A FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE
TRABALHO E A VIOLAÇÃO DO DIREITO
À SAÚDE DO TRABALHADOR:
uma análise comparativa dos sistemas jurídicos brasileiro e espanhol
JOSÉ ANTÔNIO RIBEIRO DE OLIVEIRA SILVA
Juiz do Trabalho, Titular da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), Gestor Regional (1º grau) do Programa de Prevenção de
Acidentes do Trabalho instituído pelo Tribunal Superior do Trabalho, Mestre em Direito das Obrigações pela UNESP/SP, Doutor
em Direito Social pela UCLM — Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), Membro do Conselho Técnico da Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região (Subcomissão de Doutrina Internacional), Professor da Escola Judicial do TRT da 15ª Região
A FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE
TRABALHO E A VIOLAÇÃO DO DIREITO
À SAÚDE DO TRABALHADOR:
uma análise comparativa dos sistemas jurídicos brasileiro e espanhol
R
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Projeto de capa: FÁBIO GIGLIO
Impressão: COMETA GRÁFICA E EDITORA
Outubro, 2013
Versão impressa - LTr 4929.0 - ISBN 978-85-361-2703-3
Versão digital - LTr 7696.2 - ISBN 978-85-361-2836-8
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Silva, José Antônio Ribeiro de Oliveira
Flexibilização da jornada de trabalho e a
violação do direito à saúde do trabalhador :
uma análise comparativa dos sistemas jurídicos
brasileiro e espanhol / José Antônio Ribeiro de
Oliveira Silva. — São Paulo : LTr, 2013.
1. Dignidade humana 2. Direito — Brasil
3. Direito — Espanha 4. Direito do trabalho
5. Direitos humanos 6. Horário de trabalho
I. Título.
13-10708
CDU-34:331.822
Índice para catálogo sistemático:
1. Horário de trabalho : Saúde do trabalhador :
Direito
34:331.822
A Luceli, Bruno e Fernanda,
amores de minha vida.
A meus pais,
José Carlos e Dineri.
Agradeço, em primeiro lugar, a minha família, pois, ainda que tenha subtraído do
tempo de nossa convivência o longo tempo necessário aos estudos e leituras para que
esta obra — fruto de minha tese de doutorado, defendida junto à UCLM, na Espanha —
pudesse ser concluída, sempre e sempre me deu todo o apoio, sem o qual não teria forças para chegar ao final deste trabalho. Meu muito obrigado a Luceli, Bruno e Fernanda.
Também agradeço ao Professor Antonio Pedro Baylos Grau, por seu incansável trabalho de
orientação aos magistrados brasileiros em todos os momentos, desde o início do curso
de Doutorado em Direito Social — por meio de convênio firmado com a ANAMATRA —,
em 2006, até a possibilidade de defesa da tese perante o Tribunal da UCLM, em 2012.
Meu eterno agradecimento ao meu orientador, Francisco José Trillo Párraga, nosso querido Paco,
que desde o primeiro momento me deu todo o suporte necessário, tanto nas discussões dos
temas da tese quanto na indicação da bibliografia imprescindível para que a tese pudesse ser
elaborada. E, ainda quando a tese era apenas um esboço, procedeu a uma leitura atenta, apresentando inúmeras sugestões, sem o que este trabalho não poderia ter sido finalizado.
Não posso deixar de agradecer também ao Professor Joaquín Aparicio Tovar, pela atenção e
pela indicação de bibliografia muito importante para a compreensão inicial do problema
no sistema jurídico espanhol e, principalmente, no âmbito da Comunidade Europeia.
Enfim, meus agradecimentos à Professora Cecilia, pela correção de meu tímido espanhol,
com toda a dedicação a essa tarefa, bem como a Lilian, pela digitação do trabalho.
SUMÁRIO
Índice de quadros......................................................................................................................................................13
Prefácio........................................................................................................................................................................ 15
Introdução..................................................................................................................................................................21
CAPÍTULO 1
Jornada de trabalho e proteção aos direitos fundamentais do trabalhador
1.1. A normatização do tempo de trabalho............................................................................................................25
1.1.1. O tempo em geral e o tempo de trabalho..............................................................................................25
1.1.2. Aspectos históricos da luta pela limitação da jornada de trabalho................................................... 28
1.1.3. Evolução legislativa a respeito dessa limitação....................................................................................31
1.1.3.1. Até a criação da OIT.....................................................................................................................31
1.1.3.2. Os fundamentos da normatização da jornada de trabalho.................................................... 36
1.1.3.3. Evolução legislativa na Espanha................................................................................................ 38
1.1.3.4. Evolução legislativa no Brasil.....................................................................................................41
1.2. Direitos fundamentais dos trabalhadores nas Constituições espanhola e brasileira................................ 43
1.2.1. Teoria geral dos direitos fundamentais.................................................................................................43
1.2.1.1. Direitos fundamentais ou direitos humanos? — a crítica ao humanismo abstrato...........44
1.2.1.2. As gerações de direitos humanos fundamentais.....................................................................
48
1.2.1.3. Os direitos sociais como direitos humanos fundamentais..................................................... 50
1.2.1.4. O princípio da dignidade da pessoa humana..........................................................................52
1.2.1.5. A identificação de um mínimo existencial social.....................................................................54
1.2.2. Os direitos fundamentais dos trabalhadores........................................................................................56
1.2.2.1. O direito fundamental ao trabalho............................................................................................56
1.2.2.1.1. A redução da jornada de trabalho para a geração de empregos........................... 59
1.2.2.1.2. A efetiva limitação da jornada de trabalho para o combate ao desemprego...... 60
1.2.2.2. Direito fundamental à saúde do trabalhador — sua relação com o direito à vida............. 62
1.2.2.3. Direitos fundamentais de personalidade e ao desenvolvimento da personalidade.......... 66
1.2.2.4. Direito fundamental à conciliação da vida pessoal, familiar e laboral................................
69
1.2.2.5. Direito fundamental à limitação da jornada de trabalho.......................................................72
1.2.3. A eficácia material dos direitos dos trabalhadores.............................................................................. 75
1.2.3.1. A proteção ao conteúdo essencial dos direitos fundamentais............................................... 76
1.2.3.1.1. O conteúdo essencial do direito à saúde.................................................................. 77
1.2.3.1.2. O conteúdo essencial do direito à saúde do trabalhador....................................... 78
9
1.2.3.2. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais do trabalhador.......................................... 83
1.2.3.2.1. Colisão de direitos no contrato de trabalho.............................................................
84
1.2.3.2.2. Colisão de direitos em relação à jornada de trabalho............................................. 88
CAPÍTULO 2
Os limites de jornada de trabalho e sua imperatividade
2.1. O limite de trabalho de 48 horas semanais...................................................................................................... 91
2.1.1. A inobservância deste limite em pleno século XXI.............................................................................. 91
2.1.2. Os resultados perversos na saúde dos trabalhadores.........................................................................
92
2.2. Evolução da normativa da Comunidade Europeia a respeito do tema......................................................
94
2.2.1. Até a Diretiva Marco 89/391/CEE...........................................................................................................
