintética.
Nesta pesquisa, os fatores desse grupo ficam assim distribuídos:
a) faixa I - 25 a 35 anos;
b) faixa II - 45 a 55 anos;
c) faixa III - 65 anos ou mais.
3.3.2.16 Escolaridade do informante
É de aceitação consensual entre estudiosos da linguagem que o acesso à educação
promove alterações no vernáculo, mormente em direção à norma padrão. No caso das formas
de futuridade verbal, não ocorre pressão social para o uso de uma forma específica, nem
parece haver, na fala espontânea, um uso de valor estilístico, apesar de as gramáticas
normativas descreverem quase que exclusivamente a forma sintética como expressão de
64
futuro. É possível ainda encontrar algum uso da forma sintética em contextos formais em que
os falantes se valeriam de características discursivas para tal escolha.
Considerando que é na interação verbal que se aprende uma língua, mesmo as pessoas
com maior nível de escolaridade tenderiam a usar a forma perifrástica, usada pela maioria.
Para efeito de comparabilidade, é preciso pontuar que, para a constituição dos inquéritos de
Santo Antônio de Jesus, houve grande liberdade na seleção dos informantes que constituiriam
o subgrupo “semialfabetizados” – todos os que tiveram algum grau de contato com o ensino
formal –, ao passo que o subgrupo “não-alfabetizados” é composto por aqueles que não
tiveram qualquer contato com a escola. Os fatores desse grupo organizam-se como segue:
a) informantes não-alfabetizados;
b) informantes semialfabetizados.
3.3.2.17 Local de residência do informante no município
Com esse grupo de fatores, pretende-se verificar se o local de residência do informante
no município (sede ou zona rural) interfere na escolha das formas linguísticas. A hipótese é a
de que os moradores da sede do município, por sua maior rede de contatos, sua maior
mobilidade, seu maior contato com meios de comunicação de massa e seu maior acesso à
escolarização, devem usar mais a forma perifrástica para expressar a futuridade verbal; essa
variante é considerada a forma inovadora e não sofre nenhum tipo de avaliação negativa por
parte de membros da comunidade. Os fatores são:
a) informantes residentes no distrito-sede;
65
b) informantes residentes na zona rural.
3.3.2.18 Saída/Permanência na comunidade
A hipótese básica desse grupo de fatores é a de que os falantes que passaram algum
tempo fora da comunidade tenderiam a utilizar formas mais próximas do português culto ou
semiculto (LUCCHESI, 2000, 2006). O contato com outras normas, principalmente as dos
grandes centros urbanos, promoveriam mudanças no vernáculo desses informantes, afetando o
que Silva (2003, p. 95) chama de “originalidade” da gramática da comunidade de fala. No
caso da variável dependente em estudo, como já mencionado, não há uma avaliação negativa
explícita quanto ao uso de nenhuma das formas em variação (OLIVEIRA, 2011). Por isso,
assume-se que esses falantes devem tender a usar mais a forma perifrástica, embora
ocasionalmente possam utilizar até mesmo a forma sintética em elocuções formais. Os fatores
que compõem este grupo são:
a) informantes que passaram algum tempo fora da comunidade;
b) informantes que permaneceram na comunidade.
3.4 SUPORTE QUANTITATIVO
Depois de codificados, os dados foram quantificados através do pacote de programas
GoldVarb X, que faz o cruzamento das variáveis, a verificação das frequências e dos pesos
relativos (SANKOFF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2005), permitindo então a análise
66
qualitativa. O GoldVarb X, baseado no programa GoldVarb 2.0, é um aplicativo para análise
multivariacional que realiza os cálculos estatísticos e probabilísticos na plataforma Windows
(OLIVEIRA, 2006). Esse aplicativo foi desenvolvido para implementar modelos matemáticos
que procuram dar tratamento estatístico adequado a dados linguísticos variáveis (SILVA,
2003).
67
4 A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE VERBAL EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS:
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Neste capítulo são apresentados, a partir da análise multivariacional, os resultados
quantitativos verificados pelo programa GoldVarb X, em cada um dos grupos de fatores que
se supôs condicionarem a seleção das formas de futuridade verbal na comunidade linguística
de Santo Antônio de Jesus, relacionando-os com a teoria e comparando com resultados de
outros estudos.
Por conta do teste de substituição previsto na Metodologia, foram excluídas 24 (vinte e
quatro) ocorrências, nas quais não é possível ter certeza quanto ao tempo expresso, se futuro
ou presente, ou com valor imperativo, como nos exemplos a seguir:
(110) Aqui dá [melancia], mas aqui não tem; eu pegava em Santo Antônio de Jesus, vô
pegá na Boa Vista, Sapeaçu e São Felipe. (SAJ-R, Inf. 01)
(111) Quano eu ‘tava bem numa boa trabalhano, ele ia lá me tirava do trabalho, então
eu disse ó, sabe de uma? Você vai pro seu canto que eu vô po meu. (SAJ-S, Inf. 04)
Sem nenhuma ancoragem contextual, essas ocorrências podem ser interpretadas,
respectivamente, como indicando uma ação habitual, vinculada, por isso, ao presente, e um
valor de ordem ou sugestão.
Foram excluídas também ocorrências sequenciais, nas quais só foi considerada a
primeira, como no caso abaixo:
68
(112) Eu digo: “Rapaz, faz o seguinte: a associação dá vinte lito de óleo”; aí tinha um
rapaz lá, disse: “Eu dô dez mais”, ôto: “Eu dô dez”, ôto: “Eu dô dez”, ôto: “Eu dô
dez”. Cada um falô dez, claro, eu digo: “É que é uma ajuda”. (SAJ-R, Inf. 05)
4.1 A RODADA TERNÁRIA
Como são três as variantes da variável em estudo, iniciou-se o estudo fazendo uma
análise ternária da frequência, ou seja, com três fatores na variável dependente. Como já era
esperado, na rodada ternária houve baixíssima ocorrência da forma sintética (futuro do
presente), apenas uma, em termos mais exatos. Os resultados percentuais obtidos nessa rodada
são os seguintes:
Tabela 1: Resultado geral de frequência das três variantes
Forma sintética
Forma perifrástica
Forma de presente
Total
Ocorrências
1
494
108
603
Percentuais
0,1%
81,8%
18,1%
100%
Essa única ocorrência da forma sintética 9 de futuro, repetida abaixo, é uma forma com
evidente influência do discurso religioso escrito
(1) Então é... como vocês deve sabê, né... que tem aquela coisa do espírito e a coisa da
carne. Espiritualmente se num ‘tivé bem, a gente será abalado. (SAJ-S, inf. 08)
9
Houve duas ocorrências de “será que”, que não apresentam significado de futuro. Trata-se apenas de forma
cristalizada na língua.
69
Se não houvesse um número de ocorrências tão pequeno e se não fosse só uma pessoa
a realizar o dado com o futuro do presente, o fato de ser uma mulher o informante a usar uma
forma em evidente desuso poderia ser um argumento a reforçar as hipóteses sociolinguísticas
de que são as mulheres mais sensíveis às imposições sociais. Trata-se de uma informante
considerada semialfabetizada, já que cursou as duas primeiras séries do ensino fundamental,
com 45 anos de idade, exposta à mídia, com estada de cerca de seis meses fora da
comunidade. No levantamento dos dados sociolinguísticos, ressaltou-se que ela é leitora da
Bíblia. Essa informação corrobora a interpretação de que se trata de uma forma influenciada
pelo discurso religioso.
Podemos então concluir que a forma sintética de futuro, embora ainda prevista nas
gramáticas normativas e manuais pedagógicos como forma canônica, desapareceu da
comunidade de fala vernacular de Santo Antônio de Jesus, sendo substituída pela forma
perifrástica de futuro e/ou pela forma de presente com valor de futuro. Não descartamos, é
claro, que a forma sintética seja usada em situações mais formais de elocução, devendo ser
encontrada ainda, principalmente, na modalidade escrita da língua. Essa hipótese deve ser
testada em futuros trabalhos que comparem dados de fala com dados de escrita.
Esse resultado impôs uma revisão das hipóteses indicadas nos Procedimentos
metodológicos: propomos então que a maior generalidade normalmente associada à forma
sintética de futuro passe a ser uma característica da forma perifrástica, enquanto a forma de
presente com valor de futuro passe a assumir contextos específicos, os quais configuram o seu
“nicho 10”. Assim, foi feita a exclusão desse único dado com a forma sintética e a variável
tornou-se, então, binária.
10
Termo proposto por Oliveira (2006), para quem não há concorrência entre as formas perifrástica e de presente
com valor de futuro, havendo, no caso desta última forma, contextos específicos de uso, denominados “nicho do
presente”.
70
Uma das características que postulamos como associada à forma de presente é uma
maior certeza da realização do estado de coisas futuro. Malvar e Poplack (2008, p. 07) alertam
que
sentimentos de intenção, certeza, probabilidade ou dúvida não podem ser
identificados se não houver alguma pista contextual explícita. O único
acesso possível à intenção do falante e por meio do que ele diz; assim como
nosso único acesso à interpretação do ouvinte se dá por meio de suas
intervenções. As distinções que podem ser operacionalizadas são aquelas
que se baseiam não no significado conferido à variante (o que seria circular),
mas em indicadores contextuais que evidenciam esse significado, quando
eles existem. Assim, por exemplo, noções como agentividade, subjetividade,
vontade, desejo, frequentemente associadas à escolha da variante no
contexto de referência futura, podem ser captadas por fatores como pessoa
gramatical ou animacidade (grifos das autoras).
Assim, alguns grupos de fatores previstos nesta pesquisa como ‘Animacidade do
sujeito’, ‘Papel temático do sujeito’, ‘Projeção de futuridade’ e ‘Pessoa gramatical do sujeito’
devem dar indícios desse maior grau de certeza.
4.2 A PRIMEIRA RODADA BINÁRIA
Os primeiros resultados da rodada com apenas duas variantes na variável dependente
foram os que seguem:
Tabela 2: Resultado geral de frequência (perífrase versus presente)
Forma perifrástica
Forma de presente
Total
Ocorrências
494
108
602
Percentuais
82,1%
17,9%
100%
71
O número absoluto de ocorrências permite afirmar que há um espraiamento bastante
significativo da forma perifrástica de futuro na comunidade de Santo Antônio de Jesus, já que,
das 602 (seiscentas e duas) ocorrências de futuridade verbal consideradas, 82,1% delas (494
ocorrências) tinham essa forma, enquanto à forma de presente com valor de futuro ficaram
reservados 17,9%, ou seja, 108 (cento e oito) ocorrências. Esses resultados não estão distantes
dos encontrados em outros corpora de fala brasileiros não-marcados etnicamente (ALVES,
2011; OLIVEIRA, 2006). No trabalho de Silva (2003), que usou corpora de comunidades
marcadas etnicamente, a frequência da forma de presente é significativamente maior,
alcançando 35%. Também na pesquisa de Gibbon (2000), que analisou a fala de
florianopolitanos, os percentuais de uso da forma de presente alcançam os 36%. Silva (op.
cit.) considera que isso é uma característica de comunidades que têm o “contato linguístico”
como marca sociolinguística, embora em ambas as pesquisas a forma perifrástica esteja se
impondo como variante default de expressão de futuridade verbal.
4.3 GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS
Decidimos, baseados em Guy e Zilles (2007, p. 57-61 e 159), usar uma linha de corte
para os fatores que apresentassem poucos dados (até 14 ocorrências), para que se considerem
confiáveis os resultados, e um limite de 95% em casos de uso quase categórico, a partir do
qual se considera definida a preferência do contexto ou fator. Os fatores (e seus respectivos
grupos) que acusaram knockout 11 e informações sobre as decisões metodológicas tomadas
para as rodadas estatísticas seguem na análise específica de cada grupo.
11
Knockout é o termo usado no GoldVarb para indicar um resultado categórico, ou seja, aquele em que todas as
ocorrências levantadas se dão com apenas uma das variantes linguísticas, ou indica que não houve nenhuma
ocorrência prevista na configuração dos grupos de fatores.
72
A rodada estatística levada em consideração teve input de 0.918, log likelihood igual a
-128.091, nível de significância de 0.012 e usou a forma perifrástica como regra de aplicação.
É importante salientar que a análise é feita relativamente aos outros resultados do mesmo
grupo e não simplesmente pela interpretação de favorecimento ou desfavorecimento a partir
do peso relativo de 0.50 (TAGLIAMONTE, 2006, p. 156).
1. Quadro 01: Grupos selecionados na rodada básica
Tipo sintático do verbo principal
Tipo semântico do verbo principal
Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal
Papel temático do sujeito
Paralelismo sintático-discursivo
Paradigma verbal
Tipo de sentença
Saída/Permanência na comunidade
Input 0.918
Log likelihood = -128.091
Nível de significância = 0.012
Os resultados dos grupos selecionados como relevantes para a escolha das variantes de
futuro seguem agora, na ordem de importância definida pelo GoldVarb X, devidamente
exemplificados com ocorrências do corpus (para aqueles grupos cuja exemplificação se
considerou necessária).
73
4.3.1 Tipo sintático do verbo principal
A hipótese básica desse grupo era a de que os verbos com mais de um argumento
favoreceriam a seleção da perífrase para indicar futuro, por conta da manutenção do equilíbrio
entre as estruturas (OLIVEIRA, 2006, p. 68). Os resultados com os dados de Santo Antônio
de Jesus confirmam parcialmente essa hipótese:
Tabela 3: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Verbos transitivos
Pesos
relativos
309/330
93,6%
0.73
Verbos bitransitivos
31/36
86,1%
0.38
Verbos intransitivos
57/72
79,2%
0.28
Verbos inacusativos
77/141
54,6%
0.15
Verbos copulativos
20/23
87,0%
0.58
Input 0.918
Log likelihood = -128.091
Nível de significância = 0.012
A hipótese de que os <verbos transitivos> favorecem a forma perifrástica se confirma
com um peso relativo de 0.73, mas isso não se verifica com os <verbos bitransitivos>, que
apresentam peso relativo de 0.38, mas que também possuem vários argumentos. Os <verbos
copulativos> isoladamente também favorecem a forma perifrástica, com um peso relativo de
0.58. Como o número de dados de verbos bitransitivos e copulativos foi pequeno, esse fato
pode ter interferido nos resultados desses fatores. Os <verbos intransitivos> e os <verbos
inacusativos>, por sua vez, desfavorecem o uso dessa forma, com pesos relativos de 0.28 e
0.15, respectivamente.
