RADIOTERAPIA PARA TUMORES DE PULMÃO
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Não pequenas células
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Pequenas células
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Urgências
Prof. Dr. Roberto Araújo Segreto1
Profa. Dra. Helena Regina Comodo Segreto2
Dr. Rodrigo Souza Dias 3
1
Prof. Associado do Departamento de Medicina e Chefe do Setor de Radioterapia da UNIFESP/EPM
2
Profa. Adjunta do Departamento de Medicina e Chefe do Laboratório de Radioterapia Experimental
da UNIFESP/EPM
3
Médico-assistente do Setor de Radioterapia do Departamento de Medicina da UNIFESP/EPM.
2
RADIOBIOLOGIA – ASPECTOS GERAIS
O principal objetivo da radioterapia é destruir o tecido patológico e ao mesmo tempo preservar o tecido
normal adjacente. Para isto, o avanço tecnológico atual tem permitido o desenvolvimento de modernos
equipamentos, que possibilitam a escolha de diferentes tipos de radiação, com diferentes energias, modulação
do feixe (IMRT), para o tratamento de tumores nas suas diversas localizações anatômicas (superficiais ou
profundos). Ainda, o progresso tecnológico tem possibilitado a realização de planejamento computadorizado,
mais acurado e inclusive em terceira dimensão, que possibilita cada vez mais atingir a meta de tratar doenças
produzindo a menor quantidade possível de seqüelas no tecido normal. Além da evolução dos aparelhos, o
desenvolvimento da radiobiologia tem propiciado melhor entendimento das respostas dos diferentes tecidos
(normais e patológicos) à radiação, implementação de protocolos com diferentes fracionamentos, associação de
drogas sensibilizadoras e protetoras visando melhor resposta terapêutica, otimização do tratamento e maior
sobrevida dos pacientes.
Importante efeito da radiação, de relevância clínica para a radioterapia, é a indução da morte celular.
Esta pode ocorrer por falência reprodutiva ou morte clonogênica, que se caracteriza pela perda da capacidade
de divisão celular. Neste caso, a célula irradiada permanece morfológicamente íntegra, muitas vezes consegue
realizar uma ou duas mitoses, mas perde a capacidade de dividir-se inúmeras vezes ao longo da vida.
Considerando o ciclo celular, a fase de mitose (M), é extremamente sensível à radiação, pois existe grande
possibilidade de “fixação” da injúria radioinduzida. Acredita-se que este fato ocorra devido a grande compactação
do DNA. Isto aumenta a probabilidade de interação, provocando aberrações cromossônicas e morte celular, o
que corresponde ao aumento da radiosensibilidade. A grande compactação da cromatina torna as lesões
inacessíveis às enzimas reparadoras.
A radiação ionizante induz também a morte por apoptose. Este é um mecanismo ativo de morte celular,
que ocorre inclusive em situações fisiológicas, em oposição à mitose. Neste mecanismo são ativadas enzimas
que produzem a quebra do DNA. Há também um controle genético do processo onde estão envolvidos genes
que inibem (protooncogen bcl-2) e outros que induzem (gen supressor de tumor p53) o processo. Para a
radioterapia, os dois mecanismos de morte celular são importantes. Atualmente, propõe-se que a capacidade
das células e tecidos (normais e patológicos) responderem rapidamente à radiação, deve-se à indução da
apoptose. Porém, para o controle local da doença, é relevante também a morte clonogênica, pois, não basta
apenas que as células do tecido patológico morram. É importante que estas percam a capacidade reprodutiva e
não voltem a crescer.
Existe diferença na resposta radiobiológica entre o tecido normal e o patológico bem como entre os
diferentes tecidos normais, do ponto de vista de lesão. A resposta está relacionada com a capacidade da célula
reparar ou não as lesões radioinduzidas. Os tecidos de resposta rápida são aqueles que apresentam as
manifestações clínicas de lesão em curto período de tempo depois da irradiação. São exemplos de tecidos de
resposta rápida: pele, mucosas, tecidos hemocitopoético, tecido linfóide, aparelho digestivo, e certos tumores.