94
2.2.2. As Diretivas sobre jornada de trabalho e saúde dos trabalhadores.................................................. 97
2.2.2.1. A Diretiva atual, n. 2003/88/CE.................................................................................................. 99
2.2.2.2. A relação entre jornada de trabalho e saúde do trabalhador.................................................100
2.2.3. Tempo de trabalho efetivo.......................................................................................................................102
2.2.3.1. Trabalho efetivo............................................................................................................................103
2.2.3.2. Tempos de descanso na jurisprudência e nas diretivas..........................................................106
2.2.3.2.1. Os períodos de descanso na área da saúde — os plantões médicos....................107
2.2.3.2.2. Os períodos de descanso em outros setores da atividade econômica.................. 109
2.2.3.2.3. A definição de tempo de descanso............................................................................110
2.2.3.3. Tempo à disposição do empregador — o tempo de sobreaviso no Brasil........................... 112
2.2.3.4. Tempo de espera na Lei do Motorista Profissional, no Brasil................................................115
2.3. Os limites quantitativo e qualitativo da jornada de trabalho....................................................................... 118
2.3.1. Vertentes quantitativa e qualitativa da jornada de trabalho.............................................................. 118
2.3.2. Limites à compensação ou distribuição dos horários de trabalho....................................................121
2.3.3. Os tempos de descanso e sua flexibilização.......................................................................................... 125
2.4. Os descansos diário, semanal e anual na limitação da distribuição dos horários de trabalho................ 127
2.4.1. Períodos de descanso e pausas............................................................................................................... 127
2.4.1.1. Pausas intrajornada...................................................................................................................... 127
2.4.1.1.1. Pausas intrajornada na Espanha................................................................................ 128
2.4.1.1.2. Pausas intrajornada no Brasil..................................................................................... 129
2.4.1.2. Descanso diário e semanal, feriados e licenças........................................................................132
2.4.1.2.1. A normativa sobre descanso diário e semanal.........................................................133
2.4.1.2.2. A normativa sobre feriados e pausas para amamentação...................................... 135
2.4.2. Descanso anual — férias.......................................................................................................................... 138
2.4.2.1. Fundamento da proteção............................................................................................................ 138
2.4.2.2. Duração e desfrute....................................................................................................................... 139
2.4.2.3. Possibilidade de compensação econômica e caráter dúplice (ou não) das férias...............143
2.5. Limitação da jornada no trabalho noturno e em turnos de revezamento.................................................. 146
10
2.5.1. A alteração do ritmo vigília-sono...........................................................................................................146
2.5.2. Trabalho noturno e proteção à saúde laboral....................................................................................... 148
2.5.2.1. A distinção entre trabalho noturno e trabalhador noturno, na Espanha............................. 148
2.5.2.2. O adicional noturno, na Espanha..............................................................................................150
2.5.2.3. O adicional noturno, no Brasil................................................................................................... 152
2.5.3. Trabalho em turnos de revezamento.....................................................................................................153
2.5.3.1. Motivos de realização e efeitos sobre a saúde do trabalhador.............................................. 155
2.5.3.2. Normativa insuficiente sobre o tema, na Espanha e no Brasil...............................................156
2.5.4. A inconstitucionalidade dos regimes de trabalho 12 x 36, 5 x 2 e suas variáveis............................ 159
2.6. Jornadas especiais de trabalho e limitação da jornada nas atividades insalubres, perigosas e penosas........ 161
2.6.1. A necessidade de fixação de jornadas especiais de trabalho.............................................................. 161
2.6.2. Jornadas especiais de trabalho na Espanha e no Brasil — o tempo de direção...............................163
2.6.3. Limitação da jornada nas atividades insalubres, perigosas e penosas, no Brasil............................ 167
2.7. A necessidade de efetiva limitação das horas extraordinárias.....................................................................170
2.7.1. Motivos de realização...............................................................................................................................170
2.7.2. O conceito, as características e as espécies de horas extraordinárias................................................173
2.7.2.1. As funções das horas extraordinárias — a ambiguidade derivada da flexibilização.........177
2.7.2.2. A voluntariedade na prestação das horas extraordinárias..................................................... 179
2.7.3. Limite na Espanha.................................................................................................................................... 183
2.7.4. Propostas no Brasil................................................................................................................................... 186
2.7.5. Remuneração e prova das horas extras................................................................................................. 188
CAPÍTULO 3
A flexibilização, as extensas jornadas de trabalho e sua relação com os
acidentes do trabalho e as doenças ocupacionais
3.1. A flexibilização e a ordenação do tempo de trabalho — aspectos quantitativo e qualitativo................. 192
3.1.1. A flexibilização da jornada de trabalho................................................................................................. 192
3.1.2. As crises econômicas e a flexibilização.................................................................................................. 194
3.1.2.1. A flexibilização do limite diário de jornada de trabalho........................................................ 195
3.1.2.1.1. Na Espanha................................................................................................................... 195
3.1.2.1.2. No Brasil........................................................................................................................ 197
3.1.2.2. A flexibilização do limite semanal — a anualização da jornada de trabalho...................... 199
3.1.2.2.1. Na Espanha................................................................................................................... 199
3.1.2.2.2. No Brasil........................................................................................................................ 203
3.1.3. Os resultados da flexibilização — os acidentes e as doenças do trabalho........................................205
3.2. Estatísticas de jornadas de trabalho................................................................................................................. 209
3.2.1. Introdução ao tema................................................................................................................................... 209
3.2.2. Na indústria manufatureira....................................................................................................................211
3.2.3. Nos serviços...............................................................................................................................................215
11
3.3. Estatísticas de acidentes do trabalho................................................................................................................ 219
3.3.1. Introdução ao tema................................................................................................................................... 219
3.3.2. Na Europa.................................................................................................................................................. 220
3.3.3. Na América................................................................................................................................................222
3.4. Relação entre extensas jornadas de trabalho e acidentes laborais...............................................................224
3.4.1. Na Europa.................................................................................................................................................. 224
3.4.2. Na América................................................................................................................................................225
3.5. Sinistralidade no Brasil — as doenças ocupacionais..................................................................................... 228
3.5.1. O NTEP — Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário................................................................. 228
3.5.2. As taxas de doenças ocupacionais.......................................................................................................... 229
3.5.3. Os grupos de atividades econômicas..................................................................................................... 231
3.5.4. As cidades com a maior quantidade de doenças ocupacionais......................................................... 236
3.6. As taxas de acidentes e doenças ocupacionais na Espanha..........................................................................240
3.6.1. As taxas de acidentes do trabalho..........................................................................................................240
3.6.2. As taxas de doenças ocupacionais e a análise da jurisprudência...................................................... 243
Considerações finais................................................................................................................................................. 245
Referências bibliográficas........................................................................................................................................ 255
12
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1. Jornadas semanais médias na indústria manufatureira................................................... 212
Quadro 2. Proporção de trabalhadores (%) com jornadas reduzidas (< de 35 horas semanais),
em 2004.................................................................................................................................... 212
Quadro 3. Observância do limite legal de horas de trabalho....................................................... 213
Quadro 4. Assalariados que trabalham mais do que a jornada legal (44 horas semanais) nas
regiões metropolitanas e no Distrito Federal, ano de 2008 (em %)................................ 213
Quadro 5. Proporção de trabalhadores (%) com jornadas de mais de 48 horas semanais, anos
2004 e 2005.............................................................................................................................. 214
Quadro 6. Jornada de trabalho semanal por setor da economia........................................................ 216
Quadro 7. Proporção de trabalhadores (em %) em tempo parcial nos subsetores dos serviços,
ano 2000................................................................................................................................... 217
Quadro 8. Assalariados que trabalham mais que a jornada legal, por setor da economia, ano
2008 (%)................................................................................................................................... 218
Quadro 9. Distribuição dos empregos formais segundo a jornada contratual semanal no Brasil,
ano 2008 (em %)..................................................................................................................... 218
Quadro 10. Jornada média semanal, em horas, dos assalariados por setor da economia, ano 2008..... 219
Quadro 11. Casos não fatais na Europa (incapacidade temporária + permanente), por setor da
economia............................................................................................................................... 220
Quadro 12. Casos não mortais na América (incapacidade temporária + permanente), por setor
da economia......................................................................................................................... 223
Quadro 13. Análise comparativa da Europa......................................................................................... 225
Quadro 14. Análise comparativa da América....................................................................................... 227
Quadro 15. Total de doenças — mais de 4.000 casos —, por CNAE, em 2008................................. 229
Quadro 16. Taxas de doenças para 100.000 trabalhadores, em 2008................................................. 230
Quadro 17. Total de doenças por grupo de atividade econômica em 2008...................................... 232
Quadro 18. Taxa de doenças por atividade........................................................................................... 232
Quadro 19. Doenças por grupo de atividade econômica.................................................................... 235
Quadro 20. Cidades brasileiras com as maiores taxas de doenças ocupacionais............................ 238
Quadro 21. Índices de incidência de acidentes do trabalho por setor, em 2008.............................. 240
Quadro 22. Índices de incidência de acidentes do trabalho por ramo de atividade, em 2008...... 241
Quadro 23. Índices de incidência de acidentes do trabalho por tipo de contrato e setor, em 2008...... 242
Quadro 24. Índices de incidência de doenças ocupacionais por ramos de atividade, em 2008.... 243
13
PREFÁCIO
Desde los orígenes del capitalismo, el tiempo de trabajo ha sido uno de los institutos jurídicos
más estudiados por los juristas del trabajo. Pese a ello, los trabajos doctrinales en la materia no han
sido capaces de abarcar la profundidad e importancia de esta condición de trabajo. Se hubiera requerido para ello un estudio enciclopédico que incorporase las mil caras del tiempo de trabajo.