74
Silva (2003, p. 106-108) encontrou um peso relativo nos verbos bitransitivos (0.74)
também favorecendo a perífrase, além de pesos relativos de 0.64 e 0.51 para os verbos
transitivos direto e indireto, respectivamente. O tipo intransitivo foi apontado por esse autor
como o desfavorecedor da perífrase (0.38).
Foi feita em seguida uma nova rodada, considerando a hipótese de Mioto, Silva e
Lopes (2007) de que os <Verbos copulativos> possuem comportamento sintático semelhante
ao dos <Verbos inacusativos>, e o grupo passou a ter um fator a menos, por conta da
amalgamação desses dois fatores. Os resultados são os seguintes:
Tabela 4: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’
(copulativos com inacusativos)
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Verbos transitivos
Pesos
relativos
309/330
93,6%
0.71
Verbos bitransitivos
31/36
86,1%
0.38
Verbos intransitivos
57/72
79,2%
0.29
97/164
59,1%
0.21
Verbos
inacusativos
e
copulativos
Input 0.922
Log likelihood = -128.388
Nível de significância = 0.018
O grupo continuou selecionado como estatisticamente relevante pelo programa,
percebendo-se uma oposição entre os <verbos transitivos> e os outros. Enquanto o primeiro
favorece o uso da perífrase, com peso relativo de 0.71, os <Verbos bitransitivos>, com peso
relativo de 0.38 (mais uma vez, os resultados podem ter sido comprometidos pelo pequeno
número de dados), os <verbos intransitivos>, com peso relativo de 0.29, e os <verbos
75
inacusativos>, com peso relativo de 0.21, desfavorecem o uso da perífrase, selecionando em
muito mais vezes a forma de presente com valor de futuro.
É preciso que se faça uma observação sobre a composição do fator <Verbos
inacusativos>: nele há a presença maciça de ir, como verbo pleno, que inibe o uso da forma
perifrástica. Levando isso em consideração, foi feita uma rodada sem esse verbo. Com essa
exclusão, o grupo só voltou a ser selecionado após procedimentos para uma melhor
distribuição dos dados no grupo ‘Tipo semântico do verbo principal’ 12.
Com esses procedimentos, os resultados para o ‘Tipo sintático do verbo principal’ são
os seguintes:
Tabela 5: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (sem o
verbo ir)
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Verbos transitivos
Pesos
relativos
309/331
93,4%
0.63
Verbos bitransitivos
31/36
86,1%
0.41
Verbos intransitivos
66/78
84,6%
0.32
Verbos inacusativos
88/104
84,6%
0.28
Input = 0.945
Log likelihood = -113.732
Nível de significância = 0.026
De fato, a grande ocorrência do verbo ir pleno, influencia a composição percentual dos
<Verbos inacusativos>, já que sem eles, o grupo passa a ter um percentual bastante próximo
dos outros. Mesmo com esse procedimento, é perceptível uma oposição entre os verbos com
vários argumentos e os verbos monoargumentais.
12
Houve uma alteração na configuração deste grupo de fatores (ver seção 4.3.2.4). Adiante, explica-se esse
procedimento (ver seção 4.3.2.3).
76
Seguindo a hipótese de Oliveira (2006, p. 68) de que aqueles verbos com vários
argumentos selecionam a forma perifrástica para garantir maior equilíbrio entre as duas
estruturas, foi feita uma última rodada, opondo-os aos monoargumentais. Os resultados são os
que seguem:
Tabela 6: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo sintático do verbo principal’ (multiargumentais versus monoargumentais)
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Pesos relativos
Total de ocorrências
Verbos multiargumentais
340/367
92,6%
0.62
Verbos monoargumentais
154/182
84,6%
0.32
Input = 0.943
Log likelihood = -114.717
Nível de significância = 0.008
Os resultados mostram, de fato, uma polarização entre os verbos que possuem mais de
um argumento (transitivos e bitransitivos) e aqueles que só possuem um argumento
(intransitivos e inacusativos), com pesos relativos respectivos de 0.62 e 0.32 13.
4.3.2 Tipo semântico do verbo principal
Como especificado nos Procedimentos metodológicos, este grupo de fatores tem a
intenção de verificar se o valor semântico do verbo principal interfere na escolha das formas
de futuridade verbal pelos falantes. Optou-se inicialmente por uma disposição de fatores que
13
Ver, na seção 4.3.2.6, cruzamento entre este grupo com o grupo ‘Tipo semântico do verbo principal’.
77
opõe os verbos dinâmicos (ações e processos) aos não dinâmicos (estativos), com inclusão do
parâmetro [controle] aplicável àqueles dois tipos de verbos (NEVES, 2011, p. 25-28), e a
telicidade 14.
Nossa hipótese, então, era a de que os verbos que designam ações (incluindo os de
movimento e o verbo ir com valor pleno), ou seja, aqueles que apresentam o traço
[+controle], favorecessem a forma perifrástica de futuro mais do que aqueles que designam
processos [-controle]. Já que consideramos que a forma de presente apresenta maior grau de
certeza da realização do estado de coisas proposto pelo verbo, os verbos com [+controle]
estariam vinculadas a esta forma.
4.3.2.1 ‘Tipo semântico do verbo principal’: dinamicidade versus estatividade
Esse grupo de fatores permite a comparação entre verbos dinâmicos e estativos em
relação à seleção de formas de futuridade verbal. Numa rodada em que se fez essa oposição,
desconsiderando-se as ocorrências do verbo ir pleno, os resultados são os que seguem:
Tabela 7: Perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ - dinamicidade
versus estatividade
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Verbos dinâmicos
Verbos estativos
Input = 0.910
14
Pesos
relativos
459/508
90,4%
0.53
35/41
85,4%
0.17
Log likelihood = -120.905
Nível de significância = 0.000
Ver detalhes da inclusão deste aspecto semântico neste grupo de fatores na seção 4.3.2.4.
78
Os <verbos dinâmicos>, com peso relativo de 0.53, favorecem levemente a forma
perifrástica de futuro, enquanto os <verbos estativos>, com peso relativo de 0.17, a
desfavorecem fortemente. Consideramos pouco confiáveis esses resultados dado o
desequilíbrio na frequência dos dois tipos de verbos (508 ocorrências de dinâmicos contra 41
ocorrências de estativos).
4.3.2.2 ‘Tipo semântico do verbo principal’: o parâmetro controle
O parâmetro pragmático [controle] é a “capacidade de começar, manter ou interromper
um processo ou um estado” (MOREIRA, 2000, p. 34), estando diretamente ligado ao papel
temático agentivo. Considerando apenas esse parâmetro, foi feita uma rodada opondo esse
traço ([-controle] versus [+controle]); para tanto foram desconsideradas as ocorrências dos
verbos estativos, por conta do traço [-agentivo] dos sujeitos desses verbos e incluídas as
ocorrências do verbo ir pleno. Os resultados que seguem demonstram ser esse traço
importante para a seleção de formas de futuridade verbal no corpus em análise:
Tabela 8: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – Controle
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
Verbos com controle
307/397
77,3%
0.40
Verbos sem controle
152/164
92,7%
0.73
Input = 0.887
Log likelihood = -138.366
Nível de significância = 0.038
79
Com essa configuração, o parâmetro [controle] se mostra relevante para a escolha das
formas verbais de futuro na comunidade de Santo Antônio de Jesus, pois os verbos que
possuem [-controle] favorecem o uso da perífrase, com peso relativo de 0.73, e os verbos que
possuem [+controle] permitem em mais vezes a seleção da forma de presente com valor de
futuro, com peso relativo de 0.40 para a perífrase. Esses resultados nos permitiriam relacionar,
então, a forma de presente à ideia de certeza, já que o sujeito teria o controle da ação verbal,
podendo, por isso, comprometer-se mais para a realização do estado futuro de coisas indicado
pelo verbo.
Em rodada desconsiderando as ocorrências do verbo ir com valor pleno, porém, os
resultados são os que seguem:
Tabela 9: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ - Controle
(sem o verbo ir pleno)
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
Verbos com controle
307/344
89,2%
0.502 15
Verbos sem controle
152/164
92,7%
0.496
Input = 0.930
Log likelihood = -123.780
Nível de significância = 0.014
Surpreendentemente, os resultados apontam uma neutralização desse traço na seleção
das formas de futuro, pois os pesos relativos são tecnicamente iguais, sendo 0.502 para os
<verbos com controle> e 0.496 para os <verbos sem controle>. Isso leva à interpretação de
que esse resultado sofre influência direta da frequência do verbo ir com valor pleno, que é um
dos itens lexicais mais frequentes no português brasileiro (MARQUES, 1996 apud
OLIVEIRA, 2006, p. 114) e inibidor categórico do uso da forma perifrástica na comunidade
15
Optamos por apresentar mais um dígito nos resultados para permitir comparação.
80
de fala de Santo Antônio de Jesus. Resultados mais refinados em relação a este parâmetro são
discutidos na análise do grupo de fatores ‘Papel temático do sujeito’ (ver seção 4.3.4).
4.3.2.3 ‘Tipo semântico do verbo principal’: a telicidade
Em relação à influência do traço acional [telicidade] sobre a seleção das formas de
futuridade verbal, previsto inicialmente como grupo de fatores independente, foram tomadas
as seguintes decisões metodológicas: além de excluirmos as ocorrências dos verbos estativos,
já que a telicidade não se aplica a esse tipo de verbo, amalgamamos os verbos de movimento
aos seus respectivos tipos (todos compõem o grupo dos verbos de ação, sendo alguns télicos,
outros atélicos), incluindo as ocorrências do verbo ir pleno 16. Assim, a análise da telicidade
fica circunscrita aos verbos dinâmicos.
Seguem os resultados sem as ocorrências do verbo ir pleno:
Tabela 10: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’:
telicidade nos verbos dinâmicos
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
relativos
Verbos télicos
298/334
89,2%
0.43
Verbos atélicos
161/174
92,5%
0.64
Input = 0.935
16
Pesos
Log likelihood = -122.167
Trata-se dos procedimentos referidos na seção 4.3.1.
Nível de significância = 0.012
81
Esses resultados apresentam uma oposição entre os verbos dinâmicos: os que possuem
o traço [+ telicidade], desfavorecendo o uso da perífrase de futuro (0.43), de um lado, e de
outro lado aqueles que possuem o traço [- telicidade], como favorecedores do uso da forma
perifrástica (0.64).
Tentando entender como a telicidade condiciona a definição da variante entre os
verbos dinâmicos, testou-se a separação entre os verbos de ação e os de processo, cujos
resultados são a seguir apresentados:
Tabela 11: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ –
telicidade (com verbo ir) – ação versus processo
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Pesos relativos
Total de ocorrências
Verbos de ação télicos
217/300
72,3%
0.33
Verbos de ação atélicos
90/97
92,8%
0.68
Verbos de processo télicos
81/87
93,1%
0.67
Verbos de processo atélicos
71/77
92,2%
0.75
Input = 0.898
Log likelihood = -135.134
Nível de significância = 0.045
Os resultados da Tabela 11 indicam que os <verbos de ação télicos> desfavorecem o
uso da forma perifrástica, com peso relativo de 0.33. Favorecendo a mesma forma aparecem
os <verbos de ação atélicos>, com peso relativo de 0.68, os <verbos de processo télicos>, com
peso relativo de 0.67, e os <verbos de processo atélicos>, com peso relativo de 0.75.
Como o nível de significância da rodada foi muito próximo do limite considerado
aceitável, optou-se pela exclusão do fator <verbo ir pleno>, que, como já visto, exerce um
peso muito grande sobre todos os grupos que lhe dizem respeito diretamente (‘Paradigma
82
verbal’, ‘Extensão fonológica do verbo’, ‘Tipo semântico do verbo principal’, ‘Tipo sintático
do verbo principal’). Com esse procedimento, o grupo foi novamente selecionado, com os
resultados que seguem:
Tabela 12: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’ – telicidade
(sem verbo ir pleno) – ação versus processo
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
Verbos de ação télicos
217/247
87,9%
0.44
Verbos de ação atélicos
90/97
92,8%
0.70
Verbos de processo télicos
81/87
93,1%
0.36
Verbos de processo atélicos
71/77
92,2%
0.57
Input = 0.937
Log likelihood = -121.546
Nível de significância = 0.012
Os <Verbos de ação télicos>, ao lado dos <Verbos de processos télicos>, são os tipos
semânticos que mais abrem brecha para a seleção da forma de presente com valor de futuro,
desfavorecendo o uso da perífrase, com pesos relativos respectivos de 0.44 e 0.36. Já aqueles
<Verbos de ação atélicos>, juntamente com os <Verbos de processo atélicos>, favorecem o
uso da forma perifrástica, com pesos relativos de 0.70 e 0.57, respectivamente. Esses
resultados confirmam as hipóteses sobre os efeitos da telicidade na escolha de formas de
futuro no português da comunidade de Santo Antônio de Jesus.
83
4.3.2.4 Os três componentes do ‘Tipo semântico do verbo principal’: inclusão da telicidade
Por conta de uma rodada inicial, em que o grupo de fatores ‘Telicidade’ foi
selecionado, mas com um nível de significância próximo demais do limite aceitável (0.048), e
por observar que foi a seleção do grupo ‘Telicidade’ que promoveu esse aumento indesejado
no nível de significância 17, resolvemos, por recodificação, cruzar essa propriedade semântica
com os fatores do grupo ‘Tipo semântico do verbo’, organizado a partir do traço [controle],
resultando nos seguintes fatores desse novo grupo:
a) verbo ir pleno (télico com controle):
(113) Eu só vou ir pra casa semana que vem. (exemplo hipotético)
(114) Não, não, ela pode... chegá aqui agora e dizê assim: “Ah, vô pa festa em Santo
Antônio de Jesus...” (SAJ-R, Inf. 01)
b) verbos de movimento/deslocamento télicos com controle (excetuando-se o verbo ir):
(115) Quando fô agora de tarde, eu vô buscá mais [fi’] de banana, vô ‘cabá de prantá.
(SAJ-R, Inf. 11)
(116) Eu sei que eu vô pas... pagá um preço muito alto, mas eu num volto. (SAJ-S,
Inf. 08)
c) verbos de movimento/deslocamento télicos sem controle:
(117) Cuidado! Você vai cair desse brinquedo! (exemplo hipotético)
(118) Cuidado, menino! Se não você cai desse brinquedo! (exemplo hipotético)
17
Na rodada em análise, o passo imediatamente anterior àquele considerado pelo GoldVarb X como o melhor da
rodada tinha nível de significância de 0.016.
