Nedine Patrícia Vieira Cardoso
As Relações entre a exclusão social e a
Doença Mental
Universidade Jean Piaget de Cabo Verde
Campus Universitário da Cidade da Praia
Caixa Postal 775, Palmarejo Grande
Cidade da Praia, Santiago
Cabo Verde
30.12.14
Nedine Patrícia Vieira Cardoso
As Relações entre a exclusão social e a
Doença Mental
Universidade Jean Piaget de Cabo Verde
Campus Universitário da Cidade da Praia
Caixa Postal 775, Palmarejo Grande
Cidade da Praia, Santiago
Cabo Verde
30.12.14
Nedine Patrícia Vieira Cardoso, autora da
monografia intitulada “As Relações entre a
Exclusão Social e a Doença Mental”, declara
que, salvo fontes devidamente citadas e
referidas, o presente documento é fruto do seu
trabalho pessoal, individual e original.
Cidade da Praia, 29 de dezembro de 2014
Nedine Patrícia Vieira Cardoso
Memória
Monográfica
apresentada
à
Universidade Jean Piaget de Cabo Verde como
parte dos requisitos para a obtenção do grau de
Licenciatura em Psicologia Clínica e da Saúde.
Sumário
A questão da saúde mental tem vindo a ter cada vez mais visibilidade nas nossas sociedades e
quem vive com estas perturbações sofre com o estigma que estas acarretam.
Nota-se também que existe ainda uma visão do preconceito e da lógica da incapacidade
historicamente construída, no que toca ao acesso ao trabalho.
O presente trabalho que tem por título “As Relações entre a Exclusão Social e a Doença
Mental ” tem como objetivo principal avaliar em que medida a exclusão e a doença mental se
condicionam.
O estudo é de natureza qualitativa e incidiu sobre pacientes em tratamento e seus familiares.
O trabalho de campo foi precedido de revisão bibliográfica acerca dos principais temas
abordados, nomeadamente a evolução da saúde mental e os diferentes aspetos assumidos pela
exclusão social.
Os dados foram colhidos através de entrevistas abertas a dezasseis participantes,Onze
pacientes que se encontravam internados ou em tratamento ambulatorial no Hospital
Agostinho Neto- Extensão Trindade e cinco familiares seus que se mostraram disponíveis.
As entrevistas tiveram lugar nos meses de agosto, setembro e outubro de 2013. As entrevistas,
após consentimento informado dos participantes, foram gravadas e transcritas pela autora.
As entrevistas foram consideradas as unidades de análise e a partir delas foram estabelecidas
cinco categorias relacionadas com aspetos familiares, sociais, afetivos, laborais e referentes ao
preconceito, sendo que, as falas dos pacientes e dos familiares foram descritos e interpretados.
Concluimos que existe uma relação direta e recíproca entre a exclusão social e a doença
mental.
A marginalização e a exclusão foram, ao longo dos tempos, o caminho mais percorrido por
quem sofria de doença mental, causando muitos danos a quem se encontra nessa situação.
As pessoas portadoras de doença mental são vistas, muitas vezes, como incapazes de tomarem
decisões racionais, quer a nível pessoal ou laboral e, por isso, nega-se-lhes em todas as
ocasiões, a oportunidade de emprego.
Na verdade, ficou claro que a exclusão tem uma repercursão negativa na doença mental, uma
vez que as disfunções nas áreas familiar, laboral, social, afectiva e de relacionamento social
do doente contribuem para o agravamento da doença
Constatou-se que o preconceito, estigma e autoestigma são elementos muito importantes
nesse processo.
Nesta medida considera-se, assim, que os objectivos propostos foram alcançados e com base
nas conclusões, são propostas medidas às autoridades e à sociedade, com o objetivo de
aprofundar os estudos sobre a problemática, como forma de melhor se lidar com ela.
Palavras-chave: doença mental, exclusão social, preconceito
Dedicatória
O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava, nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era cão,
Não era gato,
Não era rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(Manuel Bandeira)
A Todas as Famílias que
têm no seu Núcleo um Doente mental
Agradecimentos
Agradeço, primeiramente, a Deus, que me guiou e me abençoou durante esta caminhada.
Aos meus pais, que sempre acreditaram em mim e me transmitiram valores e saberes, que
foram fundamentais na construção da minha identidade.
Aos Portadores de doença mental e aos seus respetivos familiares, que consentiram e deram
de muito bom grado os seus contributos.
Ao Dr. Manuel Faustino, pela orientação de extrema competência, disponibilidade, empenho,
palavras de incentivo e apoio, sem as quais a concretização deste trabalho não seria possível.
Aos Profissionais de Saúde do Hospital Agostinho Neto- Extensão Trindade, pelos seus
contributos e por nos terem acolhido e auxiliado da melhor forma possível a alcançar os
nossos objetivos na referida instituição, sobretudo, ao Dr. João Miguel Vaz, Diretor do
Serviço de Psiquiatria, pela autorização concedida e pelas orientações, à Dr.ª Maria Luísa
Amado e á Drª Francisca Suassuna De Mello Freyre por nos ter apontado os seus pacientes, à
Dr.ª Liudmila Rodrigues, pelas orientações e a todos os funcionários da instituição.
À Vanusa Lima Mendes, pelo apoio incondicional e inestimável que deu nos momentos
difíceis e importantes do trabalho, a quem eu agradeço pela amizade e atenção.
Aos meus irmãos e ao meu sobrinho, Vitinho.
Enfim, agradeço a todos os que de forma direta ou indireta contribuíram para a concretização
deste trabalho.
Lista de Siglas
BIT- Bureau Internacional do Trabalho
CID- Código Internacional de Doença
CIM- Centro de Informação do Medicamento
OMS- Organização Mundial de Saúde
PENSM- Plano Estratégico Nacional de Saúde Mental
PNDS-Plano Nacional do Desenvolvimento Sanitário
As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Conteúdo
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 12
Objetivos................................................................................................................................... 15
Objetivo Geral .......................................................................................................................... 16
Objetivos Específicos ............................................................................................................... 16
Hipóteses .................................................................................................................................. 16
Estrutura do trabalho ................................................................................................................ 16
CAPÍTULO 1:
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................... 18
1.1
Evolução Histórica da Psiquiatria ............................................................................... 18
1.2
Psiquiatria Social e Comunitária ................................................................................. 23
1.3
Critica a Psiquiatria ..................................................................................................... 25
1.4
Estigma e Preconceito .................................................................................................. 29
1.5
Exclusão Social e Doença Mental ................................................................................ 35
1.6
A Doença Mental e o Mundo Laboral .......................................................................... 38
1.7
Aspetos da situação da Saúde Mental em Cabo Verde ................................................ 41
1.8
Como tem sido a assistência psiquiátrica em Cabo Verde? ........................................ 42
CAPÍTULO 2:
FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA ......................................................... 46
2.1 METODOLOGIA ................................................................................................................... 46
2.2 Participantes....................................................................................................................... 47
2.3 Instrumentos de pesquisa ................................................................................................... 47
2.4 Procedimentos .................................................................................................................... 48
Capítulo 3:
Apresentação e discussão de resultados......................................................... 54
Conclusão ................................................................................................................................. 70
Recomendações ........................................................................................................................ 72
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................... 73
SITOGRAFIA .............................................................................................................................. 75
Anexos ....................................................................................................................................... 77
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Índice de quadro
Quadro 1:Movimento dos doentes no Internamento ........................................................... 45
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Índice de Gráficos
Gráfico 1:Evolução de óbitos por doenças mentais e comportamentais ................................. 44
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
INTRODUÇÃO
O trabalho que ora se apresenta consiste numa investigação de cariz científica, como parte
integrante das exigências para a obtenção do grau de Licenciatura em Psicologia Clínica e da
Saúde, pela Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, e tem como título“As Relações entre a
Exclusão Social e a Doença Mental”
A loucura sempre foi um fenómeno social percebido de diferente forma, conforme as épocas.
As crises e a agitação em pessoas consideradas loucas foram por muito tempo entendidas por
varias culturas como sendo obras do demónio, de espíritos maus ou de espíritos atrasados.
Serrano (1986)
Durante a Idade Média, a visão comum era baseada num esquema teológico, numa ordem
divina. Tudo fazia parte da ordem divina, do plano de Deus, daí a responsabilidade que todos
tinham por este mundo, dentro de um espírito de submissão, caridade e fraternidade cristãs.
Sendo assim o louco e o pobre, enfim, a classe marginalizada, existiam para que os homens
abastados pudessem dar esmolas. Serrano (1986)
No final da Idade Média até a Idade Moderna houve uma mudança radical desses conceitos e
o doente mental passou a ser visto como um possuído pelo demónio. Dessa forma, o
tratamento antes humanitário foi mudado para espancamentos, privação de alimentos, tortura
generalizada e indiscriminada, aprisionamento dos doentes para que estes se livrassem dessa
possessão. Serrano (1986)
Essa realidade configurava uma forma de exclusão, baseada no medo que a doença provocava
e na crença de que essas alterações do comportamento eram devidas a forças do mal.
Com o desenvolvimento socioeconómico, as cidades cresceram,os géneros de primeira
necessidade ficaram caros e inacessíveis a maioria do povo. Com isso, os pobres e os loucos,
por não possuírem nenhuns bens, passaram a ser temidos, como uma ameaça social. Assim,
começou também a mudar a conceção medieval da sociedade, daí os pobres e os loucos
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
começarem a ser designados como vagabundos, como pessoas que vivem na preguiça.
Serrano (1986)
Surgiu, no século XVIII, Phillippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria, que teve o mérito
de libertar os doentes mentais das correntes. Os asilos foram substituídos, então, pelos
manicómios, estes somente destinados aos doentes mentais. Desenvolveram-se, com isso,
várias experiências e formas de tratamento. Serrano (1986)
Assim, a passagem do prisioneiro ao doente e o entendimento da loucura como doença
impulsionou para o maior investimento no estudo das causas das doenças mentais. Contudo,
no século XIX e na primeira metade do séc. XX, os recursos ainda eram precários e
ineficientes para o tratamento da doença mental. Serrano (1986)
Essa realidade mostra que, apesar dos avanços, os doentes eram tratados em instituições
fechadas e por isso com grande potencial de exclusão.
Diversos são os fatores que têm sido apontados como facilitadores da exclusão social. Por
vezes, a doença mental é apresentada como sendo um deles, uma vez que ela pode
comprometer determinadas capacidades das pessoas afetadas, mas o que parece ter um peso
muito importante são as perceções inadequadas a respeito dessa patologia. Devido ao
desenvolvimento e à tensão social, a doença mental tem tomado proporções cada vez maiores
ao longo dos tempos em todo o mundo, o que tem aumentado o interesse e a necessidade de
investigações mais profundas em torno deste aspeto.
No entanto, ainda se pode dizer que há uma certa conceção errada no que toca às doenças
mentais, e é de mencionar que devido a estas conceções que a sociedade manifesta em relação
ao doente mental, têm-se tornado cada vez mais visíveis o estigma e o preconceito no que se
refere aos doentes mentais e, com isso, estes estão longe de serem libertadas desse estigma e
desse preconceito.
Como forma de compreender a relação entre os doentes e a sociedade, o conhecimento das
suas vivências antes e depois da doença poderá ser de grande interesse. Importa assim
conhecer, nesse quadro, as suas experiências familiares, afetivas, sociais e laborais. Questões
essas que irão ser abordadas ao longo da nossa pesquisa, cujo tema é “As Relações entre a
Exclusão Social e Doença Mental. “
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Segundo Twenge, Catanese e Baumeister (2003), citado em Muñoz et al (2009), os processos
de estigmatização põem as pessoas em situação de exclusão, não só dificultam a integração
social das pessoas com doença mental e dos seus familiares, mas pode estar associada a outros
riscos psicológicos causados pela exclusão social, tais como comportamentos de
autoexclusão, problemas cognitivos, comportamentos autopunitivos e de risco.
Link et al (1987) afirmaram que os rótulos psiquiátricos estão associados a reações sociais
negativas, que podem agravar o curso da doença. Muñoz et al (2009)
Verifica-se assim que poderá haver uma relação de condicionamento mútuo entre a
estigmatização da doença mental e a exclusão social.
Para Markowitz (2005), citado em Muñoz et al (2009), a doença mental é, talvez, um dos
atributos pessoais mais desvalorizados, pois está intimamente ligada a um conjunto de
estereótipos negativos, é pouco compreendida pelo público em geral e é, muitas vezes,
mencionada de forma negativa e incorreta na sociedade.
Constata-se, assim, que a relação estabelecida com a doença mental pode resultar de conceitos
errados a respeito da mesma.
Ainda Angell et al (2005), citado em Muñoz et al (2009), afirmam que a família que tem
pessoas com doença mental também é afetada por esses dois tipos de estigma, fazendo com
que predominem sentimentos como: vergonha ou negação da doença, levando à ocultação da
doença do seu familiar, de modo a evitar que outras pessoas (amigos e outros parentes)
tenham conhecimento da doença na sua família. E, nesses casos, pode ser adiada a busca de
tratamento para a pessoa com doença mental.
Pode-se concluir que a pessoa com doença mental e a própria família podem ser afetadas pelo
preconceito e pela exclusão.
Em relação ao estigma, Becker (1963) refere que as sociedades criam normas cuja violação
forma desvios e, em consequência, os infratores são rotulados e considerados diferentes dos
demais. E ainda ressalva que o “estigma não é característica da atitude da pessoa, mas uma
consequência das normas socias”. Barbosa, (2010)
14/80
As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Já, Tavares (2010) declara que o estigma relacionado ao doente mental, para além de isolar o
indivíduo em relação aos outros, prejudica as relações sociais dos mesmos, como se o
indivíduo fosse um ser a parte, fazendo com que o doente acredite ser incapacitado de viver
em sociedade.
O preconceito e o estigma são, pois, na ótica desses autores, processos sociais que contribuem
para a exclusão dos doentes mentais e dos seus familiares, uma vez que a pessoa excluída
pode interiorizar esse processo e este tenderá a perpetuar-se.
Nessa linha, Barder (2002) ressalta que o processo de habituação da exclusão, representada
pelo consentimento do próprio excluído e da sociedade, gera um meio social de passividade
compreendendo a condição de exclusão como fatalidade.
Em Cabo Verde, os portadores de doença mental são muitas vezes objeto de condutas menos
adequadas, que podem configurar abandono e exclusão.
