TEMA: ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
TÍTULO: A PERFORMANCE COMO PROPOSTA PEDAGÓGICA COM
TRANSGÊNEROS
André Luiz Silva Rodovalho; Orientação de Profª. Dra Mara Lucia Leal; Programa de
Pós Graduação em Artes; Universidade Federal de Uberlândia.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa nasce a partir de dois interesses que se entrecruzaram e
juntos deram origem ao tema e ao objetivo do meu projeto de mestrado, o qual está em
andamento. O primeiro interesse se baseia em dar continuidade a uma pesquisa sobre
Teatro, Identidade Sexual e Escola, que desenvolvi durante a minha graduação na
Licenciatura em Teatro, como bolsista CAPES pelo PIBID (Programa Institucional de
Bolsa de Incentivo à Docência), dando origem ao meu trabalho de conclusão de curso
intitulado Teatro e Identidade Sexual: Memorial Pedagógico.
Este memorial buscou relacionar a construção da identidade sexual com o
teatro num contexto escolar. A pesquisa surgiu da observação das aulas de teatro de
duas escolas públicas, uma municipal e outra federal com dois focos de estudo: um
sobre como a sexualidade era abordada nas aulas de Teatro; e o segundo se baseou na
observação do comportamento de alunos que demonstravam em seus comportamentos a
busca de suas identidades sexuais, e que por isso sofriam discriminação na escola. A
partir daí, me identifiquei enquanto pesquisador e me vi estimulado a visitar a memória
de minha infância e adolescência.
O segundo interesse emerge no meu último semestre da graduação, quando
cursei a disciplina Interpretação V, ministrada pela Profª Dra. Mara Leal que
desenvolveu estudo sobre a linguagem da Performance. Durante o processo, programei
Ela é uma princesa, uma performance de gênero com o objetivo de discutir e refletir
cenicamente alguns ensinamentos de uma instituição particular de ensino denominada
Escola de Princesas. A referida escola é exclusiva para meninas de 4 a 15 anos e
oferece cursos como „noções de limpeza e organização para o lar de princesa‟, „como se
guardar para o príncipe encantado‟, e „como se vestir e se maquiar sem ser vulgar‟.
A performance Ela é uma princesa consistia em me travestir de princesa e
desempenhar ações baseadas nos ensinamentos da Escola de Princesas, como organizar,
limpar o ambiente e cortejar de forma submissa homens que estivessem assistindo a
ação. Por assumir uma discussão sobre gênero, a performance obteve grande
repercussão e eu, enquanto performer, pude compreender na prática o caráter crítico e
transgressor que essa linguagem tem, bem como observar a repercussão e abrangência
na sociedade.
PERFORMANCE COMO PEDAGOGIA
A partir dessa experiência começo a refletir sobre o grande potencial
pedagógico da performance. Concordo com Eleonora Fabião (2009), que sugere a
performance como importante experiência para o aluno de teatro em geral, pois trata-se
de uma oportunidade para o aluno abrir horizontes perceptivos insuspeitados,
aprofundar autoconhecimento e questionar-se a respeito de padrões culturais e sociais.
Não penso na revolução, mas vi transformações pessoais serem realizadas
nesses processos. Vi contra-discursos às práticas dominantes de controle do
corpo, lutas pessoais contra micropoderes que querem domesticar corpos,
seja pela repressão ou pela estimulação. Trazer para a cena fragmentos
autobiográficos de situações de opressão colaborou para se refletir sobre
performances que já naturalizaram esses mesmos discursos de opressão e
controle e pensar novas possibilidades de reescrituras cênicas. (LEAL, 2011,
p.144)
A professora Dra. Mara Leal reflete na citação acima sobre os resultados
alcançados na primeira vez que trabalhou com a Performance na disciplina
Interpretação V no Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia. Os
procedimentos por ela usados como estímulos criativos para os alunos de teatro me
sugerem que o trajeto performático pode ser um interessante viés artístico com pessoas
que sofrem ou já sofreram opressões, discriminações ou que não sejam aceitas pelo
meio em que estão inseridas por não se encaixarem nas normas sociais impostas.
A partir deste artigo de Mara Leal intitulado Performance se ensina? me
aproprio da pergunta-título e parto para uma nova pergunta: performance se ensina a
todos? Seria a performance relevante para pessoas que não necessariamente estudem
teatro ou queiram se tornar atores? Seria a performance importante para pessoas comuns
que queiram abrir seus horizontes, se auto-conhecerem, questionarem-se enquanto
indivíduos sobre os padrões culturais e sociais como Eleonora Fabião compartilha em
seu artigo Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea?
Parte daí o meu desejo de investigar as potencialidades da pedagogia da
Performance com um grupo de pessoas que não esteja no meio teatral acadêmico.
Primeiramente, o objetivo é trabalhar com os procedimentos utilizados pela professora
Mara Leal com pessoas que tragam em suas memórias as marcas de uma vida
marginalizada. Para explicar melhor como chego à escolha do público alvo da pesquisa,
preciso retornar à minha monografia de conclusão do curso de Teatro.
PÚBLICO ALVO: TRANSGÊNEROS
Para a escrita do segundo capítulo do TCC, recorri a um caráter autobiográfico
para entrecruzar minhas próprias memórias pessoais enquanto pesquisador com os
temas da pesquisa: teatro, pedagogia e identidade sexual. Foi então que surgiu o alterego João contribuindo generosamente com a pesquisa relatando suas experiências da
infância, adolescência e recentes vividos de sua vida adulta. João me possibilitou
distanciar enquanto pesquisador e usar de fatos verídicos da minha própria vida como,
por exemplo, agressões verbais e corporais que sofri na escola e as imposições
heteronormativas familiares e sociais. Nessa pesquisa utilizei como fonte teórica os
PCN‟s de Orientação Sexual - Parâmetros Curriculares Nacionais (1996) - e autores da
área do estudo de gênero como Guacira Louro (2000).
João queria contar para sua mãe, queria conversar e falar sobre suas
experiências. Se assumir foi muito difícil para ele, foi um ato corajoso, mas
também um alívio muito grande, ele tirou um grande peso das costas. A partir
daquele momento absolutamente todos que o conheciam saberiam de sua
orientação sexual. Sua mãe disse que sempre soube e até lhe contou que o
levou ao psicólogo quando era criança por desconfiar de seu comportamento.
Ela lhe disse: “Filho, te aceito como você é, mas não quero que você mude
seu comportamento, não quero que você vire travesti”. (RODOVALHO,
2013, p. 31)
Esta passagem se refere à época em que meu alter-ego João assumiu sua
homossexualidade. Ele não foi expulso de casa, nem vítima de violência doméstica,
porém sua mãe disse que o aceitaria desde que ele não demonstrasse sua sexualidade de
forma afeminada ou começasse a se vestir com roupas femininas, se comportando como
uma travesti se comportaria.
A mãe de João, diante de sua saída do armário, repudia a possível afetação,
afeminação ou um possível travestir do filho. João não era e nem passou a ser travesti
após assumir sua sexualidade. Mas e se fosse? Como seria a vida de João? A mãe até
aceita a sua homossexualidade, mas abomina qualquer alteração de comportamento que
indique uma transição para o universo feminino. Ou seja, há a aprovação com a
condição que ele mantenha em seu comportamento o padrão heteronormativo, se
portando como homem. Hoje, passado alguns anos, olho o caso com certo
distanciamento e posso entender que a mãe de João teve uma atitude transfóbica, por
discriminar as pessoas que são travestis e ter medo que seu filho se equiparasse a quem
é assim.
É interessante observar que a homossexualidade de João fica em segundo plano
quando o que mais amedronta sua mãe é uma possível mudança de comportamento.
Pode-se constatar que o que assusta a mãe de João é a liberdade que o filho teria de
assumir uma nova identidade de gênero diferente daquela que, em sua opinião, seria o
aceitável para o sexo masculino. Mesmo que ele assuma uma identidade homossexual é
advertido por sua mãe que mantenha o comportamento de homem, não transgredindo o
aceitável para o seu sexo como, por exemplo, trejeitos femininos e uma voz mais aguda.
É importante ressaltar a diferença entre identidade sexual e identidade de gênero.
A identidade sexual se refere à sexualidade do indivíduo, seja ela heterossexual,
homossexual, bissexual, etc. Já a identidade de gênero alude ao gênero que um
indivíduo se identifica, ou seja, como o sujeito se identifica diante da sociedade e de si
mesmo, como homem, mulher ou se a pessoa se vê como fora do convencional (JESUS,
2012, p. 14).
Geralmente se alguém, homem ou mulher, heterossexual ou homossexual,
possui em seu comportamento características do sexo oposto, isso pode ser interpretado
com estranhamento por pessoas que se consideram “normais”. Mas apesar do
estranhamento gerado e das consequências como discriminação e preconceito, me
parece que a sociedade em geral se sente muito mais incomodada com quem transita de
fato entre os gêneros, os transgêneros. Estas são pessoas que têm suas identidades
diferentes das atribuídas ao gênero designado pelos médicos no nascimento, ou seja, o
sexo biológico. Sobre isso, compartilho das palavras de Guacira Louro:
Aqueles e aquelas que transgridem as fronteiras de gênero ou de sexualidade,
que as atravessam ou que, de algum modo, embaralham e confundem os
sinais considerados “próprios” de cada um desses territórios são marcados
como sujeitos diferentes e desviantes. Tal como atravessadores ilegais de
territórios, como migrantes clandestinos que escapam do lugar onde deveriam
permanecer, esses sujeitos são tratados como infratores e devem sofrer
penalidades. Acabam por ser punidos, de alguma forma, ou, na melhor das
hipóteses, tornam-se alvo de correção. Possivelmente serão rotulados (e
isolados) como “minorias”. (LOURO, 2000, p. 87)
Para prosseguir, acredito que seja de extrema importância definir as
terminologias definidas a cada identidade de gênero trans para se evitar confusões. De
acordo com o guia técnico de Jaqueline Gomes de Jesus (2012), travestis são pessoas
que nascem do sexo masculino ou feminino, mas que têm sua identidade de gênero
oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto
pela sociedade. Algumas travestis modificam seus corpos com cirurgias plásticas,
exceto a de redesignação sexual feitas por transexuais. Estas, as transexuais, são pessoas
que também possuem identidade de gênero diferente do sexo designado ao nascimento.
Homens e mulheres transexuais podem manifestar o desejo de se submeterem a
intervenções hormonais e médico-cirúrgicas para realizarem a adequação dos seus
atributos físicos de nascença (inclusive genitais) à sua identidade de gênero constituída.
Crossdresser é a pessoa que frequentemente se veste, usa acessórios e/ou se maquia
diferentemente do que é socialmente estabelecido para o seu gênero, sem se identificar
como travesti ou transexual. Geralmente são homens heterossexuais, casados, que
podem ou não ter o apoio de suas companheiras. Finalmente, o termo Transgênero
engloba todos os outros relatados anteriormente, pois se refere a todos aqueles que
transitam entre os gêneros.
Também considero importante enfatizar que as sexualidades dos transgêneros
não dependem de suas identidades de gênero. Por exemplo, afirmar que uma travesti é
única e exclusivamente homossexual é um grande equívoco, pois ser travesti é a sua
identidade de gênero e sua orientação sexual tanto pode ser homossexual como também
pode ser heterossexual, bissexual, etc.
Para exemplificar, crio o caso hipotético de uma mulher trans que em seu
nascimento foi denominada como homem tendo como base os seus órgãos genitais
masculinos. Desde sua infância ela sempre se viu como menina, ou seja, sua identidade
de gênero sempre foi de uma mulher, é assim que ela sempre se viu psicologicamente.
Ao chegar à adolescência ela começa a sentir atração sexual por outras meninas, o que
possivelmente a faz entender que sua orientação sexual seja homossexual. Resumindo,
ela é uma mulher trans e lésbica.
Por seus corpos não corresponderem às suas identidades de gênero, os
transgêneros travam sérios conflitos internos. Não se reconhecem enquanto indivíduos e
não se reconhecem quando se olham no espelho. Mente e corpo não dialogam e não
estão em equilíbrio. Para alguém transgênero ser como realmente é, muitas vezes, é
preciso adotar outro nome diferente daquele que lhe foi dado na certidão de nascimento,
é preciso mudar sua forma de vestir, agir e radicalmente transgredir todo o
comportamento que fora condicionado desde que se entende por gente.
E é aí que começam os conflitos externos. Primeiramente com os pais que
podem não aceitar a condição dos filhos transexuais e acreditam que os mesmos
“resolveram virar outras pessoas”. Alguns, quando ainda em fase escolar, enfrentam o
preconceito e a discriminação nas instituições de ensino e por não suportarem tantas
violências morais e até físicas, como estupros e espancamentos, acabam abandonando
as escolas sem concluir seus estudos. O que resulta, é claro, na falta de qualificação
curricular e profissional dessas pessoas, que posteriormente encontram dificuldade para
se inserirem no mercado de trabalho apenas por serem de fato o que são.
Todos esses fatores colaboram para a marginalização dos transgêneros,
principalmente travestis femininas e mulheres trans. Uma vez que elas assumem suas
identidades de gênero são expulsas de suas casas pelas famílias, não conseguem estudar,
trabalhar ou nem sequer fazer algo tão simples como frequentar o banheiro designado
ao gênero feminino. A essas transgêneros é negado o direito de ser gente, de se ter um
nome social, de serem respeitadas como cidadãos de bem. Qual o caminho a seguir
diante tanta intolerância social? Muitas vezes, as transgêneros se vêm obrigadas a seguir
o caminho mais fácil ou o único que resta como opção: a prostituição. Assim, trocam o
dia pela noite e passam a viver longe dos olhos daqueles tidos como “indivíduos de
bem”.
O escuro da noite é o único espaço permitido às transgêneros. [...]
Infelizmente ainda é no escuro da noite que se concentra a maior
porcentagem da carreira profissional e da visibilidade das transgêneros. É no
escuro da “noite” que maioria dessas batalhadoras, ganha o seu “dia”, o
preconceito torna a prostituição uma solução imediata e rápida.
(CARVALHO, 2006, p. 01)
OFICINA DE PERFORMANCE
Ana Bernstein (2001, p. 92) afirma que “a performance solo autobiográfica
tem, de fato, desempenhado uma função crítica na criação de um espaço de discurso
para minorias que não se enquadram na normatividade do discurso ideológico
dominante”, o que com certeza estimula a reflexão social dessas minorias e influi em
ações de reivindicação de seus direitos diante da esfera pública. A partir disso, penso
que a prática performativa pode ser um bom meio de expressão artística para os
transgêneros, pois têm em seus corpos memórias de uma vida marcada pela
incompreensão social.
Acredito que seja legítima a importância do ensino de performance para alunos
de Teatro que Fabião (2011) defende, inclusive para mim foi realmente muito
importante participar de um processo criativo de Performance. Mas a finalidade dessa
pesquisa em específico é problematizar o ensino de performance em si.
Valentin Torrens (2007), ao organizar um livro sobre Pedagogia da
Performance, ajuda a pensar sobre essa questão. Para ele, a função dos
procedimentos propostos seria mais de dinamizar, de colaborar para que os
participantes conseguissem dar forma ao que já era latência em cada um, já
que para ele, a performance não teria como objetivo reformar a arte, pois seu
inicio e seu fim é o homem. (LEAL, 2011, p.143)
Proponho uma investigação pedagógica inspirada nos procedimentos a que
Valentin Torrens se refere com o objetivo de trazer à tona experiências de vida de um
grupo homogêneo de pessoas. Através deste projeto ainda em sua fase inicial, pretendo
refletir sobre o ensino da performance, exercitando a docência em uma oficina prática
para transgêneros que residem na cidade de Uberlândia.
Com o apoio da SHAMA Uberlândia (Associação Homossexual de Ajuda
Mútua de Uberlândia) e da Triângulo Trans (Associação das Travestis e Transexuais do
Triângulo Mineiro) pretendo divulgar as inscrições para a oficina e assim convidar
possíveis interessados para participar da pesquisa. Definido o campo de pesquisa
prático-pedagógico proporcionarei ao público alvo uma experiência artística sensível. A
partir da memória dos transgêneros será estimulada a reflexão crítica e artística e, assim,
dar início a um processo criativo autobiográfico com procedimentos performáticos.
Por fim, espera-se que sejam programadas uma ou mais performances, coletivas
ou individuais. A intenção é que haja uma circulação dessas performances por
instituições de ensino, ambientes universitários e ainda espaços culturais de Uberlândia.
Por um viés qualitativo e etnográfico será observada, registrada e analisada toda esta
etapa, desde o processo criativo, passando pela efetivação e programação das
performances, até o contato com o público e suas recepções. Vale ressaltar que estes são
resultados hipotéticos para a finalização da oficina, os quais futuramente poderão ser
diferentes do previsto assim como a própria oficina que poderá sofrer transformações
durante o seu percurso.
Referências Bibliográficas
BERNSTEIN, Ana. A performance solo e o sujeito autobiográfico. Sala Preta, São
Paulo, n. 1, p. 91-103, 2001.
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Educação Fundamental, 1996. p. 285-235.
CARVALHO, Evelyn Raquel. “Eu quero viver de dia”- Uma análise da inserção das
transgêneros - no mercado de trabalho. Anais do VII Seminário Fazendo Gênero,
2006.
FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea.
In FLORENTINO; TELLES (Org). Cartografia do ensino do teatro. Uberlândia:
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2012.
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ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
QUAL O ESPAÇO DO ENSINO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL?
Diego de Medeiros Pereira (CAPES-DS; orientadora: Beatriz Cabral; PPGT; UDESC)
Palavras Iniciais
Com a legalização da Educação Infantil como primeira etapa da Educação
Básica brasileira, por meio da Constituição Federal de 1988, garantindo o atendimento à
crianças de 0 a 03 anos em creches e entidades equivalentes e crianças de 03 a 06 em
unidades da pré-escola, tem-se, desde então, buscado ampliar as discussões acerca de
quais conteúdos devem compor essa primeira etapa da educação.
Entre os anos de 1994 e 1996, o Ministério da Educação (MEC) realizou
encontros e seminários pelo país com o objetivo de discutir com gestores municipais e
estaduais de educação questões relativas à definição de políticas para a Educação
Infantil, assim como direcionamentos para a estruturação de suas propostas
pedagógicas.
Elaborou-se, então, o documento Política Nacional de Educação Infantil: pelos
direitos das crianças de zero a seis anos à Educação (1994), no qual foram definidos os
principais objetivos para a área, a conhecer: a expansão da oferta de vagas para a
criança de zero a seis anos, o fortalecimento, nas instâncias competentes, das
concepções de educação e cuidado como aspectos indissociáveis das ações dirigidas às
crianças, a promoção da melhoria da qualidade do atendimento em instituições de
Educação Infantil.
O documento questiona:
Como tratar uma sociedade em que a unidade se dá pelo conjunto das
diferenças, no qual o caráter multicultural se acha entrecruzado por
uma grave e histórica estratificação social e econômica? Como
garantir um currículo que respeite as diferenças – socioeconômicas, de
gênero, de faixa etária, étnicas, culturais e das crianças com
necessidades educacionais especiais – e que, concomitantemente,
respeite direitos inerentes a todas as crianças brasileiras de 0 a 6 anos,
contribuindo para a superação das desigualdades? Como contribuir
com os sistemas de ensino na análise, na reformulação e/ou na
elaboração de suas propostas pedagógicas sem fornecer modelos
prontos? (BRASIL, 1994, p. 12)
Os questionamentos apontados são bastante pertinentes, principalmente quando
pensado o trabalho com as linguagens artísticas, que, em geral, são vistas apenas por seu
viés técnico, levando, equivocadamente, os profissionais a trabalharem a Arte com foco
na criação de produtos. No que diz respeito a direcionamentos que se relacionam com o
universo artístico na Educação Infantil, o documento supracitado indica de forma
bastante genérica os seguintes objetivos para as propostas pedagógicas nesta área:
[...] fortalecer parcerias para assegurar, nas instituições competentes, o
atendimento integral à criança, considerando seus aspectos físico,
afetivo, cognitivo/linguístico, sociocultural, bem como as dimensões
lúdica, artística e imaginária. (BRASIL, 1994, p. 20).
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394, de 1996, é
reafirmado o espaço da Educação Infantil como primeira esfera da Educação Básica.
Com a mesma LDB, entretanto, o ensino de Artes passa a ser obrigatório em todas as
esferas da Educação Básica. Ainda que a Educação Infantil seja considerada a primeira
esfera da Educação Básica e, segundo a citada lei, o Ensino de Artes (visuais, música,
teatro e dança) deva ocupar todas as esferas (Infantil, Fundamental e Médio), inexiste,
ainda hoje, 18 anos após o lançamento da citada LDB o profissional específico de Artes
nesse espaço. Lanço-me, então, a pergunta que guia esta reflexão: qual o espaço do
teatro na Educação Infantil?
Contexto da pesquisa
Desde 2007, tenho trabalhado na formação de professores da Educação Infantil
nos municípios de Florianópolis e São José, ambos em Santa Catarina, práticas e teorias
acerca da apropriação da linguagem teatral por essa esfera de ensino. Ao realizar tais
formações, entretanto, comecei a perceber que existia (e ainda existe) um modo de
trabalhar teatro com as crianças mais novas com o qual eu não concordava. Um modelo
pedagógico centrado na criação de produtos artísticos, colocando as crianças como
reprodutoras de falas e marcações mecanizadas, distanciando a criança da essência
lúdica e criativa do teatro, aproximando-a de uma forma adulta de representação.
Quais seriam as referências teóricas ou metodológicas que estes profissionais
estariam se pautando para a realização desta maneira de “ensinar” teatro? Haveria uma
referência metodológica que poderia auxiliá-los na estruturação de propostas
pedagógico-teatrais coerentes com a faixas etárias em que as crianças se encontram?
Seria possível propor uma pesquisa que contribuísse com a estruturação de um trabalho
de inserção da linguagem teatral na Educação Infantil?
Santos (2004) aponta para a carência de pesquisas e estudos sistematizados,
tanto no que se refere às abordagens históricas quanto metodológicas sobre o ensino do
teatro na infância. Por conta desta lacuna, ou o educador pauta-se em modelos
tradicionais de ensino do teatro, valorizando precocemente a realização de um
“produto”, ou não se apropria da linguagem teatral por não reconhecê-la como parte do
processo educativo; “[...] pois desconhece o significado do jogo e da imitação e as suas
relações com a aquisição de conhecimentos ligados a diferentes domínios e funções
intelectuais” (2004, p. 117), conclui a autora.
Chacra aponta que
O impulso de dramatização é inerente ao homem. No nível ficcional
este impulso se realiza no “faz-de-conta” que se inicia nas
brincadeiras dramáticas das crianças (jogo simbólico) que surgem sem
intenção, sem adaptação a um propósito consciente. Essa capacidade
espontânea de representação dramática do homem mais tarde evoluirá
para o teatro. (CHACRA, 1983, p. 49).
Ainda que o foco de Chacra não era a Pedagogia do Teatro, seu texto traz
contribuições que podem clarificar propostas pedagógicas que ensejam ampliar a
habilidade natural das crianças de jogarem. A autora coloca o jogo como uma atividade
vital ao desenvolvimento do agir, pensar e sentir da criança, uma vez que esta se utiliza
da fusão entre realidade e ficção para a criação de um espaço próprio de assimilação e
acomodação das experimentações ocorridas em seu entorno.
Chacra lança um olhar ao modo como a capacidade criadora do homem se dá de
forma espontânea no início de sua maturidade psicológica e como ela evolui das
representações dramáticas mais rudimentares ao fazer teatro complexo, com suas regras
e convenções. Destaca que “[...] as regras de um teatro adulto eu faço e você assiste, não
são condizentes com a natureza infantil (CHACRA, 1983, p. 92)” e, portanto, um
modelo pautado na criação de produtos não cabe ao espaço da Educação Infantil.
Este ponto parece-me fundamental de se refletir quando da confecção de uma
proposta de experimentação teatral com crianças mais novas, sobretudo quando se apoia
na realização de uma “montagem” com as crianças, fato este que por si só é por mim
questionado.
Quando se pensa em trabalhar com a linguagem teatral a partir de uma referência
de montagem, pensa-se logo na separação de papeis. Questiono-me, entretanto, quais
critérios são usados pelo professor para a definição destes? Desenvoltura? Habilidade?
Talento? Penso que o tempo e espaço da infância devam ser voltados ao universo da
experimentação e, neste lugar, todas as crianças tem o direito de “ser” o que quiserem.
Todas podem ser a “princesa”, a “bruxa”, a “árvore”, o “sapo” e tantos outros papeis
que podem ser criados. Cada papel é uma experimentação diferente, passível de
proporcionar experiências, sensações, emoções diversas nas crianças.
Todas querem participar da brincadeira de fingir ser outro e, portanto, a
imposição de papeis ou o trabalho pedagógico pautado na separação entre atores e
plateia são referências que penso, assim como Chacra, não serem cabíveis no universo
da Educação Infantil.
A compreensão e assimilação da diferença entre dramatizar e fazer teatro por
parte da criança é um processo que necessita ser desenvolvido por um profissional que
possua conhecimento das diferenças entre essas ações, que estruture de forma
encadeada uma proposta pedagógica que alimente o universo simbólico da criança e
permita que este se manifeste de forma coletiva e criativa. Como observa Chacra:
A criança abandona o jogo simbólico egocêntrico que é substituído
pelo jogo de regras, na medida em que ela se socializa. Observa-se
então a passagem do jogo simbólico pra o jogo dramático e deste para
o jogo teatral. Mas é sem dúvida uma pedagogia, através de uma
educação artística adequada, que poderá cultivar e alimentar as
primeiras manifestações dramáticas da criança, ajudando-a na
passagem de um jogo a outro, de acordo com o seu desenvolvimento e
as suas necessidades (CHACRA, 1983, p. 69).
Acredito que um profissional consciente das potencialidades criativas da criança
e das necessidades postas ao seu desenvolvimento, pode se pautar em propostas teatrais
para a ampliação das experiências lúdicas daquela. Não há dúvidas de que qualquer
atividade imposta distancia a criança de sua espontaneidade e cria bloqueios, situações
embaraçosas (em que a criança não quer se “apresentar”, por exemplo, e o professor
tenta obrigá-la porque os pais estão na plateia querendo assistir ou porque é o “trabalho”
do professor que está sendo exposto).
Pautar-se em um modelo de trabalho com o teatro que busca a “montagem” de
“pecinhas” para a apresentação nas festas escolares pouco ou nada contribui para
construção da linguagem teatral. Esse modelo imposto de representação inibe a
capacidade criativa da criança e transforma a brincadeira dramatizada, naturalmente
divertida, em uma atividade morosa.
Enquanto inexiste o profissional específico para trabalhar com a linguagem
teatral na Educação Infantil – uma luta que creio que nós profissionais do teatro
devemos travar –, que ações compensatórias podem ser realizadas para que a linguagem
teatral não seja abandonada ou trabalhada de modo equivocado neste espaço? A partir
desse questionamento propus a criação de um laboratório cênico que favorecesse uma
experiência teatral para profissionais da Educação Infantil que tivessem interesse em
aprender sobre a linguagem teatral. Deste laboratório, foi criado o grupo Trupe da
Alegria.
A Trupe da Alegria
Em 2010, por conta da realização do meu mestrado em Teatro, criei um grupo de
profissionais da Educação Infantil interessados em participar de uma formação à
linguagem teatral. Como resultado do processo nasceu a Trupe da Alegria que nesse
ano apresentou seu primeiro espetáculo Uma Creche Divertida e Colorida, este pautado
na exploração de elementos que estruturavam a Commedia dell’arte1 e o apresentou em
08 unidades de Educação Infantil do município de Florianópolis.
A proposta da criação de um grupo de teatro formado por profissionais da
Educação Infantil tem um que considero importante destacar. Eu sou um professor de
teatro que assumi a direção de um grupo, não de atores (no sentido profissional do
termo), mas de profissionais da Educação Infantil (que hoje são atores também) que tem
consciência e conhecimento do desenvolvimento das crianças. A prática desses
professores com as crianças influencia as escolhas artísticas e estéticas da Trupe e o
trabalho com a Trupe amplia as possibilidades pedagógicas de tais profissionais em
relação ao teatro.
Em 2011, incorporamos novos integrantes ampliando o número de participantes
de 14 para 20. A proposta, neste segundo ano, era criar um espetáculo a partir de alguns
“tipos” brasileiros e da estética do Teatro de Revista2. O espetáculo criado foi Brasil de
Todas as Cores, esse foi apresentado em 16 unidades de Educação Infantil do mesmo
município, sempre de forma gratuita, colaborando tanto na formação de plateias infantis
quanto na formação do olhar dos demais profissionais desse segmento, para as
possibilidades de criação de teatro para crianças que fujam dos clássicos e incorporem
questões do próprio universo infantil, como é o caso dos espetáculos criados pela Trupe.
Em 2012, o grupo decidiu seguir apresentando seu segundo espetáculo,
entretanto, elaboramos um novo projeto intitulado Um dia com a Trupe da Alegria que
consistia em: no período matutino apresentarmos o espetáculo para as crianças e no
período vespertino oferecermos experimentações para as mesmas e para os profissionais
da unidade que estivessem nos recebendo em formato de oficina coletiva.
As apresentações foram realizadas ao longo do ano de 2012, a cada quinze dias,
totalizando 16 visitas. O contato direto com as crianças nas experimentações (seus
comentários, críticas, envolvimento, identificações) assim como o diálogo com os
profissionais de cada unidade visitada (relatando e discutindo suas experiências com
teatro na Educação Infantil, em suas unidades, na sua formação acadêmica) serviram
como fonte de reflexão para que eu pudesse estruturar a minha pesquisa em fase de
conclusão.
Ao longo de 2012, o grupo passou a estudar textos relacionados ao fazer teatral,
buscando discutir sua prática em diálogo com discussões da Pedagogia do Teatro,
dentre estes materiais, alguns relativos ao método do Drama3. Ainda em 2012, foram
selecionados outros participantes que passariam a compor o elenco do novo espetáculo
que foi construído em diálogo com a pesquisa do meu doutorado. O processo de
formação que culminaria na elaboração e realização dos processos de Drama que serão
apresentados e analisados na minha tese, teve início, portanto, no segundo semestre de
2012.
Em 2013, foi criado e apresentado o espetáculo Navegando a terras distantes,
contando com a participação de 31 profissionais da Educação Infantil assim como foram
desenvolvidos 09 processos de Drama com crianças entre 02 e 06 anos que serviram de
experimento prático para minhas discussões acerca do trabalho com a linguagem teatral
na Educação Infantil. Os experimentos foram estruturados de forma coletiva, com a
colaboração dos demais membros que não atuariam no desenvolvimento das propostas e
com minha orientação a partir dos contextos e ideias inicias trazidas pelos profissionais
que conduziriam os processos.
No encontro semanal do grupo dedicávamos um tempo à discussão, avaliação e
estruturação dos processos de Drama em andamento. Os condutores expunham suas
experimentações e os demais membros do grupo lançavam ideias e questionamentos,
auxiliando no encaminhando das futuras etapas. Eu trabalhei em conjunto com os
condutores, organizando os materiais, escolhendo as estratégias de trabalho e avaliando
as sessões realizadas. Acompanhei em torno de duas sessões de cada processo na
unidade educativa, na qual coletei imagens e pude observar as crianças e os condutores.
Como uma maneira de organizar meu olhar e estruturar minha análise do
material coletado, decidi dividir os experimentos em três blocos de acordo com as
seguintes faixas etárias: 02 a 03 anos (03 experimentos), 04 a 05 anos (03 experimentos)
e 06 anos (03 experimentos). Esta classificação não se deu de forma aleatória, foi
pautada na percepção de que em cada um desses períodos a maneira como as crianças
lidavam com as proposições dramáticas e os diferentes aspectos da linguagem teatral
exigia que as estratégias fossem pensadas de maneira particular e o trabalho
desenvolvido de acordo com tais particularidades.
Minha análise partiu das especificidades que observei nos períodos etários acima
destacados em relação às propostas com o Drama e da maneira como os processos eram
organizados e desenvolvidos de acordo com a percepção dos modos com as crianças
interferiam e se envolviam nas propostas. Como aporte teórico para refletir sobre cada
período utilizei os fundamentos da periodização do desenvolvimento infantil na
perspectiva histórico-cultural a partir de Vygotsky e seus colaboradores. O resultado
deste estudo será apresentado no primeiro semestre de 2015, como conclusão do curso
de Doutorado em Teatro, pela Universidade do Estado de Santa Catarina.
Algumas reflexões
Interessa-me pensar a atividade dramática infantil como uma brincadeira de fazde-conta que, aos poucos, pode se tornar teatro. O professor, munido de experiências e
conhecimentos acerca das estruturas da linguagem teatral, pode iniciar um processo de
ampliação deste espaço lúdico, por meio de experimentações dramáticas. Destas
experimentações ele pode conduzir a uma assimilação de aspectos da linguagem teatral,
iniciando uma familiarização com essa linguagem.
Penso que, ainda que o profissional da Educação Infantil não tenha formação
específica na linguagem teatral, ele pode enriquecer o jogo dramático infantil com
materiais teatrais e aos poucos inserir suas crianças no universos do teatro. Se a partir de
sua proposta de experimentação lúdica resultar uma experiência passível de ser
compartilhada com outras crianças e pessoas, que seja feita, respeitando os limites e
desejos da própria criança, mas focando no processo de assimilação da linguagem e não
na criação de um produto artístico. Para tanto, esse profissional necessita de uma
formação à linguagem teatral que o leve a percepção de que o teatro enquanto produto
artístico encontra-se em um “terreno” diferente do teatro enquanto linguagem artística,
essa construção se dará se os profissionais do teatro mostrarem-se abertos ao diálogo e à
compreensão das especificidades da infância e se debruçarem na ampliação do espaço
dedicado ao ensino do teatro na Educação Infantil.
Bibliografia
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n ͦ 9394, de 20 de
dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF,
1996.
_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Política Nacional de
Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação. Brasília, DF:
MEC, SEB, 1994.
CHACRA. Sandra. Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo: Perspectiva,
1983.
SANTOS, Vera Lúcia Bertoni dos. Brincadeira e conhecimento: do faz-de-conta à
representação teatral. Porto Alegre: editora Mediação, 2004.
VENEZIANO, Neide. Não adiante chorar: teatro de revista brasileiro... oba! São Paulo:
Campinas: UNICAMP, 1996.
1
Para maiores informações sobre o processo consultar: PEREIRA, Diego de Medeiros. Commedia
dell’arte e educação infantil: um processo de formação de professores. 2011. 204f.: Dissertação
(mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Linha de
Pesquisa: Teatro Sociedade e Criação Cênica, Florianópolis, 2011.
2
Espetáculo ligeiro, misto de prosa e verso, música e dança, faz, por meio de inúmeros quadros, uma
resenha, passando em revista fatos sempre inspirados na atualidade. Segundo Veneziano, “[...] algumas
características lhe são típicas e quase sempre presentes [...]: sucessão de cenas ou quadros bem distintos; a
atualidade; o espetacular; a constante intenção cômico-satírica; a tendência em utilizar um fio condutor; a
rapidez de ritmo. (1996, p. 28)”. O “fio condutor” é um enredo que une as cenas ou quadros buscando um
encadeamento entre as ações e fatos desenvolvidos em cena.
3
Drama é um fazer teatral desenvolvido no início dos anos 70 em países anglo-saxões, a partir dos
trabalhos da professora e atriz Dorothy Heathcote e difundido no Brasil pela Dra. Beatriz Cabral.
1
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
CAMINHOS PARA UM TRABALHO TEATRAL COM
ADOLESCENTES NA ESCOLA
O EXPERIMENTO MP3
Dimitri Steckel Camorlinga; Diego de Medeiros (Orientador); Centro de Artes – CEART,
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.
Esse artigo analisa uma experiência realizada no primeiro ano de ensino médio regular do
Instituto Estadual de Educação em Florianópolis, durante as aulas de Artes, como parte do
Estágio Curricular do curso de Teatro da UDESC. A experiência se pautou inicialmente no
contato com os alunos pela Internet, através do Facebook, e mais adiante se desenvolveu a
partir da ideia de construção de um “Experimento mp3”, baseado no trabalho do coletivo
Nova Iorquino Improv Everywhere. Nesse processo foram levantados diferentes aspectos
sobre o trabalho com adolescentes em uma escola pública, as possibilidades de trabalho a
partir da visão de uma construção coletiva de performance, suas relações com o teatro
“tradicional” e o diálogo com dinâmicas e jogos teatrais comuns a metodologias reconhecidas
na área da Pedagogia do Teatro.
Palavras-chave: Teatro, educação, performance
O trabalho com teatro nas escolas se desenvolve de diversas maneiras. Isso eu pude
constatar nesse ano a partir da minha própria prática de estágio, bem como ouvindo relatos
sobre as práticas dos meus colegas de disciplina. Essa variedade de abordagens, em muitos
casos, passa por metodologias de ensino do teatro já reconhecidas (jogos teatrais, teatro do
oprimido, process drama), porém existe ainda uma perspectiva que, ao meu ver, precisa
entrar com mais vigor nas práticas desenvolvidas atualmente nas escolas, perspectiva essa que
geralmente perpassa o discurso de quem propõe montagens de espetáculos na Universidade,
com todo seu arcabouço de pós-dramático e pensamento contemporâneo.
A pertinência do ensino de teatro na educação tem sido constantemente levantada,
originando análises por diversos autores, como lembra Juliana Cavassin,
Muito se sabe a respeito da importância do Teatro na Educação em todos os campos de
atuação. Os princípios pedagógicos do Teatro traçam relações claras entre Teatro e educação,
considerando essa arte como uma forma humana de expressão, a semiótica e a cultura. Daí a
ênfase em aspectos sígnicos, simbólicos, de linguagem e comunicação que vem sendo
estudados e sistematizados na área. (CAVASSIN, 2008, p. 40-41)
Hoje, no entanto, é necessário buscar caminhos que desenvolvam propostas de relação
com os alunos pautadas nas novas perspectivas que a própria teoria teatral já desenvolveu a
partir de diversos autores. Não que isso determine a necessidade de eliminar as metodologias
citadas anteriormente, mas talvez sugira que possamos nos apropriar das mesmas no que elas
contribuem (o que não é pouco), e percebê-las dentro de um contexto novo, com toda a
influência de uma geração que nasceu com a internet, cujos maiores referenciais são
audiovisuais, onde o celular é um elemento inevitável em sala de aula. E as discussões que
estão em pauta no teatro feito nas universidades costumam aprofundar-se nesses dados.
Esse artigo busca apresentar o processo e alguns resultados de uma escolha feita
durante o estágio que realizei na turma 111, primeiro ano do ensino médio regular, no
Instituto Estadual de Educação, sob a orientação dos professores Wellington Menegaz
2
(2013.1) e Diego de Medeiros (2013.2). Essa escolha, de trabalhar com os alunos a partir de
uma relação com a internet (Facebook), e posteriormente com o Experimento mp3 (baseado
no trabalho do grupo nova iorquino Improv Everywherei), mostrou-se um caminho frutífero e
com muito espaço para exploração em uma aula de Artes no Ensino Médio, sendo então o
objeto de análise que guiará esse trabalho.
A escolha do campo de estágio se deve por diferentes fatores. Um deles foi a
possibilidade de trabalhar em conjunto com a professora de Artes Lara Tatiane de Matos, cuja
formação também se deu na UDESC, o que gera uma possibilidade maior de diálogo com a
sua didática a partir de bases comuns, além de a mesma possuir um posicionamento crítico e
instigador com os jovens.
O próprio ambiente, de certa forma, sugeriu um trabalho que extrapolasse as
metodologias mais comuns que são apresentadas em um curso de Teatro. Tive a oportunidade
de participar de processos com essas metodologias, e o ambiente do IEE não me pareceu, pelo
menos na forma como encontrei a turma, propício ao trabalho com as mesmas (pelo menos
não no modo como as conhecia, ou nas suas abordagens mais “tradicionais”). Dessa forma
busquei um caminho que passasse por outras referências e que tivesse uma relação mais
profunda com os anseios dos estudantes, segundo a minha percepção.
Pude então encontrar uma linha de pensamento que discute a educação artística e a
arte de uma forma mais ampla, a partir de perspectivas "inter", como proposto por Ana Mae,
(...) queremos chamar a atenção para a interculturalidade, a interdisciplinaridade e a integração
das artes e dos meios como modos de produção e significação desafiadores de limites,
fronteiras e territórios que reclamam uma visão rearticuladora do mundo e de nós mesmos.
(BARBOSA, 2008, p. 25)
Por mais que alguns destes termos estejam puídos nos textos acadêmicos e nos
discursos de diferentes correntes pedagógicas, ainda não me parece que as práticas, na sua
maioria, estejam coerentes com o peso dessa ideia, que culmina em um espaço de
interterritorialidadeii. Este termo para mim é um guia onde posso basear minhas ações com os
jovens de uma escola com as proporções do IEE, cujo território pede uma intervenção
proporcional a esse ambiente escolar/urbano (pensando que de fato o IEE é uma pequena
cidade que se configura entre corredores compridos, diversos andares, secretarias e
coordenações), não podendo receber as mesmas propostas que uma escola de menores
proporções onde, por exemplo, todos se encontram depois da aula, são vizinhos ou até mesmo
parentes.
A partir dessa perspectiva as escolhas foram objetivamente estabelecidas, sem no
entanto definirem um caminho inflexível. Inclusive partindo da relação que aos poucos
construí com os alunos, em um primeiro projeto via Facebook, percebi a possibilidade de
introduzir nas aulas algumas dinâmicas teatrais que envolvem o corpo, com jogos e exercícios
que, a princípio, não me pareciam ter muito espaço em uma turma de quase quarenta alunos,
adolescentes, que até então não tiveram aulas de teatro. Parecia que as relações construídas no
primeiro projeto, compartilhado e discutido no Facebook e em sala (mais adiante me
aprofundo nesse ponto), quebraram uma barreira frágil, que talvez se enrijecesse caso as
dinâmicas surgissem nos primeiros encontros, sobretudo oriundas de alguém ainda tão
distante.
Essa primeira proposta foi como uma introdução sutil no território deles, deixando que
percebessem a construção da nossa relação de maneira natural, sem uma “forçação de barra”,
tanto em sala quanto via Facebook. Nesse sentido o fato de eu ter crescido e vivido a minha
adolescência já tendo essas ferramentas (ou similares) à diposição, me deixou mais tranquilo
sobre alguns aspectos sutis das relações que se estabelecem entre cada comentário e “curtida”
na rede on-line, e eu pude assim me posicionar em alguns momentos, sem ser um estranho
3
completo, bem como às vezes deixar o espaço virtual livre para brincadeiras e diálogos
internos, que não tinham uma relação direta com a aula, mas que criavam um ambiente
propício ao encontro e intercâmbio entre os diferentes territórios, resultando em uma mudança
visível no que era desenvolvido em seguida, tanto em aula como no Facebook.
DESCOBRINDO O CAMINHO
Nos pensamentos que circulam as diferentes práticas artísticas com as quais me
envolvo, seja na Universidade ou em outros ambientes de criação, as fronteiras entre os
diversos territórios surgem cada vez mais embaçadas, por vezes sequer explicitando-se. Dessa
forma percebo que por vezes estou realizando um trabalho de dança que também é teatral;
percebo um texto narrativo e suas possibilidades enquanto contação de história a partir de um
viés fotográfico; sinto no meu cotidiano, nas músicas que escuto, uma referência para a minha
escrita, e na minha escrita uma influência dos vídeos que assisto na internet. Consigo então
perceber, com esse olhar polivalente que o artista hoje em dia é quase obrigado a assumir, que
a minha vida (pessoal e profissional) gira em torno de relações constantes entre diversos
âmbitos da arte, uma fusão de percepções que nem sempre podem ser separadas nas suas
“caixinhas”.
Se isso me guia enquanto artista, gerando impulsos articuladores que determinam uma
visão integradora da minha realidade enquanto confluência de diversos territórios (novamente
uma interterritorialidade), porque não aproveitar o mesmo caminho para o desenvolvimento
dessa perspectiva no trabalho com os adolescentes, na escola?
Essa visão sugere que os alunos, mesmo que no contexto da instituição escolar,
passem a assumir uma função mais protagonista na relação com as Artes em geral, visto que
eu não sou conhecedor dos territórios nos quais eles circulam, e portanto preciso que me
mostrem suas potencialidades, seus territórios, para que eu tenha claro por onde podemos
caminhar.
Em termos de comunicação, e mesmo como fonte de informação, eu também participo
do território on-line que eles já dominam tão naturalmente, e nesse espaço posso encontrar um
contato com os adolescentes onde os nossos territórios de conhecimento se encontram. Nesse
momento o Facebook, enquanto plataforma de relacionamento social via web surge com um
olhar ainda pouco percebido pelos educadores no Brasil.
Parece-me importante citar, para a contextualização da relação do brasileiro com a
internet, alguns dados referentes ao nosso envolvimento com o Facebook. No começo de
2013 foi anunciado que o Brasil é o país que mais acrescenta usuários nessa plataforma,
somente em Dezembro de 2012 foram 2,4 milhões de brasileiros que adicionaram os seus
perfis ao Facebook, que no final do mesmo ano tinha um total de 64,6 milhões de usuários do
Brasiliii.
Os projetos que buscam o envolvimento da educação com a internet, a partir de
plataformas on-line próprias, têm crescido exponencialmente, mas ainda são poucos no Brasil,
e tais plataformas não possuem de longe o alcance do Facebook. Dessa forma, mesmo indo
contra a opinião de alguns estudiosos nos Estados Unidos, que orientam a utilização de
plataformas específicas para a educação no relacionamento com os estudantes, em detrimento
de plataformas que utilizamos diariamente no nosso relacionamento com amigos e
familiaresiv, eu optei por me conectar com os alunos através do Facebook, cujo acesso é geral
na turma (isso eu descobri logo que fiz um pequeno levantamento sobre o acesso da turma à
internet, facebook e aparelhos celulares com câmeras, ficando claro que todos acessam
diariamente essas ferramentas).
4
Dessa forma busquei caminhos que tivessem algum tipo de relação com a plataforma
que guiou nossos primeiros passos juntos. Surgiu então a ideia de trazer possibilidades para os
alunos que também fossem novas para mim, no caso o Experimento mp3v. Instigava-me
muito essa possibilidade, por ser algo que eu havia descoberto na internet, a partir de um
interesse meu enquanto artista, vendo também no trabalho proposto pelo Coletivo Nova
Iorquino um caminho para o desenvolvimento de diferentes habilidades presentes na turma
111, descobertas após um primeiro trabalho que fora compartilhado na página que criamos no
Facebookvi.
Eu não tinha nenhuma referência de como trabalhar esse processo, e me percebi um
pouco perdido, tanto quanto instigado, visto que o que me movia para esse caminho surgia de
um impulso duplo, de artista e professor. Imaginava como seria mobilizar algo nessa linha
dentro da escola, sabendo inclusive das dificuldades burocráticas que possivelmente viriam,
ou mesmo da relação que seria necessário construir com a turma para chegar nesse ponto.