84
d) verbos de movimento/deslocamento atélicos com controle:
(119) Amanhã mesmo eu vou viajar; cedo eu vou viajar. (SAJ-R, Inf. 01)
(120) Agora domingo eu viajo de novo. (SAJ-R, Inf. 01)
e) verbos de movimento/deslocamento atélicos sem controle:
(121) Esse vento forte vai derrubar muitas árvores. (exemplo hipotético)
(122) Esse vento forte de hoje derruba muitas árvores. (exemplo hipotético)
f) verbos de ação télicos (excetuando-se os de movimento/deslocamento):
(123) “Ói Edézio, vô arranjá uma obra pra tu." (SAJ-R, Inf. 01)
(124) Se eu dé um bom dia a ele ou... ou conversá com ele, (...) num a... num aceita
mais eu aqui, nem eu e nem o menino. (SAJ-R, Inf. 04)
g) verbos de ação atélicos (excetuando-se os de movimento/deslocamento):
(125) E se esse objetivo fô deu cuidá dessas crianças, eu vou cuidá. (SAJ-S, Inf. 04)
(126) Mais tarde quando Deus me amostrá um companheiro e eu vê que dá certo, eu
fico. (SAJ-R, Inf. 04)
h) verbos de processos télicos (excetuando-se os de movimento/deslocamento):
(127) Que se a gente recusá umas pessoa dessa, (...), o que que a gente vai... vai
recebê lá mais tarde? (SAJ-S, Inf. 04)
(128) Faz um ano agora em vinte e seis de setembro, casô. (SAJ-R, Inf. 04)
i) verbos de processo atélicos (excetuando-se os de movimento/deslocamento):
85
(129) Esse fim de ano mesmo não vai ter [a festa], poque começa do dia primêro de...
de janeiro até o dia doze... de São Benedito, até o dia doze. Mas esse ano tá...
desmanchô a Igreja pa podê reformá, fazê [ota]. (...) Aí, nem começô a fazê o alicerce
ainda, então não vai ter nada. (SAJ-S, Inf. 02)
(130) Meu pai num trabalha mais, coluna. (...) Num trabalha. Se ele limpá um pezim
de mato aqui, quando fô de nôte ele não dorme. De dô. Dô aqui assim nas costa de
coluna. (SAJ-R, Inf. 04)
j) verbos estativos com controle:
(131) Então eu vô ficá esperano a dentista. (SAJ-R, Inf. 03)
(132) Amanhã eu vou e fico até o fim do dia. (exemplo hipotético)
k) verbos estativos sem controle:
(133) Aí você vai tê uma garantia de uma venda de muda de cinco mil (SAJ-R, Inf.
05)
(134) Se de manhã acordá de um jeito, lhe rezá, de tarde já ‘tá de ôto jeito. (SAJ-S,
Inf. 01)
Combinadas as duas variáveis, a hipótese passa a ser a de que os verbos que possuem
o traço [+controle] e a propriedade acional [+telicidade] favoreçam mais o uso da forma de
presente do que os que não apresentam esses dois traços combinados, por conta da definitude
“natural” e da possibilidade de que o sujeito se comprometa mais com a realização do estado
de coisas futuro, por avaliá-lo como mais factual (GÖRSKI et al., 2002, p. 227).
Com essa nova configuração do grupo ‘Tipo semântico do verbo principal’, não houve
ocorrências do fator <Verbos de movimento/deslocamento télicos sem controle> nem do fator
<Verbos de movimento/deslocamento atélicos sem controle>.
86
São os seguintes os resultados percentuais para os fatores que apresentaram
ocorrências:
Tabela 13: Frequência da perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo
principal’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Verbos de ação télicos
202/221
91,4%
Verbos de ação atélicos
84/90
93,3%
Verbos de processo télicos
81/87
93,1%
Verbos de processo atélicos
71/77
92,2%
Verbos de movimento/deslocamento
15/26
57,7%
6/7
85,7%
Verbo ir pleno (télico com controle)
0/53
0,0%
Verbos estativos com controle
5/5
100%
Verbos estativos sem controle
30/36
83,3%
télicos com controle
Verbos de movimento/deslocamento
atélicos sem controle
Como se pode ver na Tabela 13, todas as 5 (cinco) ocorrências de <Verbos estativos
com controle> foram com a forma perifrástica, de modo que esse fator foi excluído da rodada
básica de análise. Também houve uso categórico com o fator <Verbo ir pleno>, em que todas
as 53 (cinquenta e três) ocorrências foram usadas na forma do presente. Esse resultado já era
esperado já que parece haver uma restrição quanto ao uso da perífrase ir + ir (vou ir), típica
87
da linguagem infantil e documentada em poucos corpora no Brasil (ALVES, 2011; GIBBON,
2000). Para a rodada básica de análise, optamos pela exclusão desse fator.
Foi excluído da rodada básica de análise também o fator <Verbos de
movimento/deslocamento atélicos sem controle>, de cujas 7 (sete) ocorrências, 6 (seis)
tinham a forma da perífrase.
4.3.2.5 A rodada geral para o “Tipo semântico do verbo principal’
Os resultados da rodada geral de análise, incluindo os três aspectos semânticos
possíveis na configuração do grupo, são os que seguem:
Tabela 14: Perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’: rodada geral
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
Verbos de ação télicos (com controle)
202/221
91,4%
0.47
Verbos de ação atélicos (com controle)
84/90
93,3%
0.62
Verbos de processo télicos (sem controle)
81/87
93,1%
0.49
Verbos de processo atélicos (sem controle)
71/77
92,2%
0.66
Verbos de movimento/deslocamento télicos
15/26
57,7%
0.48
30/36
83,3%
0.14
com controle
Verbos estativos sem controle
Para facilitar a visualização desses resultados, segue gráfico:
88
Gráfico 1: Rodada geral para o ‘Tipo semântico do verbo principal’
A perífrase de futuro é favorecida pelos <Verbos de ação atélicos>, com peso relativo
de 0.62, e pelos <Verbos de processo atélicos>, com peso relativo de 0.66. Favorecem ainda
essa forma os <Verbos de movimento/deslocamento atélicos com controle>, já que houve um
uso quase categórico com a perífrase (6/7), e os <Verbos estativos com controle>, pelo fato de
ter havido uso categórico com a perífrase (5/5), embora com poucos dados nesses dois fatores.
Não obstante os <Verbos de ação télicos>, os <Verbos de processo télicos>, os
<Verbos de movimento/deslocamento télicos com controle> têm peso relativo próximo da
neutralidade, na escolha da perífrase para indicar a futuridade verbal (pesos de 0.47, 0.49 e
0.48, respectivamente), e os <Verbos estativos sem controle> se constituem num fator de
grande desfavorecimento da forma perifrástica, com peso relativo de 0.14.
89
4.3.2.6 ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’
Segundo Ciríaco e Cançado (2004), muitos autores apontam uma relação direta entre
telicidade e inacusatividade. Elas citam o estudo realizado por Van Hout 18, em dados da
língua holandesa, em que esta autora identifica a [telicidade] como a propriedade semântica
definidora da caracterização sintática daquele subtipo de verbos monoargumentais. Levando
isso em consideração, cruzamos os resultados dos grupos ‘Tipo sintático do verbo principal’ e
‘Tipo semântico do verbo principal’ a fim de verificar uma possível interação entre essas duas
variáveis linguísticas. Os resultados apresentam indícios de uma sobreposição de
informações 19, como segue:
18
É possível ter acesso à introdução do livro em que tal estudo foi publicado através do endereço eletrônico
http://fds.oup.com/www.oup.co.uk/pdf/0-19-925764-7.pdf. Acesso em 23 mai 2012.
19
Optou-se aqui pela manutenção de todos os subtipos possíveis no cruzamento para que se tivesse uma visão
total da relação em análise, independentemente dos limites percentuais e de ocorrências pré-definidos.
90
Tabela 15: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico
do verbo principal’ – telicidade
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Pesos relativos
Total de ocorrências
transitivos télicos
201/216
93,1%
0.35
transitivos atélicos
91/95
95,8%
0.97
bitransitivos télicos
28/32
87,5%
0.15
bitransitivos atélicos
03/04
75,0%
0.80
inacusativos télicos
45/108
41,7%
0.05
inacusativos atélicos
32/33
97,0%
0.99
intransitivos télicos
21/28
75,0%
0.07
intransitivos atélicos
32/38
84,2%
0.88
Input = 0.921
Log likelihood = -114.212
Nível de significância = 0.010
Como ferramenta de visualização desses resultados segue gráfico:
Gráfico 2: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com
‘Tipo semântico do verbo principal’ - telicidade
91
Esses resultados indicam que a telicidade é uma propriedade semântica que interfere
fortemente na seleção das formas de futuridade verbal na comunidade linguística de Santo
Antônio de Jesus: a oposição é clara entre os verbos télicos e atélicos. Entre os verbos
transitivos, tipo que favorece fortemente o uso da perífrase verbal de futuro, o parâmetro
[telicidade] se mostra relevante, pois os <verbos transitivos télicos> desfavorecem o uso
daquela forma, com peso relativo de 0.35, em oposição aos <verbos transitivos atélicos>, que,
com peso relativo de 0.97, quase anulam a variação.
Dentre os verbos bitransitivos, ocorre relação semelhante: os <verbos bitransitivos
télicos> desfavorecem o uso da forma perifrástica, com peso relativo de 0.15, ao passo que os
<verbos bitransitivos atélicos> a favorecem, com peso relativo de 0.80.
Quanto aos verbos intransitivos, a oposição se mostra mais forte ainda: os <verbos
intransitivos télicos> desfavorecem o uso da perífrase, com peso relativo de 0.07, enquanto os
<verbos intransitivos atélicos> a favorecem, com peso relativo de 0.88.
Mas é dentre os verbos inacusativos que a oposição alcança o ápice: os <verbos
inacusativos télicos> praticamente anulam o uso da forma perifrástica, com peso relativo de
0.05, em oposição aos <verbos inacusativos atélicos>, que, com peso relativo de 0.97,
praticamente só permitem o uso dessa mesma forma; por isso, podemos falar em sobreposição
de informações. Propomos futuros estudos para detalhar a relação entre inacusatividade e
telicidade.
A fim de atender aos limites percentuais e de número mínimo de ocorrências, prédefinidos, foi feita outra rodada amalgamando-se os transitivos aos bitransitivos, e os
intransitivos aos inacusativos. Os resultados são os que seguem:
92
Tabela 16: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do
verbo principal’ – telicidade
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Pesos relativos
Total de ocorrências
multiargumentais télicos
229/248
92,3%
0.31
multiargumentais atélicos
94/99
94,9%
0.97
monoargumentais télicos
66/136
48,5%
0.06
monoargumentais atélicos
64/71
90,1%
0.95
Input = 0.909
Log likelihood = -117.023
Nível de significância = 0.047
Os verbos <multiargumentais télicos> e os verbos <monoargumentais télicos>
desfavorecem o uso da forma perifrástica de futuro, com pesos relativos respectivos de 0.31 e
0.06, enquanto os verbos <multiargumentais atélicos> e os verbos monoargumentais atélicos>
favorecem fortemente o uso dessa mesma forma, com pesos relativos de 0.97 e 0.95,
respectivamente.
A oposição definida pelo parâmetro [telicidade] se mantém, apesar de
os resultados não serem muito confiáveis por conta do nível de significância muito próximo
do limite. Atribuímos isso à presença maciça do verbo ir pleno e, para testar, fizemos uma
última rodada, desconsiderando esses dados. Os resultados são os que seguem, em uma tabela
e em um gráfico:
93
Tabela 17: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico
do verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir)
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
multiargumentais télicos
229/248
92,3%
0.49
multiargumentais atélicos
94/99
94,9%
0.74
monoargumentais télicos
66/83
79,5%
0.17
monoargumentais atélicos
64/71
90,1%
0.65
Input = 0.939
Log likelihood = -123.110
Nível de significância =0.030
Gráfico 3: Uso da perífrase – ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do
verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir)
Os resultados ainda corroboram a hipótese de ser a [telicidade] um aspecto linguístico
importante na seleção de formas de futuridade verbal em Santo Antônio de Jesus,
sobrepondo-se ao tipo sintático do verbo. Os verbos multiargumentais télicos>, com peso
relativo de 0.49, e os verbos <monoargumentais télicos>, com peso relativo de 0.17, são os
94
desfavorecedores da perífrase, embora o peso relativo daqueles esteja muito próximo do ponto
neutro.
Os verbos <multiargumentais atélicos> e os verbos <monoargumentais atélicos> são
os grandes favorecedores do uso da forma perifrástica, com pesos relativos respectivos de
0.74 e 0.65.
Concluímos que é o traço acional da [telicidade] o grande desfavorecedor da perífrase,
constituindo-se porta de entrada do presente com valor de futuro.
4.3.3 Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal
Este grupo de fatores refere-se à possibilidade de existirem contextos em que haja
sintagmas ou orações adverbiais que indiquem a futuridade, além do próprio verbo. Neste
trabalho, a hipótese é a de que a presença de outro elemento com valor temporal de futuro
deve favorecer o uso da forma de presente para expressão de futuro, pois essa forma necessita
de ancoragem temporal, como previsto desde as formas latinas (POGGIO, 2004; POPLACK;
TURPIN, 1999; SILVA, 2003). Havia uma questão que precisava ser respondida, levantada
durante o percurso da pesquisa 20: existe a possibilidade de a forma de presente indicar futuro
sem a presença desse outro constituinte de valor temporal? Seguem os resultados para esse
grupo de fatores:
20
Refere-se a questionamento feito durante apresentação no GELNE, em 2010, dos resultados preliminares desta
pesquisa.