Também não é raro, sobretudo na cidade da Praia, deparar-mo-nos com doentes mentais
deambulando pelas ruas sem as mínimas condições de higiene, sendo muitas vezes vítimas de
vários tipos de abusos, violências, do preconceito e estigma, o que configura a sua exclusão.
Este quadro parece traduzir formas de exclusão que são um atentado à dignidade dos doentes
mentais e que não deve contribuir para a sua recuperação.
Por isso, importa estudar essa realidade, isto é, conhecer como a doença mental e a exclusão
social se relacionam no nosso meio.
Para tanto, procuraremos ao longo do trabalho responder à seguinte pergunta de partida: Que
relações existem entre a exclusão social e a doença mental?
Objetivos
No presente trabalho, pretendemos buscar uma compreensão sobre a doença mental e a
exclusão social, através das vivências do doente mental, antes e após o adoecimento psíquico,
especialmente nas esferas: familiar, das relações sociais, laboral e afetiva.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Objetivo Geral
Avaliar em que medida a exclusão social e a doença mental se condicionam.
Objetivos Específicos

Identificar os possíveis fatores de exclusão dos doentes mentais;

Estudar em que medida a doença mental contribui para a exclusão social;

Identificar as possíveis consequências da exclusão social na evolução da doença
mental.
Hipóteses
Segundo Quivy e Compenhoudt, (s/d), uma hipótese é uma resposta provisória a uma
pergunta, é uma proposição que deve ser verificada e pode ser testada quando existe uma
possibilidade de decidir, a partir da análise dos dados, em que medida é verdadeira ou falsa. A
hipótese só pode ser refutada se admitir enunciados contrários suscetíveis de verificação.
Como possíveis respostas à nossa pergunta de partida, constituímos as seguintes hipóteses:
H1-A exclusão social provoca o agravamento da doença mental.
H0- A exclusão social é uma consequência da doença mental.
Estrutura do trabalho
O estudo subdivide-se em parte teórica e empírica e está organizado em quatro capítulos.
Capítulo 1-este capítulo é consagrado à fundamentação teórica, através de uma revisão
bibliográfica, com o intuito de abordar os aspetos teóricos mais relevantes sobre o tema.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Capítulo 2- nesta parte do trabalho procede-se à fundamentação metodológica. Define-se a
natureza do estudo, caracteriza-se a metodologia e os instrumentos utilizados e os
procedimentos adotados.
Capítulo 3- este capítulo contém a apresentação e a análise dos resultados, bem como a sua
discussão, à luz das contribuições teóricas apresentadas.
Capítulo 4- no último capítulo, são apresentadas as conclusões do estudo e algumas
recomendações delas decorrentes,
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Capítulo 1:
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Evolução Histórica da Psiquiatria
Desde a antiguidade, a loucura sempre foi um fenómeno social interpretado de diversas
maneiras. De acordo com a época, as causas eram atribuídas à vontade dos deuses, demónios
ou forças sobrenaturais, o que levou a um entendimento das crises e da agitação em pessoas
loucas como obras do demónio, espíritos atrasados e espíritos maus. Serrano (1986)
A doença mental era entendida como ação de espíritos (particularmente os de antepassados de
uma tribo), em virtude ao não cumprimento de obrigações, (…), violação de tabu, ou
possessão do demónio. Santos (2001), (Morreira e Melo et al 2005)
Com vista à reintegração social da pessoa, utilizavam práticas em que o mago e o feiticeiro
assumiam o papel de médium entre o espírito e o doente ou familiares, nas cerimónias de
orações, fumigações, transes coletivas e a ingestão de drogas facilitadoras de embriaguês
sagrada. Santos (2001) (Morreira e Melo et al 2005)
Segundo Santos (2001), citado em Morreira e Melo et al (2005), “Na Idade Antiga, as
civilizações egípcia, grega e romana criaram alicerces para um entendimento global e
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
humanitário da doença mental, que foi oscilando em diferentes graus na aliança entre o divino
e a ciência”.
Ainda segundo Morreira e Melo et al (2005),citando Rassi (2001), o povo grego até aos
tempos pré-socráticos, tinhan poucos conhecimentos em relação à natureza humana, o que
dava origem a interpretações sobrenaturais das alterações de comportamentos, levando ao
entendimento destes como interferências dos deuses em relação ao pensamento e às ações dos
homens. Sendo a origem da loucura teológica e igualmente o processo de cura através de
cultos religiosos feitos em templos.
Hipócrates (400-377 a.C.) discordou da ideia da doença mental como originária da divindade
mas sim como sendo de causas naturais, resultante de uma conceção holística do homem, e
que o estado de saúde sofria influências do meio e do estilo de vida.
Na sua ótica, a saúde compreendia o equilíbrio harmonioso entre humores corporais: sangue,
bílis amarela, negra e fleuma, sendo a doença resultado de uma alteração ou patologia
cerebral, devido ao desequilíbrio destes quatro humores. (Reis 1998, citado por Morreira e
Melo et al 2005)
Já, Platão (429-347 a. C) “concede três dimensões da doença mental, a orgânica, ética e
divina” (Espinosa,1998) e Aristóteles acreditava no tratamento através da libertação das
emoções reprimidas. (Santos, 2001.citado por Morreira e Melo et al 2005)
O povo romano, da mesma forma que os povos gregos, defendia um tratamento mais
humanitário para a loucura.
Aereteo (30-90 d.C.) atribuía a loucura como sendo resultado de processos normais e ao
mesmo tempo exagerados e Galeno (129-199 d.C.) defende a questão do cérebro como sede
das funções psíquicas, abordando a doença mental do ponto de vista neuroanatómico e
neurofisiológico (Rassi,2001, citado por Morreira e Melo et al.,2005)
Mas, com a queda do império Romano, desmoronaram-se as bases “médicas e humanitárias”
e o destino dos loucos passou a ser da alçada da igreja que excluiu a loucura da medicina, a
“demonizou” e durante os séculos seguintes, conduzindo a um retrocesso, que fez com que a
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
loucura mergulhasse numa longa temporada de obscurantismo e terror, a qual se alargou até
ao século XVIII. (Espinosa 1998 citado em Moreira e Melo.et,al.,2005)
Durante a Idade Média, tudo era visto na ótica da religião, tudo fazia parte do plano de Deus
e, com isso, durante essa época, a visão que se tinha da loucura era pobreza de espírito.
Assim, o pobre e o louco só existiam para que os homens ricos pudessem dar esmolas.
Serrano (1986)
Devido ao desenvolvimento social, começaram a surgir vários problemas a nível social e
sanitário, aumentando o padrão de vida da classe governante, tornando os géneros de primeira
necessidade mais caros e inacessíveis à maioria dos povos. Daí, os pobres e os loucos
passarem a ser temidos, como ameaça social e começaram a ser designados como
vagabundos, pessoas que vivem na preguiça. Serrano (1986)
Com as novas ideias capitalistas, surge o conceito do lucro e a noção de que se pode gerar
riquezas através do trabalho, o que levou ao entendimento de que os pobres são pobres porque
não produzem bens, com isso as esmolas eram oferecidas somente aos pobres que trabalham
porque estes estariam ajudando o rico a desenvolver e o pobre preguiçoso não ajuda ninguém.
Serrano (1986)
Os novos valores, ligados à mentalidade da era moderna, são mais materiais do que espirituais
e a ideologia burguesa era mais baseada no trabalho e no dinheiro.
No séc. XVIII pode-se notar uma grande exclusão social, visto que nessa época a loucura
passou a ser vista como uma ameaça social, um problema moral e a responsabilidade em
relação às diferentes doenças e à loucura não eram vistas de forma caridosa pela coletividade
mas sim como um problema pessoal e, com isso, as cidades buscam limpar-se, despachando
os seus marginais para outros locais. E a melhor forma de o fazer era a expulsão destes para
além dos muros da cidade. Serrano (1986)
Os velhos asilos montados para os leprosários tornaram-se abrigos para os loucos mas estes
não se adaptavam a estas casas, queriam estar livres. Incomodavam, enfureciam-se, por isso
eram acorrentados e passavam a viver vida de animal enjaulado. Na época da Revolução
Francesa, no fim do séc. XVIII, a loucura era vista como animalidade do homem, ou seja,
20/80
As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
acreditava-se que a animalidade se manifestava nessas criaturas, fazendo com que se
descontrolassem. Serrano (1986)
Sendo assim, a loucura tornou-se então um erro da razão, uma afronta às regras sociais e aos
costumes estabelecidos, daí o louco foi confinado juntamente com outras doenças como
sífilis, que na época era considerada uma doença moral, uma vergonha social assim como a
loucura e era uma punição por falta da boa moral.
No final do século de XVIII, um novo otimismo terapêutico absorveu todo o mundo da
medicina, otimismo esse partilhado pela psiquiatria. Shorter (2001). A certeza de que a
estadia nas instituições podia ter um carácter curativo e o estatuto de “doença” enfim obtido,
pela loucura, preconizavam a primeira revolução em saúde mental.
Uma figura importante da época é Philippe Pinel, pós, em 1793, a sua fama ficou garantida ao
ter dirigido a remoção das correntes aos loucos de Bicêtre e, em 1795, abolido as correntes na
Salpêtrèrie.
O seu nome permanece como um monumento a história da psiquiatria, não pela remoção
mediática das correntes aos doentes mentais (outros como Chiarugi o haviam feito), (também
substitui as correntes pelas camisas de forças), mas sim pela sua obra publicada em 1801
“Traité Medico-Philosophyque Sur L´Aliénation Mentale. “ Shorter (2001)
Apoiando-se nas suas experiências em Belhohomme, Bicêtre e Salpêtrèrie, conclui - se que o
hospital era um lugar onde se podia fazer terapia psicológica, legando assim o uso do
encarceramento como um potencial curativo. Shorter (2001)
Pinel acreditava que a origem da alienação era passional ou moral, resultado do mau
funcionamento das funções mentais. E a terapia indicada consistia em isolar e afastar os
doentes de todas as situações que pudessem ser um obstáculo à sua recuperação, como por
exemplo (visitas de familiares, orações e ocupação de trabalhos e atividade). (Idem)
Ainda segundo o mesmo autor, Esquirol, discípulo de Pinel, admitia os efeitos saudáveis do
“isolamento”, pois achava que o afastamento da família e dos amigos contribuiria para afastar
os doentes das anteriores paixões que governavam as suas vidas.
21/80
As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Já na Europa Central, Reil, defendeu o tratamento dos doentes em hospitais públicos e
aconselhou a separação destes em dois tipos de instituições, uma para os doentes incuráveis e
outra para os curáveis. Quanto aos doentes curáveis, esboçou um plano de tratamento onde
incluía a terapia física e psicoterapia, construção de teatros para estimular o sentido visual dos
doentes e também fazer com que os doentes masculinos tivessem acesso a prostitutas. Shorter
(2001)
Contudo, utilizavam-se nessa época métodos desumanos e arriscados, como algumas cirurgias
altamente incapacitantes (lobotomias) e também diversos tipos de choques (insulínico,
cardiazol, malárico, térmico e, posteriormente, o choque elétrico). OMS (2001)
Após o uso de vários métodos desumanos no tratamento da doença mental, deu-se então lugar
ao aparecimento dos primeiros medicamentos.
Várias substâncias passaram a ser usadas como a morfina para dominar a agitação e
barbitúricos para combater sintomas psiquiátricos. (Shorter 2001)
O tratamento através do sono prolongado e o eletrochoque foram instrumentos terapêuticos
muito utilizados, até que a descoberta da Clorpromazina, em 1950, veio revolucionar o
tratamento psiquiátrico.
A Clorpromazina iniciou na psiquiatria uma revolução comparável à introdução da penicilina
na medicina geral. Apesar de não curar as doenças que provocam a psicose, a clorpromazina
eliminou os seus principais sintomas, de tal forma que os doentes esquizofrénicos poderiam
viver normalmente sem estarem limitados a instituições.
Conforme Shorter (2001), após o surgimento da clorpromazina apareceram inúmeros
medicamentos antipsicóticos, antimaníacos e antidepressivos.
A descoberta desses medicamentos ajudaram a colocar a psiquiatria numa posição científica
mais segura, transformando a psiquiatria num campo que exigia conhecimentos precisos de
farmacologia. Shorter (2001)
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
As neurociências preocupavam-se em transformar as doenças psiquiátricas mais graves
compreensíveis em termos da química e de anatómicos.
As neurociências e a farmacologia avançaram muito. Muitos medicamentos foram sendo
produzidos, tiveram impacto positivo e ajudaram a tornar as condições psiquiátricas
aceitáveis, aos olhos do público, apesar de ainda não se poder falar de um completa
desestigmação. Shorter (2001)
Ainda segundo o mesmo autor, a aceitação das doenças psiquiátricas não estava relacionada
com a compreensão e nem com a tolerância das pessoas mas sim com a revolução
medicamentosa que tornou possível eliminar por completo os sintomas de doença
psiquiátrica, de modo a que as pessoas com perturbações não fossem temidas.
Posteriormente, surgiram outros antipsicóticos ou neurolépticos, denominados de atípicos,
muito eficazes e com menos efeitos secundários do que os primeiros antipsicóticos. (Boletim
do CIM 2006)
Com o avanço dos medicamentos, notou-se uma melhoria no entendimento e no tratamento da
doença mental, bem como na qualidade de vida dos pacientes. Oliveira (2000)
1.2 Psiquiatria Social e Comunitária
Os grandes avanços verificados no domínio do tratamento das doenças mentais,
particularmente, os devidos aos medicamentos, para além de melhorarem a assistência aos
doentes, permitiram encarar outras possibilidades de tratamento.
A partir do momento em que o controlo dos sintomas passou a ser possível, outras
abordagens, também ficaram viabilizadas. A dimensão social, e não apenas individual, da
doença passou a ser encarada.
Conforme Moreira e Melo et al (2005), o meio social e político dos anos 60, bem como
alguns avanços científicos (por exemplo o aparecimento dos neurolépticos) suportaram a
mudança do enfoque da doença mental, das estruturas tradicionais para a comunidade.
