A ESCOLA GENERAL MALAN (1934): O PAPEL DO EXÉRCITO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM CAMPO GRANDE Solange Xavier da Silva Santos Orientadora: Carla Villamaina Centeno Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do pantanal A EDUCAÇÃO ESCOLAR PRIMÁRIA EM CAMPO GRANDE A educação escolar primária em Campo Grande teve seu início no final do século XIX. O primeiro professor foi José Rodrigues Benfica, um gaúcho remanescente da Guerra contra o Paraguai (1865 – 1870) que se instalou em Campo Grande por volta de 1895 (RODRIGUES, 1980). Logo que chegou a Campo Grande Benfica se ocupou do ensino. Entretanto, como os vencimentos pagos pelo Governo do Estado eram insuficientes para mantê-lo, o referido professor quase abandonou a profissão. Tal fato só não se concretizou porque os interessados na educação escolar das crianças se reuniram e redigiram um abaixo-assinado com o propósito de angariar fundos para a manutenção do mestre. Diante dessa iniciativa, o professor Benfica decidiu ficar e se dedicar à educação das crianças campo-grandenses. O abaixo assinado foi assim redigido: Os abaixo assinados interessando-se pela educação da mocidade campograndense, uns por terem seus filhos, outros por terem parentes ou órfãos a quem lhe cabe o dever sagrado de educá-los e sem que possa ao menos darlhes as primeiras luzes de instrução por falta de um professor que, sendo os vencimentos que o Governo autoriza insuficientes atualmente para a subsistência não se sujeitam a aceitar o emprego, resolvem unanimemente a promoverem a presente subscrição que em auxílio a tão justo fim subscrevem com as quantias adiante declaradas que serão pagas mensalmente ao atual professor Sr. JOSÉ RODRIGUES BENFICA. Campo Grande, 15 de Setembro de 1895 (RODRIGUES, 1980, p. 64). Participaram dessa reunião e assinaram o abaixo-assinado a maioria dos moradores mais ilustres do distrito. Entre eles estão: Manoel Joaquim de Carvalho, Felisberto Loureiro de Figueiredo, Joaquim de Matos Pereira, Joaquim Cecílio de Lima, Joaquim Vieira de Almeida, Bernardo F. Baís, Cecílio Mascarenhas, José Maria Barbosa, João Carlos de Assis Ferreira, Antonio Vieira de Almeida, Bento José Gomes, José Alves Taveira Junior, Joaquim Balduíno de Almeida, Natividade Medeiros, Mecias de Paula Abadia, Manoel da Costa Lima, Bertolino Antônio de Oliveira, 2 Salustiano da Costa Lima, José Pereira da Silva, Maria Claudia de Freitas, Hermenegildo Alves Pereira, José Martins Cardoso, Guilhermina de Freitas e Joaquim Guilherme de Almeida (Idem, 1980, p 64). A redação desse documento revela alguns aspectos importantes sobre a gênese da educação escolar primária em Campo Grande, os quais devem ser considerados para se compreender como se deu o processo de promoção e expansão da mesma. O primeiro se refere à falta de professores, falta essa justificada pelos baixos proventos pagos pelo Governo do estado. Percebe-se nas entrelinhas do texto que o cargo de professor fora oferecido a outras pessoas, mas devido aos baixos vencimentos não havia quem se sujeitasse a aceitá-lo, e quem o aceitou abandonou ou quis abandoná-lo, como foi o caso de Benfica. É digno de destaque o fato de que a promoção e manutenção da instrução primária ser feita também pela iniciativa privada, principalmente pelas famílias mais abastadas. O texto deixa bem clara essa participação quando diz que os pais ou parentes das crianças iriam contribuir financeiramente para a manutenção do professor, a fim de que o mesmo permanecesse no povoado. A primeira escola seria um misto de interesses públicos e privados. Não somente isto, mas que na gênese da instrução escolar primária em Campo Grande houve participação pública e privada, sendo que esta última se sobressaiu em relação à primeira. Possivelmente, isto se deve ao fato de que desde a Constituição de 1822, embora fosse do Estado a responsabilidade de educar, ele repassou parte dessa responsabilidade à iniciativa privada, pois segundo Alves (1984) e Cury (2005), o Estado, não teria as condições materiais para universalizar o estudo das primeiras letras. Também como vimos não havia demanda. Quiçá seja por conta dessa origem da educação escolar em Campo Grande, que muitas das instituições de ensino que sucederam a que José Rodrigues Benfica foi professor, era um misto entre público e iniciativa privada, fato esse que se constata também na região fronteiriça, centro irradiador de progresso para o Estado até o final do século XIX. Em estudo realizado sobre a educação na fronteira, Centeno respalda essa informação utilizando uma citação de Hélio Serejo, onde diz que: As escolas existentes ao longo da fronteira (difícil recordar a localização), todas elas eram ‘particulares’, recebendo, porém, ajuda da municipalidade, o 3 que é justiça salientar. Não se pode desprezar a preciosa ajuda de fazendeiros, comerciantes, ervateiros, bolicheiros, agricultores e... até mascates que muito contribuíram para manutenção da maioria dessas escolas. Na época longeva padecia, em matéria de educação, o governo estadual, tão rara era sua colaboração (apud SEREJO, 