Esta variedad de intereses y necesidades aglutinados en torno al tiempo de trabajo complejiza
la normativización del tiempo de trabajo en el marco de una relación obligatoria caracterizada por el
intercambio de tiempo por salario. Bajo este esquema patrimonialista se han pretendido vertebrar las
sociedades que adoptan como marco político y económico la fórmula de la “economía de mercado”.
En este contexto, la creación del conjunto de normas que ordenan las relaciones laborales, así como el
discurso jurídico hegemónico han autorizado la apropiación por el capitalista de una parte significativa del tiempo de vida de los trabajadores, quienes se colocan así en una relación de subalternidad
social, económica, cultural y, por tanto, política.
La legalización de esta apropiación de parte importante de la vida de los trabajadores repercute
en la entera sociedad a través de la consolidación de unos principios y valores atravesados por las
relaciones de dominación de unos frente a otros. Repárese en que la mayor parte de los conflictos que
se dirimen en la materia guardan relación, en última instancia, con la propiedad y el modo de uso del
tiempo de trabajo. Por tanto, de la propiedad y uso del tiempo de vida de las personas que trabajan.
La opción por un determinado modelo de regulación del tiempo de trabajo alberga la potencialidad, pues, de conformar los principios y valores de una entera sociedad. Así, asistimos, al día de
hoy, a regulaciones en la materia donde se legalizan jornadas extenuantes de trabajo que condicionan
y limitan el libre desarrollo de la personalidad de los trabajadores, además de poner en riesgo grave
la integridad física y psicológica de aquéllos. En definitiva, se preferencian los tiempos de vida que
tienen lugar en el mercado frente a aquellos otros socialmente necesarios, aunque menospreciados
por aquel orden de valores que, en no pocos casos, pone fin a la propia vida de los trabajadores.
Estudiar el “tiempo de trabajo” implica, entonces, reflexionar sobre los valores y principios políticos que una determinada sociedad acoge como fórmula de convivencia pacífica y desarrollo social
sostenible. Ocurre, sin embargo, que el discurso jurídico hegemónico ha intentado desde siempre
alejar estas implicaciones vitales, filosóficas y políticas del estudio del tiempo de trabajo, intentando reducir el campo de actuación del correcto jurista a las condiciones concretas de ejecución de la
prestación de trabajo. O lo que es lo mismo, aparentando una neutralidad técnico-científica se oculta
la opción ideológica que entroniza al empresario — y a la empresa — como sujeto sociopolítico de
referencia, a la vez que se rechaza el conocimiento de todos aquellos iuslaboralistas que observan y
estudian las relaciones laborales como medio para asomarse a la ventana de las relaciones sociales.
Aquel modo de proceder, ha consentido la construcción de un conjunto normativo y una jerarquización de valores que contrarían la mayor parte de las veces el contenido de las propias Constituciones
democráticas.
Un ejemplo evidente de esta situación, lo encontramos desde hace ya varias décadas en el debate sobre la transformación de la forma de organización de la empresa y del proceso productivo,
resumida en la expresión paso del fordismo al posfordismo, y la necesaria respuesta flexible que han de
encontrar las regulaciones, en nuestro caso, referidas al tiempo de trabajo. De este modo, la satisfacción de las necesidades anudadas a la libertad de empresa se erige en el primero y más importante
de los valores a colmar en la mayor parte de las sociedades democráticas, sin que se exija como con-
15
trapartida la identificación y, en su caso, justificación de que aquellas necesidades. De esta forma,
las mediaciones realizadas por el Estado en el ámbito de las relaciones laborales se reducen cada vez
más al refuerzo de la libertad de empresa como premisa sine qua non para el desarrollo económico y
el progreso social. Dicho de otro modo, la libertad de empresa ha experimentado una asimilación con
el interés general, justificado por parte del poder público en la creencia de que la satisfacción de sus
necesidades consentirá alcanzar mejores condiciones de trabajo y de vida.
Esto es, frente a los planteamientos liberales decimonónicos, donde las teorías económicas solicitaban al Estado el abstencionismo en la ordenación de las relaciones socioeconómicas, se asiste al
día de hoy a una suerte de socialismo de empresa, donde el Estado interviene en el tráfico jurídico para
impedir que la libertad de empresa vea restringida su esfera de actuación. Incluso si ello implica difuminar, o directamente hacer desaparecer, los conceptos básicos que definen la figura de empresario
privado. Fundamentalmente, inversión y riesgo privado. La experiencia de la crisis actual en Europa
permite visualizar este proceso a través del rescate, entre otros sectores, de la banca privada, convirtiendo la deuda privada en deuda pública.
La progresiva culminación de los intereses de la libertad de empresa coloca al espacio empresa en una posición de supremacía social que, en muchas ocasiones, prescinde de cualquier tipo de
confrontación democrática con otros derechos, como la vida, el libre desarrollo de la persona, la
dignidad, la igualdad, o el derecho al trabajo. Esta situación se presenta, la mayor parte de las veces,
como el resultado de un proceso de colonización de la economía frente a la política, sin reflexionar
suficientemente en el hecho de que han sido precisamente las decisiones políticas, adoptadas aquí y
allá, las que han terminado por conformar dicha jerarquización de valores.
Este proceso, apenas descrito, puede predicarse común a todos aquellos países que mantienen
unas relaciones sociales basadas en el intercambio capitalista de trabajo por salario. Del mismo modo,
se puede convenir que los discursos en materia de tiempo de trabajo resultan ser equiparables con
independencia del país de que se trate, pese a que el desarrollo económico y las formas de organización de la producción varían ostensiblemente de unas zonas a otras (LEE, McCANN y MESSENGER,
2008). Dicho de otro modo, pese a la variedad de desarrollos económicos y de formas de organización
de la producción, el debate sobre la flexibilidad laboral se presenta como una necesidad universal.
Este es el objetivo principal del excelente trabajo realizado por José Antônio Ribeiro de Oliveira
Silva: el análisis de los discursos políticos y jurídicos que acompañan a la entrada de la flexibilidad
en materia de tiempo de trabajo, enfrentando dicha regulación flexible con los derechos de los trabajadores afectados por tal regulación.