Me sinto contemplado no que Mirian Celeste levanta quando cita a questão do desafio,
que intensifica essa imbricação entre artista-educador: “No ensino da Arte é preciso pensar
em desafios instigadores, desafios estéticos. Este não seria o impulso presente nos artistas?
Assim como o artista recebe encomendas, novos desafios de processo de criação; o aprendiz e
o educador de Arte também os enfrentam.” (MARTINS, 2008, p. 57)
Pensar então em um trabalho que se aproxima da performance, tendo o objetivo de
proporcionar aos jovens uma aproximação à linguagem teatral de forma mais ampla,
dialogando com territórios extraclasse, e de acordo com as suas experiências, ao meu ver
segue esse rumo, que, segundo Carminda Mendes, é um caminho que dialoga com a situação
cultural na qual vivemos atualmente:
O contexto de crise e mudanças no ambiente cultural brasileiro exige do professor de teatro a
ampliação desse ensino para além da “sensibilização”, para além do ensinar modelos já
estabelecidos, colocando-o para fora da sala de aula e o fazendo atuar no pátio da escola, na
rua, no bairro, servindo como agente mediador entre arte e comunidade. (ANDRÉ, 2007 p. 21)
Cabe aqui levantar uma conversa que se desenvolveu com a turma quando da minha
chegada, no primeiro dia de estágio, no qual me apresentei e brevemente discutimos o teatro e
um pouco dos seus limites, onde ele se encontra e alguns “porquês”. Em determinado
momento perguntei se alguém gritando na rua estaria fazendo teatro. As respostas imediatas
se dividiram entre sim e não. Aos poucos começaram as relativizações “Depende do que ele
estiver gritando”, arguiu um dos estudantes, “Ou de porque ele está gritando” colocou outro.
Dessa forma chegamos a uma conclusão muito básica, mas fundamental e que guiou diversas
vezes o nosso trabalho mais adiante: para fazer teatro, e arte em geral, existe algum tipo de
pensamento por trás.
Nesse processo pude, em um primeiro momento, desenvolver um trabalho de
percepção sobre os limites do grupo, tanto nas discussões teóricas (que muitas vezes incluíam
a matéria curricular de história da arte), quanto nas práticas que aos poucos fui propondo, a
partir de jogos teatrais e exercícios de improvisação, além do Experimento mp3.
A turma mostrou bastante abertura paras as atividades práticas, o que me fez ampliar
essas experiências e incluí-las de alguma forma no Experimento mp3. Mais talvez do que uma
abertura, isso pode ser percebido como uma necessidade dos alunos, principalmente em um
momento da vida em que são muito cobrados para fazer coisas com um objetivo claro: estudar
para entrar na faculdade, ou para conseguir um emprego que pague bem e assim ajudar nas
contas da casa. A brincadeira nesse contexto assume uma função libertadora, um pouco de
diversão que pode ser “de graça”, como destaca o próprio Charlie Todd, fundador do Improv
Everywhere:
5
Vocês sabem, quando crianças, nós somos ensinados a brincar, e você nunca sabe qual o
motivo disso, é simplesmente aceitável que brincar é uma coisa boa, e eu acho que isso é de
certa forma o objetivo do Improv Everywhere. É que não há um objetivo, e que não tem que ter
um objetivo. Nós não precisamos de um objetivo, desde que seja divertido. (...) Eu acho que
como adultos nós temos que aprender que não existe um jeito certo ou errado de brincar.
(TODD, 2011, 11:25)vii
No primeiro experimento realizado em sala, com a proposta do mp3, pedi que os
alunos trouxessem os fones de ouvido e celulares, e repassei o arquivo com duração de meia
hora que eu havia preparado, utilizando, para tanto, trechos dos trabalhos que haviam sido
publicados na página da turma no Facebook.
Ninguém sabia exatamente o que iria acontecer, eu havia pedido que trouxessem os
fones sem explicar qual seria o uso que daríamos para eles. Enquanto iam colocando os
arquivos no celular (o que demorou bastante), alguns já começavam a ouvir o primeiro trecho
do áudio e isso gerou mais curiosidade, visto que utilizei um efeito na minha própria voz, que
tinha a função de narrador/guia.
Muitos não levaram seus fones, alguns não conseguiram acessar o arquivo e, dessa
forma, não foram todos que puderam participar “de dentro”, apenas um terço da turma. Mas
como a função de espectador que não sabe o que está acontecendo também interessa nesse
caso, quem estava de fora assumia de certo modo uma posição de participante, às vezes tendo
que se deslocar por conta da atividade dos que estavam ouvindo o arquivo, ou simplesmente
reagindo ao que observavam, que surgia como algo incomum em sala de aula, onde não havia
uma voz mestra explícita (em geral a do professor), mas mesmo assim um grupo de alunos
desenvolvia um trabalho em conjunto, por conta do mp3 que os orientava.
Os resultados foram interessantes, inclusive como análise do grupo todo sobre o que
funcionava melhor durante o Experimento, e coisas que talvez devessem ficar de fora. Um
dos pontos levantados foi a duração do arquivo, um pouco exagerada segundo a percepção da
turma.
OS "RESBALOS"
Como um caminho que está em processo de descobertas, o trabalho com a turma 111
nem sempre foi tão simples por diversos aspectos, alguns deles contornáveis, outros não tanto.
Um ponto fundamental é a própria estrutura da escola, que não cabe aqui descrever com tanta
exaltação quanto às suas falhas básicas do ponto de vista pedagógico/social (muitos outros
trabalhos acentuam isso com grande precisão), mas não posso deixar de contextualizar as
dificuldades que encontrei ao não ter um ambiente muito propício para o diálogo com outros
professores ou mesmo com a direção da escola no sentido de impulsionar o trabalho que vem
sendo desenvolvido.
Algumas intervenções, inclusive, demonstravam a falta de respeito com o espaço do
professor em sala, quando, por exemplo, sem aviso prévio a coordenação convocava, no meio
da aula, todos os alunos para fazerem sua inscrição em um evento obrigatório da escola. Isso
naturalmente desestrutura o processo que estava sendo encaminhado, por vezes sem
possibilidade de volta no mesmo dia, mas apenas na semana seguinte.
Se houvesse, por parte da escola, uma outra perspectiva, inclusive com relação às
iniciativas de trabalho que integram o ensino com as tecnologias existentes, outras formas de
relação dentro da instituição seriam possíveis, como destaca Renato Rocha:
São muitos os atores responsáveis pelo sucesso das iniciativas. O papel da equipe responsável
pela implantação de recursos tecnológicos para objetivos educacionais assemelha-se ao de
facilitadores do acesso e mediadores de dinâmicas. Sua responsabilidade é conjunta com a dos
professores, de procurar as melhores formas de utilização das ferramentas tecnológicas dentro
6
do contexto das suas escolas, exercitando o bom senso, a sensibilidade pedagógica e
construindo a todo instante uma perspectiva que seja ao mesmo tempo integradora e
revolucionária, porque somente as mudanças paulatinas podem ser bem sucedidas na
tradicional estrutura escolar. (SOUZA, 2006, p. 51)
Não só era difícil o diálogo (ou quase impossível), mas também limitado o acesso às
ferramentas que nos apoiavam. O Facebook é bloqueado na rede wireless da escola, bem
como o Youtube, o que dificultava o trabalho na escola, sendo necessário pedir aos alunos que
realizassem apenas em casa algumas das atividades e me obrigando a fazer download em casa
dos vídeos que mais adiante mostraria para a turma como referências do Mp3 Experiment.
Perceber os caminhos possíveis com a turma também não é tarefa simples. Por mais
que a relação em dado momento já estivesse mais estabelecida, existem sempre dias menos
favoráveis, seja por uma ansiedade da turma com relação a alguma prova, ou por cansaço (dos
alunos e dos professores). Dessa forma, por mais que nas aulas buscássemos uma relação
horizontal com os estudantes, em certos momentos era necessário ressaltar quase em “bronca”
a condição favorável que tínhamos para trabalhar de um modo diferente do que geralmente é
proposto nas aulas de Artes, inclusive frisando a estrutura por trás de um estágio, as duas
instituições envolvidas, professor e orientador.
Essas conversas, colocadas de modo sincero, geralmente surtiam algum efeito
positivo, e nesses momentos algumas discussões podiam ser encaminhadas, inclusive
sublinhando o pioneirismo de aulas que não tratem o Facebook, celulares e outras ferramentas
tão comuns aos adolescentes como apenas “problemas” a serem resolvidos, ou mesmo
abolidos da sala de aula.
Outra questão que gerou uma necessidade de adaptação constante no trabalho com a
turma foi a frequente mudança de alunos, muitos saindo e alguns novos entrando.
Principalmente durante o primeiro semestre, quando a coordenação ainda está revendo, a
partir das reuniões pedagógicas, turma por turma, houve uma constante mudança no grupo,
que nos forçava, às vezes, a ter que retomar alguns pontos do trabalho que já haviam sido
discutidos meses antes, criando assim um certo cansaço para os que estavam desde o começo.
O CAMINHO MAIS CLARO
Aos poucos fomos construindo novos pensamentos, partindo da relação que os jogos
teatrais propunham, o que era potencializado quando tínhamos as condições de manter uma
certa frequência nas atividades, sem interrupções de eventos da escola, ou da própria
coordenação, além da matéria curricular que por vezes compunha parte das aulas (ajudando
em muitos momentos a perceber a turma sob outra perspectiva). Dessa maneira pareceu-me
que finalmente o território comum entre todos estava ganhando força. O início do segundo
semestre, nesse ritmo, deu a possibilidade de uma continuidade bem planejada em torno do
Experimento mp3. Assistimos juntos em sala alguns vídeos com as referências originais (visto
que nem sempre era garantido que toda a turma acessaria os vídeos postados na página do
grupo), e em seguida partimos para o planejamento do que seria a segunda versão do
Experimento dentro da sala de aula.
Como introdução a essa etapa levei alguns vídeos originais do Improv Everywhere e
seus Mp3 Experiments. A reação da turma foi unânime quanto ao interesse, pois viram como
o ambiente divertido das intervenções, a partir do experimento, engajava diferentes pessoas,
tanto participantes quanto espectadores, gerando um ambiente extra cotidiano nos mais
diversos lugares (por vezes com alguns “requintes de maluquices” tais como dançar com um
objeto aleatório dentro de uma loja, entre outros).
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O envolvimento de todos foi muito maior, tanto na construção do projeto, com ideias
retiradas dos vídeos e das relações encontradas nos jogos teatrais, quanto no dia em que o
experimento aconteceu na sala. Diferente da primeira vez, quando apenas oito alunos ficaram
até o fim do experimento seguindo as orientações do arquivo, nessa segunda versão eram
poucos os que estavam de fora, não chegando a cinco alunos.
Foi nesse momento que percebi o real potencial da turma em realizar um experimento
aberto com a escola, no horário do recreio, e propus pontualmente isso a eles. O engajamento
foi grande, e as ideias surgiram com muita facilidade para desenvolvermos algo ampliado.
Algumas questões chegaram a ser discutidas sobre a viabilidade de conseguir com que outros
alunos aderissem ao Experimento, mas todos concordaram que deveríamos levar isso adiante
como um desafio, sem ter a necessidade de obter sucesso absoluto, mas como experiência que
traria ao grupo novas perspectivas sobre o que podemos realizar, toda a questão de viabilidade
técnica, registro, divulgação, etc.
Desse ponto em diante corremos contra o tempo, as aulas estavam quase acabando,
teríamos uma aula a menos que o planejado, visto que a professora Lara não poderia estar em
um dos dias, e isso tudo gerou uma certa correria. Um grupo pontual se propôs a assumir
algumas funções como a escrita do roteiro, baseado no que já havia sido discutido em sala.
Tive a ajuda deles também no processo de diálogo com a direção para “oficializar” a ação,
além é claro da divulgação entre os colegas que foi assumida por todos, tendo também a ajuda
da Professora Lara que dava aula em outras turmas.
Algumas das ações decorrentes desse processo poderiam ter sido potencializadas por
um trabalho interdisciplinar, que segundo a análise de Ana Mae é ainda anterior à
Interterritorialidade (BARBOSA, 2008, p. 43), porém o contexto não era nem um pouco
favorável, os alunos aos poucos se mostravam agitados com a chegada do fim do ano letivo,
muitas preocupações com provas e médias faziam com que a experiência se limitasse aos
nossos encontros em sala e alguns momentos de comunicação virtual, além do recreio no dia
em que o Experimento mp3 foi realizado na escola.
Um elemento que salta nesse tipo de trabalho (e talvez tenha um pouco a ver com a
faixa etária também) é a singularidade de cada um dentro do processo, com diferentes
potenciais e níveis de envolvimento. Surgia constantemente um impulso de me juntar-me com
determinado aluno e ajudá-lo no desenvolvimento de algo específico, como o cartaz de
divulgação do Experimento, ou a gravação do áudio. Em alguns era perceptível a vontade de
se jogar na brincadeira, experienciar a proposta com tudo que tem direito, se sentir na
performance.
O que ajudou a perceber mais concretamente isso foi uma avaliação que levei para a
turma, na qual os alunos classificavam qual aspecto das aulas foi mais significativo entre:
jogos e dinâmicas práticas; relação com a turma e os professores via Facebook; o
Experimento mp3; as discussões na sala. Depois havia também uma classificação de
elementos dentre de cada um desses aspectos. Foi incrível perceber a variação nas respostas,
não consegui destacar um aspecto que tenha sido de maior interesse do grupo como um todo,
ou mesmo algo que ninguém tenha gostado.
Percebi que a Arte para a turma agora se encontrava em outro patamar, diferente do
que geralmente se consegue trabalhar dentro desse contexto escolar específico (respaldado
nessa minha opinião pelos comentários de alunos de outras turmas, que fazem aula com a
Professora Lara e que também participaram do Experimento mp3 no recreio. Eles
reivindicavam a todo custo aulas de Artes nos mesmos moldes da turma 111!). Nesse ponto
penso que posso ter logrado um pequeno feito de envolver a turma toda em um processo de
construção artística, a partir de um pensamento contemporâneo (inclusive no uso da
tecnologia), seguindo uma linha coerente com o que Carminda nos aponta na sua análise de
8
possibilidades de trabalho com a Arte na escola, buscando um caminho que não faça da
mesma mero objeto de projetos educativos:
(...) é preciso repensar as relações entre educação e arte no ambiente escolar, esta última
diferenciada da lógica dos projetos pedagógicos, para que o ensino das artes seja um espaço de
acesso aos modos operativos da arte com o propósito de garantir a possibilidade da experiência
do êxtase e da multiplicidade cultural. Para que isso aconteça, é necessário que a arte conquiste
um espaço no ambiente escolar onde a cena possa produzir esse êxtase. O ambiente escolar é o
lugar próprio da educação e para que a arte possa ser exercida com propriedade nesse lugar que
não está apropriado a ela mas a um outro, é preciso que haja um movimento de interação entre
educação e arte. Mas para que se provoque este movimento, é preciso uma atitude docente,
principalmente por parte dos professores de artes, que os transformem em agentes culturais
dentro do ambiente escolar. (ANDRÉ, 2007, p. 93)
Dessa forma percebo que o êxito não está no grupo de jovens que se destacou no
recreio ouvindo um arquivo de áudio e executando tarefas estranhas, cumprimentando pessoas
desconhecidas e fazendo um “trenzinho” pelo pátio, mas a percepção que se abriu em cada
um dos estudantes (e também nos professores) a partir de todo um processo de pensamento,
articulação e realização de um Experimento que com certeza teve algo de pioneiro naquele
contexto.
Fico imaginando as possibilidades que surgiriam caso a turma seguisse com um
trabalho semelhante durante os seus últimos dois anos de escola, e me invade uma imensa
vontade de seguir investigando nessa linha enquanto futuro docente/artista/pesquisador. Os
territórios já estão interligados, basta dar uma atenção especial a isso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRÉ, Carminda Mendes. O teatro pós-dramático na escola. São Paulo, 2007. 206 p. Tese
de doutorado - Faculdade de Educação do Estado de São Paulo.
BARBOSA, Ana Mae. Interterritorialidade na Arte/Educação e na arte. In: BARBOSA, Ana
Mae, AMARAL, Lilian (org.). Interterritorialidade – mídias, contextos e educação. São
Paulo: Edições SESC SP, 2008, p. 23-44.
CAVASSIN, Juliana. Perspectivas para o teatro na educação como conhecimento e prática
pedagógica. R.cient./FAP, Curitiba, v.3, p.39-52 , jan./dez. 2008.
LEE, Colleen, 5 Tips For Hosting Online Class Discussion. Março de 2013. Disponível em:
http://edudemic.com/2013/03/5-tips-for-hosting-online-class-discussions/
Acesso
em
22/06/2013.
MARTINS, Mirian Celeste. Conceitos e terminologia - Aquecendo uma transforma-ação:
atitudes e valores no ensino da Arte. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e
mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2008, p. 49-60.
MIRANDA, Danilo Santos de. Prefácio. In: BARBOSA, Ana Mae, AMARAL, Lilian (org.).
Interterritorialidade – mídias, contextos e educação. São Paulo: Edições SESC SP, 2008, p.
9-17.
SOUZA, Renato Rocha. Algumas considerações sobre as abordagens construtivistas para a
utilização de tecnologias na educação. Liinc em Revista, v.2, n.1, março 2006, p.40-52.
9
Disponível em: http://revista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/article/view/203/118. Acesso em
20/06/2013.
TODD, Charlie. A experiência compartilhada do absurdo. In: TED Ideas worth spreading.
Novembro de 2011. Disponível em:
www.ted.com/talks/charlie_todd_the_shared_experience_of_absurdity.html. Acesso em
26/08/2013.
i
Criado em 2001 por Charlie Todd, o coletivo, de Nova York, se propõe a realizar cenas de caos e alegria em
lugares públicos, já tendo realizado mais de 100 “missões”, envolvendo milhares de “agentes secretos” –
tradução minha. Disponível em: http://improveverywhere.com/ acessado em 01 de Novembro de 2013.
ii
Eu me apropriei deste termo ao perceber o seu uso no livro “Interterritorialidade: mídias, contextos e
educação”, organizado por Ana Mae Barbosa e Lilian Amaral. A publicação reúne diferentes artigos que
discutem as questões que eu também aponto, buscando justamente uma perspectiva mais contemporânea da arte
na educação. Segundo o prefácio do mesmo: “A noção de territórios e interterritórios nos remete à ideia de
‘lugares’, sejam eles físicos ou não. E a ideia desta publicação surgiu da possibilidade de materializarmos as
diferentes intersecções, ou, ainda, de representarmos as fronteiras híbridas existentes entre as novas mídias, as
possibilidades da arte e os contextos próprios ou impróprios, mas, definitivamente, atuais e pertinentes à
educação.” (MIRANDA, 2008, p. 9)
iii
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/jovem/redes_sociais/noticias/brasil-e-pais-que-mais-acrescentausuarios-ao-facebook Acesso em 22/04/2013.
iv
"Facebook I also avoid as I want to maintain a clear and professional distance from my students. For me the
link between their personal Facebook, and my role as their teacher should be separate". “Eu também evito o
Facebook, já que pretendo manter uma distancia clara e profissional dos meus alunos. Para mim a conexão entre
o Facebook pessoal deles e o meu papel enquanto professor deve estar separado.” (Tradução minha). LEE,
Colleen, 5 Tips For Hosting Online Class Discussion. Março de 2013. Disponível em:
http://edudemic.com/2013/03/5-tips-for-hosting-online-class-discussions/ Acesso em 22/04/2013.
v
O Mp3 Experiment, de acordo com o própio coletivo Improv Everywhere “é um evento público participativo
criado pelo Improv Everywhere. Nós realizamos um novo Mp3 Experiment em Nova York a cada ano e também
levamos o projeto regularmente para campi universitários e festivais internacionais. Eis como funciona:
disponibilizamos um arquivo mp3 original on-line (geralmente em torno de 45 minutos) que as pessoas
adicionam aos seus dispositivos móveis. Os participantes, em seguida, sincronizam seus relógios a um relógio
atômico em nosso site, dirigem-se para o mesmo local público e misturam-se com os outros. No horário
predeterminado todos pressionam play. A alegria segue, enquanto os participantes realizam as ridículas
instruções indicadas nos seus fones de ouvido através do narrador ‘Steve’, e todos os demais tentam descobrir o
que diabos está acontecendo.” – tradução minha. Disponível em: http://improveverywhere.com/missions/themp3-experiments/ acessado em 01 de Novembro de 2013.
vi
Esse primeiro projeto partiu da proposta de que cada um postasse no grupo (exclusivo da turma, uma página
fechada no Facebook) algum material - texto, vídeo, foto, etc – que falasse sobre algo que o move positiva ou
negativamente, algo de que gosta muito ou que lhe incomoda. Dessa forma acabei tendo um parâmetro muito
interessante sobre a turma, vendo inclusive como eles interagiam com o material produzido pelos colegas nos
comentários e curtidas.
vii
Texto retirado da legenda do vídeo: TODD, Charlie. A experiência compartilhada do absurdo. In: TED Ideas
worth spreading. Novembro de 2011. Disponível em:
www.ted.com/talks/charlie_todd_the_shared_experience_of_absurdity.html. Acesso em 26/08/2013.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
A EXPERIÊNCIA DO ESPETÁCULO “CLOWN BAR” NOS FESTIVAIS
UNIVERSITÁRIOS DE TEATRO
Sávio Farias
(Orientador: Dr. José Tonezzi; Departamento de Artes Cênicas; UFPB).
INTRODUÇÃO
No Brasil todos os anos acontecem diversos encontros de estudantes
universitários, regionais e nacionais, de diversas áreas de estudos. Na área das ciências
humanas, principalmente, tais encontros tem, por excelência, o objetivo de promover
não só atividades e intercâmbios acadêmicos, mas também culturais. Os estudantes de
artes organizam anualmente o Encontro Nacional dos Estudantes de Artes – ENEARTE,
que teve sua primeira edição em 1988 e, após uma série de idas e vindas, voltou a
ocorrer com regularidade há uma década. Reúne centenas de alunos oriundos de cursos
superiores das mais diversas linguagens das artes, havendo assim, apresentações
artísticas de teatro, dança, circo, música, mostra de filmes/vídeos e exposições, além de
oficinas, palestras e grupos de discussão, etc.
Em 2010, quando realizada a décima quarta edição do encontro citado acima,
uma delegação com cerca de quarenta estudantes do curso de Teatro da Universidade
Federal da Paraíba foram até a cidade de Ouro Preto participar do evento e apresentar
trabalhos artísticos, a maioria deles resultantes de processos vivenciados nas disciplinas
práticas que compõem a grade curricular do curso. Entre esses trabalhos houve um
realizado por um grupo de alunos que haviam estudado a técnica de palhaço na
disciplina Interpretação I, ministrada pelo professor José Tonezzi. A apresentação
consistia em uma colagem de cenas desenvolvidas em sala de aula, muitas delas reprises
de cenas clássicas de duplas de palhaços. Buscando um lugar-comum e ponto de partida
dramatúrgica, o trabalho foi intitulado “Clown Bar”, cujo cenário seguia as indicações
do título, e foram acrescidos um número de mímica e outro musical, também feitos
pelos atores-palhaços.
Após estrear, o intuito dos participantes da peça foi reunir-se enquanto grupo e
dar continuidade aos estudos da técnica de palhaço a fim de aperfeiçoar a qualidade
artística do trabalho. Quando o professor José Tonezzi aceitou o convite de orientar o
trabalho, novos alunos adentraram ao grupo, que estabeleceu encontros regulares e
sistemáticos. O grupo passou a se chamar NEECO – Núcleo de Experimentação e
Estudos do Cômico. Durante um longo período de tempo o espetáculo não foi
apresentado e muitos dos componentes abandonaram o grupo, que contém hoje, além do
diretor, cinco atores. A peça foi praticamente remontada, com novas cenas e
reconfiguração do elenco. Com esta formação, a peça teve nova estréia no Festival
Aldeia SESC da Cena Comunitária em João Pessoa em 2011, como preparação para
apresentação que ocorreu logo em seguida na V Semana de Cênicas da UFPE, em
Recife.
Ao invés de retornar a encontros estudantis, a partir de 2012 o grupo começou a
participar de diversos festivais universitários de teatro realizados no Brasil e no exterior,
obtendo por meio dessas experiências formativas no que diz respeito a apresentar o seu
trabalho para públicos variados, assistir a peças oriundas de outros grupos
universitários, bem como participar de debates e oficinas realizadas em tais festivais.
OS FESTIVAIS UNIVERSITÁRIOS COMO ESPAÇOS DE FORMAÇÃO
Uma prática que se tornou comum no grupo foi após cada apresentação
realizada, reuniões que tinham como foco principal a discussão sobre a execução e
repercussão do trabalho, uma espécie de auto-avaliação na quais todos falavam sobre o
ato de apresentar, as percepções, sensações e como se deu a resposta e o diálogo com
cada público. Vale ressaltar ainda que após a excursão do grupo pelos festivais
universitários, houve uma maior oportunidade do mesmo adentrar ao cenário teatral
pessoense, participando também de mostras locais.
Clown Bar integrou a programação da II Mostra Universitária Salvador de
Teatro – MUST, que reuniu várias peças da Escola de Teatro da UFBA e trabalhos da
UESB, UFS e UFPB. Isso proporcionou ao grupo a conhecer as práticas teatrais de
alunos de outras universidades, bem como o contexto de suas criações cênicas. O
mesmo aconteceu quando a peça foi selecionada para compor a Mostra Nacional do 25º
Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau. O FITUB é o maior evento
do ramo no país, acontece há quase trinta anos e já recebeu grandes nomes das artes
cênicas do Brasil.
Naquela ocasião, Clown Bar foi apresentado duas vezes. A segunda aconteceu
dentro do projeto Palco Sobre Rodas, que levou o espetáculo para uma escola pública de
Blumenau. Com isso, podemos ter duas experiências distintas ao apresentar para dois
públicos também distintos, o que potencializou a nossa prática de cena. Além disso,
todos os integrantes do grupo participaram das oficinas, palestras, apresentações
artísticas e análises dos espetáculos apresentados no festival, ampliando também a nossa
experiência de espectador e aprendiz. Desta forma, é possível constatar que os festivais
universitários de teatro podem ser vistos como espaços onde a formação daqueles que
deles participam é ampliada, estendida para além das salas de aula, uma vez que o
evento reúne dezenas de atores em formação, sujeitos em processo de transformação.
Os festivais têm uma vida curta, de fato, no entanto esta brevidade de tempo
representa uma intensidade de força. São encontros, trocas, confrontos,
integrações, brigas, dor de cabeça, etc. É a oportunidade de conhecer novos
colegas, de outros cursos, de outras áreas (...). Se os festivais têm este poder
de nos permitir “ver coisas”, os festivais sem dúvida contribuem para a nossa
formação de artista (HERNÁNDEZ, 2000, p. 4 e 5).
O FITUB foi um divisor de águas para o grupo. Rebatizamo-nos de Bufões de
Olavo, devido as práticas de pesquisas do mesmo se desdobrarem para os estudos da
palhaçaria e da bufonaria. O diretor do grupo precisou se afastar por motivos de saúde e
os atores deram continuidade as apresentações do Clown Bar na medida em que foram
atribuindo cada vez mais autonomia do próprio trabalho. A peça foi selecionada para a
17ª Mostra Estadual de Teatro, Daca e Circo, obtendo repercussão positiva por parte da
crítica e do público e seguiu participando de outros eventos teatrais e circenses no
estado da Paraíba, como o I Encontro de Teatro Aberto Piollin e o V Festival Atos de
Teatro Universitário da UFCG.
Cada vez maior se tornou o número de apresentações, fazendo com que a peça
passasse a ter bom currículo e a construir a sua própria história dentro do teatro
paraibano e se consolidando enquanto grupo de teatro ativo na cidade. É natural que um
curso superior em Teatro comece a gerar novas instâncias de produção no lugar ao qual
pertence. Em João Pessoa, o Coletivo Ser Tão Teatro e Os Fodidários são exemplos de
grupos que surgiram na universidade e hoje já trilham caminhos profissionais.
A ampliação do número de cursos superiores oferecidos na área de formação
em artes cênicas (licenciaturas e bacharelados) no Brasil vem colaborando
para a constituição de grupos mais ou menos permanentes voltados para a
pesquisa e produção de espetáculos, admitindo-se a freqüência com que
formandos de tais cursos se unem para efetivar propostas de criação de
coletivos teatrais (SAMPAIO, 2014, p. 93).
Aqui é pertinente concluir que um processo que é iniciado em sala de aula com
indicativos teóricos e técnicos e depois transporto para as salas de ensaios, onde é
reorganizado por meio de tentativas e resultados positivos e negativos, é
complementado quando, em um espaço outro, é apresentado, visto e debatido/analisado.
Nesse contexto, cabe novamente considerar os festivais universitários de teatro como
lugares de formação que reúne vários agentes que se entrecruzam em um processo
pedagógico: os estudantes apresentam suas peças (ganhando experiência de palco e
platéia), assistem aos trabalhos dos demais e tem seus desempenhos avaliados por
especialistas da área que, de maneira critica, possibilitam novas formas de repensar as
práticas exercidas em questão, em debates que geralmente ocorrem após a apresentação
de um determinado espetáculo.
Outro momento de muita importância na história dos Bufões de Olavo foi
quando o grupo foi convidado a participar do 30º Encontro Internacional do Teatro
Universitário (RITU 30), sediado em Liège, na Bélgica. O festival acontece anualmente
e já recebeu produções universitárias de todas as partes do mundo. Diferente dos
festivais do Brasil, que recebe em sua maioria trabalhos vinculados a cursos superiores
de teatro, as produções apresentadas no RITU 30 tem notáveis varições culturais e
técnicas. Talvez esta constatação justifique-se pelo fato de que grande parte das
universidades européis não possuam curso superior de formação de ator, mas um grupo
de teatro da universidade que reúne alunos provenientes das todas as áreas, como as
ciêncas da saúde ou exatas. Apenas os grupos dos Estados Unidos e do Brasil (Bufões
de Olavo) eram de escolas de teatro. Não só entusiasmados em apresentar fora do país,
mas munidos do espírito de grupo, de ideais e metas a serem atingidas em conjuntos, os
atores se dividiram em inúmeras funções referentes a produção, capitação de recursos,
comunicação, etc, além da ausência do diretor e da impossibilidade de levar consigo um
operador de som e luz ou contrarregra.
A peça foi rearticulada, sem que fosse alterada sua ordem de cenas e fluxo: os
atores, quando não estavam em cena, estavam operando o som ou preparando a
próxima. Essa autonomia (que vem sendo) desenvolvida dentro do grupo fortaleceu a
capacidade de lidar “sozinhos” com um público tão diferente, de culturas varias. Isso se
dá porque o processo de constituição de grupo e do manutenção do espetáculo tem
estado “em uma continuidade rememorada de transformações que permitem a passagem
de um estado a outro, de um contexto a outro, de um estágio ao seguinte” (Ibidem, p.
93) visando a progressão, o alcance a níveis mais avançados de produção e de relações
entre os indivíduos que dele fazem parte, inerentes ao processo de formação de Teatro
de Grupo que “tem como característica um modo de criação e produção pautado na
coletivização dos procedimentos de criação. Neste modo de fazer teatral encontramos
várias formas de grupalidade” (TELLES, ARAÚJO, 2014, p. 122).
PELOS CAMINHOS DA AUTONOMIA
A viagem do grupo a Bélgica repercutiu de forma muito postisiva na cidade de
João Pessoa, tanto na UFPB como entre os artistas locais e a impresa. Durante o
decorrer do ano passado, o espetáculo continou sendo apresentados em eventos de
grande porte, ao lado de grupos profissionais como no 14º Festival de Artes de Areia,
que reuniu diversos artistas profissionais de várias áreas e uma curta temporada no
renomado Teatro Piollin. As atividades internas do grupo também foram mantidas,
mesmo com a ausênsia do diretor, que se desdobrava em encontros regulares para
leituras, treinamentos, ensaios, participação em oficinas, etc.
No segundo semestre de 2013, Clown Bar foi selecionado para o X Festival
Internacional de Teatro Universitário da Universidade de Caldas, na cidade de
Manizales, Colômbia. Ações e esforços similares a viagem para o continente europeu
foram repetidas, como captação de renda e busca por apoios, a sua maioria em vão, já
que a pópria UFPB não dispõe de possibilidade jurídica em custear viagens
internacionais para alunos, por questões de ordens burocráticas. Em Manizales, o grupo
fez duas apresentações, uma na Mostra Internacional e outra para a comunidade de um
bairro da cidade. O festival colombiano acontece em moldes parecidos com os do
FITUB, com uma mostra nacional e outra para os grupos estrangeiros, além de
atividades formativas e debates de espetáculos, as chamadas “desmontagens”, nas quais
cada grupo relatava seus processos de criação e um grupo de professores especialistas e
o público presente teciam comentários críticos a partir de diversos pontos de vistas.
Depois, participamos do V Festival Nacional de Teatro Universitário de Patos de
Minas, que reuniu grupos de universidades brasileiras e sul-americanas com formato
aproximado aos de festivais já aqui citado. Após mais de três anos levando a cabo a
experiência do Clown Bar, a fase dos festivais universitários no grupo tem chegado ao
fim, tendo em vista que os alunos-atores chegaram ao fim da graduação. Neste
momento, o caminho para a profissionalização do grupo tem sido traçado. Com a volta
do diretor José Tonezzi, a manutenção do espetáculo e o início do processo criativo para
uma nova obra, todos perpassam por uma fase de amadurecimento, tanto individual
quanto coletivo.
Contudo, cabe ressaltar que essa experiência de circular por vários estados do
país apresentando o espetáculo nos festivais universitários de teatro contribuiu de
maneira signicativa para formação artística dos atores. A cada viagem, a cada
apresentação, novos conhecimentos foram adquiridos. A importância de eventos como
esses é nítida uma vez que promovem o intercâmbio e estimulam a produção de peças e
a formação de grupo. E mesmo que não sejam duradouros tais grupos, a vivência de
prática de organização, ainda que efêmera, é formativa, pois mesmo quando graduados,
os atores encontrarão o sistema de grupos de teatro em seus caminhos profissionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HERNÁNDEZ, Márcia Maria Strazzacappa. A importância dos festivais na formação
do artista. Rev. online. Bibl. Joel Martins, Campinas, SP, v.2, n.1, p. 172-177, out,
2000.
SAMPAIO, Juliano Casimiro de Camargo. A construção da identidade no teatro de
grupo. Moringa – Artes do Espetáculo, João Pessoa, PB, v,5, n.2, p.93-105, jul/dez,
2014.
TELLES, Narcísio. ARAÚJO, Getúlio Góis de. A prática do coletivo teatro da margem:
teatro de grupo e formação universitária. Moringa – Artes do Espetáculo, João Pessoa,
PB, v,5, n.2, p.121-132, jul/dez, 2014.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
ANÁLISE INTERSECCIONAL ENTRE AS CONCEPÇÕES DIRETORIAIS DE
PETER BROOK E AS PRÁTICAS TEATRAIS NA ESCOLAi
Fernando Freitas dos Santos (orientadora: Dra. Márcia Pompeo Nogueira); Universidade do
Estado de Santa Catarina - UDESC.
RESUMO: A noção do espaço vazio, a aproximação entre ator e espectador e a exploração do
imaginário são alguns dos motes das pesquisas de Peter Brook no campo teatral. No decurso
das produções de espetáculos, o diretor inglês refuta concepções diretoriais rígidas e
inflexíveis a fim de priorizar uma relação dialógica com sua equipe de trabalho. As pesquisas
de Brook não têm pretensões de formação pedagógica, no entanto seus princípios
metodológicos são passíveis de aproximações com práticas de trabalho com linguagem teatral
no contexto educativo. Deste modo, o presente estudo tem por objetivo analisar princípios
norteadores do trabalho de direção de Peter Brook a fim de dialogar e estabelecer conjecturas
interseccionais com práticas teatrais no ambiente escolar.
Palavras-chaves: Peter Brook, teatro, pedagogia, escola.
Perspectivas Brookianas
Peter Brook (1994) enfatiza que uma peça teatral pode ser trabalhada por um diretor
tendo por base as mesmas concepções diretoriais de uma produção cinematográfica. Neste caso,
Brook aponta que se faz necessário submeter atores e equipe técnica (cenógrafo, iluminador,
figurinista, músicos, entre outros) às vontades do diretor para que sua perspectiva adquira
forma. Todavia, este tipo de procedimento no teatro é considerado repreensível por Brook que
em tom irônico, declara que em tais circunstancias é mais coerente utilizar uma caneta ou pincel
como escravos.
O diretor inglês afirma que a noção de direção é aplicada de modo distinta no teatro e
cinema. Para o autor, apesar do cinema necessitar de trabalho coletivo, o papel do diretor é
superior aos demais envolvidos no processo de produção, visto que considera a equipe técnica
e atores, ferramentas por meio das quais a concepção do diretor assume a configuração
almejada. No entanto, Brook destaca que essa noção de direção impositiva não deve ser aplicada
em processos de espetáculos teatrais. O diretor inglês afirma que o teatro apresenta
potencialidade de deslocar a singularidade de uma visão, por múltiplos enfoques. Acresce, que
diferentemente do cinema que fica limitado a um plano único, o teatro pode exibir um mundo
por diversas perspectivas ao mesmo tempo.
O diálogo é apontado por Peter Brook como princípio basilar em qualquer processo
teatral. Segundo o autor, um processo receptivo ao diálogo pressupõe tensão devido a
possibilidade de distintas concepções. Nessa ordem, estabelece uma alusão comparativa entre
o trabalho do diretor e do dramaturgo. Brook destaca que uma das dificuldades de escrever um
texto dramatúrgico com vários personagens consiste em atribuir o mesmo poder de persuasão
a cada um deles. O diretor inglês considera Shakespeare um dramaturgo que atinge tal feito, e
deste modo, convém ao diretor estimular os atores e equipe técnica a esboçarem suas opiniões.
No entanto, ao adotar tal procedimento, Brook alerta que corriqueiro os atores cederem “(...)
facilmente à tentação de impor suas próprias fantasias, suas teorias ou obsessões pessoais, e o
diretor deve saber o que incentivar e o que evitar” (1994, p.35). Assim, o diretor inglês, assinala
que no teatro é preciso que o diretor estimule as ideias do atores e da equipe de produção, em
razão de declarar que uma única opinião por mais forte que seja, enfraquece o processo.
Entretanto, por vezes, é inconcebível que todas as ideias sejam empregadas na peça, e nessas
situações, cabe ao diretor decidir dentre os vários pontos de vistas o que é mais coerente para o
espetáculo.
Ao relatar o processo de montagem de A Tempestade de Shakespeare, Peter Brook
(2011) salienta que enquanto a tradução do texto era feita para o francês, iniciava os
planejamentos de ensaios, e com a cenógrafa estudava os aspectos visuais. Contudo, declara
que as deliberações do diretor anterior aos ensaios, são vis em relação às decisões tomadas no
decorrer do processo.
Sem embargo, o planejamento realizado pelo diretor antes do início dos ensaios é
necessário, porém não pode ser encarado como algo finalizado, imposto aos atores, cuja
pretensão é de levar para palco tal como foi delineado. Para Peter Brook, a rigidez do
planejamento pode impedir “(...) uma visão infinitamente mais profunda, tanto da obra como
de suas possibilidades cênicas, que provém da riqueza e integração das experiências de um
grupo de indivíduos inspirados e criativos” (2011, p.90). Isto posto, Brook alerta que nestes
casos, o trabalho do diretor e cenógrafo deve ser sútil para não limitar e prejudicar o
desenvolvimento do processo criativo.
O diretor inglês, preocupado com o relacionamento dos atores no processo de A
tempestade, passou dez dias com todo o elenco e colaboradores num mosteiro que oferecia um
amplo espaço e harmonia absoluta. Nesses dias, o texto da peça não foi utilizado, pois o objetivo
dessa parte do trabalho consistia na realização de exercícios que renovasse a união e a
sensibilidade da equipe. Depois desse período, Brook (2011) relata que no primeiro ensaio
foram preparadas muitas possibilidades de elementos cênicos para que os atores pudessem
experimentar. “Cada cena foi improvisada de inúmeras maneiras e os atores foram estimulados
a usar com ampla liberdade tudo que o espaço e a profusão de objetos sugerisse à sua
imaginação” (BROOK, 2011, p.93). Brook relata que se tivesse um visitante nesse período,
seguramente encararia o processo como confuso e arbitrário, cujas decisões eram modificadas
constantemente. Mas, para o diretor inglês essa fase é importante por produzir uma série de
materiais que paulatinamente podem ser desenvolvidos para as configurações finais do
espetáculo.
Brook enfatiza que, o diretor de teatro necessita desenvolver o sentindo da escuta,
aceitar e rejeitar soluções, até que em determinado momento depois de um intenso processo de
experimentação é possível que a montagem adquira forma. “É por isso que um processo que
muda a todo instante não é um processo de confusão, mas de crescimento” (BROOK, 2011,
p.102). Por outro lado, o diretor inglês alerta que é imprescindível que o caos promova à ordem,
e para tal, o diretor necessita de clareza para que o processo não se converta numa
experimentação caótica, de modo a acarretar uma contínua procrastinação que impeça uma
conclusão coerente.
A noção de jogo e espaço vazio
Peter Brook destaca que a arte de representar implica em processos de muito trabalho,
porém pode perder essa conotação se encarado como uma brincadeira, uma vez que para ele,
“A play is play, uma peça é um jogo, representar é uma brincadeira” (BROOK, 1970, p.151).
Na concepção do diretor inglês, o jogo no teatro possibilita a improvisação, cujos critérios são
o acontecimento no momento presente, imprevisibilidade e impossibilidade de repetição. À
vista disso, ao comparar o jogo no teatro com o esporte, Brook salienta:
Sob certo aspecto, numa corrida ou num jogo de futebol, não há liberdade alguma.
Existem regras, o jogo é calculado segundo rígidos parâmetros, como no teatro, onde
cada ator aprende seu papel e respeita-o até a última palavra. Mas este contexto
determinante não o impede de improvisar quando chega a hora. Dada a largada, o
corredor vale-se de todos os meios ao seu dispor. Iniciado o espetáculo, o ator entra
na estrutura da mise-en-scène: fica também completamente envolvido, improvisa
dentro dos parâmetros estabelecidos e, como o corredor, cai no imprevisível. Assim,
tudo permanece em aberto e para o público o evento ocorre naquele preciso instante:
nem antes nem depois. Vistas das nuvens todas as partidas de futebol parecem iguais,
mas nenhuma delas poderá jamais ser repetida em todos os seus detalhes (BROOK,
1995, p. 25).
Para Peter Brook (1994) improvisar exige do ator austero preparo, logo, não elimina o
desdobramento inesperado da tessitura vívida do jogo. O diretor inglês assinala que a ausência
de preparo, torna o evento caótico e insípido. No entanto, Brook alerta que preparar não
significa estabelecer configurações fechadas.
Nessa perspectiva, Jean-Pierre Ryngaert (2009) aponta que o jogo é um recurso contra
comportamentos habituais e ações preconcebidas para lidar em circunstancias inéditas. O autor
francês afirma que na representação do teatro contemporâneo, que em regra apresenta partituras
delineadas, existe uma corrente que busca aprimorar a autonomia do ator, a fim de torná-lo
disponível ao imprevisível, para que tenha uma reação criativa. Para exemplificar tal
pensamento, Ryngaert descreve uma apresentação de um grupo que trabalha com Peter Brook,
onde os atores ao perceberem a saída de um espectador por pensar que a representação havia
sido finalizada, foi integrado na representação, visto que os atores foram ao seu encontro,
conduzindo-lhe à cadeira até que se sentisse confortável. Ryngaert afirma que tal fato
inesperado, poderia ter sido constrangedor, porém foi transformado num fantástico momento
de jogo.
O pesquisador francês salienta que este tipo de reação criativa é característica de grupo
habituado a lidar e se dispor ao imprevisto. Para tal, o autor destaca que é preciso cumplicidade
entre os atores e desenvolvimento da capacidade de escuta. Deste modo, ao invés de um
incidente ser ignorado e considerado prejudicial, pode ser integrado ao evento a fim de gerar
jogo e provar a disponibilidade e capacidade de reação do grupo.
Para Brook, um dos princípios essenciais para a estruturação do jogo no teatro é a
presença do espaço vazio. Este por sua vez, permite o surgimento de um novo fenômeno, pois
considera que “nenhuma experiência nova e original é possível se não houver um espaço puro,
virgem, pronto para recebê-la” (BROOK, 2011, p. 04). O diretor inglês inicia a formulação da
noção do espaço vazio na década de 60. O vazio para Brook refere-se ao espaço receptível ao
novo e repleto de possibilidades.
A noção do espaço vazio elucidada por Brook faz com que o espaço seja preenchido
pela aceitação do jogo imaginário, e por isso, um de seus aspectos refere-se à ausência de
cenário e cumplicidade entre ator e espectador. “No espaço vazio podemos aceitar que uma
garrafa seja o foguete que nos levará ao encontro de uma pessoa real em Vênus. Depois, numa
fração de segundo, tudo pode mudar no tempo e no espaço” (BROOK, 2011, p.23). Para que o
jogo não seja quebrado é imprescindível que nenhum elemento cenográfico interfira de modo
a ilustrar a realidade. Este espaço objetiva provocar o imaginário do espectador, pois para o
diretor inglês o vazio no teatro permite “que a imaginação preencha as lacunas.
Paradoxalmente, quanto menos se oferece à imaginação, mais feliz ela fica, porque é como um
músculo que gosta de se exercitar em jogos” (BROOK, 2011, p.23). Deste modo, para Brook,
o espaço propício no teatro é aquele pleno de possibilidades e aberto ao novo, em razão de
permitir que a imaginação preencha o espaço.
Para trabalhar com a noção do espaço vazio, no início dos anos setenta, Peter Brook
realizou uma turnê de cem dias pela África com seu grupo de atores e colaboradores para
apresentar os intitulados carpet shows (espetáculos no tapete). Esses espetáculos derivavam de
pequenas cenas improvisadas, criadas a partir de um assunto, objeto ou outros estímulos. O
tapete definia a área de representação e para Brook oferecia um espaço propicio ao jogo.
Peter Brook (1994) descreve que a primeira apresentação dessa turnê foi numa cidade
da Algéria, chamada In-Salah. Depois de recém cruzar a primeira parte do Saara, chegaram na
cidade no período da manhã, onde ninguém os esperavam. Posicionaram o tapete e ficaram
sentados por alguns minutos. Brook relata que não demorou muito para que uma plateia se
formasse. Então, iniciaram as improvisações breves e fragmentárias. A primeira delas foi
realizada a partir de um par de botinas empoeiradas que haviam utilizado para atravessar o
deserto. As botinas foram colocadas no centro do tapete, onde todos ficavam por um certo
tempo observando aquele objeto carregado de diversos significados. Um ator de cada vez, se
dirigia ao tapete e improvisava com as botinas. Através destas, o diretor inglês assinala que se
estabelecia uma relação com o público, já que o andamento improvisacional era compartilhado
por meio de uma linguagem comum. Brook acresce que “eles [os atores] jogavam com as
transformações que as botinas causam em pessoas diferentes, calçando-as de modos diversos –
algo que qualquer um pode sentir e reconhecer imediatamente” (1994, p.159). Nesse sentido, o
grupo trabalhava com um objeto real a todos e os múltiplos significados que cada ator atribuiu
a ele no momento do jogo foi através de uma linguagem compreensível aos presentes no evento.