1999). O professor Severino Ramos de Queiros, Ten. Cel. que quando transferido para Campo Grande no final dos anos vinte, trocou a farda pelo magistério e pela profissão de jornalista, escreveu um artigo na revista Folha da Serra de agosto de 1933, enaltecendo a conquista de Mato Grosso pelo 3º lugar na instrução do Brasil, ficando atrás apenas de Alagoas e São Paulo. Segundo esse professor, essa conquista é fruto da iniciativa privada, pois a mesma vê na instrução o futuro do Brasil. Ao referir-se a Campo Grande, o professor completa o artigo dizendo: Não podemos deixar de nos referir ao auxílio dos governos estadual e municipal, pois três ou quatro estabelecimentos de ensino secundário e primário recebem dos cofres públicos justíssima subvenção: o Ginásio Municipal e o Colégio Visconde de Cairú, da municipalidade; a Escola Normal e D. Bosco, do erário estadual (QUEIROZ, 1934). Ainda segundo esse professor, o governo estadual mantinha em Campo Grande uma Escola Normal, um grupo escolar, uma complementar, além de escolas isoladas e muitas no interior do município. O governo municipal auxiliava o governo estadual numa escola primária na colônia de Terenos e subvencionava outras na cidade e no interior do município. Oliva Enciso, secretária da prefeitura Municipal de Campo Grande, em 1933, faz um levantamento das escolas existentes no município. Tabela 1 ESCOLAS NO MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE – 1933 NOME DO ESTABELECIMENTO PRIMÁRIO GINASIAL NORMAL COMERCIAL TOTAL Ginásio Municipal 191 171 - - 362 Colégio N. S. Auxiliadora 204 - 85 67 356 Internato Osvaldo Cruz 28 101 - 14 143 Escola Modelo e Normal 654 - 28 - 682 Escola Ativa Visconde de Taunay 321 - - - 321 Patronato B. do Rio Branco 66 - - - 66 4 Escola Visconde de Cairú 97 - - - 97 Escola Antonio João 177 - - - 177 Externato São José 44 - - - 44 Escola Propedêutica 53 - - - 53 7 escolas mantidas pelo Governo 279 - - - 279 2.224 272 113 81 2580 Fonte: Revista Folha da Serra, ano II, nº 23, agosto de 1933. As sete escolas mencionadas por Enciso e mantidas pelo governo (provavelmente municipal), eram: 1 no bairro Amambaí 1 ba Lagôa da Cruz 1 “Povoado de Progresso 1 em Rio Pardo 1 “ Cachoeirinha 1 “ Jaraguari 1 “ Terenos Total com 69 alunos “ 40 “ “ 30 “ “ 30 “ “ 20 “ “ 50 “ “ 40 “ 279 Segundo Alves (1986), o processo de expansão da instrução pública iniciada em 1908 em Mato Grosso, desenvolveu-se de forma mais expressiva no sul do Estado, principalmente após a chegada da Estrada de Ferro e também porque a educação vinha ganhando cada vez mais importância nos negócios partidários. O Regulamento Estadual da Instrução Pública de Mato Grosso, aprovado em 1927, foi de suma importância para o processo de expansão do ensino. Sua importância reside, não apenas pelo ato de ter influenciado profundas mudanças no quadro educacional do Estado, “mas por estar penetrado pelos ideais do movimento da Escola Nova e por sua extrema longevidade” (Idem, Ibdem, p. 46). Assim sendo, com base nas informações acima prestadas, percebe-se que desde o inicio da expansão da educação escolar em Campo Grande, houve o predomínio da iniciativa privada, embora esta última fosse muitas vezes subvencionada pelos governos estaduais e municipais. Isto é, havia um misto de público e privado nesse processo. 5 O EXÉRCITO BRASILEIRO E SEU PAPEL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM CAMPO GRANDE O Exército Brasileiro em Mato Grosso contribuiu de forma grandiosa para o progresso e desenvolvimento de Campo Grande e do próprio Estado. O papel do Exército não pode ser limitado apenas às questões de segurança, pois parece ter tido também outras funções sociais. Na realidade o Exército está presente no Estado desde 1748, quando entra na Região Oeste do Brasil a primeira tropa militar, liderada pelo capitão-general Antonio Rolim de Moura Tavares. Muitas dessas tropas entravam na região por terra, o que significa que antes mesmo de José Antonio Pereira fundar a cidade de Campo Grande, os militares e seus agregados já transitavam na região. Quando o rio Paraguai ficou interditado no período da Guerra da Tríplice Aliança, a principal via de comunicação da província de Mato Grosso com a Corte, dava-se por meio da antiga rota de tropeiros. Bernardi explica que em [...] decorrência disso [do rio Paraguai estar interditado] a antiga rota de tropeiros conhecida como Campo de Vacaria, foi reutilizada porque oferecia segurança e permitia o acesso à zona de conflito sem que houvesse a necessidade de passar pelo território inimigo (1999, p. 390). Somente depois de quase 42 anos da fundação do primeiro rancho, que deu origem a Campo Grande, o Exército Brasileiro marcou presença na cidade, com a chegada em 1914, do 5º Regimento de Artilharia Montada. Essa organização militar estava sediada na cidade de Aquidauana. Segundo Rodrigues (1980), essa organização chegou com cinqüenta carretas transportando todo seu material, e foi recebida com muita alegria pela população local. Apesar de Campo Grande ter sido escolhida, já em 1908, pelo Estado Maior do Exército para