Campo Grande - MS, Sábado, 16 de agosto de 2014 oMatoEstado C7 Grosso do Sul Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul Avenida Calógeras, 3.000 - 67 3384-1654 - www.ihgms.org.br NOB 100 Edson Carlos Contar Memórias pelos trilhos de Bauru até Campo Grande Maria Fumaça chega sob ‘Era como se sempre vivêssemos aqui e estivéssemos fora por longo tempo’ aplauso e muita esperança Fotos: Acervo IHGMS Maria Madalena Dib Mereb Greco* “Nos idos de catorze um belo dia/por aqui chegou Maria/ imponente e majestosa /e o povo da cidade aplaudiu...” . Assim começava uma música que fiz nos anos oitenta, cantada pela Escola Igrejinha pelas ruas da cidade. Era uma homenagem aos bravos operários e aos funcionários da velha Noroeste do Brasil, tentando passar para a população um pouco da história da ferrovia que aqui chegou no dia catorze de outubro, há cem anos atrás. Antes daquele memorável dia, muitas histórias se passaram até que a construção da ferrovia se tornasse realidade e trouxesse o desenvolvimento à cidade e toda região por ela servida. Ainda em 1871 ela teria sido imaginada, com traçado que vinha de Curitiba até Miranda, linha que seria concedida ao Barão de Mauá, como era costume à época do Império. Em 1897, um novo projeto propunha a criação de uma ferrovia partindo de Uberaba (MG) passando por Porto Taboado, Baús, Coxim e Cuiabá. O projeto não vingou, como o anterior, mas ficou pendente nos planos do governo, até que em 1903, o engenheiro Emílio Schnoor elaborou projeto que modificava o existente, alterando o traçado da ferrovia cujo percurso partiria de Agudos, depois Bauru até Corumbá. O projeto teve aval do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro e acolhida do Presidente Afonso Pena, que determinou estudos usando o projeto de Schnoor, encarregado dos levantamentos no território de Mato Grosso para o projeto definitivo. Em 1907, Schnoor visitou Campo Grande e aqui decidiu a inclusão da “Freguesia” no traçado da ferrovia, cuja construção partia de duas frentes, uma do território paulista e outra de Porto Esperança. Em 1912, a estação de Porto Esperança era inaugurada. Campo Grande teve que esperar mais dois anos até que a ligação dos trilhos se concretizasse . Finalmente, no dia 14 de outubro de 1914, chegou a sonhada ferrovia que viria transformar o destino da cidade fundada por José Antônio Pereira, cujo progresso acelerou-se, atraindo novos moradores e tornando-a um importante centro comercial em toda a região. Em 1953 o ramal para Ponta Porã foi totalmente inaugurado após passar por Maracaju em 1944, e Itahum (Dourados) em 1949. Inegavelmente, a ferrovia e as forças armadas foram para Campo Grande o grande estopim do vertiginoso progresso que alcançamos, e a vinda da ferrovia deu-se graças ao engenheiro Schnoor, tão bem biografado pelo escritor Celso Higa, mas injustiçado por nossa cidade, que deslocou a única homenagem ao engenheiro, apagando seu nome de uma de nossas ruas centrais, levando-o a uma pequena via no distante bairro Tiradentes, quando ele fazia por merecer seu nome ao longo da avenida que beira os antigos trilhos. A história é longa e o espaço pequeno para conta-la em sua magnitude. Inclui a construção das pontes em Jupiá/Três Lagoas, a de Porto Esperança, e a determinação de brasileiros e estrangeiros que tornaram possível o nosso sonho. Bem-vinda estrada de ferro!... Que um dia retorne com o vigor de antigamente, quando seus trens eram a alternativa dos que gostavam das viagens românticas pantanal adentro, ligando com a Bolívia, ou para nossa fronteira paraguaia. Obrigado sempre, engenheiro Émile Armand Henri Schnoor (Emilio Schnoor)! Um dia, a cidade de Campo grande haverá de corrigir a injustiça que comete com o senhor! Bem-vinda estrada de ferro!... Que um dia retorne com o vigor de antigamente O autor, jornalista e escritor, é associado titular da cadeira no. 26 do IHGMS P esquisando a Ferrovia desde 1996, li muito sobre o complexo arquitetônico, influência econômica, desenvolvimento urbano e social em função da instalação da estrada de ferro em Mato Grosso do Sul, porém nada que trouxesse à tona a beleza e importância da preservação desse espaço pelos seus moradores, além de suas histórias e narrativas. Entremear as minhas memórias pessoais com a de outras pessoas, até a inserção de ser “ferroviária” foi uma gratificante experiência. Nos entremeios desses caminhos de paralelas de aço e paralelepípedos aprendi quão grande e rica é a cultura do “povo da ferrovia”, do qual hoje eu também faço parte. A viagem desde Bauru foi marcada pelo tempo cinzento do último dia de janeiro. A incerteza da jornada era grande. Saímos do conforto da família e amigos deixados na estação. Acenos que diminuíam conforme o trem acelerava dando rumo ao nosso novo destino. A cada avanço das paralelas de aço da ferrovia, o anúncio de uma nova estação, para mim desconhecida, mais distanciava da cidade que me viu crescer, casar, ter meus filhos. Meus filhos! Olhava para eles, que dormiam na cabine do vagão, e as dúvidas só multiplicavam, aumentando ainda mais a distância da manhã que custava a chegar. A luz rasgou o dia de maneira quase que voluptuosa e atrevida. Havia