El magistrado y profesor Ribeiro de Oliveira Silva basa su trabajo en la confrontación del derecho a la vida e integridad física, psicológica y moral con el derecho a la libertad de empresa, en
relación a una supuesta necesidad empresarial ligada a determinados usos del tiempo de trabajo. Objeto de estudio que le ha obligado, por una parte, a profundizar en el ámbito de la doctrina científica
y judicial y, por otra, a estudiar el impacto concreto de determinadas políticas en materia de tiempo
de trabajo través de los datos estadísticos de que se disponen.
El trabajo teórico que se prologa constituye, pues, una evidencia empírica de aquella jerarquización de valores que se está produciendo en las sociedades ordenadas por el trabajo capitalista, donde
la muerte y el sufrimiento de los trabajadores pasan a un segundo plano como consecuencia de la
obnubilación que supone para el poder político la empresa y la protección de su libertad.
Además, este libro presenta la virtud de no concentrarse en las concretas reglas que determinan
un ordenamiento jurídico, ya que el profundo conocimiento que posee el autor de los ordenamientos jurídicos brasileño y español le han permitido abordar esta temática desde una perspectiva más
global. El doctor Ribeiro de Oliveira Silva ha llevado a cabo una comparación de dos ordenamientos
jurídicos para indagar en el proceso de creación y conformación normativa del tiempo de trabajo,
16
sin incurrir simplemente en el análisis descriptivo de uno y otro ordenamiento jurídico. Por ello, las
conclusiones y propuestas de lege ferenda que incluye esta magnífica obra alcanzan un carácter casi
universal y son válidas allende los mares.
Los lectores tienen en su mano una obra de referencia, lo cual era de esperar a la luz de la persona que está detrás de ella. José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva es un amigo incondicional, una
persona al que le mueve su sed de justicia social y un trabajador infatigable. El que prologa esta obra
ha contado — y cuenta — con el privilegio de su amistad y con la suerte de poder compartir inquietudes sobre el mundo del trabajo desde hace ya casi una década. Su paso por el grupo de laboralistas
manchegos de la Universidad de Castilla-La Mancha comenzó allá por el curso académico 2006.2007
con la realización del Máster en Derechos Sociales para Magistrados de Trabajo de Brasil (Convenio
ANAMATRA-UCLM) en el campus de Ciudad Real. Su compromiso con el estudio constante del
Derecho del Trabajo le hizo alcanzar en junio de 2012 el grado de Doctor en Derecho. Hoy, Pepe es
un integrante más del grupo manchego de iuslaboralistas.
Francisco José Trillo Párraga
Profesor Contratado Doctor de Derecho del Trabajo y de la Seguridad
Social de la UCLM — Universidad de Castilla-La Mancha
17
“Ante todo el empresario es deudor de seguridad, por lo que delimitar hasta dónde debe
de garantizar esa seguridad, o lo que es lo mismo, determinar el alcance de tal deuda, es,
quizá, el más importante problema que toda legislación debe tratar de dejar resuelto.”
Joaquín Aparicio Tovar (Las obligaciones del empresario
de garantizar la salud y la seguridad en el trabajo)
INTRODUÇÃO
O objetivo principal desta obra é a análise científica da jornada de trabalho em suas mais variadas
vertentes, sobretudo no que diz respeito à limitação do tempo de trabalho e sua relação direta com a
proteção à saúde dos trabalhadores e outros direitos fundamentais interconectados.
Há que se destacar, de início, que a jornada de trabalho — assim como o salário — é o aspecto das
condições de trabalho que tem a mais direta e perceptível repercussão sobre a vida do trabalhador. A quantidade de horas de trabalho e a forma em que elas são distribuídas, por suposto, influem na saúde e
na segurança do trabalhador, bem como no tempo livre disponível para o desenvolvimento de suas
atividades pessoais, familiares e sociais, de modo que o tempo de trabalho está diretamente relacionado com as condições de bem-estar do trabalhador. É necessário ressaltar: o trabalhador não perde sua
condição humana quando vende parte de seu tempo de vida ao empregador em troca de salário. Como
alguns doutrinadores têm sustentado: há de se trabalhar para viver, não viver para trabalhar.
Sem embargo, com a passagem à era pós-industrial, no chamado pós-fordismo, e a flexibilização
desmedida da normativa sobre jornada de trabalho, os horários de trabalho passaram a ser cada
vez mais extensos e, ao mesmo tempo, oscilantes durante a jornada, diária, semanal ou anual, na
vertente qualitativa da jornada de trabalho, sobretudo a partir da anualização promovida na década
de 1990. O resultado que hoje em dia se constata é o de que a flexibilização, defendida como único
meio de suplantar as crises econômicas e o grave problema do desemprego, em lugar de solucionar
os problemas, agravou de tal forma a situação dos trabalhadores que atualmente se tem verificado um
quadro devastador de desemprego massivo ou estrutural — veja-se o caso da Espanha —, o aumento
das desigualdades sociais e da miséria e o que é ainda mais grave: um quadro assustador de acidentes
e doenças ocupacionais.
Faz-se necessário, portanto, pesquisar as estatísticas de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, porém, cotejando-as com as estatísticas de jornadas de trabalho, para verificar em que medida
as extensas jornadas, sem as pausas adequadas e o descanso suficiente, têm contribuído para o
aumento dos infortúnios laborais e para o agravamento das condições de vida dos trabalhadores.
O método a ser utilizado nesse estudo é o indutivo, pois se pretende, a partir da análise das
estatísticas, apontar a possível influência da flexibilização da normativa sobre jornada de trabalho
no aumento da quantidade de referidos infortúnios. Por suposto que, diante dos resultados dessa
investigação, recorrer-se-á ao método sistemático de interpretação do Direito, estudando-se as regras
e os princípios do sistema relacionados à matéria para definir todos os bens jurídicos implicados,
recorrendo-se, a partir daí, também ao método dedutivo, pois, definidos os direitos fundamentais assegurados pela Constituição, toda a normativa infraconstitucional sobre jornada de trabalho terá que se
adequar aos preceitos constitucionais. Ademais, destes métodos, far-se-á uso do método de analisar-se o direito comparado, na averiguação da normativa internacional e comunitária, mas cotejando,
principalmente, os ordenamentos jurídicos da Espanha e do Brasil.
Agora, é impossível, ainda que numa obra específica, esgotar um tema de tamanha complexidade e variedade de assuntos. Por isso, a pretensão é apenas trazer ao debate reflexões sobre a
constatação, incipiente, de que o excesso de jornada de trabalho por parte de uns e a sua falta para
outros têm provocado tantos males; aos que trabalham além das 48 horas semanais ou sem as pausas
adequadas, acidentes e, sobretudo, doenças, que muitas vezes causam incapacidade para o trabalho.
A outros, trabalhos temporários (por prazo determinado) ou a tempo parcial, quando as pessoas têm
a sorte de conseguir trabalho.
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Não obstante, penso que é importante iniciar a investigação revisitando os aspectos históricos
da luta “decimonônica” e do início do século XX pela fixação de limites intransponíveis de tempo
de trabalho, para se recordarem os fundamentos pelos quais se deve limitar a jornada de trabalho,
identificando-se um direito humano fundamental a essa limitação, inclusive por ser a forma mais eficaz
de proteger outros direitos fundamentais inter-relacionados.
Nessa ordem de ideias é que, no capítulo 1, pretende-se demonstrar que a limitação efetiva da
jornada de trabalho é imprescindível para que o trabalhador possa gozar seus direitos humanos fundamentais.
Ora, o trabalho não pode impedir ao trabalhador o desenvolvimento de sua personalidade e o gozo
dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Por isso, deve-se limitar ao máximo possível o tempo de trabalho, pois este determina o quantum de tempo livre da pessoa. Não é por outro
motivo que a limitação do tempo de trabalho tem sido, historicamente, desde o período da Revolução Industrial, uma reivindicação-chave dos sindicatos e dos trabalhadores. Daí a luta histórica por
oito horas de trabalho, oito horas para o descanso e oito horas para a educação ou o ócio, baliza imprescindível
para o desenvolvimento da personalidade do trabalhador e sua convivência familiar.