se tornar sede da Circunscrição Militar de Mato Grosso, portanto desde o início do século passado, a transferência só se efetivou em 1921 (RODRIGUES, 1980). Importante observar que embora o governo civil estivesse sediado em Cuiabá, a transferência ocorreu porque havia um maior desenvolvimento no Sul do estado e também porque Campo Grande era considerada região estratégica na política militar de fronteira. No item “Quartéis federaes”, contido no relatório apresentado à Comarca Municipal, pelo intendente geral Dr. Arlindo de Andrade Gomes, no ano de 1921, encontram-se registradas as seguintes informações sobre o Exército em campo Grande: Escolhido desde 1909 para sede da 5ª. Brigada, tinha Campo Grande a promessa da realização de obras militares importantes. A comissão que 6 fizera estudos estratégicos no Sul, num relatório que não poude ser contestado, assegurou a sua situação excepcional na política militar da fronteira. [...] Desde 1919, assentou-se à necessidade de organizar definitivamente o serviço militar no Estado, iniciando-se com a localização da sede da Circunscripção, apontando esta cidade [Campo Grande] como local próprio. [...] diversas vezes foi ordenada a mudança do Quartel General, facto que só se realizou em Fevereiro de 1921 [...] (CAMPO GRANDE, 1922, p 26, 27). O local onde foram construídos os quartéis e as casas dos oficiais, à margem direita do córrego Segredo, pertencia a antigas famílias da cidade, as quais cederam o espaço mediante permuta por área próxima e de igual dimensão. Mesmo não fazendo parte do grupo produtivo, os militares “eram elementos influentes na vida sócio-econômica, cultural e política da cidade” (BERNARDI, 1999, p 390). E essa influência também se refletiu na educação campo-grandense. Zardo (1999, p 65), por exemplo, diz que “entre os oficiais havia alguns que eram bons professores, professores que elevaram a qualidade do ensino com participação nos colégios existentes”. E acrescenta: o capitão Arquimino Pinto Amando e o tenente Oto Feio da Silveira, nem bem chegaram, fundaram um colégio, para os cursos primário e secundário, instalando-se provisoriamente na esquina formada pelas ruas 14 de Julho e 1º de Março (atual Dom Aquino) (Idem, 1980, p. 134). Na realidade desde sua implantação, o Exército participou ativamente no desenvolvimento local, influindo na vida do comércio, oferecendo significativa colaboração na educação da cidade, destacando-se entre os oficiais grandes professores que elevaram a qualidade do ensino” (WEIGARTNER, 1999, p. 56). Existem dois fatores sobre esse envolvimento dos militares com a educação que devem ser salientados. O primeiro é que muitos dos militares eram professores por iniciativa própria. Segundo, que alguns desses eram escalados pelo Exército para atuarem como professores de Educação Física e de Instrução Militar. Dentre as escolas que mais receberam esses militares escalados estão: Instituto Osvaldo Cruz, Visconde de Cairú, Escola Ativa, Escola Normal e Modelo, entre outras.1 Para entender os motivos do envolvimento do Exército Brasileiro com a educação campo-grandense, se faz necessário compreender em que momento histórico lhe foi atribuído também a missão de ensinar. 1 Conforme boletins nº 157 e 161, de 1927 e 64, de 1934. 7 A idéia de que uma das missões do Exército seria a de educar o povo teve início com Benjamim Constant2, logo após a Proclamação da República, em 1889, com o decreto de reforma do ensino militar. Em 1912 o General Chefe do Estado-maior do Exército, Caetano de Faria, iniciou uma campanha onde propunha que o Exército deveria ser o prolongamento da escola e seus oficiais, os educadores. Para isso seria necessário passar pelas casernas dos quartéis o maior número possível de cidadãos, o que implicaria tornar obrigatório o serviço militar. Olavo Bilac, filho de militares, também defendeu essa idéia, pois para ele, “os rebotalhos da sociedade”, “animais brutos que de homens têm apenas a aparência e a maldade”, a caserna seria a salvação (apud HORTA, 1994, p. 9). Daí a necessidade da obrigatoriedade do serviço militar, pois segundo essa visão unicamente a instrução poderia tirar as camadas populares da ignorância. O pensamento nacionalista após a República, reascendeu a idéia de que o Exército deveria envolver-ser com a educação. Isso se deveu à influência das transformações ocorridas no sistema capitalista internacional, que após o desenvolvimento e incremento dos transportes, afetou a estrutura dos países, aumentando o fluxo de mercadorias, o crescimento das cidades e conseqüentemente o surgimento de novas camadas sociais, o que fez aumentar a demanda por educação (ROMANELLI, 1988). Nesse período histórico, marcado pelo pensamento nacionalista, a educação escolarizada era vista pelo governo Vargas, por um lado como um problema nacional e, por outro, como uma ferramenta a ser utilizada para resolver esses problemas. Em outras palavras, a educação era considerada como a reformadora da sociedade, e seu papel deveria ser o de contribuir para o desenvolvimento do país. Para tanto seria necessário promover a multiplicação dos estabelecimentos de ensino (HORTA, 1994). Tanto o otimismo pedagógico quanto o entusiasmo, assim denominados por Nagle (2001), acreditavam que através da multiplicação das Instituições e da disseminação da educação escolar, seria possível incorporar grandes camadas da população na senda do progresso nacional. 