95
Tabela 18: Uso da perífrase em relação à ‘Presença/Ausência de outro constituinte de
valor temporal’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Ausência de outro constituinte de
Pesos
relativos
391/436
89,7%
0.63
103/166
62,0%
0.21
valor temporal
Presença de outro constituinte de valor
temporal
Input= 0.918
Log likelihood = -128.091
Nível de significância = 0.012
Os resultados confirmam a hipótese inicial de um maior favorecimento da forma
perifrástica em contexto com <Ausência de outro constituinte de valor temporal>, com peso
relativo de 0.63. Isso se explica para evitar a duplicidade da marcação temporal de futuro,
pois o auxiliar, na perífrase de futuro, faz essa marcação. Por outro lado, o contexto com
<Presença de outro constituinte de valor temporal>, com peso relativo de 0.21, desfavorece a
forma perifrástica de futuro, abrindo o espaço para o uso do presente, forma não marcada
morfologicamente, que necessita, por isso, de marcação fora do verbo. Esses resultados estão
próximos dos de Silva (2003, p. 73-75), em corpora do português afrobrasileiro, e próximos
dos de Poplack e Turpin (1999), em que se analisou o futuro no francês canadense.
Quanto ao questionamento feito, a resposta é positiva. O verbo ir, em suas formas do
presente do indicativo, é interpretado como indicando futuro. Para indicar o presente é
necessária a ancoragem de um sintagma ou oração adverbial, como sempre, todos os dias. A
opção mais comum para a indicação do presente do verbo ir é o uso da forma composta tenho
ido, tem ido. No corpus que serve de base para esta pesquisa há 28 (vinte e oito) ocorrências
de ir sem partícula de tempo, com valor de futuro, como o exemplo que segue:
(135) Não... num... Eu vortei pra casa. Aí, Conça foi marcô pro dia dois de janêro.
Peguei, tossia, tossia, do primêro de janeiro foi até o mês de são joão tossino. Aí, eu
96
fiquei. A dotora me perguntô: “Você qué se operá?” Eu disse: “Ô dotora, não quero
mais não. Eu tenho certeza que eu vô e não volto mais. Eu não vô não.” (SAJ-S, Inf.
10)
4.3.4 Papel temático do sujeito
Esse grupo de fatores, que tem como objetivo verificar os possíveis condicionamentos
a partir do papel temático que o sujeito representa em relação ao escopo verbal, seguiu as
hipóteses de Oliveira (2006, p. 117-119), que testou e constatou a hipótese de que um sujeito
agente favoreceria a ocorrência da perífrase verbal de futuro, por conta de um maior
comprometimento entre ele e a ação verbal, enquanto um sujeito paciente o desfavoreceria,
ficando os sujeitos experienciadores numa posição intermediária.
A hipótese neste trabalho, em cujos dados não há mais variação com a forma sintética
de futuro, era a mesma: a de que um maior comprometimento existe entre um sujeito agente e
a forma perifrástica, diminuindo gradativamente à medida que seu papel temático passa a ser
[-agentivo].
Houve uso quase categórico com o fator <Sujeito possuidor ou recipiente>, já que, das
27 (vinte e sete) ocorrências, 26 (vinte e seis) ocorreram com a forma perifrástica. Esse fator
foi retirado da primeira análise estatística para evitar sua influência nos resultados, já que o
seu percentual ultrapassa o limite pré-estabelecido de 95%.
Os resultados de frequência e pesos relativos para esse grupo são os que seguem:
97
Tabela 19: Uso da perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Sujeito agente ou causador
Pesos
relativos
296/392
75,5%
0.39
Sujeito experienciador
42/46
91,3%
0.60
Sujeito paciente
75/79
94,9%
0.87
Sujeito possuidor/recipiente
26/27
96,3%
-
Input= 0.918
Log likelihood = -128.091
Nível de significância = 0.012
Esses resultados contrariam a hipótese de uma relação direta entre um <Sujeito agente
ou causador> e a forma perifrástica: o peso relativo de 0.39 indica um forte desfavorecimento
dessa forma. Ao contrário do esperado, o fator <Sujeito paciente> é que, com peso relativo de
0.87, é o contexto de favorecimento da forma perifrástica em relação ao papel temático do
sujeito. O <Sujeito experienciador> também favorece o uso da forma perifrástica com peso
relativo de 0.60, assim como o <Sujeito possuidor/recipiente>, com 96,3% de frequência com
essa mesma forma. Esses dados podem indicar que a forma de presente indica mais certeza, já
que ela seleciona mais um sujeito agente, ou seja, aquele que controla a ação verbal e pode,
por isso, atribuir maior compromisso para a realização do estado de coisas futuro.
4.3.4.1 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’
Buscou-se um refinamento dos resultados cruzando-se o ‘Papel temático do sujeito’
com o grupo de fatores ‘Animacidade do sujeito’, pois, segundo Castilho (2010, p. 297),
dois traços semânticos subordinam-se ao traço [+ animado]: o de [±
humano], visto que um referente animado não precisa ser necessariamente
98
humano, e o de [± agentivo], visto que numa dada sentença um referente
animado não precisa necessariamente ser o controlador da ação.
Para Franchi e Cançado (2003, p. 17), em sua Teoria Generalizada dos Papéis
Temáticos, “papéis como os de agente, paciente, experienciador etc. [podem ser definidos]
como conjuntos ou "clusters" de acarretamentos que são comuns a todos os papéis temáticos
individuais de argumentos de diferentes predicadores.” Assim, do papel temático de agente,
podem-se inferir os acarretamentos de [controle], [animacidade], [causa] e [intencionalidade].
Ocorre, portanto, uma redundância nas informações dadas pelos dois grupos acima referidos.
Os fatores possíveis e esperados, a partir desse cruzamento, são os que seguem, com
exemplos:
a) sujeito humano agentivo
(136) Amanhã mesmo eu vou viajar, cedo eu vou viajar. (SAJ-R, Inf. 01)
(137) Quande tivé maió, que eu comprá ôtro carro, eu dô um carro pra ela. (SAJ-R,
Inf. 01)
b) sujeito humano paciente
(138) “— Eu não vô operá, porque eu não posso; eu não tenho camisola, eu não tenho
calcinha, eu não tenho sandalha. (SAJ-S, Inf. 12)
(139) Ô... ô eu me enquadro nessa parte, ô eu fico de fora. (SAJ-R, Inf. 05)
c) sujeito humano experienciador
(140) “Ah, você vai vê, você vai se arrependê” (SAJ-S, Inf. 08)
(141) Agora em dezembro, dezembro desse ano, ela faz cem anos. (SAJ-R, Inf. 10)
99
d) sujeito humano possuidor/recipiente
(142) Amanhã ô depois que ele achá um trabalho.. que ele achá... que ele vai ganhá,
pode sê cento e cinquenta... duzento reais, que ele ‘tá é parado. (SAJ-S, Inf. 07)
(143) É poque se acontecê pegá, a gente já ‘tá com [a associação]. (SAJ-R INF 05)
e) sujeito animado não-humano agentivo
(144) O verda... o tatu verdadêro desapareceu, num vai vim. (SAJ-R Inf. 09)
(145) Coloquei alpiste pro pássaro, mas acho que ele não vem. (exemplo hipotético)
f) sujeito animado não-humano experienciador
(146) O cão vai sentir muita dor se for castrado sem anestesia. (exemplo hipotético)
(147) Meu gato faz três anos nesta semana. (exemplo hipotético)
g) sujeito animado não-humano possuidor/recipiente
(148) Amanhã, aqueles poodles vão receber o prêmio no concurso de beleza canino.
(exemplo hipotético)
(149) Pelo que eu estou vendo, amanhã aqueles poodles recebem o prêmio no
concurso de beleza canino. (exemplo hipotético)
h) sujeito animado não-humano paciente
(150) Os animais serão apreendidos pelo IBAMA. (exemplo hipotético)
(151) Os animais? Se apreendem amanhã. (exemplo hipotético)
100
i) sujeito abstrato 21 agentivo
(152) Toma, eu vô botá lá pá vê, senão esse povo vai chegá e a comida num cozinhô.
(SAJ-R, Inf. 06 reserva)
(153) Se eu saí aqui, pedi um real, aqui ninguém me dá! (SAJ-S, Inf. 03)
j) sujeito abstrato paciente
(154) Se [os agricultores] num tivé organizado assim como uma associação, (...) aí vai
ficá de fora. (SAJ-R, Inf. 05)
(155) Quem num se enquadrá nessa parte aí, fica de fora. (SAJ-R, Inf. 05)
k) sujeito abstrato experienciador
(156) Se eu chegá ali pegá um umbu (...),aí todo mundo vai sabê qu’eu robei! (SAJ-S,
Inf. 03)
(157) Com um simples telefonema, em cinco minutos, todo mundo já sabe o que
aconteceu aqui agora. (exemplo hipotético)
l) sujeito abstrato possuidor/recipiente
(158) Não, isso aí... aconteceno isso, vai tê... todos viverista vai tê uma... uma
garantia... (SAJ-R, Inf. 05)
(159) Quem adquirir um seguro tem garantia em caso de sinistro. (exemplo hipotético)
m) sujeito inanimado paciente
(160) Esse motô vai sê de... devolvido lá pa... pra o pessoal da [casa] (SAJ-R, Inf. 05)
21
Conforme especificado no capítulo dos fundamentos teórico-metodológicos, o sujeito abstrato refere-se a
nomes coletivos com o traço [+humano], mesmo sendo um substantivo classificado como comum, conforme
página 50.
101
(161) São João a gente fage! Vai entrá uma verba maior pra gente trabaiá; a roça
chega, né? São João eu faço! (SAJ-R, Inf. 01)
Os resultados numéricos desse cruzamento aparecem no quadro a seguir:
Tabela 20: Frequência da perífrase - ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do
sujeito’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
sujeito abstrato agente
26/32
81,2%
sujeito abstrato experienciador
9/9
100%
sujeito abstrato paciente
5/6
83,3%
sujeito abstrato possuidor/recipiente
3/3
100%
sujeito animado não-humano agente
7/7
100%
sujeito animado não-humano experienciador
Não houve ocorrências
sujeito animado não-humano paciente
Não houve ocorrências
sujeito animado não-humano possuidor/recipiente
Não houve ocorrências
sujeito humano agente
263/353
74,5%
sujeito humano experienciador
33/37
89,2%
sujeito humano paciente
18/19
94,7%
sujeito humano possuidor/recipiente
23/24
95,8%
sujeito inanimado paciente
52/54
96,3%
A partir desses resultados, foram tomadas as seguintes decisões metodológicas para
rodada estatística: (i) a exclusão dos fatores <Sujeito inanimado paciente>, <sujeito humano
102
possuidor/recipiente> por conta de seu uso quase categórico com a perífrase, e do fator
<sujeito animado não-humano agentivo>, por conta de seu uso categórico com a perífrase; e
(ii) a exclusão dos fatores <sujeito abstrato paciente>, <sujeito abstrato experienciador> e
<sujeito abstrato possuidor/recipiente>, considerando o baixo número de ocorrências.
A rodada estatística apresentou os seguintes resultados:
Tabela 21: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do
sujeito’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
sujeito humano agente
Pesos
relativos
289/385
75,1%
0.45
sujeito humano experienciador
42/46
91,3%
0.58
sujeito humano paciente
23/25
92,0%
0.93
sujeito abstrato agente
26/32
81,2%
0.62
Input = 0.878
Log likelihood = -131.018
Nível de significância = 0.033
O <Sujeito humano experienciador> favorece o uso dessa forma, com peso relativo de
0.58. Como favorecedores do uso da perífrase de futuro aparecem também o <Sujeito abstrato
agente>, com peso relativo de 0.62, e o <Sujeito humano paciente>, com peso relativo de
0.93, que se firma como o grande favorecedor da forma perifrástica. O <Sujeito humano
agente> aparece como o tipo que menos seleciona a forma perifrástica de futuro, com um
peso relativo de 0.45.
Considerando os fatores que foram excluídos da rodada estatística por seu uso
categórico ou quase categórico, com uma quantidade de dados a partir de 15 ocorrências,
podemos inferir a existência de um continuum de favorecimento da perífrase a partir do traço
[agentividade]:
103
Figura 2: Continuum de seleção da perífrase – animacidade/agentividade
+ animado
humano
humano
abstrato humano humano
agente experienciador agente paciente possuidor/
recipiente
inanimado
paciente
+ agentivo
- animado
- agentivo
75,1%
0.45
91,3%
0.58
81,2%
0.62
92,0%
0.93
95,8%
-
96,3%
-
O traço [animacidade] é importante na seleção das formas de futuridade verbal nesta
comunidade, mas o traço [agentividade] se firma como seu definidor: ou seja, entre um traço e
outro, o papel temático do sujeito é que seleciona a forma de futuridade verbal.
Há uma polarização entre o papel de agente e o de paciente, mas o papel de
experienciador se interpõe àqueles dois no continuum. Por isso, foi feita outra rodada em que
os papéis temáticos de experienciador e possuidor/recipiente foram amalgamados ao de
paciente. O primeiro em função das observações de Franchi e Cançado (2003, p. 36) de que
esse papel temático não é relevante para uma teoria da gramática, por conta de sua limitação
aos verbos psicológicos, e de seu peso relativo favorecedor ao uso da perífrase; o segundo,
por conta de sua frequência tão favorecedora à perífrase quanto o sujeito paciente. Os
resultados são os seguintes:
Tabela 22: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ (agente/paciente) com
‘Animacidade do sujeito’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
sujeito humano agente
Pesos
relativos
263/353
74,5%
0.42
sujeito humano paciente
74/80
92,5%
0.73
sujeito animado não-humano agente
07/07
100%
-
sujeito abstrato agente
26/32
81,2%
0.52
sujeito abstrato paciente
17/18
94,4%
0.84
sujeito inanimado paciente
52/54
96,3%
-
Input = 0.899
Log likelihood = -131.945
Nível de significância = 0.047
104
Esses resultados demonstram mais claramente a hierarquia entre a [animacidade] e a
[agentividade] na seleção das formas de futuridade verbal na comunidade linguística de Santo
Antônio de Jesus, em que um sujeito humano agente condiciona mais a forma de presente do
que a forma perifrástica, o que fortalece a hipótese de que aquela forma indica mais certeza
quanto à realização futura do estado de coisas expresso pelo verbo.
O continuum a seguir permite visualizar melhor a relação entre os traços
[animacidade] / [agentividade] e o sujeito para a seleção das formas de futuridade verbal, em
que, quanto mais à direita, o sujeito falante opta pela forma perifrástica; quanto mais à
esquerda, opta pelo presente:
Figura 3: Continuum de seleção da perífrase - animacidade/agentividade polarizada
+ animado
humano abstrato
agente
agente
humano
paciente
abstrato
paciente
inanimado
paciente
+ agentivo
- animado
- agentivo
74,5%
0.42
81,2%
0.52
92,5%
0.73
94,4%
0.84
96,3%
-
4.3.4.2 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’
A partir dos resultados anteriores, postulamos a oposição entre um sujeito falante (EU
ou P1) e os outros (Não-EU ou P2/P3) em relação ao papel temático, para verificarmos se esse
continuum polarizado (agente versus paciente) se aplica aos dados de Santo Antônio de Jesus.