Nos espetáculos do tapete, o vazio opera como ponto de partida para o jogo dos atores.
Isto é, durante os processos Brook não apresentava ao ator as características da personagem, o
lugar e a situação que se encontrava. Para o diretor inglês, ao adotar tal procedimento o ator
entra em cena repleto de ideias preconcebidas. Brook prefere orientar o ator a jogar por meio
de um tema ou objeto, como uma botina. Nesse caso, o ponto basilar é o vazio. Nos espetáculos
do tapete o processo é exposto e por esse motivo, considerado uma acentuação do vazio. A
finalidade de provir do vazio diz respeito à um campo repleto de possibilidades. Todavia, esse
é apenas o propósito, o que não significa uma conquista simples. Por vezes, é possível que
ocorra o malogro, visto que laborar com o vazio exige uma árdua preparação a fim de evitar o
superficialismo, clichês e estereótipos.
Peter Brook considera que a noção do vazio é contemplada em Shakespeare. Um dos
fatores para tal afirmação se deve a inexistência de cenário do teatro elisabetano. Este, no final
do século XVI, permitia a Shakespeare explorar o imaginário do público, com constantes e
ágeis sucessões de cenas de um lugar a outro, com longos intervalos de horas, dias ou meses.
Este processo sugeria frequentes imagens ao espectador, para que pudesse amparar todo o
universo físico de modo eficiente. É a este aspecto do vazio que se subscreve a busca de Brook,
ou seja, pontos que conferem leveza, alcance, mobilidade, possibilidade e flexibilidade. Deste
modo, foi por meio dos espetáculos no tapete que Brook testou as bases técnicas do teatro de
Shakespeare:
Descobrimos que o melhor modo de estudar Shakespeare não era examinar
reconstruções de teatro elisabetanos, mas simplesmente fazer improvisações sobre um
tapete. Percebemos que era possível começar uma cena de pé, terminar sentados, e ao
levantar de novo nos vermos num outro país, em outra época, sem perder o ritmo da
história. Em Shakespeare há cenas em que duas pessoas caminham num espaço
fechado e de repente estão ao ar livre sem nenhuma mudança aparente. Uma parte da
cena é no interior, a outra é externa, sem qualquer indicação do ponto em que ocorre
a transição. (BROOK, 2011, p.24)
O tapete para Brook é uma configuração material flexível, propícia ao acolhimento de
formas de algum lugar, em determinando tempo. Nesse aspecto, Peter Brook (2001) declara
que o tapete por ser uma configuração ausente de forma pré-concebida, proporciona viabilidade
de jogo ao ator. Isto é, devido à ausência de formas rígidas, o espaço é pleno de possibilidades
e as convenções são concebíveis.
Matteo Bonfitto (2009) nomeia os processos dos espetáculos no tapete de Brook de
“não-interpretação”. O motivo para tal afirmação decorre da anulação entre os limiares que
separam o ator e personagem. Para o pesquisador o modo que as ações dos atores eram
materializadas, transmitiam “(...) qualidades de incorporação (embodiment) através das quais
fronteiras entre o ator e o personagem parecem ter sido canceladas” (BONFITTO, 2009, p. 96).
No tocante a este assunto, Brook (1970) assinala que um ator criativo é aquele
disponível a novas descobertas, de modo a refutar o engendramento de uma forma para a
personagem. O diretor inglês considera arbitrário o título do livro A construção do personagem
de Stanislavsky, visto que para ele, “um personagem não é uma coisa estática e não pode ser
construído como uma parede” (BROOK, 1970, p.121). O diretor inglês assinala que ao invés
da personagem ser construída, é preciso nascer e renascer a cada dia de apresentação. A ideia
de construção para Brook denota que a personagem será da mesma maneira em todas
apresentações e aos poucos se desgastará. Nesse aspecto, considera que para nascer é preciso
de um processo infindável de recomeço, ao qual exige que ator seja criativo e esteja disponível
para abandonar seus resultados precedentes e formas acabadas.
No processo de A tempestade, após determinado período de ensaios, quando o texto já
havia sido memorizado e a trama compreendida pelos atores, Peter Brook sugeriu que as
marcações, objetos cênicos, figurino e elementos cenográficos fossem abandonados. Para tal,
escolheu uma escola para realizar uma apresentação improvisacional de A tempestade. Os
atores rodeados de crianças tinham que explorar as possibilidades do espaço e utilizar os objetos
presentes na sala com intuito de suprir as principais características e exigências da peça. Para
Brook esse tipo de procedimento é sempre revelador para o grupo, visto que considera um
notável progresso no trabalho. O diretor inglês ressalta esse tipo de procedimento auxilia os
atores a compreenderem um relacionamento diferente com a espectador, visto que “(...) chegam
diante da plateia para estabelecer um diálogo, não para dar uma demonstração” (BROOK, 1994,
p. 153). Nessa ordem, Brook acresce que tendo por finalidade o desejo de estabelecer um
diálogo com o público, o teatro adquire vida em forma mais concentrada e intensa. Se não fosse
o teatro, o encontro com várias pessoas desconhecidas não duraria muito tempo. Dessa maneira,
declara que ao estabelecer um espaço receptível ao jogo, é possível que em poucas horas, o
público seja cumplice da ação dramática, e a partir desta, ocorra momentos compartilhados.
Pontos interseccionais entre os processos de Peter Brook e princípios de práticas
educativas dialógicas
Paulo Freire (1986) afirma que a verdadeira educação, inexiste se estiver ausente o
diálogo, e para que este se estabeleça é imprescindível a comunicação. Nesse sentido, é
importante que a relação entre educador e educandos se articule por meio de indivíduos
inacabados que desejam saber mais. À vista disso, Freire formula duras críticas à tendência
pedagógica tradicionalista por encarar o professor como detentor do conhecimento. Nesta
tendência, denominada por Freire de educação bancária, os alunos são vistos como depositários
de informações, e desse modo inexiste interação entre educador e educando. Contrário à
abordagem bancária, Freire propõe uma educação emancipatória e libertária. Recomenda uma
relação professor-aluno constituída em um plano horizontal, provida de respeito, comunicação
e inter-relação, dado que considera o diálogo princípio significativo no processo de
aprendizagem.
Para que esta relação dialógica aconteça, Freire (1996) aponta alguns princípios. Um
deles, demanda do educador respeito à autonomia do educando. Segundo o autor, é mais
coerente que o professor problematize e dialogue sobre determinados temas com os alunos, ao
invés de agir de modo autoritário com intuito de impor sua visão de mundo. Para que o educador
não transgrida os princípios éticos da prática educativa é preciso ter consciência de
inacabamento do homem, ou seja “da inconclusão do ser que se sabe inconcluso” (FREIRE,
1996, p. 65). Nesse aspecto, o professor deve respeitar a prosódia e sintaxe dos educandos, isto
é, deve partir dos próprios níveis de percepção da realidade dos alunos, de seus respectivos
contextos, a fim de suscitar o entusiasmo e criar um espaço de possibilidades ao invés de
determinismos.
Para uma prática educativa dialógica, Freire alerta a diferença existente entre autoridade
e autoritarismo. “Inclinamos a superar a tradição autoritária, tão presente entre nós resvalamos
para formas licenciosas de comportamento e descobrimos autoritarismo onde só houve o
exercício legítimo da autoridade” (FREIRE, 1996, p. 117). Segundo o autor, a presença do
diálogo na prática educativa, não significa que o educador deva se omitir do encargo de
responsabilidade que atua sobre os educandos. Nesse sentindo, aponta que para educar, o
professor precisa assumir uma conduta diretiva, e assim, atender ao princípio da autoridade,
sempre pautado no respeito da liberdade dos educandos. Caso contrário, incidirá no
autoritarismo.
Outro fator abordado por Freire para uma relação dialógica, diz respeito ao professor
saber escutar. Para o autor, ao trabalhar com uma prática educativa democrática e solidária não
é possível se dirigir aos indivíduos como se fossem detentores da verdade a ser transferida.
“Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas
condições, precise de falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder falar com
é falar impositivamente” (FREIRE, 1996, p. 127-8). De acordo com Freire, é por meio do ato
de escutar que o educador aprende a falar com os educandos. Por meio de um jogo de palavras,
o autor assinala que o indício de que o indivíduo que fala, sabe escutar é modo que demonstra
não ser o único que tem algo a dizer. O sujeito que fala precisa saber que ao não escutar aquele
que o escutou, banaliza a eficácia do seu dizer, devido não ter estado disponível a escutar.
Ao estabelecer essa sintética análise, pautada nos apontamentos de Paulo Freire, no
tocante a importância de uma relação dialógica para uma prática educativa, é possível
estabelecer paralelismos com os processos de Peter Brook. O diretor inglês aponta que o diálogo
é um princípio basilar em qualquer processo teatral. Para Brook, somente a visão do diretor
enfraquece o processo e para evitar tal incoerência, considera essencial uma relação dialógica
e uma escuta atenta em suas práticas teatrais. Semelhante a este princípio, Paulo Freire afirma
que para uma coerente postura pedagógica, o homem por ser um sujeito incompleto, necessita
de uma relação horizontal, alicerçada no diálogo tendo por finalidade saber mais.
Práticas teatrais na escola
Para a professora e pesquisadora Vera Lúcia Bertoni dos Santos (2012) o trabalho com
a linguagem teatral no ambiente escolar enfrenta inúmeras dificuldades e desafios, tais como:
falta de preparo e qualificação do professorado, “implementação de propostas polivalentes e
pragmáticas”, contratações de professores cuja especificidade da formação não condiz com a
linguagem artística ofertada e “falta de apoio institucional ao trabalho” (p.43, 2012). De tal
modo, a problemática do ensino do teatro em muitos contextos educacionais, pode ser
relacionada à ideia do teatro morto de Peter Brook.
O diretor inglês enfatiza que “o teatro morto trata os clássico, supondo que, em algum
lugar alguém já descobriu e definiu como o drama deve ser representado” (BROOK, 1970,
p.07). Nesta perspectiva, ao analisar o contexto escolar, em muitos casos, devida a falta de
preparo de alguns professores e exigência da direção e coordenação, a intervenção pedagógica
com a linguagem teatral, destina-se basicamente a apresentações em finais de mostras escolares.
Os temas geralmente abordam datas comemorativas e clássicos da literatura infantil, de modo
a não suscitar o entusiasmo dos alunos já habituados com a previsibilidade das ações cênicas e
excesso de didatismo no trabalho.
Ainda em relação ao teatro morto, Peter Brook destaca que “(...) sempre empurra,
incessantemente à repetição” (1970, p.41). Nesse aspecto, muitas vezes o teatro na escola é
trabalhado de modo tecnicista. A respectiva tendência pedagógica elucidada por Maria Heloísa
Ferraz e Maria F. Fusari (2009), surgiu no Brasil no início da década de 70, acompanhando as
transformações advindas da sociedade industrial e tecnológica. Esta tendência para o ensino da
arte, tem como marco, a instituição da Lei n. 5.692/71, que introduz a disciplina de Educação
Artística como componente curricular obrigatório. Para Ferraz e Fusari, os arte/educadores
norteados por uma concepção tecnicista, ao invés de elaborar planos de aulas que problematize
e discuta temas e linguagens comuns aos educandos, passaram a reproduzir propostas de
atividades didáticas de livros curriculares. Nessa ordem, as autoras consideram que processo de
ensino/aprendizagem necessita de base técnica, mas o que “ocorre principalmente a partir da
introdução da LDBN n.5.692/71 é a supervalorização da dimensão técnica da educação, sem
bases reflexivas, o que acaba no seu desvirtuamento para o tecnicismo” (FERRAZ e FUSARI,
2009, p.52).
Tendo por base a discussão tecnicista da linguagem artística na escola, é possível
estabelecer intersecções com os processos teatrais de Peter Brook. Para o diretor inglês o melhor
procedimento de trabalho “(...) envolve um equilíbrio sutil – que não tem regras
preestabelecidas e depende de casa caso – entre o que deve ser preparado de antemão e o que
pode ficar em aberto com segurança” (BROOK, 2011, p.90). Neste caso, tanto nos processos
de direção de Peter Brook, quanto nas práticas teatrais no ambiente educativo a fim de evitar
uma abordagem tecnicista, podemos estabelecer pontos em comum, tais como: clareza na ação
desenvolvida, experimentação e articulação de propostas claras e flexíveis.
O jogo no contexto escolar
Para Johan Huizinga (2004) o termo jogo, em sua noção geral, é de difícil conceituação,
mas salienta que é uma atividade humana voluntária, com regras previamente estabelecidas,
aliada a consciência de momentos ficcionais. Segundo o autor, o jogo é anterior à cultura, e
nessa ordem, considera que não foi preciso os homens iniciarem os animais para uma atividade
lúdica. Nesse sentido, mesmo nos animais, o jogo exerce uma posição significante, a fim de
atribuir uma essência à ação.
Huizinga afirma que a prática do jogo é repleta de liberdade, e por tal razão, tanto as
crianças, quanto os animas gostam de jogar pelo prazer de brincar. Por se tratar de uma fuga da
vida cotidiana para uma dimensão lúdica, atua como um artifício de júbilo momentâneo das
necessidades e anseios. Desse modo, por realçar e dilatar a vida cotidiana, se firma
indispensável para os sujeitos.
Com efeito ao caráter lúdico do jogo, Jean Piaget (1978), pesquisou a formação do
símbolo na criança e desenvolveu de modo sistemático, uma teoria psicogenética de
desenvolvimento cognitivo ao longo de quase meio século, acompanhando e descrevendo o
comportamento de seus filhos desde o nascimento até a fase da pré-adolescencia. O simbolismo
primário, uma das questões analisadas por Piaget, refere-se à simbolização consciente da
criança, atividade esta, comum a qualquer cultura independente da classe social, a qual é
possível por meio do faz-de-conta, utilizar uma garrafa como foguete espacial.
Nessa ordem, Viola Spolin (1992), uma das principais referências para professores que
visam trabalhar com a linguagem teatral no contexto escolar, ao elaborar uma pesquisa sobre
jogo teatral nos Estados Unidos, na década de sessenta, preocupa-se em tornar reais lugares e
objetos, de modo à fisicalizá-los. Segundo Spolin, a fisicalização é “(...) a manifestação física
de uma comunicação; a expressão física de uma atitude; usar a si mesmo para colocar um objeto
em movimento; dar vida ao objeto (...) é mostrar” (1992, p.340). A pesquisadora norteamericana elaborou sistematicamente uma proposta de jogos teatrais para o ensino do teatro, e
além da fisicalização, estão presentes outros aspectos como: presença de regras especifica e
estrutura dramática pautada pelas premissas: Onde? (lugar que ocorre a ação), Quem?
(personagens que desenvolvem a ação) e O Que? (tipo de ação que os personagens realizam em
determinado lugar).
O processo de fisicalização, por meio de um espaço demarcado que evidencie plateia e
jogadores, trabalha com o imaginário, aliado a orientação do coordenador (instrução) em
auxiliar os participantes a manter a fixação da atenção (foco) na atividade e a partir desta,
elaborem movimentos precisos e claros para que a plateia seja cúmplice da ação dramática.
Destarte, os profissionais dispostos a coordenar processos no ambiente escolar de
improvisação teatral, encontram nos estudos de Viola Spolin “pressupostos de ensino e
aprendizagem apresentados didaticamente e elucidados mediante propostas pedagógicas,
abrindo uma perspectiva de ‘diálogo’” (SANTOS, 2012, p.32). E a partir deste, é possível
estabelecer interfaces com algumas práticas e princípios teatrais de Peter Brook, como os
espetáculos no tapete, em seu caráter improvisacional, experimentativo, permissivo e
exploratório do imaginário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONFITTO, Matteo. A Cinética do invisível. Processos de atuação no teatro de Peter Brook.
São Paulo: Perspectiva, 2009.
BROOK, Peter. A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011.
______. Fios do tempo. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2000.
______. O ponto de mudança: quarenta anos de experiências teatrais: 1946-1987. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.
______. O teatro e seu espaço. Petrópolis: Vozes, 1970.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra, 1986.
______. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FERRAZ, M.H.C.T e FUSARI, M.F.R. Metodologia do ensino de arte: fundamentos e
proposições. São Paulo: Cortez, 2009.
HUIZINGA, Johan, Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva,
2000.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Imitação, jogo e sonho, imagem e
representação. Rio de Janeiro: Guanabara/Koogan, 1978.
RYNGAERT, Jean Pierre. Jogar, representar: práticas dramáticas e formação. São Paulo:
Cosac Naify, 2009.
SANTOS, Vera Lucia Bertoni dos e SPRITZER, Mirna (org.). Teatro com jovens e adultos:
princípios e práticas. Porto Alegre: Mediação, 2012.
SPOLIN Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1992.
i
APOIO: PPGT – Programa de Pós-Graduação em Teatro, CEART-UDESC.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE A FORMAÇÃO ARTÍSTICA
ATRAVÉS DA ILUMINAÇÃO CÊNICA
Autores: Giovanna Caroline Dominical Parra e Tamara dos Anjos Garcia;
Colaboradores: Grupo Cênica Luz; Orientador: Camila Tiago; Curso de Teatro;
Universidade Federal de Uberlândia.
PONTO DE VISTA 1
No segundo semestre de 2013 ingressei no curso de teatro na Universidade
Federal de Uberlândia. Logo na primeira semana de curso tomei conhecimento do grupo
de estudo, em iluminação cênica, chamado Cênica Luz. Tomada pela curiosidade e
interesse em entender melhor o que é a iluminação, resolvi participar dos encontros do
grupo.
O grupo Cênica Luz surgiu em 2011, na Universidade Federal de Uberlândia, a
partir do anseio de estudar e se aprofundar cada vez mais no mundo da iluminação
cênica. Essa vontade veio através da diretora de iluminação do curso teatro, Camila
Tiago, e de alguns alunos interessados também no assunto. Hoje o grupo é composto
por graduandos dos cursos de dança e teatro e dá apoio ao Instituto de Artes em seus
eventos, onde seus integrantes são responsáveis pela concepção/criação, montagem e
operação da iluminação nos trabalhos desenvolvidos no instituto.
No primeiro contato em que tive com o grupo fiquei com muito medo, pois fazia
uma semana que tinha ingressado na Universidade e era um mundo completamente
diferente de tudo que eu já havia visto. Fui sem ao menos saber o que era um grupo de
estudo, mas algo me chamou muita atenção, por isso não pude deixar de ir. Antes
mesmo de começar a fazer faculdade eu já me interessava por iluminação, entretanto,
como venho de uma cidade pequena do interior de São Paulo, Fernandópolis, o único
acesso que tinha com refletores, mesa e outros equipamentos de iluminação era quando
ia ao teatro municipal fazer alguma apresentação da escola, mas devido à correria de
montar cenário e afinar os equipamentos de iluminação ninguém tinha paciência e nem
tempo para me ensinar.
Comecei a fazer teatro aos nove anos de idade na escola onde eu cursava o
ensino fundamental. As aulas eram optativas, apenas uma vez por semana e oferecidas a
todos os alunos do ensino fundamental, mesmo assim a quantidade de alunos frequentes
era pequena, não passavam de vinte alunos. Esse fato colaborou para que nossas
montagens fossem satisfatórias, pois trouxeram bons resultados estéticos pelo fato de ter
poucos alunos, e acredito também que por isso o entrosamento entre o elenco era maior.
Há vinte anos na cidade de Fernandópolis existe uma Mostra estudantil de teatro na qual
apresentei as montagens que fiz na escola durante oito anos, antes de me mudar para
fazer faculdade.
Quando surgiu a oportunidade de aprender sobre iluminação na graduação não
pensei duas vezes, mesmo com um pouco de insegurança resolvi ver o que poderia
acontecer. Fui muito bem recebi pelo grupo, porém eles me falaram que não poderiam
parar suas atividades para me explicar tudo o que já tinha sido estudado e com isso eu
deveria ir acompanhando o “fluxo” e qualquer dúvida, perguntar. Confesso que isso me
deixou ainda mais com medo, pois eles já estudavam iluminação há quase três anos e eu
pensava que não conseguiria alcançá-los nos estudos, (tanto no que se trata da parte
teórica, quanto na parte prática), mas foi muito interessante eu ter começado dessa
forma, pois eu era estimula a tentar entender, a procurar saber sobre o que eles estavam
falando, uma vez que não recebia tudo pronto.
Depois de algumas semanas de leituras, definições sobre contraste, sombra,
cores e mapas de luz, fui conhecer os refletores e saber a função de cada um. A
coordenadora do grupo, Camila Tiago, teve toda a calma do mundo para me mostrar que
tudo aquilo que eu já tinha lido e ouvido falar poderia ser feito de várias formas.
Partido do pressuposto de que eu já trazia o conhecimento básico para manusear
um refletor e ao mesmo tempo o conhecimento de como pensar em uma concepção de
iluminação comecei a ir para parte prática. No grupo fazemos alguns testes de
iluminação durante nossas reuniões. Um dos testes que acompanhei foi a respeito de luz
e sobra, discutimos sobre como dar profundidade aos objetos, como deixar uma cena
como um “ar” mais dramático e também como evidenciar alguma coisa ou alguém
através da mistura entre sobra e luz. Esses testes são fundamentais para minha formação
não só como iluminadora, mas como atriz, pois como iluminadora analiso se realmente
consigo passar para prática o que pensei e coloquei no mapa de luz e como atriz me
ajuda a ter uma percepção não só técnica, ou de ficar no foco, mas também me estimula
pensar de quais formas eu posso desenvolver uma cena a partir de estímulos da
iluminação.
A expressão ‘pensar a iluminação’ era muito subjetiva quando decidia fazer uma
cena, porque eu não sabia o que era necessário para conceber a iluminação de uma cena
ou um espetáculo, não compreendia se tinha que ter um conceito ou se era algo para ser
apenas visivelmente bonito, se tinha alguma função além de dar uma claridade à cena.
Sempre deixei isso muito claro quando discutimos se realmente Tamara (uma colega
que começou a participar do grupo na mesma época que eu) e eu estávamos entendendo
o que era estudado no grupo e se tínhamos clareza a respeito da função de um
iluminador. Entretanto o que é fundamental até hoje pra minha formação é a forma
horizontal como é conduzida a pesquisa. Todos os integrantes do grupo são tratados da
mesma forma, todos levantam questões a serem discutidas, todos apontam ideias a
serem trabalhadas e sugerem textos para serem lidos, visto que em momentos como
esses tanto a coordenadora quanto todos os integrantes do grupo tentam achar a melhor
forma para que dúvidas possam ser entendidas e sanadas, como por exemplo, a minha
dificuldade em entender como devo ‘ pensar a iluminação’.
Ao ingressar na graduação não tinha consciência de quão fundamental é a
pesquisa e o contato com alguma especialidade, me refiro a especialidade como algo
que você tenha um conhecimento aprofundado, não só para o mundo acadêmico como
também para a vida artística.
Afirmo isso, pois mesmo com apenas um ano no curso de teatro vejo nítidas
diferenças entre alunos que se preocupam apenas com seus conhecimentos práticos e
teóricos (com os conhecimentos práticos e teóricos trabalhado nas disciplinas da grade
curricular do curso de graduação em teatro), supostamente, necessários para uma vida
de ator e alunos que acreditam que para ser um verdadeiro ator deve-se conhecer o
teatro em seu todo, (para além da grade curricular). Percebo que em muitos momentos
a falha técnica é tida como algo inaceitável, tanto no ponto de vista do publico, como
também para os atores e diretores. É como se o técnico tivesse a obrigação de sempre
acertar enquanto ao ator é permitido errar sem maiores danos. Um ator que tenha o
mínimo de conhecimento técnico entenderia o quão difícil é esse trabalho e daria,
talvez, o devido valor ao técnico. Stanislavski em sua obra A preparação do ator afirma
que:
É possível, também, que o ator não tenha revitalizado um
papel, bem preparado, mas velho. E, entretanto, deveria fazê-lo cada
vez que o revive. Se não o provável é entrar em cena e apresentar
apenas um casca oca. Há outra possibilidade ainda: o ator pode ter
sido desviado do trabalho por preguiça, falta de atenção, má saúde ou
preocupações pessoais. (...) Infelizmente, os defeitos interiores não se
veem. Os espectadores não os veem, apenas lhes sentem a presença.
Só os técnicos da nossa profissão os entendem, mas é por causa deles
que os espectadores comuns não reagem e não voltam ao teatro.
(Stanislavski; 2014, p. 313 e 314)
Na universidade existem momentos de apresentações de trabalhos de conclusão
de disciplinas no qual vejo que isso se personifica varais vezes como, por exemplo,
quando um aluno tenta nos explicar o que quer para sua cena, mas por falta de
conhecimentos técnicos não consegue. É como se alguns alunos realmente acreditassem
que eles não precisam de conhecimentos técnicos, pois sempre haverá alguém que faça
essa parte por eles e nunca será necessário que eles coloquem seus conhecimentos na
parte técnica, como cenografia, iluminação, sonoplastia, figurino, em prática.
Isso ficou ainda mais claro para mim quando li no livro O iluminador de Pedro
Dultra o seguinte:
...embora não pareça, não só o ator compõe uma peça. Além
dos artistas postos em evidencias na cena, como atores, dançarinos e
cantores, chamo a atenção para a existência de uma mão de obra
especializada. Pouco evidente por natureza, ela faz uso de técnica
especificas servindo á arte teatral. Conhecidos como técnicos, muitos
profissionais atuam diretamente nas informações visuais e sonoras
transmitidas aos espectadores. (Dutra; 2012, p. 22 e 23)
No mês de Junho tive grandes oportunidades para colocar em prática esses sete
meses de estudo. Fique responsável pela parte técnica de iluminação da 3° mostra de
teatro escolar que aconteceu entre os dias três e sete de junho na Universidade Federal
de Uberlândia, realizada pelos alunos da disciplina de estágio supervisionado 2 do curso
de teatro e participantes do projeto Partilhas teatrais e Ateliê em artes cênicas no qual
sou bolsista. Nessa mostra foram apresentados dez espetáculos desenvolvidos por
algumas escolas da cidade e tive a oportunidade de ver como cada diretor se relaciona
com a iluminação.
Nessa mesma semana nosso grupo de pesquisa ficou responsável pela parte
técnica das apresentações na Mostra Rumos Itaú de dança, que ocorreu no teatro
municipal da cidade de Uberlândia entre os dias 06 a 08 de julho. Nesse festival tivemos
a oportunidade de conhecer consagrados iluminadores como, por exemplo, Hedra
Rockenbach iluminadora do grupo Cena 11 de Florianópolis.
Contudo a experiência que mais me surpreendeu e que me incentivou continuar
estudando iluminação foi ter trabalho na montagem do espetáculo Belle da Cia. Deborah
Colker dos dias 19 a 22 de junho. É uma companhia de dança, porém o iluminador do
espetáculo vem de um forte trabalho com teatro. Nessa montagem conheci um
iluminador chamado Pedro Forjaz de Christo que é responsável pela parte técnica em
iluminação. Ao aceitar o convite para essa experiência fiquei com muito medo, pois era
uma grande montagem (grande cenário, enorme quantidade de refletores e imensa
estrutura) e eu não estou acostumada, estou habituada ao circuito universitário onde as
condições técnicas e equipamentos disponíveis são precários e em menor quantidade,
mesmo assim aceitei a experiência.
No momento em que cheguei ao teatro e me deparei com mais de trezentos
refletores quase chorei, achei que não fosse capaz de executar as tarefas necessárias,
ainda mais por pesquisar isso há tão pouco tempo, contudo eu já estava lá e deveria
fazer o que me fosse pedido. Ao decorrer das horas foi conquistando a confiança do
iluminador da companhia e expliquei que pesquisava iluminação não só para talvez
seguir essa carreira de iluminadora, mas também para minha formação como atriz.
Mediante a nossa conversa ele me disse algo fundamental que é “a luz não é algo apenas
para servir de enfeite ou iluminar apenas, ela vem a partir de um conceito, no momento
em que você entender esse conceito ou criar o seu próprio, talvez você consiga resolver
muitas das suas dúvidas”.
Refleti sobre e percebi que realmente o ator não precisar necessariamente estar
como iluminador para entender esse conceito de luz. Eu, como atriz, entendendo esse
conceito, posso absorvê-lo e canalizá-lo de forma que ao devolver para cena ele seja
ainda mais forte. Essa ligação entre a cena e a iluminação fica nítida em momentos que,
por exemplo, é imperceptível que houve transição de iluminação, ou nem se sente que
ela estava em cena, pois se torna algo único. Funciona da mesma forma quando um
bailarino dança e temos a impressão de que a música sai do seu corpo, pois tudo é
realizado com uma imensa harmonia.
Creio que ainda falta muita coisa para que eu realmente entenda o quanto
trabalhar com iluminação pode me acrescentar como atriz, mas desde já sinto que esse
trabalho se tornará cada vez mais fundamental para que eu possa entender o universo da
cena teatral.
PONTO DE VISTA 2
Ingressei no curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no
segundo semestre de 2013. Era tudo muito novo, mas eu sabia que poderia seguir várias
áreas dentro dessa formação, porém, não sabia quais eu melhor me identificaria e não
tinha consciência do quão importante é a iluminação cênica.
As pessoas comentavam sobre grupos de pesquisa e eu ficava um pouco
insegura quanto a isso. O que se faz em um grupo de pesquisa? Será que é parecido com
uma aula? Mas se os grupos já existem, como eu vou entrar em um deles leiga no
assunto?
A partir do momento que passei a observar os espetáculos da semana de abertura
do curso, observava também o processo de preparação técnica durante o dia para que a
apresentação se realizasse. Com isso fiquei bastante instigada em saber como era e o
que se passava na parte técnica do curso. Alguns dias depois um colega (integrante do
grupo Cênica Luz), me apresentou a sala técnica e suas demandas e eu fiquei muito
surpreendida com a quantidade de elementos que precisam ser conciliados e trabalhados
para uma montagem de uma iluminação. Nesse mesmo dia fui informada que no dia
seguinte, no encontro do grupo de estudos, haveria um teste de iluminação e que eu
poderia assistir. Analisando o teste e tudo aquilo, eu me encantei e percebi que estava
no lugar certo. Deste dia em diante passei a integrar o grupo de estudos em iluminação
cênica - Cênica Luz-, e verdadeiramente eu não imaginava me identificar tanto com
algo logo no primeiro período com me identifiquei com a iluminação.
Antes de ingressar no curso de Teatro, minha experiência em cena foi pouca, fiz
algumas apresentações na escola e a partir disso fui me interessando cada vez mais pelo
teatro, passei a ler e a pesquisar muito sobre esse tipo de arte um pouco desvalorizada
em nosso país. Sabendo que a minha experiência era mínima e a cada dia tendo a
certeza de que isso não seria o suficiente para conseguir uma aprovação em uma prova
de habilidade específica da universidade, descobri que na minha cidade havia uma
companhia de teatro, assim, resolvi procurá-los para algum tipo de auxílio nesse
quesito. O grupo estava em processo de montagem de um espetáculo e resolveram me
chamar para fazer uma participação, fiquei bastante animada e a cada dia, a cada ensaio
que passava eu tinha ainda mais a certeza de que era isso que eu queria fazer para o
resto da minha vida. No dia da apresentação eu pude ajudar um pouco na organização
do espaço do espetáculo e aquilo me deixou ainda mais animada, acho que desde então
já desenvolvi certa afinidade com o procedimento técnico de preparação, mas ainda
assim não tinha ideia das várias vertentes desse processo, porém, sabia que isso fazia
toda a diferença.
Em um primeiro momento dentro do grupo, eu percebi que uma iluminação bem
pensada e bem colocada pode fazer com que a cena se valorize e ganhe um novo
significado, outra dimensão. A pratica, o como montar a iluminação não é a única coisa
a se pensar, é preciso refletir também sobre a teoria, o conceito desejado, raciocinar
sobre eles para que possa haver um embasamento teórico numa concepção de luz.
No início, ao mesmo tempo em que estava muito empolgada para aprender a
mexer nos equipamentos da técnica, estava também bastante insegura e com medo de
que acontecesse algo catastrófico, afinal estávamos lidando com eletricidade, altura e
equipamentos pesados que ficam em cima do público, mas mesmo assim eu tinha muita
vontade de aprender tudo sobre aqueles refletores, deste modo, com o auxílio do grupo e
principalmente da orientadora Camila, pude adquirir segurança e ter cada vez mais
compreensão do manuseio dos equipamentos. Aprendendo que cada um faz uma luz
diferente, fui criando mais afinidade com eles.
O grupo tem me proporcionado oportunidades de aprender cada vez mais sobre a
iluminação cênica, e a cada encontro do Cênica Luz que se passa eu percebo que é um
âmbito no qual eu posso estar continuamente adquirindo experiências concretas na parte
de iluminação para a compreensão da mesma, não só praticamente como também
teoricamente. Sinto que são situações e informações que eu guardo para a vida e não
apenas adquiro por adquirir, vivo a experiência do aprendizado de cada momento,
permitindo que ela cresça cada vez mais, favorecendo não só o meu trabalho como
iluminadora, mas também o meu trabalho como atriz.
Muitas vezes fica nítido quando o ator é muito leigo na área da iluminação,
porque em algumas ocasiões pode acontecer de ele ficar um pouco "perdido" durante a
cena, como por exemplo quando ele fica "fora do foco" (o ator fora da luz), não se
dando conta de que a luz não esta iluminando todo o seu corpo, ou pelo menos o que era
previsto para iluminar.
Pedro Dutra em seu livro O Iluminador diz o seguinte: "O iluminador e o
cenógrafo são artistas que conseguem imprimir poesia ao seu trabalho. Eles têm a
sensibilidade para apreender o sentimento construído pelo ator" (Dutra; 2012, p. 36). A
iluminação é um forte elemento do espetáculo, ela encanta os espectadores durante as
cenas e muitas vezes isso acontece sem mesmo que eles percebam. Para mostrar o
quanto as coisas fluem melhor em uma cena com luz, bastaria apresentar um espetáculo
ou uma cena duas vezes, uma com uma iluminação montada e estudada, e uma apenas
com uma luz geral, isso causaria impressões e sensações diferentes no espectador. Do
mesmo modo, a luz também pode interferir no modo de atuação dos atores quando
oferece um certo dinamismo no espaço para que o ator possa expressar o que for
preciso dentro do contexto da obra, organizando o espaço para que assim todos possam
entender o ambiente da cena.
Quando falamos em teatro, logo as pessoas pensam na parte de atuação, se
fechando para outras importantes possibilidades que fazem parte de um todo, como a
parte técnica (chamo de parte técnica os elementos que complementam a cena além dos
atores, como figurino, cenografia, iluminação, maquiagem, sonoplastia), muitos não se
dão conta se quer da existência dos técnicos, mas, apesar de ser uma área muitas vezes
pouco reconhecida, me faz bem e me contempla.
Na maioria das vezes as pessoas não percebem e não tem noção alguma sobre o
trabalho dos técnicos, não param pra pensar e nem para reparar neles, até porque eles
não ficam expostos, mas seus trabalhos sim, e fazem toda a diferença. Os espectadores e
muitos atores/diretores não se conscientizam sobre o quão importante é esse ofício.
Normalmente o que chama atenção é o ator, os personagens, mas, além disso, existem
recursos visuais como a iluminação, que faz com que a cena ganhe mais realidade e
vida.
Algo que eu pude abranger também foi o quanto um processo de investigação
para a criação da iluminação para os espetáculos é extraordinário, porque é preciso
dialogar com os contextos históricos, culturais e até sentimentais dos personagens da
peça para que a luz possa ser pensada e criada.
A partir de percepções e experimentos realizados no Cênica Luz, como o
processo de preparação da iluminação de uma coreografia que estamos elaborando e a
apresentação de um seminário que abordava o processo de criação da luz de um
espetáculo, pude perceber o quanto a pesquisa em cima de uma determinada cena e/ou
coreografia se faz importante para o processo de criação da luz, entender a necessidade
da cena e estar próximo na criação do espetáculo é um ponto fundamental para que tudo
se contemple. Dutra diz que:
Percebi que os técnicos não só servem à cena nos bastidores:
eles de fato contracenam durante toda a peça com os atores.
Contracenar aqui se caracteriza como uma comunhão na realização do
espetáculo. Esta comunhão é importante para a sensação de harmonia
da encenação. Vez ou outra ocorre de o espectador perceber em quais
momentos esta harmonia é rompida: movimento e luz, ou som, podem
não coincidir um com o outro. Não é preciso ser um especialista para
perceber estes momentos de "atrito", de dissonância entre as partes do
espetáculo, que ocorrem numa apresentação. O erro se denuncia na
incoerência da cena. Portanto, um operador de luz, de som e da
maquinaria cenotécnica é um especialista que busca se aprimorar na
arte da precisão, da repetição e da respiração. (Dutra; O Iluminador;
2012, p. 27)
Fazer a luz de um espetáculo não significa apenas monta - lá com o que se acha
mais bonito ou mais fácil, mas sim pensar previamente em cada cena, o que a cena pede
para que ela se valorize como um todo, realizando um trabalho em equipe, respeitando o
tempo para que cada um dê o melhor em seu trabalho, conciliando figurino, cenário,
maquiagem e iluminação. É como se fosse um jogo onde cada um explora seu potencial
ao máximo, e no fim todos ganham juntos.
Assim, percebo algo importante que a cada encontro fica mais claro para mim,
devemos pensar primeiramente na criação da luz, ter uma consciência e uma percepção
de que é preciso se envolver com uma "certa" teoria, com um todo da cena para que a
iluminação possa ser feita. Podendo assim seguir para a parte técnica e testar nossas
ideias e teorias.
Muitas vezes é preciso pensar também nos recursos técnicos que vamos
encontrar em cada espaço, pensar em uma iluminação na qual o espetáculo não fique
prejudicado por falta de refletores por exemplo.
A partir do momento que ingressei no grupo, não paro de pensar e observar a
iluminação nos mais diversos âmbitos. Quando penso na preparação de uma cena, logo
penso na iluminação também, parece que é algo que no meu ponto de vista já me vem, e
de certo modo é um forte e importante complemento no que estou fazendo. Penso que
isso seja ótimo para a minha formação porque além de uma área técnica super
importante é também algo que eu gosto muito.
O Cênica Luz me proporcionou também ótimas experiências fora da
universidade, como em um festival de dança que aconteceu no Teatro Municipal de
Uberlândia. Nele eu pude experimentar a iluminação em outro espaço e conhecer mais
pessoas que trabalham com iluminação cênica. Eu já estava bastante acostumada com o
espaço físico da sala técnica da universidade, chegando lá as coisas eram um pouco
diferentes e fiquei um pouco nervosa por isso, mas percebi que a ideia era a mesma,
apenas os equipamentos eram diferentes, assim, as coisas ficaram um pouco mais fáceis
e com a ajuda do pessoal fui compreendendo o espaço. Vendo e fazendo a montagem da
luz, me despertava uma imensa curiosidade de saber o que aconteceria em cada
momento, de cada apresentação, justamente por saber que cada cena foi pensada e
preparada. Foram três dias de trabalho que agregaram muito para o meu aprendizado e
de certo modo me abriram a mente para muitas possibilidades, vendo praticamente que
a técnica de cada lugar é diferente e aprendendo a lidar com esse fato.
Penso que vivemos sempre aprendendo, e tenho a consciência de que ainda
tenho muito que aprimorar como estudante de teatro. Nesses termos fica claro que
devemos sempre pensar em um espetáculo como um todo. Desse todo, a iluminação é
com certeza o componente que mais me impressiona, componente esse que pretendo
sempre levar em consideração para a minha vida, me aprofundando nesse
impressionante ofício que é trabalhar com a iluminação cênica.
BIBLIOGRAFIA
CAMARGO, Roberto Gill. Conceito de Iluminação Cênica. Rio de Janeiro: Música e
Tecnologia, 2012. 138 p.
DUTRA, Pedro. O Iluminador. Rio de Janeiro: Música e Tecnologia, 2013. 164 p.
STANISLAVSKI, Constantin; LIMA, Pontes de Paula – tradutor. A preparação do
ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. 365 p.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
EXATAMENTE SEMELHANTE E INFINITAMENTE ESTRANHO: A EXPERIÊNCIA DE
LABORATÓRIOS TEATRAIS EM RUAS LATINO-AMERICANAS E SUA
CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
Gláucio Machado Santos; Escola de Teatro; Universidade Federal da Bahia
María Fernanda Sarmiento Bonilla (CAPES-PROEX, Mestrado, Gláucio Machado Santos)
RESUMO
Esta comunicação discorre sobre aspectos da formação do ator a partir de uma perspectiva
específica: a realização de práticas laboratoriais nas ruas de cidades latino-americanas. Os
exercícios foram desenvolvidos no âmbito de uma pesquisa de Mestrado cujo objetivo era estimular
e explorar a relação ator/público através da utilização do corpo em sua totalidade expressiva. Tais
laboratórios foram desenvolvidos nas cidades de Bogotá, Colômbia, e Salvador, Brasil. É necessário
frisar que a citada investigação não visou a preparação específica para o teatro de rua, mas, sim,
uma possível contribuição para a formação geral do intérprete em artes cênicas. A fim de
estabelecer a base conceitual de discussão, Tadeusz Kantor e Augusto Boal são tomados como
referência principal de raciocínio sobre o ofício do ator. Em complemento, José Martí e Boaventura
de Sousa Santos são acionados de modo a encaminhar uma apreciação dos espaços públicos de
Bogotá e Salvador sob o ponto de vista das especificidades que oferece a cultura latino-americana.
Com isso, procura-se salientar como essas mesmas características têm potencial para incrementar
uma proposta pedagógica para as artes cênicas, com o intuito de aprimorar os recursos dos
intérpretes para a elaboração e a execução da cena teatral.
palavras-chave: teatro, pedagogia, ator, rua, América Latina
RESUMEN
Esta ponencia discute aspectos de la formación del actor desde una perspectiva particular: la
realización de prácticas de laboratorio en las calles de las ciudades de América Latina. Los
ejercicios se desarrollaban dentro del ámbito de una investigación de Master cuyo objetivo era
estimular y explorar la relación actor/público a través del uso del cuerpo en su totalidad expresiva.
Estos laboratorios se desarrollaron en las ciudades de Bogotá, Colombia, y Salvador, Brasil. Es
necesario hacer hincapié en que la investigación citada no se dirige a la preparación específica para
el teatro de calle, sino más bien a una posible contribución a la formación general del intérprete en
las artes teatrales. A fin de establecer la base conceptual para la discusión, Tadeusz Kantor y
Augusto Boal se toman como referencia principal para pensar sobre el oficio de actor. Además, José
Martí y Boaventura de Sousa Santos se activan con el fin de presentar una evaluación de las áreas
públicas de Bogotá y Salvador desde el punto de vista de las características específicas que ofrece la
cultura latinoamericana. Por lo tanto, tratamos de poner de relieve cómo estas mismas
características tienen el potencial de incrementar una propuesta pedagógica para las artes escénicas,
con el fin de mejorar las capacidades de los intérpretes para la preparación y ejecución de la escena
teatral.
palabras-clave: teatro, pedagogía, actor, calle, America Latina
A presente comunicação é resultado de uma pesquisa de Mestrado i que procurou constituir uma
situação para o ator criar, procurar, ou mesmo descobrir a sua autonomia através do enfrentamento
de desafios e quebra de barreiras oriundas de lugares que não necessariamente são propícios para
um trabalho teatral. Procuramos explorar esta relação que é historicamente tão importante para o
teatro: ator/atriz e espectador. Estimulamos o exercício de tal interação antes do encontro com a
plateia num espetáculo, assim como se treinam outras ferramentas para serem utilizadas na cena.
Baseamo-nos na ideia de que se deveria exercitar essa relação com o intuito de fazer a atriz ii
contagiar o seu redor, o seu contexto, os seus espectadores. Assim, acreditamos que a rua oferece
uma oportunidade para que o ator e a atriz possam aprimorar a sua relação com a plateia, além de
veicular o fortalecimento de outros recursos expressivos.
Então, o nosso principal pressuposto nesta pesquisa é que a atriz e o ator podem e devem exercitar a
relação com o público pois isso veicula um aprimoramento da formação atoral. Para tal, foi
realizado um laboratório com atrizes e atores, que se preparam em sala para posteriormente ir para a
rua. Foi de nosso interesse fortalecer a comunicação e interação entre plateia e palco, pois o teatro
pelo qual quero trabalhar é um teatro que reflita sobre a sociedade e que seja um ato engendrado por
relações humanas, por contato entre as pessoas (GROTOWSKI, 2006, pg. 57). Dessa forma, as
saídas para as ruas com a nossa prática foram realmente a essência desta pesquisa. Ainda que o
tempo tenha sido menor na rua que na sala de aula, a riqueza de se exercitar em espaços públicos é
enorme para os nossos propósitos com esta pesquisa. Esse é um estímulo necessário para as atrizes
e os atores: investigar as ferramentas que eles próprios detêm para executar seu ofício e testá-las
com transeuntes em espaços públicos. A relação com a rua, local onde se manifesta o pior e o mais
nobre das pessoas, é o lugar que encontro para estas atrizes e estes atores de um teatro contestatório
e reflexivo; pensando seu país e seu mundo.
Para melhor examinarmos a experiência realizada, iniciamos nossa reflexão a partir da condição
das ruas de Bogotá e de Salvador. Com a experiência nessas cidades, conseguimos perceber como a
nossa cultura da América Latina influencia todos os nossos espaços, desde os mais cotidianos como
os centros das cidades, até os menos frequentados como praças isoladas ou arredores de bibliotecas
e bairros distantes. Assim, percebemos que a rua latino-americana oferece um cardápio de
possibilidades muito particular, um espaço febril e fecundo para a preparação de atrizes e atores.
O ETHOS BARROCO DE NOSSA AMÉRICA NAS RUAS
Nas ruas das duas cidades onde se realizamos nossa prática, Bogotá e Salvador, os seus transeuntes
e habitantes se surpreendem e prestam atenção naquilo que acontece, reagindo e até respondendo às
provocações dos atores. Assim, nossas ruas latino-americanas, especialmente no Brasil e na
Colômbia, são terrenos férteis e subversivos para nossa proposta de preparação.
A fim de criar uma leitura para esses espaços, recorremos à análise de Boaventura de Sousa Santos
(2009) sobre os diferentes componentes do projeto do cubano José Martí (1981), Nossa América,
análise essa que revitaliza e recontextualiza o próprio projeto para além de um manifesto político.
Essa percepção de Sousa Santos nos ajuda a reconhecer nossas ruas como próprias, como espaços
que narram e contam uma historia que muitas vezes não queremos reconhecer que é nossa história.
Encontramos, assim, uma descrição da epistemologia e da ontologia de nossas ruas e o porquê de
sua fertilidade para a formação da atriz.