Associa-se a resposta rápida destes tecidos, à alta atividade mitótica (fase bastante radiosensível do ciclo
celular) e a grande suscetibilidade à apoptose dos mesmos. Os tecidos de resposta lenta são aqueles que
apresentam suas alterações em tempo mais prolongado após irradiação. São eles os tecidos: ósseo, conjuntivo,
muscular e nervoso, que possuem baixa atividade proliferativa. Associa-se a resposta lenta à morte clonogênica
das células e a menor suscetibilidade à apoptose.
Durante a radioterapia, são usadas habitualmente doses fracionadas de radiação em campos
localizados. É inevitável, no entanto, que parte do tecido normal seja incluído no campo a ser irradiado. É
importante porém, respeitar a tolerância deste tecido normal, ou seja, a dose máxima de radiação que o tecido
irá tolerar. Deve-se permitir a recuperação do tecido normal (reparo e/ou divisão celular). Se a dose de tolerância
for ultrapassada, poderão ocorrer alterações importantes e irreversíveis, que uma vez estabelecidas pouco se
pode fazer para revertê-las. A dose de tolerância varia dependendo das características biológicas do tecido, do
volume de tecido irradiado, tipo de radiação e fracionamento da dose.
A radioterapia pode ser usada de forma paliativa, curativa ou complementar, para doenças malígnas e
benignas. Porém, sua maior indicação é para o tratamento das neoplasias malígnas. Para isto, é imprescindível
a classificação do tumor em cada uma de suas localizações anatômicas e o estadiamento. São condutas
fundamentais para decidir a melhor abordagem terapêutica, estratégia multidisciplinar e prognóstico.
Tumores não pequenas células
Os tumores de pulmão não pequenas células podem ser ressecáveis, porém, em sua maioria, requerem
o uso de radioterapia e/ou quimioterapia.
A finalidade da radioterapia é o controle da lesão primária e sua drenagem linfática, bem como o
tratamento paliativo de metástases em partes moles e óssea.
A radioterapia pode ser feita das seguintes maneiras: exclusiva, pré-operatória, pós-operatória, paliativa
e sintomática.
Radioterapia exclusiva
Este tratamento é indicado quando há contra-indicações para a cirurgia ou quando o paciente recusa-se
a submeter-se a ela. Deve-se, assim, levar em consideração a extensão da doença e o volume do tórax a ser
irradiado.
A área a ser irradiada abrange o tumor primário e sua drenagem linfática (mediastino), com margem de
segurança de mais ou menos 2cm. Quando existe comprometimento de gânglio escaleno, incluem-se as fossas
supraclaviculares ao campo de tratamento.
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As doses preconizadas em áreas de doenças microscópicas (drenagem linfática) são de 4.000 a 4.600
cGy, suficientes para impedir o crescimento do tumor. Em área de tumor primário, as doses são de 6.000 cGy.
Estudos anteriores demonstraram que doses de 4.000 a 4.600 cGy em mediastino são bem toleradas e
não levam a complicações tardias, como fibrose actínica, alterações cardíacas induzidas pela radiação,
esofagite, bem como a danos na medula espinhal.
Os resultados obtidos com esta forma terapêutica chegam a 20% de sobrevida em cinco anos.
Radioterapia pré-operatória
Os pacientes não devem receber de rotina a radioterapia pré-operatória. No entanto, alguns casos
selecionados podem beneficiar-se com esta modalidade de tratamento, tais como: tumor primário (carcinoma
espinocelular EC III) com nódulos mediatinais comprometidos e em pacientes com boas condições clínicas
gerais. Tais pacientes devem receber doses de 3.000 cGy em 10 frações, num período de duas semanas. Com
isso, o tumor diminui de tamanho e aumenta-se a chance de obtenção de uma secção curativa.
Radioterapia pós-operatória
Esta modalidade é indicada a pacientes que foram submetidos a ressecção cirúrgica do tumor, havendo
comprometimento de linfonodos hilares e mediastinais, bem como das margens de sua área cirúrgica.
Os estudos mostram que os pacientes submetidos a radiação pós-operatória têm sobrevida maior (20 a
30%) quando comparados com aqueles que receberam apenas o tratamento cirúrgico (8%). A dose preconizada
é de 5.000 cGy em cinco semanas.
