Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Entrevista com Carlos Augusto Montenegro A experiência de entrevistar Carlos Augusto Montenegro é a de lidar com uma dupla celebridade. Uma é a do entrevistado, que – além de ter ficado conhecido em todo o Brasil pelo público esportivo, como o apaixonado dirigente do Botafogo do Rio – também se torna uma das presenças mais requisitadas pelos veículos de comunicação em tempos de eleição. Não há quem não queira conhecer as previsões de Montenegro para os resultados eleitorais – a começar pelos candidatos em todos os níveis, os ministros e o próprio presidente da República em exercício. “Infelizmente – ou felizmente – isso acaba”, confidenciou-me C.A.M., “no dia seguinte ao das eleições, agora que os resultados saem quase instantaneamente”. Aliás, foi por essa razão que marcamos a entrevista para a Revista da ESPM para uma semana depois das eleições. A outra celebridade é do próprio IBOPE. O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – como foi batizado pelo seu fundador, o radialista e meu primo, em segundo grau, Auricélio Penteado, em 1942 – ficou não só universalmente conhecido pela sigla, como se transformou em sinônimo de pesquisa, entrando para os dicionários da língua como outras marcas tornadas substantivos comuns, como gilete, aspirina ou maizena... Assim, a escolha de Montenegro como entrevistado dessa edição de nossa revista cujo tema principal é a pesquisa de mercado, constitui-se também numa dupla homenagem: ao profissional que presidiu à transformação de um negócio familiar (em 1950, o IBOPE passou dos Penteados aos Montenegros) em grande empresa multinacional e à instituição que se transformou em sinônimo da própria atividade de pesquisa e é o mais importante grupo brasileiro do setor, hoje incluindo-se entre os mais importantes de todo o mundo. J. Roberto Whitaker Penteado 91 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 JR – Carlos, o IBOPE, fundado em 1942, tem 60 anos e é uma instituição respeitada no Brasil e no exterior. Como você estabeleceria o paralelo entre o desenvolvimento do IBOPE e o desenvolvimento do marketing brasileiro? CM – O IBOPE foi fundado em 3 de maio de 1942. Por ter sido o primeiro da América Latina, acabou ficando muito conhecido pelo aspecto da pesquisa de audiência, tanto de rádio e, a partir dos anos 50, de televisão. Seguimos a televisão desde o seu início e – com isso – você passa a ter um nicho de clientes que são as agências de publicidade, os anunciantes e os próprios veículos. Na pesquisa de mercado, atuamos através da IBOPE Solution. Outra 92 empresa do Grupo cuida do painel de consumidores; é um painel com cerca de 6 mil famílias, no Brasil, visitadas semanalmente para ver que produtos consomem – desde alimentícios até cartão de crédito etc. Outra empresa que contribuiu para tornar o IBOPE conhecido foi a de opinião pública – a parte política. Enfim, não é comum, hoje em dia, institutos que atuem em tantas áreas, pois o que há, no mundo, são grandes empresas, especializadas apenas em audiência de televisão, rádio ou as que fazem pesquisa de mercado, pesquisa adhoc. A Nielsen, por exemplo, faz um painel diferente do nosso que é um painel de varejo; o nosso é de consumo. Você tem empresas como Datafolha, Vox Populi, especializadas em pesquisas políticas. E, no mundo, “Não é comum, hoje em dia, institutos que atuem em tantas áreas.” há a GFK, uma grande empresa alemã especializada em audiência. Hoje, mais do que as pesquisas, isoladamente, os clientes querem a informação; não querem só dados; Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 querem a informação e com recomendações. Nisso, o IBOPE tem certa facilidade porque pode cruzar uma quantidade de informações de várias fontes e fornecer elementos estratégicos em relação ao consumidor. JR – Por que vocês continuaram a ser um Instituto full-service, enquanto as outras se especializaram? JR – O IBOPE é controlado majoritariamente pelos sócios brasileiros? “Mais do que as pesquisas, isoladamente, os clientes querem a informação.” CM – Sinceramente, acho que foi o acaso e não uma estratégia. A maior glória do IBOPE é ter entrado no dicionário. JR – Vocês devem ser o único caso, no mundo, de uma empresa que virou sinônimo de pesquisa... CM – Entrar no Aurélio foi motivo de orgulho para nós. As pessoas passaram a usar o termo – o programa tal dá ibope, fulano dá ibope. -- ibope. ---[De Ibope, Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística.] S. m. Bras. 1. Número-índice (q. v.) obtido mediante pesquisas de opinião pública, com a primordial finalidade de orientar a propaganda e a moderna técnica de vendas, preparar estudos de mercado e fazer sondagens sobre preferências do público. 2 . Restr. Índice de audiência (4): [€] 3. P. ext. Prestígio (4): [€] JR – Vocês estão ligados a algum grupo multinacional? CM – Vários. JR – Como acionistas? CM – Nesse caso, também o IBOPE foi pioneiro no Brasil e na América Latina. Hoje, temos concorrentes importantes, sérios, em cada área de atuação. Em painel, a Nielsen. Se bem que é metade concorrente e metade dos serviços são complementares. Eles informam, com muita precisão, a quantidade dos produtos vendidos e nós ajudamos, informando quem comprou e por quê, já que fazem auditoria nas lojas, mas não sabem quem compra. E nós sabemos, através da pesquisa pelo painel de consumidores. Mas, embora isso não tenha sido uma estratégia, essa posição nos favorece, esse mix de informações, porque o mercado está preocupado em orientação, mais do que quantidade de informações ou pura e simplesmente só dados sobre audiência, política, só painel de consumidores ou software. Eles querem de tudo, mas principalmente querem soluções. “A maior glória do IBOPE é ter entrado no dicionário.” CM – Sim, o que fizemos foi uma holding – o IBOPEPAR – onde, na mídia, temos cerca de 60% da empresa. Somos sócios da WPP e da Nielsen. A WPP tem cerca de 30% e a Nielsen 10%. No caso da IBOPE Solution, nosso sócio é o Nelson Marangoni. No Painel de Consumidores, temos, como sócios, a NPD, que é uma empresa especializada norte-americana, e