Esse cruzamento teve todas as suas células preenchidas, o que pode indicar maior
confiabilidade nos resultados (GUY; ZILLES, 2007, p. 52-57), apesar de duas células
possuírem menos de 15 (quinze) dados.
Na Tabela 23, a seguir, pode-se perceber que houve baixo número de ocorrências com
o fator <Sujeito EU paciente>, apenas 8 (oito) dados, sendo 7 (sete) com a forma perifrástica;
105
deu-se o mesmo fato com o fator <Sujeito EU possuidor/recipiente>, com apenas 9 (nove)
dados, sendo 8 (oito) também com a perífrase de futuro. Além disso, não ocorreu variação
com o fator <Sujeito Não-EU possuidor/recipiente>, cujas 18 (dezoito) ocorrências tinham a
forma perifrástica. Todos esses três fatores foram excluídos da rodada estatística. O grupo foi
selecionado como estatisticamente relevante, apresentando os seguintes resultados:
Tabela 23: Perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa
gramatical do sujeito’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
sujeito EU agente
198/274
72,3%
0.45
sujeito EU paciente
07/08
87,5%
-
sujeito EU experienciador
22/23
95,7%
-
sujeito EU possuidor/recipiente
08/09
88,9%
-
sujeito Não-EU agente
98/118
83,1%
0.58
sujeito Não-EU paciente
68/71
95,8%
-
sujeito Não-EU experienciador
20/23
87,0%
0.65
sujeito Não-EU possuidor/recipiente
18/18
100%
-
Input= 0.872
Log likelihood = -127.685
Nível de significância = 0.010
O <Sujeito EU agente>, com peso relativo de 0.45, desfavorece o uso da forma
perifrástica, e esse resultado era o esperado, pois trata-se do único fator cujo percentual está
abaixo da média geral de uso da perífrase.
Favorecendo a perífrase de futuro, aparecem em ordem crescente o <Sujeito Não-EU
agente>, com peso relativo de 0.58, e o <Sujeito Não-EU experienciador>, com peso relativo
106
de 0.65. Podemos incluir no grupo dos favorecedores da perífrase o <Sujeito Não-EU
paciente>, com percentual de uso de 95,8%, o <sujeito EU experienciador>, com percentual
de uso da forma perifrástica de 97,5%, além do <Sujeito Não-EU possuidor/recipiente>, que
teve uso categórico com a mesma forma.
Como última hipótese, resolvemos amalgamar, como feito antes, os subtipos
<experienciador> e <possuidor/recipiente> ao subtipo <paciente>, polarizando então o
<sujeito Eu agente> ao <sujeito Eu paciente>, e o <sujeito não-Eu agente> ao <sujeito não-Eu
paciente>. Os resultados são os que seguem:
Tabela 24: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical
do sujeito’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
sujeito EU agente
199/274
72,6%
0.33
sujeito EU paciente
37/40
92,5%
0.77
sujeito Não-EU agente
98/118
83,1%
0.42
sujeito Não-EU paciente
106/112
94,6%
0.84
Input= 0.922
Log likelihood = -124.803
Nível de significância = 0.045
Os resultados da Tabela 24 elevam o traço [agentividade] ao posto de parâmetro
definidor da seleção das formas de futuridade verbal na comunidade de Santo Antônio de
Jesus em relação ao sujeito sobrepondo-se à pessoa gramatical: independentemente de ser P1,
P2 ou P3 22, se o sujeito for agente da predicação verbal, o falante opta mais vezes pela forma
de presente, já que tanto um <sujeito Eu agente>, quanto o <sujeito Não-Eu agente>,
22
Para esta análise, estão amalgamadas P1 com P4, P2 com P5 e P3 com P6, conforme explicitado na página
126.
107
desfavorecem o uso da forma perifrástica, com pesos relativos de 0.33 e 0.42,
respectivamente. Por outro lado, o <sujeito EU paciente>, com peso relativo de 0.77, e o
sujeito Não-Eu paciente>, com peso relativo de 0.84, favorecem fortemente o uso da
perífrase. Segue gráfico para melhor visualização dos resultados acima:
Gráfico 4: Uso da perífrase pelo sujeito – ‘Pessoa gramatical do sujeito’ com ‘Papel temático
do sujeito’
Parece possível, com esses resultados, fazer algumas generalizações quanto à
influência do sujeito para a seleção de formas de futuridade verbal na fala popular de Santo
Antônio de Jesus: (i) o falante opta muito mais vezes pelo uso da forma de presente com valor
de futuro, se estiver se referindo a si mesmo (ou a um grupo em que se inclui) e exercer o
papel de agente da predicação verbal; mas se ele exerce outro papel, como o de paciente,
experienciador ou possuidor/recipiente, a tendência é a opção pela perífrase; e (ii) no caso de
um sujeito interlocutor ou assunto, exercendo o papel temático de agente, pode selecionar a
forma de presente para expressar a futuridade verbal, mas se exercer o papel de paciente,
experienciador ou possuidor/recipiente avaliado aqui, o falante opta pela forma perifrástica.
108
4.3.5 Paralelismo sintático-discursivo
Como já se disse, esse grupo de fatores refere-se a orações consecutivas, em que a
primeira ocorrência de uma forma condicionaria a repetição dela nas orações seguintes
(PAIVA; SCHERRE, 1999).
Neste trabalho, resolvemos desconsiderar o fator <Ocorrência única> por entendermos
que, sozinhas, essas ocorrências não fazem “paralelismo”, ou seja, não há consecutividade de
formas, em que a primeira influencia a(s) seguinte(s). Verificamos então a relação entre a
primeira ocorrência de uma série e a(s) outra(s). Também não houve <ocorrência após forma
sintética>, por conta da quase inexistência dessa forma no corpus. Seguem os resultados:
Tabela 25: Uso da perífrase em relação ao ‘Paralelismo sintático-discursivo’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
1.ª ocorrência de uma série
108/126
85,7%
0.62
Ocorrência após forma de
10/29
34,5%
0.13
136/160
85,0%
0.50
presente
Ocorrência após perífrase
Input = 0.918
Log likelihood = -128.091
Nível de significância = 0.012
A hipótese de que o fator <1.ª ocorrência de uma série> favorece a forma perifrástica
se confirma com um peso relativo de 0.62, por ser esta a forma mais comum de expressar
futuridade verbal na comunidade e possuir marcação temporal no auxiliar, ideal, portanto,
para ocorrer em primeiro lugar numa série. O fator <Ocorrência após forma de presente>
favorece o uso dessa mesma forma, comprovando a atuação do paralelismo, ou seja, a
109
tendência de que uma forma se repita consecutivamente no discurso, com peso relativo de
0.13 para a perífrase. Já o fator <Ocorrência após perífrase> apresentou-se neutro em relação
à seleção da forma de futuridade verbal, com peso relativo de 0.50. Isso se explica pelo fato
de a perífrase de futuro ser marcada temporalmente (vou/vai) e permitir então o uso do
presente, forma não-marcada morfologicamente, logo a seguir (OLIVEIRA, 2006, p. 190).
4.3.6 Paradigma verbal
A hipótese básica para esse grupo de fatores é a de que os verbos regulares tenderiam
a favorecer mais a perífrase; e os verbos irregulares, a forma de presente. É preciso ressaltar a
grande ocorrência do verbo ir com valor pleno (53 ocorrências), que perfaz quase 9% das
ocorrências totais e mais de 20% das ocorrências dos verbos de padrão especial e que usa
categoricamente a forma de presente para expressar futuro. Seguem os resultados:
Tabela 26: Uso da perífrase em relação ao ‘Paradigma verbal’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
Verbos regulares
326/361
90,3%
0.68
Verbos irregulares
168/241
69,7%
0.25
Input = 0.918
Log likelihood = -128.091
Nível de significância = 0.012
A hipótese se confirma tanto pelos percentuais, quanto pelos pesos relativos,
apresentando os verbos regulares peso de 0.68 e os irregulares, 0.25. Mas, quando o verbo ir
com valor pleno é retirado da rodada, ocorrem mudanças nos resultados: o grupo não foi mais
110
selecionado como relevante para a seleção das formas de futuridade verbal. A explicação
pode estar nos percentuais, como segue:
Tabela 27: Uso da perífrase em relação ao ‘Paradigma verbal’ (sem o verbo ir)
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Verbos regulares
326/361
90,3%
Verbos irregulares
168/188
89,4%
Input = 0.918
Log likelihood = -128.091
Nível de significância = 0.012
Sem os dados do verbo ir pleno, os percentuais dos dois fatores se aproximam
bastante, ficando o percentual dos <Verbos regulares> levemente acima da média do grupo,
apenas 0,3%, e os do fator <Verbos irregulares> levemente abaixo, 0,6%. Assim, como o
verbo ir com valor pleno apresenta sempre muita ocorrência em corpora de fala, ele
influencia decisivamente a seleção das formas de futuridade verbal, por seu uso quase sempre
categórico com a forma de presente, como aconteceu com estes dados da fala santoantoniense. Sem eles, porém, esse fator linguístico apresenta-se irrelevante para tal escolha, já
que consideramos extinta da fala espontânea a forma sintética, favorecida pelos verbos
irregulares (ALVES, 2011; OLIVEIRA, 2006), ficando a perífrase aplicável a qualquer outro
tipo de verbo.
111
4.3.7 Tipo de sentença
Esse grupo de fatores, inspirado em Silva (2003, p. 81-82, 102-105), tem como
hipótese básica a de que a perífrase verbal seria favorecida pelas sentenças simples
(absolutas), por conta do contexto mais indicativo. Surpreendentemente, porém, os resultados
indicaram uma neutralização desse tipo de sentença, pois houve ocorrências em que a
perífrase apareceu em sentenças complexas subordinadas, fazendo supor que outro aspecto
das sentenças deve sobrepor-se ao modo verbal na seleção das formas de futuro.
Durante a codificação deste grupo, optamos pela análise em separado das ocorrências
de
futuridade
verbal
em
<sentenças
matrizes
vinculadas
a
subordinadas
causais/explicativas 23> e as <sentenças matrizes vinculadas a subordinadas finais>, por conta
de o número de ocorrências parecer relevante. Seguem os resultados para todos os fatores do
grupo na página seguinte:
23
A opção por analisar juntos esses dois tipos de sentença se baseia nos argumentos de Castilho (2010, p. 346349), de que não há sustentação teórica para a separação entre elas, conforme p. 54-55.
112
Tabela 28: Frequência da perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Sentença simples
178/207
86,0%
Matriz vinculada a subordinada substantiva
34/37
91,9%
Sentença subordinada substantiva
29/30
96,7%
3/6
50,0%
Sentença subordinada adjetiva
11/11
100%
Matriz vinculada a uma sentença subordinada
12/28
42,9%
62/78
79,5%
17/22
77,3%
10/13
76,9%
5/6
83,3%
Sentença subordinada adverbial
29/38
76,3%
Primeira sentença coordenada ou assindética
72/85
84,7%
Sentença coordenada sindética (aditiva ou
32/41
78,0%
Matriz vinculada a subordinada adjetiva
adverbial temporal
Matriz vinculada a uma sentença subordinada
adverbial condicional
Matriz vinculada a uma sentença subordinada
adverbial final
Matriz vinculada a uma sentença subordinada
adverbial causal/explicativa
Matriz vinculada a outro tipo de sentença
subordinada adverbial
adversativa)
113
Houve uso categórico do fator <Sentença subordinada adjetiva>, pois as 11 (onze)
ocorrências se deram com a perífrase. Só foram encontradas 6 (seis) ocorrências no fator
<Sentença matriz vinculada a subordinada adjetiva>, sendo exatamente metade para cada uma
das formas comparadas. Esses dois fatores foram amalgamados para a rodada básica,
considerando a relação sentencial (matriz e subordinada) marcada pela “adjunção”
(CASTILHO, 2010, p. 339 e 355), ou seja, por uma relação que, apesar de apresentar [+
encaixamento], permite maior independência semântica do que as substantivas. Juntos, esses
dois fatores formam, doravante, o novo fator <Sentença adjetiva>.
Ocorreu uso quase categórico com o fator <Sentença subordinada substantiva>, com
96,7% das ocorrências (29/30) apresentando a forma perifrástica de futuro. Esse fator foi
então amalgamado ao fator <Sentença matriz vinculada a subordinada substantiva>, formando
o novo fator <Sentença substantiva>, considerando-se a relação sentencial argumental da
subordinada com a sentença matriz, caracterizada por [+encaixamento] sintático e
[+dependência] semântica (CASTILHO, op. cit., p. 339 e 355).
Houve uso quase categórico no fator <Matriz vinculada a outro tipo de oração
subordinada adverbial>, já que, das 6 (seis) ocorrências encontradas, 5 (cinco) aconteceram
com a forma perifrástica.
O fator <Sentença matriz vinculada a subordinada causal/explicativa>, que apresentou
apenas 13 (treze) ocorrências, sendo 10 (dez) relacionadas à perífrase e 3 (três) à forma de
presente, passa a compor o fator <Sentença matriz vinculada a outro tipo de adverbial>.
Optamos, então, por reorganizar o grupo para a rodada estatística básica,
amalgamando os fatores como segue:
a) sentença simples;
114
b) sentença coordenada, composta pelos fatores <Primeira sentença coordenada ou
assindética> e <Sentença coordenada sindética aditiva ou adversativa>, considerando
sua independência sintática;
c) sentença substantiva (matriz vinculada a subordinada substantiva e sentença
subordinada substantiva, considerando seus traços [+ encaixamento] e [+
dependência]);
d) sentença adjetiva (matriz vinculada a subordinada adjetiva e subordinada adjetiva,
considerando seus traços [+ encaixamento] e [- dependência]);
e) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial temporal/condicional, considerando
que as sentenças condicionais também instauram um contexto de projeção futura
(GÖRSKI et al., 2002, p. 232);
f) sentença matriz vinculada a subordinada adverbial final;
g) sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial;
h) sentença subordinada adverbial.
