O complexo econômico-industrial da Saúde
Carlos Augusto Grabois Gadelha*
José Manuel de Varge Maldonado**
Laís Silveira Costa***

Introdução
Além do papel da saúde como elemento estruturante do Estado de Bem-Estar,
esta articula um sistema produtivo de forma interdependente ao envolver subsistemas de
base industrial (química, biotecnológica, mecânica, eletrônica e de materiais) e de serviços,
configurando o que atualmente é conhecido como Complexo Econômico-Industrial da
Saúde (CEIS) , conceito desenvolvido por Gadelha (2003).
A caracterização do CEIS parte de uma compreensão sistêmica da saúde, que
reconhece não somente a demanda da sociedade por bens e serviços como também a
existência de uma base produtiva responsável pela oferta dos mesmos (Gadelha, Quental e
Fialho, 2003).
Ademais, por envolver setores produtivos que implicam novos paradigmas
tecnológicos, o complexo da saúde apresenta relevante potencial de geração de inovação,
elemento essencial para a competitividade na sociedade do conhecimento, sobretudo no
atual contexto de globalização econômica.
Com base nestas considerações, propõe-se articular as dimensões da saúde a
partir de uma abordagem que integre simultaneamente os fatores econômicos, sociais e de
inovação, de modo a aprofundar o conhecimento no âmbito do Complexo, de seus
subsistemas industriais e de serviços, assim como os diversos interesses envolvidos,
objetivo deste estudo.
Considerando justamente esses interesses diversos e o protagonismo da saúde
na sociedade contemporânea do aprendizado (Lastres, Cassiolato & Arroio, 2005), é que a
análise das prioridades da saúde passa a demandar uma visão sistêmica. A necessidade de
se considerar um diferenciado conjunto de arranjos institucionais públicos e privados
remete à adoção do arcabouço teórico conceitual da economia política da saúde (Machado
et al 2008; Viana, Silva & Elias, 2007; Gadelha, 2007).
Esse ponto de vista permite, inclusive, instrumentalizar a análise da saúde como
um campo estratégico do Sistema Nacional de Inovação (SNI), enfatizando a importância
do desenvolvimento de políticas e investimento adequados para o setor. Neste contexto, o
Complexo Produtivo da Saúde configura-se como uma oportunidade para a superação da
tensão observada entre a lógica econômica e a sanitária no que se refere às políticas de
desenvolvimento para a saúde, dado o caráter complexo, porém sistêmico, que relaciona
estas lógicas sociais e produtivas.
2. Complexo Econômico Industrial da Saúde: a base produtiva do Sistema
Nacional de Inovação em Saúde
A importância estratégica da saúde conquistou, em especial na última década,
reconhecimento em campos de atuação e estudo diversos, uma vez que políticas e ações em
saúde apresentam benefícios que extrapolam a especificidade do setor, relacionando-se com
a capacidade de a nação promover desenvolvimento sustentável (Gadelha e Costa, 2012).
Dito isto, justifica-se o interesse em aprofundar a dinâmica desse Complexo
(Figura 1). Formado por dois segmentos industriais (de base química e biotecnológica;
mecânica, eletrônica e de matérias) e um segmento de serviços em saúde (Gadelha, 2003),
o CEIS articula a geração e difusão de tecnologias e a dinâmica institucional peculiar a um
sistema universal de saúde, enfatizando o papel do Estado enquanto mediador dos
interesses envolvidos na relação entre saúde e desenvolvimento.
Figura 1 - Morfologia do Complexo Econômico-Industrial da Saúde
Fonte: Gadelha, Quental e Fialho, 2003.
Nessa configuração, a inovação em saúde ocorre por meio de uma teia de
instituições que co-evoluem de maneira não-linear e se diferenciam significativamente de
acordo com os níveis de desenvolvimento em que os países se situam no que tange ao
processo de inovação (Gadelha et. al, 2012). A cada etapa corresponde um diferenciado
conjunto de arranjos institucionais que envolvem setores e cadeias produtivas, empresas,
organizações de C&T, agências de regulação sanitária, de implementação de políticas
industriais, científicas e tecnológicas, de políticas de saúde, de propriedade intelectual,
entre outras.