a Taylor Nelson, que é inglesa e que comprou a operação francesa e a maior empresa de painéis da Europa. Na área da pesquisa política, não temos sócios. JR – Quando o Auricélio Penteado chamou a empresa que fundara de Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, você não acha que ele estava sendo meio profético? CM – Hoje em dia é difícil você colocar as expressões “Brasil” ou “brasileiro” na sua marca. Naquela época, era possível, e isso fez com que – durante muito tempo, até hoje – muita gente não soubesse que o IBOPE é uma empresa privada. Acham que é do governo. No começo, isso incomodava um pouco; hoje em dia, é até positivo. Engraçado é que esse nome tão imponente – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística –, que todos achavam muito comprido, acabou como sigla, IBOPE, e o que entrou no dicionário foi a sigla. JR – Não sei se você viveu uma fase – no final dos anos 60 – em que o IBOPE não era muito boa referência. Eu era gerente de produtos e, quando precisávamos de pesquisas, preferíamos contratar os serviços de outras empresas, porque o IBOPE não tinha a melhor imagem, havia perdido um pouco de credibilidade. Você passou por essa experiência? 93 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 CM – Eu soube disso. Acho que peguei só o final dessa fase e foi por contingências, entrei aqui por acaso. Meu pai teve um problema de saúde, na época, eu estava cursando engenharia e entrei para fazer um estágio. Lá se vão 30 anos. Entrei e gostei tanto, que parei meu curso de engenharia e fui fazer um curso de administração/economia. Mas vender pesquisa, naquela época, era muito difícil. As pessoas não davam valor à informação, como hoje. Chamavam o IBOPE de “miséria dourada”. Miséria porque era uma empresa cheia de problemas, com falta de dinheiro – às vezes, até falta de credibilidade – e dourada pela força do nome. Quando entrei, tínhamos, realmente, muitos problemas, problemas trabalhistas – funcionários que não eram optantes do FGTS e que se tornaram, praticamente, donos da empresa. Foi um trabalho grande. Meu irmão entrou logo depois e me ajudou muito. Havíamos chegado à conclusão de que, entre construir uma casa nova ou reformar a antiga, era melhor construir uma nova. Mas, no nosso caso, estávamos impedidos pela força do nome IBOPE. “Então, vamos ter 94 que reformar a antiga” – decidimos. Logo descobrimos que todo o legado quase que se resumia na força do nome, que tinha credibilidade, seriedade, ética da empresa – e que o nosso negócio era principalmente pessoas com credibilidade. Essa era a matéria-prima do IBOPE – as pessoas que analisam, que tabulam os dados. E começamos a investir em pessoas. Mais adiante é que abrimos o leque. Depois dessa reforma concluída, fomos atrás de pessoas reconhecidas no mercado como o Paulo Pinheiro, o Castelneau, que tinham a AudiTV. Fizemos questão que integrassem o Grupo e aprendemos muito com eles. Nós uníamos a nossa juventude e vontade de expandir com a experiência que eles tinham, junto com a do meu pai, pois ele voltara a atuar nessa época, como conselheiro. A década de 70 foi de consolidação. A década de 80 foi para encontrar profissionais de gabarito. No final de 80, início de 90, foi a nossa entrada na América Latina, medindo audiência e isso consolidou de vez o Grupo. Mais recentemente veio o Marangoni, para a área de mercado. Também conseguimos trazer a Vera Frucci para dirigir a Millward Brown, que é mais uma empresa do Grupo. Enfim, “Hoje em dia é difícil você colocar as expressões "Brasil" ou "brasileiro" na sua marca.” conseguimos preservar as grandes pessoas, como a Márcia Cavallari, que dirige a opinião pública, o Luiz Antonio Silveira da Mota que, junto com o pai, desenvolveu o aparelho medidor de audiência de TV. Creio que o segredo do IBOPE é um pouco isso – talento e trabalho JR – Além dessas pessoas que você mencionou, há o filho do Homero Icaza Sanchez... CM – O Homero Icaza Filho, que cuida de mais de uma área de dados. Tem a Ana Lúcia que cuida de toda a área de mídia, o Flávio Ferrari e o Carlos Ferrari, que são pessoas bem conhecidas nessa área. Apesar de controlar a holding que coordena tudo, demos autonomia a eles, sempre pensando em crescer. E, nesse país, com todos os problemas que temos – a desvalorização do real –, mesmo assim, estamos entre as 25 maiores empresas do mundo. Vocês, da ESPM – que completou 50 anos – sabem o que é uma empresa brasileira sobreviver 50, 60 anos nesse país confuso – vários regimes etc. – é complicado. JR – Você deve ter ouvido ou lido uma frase do Millor Fernandes que diz o seguinte: “Os Institutos de Pesquisa continuam a fazer as suas pesquisas científicas, mas o povo insiste em continuar votando leigo”. Com essa ironia, o Millor está verbalizando um preconceito da nossa cultura, de que os institutos, de alguma forma, enganam, influenciam ou manipulam. Existe quase que um culto popular de desconfiança em relação à pesquisa. Você deve ter vivido isso, inclusive, aparecendo na imprensa, sido questionado. Como você vê a inserção de uma instituição científica, que lida com estatística, uma ciência exata, nessa nossa cultura brasileira, que rejeita a matemática? Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 CM – Existe muita gente que não acredita em pesquisa. Isso é natural. Mas, com relação à manipulação, eu acho que o Instituto que manipular qualquer resultado – e isso for comprovado – fecha as portas no dia seguinte. É mais fácil, antes de manipular, vender a sua empresa, do que fazer uma coisa dessas. Qual é o patrimônio de um Instituto de Pesquisa, especialmente na área de audiência e de pesquisa eleitoral? É a credibilidade. Ao mesmo tempo, os erros ocorrem... A pesquisa política é a única em que se podem comprovar os resultados 20 horas depois. No resto, a comprovação é muito difícil, pois o IBOPE, esse ano, deu muita sorte. Fez pesquisas nos 27 Estados e não houve problema. Isso é raro, tivemos até um pouco de sorte. Se se fazem os 27 Estados e o Brasil, obrigatoriamente, você deveria ter problema em um ou outro. Às vezes, um Estado tem muitos indecisos, que decidem em