Após as decisões metodológicas explicitadas anteriormente, obtivemos os seguintes
resultados:
115
Tabela 29: Uso da perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
Sentença simples
178/207
86,0%
0.66
Sentença coordenada
104/126
82,5%
0.53
Sentença substantiva
63/67
94,0%
0.80
Sentença adjetiva
14/17
82,4%
0.16
74/106
69,8%
0.15
17/22
77,3%
0.47
15/19
78,9%
0.25
29/38
76,3%
0.41
Sentença matriz vinculada a subordinada
adverbial temporal/condicional
Sentença matriz vinculada a subordinada
adverbial final
Sentença matriz vinculada a outro tipo de
subordinada adverbial
Subordinada adverbial
Input = 0.918
Log likelihood = -128.091
Nível de significância = 0.012
A hipótese de que a <Sentença simples> favorece o uso da perífrase se confirma com
um peso relativo de 0.66. O mesmo ocorre com a <Sentença substantiva>, com peso relativo
de 0.80. A <Sentença coordenada> favorece ligeiramente o uso da forma perifrástica, com
peso relativo de 0.53.
Outro grupo se forma, então, com a <Sentença matriz vinculada a subordinada
adverbial temporal/condicional>, que desfavorece fortemente o uso da perífrase (peso relativo
0.15), a <Sentença subordinada adverbial>, que tem peso relativo de 0.41, contexto sintático
desfavorecedor do uso da perífrase e, por contraste, favorecedor o uso da forma de presente
com valor de futuro. O mesmo se pode dizer da <Sentença matriz vinculada a subordinada
116
adverbial final> e da <Sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial>, com
pesos relativos de 0.47 e 0.25, respectivamente, apesar de o desfavorecimento da forma
perifrástica pela primeira ser mínimo. Surpreendentemente, a <Sentença adjetiva> também
desfavorece o uso da perífrase, com peso relativo de 0.16.
Numa amalgamação para refinar a análise, valendo-nos mais uma vez do conceito de
relação intersentencial (CASTILHO, 2010, p. 337-340), foram unidos os fatores <Sentença
matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial>, <Sentença matriz vinculada a
subordinada
adverbial
final>,
<Sentença
matriz
vinculada
a
subordinada
temporal/condicional> e <Sentença subordinada adverbial> num único fator chamado
<Sentença adverbial>. Os fatores <Sentença simples> e <Sentença coordenada> passam,
conjuntamente, a compor o fator <Sentença independente>, considerando a sua
“independência” sintática (BECHARA, 2004, p. 476-479). Para melhor visualização, seguem
os novos grupos de fatores:
a) sentença independente (simples e coordenadas);
b) sentença substantiva (matriz e subordinada);
c) sentença adjetiva (matriz e subordinada);
d) sentença adverbial (matriz e subordinada).
Os resultados dessa nova configuração são os seguintes:
Tabela 30: Perífrase em relação ao ‘Tipo de sentença’ – Relação sentencial
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Sentença independente
Pesos
relativos
282/333
84,7%
0.62
Sentença substantiva
63/67
94,0%
0.78
Sentença adjetiva
14/17
82,4%
0.18
Sentença adverbial
135/185
73,0%
0.24
Input = 0.919
Log likelihood = -127.717
Nível de significância = 0.009
117
Nessa comunidade, com os dados disponíveis para esta análise, a forma perifrástica de
futuro é favorecida pela <Sentença independente>, com peso relativo de 0.62, e pela
<Sentença substantiva>, com peso relativo de 0.78. Já a <Sentença adverbial> e a <Sentença
adjetiva> desfavorecem o uso da forma perifrástica de futuro, com pesos relativos de 0.24 e
0.18, respectivamente.
No trabalho de Oliveira (2006, p. 165-169), essa variável só foi selecionada para dados
de língua escrita: nos anos 70, as orações adverbiais foram as que apresentaram maior
percentual de uso da perífrase; já nos anos 90, foram as substantivas (completivas) e as
sentenças simples (absolutas) as que revelaram maior peso relativo para essa variante.
Segundo a autora, “os dados são muito poucos para que se possa confirmar a relevância dessa
variável e para que se possa concluir algo sobre o condicionamento da estrutura sintática na
expressão do futuro verbal” nos dados analisados por ela.
No caso dos dados de Santo Antônio de Jesus, podemos atribuir os resultados a
algumas características específicas das sentenças e da relação intersentencial:
a) as sentenças independentes (sentenças simples, sentença coordenada assindética,
primeira sentença coordenada de uma série e sentença coordenada sindética), por seu
grau de “independência” de outras sentenças, necessitam de uma forma com marcação
de futuro, por isso optam pela perífrase, cujo verbo auxiliar contém essa marca.
Quando a opção é pela forma de presente com valor de futuro, esta deve conter traços
inerentes de futuridade, como as formas vou/vai, do verbo ir pleno. De fato, das 53
(cinquenta e três) ocorrências da forma de presente nas sentenças independentes, 31
(trinta e uma) são do verbo ir, mais de 58% do total.
b) No fator <Sentença adjetiva>, merecem análise específica seus dois componentes:
isoladamente, a <sentença matriz vinculada a uma subordinada adjetiva>, por sua
baixa ocorrência, não permitiu análise quantitativa. Mas, como já foi dito
118
anteriormente, caso as ocorrências não tenham sido aleatórias, o fato de haver
exatamente a mesma quantidade de dados para cada variante, indicaria uma
neutralização nesse contexto sintático. Já a <sentença subordinada adjetiva> deve
favorecer o uso da perífrase de futuro, já que, nos dados desta pesquisa, todas as 11
(onze) ocorrências de futuridade verbal tinham essa forma. Amalgamados os dados
dos dois tipos, o GoldVarb X aponta um forte desfavorecimento da perífrase. Talvez a
característica da adjunção (CASTILHO, 2010, p. 339 e 355) seja um dos caminhos
para explicar o favorecimento da forma de presente, ou seja, a relação sentencial
(matriz e subordinada), apesar de apresentar [+ encaixamento], permite maior
independência semântica do que as substantivas. Talvez uma subdivisão nas
subordinadas adjetivas (restritivas, explicativas e livres) desse resultados mais
confiáveis.
c) A <sentença matriz vinculada a uma subordinada substantiva> favorece o uso da
perífrase de futuro, assim como a própria <sentença subordinada substantiva>. É
significativo o número de sentenças subjetivas indicadoras de tempo transcorrido na
composição desse grupo: das 37 ocorrências de formas de futuridade verbal em
sentenças matrizes vinculadas a subordinadas substantivas, 26 (vinte e seis)
apresentam a “configuração sintática relativamente fixa desse tipo de construção”
(MACHADO VIEIRA, s.d., p. 19), mais de 70% do total. Interessa-nos
especificamente a estruturação sintática sem sujeito, conforme explica Machado
Vieira (2006) em outro trabalho:
As construções com marcador temporal fazer caracterizam-se por
expressarem um estado de coisas que não explicita um argumento
agente/causa (causador ou produtor), uma estrutura que não tem sujeito
gramatical. Os traços de controle, agentividade (intencional ou acidental) são
anulados. Apenas o efeito é explicitado. (grifos da autora)
119
Essas características sintático-semânticas podem explicar a opção pela forma
perifrástica de futuro, que, em nossa hipótese, apresenta menos certeza do que a forma
de presente com valor de futuro. As poucas ocorrências dessa última forma nesse tipo
de construção vêm sempre acompanhadas por outro constituinte de valor temporal
futuro.
d) A <sentença matriz vinculada a subordinada adverbial temporal ou condicional>
seleciona com muito mais frequência o presente do indicativo com valor de futuro, já
que ambos os tipos de subordinada podem indicar a futuridade, deixando aberta a
possibilidade da seleção, pela sentença matriz, de uma forma não-marcada
morfologicamente.
e) Quanto à sentença matriz vinculada a outro tipo de subordinada adverbial, não é
possível tecer grandes comentários por conta da baixa ocorrência: podemos inferir
que, no caso das causais/explicativas, pode haver uma brecha semântica para um
maior uso da forma de presente, pois segundo Neves, Braga e Hattnher (2008, p. 946,
apud CASTILHO, 2010, p. 374),
Sob uma perspectiva lógico-semântica, a construção causal pode ser
caracterizada como a junção entre um evento-causa e um eventoconsequência ou evento-efeito. Concebida dessa forma, a relação causal
implica uma sequência temporal entre os eventos, à qual se soma a ideia
de que o segundo evento é previsível a partir do primeiro (ou porque tem
nele a sua razão, ou porque há entre eles uma sucessão regular). (o grifo é
nosso.)
f) No caso das finais, já que a perífrase de futuro em português resulta de um processo de
gramaticalização da construção ir + infinitivo em estruturas com uma sentença matriz
seguida de outra, subordinada adverbial final reduzida de infinitivo, podemos inferir
que a forma de presente na sentença matriz absorve o sentido de futuridade da
sentença vinculada adverbial final, já que “atingir um objetivo ou realizar um desejo
120
também exige tempo” (OLIVEIRA, 2006, p. 81). Acrescente-se a isso o fato de que,
das 5 (cinco) ocorrências de formas de presente com valor de futuro em sentenças
matrizes vinculadas a subordinadas adverbiais finais, 4 (quatro) possuem em suas
adjacências outro constituinte de valor temporal. A única ocorrência em que não há
outro constituinte de valor temporal nas adjacências é do verbo ir pleno, que já traz em
si a noção de futuridade.
4.3.8 Saída/Permanência na comunidade
A hipótese básica desse grupo de fatores era a de que, com a ampliação das redes de
contato, os falantes que passaram algum tempo fora da comunidade usassem mais a forma
perifrástica, variante com maior espraiamento no português brasileiro. Seguem os resultados:
Tabela 31: Uso da perífrase em relação à ‘Saída/Permanência na comunidade’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
Saída da comunidade
259/329
78,7%
0.41
Permanência na comunidade
234/273
85,7%
0.61
Input = 0.918
Log likelihood = -128.091
Nível de significância = 0.012
Contrariando a hipótese inicial, o peso relativo de 0.41 aponta maior possibilidade de
uso da forma de presente entre os informantes que saíram da comunidade, o que pode
significar uma ideia de “novidade” nessa forma em relação à forma mais tradicional na
comunidade, em oposição aos informantes que permaneceram na comunidade com peso
121
relativo de 0.61, que tendem a usar mais a perífrase. É necessário, então, análise em tempo
real para que se verifique a frequência dessas duas variantes na comunidade de Santo Antônio
de Jesus, a fim de, se possível, identificar qual a forma “original” de futuridade verbal em sua
história linguística. Pode-se pensar também, como postulado anteriormente, que haja algum
valor modal na forma de presente, o qual faça os informantes que saíram da comunidade optar
por ela mais do que os que permaneceram na comunidade.
Por ser comum haver interação entre as variáveis sociais, tomamos a decisão de cruzar
esse grupo com o grupo de fatores ‘Sexo/Gênero’ para se verificar uma possível interação
entre eles. Os resultados são os que seguem:
Tabela 32: Uso da perífrase - ‘Saída/Permanência na comunidade’ com ‘Sexo/Gênero’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Pesos
relativos
Homens que saíram da comunidade
180/218
82,6%
0.45
Homens que permaneceram na comunidade
96/127
75,6%
0.49
Mulheres que saíram da comunidade
79/111
71,2%
0.31
Mulheres que permaneceram na comunidade
138/146
94,5%
0.73
Input = 0.911
Log likelihood = -129.783
Nível de significância = 0.024
Esse cruzamento mostra que, com peso relativo de 0.45, os <Homens que saíram da
comunidade> tendem a usar mais a forma de presente com valor de futuro do que os
<Homens que permaneceram na comunidade>, cujo peso relativo de 0.49 está muito próximo
do ponto neutro, embora nenhum dos dois subgrupos tenda a desfavorecer o uso da perífrase
fortemente.
122
Dentre as mulheres, ocorre uma polarização: as que passaram algum tempo fora da
comunidade, de um lado, como favorecedoras do uso do presente (0.31), e do outro, aquelas
que nunca saíram da comunidade, como favorecedoras do uso da perífrase (0.73).
Já que consideramos ser a forma perifrástica a estratégia de futuridade verbal preferida
no português brasileiro, e possuir status de variante inovadora, esses resultados reforçam a
hipótese de haver um valor modal na forma de presente que é percebido pelas mulheres que
passaram algum tempo fora da comunidade e tendem a usá-la mais; talvez a ideia de que essa
forma expresse mais certeza do que a perífrase. As respostas a essas questões ultrapassam os
limites desta dissertação e requerem o aprofundamento em futuros testes de avaliação e
percepção subjetiva.
4.4 GRUPOS DE FATORES NÃO-SELECIONADOS
Segue a análise dos grupos de fatores que não foram selecionados pelo programa
GoldVarb X como relevantes para a seleção das variantes em análise, a saber: ‘Extensão
fonológica do verbo’, ‘Pessoa gramatical do sujeito’, ‘Animacidade do sujeito’, ‘Projeção de
futuridade’, ‘Polaridade da frase’, ‘Sexo/Gênero’, ‘Faixa etária’, ‘Escolaridade’ e ‘Local de
residência no município’.
4.4.1 Extensão fonológica do verbo
A hipótese desse grupo era a de que os verbos monossilábicos favoreceriam o uso da
forma sintética de futuro, ficando os verbos com outra extensão relacionados à perífrase e à
forma de presente.
123
Não ocorreu variação com o fator <Verbos com quatro sílabas ou mais>, pois todas as
19 (dezenove) ocorrências foram com a perífrase. Foi feita a exclusão desse fator na análise
estatística básica. Os resultados para essa variável são os seguintes:
Tabela 33: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Extensão fonológica do
verbo’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Verbos com uma sílaba
87/152
57,2%
Verbos com duas sílabas
310/344
90,1%
Verbos com três sílabas
78/87
89,7%
Verbos com quatro ou mais sílabas
19/19
100%
Com a extinção da forma sintética da fala vernacular da comunidade santo-antoniense,
os <verbos monossilábicos> apresentam uma relação com a forma de presente; isso se
confirma pelos percentuais (57,2%), já que esse é o único fator cuja frequência está bem
abaixo da média geral de uso da perífrase (81,5%), enquanto os verbos com mais de uma
sílaba favorecem fortemente o uso da perífrase de futuro: dissilábicos = 90,1%, trissilábicos =
89,7% e polissilábicos = 100%.
