MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Nº 15592/CS HABEAS CORPUS Nº 106.664/SP IMPETRANTE: CIRO AUGUSTO CAMPOS PIMAZZONI PACIENTES: OSVALDO NACHBAR FILHO (ou OSWALDO NACHBAR FILHO) COATOR: RELATOR: ODAIR DOS SANTOS SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA MINISTRO CELSO DE MELLO PROCESSUAL PENAL. ILEGALIDADES REFERENTES ÀS PROVAS PRODUZIDAS. ALEGAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO BASEADA SOMENTE EM DENÚNCIA ANÔNIMA. INCORREÇÃO. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS HÁBEIS A ENSEJAR INVESTIGAÇÃO PELA POLÍCIA FEDERAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA LEGITIMAMENTE AUTORIZADA. PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Trata-se de habeas corpus impetrado por CIRO AUGUSTO CAMPOS PIMAZZONI, em favor de OSVALDO NACHBAR FILHO e ODAIR DOS SANTOS, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que denegou a ordem no HC nº 128.776/SP, conforme a seguinte ementa: HABEAS CORPUS . LAVAGEM DE DINHEIRO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO. MONITORAMENTO TELEFÔNICO. DENÚNCIA ANÔNIMA. NECESSIDADE DA MEDIDA DEMONSTRADA.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. COAÇÃO ILEGAL NÃO COMPROVADA. ORDEM DENEGADA. 1) O monitoramento telefônico foi autorizado, porque necessária a medida para dar prosseguimento às investigações. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MPF/PGR Nº 15592 2 2) Após o recebimento da denúncia anônima, foi observado que as agências não apresentavam movimento normal, de modo que não se pode alegar que o monitoramento telefônico foi autorizado com base somente na denúncia anônima. 3) O trancamento de ação penal, em tema de "habeas corpus", é possível somente se o fato for atípico, se estiver extinta a punibilidade ou se não houver indícios de autoria. 4) Coação ilegal não comprovada. 5) Ordem denegada. (Grifou-se) 2. Os pacientes foram denunciados, perante o Juízo da 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, como incursos no artigo 288 do Código Penal e artigos 16 e 22, caput, da Lei nº 7.492/86. 3. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região denegou a ordem, em acórdão assim ementado: “AÇAO PENAL. DENUNCIA ANONIMA. INTERCEPTAÇOES TELEFONICAS. LICITUDE DAS PROVAS. ORDEM DENEGADA. 1. No caso dos autos a denúncia anônima não motivou diretamente as escutas telefônicas, o que afasta a alegação de que referidas provas são ilícitas. Da mesma forma, considerando que se trata de crime que não deixa vestígios, haja vista que as operações financeiras são realizadas sem o conhecimento do Banco Central, as interceptações telefônicas, por vezes constituem o único meio para desvendar a prática delituosa. 2. O trancamento da ação penal, por ausência de justa causa, somente é possível quando se verifica de pronto a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inexistência de indícios de autoria ou materialidade, circunstâncias que não foram evidenciadas no presente caso. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MPF/PGR Nº 15592 3 3. Havendo indícios da prática de crime contra o sistema financeiro nacional, a ação penal deve ter seu regular processamento, para que os fatos sejam devidamente apurados. 4. Ordem denegada. (Grifou-se) 4. Denegada a ordem no Superior Tribunal de Justiça, impetra a defesa a presente ação. 5. Pede o impetrante, em síntese, o trancamento da ação penal nº 2008.61.81.003867-5, tendo em vista a ilegalidade das interceptações telefônicas realizadas. 6. Segundo ele, as interceptações telefônicas teriam sido deferidas a partir de denúncia anônima, revelando a insegurança das informações. 7. O parecer é pela denegação da ordem. 8. Da representação pela interceptação telefônica apresentada pela autoridade de Polícia Federal depreende-se que, antes mesmo do deferimento da medida já havia, em tese, a configuração da prática de um crime, uma vez que as supostas 'agências de turismo' atuavam sem autorização do Banco Central. 9. Significa dizer que a representação pela interceptação telefônica e as provas encontradas posteriormente não têm como ponto de partida tão só uma denúncia anônima, infundada, como alega a defesa. Já havia, para a autoridade policial, indícios suficientes da prática de, no mínimo, um crime e sua autoria. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MPF/PGR Nº 15592 10. 