2 Militar, professor, estadista brasileiro, ministro da Educação no primeiro governo republicano e adepto do Positivismo. Criador da doutrina do Soldado-Cidadão, segundo a qual, antes de serem soldados, os membros das forças armadas eram cidadãos e como tais deveriam comportar-se. 8 O otimismo propiciou a formulação do documento redigido por Fernando de Azevedo, denominado: “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932”, o qual tinha como objetivo chamar a atenção da sociedade para os principais problemas da educação nacional. É com base nesse momento de reflexão educacional que Getúlio Vargas ao fazer o discurso de sua candidatura à Presidência da República, no Distrito Federal, em janeiro de 1930, refere-se à educação como “problema nacional” e como um instrumento de valorização do homem, em seus aspectos moral, intelectual e econômico (HORTA, 1994, p. 2). Quando Vargas tomou “posse na chefia do Governo Provisório, em novembro de 1930”, anunciou um ”programa de reconstrução nacional”, no qual incluiu “a criação de um Ministério da Instrução e Saúde Pública”, cuja missão era o de fazer “o saneamento moral e físico” (Idem, 1994, p. 1). Para isso era necessária a difusão intensiva do ensino público. Por outro lado, o envolvimento dos militares com a educação consistia, primeiramente, em alfabetizar soldados, o que era levado a efeito em salas de aula dentro das Organizações Militares, conhecidas também como Escolas Regimentais. Além disso, era função do Exército dar aulas de instrução militar para jovens maiores de 16 anos em um anexo junto às instituições civis de ensino secundário. Essas aulas, conhecidas como Escolas de Instrução Militar, eram ministradas geralmente por sargentos, e tinha como objetivo antecipar o serviço militar obrigatório daqueles jovens que não podiam ou não quisessem freqüentar as casernas dos quartéis, além de formar reservistas para tempos de guerra. Embora no governo ditatorial de Vargas houvesse quem defendesse um envolvimento do Exército de forma mais ampla a ponto de transformar as escolas em quartéis, o que predominou foi somente a alfabetização de soldados, dentro das OMs e as Escolas de Instrução Militar e aulas de Educação Física, nas instituições civis de ensino, segundo Horta (1994). Já em Campo Grande, desde que o Exército se instalou na década de 1920, além de atuar nas aulas de Educação Física e Escolas de Instrução Militar nas instituições civis de ensino, o Exército Brasileiro também se envolveu em mais dois aspectos da educação. O primeira se refere à alfabetização de soldados, que muitas vezes acontecia dentro das OMs, com professores militares, outras vezes com professores civis contratados3. Estas salas de aulas eram denominadas Escolas Regimentais. 3 Boletins nº 38, de 1927 e nº 13, de 1932. 9 Em uma entrevista a Maria da Glória Sá Rosa, a senhora Adélia Leite Krawiec, exprofessora de uma Escola Regimental que funcionava na 9ª Região Militar, declara que [...] A Escola Regimental tinha um convênio com o Estado; como professora cedida pelo Estado ao Exército, ganhava [Adélia Krawiec] uma gratificação do Ministério da Guerra e gozava de privilégios inerentes aos militares, como tratamento dentário, médico, no Hospital Militar (1990, p. 82). O segundo aspecto do envolvimento do Exército com a educação em Campo Grande está relacionado à educação primária de crianças. Neste sentido o Exército foi muito além da alfabetização de soldados, aulas de Educação Física e Instrução Militar, pois, em 1934, em pleno período do pensamento nacionalista, o então comandante da Circunscrição Militar, Coronel Newton de Andrade Cavalcante, idealizou e inaugurou uma escola de ensino regular de nível primário, destinada a atender aos filhos dos militares que serviam nesta praça e posteriormente às crianças carentes do bairro Amambaí4. É importante ressaltar que a iniciativa do Cel. Cavalcante não foi a única do gênero no Estado, pois em Corumbá, já em 1930, o Cel. José Silvino da Costa, mandou construir um prédio para abrigar a Escola 21 de Setembro, que atendia crianças pobres de um bairro de Corumbá. Sobre esta e outras iniciativas do Cel. Costa, a imprensa da época registrou que: Se há motivo de benemerência para um administrador que abrindo escolas e propagando a instrução dá combate ao analfabetismo, benemérita é a administração do Sr. Cel. José Silvino da Costa [...]5. (ESCOLA... 1934). Portanto, pode-se concluir que no processo de produção e democratização do ensino em Campo Grande, a contribuição do Exército Brasileiro deu-se em três aspectos: atuando como professores em instituições civis de ensino, alfabetizando jovens soldados e na promoção de instrução primária de crianças. A diferença desse envolvimento em relação a outras partes do Brasil, quiçá seja por conta de Campo Grande estar situada num Estado muito pobre e também por ser região de fronteira. 