Em pacientes que têm tumor de pulmão não metastático com nódulos mediastinais comprometidos
pode-se fazer ressecção conservadora da lesão com ressecção dos nódulos mediastinais e irradiação intersticial
no ato cirúrgico, utilizando-se sementes de 127I ou fios de 131I implantados diretamente no leito cirúrgico. Esta
técnica não tem sido usada rotineiramente, mas tem sido defendida por vários autores, que indicam ainda dose
moderadas de irradiação externa pré ou pós-operatórias. Isto obviamente requer uma interação próxima entre
radioterapeutas e cirurgiões, tanto no planejamento terapêutico como no pré-operatório e durante o ato cirúrgico.
Tratamento paliativo
O tratamento é paliativo quando todo o complexo de tecido envolvido pelo tumor não pode ser irradiado
ou quando a dose dada é menor do que a dose curativa. O objetivo deste tratamento é retardar a evolução da
doença, retardando assim os sintomas provocados pela invasão tumoral ou aliviando os já existentes.
As indicações para o tratamento paliativo são feitas quando a doença é considerada fora de controle,
devido a estádios avançados, metástases a dstância, más condições gerais do paciente e presença de síndrome
de compressão mediastinal nos tumores de localização central, e na síndrome do plexo braquial, tumores estes
localizados no ápice pulmonar com ou sem invasão óssea local.
O campo de irradiação deve envolver o tumor primário, e a dose, de 2.000 a 3.000 cGy, deve ser dada
em um período de tempo curto.
Tratamento sintomático
Os sintomas a serem aliviados pela irradiação podem ter sido produzidos tanto pelas lesões primárias
quanto pelas metástases. São eles: dor, hemorragia, síndrome da veia cava superior, derrame pleural maligno,
tosse, etc..
Este tratamento é mais indicado nas lesões metastáticas ósseas, nas quais a dor é aliviada na quase
totalidade das vezes, e a dose empregada é de 3.000 cGy em duas semanas e/ou 4.000 cGy em quatro
semanas.
Outra Indicação com boa resposta é observada nas metástases cerebrais, caso em que a cirurgia é
quase sempre contra-indicada, uma vez que as lesões metastáticas são geralmente multifocais. A dose
preconizada é de 40 cGy, em campo abrangendo todo o encéfalo, dados em quatro semanas.
Tumores de pequenas células
O carcinoma de pequenas células corresponde a, aproximadamente, 20 a 25% de todos os cânceres de
pulmão. Estudos realizados pelo Medical Research Council (MRC) em 1960 mostraram que a radioterapia era
preferível à cirurgia neste tipo histológico. Mais tarde novos estudos mostraram haver um maior benefício quando
se associa à irradiação um agente quimioterápico, particularmente a ciclofosfamida. A partir daí, novos agentes
quimioterápicos e novas combinações foram desenvolvidas.
Sabe-se que a radioterapia induz uma grande redução da massa tumoral em cerca de 80% dos
pacientes. Quando administramos doses de 3.000 cGy, a regressão da massa tumoral ocorre em 60%; com
doses de 4.000 cGy, a regressão é de 79%, e com 4.600 cGy, a regressão tumoral observada é de 88%. Nos
pacientes tratados apenas com quimioterapia a recidiva torácica é comum nos locais do tumor primário em 60%
dos casos.
Em pacientes que entraram em remissão completa, 71% dos recidivados foram limitados e 56% foram
extensos. A partir daí resolveu-se combinar as duas modalidades terapêuticas, radioterapia e quimioterapia,
sendo a primeira para as massas tumorais e a segunda para as metástases a distãncia.
O câncer de células pequenas tem um índice muito maior de metástases para o sistema nervoso central
do que os outros tipos. Na época do diagnóstico, 8 a 10% dos pacientes já apresentam metástases cerebrais e
os que sobrevivem dois anos ou mais têm 80% de probabilidade de desenvolvê-las, se não tiver feito profilaxia
do sistema nervoso central. Porém, esta profilaxia, apesar de evitar o aparecimento da metástase cerebral, não
melhora a sobrevida do paciente. A sobrevida com a combinação de quimioterapia com radioterapia profilática é
de 41,5 semanas. A dose preconizada para a profilaxia é de 3.000 cGy em 10-15 frações.