4 Estes os termos da representação: “Em levantamento preliminar foi constatada a existência de um escritório no conjunto 513, conforme a delação, que ninguém soube precisar o que exatamente é operacionalizado naquele local. Há uma agência de turismo estabelecida nos conjuntos 508 e 509, razão social TRANSLINE VIAGENS E TURISMO LTDA, CNPJ n° 59231.8451000130, sócias SARA SZACHNOWICZ e CYNTIA BEATRIZ SZACHNOWICZ . Em consulta ao site específico do Banco Central ficou constatado que tal agência não possui autorização para efetuar operações de Câmbio. Em pesquisas junto a Receita Federal sobre Osvaldo Nachbar Filho apurou-se que figura como Sócio de outra empresa do ramo de turismo, TOKUNAGA TURISMO LTDA, CNPJ n o 06.256.89410001-61, estabelecida na Av. Paulista, 2001, conjunto 507, São Paulo-SP. A denúncia anônima por si só não justifica a instauração de procedimento investigatório em face de eventuais suspeitos, contudo, como há de se considerar, o modus operandi de operadores de câmbio ilegal vêm constantemente usando agências de turismo sem autorizações para tanto, o que por si só caracteriza crime contra o sistema financeiro. (…) Em investigações realizadas percebeu-se que os escritórios dessas agências não apresentam movimento normal de operadoras de turismo, o que mais uma vez aponta a possível veracidade das denúncias proferidas anonimamente . De tal sorte que a investigação se mostra necessária de acordo com as orientações legais no contexto de polícia judiciária. A complexidade na produção de provas de crimes financeiros aconselha a medida de exceção admitida constitucionalmente de interceptações telefônicas e de dados desses investigados, uma vez que a operacionalização de transações financeiras ocorre não somente através de papel-moeda como também, por diversos meios eletrônicos conhecidos. É certo que as operações ilegais de câmbio configuram crime próprio, mas em sua maior razão são utilizadas com a MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MPF/PGR Nº 15592 5 finalidade de lavagem de dinheiro, sendo imprecisa nesse momento a identificação dos clientes que utilizam esse sistema ilegal, reforçando mais uma vez a necessidade da medida, já que as provas não podem ser obtidas por outro meio. Por fim, a legislação infraconstitucional contempla mais um último requisito do crime ser punido com reclusão, o que se adequa a investigação inicialmente em curso. (Grifou-se) 11. Como se vê, teve a autoridade policial o cuidado de verificar a presença de cada um dos requisitos necessários para a medida de interceptação telefônica, não se pautando, em sua representação, somente nos dados fornecidos em denúncia anônima. 12. Antes, aprofundou as investigações, descobrindo outros elementos hábeis, por si sós, a justificar a providência pleiteada, observando a movimentação das supostas 'agências de turismo', bem como a inexistência de autorização pelo Banco Central para o funcionamento das mesmas. 13. O juízo da 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo, também atento à presença de tais requisitos, deferiu, nos seguintes termos, o pedido de interceptação telefônica: “A autoridade policial em sua representação de fls.03/06 requereu o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas, tendo em vista, segundo se apurou por investigações realizadas, de que referidas linhas estejam sendo utilizadas pelos investigados envolvidos na prática, em tese, de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contra a Ordem Tributária e de "lavagem" de dinheiro, com a realização ilegal de operações de câmbio. O sigilo telefônico que tem por objetivo a preservação da intimidade do indivíduo não pode dar abrigo à prática de crimes e pode ser quebrado MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MPF/PGR Nº 15592 6 mediante autorização judicial, desde que a medida se demonstre concretamente necessária à investigação dos fatos, tal como se apresenta no caso. Ademais, havendo indícios razoáveis da autoria ou participação das pessoas mencionadas na representação da autoridade policial em infrações penais punidas com pena de reclusão (art. 2°, 1 e III, Lei n.° 9.296196) e "diante da inexistência de outros meios disponíveis que não ponham em risco a investigação" (art. 2°, li, Lei n.° 9.296196), "considerando-se ser, no presente momento, a única medida capaz e eficaz para permitir a apuração das infrações penais em curso, com a identificação dos detalhes das práticas fraudulentas, bem como a autoria das pessoas físicas e jurídicas envolvidas" (art. 41, Lei nº 9.296196), DEFIRO O PEDIDO, em consonância com a opinião ministerial, indicando a forma de execução da diligência tal como requerida às fls. 05/06, que não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias (art. 50 , Lei n.°9.296196).” (Grifou-se) 14. Claro, portanto, que, afora os crimes praticados serem punidos, em tese, com penas de reclusão, não havia outros meios legítimos de se proceder às investigações, principalmente pelo modo como são praticados referidos crimes contra o sistema financeiro e ordem tributária. 15. Conclui-se, pois, pela inexistência das máculas apontadas pela defesa; primeiro, porque a medida de interceptação telefônica não se pautou somente por uma denúncia anônima, como alega a defesa, querendo fazer crer que nenhum outro elemento havia que apontasse para a existência de indícios suficientes de crimes contra o sistema financeiro e/ou ordem tributária e, segundo, porque referida medida foi deferida com a devida observância de todos os requisitos legais. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MPF/PGR Nº 15592 16. 7 Por todo o exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pela denegação da ordem. Brasília, 14 de dezembro de 2011 CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES Subprocuradora-Geral da República