4 5 Conforme os boletins nº 48 e 49, de 1934. Revista Folha da Serra nº 28 e 29, jan/fev de 1934. 10 A FUNDAÇÃO DA ESCOLA GENRAL MALAN Localizada à rua Amando de Oliveira nº 595, no Bairro Amambaí, a Escola Estadual General Malan, foi uma das primeiras escolas públicas estaduais de Campo Grande. Fundada no ano de 1934, esteve a principio sob a responsabilidade do Exército Brasileiro, mais especificamente da Circunscrição Militar, sediada no mesmo bairro. Diversos aspectos da fundação dessa escola, entretanto, suscitaram dúvidas, como por exemplo: quem foi de fato seu fundador, quem era o público a ser atendido por ela, se a primeira diretoria teria sido formada por civis e se data de fundação registrada está correta. Essas dúvidas surgiram porque foram analisadas as informações obtidas através da tradição oral e documentos da secretaria da escola. Tais divergências serão analisadas a seguir. De acordo com a tradição oral, a referida escola foi fundada pelo Gal. Alfredo Malan D’Angrogne, e que ele mesmo teria negociado com o governo do Estado para que sua residência fosse transformada em escola, após sua saída para o Rio de Janeiro. Este se constitui o aspecto mais intrigante da pesquisa. Um exame cuidadoso realizado nos documentos internos da Circunscrição Militar de Campo Grande, datados de 1934, revelou o nome de um novo personagem que alterou radicalmente os rumos da pesquisa. O personagem foi o Cel. Newton de Andrade Cavalcante, Comandante da referida Circunscrição, que, com seu espírito empreendedor, contribuiu notavelmente para o desenvolvimento de Campo Grande. O vinculo do Cel. Cavalcante com a educação foi importante. Em 12 de fevereiro de 1934, o Cel. Cavalcante faz referência a uma “[...] casa onde vai funcionar a Escola destinada aos filhos dos oficiais e sargentos desta Guarnição [...]” (BRASIL, nº 36, p. 175, de 12/02/1934). No mês seguinte ele faz o convite para a inauguração da referida escola e a denomina “General Malan”. Em documento interno da Circunscrição, o Cel. Cavalcante assim se expressou: [...] 1.- São convidados todos os oficiais, sargentos e praças e respectivas famílias, para assistirem amanhã, 4 do corrente, as solenidades da inauguração dos trabalhos realizados pela Circ., cujo programa é o seguinte: [...] 4.- Inauguração da Escola “General Malan”, com a presença dos colegiais desta cidade, onde serão realizados jogos entre os mesmos e associação feminina. [...] (BRASIL, nº 52, p. 250, de 03.03.1934). 11 E no dia 04.03.1934, a Escola “General Malan” foi inaugurada. A inauguração se revestiu de tamanha importância que a imprensa da época registrou o evento, conforme se vê nas imagens a seguir, ocasião em que também foi inaugurada a piscina da escola, entre outras obras atribuídas ao comando da Circunscrição. Newton de Andrade Cavalcante, nasceu em Alagoas, em 25 de outubro de 1885 e foi casado com Maria Eugênia Lagdeme Cavalcante. Como militar, participou da Revolução de 1930 ocupando a chefia de um destacamento paulista. Com a vitória da Revolução, tornou-se o diretor do Centro de Educação Física do Exército. Foi comandante da Circunscrição Militar de Mato Grosso, sediada em Campo Grande, no período de 10 de março de 1933 a 5 de março de 1934. Atingiu o posto de General do Exército em 26 de setembro de 1946 (ZARDO, 2000), foi também interventor militar no Estado em 1935. Apesar de ter residido pouco menos de um ano em Campo Grande no comando da Circunscrição Militar, suas realizações em prol da comunidade foram tão importantes que seu nome ficou registrado para sempre na história mato-grossense. De acordo com Machado (2000, p. 368) o Obelisco, que se encontra localizado no cruzamento da Av. Afonso Pena com a Rua José Antonio, foi construído na administração do prefeito Ítrio Corrêa da Costa e idealizado pelo Cel. Cavalcante. Também o relógio que anteriormente ficava no cruzamento da rua 14 de Julho com a Av. Afonso Pena, foi construído pela intervenção desse militar. Dentre as muitas ações de Cavalcante podem ser mencionadas: fundação do Jóquei Clube; Feira de Amostras do Estado de Mato Grosso; Exposição-Feira divulgando os produtos agropecuários e industriais do Estado; elaboração do projeto do Estádio Municipal de Futebol que deu origem a atual Praça Belmar Fidalgo (ZARDO, [1999]). Na passagem de comando, realizada em 6 de março de 1934, o Cel. Cavalcante faz um resumo de suas ações à frente da Circunscrição. De seu longo discurso é transcrito abaixo um pequeno excerto no qual menciona a criação da escola General Malan. [...] O que fez, no entanto, o comando da Circ. [...]