A perspectiva da inovação como um processo político e social, reafirma a
necessidade de se recorrer ao instrumental analítico utilizado pela economia política da
saúde para a sua análise. Isso porque, a saúde mobiliza uma relevante infraestrutura em
C&T, que envolve setores portadores de futuro e uma base industrial e de serviços
relativamente consolidada (Gadelha, Maldonado e Costa, 2012), o que a torna, um campo
de estudo privilegiado, que remete à organização dos Estados nacionais, à relação entre o
Estado e o setor privado e a sua inserção na economia mundial.
Embora que tardiamente, essa perspectiva da saúde, voltada ao
desenvolvimento econômico e social, tem sido reconhecida a partir da priorização do seu
Complexo produtivo nas principais políticas e ações do Governo Federal. No campo da
política social de saúde, vale mencionar, ademais, a valorização da base produtiva,
entendendo-a como uma condição sine qua non à sustentabilidade do sistema de saúde, a
exemplo da priorização do Complexo no “Mais Saúde” e mais recentemente ao aumento do
volume de recursos e de qualificação da atuação por parte do governo federal no que tange
ao desenvolvimento desta base produtiva.
Note-se, adicionalmente, que no esteio do Mais Saúde (2007), da Política para o
Desenvolvimento Produtivo (2008) e do Brasil Maior (2011) foi estabelecida uma base
inicial para um uso mais abrangente do poder de compra do Estado para o desenvolvimento
tecnológico em saúde. Inicialmente foram publicadas as Portarias de números 978 e 1284,
em 2008 e 2010, respectivamente, estabelecendo produtos estratégicos que deveriam
receber apoio para seu adensamento produtivo.
Ademais, o Plano Brasil Maior reconhece o potencial das compras públicas
para o fomento à competitividade de setores cuja demanda governamental seja significativa
como é o caso da saúde. Assim, respaldado pela Lei 12.349/2010, regulamentada pelo
Decreto 7546/2011 foram definidas regras para a utilização do uso do poder de compra do
Estado, prevendo-se a margem de preferência de até 25% para a compra de produtores
nacionais, sendo que no cálculo deve-se considerar geração de emprego e renda, impacto na
arrecadação de impostos, desenvolvimento nacional, entre outros.
O Plano não somente reafirma o protagonismo da saúde como um dos
segmentos estratégicos a serem fomentados no Brasil, como também estabelece diretrizes
para a intensificação do estabelecimento de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo na
saúde e do uso do poder de compra do Estado no setor. Ainda referente às políticas voltadas
para o segmento produtivo, a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
(ENCTI), por sua vez, reafirma a prioridade do segmento de fármacos e do complexo
produtivo da saúde como um todo. Aponta uma série de lacunas da base produtiva
inovativa nacional que precisam ser superadas e enfatiza a necessidade de promoção de
mecanismos de estímulo à inovação em saúde, entre outros mecanismos.
Entretanto, não obstante ao reconhecimento do caráter estratégico CEIS para o
desenvolvimento, ainda há dificuldades na implementação de políticas públicas para o seu
fortalecimento. Essas dificuldades, refletidas no crescente déficit da balança comercial da
saúde, evidenciam tanto a vulnerabilidade da política nacional de saúde quanto sua falta de
competitividade em nível internacional (Gráfico 1).
Gráfico 1 - Evolução da Balança Comercial da Saúde - CEIS 2011
(Valor em US$ Bilhões, atualizado pelo IPC/EUA)
Fonte: GIS/ENSP/Fiocruz, 2012.
Sobre este déficit, ressalta-se que ele reflete não somente a crescente demanda
por produtos e serviços, como também a carência de conhecimento em segmentos
intensivos em tecnologia aliada à baixa capacidade de inovar das indústrias nacionais,
revelando assim, a vulnerabilidade do sistema de saúde no Brasil. Esse quadro, mostra que
mudanças no padrão demográfico e no perfil epidemiológico da população brasileira,
aliadas à baixa competitividade da base produtiva de saúde nacional, têm pontuado
importante ameaça ao preceito constitucional da universalidade do acesso a bens e serviços
em todos os níveis de complexidade (Gadelha et al. 2012).
Quanto à participação dos segmentos produtivos do CEIS nesse quadro
deficitário, note-se que em 2011, o subsistema de base química e de biotecnologia
representa um saldo negativo de cerca de US$ 7,6 bilhões. Deste total, US$ 2,6 bilhões são
decorrentes do déficit com a importação de medicamentos, US$ 2,3 bilhões com a
importação de insumos farmoquímicos e US$ 1,7 bilhão com a importação de
hemoderivados. O restante refere-se à aquisição externa de vacinas, de reagentes para
diagnóstico e de soros e toxinas (Figura 2).