23/80
As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
A psiquiatria social e comunitária defende que a doença psiquiátrica não era provocada pelos
genes e nem pela infância do doente, mas sim pela comunidade envolvente. Desta forma, a
psiquiatria social e comunitária acredita que as doenças psiquiátricas seriam melhor tratadas
com recursos a terapias destinadas a colocá-los num meio comunitário curativo. Shorter
(2001)
Assim, Moreira e Melo et al (2005) afirmam que, nos Estados Unidos, o movimento da
comunidade sugeriu a responsabilização da comunidade no cuidado e no tratamento da
doença mental, bem como na reabilitação e na reinserção dos doentes.
Toda a história da psiquiatria social e comunitária, enquanto abordagem unitária da doença
mental, é comparada a um Lego, uma vez que os seus diversos elementos, ou peças, já
estavam há muitos anos dispostos no terreno da psiquiatria. Shorter (2001)
Porém, o autor refere que a primeira peça era a abertura do manicómio, onde os doentes
passavam a ser admitidos voluntariamente e podiam pedir alta quando quisessem, pois
considerava que isso era uma forma de desestigmatizar a doença mental.
Outra peça do lego consistia em mandar os doentes para cuidados comunitários de género
familiar, não sendo necessariamente com as famílias dos mesmos. Shorter (2001)
O facto marcante no contexto da psiquiatria, antes da 2ª Guerra Mundial, foi a psicoterapia de
grupo. A psicoterapia de grupo possibilitava que os doentes se tornassem autónomos, ativos,
ajudando-os a trabalhar no sentido da cura. E, igualmente, o aparecimento da comunidade
terapêutica que estimulava a participação dos doentes. Shorter (2001)
O hospital dia, que não faz internamento integral, rapidamente se tornou popular e todos os
hospitais dia que vieram a fundar-se incorporaram a filosofia, segundo a qual o tratamento
deve incluir todo o contexto social do paciente e de igual modo as suas relações sociais, e que
o paciente precisa ser tratado, não apenas como pessoa mas também como parte da
comunidade. Shorter (2001).
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Também, o referido autor afirma que o hospital dia teve um contributo muito significativo no
que se refere aos primeiros esforços para se deslocar o tratamento dos doentes psiquiátricos
do manicómio para a comunidade.
No entanto, pode-se então verificar que a psiquiatria teve uma grande evolução ao longo dos
tempos, bem como o aparecimento dos medicamentos que trouxe um grande avanço no
tratamento da doença mental e na atenuação dos sintomas dos mesmos. Também é de realçar
que o agregar da ideia comunitária teve um grande progresso, no que toca à reintegração dos
doentes na comunidade.
1.3 Crítica à Psiquiatria
Apesar de todos os esforços para o entendimento da loucura como doença psiquiátrica, a
psiquiatria sofreu várias críticas levando ao entendimento de que ela própria era
proporcionadora da exclusão. Morreira e Melo (2005), citando Rosehan, (1984) entendem que
a despersonalização que prevalece nos hospitais trouxe consigo um conjunto de atitudes
negativas perante a doença mental como medo, horror, benevolência, contribuindo para que
os doentes mentais fossem vistos como “leprosos sociais”. Os autores apontam três fontes de
despersonalização: a rotulação, a organização hierárquica do hospital e a dependência
excessiva da medicação.
Rosehan, (1984) citado por Morreira e Melo (2005), afirma que a pouca interação pessoal
técnico-doente que é evidenciada, na forma separada, a nível do espaço físico e na própria
estrutura hierarquizada do hospital psiquiátrico, assume propósitos meramente instrumentais.
Ele chega a afirmar que: “Na administração de medicação psicotrópica residia quase toda a
interação diária (em média 6 a 8 minutos), o que tornava os contactos “patologizantes”. O
sentimento de falta de poder do paciente paira sobre cada recanto da instituição, a liberdade
de movimentos é restringida, os contactos iniciados pelo paciente com o pessoal não são
permitidos, mas ele tem de responder prontamente às solicitações dos funcionários. A
privacidade é mínima (por exemplo, os quartos eram inspecionados, as casas de banho não
têm portas”. (Morreira e Melo 2005, pág. 61)
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Por sua vez, Shorter (2011), citando Goffman (1961), interpretou o hospital psiquiátrico
como “instituições totalizantes”, isto é, um regime fechado que tornava os doentes infantis
limitando-lhes as suas vidas todas à organização. Ainda ressalva que cada estrutura social de
um hospital psiquiátrico parece mostrar a profunda desigualdade entre os médicos e o doente
mental.
O autor compara o paciente a um “recruta” e afirma que, no processo do internamento, o
paciente está sujeito a uma série de humilhações, desonra e ofensas de si mesmo.
Declara ainda que tal como os prisioneiros, os doentes psiquiátricos têm uma perceção de que
o tempo passado na instituição é tempo perdido.
De uma forma geral, o internamento psiquiátrico é justificado como forma de proteger o
próprio paciente e a sociedade. Maciel et al (2008) salientam que a ciência psiquiátrica
afastou o doente mental da família e do convívio social, colocando-o em instituição
particularizada, alegando que o isolamento era essencial para a sua proteção e a da própria
sociedade.
A psiquiatria institucional, a psiquiatria do setor e a psiquiatria comunitária anteriormente
referida, procuraram responder a essas limitações.
A psiquiatria institucional surgiu com Tasquelles e J.Onry, após a 2ª Guerra Mundial. Estes
autores apoiaram-se na filosofia marxista e na psicanálise, para criticarem os hospitais
existentes para o tratamento da doença psiquiátrica, uma vez que são de opinião de que estes
hospitais se assemelhavam mais às prisões do que a instituições de tratamento.
Estes autores são da opinião de que deve haver uma mudança radical no que se refere às
estruturas internas dos hospitais. Assim sendo, a ideia desses autores pode ser organizada nas
seguintes propostas:
1. Liberdade de circulação;
2. Anulação do funcionamento hierárquico das instituições;
3.
Relacionamento recíproco entre terapeutas, funcionários e doentes.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Conforme Morreira e Melo et al (2005), o objetivo da psiquiatria institucional não é a de
extinguir os hospitais mais sim de reformá-los.
Em relação à Psiquiatria de setor, Morreira e Melo (2005), citando Santos (2001), afirmam
que a origem e a natureza deste movimento eram comuns ao surgimento da psiquiatria
institucional.
Contudo, o objetivo deste movimento divergia do da psiquiatria institucional, uma vez que a
Psiquiatria de Setor pretendia extinguir o sistema asilar. Moreira e Melo et al (2005)
Os fundadores deste movimento defendem a passagem do centro de atividade do hospital para
a comunidade, onde os problemas ocorrem. A distribuição geográfica em setores (dispõe de
uma equipa de saúde e de instituições direcionadas ao tratamento, prevenção e reinserção do
doente mental) tinham como principal objetivo a democratização do serviço mediante a
terapia sem exclusão social, familiar ou profissional, com o propósito da reabilitação e da
ressocialização. Morreira e Melo et al (2005)
Apesar dessas tentativas de responder às importantes limitações da Psiquiatria, esta foi
seriamente criticada, muito especialmente pela antipsiquiatria Inglesa, antipsiquiatria Italiana
e Psiquiatria democrática.
Antipsiquiatria Inglesa- fundada por Cooper e Laing, opunha-se ao funcionamento dos
hospitais psiquiátricos, tentando novas formas de tratamento da doença mental. Conforme
Santos (2001), citado em Morreira e Melo (2005), as estruturas hospitalares e a hierarquia das
disciplinas impostas eram contestadas por esse movimento, uma vez que tendem a
transformar o indivíduo internado em doente mental, inválido, dependente, despersonalizado
e inimputável.
Por sua vez, Szasz (1975) defende uma postura de rejeição da doença mental e da psiquiatria,
enquanto ciência de tratamento. Ele afirma que a negação da doença mental destrói a
psiquiatria como ciência, salientando que a psiquiatria não tem legitimidade para diagnosticar
e classificar a doença mental. Morreira e Melo (2005).
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Antipsiquiatria Italiana-movimento fundado por Franco Basaglia, que se baseava numa
vertente prática do movimento da antipsiquiatria. Basaglia (1970), citado em Morreira e Melo
(2005), fala da inutilidade da procura das causas da doença mental e sugere que se faça uma
abordagem da doença como um problema. Propõe que a doença mental seja devolvida à
sociedade, ou seja, deve ser afastada do circuito fechado da medicina psiquiátrica e enfatiza
que a doença mental, vista como um problema de toda a sociedade, permite aproximar os
hospitais do exterior, de onde se originariam novas estruturas terapêuticas, não asilares.
Em adição, Gameiro (1992), citado em Morreira e Melo (2005), vem afirmar que a
antipsiquiatria Italiana abre o sistema da psiquiatria ao exterior, estabelecendo uma relação
mais adequada com a sociedade envolvente.
Psiquiatria democrática-surge em 1974, apoiada nas ideias de Basaglia. Este movimento
propõe uma reforma assistencial, fundamentada na visão de que os hospitais psiquiátricos são
instituições não terapêuticas e violentas.
Morreira e Melo (2005) afirmam que, nos anos 70, a psiquiatria democrática estendeu o
debate sobre a assistência aos “mass média”, o que culminou na alteração, em 1978, da lei da
saúde mental em Itália. A lei nº 180 previa:

O fecho de todos os hospitais psiquiátricos;

A proibição da hospitalização de novos doentes, passando o tratamento destes a
realizar-se na comunidade.
Contudo, a aplicação dessas novas leis trouxe consigo complicações de diversas ordens, tais
como:

Aparecimento de hospitais privados (como consequência do desaparecimento dos
hospitais públicos, onde o acesso era fechado a pessoas menos favorecida);

A assistência comunitária mostrou-se pouco eficaz, pois o número de internamentos
continuou elevado. Morreira e Melo (2005)
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Pelo exposto, verifica-se que a Psiquiatria tem sido alvo de várias críticas, particularmente no
que se refere ao afastamento do doente do seu meio. Essa postura crítica tem, naturalmente,
contribuído para a sua evolução que, de certa forma, é parte da evolução das sociedades.
1.4 Estigma e Preconceito
Como vimos ao longo da história, a relação da sociedade com a doença mental tem se
caracterizado por situações que refletem as grandes dificuldades em lidar com essa realidade,
o que, com muita frequência, coloca o doente mental em situação de muita dificuldade.
Um dos problemas que tem estado intimamente ligado à doença mental é o estigma e o
preconceito com os quais o doente mental é confrontado e que parecem condicionar a sua
relação com a sociedade.
Segundo Goffman (1982), citado em Sequeira et al (2009), o estigma é uma resposta social
que desvaloriza as pessoas que o possuem, classificando-os como indesejáveis e, é, portanto,
uma avaliação social que se torna tão importante que generaliza esses atributos à pessoa
inteira e não apenas àquela parte (“ o coto”, “o cego”, “ o louco”, “ o cigano”, “ o drogado”,
etc.). E a identidade da pessoa fica “deteriorada”.
Os portadores de doença mental são, com frequência, confrontados com estigmas e
preconceitos, o que aumenta consideravelmente o seu medo e sofrimento, possibilitando o
agravamento da exclusão social. Sequeira et al (2009)
Aqueles que se restabelecem de uma doença mental, por vezes, escondem-se atrás de um
“disfarce”, de forma a que o seu passado permaneça secreto e impercepetível para quem não o
conhece. E essa necessidade de esconder-se resulta do medo de serem rejeitados e
desvalorizados, por causa da doença, como se esta fosse um mal. Sequeira et al (2009)
O mesmo acontece nas famílias, Nasi et al (2004) são da opinião que as Familias que
possuem no seu seio um membro doente mental frenquentemente tendem a se adaptar com a
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
presença da patologia em alguns casos, precisando restringir-se a participação em alguns
eventos sociais com o medo do preconceito presente na sociedade.
Ainda Sequeira et al (2009) defendem que a falta de apoio na comunidade, de formação
especializada dos técnicos, (…) e o desinteresse notório para com doença mental e as suas
consequências, alimentam as falsas crenças e os preconceitos existentes.
Os doentes mentais são facilmente classificados como “loucos”, incapazes, sociopatas, entre
outros. As consequências destas classificações refletem-se em diferentes níveis de prestação
de cuidados, especialmente na reabilitação e na reinserção social, o que torna difícil encontrar
instituições empregadoras com disponibilidade para aceitar doentes mentais no meio laboral.
Sequeira et al (2009)
A discriminação dos doentes mentais privou-os dos seus direitos como ser humano. De viver
com qualidade, dignidade, de ter um acesso justo aos cuidados de saúde e de viver em uma
sociedade com igualdade de oportunidades no meio laboral e escolar. Sequeira et al (2009)
O mesmo autor ainda ressalva que essa discriminação surge como consequência da vergonha,
da não-aceitação do diferente, do sentimento de desapreço que as sociedades dirigem ao
doente mental e às suas famílias, sendo consequência da má informação e formação que se
tem sobre o doente mental.
Também, mesmo no seio familiar, a má informação da doença pode levar a situações de
dificuldades.
Nasi, et al ( 2004) afirmam que o facto de não ter suficiente conhecimento sobre a doença
vivenciada pelo seu familiar, leva a que a família enfrente situações de dificuldade. Esta,
geralmente, não compreende a sintomatologia e a evolução do quadro clínico.
Com muita frequência, somos confrontados com programas que ridicularizam as vivências de
pessoas com doença mental, baseados em interpretações fictícias e discriminatórias viradas
para estes doentes. E relacionado a estas interpretações de origem social, há a
institucionalização dos doentes mentais para que fiquem afastados da sociedade, rompendo
assim os laços familiares e sociais. Sequeira et al (2009)
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
O mesmo ocorre quando os doentes mentais são internados numa instituição durante anos, o
que promove a exclusão social dos mesmos, uma vez que os afasta da sociedade e os priva
desse convívio, limitando-lhes a liberdade e os contactos com outras pessoas, fortificando
deste modo o estigma de que os doentes mentais são pessoas das quais nos devemos manter
afastados. Sequeira et al (2009)
Sequeira et al (2009),citando Jorge-Monteiro (s/d), afirma que mesmo sendo a doença mental
um evento real, não é, no entanto, um assunto que se discuta muito e se clarifique a opinião
pública. Este assunto só é falado pelos meios de comunicação social, quando estão associados
a ocorrências de carácter negativo, o que tendem a acentuar os sentimentos de insegurança
por parte da sociedade, em geral, e a motivar ainda mais categorias e estereótipos que, por sua
vez, estão na origem dos processos de estigmatização e de discriminação social.