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URGÊNCIAS RADIOTERÁPICAS EM TUMORES DE PULMÃO
Urgências em Radioterapia são aquelas situações onde ocorre risco de vida ou de perda da função de um órgão,
e dessa forma, é necessária a instituição imediata de tratamento. Em relação ao câncer de pulmão, as principais
urgências radioterápicas são:
Síndrome da Obstrução da Veia Cava Superior: descrita inicialmente em 1757 por William Hunter, em um
paciente com aneurisma sacular sifilítico da aorta. Pode ocorrer como um processo agudo ou subagudo, e
os principais sintomas são dispnéia, edema de face, pescoço e membros superiores, circulação venosa
colateral proeminente, e sintomas neurológicos como cefaléia, distúrbios visuais e alterações do nível de
consciência. Atualmente, 80% dos casos são causados por carcinomas broncogênicos (65% pelo carcinoma
de pequenas células), 10-18% por linfomas, e 2-3% por patologias benignas. Esta síndrome é provocada
pela obstrução mecânica no fluxo sangüíneo que se dirige ao átrio direito, que pode ocorrer na Veia Cava
superior, abaixo e acima da ázigos, e na veia inominada direita e esquerda. A definição diagnóstica depende
principalmente da severidade dos sintomas. Em pacientes com sintomas iniciais, raio-X e tomografia
computadorizada de tórax, broncoscopia e biópsia do tumor devem ser realizadas e nos pacientes com
sintomatologia mais exuberante o tratamento deve ser iniciado mesmo sem confirmação anatomopatológica.
A terapêutica se baseia na utilização de medidas de suporte como repouso no leito, elevação da cabeceira,
corticosteróides e diuréticos, embora o uso destes dois últimos seja questionada, e no tratamento da causa
primária que pode realizado pela cirurgia, quimioterapia e radioterapia, sendo que a radioterapia é a principal
modalidade de tratamento definitivo desta síndrome. O volume irradiado deve incluir a lesão com 2 cm de
margens. Inicialmente utilizam-se doses altas por fração (3-4 Gy/dia) por 2 a 3 aplicações e então reduz-se a
fração para 1,8 a 2 Gy/dia até o término do tratamento. A dose final varia com o tipo histológico. Nos
linfomas a dose total deve ser de 40-45 Gy e nos carcinomas broncogênicos de 60-70 Gy. Alívio completo
dos sintomas é observado em 20% dos pacientes com tumores broncogênicos e 75% dos pacientes com
linfomas, e melhora parcial é presenciada em 50% e 20% respectivamente. O alívio da dispnéia (50% dos
pacientes com melhora em 24 horas) acontece mais rapidamente que a resolução do edema, que ocorre em
5 dias. Em relação ao prognóstico, a sobrevida em 2 anos é de 10-20%, sendo que os linfomas têm um
melhor prognóstico, seguido por carcinoma de pequenas células e carcinomas não pequenas células.
Obstrução Traqueobrônquica Aguda: ocorre devido ao crescimento tumoral na luz dos brônquios
(carcinomas brônquicos do tipo espinocelular ou primários de traquéia) ou por compressão extrínseca das
vias aéreas (carcinomas de pequenas células, linfomas) promovendo dispnéia grave nos pacientes. Da
mesma forma que a Síndrome de Obstrução da Veia Cava Superior, quando a radioterapia externa é
instituída, utilizam-se doses altas por fração (3-4 Gy/dia) por 2 a 3 dias, e depois utiliza-se o fracionamento
convencional até atingir a dose final, que varia com o tipo histológico. Outra opção de tratamento é a
braquiterapia com alta taxa de dose, onde com a ajuda de um broncoscopista passa-se um cateter pela
obstrução e com uma fonte radioativa, geralmente o irídio-192, atinge-se uma dose alta no tumor,
melhorando a sintomatologia em torno de 67-84% dos casos.
Hemorragia: as hemoptises podem ser classificadas como não maciças e maciças. A hemoptise não maciça
é caracterizada por sangramento mínimo ou moderado sem risco de vida para o paciente e a hemoptise
maciça se caracteriza por perda sangüínea de 200 a 600ml em 24 horas. Quando não é possível tratamento
cirúrgico, após medidas clínicas como repouso no leito, reposição volêmica, antitussígenos, broncoscopia
com aspiração de coágulos e irrigação com solução salina com ou sem adrenalina, a radioterapia deve ser
instituída. Utilizam-se doses de 3-4 Gy por fração, que pode ser repetida por 2-3 vezes, e depois altera-se a
fração para 1,8 a 2 Gy/dia até atingir-se a dose final de 60-70 Gy para os carcinomas broncogênicos.
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Dr Roberto Segreto