Assim, o déficit gerado pela importação de fármacos e medicamentos é
responsável por cerca de metade de todo o resultado do balanço comercial do CEIS. De tal
modo que atualmente esse setor revela particular vulnerabilidade da saúde, representando
risco implícito para a implementação de políticas de acesso aos bens e serviços de saúde.
Vale destacar, que essa debilidade, presente nas indústrias do subsistema de
química e biotecnologia, é igualmente percebida nas indústrias do subsistema de base
mecânica, eletrônica e de materiais, especialmente naqueles segmentos de maior
complexidade tecnológica, cujo déficit atingiu em 2011 o montante de US$ 2,3 bilhões
(Figura 2).
Figura 2. CEIS 2011- Participação dos Setores Produtivos no Déficit da Balança
Comercial: farmacêutico e equipamentos e materiais
Fonte:GIS/ENSP/FIOCRUZ, 2012.
Quanto ao subsistema de serviços de saúde e a sua implicação no déficit da
balança comercial da saúde, a transição demográfica em curso e as características
epidemiológicas apontam para significativas transformações nas condições de demanda,
pressionando as importações decorrentes do aumento do consumo de novas vacinas,
medicamentos, equipamentos, subsidiando, dessa forma, serviços hospitalares,
ambulatoriais e de diagnóstico especializados, ocasionando custos que o sistema de saúde,
já subfinanciado, não tem como suportar. (Costa e Gadelha, 2012)
Não bastasse essa realidade, o grande dilema que se apresenta ao Complexo é
que o contexto nacional se caracteriza por uma dupla desarticulação, tornando-o o elo fraco
do Sistema Nacional de Inovação em Saúde. Por um lado, observa-se o afastamento da
empresa em relação à base científica do País – fruto de sua baixa capacidade de inovação.
Por outro, em que pese todas as iniciativas governamentais recentes em relação à saúde,
ainda não se geraram as interações plenas e necessárias da política de saúde em uma
perspectiva do desenvolvimento industrial e da capacidade de inovação em saúde.
Nesse contexto, o Complexo mostra-se pouco articulado tanto com relação à
base de conhecimento nacional - reconhecidamente forte na área da saúde - quanto para o
desenvolvimento de um sistema nacional equânime e universal em saúde. Desse modo, a
definição de prioridades que fomentem a competitividade das indústrias nacionais e as
conduza para patamares de maior densidade tecnológica orientadas socialmente, torna-se
crucial.
Nessa configuração, o principal desafio nacional é estimular o desenvolvimento
de produtos com alto valor social de modo a minimizar o quadro de vulnerabilidade ao qual
o sistema de saúde encontra-se exposto. Visa-se assim, aproximar a pesquisa da saúde da
demanda e, complementarmente, garantir a competitividade.

Considerações finais
Este artigo partiu de uma abordagem sistêmica da saúde, que a situa no cerne da
agenda de desenvolvimento nacional, considerando sua dimensão social e econômica e
destacando-se, ao mesmo tempo, o caráter estratégico desse Complexo produtivo.
Partindo dessa lógica geral do protagonismo da saúde e de sua conformação
como espaço estratégico de produção e inovação, podem-se planejar políticas públicas para
o desenvolvimento do CEIS que considerem a necessidade de conjugar virtuosamente suas
dimensões, orientando a lógica econômica pela social. .
Em que pesem importantes iniciativas no sentido de institucionalizar a
importância deste Complexo, assim como ações concretas do Estado para fortalecer essa
base produtiva, a persistência da fragilidade do conhecimento da saúde revela que ainda há
muito que avançar.
Nesse sentido, o principal desafio para reverter a fragilidade do CEIS consiste
em intensificar e qualificar a atuação do Estado. É oportuno destacar, que, para se chegar a
um denominador comum nessa equação, o Estado precisa avançar de forma sistemática no
sentido de adequar seu aparato regulatório para atuar no desenvolvimento do CEIS. Como
exemplo, pode-se citar a intensificação do uso de seu poder de compra, o estabelecimento
de parcerias voltadas para a transferência tecnológica, o uso da margem de preferência, e o
investimento nos produtores públicos nacionais, dentre outros.

Referências
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O complexo econômico-industrial da Saúde Carlos Augusto