Boaventura de Sousa Santos (2009, p.225-268) faz uma análise da ideia de Nossa América
encontrando nela um potencial emancipador através de uma comparação ontológica do ethos
barroco “concebido como o arquétipo cultural da subjetividade e a sociabilidade de Nossa
América”iii (idem, p. 229). Ainda que o projeto não tenha se materializado nos anos posteriores à
sua publicação, nem nas décadas de 50 a 70 do século XX, quando o seu desenvolvimento como
projeto social e politico alimentava as lutas significativas dessa época, o autor apresenta
possibilidades de desenvolvimento desse conceito que indicam outras ideias ou manifestos que
procuram uma identidade da América Latina.
Da análise realizada por Santos, interessa-nos ressaltar três aspectos que recheiam a ideia de Nossa
América. O primeiro aspecto encontra-se na antípoda existente entre a formação do projeto europeu,
continuado no Norte da América, e a característica cultural relevante de Nossa América. A Europa
se estabelece com estados-nações que são compostos por uma só raça, e é esta raça que dará o
caráter de identidade à nação. A conservação dessas raças, que suportam a concreção das
identidades europeias, é a protagonista das lutas e guerras do velho continente. Pelo contrário, em
Nossa América, a mesclas das raças é o nosso potencial. O cruzamento delas, que deu como
resultado uma América mestiça, além de descartar a luta entre raças, unifica os povos e cria novas
formas de identificação afastadas do pensamento eurocêntrico. Deste jeito, o projeto procura
conhecimentos que respondam a esta América mestiça que serão diferentes dos projetos europeus
ou americanos.
O segundo aspecto significativo do projeto de Nossa América é a riqueza existente na mestiçagem,
pois esta nova cultura, que não tem que lutar pela limpeza da raça, pelo contrário, valoriza sua
mescla complexa, se potencializa numa identidade intrincada e cheia de possibilidades
emancipatórias. Em acréscimo, o conceito de antropofagia de Oswald de Andrade (2001, p. 59)
reconhece a mistura e a apropriação do externo numa ação devoradora que remete a um “instinto
canibal” nativo da América. Tal movimento culmina numa regurgitação de novas ideias e relações
humanas.
O terceiro aspecto de Nossa América procura o conhecimento genuíno e representativo. Mas para
consegui-lo “as ideias devem ficar enraizadas nas aspirações dos povos oprimidos”, como diz
Santos (2009, p. 238). Para Martí (2005, p. 33), era primordial que Nossa América gerasse seu
próprio conhecimento e que reconhecesse seu trajeto e as culturas que nela habitam:
A universidade europeia deve ceder à universidade americana. A história da América, dos
Incas até o presente, deve ser ensinada perfeitamente, ainda que não ensinemos os arcontes
da Grécia. Nossa Grécia é preferível à Grécia que não é nossa.iv
Dessa maneira, passamos a elaborar nosso oficio dentro das possibilidades que temos, atrizes e
atores, diretoras e diretores, para contribuir para este projeto. As culturas produzem imagens com as
quais se identificam e a tarefa do teatro é criar essas imagens de modo que possam dialogar com
uma sociedade ou país de um determinado tempo e espaço, mas “entendendo esta imagem como um
elemento produzido na relação cena-público e não só na cena” (GARCÍA, 2008, p. 99).
Acredito que a junção desses aspectos faz com que a reação dos transeuntes seja a de compartilhar a
ação do ator e da atriz na rua. Nossa cultura mestiça enriquece a prática atoral e a relação que eles
têm com os transeuntes. Nestas cidades, talvez mais em Bogotá, onde moram e ficam pessoas de
todos os cantos do país, a amostra de culturas é enorme. A prática é enriquecida à medida que essa
cultura permite a revisão e a utilização das ferramentas de trabalho conhecidas pela atriz.
Neste trabalho, estimulas a produção daquelas imagens que solicita Garcia, um resultado da relação
cena-público. Assim, colocamos a rua como sala de aula, cheia de desigualdades num mesmo
espaço, cheia de signos, símbolos e culturas, cheia sujeira e dispersões. A rua fala de nós como
coletivo, de nossa sociedade e, assim, fortalece uma possível formação e preparação de atrizes e
atores que pertencem a essa rica e poderosa América Latina.
Nossa América foi uma forma de perceber nossa vida com especial subjetividade e sociabilidade. É
uma maneira de ressaltar nosso jeito de ser e viver permanentemente em trânsito, cruzando
fronteiras e criando novos espaços de interseção. Nossas sociedades foram se acostumando ao risco
pela contínua ebulição que acontece em nosso territórios, pelas intermináveis lutas sociais que,
mesmo sem ser vitoriosas, alcançam algum tipo de modificação política, social e/ou cultural para
afetar nosso sistema. Assim, já temos vivido nosso risco, muito antes da invenção da “sociedade do
risco” (BECK, 1992). Esse tipo de sobrevivência nos obriga a abandonar a noção de projeto para
nossas vidas, pois a incerteza tornou-se regra em nosso cotidiano. O que temos são povos muito
dispostos, mas com pouca visão de futuro, pois, conforme constata Sousa Santos (2009, p. 241),
nossa sociedade acostumou-se a se manter com: “um nível baixo de estabilidade em suas
expectativas, em nome de um otimismo visceral que nasce da potencialidade coletiva”v.
Essa é Nossa América, a qual sentimos ao realizar nossa prática na rua e, assim, nos põe em risco,
nos faz criar novos espaços, nos permite transitar em inúmeras culturas e questionar nossas
capacidades, mas, sobretudo, nos faz achar na coletividade uma potencialidade. São essas ruas e
seus transeuntes que fazem possível a concretização de minha pedagogia.
O conceito de ethos barroco não se esgota aí. Meu propósito de descrever ontologicamente as
nossas ruas, nesse momento, também tem a função de aportar mais ferramentas para o ator e a atriz
olharem os espaços exteriores. Esses espaços não somente correspondem a nossas culturas,
mestiçagens ou inúmeras diferenças, mas adquirem e incitam outros sentidos à medida que
percebemos um certo caráter marginal dessa nossa natureza, conforme observa Santos (2009, p.
242):
A relativa ausência de um poder central confere ao barroco um caráter aberto e inacabado
que permite a autonomia e a criatividade das margens e as periferias. Devido a sua
excentricidade e seu exagero, o centro se reproduz a si mesmo como se fora uma margem. vi
Assim, uma importante contribuição que o conceito do ethos barroco traz para esta pesquisa é a
capacidade de subversão própria desse ethos. Pretendemos usar essa subversão para alimentar a
prática a partir de vários pontos. O primeiro é a natureza fechada e distante da sociedade que temos
durante a nossa formação como atrizes e atores. Observamos que, em nossos cursos, não
desenvolvemos ferramentas para estabelecer relações com o nosso entorno social. A nossa proposta
incentiva, então, a mescla do rito da preparação fechada, ou quase enclausurada, do ator com a
abertura da formação artística para a rua, para a sociedade que rodeia esse mesmo intérprete.
Ainda sobre a subversão, consideramos o público como parte essencial já durante os processos de
preparação do ator e da atriz. Os transeuntes ajudam e problematizam essa preparação, eles exigem
que se encontre mais alternativas de diálogo e relacionamento com a plateia.
Tal conceito de subversão emerge da ontologia de Nossa América proposta a partir do ethos barroco
para nossas ruas, pois, nas palavras de Sousa Santos (2009, p. 243):
Esta forma do barroco, enquanto manifestação de uma instância extrema da debilidade do
centro, constitui um campo privilegiado para o desenvolvimento de uma imaginação
centrífuga, subversiva e blasfema. [...] a cultura barroca é o instrumento de consolidação e
legitimação do poder. No entanto, o que para mim segue sendo inspirador da cultura
barroca é sua veia de subversão e excentricidade.vii
Essa subversão descrita por Santos tem vários aspectos que estão presentes tanto na rua da América
Latina como no oficio teatral. Aspectos como excentricidade, efêmero, transitoriedade, interrupção,
surpresa, fractal, novidade, fazem parte da descrição da subversão no ethos barroco. É com essa
mistura de termos que Santos (2009, p. 247) chega ao evento cênico por excelência da rua, a festa:
“[...] a subjetividade barroca é lúdica e subversiva ao mesmo tempo, como bem o ilustra a festa
barroca”viii.
Na vocação de nossas cidades, aparece a festa, que faz com que a prática desta pesquisa apresente
aos transeuntes uma possibilidade de fuga, de subversão, de fantasia. Com esse ânimo histórico de
nosso povo, a atriz e o ator têm uma ampla possibilidade de estabelecer relações para incrementar o
relacionamento com o público. Uma vez mais, a rua se apresenta como o espaço para ensaiar e se
preparar para a relação com a plateia.
É com esse ethos barroco da Nossa América que encaramos as ruas das cidades de Salvador e
Bogotá, é ele que enriquece o cardápio de preparação para a atriz e o ator. Nossas ruas tem essa
identidade e é a partir dela que pretendemos analisar as implicações da execução de nossa prática na
rua.
Apesar de toda essa atmosfera festiva, a rua impõe ao ator a natureza da cidade, a qual não é todo o
tempo acolhedora, ela também é forte, inquisitiva e muitas vezes surda, cega e muda. Isso faz com
que a atriz alguma vezes fique “nadando contra a corrente”. Essa era uma característica importante
para o nosso trabalho e, por isso, todas as execuções não tiveram um aviso ou divulgação prévia,
elas aconteceram em meio à vida cotidiana da cidade. Aproveitamos o fato de que nossas ruas têm
intimidade com a festa. Porém, como se trata de uma intervenção, os transeuntes não iriam
necessariamente parar para apreciar, pois não se tratava de um evento planejado para todos. Durante
a nossa prática, a rua manteve o seu ritmo e, em meio a esse fluxo, o ator aprimorava a sua
formação.
EXATAMENTE SEMELHANTE E INFINITAMENTE ESTRANHO
O treinamento para as artes cênicas é muito mais do que um treino físico, ele exige o domínio do
corpo como totalidade, ou seja, uma conjugação global das dimensões da voz, das possibilidades
físicas e da manipulação emotiva. Isso faz com que o espaço de preparação atoral não seja restrito à
composição de formas ou utilização de músculos, mas alcance um estado onde a atriz e o ator
dominem o seu corpo numa condição ampliada.
Acreditamos que um embrião dessa ampliação apareceu na nossa prática na rua. Nessa experiência,
o ator enfrenta todas as inseguranças que esse local cria e com essa vulnerabilidade aparece uma
oportunidade para enriquecer a sua formação. Uma vez que o ator não assume nenhuma
personagem, nem tem um discurso estruturado para os transeuntes, ele explora a situação
encarnando a si próprio e tentando perceber novas nuanças do seu comportamento. A ideia central é
que, ao executar a prática, a atriz adquire um estado diferente do como é ela na sua cotidianidade,
porém essa diferença é muito tênue. Assim, ela altera delicada e sutilmente a sua natureza.
A circunstância na qual se estabelece a prática, sem figurinos assumidamente teatrais ou cenários
que construam escancaradamente uma espetacularidade, pode fazer com que o público perceba o
ator apenas como um louco, um desajustado, e não como um artista em trabalho. Essa forma de ser
percebido acaba por incitar um questionamento pessoal sobre o seu comportamento habitual e o
comportamento ao realizar nossa prática. Tal exame proporciona sensações e reflexões
enriquecedoras para a formação atoral. Afinal, o ator e a atriz não estão sendo admirados como
artistas, mas examinados como um cidadão estranho e ousado. Fazer o intéprete passar por esse
crivo é uma exigência estruturante da nossa proposta pedagógica. Assim, estimulamos, já na
preparação de atores, um estado conforme a solicitação de Kantor (1998, p.17):
Devemos fazer renascer esse impacto original do instante em que um homem (ator)
apareceu pela primeira vez diante de outros homens (espectadores), exatamente semelhante
a cada um de nós e no entanto infinitamente estranho...
Entre o semelhante e o estranho, aparece a atriz que se exercita na rua e que tem que trabalhar com
as reações dos passantes, além de se corrigir e ser muito precisa. Esse conjunto abrange uma relação
especial, discreta e estranha com o espaço e seus transeuntes. Assim como essa relação é pequena, o
exatamente semelhante e infinitamente estranho é concentrado e sutil. A repetição das ações ajuda a
a atriz a se apropriar dessa nova natureza que parte de si na relação com a rua e é aí onde aparece o
exatamente semelhante e infinitamente estranho. Trata-se de uma outra condição produzida pela
atriz para encarar o desafio e que proporciona uma prática artística conforme a exigência de Taviani
(apud BARBA, 2007, pg. 94):
A energia do ator é algo preciso que todos podem identificar: sua força muscular e nervosa.
Não é a pura e simples existência desta força a que interessa-nos porque de fato já existe,
por definição, em todos os corpos viventes, senão o jeito em que é moldada e com que
perspectiva.ix
Ressaltamos que essa outra condição nasce a partir do que é a atriz e não de outra natureza que é
trazida de outras partes do mundo. É a combinação da subversão de nossas ruas com a própria
natureza da atriz. Na execução de nossa prática nas ruas, esse aspecto possibilitou a atrizes e atores
se manter presentes e ligados a todo momento. Ficar nesse estado fazia com que eles tivessem todos
os sentidos atentos ao que acontecia na rua.
Por fim, acreditamos que esse exatamente semelhante e infinitamente estranho encaminha a análise
de outro aspecto da pedagogia que propomos: as relações humanas expressas na rua.
Nossas cidades são um cardápio muito rico de possibilidades. Cada um dos seus locais oferece
novas propostas para a preparação do ator. A desigualdade social é manifestada na arquitetura e isso
faz com que se tenha ambientes tão diferentes um de outros. Essas diferenças, tão contraditórias e
antagônicas, oferecem à preparação da atriz possibilidades que contribuem para ampliar o seu
domínio expressivo a partir da vida do espaço. Aproveitamos nossas diferenças sociais
concretizadas na rua para incitar mais possibilidades expressivas dos atores e das atrizes em sua
experiência.
É impressionante a quantidade de opções com os espaços de Salvador e Bogotá. Cada mudança de
bairro configurava uma relação completamente diferente. Muitas vezes nem era necessário ir para
outro bairro, bastava caminhar algumas quadras para ter outro espaço distinto; com outra
arquitetura, outro comportamento, outra condição social.
As praias, os parques e os ambientes próximos das escolas e faculdades quase sempre são muito
tranquilos e os participantes se sentem muito a vontade com a prática, ainda mais quando em alguns
horários o local fica sem muitas pessoas. Para esse caso, a relação com o espaço é muito maior e a
sensação de liberdade, incomensurabilidade, e até um efeito sublime, chegam para a atriz como
desafio para não se sentir tão pequena neste enorme planeta. O efeito contrário acontece nos centros
das cidades, onde há muito comércio e, claro, muito trânsito de pessoas. Nessa situação, o ator fica
mais ansioso e assim desenvolve uma energia mais forte e impactante para se misturar com o
ambiente. Também é possível encontrar um espaço intermediário, como nos bairros onde se tem um
comércio incipiente ou nos centros das cidades onde existem centros culturais como teatros, museus
ou praças. Nesses espaços, o ator encontra uma relativa tranquilidade para fazer a sua prática, mas,
ao mesmo tempo, existe um trânsito de pessoas que nutrem a sua execução.
O principio de criação de nossa prática na rua é estabelecer uma situação para que a atriz e o ator
possam trabalhar sobre si numa relação direta com o lugar onde estão. É uma sugestão de exercício
que incita o praticante a se manter em condições cênicas e superar suas barreiras a todo momento.
Assim, imaginamos que se pode intuir a quantidade de focos de atenção exigidos da atriz e do ator
ao treinar na rua ou em espaços públicos. Há, também, as características técnicas próprias da
execução da sequência, que não podem ser abandonadas. Dessa maneira, a preparação será a mais
completa e a mais proveitosa possível.
POR FIM, A TOTALIDADE
A preparação na rua nos mostra que ela é útil e enriquecedora por todos os seus focos,
manifestações, diferenças e comportamentos incrementando as exigências de totalidade numa
preparação atoral. Por isso, tentamos criar uma atmosfera para fazer brotar a essência do trabalho
atoral.
O objetivo final da nossa sugestão prática é que se possa ter uma integralidade na prática da rua. A
atriz precisa de um contato permanente com a dimensão exterior, uma relação viva e dialógica com
as pessoas que habitam e transitam a rua. Do mesmo jeito, deve ter interação com o espaço e suas
possibilidades ou obstáculos para a preparação.
Assim como o nosso corpo pode, ao mesmo tempo, pensar, respirar, manipular, se mover, digerir,
entre outras coisas, esse tipo de preparação impõe aos atores o desenvolvimento da capacidade de
manipular todos os aspectos como se fosse um só, numa totalidade orgânica.
Esta totalidade só se consegue no percorrer do oficio atoral. Ela é resultado de uma preocupação
constante e disciplinada das atrizes e dos atores. Assim, identificamos outro resultado desta
pesquisa: dar à atriz e ao ator um estímulo que possa lhe aumentar a autonomia em seu oficio, para
que não sejam simples executores, ou marionetes, ou manequins à mercê de comandos para poder
atuar. Esta pesquisa tem a finalidade de ver a atriz como criadora de sua própria arte, podendo
compartilhar o estado criativo com diretores, colegas atores, artistas cênicos e público, sem perder a
sua autonomia individual dentro de um coletivo.
Porém, a busca de uma autonomia através de uma construção exatamente semelhante e
infinitamente estranha não trata necessariamente da passagem por um número exagerado de estilos,
técnicas ou métodos. Pretende-se ter um exercício profundo de momentos, de detalhes que
contribuem para a formação do ator onde ele, como um olhar muito crítico sobre si e consciente da
sua prática, encontra seu um caminho próprio.
Esse âmbito desconhecido também exige do ator sair de uma tendência à submissão ou obediência
para construir uma relação criativa a partir das dificuldades encontradas. Se, por um lado, cada uma
das técnicas teatrais é condicionada por regras e ditames, por outro lado elas também tem seu
momento de liberdade. Aí, ficamos mais abertos e nossas ferramentas atorais aparecem num jogo
contínuo.
Destacamos, ainda, que esta pesquisa buscou um exercício livre e autônomo, contínuo e
permanente, conforme nos indica Stanislavski (2009, p. 338):
Para isso se precisa um continuo e sistemático exercício, treinamento, instrução, paciência,
tempo e fé para os quais eu lhes animo. A rotina é para nós tão necessária que para seu
reconhecimento definitivo peço a vocês dar à ela força legal com duas bandeiras especiais:
“Hábito” e “Rotina” (tanto internos como externos). Pendurem-nas nesta parede onde
brilham outros elementos da atitude cênica.x
Nessa ação, de alguma forma, estimulamos os atores e atrizes a pensar sobre a sua própria
sociedade. Acreditamos no teatro que fala de seu contexto e mergulha nele, vive os problemas de
seu entorno social, suas contradições, suas injustiças, sua vida pública. Este teatro tem uma posição
social, uma posição politica, se identifica com as lutas de classes e com os princípios populares
onde a vida, sem diferenças abissais e contrastes dolorosos, é possível. Ainda que o teatro não mude
o mundo, pode acordar pessoas, dar argumentos, arraigar sentimentos, fortalecer crenças, e até pode
ser “um ensaio da revolução” (BOAL, 1991, p. 181), que deve começar já na formação do ator e da
atriz.
Este teatro a que nos dedicamos é um espaço de relações humanas por excelência, onde plateia e
cena se reconheçam, onde se aproveite essa presença orgânica, viva, que fica diante e que recheia o
espetáculo, conferindo às artes cênicas sua identidade, pois conforme indica Grotowski (1992, p.
36):
Existe apenas um elemento que o cinema e a televisão não podem tirar do teatro: a
proximidade do organismo vivo [...] Por isto, é necessário abolir a distância entre o ator e a
plateia [...]. Deixemos que a cena mais drástica aconteça de braços com o ator, para sentir
sua respiração e seu cheiro.xi
É para apanhar a sensibilidade do espectador por todos os lados que preconizamos um exercício
orgânico que, em vez de fazer da cena um mundo fechado, sem comunicação possível, difunde seus
lampejos visuais e sonoros sobre toda a massa dos espectadores (ARTAUD, 1998, p. 42).
Então, a atriz e o ator têm uma tarefa hercúlea a realizar, está no seu trabalho a contribuição do
teatro para a sociedade. Porém, isso não é fácil, nossa plateia infelizmente não está acostumada a
ser sujeito ou participante ativo, pois acostumou-se a olhar, escutar e estar calada. Assim, a atriz e o
ator têm que se preparar para criar esta relação e conseguir que os espectadores aceitem o seu
valioso convite.
REFERÊNCIAS
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européia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas.
(3ª ed.) Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.
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_______________. O Teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
BARBA, Eugenio. Obras Escogidas Volumen I. La Habana: Ediciones Alarcos, 2003.
______________. Obras Escogidas Volumen II. La Habana: Ediciones Alarcos, 2007.
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BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo: Hacia la nueva modernidad. Oxford: Polity Press, 1992.
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Editora
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BRECHT, Bertolt. Escritos sobre Teatro. Tres tomos. Buenos Aires: Ed. Nueva Visión, 2005.
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GROTOWSKI, Jerzy. Hacia un teatro pobre. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2006.
KANTOR, Tadeusz. O teatro da morte. Trad. de Ângela Leite Lopes. Folhetin. Rio de Janeiro,
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MARTÍ, José. Nuestra América. Venezuela: Fundación Ayacucho, 2005.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Una epistemología del sur. México, Siglo XXI Editores, 2009.
STANISLAVSKI, Constantin.Manual del actor. Cidade do México: Ed. Diana, 2001.
______________. A construção da personagem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
______________. A criação de um papel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
______________. Minha vida na arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
______________. A preparação do ator. Trad. de Pontes de Paula Lima. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1964.
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v
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viii
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Com apoio de bolsa CAPES-PROEX.
Neste texto, o leitor e a leitora encontrarão uma linguagem de gênero particular. Utilizaremos o termo “atriz” da
mesma forma como se usa o termo “ator” para fazer alusão ao conjunto das pessoas que atuam.
No original em espanhol: “concebido como el arquetipo cultural de la subjetividad y la sociabilidad de Nuestra
América”.
No original em espanhol: “La universidad europea debe ceder a la universidad americana. La historia de América,
de los incas acá, ha de enseñarse al dedillo, aunque no se enseñe la de los arcontes de Grecia. Nuestra Grecia es
preferible a la Grecia que no es nuestra”.
No original em espanhol: “[...] con un nivel bajo de estabilidad en sus expectativas, en nombre de un optimismo
viceral que nace de la potencialidad colectiva”.
No original em espanhol: “La relativa ausencia de un poder central confiere al barroco un carácter abierto e
inacabado que permite la autonomía y la creatividad de los márgenes y las periferias. Debido a su exentricidad y su
exageración, el centro se reproduce a sí mismo como si fuera un margen”.
No original em espanhol: “Esta forma del barroco, en tanto manifestación de una instancia extrema de la debilidad
del centro, constituye un campo privilegiado para el desarrollo de una imaginación centrífuga, subversiva y
blasfema. […] La cultura barroca es un instrumento de consolidación y legitimación del poder. Sin embargo, lo que
para mi sigue siendo inspirador de la cultura barroca es su veta de subversión y excentricidad”.
No original em espanhol: “[...] la subjetividad barroca es lúdica y subversiva a la vez, como bien lo ilustra la fiesta
barroca”.
Na versão em espanhol: “La energía del actor es algo preciso que todos pueden identificar: su fuerza muscular y
nerviosa. No es la pura y simple existencia de esta fuerza lo que nos interesa porque de hecho ya existe, por
definición, en todos los cuerpos vivientes, sino la manera en que es moldeada y con qué perspectiva”.
Na versão em espanhol: “Para ello se necesita un continuo y sistemático ejercicio, entrenamiento, instrucción,
paciencia, tiempo y fe a los cuales yo les animo. La rutina es para nosotros tan necesaria que para su reconocimiento
definitivo les pido darle fuerza legal con dos banderines especiales: "Hábito" y "Rutina" (tanto internos como
externos). Que los cuelguen en esta pared, allí donde lucen otros elementos de la actitud escénica”.
Na versão em espanhol: “Hay un solo elemento del que el cine y la televisión no pueden despojar al teatro: la
cercanía del organismo vivo [...]. Es necesario por tanto abolir la distancia entre el actor y el auditorio [...]. Dejemos
que las escenas más drásticas sucedan frente al espectador, para que esté al alcance del actor, para que pueda sentir
su respiración y oler su sudor”.
TEMÁRIO DA SESSÃO: ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
TEATRO E EDUCAÇÃO DIALÓGICA: ESTUDO DAS REALIDADES,
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E FORMAÇÃO CIDADÃ
Ildisnei Medeiros da Silva - Autor
(Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – UFRN)
José Sávio Oliveira de Araújo - Orientador
(Prof. Dr. Adjunto IV do Curso de Licenciatura em Teatro – UFRN)
RESUMO: A pesquisa foi desenvolvida a partir da ideia de que a sala de aula é o
laboratório de pesquisa do professor, de qualquer que seja sua área. Pensando no Ensino
de Teatro pretendemos através desta repensar o currículo escolar desta disciplina e
incentivar que outros profissionais da área o façam, a partir de um estudo da realidade
escolar, pensando os sujeitos, a percepção e problematização dos equipamentos
educacionais, analisando os referenciais curriculares, repensando teorias e a prática
docente, de modo a estruturar e organizar um currículo para a disciplina Teatro levando
em consideração as particularidades da área e conhecimento, e de cada escola e região,
formando sujeitos ativos e críticos a partir da identificação e reflexão sobre os temas
estudados.
Palavras-chave: Ensino de Teatro. Currículo Escolar. Reflexão.
ABSTRACT: The research was developed from the idea that the class room is the
research laboratory of the professor, and its subject isn’t worth. Thinking the drama
teaching, we mean through this to rethink the school curriculum of this course and push
the others professionals of this area to do the same, by studying the school reality,
thinking about the subjects, the perception, and the problematization of the educational
equipment, analyzing the referential of the curriculum, rethinking all the theories and
teaching practices, to create a structure and organize the curriculum to the Drama
course, taking into account the particularities of the subject and knowledge, and of
schools and regions as well, creating active critic subjects from the identification and
reflection about the studied themes.
Key words: drama teaching. School curriculum. Reflection.
Porque repensar o currículo?
Iniciamos nossa pesquisa partindo do ideal de que o laboratório de pesquisa
dos licenciados é a sala de aula; não é porque alguém se graduou como professor e não
fez um bacharelado que ele não é pesquisador, e não deve dar continuidade a suas
pesquisas quando sair da academia. Acreditamos que o profissional docente deve
encarar as salas de aula como seu laboratório de pesquisa, e também como objeto.
Por isso compartilhamos do pensamento de Shön (2000), de que o
conhecimento do profissional docente deve formar-se sobre a experiência, através da
qual ele pode experimentar a ação e a reflexão em situações gerais, de modo que a sala
de aula funcione como um laboratório prático. E levando em consideração esses
aspectos o professor deve se dispor a pensar a sua ação, para ser capaz de planejar e
elaborar uma proposição de aula que esteja comprometida com a qualidade da
aprendizagem.
O exercício de repensar o currículo escolar da disciplina Teatro foi
desenvolvido dentro desta perspectiva. Nesta pesquisa nos detivemos apenas ao
currículo do Ensino Fundamental I – 1º ao 5º ano – inicialmente, e ela deu-se a partir da
observação de salas de aula onde eram lecionadas a disciplina, de entrevistas e
conversas com profissionais docentes desta área específica, da leitura e análise dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) de Artes e dos Referenciais Curriculares
para o Ensino Fundamental de Artes da Cidade do Natal, e da leitura e reflexão de
obras relacionados ao Ensino de Teatro.
A ideia de pensar numa nova estrutura surgiu da percepção de que, para nós,
o ensino de Teatro que está posto hoje não é o que realmente gostaríamos de ver, pois
muitas vezes ele perde um elemento intrínseco ao Teatro que é sua essência pedagógica.
Acreditamos que o Teatro tem o poder de gerar reflexão, de fazer os sujeitos se
colocarem numa postura crítica perante a sociedade que o cerca, mas isso não está
sendo pensado, pelo contrário, a maioria dos alunos é levada simplesmente a repetir e
reproduzir conteúdos e técnicas sem problematizá-las.
Através da observação de salas de aula, e de uma pesquisa cânone,
conseguimos perceber isso muito claramente, seja na forma de planejamento dos
professores – quando existe planejamento –, seja na forma que as gestões escolares
percebem essa disciplina enquanto componente curricular obrigatório.
O Ensino de Teatro também encontra outras barreiras em sua realização,
aliado às falhas de alguns profissionais ao exercerem a docência. Em sua tese de
doutoramento Araújo (2005) apresenta alguns aspectos a serem superados pelo que ele
chama de “senso comum pedagógico” objetivando:
Operar mudanças de atitudes em relação a aspectos tais como:
abordagens etnocêntricas do fenômeno teatral que empobrecem
suas múltiplas dimensões históricas e culturais; a idéia de
encenação como resultado de um processo centrado na figura do
diretor; visão fragmentada dos diferentes elementos que
compõem o fenômeno teatral; visão monocêntrica do processo
de criação teatral, privilegiando um elemento em relação aos
demais; reprodução acrítica de experiências sistematizadas por
investigadores e artistas teatrais; atitudes reducionistas que
atribuem à falta de talento as dificuldades encontradas por uma
pessoa no exercício da atividade teatral; abordagens
descontextualizadas de peças teatrais; descaracterização das
especificidades da linguagem teatral forçando comparações com
o Cinema e a TV; redução dos processos de ensino de teatro na
escola a mera produção de “pecinhas teatrais”; deslocamento do
ensino de teatro na escola para fora da rotina curricular
circunscrevendo-o ao âmbito das atividades extracurriculares.
(ARAÚJO, 2005, p.31)
Além disso, os materiais que deveriam servir de apoio aos profissionais
docentes, como os PCN´s e os referenciais municipais dentre outros, levam na verdade
o professor a cometer equívocos em sala de aula, seja pela não compreensão do que está
escrito ali no documento porque não vai de encontro com a realidade que ele vivencia,
seja porque o documento está mal organizado e não foi pensado adequadamente, como
iremos elencar mais adiante quando analisarmos alguns deles.
Visto isso percebemos a necessidade de repensar essas propostas
curriculares a partir da realidade das escolas públicas da Cidade do Natal, haja vista que
o Brasil apresenta grandes diferenças no setor educacional de uma região para outra e
não podemos pensar num currículo único neste momento, apesar de as ideias principais
serem adequadas ao pensamento e elaboração de propostas para qualquer escola.
Pretendemos evidenciar que é preciso pensar um currículo a partir da
realidade educacional, pensando na escola como um todo; suas relações com a
comunidade, os alunos que ela atende, onde está localizada, a formação dos professores,
os recursos financeiros da escola, sua gestão, seu projeto político-pedagógico, dentre
outros aspectos que constituem um Estudo da Realidade Escolar. Além da necessidade
de utilizar os aparelhos educacionais que as escolas apresentam, como a Biblioteca
Escolar – evidenciaremos aqui a sua importância – e laboratório de informática, os
projetos desenvolvidos na escola, pensar ações interdisciplinares, e também o uso de
vários procedimentos metodológicos em sala de aula, estando de acordo com a realidade
percebida.
E, da primeira à última instância é preciso pensar que, como aponta Libâneo
(1994), a educação é socialmente determinada e intencional, cabendo à escola e aos
professores trabalhar numa perspectiva mais enfática na formação de cidadãos críticos e
ativos na sociedade, não pensando apenas o conteúdo pelo conteúdo, mas no que e
como esses conteúdos irão agregar na formação desse sujeito, pensando obviamente nas
habilidades, competências e objetivos que cada disciplina específica almeja.
Ou seja, repensando o currículo e a nossa prática é que podemos pensar em
mudanças na educação, pois tudo está diretamente relacionado.
Qual a relevância do Estudo da Realidade?
A evidente necessidade de repensar a prática pedagógica e os currículos está
diretamente ligada á relevância do Estudo da Realidade. Só é possível pensar em algo
novo se temos uma observação e/ou vivência de algo anterior, e uma reflexão sobre tal,
que é exatamente o que o estudo da realidade nos proporciona quando o fazemos; é
através dele que conseguimos perceber descontinuidades e permanências na escola, as
relações do contexto escolar com o ambiente externo, e posteriormente pensar
criticamente sobre os dados coletados, de modo a contribuir com mudanças e melhorias
no ensino.
Através desse estudo é possível perceber como as instituições escolares
entendem seu papel e qual significado elas acreditam que os conteúdos tenham na
formação dos alunos, de que maneira os alunos percebem o que é discutido em sala de
aula e se isso é valorativo para eles, reconhecer a realidade social dos alunos e dos
outros sujeitos que compõem a escola, e outro aspecto muito importante é o fato de
fazer o professor perceber que ele deverá continuar pesquisando mesmo após sair da
universidade, que ele deve continuar seu processo de formação a cada dia.
Sobre esse processo contínuo de formação e a necessidade da pesquisa por
parte dos professores, Freire (1996) afirma que os professores devem estudar para
exercer a docência, e que devem estar em constante pesquisando, pensando suas práticas
e adequando-as à realidade dos alunos, para que seja ele um meio auxiliar na construção
do conhecimento por parte dos alunos.
Fica assim evidenciada a necessidade de tudo que for realizado em sala de
aula estar em consonância com o público alvo, contrário os objetivos almejados não
serão atingidos, sendo o principal deles a formação de sujeitos críticos capazes de
pensar e transformar o mundo em que vivem, como aponta Freire (1996).
Pernambuco e Paiva (2005) fizeram estudos acerca do estudo da realidade
escolar e concordamos com elas quando colocam que compreender a realidade é
“reconhecer os nexos que se estabelecem entre esses diversos aspectos, da cultura, da
ciência, da tecnologia e as formas como os sujeitos explicam, agem, avaliam e
convivem com o outro”. Para elas:
O ponto de partida do nosso fazer pedagógico deve ser conhecer
a realidade dos sujeitos envolvidos no processo educativo, o que
significa conhecer suas experiências familiares, sua
comunidade, suas estratégias de sobrevivência, seus
conhecimentos, suas expectativas, suas formas de lazer, pois tais
elementos orientam suas condutas nos diversos espaços da vida
social, seja na escolas, na comunidade, constroem interpretações
e explicações sobre as coisas. (PERNAMBUCO, PAIVA, 2005)
Esse reconhecimento da realidade deve interferir diretamente no fazer
docente, pois diante do quadro que o professor consegue perceber, deve ser capaz de
problematizar essa realidade social em sala de aula e trazer à tona questões
significativas para os alunos e que se relacionem com os conteúdos a serem abordados,
de modo a adequar o fazer pedagógico com as condições observadas.
Esse estudo não é simples de ser feito, é necessário disponibilidade e
vontade de fazê-lo, além da compreensão de sua importância, pois é preciso perceber e
analisar durante esse processo de pesquisa, como apontam Pernambuco e Paiva (2005),
as práticas sociais – como os sujeitos se organizam em sociedade, como vivem, as
relações de poder com quais lidam –, as práticas simbolizadoras – o significado que os
sujeitos dão às ações e o que entendem como sendo seu patrimônio cultural, o que
acreditam ser verdadeiramente parte de sua cultura e o que consideram distante –, e as
práticas produtivas – a relação dos homens com a natureza, com o trabalho, com o meio
que o cerca –.
Mas ao fazê-lo, além de se compreender a realidade escolar, é possível
estabelecer conexões não pensadas anteriormente, como a relação entre os conteúdos da
disciplina específica com outras disciplinas e programas que a escola oferece, além de
pensar os aparelhos educacionais (biblioteca escolar, laboratório de informática,
brinquedoteca, etc) relacionados à prática docente, o que já é passível de gerar novas
formas de planejar o ensino.
Como reorganizar o currículo?
O processo que consiste em repensar e reorganizar o currículo do Ensino de
Teatro de acordo com cada realidade escolar que defendemos aqui, deve passar por
alguns momentos: perceber a necessidade da mudança e reorganização e pensar o que
desejar mudar, fazer o estudo da realidade, relacionar os equipamentos escolares com a
prática docente da disciplina, avaliar o que consta de positivo e negativo nos
referenciais que existem para a matéria ministrada, entender como deve ser montado um
currículo e o que deve-se levar em consideração ao fazê-lo, para então partir para a
etapa de reelaboração. Foi isso que conseguimos ver durante esse processo de pesquisa.
Libâneo (1994) coloca em sua obra que existem referenciais de planos de
curso que são feitos por instâncias superiores e que servem, como o nome mesmo já diz,
como referência para os planos que serão feitos pela escolar e pelos professores; e que
eles funcionam como norteadores daqueles que devem e precisam ser pensados e
adaptados para as realidades escolares.
Sobre estes planos norteadores que devem servir de auxílio para gestões
escolares e professores, trazem em si ideais de uma classe dominante da sociedade,
como aponta Nery (2009). Eles são mais uma prova de que a educação é socialmente
determinada. E é justamente por isso que esses referenciais devem ser analisados,
repensados e reformulados pelos professores, do contrário iremos apenas reproduzir
ideias de dominação e o processo educativo será mais um meio de manipulação da
classe dominante, como afirma o autor.
Tendo em vista que os referenciais são carregados de ideologias, assim
como qualquer coisa na sociedade, tendo em vista que até nós seres humanos quando
escolhemos não ter uma ideologia estamos assumindo uma postura ideológica, é preciso
analisa-los com cuidado e perceber seus pontos positivos e negativos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, por exemplo, foram criados e
publicados no Brasil pelo Ministério da Educação junto à Secretaria Fundamental de
Educação do Brasil (1997) há mais de uma década, e não atendem mais às demandas da
nossa sociedade hoje, que parece mudar dia após dia. É preciso conhecê-los e a partir
deles ter orientações, mas não segui-lo como manual, pois apesar de algumas ideias
parecerem extremamente inovadoras – porque nossa educação ainda não conseguiu
coloca-las em prática mesmo depois de tantos anos, como a educação de qualidade para
todos e um ensino voltado para a aceitação da diversidade cultural –, por outro lado não
traz em suas discussões questões referentes ao gênero, e nem do uso de tecnologias em
sala de aula.
E em se tratando do Ensino de Teatro mais especificamente os PCN´s
parecem não levar em consideração que há mais que atuação no fazer teatral, e que
embora trabalhar voz e corpo sejam importantes, também existem outros temas a serem
trabalhados e compreendidos, como a questão da tecnologia cênica, a iluminação, o
figurino, a maquiagem, e também o conhecimento de outras formas espetaculares além
da dança e do teatro. E é isso que precisa ser levado em consideração ao repensar uma
nova estrutura, a inclusão destes aspectos faltosos.
Apesar disso, estes parâmetros apresentam algumas contribuições
significativas e que merecem ser elencadas, como o incremento de discussões sobre o
currículo, a reflexão a respeito das teorias das mais diversas áreas no que diz respeito
aos fazeres específicos e pedagógicos, como apontam Filipouski e Kehrwald (2008) ao
analisarem os mesmos.
Além destes, no município de Natal, capital do Rio Grande do Norte, a
Secretaria Municipal de Educação de Natal (2008) realizou a publicação de referenciais
curriculares municipais para o Ensino Fundamental. Analisando o documento da
disciplina Artes, vemos que houve uma preocupação em seguir a mesma linha de
raciocínio dos PCN´s e apesar de trazer boas discussões sobre Arte-Educação, parece
não levar isso em consideração quando lança suas propostas curriculares.
Acreditamos, ao menos foi o que esperamos, que parâmetros municipais
tentariam resolver o grande problema dos referenciais nacionais, a não adequação às
realidades locais, mas isso não acontece. Na realidade os referenciais do Ensino de
Teatro da Cidade do Natal não trazem tantas inovações na forma de ver e pensar teatro –
nele já aparecem alguns poucos pontos de discussão de outras áreas além da atuação,
mas de modo precário e pouco pensado e discutido –, e não apresenta uma aproximação
desta arte com a cultura local.
Logo se faz perceptível a necessidade de que um currículo seja pensado não
apenas enquanto estrutura de conteúdos, métodos e objetivos imutáveis, mas sim vê-lo
como a estrutura mutável e adaptável às diversas realidades, e como tudo aquilo que é
vivenciado dentro da escola; as atividades extraclasse, os programas governamentais ou
não que a escola oferece, e os diversos equipamentos educacionais devem estar
inseridos nele.
Ao construir um currículo é preciso pensar para quem ele será direcionado,
quais os objetivos a serem alcançados por aquela disciplina em cada ano letivo levando
em consideração o desenvolvimento cognitivo dos alunos e a realidade social, e a partir
disso elencar os conteúdos da área e as diferentes metodologias que irão nortear o
alcance desses objetivos levando em consideração as novas discussões em voga na área
de conhecimento. Para a elaboração de uma proposta curricular são necessários
conhecimentos anteriores que são conseguidos através das etapas anteriormente
mencionadas por nós, como o Estudo da Realidade Escolar, pois somente com esses
conhecimentos prévios é que se torna possível se construir algo novo, somente assim se
dará essa mudança.
O que pensar para uma nova proposta curricular do Ensino de Teatro?
Pensando em uma nova proposta curricular para o Ensino de Teatro é
importante pensar que o sujeito organizador (o professor da disciplina, de preferência)
deve primeiramente assumir uma postura ideológica clara perante o seu fazer docente.
Freire (1996) afirma que a ensinar requer reconhecer que a educação é ideológica.
Portanto, o professor enquanto ser participante do processo educacional também é um
sujeito ideologicamente formado, e ao ensinar não consegue deixar seus ideais do lado
de fora da sala de aula. Mas, assumir uma postura ideológica, não quer dizer impor aos
alunos suas ideias, trata-se de uma orientação para o seu fazer pedagógico.
Essa postura ideológica, segundo Libâneo (1994) deve versar por uma
educação democrática e que caminhe rumo à emancipação dos sujeitos em relação à
sociedade em que vive, sendo capaz de pensar sobre ela e interver na mesma na luta por
transformações. Haydt (2006) afirma que enquanto uma atividade humana a educação
também se realiza em função de metas e propósitos, que ela é intencional.
Considerando, é necessário que o licenciado em Teatro ao elaborar uma
proposta pense não apenas o fazer teatral em sala de aula, mas temas transversais que
levem a práticas emancipatórias. Além é claro, de valorizar sua arte e trabalhar em cima
do acesso à produção teatral e da formação de plateia.
Analisando materiais disponíveis no mercado relacionados ao Ensino de
Teatro percebemos que em sua maioria as discussões giram em torno do trabalho com
jogos teatrais em sala de aula. Não criticamos o uso de jogos e mais adiante iremos
problematiza-los, mas considerando que existe uma série de outros procedimentos
metodológicos que foram pensados e postos em prática ao longo do tempo, e
percebendo que cada um possui objetivos específicos na educação, não faz sentido não
utilizá-los em detrimento de um. Além disso, alguns conteúdos pressupõem outra
maneira metodológica de trabalho, o que acontece, é que ao direcionar o ensino de
teatro para a atuação eles não são inseridos no currículo, e logo não faz falta, pois não se
fazem necessários.
Ao elaborar o currículo devemos estar preocupados com a articulação das
informações coletadas e analisadas anteriormente (estudo da realidade, análise de
referenciais curriculares, discussões atuais da área específica) com a nossa ideologia
educacional, os procedimentos metodológicos, os objetivos a serem alcançados e os
conteúdos a serem abordados, de forma que façam sentido e funcionem juntos.
Sobre os procedimentos metodológicos Haydt (2006) defende que devem
estar justados aos objetivos propostos para o processo instrucional, e os entende como:
Ações, processos, ou comportamentos planejados pelo
professor, para colocar o aluno em contato direto com as coisas,
fatos ou fenômenos que lhes possibilitem modificar sua conduta,
em função dos objetivos previstos. [...] os procedimentos de
ensino dizem respeito às formas de intervenção na sala de aula.
(HAYDT, 2006, p.143)
A autora também coloca que os procedimentos devem contribuir para a
mobilização dos esquemas operatórios do pensamento. Ou seja, devemos pensar
procedimentos que direcionem os alunos ao desenvolvimento das capacidades
cognitivas de sua faixa etária, por isso é importante tê-los como ponto de partida para
depois pensar no que aplicar ou não em sala.
E por isso faz-se necessário que em todas as disciplinas sejam utilizados
metodologias individualizantes, socializantes e socioindividualizantes, como aponta
Haydt (2006) fazendo uso da classificação feita por Irene Carvalho na obra O processo
didático, e abaixo iremos elencar as ideias da autora sobre os dois primeiros, tendo em
vista que o último trata-se da junção de procedimentos de ambos os tipos, alternados em
fases. Para que nesse processo dinâmico de aprendizagem o aluno desenvolva todas as
habilidades e competências das quais necessita.
Os métodos individualizantes de ensino são aqueles que prezam por um
atendimento às diferenças individuais, e são adequados ao nível de maturidade e ritmo
de aprendizagem, estando relacionados ao esforço individual do aluno, e exemplos deles
são as aulas expositivas e o estudo dirigido. A chamada aula expositiva é a apresentação
oral de um tema, sendo preciso prepara-la previamente e estar adequada ao quadro
discente, ela funciona de modo a tornar o aluno capaz de perceber ideias amplas e
abrangentes, desperta nele as dúvidas, gerando um diálogo entre professor e alunos. E o
estudo dirigido, um estudo individual sobre um assunto a partir de um roteiro
preestabelecido, mobiliza e dinamiza as operações cognoscitivas dos alunos,
desenvolvendo neles capacidade de classificar, relacionar, seriar, representar, analisar,
reunir, sintetizar, localizar e conceituar.
Os procedimentos socializantes valorizam a interação social, versando por
ideais de cooperação e respeito. Este tipo de procedimento está voltado para os
trabalhos em grupo, que colocam duas ou mais pessoas em função de um objetivo
comum, planejando juntas, dividindo tarefas, trocando ideias, e para os estudos de caso,
que propõe analise em grupo de uma determinada situação relacionada ao conteúdo,
exercitando a atitude analítica e a tomada de decisões. Os jogos também fazem parte
destes procedimentos metodológicos e podem e devem ser utilizados.
No Ensino de Teatro a metodologia mais comumente utilizada são os jogos
teatrais, e sobre eles, Neves (2006), em sua tese de mestrado, na qual analisa os jogos
teatrais na educação, afirma que significam experimentos com a vida, aqui e agora: o
contato com a natureza dos objetos, as probabilidades e os fatores limitativos dos
eventos, bem como desafio da memória, do pensamento e da precisão.
Ainda tomando por base as reflexões feitas por Neves (2006), é perceptível
que a prática do teatro nas mais variadas instituições, o jogo teatral como ferramenta
pedagógica, objetiva o crescimento pessoal e o desenvolvimento cultural dos alunos,
por meio do domínio da comunicação e do uso interativo da linguagem teatral numa
perspectiva lúdica, de improviso. Para a autora, a base desta pratica é a comunicação
que surge da espontaneidade das intenções entre os sujeitos que estão interessados na
resolução do problema dado. Ou seja, a base desse desenvolvimento e desse
crescimento se dá a partir do momento em que os sujeitos são postos diante se uma
situação para a qual eles devem dar uma resposta cênica.