cima da hora. E a gente não faz boca de urna em todos. Quanto à influência da pesquisa na própria eleição já está provado que é zero. O que eu acho é que a pesquisa pode ter uma influência indireta. Por exemplo, nas capa de revistas, no espaço da mídia. A mídia gosta de dedicar espaço aos candidatos mais bem colocados. Segundo, o financiamento de campanhas. Os que investem preferem os que estão mais bem colocados. Na coligação de partidos: o que está mais fraco faz coligação com o que está mais forte. No ânimo ou desânimo dos cabos eleitorais. A cada divulgação, há os que comemoram mais. Agora, influenciar o eleitor a votar em quem está em primeiro, isso não existe. Se fosse assim, quem saísse em primeiro terminaria em primeiro. Veja as eleições em São Paulo. O Maluf saiu em primeiro, passou para segundo e terminou em terceiro. No Rio Grande do Sul, o Antonio Brito começou em primeiro, depois o Tarso Genro e depois o Germano Oliveto em primeiro. Então, que influência é essa? O que decide é campanha, comício. “Com todos os problemas que temos, mesmo assim, estamos entre as 25 maiores empresas do mundo.” O caso do Ciro Gomes ele: aproximou-se do Lula, os dois ficaram no patamar de 30% e o Serra e o Garotinho no patamar de 10%. O que provoca as mudanças? Comícios, denúncias, frases infelizes, no caso do Ciro; fotos de dinheiro em cima da mesa, no caso da Roseana. Isso é que faz a campanha: o programa de televisão, o marketing. A pesquisa só vem atrás, fotografando. O eleitor que ia votar no Ciro, de repente, desistiu, por causa de alguma coisa que ele disse, ou achou que faltou consistência. A pesquisa mostrou simplesmente os 30% e depois os 12%. Agora, acho que o Millor – que para mim é um gênio – exprime um pouco a incredulidade que as pessoas têm em relação à pesquisa. Mas acho também que isso é culpa da falta de exercício democrático durante os quase 30 anos de uma ditadura muito longa. A cada eleição, o brasileiro dá provas de maturidade. Ele votou em 89. Errou. Depois, votou em 94. Achou que o primeiro governo foi bom, votou de novo nele, em 98. Agora, queria mudança. Mudou. JR – Você foi citado, no jornal, como tendo dito ao presidente Fernando Henrique Cardoso – dois anos antes da eleição – que o governo ia perder. Você confirma? CM – Confirmo. Até é bom esclarecer como aconteceu isso. Em agosto de 2001, fui chamado pelo Andrea Matarazzo – Secretário de Comunicação – para ter um almoço com o Serra, que era Ministro da Saúde e pré-candidato do PSDB. Ele queria uma análise minha, sobre as pesquisas que estávamos fazendo em 2001. Então mostrei a eles que o desgaste do governo era muito grande. A avaliação do FHC estava muito ruim. Qualquer candidato do governo teria dificuldade. Dei o exemplo do sapato velho, aquele que você usa 10 anos, deu seis meias solas, já costurou… Vem uma hora, que tem que jogar fora. Aí perguntam: “Mas você não gostava do sapato?” Tanto gostei, que usei muitos anos. Mas agora, sou obrigado a trocar, não dá mais. Expliquei tudo isso e eles concordaram. O Andrea perguntoume se me incomodaria de repetir o diagnóstico ao presidente?” Disse que não. Ele me perguntou se eu poderia ficar lá à tarde. Então, primeiro foi um almoço com o Serra e, no final da tarde, fui ao Palácio do Planalto onde tive uma conversa de uma hora e meia com o presidente – o Andrea Matarazzo estava presente, o Serra não – e eu repeti tudo. O presidente concordou. Na época, o governo ainda não tinha candidato. Havia o Paulo Renato, o Tarso Gereissati, o próprio José Serra, o Aécio. Muitos précandidatos. Mas eu dizia que – independente do candidato – a figura do governo contra alguém da oposição, ia ser muito difícil o governo prevalecer. Ninguém agüenta 14 anos – o Brasil já teve muito tempo com a ditadura. De fato, o Fernando Henrique foi, dois anos, primeiro ministro e depois mais oito anos de governo. Teve uma fase boa, depois caiu, até em função de várias crises que não foram de sua responsabilidade. Não era difícil esse prognóstico. Nunca quis passar por futurologista. Tratava-se de uma avaliação – sempre em cima de resultado de pesquisa – que mostrava que 60% da população não estavam contentes com o governo, não estavam contentes com o Fernando Henrique Cardoso. E, por outro lado, 95 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 apresentada. E – se era para prevalecer a mudança – eu acho que o eleitor preferiu a mudança total. Via-se, já no primeiro turno, que os candidatos da oposição somavam 77% e o Serra 23%. No segundo turno, ele chegou a 38%. Esses 15%, que ele ganhou, acho até que eram pessoas que tinham medo do PT ou tinham medo do Lula. Não foi um voto próSerra. Pessoas que votaram contra o governo no primeiro turno ficaram com receio de um governo do PT. mostravam o Lula sempre na frente: desde fevereiro de 2000 até o final da campanha em 27 de outubro, ele sempre liderou as pesquisas. Nunca esteve em segundo lugar, a rejeição sempre caindo. JR – O Serra foi para o segundo turno como candidato do governo, enquanto o Lula – que já era candidato da oposição – capitalizou os eleitorados dos outros dois, que sempre se disseram de oposição. Foi uma atitude suicida do candidato do governo tentar dizer que não o era. Ele ficou sem discurso para o segundo turno. CM – Foi uma campanha cinzenta porque ele nunca deixou claro nem o preto e nem o branco. Ele falou, o tempo todo, em mudança quando, na verdade, havia muita coisa interessante no governo FHC, que acabou não sendo 96 tem um papel fundamental. Aliás, a mídia brasileira – as redes de televisão, as rádios noticiosas, os jornais, as grandes revistas – está de parabéns, pelo espetáculo de democracia que deu nessas eleições: de abertura, espaço, debate, entrevista, tudo. Como brasileiro, senti–me orgulhoso. O Brasil ficou tanto tempo sem eleições, que, hoje em dia, dá aula para o mundo todo. O desempenho do TSE foi fantástico, as urnas eletrônicas deram um show. JR – Você não acha que, na origem dessa qualidade, estão os bancos? CM – Por quê? JR – Porque no Brasil – pelas suas características e extensão territorial – os bancos se anteciparam ao governo, pelas