Por isso, já a primeira Convenção da OIT, ainda em 1919, fixou a jornada máxima de oito horas
diárias e 48 horas semanais. E posteriormente houve a positivação — inclusive constitucional — de
limites à jornada de trabalho nos ordenamentos jurídicos de cada país. Em suma, pretende-se demonstrar que, atualmente, tanto na Espanha quanto no Brasil — como em diversos outros países
— há um direito fundamental à limitação da jornada de trabalho, ou, o que é a mesma coisa, ao descanso
necessário e ao tempo livre, a fim de que o trabalhador possa gozar os direitos fundamentais à saúde, ao
desenvolvimento da personalidade e a outros interconectados.
Compreender isso se torna mais fácil quando se demonstra que não há, verdadeiramente, dignidade da pessoa humana trabalhadora se não se lhe concede o tempo livre necessário ao desfrute dos
direitos fundamentais. É dizer, a dignidade humana não deve ser vista de modo abstrato, como se
fosse suficiente sua positivação constitucional. Pelo contrário, a dignidade ontológica é um metavalor que
somente encontra concretização quando se asseguram à pessoa direitos essenciais para a conformação de sua personalidade e seu pleno desenvolvimento. De modo que se pretende demonstrar, após a
análise da teoria do mínimo existencial, que a limitação da jornada de trabalho é necessária para a satisfação
das necessidades básicas das pessoas, como a integridade física e mental (saúde) e a própria liberdade
real, que pode possibilitar o gozo dos direitos fundamentais ao desenvolvimento da personalidade;
à conciliação da vida pessoal, familiar e laboral; e ao próprio trabalho, uma fonte originária de realização
do ser social, capaz de tornar as pessoas cidadãs plenas.
Tudo isso permitirá concluir que deve haver, sim, um direito fundamental à imposição de limites
intransponíveis ao tempo de trabalho, direito que não pode submeter-se a juízo de ponderação de bens
jurídicos, ainda que de acordo com o princípio da proporcionalidade ou com a técnica da modulação
(boa-fé).
No capítulo 2, pretende-se defender a ideia de que, se há direitos fundamentais a proteger nesta
temática, deve-se sustentar a inexorável imperatividade da normativa sobre jornada de trabalho. Ora, se
há uma ineludível relação entre a limitação do tempo de trabalho e a proteção à saúde dos trabalhadores, há que se observar os limites legais impostos, tanto nas Constituições brasileira e espanhola
como na normativa internacional — especialmente a comunitária, no caso da Espanha. Não obstante,
verificar-se-á a necessidade de se definir com clareza o que se entende por trabalho efetivo e por
tempo de descanso, bem como de se repensar os tempos de mera presença, os quais permitem que o
trabalhador permaneça à disposição do empregador por até 60 horas semanais. Isso porque tempo
de descanso deve ser um tempo de livre disposição pelo trabalhador, um tempo de liberdade, no qual
possa fazer o que bem queira.
Ademais, analisar-se-á a (in)suficiência das pausas intrajornada, principalmente no trabalho
repetitivo ou no qual se exige do trabalhador uma intensa produtividade, e se é razoável permitir
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a acumulação do tempo de descanso semanal, ainda que por períodos de apenas quatorze dias. No
trabalho noturno e no trabalho em regime de turnos ininterruptos de revezamento, devido aos problemas de fadiga causados pela alteração do ritmo vigília-sono, analisar-se-á se devem ser revisadas
as extensas jornadas de trabalho nos setores da saúde e da segurança pública, tanto do regime de trabalho
conhecido como 12 x 36 como dos plantões de 24 horas ou mais — e também dos sistemas 5 x 2, 4 x
2, 5 x 1, 3 x 1 e suas variáveis. Também, se é necessária uma melhor limitação da jornada nas atividades insalubres, perigosas e penosas, bem como a retirada das exceções nas jornadas especiais fixadas
na Espanha e até mesmo no Brasil, com a Lei do Motorista Profissional. Finalmente, para a promoção
da saúde do trabalhador e para o combate ao próprio desemprego, parece ser imprescindível uma
limitação efetiva das horas extraordinárias, o que será objeto de análise ao final do segundo capítulo.
Na sequência, no capítulo 3, pretende-se demonstrar, por meio do estudo das estatísticas de jornadas de trabalho e de acidentes do trabalho, que a acentuada flexibilização da normativa sobre jornada de
trabalho conduziu a um quadro brutal de acidentes e doenças ocupacionais.
Primeiramente, analisar-se-á a forte flexibilização promovida na Espanha, sobretudo a partir
dos anos 90, a qual fez desaparecer o limite de nove horas diárias, com a perversa anualização do
tempo de trabalho (banco de horas). Com efeito, a compensação anual do tempo de trabalho logra
que, na prática, o único limite de jornada seja o correspondente ao período de tempo necessário ao
descanso entrejornadas, permitindo o labor de até 66 horas semanais em determinados períodos do
ano, na Espanha. Infelizmente, no Brasil também se implantou, ao final dos anos 90, a reprovável
anualização do tempo de trabalho, transferindo para o trabalhador os riscos da atividade econômica.
De se verificar, pelo menos, se é necessária uma previsão expressa de causas justificadoras, de limites
efetivos à distribuição dos horários e de situações objetivas para que se proceda ao descanso compensatório, quando da celebração do acordo de banco de horas.
A partir desse ponto, propõe-se a análise das estatísticas, as quais demonstram que houve um
aumento considerável de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais — com destaque para Espanha e Brasil
— à medida que a flexibilização se aprofundou, sobretudo depois da anualização do tempo de trabalho e
do fomento dos contratos temporários (por prazo determinado). A propósito, a OIT revelou, em 2008,
uma cifra impressionante de 22% de trabalhadores que estavam trabalhando mais de 48 horas semanais no
mundo, cerca de 614,2 milhões de trabalhadores.
Pois bem, a partir do cotejo das estatísticas de jornadas de trabalho extensas com as estatísticas
de acidentes e doenças ocupacionais — ainda que haja uma fortíssima subnotificação —, pretende-se
identificar os setores da economia nos quais ocorrem as maiores taxas de sinistralidade, buscando verificar
se há, ao mesmo tempo, extensas jornadas de trabalho nesses setores e em que medida isso pode contribuir para o aumento dos infortúnios laborais. A comparação será feita com relação aos principais
países da Europa e da América, com destaque para Espanha e Brasil.
A respeito das doenças ocupacionais, investigar-se-á, no Brasil, a excepcional ferramenta recentemente instituída, o NTEP — Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário —, identificando-se as maiores
taxas de enfermidade presumidas de acordo com o índice de incidência dos setores da atividade
econômica. Assim, pretende-se correlacionar os setores ou as atividades econômicas em que ocorrem
as maiores taxas de sinistralidade com as extensas jornadas de trabalho e inclusive com a intensificação do trabalho e a falta de pausas adequadas à recuperação da fadiga laboral, principalmente nos
trabalhos repetitivos. Pretende-se fazer também um estudo das cidades que apresentaram a maior
quantidade de doenças ocupacionais e investigar em que medida as extensas jornadas de trabalho,
sem as pausas necessárias, podem contribuir para esse resultado.
A mesma investigação será feita quanto aos dados da Espanha, identificando-se os setores da
economia que apresentam a maior incidência de acidentes e, sobretudo, de doenças ocupacionais, e
a possível relação com longas jornadas de trabalho ou sem as pausas adequadas, inclusive quanto ao
23
tipo de contrato, para verificar se nos contratos temporários (por prazo determinado) há realmente
maior incidência de sinistralidade laboral.