No que tange ao preconceito, Jodelete (2001) ressalta que o preconceito é um pré julgamento,
sem a análise devida das situações ou sujeitos em questão, trazendo assim erros em áreas
específicas, comportando a dimensão cognitiva, afirmações em relações ao objetivos e
estereótipos e também a dimensão afetiva, relacionada às interações e aos valores atuais.
A mesma afirma que, primitivamente, manifestam a preocupação em relação ao receio do
outro face a uma doença mental, algo que deve ser expulso como a pior doença infectocontagiosa, mostrando medo do que não se conhece e que deve ser evitado. Depois, entra-se
no mundo dos estereótipos construídos em torno da loucura ancorada como possessões
demoníacas, buscando respostas no pensamento enraizado culturalmente, pois, só no plano
sobrenatural é que existe a explicação para as relações de hostilidade.
Goffman (1963), citado por Muñoz et al (2009), vê o estigma como um atributo que é
profundamente desvalorizador, o que degrada e rebaixa a pessoa que o carrega.
Mas Jones et al (1984), citado por Muñoz et al (2009), definiram estigma como uma marca,
um atributo, que vincula a pessoa com características indesejáveis (estereótipos).
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Também, segundo Muñoz et al (2009), citando Stanfford e Scott (1986), o estigma seria uma
característica das pessoas que contrariam a norma de uma unidade social, onde a “norma” era
considerada uma ideia dirigida, a comportar-se de uma determinada forma e num momento
preciso.
De acordo com o modelo psicossocial, Ottati, Bodenhausens e Newman (2005) afirmam que
o estigma manifesta-se em três aspetos do comportamento social. Por um lado os estereótipos
que incluem estruturas de conhecimentos que são aprendidas pela maior parte dos membros
da sociedade; os preconceitos sociais que podem manifestar-se em forma de atitudes e valores
e por último podem dar lugar à discriminação. Todos esses comportamentos de rejeição fazem
com que o doente mental se sinta em desvantagem social. (Muñoz et al 2009)
Twenge,Catanese, e Baumeister (2003) referem estudos que demonstram que, nas sociedades
ocidentais, os estereótipos geralmente envolvem informações sobre o seu perigo e a sua
relação com os atos violentos. (Muñoz et al 2009)
Esses autores consideram ainda que os preconceitos podem levar a reações de medo, temor e
desconfiança, que por sua vez podem desencadear várias formas de discriminação, fazendo
com que o doente mental tenha que lidar com dificuldades de acesso à habitação, trabalho
independente, limitando as relações conjugais e sociais.
Para além disso, os processos de estigmatização põem as pessoas em situação de exclusão,
porque não só dificultam a sua integração social como a dos seus Familiares, mas, também,
podem estar associados a outros riscos psicológicos causados pela exclusão social, tais como
comportamentos de autoexclusão, problemas cognitivos, comportamentos autopunitivos e de
risco.Twenge, Catanese, e Baumeister (2003), citado em Muñoz et al (2009)
Assim, Oliveira & Jorge (1998), citado em Nasi et al (2004), declaram que a doença, sendo
ela física ou psiquiátrica, afeta seriamente o grupo familiar.
Ainda os mesmos autores afirmam que o desgaste, as tensões e os conflitos causados por
uma pessoa com problemas mentais constituem os maiores problemas que a família enfrenta.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Os estereótipos, o preconceito e a discriminação associados à doença mental podem privar os
doentes de oportunidades que podem ser essenciais para atingir os objetivos vitais,
especialmente aqueles que têm a ver com a sua independência económica e pessoal. Corrigan
e Kleinlein 2005, citado em Muñoz et al (2009)
Muñoz et al (2009) apontam a ideia de Corrigan, (2000), dizendo que a sociedade em geral
deduz que uma pessoa tem uma doença mental a partir de alguns de sinais, tais como: os
sintomas psiquiátricos (estranhos comportamentos, irregularidades na linguagem); deficit de
habilidades sociais (alterações em contacto com os olhos, a linguagem corporal, temas de
discussão); aparência física (higiene pessoal, formas de vestir).
Ainda, o mesmo autor enfatiza que estes sinais podem ser obtidos, através da conceção de
outros (diagnóstico psiquiátrico), pela auto-designação ou por associação (quando, por
exemplo, se vê uma pessoa saindo de uma consulta psiquiátrica). Muñoz et al (2009)
Link (1987) analisou os efeitos de rótulos, num estudo sobre o rótulo e a presença de um
comportamento anormal, verificando que as pessoas geralmente tendiam a estigmatizar a
pessoa identificada como doente, mesmo na ausência de um comportamento anormal. Muñoz
et al (2009)
(Link et al 1987) entende que os rótulos psiquiátricos estão associados a reações sociais
negativas, que podem agravar o curso da doença. Muñoz et al (2009)
Para Markowitz (2005), citado em Muñoz et al (2009), estudiosos entendem que a doença
mental é, talvez, um dos atributos pessoais mais desvalorizados, pois está intimamente ligada
a um conjunto de estereótipos negativos, é pouco compreendida pelo público em geral e é
muitas vezes mencionada de forma negativa e incorreta na sociedade.
Segundo Barbosa, (2010) citando Corrigan et al (2003), o estigma pode ser subdividido em
dois grupos: o estigma público, ou da população em geral, em relação à pessoa com doença
mental e o autoestigma que consiste no estigma percecionado pelo próprio doente.
Na ótica de Angell et al., (2005), citado em Muñoz et al (2009), esta situação atinge a família
fazendo com que predominem sentimentos como vergonha a negação da doença, levando à
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
ocultação da doença do seu familiar, de modo a evitar que outras pessoas (amigos e outros
parentes) tenham conhecimento da doença na sua família. E nesses casos, pode ser adiada a
busca de tratamento para a pessoa com doença mental.
Oliveira & Jorge (1998), citado em Nasi et al (2004), afirmam ainda que o comportamento
imprevisível do doente debilita as expetativas sociais e origina incerteza e insegurança nos
seus familiares. O que muitas vezes acaba por justificar a ocultação da doença do seu familiar.
Numa outra perspetiva Barbosa, (2010) citando Goffman, afirma que também o estigma pode
ser considerado visível ou invisível. O visível é aquele que é vivido e sentido pelas pessoas
que possuem uma determinada característica específica, e o invisível, que só se torna verdade
quando a característica é revelada, direta ou indiretamente. E nesse sentido, em muitos casos,
as pessoas escondem a doença por medo ou vergonha de serem estigmatizados.
Podemos dizer que existe uma inter-relação muito estreita entre os aspetos individuais
(condicionamento) e o estigma, uma vez que este, também é identificado como o não
cumprimento de normas sociais.
Para Becker (1963), o “estigma não é característica da atitude da pessoa, mas uma
consequência das normas socias”. Barbosa, (2010)
Ainda que o perigo seja um dos estereótipos mais presentes relativamente à doença mental,
desencadeando o desejo de afastamento social do doente, para Phelan et al (2000), a
convivência com o doente mental é o melhor antídoto contra o estigma.
Uma das consequências mais negativas de todo esse processo é a interiorização, pelo doente,
da sua estigmatização, o que naturalmente acaba por prejudicar as suas relações sociais,
fazendo dele um ser à parte, levando-o ao isolamento, pois acaba por acreditar que não pode
viver em sociedade.
Verifica-se, assim, que o estigma tem origem nos estereótipos (padrões sociais) e preconceitos
(atitudes individuais) existentes na sociedade e que se transformam em discriminação. Este
processo conduz a barreiras escolares, laborais, familiares e sociais. Fazenda (2008), citado
em Tavares (2010)
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
O uso generalizado do rótulo “doente mental” para classificar as pessoas com doenças
mentais, pode tornar-se estigmatizante para os mesmos. “É como se fizessem parte de um
grupo indesejável, recusando-lhes o direito de serem considerados cidadãos como os outros”.
(Tavares 2010 pag19)
1.5 Exclusão Social e Doença Mental
Excluir significa colocar fora do conjunto, instituir barreiras ou fronteiras visíveis, ou não,
entre uma pessoa ou um subgrupo e o grupo maior, a que em princípio se pertence. É
considerado um processo de “ marginalização”, que num percurso “descendente” contem
roturas na relação entre o indivíduo e a sociedade, Castel (1990, pag.10) citado por Bruto da
Costa (1998)
Se a exclusão pode ser considerada um processo socio histórico, que pode ocorrer, segundo
Maciel et al (2008), citando Barder (2002),em todas as áreas da vida social, ela manifesta-se
como necessidade do eu, como sentimentos, significados e ações individuais. Para além dessa
dimensão individual, ela contém a da desigualdade social, a da ética e a da justiça.
Este emaranhado apresenta uma característica singular que é a sua própria reprodução, através
da sua aceitação pelo excluído e pela sociedade, constituindo-se as bases de uma perspetiva
fatalista.
Wanderley, (2002) citado em Maciel et al (2008), afirma que apesar do processo de exclusão
afetar o sujeito e a sua subjetividade, não pode ser visto como um processo próprio de
culpabilização do sujeito, mas numa ótica mais vasta, envolvendo as várias formas de
relações económicas, sociais, culturais e políticas da sociedade.
Ainda, o mesmo autor subscreve que a exclusão não considera apenas a pobreza, mas também
a discriminação, a subalternidade, a não-igualdade, a não-acessibilidade e a não-representação
pública. Este caracter de adaptação da exclusão é reforçado e reproduzido por meio de
representações, crenças e estigmas, os quais são naturalizados.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
O estigma é como cicatriz, aquilo que marca, denotando claramente o processo de
qualificação e de desqualificação do indivíduo, a lógica da exclusão.Wanderley, (2002),
citado em Maciel et al (2008)
A dimensão da exclusão social é tão importante que ela é objeto de preocupação de
organismos internacionais, como a Organização Internacional do trabalho (BIT) e o Banco
Mundial (Word Bank). Segundo BIT, (2003), citando World Bank, (2001), a exclusão social
exprime um conjunto de desigualdades sociais que algumas pessoas detêm face a uma dada
norma definida, em termos de satisfação de determinadas necessidades consideradas básicas,
ou relacionadas a um padrão social dominante de bem estar.
Essa instituição entende que a exclusão social, que está intimamente ligada à pobreza,
significa, fundamentalmente, desintegração social nos níveis económico, cultural, ambiental,
familiar e social, bem como a não participação na vida comunitária, ou seja, o não
conhecimento do lugar na sociedade. Esse conceito, na perspetiva do BIT (2003) encerra a
falta de vários tipos de poder, como o económico, o de decisão, o poder de exercer os direitos
e de assumir os deveres.
Já segundo Estivill, (2003), a exclusão e excluídos existiem desde sempre, o ostracismo em
Atenas, a proscrição em Roma, as castas inferiores na Índia, as várias formas de escravatura,
exilio e desterro de maldição, são manifestações da forma como cada sociedade tratou os
indesejáveis, os não reconhecidos.
É preciso ter presente que a exclusão está relacionada com a insatisfação, o mal-estar de todo
o ser humano, quando se encontra em situações nas quais não pode praticar aquilo que deseja
e ambiciona para si próprio e para a sua própria família. Estivill, (2003)
Os fatores de exclusão podem ser catalogados em macro (globais), meso (locais ou setoriais)
e micro (pessoais e familiares). BIT (2003)
Os fatores macro, que dizem respeito ao funcionamento dos sistemas económicos e
financeiros predominantes no mundo, os meso dizem respeito aos que têm impacto mais
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
localizado e que se manifestam através de atitudes culturais, preconceitos e comportamentos
sociais de discriminação de base local.
Os fatores micro incluem variáveis, como dimensão e estatuto da família, saúde, educação,
percursos e histórias de vida, projetos de vida, opções pessoais, oportunidades ganhas e
perdidas.
Ainda que esses fatores possam ser individualizados, estão fortemente interligados e fazem
sentir a sua influência, sobretudo nas interações a nível pessoal e familiar.
Podem ser identificados diversos tipos de exclusão, como o económico, quando existe uma
acentuada carência de meios, o social, que difere do anterior, embora possa estar com ele
relacionado e que ocorre quando existe a carência relacional e a cultural, o que geralmente
afeta as minorias.
De referir ainda a exclusão de origem patológica, como as relacionadas com as perturbações
mentais e as autodestrutivas, que se referem a comportamentos de autoexclusão, como a
prostituição, o alcoolismo e a toxicodependência. Bruto da Costa (1998)
Segundo Cavalcanti (2001), a exclusão provoca uma progressão de roturas sem retornos com
três tipos de relações fundamentais: o primeiro tipo é o dos vínculos sociais (como as
representações sociais próprias a uma determinada sociedade); o segundo, o das ligações
comunitárias (laços e relações de afeto e parentesco) e o terceiro, o dos vínculos individuais
(capacidade de comunicação com o exterior), todos importantes para quem se encontra
fragilizado emocionalmente em decorrência de uma doença mental.
Como se pode verificar, as relações entre a doença mental e a exclusão parecem claras. Szazz
(1978) entende que a psiquiatria e os psiquiatras, através da hospitalização, conduziram à
exclusão do doente mental. Para Szazz (1978), a questão da tutela do doente mental pelo
psiquiatra, foi também enfatizada por estudiosos que destacaram o facto deste responder pelos
doentes mentais, quando excessivamente passivos ou quando representavam um risco para
terceiros. Birman e Serra (1988) Maciel et al (2008)
Como se viu anteriormente, a exclusão do doente mental é anterior ao aparecimento da
Psiquiatria, ela terá existido ao longo dos tempos. Foucault (1972). Contudo, admite-se que
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
pelo tratamento dos sintomas à base de medicamentos e pela institucionalização do doente em
hospitais psiquiátricos, retirando-o da família, do mercado de trabalho e das relações sociais, a
Psiquiatria acaba contribuindo para a sua exclusão da vida em sociedade. Maciel et al (2008)
De entre os aspetos mais limitantes da exclusão, destaca-se a autoexclusão que resulta, como
se viu, da interiorização dos processos da própria exclusão. Segundo a OMS, (2001), os mitos
em relação aos problemas da Saúde Mental são responsáveis pelo enorme medo e vergonha e,
com isso, contribuem para que muitas pessoas, que necessitam de ajuda, não busquem
tratamento por falta de conhecimento.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a maior parte das 400 milhões de pessoas com
perturbações mentais, neurológicas ou psicossociais por uso de substâncias, sofre em silêncio
e em exclusão social. Esta exclusão resulta dos estigmas e dos preconceitos em relação à
doença mental, que são barreiras que impedem os indivíduos e as suas famílias de buscarem
ajuda, pelo medo de serem excluídos. OMS, (2001)
Há um risco elevado de suicídio entre pacientes com problemas mentais, de modo que o
tratamento apropriado evita o risco, e também pode melhorar, ou mesmo precaver, o
sofrimento do paciente e da sua família, diminuindo assim as limitações e as consequências
negativas na sua vida profissional e social. OMS, (2001)
1.6 A Doença Mental e o Mundo Laboral
De um modo geral, o trabalho é considerado uma das alavancas da sociedade, uma vez que é
um importante fator na criação de riqueza. Juntamente com o capital, ele é utilizado para criar
os meios de que a sociedade necessita para satisfazer as suas necessidades.