O Jogo Teatral pressupõe também uma conscientização corporal que é
desenvolvida a partir dele, construída junto. Durante os jogos os sujeitos descobrem seu
próprio corpo, se descobrem capazes de produzir movimentos e sons, descobrem que
seu corpo fala, mais precisamente sons a partir dos movimentos, já que os sons saem do
corpo em resposta ao estímulo dado por meio dos movimentos, como afirma Lopes
(1997).
Esses jogos favorecem uma consciência do próprio espaço e do espaço do
outro, passasse a conhecer um pouco mais sobre o espaço que enquanto ser constituído
de massa ocupa um lugar, de maneira que experimentam e exercitam noções de
equilíbrio, concentração, observação, coordenação e ritmo. Os Jogos Teatrais também
envolvem a presença do texto e do subtexto, além da informação que é dada, é
necessária interpretá-la.
Ou seja, os jogos teatrais devem ser utilizados no Ensino de Teatro,
possuem sua importância, mas há que se considerar que mesmo que eles abarquem uma
série de questões que outros procedimentos almejam alcançar, é importante a variação e
utilização de outros, e lembrar que não abarcam todas as necessidades de habilidades e
competências que esperasse que os alunos desenvolvam. Trata-se de um procedimento
socializante, logo se faz necessário o uso de procedimentos individualizantes para o
desenvolvimento de outras capacidades cognoscitivas. Um ensino de Teatro centrado
exclusivamente nos jogos é incorrer em erro.
Para saber quais procedimentos utilizar em cada situação, Haydt (2006) faz
uma consideração muito importante, de que esse reconhecimento se dá a partir da
percepção de qual deles irá auxiliar os alunos a incorporar os conhecimentos de forma
mais ativa.
Ao pensar a metodologia também é chegado o momento de pensar sobre
como utilizar os equipamentos educacionais, como a biblioteca escolar, laboratório de
informática, salas de leitura, dentre outros, e as atividades extraclasse desenvolvidas na
escola, na pratica cotidiana; estes também devem ser inseridos no currículo. Inserir o
grupo de capoeira da escola nas discussões e práticas relativas às formas espetaculares,
por exemplo.
Conforme dito anteriormente a metodologia deve estar relacionada aos
objetivos que se almeja alcançar com o ensino, portanto também é preciso pensar sobre
os objetivos ao elaborar uma proposta de currículo, pensa-los relacionados aos demais
componentes, pois os procedimentos metodológicos, por exemplo, devem ser aplicados
de acordo com os objetivos a serem alcançados durante as aulas.
Libâneo (1994) trata os objetivos educacionais como exigência
indispensável ao trabalho docente, e aponta que para a elaboração deles existem três
referenciais: a legislação educacional existente, os conteúdos básicos das ciências, e as
necessidades e expectativas de formação cultural para uma luta em prol de um processo
de democratização. Haydt (2006) reafirma isso ao tratar os objetivos como a descrição
clara do que se deseja alcançar com a atividade docente, e que eles dão segurança ao
educador. Os objetivos são de duas ordens: gerais e específicos, Libâneo (1994) coloca
que os objetivos gerais são mais globais e de caráter formativo, versam por valores e
ideais que culminam no bem-estar social, e os específicos são aqueles relacionados
diretamente á disciplina e aos conteúdos a serem abordados, pensando sempre no
desenvolvimento do alunado.
Logo durante o processo de elaboração do currículo é preciso considerar que
apesar o professor saber da importância de sua disciplina e dos conteúdos, ele deve
relacionar essa importância primeiramente com objetivos mais gerais, e depois pensar
em como os conteúdos da mesma podem auxiliar na aprendizagem do aluno e o que isso
irá lhe proporcionar dentro e fora da escola.
Tendo feito isso, então é chegado o momento de pensar os conteúdos a
serem inseridos no currículo das turmas. Eles devem ser pensados de modo a atender a
necessidade os objetivos, e problematizados metodologicamente de acordo com a
realidade escolar.
Sobre a seleção e organização dos conteúdos curriculares, Haydt (2006)
afirma que eles constituem a tessitura básica sobre a qual o aluno constrói e reestrutura
seu conhecimento, e Libâneo (1994) também os compreende dessa forma, acreditam
que convergem para a assimilação em sala de aula, mas na reutilização dos mesmos em
outras situações quando lhes é dado significado para tal.
Logo, ao elencar a lista de conteúdos a serem trabalhados e dividi-los por
turma no currículo, deve-se lembrar que precisam apresentar uma sequência, e que
apesar de na lista constarem apenas os conteúdos conceituais, lhes são intrínsecos
através do que objetivam e da metodologia que é utilizada para discuti-lo e vivencia-lo
os chamados conteúdos procedimentais, que são as formas de fazer, e atitudinais, que
são os comportamentos que eles podem modificar e/ou auxiliar a acontecerem, sendo
preciso dar-lhes significados e relacioná-los com as vivências dos alunos, aproximandoos dos mesmos.
Os conteúdos de Teatro devem ser relacionados com as vivências do corpo
discente. Não quer dizer excluir da lista aquilo que eles não tem acesso, eles devem ter o
direito de conhecer, mas é preciso organizar os conteúdos do currículo escolar de Teatro
pensando na realidade escolar e em como eles irão influenciar na vida do corpo
discente.
Além disso, ao selecionar estes conteúdos, o professor de Teatro deve
lembrar das diversas áreas que compõem o fazer teatral, e as discussões em giram em
torno dessa arte, e inseri-los também no currículo como conteúdos a serem trabalhados.
Considerando então as discussões mais recentes relativas a sua área específica de
atuação. E, pensando nisso, tentar identificar quais conteúdos podem ser trabalhados
interdisciplinarmente.
Reiteramos então que para pensar uma proposta curricular do Ensino de
Teatro é preciso levar em consideração o estudo da realidade e as percepções que
vieram a partir deste, análise dos referenciais curriculares, e articulá-los com a nossa
ideologia educacional, deixando isso claro na escolha dos procedimentos
metodológicos, elaboração dos objetivos e na seleção e organização dos conteúdos.
Além de reafirmar a necessidade de que a estrutura escolar deve ser pensada para cada
escolar, tendo em vista que os referenciais revelam-se deficientes nesse sentido.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, José Sávio de Oliveira. A Cena Ensina: uma proposta pedagógica para
formação de professores de teatro. Tese [Doutorado em Educação] – Programa de Pós –
graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
arte. Secretaria de Educação Fundamental, Brasília: MEC/SEF, 1997.
FILIPOUSKI, Ana Mariza, KEHRWALD, Isabel Petry. Educação Brasileira depois
dos PCN: visão de futuro. Boletim Arte na Escola, nº 50. Junho de 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
HAYDT, Regina Célia Cazaux. Curso de Didática Geral. São Paulo: Editora Ática,
2006.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo – SP: Cortez Editora, 1994.
NATAL, Secretaria Municipal de Educação. Referenciais Curriculares de Artes para
o ensino fundamental. Secretaria Municipal de Educação, Natal-RN, 2008.
NEVES, Liberia Rodrigues. O uso dos jogos teatrais na educação: uma prática
pedagógica e uma prática subjetiva. Dissertação [Mestrado em Educação], Programa de
Pós – graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, 2006.
PERNAMBUCO, Marta Maria, PAIVA, Irene A. Caderno Didático 1: pesquisando as
expressões da linguagem corporal; (Artes e Educação Física). Natal: Paidéia/UFRN,
2005.
SCHÖN, Donald A. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o
ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
TEMA: ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
A EXPERIMENTAÇÃO CORPORAL DO ESPAÇO NA FORMAÇÃO EM
CENOGRAFIA
Ismael Scheffler, Dr. (UTFPR - Câmpus Curitiba).
Introdução
A partir da segunda metade do século XX, diversas produções teatrais têm sido
realizadas em lugares distintos das salas de espetáculo tradicionais construídas especialmente
para estas atividades, experimentando configurações espaciais diferentes da oposição frontal
palco-plateia. Muitos artistas têm proposto espetáculos que consideram não apenas uma
configuração espacial diferente como também têm problematizado as relações entre atores e
espectadores assim como explorado os ambientes. Neste sentido, podemos nos referir tanto a
ambientes internos quanto externos, tanto ambientes urbanos da vida das cidades quanto
construções arquitetônicas específicas. Quando consideramos estas questões, colocamos em
pauta questões relativas ao espaço e à cenografia e, consequentemente, ao trabalho do
cenógrafo.
Assim, o pensamento cenográfico tem sido ampliado e as dinâmicas do espaço de
quem faz e de quem vê o espetáculo têm sido problematizadas inferindo discursos teatrais.
Não por acaso, a dramaticidade, a carga dramática ou a dramaturgia inscrita no espaço
(urbano ou arquitetônico) têm sido utilizadas como elemento espetacular de forma ampla. O
ambiente não é apenas tomado como um receptáculo do espetáculo, mas como um enunciador
de uma fala própria. Neste sentido, a compreensão da cenografia se estende para além do
palco e o cenógrafo passa a articular além de elementos visuais, o espaço de maneira mais
ampla.
No Brasil, ainda há carência de cursos de formação de cenógrafos e outros
profissionais das áreas visuais e sonoras da cena. O mesmo perfil de carência existe em
relação a realização de estudos e discussões sobre a formação e a atuação destes profissionais,
principalmente se comparado aos campos da dramaturgia, do trabalho atoral e da encenação,
áreas contempladas com maior número de cursos de graduação no país.
Além da formação universitária em Cenografia em cursos de graduação específicos
(USP, UNIRIO e UFRJ), identifica-se entre os profissionais desta área pessoas oriundas de
diferentes áreas de formação, de forma mais recorrente da Arquitetura, do Design, das Artes
Visuais e do Teatro/ Artes Cênicas (seja em habilitações de interpretação ou direção).
Não é frequente, exceto nos cursos superiores em Teatro, encontrar disciplinas
curriculares de Cenografia, embora cada vez mais algumas instituições venham propondo a
inclusão de alguma disciplina de cenografia em cursos de Arquitetura e Design. Não obstante
estes cursos fornecerem aos estudantes formação em áreas relevantes para a atuação
profissional do cenógrafo, eles ainda prescindem de outros conhecimentos e experiências para
uma atuação artística efetiva na Cenografia. A Cenografia é um campo em expansão,
excedendo o espetáculo artístico (teatro, dança, ópera, shows) e adentrando em áreas mais
comerciais como restaurantes e lojas temáticas, ambientações de festas, feiras e exposições. E
não é incomum nos dias de hoje, perceber que muitos cursos trabalham mais a ideia de espaço
do que com a proposição da imersão e vivência do corpo no espaço.
Uma proposta pedagógica que considera fundamental a experimentação empírica do
espaço é o Laboratório de Estudo do Movimento, da Escola Internacional de Teatro Jacques
Lecoq, em Paris, França. A pedagogia lecoquiana é mais conhecida na área de formação de
atores, visto sua escola estar em funcionamento desde 1956 e já ter tido alunos de
aproximadamente 80 nacionalidades diferentes (LECOQ, 2010).
Na sequencia deste texto, proponho algumas considerações sobre o trabalho de
Jacques Lecoq relativos ao tema proposto, considerando sua experiência junto à formação de
arquitetos e à criação do Laboratório de Estudo do Movimento (LEM). Por fim, pondero
sobre alguns aspectos a partir de minha experiência como professor e coordenador do Curso
de Especialização em Cenografia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em
Curitiba, Paraná.
a) Lecoq e a formação de Arquitetos
Jacques Lecoq trabalhou como professor durante muitos anos (1969 a 1988) junto a
Escola Nacional Superior das Belas Artes de Paris, Unidade Pedagógica de Arquitetura nº 6
(UP6), atualmente denominada como Escola Nacional Superior de Arquitetura de Paris La
Villette. Esta instituição de formação de arquitetos tinha como característica uma grande
abertura em especial às ciências humanas e às artes plásticas, oferecendo uma ampla oferta de
disciplinas, prezando por um ensino pluridisciplinar e interdisciplinar. Foi a partir do convite
do arquiteto e cenógrafo Jacques Bosson, professor da UP6, que Jacques Lecoq passou a
explorar e desenvolver ali uma ampliação de suas propostas pedagógicas voltadas
originalmente à formação do ator. Bosson é apontado como o iniciador do ensino de
cenografia no seio das escolas de arquitetura na França, a partir 1965, e serviu de referência
para essa prática pedagógica influenciando outros profissionais (RISACHER, 1984, p. 52).
Bosson e Lecoq desenvolveram em colaboração, entre 1969 e 1970, uma disciplina
que chamaram de Análise dramática dos espaços, que tinha por objetivo possibilitar aos
alunos experimentarem fisicamente o espaço para tentar definí-lo. Bosson julgava que o
homem havia se enterrado em “uma tecnocracia monstruosa” (Bosson apud RITORNO, 1969,
p. 8), e contra isso, acreditava ser fundamental propor um trabalho para a formação de
arquitetos e urbanistas com uma visão mais humanista, baseada em experiências vividas e não
apenas em processos mentais desvinculados de experiências físicas. A proposta era criar uma
disciplina ampla, que dissolvesse as fronteiras entre as linguagens, conforme Bosson
explanou: “Tudo isto presume a experiência comum passando da disciplina introvertida para
revelar os fatores comuns de cada área: escultura, pintura, música, arquitetura, cenografia,
urbanismo. Nenhuma disciplina deve ser excluída; seria a recusa do poder de criação e a
abolição do ‘dividir para imperar’.” (Bosson apud RITORNO, 1969, p. 50). Movidos pela
ideia de combate a “introversão” do estudo, Bosson e Lecoq propunham a experimentação
física do espaço em diálogo com diversas formas de expressão humana.
Posteriormente, Bosson e Lecoq desenvolveram disciplinas separadamente na Escola
de Arquitetura ligadas ao campo da Cenografia Experimental. Bosson desenvolvia três
disciplinas: Cenografia, Ecologia dos espaços e Arquitetura Móvel. Jacques Lecoq propunha
duas disciplinas: Laboratório de Estudo do Movimento e Laboratório de Arquitetura
Dramática. A proposta de ambos professores era de permitir a apreensão do espaço, afim de
que os alunos (futuros arquitetos e, eventualmente, cenógrafos) conhecessem melhor o valor
dos espaços que construiriam sem esquecer que, dentro dos espaços construídos, os homens
vivem em movimento. (LECOQ, 1974, p. 281).
Bosson e Lecoq possuíam alguns pensamentos afins, como a necessidade de se
vivenciar o espaço para aprender/ apreender o conceito de espaço, como defendeu Jacques
Bosson: “Não é preciso discorrer sobre o espaço, mas o praticar. Discorrer, é a cabeça.
Praticar, é o corpo e a cabeça. O espaço sem o corpo não existe. O espaço sem o corpo é a
ideia do espaço. A única ideia para reter é que é preciso praticar o espaço.” (apud
RISACHER, 1984, p. 52).
Referências para este preceito podem se encontradas tanto no campo da filosofia
quanto da pedagogia, em pensadores como Maurice Merleau-Ponty e Maria Montessori, por
exemplo. A experiência fenomenológica da percepção possibilita a verdadeira apreensão do
mundo, assim como visam práticas educacionais de ensino por meio de métodos ativos de
experimentação discente. A crítica de Bosson à “ideia de espaço” em defesa da “prática do
espaço pelo corpo” poderia ser reinvidicada ainda hoje para inúmeros cursos de formação.
b) O Laboratório de Arquitetura Dramática
O Laboratório de Arquitetura Dramática desenvolvido por Lecoq na Escola de
Arquitetura (e que será uma das bases para a constituição do Laboratório de Estudo do
Movimento (LEM), implantando junto a sua escola de teatro, a partir de 1976, em atividade
até os dias de hoje), é uma interessante proposta de trabalhado visando a sensibilização à
experiência dos espaços.
Lecoq propunha que o aluno desenvolvesse a capacidade de observar os ambientes
principiando por “um estado de disponibilidade sem ideias preconcebidas, dito ‘neutro’, apto
a receber os eventos no nível das impressões corporais.” (UNITÉ, 1981, p. 146). Em um
segundo momento, estas impressões corporais seriam rejogadas fisicamente sem preocupação
de apresentações, de organização formalizada para ser assistida. Assim, se travaria o
conhecimento do lugar por meio do próprio corpo. A ideia de rejogo (rejeu), como proposto
por Lecoq, encontra nos estudos do antropólogo francês Marcel Jousse uma fundamental
referência para o entendimento desde princípio: o mundo joga sobre o ser humano estímulos
(im-pressão) provocando a reação física do ser humano (o rejogo, a ex-pressão), quer por
meio corporal, por meio vocal, por meio gráfico, plástico, ou outro.
Na pedagogia de Lecoq, o aluno ao rejogar sobre a matéria (corpo, tinta, barro, papel,
etc) pode transmitir as impressões recebidas do mundo exterior. O rejogo seria um relator
muito discreto do ambiente sem ser um reator a favor ou contra, nem mesmo um
representante simbólico ou descritivo. Na pedagogia do ator, o rejogo é feito por meio do
corpo, com a ideia de rejogar como “fazer corpo com”. O aluno-ator se movimenta/ rejoga as
dinâmicas percebidas em algo, como em uma fogueira ou em um lago. Já na proposta para o
aluno de arquitetura ou cenógrafo, o rejogo além de ser feito pelo corpo, em um mimo,
também era proposto par por meio de atividades plásticas, como colagens, dobraduras,
esculturas, e outros meios, criando-se objetos. “Os objetos assim criados essencializarão os
espaços do local, detendo, ao mesmo tempo, a sua dinâmica, essa relação entre duas forças: a
do empurrar e a do puxar.” (LECOQ, 1981, p. 146).
Lecoq, na UP6, considerava principalmente na disciplina de Laboratório de
Arquitetura Dramática, edificações e o meio urbanizado. Ele tomava por princípio que os
espaços construídos têm influência sobre a respiração, os sentimentos, as ideias, provocando
uma maneira de se mover. Por isto pretendia que o aluno aprendesse a perceber pela
sensibilidade as qualidades motrizes dos espaços [construídos], a captar as diferenças entre o
dito e o não-dito, entre a expressão e a criação, entre o movimento descritivo (percurso) e o
movimento dinâmico (relação de forças). Lecoq definiu, em 1995, o trabalho realizado na
Escola de Arquitetura:
Eu desenvolvi pesquisas sobre a relação do corpo com os espaços construídos.
Pensar no corpo, é pensar em nós inteiros e não separado da cabeça que consideraria
o resto como um instrumento. É reconhecer um corpo vivo além da anatomia,
portador de dinâmica e drama. Reconhecer nos espaços construídos da vida
cotidiana seu teor dinâmico e dramático. Toda arquitetura habitável propõe e
favorece comportamentos, maneiras de ser, estados, sentimentos e paixões que nós
podemos reconhecer na sensibilidade do nosso corpo. Nossas atitudes, nosso andar,
a velocidade de nossos passos são modificados quando nós mudamos de espaço.
Não se perambula em uma igreja gótica como em uma igreja românica. O
conhecimento do mundo que nos cerca, natural ou construído, engaja o corpo como
primeira testemunha do observável. (LECOQ, 1995, p. 48)
Nesta citação, pode-se encontrar a premissa de sua proposta: o corpo sensível. O
objetivo era de trazer à consciência o potencial sensível do corpo, observar conscientemente o
mundo por meio da sensibilidade que deve ser exercitada para que ela mesma seja percebida e
assim levada em consideração.
Ao ler o memorial de diplomação de Pascale Lecoq na Escola de Arquitetura, pode-se
perceber um relato excelente sobre esta proposta. Pascale Lecoq, filha de Jacques, é a atual
diretora da Escola em Paris e coordenadora do LEM; teve formação em Arquitetura na UP6,
(concluída em 1987), onde foi aluna de seu pai. Seu memorial Une gare et son quartier – les
passions et états humains comme thème [Uma estação de trem e seu bairro – as paixões e os
estados humanos como tema] foi realizado sob a orientação do professor de paisagismo JeanPierre Le Dantec, e nele se pode perceber uma aplicação da proposta do Laboratório de
Arquitetura Dramática como proposto por Jacques Lecoq. Seu memorial descreve o processo
de criação de um projeto para uma praça e tomou como local Saint-Denis (Seine-SaintDenis), região próxima à Paris.
Como parte do processo, ela descreveu sua experiência de visitação a pé, andando à
deriva pelo local pretendido para a praça. Ela descreveu sua predisposição a uma atitude de
abertura sensorial e de disponibilidade com o intuito de apreender informações e sensações
não preconcebidas. O princípio de observação aplicado está relacionado à observação
dinâmica visando reconhecer as diferentes forças e direções emitidas por um lugar.
Na descrição de seu percurso, ela identificaou elementos visuais (formas, linhas, cores,
texturas, espessuras, luminosidades), bem como ritmos, fluxos e sons, anotando impressões,
tensões visuais e sonoras, bem como aspectos diversos em suas diferentes dinâmicas,
reconhecendo, apenas posteriormente, em um segundo momento, as cargas dramáticas do
espaço. Seu entendimento é condizente a ideia de Jacques Lecoq: “Por seus movimentos, o
homem provoca o espaço que o cerca, mas é também provocado pelos espaços construídos.”
(LECOQ, Pascale, 1987, p. 28). Pode-se identificar nesta afirmação uma afinidade aos
estudos de Jousse, de jogo e rejogo. Sendo assim, os ambientes não são jamais “neutros”, pois
sempre “impõe” algo ao ser humano. A percepção pelo corpo sensível corresponde a um
processo de compreensão dos espaços a partir do contato direto, da vivência.
c) O Laboratório de Estudo do Movimento (LEM)
Em 1976, Lecoq fundou em parceria com o arquiteto Krikor Belekian (seu ex-aluno e
assistente na UP6), o Laboratório de Estudo do Movimento (LEM) como um departamento
autônomo, ligado a Escola Internacional de Teatro Jacques Lecoq, considerado como um
departamento cenográfico da escola de teatro. O trabalho ali proposto consiste muito mais em
um laboratório de sensibilização e criação artística espaço-plástico-corporal do que
propriamente se possa considerar como um “curso de formação”, pois o foco não está em uma
formação técnica da prática da cenografia. Uma definição do LEM empregada pela Escola, no
certificado de conclusão do LEM, sessão 2010-2011, propõe: “Laboratório de Estudo do
Movimento, departamento de artes plásticas e cenográficas da Escola Internacional de Teatro
Jacques Lecoq. Departamento consagrado ao estudo dinâmico do espaço e dos ritmos através
da representação plástica.”
O LEM é definido como uma atividade orgânica, sem receitas. O termo “laboratório”
enfatiza a ideia de experimentação muito mais do que o termo “curso”, que sugere uma
formação. Não são ensinados modos de fazer ou técnicas, mas referências que possibilitam
experimentar “escritas artísticas” criativas. É um laboratório de criatividade, totalmente
prático, que valoriza a inteligência da intuição ao invés da reflexão racional, a busca da
descoberta do imprevisível.
O LEM visa um público mais aberto e amplo do que o Laboratório de Arquitetura
Dramática visava. Na UP6, o foco era a formação de arquitetos ao passo que o LEM está
voltado mais para o teatro, tendo, portanto, uma ênfase diferente, embora a essência do
trabalho de sensibilização permaneça.
As aulas semanais do LEM atendem a três tipos distintos de atividades: as atividades
plásticas e construções; a pesquisa e análise do movimento corporal e do espaço; as
improvisações cênicas. O programa do LEM é assim estabelecido: primeiro trimestre,
dedicado à exploração do movimento e dos espaços; à construção das estruturas dinâmicas; à
espacialização [la mise en espace] do corpo humano. O segundo trimestre, à dinâmica das
cores, das formas e das paixões; à construção de máscaras dinâmicas; à sensibilização dos
sentidos e ao espaço cênico; às metamorfoses do corpo humano. O terceiro trimestre, ao
projeto pessoal de um expodrama.
O trabalho oferecido no LEM possui uma integração muito grande entre seus
conteúdos, assumindo um caráter transdisciplinar. A transposição de linguagens é utilizada
em vários sentidos: da experiência corporal para a representação plástica, da representação
plástica para o corpo, da representação plástica para outra forma plástica. Os conteúdos são
cumulativos e se desdobram, sendo reaplicados de novas maneiras. O programa do LEM está
baseado principalmente em cinco campos do conhecimento: o teatro, a educação física, a
arquitetura, as artes plásticas e o design, embora ainda se possa apontar outros campos.
O programa explora questões relativas: à análise de movimentos elementares do puxar
e do empurrar e o andar, decomposição e economia do movimento, níveis do corpo: bacia,
plexus e cabeça, níveis de tensão, kinesfera; à improvisação; à mimodinâmica e ao rejouer
[rejogar]; à linguagem plástica e arquitetural (desenho, pintura, colagem, escultura, maquetes
cenográficas e construções, princípios da estruturação arquitetônica), baseadas na cor
dinâmica e na relação entre abstração e figuração; à percepção espacial da relação do corpo
com a arquitetura; ao equilíbrio dinâmico do espaço; à experimentação dos cinco sentidos.
Todos estes aspectos sempre considerados partir do movimento mecânico, do movimento
dinâmico e do movimento poético.
d) Considerações sobre uma experiência brasileira
Na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Curitiba, algumas ações têm sido
propostas visando suprir demandas nacionais na formação em cenografia. Tanto por meio de
atividades de extensão, quanto por meio de um curso de especialização, o que tem
proporcionado em diferentes níveis a reflexão e a experimentação sobre o tema.
Consoante à proposta de Lecoq, na grade curricular do II Curso de Especialização em
Cenografia (2013-2014), foi incluída uma disciplina de 20 horas-aula intitulada Laboratório
de experimentação espacial, conduzida pelo professor Ismael Scheffler, de forma articulada à
disciplina Atelier de criação plástica, com 20 horas-aula.
O curso de pós-graduação possui uma carga horária total de 470 horas-aula, tendo
como disciplinas: História da cenografia e do lugar teatral (40 horas); Sociedade e lugar
teatral (20 horas); A modernização teatral e a cena contemporânea (20 horas); História das
Artes Visuais (40 horas); Interdisciplinaridade artística contemporânea (20 horas);
Apropriação e memória da arquitetura (15 horas); Composição visual em cenografia (30
horas); Projetos e registros cenográficos (30 horas); Introdução à dramaturgia (20 horas);
Análise dramaturgia, cênica e cenográfica (60 horas); Metodologia da Pesquisa (25 horas);
Cenografia aplicada a exposições (20 horas); Atelier de materiais e técnicas cenográficas (40
horas); Atelier de criação plástica (40 horas); Laboratório de iluminação cênica (30 horas);
Laboratório de experimentação espacial (20 horas).
O perfil discente, da turma de 2010-2011, foi caracterizado por pessoas graduadas em
Arquitetura, Teatro (direção e interpretação), Artes Plásticas e Design, principalmente. O
curso teve um sentido abrangente: por um lado esteve voltado à pesquisa, por outro à
formação, uma vez que poucos alunos chegam com experiência em Cenografia.
A inclusão de atividades práticas (por meio de laboratórios e ateliês) possibilita ao
aluno experimentar. Embora diversas propostas no campo da educação já tenham sido
lançadas desde longa data visando libertar o ensino de seu aspecto “livresco” e “conteudista”,
ainda é muito dominante em nossa sociedade o interesse pela técnica objetiva e por um ensino
de transmissão de informações. Subsidiar a pesquisa sobre cenografia ou colaborar para a
formação de cenógrafos, implica em questionar a atuação do cenógrafo, em sua prática
coletiva bem como no processo de criação. Assim, questionar como se ensina a criar conduz
também à reflexão sobre o próprio currículo proposto. Ensinar “criatividade” implica no
desenvolvimento de atitudes e posturas, em certa medida, mais do que em ensinar técnicas e
procedimentos.
As dificuldades neste sentido não ocorrem apenas por parte de instituições ou da
maneira como os professores concebem e realizam sua prática em sala de aula, mas também
por conta dos próprios alunos. Considerando um histórico de formação escolar e acadêmica
assentado sobre informações, teorias e habilidades, muitos alunos em idade adulta apresentam
certa resistência a um trabalho menos objetivo que exija a mobilização do corpo sem a
“proteção” de carteiras escolares, pranchetas, papéis e lápis. Para alunos com graduação mais
ligada a projetos e criações sobre suportes como o papel ou a tela do computador, o
envolvimento em um trabalho corporal corresponde muitas vezes ao rompimento de
paradigmas. O corpo bloqueado, o corpo tímido ou o corpo alienado por vezes evidencia-se e
impõe dificuldades não meramente de ordem física, mas significativamente de ordem
psicológica. O trabalho corresponde a uma ação sobre atitudes ao invés de técnicas e
habilidades. A experiência corporal possibilita ainda, por outro lado, uma aproximação ao
trabalho do ator, já que passa a explorar o movimento e o espaço pela vivência direta. No
entanto, a proposta referida não é de propor aos alunos-cenógrafos improvisações à
semelhança de exercícios para atores, mas uma sensibilização dos sentidos e uma
compreensão do espaço pela experiência do corpo e suas relações com outros corpos
(humanos, objetos ou elementos da natureza ou arquitetura).
Para alunos oriundos do meio teatral, no qual o trabalho com o corpo tem relativa
familiaridade, o exercício perpassa por uma mudança de foco: em geral, o trabalho de
expressão corporal realizado na graduação está voltado para a formação de atores, envolvendo
consciência do corpo e seus movimentos para a criação de personagens e cenas.
Alguns aspectos que parecem ser importantes para atender as novas demandas do
trabalho do cenógrafo perpassam pela ênfase na percepção do espaço e das construções
arquitetônicas, em suas propriedades, em seus aspectos orgânicos (e não meramente
geométricos, matemáticos ou mecânicos), nas dinâmicas e seus impactos sobre o ser humano,
na maneira como o(s) corpo(s) reage(m) e se (re)organiza(m) e como as relações interpessoais
se estabelecem. Perceber ou “ler sensivelmente” os “discursos” implícitos e não apenas os
enunciados racionalmente (as explicações atribuídas conscientemente), estar sensivelmente
atento às induções e provocações dos entornos são desafios a um trabalho de formação que
suplante projetos que não dialoguem com o meio ao qual pretendam se inserir.
REFERÊNCIAS:
JOUSSE, Marcel. L’anthropologie du geste. Paris: Gallimard, 2008.
LECOQ, Jacques. Le corps et son espace. Conférence-démonstration. In: Notes
méthodologiques en architecture et en urbanisme – Semiotique de l’espace. n. 3-4, Centre
M.M.I - Institut de l’Environnement, [Paris], jan. 1974, p. 273-281.
______. L.E.M. Mouvement et espace. Actualité de la Scénographie, n. 74, p. 48-49, 15 juin
1995.
______. O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral. Trad.: Marcelo Gomes. São
Paulo: SENAC São Paulo; SESC SP, 2010.
LECOQ, Pascale. Une gare et son quartier – les passions et états humains comme thème
1987. 36 f. Trabalho de diplomação (Graduação em Arquitetura). Unité pédagogique
d’Architecture nº 6, École d’Architecture de Paris – La Villette, Paris, 1987.
RITORNO all’espressione fisica dell’attore. Atti della tavola rotonda Internazionale del 19
settembre 1969. La Biennale di Venezia, XXVIII Festival Internazional des Teatro di Prosa,
1969. Venezia: Nouva Editoriale, 11 settembre 1970.
RISACHER, Marc-André (Org.). Jacques Bosson (1925-1984) Temoignage et souvenirs. As –
Actualité de la Scénographie, n. 24, p. 48-63, juil., août, sept. 1984.
SCHEFFLER, Ismael. O Laboratório de Estudo do Movimento e o percurso de formação de
Jacques Lecoq. 2013. 591 f. Tese (Doutorado em Teatro) – Universidade do Estado de Santa
Catarina, Programa de Pós-Graduação em Teatro, 2013.
UNITÉ Pédagogique d’Architecture nº 6. Activités d’Enseignement 1981-1982. 4º trimestre
de 1981. 386 p.
POÉTICA(S) DO EFÊMERO: A EXPERIÊNCIA COMO PROCESSO
INVESTIGATIVO NA PEDAGOGIA DA CENA
José Raphael Brito dos Santos
(Bolsista CAPES; Orientação: Prof. Dr. Narciso Telles;
Programa de Pós-Graduação em Artes/Mestrado;
Instituto de Artes; Universidade Federal de Uberlândia)
O teatro é efêmero e único em seu acontecimento. Como pesquisar o que é
efêmero? Qual a possibilidade de traduzir efemeridade em conhecimento? O que é
experiência cênica? Preciso estar em cena para discuti-la? Como investigar a presença da
pedagogia da cena no processo criativo? Essas perguntas movem o corpo desta pesquisa e me
colocam em zona de confronto e inquietação.
Preocupado em entender o (não) lugar da experiência cênica como processo de
investigação, este trabalho coloca a provocação do movimento criador e seu percurso, em o
que denomina de Poética(s): na primeira poética, apresenta questões acerca da experiência,
desde o significado etimológico à compreensão e possibilidades de experiência cênica; na
segunda poética, discute o processo de criação e seu fluxo orgânico de trajetória, nas
diferentes possibilidades que a cena contemporânea e a prática artística nos apresentam em
seu fazer; na terceira poética, reflete a pedagogia da cena, com a pergunta: Para que serve o
teatro?
PRIMEIRA POÉTICA: experiência(s) da cena
Caro leitor, a primeira poética desse artigo tem como objetivo, apresentar
conceitos acerca da experiência, e refletir o (não) lugar do saber da arte, a partir do
confronto de que a ciência é o único campo de fundamentação e construção do saber.
O relato da experiência em arte, mais especificamente no teatro, não coloca o
discurso pronto, acabado, definitivo e fechado do processo. Mas regista o movimento criador
da cena na perspectiva inacabada, transitória, volúvel e inconstante (SALLES, 2009). O
processo de criação artística é um movimento feito de sensações, pensamentos, diálogos e
reflexões, que sofrem constantes interferências no percurso de sua experimentação.
Portanto, na criação cênica, o teor da experiência estética é analisado como práxis
necessária à produção de conhecimento, e principalmente como, atitude de discurso cênico.
Desta forma, é necessário entender o significado etimológico da palavra experiência, que,
[...] vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar
um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é
periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per,
com a qual se relaciona antes de tudo a ideia de travessia. (BONDÍA, 2002, p. 25,
grifo do autor).
A experiência é o ato de se colocar em zona de risco, de tensão, de busca pelo
desconhecido, de ser guiado pelo inacabado, cruzar fronteiras invisíveis e inventariar-se com
o desespero da incerteza. Nesse confronto, o sujeito da experiência é um ser que se expõe e
que atravessa um espaço irreconhecível e indeterminado, pondo-se ao perigo e à subversão do
estranho. Um ser que se permite ser dilacerado, confundido e provocado.
O artista de teatro, neste caso, é o sujeito que atravessa a vivência do processo
criativo; descobre e redescobre sua reflexão, não a partir de métodos, roteiros e modelos, mas
de possibilidades de execução da criação imaginativa do percurso. O (não) lugar da
experiência e o discurso da cena é atravessar e relatar a prática, não como pensamento
ideológico e pragmático, mas compreender a sua própria diversificação e dinâmica criadora.
Para Larrossa (2002), o sujeito contemporâneo está submerso na sociedade da
informação, o excesso de opinião, da falta de tempo e o excesso de trabalho. A experiência da
cena está ligada ao que nos acontece e ao que adquirimos, na medida em que, respondemos ao
que nos toca, e ao que nos provoca ao longo da trajetória criadora, e das epifanias que surgem
ao longo do processo de criação.
O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto
em que encarna. Não está como o saber científico, fora de nós, mas somente tem
sentido no modo como se configura uma personalidade, um caráter, uma
sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que
é por sua vez, ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). (BONDÍA,
2002, p. 27).
Neste sentido, a experiência do processo criativo da cena é uma vivência que
possibilita uma reflexão específica e única, para cada artista que está dentro do processo. A
autonomia da reflexão artística é particular e permite a capacidade de intervenção, criação e
fruição para vários territórios e fronteiras, na medida em que possibilita a multiplicidade de
abordagens, acerca das formas e modos do fazer teatral na atualidade.
Com várias possibilidades de construção do discurso da experiência da cena, o
saber da arte confronta a ideia da ciência, que geralmente é vista como verdade única e
universal. Ao contrário da arte, que não há saber unívoco, acabado e fechado, pois na ciência,
geralmente, se dá de forma concreta e limitada.
De todo modo, o historiador Paolo Rossi (2010) diz que a ideia de ciência
constituída por teorias prontas está em desuso, pois “no lugar das teorias científicas, investese em opções, jogos, caprichos, casos, coincidências, imprevistos, acidentalidades, estalos
gestálticos, reticulados, labirintos, divertimentos e conversões” (ROSSI, 2010, p. 202).
Essas características da “Nova Ciência” apontadas anteriormente estão
relacionadas ao construto do saber na Arte, pois valoriza a multiplicidade de procedimentos
de pesquisa, a vulnerabilidade do saber e as condições variáveis que um processo de criação
cênica pode apresentar em seu movimento criador.
Neste caso, as possíveis aproximações entre arte e ciência estabelecem um campo
de investigação em que, os procedimentos artísticos são vistos como relatos com fundamentos
e perspectivas, que não necessitam obrigar a Arte a entrar no campo da Ciência para justificar
sua relevância.
Neste artigo, a experiência do fazer teatral é entendida como o fluxo de práticas,
pensamentos e reflexões que fazem parte das atividades da trajetória criadora, como: diálogos,
conversas, rascunhos, debates, procedimentos de ensaio, montagem, jogos, laboratórios de
criação da cena, obra de arte, produto, etapa final, apresentação do espetáculo para um
público, recepção teatral, dentre outros nomes que caracterizam o percurso da criação, que
geralmente passa pelo caminho da ideia, ensaio, e por último, a apresentação do espetáculo.
Segundo Marco de Marinis (2012), não existe um único tipo de saber-fazer-pensar
teatro. A experiência e compreensão são múltiplas em suas proposições conceituais, então “ter
experiência na arte”, não implica necessariamente em fazê-la de forma ativa, mas também
apreciá-la, refleti-la e estudá-la. A figura abaixo propõe e ilustra a variedade das experiências
cênicas, com as possibilidades de acontecimento que podem ocorrer em três situações
distintas.
O Processo de Criação é a operacionalização da linguagem cênica. Construção
dos sentidos a partir do exercício artístico, seja na sala de ensaio, seja no espaço de
apresentação para o público. O artista ao interpretar a personagem, dirigir o espetáculo,
elaborar o plano de iluminação, construir a maquete cenográfica ou o boneco de manipulação,
analisar e criar a atmosfera da sonoplastia, desenhar o croqui de figurino, elaborar a
maquiagem, produzir o espetáculo, dentre outros, são as possibilidades neste campo da
experiência da cena (PAVIS, 2010).
O Diálogo Reflexivo possibilita a discussão dos questionamentos do processo da
construção do espetáculo, a partir da elaboração do discurso com os espectadores que
visualizaram o processo criativo, no ensaio ou na apresentação do espetáculo. O espectador
coloca suas indagações, críticas e sugestões ao que foi visualizado. Consiste no diálogo do
artista com o espectador com possibilidade de conversa de modo teórico (DESGRANGES,
2006).
A Recepção Teatral refere-se à prática da apreciação do espectador comum, que
elabora signos sensoriais e cognitivos. Cria sentidos e conceitos, a partir da sua visão de
mundo, e reelabora seu olhar crítico. São experiências significativas que constroem novas
percepções sobre o teatro (DESGRANGES, 2006).
A experiência cênica é a construção que investiga os sentidos técnicos e estéticos
a partir de um caráter sensorial, que processa o signo, significado e significante a partir da
capacidade do sentir como ferramenta fundamental na construção e organização do
conhecimento. Portanto, a perspectiva da arte coloca o apreciar e o fazer, enquanto atividade
intelectual significativa.
SEGUNDA POÉTICA: efemeridade como substância investigativa
“Breve, território, passageiro e de curta duração”, são palavras com sinônimo para
efemeridade. Todo processo de criação se dá com “estalos de paixão”. Por conta disso, a
investigação do processo cênico se torna problemática, ou não, sobre diferentes pontos de
vista. O teatro é efêmero e movido pela experiência, logo, a experiência da cena também é
efêmera. A extensão do seu acontecimento é temporal e sofre constante oscilação de sentidos
e ideias, como corrobora o autor na citação a seguir.
O teatro, [...] sempre apresenta significados em uma extensão temporal, de modo
que algo já desaparece tão logo quantos novos momentos se anunciam. A cada passo
dissolve-se a força instituidora do sentido da moldura, da articulação estética; as
construções são permanentemente abaladas por essa oscilação. Tudo, inclusive o
sentido mais profundo, recai em um deslocamento que suspende a doação de sentido
[...]. (LEHMANN, 2007, p. 335).
Neste sentido, a pesquisa em teatro se torna desafiadora, instigante e provocadora,
na medida em que, possibilita a aquisição de conhecimento a partir de questões sensoriais,
corpóreas, efêmeras e inconstantes. Ao pesquisar um conjunto de experiências que foram
atravessadas e vividas, o artista se encontra corporalmente envolvido no campo de tensão, e
ao mesmo tempo, compreensão e percepção das dinâmicas do processo (TELLES, 2012).
O conceito da investigação cênica está localizado no inacabado, indefinido e no
processo de construção. Com fluxos e refluxos, o processo artístico caminha por incertezas e
improbabilidades. A prática teatral é, em sua essência, relativa, subjetiva, e transdisciplinar. O
(não) lugar expandido e complexo é o ambiente que move as fronteiras e horizontes da arte, e
que permite visitar diferentes trânsitos no campo do conhecimento teatral.
A dificuldade em definir o lugar da investigação da cena, não está no caráter
efêmero da experiência cênica, mas no fato da comparação com a ciência. Para problematizar
essa questão, é necessário analisar a criação no contexto da própria criação, assim como ela é.
Desvinculando de outros parâmetros conceituais pragmáticos e visões de mundo
generalizadas.
A efemeridade no teatro é um evento único. Logo, ao construir um discurso
acerca do processo criativo, têm-se visões específicas de análise. Entretanto, isso não
significa, exclusivamente, que há total diferença de ideia e sentido em todos os processos de
criação analisados. O compartilhamento de ações e percepções dos procedimentos é o que
constrói o discurso cênico destas práticas.
Na medida em que, as semelhanças e as diferenças dos processos são partilhadas
entre os artistas-pesquisadores que investigam o ato criador, o conhecimento transdisciplinar é
explorado, o que permite várias reflexões e definições, em processos, muitas vezes, com
localidades, contextos, realidades e estéticas diferentes, como afirma o autor na seguinte
citação.
O que está em questão é a complexidade que envolve a pesquisa em artes cênicas e o
modo pelo qual os próprios procedimentos se referem uns aos outros na construção
da dinâmica da criação. Digo com isso que o processo de criação estabelece seus
próprios procedimentos e sentidos abordados [...] e, consequentemente, adquirem
outras definições em outros processos. (ALEIXO apud TELLES, 2012, p. 11).
Desta forma, esta condição colabora para o mapeamento das ações de pesquisas
desenvolvidas na área, e contribui para o acréscimo de experiências, conceitos e dinâmicas
importantes, para situar o campo de pesquisa percorrido na arte.
A produção de pesquisa e investigação em teatro representa o esforço em
redimensionar o fenômeno “espetáculo”, e suas várias manifestações na contemporaneidade.
A reinvenção constante dos seus significados abre a perspectiva para novos lugares na
definição dos processos. Desta forma, o teatro está relacionado a uma percepção oblíqua e
imprevisível e não de espelho e repetição.
O conhecimento em teatro não está fechado ao espetáculo acabado e pronto, mas
para além do resultado artístico, ele está totalmente ligado à criação e a fruição. O processo de
criação contempla diferentes percepções da arte, e consequentemente, revela novas formas de
proposição e produção do saber.
O processo de criação, como foi colocado na Poética anterior, é experiência
cênica que possibilita o exercício artístico por vários ângulos de visão. E como toda
experiência, o processo criativo também é efêmero.
Até mesmo na sala de ensaio ou experimentação cênica (espaço em que acontece
a investigação para elaboração da cena), vários são os significados e significantes que podem
surgir no decorrer dos laboratórios de criação. Sendo assim, a figura abaixo, apresenta e
ilustra duas possibilidades de pesquisar o processo de criação da cena, de acordo com
conceitos de Patrice Pavis (2010) em composição cênica e Ileana Diéguez (2010) em
decomposição cênica. Logo após, apresento breves reflexões de como se dá a possível
estruturação desses processos na prática criativa.
Na trajetória de investigação da composição cênica, o artista pesquisa no
processo criador e tece sua escolha estética, composição de signos, técnicas, elementos, fatos
e circunstâncias que caracterizam o constante movimento do ciclo criador. Novas formas se
desenham, novos modos se apresentam, o vazio se torna pleno, e o (não) sentido tem espaço
para reflexões com fundamento.
Vários materiais surgem no decorrer do percurso, como pontos importantes na
reconstituição da composição da obra cênica. Contudo, os materiais colhidos durante a
trajetória criadora são fragmentos da obra de arte.
A viagem da criação cênica é movida por escolhas e decisões que transitam a
pesquisa do artista, que se vê diante de rastros abandonados a todo tempo. Todo o vestígio da
montagem cênica está completo na memória dos corpos e da mente de seus participantes.
Dessa forma, o artista coleta materiais que passam por sua análise, mas somente os mais
significativos, em seu critério de escolha, comporão a cena.
Ao contrário da Arte, o objeto de natureza científica, analisa o princípio da
exatidão, objetividade, preservação da distância dos fatos identificados, tidos como uma
realidade mensurável. Já o movimento de criação artística, não é totalmente investigado com a
forma distanciada e objetiva, pois “há um nível de criação que vai além do dizer” (BROOK,
1977, p. 122).
A natureza da composição cênica é compreendida não só como um fenômeno de
movimentos sensíveis, mas também de organização lógica, e exige que o pesquisador
encontre clareza no seu objeto de estudo, em um ato investigatório que, encontre a conjugação
da percepção, compreensão, experiência e análise.
Escolha técnica e composição de signos cênicos é o percurso criativo que o artista
move para a montagem da obra cênica. Na escolha por associações pessoais, ele revela seu
entendimento da realidade, age e reage ao contato com diferentes elementos. Estes
movimentos só podem ser encontrados e identificados através de um olhar sensível.
A composição da cena no processo de criação é o espaço de construção de
montagem do espetáculo, que revela as fases de criação, com abordagens e escolhas que
circundam o fazer teatral, através das ações corporais e imagens que se fazem e desfazem na
dinâmica da ação criativa.
Para concluir, a composição cênica colabora para a instalação do poder criativo, a
ação do contato, da adaptação, da memória, das resistências pessoais, da capacidade do
abandono físico, que se relacionam e interagem no fenômeno criativo nas relações de espaço e
tempo de criação.
Ao contrário da composição, tem-se a decomposição cênica, também conhecida
recentemente como desmontagem cênica, conceito novo que ainda apresenta instabilidades,
mas que está em estado de busca pela clareza de entendimento, segundo Ileana Diéguez
(2010).