necessidades de atuação nacional – o governo atua muito através dos bancos. JR – Por que devemos continuar fazendo eleições – que são tão caras – se a pesquisa é tão precisa, em termos de preferência da população? Por que simplesmente não nomear um presidente através da pesquisa? CM – Pode ser. Mas o Brasil tem coisas realmente fora de série. No sistema eleitoral, ele é um dos primeiros do mundo. Agora, não podemos substituir nunca; a pretensão da pesquisa é ajudar os candidatos a informar a população sobre o placar, como está o jogo etc. Não decidir o resultado. CM – Nem de brincadeira. Nunca. Primeiro, a pesquisa não é infalível. Segundo, ela dá uma tendência; é mais uma informação para o eleitor, durante a campanha. A mídia é que JR – Entendo. Como diretor de uma empresa que faz pesquisa, você não tem interesse em posar de onipotente. Mas, no duro, o que é uma eleição? É uma grande pesquisa. Um censo. Um levantamento das preferências da população. Se você tem outra forma de fazer esse levantamento, sem precisar tirar as pessoas de casa… Deixe-me dar um exemplo: vamos supor que todas as pessoas do Brasil tivessem um terminal de computador na sua casa. E você divulga o seguinte: Amanhã, a tal hora, todo mundo vai até o computador e vota. Você concorda que seria possível? “O Instituto que manipular qualquer resultado – e isso for comprovado – fecha as portas no dia seguinte.” Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 CM – Concordo. Poderia haver uma senha… JR – Tecnologicamente, é uma possibilidade. Isso abriria uma possibilidade fantástica: depois de eleito presidente, governador, prefeito e, principalmente, deputado e senador, se não estivesse fazendo as coisas de acordo com a vontade de seu eleitor – e houvesse essa rede de consulta – por que não consultar, então, se deveria continuar ou não? CM – Acho que as pesquisas ajudam muito os governos, nas prioridades, nas preferências. É moderno, é correto governar de acordo com o que a opinião pública deseja. Então, é importante a utilização de pesquisas para definir prioridades. Mas ainda tenho medo. Mesmo que o Brasil esteja dando um show de velocidade, maturidade etc., o nosso sistema político ainda é muito frágil. Uma das reformas mais importantes que o Brasil precisa é a política, porque o fundamento da política são os partidos. Eles são os pilares da democracia e, no Brasil, são muito frágeis. As pessoas votam nos nomes e não nos partidos. E você precisa de fidelidade partidária, precisa diminuir o número dos partidos, porque hoje há muitos “partidos-laranjas”. É preciso melhorar, redimensionar – ou acabar, mesmo – com a propaganda eleitoral gratuita na televisão, que me parece ainda um entulho da democracia. Tudo que é obrigatório é ruim. E por que não pensar no fim do voto obrigatório? JR – Já fizeram alguma simulação de qual teria sido o resultado da eleição se o voto não fosse obrigatório. É possível esse estudo? CM – É possível, mas não fizemos. Junto com a intenção de voto do eleitor, teríamos de perguntar se ele votaria se não fosse obrigatório. Notase, às vezes, pela abstenção – hoje “A pesquisa política é a única em que se podem comprovar os resultados 20 horas depois.” os cadastros do TSE, do IBGE são bem melhores – e a quantidade de votos brancos e nulos em cada eleição. Há lugares em que 35% a 40% de pessoas aptas a votar não votam. Alguns partidos temem o fim do voto obrigatório, achando que pessoas de menor poder aquisitivo não votariam. Ficaria mais para as pessoas qualificadas, mais formadoras de opinião. Acho que isso daria vantagem aos partidos de esquerda. Sinceramente, acho que a gente tem que, primeiro, fazer uma reforma política para definir oito ou dez partidos que é o que “cabe” no Brasil. Fortalecer esses partidos, o voto proporcional distrital misto – fundamental. Alguns representando regiões, outros o Estado todo, mas principalmente a fidelidade partidária. É ruim, no Brasil, isso de a pessoa arranjar um problema, dentro do partido, e não brigar por suas idéias. Sai, simplesmente, funda outro partido ou afilia-se a outro. Nisso, os Estados Unidos estão à nossa frente porque lá há brigas violentas dentro do partido, democrata e republicano, mas, a partir do momento em que o resultado é oficializado todos fecham com ele. O Brasil está precisando disso – fortalecer os seus partidos. JR – Outro dia, estava lendo uma afirmação sua, de que, hoje, é possível fazer pesquisas pelo telefone. Sou de uma época em que pesquisa telefônica não tinha credibilidade pelo simples fato de que 80% da população não tinham telefone. Qual é a situação hoje? CM – Depois da privatização – nos últimos 3, 4 anos – a telefonia fixa teve uma expansão muito grande em todo o Brasil – mas, principalmente, nas regiões Sudeste e Sul. Tanto é que adquirimos parte de uma empresa que se chama MQI do Paraná – Curitiba – e que tem – através de um convênio com a Embratel – um cadastro de todos os telefones fixos no Brasil. Há regiões em que 70, 80% da população já possui telefone convencional. Nós já fizemos pesquisas – não só em alguns Estados como uma amostra do Brasil – por telefone, e os resultados aproximaram-se muito da pesquisa face a face. Nas próximas eleições de 2004 e 2006 já vamos usar mais o telefone, podendo também confiar mais nos resultados. JR – Uma questão de cuidados com a amostragem... “Quanto à influência da pesquisa na própria eleição já está provado que é zero. O que decide é campanha, comício.” CM – Representar bem o questionário. A pesquisa, hoje, nos Estados Unidos e na Europa, é feita pelo telefone. Para contrapor a esse exemplo do telefone, temos, aqui, na mídia, a pesquisa mais moderna do mundo, que é em real time. E, quando iniciamos isso, há dez anos, o Brasil era subdesen-volvido em relação a telefones. A pesquisa de audiência – no Japão, Estados Unidos e Europa – é feita usando a rede 97 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 telefônica, porque lá 90, 95% das pessoas têm telefone. Isso é um caso interessante. Como eles não podem usar o telefone da pessoa durante o dia todo, eles usam um sistema overnight. Eles colocam o aparelhinho – o meter – para medir a audiência, que acumula os dados do dia e, de madrugada, 2, 3 horas da manhã, uma central, no Instituto de Pesquisa liga para aqueles números da amostra e coleta as informações. No dia seguinte, pela manhã, têm o resultado do dia anterior. Quando fomos fazer isso no Brasil, só 20% tinham telefone. Perguntamos o que iríamos fazer. Resolvemos fazer via rádio – ou via linha privada. Aí, pensamos: se vamos colocar linha privada nos 80% que não tinham telefone, por que não colocar nos 100%, passando a ter uma linha dedicada a nós 24 horas por dia? Podíamos dar o resultado minuto a minuto, em real time – que hoje todas as redes de televisão têm! JR – Mas isso não era feito pelo tevêmetro? 