GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO EXÉRCITO: UM CERTO
BOJADOR
João Andrade da Silva
(Foto do organigrama proposto para a progressão na carreira dos oficiais
QP, exército)
NOTA: É um texto de revisão histórica, com carácter técnico, sem ideologia e sem
outra política que não seja a de servir o melhor que sei o meu país. Todavia pareceme actual, se não quisermos só fazer ou pensar como americanos, chineses, quando
de facto somos Portugueses e europeus, mas sempre e antes de tudo portugueses,
com problemas e uma cultura organizacional especificas.
Mas em qualquer caso o que interessa é o momento seguinte a este, ou seja, o futuro
que é construção e mudança, muitas vezes por destruição criativa.
Durante o meu tempo de militar no activo, naturalmente, esta matéria sempre fez
parte das minhas preocupações, e a partir de 1993, como Major e psicólogo Militar no
Centro de Psicologia Aplicada do Exército, (CPAE) a questão da gestão dos recursos
humanos: - planeamento estratégico das necessidades, selecção e formação com base
no perfil de competências para o exercício das funções e tarefas dos postos e
especialidades; avaliação do desempenho e progressão na carreira – passou a ser
uma preocupação do meu mister: chefe do gabinete de estudos, depois do gabinete
de psicologia, subdirector e director do CPAE.
Esta longa caminhada inicia-se em 1994, com a produção de uma reflexão sobre os
recursos humanos, capítulo oficiais do Quadro Permanente (QP) Exército (os únicos
que foram objecto de estudo no CPAE); seguiu-se outro trabalho coordenado pelo Sr.
Major-General Viegas, em que se esboçou um organigrama de progressão na carreira,
como se apresenta na foto (1995); ainda o parecer sobre o regulamento de avaliação
do mérito militar (20-06-1996); em resposta à directiva nª 300 de 99 do general
CEME é apresentado mais um projecto para a definição do perfil do Oficial do QP
(Fevereiro de 2000), e, finalmente, de um modo escrito, volto ao assunto em 2003.
(Todos estes trabalhos foram objecto de alargadas discussões no CPAE, e não
mereceram nenhuma contestação)
Logo em 1994 se compreendeu que seria imprescindível repensar a natureza da
carreira dos oficiais do QP do exército, para o que seria imprescindível:
A Definição da Missão estratégica da defesa Nacional e da dedução das Missões para
o Exército;
Planeamento estratégico das necessidades de pessoal a médio e longo prazo, para a
execução eficiente e eficaz das missões que forem atribuídas ao Exército;
Definidos estes itens, caberia ao Órgão CPAE e outros as seguintes tarefas:
Procederem a uma análise de funções às tarefas que os oficiais executam, para se
definirem perfis de competências, modelo de selecção e formação adequados;
Inerente a tudo isto estaria a definição do organigrama da progressão na carreira de
oficial do QP, do Exército (foto);
Dentro deste enquadramento teórico, a primeira constatação que ao longo dos anos
se referiu, foi que o instrumento de avaliação do mérito militar era cientifica e
tecnicamente inválido, por ser subjectivo e ficar sujeito aos erros de severidade, ou
generosidade ou da tendência central, bem como, dos erros lógicos associados aos
avaliadores, que nem chegam a receber nenhuma formação, e, obviamente, que os
critérios administrativos para criar uma certa homogeneidade nas avaliações não são
também válidos, porque não eliminam os erros supra-referidos, nem tinham uma
aplicação universal, isto é, então, isto é até 2008,
interpretavam-se essas limitações de modos diversos.
em cada Região Militar
Todavia a ficha de avaliação individual (FAI) tem sofrido algumas alterações, e
também não tem tido reflexo negativo no Exército, porque as promoções dos oficiais
tem-se feito em cilindro, ou seja, todos os que ingressaram na Academia Militar
chegaram com pouca diferença de anos a coronéis, facto que tem como
consequência, que o que deveria ser uma pirâmide, com uma base mais larga de
capitães e tenentes, se tenha convertido na melhor das hipóteses num cilindro.
A questão do cilindro hierárquico é questionado em 1996, e é considerada uma
situação ilógica, impensável e inimaginável, razão porque se cria um grupo de
trabalho na Academia Militar para se estudar este assunto. (Coordenador o então Sr.
brigadeiro Viegas, 2º comandante da AM, ten-cor Luís Sequeira pelo IAEM, ten-cor
Cardoso de Sousa pela AM, maj, Bruto da Costa e eu pelo CPAE). Na sequência
desta preocupação e no seio deste grupo apresento ao Sr. Major General Viegas o
documento da foto.