A partir de determinada idade, praticamente, todas as pessoas procuram ter uma atividade
laboral, o que só não acontece, quando, por razões diversas, existem nomeadamente,
problemas de saúde ou limitações do próprio mercado de trabalho.
38/80
As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Na nossa sociedade, o trabalho é um elemento de grande importância por ser um instrumento
essencial para a obtenção de rendimentos necessários, para a satisfação das necessidades
básicas e outras e também pelo valor simbólico que contém.
Neste quadro, é natural que uma pessoa que não consiga trabalhar, apresente dificuldades que
poderão resultar em limitações na satisfação das necessidades básicas, quando não dispõe de
outros proventos, bem como da carga simbólica negativa inerente à situação.
As dificuldades da inclusão no mercado de trabalho são complexas, incluindo aspetos
financeiros, psíquicos, físicos e sociais e traz consigo um sentimento de tristeza por não
trabalhar e depender dos outros, pois a pessoa demonstra um certo desejo de ter o seu próprio
dinheiro. Jorge e Bezerra (2004)
Assim, Castel (1990), citado em Bruto da Costa (1998), aponta que um aspecto relevante da
exclusão social refere-se à rotura em relação ao mercado de trabalho, que se traduz no
desemprego ou até mesmo no desligamento irreversível face a esse mercado.
Por esta razões, o sentimento de se sentir excluído traz consigo sofrimentos psíquicos,
principalmente à pessoa que após o transtorno mental procura entrar no mercado de trabalho
numa sociedade fechada para os diferentes. Jorge e Bezerra (2004)
Segundo as mesmas autoras, diante do desejo de ter acesso ao trabalho, o doente mental passa
a conviver com os sofrimentos e com a rejeição.
Segundo Tavares (2010), a exclusão social abarca formas de necessidade que não se
transpõem, exclusivamente pela falta de recursos materiais. Mas sim, este fenómeno é
abrangido por uma variedade de necessidades nas esferas sociais, económicas, socioculturais
e psicológicas, Sendo um fenómeno motivado por várias dimensões, a exclusão social abarca
uma série de problemas sociais, tais como o estigma, o desemprego, a discriminação, a
marginalização e a pobreza.
A exclusão é uma dificuldade enfrentada no dia a dia e, no que tange questão económica, a
falta de oportunidade de emprego compromete a subsistência da pessoa, ainda mais se a
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
exclusão é ocasionada por doença mental, o que toma um significado mais doloroso. Jorge e
Bezerra (2004)
A partir do instante do diagnóstico, a pessoa portadora de doença mental enfrenta a exclusão e
passa a viver a não-aceitação demonstrada pelo próprio comportamento da sociedade. Jorge e
Bezerra (2004)
A exclusão provoca uma quebra sem volta em três tipos de relações importantes para quem se
encontra fragilizado emocionalmente em decorrência de uma doença mental: nas relações
sociais (representações sociais próprias de uma determinada sociedade); nas ligações
comunitárias (laços e relações de afeto e parentesco) e por último nos vínculos individuais, ou
seja, a capacidade de comunicação com o exterior. Jorge e Bezerra (2004)
O facto de não ser admitido no mundo laboral provoca muitos danos ao doente mental e,
quando o trabalho mostra ser fonte de felicidade, a exclusão torna-se na sua “antítese”. A
rejeição e a exclusão no trabalho provocam sequelas no estado emocional de quem padece de
doença mental. Jorge e Bezerra (2004)
Cavalheira e Tolfo (2011) apresentaram a posição de Brant e Minayo - Gomez (2004),
dizendo que estes consideram que ainda se nota uma tendência em rejeitar o sofrimento no
mundo laboral e, desta forma, o sofrimento é visto como adoecimento. Isto pode ser atestado
pelo facto da tristeza ser designada como depressão. Assim, essa referida tendência contribui
para a discriminação, o estigma e a exclusão de trabalhadores.
As consequências da exclusão do trabalho, são consideradas fatores de desestruturações
emocionais. Sendo associados a estes a marginalização “social” da pessoa, que por sua vez é
vista como uma espécie de punição por estar doente. Jorge e Bezerra (2004)
Tavares (2010), citando Bento e Barreto (2002), afirma que uma das causas fulcrais da
exclusão nos dias de hoje é o desemprego, na medida em que vivemos num mercado de
trabalho cada vez mais reduzido e competitivo, o que faz com que as pessoas com menos
qualificação profissional se encontrem particularmente vulneráveis a situação de desemprego.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
1.7 Aspetos da situação da Saúde Mental em Cabo Verde
Em Cabo Verde, os dados epidemiológicos sobre saúde mental são escassos. Existem estudos
desatualizados ou parciais que não permitem uma visão rigorosa e abrangente dessa realidade,
embora permitam identificar alguns aspetos relevantes.
Nos anos 1988 e 1989 foi realizado o primeiro estudo epidemiológico, que incidiu sobre uma
amostra de 1468 pacientes de todas as ilhas, à exceção da Brava, que já tinham tido contacto
com os serviços, em regime de consulta ou internamento. PENSM. (2009)
PENSM. (2009), acrescenta, no entanto, que a maioria dos transtornos mentais escapava às
consultas de psiquiatria e que parte dos pacientes recorreria à medicina tradicional e às
religiões.
A prevalência de doentes mentais foi estimada em 4.3/1000. Mais de metade dos inquiridos
tinham idades compreendidas entre 21 e 40 anos.
A Esquizofrenia apresentava uma prevalência de 0,5/1000, as psicoses afetivas de 0.3/1000 e
as neuroses de 1/000.
A dependência alcoólica representou 18.3% da amostra, enquanto 16% tinha história de
emigração. PENSM. (2009)
Dados de 2005 revelam que os jovens consomem mais substâncias psicoativas lícitas,
especialmente álcool, do que ilícitas e que as idades de início de consumo tendem a baixar de
forma significativa. Estudo sobre saúde Escolar, Projecto CV/066, Junho 2007 in PENSM
(2009).
Como se pode ver, os dados não são muito rigorosos, até porque incidem sobre populações
muito específicas: pacientes que estiveram em tratamento e estudantes.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
1.8 Como tem sido a assistência psiquiátrica em Cabo Verde?
A questão da saúde mental em Cabo Verde começou a ser discutida no período pósindependência, a partir dos Hospitais Centrais, nos quais foram criados os Serviços de
Psiquiatria. PENSM (2009)
Na Época Colonial, existia a chamada 5ª Enfermaria, no Hospital da Praia, onde estavam
internados cerca de 150 doentes que eram “tratados” por um médico não psiquiatra de outro
setor. Os métodos utilizados no tratamento dos doentes eram o eletrochoque e a administração
de medicamentos como Clorpromazina e Prometazina.
Os doentes ficavam sob os cuidados diários de dois enfermeiros e alguns serventes e de dois
em dois anos deslocava-se de Portugal um Psiquiatra para o controle dos mesmos. PENSM
(2009).
Com a colocação de um Psiquiatra, em 1976, no Hospital Central da Praia, começou a ser
estruturado o serviço de psiquiatria. Foi abolido o tratamento com eletrochoque, foram
introduzidos outros psicotrópicos e o pessoal que lidava com os doentes foi sendo formado.
Iniciou-se a descentralização do atendimento dos pacientes com a introdução da abordagem
de psiquiatria comunitária. PENSM (2009)
Em 1976, foi elaborada a 1ª Estratégia Nacional de Saúde que, entre outras medidas, previa a
criação de um Centro de Psiquiatria Comunitária, com as funções: preventivas, assistenciais e
de formação. Previa-se para o Centro uma equipa multidisciplinar. PENSM (2009), PNDS
(2008).
No entanto o projeto, que foi implementado apenas em 2003, sofreu alterações e atualmente é
um serviço de psiquiatria que fica na zona de Trindade, a 8 km da Praia. Hoje, Cabo Verde
conta com estruturas que prestam serviços psiquiátricos, integradas pelo serviço de Psiquiatria
do Hospital Dr. Agostinho Neto, situado em Trindade no Hospital Regional João Morais, na
Ribeira Grande de Santo Antão, do Hospital Baptista de Sousa em S.Vicente e de um centro
de Terapia Ocupacional de Ribeira de Vinha, também em S Vicente.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
O Serviço de Psiquiatria do Hospital Agostinho Neto, localizado em Trindade, atualmente é o
serviço de referência para as patologias de foro mental em todo o território nacional,
recebendo doentes das diversas ilhas do país. PENSM (2009)
Além do atendimento prestado pelas equipas dos hospitais, há alguns anos foi iniciado um
trabalho de abordagem da saúde mental na saúde pública, através da colocação de psicólogos
nas principais Delegacias de Saúde do país. O trabalho foi iniciado na Praia e, posteriormente,
nas Delegacias de S. Vicente, Santa Catarina, Sal, Ribeira Grande e S. Filipe.
Os relatórios das Delegacias de Saúde dos últimos 3 anos (iniciando em 2011) têm revelado
que entre as 5 primeiras causas de óbito, internamento ou doenças em tratamento prolongado,
encontram-se doenças relacionadas com o álcool, as doenças mentais e a epilepsia. PENSM.
(2009)
As estruturas de atendimento aos doentes mentais fazem parte do Sistema Nacional de Saúde,
no qual a sua integração, física e funcional, conhece limitações, com possíveis repercussões
na integração dos doentes na sociedade. Algumas organizações da sociedade civil procuram
contribuir para a minimização dessas limitações. PENSM. (2009)
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
O gráfico abaixo ilustra a crescente evolução dos óbitos por doença mental e do
comportamento no período de mais de uma década.
Gráfico 1:Evolução
de óbitos por doenças mentais e comportamentais
Obitos por Doenças mentais e comportamental
segundo o género
1995-2007 Cabo Verde
100
80
60
F
40
M
20
0
95 96 97 98 99
0
1
2
3
4
5
6
7
Fonte: Plano Estratégico Nacional para a Saúde Mental (2009-2013)
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
O quadro abaixo, referente ao maior serviço de psiquiatria do país, mostra a evolução dos
principais grupos nosológicos e evidencia o peso crescente das dependências nos
internamentos psiquiátricos.
Quadro 1:Movimento dos doentes no Internamento
Distribuição De Internamentos Psiquiátricos Por Causa
Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Total
299
295
341
316
385
367
318
318
367
432
425
372
395
439
S/Inform.
29
08
33
11
18
18
33
45
40
47
45
42
33
28
Psicose
150
162
147
165
194
178
147
143
190
214
233
198
235
244
Uso de substâncias
Alcoolismo
Toxicod.
79
23
77
38
88
62
71
56
78
77
77
75
68
51
72
40
71
48
90
58
85
45
73
45
72
43
90
59
Outros
18
10
11
13
18
19
19
18
18
24
17
14
12
18
Fonte:Hospital Dr. Agostinho Neto - Serviço de Psiquiatria
De acordo com o quadro acima, verificou-se que ao longo do tempo o internamento tem
aumentado e tem aumentado de uma forma mais ao menos regular. No geral, tem um aumento
global de internamento, pois de 2000 a 2013 verificou-se um aumento de 68%.
Nota-se também que o que tem aumentado mais é a psicose, trata-se também de um aumento,
às vezes, um pouco regular mas constante, tem a maior participação. Aponta-se também uma
participação apreciável no que toca ao alcoolismo e à toxicodependência, que têm uma
importante participação.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Capítulo 2:
FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA
2.1 METODOLOGIA
O objetivo deste capítulo é apontar os pontos que orientaram a evolução da pesquisa, o tipo de
abordagem de estudo utilizada, sendo que é a abordagem de natureza qualitativa do tipo
descritivo e utilizando a entrevista como instrumento de recolha de dados.
Segundo Lakatos e Marconi, (2001) essa pesquisa compreende uma investigação capaz de
delinear e de analisar características de fator, utilizar um caráter sistemático de dados sobre as
populações, através do procedimento de entrevistas, questionários e formulários e ainda dados
fornecidos por fontes secundárias.
As pesquisas descritivas têm como objetivo inicial descrever as características de determinada
população ou fenómeno, bem como o estabelecimento de relações entre variáveis. Gil (2008)
Segundo Minayo et al (2002), a pesquisa qualitativa responde a uma série de questões com
um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, trabalha com um conjunto de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
De acordo com Quivy et al (2005), a abordagem qualitativa atribui uma resposta satisfatória
ao investigador. Por meio da metodologia qualitativa, o pesquisador consegue perceber a
realidade vivida pelos sujeitos da amostra através do relato de quem vivencia a doença.
2.2 Participantes
Para o estudo em questão foram selecionados no total 16 participantes. Sendo que 11 deles
são pacientes que se encontraram internados ou em tratamento ambulatorial no Hospital
Agostinho Neto- Extensão Trindade, independentemente do diagnóstico e 5 são familiares.
Também é de realçar que só se conseguiram entrevistar as famílias dos 5 primeiros pacientes
entrevistados.
A seleção foi seguida através do critério de saturação, ou seja, quando os dados oferecidos
não oferecem novas informações, não será mais necessário entrevistar mais sujeitos. Assim,
Guerra (2006), citando Glauser & Strauss (1967), afirma que isto acontence quando numa
categoria de análise ou num fenómeno onde depois de um certo número de entrevistas o
investigador tem a noção de que não obterá nenhuma novidade em relação ao objeto da
pesquisa.
Os pacientes foram selecionados com a ajuda dos profissionais que fazem o acompanhamento
dos mesmos, sendo que para garantir o anonimato serão codificados por p1, p2, p3 e assim
sucessivamente.