A decomposição pode ocorrer, pelo menos, em dois casos diferentes: tanto com
espetáculos em fases de construção, quanto em espetáculos finalizados, ou melhor, já
mostrados ao público. Nas próximas linhas, a discussão se atentará brevemente a
decomposição do espetáculo cênico que já foi construído e revelado ao público.
Decompor é desmontar e revelar os elementos que foram utilizados para
composição da cena no processo de criação. Mais que isso, não é somente revelar o caráter
técnico, como na demonstração técnica de trabalho, mas também expor o caráter ético que
circundou pela trajetória do discurso da montagem.
A desmontagem ou decomposição cênica é um espaço de apresentação e
exposição do artista em que ele desnuda seu próprio processo criativo em cena, revela seu
modo de fazer e o percurso do seu caminho. Não somente expondo seu processo de criação
como objeto distanciado, mas estando diante do próprio “caos” do processo. Neste caso, não
se pretende analisar o processo criativo, mas colocar a exposição do afeto, da ética e da
política presente na relação do artista com a obra.
Desta forma, a desmontagem é um acontecimento político que apresenta os
motivos, paixões e provocações do percurso criativo. É a poética da experiência na relação
entre ética e estética, no compartilhamento do artigo vivo da obra. A desmontagem traz à tona
o que estava “morto” no artista, e torna presente o que está ausente.
Na desmontagem, o artista não apresenta o processo de trabalho a partir do que
ele diz, mas a partir do que ele é. Não permite o artista reconhecer, somente, o seu próprio
trabalho técnico, mas antes de tudo, reconhecer a si mesmo. Portanto, não é só procedimento
artístico pedagógico, mas procedimento do encontro com o outro.
O artista apresenta uma espécie de “seminário aberto teórico-prático” (DIÉGUEZ,
2010), que é formulado em caráter particular, e configura seu próprio percurso na
apresentação da desmontagem, pois não há regras e esboços acabados na concepção do
roteiro.
No existe um método para los desmontajes, no es possible fijarlos em um esquema
que ossifique el cuerpo vivo de la escena. Cada creador elige las estratégias desde
las cuales aceder o regressar a ese encuentro reflexivo y a la vez artistico con su
proprio material. A través de diversas experiencias, los desmontajes han integrado el
discurso pedagogico, las demonstraciones verbalizadas, las explicaciones teóricas, y
también se han materializado como desensamblages visuales e conceptuales.
(DIÉGUEZ, 2010, p. 145).
Ao decompor a cena do processo criativo, o artista estabelece uma estratégia
única de apresentação dos fatos que teceram o processo de criação. A desmontagem abre a
noção de ritual e experiência, e coloca o artista a frente da filosofia de sua própria
composição. Antes de tudo, não o coloca somente como “artista”, mas como ser humano
fragmentado diante da obra (DIÉGUEZ, 2010).
Os processos de criação apresentados, de composição e decomposição da cena,
são possibilidades de espaço de investigação do processo criativo. Desta forma, este trabalho
não coloca tais questões como únicas e exclusivas, mas como possíveis trajetos de
investigação da efemeridade, presentes no teatro neste contexto apresentado.
Não se pretende abordar e aprofundar estes caminhos colocados, mas provocar
você, caro leitor, a se colocar em zona de confronto, com as novas esferas do conhecimento
produzido na cena contemporânea.
TERCEIRA POÉTICA: não está para servir, está para ser
A prática artística incorporada como fonte de pesquisa e investigação no teatro,
provoca a elaboração do discurso cênico. A poética do efêmero está localizada na construção
do conhecimento e na compreensão do processo de criação. Portanto, a pesquisa em teatro,
não necessita se incorporar no campo da ciência, sociologia, filosofia, ou qualquer outro tipo
de conhecimento para ser arte e ter sua importância.
Na verdade, acredito que a questão da pesquisa em artes cênicas está no fato de
que, a arte não serve para nada. Ou seja, ela não está a “serviço de”, não necessita de
julgamento de valor para colocá-la no campo justificativo de sua relevância. A arte não serve
a nada, ela É por si só, no sentido próprio da sua criação.
O que elucida a investigação em teatro é a multiplicidade dos conceitos. Desse
modo, os recursos técnicos da cena são explorados pela descoberta da linguagem teatral, e na
complexidade da forma artística. Possibilita o aparecimento de procedimentos pedagógicos
em sua essência, e incorpora o exercício da pedagogia da cena. Neste caso, através da criação
e produção cênica, como afirma a autora na citação a seguir.
Deve-se ressaltar que o objetivo do jogo não é a interpretação, mas a atuação, que
surge durante o processo criativo e libera o participante da responsabilidade de criar
um personagem, permitindo que ele se fixe no relacionamento com o parceiro da
cena e do grupo [...]. É dessa forma que os procedimentos de criação do ator dentro
dos grupos acabam resultando em técnicas pedagógicas específicas. O que explica o
envolvimento [...] com trabalhos de educação. (FERNANDES, 2010, p. 198).
Na perspectiva dessa argumentação, destaca-se que a didática do teatro e a
pedagogia da cena é um fator presente nos procedimentos de criação dos espetáculos, visto
que o caráter determinante é o modelo de percepção coletiva, que permite ao participante
apropriar-se das práticas produtivas, aproximando-se, neste aspecto, das experiências
pedagógicas.
A experiência da cena é pedagógica por si só, visto que estabelece a construção de
sentidos através da vivência e do movimento criador na investigação. Ou seja, não existem
métodos, mas modos que são compartilháveis do saber-fazer-pensar teatro, que não está
ligado aos ideais científicos, formalizados e fechados.
Roland Barthes (2003, p. 339) definiu o teatro como “uma máquina cibernética
em funcionamento”, ou seja, o teatro como acontecimento cênico e como fenômeno efêmero
que o artista reconhece a própria dinâmica do ato espetacular.
Destarte, a provocação principal está na seguinte questão: Como transformar em
conhecimento a experiência efêmera? A efemeridade é um ato possível de reflexão? Para isso,
a crítica literária Beatriz Sarlo (2007), contribui com a ideia de análise da experiência, e
coloca que o ato de experimentar está vinculado, a uma presença real do sujeito na cena do
passado. Ao refletir e narrar a experiência passada, o sujeito (neste caso, o artista) incorpora a
experiência passada “que não é a de acontecer [...], mas a de sua lembrança. A narração
também funda uma temporalidade, que a cada repetição e a cada variante, torna-se a
atualizar” (SARLO, 2007, p. 25).
Neste caso, o desafio investigativo da efemeridade da experiência está na
volubilidade da investigação cênica. A diversidade do discurso construído são as próprias
Poéticas Efêmeras, que encontram na experiência dos processos de criação, trajetórias
pedagógicas que circundam o fazer teatral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cênicas: textos e temas. Rio de Janeiro: E-Papers.
BARTHES, Roland (2003). Las dos críticos. Trad. Carlos Pujol. Barcelona: Seix Barral.
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Pós-Graduação em Educação, jan-abr, nº 19, pp. 20-28.
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USA: Harper and Row, USA.
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Editora Hucitec: Edições Mandacaru.
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performatividades. Urdimento: Revista de Estudos em Artes Cênicas, n.15, Udesc,
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FERNANDES, Sílvia (2010). Teatralidades contemporâneas. São Paulo: Perspectiva:
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/prática no contexto da nova teatrologia [tradução de André Carreira] In: TELLES, Narciso
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PAVIS, Patrice (2010). A análise dos espetáculos. São Paulo: Perspectiva.
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SARLO, Beatriz (2007). Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Belo
Horizonte, Cia das Letras.
TELLES, Narciso (org.) (2012). Pesquisa em artes cênicas: textos e temas. Rio de Janeiro:
E-Papers.
COINCIDÊNCIAS DAS IDEIAS DO PATRONO DA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA COM AS IDEIAS DE BERTOLD BRECHT E WALTER
BENJAMIN, QUE REMETEM À MATRIZ: KARL MARX.
PAULO FREIRE ENTRE PARES
katia Reinisch; (Apoio CNPq); Profª Drª Marcia Pompeo Nogueira (orientadora);
PPGT - Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Florianópolis, SC, 2014
O homem é o capital mais precioso.
(Karl Marx)
Homem algum é uma ilha
Quando me pus a estudar mais detidamente os alemães Bertold Brecht (1898-1953) e Walter
Benjamin (1892-1940), e a relação de amizade entre os dois, comecei a notar a confluência de
suas ideias e conceitos com os conceitos e ideias de Paulo Freire (1921-1997).
Os três eram humanistas, anticapitalistas, marxistas, progressistas. Todos os três – cada um a
sua maneira – se altearam contra as desigualdades sociais, o preconceito, a tirania dos
opressores, engrossando as hostes dos que lutavam para despertar nos oprimidos a consciência
de que eles poderiam, por suas próprias forças, libertar-se de seus “grilhões”. Os três foram
perseguidos pelas ditaduras fascistas de seus países. Brecht e Benjamin, pelo nazismo, o
fascismo alemão i; e Freire, pela ditadura militar, que introduziu o fascismo à brasileira. Os
três tiveram de rumar para o exílio.
Brecht que parece Freire que parece Benjamin
Assim escreve Brecht, em Elogio do Revolucionário: “Interroga à propriedade:/ De onde
vens?/ Pergunta a cada ideia:/ Serves a quem?” ii Em Pedagogia da Indignação, Freire
também questiona: “Em favor de quê estudo? Em favor de quem? Contra quê estudo? Contra
quem estudo?”iii À maneira socrática, Brecht e Freire incitam à reflexão nestes dois textos que
parecem um só.
Benjamin estabelece a distinção entre o “escritor operativo e o informativo”, e diz que “a
missão do primeiro não é relatar, mas combater, não ser espectador, mas participante ativo”. iv
Freire distingue o educador dialógico, do mero “transmissor de informações” v; diz: “Ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção.”vi
Benjamin fala do escritor “progressista”, e diz que “sua decisão se dá no campo da luta de
classes, na qual se coloca ao lado do proletariado”. vii
De forma semelhante refere-se Freire ao educador: “Nada que diga respeito ao ser humano
[...], a dominação a que esteja sujeito, a liberdade por que deve lutar, nada que diga respeito
aos homens e mulheres pode passar despercebido pelo educador progressista.” viii
E assim, ora Brecht parece Freire; ora Freire, Benjamin. Vamos então cotejar textos sobre
temas recorrentes nos três autores e localizar essas coincidências
Arte é política, educação é política
A educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele educador. Ela é política.
(Paulo Freire)
Como Wizisla anotou em seu trabalho, para os amigos Benjamin e Brecht arte e política
estavam interligadas, e como diretor dos Arquivos Bertold Brecht e Walter Benjamin, afirma
que eles “no pretendían en absoluto descartar la influencia política, aspiraban a una síntesis de
las dimensiones técnico-constructiva y social del arte, que tratara de crear un vínculo
indisoluble entre pautas artísticas refinadas y pautas políticas progresistas”. ix
Para Freire, todo ato educativo é um ato político: “Ensinar exige compreender que a
educação é uma forma de intervenção no mundo.”x
Em Wizisla, lemos que “as interpretações de Benjamin sobre a obra de Brecht refletem sobre
a busca de uma linguagem que seja tão artística quanto adequada à realidade”. xi Brecht
confirma: “El dramaturgo tiene que meter en la acción todo lo que hay que decir, la literatura
debe expresar todo desde ella misma. Esto se corresponde con una postura del espectador en
la que el no piensa sobre la cosa, sino a partir de la cosa.”xii
Freire ensinava a partir da realidade do alfabetizando. Dizia: “Não basta saber ler que Eva viu
a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem
trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.” xiii
A imbricação de arte, educação e política, tratadas por mentes esclarecidas, é decisiva para a
conscientização das massas de seu papel na construção de um mundo melhor, razão suficiente
para a perseguição que lhes movem os opressores de todas as épocas.
Da crítica à intervenção, e vem a transformação
Resta apenas, através de um ato de conhecimento, libertar o futuro de sua forma presente
desfigurada. Somente para isso serve a crítica. (Walter Benjamin)
Se para Brecht, como sabemos, a tarefa da transformação crítica da realidade cabe tanto aos
atores como aos espectadores, para Freire da mesma forma a educação “contém a
potencialidade da transformação da sociedade por intermédio de uma consciência crítica da
realidade, tarefa que tanto o educador como o educando devem assumir no ato educativo”.xiv
Brecht afirma que seus textos do teatro épico “no están escritos con la intención de abastecer
al teatro burgués. Están escritos con la intención de transformarlo”. xv
E a concepção de crítica, para Brecht como para Benjamin, “era una crítica como
intervención, eficaz, seguida de consecuencias”, ou seja, “en el sentido de que la política sería
su continuación por otros medios”.xvi
E Freire ecoa: “Outro saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática
educativo-crítica é o de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma
forma de intervenção no mundo.”xvii
O que os três propõem é que desenvolvamos uma postura crítica diante da realidade, para que
nela possamos com eficácia intervir e assim poder fazer o mundo melhor.
Os intelectuais e a luta de classes
Mas nós, diz o Sr. Keuner, não devemos recear as perguntas grosseiras; temos as nossas
mais finas respostas na ponta da língua. (Walter Benjamin citando Histórias do Sr. Keuner,
de Brecht)
A questão do intelectual a serviço de uma revolução que se acreditava que viria sob a
liderança do proletariado, ou pelo menos ao lado do proletariado, foi objeto da reflexão dos
três. Benjamin queria saber como se leva os intelectuais à luta de classes. No auge da
República de Weimar, em 1930, achando que o proletariado estava prestes a chegar ao poder,
propôs que os intelectuais deveriam ir para as fábricas junto com os operários e cumprir
funções que lhes fossem designadas. xviii
Freire queria o comprometimento “dos oprimidos e dos que não são oprimidos, mas estão
comprometidos com aqueles e com aqueles lutam”.xix Mais que isso, ele convidava os colegas
a tomar, diante das massas, uma atitude de humildade: “O educador, sobretudo se é um
intelectual pequeno-burguês, deve esforçar-se, cada vez mais, por iluminar sua ação na sua
prática com as massas populares, com quem tem muito que aprender.”xx
E Brecht, no poema acima citado, confessa que “traiu” a classe em que nasceu: “Mas quando
cresci e olhei em volta/ não gostei da gente da minha classe,/ nem de mandar nem de ser
servido./ E deixei a minha classe,/ indo viver com os deserdados.”xxi
E, como diz o título do poema, Caçado com Boa Razão, Brecht, como Freire e Benjamin,
acusados os três de “subversão de ter ideias”, receberam por prêmio o repúdio dos opressores.
A revolução é inevitável
A luta revolucionária não se trava entre o capitalismo e a inteligência, mas entre o
capitalismo e o proletariado. (Walter Benjamin)
Quando se fala em revolução, o que geralmente emerge do imaginário popular é um levante
armado, em que os revoltosos, caso saiam vitoriosos, estabelecem uma nova ordem, melhor
que a anterior. Mas nem sempre revolução implica violência pelas armas, como a
paradigmática Revolução Francesa, em 1789. Costuma ocorrer, como neste caso, que,
estabelecida a nova ordem, embora haja melhoras no bem-estar geral, prossegue um sistema
com opressores e oprimidos. Para o marxismo, esse círculo vicioso terá fim com a revolução
proletária que superará as contradições da revolução burguesa, anunciando “o advento de uma
sociedade sem classes”.xxii
Ao analisar os textos de Freire e seus pares, notamos a permanente preocupação com a
transformação revolucionária das sociedades. Brecht, sobre a criação de um novo tipo de
drama aliado a um repensar das estruturas sociais, definia como “um ato revolucionário”. xxiii
E, no Pequeno Organon, ele diz:
Se quisermos, pois, entregar-nos à grande paixão de produzir, qual deverá ser o teor
das nossas reproduções do convívio humano? Qual será a atitude produtiva, em
relação à natureza e à sociedade, que, no teatro, nos recreará, a nós, os filhos de uma
época científica? Essa atitude é de natureza crítica. Perante um rio, ela consiste em
regularizar o seu curso; perante uma árvore frutífera, em enxertá-la; perante a
locomoção, em construir veículos de terra e de ar; perante a sociedade, em fazer uma
revolução. xxiv
Freire divide o processo revolucionário, que “é sempre cultural”, em fases: a denúncia da
opressão; o anúncio de uma sociedade justa; e a inauguração da nova sociedade, na qual “o
processo revolucionário converte-se em revolução cultural”.xxv
Benjamin, escreve Wizisla, “se entusiasmaba con la revolución porque, como decían los
surrealistas, prometía una liberación en todos los aspectos”. xxvi
E sobre a guinada de Brecht em 1930 rumo ao leninismo, ou seja, rumo à revolução
proletária, “tuvo como consecuencia un cambio en la intencionalidad de su acción, cuyo
centro lo ocupó ahora la transformación del mundo”.xxvii
Transformação que Freire considerava tão central quanto Brecht e Benjamin: “Os oprimidos,
enquanto classe, não superarão sua situação de explorados a não ser com a transformação
radical, revolucionária, da sociedade de classes em que se encontram explorados.” xxviii
Chegará o dia em que não haverá mais opressores nem oprimidos
Porque o homem sempre sempre é o homem/ Quer derrotar os opressores./ Se não deseja ser
escravo/ Jamais aceita ter senhores! (Bertold Brecht)
Em seus ensaios sobre literatura e história da cultura, Walter Benjamin, refletindo sobre o
conceito da História, diz: “A tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em
que vivemos é na verdade a regra geral.” xxix Esta exceção que vira regra é não só seres
humanos oprimindo seres humanos, como ainda transformar tal ignomínia em glória: “Todos
os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje
espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão.”xxx Benjamin prossegue dizendo que
os despojos vão junto: os bens culturais, sobre cuja origem o materialista histórico “não pode
refletir sem horror”, e conclui com este rasgo de lucidez: “Nunca houve um monumento da
cultura que não fosse também um monumento da barbárie.”xxxi
A indignação que sentimos perpassar o texto de Benjamin é explicitada por Freire:
“Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos
esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra
música. Falo da resistência, da indignação, da ‘justa ira’ dos traídos e dos
enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas
de que são vítimas cada vez mais sofridas.”xxxii
O biógrafo Frederic Ewen nos dá conta de que Brecht igualmente sentia “forte revolta
antiburguesa”, e ao mesmo tempo “compaixão pelos ‘exércitos ignorantes’ de marginais e
órfãos da sociedade, que esta negligencia, ignora e humilha”. xxxiii
Tanto Brecht como Freire exortavam à tomada de posição contra todas as injustiças. Dizia
Brecht: “O destino do homem é o homem. Tudo mudou: o homem constrói sua existência
social. Transforma as estruturas injustas e repressivas, constrói o processo democrático com
liberdade, no esforço coletivo de acabar com a exploração do homem pelo homem.” xxxiv
E Paulo Freire completa ainda:
Quem, melhor que os oprimidos, está preparado para entender o terrível significado
de uma sociedade opressora? Quem sofre os efeitos da opressão com mais
intensidade do que os oprimidos? Quem com mais clareza que eles pode captar a
necessidade de libertação? Os oprimidos não obterão a liberdade por acaso, senão
procurando-a em sua práxis e reconhecendo nela que é necessário lutar para
consegui-la. E esta luta, por causa da finalidade que lhe dão os oprimidos,
representará realmente um ato de amor, oposto à falta de amor que se encontra no
coração da violência dos opressores.xxxv
E segue, citando Marx e complementando uma das mais difundidas teses do pensador alemão:
Não há “pronúncia” do mundo sem consciente ação transformadora sobre o mesmo.
“Ação consciente” a que Marx várias vezes se referiu. Mas é necessário sublinharse, também, que há diferentes maneiras de pronunciar o mundo. A das classes
dominantes, que determinam o silêncio das classes dominadas; e a das classes
dominadas, que demanda sua organização revolucionária para a abolição das
estruturas de opressão.xxxvi
Encerro este capítulo com uma proclamação do dramaturgo alemão, que ele põe nos lábios da
principal personagem de sua peça A Mãe: “Quem ousa dizer: Nunca?/ De quem depende que
a opressão prossiga? De nós./ De quem depende que ela acabe? De nós.”xxxvii
E que Brecht, além de poeta, seja profeta: “Pois os vencidos de hoje são os vencedores de
amanhã. E o Nunca se transformará em Hoje!” xxxviii
O burguês capitalista veste a pele de neoliberal mas não engana
Oh vós que ceando estais, aliviai nossas dores. (Bertold Brecht)
O capitalismo se funda na exploração que os opressores exercem sobre os oprimidos. Isto se
dá ora de forma subliminar, ora apelando para a força bruta, como Benjamin descreve ao
comentar Novela de Dois Centavos de Brecht – ele salienta que via Marx por detrás da obra:
“La tendencia de los poderosos a emplear la violencia para mantener las condiciones de
propiedad, e incluso a acostumbrar a los propios desposeídos a su ejercicio, es un rasgo
elemental del capitalismo.” xxxix
Crítico do uso de novas técnicas a serviço da perpetuação do sistema capitalista, Benjamin
mostra, no ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, como por exemplo
“a exploração capitalista do cinema impede a concretização da aspiração legítima do homem
moderno de ver-se reproduzido”xl. De fato, em geral não são questões cruciais para os
oprimidos que o cinema levanta, muito menos são eles, os oprimidos, os personagens centrais.
E no afã de ganhar as massas, difundindo “concepções ilusórias e especulações
ambivalentes”, a indústria cinematográfica obtém êxito, mobilizando “um poderoso aparato
publicitário”, com o quê o chamado cinema digestivo explora, “no interesse de uma minoria
de proprietários, a inquebrantável aspiração por novas condições sociais” xli, ao mesmo tempo,
de maneira subliminar, inculcando nas mentes valores dos opressores.
Freire se declara contra a ordem vigente “que inventou esta aberração: a miséria na fartura” xlii;
e desmascara o velho e conhecido capitalismo, que ora se apresenta vestido na roupagem de
neoliberalismo, tentando disfarçar que a globalização “vem robustecendo a riqueza de uns
poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança no
neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca”. xliii
No poema Quando há anos, Brecht se reporta à malvadez mencionada por Freire, partindo da
lembrança de quando, estudando o funcionamento da Bolsa de Trigo de Chicago, descobriu
como manipulavam o preço do cereal no mundo:
“Essas pessoas, eu vi, viviam do mal/ Que causam a outros, em vez do bem./ [...]
Tais e outros ainda eram meus pensamentos nessa hora,/ Muito longe de ira ou
lamentação,/ Quando larguei o livro que descrevia/ O mercado de trigo e as bolsas
de Chicago.../ Grande dor e descontentamento armazenavam-se para mim.”xliv
É do dramaturgo alemão também a pergunta-desabafo: “Até quando o mundo será governado
pelos tiranos destituídos de humanidade? Até quando haveremos de suportá-los?”xlv
E fica claro o estado de ânimo a que este assunto leva Paulo Freire:
“Daí a crítica permanentemente presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo
de sua ideologia fatalista e sua recusa inflexível ao sonho e à utopia. Daí a minha
raiva, legítima raiva que envolve o meu discurso quando me refiro às injustiças a
que são submetidos os esfarrapados do mundo.”xlvi
De tempos em tempos, surge um “teórico” a serviço do status quo, logo celebrado pela mídia
global, pregando teses que “provam” que o neoliberalismo globalizado constitui-se na etapa
final da história humana. “Os neoliberais agem”, diz Freire, “como se a globalização
capitalista fosse uma realidade definitiva, e não uma categoria histórica que se transformará
em outra categoria histórica”. xlvii Muita gente, sabemos disso, compra e sai vendendo tal ideia,
pois, como observa Brecht, “o que permanece inalterado há muito tempo, parece ser
inalterável”xlviii. Falácias bem do agrado dos burgueses capitalistas.
E às pessoas que criticam Paulo Freire por falar muito de amor, um “conceito burguês”, ele
responde: “Em primeiro lugar eu não admitiria que foram os burgueses que inventaram o
amor. Eles podem ter a propriedade das fábricas, mas do amor, não. O amor é uma dimensão
do ser vivo e ao nível do ser humano alcança transcendência espetacular.” xlix Nesse sentido,
para Freire, contribuir para a revolução que libertará os oprimidos “é um ato de amor”.
Práxis – refletir e agir, agir e refletir, e de novo agir
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.
(Paulo Freire)
Para Freire, Brecht e Benjamin, como para Marx, o pensamento não deve vir separado da
ação, pensamento também considerado como intervenção. Marx dizia que “é na práxis que o
homem deve demonstrar a verdade”, e que “a disputa sobre a efetividade ou não efetividade
do pensamento isolado da práxis é uma questão puramente escolástica” l.
Para o Benjamin escritor e crítico, “a eficácia literária só pode surgir do rigoroso intercâmbio
entre ação e escrita”.li
Freire dizia que “não há palavra verdadeira que não seja práxis: ação e reflexão
verdadeiramente transformadoras da realidade. Daí que dizer a palavra verdadeira seja
transformar o mundo”.lii
Brecht aponta um equívoco em certos intelectuais: “Os filósofos burgueses fazem uma
distinção entre o homem ativo e o homem reflexivo. O homem pensante não faz essa
distinção.”liii
Por que a importância da ação aliada à reflexão? Porque, responde Freire, “a reflexão crítica
sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria-prática sem a qual a teoria pode ir
virando blablablá e a prática, ativismo”.liv
O que Paulo Freire acaba de mencionar é facilmente observável, pois em todos os campos da
atuação humana pululam “mestres” da eloquência que falam, e falam, e não produzem nada; e
pessoas que se lançam a atividades irrefletidamente, e quando refletem, é tarde demais.
Professar a neutralidade é confessar-se pró status quo
Que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais
querem. (Bertold Brecht)
Um dos engodos que se disseminam em nossa sociedade é o da “neutralidade”: o jornal que se
diz “isento”, o político que se diz “acima dos partidos”, o cidadão que se diz “apolítico”, o
educador que se diz “neutro”. Paulo Freire abre seu livro Pedagogia da Esperança
relembrando encontro na Unesco, em Paris, no início da década de 1990. Conta que alguns
participantes latino-americanos diziam que ele não era educador, alegando sua “politização
exagerada”, ao que ele rebate no prólogo daquele livro: “Não percebiam, porém, que, ao
negarem a mim a condição de educador, por ser demasiado político, eram tão políticos quanto
eu. Certamente, contudo, numa posição contrária à minha. Neutros é que nem eram nem
poderiam ser.”lv
Ou seja, “não ter partido”, como disse Brecht referindo-se ao campo das artes, “significa
apenas pertencer ao partido dominante”.lvi
Ao intelectual, assevera Walter Benjamin, impõe-se “uma exigência, que é a reflexão: refletir
sobre sua posição no processo produtivo”, reflexão que, segundo ele, levará os escritores
importantes a solidarizar-se com o proletariado. Em conferência pronunciada em abril de
1934, disserta sobre respostas que vários escritores deram à pergunta “para quem você
escreve?”, feita pelo jornal francês Commune. Benjamin cita o exemplo do escritor René
Maublanc que, dizendo-se de origem burguesa, escreve para a burguesia, mas tem simpatia
pela revolução proletária e afirma que o proletariado precisa de aliados nesse campo, assim
como a burguesia, para fazer sua revolução, precisou de aliados no campo feudal. Ou seja, o
burguês René, refletindo sobre seu papel na sociedade, “trai” sua classe incutindo na cabeça
dos burgueses a noção de que “a revolução proletária é necessária e desejável”. lvii E poderia
um artista declarar-se neutro? Em Brecht: uma introdução ao teatro dialético, o ator e
teatrólogo Fernando Peixoto lembra:
Brecht sempre defendeu a irrecusável verdade de que o artista, para ser coerente e
responsável, socialmente útil e efetivamente eficaz, precisa assumir integralmente
seu posicionamento ideológico, usando-o como uma arma a serviço da verdade
popular e democrática e das lutas pela transformação revolucionária da sociedade,
através de seu trabalho prático.lviii
Obviamente que as elites dominantes tratam de destituir principalmente a educação de toda
prática que conduza à conscientização política, risco para o qual alerta Paulo Freire:
Creio que nunca precisou o professor progressista estar tão advertido quanto hoje em
face da esperteza com que a ideologia dominante insinua a neutralidade da
educação. Desse ponto de vista, que é reacionário, o espaço pedagógico, neutro por
excelência, é aquele em que se treina os alunos para práticas apolíticas, como se a
maneira humana de estar no mundo fosse ou pudesse ser uma maneira neutra.lix
Freire sustenta que pobreza política resulta em pobreza econômica, e conclui: “O analfabeto
político não consegue entender as causas de sua pobreza econômica.” lx Notemos que o
educador usa o mesmo termo de célebre poema de Brecht, no qual lemos que o pior
analfabeto é o analfabeto político, aquela pessoa que se vangloria de sua neutralidade, de sua
ojeriza à política, e na sua ignorância não percebe que dessa sua posição nasce a prostituta, a
criança abandonada, e o pior de tudo, o político bandido, explorador do povo.
Estranhamento: olhar a vida com outros olhos e ver que pode ser diferente
Desconfiai do mais trivial,/ Na aparência singelo./ E examinai, sobretudo, o que parece
habitual. (Bertold Brecht)
Em A Exceção e a Regra, Brecht diz: “Estranhem o que não for estranho/ Tomem por
inexplicável o habitual/ Sintam-se perplexos ante o cotidiano./ Tratem de achar um remédio
para o abuso./ Mas não se esqueçam/ De que o abuso é sempre a regra.” lxi
O encenador alemão vai encontrar na forma épica o meio capaz de conscientizar o espectador
de seu papel social. Para tanto, usará a técnica do distanciamento, levando a uma atitude
reflexiva e crítica. Explicava: “Estranhamento de um incidente ou personagem simplesmente
significa tirar desse incidente ou personagem o que é manifesto, conhecido ou óbvio,
despertando em torno deles espanto ou curiosidade.”lxii
Esse olhar distanciado era o que Freire procurava aplicar em suas práticas, como no processo
de alfabetização, “uma tentativa corajosa de desmitologização da realidade, um esforço
através do qual, num permanente tomar distância da realidade em que se encontram mais ou
menos imersos, os alfabetizandos dela emergem para nela se inserir criticamente”. lxiii
Em carta a Benjamin, Brecht diz que releu seu ensaio sobre o ativista marxista alemão Eduard
Fuchs (1870-1940), e na releitura gostou mais ainda, destacando a nova virtude que descobriu
na escritura de Benjamin. Wizisla explica:
Esa virtud se basa en que el autor guarda distancia con respecto al tema, lo que
permite manejar su material con serenidad [...] El reconocimiento quiere decir por lo
tanto que el esfuerzo no se nota en el resultado, pero también recuerda a ciertas
actitudes del teatro-épico: el autor Benjamin se ha comportado como el actor ideal
del escenario brechtiano, porque no se ha compenetrado con su objeto sino que ha
mantenido distancia y exhibe lo mostrado sin presiones. lxiv
De tanto ver os acontecimentos dia a dia repetidos, não percebemos que as coisas poderiam
ser diferentes. Quando conseguimos nos distanciar do habitual, passamos a ver com outros
olhos a realidade. E, redescobrindo-a, nos dando conta de que a podemos transformar.
Dialética: uma viagem de quase 3 mil anos
Longa vida aos dialéticos! (Bertold Brecht)
O conceito de dialética remonta a sete séculos antes de Cristo. Remonta a Lao-Tsé, filósofo
chinês, que disse: “Todas as ações provocam reações”, expondo um princípio da dialética, que
é a contradição, a luta entre contrários.
O alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) toma a contradição do processo
dialético como motor do pensamento, portanto motor da história. O pensamento se
desenvolve superando contradições, partindo da tese (afirmação) para a antítese (negação), e
chega à síntese (conciliação). Esta, por sua vez, transformada em nova tese.lxv
Vamos ver como Brecht, Freire e Benjamin se referem à dialética em seus escritos. Freire, por
exemplo, praticamente decalca o método hegeliano em sua visão de mundo: “Existir,
humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se
volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar.” lxvi E mais:
“O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas,
sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia, e,
assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual mas no nível da ação.”lxvii E é mais
explícito ainda ao emitir sua concepção de educação: “O ato de conhecer envolve um
movimento dialético que vai da ação à reflexão sobre ela e desta a uma nova ação.”lxviii
Sobre Brecht, Peixoto faz esta análise: “Ele instaurou a encenação e a dramaturgia como
instrumentos dialéticos a serviço da construção de uma sociedade justa e livre.” lxix
A este papel, o próprio dramaturgo não se furta, até o endossa: “O melhor é que nos
mencionem e usem como escritores burgueses dialéticos. Desta maneira seremos classificados
junto com os políticos burgueses que fizeram da causa do proletariado a sua própria causa.” lxx
E com seu olhar de poeta, Brecht identifica quem são “os mais ousados dialéticos”. São os
refugiados (e ele foi um, e Freire, e Marx, e Benjamin), pois os refugiados resultam de
mudanças e vivem em estado de mudança: “São capazes de deduzir os maiores eventos das
menores sugestões [...] e têm os mais aguçados olhos para contradições.” lxxi
Benjamin evidencia seu modo dialético de enxergar o mundo, ao anotar que o mesmo
fenômeno que cria tensões entre as massas, traz dentro de si o antídoto contra essas tensões:
Se levarmos em conta as perigosas tensões que a tecnização, com todas as suas
consequências, engendrou nas massas – tensões que em estágios críticos assumem
um caráter psicótico –, perceberemos que essa mesma tecnização abriu a
possibilidade de uma imunização contra tais psicoses de massa através de certos
filmes, capazes de impedir, pelo desenvolvimento artificial de fantasias
sadomasoquistas, seu amadurecimento natural e perigoso. lxxii
À mudança, em Pedagogia da Indignação, Freire se refere assim: “A mudança do mundo
implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua
superação – no fundo, o nosso sonho.”lxxiii
EPÍLOGO - Rumo à utopia
O futuro é dos povos, não dos impérios! (Paulo Freire)
“O amor é compromisso com os homens”, dizia Freire. Onde quer que os oprimidos estejam,
“o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação”.lxxiv
E é a essa causa que nós, nascidos pequeno-burgueses – com as oportunidades e privilégios
facilitados por essa classe –, mas esclarecidos e com espírito humanista, devemos direcionar
nossas ações. No mínimo, por uma questão de responsabilidade social, de ética humana
universal que não nos permite compactuar com a imoralidade de um sistema onde 1% dos
seres humanos possui metade de toda a riqueza do planeta.
E é por essa mesma causa que os oprimidos devem lutar, eles junto conosco, e junto com eles
nós – nós que também sofremos nossa dose de opressão. Unidos rumo à utopia.
A nossa utopia, a nossa sã insanidade é a criação de um mundo
em que o poder se assente de tal maneira na ética que, sem ela,
se esfacele e não sobreviva. Ninguém pode afirmar
categoricamente que um mundo assim, feito de utopias, jamais
será construído. Este é, afinal, o sonho substantivamente
democrático a que aspiramos, se coerentemente progressistas.
(Paulo Freire)
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lxxiii
FREIRE, 2000, p. 81
lxxiv
FREIRE, 2004, p. 80
A REPETIÇÃO E A REPRODUÇÃO COMO PROCESSOS DE ENSINOAPRENDIZAGEM NA DANÇA
LEITE, Luana1
RESUMO
A partir deste artigo buscarei discutir a influencia e o resultado da repetição e da
reprodução de coreografias no processo de ensino-aprendizagem do corpo do
ator/bailarino no teatro/dança. Utilizarei da relação entre o processo prático da
disciplina de Montagem Teatral – que resultou no espetáculo Assemblage – e o material
teórico da disciplina de Técnicas de Dança II, ambas as disciplinas são obrigatórias no
currículo de Licenciatura e Bacharelado em Teatro na UDESC e foram cursadas no ano
de 2013. Também serão utilizados, como material de pesquisa, relatos de alguns
participantes do processo de montagem teatral, que em grande parte se deu em cima da
repetição e reprodução, e de pessoas que assistiram ao espetáculo. Através desses
relatos foi possível observar coreografias já consagradas sendo (re)criadas em novos
corpos, que reproduziam mimeticamente seus passos, mas davam nova vida a dança
antiga. Logo, sobram alguns questionamentos que direcionam o artigo, como por
exemplo: O processo de ensino foi eficaz para alcançar os objetivos da disciplina e do
espetáculo como um todo? De que forma a repetição modifica, ou acumula material
criativo no corpo/mente de um interprete?
PALAVRAS-CHAVE: Dança; repetição; reprodução;
1. INTRODUÇÃO
No início do primeiro semestre de 2013 nos foi apresentada a proposta de
Assemblage – também nome do espetáculo - como linguagem estética que estruturaria o
processo de Montagem Teatral do seguinte ano. Segundo a diretora/professora da
disciplina, a Profª Drª Jussara Xavier “Um dos procedimentos da Assemblage é a
apropriação, quer dizer, a incorporação de objetos extra-artísticos e/ou de outras obras
artísticas numa nova criação”. E assim foi se desenvolvendo o processo, a partir da
leitura e reprodução de princípios/qualidades corporais encontradas em coreografias já
existentes e consagradas em âmbito internacional.
Ao analisar todo o processo de montagem, e a partir das críticas e comentários
feitos por quem assistiu as apresentações, percebe-se a grande transformação corporal
dos atores/bailarinos.
1
Acadêmica da 6ª fase do curso de licenciatura e bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de
Santa Ca tarina – UDESC.
Pergunto: como se deu essa transformação? O processo de ensino foi eficaz para
alcançar os objetivos da disciplina e do espetáculo como um todo? A Reprodução e
Repetição tiveram participação efetiva nessa transformação? De que forma a repetição
modifica, ou acumula material criativo no corpo/mente de um interprete? É a partir da
tentativa de responder essas perguntas que se desenvolverá este artigo.
2. DESENVOLVIMENTO
Um dos participantes, Dimitri Camorlinga, escreve sobre o início do processo:
“Dessa forma começamos um processo bastante exaustivo, que consistia,
além dos aquecimentos, alongamentos, dinâmicas de concentração e
percepção do grupo, em observar os vídeos de diversos coreógrafos e grupos
de dança com o objetivo de realizar os movimentos entre nós”.
Dentro desse processo fomos pouco a pouco decorando as coreografias e
reproduzindo os movimentos buscando mimetizá-los aos dos originais, no entanto,
como eles – os movimentos reproduzidos - modificavam/modificam nossos corpos? E
de que maneira nos apropriamos deles? De que forma o corpo se apropria, se afeta, se
modifica a partir de algo externo? E primeiramente, o que é o corpo? Para Gonçalves,
que se fundamenta em Deleuze, o corpo
“[...] é definido em função dos afetos de que ele é capaz, o que não se pode
saber a priori, apenas numa longa experimentação, com uma demorada
prudência. Num encontro, num agenciamento, códigos são embaralhados e,
assim, desses afetos são possibilitadas novas ordenações” (GONÇALVES, T.
P.9 2011).
Conforme nos afetávamos pelas coreografias, produzíamos - a partir da leitura
de princípios e qualidades - movimentos e partituras que a meu ver eram o resultado da
soma: mimetismo+repetição+reprodução das coreografias. Na proposta inicial feita
pela Profª. Drª. Jussara Xavier constava o seguinte apontamento sobre o processo: “O
mimetismo será forma concreta de assimilação de conhecimento da dança:
corporeidades, movimentos, coreógrafos, contextos sociais e históricos. Preservação e
replicação de memórias”.
Assim, com o passar do processo, nossos corpos foram ganhando contornos,
riscos de técnica e memória baseadas na repetição e reprodução de movimentos, bem
como, nas improvisações resultantes de questionamentos dos atores/bailarinos.
Uma das maiores referências no processo de criação do espetáculo Assemblage tanto no que se diz respeito à metodologia quanto às obras – é a coreógrafa Pina Bausch
e seu Wuppertal Dança-teatro. Quanto a sua metodologia:
“seus trabalhos incorporam movimentos e elementos da vida diária
justamente para demonstrar que são tão artificiais quanto a apresentação
cênica. E esta demonstração, como será visto posteriormente, é feita através
da repetição de ambos movimentos e palavras. Espontaneidade é uma
experiência inesperada, imprevisível, que pode acontecer apenas através de
tais repetições”. (FERNANDES, C. 2007. P. 26).
Uma das primeiras cenas a ser pesquisada, reproduzida e repetida por nós, foi a
cena do “abraço” em Café Muller2 onde três bailarinos – dois homens e uma mulher 2
Criado em 1978, é uma metáfora sobre a solidão, a falta de contato profundo, o
questionamento sobre as relações, encontros e desencontros humanos, demonstrado por
repetem muitas vezes a mesma cena, homem e mulher se abraçam fortemente, então
entra o terceiro bailarino e desfaz o abraço, colocando a mulher no colo do homem, ela
cai e ambos se abraçam novamente, a cena se repete. Ao estudar essa cena, observamos
muitas vezes a original, e a reproduzimos, buscamos repetir mimeticamente, tanto no
número de vezes que a cena é refeita quanto nos movimentos realizados pelos
bailarinos.
Penso que para “ler” princípios nas coreografias e logo após reproduzi-las foi
mais que preciso refletir sobre o “pré-movimento” é ele “[...] que determina o estado de
tensão do corpo e que define a qualidade e a cor específica de cada gesto”. (PEREIRA,
R. 2002. P. 14). Contudo é também a partir da ideia de pré-movimento que se baseia a
questão de que o gesto de um bailarino nunca será o mesmo que o de outro. Ao realizar
estudos com dois dançarinos - Gene Kelly e Fred Astaire -, Pereira ressalta que “apesar
da intenção dos dançarinos de produzir os mesmos movimentos, a antecipação do
ataque do gesto, o pré-movimento, é oposto em cada um dos dois”. (PEREIRA, R.
2002. P.16).
O que nos faz refletir sobre a ideia de buscar mimeticamente a reprodução de um
movimento já realizado por alguém anteriormente e, no entanto esse movimento se
tornar outro, preenchido pelo pré-movimento presente no ato da reprodução.
Ao reproduzir as coreografias passamos constantemente por essas sensações, um
dos participantes, Fábio Yokomizo fala sobre como foi participar do processo:
“Para mim, toda essa sistemática escolhida não foi nenhum problema. Como
já vinha exercendo a função de bailarino num grupo de hip-hop, não vi
qualquer dificuldade em reproduzir passos de uma coreografia, já estava
acostumado a lidar com esse jeito de compor”.
Nossa rotina de ensaios se concentrava em buscar ao máximo repetir
mimeticamente o movimento original e a partir do momento em que nos permitimos a
reprodução com ‘qualidade’ e ‘cor’ de cada um, sentíamos no corpo e no processo, um
aprendizado.
Nos últimos ensaios antes da estreia, voltamos a observar os vídeos originais e
percebemos que, o que nós dançávamos já era muito diferente do original. Já estava
preenchido, afetado, por nossos corpos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao “olhar para trás” me deparo com uma enorme mudança em meu corpo, sinto
que cada parte de cada coreografia desenha o que hoje ele é quando dança. Preenchido
de formas, gestos, contornos e técnicas. Permeado por questionamentos que movem,
deslocam este corpo.
Acentuo a importância da repetição, da busca pelo idêntico, e do fracasso do
mesmo. Foi só a partir do erro, e da repetição seguinte que meu corpo adquiriu tais
qualidades.
Este corpo, meu e dos que dançam em Assemblage é cheio de agenciamentos,
afetações, mudanças, memórias.
seis bailarinos, entre eles, a própria Bausch. Um lamento de amor, estruturalmente uma
composição simples, mas que toca a alma e impressiona com a pureza e a sinceridade de
expressão.
A partir desse lugar de disponibilidade que nossos corpos alcançaram através do
aparentemente duro processo de repetição, notou-se segundo o participante Dimitri
Camorlinga:
“[...] as propostas pareciam compor de fato com o que já era próprio do
grupo, que agora se sentia mais dono do processo. Algumas coreografias
totalmente novas foram criadas, outras possibilidades de variação nos
movimentos que já tínhamos foram desenvolvidas, e nesse momento me
pareceu que o processo ganhou finalmente uma fluidez.”
Nós, em Assemblage, dançamos o processo, dançamos a memória, o
esquecimento, e a (re)criação. E por fim, acredito que quando o público assiste ao
espetáculo Assemblage, lhe é oferecido a seguinte ideia:
“A memória, em um constante embate com o esquecimento, revela àqueles
que a evocam os “segredos do passado”, descortinados, porém, no momento
presente. A operação memorável não expõe o que ficou para trás, de maneira
imutável, reproduzindo, simplesmente, experiências passadas. Ela aponta o
que, e como, pode ser lembrado. Um passado (re)construído a partir de
demandas, recursos e processos seletivos efetuados no presente. Trabalhos da
memória que, com suas reminiscências, traços, rastros e vestígios,
(re)elaboram constantemente significados e sentidos”. (CERBINO, B. 2013.
P. 81).
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CERBINO, Beatriz. Sobre ver, e ouvir, O silencio da casa. E por falar em... CORPO
PERFORMÁTICO fazeres e dizeres na dança. Joinville: Nova Letra, 2013.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
E AÍ, GIROU?
Uma experiência em Pedagogia do Teatro inspirada pelo brinquedo popular do pião
Luís Augusto da Veiga Pessoa Reis
(Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística; Universidade Federal de Pernambuco)
Pré-texto
Após uma sessão de relaxamento, na qual os alunos permanecem deitados, com os olhos
fechados, por volta de 15 minutos, o professor pede a eles que agucem o sentido da audição,
buscando perceber todos os sons, mesmo os mais sutis, naquela ampla sala de ensaios. Passados
alguns segundos, o professor, posicionado entre os alunos, aciona uma gravação, feita em seu
próprio telefone celular, do som de um pião girando sobre uma calçada de cimento. A gravação
dura menos que um minuto.
Em seguida, já sentados e de olhos abertos, os alunos descrevem, em duplas, todos os sons
percebidos. Naturalmente, a gravação ganha espaço especial nos relatos. Especulam-se prováveis
origens para aquele barulhinho, considerado agradável por muitos dos estudantes. “Água girando
numa pia, descendo pelo ralo”; “algum instrumento de percussão, tipo rói-rói”; “uma moeda
rodando sobre uma superfície de madeira lisa”; “um pires de metal girando no chão”, “um sugador
de dentista”, entre outras suposições. Ninguém fala do pião, brinquedo particularmente tradicional
no Nordeste do país – embora um tanto esquecido, hoje, sobretudo por crianças das camadas
economicamente mais favorecidas da sociedade.
Todos agora de costas para o professor. Olhos fechados de novo, mãos para trás.
Alternadamente, uma por vez, as partes componentes do pião – o bico (metal), a ponteira (cordão de
algodão) e o corpo (madeira) – são passadas nos dedos dos alunos. Três texturas bem distintas.
Alguns alunos só tocaram o metal pontudo do bico; outros, o algodão macio da ponteira; os demais,
a madeira boleada do corpo do pião. Em grupos de três, eles compartilham as sensações táteis,
descrevem o que perceberam, e tentam adivinhar qual o objeto em questão. O professor ajuda:
“Trata-se de um brinquedo popular”. Por fim, alguém diz: “Estamos falando de um pião de
madeira”.