A ideia, segundo o Sr. General e o grupo tem pernas para andar, com a ressalva de
que a separação da função de comando da de estado maior, nos postos de oficial
superior, não por uma razão técnica que até a justifica, por quanto o comando está
mais associado à capacidade de decidir e à função de estado maior, o pensamento
alternativo, a inteligência divergente, mais racionalidade, menos impulsividade; mas
sim aquela separação não é aceite, pela simples razão de que tradicionalmente era
assim, e ponto.
Entretanto, o Sr. General vai para chefe do Gabinete do General CEME, e depois para
comandante Geral da Guarda Nacional Republicana e a ideia, a pertinência do
trabalho morrem, como tantas vezes acontece, aquando da mudança de comandos.
Este estudo baseava-se em princípios muito simples: quanto à progressão na carreira
deveria considerar-se o seguinte: 1- os oficiais excelentes, justa e rigorosamente
avaliados, teriam uma velocidade de progressão superior, cumpridos que fossem os
tempos mínimos e conforme as necessidades institucionais seriam promovidos; 2uma velocidade de progressão média para os com competência para o exercício das
funções do posto imediato, sem preterição no caso de serem ultrapassados
sucessivas vezes pelos excelentes, previa-se ainda que a antiguidade teria um peso
que permitisse a progressão; 3- progressão horizontal para os que não quisessem
progredir no sentido vertical, ou não houvesse vagas e para os que não tivessem
competências para as funções do posto imediato, mas com desempenho adequado
nas funções do seu posto ; 4- os doentes a serem apoiados com a devida dignidade
pelos serviços de saúde, mas que em muitos casos não deveriam continuar nos
quadros, 5- e finalmente os negligentes, sem comprovada competência profissional, a
serem despedidos com justa causa.
(Para bom esclarecimento da independência com que trabalhei/amos esta questão
refiro que apresentei este quadro sucessivas vezes, olhos nos olhos, mesmo no posto
de tenente-coronel, aos senhores generais e aos meus camaradas de igual, superior
ou inferior patente, isto é, não defendi estas modalidades de progressão, depois de
ter alcançado a zona de segurança, ou seja, a promoção a coronel.)
Neste sistema a formação a receber podia ser bem diversa da que é dada na
Academia Militar, para o que também se fez um estudo sobre o perfil de competências
do oficial QP, no qual colaboraram quase todos os tenentes a fazerem os cursos de
promoção a capitão, os capitães do curso de promoção a oficial superior e muitos
senhores oficiais generais. Este trabalho foi entregue ao Sr. General Comandante da
Academia Militar em 2006, e, novamente, também já na ausência do maior entusiasta
do mesmo, na altura, o Sr. Major-General Cardoso. Contudo este trabalho depois foi
seguido em ambiente de estudo, por outros camaradas da AM.
No projecto de gestão da carreira previa-se que todos os oficiais (o mesmo para os
sargentos) seriam acompanhados por um gestor da carreira de modo a poderem gerir
as suas carreiras, e criavam-se até currículos padrão para atingir dados postos;
simultaneamente os que pretendessem receberiam, e seriam apoiados na aquisição de
habilidades académicas ou outras que lhes permitisse saír da Instituição antes da
promoção a oficial superior, no fim da fase da carreira subalterno/capitão.
Defendia-se que por uma questão de maturidade profissional o tempo de exercício
adequado no posto de capitão seria de 8 anos, e não os 5 que então eram a regra.
Facto agravado por um recrutamento colossalmente desadequado na década de
oitenta que levou à formação de cursos de artilharia com muito mais de 20 cadetes,
quando, por exemplo, em 1968 eram de 9, número que depois nos anos seguintes até
diminuiu.
A progressão como oficial superior poderia implicar o início de uma nova fase na
carreira com cada um a escolher uma área funcional: Comando; estado-maior;
logística; pessoal; instrução/ formação; técnica - cientifica etc.
Também nesta 2º fase da carreira e com apoio do Exército os que quisessem
obteriam formação em áreas de ponta e com défice de técnicos na sociedade civil (em
termos de 96), prevendo o seu abandono da carreira no posto de tenente-coronel,
face às suas expectativas e perspectivas de carreira disponível na instituição e na
sociedade civil, de que o gestor da carreira lhes daria conhecimento.