? [...] transformou a antiga casa de residência do Cmt. da Circ., num grupo escolar dotado de tudo o que é julgado necessário para a educação moderna da creança. Este 12 melhoramento que é a pedra fundamental da creação de um jardim de infância, cujo valor e alcance moral não é necessário encarecer, destina-se a dar educação aos filhos de oficiais, sargentos e praças, podendo nele se matricularem as creanças pobres do Bairro Amambaí [...] (BRASIL, nº 54, de 06 .03.1934). Por que razões o comando da Circunscrição Militar, na pessoa do Cel. Cavalcante, idealizou e fundou uma escola no bairro Amambaí? Para responder a essa questão se faz necessário entender o que era esse bairro na década de 1930. Localizado à margem esquerda do córrego Segredo, o Amambaí foi o primeiro Bairro de Campo Grande, implantado em 1921. Sua implantação se deveu ao fato de que Com a construção das obras dos quartéis militares, a Intendência procedeu a um novo levantamento do patrimônio municipal para legalizar a área cedida para o Ministério da Guerra implantar os edifícios militares na saída oeste da cidade e sentiu necessidade de projetar um bairro onde iriam residir, além dos militares, os operários da cidade e outras pessoas de menor renda. Tomada a decisão, a municipalidade projeta e implanta, sob regime de concessão, o Bairro Amambaí (ARRUDA, 2002, p. 61). Das palavras de Arruda, é importante ressaltar dois fatores, os quais ajudarão a compreender os motivos da fundação da escola General Malan. O primeiro se refere ao fato de que a região onde fora implantado o Bairro Amambaí, era pouco desenvolvida e pouco habitada, e segundo, que seus primeiros habitantes eram militares, operários e pessoas de menor renda. Além dos fatores acima mencionados, é importante ressaltar que todas as atividades, como: comércio, saúde, educação, etc, eram realizadas à margem direita do córrego Segredo, o que significa que os moradores do bairro Amambaí tinham que atravessar esse córrego para usufruir desses serviços. Provavelmente, as ruas que ligavam o bairro ao centro da cidade eram poucas e ladeadas por extensa vegetação, haja vista as poucas edificações no seu início. Como se observou no quadro em que Enciso se refere às escolas existentes no município de Campo Grande (tabela 1), já havia uma escola no Bairro Amambaí. Apesar desse fato, provavelmente um dos motivos que levou o Cel Newton Cavalcante a idealizar e fundar uma escola nesse bairro, foi a dificuldade que as crianças enfrentavam para se deslocar para as escolas do centro da cidade, sobretudo os filhos dos militares que habitavam o bairro. Assim sendo, pode-se concluir que a iniciativa do Cel. Cavalcante em fundar a Escola General Malan se deve, pelo menos, a dois fatores. O primeiro se refere ao fato de que o governo Vargas valorizava a educação, atribuindo ao Exército também a missão de 13 escolarizar a população, tudo isso atrelado ao pensamento nacionalista. As dificuldades que as crianças do Bairro Amambaí enfrentavam para freqüentar as escolas do centro era o segundo fator. O segundo aspecto no qual se encontrou divergências foi a questão do público a ser atendido. Era difundido que a escola teria por objetivo atender aos filhos dos militares e alfabetizar soldados. Verificou-se em documentos internos da Circunscrição Militar que, em parte, a informação está correta, pois, ao fazer o comunicado sobre a abertura das matriculas na referida escola, o Cel. Cavalcante informa que a mesma se destina unicamente a “ministrar aos filhos dos militares (Oficiais, Sargentos e Praças)” (BRASIL, nº 48, p. 232, 27.02.1934). Como se pode ver, não há nenhuma referência à alfabetização de soldados, como se pensava. Vale ressaltar ainda que no dia seguinte ao anúncio da abertura das matrículas, o referido Coronel ampliou o leque de atendimento da escola ao afirmar que: Considerando haver o Governo dêste Estado contribuído para o aparelhamento dessa escola e jardim de infância, resolvo permitir as matrículas na mesma aos menores residentes no bairro do AMAMBAI (Boletim nº 49, p. 238, de 28.02.1934). Outro aspecto que suscitou dúvidas foi à questão da primeira diretoria. De conformidade com a tradição oral, a primeira diretora foi a professora Elvira Pacheco M. de Sampaio. De fato o “Livro de Pontos”, antigo livro no qual os professores registravam a freqüência na escola, do dia 15 de março de 1934, a senhora Pacheco consta como diretora. Com base nesta informação os entrevistados informaram que ela era a primeira diretora. Contudo, a investigação descobriu um fato novo que mudou completamente essa informação. Em documento interno da Circunscrição Militar, mais antigo que o “Livro de Pontos”, acima referido, foi revelada uma informação que até então era completamente desconhecida. Nesse documento o Cel. Cavalcante nomeia a primeira diretoria da escola. O inusitado é que ela foi composta somente por militares, como pode ser visto abaixo: [...] Diretor: Designo o 1º ten. Léo NASCIMENTO, do 10º R. C. I., e Chefe da Comissão Desportiva desta Circunscrição, para exercer as funções de Diretor dessa instituição. Auxiliar: Para auxiliar do oficial acima aludido, é nomeado o 1º sgt. José TEIXEIRA CAMPOS, do 11º R. C. I. [...] (BRASIL, nº 48, p. 232, de 27.02.1934). 