Enfim, o que se pretende demonstrar nesta obra é a urgência de forjar um futuro no qual o trabalho
e a cidadania caminhem juntos, pois condições de trabalho — principalmente as relacionadas ao tempo de trabalho — e condições de vida são institutos inseparáveis. Há que se insistir num mundo de
igualdade, solidariedade e liberdade, no qual haja, a um só tempo, a distribuição do trabalho para todos,
a proteção efetiva à saúde dos trabalhadores e o desfrute do tempo livre para que todas as pessoas possam
ser realmente livres. Somente assim haverá, verdadeiramente, o respeito incondicional à propagada
dignidade da pessoa humana.
A isso se propõe nas linhas que seguem, começando por um estudo a respeito da limitação
da jornada de trabalho e sua manifesta influência no gozo dos direitos fundamentais por parte do
trabalhador.
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Capítulo 1
JORNADA DE TRABALHO E PROTEÇÃO AOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR
1.1. A NORMATIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO
1.1.1. O tempo em geral e o tempo de trabalho
O tempo é um fenômeno que tem fascinado os estudiosos no curso da história. Antes mesmo das
medições do tempo com critérios científicos, ele era observado pelas pessoas e analisado por filósofos e demais estudiosos da natureza. Ademais, a medição do trabalho prestado por conta alheia, desde
os primórdios, levou em consideração, entre outros fatores, a extensão temporal em que o trabalho é
destinado a outra pessoa.
Nas palavras de Aparicio Tovar(1): “O tempo, como não poderia ser de outro modo, tem sido,
é e será um tema central no Direito do Trabalho, do mesmo modo que tem sido e é na História da
Filosofia”. Esse autor recorda que Aristóteles, em sua Física, já refletia que “o tempo consome, que
tudo envelhece sob a ação do tempo, que tudo se apaga com a ação do tempo”. Daí o poder imenso que
possui o tempo. Não obstante, “na mensurabilidade do tempo entra o intelecto, logo o tempo que nos
rodeia, o tempo do mundo deve se compatibilizar de algum modo com a subjetividade, com o tempo
da alma” (destaques no original). Por isso Ricoeur(2), em seu Tiempo y narración, expôs que o tempo
fascina o filósofo, apresentando-lhe, ao mesmo tempo, as dificuldades de sua demonstração fenomenológica, pois o tempo é uma “palavra invencível que, antes de toda filosofia e apesar de toda nossa
fenomenologia da consciência do tempo, ensina que não produzimos o tempo, senão que ele nos
rodeia, nos envolve e nos domina com seu temível poder”.
Assim, para a compreensão do significado do tempo em nossas vidas, no contexto atual, é necessário um aporte filosófico, antropológico, político e jurídico de sua configuração. Em definitivo,
todo o universo é compreendido sob a dinâmica do fenômeno tempo. “Medimos o universo por seus
giros temporários, desde o cosmos até o átomo, tanto em suas distâncias de anos-luz como na inconcebível oscilação que somente pode expressar as fórmulas.”(3)
Ademais, é possível sustentar que o ser humano contemporâneo se tornou escravo do tempo.
Como observa Ricardo Antunes(4), nas civilizações da Antiguidade, a sociedade não tinha a mesma
necessidade de medir o tempo que as sociedades industrializadas da Era Moderna. Nestas sociedades, o tempo exerce de fora para dentro, por meio de relógios, calendários e outras tabelas de
horários, “uma coerção que se presta eminentemente para suscitar o desenvolvimento de uma autodisciplina nos indivíduos”.
Por isso, o tempo apresenta tamanha importância para o Direito do Trabalho, pois o tempo de
trabalho ocupa uma posição de centralidade na normatização deste ramo do Direito. É possível susten(1) APARICIO TOVAR, J. “Prólogo”. Em: TRILLO PÁRRAGA. F. J. La construcción social y normativa del tiempo de trabajo:
identidades y trayectorias laborales. Valladolid: Lex Nova, 2010. p.9.
(2) Apud APARICIO TOVAR, J. “Prólogo”, ibidem.
(3) JÜNGER, E. El libro del reloj de arena. Barcelona: Argos Vergara, 1985. p. 13. Apud MONEREO PÉREZ, J. L.; GORELLI
HERNÁNDEZ, J. Tiempo de trabajo y ciclos vitales: estudio crítico del modelo normativo. Granada: Comares, 2009. p. 1.
(4) ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 4. ed. São Paulo: Boitempo,
2001. p. 175.
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tar que o tempo de trabalho, mais precisamente sua limitação pela normativa estatal, que veio à luz
após as lutas dos trabalhadores e dos sindicatos por melhores condições de vida às pessoas que vendiam sua força de trabalho, é parte inseparável da própria gênese do Direito do Trabalho. Daí por que,
ainda que haja outros temas preciosos no estudo deste ramo do Direito, como assédio moral, teletrabalho e tantos outros, ainda hoje os dois temas fundamentais desta disciplina são o salário e a limitação
da jornada de trabalho, assim como o era no surgimento das primeiras normas que procuraram
estabelecer limites à obtenção do lucro empresarial, inerente ao processo de produção capitalista.
Francisco Trillo(5), estudando os objetivos da normatização da jornada de trabalho, afirma que a
relação entre o tempo de trabalho e o lucro empresarial é a quinta-essência do processo de produção
capitalista. Daí “a demanda empresarial pelo maior tempo de trabalho possível”, o que “tem incidido na normatização do tempo de trabalho fazendo aparecer limites oponíveis à função reguladora
(original) deste”. Assim, a busca pelo maior lucro empresarial propiciou o surgimento de jornadas
extenuantes de trabalho, as quais motivaram, “através da luta do movimento obreiro, a fixação progressiva de uma regulação do tempo de trabalho que albergasse em seu código genético, entre outros
e fundamentalmente, o objetivo da proteção à saúde dos trabalhadores”.
Não se pode olvidar de que o trabalhador não deixa de ser pessoa quando entrega parte de seu
tempo de vida ao empregador, para que seja possível a prestação dos serviços pactuados no contrato
de trabalho. É dizer, o trabalhador vende sua força de trabalho, física e/ou intelectual, porém não perde sua condição humana. Por isso, o tempo de trabalho não pode impedir à pessoa o exercício de seus
direitos, tampouco lhe impedir o desenvolvimento de sua personalidade, de modo que o trabalho
deve propiciar que a dignidade da pessoa humana do trabalhador seja protegida. Por isso, fala-se
tanto hoje em dia, na Espanha, em conciliação da vida pessoal, familiar e laboral.
Em outras palavras, o trabalhador trabalha “para ganhar a vida”, para obter o numerário
suficiente “com o que comprar tudo aquilo que necessita e que é produzido por outros. Não obstante, este fim primário do trabalho na civilização moderna não exclui que o trabalhador possa
também se interessar por ele próprio ou pelo que goste, obter satisfações pessoais etc.”(6) (destaque no original).
Sem dúvida, para que haja o livre desenvolvimento da personalidade, em respeito à dignidade
essencial da pessoa, necessário lhe oferecer um tempo livre para tanto. É dizer, se a pessoa se ocupa tanto
do trabalho que não lhe sobra o tempo necessário ao desenvolvimento de suas atividades pessoais,
ademais de sua vida familiar — também a possibilidade de participar da vida social, comunitária,
sindical etc., inclusive de melhorar seu grau de conhecimento através do estudo, até mesmo para a
sua formação profissional —, por certo que não terá nenhuma possibilidade de exercer seu direito
fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade — direito que é assegurado expressamente pelo
art. 10.1 da CE (Constituição Espanhola).