98 CM – Com tevêmetro, era minuto a minuto, mas semanal. Era preciso ir buscar uma fita gravada, nas casas das pessoas, semanalmente. O que estou contando é que você, tendo uma ALT – uma linha privada – podia ter o resultado minuto a minuto, na hora do programa. O IBOPE, então, acabou oferecendo um serviço de audiência minuto a minuto – real time – que não existe nem nos Estados Unidos, nem na Europa ou no Japão, pura e simplesmente porque nossa população não tinha telefone. Esse fato propiciounos um serviço de primeiro mundo, que continua não existindo em outros países. JR – Quem assina esse serviço? CM – As grandes redes de televisão, as agências de publicidade. Até alguns anunciantes, durante alguns eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas. JR – Esse serviço se paga? CM – Sim. Quer dizer, é um subproduto do nosso negócio de “Ele votou em 89. Errou. Depois, votou em 94 e 98. Achou que o primeiro governo foi bom. Agora, queria mudança. Mudou.” audiência. As áreas comerciais das televisões e as agências trabalham mais com os resultados semanais e mensais, porque estão estruturados por sexo, classe, faixa etária, zona geográfica etc. E é assim que os comerciais são programados. Isso para a área comercial, porque, na área de programação das redes de televisão, essa informação sobre a audiência real time tem muito valor. Porque o noticiário, por exemplo, eles podem estender em função da audiência. Programas grava-dos não podem fazer nada, mas em programação ao vivo – programas de domingo, eventos esportivos, jornalís-ticos, uma pessoa que está fazendo uma cobertura de um seqüestro ou outro fato – a emissora de televisão está vendo a audiência daquilo minuto a minuto e pode estender a cobertura ou diminuir, se não estiver “dando ibope”. JR – Esse é o estado atual da arte. Mas qual será o próximo passo? Faça um pouco de futurologia. CM – Acho que o futuro é a Internet. Depois do telefone, a Internet. Só que a Internet vinha numa progressão geométrica e não aritmética – uma falsa euforia. Mas é uma grande invenção, é o futuro, mas o futuro andando passo a passo. JR – Vocês já fazem pesquisa pela Internet? CM – Temos uma empresa, que faz parte da nossa operação de mídia, chamada IBOPE E-RATINGS em que medimos mensalmente os sites visitados. JR – Mas fazem pesquisa, com perguntas, questionário? CM – Estamos começando a fazer, embrionariamente. O Nelson Marangoni, no IBOPE Solution, tem um painel de internautas e está começando a fazer pesquisa, para alguns produtos. Mas está muito no início. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 JR – Fora do Brasil, está acontecendo com mais freqüência? CM – Acho que todo mundo deu uma meia trava… O pessoal está se reciclando. JR – Há quem diga que o computador é a porta errada para entrar na casa das pessoas. Que as pessoas vão-se comunicar pela TV e é preciso tornar a TV interativa e não transformar o computador em televisão. CM – Pode ser. Isso é uma previsão arriscada, mas acho que podem acontecer as duas coisas. No fundo, acredito na TV interativa dentro da Internet. Acho que, uma hora, todas as mídias vão fluir e você vai poder fazer sua programação de filmes, jornais, música. JR – É a questão da pergunta criativa. Por que não questionar certas coisas? Quem disse que a Internet precisa estar ligada através de computador? Não necessariamente. Se há uma rede e ela é eletrônica, no mundo todo, e permite que as pessoas se comuniquem – hoje, é através de computador. Mas precisa ser? CM – Não necessariamente. Mas muita gente apostou na Internet, há 3, 4 anos, e vi idéias simplesmente desabarem. Ainda acho que se trata de uma das grandes descobertas da época. Também a histeria está diminuindo. Mas não há dúvidas de que se trata de uma mídia nova – porque tira a audiência das outras. Se você está sentado na Internet, não está vendo televisão. JR – Hoje, você vê muitas pessoas, no escritório, trabalhando no computador e ouvindo a Rádio FM através do próprio computador. Tecnicamente, nada impede que você tenha a sua televisão conectada à Internet. “A avaliação do FHC estava muito ruim. Qualquer candidato do governo teria dificuldade.” CM – Acho que, no futuro – não sei qual futuro – vai haver uma confluência, na rede, seja através da televisão ou do computador. Acredito que vá ser a televisão. JR – Numa entrevista recente com o Eugênio Staub, da Gradiente, falamos exatamente sobre isso. Mas, Carlos, gostaria de conversar com você sobre um outro aspecto da pesquisa que, no Brasil, me parece mais crítico do que em outros países: a dificuldade que o brasileiro tem de lidar com números. Nós não somos um país matemático. Você mencionou o tempo da ditadura. Lembra – no tempo da ditadura – nosso ministro das finanças foi, muitas vezes, o Delfim Neto – era um homem muito poderoso. Ele tinha o hábito de lidar com dados estatísticos e – quando “O Fernando Henrique foi, dois anos, primeiro ministro e depois mais oito anos de governo.” entrevistado – soltava aqueles números, e nem os jornalistas que o entrevistavam entendiam muito bem. Como é que você vê esta questão? Você não acha que isso pode atrapalhar um pouco a pesquisa, a dificuldade no uso da estatística? CM – Realmente atrapalha. E você me deu espaço para falar de uma coisa interessante que estamos fazendo. Já notamos isso, na divulgação dos dados das pesquisas políticas, onde nós – e imagino