Estrutura e processo
Quando soube que lecionaria a disciplina Metodologia do Ensino do Teatro II, cujo conteúdo
engloba abordagens recorrentes no ensino de teatro para crianças e para pré-adolescentes – o jogo
dramático, de tradição francesa; o jogo teatral norte-americano, de Viola Spolin; e o drama, de
origem britânica –, minha primeira preocupação foi desenhar um programa que, sem deixar de
contemplar os objetivos estritos da cadeira, transcendesse o mero treinamento instrumental nesses
métodos, muitas vezes utilizados como receitas, sem a devida reflexão sobre os pressupostos que os
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engendram. Em outras palavras, pretendia passar para os meus alunos o entendimento de que o
conhecimento seguro (teórico e prático) dessas abordagens deveria servir, antes de tudo, para lhes
dar autonomia metodológica, como futuros professores de teatro, em vez de transformá-los em
repetidores pouco reflexivos de sequências de atividades pré-concebidas, não raramente aplicadas a
objetivos um tanto inconciliáveis (pragmática e conceitualmente) com os propósitos que
originalmente justificaram a criação daqueles exercícios.
Entendi também que seria positivo tentar recuperar, em mim e nos meus alunos, um pouco do
espírito do jogo infantil; um pouco daquela alegre seriedade tão evidente nas brincadeiras de
criança, com sua força capaz de suscitar, de modo bem natural, uma extraordinária qualidade de
presença, uma total entrega ao vivido, no aqui e no agora do jogo. Ou seja, um tipo de predisposição
psicofísica em grande medida semelhante a um estado favorável à atuação teatral. Importante
lembrar sempre a significativa semelhança entre estes verbos: jogar, brincar, representar – play,
jouer (RYNGAERT, 2009).
Não há qualquer novidade, sabemos, no aproveitamento de brincadeiras tradicionais nas aulas
de teatro. Pelo contrário, essa é uma estratégia pedagógica recomendada por destacados
profissionais da área, brasileiros e estrangeiros, militantes de variadas linhas metodológicas. De
fato, encontramos o emprego dos jogos populares (com seus saberes: canções, coreografias,
figurinos, adivinhações, poesias etc.), mais ou menos adaptados, em abordagens do ensino do teatro
oriundas de diversas matrizes teórico-práticas (KOUDELA; PARANAGUÁ, 2005). Portanto, ao
trazer o pião para a sala de aula eu apenas endossava um caminho já bem conhecido. O que
justificaria, então, a existência deste artigo, deste breve relato? Talvez a intensidade do uso do pião
nesse processo, presente em todas as sessões de trabalho; mas especialmente as funções diversas
que foram sendo assentadas (ou reconhecidas) no jogo do pião: instrumento de preparação
psicofísica para o trabalho do ator, mecanismo de consolidação grupal, vetor de criação e de coesão
dramatúrgica, e matéria-prima basilar na construção cênica do produto artístico apresentado ao final
da disciplina.
Professor-personagem
Por coincidência, na ocasião, meu filho, então com oito anos de idade, havia recentemente me
pedido para lhe comprar um brinquedo que “estava na moda” em sua escola: “um espinfiver”. “Um
o quê?”, perguntei, para logo descobrir que ele queria um pião. Não um pião tradicional, como há
tantos ainda sendo fabricado no Nordeste do Brasil – em todo o país, creio. Ele queria um pião de
acrílico transparente, de corte geométrico (meio prismático), com bico metálico rotativo; um pião
fabricado na China, a despeito do nome em inglês: Spin-fever, lia-se na embalagem.
Com o preço de um Spin-fever, claro, compravam-se uns 20 piões tradicionais. Adquiri ambos
os modelos para o meu filho, um pião tradicional, da melhor qualidade, e o tal pião chinês, diria
“pós-moderno”. Nos primeiros dias, o nosso pião de madeira teria permanecido totalmente
intocado, não fosse por mim que, de repente, redescobrira o prazer antigo de fazer aquele pequeno
objeto cilíndrico-ovalado girar em torno de si, em perfeito equilíbrio. Por sua vez, meu filho
esforçava-se para fazer girar o seu cintilante “espinfiver”. O franco fluxo de ensino-aprendizado
espontaneamente estabelecido entre mim e ele, por conta do pião, me estimulava a experimentar
esse mecanismo com os meus alunos, futuros professores de teatro.
Aos poucos, o pião tradicional, mostrando-se mais robusto e equilibrado, despertava o interesse
do meu garoto. Fazê-lo girar, no entanto, era mais difícil, exigia um pouco mais de técnica. Eu,
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rapidamente recuperando a velha forma como jogador de pião, já ensaiava, com sucesso mediano,
algumas manobras básicas, como apanhar o pião com a mão, durante o giro; e até já arriscava certos
movimentos mais ousados, como lançar o pião no ar (bumerangue), para apanhá-lo diretamente na
mão. Meu filho também evoluía no lançamento do seu pião de acrílico – cujo manejo, de fato, era
mais simples, especialmente no enrolar da ponteira. Contudo, assim que ele conseguiu fazer rodar o
pião tradicional de madeira, percebendo a diferença no peso e no equilíbrio, o “espinfiver” tornouse uma segunda opção. Não demorou, e o pião de madeira foi levado para a escola. Isso tudo foi
compartilhado com a minha turma de Metodologia do Ensino do Teatro II.
Memória e experiência: a sala de aula como um laboratório
“Que relação vocês têm, ou tiveram, com o pião?”, o professor pergunta aos seus alunos. Quase
todos têm algo a dizer. Poucos, porém, haviam efetivamente jogado pião na infância e na
adolescência. “Eu me sentia péssimo, na escola, porque não sabia jogar o pião”, diz um dos rapazes;
“Sempre quis jogar pião, mas isso era coisa de menino”, afirma uma das moças; “Meu irmão mais
velho nunca quis me ensinar a jogar pião”, diz outra aluna; “Eu jogava muito pião, „na vera‟,
tentando acertar, com força, o pião dos adversários”, lembra outro aluno. A conversa flui, o tema
evoca lembranças e instiga debates iniciais, notadamente sobre diferença de gênero e violência nas
brincadeiras infantis. Então o professor pergunta se alguém ali ainda sabe jogar o pião. Um dos
alunos se anima: “Sim, jogo até hoje”. Somente ele – justo ele que, geralmente meio disperso nas
aulas, não costumava ocupar um espaço de liderança naquele grupo. O professor pede a esse aluno
que demonstre aos seus colegas como ele joga o pião, mas só usando mímica, sem nada nas mãos.
O aluno se levanta e, com boa desenvoltura, executa todo o movimento: firme no seu faz-deconta, enrola a “ponteira” com a devida atenção, ressaltando a importância dessa etapa para o
sucesso da operação, segura-a bem entre os dedos, inclina todo o corpo para trás, abaixa um pouco
o seu centro de gravidade e, por fim, lança o pião imaginário, estendendo todo o braço, num gesto
rápido e bem alongado, com deve ser. Melhor parte: muito concentrado, segue o suposto pião com o
olhar, enquanto “o brinquedo” roda sobre o piso de madeira da sala. Os colegas aplaudem.
O professor pede, agora, que todos se levantem, se espalhem pela sala, e tentem reproduzir a
sequência de movimentos feita pelo colega jogador de pião. Tudo sem pião e sem ponteira, só na
mímica. Os alunos vão treinando, o professor circula, faz pequenas sugestões de ajustes nos gestos,
nas posturas, na velocidade dos lançamentos. Cinco minutos depois, treinos em duplas: um
“dirigindo” o outro. Passam-se mais uns cinco ou dez minutos, e é hora de voluntários se
apresentarem para o grupo. Um por um, vão mostrando suas imaginárias jogadas de pião - nas aulas
seguintes, esse exercício, de mímica, é retomado e aperfeiçoado, recebendo variações bem
imaginativas: lançar um “pião anti-gravidade” no teto da sala, depois nas paredes; lançar um pião de
borracha, saltitante; um pião de gelo, que derrete; um pião muito pesado, de chumbo; um
“minipião”, de dimensões reduzidíssimas; um pião gigante; um pião em brasa, queimando as mãos
etc. Aplausos. Conversa, logo em seguida: “Há um jeito certo de jogar o pião?”. O primeiro
jogador, o que deu o modelo, apressa-se com a resposta: “Não, cada um descobre o seu jeito. E as
crianças usam estilos diferentes, lembro bem”. Surpresa, ao final da aula: o professor presenteia
cada um dos alunos com um pião de madeira e uma ponteira, novinhos. “Pratiquem em casa, o pião
será a base de nosso trabalho nesta disciplina”.
Exploração temática
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Em paralelo ao treinamento físico com o pião, solicitei aos alunos que procurassem se informar
um pouco sobre a história e sobre as variantes dessa brincadeira. Principalmente por meio da
internet, fomos descobrindo muitas coisas sobre o pião. Como o teatro, o ato de fazer o pião girar
também tem raízes ancestrais. Quase sempre usado como brinquedo, mas também tido como objeto
místico em algumas civilizações, o pião parece estar presente, com sutis variações, em todas as
partes do planeta. Um dos alunos lembrou: “O teatro também é assim, manifesta-se, embora de
formas distintas, em todas as sociedades”. A partir daí, as analogias entre o jogo do pião e o
fenômeno teatral não paravam de nos assaltar, e de nos inspirar. Citemos algumas:
a) São ações que precisam de treino e de perseverança;
b) Nunca se chega a um estado de perfeição, tanto o pião quanto o teatro nos desafiam sempre
a progredir um pouco mais;
c) Em abas as situações, há sempre o risco do fracasso (o pião pode não rodar, a cena pode não
funcionar);
d) Para rodar, o pião exige presença, foco e determinação, exatamente como o teatro;
e) Rodar pião seria um pouco como andar de bicicleta, isto é, a gente nunca desaprende
totalmente – embora, sem a prática, certamente possa perder a boa forma –, coisa que
também ocorre no teatro;
f) Como na arte teatral, o lançamento do pião não se completa plenamente sem a presença de,
pelo menos, um espectador. Pode-se, obviamente, treinar sozinho, porém com o propósito
de mostrar, depois, o resultado do esforço a outras pessoas;
g) O lançador de pião oferece-se, de corpo e alma, sem subterfúgios, ao olhar de seus
espectadores. Ele “entra em cena”, estabelece uma imediata relação com quem está em seu
entorno, e mostra o que sabe fazer, do seu jeito, inimitável;
h) Para girar em perfeito equilíbrio, o pião precisa ser feito com competência (logo
descobrimos piões de baixa qualidade); um bom pião deve ser preparado com sabedoria e
cuidado. Os materiais precisam ter categoria (boa ponteira, bico firme, madeira bem
trabalhada). O teatro não é menos exigente;
i) Quando o pião gira, tudo para, tudo parece fazer sentido. Aquele movimento, embora
previsível, tem o poder de alegremente capturar os olhares, e de suspender um pouco o
tempo. Toda vez em que uma cena teatral, por mais simples, realmente funciona, algo
parecido acontece.
j) E, por fim, a percepção de que, como o teatro – aliás, como toda forma de arte –, o jogo do
pião não tem primordialmente nenhuma função específica, nenhuma utilidade a priori.
Pode-se, evidentemente, reconhecer na brincadeira do pião possíveis contribuições para o
desenvolvimento psicossocial, educacional, moral, cultural etc. Mas o brinquedo prescinde
desses entendimentos, ele existe porque agrada aos sentidos, e porque parece expandir a
nossa existência. Ninguém morre se não jogar pião; mas a vida seria uma experiência menor
sem o júbilo desinteressado dessa brincadeira, sem a contemplação eletrizante do giro de um
pião. O teatro não é muito diferente.
Tais aproximações, nem todas decerto igualmente lúcidas e sensatas, aumentavam o entusiasmo
para o nosso trabalho. A cada semana, mais alunos conseguiam rodar o pião. Espontaneamente,
flagramo-nos usando o verbo “girar” como sinônimo de sucesso na cena. “Olha, acho que isso
realmente não girou”, por exemplo, para dizer que algo não funcionou bem no palco. “Girou
totalmente”, para um exercício bem-sucedido.
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Parceria professor-aluno
Quando chegam, os estudantes já encontram o professor no hall, em frente à sala de ensaios,
jogando pião. Juntam-se imediatamente a ele, formando uma roda. Isso vira uma rotina de
aquecimento. Colegas professores e funcionários, sobretudo os de outros departamentos, acham
aquilo muito curioso. Riem, uns até param e tentam brincar um pouco, apressados em seus afazeres.
“Ah, esses professores de teatro!”.
Na roda, que geralmente dura entre 20 e 30 minutos, há invariavelmente muita interação, muita
troca. O professor faz parte do grupo, brinca junto. A diferença hierárquica entre mestre e aluno,
pelo menos nessa hora, parece ser esquecida. Fluxos imponderáveis de pedagogias fortalecem o
grupo. Uns ensinam novas manobras aos outros, compartilham truques, dão dicas. Há frustração,
naturalmente, entre os que ainda não conseguem fazer o pião girar. Muitas brincadeiras em torno de
uma aluna em particular, que não demonstra quase nenhuma evolução, após semanas de treino. De
perfil jocoso, ela própria faz piada com sua situação; mas reclama, transparecendo real angústia, já
estar sofrendo uma espécie de “bullying” por parte dos colegas.
Dentro da sala, o professor divide os alunos em dois grupos. Teriam meia hora para preparar
uma breve cena, sem falas, cuja ação envolvesse o jogo do pião. Adendo: um grupo deveria trazer
uma cena triste e ou outro traria uma cena alegre. Apresentam-se. Aplausos. Discutem-se aspectos
da eficácia teatral de cada cena (marcação, figurino, adereço, ritmo, trilha sonora etc). São feitas
sugestões de aprimoramento. Mais dez minutos de ensaios. Novas apresentações, agora com
resultado visivelmente superior. Em ambas as cenas surgem questões de disputa entre grupos (com
mais ou com menos violência), bem como problemas de gênero (coisa de menino, coisa de menina).
O professor sugere que o trabalho final da disciplina, um pequeno espetáculo a ser apresentado a
uma plateia composta por pessoas de dentro e de fora do curso, leve ao palco essas problemáticas.
O grupo concorda. Uma aluna observa que, coincidentemente, metade dos piões distribuídos pelo
professor são pintados de amarelo e a outra metade, de lilás. Dois grupos em acirrada disputa.
Dentro dos grupos, meninos e meninas também travam uma batalha por espaço, esta mais sutil.
Seriam esses, portanto, os eixos da dramaturgia.
Ambientação cênica e teatralidade
Preocupado com certa (paradoxal) escassez de teatro no nosso ensino de teatro, tomo como
diretriz, em todas as cadeiras de Metodologia de Ensino, a ênfase nos conteúdos teatrais
propriamente ditos, deixando em segundo plano, sem desconsiderá-los, os possíveis benefícios,
psicológicos, educacionais ou civilizatórios, que podem advir do teatro na educação. Procuro passar
aos licenciandos a visão mais generosa possível de nossa arte, com potencial pedagógico em todos
os seus campos de saber: no texto, na recepção, nos elementos visuais e sonoros da cena, na
produção, na pesquisa etc. – e não somente no trabalho do ator. Reforço sempre a necessidade de
inserir os alunos, desde muito cedo, numa ampla cultura teatral. Conceitos como dramaturgia,
encenação ou crítica, por exemplo, podem ser trabalhados, com a devida adequação, até mesmo na
Educação Infantil.
Digo-lhes, adaptando a proposta pedagógica do pesquisador britânico David Hornbrook
(HORNBROOK, 1991), que nossos currículos precisam se abrir para três caminhos simultâneos:
criação, execução e recepção (making, performing e responding). Entre outros estudiosos da
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Pedagogia do Teatro, Cecily O‟Neill, no exterior, e Beatriz Cabral , no Brasil, também defendem,
embora de modo menos bombástico que Hornbrook, uma renovada atenção aos aspectos artísticos,
especificamente teatrais, ao valorizarem a construção de todo um processo dramático, em vez de
limitar a experiência do ensino de teatro a exercícios isolados, fragmentados, confinados à sala de
aula (TAYLOR; WARNER, 2013).
A famosa Abordagem Triangular (ler, fazer e contextualizar), de Ana Mae Barbosa, concebida
originalmente no âmbito das artes visuais, também põe em primeiro plano, no ensino da arte, os
conteúdos estritamente artísticos (BARBOSA; CUNHA, 2010). Todavia, comparada à proposta de
Hornbrook, ela parece dar menos ênfase às práticas criativas propriamente ditas. Em Ana Mae,
temos dois eixos mais ligados à recepção do fenômeno artístico (ler e contextualizar), enquanto
Hornbrook defende dois eixos mais diretamente ligados à produção poética (criação, execução).
Evitando, obviamente, cair em reducionismos tecnicistas, é preciso ouvir com um pouco mais de
atenção os reclames dos que advogam, há décadas, a importância de tratar o teatro realmente como
uma disciplina autônoma – Discipline-Based Theatre Education, DBTE (LAZARUS, 2013) –, ao
risco de perdermos a especificidade de nossa área de trabalho.
Devemos aproximar a sala de aula da cena artística, atentos às possibilidades de estabelecer
inter-relações entre o que se produz no teatro e o que se ensina nas escolas – sobretudo quando
notamos, na contemporaneidade, um movimento teatral cada vez mais assumidamente processual,
no qual grupos de teatro levam aos palcos seus procedimentos de pesquisa e suas opções de
formação artística (FISCHER, 2010). Ou seja, não somente no âmbito da educação, o teatro se
assume, a um só tempo, como processo e como produto. Por tudo isso, nossa experiência com o
pião precisava desaguar em um espetáculo, ainda que singelo, mas com todos os seus usuais
elementos constitutivos: dramaturgia, encenação, atuação, cenografia, figurinos, iluminação, trilha
sonora etc. E, mais importante, um trabalho a ser visto por uma plateia externa e heterogênea.
Afinal, o fenômeno teatral nunca se institui plenamente em apresentações feitas somente para
colegas de classe. Tem-se, nesses casos, apenas uma espécie de treino, de exercício preparatório,
para o teatro; mas não o teatro.
Convenções dramáticas e a criação dos episódios
O professor pede aos alunos, logos após o aquecimento na roda de pião, que listem, num papel,
todas as funções que já desempenharam dentro do universo do teatro. No quadro branco, ele copia
as respostas, formando uma grande lista: ator, diretor, dramaturgo, dramaturgista, bilheteiro,
contrarregra, produtor, cenógrafo, maquinista, operador de luz, operador e de som, diretor de arte,
sonoplasta, maquiador, coreógrafo, professor, crítico, pesquisador, diretor de elenco, preparador
vocal, espectador etc. Todas essas ocupações, e outras mais, são sucintamente analisadas e
discutidas. Em seguida, o professor pede que cada aluno escreva num papel as funções que gostaria
de exercer, com maior empenho, na feitura do trabalho final da disciplina, o espetáculo que está
sendo gestado. Com os resultados em mãos, o professor intermedeia negociações, até que núcleos
de responsabilidades são finalmente definidos. Haverá coordenadores nos seguintes campos:
dramaturgia, encenação, direção de arte, sonoplastia, produção, preparação de elenco e mediação.
Todos os alunos podem contribuir com todos os núcleos, mas a palavra final fica com o
coordenador de cada área, após debate com o professor da disciplina, que atua como um diretor
geral do processo criativo – um “sutil e gentil ditador”, como disse um dos alunos no memorial
escrito ao término da disciplina.
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Tomando como ponto de partida as melhores cenas improvisadas durante as primeiras semanas
de trabalho, o professor sugere, então, uma espécie de roteiro, no qual, em seis quadros / episódios,
se cumpre mais ou menos um arco dramático. É lançado apenas um hipotético título para cada
episódio, algo bem genérico, como: “apresentação dos dois grupos”, “as diferenças se revelam”, “as
diferenças se intensificam”, “a crise irrompe”, “aparente reconciliação”, “nova crise das
diferenças”. Semana a semana, com a interferência de todos os núcleos criativos, cada cena vai
sendo trabalhada. Colaborando atentamente na “costura” (rapsódica) dos materiais que vão
surgindo, o professor persegue, nem sempre com o desejado sucesso, o difícil equilíbrio entre
delegar e decidir. Na encenação, o pião torna-se o elemento central. O espetáculo ganha um charme
particular: cada cena toma este ou aquele rumo a depender, de fato, do girar dos piões (sempre um
bocado imprevisível). Explicando melhor, se um pião do grupo amarelo gira por mais tempo do que
o pião do grupo lilás, a cena toma um determinado rumo; se o contrário acontece, e o pião lilás gira
por mais tempo, a cena segue em outra direção.
E assim os trabalhos caminham. Paralelamente, os conteúdos programáticos da disciplina são
apresentados por meio de explanações do professor, sendo complementados por leituras dirigidas e
por minioficinas preparadas e conduzidas pelos próprios alunos. Tudo isso diretamente aplicado ao
processo criativo em andamento.
Com o espetáculo quase pronto, o professor promove uma sessão de brainstorming, a fim de
obter um título para a pequena peça recém-criada. Após muitas sugestões, todo o grupo se agrada
por algo bem simples e direto, capaz de sintetizar poeticamente todo o percurso: E aí, girou?
Avaliação
Girou sim. O resultado encheu de satisfação a todos os envolvidos. E a plateia gostou do que
viu. Um dos espectadores, meu filho de oito anos de idade, parecia especialmente entusiasmado
com a peça.
Uma verdadeira experiência teatral foi intensamente vivenciada, com seus inerentes
desdobramentos pedagógicos vibrando nos diversos aspectos do fazer teatral. Obtivemos uma
atuação leve, muito espontânea, sem qualquer traço da famigerada reprodução mecânica que tanto
assombra as produções teatrais escolares. Tampouco caímos na armadilha de pôr em cena
caricaturas de crianças. Nossos atores não fingiam ser crianças, embora o lado infantil deles
entrasse com muita verdade em cena. Mesmo sem orçamento para investir em cenários e figurinos,
o grupo conseguiu bons resultados na direção de arte, usando recursos simples, dando novas leituras
a objetos e a roupas que eles próprios possuíam. O espaço teatral, em arena, com o público bem
próximo à cena, revelou-se em total sintonia com a proposta. Em pouco menos de meia hora, sem
usar falas, a peça conseguia contar um história de forma bem clara, sintetizada a seguir.
O grupo dos piões amarelos e o grupo dos piões lilás disputam o tempo todo. Eles entram numa
espécie de competição, como se fosse parte de um programa televisivo, de auditório, em que um
homem enigmático, vestido de preto, atua como apresentador e como juiz das disputas. Logo,
ambos os grupos, o amarelo e o lilás, percebem que o verdadeiro inimigo é o homem de preto,
impondo autoritariamente suas regras, alimentando seu poder à medida que fomenta a competição.
Ocorre então uma revolta e o homem de preto é expulso da cena. A situação de disputa entre
amarelos e lilases não arrefece totalmente, mas parece caminhar para alguma possibilidade de
conciliação, à medida que certa atmosfera de harmonia vai se construindo no palco. Nessa hora, o
caráter épico e anti-ilusionista do espetáculo torna-se mais saliente, quando atores-personagens
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convidam espectadores para uma descontraída roda de pião. Eis que surge, liderado pelo homem de
preto, um novo grupo no pedaço: todos de preto, com piões de acrílico, tipo Spin fever, nas mãos.
Entram em cena de modo avassalador, ao som do Harlem shake (música eletrônica, sucesso viral
então na internet). Amarelos e lilases ficam paralisados, sentindo-se subalternos. Eis que, num
rompante de violência, todos erguem os seus piões de madeira, como se os fossem arremessar nos
componentes do grupo preto. Blackout, gritos. Fim.
Vivemos, assim, algo parecido com o que os ingleses gostam de chamar de process drama, mas
com reforçada atenção aos aspectos teatrais da realização – afinal, tínhamos nos colocados o
compromisso de uma apresentação pública, com convidados de fora do âmbito
escolar/universitário. No percurso, diversas estratégias criativas foram empregadas, atendendo as
necessidades que iam surgindo. Trabalhamos amplamente com jogos dramáticos, com jogos
teatrais, à medida que construíamos, à nossa maneira, um drama (aqui, antes de tudo, como método
de ensino do próprio teatro).
Nosso espetáculo, como toda peça teatral, abordava conteúdos que podem ser debatidos e
explorados pedagogicamente, ou politicamente. A história contada trazia questões que dizem
respeito às crianças e aos pré-adolescentes, mas não somente a eles: fomento exacerbado à
competição, diferença de gêneros, bullying, exploração mediática etc. Isso tudo abordado em um
tom meio absurdista, com certo distanciamento, mas sem simplificações. O mal e o bem estavam
em todos os personagens. Até o homem de preto tinha o seu lado humano bem esboçado, fugindo
ao estereótipo do vilão monolítico, unidimensional. Além disso, nossa peça tinha um final
contundente, com violência implícita – algo um tanto incomum no teatro feito com ou para crianças
e pré-adolescentes.
Tivemos, assim, uma rica experiência pedagógica, norteada não por preocupações pedagógicas,
mas por uma legítima investigação no campo da criação poética na linguagem do teatro. Um
experimento artístico em plena sintonia com as possibilidades exploradas pela cena teatral
contemporânea. Um belo aprendizado, sem dúvida, para todos os envolvidos. Como principal
legado, talvez, a surpreendente descoberta do pião como um caminho de enormes possibilidades
para processos pedagógico-criativos no teatro – não somente com crianças e adolescentes, mas até
mesmo com atores profissionais.
Sim, e por falar em aprendizado, lembram-se da aluna que não conseguia fazer o pião girar?
Pois bem, quando ninguém mais acreditava nela, exatamente no ensaio geral, ocorrido uma hora
antes da apresentação da peça, eis que ela surpreende a todos, e principalmente a ela própria, e roda
o pião. Catarse geral, de alegria. Tudo girou.
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Referências bibliográficas:
BARBOSA, Ana Mae; CUNHA, Fernanda Pereira da (org.). A abordagem triangular no ensino das artes visuais.
São Paulo: Cortez, 2010.
CABRAL, Beatriz, A. V. Drama como método de ensino. São Paulo: Hucitec, 2006.
FISCHER, Stela. Processo colaborativo e experiências de companhias teatrais brasileiras. São Paulo: Hucitec, 2010
HORNBROOK, David. Education in drama. London: The Falmer Press, 1991.
KOUDELA, Ingrid; PARANAGUÁ, Arão. Abordagens metodológicas do teatro na educação. In Ciências Humanas
em Revista, São Luiz, V. 3, n. 2, dezembro 2005.
LAZARUS, Joan. Signs of change – new directions in theatre education. Chicago – US / Bristol – UK: Intellect,
2012.
NEELANDS Jonothan; GOODE, Tony. Structuring drama: a habdbook of available forms in theatre and drama.
Cambridge – UK: Cambridge University Press, 2013 [1990].
RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar – práticas dramáticas e formação. São Paulo: COSACNAIFY, 2009.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1978.
TAYLOR, Philip; WARNER D Christine (org.) Structure and spontaneity: the process drama of Cecily O’Neill.
London: Trentham Book/IOE Press, 2006.
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ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
O VÍNCULO DO TEATRO COM A COMUNIDADE
Marcia Pompeo Nogueira; UDESC
Resumo
O teatro na comunidade se define a partir das relações que estabelece com a comunidade,
tanto em termos do conteúdo que aborda quanto em termos formais. Este vínculo tem,
portanto, um significado estrutural para este tipo de teatro. Há a necessidade de estabelecer
canais de comunicação, para isto é importante o comprometimento do artista, já que a
qualidade da interação interfere na qualidade do trabalho. Neste sentido, é importante fugir da
hierarquia do teatro profissional para buscar uma colaboração baseada numa relação de
reciprocidade. Este artigo reflete sobre as implicações deste vínculo em termos políticos,
sociais e educacionais e sobre a finalidade deste tipo de teatro.
Introdução
O teatro comunitário pode ser definido pelo vínculo que a prática teatral estabelece com uma
determinada comunidade, em termos de sua forma e de seu conteúdo. Na definição de Baz
Kershaw (1992, p. 5).
Sempre que o ponto de partida [de uma prática teatral] for a natureza de seu
público e sua comunidade. Que a estética de suas performances for talhada
pela cultura da comunidade e de sua audiência. Neste sentido estas práticas
podem ser categorizadas enquanto Teatro na Comunidade.
Este vínculo tem, portanto, um significado estrutural para este tipo de teatro. Há a
necessidade de estabelecer canais de comunicação. “Artistas baseados na comunidade
valorizam o engajamento profundo com participantes, independente de quem irá para o
palco.” (Cohen Cruz, Urdimento, 108)
Desta forma, a comunidade é um ingrediente do processo criativo, contribuindo também para
a qualidade estética do trabalho. Por outro lado, há uma necessidade de refletir sobre o papel
deste artista ou facilitador e a especificidade de seu papel.
Existe uma grande diversidade de práticas teatrais que dialogam com comunidades,
dependendo do que se espera da comunidade e de como se dá a relação entre artista e
comunidade e como esta interfere no processo criativo. Quer dizer, dependendo do que se
busca na interação com a comunidade, os resultados do teatro podem ser mais
transformadores ou conservadores.
Seguindo, por exemplo, a perspectiva de uma comunidade idílica, que afirma a sua identidade
na busca de segurança para seus membros, pode-se encontrar o contrário do que se busca,
conforme nos alerta Bauman (2001, p. 9 – 10) quando se refere à busca por uma comunidade
ideal:
A diferença que existe entre a comunidade de meus sonhos e a
“comunidade realmente existente”: uma comunidade que pretende ser a
comunidade encarnada, o sonho realizado, e (em nome de todo o bem que
se supõe que essa comunidade oferece) exige lealdade incondicional e trata
tudo que fica aquém de tal lealdade como um ato de imperdoável traição. A
“comunidade realmente existente”, se nos achássemos a seu alcance,
exigiria rigorosa obediência em troca dos serviços que presta. Você quer
segurança? Abra mão de sua liberdade, ou pelo menos boa parte dela. Você
quer poder confiar? Não confie em ninguém fora da comunidade. Você
quer entendimento mútuo? Não fale com estranhos [...].
Quer dizer, em nome de uma comunidade que possa nos dar segurança, acabamos por criar
um espaço excludente, opressivo, em que a diversidade precisa ser combatida. Essa
comunidade limita a liberdade de seus membros, gerando um paroquialismo preconceituoso.
Anthony Cohen (1985) vê a aparente unicidade de uma comunidade como uma simplificação
que esconde suas diversidades, hierarquias, presentes em todas as comunidades, sejam elas
baseadas em diferenças de idade, posição social, tradição ou gênero. O que daria a aparência
de unicidade seria, segundo este autor, a aceitação de símbolos comuns sobre o significado da
comunidade. A aceitação dos mesmos símbolos identifica uma comunidade, mesmo quando
cada indivíduo os interpreta a sua maneira. Comunidade implicaria, portanto, em
semelhanças e diferenças e em identidades compartilhadas.
A principal função da comunidade seria construir identidades, trabalhar estas diferenças de
forma mais democrática e contribuir para a articulação de vozes que possam atuar na
transformação da sociedade como um todo, parte do processo de construção de um mundo
melhor. Ou como diz Raymond Willians (1965) a comunidade teria a função de mediar os
indivíduos e a sociedade mais ampla
Nesta perspectiva de Anthony Cohen (1985, p 15) afirma-se um outro sentido de
comunidade, que incorpora a diversidade e indica seu potencial de articulação, através do
engajamento comprometido com mudanças:
Comunidade (…) é a entidade à qual as pessoas pertencem, maior que as
relações de parentesco, mas mais imediata do que a abstração a que chamamos
de "sociedade". É a arena onde as pessoas adquirem suas experiências mais
fundamentais e substanciais da vida social, fora dos limites do lar.
Este espaço de articulação e engajamento pode ser favorecido pela prática teatral,
dependendo da relação que se estabelece no interior do grupo.
O Diálogo do Teatro com a comunidade
O primeiro elemento que qualifica esta relação entre teatro e a comunidade é o tipo de
interação do artista com a comunidade. Existe uma variedade de possibilidades destas
interações, em termos políticos, sociais e educacionais.
Jan Cohen Cruz (2008) levanta suspeitas da atitude de artistas com certo privilégio (de raça,
classe, educação ou circunstâncias) que fazem arte com pessoas com quase nenhum poder,
identificando casos de atitudes que se assemelham ao colonialismo (p. 111). Estas relações
de poder em geral beneficiam mais o artista que a comunidade, quer dizer, uma interação
pode parecer democrática, mas estar direcionada para vantagens do artista e não da
comunidade.
Numa mesma direção, encaixo o artista que chega numa comunidade e ensaia algo que
imaginou de forma distante e desligada da comunidade. Ao dar forma a uma obra de arte,
enquanto gênio criador, que faz uso dos membros da comunidade como matéria prima de sua
criação, o diálogo com a comunidade fica bastante limitado.
Uma relação de poder semelhante acontece quando se tenta “fazer o bem”, através de
projetos sociais, nos quais os proponentes se colocam como salvadores dos pobres, que são
vistos como meros receptores de seus benefícios. No lugar do diálogo entre sujeitos, o outro é
tratado como objeto. Freire (1977) nos dá alguns elementos para entender esta relação:
Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação
de pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser
manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro.
A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a
de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens. (p.93)
Para Freire, o conhecimento sobre a comunidade em que se quer atuar deve inserir as pessoas
do local como pesquisadoras parceiras. O conhecimento delas pode guiar o pesquisador:
Não seriam poucos os exemplos, que poderiam ser citados, de planos, de
natureza política ou simplesmente docente, que falharam porque seus
realizadores partiram de sua visão pessoal da realidade. Porque não levaram
em conta, num mínimo instante, os homens em situação a quem se dirigia seu
programa, a não ser como puras incidências de sua ação. (p.99)
Quando o artista chega a uma comunidade com uma visão sobre o que deve mudar na
comunidade, mesmo antes de conhecê-la, ele está impondo sua visão de mundo. Esta
perspectiva, mesmo que bem intencionada, desconhece ou desvaloriza o potencial dos
membros da comunidade para refletir sobre sua realidade e encontrar saídas para seus
problemas. Esta postura, também conhecida como o teatro para a comunidade, caracteriza-se
por ser uma abordagem de cima pra baixo. Como diz Boal (1996, p. 17-18):
Usávamos nossa arte para dizer verdades, para ensinar soluções: ensinávamos
os camponeses a lutarem por suas terras, porém nós éramos gente da cidade
grande; ensinávamos aos negros a lutarem contra o preconceito racial, mas
éramos quase todos alvíssimos; ensinávamos às mulheres a lutarem contra os
seus opressores. Quais? Nós mesmos, pois éramos feministas-homens, quase
todos.
O resgate do diálogo com a comunidade pode se dar pelo tempo de envolvimento ou pela
busca de uma relação mais igualitária. No lugar do artista individual, uma postura dialógica
busca um envolvimento com a comunidade, para juntos investigarem um determinado tema
relevante, uma história significativa, ou uma situação contraditória que se queira examinar.
Neste sentido, é importante fugir da hierarquia do teatro profissional para buscar uma
colaboração baseada numa relação de reciprocidade. Jan Cohen Cruz (2006, p. 26) fala de
uma colaboração íntima através da qual emergem os conteúdos da comunidade:
Quando o teatro é feito numa colaboração íntima entre artistas e comunidade,
as histórias, culturas, tradições, cuidado, preocupação, questionamentos, fé,
dúvidas, medos, perspectivas e experiências da comunidade estão mais do que
presentes, são essenciais para a peça criada. As peças destes coletivos são
expressões das comunidades de onde eles emergiram.
Em modelos de interação mais participativos, as próprias pessoas da comunidade participam
do processo teatral, inclusive atuando. Em vez de fazer peças dizendo o que os outros devem
fazer, passa-se a perguntar aos participantes e a sua comunidade o conteúdo do teatro.
Como se pode dar este processo de busca dos conteúdos da comunidade? Ouvir a
comunidade é essencial. Existem várias indicações para se chegar enquanto artista e
facilitador numa comunidade. As referências de Paulo Freire, Augusto Boal, do Teatro para o
Desenvolvimento, do Teatro Comunitário Argentino oferecem pistas. Sem querer me alongar
neste tema, que necessita de um espaço que este artigo não comporta, digo apenas que
passam pelo convívio com a comunidade, por identificar situações problema ou situações
limite; pela busca de histórias pessoais e locais, identificando suas contradições.
São diferentes alternativas, abordagens metodológicas que indicam caminhos para este
processo. Este modelo participativo de teatro na comunidade vem ganhando espaço entre
aqueles que acreditam no potencial do teatro para fortalecer a comunidade. O Teatro, nesta
perspectiva, passa a ser a arena privilegiada para refletir sobre questões de identidade de
comunidades específicas, contribuindo para o aprofundamento das relações entre seus
diferentes segmentos, que podem explicitar suas semelhanças e diferenças. Ser porta-voz de
assuntos locais ou contribuir para expressão de vozes silenciosas ou silenciadas da
comunidade.
A comunidade proposta por Anthony Cohen, enquanto a “arena onde as pessoas adquirem
suas experiências mais fundamentais e substanciais da vida social” (p 15), tem muito o que
lucrar com o teatro na comunidade. O fórum “onde as pessoas adquirem suas experiências
fora do limite do lar”(p 15) pode ser parte de um processo teatral. Neste sentido o teatro pode
criar comunidades.
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca de Segurança no Mundo Atual.
Rio de
Janeiro: Zahar, 2001.
BOAL, Augusto. O Arco-Íris do Desejo: Método Boal de Teatro e Terapia.
Rio: Civ. Brasileira, 1996.
COHEN, Anthony P. The Symbolic Construction of Community. Londres:
Routledge, 1985.
COHEN Cruz, Jan. “The Ecology of Theatre-in-community: a Fiel Theory”.
In: Leonard, Robert H.; Kkelly, Ann. Performing Community. Oakland,
California: New Village Press, 2006.
--------, - “Entre o Ritual e a Arte”, in Urdimento, N.10, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Perspectiva, 1977.
KERSHAW, B.The Politics of Performance: Radical Theatre as Social
Intervention. Londes: Routledge, 1992.
WILLIAMS, Raymond. The Long Revolution. Harmondsworth: Pelican,
1965.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
OS DIFERENTES CAMINHOS DA CRIAÇÃO CÊNICA: APONTAMENTOS SOBRE
O PAPEL DO MOVIMENTO PARA O TRABALHO DO ALUNO/ATOR
Autor: Marcio Dias Pereira; Orientador: Narciso Telles; Instituto de Artes; Universidade
Federal de Uberlândia – UFU.
O presente trabalho traz a discussão sobre as práticas de condução nos processos
criativos teatrais. Essas práticas, consequentemente, introduzem diferentes caminhos na
criação cênica.
Venho propor em meu trabalho a experimentação dessa condução do processo, a partir
dos ensinamentos que obtive com o encenador Francês Gilles Gaetan Gwizdek.
Tenho o olhar voltado para dois objetos. O primeiro, alunos que estão no ensino
fundamental, e o segundo, alunos que estão em processo de formação profissional como ator.
Portanto, a pesquisa se concretiza a partir desses diferentes olhares sobre a prática de
condução do processo, que será executada através das metodologias de ensino de Gilles,
dentro de dois grupos diferentes.
A ideia é identificar e descrever o processo de trabalho do encenador Gilles sobre a
utilização do movimento na cena dentro das experiências realizadas nos diferentes grupos de
alunos, tanto os que têm interesse em uma formação profissional, quanto os que não buscam o
mesmo objetivo.
Como referenciais teóricos serão estudados as teorias de Constantin Stanislavski, no
que tange o estudo das ações físicas; e Meyerhold, no que aborda seus estudos sobre a
plasticidade da cena. Sendo essas revisadas por Eugênio Barba sobre suas experiências
práticas e conceituais de movimento. A partir dessas análises será proposta uma inter-relação
entre o trabalho teórico e prático, realizado pela leitura feita por Eugênio Barba sobre
movimento e Gilles Gwizdek em seu processo de trabalho a partir de minhas experiências
sobre a prática de condução de processo com os diferentes grupos de alunos.
A pesquisa propõe que a partir do movimento o aluno possa chegar à construção
autônoma de uma personagem através de partituras corporais. Aumentando a relação palco e
plateia e consequentemente causando um possível estado de “sedução” do espectador para
com o espetáculo.
Gilles Gaetan Gwizdek nasceu na França. Seus estudos foram feitos no Conservatório
de Teatro de Lyon e na escola Charles Dullin, em Paris. Veio para o Brasil na década de
oitenta, onde ficou radicado por mais de trinta anos.
Influenciado por grandes encenadores tais como Sérgio Brito, Antunes Filho, Aderbal
Freire-Filho, Robert Lepage.
Gilles nunca começava seu trabalho sentado a uma mesa. Sempre em cima do palco ou
do espaço de representação. Os ensaios de suas peças de teatro eram feitos no próprio espaço
da apresentação. No primeiro dia de ensaio, se os alunos já estivessem passados pelas suas
primeiras aulas sobre o espaço vazio, já dividia o espaço de acordo com a necessidade que,
para ele, o texto dramático exigia.
Seu recorte era sempre dentro do teatro realista/naturalista e com peças completas de
autores estrangeiro, como: Georges Feydeau e Albert Camus; como também, de autores
brasileiros como: Artur Azevedo, Plínio Marcos e João do Rio. Durante minha experiência
com ele, jamais o vi trabalhando com textos adaptados ou recortados por necessidade
temporais, acreditava que “um grande autor falará para toda a eternidade” e que “se alguém
quer cortar os textos que escreva o seu próprio”.
Tinha uma perseguição quase que ninfomaníaca sobre o movimento. Seu olhar era
voltado para o que estava escrito no texto dramático e para o que os atores estavam
desenhando no palco com seus corpos. Antes de qualquer começo de movimentação
comunicava a cada aluno/ator o que significava fisicamente cada parte do espaço ficcional,
onde se encontravam as portas, as janelas, a cozinha, a sala, os quartos e os corredores
daquela casa por exemplo. O aluno/ator rapidamente tinha que decorar mentalmente onde era
cada localização, como se fosse um grande GPS 1 hoje em dia, e quando fosse acionado pelo
encenador a estar em tal lugar, ali deveria estar prontamente.
O mais interessante era a forma como trabalhava a improvisação e que normalmente
não gostava de nomeá-la. Colocava os alunos/atores da primeira cena sobre o palco e dizia:
“Fulana pra direita, Ciclana pra esquerda. Fulana bate na porta e Ciclana vai atender”. Dava
poucas indicações de movimento e deixava que o aluno/ator buscasse o restante ou pelo
menos tentasse. Assim que “Ciclana saísse pra atender a porta já a mandava parar o
movimento e a perguntava: “O que você está fazendo?” Ciclana respondia: “Eu estou indo
abrir a porta”. E ele dizia: “Assim? Não. Assim você não está indo abrir porta nenhuma.
Tente de novo”. Nas primeiras improvisações não dizia onde estava, para ele, o equivoco do
aluno/ator; queria que este descobrisse por si só, através do corpo, qual o lugar que deveria
haver uma mudança corporal que causaria uma mudança plástica em todo o espaço no simples
ato de abrir a porta.
Entendia que era necessário o aluno/ator descobrir essa relação espaço/corporal em
que estava envolvido. Caso contrário não teria condições de continuar a caminhar com a peça.
Dessa forma, passava horas e às vezes dias com o mesmo aluno/ator até conseguir extrair dele
sua sensibilidade com o espaço/corpo que estava envolvido. E o mais impressionante era
quando esse aluno/ator encontrava o seu espaço/corpo naquele momento da criação cênica. Os
comentários eram: “Mas era esse o caminho?” “Porque não me disse antes?” “Nossa, se eu
soubesse que era por aqui já teria ido mais longe”. O que o aluno/ator passou a entender
depois de algumas horas ou semanas de ensaio - nas mesmas duas linhas de falas do texto -,
foi um entendimento corporal sobre o movimento da história que está sendo contada dentro
daquele espaço com o seu corpo. Para Gilles não teria outra maneira de ser feita. Não têm
como ele indicar a todo o momento para o aluno/ator os caminhos cênicos, esses devem ser
trilhados pelo próprio aluno/ator dentro da trajetória dramatúrgica que está seguindo. Assim,
Gilles acreditava que estava preparando fisicamente o aluno/ator para o entendimento de
qualquer peça teatral que seja colocada em suas mãos, ou seja, estava lhe dando autonomia
sobre o seu próprio trabalho. Stanislavski tem uma passagem em seu texto que diz:
(...) você acaba mesmo é ficando com a simples ação física, e é com isso que
nós começamos. Você mesmo diz que a ação exterior, o ser físico, é o mais
acessível. Então não seria melhor começar o seu trabalho criativo num papel
com o que é acessível, isto é as ações físicas? Você diz que o sentimento
acompanha a ação, num papel acabado, bem preparado. Entretanto, no
começo, mesmo antes de o papel ser criado, o sentimento segue os fios das
ações lógicas. Então, por que não levá-lo a manifestar-se desde o primeiro
início, quando você toma as suas primeiras providências? Por que ficar
meses a fio sentados diante de uma mesa tentando extrair à força de seus
sentimentos adormecidos? Por que tentar forçá-los a cobrar a vida separados
das ações? Seria melhor que você subisse ao palco e começasse logo a agir,
isto é, a fazer o que for acessível à ocasião. Acompanhando a ação, tudo
aquilo que na hora for acessível a seus sentimentos surgirá naturalmente em
harmonia com o seu corpo. (STANISLAVSKI, 2008: 288-289).
Quando o corpo é colocado dentro do espaço com uma estrutura dramatúrgica ele será
conduzido a caminhos que o levem a partituras corporais que deem conta deste espaço que
dialoga com está estrutura dramatúrgica. E para tanto, não deve ser separado da própria vida,
não deve ser separado da ação, ou como Gilles dizia: “é dentro do movimento e não fora
dele”.
Quando Gilles conseguia fazer com que os seus alunos/atores alcançassem finalmente
o código teatral desejado e que estivessem em alguma sintonia com o modo de operar do
encenador, passava para o desenvolvimento das outras partes da cena da peça de teatro. A
dramaturgia em um primeiro momento para Gilles serviria como base de apoio para o inicio
do caminhar dos alunos/atores sobre ela, como se fosse um exercício de cena, mas que ela
realmente entraria como fábula, ou historia sendo contada pelos alunos/atores. Este seria um
possível caminho para o descobrimento de movimentos dos seus corpos no espaço com
aquela estrutura dramatúrgica. Gilles dizia: “vocês precisam entender somente o primeiro
movimento do texto, assim que o descobrirem iram desvendar toda a peça”.
Como se cada personagem dentro do texto tivesse um código a ser desvendado e
quando esse código fosse revelado pelo corpo do aluno/ator no espaço ele não precisasse de
mais nada, pois todo o resto apareceria a suas vistas. Como num novelo de linha de lã, você
só precisa achar onde está o fio, depois de encontra-lo é só desenrolar toda a lã.