Dissertando a respeito do tempo livre do trabalhador, Alarcón Caracuel(7) apresenta como pressuposto de sua tese que o trabalhador “vende” ao empregador somente um número determinado de
horas ao ano, por exemplo, 1.700 horas. E afirma que o resto é “tempo livre” do trabalhador, ou seja,
“tempo não vendido, tempo seu”. De modo que o trabalho não pode ser o centro do universo. É necessário promover uma filosofia da vida. Em definitivo, se deve “trabalhar para viver” e não “viver para
trabalhar”. A propósito, adverte-se que na época contemporânea o excesso de trabalho, mais precisamente a excessiva jornada de trabalho, tem sido um grave fator de risco de acidentes e doenças
(5) TRILLO PÁRRAGA. F. J. La construcción social y normativa del tiempo de trabajo: identidades y trayectorias laborales, p. 30-31.
(6) MONEREO PÉREZ, J. L.; GORELLI HERNÁNDEZ, J. Tiempo de trabajo y ciclos vitales: estudio crítico del modelo normativo, p. 1.
(7) ALARCÓN CARACUEL, M. R. “La jornada ordinaria de trabajo y su distribución”. Em: APARÍCIO TOVAR, J. e
LÓPEZ GANDIA, J. (Coord.). Tiempo de trabajo. Albacete: Bomarzo, 2007. p.50-51.
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ocupacionais, pois os trabalhadores estão “vivendo para trabalhar”(8), e não o contrário, questão que
será melhor analisada nos próximos capítulos.
Como observa Francisco Trillo(9), a limitação efetiva da jornada de trabalho “através da normativa
trabalhista condiciona de forma direta a configuração do resto de tempos vitais, assim como a realização da pessoa do trabalhador”, de modo que direitos como a educação, a participação política e
sindical do trabalhador, o culto religioso, a família “ou, em definitivo, qualquer outro aspecto pessoal
que o trabalhador pretenda cultivar se opõem ao tempo de trabalho em forma de limites específicos
que contribuem para a normatização da jornada de trabalho”.
Por isso, de se destacar que o tempo de trabalho normalmente delimita a “vida ativa” da pessoa,
em contraposição à “vida contemplativa”, a se pensar em termos tradicionais estes dois modos de
vida. É por meio do trabalho que as pessoas “produzem o vitalmente necessário para alimentar o
processo de vida do corpo humano”. Há, portanto, uma conexão entre o labor — trabalho entendido
como “atividade” humana — e a vida, sendo que a referida conexão “é inerente à condição humana,
ao processo de vida; ambos são parte do ciclo da vida. A atividade laboral se incorpora à circunstância humana”(10).
É mais que isso, “o labor produz bens de consumo, sendo que laborar e consumir não são mais
que duas etapas do sempre recorrente ciclo da vida biológica. São duas etapas do mesmo processo
vital no desenvolvimento das atividades humanas” (destaques no original). Destarte, no ciclo vital
“as etapas biológicas e cronológicas do labor e do consumo se pressupõem mutuamente”. É dizer, o
trabalho “molda o ser social”. A pessoa se produz a si mesma, enquanto pessoa, “através do trabalho
como práxis social”. Em definitivo, o trabalho constitui o fundamento determinante do ser social da pessoa.
Por isso, afirma-se que “existe um largo caminho entre a gradual diminuição das horas de trabalho”
— a qual tem progredido de maneira constante há quase um século — e “a utopia da emancipação do
labor através da emancipação da necessidade. Em realidade, a emancipação do trabalho pressupõe
uma nova estrutura do trabalho social”(11), tema que foge aos estreitos limites desta obra.
No mesmo sentido, destaca-se que o trabalho, desde sua vertente imaterial, demonstra sua centralidade a partir de um plano social e cultural, pois influi nitidamente no projeto vital da pessoa
trabalhadora. É dizer, o trabalho, ou sua determinação por meio da jornada de trabalho, verdadeiramente desenha um modus vivendi da pessoa, tendo em vista que esta organiza todo o seu tempo de
vida levando em conta a extensão da jornada de trabalho pactuada com o empregador. Como observa Francisco Trillo(12), “o trabalho dá fórmula e conteúdo às biografias pessoais dos trabalhadores em
relação com o tempo de vida”. Por isso, pode-se afirmar que várias situações laborais — como a passagem de um emprego a outro, a convivência de períodos de emprego e de desemprego, de empregos
estáveis com outros temporários — “determinam a biografia pessoal dos trabalhadores de maneira
indelével”. Nesse contexto, é possível asseverar que “o trabalho, em sua dimensão temporal, torna-se
um elemento essencial do projeto de vida da pessoa trabalhadora” (destaques no original).
Assim, o tempo em geral “penetra na relação de trabalho e influi nos demais âmbitos do tempo
vital, pois sua delimitação incide nos modos de vida, nas relações familiares e no lazer”. Por isso, é o
(8) URRUTIKOETXEA BARRUTIA, M. “Vivir para trabajar: la excesiva jornada de trabajo como factor de riesgo
laboral”. Gestión Práctica de Riesgos Laborales, n. 77, dez. 2010, p. 34-41. Disponível em: <http://riesgoslaborales.wke.es/noticias_base/vivir-para-trabajar-la-excesiva-jornada-de-trabajo-como-factor-de-riesgo-laboral?commit.x=7&commit.y=1&co
mmit=BUSCAR&locale=es&magazine_ids%5B%5D=13&q=vivir+para+trabajar&site=8>. Acesso em: 4 maio 2011.
(9) TRILLO PÁRRAGA. F. J. La construcción social y normativa del tiempo de trabajo: identidades y trayectorias laborales, p. 48.
(10) MONEREO PÉREZ, J. L.; GORELLI HERNÁNDEZ, J. Tiempo de trabajo y ciclos vitales: estudio crítico del modelo normativo, p. 4-5. Os autores examinam os estudos de Hannah Arendt, sobretudo La condición humana (1958), sendo que esta
grande humanista faz uma distinção entre labor — o trabalho entendido como atividade humana — e trabalho — aqui
entendido como obra ou produto já acabado.
(11) Ibidem, p. 5-6.
(12) TRILLO PÁRRAGA. F. J. La construcción social y normativa del tiempo de trabajo: identidades y trayectorias laborales,
p. 292-293.
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tempo de trabalho que determina o tempo livre, pois apenas nos períodos de tempo em que o trabalhador
não está no estabelecimento empresarial ou à disposição do empregador é que se pode dizer que há
um tempo livre. “É assim que institucionalmente se estabelece uma duração legal do trabalho e se define um modelo de vida laboral que implica uma oposição de caráter binário entre tempo de trabalho
e tempo livre, prescindindo — pela omissão — do tempo de trabalho não assalariado” (destaques no
original). Isso porque o tempo também atua como um fator de delimitação da subordinação do trabalhador
ao empregador, ou seja, o tempo tem como uma de suas funcionalidades servir de critério limitador da
subordinação jurídica do trabalhador ao poder empresarial(13).
De modo que os limites de jornada de trabalho têm como pressuposto básico a fixação de tempos
mínimos de descanso para o trabalhador. Daí a observação de que, no Direito do Trabalho da atualidade, “o direito ao descanso tem se configurado como um limite, o mais importante limite, à jornada
de trabalho”, servindo o descanso de instrumento “aos objetivos, configuração e distribuição da jornada laboral”. E se pode sustentar que, diante da norma do art. 40.2 da CE, há um direito subjetivo dos
trabalhadores ao descanso necessário, como forma de garantir o desfrute de outros bens jurídicos, por
meio da limitação da jornada de trabalho(14).