os outros institutos – queremos cada vez mais precisão nos números. Mas o eleitorado não está interessado em saber com quanto a pessoa ganhou, qual foi a diferença, se estava dentro da margem de erro. O que vale para eles é: Fulano vai ganhar? Vai. Ganhou? Ganhou. Então, acertou. Se você disser que vai ganhar com 55% e ele ganha com 70%, ninguém liga, você acertou. Mas, para nós, é um erro crasso. Às vezes, em eleições muito disputadas, errase o vencedor, mas o resultado fica dentro da margem científica. Mas o que marca é o fato de que você errou. Isso demonstra a falta de intimidade de grande parte dos brasileiros com os números. Quando se conversa com os jornalistas, que vão fazer a cobertura das eleições, procuramos ser bem didáticos, explicar como interpretar, fazer as análises etc., em relação aos números. Mas a gente percebe uma dificuldade muito grande. Isso tem melhorado, a cada eleição, mas ainda é complicado. Pensando nisso, o IBOPE abriu um Instituto, que é uma ONG – o Instituto Paulo Montenegro, com o nome do meu pai. Decidimos que tínhamos que investir em alguma coisa para ajudar o país – foi uma unanimidade de que devia ser em educação. Fundamos o Instituto até para retribuir um pouco do que o país nos deu nesses últimos seis anos. O foco do Instituto Paulo Montenegro é a educação e estamos funcionando em três frentes. O projeto “Nossa escola”, para ensinar pesquisas aos alunos da 1.ª a 8.ª série. 99 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Isso já está acontecendo em São Paulo, com convênios com várias escolas no Brasil todo. Nós editamos o material didático e vamos às escolas, ensinar aos professores como aplicar a pesquisa, fazer um questionário, tabular, interpretar etc. Aí, os alunos fazem pesquisas sobre a praça da cidade, sobre conservação das ruas, sobre drogas. Quer dizer, pegam temas atuais e aprendem a fazer pesquisa sobre eles. O segundo ponto é que resolvemos medir o analfabetismo funcional do Brasil, através de uma pesquisa anual. Analfabetismo funcional não é não saber ler e escrever, mas não saber interpretar o que lê, mesmo num texto simples e curto. Já medimos isso o ano passado e, esse ano, vamos fazer a parte do cálculo. Vamos tentar saber até que ponto a pessoa é alfabetizada em números e, para isso, há metodologia, regras, alguns cálculos básicos. E vamos medir a evolução a cada ano. 100 JR – Há resultados sobre isso? CM – Foi para o campo agora. JR – A que está no campo é sobre texto? CM – Não. Sobre texto, já temos o resultado. Foi feito no ano passado. A que está entrando no campo, agora, é sobre cálculo. Então, estamos procurando medir até que ponto as “Esses 15%, que [Serra] ganhou, acho que eram pessoas que tinham medo do PT ou do Lula.” pessoas são alfabetizadas em português e matemática, pois isso é o analfabetismo funcional. Nisso, temos que melhorar a qualidade de ensino – e espero que, a cada ano, o Brasil progrida, nessas comparações, sempre em relação aos anos anteriores. JR – Você estaria exercendo a sua responsabilidade social exatamente através da pesquisa? CM – Da pesquisa, certo. O Ministério da Educação está participando da metodologia, várias entidades do exterior também. Temos o apoio das pessoas mais renomadas. JR – A coisa vai mais fundo. O primeiro pronunciamento do presidente Lula foi sobre a questão da fome. Quando ele falou sobre o assunto, ainda como candidato, falou em 50 milhões de pessoas que passam fome, em algum Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 momento. 30 milhões foi o número do Betinho. E ouvi 11 milhões de uma fonte do governo passado. Eu atribuo também isso a essa dificuldade funcional de que você está falando e que se constata num líder político importante, que acaba de tornar-se nosso presidente; num homem da respeitabilidade do Betinho, professor universitário e uma fonte oficial, que também era uma pessoa com formação. Por que essas discrepâncias? CM – Isso é fruto de uma coisa que o Brasil não levou a sério durante muito tempo e que acaba, inclusive, nos prejudicando, porque todas as nossas amostras são feitas em cima de dados oficiais. E os dados oficiais, no Brasil, sempre foram muito precários. Têm melhorado, de uns quatro anos para cá, tanto no nível do IBGE, como do TSE. O IBGE para nós é importante porque é em cima de seus dados que fazemos as projeções. O exemplo da fome ocorre pela falta de um conceito, de critérios. Do que estamos falando? De miséria total ou de uma “semifome”? De pessoas que só fazem uma refeição por dia ou pessoas que não comem nada? Até para a definição de analfabeto, se você pegar o TSE e o IBGE, os dados são conflitantes. Tanto assim, que o IBOPE faz levantamentos próprios, para verificar a questão de instrução primária, secundária, superior porque os dados oficiais não batem. Essa é uma das razões por que decidimos investir nisso. Claro, é uma semente, mas – daqui a dez anos – terei os dados reais de analfabetismo no Brasil. Isso é muito importante, porque às vezes estamos lidando com um “chute” e cada um apresenta seus números como quer – ou há a ausência total de números oficiais mas, principalmente, de critérios. O analfabetismo funcional é um critério. Lembro-me de que, quando levamos a idéia para o Ministro Paulo Renato, ele levou um susto. “Poxa! A cada ano que passa, diminui o analfabetismo, “O Brasil ficou tanto tempo sem eleições que, hoje em dia, dá aula para o mundo todo.” já está em 11%. Agora, você vem com analfabetismo funcional!” JR – O Brasil tem problemas, mas eles ocorrem também internacionalmente. A ONU finalmente questionou a comparabilidade dos números de PIB. Quer dizer, não se pode comparar o PIB de um país de moeda forte com o de um cuja moeda está desvalorizada. CM – Não só problemas de metodologia. Eu, por exemplo, tenho críticas pessoais – e sérias – sobre a inflação – como se calculam as taxas de inflação. Existem itens importantes que não fazem parte do cálculo. E há outros, que fazem parte, mas não são essenciais na vida do brasileiro. Virou moda, no Brasil, falar em “risco-país”. Divulga-se que o risco do país aumenta, diminui. É outro absurdo “A