Em conclusão talvez sem poupança nenhuma, e, provavelmente, com graves
deseconomias, e também face a um leque de vencimentos muito estreito entre o
posto de Major e Coronel , procurou-se, quanto se pode entender, resolver questões
de descontentamento com levas sucessivas de promoções ao posto de coronel e do
generalato, através do recurso à colocação de muitos oficiais como adidos ao quadro,
tendo, também, o risco das promoções serem congeladas - facto de que se falava
desde, pelo menos 2006 - funcionado como um acelerador, sem precedente, das
promoções a coronel e mesmo a general, e sem ser extensivo aos sargentos – facto
da maior gravidade - que até 2008, viviam numa verdadeira estagnação no posto de
1ª sargento, com uma permanência superior a 11 anos, e, no caso dos sargentos
talvez mesmo, com este bloqueio, haja uma perda das aptidões para o exercício de
todas as tarefas que podem ser atribuídas a um 1ª sargento, o que, a acontecer, é
de uma gravidade e violência extremas..
Por tudo isto, e por outros factores que não cabem neste texto, mas encontram-se
nos documentos referidos – que voltarei a disponibilizar à AOFA, se houver interesse
nisso - desde 1996, que este cilindro hierárquico precisaria de ser enfrentado.
Iniciativas e preocupações não faltaram, mas parece que pouco se avançou. Todavia,
julgo que neste campo houve uma grande perda de tempo, e, naturalmente, que
contra a perversidade deste cilindro, a avaliação cientificamente inválida dos militares,
a falta de planeamento estratégico das necessidades de pessoal, as modalidades para
formação dos oficiais QP falei com a nossa Associação e entreguei os documentos
mais importantes que refiro.
Ainda nas modalidades de formação dos oficiais, como dos sargentos, poderia optarse por cursos de formação profissional de dado nível, na carreira para oficiais, até
posto de capitão, ficando a Academia Militar para as licenciaturas e mestrados
destinados ao corpo mais reduzido de oficiais superiores, o que, até constava, ter sido
também proposto pelo Sr. General Almeida Bruno quando comandante da AM. Tudo
isto são um conjunto de ideais que se mantêm abertas, julgo, e poderiam ser
consideradas.
Naturalmente que se nada se fizer hoje, amanhã, como alguns ontem já diziam esta
situação é inimaginável em termos da ciência da gestão global dos recursos humanos,
com eficiência, eficácia e justiça.
Infelizmente ontem, como hoje, pela força de um mesmo DNA autoritário, e
permitam-me com graves défices ao nível da racionalidade pura, aponta-se a porta de
saída a quem não diz ámen, e, com isto perde a Instituição e Portugal.
Cá fica um pouco de história, nesta podem encontrar-se raízes e sementes, mas o que
importa é o Futuro, e este, faz-se construindo, mudando, mesmo através da
destruição criativa.
Julgo que é impensável, inimaginável, entre muitas outras coisas, que um regimento
tivesse o efectivo de uma companhia reforçada, 150 homens, como acontecia em
alguns casos, comandados por um coronel, alguns tenentes-coronéis, majores,
capitães e tenentes. Todavia, mais do que seria desejável o impensável é, muitas
vezes sustentado. Por quase deste paradoxo desejaria que a AOFA e todos os
camaradas, como se previa naqueles documentos, de um modo ético, moral,
competente dessem o seu contributo para a reestruturação imprescindível do Exército,
ramo que falo por o conhecer e da área dos recursos humanos, por também estar
dentro das minha competências, mas tudo o que aqui se refere será com certeza
questões de todos os ramos e áreas.
23 de Fevereiro 2012
andrade da silva
PS : recordo a partida há 25 anos de Zeca Afonso, as vezes que, como militar do MFA,
o acompanhei pelo Alentejo, em que cantava em palcos improvisados em cima de
carroças e a visita de amigo que me fez com a sua mulher à prisão da Trafaria, aonde
estive detido por 2 anos, após um julgamento que não julgou o acto, mas sim a
pessoa, por ser um militar de Abril com um dado papel, muito semelhante ao que hoje
fazem, com tanta proficiência, honra e brio, as nossas Forças Nacionais Destacadas
(FND), no contexto da missões de paz, como no terreno e na Bósnia por duas vezes
constatei.
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gestão dos recursos humanos no exército: um certo bojador