Serão utilizados os mesmos procedimentos em relação aos familiares, sendo que os familiares
serão F1, F2, F3 e assim sucessivamente.
2.3 Instrumentos de pesquisa
Para a execução deste trabalho foi utilizada a entrevista do tipo descritivo, como instrumento
de coleta de dados.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Segundo Gil (2008), pode-se definir a “entrevista como uma técnica em que o investigador se
apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas com o objetivo da obtenção dos dados
que interessam à investigação” (pág. 109).
As entrevistas foram constituídas por questões abertas, cujas respostas levavam à formulação
de novas questões. Ainda, é de realçar que as entrevistas foram realizadas, tendo como base
de um guião elaborado a partir de consultas bibliográficas e tendo em consideração a pergunta
de partida.
2.4 Procedimentos
Primeiramente, para a realização deste estudo, foi essencial o consentimento da direção do
Hospital Agostinho Neto – Extensão Trindade. Em seguida, o projeto foi submetido à
avaliação do Comité Nacional de Ética em Pesquisa para Saúde de Cabo Verde (CNEPS),
tendo adquirido a aprovação ao abrigo do artigo nº 11 do decreto-lei nº 26/2007 a 30 de julho
de 2013. Logo sendo concedida a autorização do Comité Nacional de Ética em Pesquisa para
Saúde de Cabo Verde, começou-se então a fase da coleta de dados no Hospital Agostinho
Neto – Extensão Trindade. Em seguida, são descritas cada uma das fases da realização deste
estudo.
A primeira fase consistiu na seleção dos pacientes que iriam ser entrevistados. É de realçar
que os familiares só foram contactados mais tarde, ou seja, depois das entrevistas feitas aos
pacientes para que os mesmos pudessem ajudar-nos a identificar os seus familiares e que
também fossem submetidos a entrevistas.
Na segunda fase, deu-se então a coleta dos dados, sendo que esta fase ocorreu nos meses de
Agosto e Outubro de 2013. Antes da entrevista procurou-se saber junto dos profissionais
quais os pacientes que, no momento, se encontravam em condições favoráveis para
participarem do estudo (ou seja, os pacientes que não estavam descompensados).
Os pacientes em tratamento ambulatorial eram convidados a participar nas pesquisas no
momento em que iam às consultas e os internados, durante o internamento.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Os familiares foram entrevistados no hospital ou nas respetivas casas.
Antes da entrevista se proceder, era explicado ao entrevistado no que se baseava a entrevista,
o que era pretendido com o estudo em questão e apresentado o termo de consentimento livre e
esclarecido, que era lido e explicado pela pesquisadora, que assegurava total
confidencialidade de todos os dados facultados pelo participante nesse processo, salientando
ainda que os mesmos serão usados única e exclusivamente para fins de estudo e que os
mesmos poderiam desistir do estudo a qualquer momento sem sofrer quaisquer sanções. No
final, solicitava-se a assinatura dos mesmos e depois era concedida uma cópia do termo ao
participante.
As entrevistas foram gravadas com autorização dos participantes e depois transcritas (os
procedimentos foram os mesmos para os diferentes tipos de participantes).
Deparamos com alguns obstáculos mediante a realização das entrevistas, sendo que alguns
pacientes ficaram muito apreensivos e desconfiados em relação ao que se ia fazer com as
informações por eles facultadas, mesmo tendo sido explicado o motivo da pesquisa, o termo
de consentimento livre e esclarecidos, alguns deixaram a entrevista antes do término da
mesma.
Outra dificuldade, é que por vezes conseguia pacientes em condições de participar no estudo e
os mesmos não queriam que entrevistássemos os seus familiares, e quando podíamos
entrevistar os familiares, os pacientes encontravam-se descompensados, o que dificultou
muito a nossa investigação. Mas em compensação, tivemos muita facilidade em aceder à
instituição e à aquisição da autorização para a execução do nosso estudo.
Análise dos dados
Para a análise dos resultados, escolheu-se a análise de conteúdo, a qual consiste na organização
sistemática do material recolhido no terreno, com o objetivo de, através dele, aumentar a
compreensão sobre o fenómeno em estudo.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Pois, segundo Bardin (2001), a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das
comunicações.
“Análise de conteúdo é um método muito empírico, dependente do tipo de «fala» a que se dedica
e do tipo de interpretação que se pretende como objetivo”. Bardin (2001 pag. 32)
Para Janeira (s/d), (pag 371), “A análise de conteúdo é uma técnica de investigação para a
descrição objetiva sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação”.
Segundo Bardin (1977), citado em Meireles e Cendón (2010), a análise de conteúdo
desenvolve-se em três etapas: a primeira etapa consiste na pré-análise; a segunda na
exploração do material; e a terceira no tratamento dos dados, conclusão e interpretação.
A pré-análise - é a etapa da organização. Geralmente inicia-se com os primeiros contatos com
os documentos (leitura flutuante), para depois se proceder a escolha dos mesmos, à
formulação de hipóteses e à preparação do material para análise.
A segunda etapa que é a exploração do material, consiste numa fase, geralmente longa e
fastidiosa, que tem como objetivo ministrar sistematicamente as decisões tomadas na préanálise. Refere-se essencialmente às tarefas de codificação, envolvendo: o recorte (escolha
das unidades), a enumeração (escolha das regras de contagem) e a classificação (escolha de
categoria).
Por último, a etapa do tratamento dos dados, a inferência e a interpretação, que por fim
objetivam, tornando os dados válidos e significativos. Assim, põem em relevo as informações
obtidas, á medida que as informações alcançadas são confrontadas com informações já
existentes, podendo-se chegar a amplas generalizações, o que torna a análise de conteúdo um
dos mais importantes instrumentos para a análise das comunicações de massa.
Para Moraes (1999), ainda que diferentes autores proponham diversificadas explicações do
processo da análise de conteúdo, o autor concede a análise de conteúdo como constituída por
cinco etapas:
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
1 - Preparação das informações;
2 - Unitarização ou transformação do conteúdo em unidades;
3 - Categorização ou classificação das unidades em categorias;
4 - Descrição;
5 - Interpretação.
1 – Preparação
Uma vez que se tem todas as informações a serem analisadas, é preciso, em primeiro lugar,
submetê-las a um processo de preparação, que consiste em:

Identificar as diferentes amostras de informação a serem analisadas. Para isto, é preciso que
se faça uma leitura de todos os materiais e se decida se realmente estão de acordo com os
objetivos da pesquisa.
 Iniciar o procedimento de codificação dos materiais, criando um código que possibilite a
identificação rápida de cada elemento da amostra de depoimentos ou documentos a serem
analisados.
2 - Unitarização
Quando os dados estiverem devidamente preparados, serão submetidos ao processo de
“unitarização”, que consiste no seguinte:
 Fazer cuidadosamente uma nova leitura dos materiais com a finalidade de definir a unidade
de análise, também denominada “unidade de registro” ou “ unidade de significado”, a
unidade de análise é o elemento unitário de conteúdo a ser submetido posteriormente à
classificação.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
A essência das unidades de análise necessita ser definida pelo pesquisador. As unidades
podem ser tanto as palavras, frases, temas ou mesmo os documentos na sua forma integral.
Desta forma, para definição das unidades de análise constituintes de um conjunto de dados
brutos, podem-se manter os documentos ou as mensagens na sua forma íntegral ou podem-se
dividi-los em unidades menores.
 Isolar cada uma das unidades de análise.
Cada unidade de análise, para ser submetida à classificação necessita, estar isolada.
 Definir as unidades de contexto
É uma unidade, de modo geral mais ampla do que a de análise, que serve de referência a esta,
fixando limites contextuais para interpretá-la. Cada unidade de contexto, geralmente, contém
diversas unidades de registo.
3 - Categorização
A categorização é o processo de agrupar dados, considerando a parte comum existente entre
eles. Classifica-se por semelhança ou analogia, segundo critérios previamente estabelecidos
ou definidos no processo. As categorias podem ainda ser compostas a partir de critérios
léxicos, com ênfase nas palavras e nos seus sentidos ou podem ser fundadas em critérios
expressivos, focalizando nos problemas de linguagem.
Olabuenaga e Ispizúa (1989), citado em Moraes (1999), afirmam que o processo de
categorização deve ser percebido na sua essência como um processo de redução dos dados.
As categorias revelam o resultado de um esforço de síntese de uma comunicação, destacando
neste processo os seus aspetos mais relevantes.
A categorização é, portanto, uma especulação de classificação dos elementos de uma
mensagem, seguindo determinados critérios. A categorização facilita a análise da informação,
mas deve fundamentar-se numa definição precisa do problema, dos objetivos e dos elementos
utilizados na análise de conteúdo.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
O objetivo básico da análise de conteúdo é produzir uma redução dos dados de uma
comunicação, o que, em geral, exigirá um número reduzido de categorias. A amplitude e a
precisão das categorias estão diretamente ligadas ao número de categorias.
Quando as categorias são definidas “a priori”, a validade ou a pertinência pode ser construída
a partir de um fundamento teórico. Moraes (1999)
As categorizações, nas palavras de Jacob (2004), “é o processo de dividir o mundo em grupos
de entidades cujos membros têm similaridades entre eles dentro de um determinado
contexto”. “Agregar as entidades em categorias leva o indivíduo a perceber a ordem no
mundo que o circunda”.
Barite (2000), citado em Meireles e Cendón (2010), afirma que as categorias são usadas
como instrumentos para se descobrir certas regularidades do mundo material, concluindo-se
que todos os objetos, pelo menos os que pertencem ao mundo material, possuem certas
propriedades. Ainda afirma que as categorias são abstrações simplificadas, usadas pelos
classificacionistas para investigar regularidades de objetos do mundo físico e ideal e para
representar noções.
4 - Descrição
A descrição consiste em, após definidas as categorias e identificado o material constituinte de
cada uma delas, transmitir o resultado deste trabalho. A descrição é o primeiro momento em
que ocorre esta comunicação.
O momento da descrição é de extrema importância na análise de conteúdo, uma vez que é o
momento de expressar os significados captados e intuídos nas mensagens analisadas.
5 - Interpretação
Para uma boa análise de conteúdo é importante não se limitar apenas à descrição. Mas sim é
essencial que se procure ir além, para obter uma compreensão mais profunda do conteúdo das
mensagens através da inferência e da interpretação.
A interpretação constitui num passo imprescindível em toda a análise de conteúdo,
especialmente naquelas que são de natureza qualitativa.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Capítulo 3:
Apresentação e discussão de resultados
Os resultados que apresentamos de seguida decorrem do processo que conduziu à realização
de 5 entrevistas a pacientes com história de doença mental, bem como dos dados obtidos em 5
entrevistas com familiares seus, indicados por eles. Foram ainda entrevistados 6 pacientes
mas sem familiares, totalizando 16 entrevistas. Sete pacientes são do sexo masculino e quatro
do sexo feminino, e as idades situavam-se entre os 21 e os 50 anos.
O nível de escolaridade é relativamente baixo (a maior parte não concluiu o ensino
secundário, com exceção de 2 pacientes que estudaram até ao 12º ano e de 1 que ainda se
encontra no 11º ano). O nível profissional também é baixo, como seria de esperar.
Dos pacientes entrevistados, 2 vivem em união de facto, enquanto 9 são solteiros.
Também é de ressaltar que 3 deles têm filhos e 8 não.
Como se referiu no processo de definição do número de participantes, optou-se pelo processo
de saturação, isto é, as entrevistas foram interrompidas quando os entrevistados já não
apresentavam dados novos.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Preparação
Depois da recolha das entrevistas de todos os participantes, procedeu-se à transcrição das
mesmas e foram todas apreciadas, levando sempre em conta os objetivos da pesquisa.
Como forma de identificar cada participante, fez-se a codificação dos pacientes a partir da
enumeração da letra P (P1, P2, P3…), utilizou-se um procedimento semelhante para os
familiares, através da enumeração da letra F (F1, F2, F3…).
Unitarização
Do estudo dos dados colhidos e com vistas à sua análise, foram identificadas como unidades
de análise as diferentes entrevistas realizadas, uma vez que são documentos integrais e
perfeitamente identificáveis, que contêm a totalidade dos elementos recolhidos.
Categorização
A partir do estudo das unidades de análise, definidas a partir das entrevistas com pacientes e
familiares, participantes do estudo, procurou-se identificar elementos que poderiam congregar
informações necessárias para se proceder a análise.
Esse processo que, naturalmente, levou em consideração os objetivos do estudo, conduziu à
elaboração das categorias seguintes:
 Relacionamento Familiar;
 Relacionamento Social;
 Relações Afetivas;
 Relações Laborais;
 Papel do Preconceito.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Descrição e interpretação
As falas dos pacientes e familiares vão passar a ser descritas e interpretadas como o objetivo
de expressar os significados captados e intuídos nas mensagens analisadas, bem como de
obter uma compreensão mais profunda do conteúdo das mensagens através da inferência.
Passamos então à descrição e à interpretação dos dados.
Relacionamento familiar
A partir das informações obtidas nas entrevistas, verifica-se que a mudança nas relações
familiares de pessoas que sofreram de doença mental é comum a todos, ainda que cada um
vivencie a situação com diferentes intensidades.
Assim, a maioria dos pacientes e os seus familiares afirmaram que o relacionamento tornou-se
muito complicado depois da doença, pelo que se notou através dos relatos dos mesmos que
muitas destas mudanças se deveram à agressividade dos referidos pacientes e outros sentemse culpados pelo sofrimento causado aos familiares.
“Depois que adoeci a vida ficou complicada, difícil mesmo, sinto muita falta dos meus
familiares”.- P 1
“A vivência tornou muito complicada, a minha esposa tornou muito agressiva”-F 1
“ O relacionamento tornou-se péssimo, pior seria impossível, tive problemas com os meus
avós devido à agressividade, já agredi a minha mãe, os meus irmãos, sinto muito triste por
causar tanto sofrimento ao meu familiar.-P 9
Estas vivências configuram situações de desgaste familiar descritas por Oliveira & Jorge
(1998), citado em Nasi et al (2004), em como as grandes dificuldades que a imprevisibilidade
do comportamento dos doentes mentais cria no meio familiar, como também foi por eles
enfatizado.
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Outros familiares contam que o não entendimento da doença fez com que o relacionamento
chegasse a um ponto bastante crítico, também afirmam que para a segurança da própria
família e do doente, às vezes, é necessário tomar medidas drásticas, como colocar o doente
em contenção física.