pretensão da pesquisa é informar a população sobre o placar; não decidir o resultado.” porque não se explicita que risco-país é de uma seleção de 20 a 30 países em que os muito ricos investem. Não se diz que há outros 170 países, que não fazem parte, porque o pessoal sequer pensa em investir lá. Às vezes, tem-se a impressão de que estamos atrás de Uganda, Nigéria, Equador, Paraguai etc., quando não são nem cogitados como receptores de investimento. Há coisas que devem ser mais explicadas, mais explícitas – as questões de metodologia e critério. É um absurdo que todo mundo queira reajustar os preços – serviços públicos, gasolina – em função de uma especulação de petróleo, uma entressafra de mandioca. JR – Essa inabilidade funcional acaba favorecendo os especuladores mal-intencionados, até porque levam uma certa vantagem, em conhecimento. CM – Até nessa questão da fome, você pode usar a palavra especulação. Quando um diz que a fome é 20, outro diz que é 30 e outro diz que é 50, não deixam de estar especulando em cima da fome. E precisamos saber o dado exato das pessoas que realmente estão passando fome; das pessoas que são muito pobres, mas não passam fome, porque o brasileiro é solidário, há sempre gente, na família, que ajuda. Outra coisa com que temos que tomar cuidado é a questão do desemprego. Às vezes, numa família de cinco pessoas, três estão desempregadas, mas duas estão empregadas, até bem, e a família acaba vivendo. E há o problema da economia informal. JR – Você deu uma boa resposta, ao dizer que o instituto que manipulasse os dados estava-se autodestruindo. No entanto, estamos conversando aqui sobre manipulação de dados numéricos por várias entidades, algumas bemintencionadas, como ONGs. Outros que se dizem bem-intencionados, como os jornalistas. Mas, se você 101 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 pensar bem, a motivação do jornalista é notícia, aquela história que ensinam na escola: se o homem mordeu o cachorro é notícia. Mas a normalidade do mundo é que os cachorros mordam as pessoas. E são só alguns cachorros que mordem algumas pessoas. A maioria não morde. CM – Comentava com o Luis Paulo e a Márcia Cavallari como nós fomos notícia durante os últimos oito meses. Todo o Brasil respirou pesquisa, do início ao fim – o dólar caiu, o dólar subiu. Que pesquisa vai ganhar? Fulano ou beltrano? Veio 28, 29 de outubro, e ninguém mais falou do IBOPE, nem de pesquisa, nem fizeram comparação. Por quê? Porque acertamos, passamos a não ser notícia. Agora, bastava você ter um 102 erro crasso num Estado qualquer, e ia ser um escarcéu. tural e pode ocorrer em vários segmentos. Manipulação, em pesquisa, é palavrão. JR – A manipulação desmoraliza... CM – É preciso cuidado ao falar de manipulação, é uma palavra sobrena- “Uma das reformas mais importantes de que o Brasil precisa é a política.” JR – Falo de um político, no seu discurso; do jornalista, dando mais destaque a uma coisa do que a outra… CM – O político que usa a pesquisa de forma a que só o dado que interessa a ele é divulgado na propaganda eleitoral gratuita – isso é manipulação. A lei deveria ser mais rigorosa. JR – Nem estou falando de vender produto. Mas do indivíduo que diz: “O cigarro mata tantos milhões de pessoas por dia. A cada quinze segundos, uma mulher é agredida no Brasil”. As pessoas gostam de Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 acreditar, porque os problemas existem, mas as estatísticas são fantasiosas. Isso é antiético. Além de estar contribuindo, na exposição e correção dessa inabilidade funcional, que mais poderíamos fazer? CM – Muita educação. É igual ao combate à fome. Você tem que dar educação de manhã, de tarde, de noite. JR – Não precisaríamos revalorizar a matemática no país? Tornar os números menos assustadores? CM – Mas isso está dentro da educação. Acho que quanto mais cultura o povo adquirir, mais educação, mais sapiência, estará afinado com o que está acontecendo, mais possibilidade de interpretação, o que nós dois temos agora. Graças a Deus, fomos beneficiados na linha de vida, cultura, aprendizado. Então, quanto maior a dose da educação, menos chutes, menos manipulações. Só há essa saída. JR – Carlos, alguma coisa que eu tenha esquecido de lhe perguntar e que você queira mencionar? CM – É importante destacar que a maior parte das pesquisas que o IBOPE faz não é divulgada, talvez uns 20%. Das pesquisas políticas – uns 30% não são. São usadas como estratégias de campanha, pelo marketing. JR – São os partidos políticos que compram essas pesquisas? CM – Não. Além dos partidos políticos, são instituições financeiras, empresários, marqueteiros que querem saber pontos fracos e fortes do seu candidato e dos adversários. Da mesma forma que temos pesquisas – como de audiência e o Painel de Consumidores – que são abertas para o mercado, há pesquisas políticas que não são divulgadas. As pesquisas de mercado, basicamente, são para uso interno. Nunca são divulgadas. Uma empresa de cosméticos assina o Painel de Consumidores para verificar a sua posição. Tudo bem, pode ser até um dado público. Mas, para lançar um novo produto fazer um teste de sabor, faz-se uma pesquisa específica, que a gente chama de ad hoc – sob medida. É como comprar um terno no varejo e mandar fazer no alfaiate. JR – Como você vê a pesquisa como mercado de trabalho para os jovens recém-formados. “É preciso melhorar – ou acabar – com a propaganda eleitoral gratuita na televisão. Tudo que é obrigatório é ruim.” CM – Não é só pela pesquisa, mas pelo fato de ela dar a possibilidade de se ter a coisa mais preciosa do mundo – talvez mais do que petróleo – que é a informação. Informação é o X do negócio, nesse mundo globalizado. O jovem que se dedicar à pesquisa vai ter maior facilidade de se inserir no mercado – cada vez mais competitivo – por saber interpretar – ou fornecer – alguma coisa supervaliosa que é a informação. Seja de que tipo for. JR – E qual é a formação que deve ter esse profissional? Engenharia, informática, administração? CM – Acho que comunicação e administração. Pode passar também pela parte de economia. Engenharia, não