14 O último aspecto a ser considerado aqui se refere à data de fundação. Conforme o Regulamento da Escola, a data de fundação ocorreu em 12 de abril de 1934. Porém, se levarmos em consideração o fato de que a tradição oral dizia ter sido o próprio general Malan o responsável pela fundação da escola, essa data se revela inconsistente com a chegada, saída e morte desse General, uma vez que o mesmo chegou a Campo Grande em 1924, saiu em 1926, e faleceu em 1932. Portanto, o General Malan não poderia ter fundado a escola em 1934. Como já ficou demonstrado, a escola foi fundada em 04 de março de 1934, pelo Cel. Cavalcante. Por outro lado, levando-se em conta que os militares da época já eram professores em escolas do centro, que a Escola General Malan foi fundada por um militar para atender filhos de militares, e que nos documentos da Circunscrição Militar nenhuma referencia é feita a professores civis atuando na escola, conclui-se que todos os professores da escola eram militares, até o dia 12 de abril de 1934, quando o Exército, por razões desconhecidas, transferiu a escola para o governo do Estado. Um último ponto importante a ser mencionado aqui se refere aos motivos pelos quais o nome do General Malan foi dado à escola. A pesquisa revelou que a instituição recebeu o nome do General como uma homenagem a esse militar, pelo importante trabalho realizado no Estado, e também porque o local onde funciona a escola era sua residência. Por isso, é oportuno fazer aqui um breve relato da vida desse General. Alfredo Malan D’Angrogne, nasceu em Gênova, Itália, aos 25 de junho de 1873. Era o primogênito de Pedro Malan e Magdalena Malan, ambos italianos e natural dos vales Valdenses, lugar montanhoso e por onde passava o rio Angrogne, no qual o pequeno Alfredo brincava até os 10 anos de idade. Pedro Malan era professor de francês, jornalista e representante de jornais italianos. Seu temperamento irrequieto e aventureiro o levou a cruzar o oceano em direção à América do Sul, com o objetivo de certificar-se das condições de vida dos imigrantes italianos (MALAN, 1977). Apaixonou-se pelo Brasil. E essa paixão o levou a fazer três viagens para cá, sendo a última em 1885 com a família e em definitivo, fixando-se em Pelotas, RS. Entre as idas e vindas conheceu e foi o primeiro a traduzir para o italiano as obras de Visconde de Taunay, como “Juca, o mulato” e “Inocência”. Alfredo Malan D’Angrogne interessou-se pela carreira militar ainda muito jovem. Viu nela a possibilidade de adquirir um lugar de independência e tornar-se um oficial de 15 sucesso. Como era italiano de nascimento, só pode ingressar nessa carreira após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, quando preferiu não conservar sua nacionalidade, tornando-se cidadão brasileiro. Levado pelo pai aos 16 anos de idade ao Rio de Janeiro, matricula-se na famosa escola militar da Praia Vermelha. Nesse dia, ao falar o seu nome, o pai lhe dá um complemento: D’Angrogne, deixando o adolescente ao mesmo tempo confuso e maravilhado, como bem descreve Alfredo Souto Malan, seu filho: O jovem, que a tudo assistia, só titubeou quanto ao nome. Aquele acréscimo, ainda por cima uma partícula apostrofada, cheirava encadernação nova. Porque seu pai, ao capitão secretário, afirmou que era realmente seu nome? [...]. [...] Podia seu pai tomar aquela decisão, amarrando por toda a vida os seus êxitos e infortúnios àquela palavra que cantarolava nas encostas alpinas? [...] Mas no íntimo, no seu entusiasmo de adolescente, como apreciou aquele complemento ao seu nome e como, por muitas vezes, na sua letra já perfeitamente uniforme e elegante, escreveu, em linhas sucessivas, aquele conjunto identificador exclusivo de sua pessoa. Haveria de honrar e de elevar muito alto o nome do rio amigo, repleto de tradições, e que seu pai, naquela manhã ensolarada, lhe dera de presente! (Idem, p. 31). Durante os quarenta e três anos de carreira militar a personalidade de Malan, forjada na educação recebida na família e no âmbito militar, fez dele um dos oficiais de destaque e muito requisitado. De 1916 a 1920, foi adido militar na França, ocupou a chefia do gabinete de Calógeras, participou da demarcação da fronteira do Uruguai com o Brasil em 1916, escreveu vários artigos para a imprensa gaúcha, e foi chefe da missão militar francesa no Brasil, entre outros feitos. Em função do Movimento Revolucionário originado no dia 5 de julho de 1924, conhecido como “segundo 5 de julho”, um grupo de rebeldes “Coluna Prestes”6 entra em Mato Grosso. Para combater tal grupo, Malan é convocado a assumir a Circunscrição Militar de Mato Grosso, o que ocorreu em 24 de outubro de 1924, ficando nesse cargo até 17 de julho de 1926, quando retorna ao Rio de Janeiro. A incursão desses rebeldes em Mato Grosso criou um clima de insegurança entre os militares, e pânico na população civil. Diante desse clima, havia nos corpos7 de Campo Grande bem como do interior do Estado um surto de indisciplina. Antes, porém de dar inicio ao combate aos rebeldes Malan teve que debelar esse surto de indisciplina, além de organizar e elevar a moral das tropas. 6 7 Coluna comandada por Miguel Costa, mas tomou o nome de seu chefe do Estado Maior, o Cap. Prestes. Organizações Militares. 