Também Alarcón Caracuel(15), um dos maiores estudiosos dessa temática, observa que “o tempo
influi decisivamente nos dois aspectos-chave da relação laboral”: 1º) a duração do contrato de trabalho — aspecto que desperta uma grande preocupação desde a década de 1990, levando em conta a
altíssima taxa de temporariedade nos contratos de trabalho, sobretudo na Espanha; 2º) a duração da
jornada de trabalho — objeto da luta histórica dos trabalhadores, primeiro por sua redução e depois
por sua distribuição de modo que permita a conciliação da vida laboral com os tempos de vida do
trabalhador.
Neste passo, torna-se necessária uma abordagem sobre a evolução histórica da normatização da
jornada de trabalho, na busca incessante pela devida proteção a bens jurídicos tão importantes ao trabalhador, como o são a saúde laboral e os direitos de personalidade.
1.1.2. Aspectos históricos da luta pela limitação da jornada de trabalho
Valdés Dal-Ré(16) assevera que a regulamentação da jornada de trabalho está na origem e formação do Direito do Trabalho como um direito autônomo, separado do tronco comum civilista,
“constituído por um aglomerado de regras de natureza imperativa cuja função é comprimir a autonomia privada; a individual, mas também a coletiva”. E, igualmente, essa regulamentação “se encontra
na gênese da configuração do contrato de trabalho como um contrato regulamentado”.
Com efeito, a Revolução Industrial, que ocorreu primeiramente na Grã-Bretanha, de 1780 a 1840
— já que foi em 1840 que terminou o longo processo de construção das ferrovias e da indústria pesada naquele país, segundo Eric Hobsbawm(17) —, ainda que tenha produzido uma história de êxito
incontestável e de progresso fantástico, com a revolução científica, o aumento da produção e da
produtividade, as novas tecnologias e ideias, também produziu uma “segunda história”. Essa história
não comentada se refere ao aumento intensivo e extensivo da jornada de trabalho, à incorporação das mulheres e crianças à força de trabalho industrial, à expulsão dos trabalhadores das terras onde viviam
(13) MONEREO PÉREZ, J. L.; GORELLI HERNÁNDEZ, J. Tiempo de trabajo y ciclos vitales: estudio crítico del modelo normativo, p. 8-9.
(14) RAMOS QUINTANA, M. I. Los descansos laborales. Em: APARÍCIO TOVAR, J. e LÓPEZ GANDIA, J. (coords.). Tiempo de trabajo, p. 121-122.
(15) ALARCÓN CARACUEL, M. R. La jornada ordinaria de trabajo y su distribución, p. 35.
(16) VALDÉZ DAL-RÉ, F. “La flexibilidad del tiempo de trabajo: un viejo, inacabado y cambiante debate”. Relaciones laborales, Madri, n. 2, ano 15, jan. 1999, p. 4.
(17) HOBSBAWM, E. J. Las revoluciones burguesas. Tradução de The age of revolution: Europe 1789-1848, por Felipe Ximenez
de Sandoval. 4. ed. Madri: Ediciones Guadarrama, 1976. p. 58-60.
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e trabalhavam, à precarização das condições de trabalho, à degradação do ambiente urbano e da
vida doméstica, o que evidencia uma verdadeira contradição do sistema capitalista. Houve, assim,
à margem do progresso do capitalismo, uma incontestável “epidemia da pobreza”, no período de
instalação do modelo capitalista de produção(18).
Por isso, os doutrinadores sempre citam Karl Marx (1818-1883), cuja obra clássica O Capital
narra inúmeros trechos dos relatórios oficiais de saúde pública inglesa, tratando sobre os efeitos
negativos do martírio de jornadas de trabalho de até 18 horas, inclusive para mulheres e crianças,
do trabalho noturno, em regime de turnos ininterruptos de revezamento, aos domingos, sem férias e
sem nenhuma garantia trabalhista. Marx(19) fez um minucioso estudo dos ramos da indústria inglesa
nos quais não havia limites legais de jornada de trabalho, narrando situações desumanas de exploração dos trabalhadores, sobretudo das crianças, transcrevendo declarações de crianças de nove e dez
anos, as quais eram “arrancadas” da cama às 2, 3, 4 horas da manhã e obrigadas a trabalhar até as 10,
11 ou 12 horas da noite, para receber apenas o indispensável à mera subsistência. Houve declarações
de crianças de sete anos que trabalhavam 15 horas por dia. E no Relatório da Comissão Parlamentar
de Inquérito, de 13 de junho de 1863, um médico denunciava:
Como classe, os trabalhadores de cerâmica, homens e mulheres, […] representam uma
população física e moralmente degenerada. São em regra franzinos, de má construção
física, e frequentemente têm o tórax deformado. Envelhecem prematuramente e vivem
pouco, fleumáticos e anêmicos. Patenteiam a fraqueza de constituição através de contínuos
ataques de dispepsia, perturbações hepáticas e renais e reumatismo. Estão especialmente
sujeitos a doenças do peito: pneumonia, tísica, bronquite e asma.
E a principal causa era a extenuante carga de trabalho. Por isso, Aparicio Tovar(20) anuncia que a
Revolução Industrial, desenvolvida primeiramente na Grã-Bretanha desde o fim do século XVIII e
ao longo do século XIX, “gerou para os trabalhadores umas terríveis condições de vida que por sua
dureza hoje resultam quase inimagináveis aos cidadãos europeus”.
Marx(21) observava que o primeiro Estatuto dos trabalhadores ingleses, decretado por Eduardo
III, em 1349, já continha normas para a fixação de salários razoáveis e de limites para a jornada de
trabalho. E a duração do trabalho foi novamente regulamentada no Estatuto de 1496, promulgado no
reinado de Henrique VII, de acordo com o qual a jornada de trabalho para os artífices e trabalhadores
agrícolas, de março a setembro, deveria durar das 5 da manhã às 7 ou 8 horas da noite, e o tempo para
a refeição era de três horas, em três intervalos. De modo que os trabalhadores agrícolas trabalhavam
10 ou 11 horas por dia, sendo que normalmente o faziam em quatro dias por semana, nos quais recebiam remuneração suficiente para se manter. Portanto, a Revolução Industrial agravou a situação dos
trabalhadores, dos quais se passou a exigir trabalho em 15 e até 18 horas por dia — com a redução dos
salários —, inclusive aos domingos, graças ao protestantismo, que transformou os dias tradicionais
de festas religiosas em dias de trabalho. Por esta razão, Marx afirmava que o protestantismo desempenhou um importante papel na gênese do capitalismo(22).
(18) MEDEIROS, João Leonardo Gomes. A economia diante do horror econômico. 2004, 204 p. Tese (Doutorado em Economia).
Rio de Janeiro: Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004. p.15.
(19) MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 22. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004. p.283-304.
(20) APARICIO TOVAR, J. Introducción al Derecho Social en la Unión Europea. Albacete: Bomarzo, 2005. p.13.
(21) MARX, Karl. O capital: crítica da economia política, p. 303-320.
(22) Sobre o tema, se torna obrigatória a consulta à obra clássica de Max Weber, na qual o citado autor procura compreender a razão de ter havido maior desenvolvimento capitalista nos países de confissão protestante, e de ter havido maior
proporção de protestantes entre os proprietários do capital, empregadores e integrantes das camadas superiores da mão de
obra qualificada. Pesquisando a respeito do “espírito” do capitalismo, Weber estranhava o fato de que os trabalhadores não
davam a devida importância ao “salário por tarefa”, utilizado pelo empregador “moderno” para obter de seus operários
o máximo possível de rendimento no trabalho. Observava que a possibilidade de “ganhar mais” atraía menos os trabalhadores do que o “fato de trabalhar menos”, por puro “tradicionalismo”. E acrescentava que “o ser humano não quer ’por
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a flexibilização da jornada de trabalho e a violação do