acho. Informática, muito específico. JR – Mas você vem de engenharia! CM – Não. Comecei e saí depois de seis meses, porque vi que não tinha nada a ver. Tem uma parte que acho interessante, que é a engenharia de produção. Naquela época, havia as “profissões da moda” – direito, medicina e engenharia. Eu e meu irmão quisemos fazer engenharia 103 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 porque não pensávamos no IBOPE. Depois nos apaixonamos. Eu larguei a engenharia e mudei. Ele resolveu continuar com a engenharia de produção. Mas, hoje, acho que escolheríamos economia, administração, comunicação e marketing. comunicação – que compram para divulgar –, instituições financeiras. As instituições financeiras substituem, hoje, as empreiteiras. Antigamente, as empreiteiras tinham interesse na política por causa de obras, contratos etc. Hoje, a categoria mais interessada são as instituições financeiras. JR – Uma curiosidade: como se dividem os seus clientes entre anunciantes, veículos de comunicação e agências? CM – São várias empresas no Grupo. No caso da televisão, certamente, são as redes. Numa proporção de 65/35 com as agências de publicidade. Temos clientes em televisão, rádio, jornal e revista, como veículo, e as agências. No Painel de Consumidores, são 100% anunciantes. No que se refere à política, a divisão fica interessante porque há partidos políticos, empresários, veículos de 104 “Nós já fizemos pesquisas por telefone e os resultados aproximaram-se muito da pesquisa face a face.” JR – Qual foi o maior erro de que você já participou ou cometeu diretamente na vida de pesquisador? CM – Foi um erro de decisão – numa pesquisa política, em 1985. Ficou marcada e aprendemos muito. Na nossa avaliação, achávamos que a eleição para prefeito, em Fortaleza, estava decidida 20 dias antes e o candidato Paes de Andrade iria ganhar. E a eleição de Recife era muito difícil. Paramos de fazer pesquisa em Fortaleza e mandamos os pesquisadores para Recife. Moral da história: em Recife, acertamos por meio ponto. Mas, em Fortaleza, foi o maior erro do IBOPE, porque a candidata que estava em quarto lugar – Maria Luiza Fontenelle, do PT – houve uma série de acontecimentos, e ela acabou ganhando a eleição. Quer dizer, não foi um erro da Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 pesquisa; foi um erro de avaliação. A partir daí, em todos os Estados onde nos comprometemos a divulgar, vamos até o final. E introduzimos a cédula nos questionários. Independentemente de fazer a entrevista, damos uma cédula para o entrevistado, que ele põe numa urna de pano. Com isso,queremos combater o voto “envergonhado”. Enfim, mudamos uma série de formas de trabalhar – a partir desse erro de decisão – e aprendemos que o jogo só termina quando acaba. JR – E, agora, por uma questão de justiça, qual é o acerto ou fato de que você tem maior orgulho profissional? CM – Olha, não é porque está recente, mas foi o acerto do IBOPE nessas eleições – pelo tamanho do desafio. Pela primeira vez, cobrimos os 27 Estados – antes eram 15, no máximo 18. Pela primeira vez, cobrimos uma eleição nacional em todos os Estados. E, pelo acerto contundente, acho que esse foi o maior acerto na vida do IBOPE. Um fato que me marcou muito também foi quando anunciei, numa eleição disputada em 89, a vitória do Collor sobre o Lula. Mas isso talvez tenha sido porque foi a primeira eleição depois da ditadura e eu nunca tinha votado para presidente. Então, foi um fato que marcou. Como era uma eleição muito dividida, as pessoas acharam muita coragem você acreditar assim na pesquisa. Mas acho que o acerto desse ano de 2002 foi exuberante. 105 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Fundado em 1942, o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) foi o primeiro instituto de pesquisa de mercado da América Latina. O produto do GRUPO IBOPE é a informação, utilizada como instrumento de orientação do processo decisório dos clientes, permitindo-lhes minimizar riscos e maximizar retornos. No Brasil, o IBOPE é o maior e mais diversificado fornecedor de informações para a tomada de decisões de marketing, propaganda, mídia e Internet, nas esferas empresarial, política e governamental. Com mais de mil funcionários distribuídos entre as suas empresas, o GRUPO IBOPE conta com profissionais especializados em cada um dos mercados em que atua. Por meio de acordos de cooperação técnica com grupos internacionais de pesquisa, assegura a utilização das mais atualizadas práticas profissionais, dentro de padrões europeus e norte-americanos de qualidade, com ênfase ao controle sistemático de qualidade e ao atendimento personalizado com o intuito permanente de bem atender às expectativas dos seus clientes. O IBOPE tem sedes em São Paulo e no Rio de Janeiro, filiais nas principais cidades brasileiras e empresas coligadas em diversas capitais latino-americanas, além de um escritório em Nova Iorque. Atualmente, o GRUPO IBOPE reúne 12 empresas, cada uma com parceiros estratégicos atuando em seu respectivo mercado-alvo. Sete empresas pertencem à holding IBOPE.com, criada em 2001 com o objetivo de cuidar de todos os interesses do GRUPO relacionados à Internet. IBOPE e-Clipping: notícias personalizadas e medição de imagem de marca. IBOPE eRatings.com: medição da audiência e publicidade na Internet. IBOPE eSurvey: pesquisas customizadas com internautas e sobre a Internet. IBOPE Inteligência: conteúdo de alto valor agregado, análises estratégicas e de tendência. IBOPE Medialog: plataforma para automação de agências de publicidade e planejamento, otimização e checking de mídia. IBOPE Megadata: terceirização de serviços de informática. IBOPE Mídia: pesquisas sobre audiência e investimentos publicitários. IBOPE Opinião: pesquisas de opinião pública e políticas. IBOPE Solution: pesquisas de produto e hábitos de compra feitas sob encomenda. Instituto Paulo Montenegro: instituição sem fins lucrativos responsável pela coordenação das ações sociais do IBOPE. LatinPanel: painéis de consumidores. Millward Brown: pesquisa especializada em metodologias da saúde e do desenvolvimento da comunicação das marcas. 106