“A minha irmã isolava-se e não compartilhava connosco o que estava sentindo. Quando está
em crise ela torna-se muito agressiva, o que piorou ainda mais a convivência, por vezes sinto
medo dela porque se ela disser que irá agredir-me, ela o faz e eu por vezes respondia da
mesma forma. Mas depois de entender a doença evitava-a o máximo para não acontecer
estas situações. Houve casos em que tivemos de amarrá-la na cama para a sua e nossa
proteção.”-F 3
Este tipo de comportamento, que resulta do não conhecimento da doença mental pelos
familiares, foi ressaltada, como vimos, por Nasi, et al (2004).
Contudo, alguns pacientes afirmaram que não houve nenhuma alteração nos seus
relacionamentos, pois tudo se manteve de igual forma.
“a relação com a minha família não mudou, a minha mãesempre me apoiou e contínua me
apoiando, ela nunca me abandonou”- P7
“a relação com meus familiares (mulher, filhos) antes e agora está tudo normal, só no
momento em que eu fico alterado que por vezes as coisas não vão da melhor maneira
possível, mas quando vou para casa de licença tudo mantem-se normal, nem parece que tem
um doente mental em casa”- P11
Verifica-se que, tanto nas Famílias atuais como nas Famílias originais, existem alterações,
sendo que nas Famílias originais estas alterações parecem ser mais profundas.
“Ela só tem a nós (eu, o pai e os irmãos), nenhum familiar nos apoia nem mesmo foram
visitá-la no hospital”– F 2
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
“Já internei no hospital psiquiátrico várias vezes mas nunca recebi visita dos meus
familiares, é muito triste. Será que nunca sentiram saudades ao ponto de tirarem 5 minutos
para me visitar, por mais ocupado que uma pessoa se encontra mas sempre pode fazer um
tempo. Recebo o apoio somente dos meus filhos e da minha mulher.”- P 11
Alguns pacientes parecem ressentir-se de certo afastamento da família de origem.
“Sinto muita falta dos meus familiares, depois que internei no hospital psiquiátrico ninguém
foi me visitar, “es abandonam a sorte” nem o meu pai e as minha irmãs que eramos muito
unidos não me procuram.”-P 1
“Procuro sempre satisfazer as vontades do meu marido porque ele é a única pessoa que me
apoia nesse momento “mi é mi ku nha marido ku nha fidjo.”- P 1
“A doença me roubou coisas boas da vida, a boa convivência com os meus familiares, a
alegria, mesmo assim tento levar a vida da forma que posso “un sta leba vida cima ta da”-P4
Ficou evidente nas falas dos entrevistados que a doença mental trouxe impactos negativos nas
suas vidas, nomeadamente nas relações familiares. Outros acabaram por demonstrar um
sentimento de muita tristeza, solidão, abandono e inutilidade.
“Sinto-me triste, uma pessoa inútil, sem independência, não faço nada, a minha mãe é que faz
tudo por mim.”-P 5
O envolvimento dos familires na doença mental de um dos seus membros, na linha do que
defendeu Nasi et al (2004), fica muito claro no discurso destes pacientes.
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Relações laborais
Durante as entrevistas, verificamos que a maioria dos entrevistados ficaram no desemprego
em consequência da doença, referindo que isso é uma das maiores perdas sofridas. Outros
falam da dificuldade em encaixar-se no mercado de trabalho, devido ao preconceito que ainda
existe em relação ao doente mental. Alguns entrevistados, apesar de nunca terem trabalhado,
por serem estudantes, demonstram esperanças em um dia conseguirem trabalhar, contudo
acrescentam ainda que existe muita falta de confiança e de oportunidades de emprego para
com os mesmos.
“Com o aparecimento da doença perdi o emprego, e essa perda derivou das sucessivas crises
que tive por causa da doença”- P3
“Tive de abandonar o emprego porque passava mais tempo internado do que em casa”- P11
“Não consigo mais trabalhar, embora já tenha procurado em diversos lugares, uma vez
deram-me esperanças de emprego mas quando o meu marido disse à pessoa que eu tinha
uma“depressãozinha” a pessoa logo recuou dizendo que iria viajar e que me contactava
depois e até hoje espero.”- P1
“ Acho que não consigo trabalhar nessa vida só se ninguém me reconhecer, porque sempre
quando procuro emprego e o meu marido falar da minha doença eles não me aceitam.” – P1
Isso remete-nos a sublinhar as palavras do autor Sequeira et al (2009), onde ele declara que
os doentes que se restabelecem de uma doença mental, por vezes, escondem-se atrás de um
“disfarce”, de forma a que o seu passado permaneça secreto e impercetível para quem não o
conhece. E essa necessidade de esconder-se resulta do medo de serem rejeitados e
desvalorizados, por causa da doença, como se esta fosse um mal.
Na mesma linha, Jorge e Bezerra (2004) afirmam que as dificuldades da inclusão no mercado
de trabalho são complexas, incluindo aspetos financeiros, psíquicos, físicos e sociais e traz
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consigo um sentimento de tristeza por não trabalhar e depender dos outros, a pessoa
demonstra um certo desejo de ter o seu próprio dinheiro.
“Nunca trabalhei porque sou estudante do ensino secundário, mas acho que ninguém
empregaria uma pessoa portadora de doença mental porque não sentem confiança “ es ta fla
ma nos é dodo es ca ta dano trabadjo”- P2
Também a família é da mesma opinião que a inserção no mercado de trabalho é muito
complicada porque existe muito preconceito.“A inserção no trabalho é muito complicado
“inda es tem tcheu preconceito ku doenti mental”, mas tenho a esperança de que um dia ela
possa conseguir um emprego uma vez que ela é muito nova.”F2
Assim, confirma Sequeira et al (2009) que os doentes mentais são facilmente classificados
como “loucos”, incapazes, sociopatas, entre outros. As consequências destas classificações
refletem em diferentes níveis de prestação de cuidados, especialmente na reabilitação e na
reinserção social, o que torna difícil encontrar instituições empregadoras com disponibilidade
para aceitar doentes mentais no meio laboral.
Da mesma, forma Muñoz et al (2009) declaram que com os preconceitos, quando ativados,
essas crenças podem levar a reações de medo, temor, e desconfiança, que por sua vez podem
desencadear várias formas de discriminação, fazendo com que o doente mental tenha que lidar
com dificuldades de acesso à habitação, trabalho independente, limitando as relações
conjugais e sociais.
“Consegui trabalhar uma vez na empresa “sonasa” no lugar de uma pessoa que foi de férias,
Trabalhei perfeitamente, mas quando tinha efeitos secundários do medicamento, no caso
“Tremores” escondia as mãos debaixo da mesa ou tentava controlar-se ao máximo para que
os colegas ou próprio chefe não vissem, para que não soubessem da minha doença com medo
de ser despedida”-P3
“Depois que ela adoeceu, tudo piorou, ela começou a ter crises no trabalho, foi internada, o
que levou com que perdesse o trabalho que até hoje é uma das grandes perdas na vida dela.
“kela propi é um marca que doença dexa na el” “se trabadjo era se porto seguro”. F3
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O trabalho é um dos aspetos de bastante relevância para os pacientes, pois estes alegam que
desejam muito ter autonomia monetária e também falam do papel do trabalho para a
recuperação dos mesmos.
“desejo muito ter um emprego, para não depender de outras pessoas.”-P5
“A cada esperança de conseguir um emprego ela ficava radiante.” “un dia é consegui
trabadja na un casa es promete fica kual é fica midjorpropi, mas infelizmente deposes bem
mandalpa casa e cuzas torna piora”.F 1
“ A doença me tirou a oportunidade e alegria de fazer o que mais gosto”.–P 10
“Minha filha mostra o desejo de trabalhar, e ganhar o seu próprio dinheiro”-F5
Logo, Jorge e Bezerra (2004) afirmam que as dificuldades da inclusão no mercado de trabalho
são complexas, incluindo aspetos financeiros, psíquicos, físicos e sociais e traz consigo um
sentimento de tristeza por não trabalhar e depender dos outros, a pessoa demonstra um certo
desejo de ter o seu próprio dinheiro.
Os mesmos autores ainda declaram que a exclusão é uma dificuldade enfrentada no dia a dia e
no que à tange questão económica, a falta de oportunidade de emprego compromete a
subsistência da pessoa, ainda se a exclusão é ocasionada por doença mental, o que toma um
significado mais doloroso.
De um modo geral, pode-se notar nas entrevistas que o desemprego tem um impacto forte na
vida dos pacientes, e ainda é um facto muito persistente nas suas vidas.
O facto de não ter ou de não conseguir um emprego é visto como uma perda, uma barreira
que impede os portadores de doença mental de ter uma qualidade de vida melhor, de ter
autonomia.
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Evidenciou-se também nas entrevistas que, para os portadores da doença mental, é a doença a
principal causa do desemprego, ou seja, é o estar doente que torna o acesso ao mercado de
trabalho distante, como algo inacessível.
Desta forma, Jorge e Bezerra (2004) afirmam que, diante do desejo de ter acesso ao trabalho,
a pessoa portadora de doença mental passa a conviver com os sofrimentos e a rejeição.
“ Acho que não consigo trabalhar nessa vida só se ninguém me reconhecer” - P1
“Arranjar outro emprego é a solução, mas qual? Onde? Sinceramente não sei.” - P6
As consequências da exclusão do trabalho (danos emocionais) são considerados fatores de
desestruturações emocionais. Sendo associados a estes a marginalização “social” da pessoa,
que por sua vez é vista como uma espécie de punição por estar doente. Jorge e Bezerra (2004)
“Agora como não trabalho vê-se logo aquela diferença no tratamento” todos a veem com
pena, outros segundo ela até chegam a comentar o seguinte: “ coitado é perde tudo” “ é
perde trabadjo é perde isso e aquilo” - P3
Depois que ela adoeceu, tudo piorou, ela começou a ter crises no trabalho, foi internada, o
que levou com que perdesse o trabalho que até hoje é uma das grandes perda na vida
dela.“kela propi é um marca que doença dexa na el” “se trabadjo era se porto seguro”. teve
de colocar a filha na Aldeia SOS, porque não tem nenhum meio de sustentá-la. . “Kela propi
sta doençel ainda mas” “ so perda que ka ta da pa repara”. - F3
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Relações afectivas
Em relação à vida afetiva, ficou visível que nenhum dos entrevistados, após o adoecimento,
manteve um relacionamento adequado. Alguns deles terminaram o relacionamento porque os
seus companheiros já não os tratavam da mesma forma. Ficou evidente nas falas de um
entrevistado que por não ter apoio de outras pessoas tenta satisfazer as vontades do
companheiro mesmo não desejando.
A minha relação afetiva era boa, meu marido sempre me tratou muito bem, mas depois que
adoeci, tive problemas com o marido em relação a atividade sexual, porque às vezes não
sentia vontade de ter sexo e isso não era compreensível pare ele, o meu marido ficava
chateado comigo mas eu não sou culpada, alega ainda que: já fiz consultas e o médico me
disse que poderia ser derivado do medicamento, mas ela diz ainda que: sempre procuro
satisfazer as vontades do meu marido porque ele é a única pessoa quem me apoia nesse
momento “me é mi ku nha marido ku nha fidjo “. - P1
Antes da doença, a minha vida afetiva era a “mil maravilhas”, não morava com o pai da
minha filha mas tinha um bom relacionamento, era tudo normal igual a qualquer casal.
Depois da doença tornou insuportável, porque o meu namorado já não cumpria com as suas
palavras e nem acompanhava-me nas consultas. - P2
O que mais a magoou foi quando precisei internar e ele não responsabilizou pela nossa filha
e teve de a colocar na Aldeia SOS. “ É stranho alguém ta muda de un hora pa oto” “nunca
nca ta pensaba ma um alguen ta abandonaba quel oto na momento que mas é ta precisa,
pamode doença de nhor dês, nta pensa ma doença podi ser de qualquer um”. - P2
A minha relação afetiva era muito mais interessante, era uma pessoa muito carinhosa, muito
afável e feliz, Depois que adoeci, não sinto vontade de fazer nada, e tenho medo que isso
possa estragar a minha vida. - P4
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Tinha um relacionamento afetivo normal e igual a todos os jovens, tinha uma namorada, mas
afirma que a doença lhe roubou tudo, perdeu a namorada. - P6
Depois que fiquei completamente sozinho, o meu pai não me trata como filho, “às vezes
penso que a minha mãe me incentivou a vir para Cabo Verde para se livrar de mim. - P8
Relacionamento Social
O relacionamento social é um dos pontos que mais impactos negativos trouxeram tanto para o
doente mental como para o familiar dos mesmos, e destes impactos negativos refere-se a
mudança no relacionamento com a vizinhança e com os amigos.
Assim referem muitos dos entrevistados que pelo facto de sofrerem preconceito da sociedade,
eles preferem se isolar porque é muito triste ser rejeitado por ter uma doença e ser rotulado de
“dodo”.É como se os portadores da doença mental vivessem à margem da sociedade,
limitados de se socializarem com os outros, partilharem, discutir ideias, entre outras coisas,
que o ser humano tem necessidade.
Também os familiares são da mesma opinião de que os doentes são tratados com preconceito
pelos amigos ou pelos vizinhos que antes eram íntimos. Isso acaba por afetá- los a eles, pois
um certo familiar afirma que o“ preconceito é tão grande que aparenta ter uma doença
contagiosa, é bastante doloroso”. - F 4
A vida nesse mundo é difícil, “ alguém só mesteu horas que bu sta dreto”, nhas amigos afasta
de mi”, “ninguém ca sta ligam mas”, fiquei sozinho, isolado.
O paciente comenta o seguinte: “As pessoas me tratam mal por causa da doença que poderia
ser de qualquer um”- P10
Antes da doença tinha um relacionamento excelente com os amigos, vizinhos, colegas, depois
que adoeci perdi todas as amizades que tinha, agora só tenho a minha família, os outros só
me procuram para lamentar o meu estado, por isso tornei-me numa pessoa mais isolada por
causa da doença, evito encontros com as pessoas pois não gosto quando as pessoas me veem
com pena, e quando me chamam de “dodo”. - P7
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Saliente-se que Tavares (2010) declara que o estigma relacionado ao doente mental, para além
de isolar o indivíduo em relação aos outros, prejudica as relações sociais dos mesmos, como
se o indivíduo fosse um ser à parte. Fazendo com que o doente acredite ser incapacitado de
viver em sociedade.