descoberto as manhãs de calor luxuriante do centro-oeste. O cheiro que recebi assim que descemos na estação de Campo Grande era uma mistura de manga doce, o forte cheiro do diesel das locomotivas, óleo das frituras vendidas pelos ambulantes, frutas e grãos diversos vendidos pelas índias terenas que com suas bacias areadas, equilibradas na cabeça, desfilavam pela plataforma. Outra forte impressão foi o barulho, vozes diferentes, choque de ferro e aço e um sem número de pessoas que nos falavam com uma intimidade assustadora. Era como se nós sempre vivêssemos aqui e estivéssemos fora por um longo tempo. Esse era o nosso lugar. *Associada titular da cadeira no. 34 do IHGMS. Texto compilado do livro A Menina e o Trem, publicado pelo IHGMS em 2011 e reeditado em 2014. Contato [email protected] Plataforma de desembarque é motivo de muitas recordações dos que chegavam a Capital para iniciar uma nova vida Vilinha não era só uma simples moradia Neste espaço onde criei meus filhos, aprendi a maneira de falar, da disposição hierárquica mantida pelo espaço físico na distribuição das casas, as comidas dos muitos lugares de origem dos ferroviários, que como nós, fizeram da “vilinha” o seu lar. As mulheres, detentoras do patrimônio cultural oral da ferrovia, repassavam aos filhos os valores e costumes do “povo ferroviário” –faziam o elo empresa/casa, o público e o privado. Quando da transferência do meu marido, Fernando, para Campo Grande não conseguia ainda dimensionar o impacto da mudança para nossas vidas. Com três filhos, Ricardo, Maria Fernanda e Miguel, e nenhum conhecido por aqui, fiquei muito apreensiva. O trabalho levava meu marido com frequência a ficar muitos dias ausente de casa. Os receios foram logo amenizados com as demonstrações de amizade e companheirismo dos moradores da “vilinha”. O entrelaçamento dessas memórias, coletivas ou individuais, demonstra um espaço restrito –o mundo e o povo da ferrovia; um espaço dentro de uma cidade vista como patrimônio histórico e uma população ferroviária que ainda luta para preservar “seus” espaços, sem interferência dos “outros”. (MMDMG). Casa que encantou e o nascer da historiadora Nas ruas de pedra reluzindo ao sol da manhã, um grande número de cães passeando entre as pessoas faziam sua higiene pessoal ou apenas observavam o movimento. As mulheres, que já começavam a limpeza das estreitas calçadas, nos cumprimentavam com amizade e curiosidade. Aqui e ali uma roda de conversa era interrompida para um aceno, uma palavra de boas-vindas. A disposição das casas da Rua Doutor Ferreira me encantou de pronto. Mais parecia uma cena de filme inglês, toda enfileirada, com cores diferentes, tapetes nas janelas (afinal era sá- Vilinha representa o espaço de entrelaçamento na memória dos ex-ferroviários bado, dia de faxina), crianças correndo, soltando pipa, comendo pão nos degraus das varandas que se abrem para a rua. Confesso: não estudo a ferrovia por ser historiadora, tornei-me por conta da ferrovia. (MMDMG). sala de escritor A menina e o trem – Trilhos e memória Ligeira notícia sobre a vila de Campo Grande Autora: Maria Madalena Dib Mereb Greco Editora: IHGMS Autor: Temístocles Paes de Souza Brasil Editora: IHGMS Em homenagem aos 100 anos da chegada da ferrovia da NOB a Campo Grande, o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul reeditou “A menina e o trem – Trilhos e memória”. A autora até hoje reside na Vila dos Ferroviários, e entre suas memórias relata fatos alegres, tristes e dramáticos como a história de uma menina linda de 9 anos, com câncer, filha de ex-ferroviário demitido, e sem condições de proporcionar tratamento digno, pois perdera a assistência médica. É o primeiro escrito sobre Campo Grande, que completa 115 anos, que registra as impressões de quem aqui chegou para escolher o local para sediar o Regimento de Artilharia Montado. Outro capítulo do livro: Estudos para o Abastecimento de Água aos Quartéis de Campo Grande, traz minuciosa pesquisa da bacia hidrográfica da cidade, que o autor destaca a melhor alternativa para levar água aos quartéis em construção no bairro Amambaí. Obra de incontestável valor histórico. Campo Grande: Personalidades históricas – Vol.2 Organizador: Arnaldo Rodrigues Menecozi Editora: IHGMS No volume 2, o organizador Arnaldo Rodrigues Menecozi traz relatos de 17 escritores, como Edson Carlos Contar, Maria da Glória Sá Rosa, José Otávio Guizzo e Arassuay Gomes de Castro, que tão bem traçaram os perfis, respectivamente, de José Maravieski, Maria Constança de Barros Machado, Lobivar de Matos e Luiz Alexandre de Oliveira. Não houve destaque para este ou outro segmento, o que demonstra o ecletismo de Personalidades históricas. Recortes do Cotidiano em verso & prosa Autora: Iolete Moreira Editora: Gibim Iolete Moreira, no espaço literário sulmato-grossense, tem um papel destacado, colaborando para que a literatura amplie seus espaços de penetração sociocultural. Recortes do Cotidiano enfatiza valores humanos, reverencia intelectuais com participação na arte da construção poética e mostra as riquezas de Campo Grande e de Mato Grosso do Sul de modo especial, o jeito de ser de sua gente e as belezas singulares do Pantanal.