É preciso salientar, porém, que, das 152 (cento e cinquenta e duas) ocorrências com
verbos monossílabos, 53 (cinquenta e três) são do verbo ir pleno, altamente restritivo ao uso
da perífrase. Essas características talvez expliquem o comportamento dos verbos com essa
extensão. Numa rodada desconsiderando o verbo ir, os percentuais se aproximam bastante,
justificando o fato de esse grupo de fatores não ter sido selecionado pelo GoldVarb X como
significativo para a seleção das variantes de futuro. Seguem os resultados:
124
Tabela 34: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Extensão fonológica do
verbo’ (sem verbo ir pleno)
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Verbos com uma sílaba
87/99
87,9%
Verbos com duas sílabas
310/344
90,1%
Verbos com três sílabas
78/87
89,7%
Verbos com quatro ou mais sílabas
19/19
100%
Com percentuais tão próximos, podemos afirmar que, nessa comunidade, com essa
amostra, a extensão fonológica do verbo não é fator decisivo para a seleção das formas de
futuridade verbal, embora ainda seja perceptível que os verbos monossilábicos se opõem aos
demais, pois é o único fator que tem percentual um pouco abaixo da média do grupo. A
perífrase define-se então como aplicável a verbos com qualquer extensão fonológica.
4.4.2 Pessoa gramatical do sujeito
A hipótese inicial para esse grupo era a de que haveria um vínculo entre a primeira
pessoa do singular e a forma perifrástica, por ser esta a mais subjetiva das formas de
futuridade verbal e aquela a pessoa mais marcada (SILVA, 2003, p. 83).
O fator <quinta pessoa> apresentou uso categórico, sendo que sua única ocorrência se
deu com a perífrase, reproduzida abaixo:
125
(48) Eu digo: “Olha, num é porque sua mãe não estuda... que vocês não vai estudá”.
(SAJ-S, Inf. 04)
Credita-se essa baixa ocorrência de P5 ao tipo de inquérito usado para coletar dados,
em que há um diálogo direto entre um documentador e o informante (DID), inibindo a
ocorrência do pronome “vocês”, embora possa, ocasionalmente, haver mais de um
documentador e um ou mais circunstantes. Quanto ao fato de não ter sido documentada
ocorrência com a forma de presente, Malvar e Poplack (2008, p. 19) ressaltam que parece
haver “uma forte aversão” ao seu uso com a “segunda pessoa gramatical animada”. Talvez
isso se explique para evitar confusão semântica com o imperativo, como se pode ver no
exemplo hipotético abaixo:
(49) Hoje à noite vocês estudam bastante para a prova de amanhã.
Abaixo seguem os resultados para todas as pessoas:
Tabela 35: Frequência da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do sujeito’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
P1 – 1.ª pessoa singular
200/273
73,3%
P2 – 2.ª pessoa singular
30/34
88,2%
P3 – 3.ª pessoa singular
147/167
88,3%
P4 – 1.ª pessoa plural
36/41
87,8%
P5 – 2.ª pessoa plural
1/1
100%
P6 – 3.ª pessoa plural
26/28
92,9%
126
Por conta também da baixa ocorrência de P2, P4 e P6, tomamos a decisão de
amalgamar, a partir de então, a <Primeira pessoa> com a <Quarta pessoa>, a <Segunda
pessoa> com a <Quinta pessoa> e a <Terceira pessoa> com a <Sexta pessoa>,
desconsiderando assim a informação de número (singular e plural).
Mesmo com a amalgamação prevista anteriormente, de P1 com P4, P2 com P5 e P3
com P6, esse grupo de fatores não foi selecionado pelo programa como estatisticamente
relevante para a seleção das variantes em análise. Seguem os resultados:
Tabela 36: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do
sujeito’- P1 versus P2 versus P3
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
P1
235/314
74,8%
P2
31/35
88,6%
P3
173/195
88,7%
A hipótese inicial de que <P1> estaria vinculada à forma perifrástica não se confirma.
Em vez disso, ela está vinculada à forma de presente com valor de futuro, já que com essa
pessoa está o maior percentual de uso dessa forma, enquanto <P2> e <P3> favorecem mais o
uso da forma perifrástica.
Esses resultados permitem dizer que há uma diferença no fato de o falante fazer
referência a si mesmo ou de referir-se às outras pessoas gramaticais. Numa análise binária
como esta, em que se comparam apenas a forma perifrástica com a forma de presente,
postulamos que a maior generalidade atribuída à forma sintética de futuro passe a ser uma
atribuição da forma perifrástica, relacionada ao <Não-EU>, na qual o verbo auxiliar ir, à
127
medida que se gramaticaliza, vai perdendo gradativamente as noções modais que possuía, por
isso o <EU> opta mais pelo uso da forma de presente, à qual se atribui maior certeza de
realização.
Foi feita então a amalgamação de <P2> e <P3>, opondo-as a <P1>, para que fossem
verificados os resultados. Nessa nova rodada, esse grupo de fatores também não foi
selecionado como estatisticamente relevante, apresentando os percentuais que seguem:
Tabela 37: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Pessoa gramatical do
sujeito’- Eu versus Não-Eu
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
EU
235/314
74,8%
Não-EU
204/230
88,9%
Pelos percentuais, pode-se inferir que o sujeito de primeira pessoa, <Eu>, tenda a
desfavorecer o uso da forma perifrástica de futuro, enquanto as outras pessoas, <Não-Eu>,
tendam a favorecê-la como expressão de futuridade verbal. Retomando as sugestões de
Malvar e Poplack (2008), esses resultados permitem atribuir maior subjetividade à forma de
presente, já que ela se apresentou atrelada ao sujeito de primeira pessoa 24. Haveria, portanto,
uma oposição entre os dois grupos, em que o grupo formado pelo falante utilizaria mais a
forma de presente como forma de atribuir certeza à realização de sua proposição, enquanto
isso não poderia ser feito em relação ao outro, tanto o interlocutor quanto uma terceira pessoa
(assunto). Ressaltamos que essa hipótese deve ser confirmada por testes de percepção e
avaliação das variantes em estudo.
24
Ver seção 4.3.2.2 que relaciona essa variável ao papel temático do sujeito, reforçando a hipótese explicitada
acima.
128
4.4.3 Animacidade do sujeito
Esse grupo de fatores, que tenta relacionar a animacidade do sujeito com a seleção de
formas de futuridade verbal, seguiu as mesmas hipóteses de Oliveira (2006, p. 161-163).
Segundo a autora, o traço [+humano] conferiria “maior grau de certeza e de compromisso em
relação à ação verbal que se realizará no tempo futuro”. Como a forma sintética de futuro está
em desuso na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus, hipotetizamos uma relação
em que a forma de presente com valor de futuro seria selecionada por um sujeito com esse
traço.
Na análise de frequências, houve uso categórico no fator <Sujeito animado nãohumano>, cujas 7 (sete) ocorrências tinham a forma da perífrase. Ocorreu um uso quase
categórico com o fator <Sujeito inanimado>, pois, das 45 (quarenta e cinco) ocorrências de
futuro, 43 (quarenta e três) tinham a forma perifrástica, excedendo o limite pré-estabelecido
de 95%. Esses fatores foram excluídos da análise estatística básica.
Seguem os resultados de frequência para este grupo de fatores:
Tabela 38: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Animacidade do sujeito’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Sujeito humano
337/433
77,8%
Sujeito abstrato
43/50
86,0%
7/7
100%
52/54
96,3%
Sujeito animado não-humano
Sujeito inanimado
129
Embora não tenhamos pesos relativos para esse grupo, o fator <sujeito animado nãohumano> deve favorecer a perífrase, já que houve um uso categórico com essa forma (sete
ocorrências). O fator <Sujeito inanimado> firma-se também como contexto favorecedor da
forma perifrástica de futuro na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus, por conta
de seu uso quase categórico (96,3%).
O fator <Sujeito abstrato> também deve favorecer a forma perifrástica com um
percentual acima da média do grupo (86,0%), enquanto o fator <Sujeito humano> tende a
desfavorecer a forma perifrástica com um percentual abaixo da média do grupo (77,8%), o
que reforça a ideia de que a forma de presente com valor de futuro indica mais certeza do que
a forma perifrástica, pois seleciona um tipo de sujeito que pode fazer uma avaliação da
possibilidade ou não de realização do estado de coisas expresso pelo verbo.
Malvar (2003 apud OLIVEIRA, 2006) relaciona o traço [+humano] à ideia de certeza
e compromisso com a realização do estado de coisas indicado pela forma verbal. Logo, pelos
resultados percentuais verificados acima, podemos reafirmar a hipótese de que, entre a forma
perifrástica e a forma de presente com valor de futuro, esta indica mais certeza e
compromisso.
A partir desses percentuais, podemos imaginar um possível continuum de
favorecimento da perífrase de futuro, como segue:
Figura 4: Continuum de favorecimento da perífrase – animacidade do sujeito
- perífrase
sujeito
humano
sujeito
abstrato
sujeito
inanimado
sujeito animado
não-humano
77,8%
86,0%
96,3%
100%
+ perífrase
Poder-se-ia pensar que, numa escala como essa, o sujeito inanimado tenderia a ficar no
extremo favorecedor da forma perifrástica, considerando que a forma de presente indica mais
130
certeza. Mas Görski et al. (2002, p. 227) ressaltam que “o futuro se caracteriza por ausência
de factualidade, pois só aceita asserções segundo a avaliação que o falante faz da
possibilidade/impossibilidade de ocorrência de um estado de coisas, o que mostra que há
sempre um valor modal ligado ao valor temporal”. Assim, como o referente nos sujeitos
animado não-humano e inanimado passam pelo mesmo crivo, o falante parece preferir não se
comprometer com a realização de algo por outrem, optando pela forma mais genérica, a
perífrase 25.
4.4.4 Projeção de futuridade
Vários trabalhos apontam uma relação entre a proximidade e o uso da forma
perifrástica e/ou da forma de presente. Como já mencionado, Oliveira (2006, p. 141) utilizou
a divisão tríplice futuro próximo, futuro distante e futuro indefinido, apontando uma
implementação do uso da perífrase em caso de futuro próximo. Silva (2003, p. 76, 119),
diferentemente do trabalho de Poplack e Turpin (1999), no qual se inspirou, utilizou uma
“nova divisão por se pensar que uma absoluta polarização (proximal ou distal) não seja
coerente”. Esse grupo de fatores não foi selecionado pelo Varbrul, o que o levou a amalgamar
alguns fatores, e isso provocou uma “absoluta polarização”, iminente versus não-iminente.
Daí os resultados apontaram um favorecimento da perífrase em contextos iminentes.
Nos resultados desta análise, não houve variação com o fator <Projeção iminente>,
aquele cuja realização é imediata ao momento da fala, pois todas as 30 (trinta) ocorrências
aconteceram com a forma perifrástica.
25
Na análise dos resultados do grupo ‘Papel temático do sujeito’, mostramos um cruzamento entre os dois
grupos, considerando que as informações deles são repetitivas (ver seção 4.3.4.2).
131
A tabela a seguir mostra os resultados para todos os fatores previstos na configuração
do grupo:
Tabela 39: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de Futuridade’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Projeção indefinida
386/463
83,4%
Projeção iminente (imediatamente após a fala)
30/30
100%
Projeção próxima (entre o iminente até 24h)
17/35
48,6%
Projeção distante (entre 24h até um mês)
26/29
89,7%
Projeção longínqua (após um mês)
35/45
77,8%
Os resultados desse grupo parecem indicar que o contexto com <Projeção indefinida>,
com 83,4%, e o contexto de <Projeção distante> favorecem o uso da forma perifrástica, assim
como a <Projeção iminente>, por conta do uso categórico com essa forma. Das 30 (trinta)
ocorrências com esse tipo de projeção de futuridade, 16 (dezesseis) são de verbos dicendi,
usados na interlocução para introduzir um tópico; essa informação talvez explique a relação
entre esse contexto e a perífrase, já que parece haver uma restrição ao uso da forma de
presente com valor de futuro com esses verbos em contextos iminentes.
Já os contextos <Projeção próxima> e <Projeção longínqua> permitem mais o uso da
forma de presente, por conta dos percentuais respectivos de 48,6% e 77,8%. Esses resultados
se aproximam dos encontrados por Oliveira (2011) em teste de percepção e atitude realizado
em Feira de Santana, outra cidade da Bahia.
Considerando os resultados de Silva (2003) e Poplack e Turpin (1999), nos quais uma
absoluta polarização (proximal versus distal) condicionou a seleção das formas de futuridade
verbal, foram amalgamados os fatores <Projeção próxima> e <Projeção distante>, para
132
promover uma polarização com o fator <Projeção longínqua>, excluído o fator <Projeção
iminente, por conta do uso categórico com a perífrase, mas mesmo assim esse grupo de
fatores não foi selecionado. Seguem os resultados:
Tabela 40: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de futuridade’‘Projeção próxima’ versus ‘Projeção longínqua’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Projeção indefinida
385/463
83,2%
Projeção próxima (após o iminente até um mês)
43/64
67,2%
Projeção longínqua (mais de um mês)
35/45
77,8%
Os percentuais permitem as seguintes interpretações: o contexto <Projeção indefinida>
deve favorecer o uso da perífrase, já que seu percentual, 83,2%, está acima do percentual
geral do grupo (80,9%); na comparação com os outros fatores, o contexto de realização
<Projeção próxima> parece indicar um maior favorecimento da forma de presente, pois seu
percentual, 67,2%, está bem abaixo do percentual geral de uso da perífrase; o outro contexto,
<Projeção longínqua>, com 77,8%, parece favorecer o uso da perífrase, se comparado com o
fator <Projeção próxima>, mas deve favorecer menos, em comparação com a <Projeção
indefinida>.
Porém a amalgamação talvez estivesse obscurecendo a influência do fator <Projeção
próxima>, que apresenta quase metade das ocorrências com cada uma das formas cotejadas.
Foi feita então outra rodada estatística, mantendo-se a exclusão do fator <Projeção iminente>
e amalgamando-se o fator <Projeção distante> com o fator <Projeção longínqua>, fazendo
133
polarização com o primeiro. Esse procedimento não alterou os grupos já selecionados pelo
GoldVarb X.