Para Phelan et al (2000), citado em Barbosa (2010) o perigo é um dos estereótipos mais
presentes, relativamente à doença mental, desencadeando o desejo de afastamento social do
doente.
No que toca à convivência com a doença mental, Barbosa (2010), citando Argermeyer et al
(2004); Penn e Couture (2002), afirma que quanto maior for o nível de convivência com o
doente mental menor será o nível de estigma para com os mesmos.
As pessoas me tratavam bem, também os amigos que tinha me tratavam bem muito bem, mas
depois que fiquei doente tudo piorou”, porque a sociedade evita quem é doente, veem as
pessoas doentes mentais com uma certa discriminação, não te dão confiança por isso limitome a sair para evitar constrangimentos. - P1
Depois que fiquei doente algumas pessoas ainda conviviam com comigo, mas não sentia
vontade de sair, ir às festas porque as pessoas me viam de forma diferente, sentiam pena e
receio de mim, para mim o receio poderia ser por causa das situações de crise que talvez lhes
provocam medo. – P2
Minha filha ficou mais “apagada”, sem vontade de fazer nada, está sempre isolada, as
pessoas lhe chamam de “dodo” e isso é doloroso porque ela não nasceu assim, “el é naci é
cria pronto, es ca podi tratal asi pamodi un qualquer alguém podi panha quel doença la”. F2
Antes da doença minha filha fazia penteados às pessoas da redondezas, mas depois da
doença ninguém a procura para fazer penteados, até parece que têm medo dela, os amigos
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afastaram-se “quês amigos que tinha bira ca ta muto relaciona qual”, durante o tempo que
ela estava doente não vieram visita-la e nem me perguntaram como ela se encontrava de
saúde, “ nta pensa me pamodi doença quês afasta del, ca tem otu justificason”. - F2
“ Agora como não trabalho vê-se logo aquela diferença no tratamento” todos me veem com
pena, outros até chegam a comentar o seguinte: “ coitado é perde tudo”, “ é perde trabadjo
é perde isso e aquilo” por isso não gosto de sair, socialmente antes da doença vivia muito
mais melhor. - P3
Barder (2002) salienta que o processo de habituação da exclusão representada pelo
consentimento do próprio excluído e da sociedade, gera um meio social de passividade,
compreendendo a condição de exclusão como fatalidade.
Quando saio nas ruas outras pessoas me veem diferente, chamam-me de “dodo” e sinto
muito mal com isso. – P5
Esta é uma doença de perdas, perde-se tudo, o respeito à sua pessoa, os amigos, à família
entre outras coisas. “nhas amigos afasta tudu, as vez ntapensa: será quês era nhas amigos di
verdade?”. Quando encontro com as minhas amigas na rua outras fingem não me verem,
outras fingem estarem com pressa para se livrarem de mim. - P5
Existe ainda muito preconceito por parte da sociedade, em relação à pessoa portadora de
doença mental, o que dificulta a vivência da pessoa portadora dessa doença na sociedade, a
sociedade apelida-nos de “dodo” porque para a sociedade “ quem vem a trindade fica
marcado como dodo”, eles identificam-nos como “dodo”. - P8
“ Si, si familiar abandonal imagina vizinhos” –F1
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Papel do Preconceito
O preconceito é um facto muito presente ao longo das entrevistas, a maioria dos entrevistados
referem-se ao preconceito como se o mesmo fosse um atributo da doença mental. Ficou
também evidente que o preconceito está presente no dia-a-dia das pessoas portadoras da
doença mental, pois os mesmos dizem que sempre sofrem preconceito e estigma nas ruas e no
trabalho. Outros dizem sofrer preconceito até mesmo no seio da própria família.
Muitos deles têm a total consciência de que são vítimas de preconceito, fazendo-os sentir
diferentes, tristes e com sentimento de inutilidade. Porém, um dos entrevistados tenta
amenizar o preconceito sofrido, uma vez que tenta justificar o afastamento dos amigos e
colegas, dizendo que estes não têm tempo de o visitar.
“Os familiares praticamente afastaram-se dela, acho que é por causa da sua doença”; “ não
tenho outra explicação, ninguém quer a incumbência de tomar conta de uma pessoa doente”.
- F1
“Fico triste porque até o meu filho me chama de “dodo” - P 1
“Na rua as pessoas dizem: “coitado, el era dreto un conxeba el, gosi é stá dodo”, lembro
ainda de um dia em que ele reconheceu um amigo no Plateau, quando ele se dirigiu para
falar com o amigo este fugiu dele porque estava sobre efeito de medicamento que alterava a
sua forma de andar e fazia com que salivava (baba). “ami un odja ma sé amigo odjal, é
sucundi trás de um carro e é entra na um otu carro”. - F 4
“O irmão mais velho que é professor não vem visitá-la nem pergunta por ela como se ela não
existisse “é ta sta la pa se casa ku se vida ku se fidjo que é ca tem tempo pa se irmã “ é difícil
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alguém padjobes o que es sta internado un ta odja pa nha filha”, deve ser porque ainda
muitas pessoas consideram a doente mental como diferente.” - F5
“tenho muito medo do que as pessoas o passam fazê-la na rua porque a muito preconceito e
discriminação do doente na rua “ es ta maltratado, es ta descriminado, es ta pontado dedo e
nos como família nu ka ta kre pa nos familiar passa pa kel situação”. - F 4
“Já não consigo exercer o meu trabalho, pois no decorrer do tratamento acabei por perder
todo o equipamento, os meus clientes dizem que estou “dodo” quem é que vai querer tirar
cabelo comigo”. - P6
Na ótica de Tavares (2010), o estigma relacionado ao doente mental, para além de isolar o
indivíduo em relação aos outros, prejudica as relações sociais dos mesmos, como se o
indivíduo fosse um ser à parte, fazendo com que o doente acredite ser incapacitado de viver
em sociedade.
Ainda, o mesmo autor remete que o uso generalizado do rótulo “doente mental” para
classificar as pessoas com doenças mentais, pode tornar-se estigmatizante para os mesmos. “É
como se fizessem parte de um grupo indesejável, recusando-lhes o direito de serem
considerados cidadãos como os outros”. (Tavares 2010 pag. 19)
“Outras pessoas falam muito mal com ela chamando-lhe de “dodo e é por isso que não deixo
ela estar juntamente com outras pessoas porque existe muitas pessoas que não sabem falar e
nem dirigir-se a um doente mental e é esse o problema.“hora ke é kai na crise un ta xinte ma
prope colega ta afasta”. - F5
Conforme Moreno (2000), citado em Nasi et al (2004), há uma maior tensão na convivência, a
família procura isolar-se, ocorre restrição de visitas, diminuem as saídas para passeios, ou
seja, o período de lazer diminui.
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“Não saio muito, dificilmente vou a casa dos outros, por causa da maneira como me observam
com uma certa diferença. Alguns amigos afastaram-se mas entendo essa situação porque estes
não têm tempo por causa do trabalho no momento eu é que tenho mais tempo porque estou
desempregada”. - P3
As crenças e o preconceito em torno da doença mental podem fazer com que o doente mental
se isole e se restrinja em relacionar-se socialmente, como forma de evitar eventuais
constrangimentos.
A discriminação, na ótica de Tavares (2010), traz diversas barreiras ao doente mental, como:
a nível da sua integração escolar, laboral, social e familiar.
Também, na visão de Fazenda (2008), citado em Tavares (2010), a origem do estigma
encontra-se nos estereótipos (padrões sociais) e preconceitos (atitudes individuais) existentes
na sociedade e que se transformam em discriminação.
As consequências da exclusão do trabalho (danos emocionais) são consideradas fatores de
desestruturações emocionais, sendo associados a estes a marginalização “social” da pessoa,
que por sua vez é vista como uma espécie de punição por estar doente. Jorge e Bezerra (2004)
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Conclusão
Ao longo desta pesquisa procurou-se avaliar em que medida a exclusão social e a doença
mental se condicionam.
Através da revisão bibliográfica, verificou-se que a exclusão social tem acompanhado
permanentemente a realidade dos doentes mentais. Procurou-se, através de um estudo
qualitativo, avaliar as relações existentes entre a exclusão social e a doença mental.
Como resposta à interrrogação de fundo - “Que relações existem entre a exclusão social e
doença mental?”- conclui-se, a partir dos resultados obtidos nas revisões bibliografica e no
estudo empírico, que existe uma relação direta e recíproca entre a exclusão social e a doença
mental. Assim, consideramos que o objetivo geral foi atingido. Na verdade, a exclusão social
afeta os aspetos familiares, laboral, social, afectivo e de relacionamento social do doente, o
que, por sua vez, contribui para o agravamento da doença.
Referente aos objetivos específicos, o estudo demonstrou que os possíveis fatores que estão
na origem da exclusão social do doente mental são o preconceito, o medo, o estigma e o
autoestigma e, por último, a ausência de medidas ao nível social para lidar de forma adequada
com o doente mental.
Em relação ao medo e ao prenconceito, ficou claro que o não entendimento da doença, muitas
vezes, é o desencadeador dessas atitudes presentes na sociedade e na própria família.
No decurso do trabalho, demostrou-se que apesar da exclusão social ter causas muito
profundas, de origem histórica e cultural, a doença mental, ao apresentar determinadas
limitações resultantes dos sintomas e dos tratamentos, é utilizada como justificativa para a
exclusão.
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Ficou evidente que a exclusão, ao conduzir ao isolamento do doente, ao restringir ou anular a
sua possibilidade de trabalhar e ao desenvolver o autoestigma, contribui para o agravamento
da evolução da doença.
Constata-se assim que a hipótese 1 ficou comprovada, uma vez que esta admitia que a
exclusão social leva ao agravamento da doença mental.
No que se refere à nossa hipótese 0, ficou também comprovada, na medida em que se
verificou que a doença mental pode, numa sociedade pouco informada e com muitos
preconceitos, ser um elemento de exclusão social.
Vimos que há muitos preconceitos em relação ao portador da doença mental, o que muitas
vezes os leva a autoexcluírem-se e esta autoexclusão é manifestada pelo isolamento, pelo
sentimento de inutilidade e pela indiferença.
Podemos concluir também, pelas falas dos entrevistados, que ainda existe muito trabalho a
fazer-se no que concerne à desmistificação do entendimento das doenças mentais, em Cabo
Verde.
Esperamos que esta pesquisa sirva de estímulo para diversos outros que poderão aparecer
neste âmbito e que contribua para melhor entender como é conviver com a doença mental, e
com o real sofrimento que é conviver com o preconceito e com a rejeição. Que este trabalho
faça com que se reflita mais sobre o modo como se relacionar com os portadores de doença
mental no quotidiano.
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Recomendações
Considerando todos os aspetos aqui por nós referidos, recomendamos que haja mais
campanhas de sensibilização e palestras, divulgação nos meios de comunicação social sobre a
doença mental, formação para os líderes comunitários e famílias para saberem como lidar e
apoiar o doente mental, de forma a que as pessoas compreendam o que é a doença mental e
saibam como lidar com os portadores de doença mental. É preciso que a sensibilização seja
um processo contínuo.
Propomos que sejam realizados mais estudos nesta matéria, tanto quantitativos como
qualitativos, pois os quantitativos deverão permitir obter uma dimensão mensurável da
problemática e os qualitativos, um aprofundamento de aspectos subjectivos e relacionais.
Com base nos conhecimentos existentes e de outros que resultarem de outras investigações,
devem ser elaborados programas educativos a serem ministrados nas escolas, bem como
material de sensibilização dirigida ao público em geral.
As diferentes estruturas de saúde mental devem, organizar-se e assumirem-se como
instrumentos permanentes de luta contra o preconceito e a exclusão do doente mental.
Programas especiais de formação e de capacitação profissional, dirigidas a doentes mentais,
devem ser elaborados e implementados.
Programas de assistência social a doentes mentais que não possam trabalhar e que fazem parte
das famílias sem recursos devem ser realizados.
Devem ser concedidos incentivos a empresas que adiram a programas de trabalho protegido,
dirigido aos doentes mentais.
Programas de apoio a famílias que tenham doentes no seu seio devem ser elaborados e
implementados.
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As Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental
Anexos
1. Guião da Entrevista
2. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
3. Autorização do Comité de Ética para a Entrevista
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Guião de entrevista à família
Este roteiro tem como objectivo enterreirar-se de como: é a vivência da família com o
portador da doença mental; saber como é o relacionamento do portador da doença mental com
outras pessoas; qual era a relação antes e depois da doença; qual é a visão que tem sobre o seu
familiar portador da doença mental em relação ao mercado de trabalho; como é o seu
relacionamento social;
Guião de entrevista para paciente
Este visa o entendimento de como era a sua vivência antes da doença; como é o seu
relacionamento com a família antes e após a sua doença; que sentimentos têm em relação a
doença; como é o relacionamento com outras pessoas antes e após a doença; como vê a
doença em relação ao emprego;
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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu,__________________________________________________________________,
declaro,
por
meio deste termo, que concordei participar da investigação para a monografia intitulada “As
Relações entre a Exclusão Social e a Doença Mental”, da aluna Nedine Cardoso, do curso de
Psicologia - Vertente Clínica e da Saúde, da Universidade Jean Piaget de Cabo verde, sob a orientação
da Professor Doutor Manuel da Paixão dos Santos Faustino.
Afirmo que aceitei participar voluntariamente, por minha própria vontade, sem receber ou contribuir
com qualquer incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para a obtenção de
informações acerca do tema em estudo. Fui esclarecido(a) de que as informações por mim oferecidas
estarão submetidas às normas éticas de confidencialidade e anonimato.
Estou ciente de que, caso eu tenha dúvidas ou sinta-me prejudicado(a), poderei contatar a
Orientadora desta investigação, bem como a Universidade Jean Piaget e/ou a Comité Nacional de
Ética para Pesquisa em Saúde. Fui ainda informado(a) de que posso retirar-me deste voluntariado a
qualquer momento, sem prejuízo para o meu acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou
constrangimentos. Foi-me ainda entregue uma cópia assinada deste Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
Cidade da Praia, ______ de _________________ de 2013.
Assinatura do Participante: _____________________________________
Assinatura do Orientador: _______________________________________
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Nedine Cardoso Mono final - Universidade Jean Piaget de