16 Os rebeldes atuavam principalmente no Sul de Mato Grosso, como Ponta Porã, Laguna Porã, Piraí, entre outras. Houve um momento em que os ataques por parte dos rebeldes eram tão intensos que Malan chegou a acreditar que até mesmo Campo Grande seria atacada. A situação econômica, bélica e estratégica dos militares, encontrava-se num caos, dificultando o combate aos rebeldes. Em razão desse fato Malan teve que empreender forças junto ao gabinete do Ministro da Guerra, a fim de obter recursos para melhor equipar o contingente de que dispunha, objetivando torná-la mais eficiente. Durante quase dois anos no comando da Circunscrição Militar de Mato Grosso, Malan percorreu o Estado como: militar, geógrafo e historiador. Foi com esse espírito que ele refez o itinerário da Retirada da Laguna, e mandou refazer os túmulos de Camisão, Juvêncio e Guia Lopes. Sobre o período em esteve no comando da Circunscrição, Malan escreveu monografias e as intitulou: Heróis esquecidos, Coimbra, a lendária, Dourados, na região de Guairá, e a região Sul de Mato Grosso. Em julho de 1926 deixa o comando da Circunscrição Militar de Mato Grosso e é nomeado 1º Subchefe do Estado Maior do Exército (EME). Em 1930 é nomeado chefe do EME, permanecendo nessa função até janeiro de 1931, quando é abatido por um derrame cerebral. Malan resiste a enfermidade por mais um ano, e em casa, aos 13 dias do mês de janeiro de 1932, encerra sua existência, na cidade de Petrópolis no Rio de Janeiro. 17 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho objetivou verificar qual foi o papel do Exército na fundação da Escola General Malan. Para isso foi necessário compreender como ocorreu o processo de expansão e democratização da educação escolar primária em Campo Grande. A pesquisa revelou que em virtude da falta de recursos nos cofres públicos, desde o início a educação escolarizada em Campo Grande foi marcada por um misto entre o poder público e a iniciativa privada, e também que muitas escolas particulares surgidas nas décadas de 1910 e 1920, eram subvencionadas pela Prefeitura ou Estado. Com relação ao Exército, se observou que este está presente no Estado desde sua formação, no início do século XVIII, e em Campo Grande, nas primeiras décadas do século XX. Sua presença influenciou tanto em questões de segurança, sua principal função, como em questões políticas do Estado de Mato Grosso. Em Campo Grande a transferência do Quartel General do Exército em 1921 contribuiu de forma grandiosa para o desenvolvimento da cidade, principalmente no setor econômico, social e educacional. Outro dado importante observado é que o relacionamento do Exército com a educação campo-grandense se deu de diversas formas: por iniciativa própria, quando alguns militares ministravam aulas nas instituições civis de ensino, e também quando eram escalados pelo Exército para darem aulas de Educação Física e de Instrução Militar nas escolas da cidade. Além disso, ministravam aulas de alfabetização de soldados, dentro dos quartéis. Essas aulas (alfabetização de soldados) eram conhecidas como Escolas Regimentais, onde professores civis também atuavam. Além dessas atividades, o Exército, na pessoa do comandante da Circunscrição Militar, o Cel Newton de Andrade Cavalcante, idealizou e fundou a escola General Malan, com o objetivo de atender aos filhos dos militares. Logo em seguida, autorizou-se que as crianças filhos de civis também se matriculassem. Um outro dado importante revelado na pesquisa é que o primeiro diretor da escola foi um militar, que ocupou a diretoria pouco mais de um mês. Constatou-se que a escola foi idealizada e fundada por diversos fatores. Em nível nacional, a valorização da educação no governo de Getúlio Vargas, o qual atribuía também ao 18 Exército a missão de educar a população, tudo isso atrelado ao pensamento nacionalista. Em nível local, as dificuldades que as crianças do Bairro Amambaí enfrentavam para estudar nas escolas do centro. No que se diz respeito a fundação da escola existem duas datas importantes a serem consideradas. A primeira é a de 4 de março de 1934, quando o Exército a fundou. A segunda é a de 12 de abril de 1934, quando o governo do Estrado passa a ser o responsável pela mesma. Portanto, a escola General Malan nasceu dia 4 de março de 1934, e a Escola Estadual General Malan nasceu dia 12 de abril de 1934. Devido à falta de tempo e às características do trabalho, não foi possível desenvolver todos os aspectos referentes à escola. Além disso, durante a realização da pesquisa verificouse que há outros estabelecimentos de ensino nos quais há a participação do Exército. Diante disso se faz necessário dar continuidade a essa investigação, o que se fará posteriormente. 19 REFERÊNCIAS ALVES, Gilberto Luiz. Educação e História em Mato Grosso: 1719–1864. Campo Grande MS: UFMS / Imprensa Universitária, 1984. ______. Fatos e fitas da instrução em MT: um pouco de nossa memória educacional (1719 – 1930). In: MS Cultura. Ano II, nº 6. Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, 1986. ARRUDA, Ângelo Marcos Vieira de. 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