Tabela 41: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de futuridade’ –
‘Projeção próxima’ versus ‘Projeção distante’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Projeção indefinida
385/463
83,2%
Projeção próxima (entre o iminente e 24h)
17/35
48,6%
Projeção distante (mais de 24h)
61/74
82,4%
O fator <Projeção indefinida> ainda deve favorecer o uso da forma perifrástica assim
como o fator <Projeção distante>, já que ambos os percentuais (83,2% e 82,4%,
respectivamente) estão acima da média geral de uso da perífrase. Já o fator <Projeção
próxima> deve desfavorecer o uso daquela forma, já que o percentual verificado (48,6%) é
muito abaixo da média geral do grupo, que é de 80,9%.
Foi feita mais uma amalgamação, promovendo a polarização <Projeção iminente>
versus <Projeção não-iminente>, composta esta pelos fatores <Projeção próxima>, <Projeção
distante> e <Projeção longínqua>. Para viabilizar essa rodada, foi criada uma ocorrência
fictícia, para “desfazer” o nocaute do fator <Projeção iminente> (GUY; ZILLES, 2007, p.
162-163). O grupo ainda assim não foi selecionado e apresentou os seguintes resultados
percentuais:
134
Tabela 42: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Projeção de Futuridade’ –
‘Projeção iminente’ versus ‘Projeção não-iminente’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Projeção indefinida
385/463
83,2%
Projeção iminente (imediatamente após a fala)
30/30
100%
Projeção não-iminente (após o iminente)
78/109
71,6%
Esses resultados permitem inferir a existência de um continuum crescente de
favorecimento da perífrase de futuro, em que a polarização iminente versus não-iminente se
faz perceptível, a saber:
contexto não-iminente (71,6%) > contexto indefinido (83,2%) > contexto iminente (100%)
4.4.5 Polaridade da frase
As hipóteses para esse grupo eram de que, como no trabalho de Silva (2003), as frases
afirmativas ficariam próximas ao ponto de neutralidade para a seleção das formas de futuro,
as frases interrogativas favoreceriam a forma perifrástica, enquanto as frases negativas a
desfavoreceriam.
135
Tabela 43: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Polaridade da frase’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Frase afirmativa
375/458
81,9%
Frase negativa
84/105
80,0%
Frase interrogativa
34/39
87,2%
De fato, os percentuais parecem confirmar a hipótese inicial, já que há uma
coincidência perfeita entre o percentual das <Frases afirmativas> e o percentual geral de uso
da perífrase de futuro (81,9%). Pode-se perceber um continuum crescente em relação ao uso
da perífrase, das frases negativas (80,0%) às interrogativas (87,2%), embora esse grupo não
tenha sido selecionado como estatisticamente relevante:
frases negativas (80,0%) > frases afirmativas (81,9%) > frases interrogativas (87,2%)
4.4.6 Sexo/Gênero do informante
Uma das premissas básicas da Sociolinguística é de que há diferenças na seleção de
variantes linguísticas entre homens e mulheres, principalmente se há avaliação negativa ou
positiva de algumas dessas variantes. Caso haja avaliação positiva, as mulheres costumam
liderar o uso de uma variante, em casos de variação estável, ou seu processo de
implementação, em casos de mudança em curso, mantendo uma atitude linguisticamente
conservadora caso essa avaliação social seja negativa.
136
No trabalho de Oliveira (2006, p. 126), esse grupo de fatores “foi selecionado apenas
nos corpora de fala mais formal, o que indica que a distinção homem X mulher é anulada na
fala menos formal”. Já no trabalho de Silva (2003), houve um leve favorecimento do uso da
perífrase pelas mulheres (peso relativo 0.56), embora ambos os pesos relativos não sejam
muito díspares (0.46 para o gênero masculino).
Neste corpus, a variável ‘Sexo/Gênero’ não foi considerada relevante. As variantes de
futuro em análise não parecem receber nenhum tipo de avaliação social, nem correção por
parte da escola; isso talvez explique a indiferença desta variável social neste caso. Os
resultados foram os que seguem:
Tabela 44: Frequência de uso da perífrase em relação ao ‘Gênero/Sexo’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Homem
276/345
80,0%
Mulher
217/257
84,4%
A hipótese de que as mulheres usariam mais a perífrase por conta do espraiamento da
variante no PB se confirma pelos percentuais (84,4%), enquanto os homens optam um pouco
menos por essa mesma forma (80,0%). Foi mostrado anteriormente um cruzamento dessa
variável social com outra, ‘Saída/Permanência na comunidade’, que nos levou a duas
hipóteses sobre a seleção de formas de futuridade verbal na comunidade de Santo Antônio de
Jesus (ver seção 4.3.8).
137
4.4.7 Faixa etária do informante
Esse importante grupo de fatores costuma ser escrutinado por dar informações
indicativas de mudanças em progresso. Em geral, uma variante linguística em processo de
implementação apresenta percentuais de uso maiores nas faixas etárias menores e um
decréscimo nas faixas mais altas. Os resultados aqui não apresentam indícios desse tipo, pois
há um aumento na frequência de uso da forma perifrástica da Faixa III para a Faixa II, mas
uma diminuição na frequência de uso na faixa etária mais nova, como segue:
Tabela 45: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Faixa etária’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Faixa I – 25 a 35 anos
177/217
81,6%
Faixa II – 45 a 55 anos
234/277
84,5%
Faixa III – 65 anos ou mais
82/108
75,9%
Esses resultados condizem com os de Oliveira (2006) e Alves (2011, p. 170-171), em
que há um padrão curvilíneo, indicando variação estável, pois a mudança já atingiu todas as
faixas etárias, como se pode ver no gráfico a seguir:
138
Gráfico 5: Uso percentual da perífrase em relação à ‘Faixa etária do informante’
Um cruzamento com a variável ‘Escolaridade’ talvez permita outras inferências acerca
do papel da faixa etária na seleção das variantes.
4.4.8 Escolaridade
Essa variável social normalmente está associada à avaliação das variantes e, como
consequência, espera-se que, quanto maior o nível de escolarização, maior seja o uso de
formas padrão. Neste trabalho, o corpus é composto por falantes das camadas populares com
baixo nível de escolarização. Além disso, mais uma vez, parece que as variantes em análise
não sofrem nenhum tipo de avaliação social negativa ou positiva, nem correção escolar; isso
inibe o efeito dessa variável. Seguem os resultados do grupo:
139
Tabela 46: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Escolaridade’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Não-alfabetizados
73/98
74,5%
Semialfabetizados
420/504
83,3%
É preciso, porém, que se faça uma ressalva quanto à configuração desse grupo: na
constituição da amostra, não houve muito rigor na distribuição dessa variável; há mais
informantes <Semialfabetizados> (83,7% dos dados) do que <Não-alfabetizados>. A <Faixa
etária I>, por exemplo, é composta apenas por <Semialfabetizados>. Assim, foi feito o
cruzamento desses dois grupos para que pudéssemos verificar os efeitos da escolaridade.
Seguem os resultados desse cruzamento:
Tabela 47: Frequência de uso da perífrase em relação à ‘Faixa etária’ com
‘Escolaridade’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Faixa I –Semialfabetizados
177/217
81,6%
Faixa II – Não-alfabetizados
25/31
80,6%
Faixa II – Semialfabetizados
209/246
85,0%
Faixa III - Não-alfabetizados
48/67
71,6%
Faixa III – Semialfabetizados
34/41
82,9%
Na comparação entre os falantes não-alfabetizados, percebe-se um aumento no uso da
perífrase, pois na <Faixa III> há um percentual de 71,6%, enquanto na <Faixa II>, o
140
percentual sobe para 80,6%. A configuração das células não permite a comparação com a
<Faixa I>.
Em relação ao semialfabetizados, a <Faixa III> apresenta um percentual de 82,9%, a
<Faixa II> possui um percentual mais alto, 85,0%, mas há uma queda no percentual da <Faixa
I>, que é de 81,6%. Veja-se o gráfico a seguir, que possibilita melhor visualização dos
resultados:
Gráfico 6: Uso da Perífrase – ‘Faixa etária do informante’ com ‘Escolaridade do informante’
O fato de ser o percentual de uso da perífrase menor com os informantes da Faixa III
que não foram alfabetizados talvez dê indícios do citado processo de “descrioulização”, já
que, pela hipótese de Silva (2003), a forma de presente não é marcada, tipo preferido em
situações de crioulização, havendo um processo de implementação da forma marcada, a
perifrástica entre as faixas etárias mais novas e/ou entre os falantes que tiveram algum contato
com a educação formal.
141
4.4.9 Local de residência no município
A hipótese básica é a de que os moradores da sede do município, por sua maior rede
de contatos, por sua maior mobilidade, pelo maior contato com meios de comunicação de
massa e pelo acesso à escolarização, deveriam usar mais a forma perifrástica para expressar
futuridade verbal, já que essa variante é considerada a forma inovadora e não sofre nenhum
tipo de avaliação negativa por parte dos membros da comunidade. Seguem os resultados
percentuais:
Tabela 48: Frequência de uso da perífrase em relação ao ‘Local de residência no
município’
Fatores
Ocorrências/
Percentuais
Total de ocorrências
Zona rural
227/277
81,9%
Sede
266/325
81,8%
Os resultados apontam uma neutralização dessa variável, já que os percentuais são
muito próximos entre si e tecnicamente iguais à média geral de uso da perífrase na
comunidade. Isso nos permite afirmar que, nessa comunidade linguística, morar na sede do
município ou na zona rural não exerce nenhum tipo de influência na seleção das variantes de
futuro.
142
4.4.10 Conclusões
Os resultados desses grupos não-selecionados apontam o espraiamento e
implementação da perífrase como variante default para expressão da futuridade verbal na
comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus, variando com a forma de presente em
contextos muito específicos.
143
CONCLUSÕES
Esta dissertação utilizou-se da metodologia da Sociolinguística Quantitativa para
analisar o processo de variação nas formas de expressão da futuridade verbal em Santo
Antônio de Jesus. A análise mostra praticamente a inexistência da forma de futuro de
presente, ocorrendo variação entre as formas perifrástica, formada pelo verbo auxiliar ir e um
verbo principal no infinitivo, e a forma de presente do indicativo.
Os resultados dos grupos que foram selecionados como estatisticamente relevantes
para o uso das formas de futuridade verbal na comunidade de fala de Santo Antônio de Jesus
permitem que façamos algumas generalizações quanto aos contextos que condicionam as duas
formas cotejadas nesta pesquisa.
Quanto à forma perifrástica, largamente atestada como variante default para expressão
do futuro no português brasileiro, possui um vasto leque de características morfológicas e
contextos sintáticos de favorecimento de seu uso. Destacam-se como condicionadores da
perífrase de futuro os seguintes contextos:
a) os verbos multiargumentais atélicos;
b) os verbos com duas ou mais sílabas;
c) os verbos pertencentes ao paradigma regular;
d) em relação ao argumento externo, o sujeito pode ser de qualquer pessoa
gramatical, mas que apresente, preferencialmente o traço [- agentivo];
e) o contexto sintático pode ser uma ocorrência isolada, normalmente numa sentença
simples, ou numa sentença complexa formada por uma matriz vinculada a outra
sentença substantiva;
144
f) em caso de paralelismo sintático-discursivo, pode ser a primeira ocorrência da
série, prescindindo da presença de outro constituinte de valor temporal.
Já a forma de presente possui contextos muito específicos de favorecimento; usando o
termo proposto por Oliveira (2006), consideramos o “nicho do presente”, ou seja, o contexto
que reúne o máximo de características morfossintáticas e semânticas a seguir, favorecedoras
do uso dessa forma:
a) o verbo ir com valor lexical pleno;
b) verbos cujo principal traço semântico seja a telicidade;
c) verbos sintaticamente inacusativos;
d) verbos que pertençam ao paradigma irregular de conjugação;
e) verbos monossilábicos;
f) em relação ao argumento externo, o sujeito é humano, agente, controlador e de
primeira pessoa do singular (eu);
g) o melhor contexto sintático é uma sentença matriz vinculada a uma subordinada
adverbial temporal/condicional.
Dessas características, esta pesquisa aponta a [telicidade] como a variável linguística
definidora da seleção das formas de futuridade verbal na comunidade de Santo Antônio de
Jesus, independentemente da grande ocorrência do verbo ir pleno, que apresenta esse traço
acional. Como já sugerido, é preciso, entretanto, aprofundar os estudos sobre a relação entre
inacusatividade e telicidade.
Os resultados apontam um espraiamento inconteste da perífrase de futuro na
comunidade de Santo Antônio de Jesus como forma codificadora da futuridade verbal. Em
145
todos os aspectos linguísticos analisados, essa forma atinge mais de 80% da preferência dos
falantes santo-antonienses para indicar futuro. Pode-se dizer então que essa forma ocupa
também nessa comunidade uma posição default, na sincronia analisada, para a indicação do
porvir.
Desde o século XIII, quando foram documentadas as primeiras ocorrências da forma
perifrástica, ela vem expandindo seus contextos de uso, primeiro tomando o lugar da perífrase
modal-volitiva, com haver de + infinitivo, e a partir do século XIX, gradativamente,
ocupando os espaços deixados pela variante sintética, denominada de futuro do presente, nas
gramáticas normativas, chegando, no século XX, ao posto de forma básica de expressão de
futuro verbal no português brasileiro (OLIVEIRA, 2006, p. 193), lugar em que se mantém
neste início de século XXI.
Nesse caminhar histórico-diacrônico, a perífrase de futuro conviveu com a forma de
futuro de presente e, também, sempre com a forma de presente, mais antiga na língua. Em
contextos específicos, a perífrase é preterida, como na codificação de futuro do verbo ir, que
praticamente impede seu uso (eu vou ir).
O quadro da expressão de futuridade verbal na comunidade de fala de Santo Antônio
de Jesus pode então ser resumido assim: um processo de mudança quase concluído, em que a
forma sintética cede espaço à forma perifrástica, e um processo de variação estável, em que há
a convivência desta última com a forma de presente, cada uma em seus contextos específicos
de uso.
Esta pesquisa possui limites que devem ser superados em trabalhos futuros. É
necessário, por exemplo, um estudo diacrônico na comunidade santo-antoniense que
demonstre a convivência ou não das formas perifrástica, de presente e de futuro do presente, a
fim de que se encontre uma explicação para o comportamento linguístico dos falantes que
passaram algum tempo fora da comunidade.
146
Também se fazem necessárias pesquisas que tratem da percepção e da avaliação das
formas, principalmente quanto à hipótese de que a forma de presente indica mais certeza do
que a forma perifrástica.
Esperamos ter contribuído significativamente com o (re)conhecimento da realidade
linguística brasileira, baiana e santo-antoniense, em especial.
147
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