Quando os alunos/atores chegassem a esse grau de entendimento do processo de
trabalho estariam preparados para contar a fábula do autor. E incrivelmente após todos os
alunos/atores estarem nivelados no mesmo nível do processo é como se todo o trabalho
ganhasse uma velocidade infinita. Enquanto num primeiro momento parecia que o processo
iria se arrastar por anos, neste segundo momento, com o entendimento do processo por todo o
grupo, parece que o trabalho irá ser feito em semanas. Como no efeito domino, as cenas e as
situações iam se encaixando uma nas outras, bastava que Gilles indicasse um caminho que o
aluno/ator por si só desenvolvia-o ou buscava rapidamente outra forma. E neste momento
começava o trabalho da plasticidade da cena, em que a partir dos movimentos do
alunos/atores começa a aparecer aos olhos de quem vê os movimentos plásticos e precisos dos
corpos no espaço. Barba ao citar Meyerhold diz
Para Meyerhold a plasticidade – uma palavra-chave – é a dinâmica que
caracteriza tanto a imobilidade quanto o movimento. Para fazer com que o
espectador se torne perspicaz, é necessário um desenho dos movimentos
cênicos. A essência dos relacionamentos humanos é determinada pelos
gestos, posturas, comportamentos, olhares e silêncios. As palavras sozinhas
não dizem tudo. Consequentemente deve haver um desenho de movimentos
no palco para transformar o espectador num observador perspicaz. (BARBA:
1995: 154).
Quando Gilles alcança o nivelamento dos alunos/atores no processo de trabalho, ele
alcança a capacidade de cada um deles de conseguir recriar as situações da fábula que está
sendo contada e fazem isso com seus corpos dentro do espaço. Mesmo de uma forma caótica,
dentro de um inicio de processo, a plasticidade estará ali presente o tempo todo. Uma situação
engraçada, dentro do processo, é ver a cena acontecendo em cima do palco e abaixo dele
começar a formar uma plateia de faxineiras, porteiros e seguranças do teatro, todos meio que
encantados com o que veem.
Após o entendimento do processo de trabalho também acontece algo muito
interessante, o prazer em fazer a cena sem se cansar e se divertir com os erros. Por mais que
esteja se fazendo um drama ou uma comédia você não vê os alunos/atores envolvidos
emocionalmente com cargas dramáticas pesadas por estarem, por exemplo, fazendo um texto
de Plinio Marcos, mas na verdade ao contrário, se vê alunos brincando ou jogando algo muito
divertido. Não há sofrimento, há somente o jogo, a brincadeira. Corpos que estão soltos no
espaço e que estão brincando de faz de conta. Mas, para quem vê de fora, os espectadores,
parece que são bem reais os acontecimentos e suas situações.
O processo de trabalho de Gilles é duro, demorado e tem todas as possibilidades para
falhar em qualquer grupo de pessoas, estejam elas dentro da escola de ensino fundamental ou
estejam elas dentro de um curso de formação de atores. E, é este, o intuito do projeto de
pesquisa. Buscar esses nichos, essas brechas existentes em lugares, como por exemplo, a
escola formal onde, na grande maioria das vezes, não se tem mais nenhuma esperança para
com o ensino das artes em sala de aula. Assim, o trabalho de Gilles pode ser uma luz, um
caminho que até então nunca foi trilhado, nem por ele e nem outro “discípulo” que eu conheça
que teve contato direto com a sua metodologia.
A pesquisa não quer ser a solução dos problemas das escolas ou dos cursos de
formação, mas sim quer ser o problema, uma questão dentro dessas escolas. Era o que
acontecia quando Gilles entrava pra dar aula em uma escola de formação de atores, ou era
mandado embora ou, não aguentava as regras rígidas do espaço e se demitia. Como ele
mesmo dizia: “O teatro é um ato político. Temos que levar esse teatro para dentro das escolas
públicas. Só assim essa garotada poderá ver através do corpo quem realmente são e como são
fortes para resolver seus problemas. Só esse teatro pode torna-los políticos. Pode fazer com
que eles façam seus atos políticos”.
Os problemas das escolas públicas formais do ensino fundamental estão pautados
quase sempre na sua estrutura. Se houve constantemente professores das redes de ensino
públicas reclamando da falta de condições para trabalhar as artes cênicas dentro da sala de
aula. Outro fator agravante é a falta de conhecimento da área que ocorre entre os cargos mais
altos da escola, como por exemplo, as diretoras ou diretores que acreditam que fazer teatro é
quase parecido como fazer recreação de educação física e, portanto, qualquer espaço serve.
Tive a oportunidade de trabalhar muito brevemente em um projeto na baixada do Rio
de Janeiro chamado de “Pontinho de Cultura”, no ano de 2010. Uma iniciativa das Prefeituras
do interior do Estado em tentar a implantação do teatro nas escolas. Como se fosse uma
experiência, como dizia a diretora: “para ver se o teatro ia dar certo”. Imaginava que o teatro,
como sendo uma arte autônoma, teria cânones suficientes para se realizar sozinho. Não
precisando de nenhuma outra condição para a sua efetivação dentro da escola.
Quando me propus ao trabalho solicitei uma sala de aula sem carteiras. Ao chegar à
escola me deparo com uma sala de aula com carteiras e um local bastante quente para a
prática de exercícios teatrais. Sem condições de continuar o trabalho, saio com os alunos para
a quadra de esportes. A diretora questiona: “a sala não está boa?” Digo a ela que não são as
melhores condições para o trabalho e que possivelmente iria conseguir que um aluno passasse
mal naquele calor, ao invés de realizar a aula pratica. Não demora muito, quando começo a
propor os exercícios, toca-se o sinal para o recreio das crianças. E, em questão de minutos, a
quadra fica repleta de curiosos querendo entrar no jogo. Eu até iria tentar a inclusão dos
novatos, mas a diretora, muito rapidamente e violentamente, impediu que os alunos tentassem
entrar na aula. Ela me pede, com bastante nervosismo, que eu espere o termino do recreio para
dar continuidade a aula.
O pensamento escolar formal está gradeado nas suas estruturas que não devem ser
modificadas. Quando uma matéria entra no currículo e tenta fazer algumas modificações no
espaço é impedida pelo sistema “carcerário” da escola. A falta de sensibilidade e de
conhecimento da diretora em entender que as artes cênicas utiliza o corpo e o espaço para a
prática da aula é absurda. A questão é: Será que ela não sabia das reais necessidades da
prática teatral dentro da escola, mesmo eu fazendo os pedidos formalmente, ou ainda, ela
simplesmente ignora os fatos e suas necessidades para que, de alguma forma, aquele projeto
não ganhasse condições e alcance reais dentro da escola?
Quando o recreio chega ao fim, olho para meus alunos totalmente desestimulados e
sem interesse, pois para eles até então o teatro não seduziu e não os tocou. Para eles até então,
de acordo com as barreiras impostas pela escola, o teatro é algo que causa muitos problemas e
tem difícil acesso. Gilles levantava essas questões dentro do trabalho com atores. Não
aceitava que o ator chegasse ao palco e não arrumasse seus objetos de cena e minimamente
seu figurino de trabalho. Dizia que “ninguém é secretaria de ninguém. E que cada um tem o
dever de arrumar seus próprios materiais de trabalho”. Uma situação que o tirava do sério era
quando o ator vinha perguntar a ele onde ficavam os objetos de cena. Para este ator que se
perdia diariamente na organização de seus objetos de cena, possivelmente a sua dificuldade
durante o processo de trabalho era muito maior. Para Gilles era um trabalho dobrado, pois se
esta pessoa tem a capacidade de esquecer onde estão seus materiais imagina as suas marcas
que foram feitas dias atrás. Gilles dizia que “o ator inteligente guarda diariamente suas
partituras e vai somando a cada passo o seu processo de trabalho”. Falava para os atores “o
seu trabalho é de somar e não subtrair o que lhe passo”. Para ele, mesmo que o ator refizesse
as marcas da cena várias vezes, este nunca poderia abandona-las, mas sim soma-las.
Como pensar o processo de trabalho de Gilles que exige tantas condições especifica
para a sua realização dentro da escola formal? Como convencer as diretoras e os diretores
duros dentro das escolas que o processo de trabalho das artes cênicas precisa de uma
qualidade espacial para a sua realização? Que o fato de ficar passeando com os alunos de um
lado para o outro dentro da escola para se descobrir o melhor local para a realização da aula
de teatro é cansativo e desgastante para os alunos? O mesmo desgaste que acontece com os
alunos da escola formal, acontece com os alunos em processo de formação como ator, no que
tange a dificuldade de caminhar com o processo que depende somente de seus participantes e
de sua estrutura. Da mesma forma que acontecia com Stanislavski, na sua época, em que
“reclamava do atraso dos atores”. Mesmo ele trabalhando em condições e estruturas ideias,
tinha problemas com os atrasos dos atores e acreditava que esses atrasos desestimulava todo o
restante do grupo (STANISLAVSKI, 2005).
Parece que a condução do processo para a construção da cena precisa a todo o
momento provar aos mais desavisados de suas reais necessidades. Gilles apontava que “toda
vez tinha que provar para as pessoas de sua capacidade do fazer”. E isso talvez seja o seu
maior ato político dentro das artes. Não aceitava condições de trabalho menores que aquelas
que ele almejava. Tinha uma facilidade incrível em dizer não para todos os caminhos que
pudessem leva-lo a um pensamento diferente do que o seu. Suas leituras eram independentes
como ele e, através delas, tentava justificar seu processo de trabalho. Seus grandes teóricos
eram sempre os autores das peças de teatro, pois acreditava que eles, através da fábula, eram
os únicos que entendiam o comportamento humano e, por isso, poderiam falar sobre situações
e condições humanas.
A sua luta para tornar um teatro realista/naturalista em um teatro político, em que
transformassem as pessoas, era grandiosa. Através dessa dicotomia, via no teatro de ilusão
somado com a prática do fazer, o movimento2 e a ação, uma saída para que os sujeitos, nos
dias atuais, tivessem condições de realizarem seus atos políticos. Gilles dizia que “Eu tenho
que fazer coisas no palco em que a plateia entenda. Do que adianta fazer mil movimentos se
nenhum deles quer dizer nada?”. Observava que, através dessa clareza dos movimentos no
processo de criação da cena, teria condições de seduzir o público. E ao conquistar o público,
teria a sua atenção para falar politicamente o que quiser. Segundo Barba
O nível onde as condições para o sentido são construídas. Um nível que
ocorre antes da manifestação do sentido, um nível que existe anterior à
expressão e que é uma condição para ela. Stanislavski diz: “não se trata de
‘realismo’ ou ‘naturalismo’, mas de um processo indispensável para a nossa
natureza criadora”. (BARBA, 1995: LA p. 471, in p. 152).
Trazer a realidade para o palco era indispensável para o trabalho de Gilles. A
materialidade da cena tinha que ser real e crível para que o espectador pudesse se afetar. Este
sendo tocado pela peça teria condições de tomar um posicionamento real sobre a própria vida.
Assim, percebo que Gilles trabalhava somente com peças realistas e naturalistas porque elas
se aproximam das condições e situações humanas de uma forma direta, enquanto que em
outras modalidades teatrais esse trabalho é indireto. Talvez se Gilles tivesse mais tempo de
pesquisa chegaria, ou se aproximaria, ao pensamento de Bertolt Brecht. No final de sua vida
percebia em seus ensaios que as questões políticas estavam mais afloradas, tanto que o autor
que mais utilizou em seus últimos processos de trabalho foi Artur Azevedo, um escritor que
falava das condições politicas e sociais da sua época, algo que Gilles desejava discutir no seu
tempo. Segundo Desgranges
O teatro brechtiano pretendia aliar à emoção um forte teor reflexivo, o que
não levaria a um resultado cênico menos prazeroso. Para ele, no entanto, o
prazer também precisaria ser posto em questão. O teatro épico deveria ter
como objetivo maior a diversão, nisto não se distinguia do teatro burguês.
Mas o que seria verdadeiramente divertido e prazeroso? A seu ver, “deveria
se tornar o prazer objeto de uma análise, já que se tinha de tornar a análise
um objeto de prazer” (BRECHT, 1978, p.15) (DEGRANGES, 2003: 93).
Uma parte da estética do trabalho de Gilles voltada para o realismo/naturalismo
somado as questões políticas são talvez as maiores aproximações com o encenador Bertolt
Brecht. Para Gilles o foco de transformação e o não lubridiar-se totalmente com a ilusão da
cena - que poderia tirar a atenção do espectador -, concretiza-se na escolha dos movimentos
corporais que existem dentro do texto teatral, ou seja, os signos e símbolos que o aluno/ator
deve escolher para se contar uma fábula. E a partir dessas condições de seduzir o espectador,
não de uma forma que ele desapareça por completo dentro da fábula, mas que consiga, através
da plasticidade do que se mostra a cena, trabalhar junto com o ator a construção do
entendimento dos signos e símbolos da peça. Como diz Bertolt Brecht “descobrir os gestos3
sociais”. (DEGRANGES, 2003: 101).
Portanto, a necessidade de levar e experimentar esse modelo teatral dentro das escolas
públicas formais seja um grande desafio. Talvez a partir dessa condução da prática teatral que
leva esses processos de criação da cena seja um caminho de compreensão e sedução dos
grupos de sujeitos que estão dentro das escolas formais do ensino fundamental, ou então, dos
sujeitos que estão em processo de formação profissional. Pois observo que, dessa maneira, o
processo se aproxima da realidade desses grupos. Permitindo que os sujeitos possam falar e
fazer as fábulas que acontecem no dia-a-dia de cada um. Adquirindo a capacidade de perceber
a proximidade existente entre as fábulas que, são universais e de vários países, com suas
próprias histórias e realidades. E assim, suscitar um possível pensamento crítico desses
sujeitos sobre o mundo e a sua responsabilidade social e política sobre ele. A questão que
desdobro e problematizo: Qual o real impacto social de um trabalho conciso e profundo
dentro de uma escola utilizando tais caminhos de criação cênica?
1
GPS: Global Positioning System, que significa sistema de posicionamento global, em português. GPS é um
sistema de navegação por satélite com um aparelho móvel que envia informações sobre a posição de algo em
qualquer horário e em qualquer condição climática.
2
Movimento, para Gilles, significa a ação externa banal e obvia feita pelo ator dentro de um espaço. Ação essa
que está ligada diretamente ao texto. Através dele, o ator descobre pistas de ações que o levaram ao
movimento. As somatórias de todas as ações individuais de cada personagem, dentro de um texto dramático,
criam um movimento único que, para Gilles, jamais pode ser interrompido por uma ideia ou sugestão. Somente
outra ação pode mudar o movimento.
3
... gesto ou conjunto de gestos que revelam a determinação histórica das atitudes humanas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Brasileira, 2008.
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2005.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
VIGOTSKI E O FAZER TEATRAL NA ESCOLA: ALÉM DA ZONA DE
DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
Matheus Vinícius de Sousa Fernandes (CAPES; Orientadora: Beatriz Angela Vieira Cabral);
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
RESUMO: Lev Vigotski (1896-1936) dedicou-se a escrever sobre e ao fazer teatral em toda
sua trajetória, paralelamente ou conjuntamente às pesquisas acerca da linguagem, psicologia,
medicina, educação, dentre outras. Professor de estética, ator, diretor e crítico teatral, o autor é
recorrentemente lembrado por suas contribuições na área da psicologia, medicina e pedagogia
no Brasil e também por sua teoria histórico-cultural. Este trabalho em andamento tem por
finalidade propor possíveis relações dos escritos do autor bielo-russo para com processos
teatrais nas escolas atualmente, conjuntamente e coerentemente aos seus princípios teóricos,
de maneira não estrutural. Assim, fomentando uma ampliação do repertório do artistaeducador. Para tanto, se apresentará dados referentes à sua biografia, escritos, pesquisas em
Arte em geral, estética e educação, contrastando com estudos contemporâneos nas
áreas da arte, educação, teatro, pedagogia do teatro, psicologia.
Palavras-chave: teatro; Escola Russa; psicologia; Vigotski.
Vigotski, autor bastante recorrente na Pedagogia, Educação e Psicologia atual no
Brasil, dedicou parte das suas pesquisas ao Teatro. Mais do que isso, alguns estudiosos
afirmam que Vigotski influenciou grandes nomes da arte russa/soviética, a incluir nomes
como Vsevolod Meyerhold, Sergei Eisenstein (JAPIASSU: 1999). Embora a produção sobre
o autor bielo-russo e sua teoria histórico-cultural cresceu significativamente a partir da década
de noventa no Brasil, ainda são poucos os estudos em Teatro que se dedicam integralmente ao
autor, muitos ainda relacionam somente para com sua Zona de Desenvolvimento Proximal:
Celso Antunes (2008) discorre sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD),
aproximando-a com a escola na contemporaneidade, a caracterizando, entre outras qualidades
como: “um espaço teórico gerado na própria interação entre educador e educando em função
de esquemas de conhecimento sobre a tarefa a ser realizada pertencente a este último e os
saberes...” (p.29). Zona de Desenvolvimento Proximal é então uma zona psíquica, distância
entre o nível que uma pessoa pode chegar atuando sozinha para resolução de um problema e o
nível que pode alcançar com ajuda de outra pessoa. Os humanos são os agentes de atuação
nesse espaço. Espaço teórico e interacional entre educador e educando.
No teatro e na pedagogia do teatro alguns autores também discorrem sobre a questão.
Em Introdução: A escola alegre, que faz parte da versão brasileira de Jogos Teatrais de Viola
Spolin, Ingrid Koudela relata sobre a questão da ZDP, que trouxe um novo conceito para
forma de avaliação artística. Biange Cabral (2010) em seu Drama como método de ensino
também relata sobre a questão dessa Zona nos desdobramentos de processos do Drama,
subárea do fazer teatral.
Problematizando à ZDP, conceitos vigotskianos e suas traduções
O conceito da ZDP já não é unânime. Prestes (2010) nos colaca certa contradição de
tradução. Até então, traduzida do inglês, a Zona de Desenvolvimento Proximal, zona
blijaichego razvitia estava atrelada à relação que existe entre desenvolvimento e instrução e
ação colaborativa de outra pessoa. Segundo a autora que foi alfabetizada em russo e cursou
pedagogia na antiga União Soviética, Vigotski não garante a instrução como segurança do
desenvolvimento, mas que cria possibilidades para com o desenvolvimento. O equívoco na
tradução ou na recorrência errônea como Zona de Desenvolvimento Proximal ou Imediata faz
com que se perca em parte tal conceito que é chave.
Segundo a autora, essa zona para Vigotski “é exatamente aquilo que a criança
consegue fazer com a ajuda do adulto, pois o que ela faz sem a ajuda do adulto, e não
mediação, do adulto já se caracteriza como nível do desenvolvimento atual...” (p. 170). Outro
erro recorrente na tradução referindo-se a zona de desenvolvimento é assimilá-la somente com
educação, Vigotski a aproxima para com o jogo dramático, imitação, entre outras ocasiões.
Pautando-me nessa concepção abordada por Zoia Prestes (2010), um dos possíveis
problemas para sua teoria no Brasil de fato são as traduções que não são advindas do original
(russo) e sofreram mutações com o tempo, além de repressão e amortecimento de sentido por
se tratar de uma teoria baseada no materialismo dialético:
“...compreendendo-a como um processo de criação em que o tradutor é um servidor
da verdade do autor e suporte da alteridade deste. Não se trata, pois, de fidelidade ao
texto, mas de lealdade ao homem que se faz presente no texto. As palavras do autor
iluminam o leitor e devem continuar a fazê-lo quando vertidas em outra língua. De
outro modo, se adulterarmos, dois atos de violência são cometidos simultaneamente:
contra o autor e contra o leitor pois as palavras do autor formam um campo
enevoado que tornam curta a visão do leitor” (PRESTES: 2010, p.11)
Entendo que quando estudamos Vigotski compreendemos que seus desdobramentos
acerca da psicologia, educação e qualquer outra área se instauraram dentro de determinado
contexto histórico-social, divergente do campo geográfico e político do Brasil. Quando o
autor reiterava que a educação teria de ter um trabalho mais profundo em comparação com a
sociedade capitalista (JUNIOR: 2011), o mesmo se encontra no regime da União Soviética,
em que educar, era o mesmo para ele que “organizar a vida” (VIGOTSKI: 2007,p. 220). Este
trabalho, seguindo a lógica histórica dos acontecimentos no que tange a arte e educação no
país não tem a pretensão de comparar ou equivaler o ensino na arte teatral para com as escolas
na União Soviética, mas de abordar e problematizar conceitos pertinentes que poderão vir a
ser contribuidoras para essa vertente artística, sem adulterar sua alteridade.
Outro conceito recorrente em Vigotski é o de mediação, que seria um processo em que
o ser se desenvolve por meio de uma aprendizagem. A mediação é modo de relação, processo
que se dá a partir de instrumentos para conhecer o mundo entre os atores sociais que buscam
inserir-se ou estabelecer relação para interar-se do outro ou de si mesmo. Segundo
ANTUNES (2008), é nesse conceito que se instaura a Zona de Desenvolvimento Proximal
(ZDP).
Pensar Vigotski e sua psicologia histórico-cultural nos tempos atuais e no teatro na
escola não é transformá-la em uma pedagogia. E para situá-lo se faz necessário estudar cada
conceito chave de maneira a não perder a alteridade do autor e não reduzir seus vastos estudos
em poucos conceitos; reitero que este trabalho não tem intuito de reduzir a importância da
Zona de Desenvolvimento nos esboços que aproximam Vigotski do teatro no âmbito escolar, e
sim de aclarar que seus estudos podem ir além desse conceito.
Vigotski e o teatro: breve biografia
Partindo do pressuposto de que é necessário compreender seu meio histórico-cultural
para buscar e formular reflexões junto ao contexto, se faz imprescindível uma estrutura
biográfica do autor a ser pesquisado. Na biografia, mais importante que retratar sua vida, é a
relação de Lev S. Vigotski junto aos conceitos e desdobramentos sobre a psicologia,
pedagogia e arte sem delimitar ou hierarquizar os campos de conhecimento. Compreender
somente as questões teatrais em toda a sua obra se faz impossível sem compreender a
formulação da teoria histórico-cultural, onde o ser humano é sujeito, sujeito esse que traça sua
própria cultura e que o fator biológico está intimamente ligado à questão cultural (BONIM:
1996).
Molon (1995) aponta que o interesse de Vigotski pela psicologia se dá pela
preocupação com a gênese da cultura, em oposição à psicologia clássica dominante de sua
época, que segundo ele não cumpria com pertinência para com as respostas nos processos de
mecanismos psicológicos individuais, surgindo desde então a teoria da gênese e natureza
social dos processos psicológicos.
Para Bonin (1996) Vigotski tratou de criar uma teoria na qual se engloba concepção de
desenvolvimento cultural do ser, por meio do uso de instrumentos (meios externos para
intervenção na natureza, que acarreta mudanças nos processos dos indivíduos). Essa “nova”
psicologia, baseada nos princípios do materialismo dialético, compreendia o aspecto cognitivo
por meio de explicação das funções psicológicas superiores, determinadas através da história
e da cultura de cada ser (humano). Em suma, o desenvolvimento do intelecto, está
intimamente ligado ao contexto social, dessa maneira, podemos considerar o homem
moldável pela própria cultura, cultura essa que o mesmo cria.
Vigotski nasceu na Bielo-Rússia no século XIX, precisamente em novembro de 1896.
Pouco se publicou acerca de sua infância e de sua adolescência. Alguns registros alegam que
Vigotski pôde desfrutar de uma educação refinada, já que dispunha de biblioteca e de um
tutor. Seu pai era chefe de uma ala do Banco Unido. Sua família era judaica e prezava alguns
costumes da educação judaica. Viveu num cenário de conflitos, massacres, preconceito e toda
a questão que afligia a Europa no começo do século XX. (JAPIASSU: 1999)
Na juventude, o autor já se mostrara interessado nas questões de Arte, de tal modo que
sua conclusão universitária no curso de Direito e Literatura foi elaborado a partir da obra
Hamlet, de Shakespeare. Foi também poeta, tradutor de poesias. Em 1917 obteve licença para
lecionar no Estado na área de literatura, estética, psicologia e outras áreas. Mas ele nunca
abandonou as artes e literatura para aprofundar nos estudos da psicologia (BARROS,
CAMARGO & ROSA: 2011)
O trabalho do teórico é um tanto complexo contando com um acervo de quase
duzentos trabalhos apesar do seu óbito prematuro. Para alguns teóricos como Veer e Valciner
(1999) existem alguns antagonismos e más interpretações de sua teoria, e que de forma
alguma se pode considerar seu método como fechado, a incluir o Brasil. Essa complexidade e
antagonismos pode ser interferência de traduções distintas de da perda da “essência” dos
conceitos vigotskianos.
Anos anteriores ao desdobramento de seus estudos para a área da psicologia, Vigotski
retorna para Gomel em 1919 e torna-se diretor do subdepartamento teatral da cidade
(PRESTES: 2010). Por lá continuava a acompanhar peças, selecionar repertórios que
entrariam no circuito da cidade e adquiria um contato ainda maior com as questões do teatro,
não é por coincidência que até mesmo discorrendo estudos na área da psicologia o autor
estabelece uma conexão com o teatro em diversos dos seus títulos:
a literatura, teatro e crítica literária constituiu o contexto social/pessoal dentro do
qual ocorreu a passagem de Vigotski para o campo da psicologia... podemos dizer
que todo o período da vida de Vigotski durante o qual ele foi entrando gradualmente
na psicologia (isto é, os anos de 1922 a 1925) foi acompanhado de seu contínuo
interesse por questões de arte e literatura, de onde os problemas de psicologia foram
emergindo pouco a pouco. Os primeiros esboços de Vigotski na área de psicologia
estiveram fundados em seus interesses para literatura. (Veer, Valciner: 1999, p. 31)
Não por acaso, segundo Carminda André (2007), Vigotski é o autor que mais
aproxima o problema da catarse na Arte para com a educação, desmistificando a ideia de que
a catarse seja alienadora somente porque promove os sentimentos do indivíduo, extraindo da
arte função moralizante, descentralizando a figura do artista, sendo que para Vigotski o efeito
catártico ainda que individual é também efeito social.
Imaginação e Criação: processos em teatro na escola
Vigotski (re)cria outra perspectiva sobre a infância. Sua perspectiva desconstrói a ideia
abstrata e neutra das crianças. Ao tempo que se formam, instituem e também transformam
através das chamadas interações sociais. Para Vigotski, a criança é sujeito nesse complexo
sistema sócio-histórico-cultural, em que perceber o mundo não é mais suficiente ou nunca foi.
Dada importância de transformar aprendendo e deixar-se transformar nessa interação nessa
concepção de “construção do mundo”. Problematizar a questão é fator importante no ensino
de Teatro na escola no Brasil, colocar em prática essa problematização não significa que o
professor-artista ou artista-educador deixará de exercer seu papel, ao contrário, é perceber sua
útil função no papel de mediador do conhecimento e não de detentor do conhecimento, é
aproximar a criança sem hierarquizar a relação.
Tal problematização já era elencada por Vigotski no começo do século XX (um
centenário de seu escrito sobre Imaginação e Criação na Infância), quando alertava aos
processos de teatro na escola, ou a falta de repensar o educando como sujeito da sua história e
sujeito no teatro dentro da escola, em que ponderava o desenvolvimento da criança não
decorre de algum sistema linear, natural e sim por um trabalho de construção, em caráter
dialético.
Vigotski polemizava a criação e imaginação e o trabalho do educador em teatro (e
outras vertentes artísticas) na infância e adolescência e a reprodutibilidade nesses processos,
aproximando a psicologia, pedagogia e arte.
Antes de discorrer sobre o teatro na escola, Vigotski (2009) problematiza acerca da
questão de imaginação e criação. Para o autor, a atividadei criadora é aquela em que se cria
algo novo. Quando se olha para o homem e seu comportamento, podemos notar dois tipos
comuns de atividade: a primeira é a atividade do tipo reprodutivo, ligada à memória. A
conservação da experiência facilita adaptação em casos oportunos, mas reproduzir somente é
não criar nada de novo. Para o autor nosso cérebro e nossos nervos possuem plasticidade, se
modificam, e se os estímulos são repetitivos conservam as dadas modificações. Se o homem
dispusesse somente dessa atividade de reprodução não poderia adaptar-se ao meio, porém
nosso cérebro não é limitado somente para com essa atividade.
Além da atividade reprodutiva o homem dispõe de uma combinatória ou,
sinonimamente, atividade criadora. Quando esboço um possível futuro de alguém através de
um olhar sobre alguma imagem pictórica, pessoa essa que para mim é desconhecida, exerço
certa atividade criadora e “posso ter a minha ideia, a minha imagem, o meu quadro” (2009: p.
13). Toda atividade do homem resulta de imagens em ações novas. Sendo assim, nosso
cérebro combina e reelabora nossa experiência anterior, trazendo à tona novas perspectivas,
situações e comportamentos. Com as crianças isso também ocorre, mas é limitado de acordo
com a experiência pessoal.
Para Vigotski essa atividade criadora pode ser chamada de imaginação ou fantasiaii e
que a imaginação é base de toda atividade cultural, tornando possível a criação artística,
técnica e científica. O autor, referenciando Ribot, declara que tudo que foi feito pelo homem,
mundo da cultura, é fruto da imaginação e criação humana, sendo ela grande ou pequena, e
que todos os objetos do cotidiano, construídos através dessa atividade é uma espécie de
“imaginação cristalizada” Ademais, essa criação não acontece somente quando grandes
pensadores fizeram renomadas obras históricas e cientistas conhecidos mundialmente:
No entanto, como já foi dito, esse ponto de vista é incorreto. Segundo uma analogia
feita por um cientista russo, a eletricidade age e manifesta-se não só onde há uma
grandiosa tempestade e relâmpagos ofuscantes, mas também na lâmpada de uma
lanterna de bolso. (Vigotski: 2009, p. 15)
O autor bielo-russo utiliza dessa analogia para falar da atividade de criação,
retomando a questão que o homem cria não somente quando o mesmo faz uma grande
revolução na ciência, e sim quando combina, imagina, modifica e propõe algo. As criações
dos grandes gênios da humanidade não existiriam se não fossem pelas pequenas criações
anônimas. Isso não ambiciona dizer que não existiu expressão superior de criação (alcançada
por poucos), entretanto não quer proferir que somente eles imaginaram e criaram “nosso
mundo”. Já na infância percebemos os primeiros processos de criação. Vigotski exemplifica
através do jogo dramático esse ato de criação, lugar que apesar delas (crianças) reproduzirem
parte do que vivenciaram, essa reprodução não se dá igualmente ao processo anterior ou
vivenciado, elas criam e reelaboram o processo. É de fato uma reelaboração criativa que
constitui a base da criação.
Pensar como surge essa atividade criadora na infância tem certo grau de
complexidade, a cada espaço etário na infância a atividade se desenvolve de maneira singular,
porque a atividade é dependente do grau de acúmulo de experiência. A imaginação é
construída, segundo o autor, por elementos da realidade, diretamente ligada à experiência da
criança.
Flávio Desgranges, em seu Pedagogia do Teatro... (2010) destaca uma pesquisa do
educador francês Phillipe Meirieu com crianças socialmente e economicamente
desfavorecidas. O pesquisador Meirieu atentava para um sentimento de fracasso expelido
junto à uma possibilidade pensar uma própria história e na dificuldade dessa construção de
problematizar o “eu” no processo histórico-social particular. As crianças citadas não se
utilizavam da primeira pessoa do singular para falar de si, sempre utilizando ou segunda
pessoa (tu/você) ou a primeira pessoa do plural. Essa mesma pesquisa apontou que
diferentemente, crianças que frequentavam ou participavam algumas das diversas atividades
artísticas como o teatro e o cinema, tinham uma maior capacidade de construir uma estrutura
narrativa para contar sua própria história e relacionavam-se melhor com o “eu”:
No teatro, por sua vez, uma narrativa é apresentada valendo-se conjuntamente de
vários elementos de significação: a palavra, os gestos, sonoridades, os figurinos, os
objetos cênicos, etc. A experiência teatral desafia o espectador, deparando-se com a
linguagem própria a esta arte, elaborar os diversos presentes em uma encenação...
(DESGRANGES: 2011, p. 23)
Nesse jogo, quando o espectador é mergulhado na linguagem teatral, faz com que ele
decodifique e perceba os signos, interprete voltando-se para a vida, compreenda de maneira
própria e que, “fazer história é contar história”, e para essa reconstrução é preciso sentir-se
estimulado a reconstruir. Poderemos aqui substituir a palavra espectador pela criança na
escola, problematizar o momento de experiência fomentado na escola. Essa também era uma
preocupação de Vigotski. Vejo aqui uma semelhança para com a atividade de criação relatada
pelo teórico bielo-russo, o objeto artístico como mediação e não somente o professor. A
experiência do brincar para a criança propicia a sua consciência sócio-cultural, fortalece sua
identificação infantil e a subjetividade do futuro adulto.
Para o autor a criança quando representa no teatro ou quando participa de um processo
teatral na escola se apropria de diversos papéis sociais, assumindo e inventando variadas
posições. Referindo-se a questão verbal quando utilizada no teatro que a criança faz, adquire
sentido como parte do todo. Toda a preparação, o processo em si, dá motivos para criação
plástica e técnica das crianças e a apresentação é a finalização como expressão completa
(VIGOTSKI: 2010). É a demonstração efetiva da superação para com o mundo.
Um dos grandes problemas para essa efetivação do teatro na escola com sentido de
experiência e criação é a aplicabilidade desse teatro condizente com a infância. Vigotski
(2010) afirmava que a preocupação dos professores em relação ao teatro na escola no começo
do século XX na União Soviética se dava pelo receio do comportamento da criança, elevação
da vaidade que o teatro desperta, além da artificialidade comportamental da criança, entre
outras questões. Isso poderia acontecer sim dependendo da condução do mediador (professor),
justamente porque o teatro era empregado por uma tendência tecnicista onde os alunos
decoravam as falas como atores profissionais da época “com palavras que nem sempre são
entendidas e sentidas pela criança, engessa a criação infantil e transforma a criança num
transmissor de palavras alheias encadeadas num texto” (2010: p. 100). Mais conveniente para
o autor são as peças compostas pelas próprias crianças ou utilização de uma apropriação da
linguagem infantil “produzidas e improvisadas por elas ao longo do processo de criação...”
(p.101). Deste processo de improvisação e criação teatral na escola deriva diversificadas
formas de representação, desde uma improvisação que resulta um texto oral até um texto
literário ressignificado por elas mesmas. Segundo o autor, pode até haver alguma incoerência
ou surgimentos de textos menos “literários” nesses processos, mas a intenção não são
produtos acabados “... não se deve esquecer que a lei principal da criação infantil consiste em
ver seu valor não no resultado, não no produto da criação, mas no processo” (p. 100-01).
Vigotski acreditava que a criação dramática infantil só perpassa por toda sua
potencialidade quando se faz uma verdadeira encenação infantil, quando as crianças
participam de todo o processo de criação, a incluir construção das roupas, cenário, para elas
mais significativo. Quando as mesmas escrevem uma obra literária ou criam alguma peça
teatral terão que compreender o para que criem e escrevem, deve-se então adquirir sentido
para cada participante no fazer teatro, ter objetivos claros e específicos para tal.
Outra questão importante tratada pelo autor é a questão da moral na arte, do
menosprezo ou da falta de entendimento para com o psiquismo infantil quando se trata do
ensino das artes alertando sobre o problema de “adocicar” as histórias e os heróis. O autor
retrata que ponto já era comum na literatura infantil da época, limitando às crianças “a uma
poesia de asneiras e futilidades... a literatura infantil costuma representar um protótipo nítido
de falta de gosto, de um estilo artístico grosseiro...” (VIGOTSKI: 2010, p. 324-25). Ainda, o
autor expõe sobre outro equívoco cometido pelos professores, quando os mesmos reduzem o
“sentimento estético e artístico” na escola como fonte de prazer e alegria, obtendo
sentimentos contrários ao esperado: “...quem pensa em implantar a estética na educação como
fonte de prazer se arrisca a encontrar na primeira guloseima e no primeiro passeio os mais
fortes concorrentes...” (p.331).
Vigotski reafirma e possibilita um acesso histórico às concepções de teatro na escola
ainda pertinentes nos dias de hoje, percebo similaridades de suas falas aos diversos
pensadores da pedagogia do teatro na contemporaneidade. Esses são apenas alguns dos
conceitos desdobrados pelo autor que farão parte dessa pesquisa em caráter inicial.
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ii
Conceito embasado no materialismo histórico-dialético, relacionado as bases materiais da existência
Fantasia e imaginação tem o mesmo sentido no texto, embora as origens das palavras são distintas.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
O ESTUDO TEATRAL COMO ESPAÇO DE GOZO
Olívia Camboim Romano1; Gláucio Machado Santos (orientador); Departamento de
Artes - Universidade Regional de Blumenau (FURB); Programa de Pós-Graduação em
Artes Cênicas – Universidade Federal da Bahia (PPGAC-UFBA)
Esta comunicação, fruto da pesquisa de doutorado em andamento: “‘Escola de
Espectadores’ em Buenos Aires (EEBA) e Porto Alegre (EEPA): uma investigação
etnográfica”, busca problematizar o fundamento da EEBA referente ao estudo teatral
não como uma matéria de educação formal, mas como ambiente de gozo, à luz dos
escritos do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) sobre educação e arte.
A “Escuela de Espectadores de Buenos Aires” (EEBA), inaugurada em 2001,
pelo professor e pesquisador da Universidade de Buenos Aires (UBA) Jorge Dubatti é
um espaço de estudo, análise e discussão sobre os espetáculos (teatro, dança, ópera,
circo e performance) em cartaz na cidade onde está sediada, sob a coordenação de um
especialista e com a participação de artistas envolvidos nos trabalhos debatidos.
De acordo com entrevista concedida por Dubatti para Silvia Gallicchio, no
programa “Vidas Consagradas” (VIDAS Consagradas, 2012a. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=nTKWBV2TidA>. Acesso em: 26/06/2014), a
ideia para a criação da escola surgiu de uma prática existente em Buenos Aires desde o
final da década de 1960, em que um grupo fechado de amigos contratam um
coordenador que propõe um espetáculo para ser assistido e, posteriormente, se reúnem
na casa de um deles para analisarem a obra e jantarem juntos. Inspirado nessas reuniões
sociais, Dubatti propôs um grupo aberto para qualquer interessado cujos pré-requisitos
são gostar do teatro e ter a “cabeça aberta”.
A EEBA, que iniciou com 08 pessoas, atualmente possui 02 escolas em Buenos
Aires, no “Centro Cultural de la Cooperación”2, com 340 alunos e uma lista de espera
de mais 300 pessoas, e outra com 100 alunos. A escola tem funcionamento anual, está
aberta para qualquer interessado e promove atividades todas as segundas-feiras, de
março a dezembro. No programa da EEBA, os alunos assistem aos espetáculos de
diferentes circuitos do teatro portenho (oficial, independente, revista, comunitário,
internacional, etc.) e, posteriormente, em aulas com duração de 03 horas, analisam o
espetáculo assistido com a presença de artistas vinculados à montagem objeto de estudo.
O nome da EEBA é uma homenagem à Anne Ubersfeld (1918-2010), autora,
dentre outros, do livro “La escuela del espectador” (1996). A crítica francesa diz, dentre
outras questões, o seguinte:
[...] o espectador também é produtor porque com ele, e somente com ele,
chega a concretizar-se realmente o sentido; [...] essa responsabilidade lhe
cabe, e a partir daí pode se compreender porque é necessário que o
espectador se eduque e em que sentido se pode falar de uma escola do
espectador. [...] E não temos a pretensão de ensinar o espectador, senão de
lhe indicar como aprender, de lhe mostrar os caminhos desta aprendizagem,
de colocar, se for possível, em seu mapa de viagem, os itinerários do olhar e
da escuta (UBERSFELD, 1996, p. 307, tradução nossa).
Buenos Aires é considerada o maior polo teatral da Argentina e, sem dúvida, um
dos mais respeitáveis da América Latina, equiparada a cidades com importantes
atividades teatrais como Berlin, Paris, Nova York e Londres. A cidade possui inúmeras
salas de espetáculos, tem uma oferta enorme e com qualidade, mas, na opinião de
Dubatti (apud REPISO, 2012), ainda deve aperfeiçoar seu sistema de bilheteria e
ampliar a relação com o teatro internacional.
Diante multiplicidade do campo teatral argentino, em que coexistem diferentes
poéticas e propostas ideológicas,
[...] os espectadores cumprem hoje uma função essencial no desenvolvimento
e difusão na produção de pensamento crítico. O que sustenta o teatro de
Buenos Aires não é os periódicos nem a publicidade senão o “boca a boca”,
instituição da oralidade que consiste na recomendação na recomendação que
realiza diretamente um espectador a outro, modalidade arraigada diante do
empobrecimento da crítica profissional nos meios massivos. [...] O boca a
boca se converteu na instituição crítica mais potente de Buenos Aires
(DUBATTI, 2009, tradução nossa).
A EEBA surgiu com ideia de enriquecer e ampliar o horizonte dos espectadores
com a finalidade de instrumentalizar os participantes para multiplicarem o desfrute e a
compreensão dos espetáculos assistidos com profundidade e comunicabilidade.
Segundo seu idealizador, “[...] a pessoa crê que vem como que preparada para ver
teatro, mas o teatro tem suas regras, tem sua linguagem e nem todas as obras são iguais”
(VIDAS
Consagradas,
2012a.
Disponível
em:
<https://www.youtube.com/watch?v=nTKWBV2TidA>. Acesso em: 26/06/2014,
tradução nossa). Dubatti enfatiza ainda que o espectador deve estar aberto para assistir
todos os gêneros de espetáculo teatral, sem preconceitos (VIDAS Consagradas, 2012b.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=J5QpK6Lt-vs>. Acesso em:
26/06/2014).
Desde o seu surgimento, a EEBA serve de modelo para iniciativas semelhantes
em diversos lugares, como Distrito Federal/México (2004); Montevideo/Uruguai
(2006); Santiago/Chile (2008); La Paz/Bolívia (2012); Medellín/Colômbia; Lima/Peru;
e recentemente, em 26 de março de 2013, no Teatro de Câmara Túlio Piva, como um
projeto da Coordenação de Artes Cênicas da Prefeitura Municipal de Porto Alegre
(PMPA), sob a coordenação do jornalista e dramaturgo Renato Mendonça, foi
inaugurada no Brasil a “Escola de Espectadores de Porto Alegre” (EEPA). O programa
da EEPA inclui debates sobre os espetáculos de teatro e dança em cartaz na cidade
juntamente com os artistas envolvidos e aulas que tratam sobre fundamentos das artes
cênicas, como, por exemplo, a aula de Teoria do Teatro com a professora Graça Nunes,
que abordou dramaturgia contemporânea no dia 21/09/2013.
As aulas da EEPA, gratuitas e sem exigência de pré-requisitos para participação,
são ofertadas quinzenalmente nos sábados pela manhã, na sala Álvaro Moreyra - Centro
Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues. Dentre os espetáculos abordados na EEPA
em 2013, pode-se citar: “A Mulher do Padeiro”, sob a direção de Ramiro Silveira, da
Cia de Arte (Porto Alegre/RS); “O Monstro de Olhos Verdes”, dirigida por Camilo de
Lélis; “A Marca da Água”, sob a direção de Paulo de Moraes, do Armazém Cia de
Teatro (Rio de Janeiro/RJ); “Natalício Cavalo”, dirigido por Patrícia Fagundes, da Cia
Rústica de Teatro (Porto Alegre/RS); entre outros. Os estudantes da escola, em muitas
ocasiões, recebem descontos em entradas e gratuidade para assistir espetáculos.
Em cada cidade, tem um funcionamento diferente, de acordo com a realidade
teatral, com a história e com os comportamentos do público e também com a
dinâmica dada por seu coordenador. Cada escola deve responder à realidade,
às necessidades e às possibilidades concretas do teatro de cada cidade
(PRIKLADNICKI, 2013).
Os programas das Escolas de Espectadores, enquanto exemplos atuais de
mediação teatral, possivelmente promovem um diálogo enriquecedor com o público
sobre a obra e qualificam o encontro dos espectadores com a intimidade do espetáculo.
Bertolt Brecht (1898-1956), importante teórico, dramaturgo e diretor do período
moderno, nos anos de 1940 já chamava a atenção para a necessidade de
desenvolvimento da arte do espectador, de formação do espectador. Tal indicação em
relação ao papel do espectador estimulou, a partir da metade do século XX, o
surgimento da mediação teatral como campo de investigação teatral.
De acordo com Flávio Desgranges,
Podemos compreender a mediação teatral, no âmbito de projetos que visem à
formação de público, como qualquer iniciativa que viabilize o acesso dos
espectadores ao teatro, tanto o acesso físico, quanto o acesso linguístico. [...]
O acesso linguístico, como o próprio termo sugere, opera nos terrenos da
linguagem. E trata não apenas da promoção, do estímulo, mas especialmente
da constituição do percurso relacional do espectador com a cena teatral, da
conquista de sua autonomia crítica e criativa. [...] um projeto de formação de
espectadores visa não apenas a facilitação do acesso físico, mas também, e
principalmente, a do acesso linguístico, pois quer trabalhar com as
individualidades, com as subjetividades, com as conquistas efetivadas por
cada espectador no processo em curso (2008, p. 76-77).
Na medida em que o teatro de Brecht visava, dentre outras questões, provocar o
espectador a tomar decisões, instigá-lo a posicionar-se criticamente perante os
acontecimentos e praticar ações sociais transformadoras, sua proposta continha ideais
pedagógicos; pois trabalhava na perspectiva de ampliar o conhecimento do espectador
sobre a linguagem teatral e oferecer condições para o espectador efetuar uma leitura
própria do espetáculo. O encenador alemão aspirava ao espectador ideal, aquele que
“julga gozando e goza julgando, é o que propriamente recria a obra de arte” (JAUSS
apud ROMANO, 2010, p. 36); assim, os efeitos de suas peças não deveriam acabar ao
fechar das cortinas, mas sim continuar ressonando dentro de cada um.
A especificidade do teatro é que ele se realiza exclusivamente no tempo presente
e mediante a presença do ator e do espectador, e esta presença o faz vivo e poderoso. O
teatro se define a partir do que é indispensável para sua realização, está pautado no
essencial, no confronto entre os atores e o público. No entanto, em diversos países do
mundo, inclusive no Brasil, o esvaziamento das salas de espetáculo tem sido crescente.
A plateia é o membro mais reverenciado do teatro. Sem plateia não há teatro.
Cada técnica aprendida pelo ator, cada cortina e plataforma do palco, cada
análise feita cuidadosamente pelo diretor, cada cena coordenada é para o
deleite da plateia. Eles são nossos convidados, nossos avaliadores e o último
elemento na roda que pode então começar a girar. Ela dá significado ao
espetáculo (SPOLIN, 1998, p. 11).
No início da década de 1970, em uma análise da crise do teatro em relação à
falta de público nas casas de espetáculo brasileiras, que ainda persiste, Rosenfeld
apontou:
[...] em nosso país, se os teatros fossem fechados, não apenas uma
porcentagem do público não tomaria conhecimento disso durante algumas
semanas [...], mas [...] grande parcela da população brasileira, provavelmente,
nunca se daria conta do ocorrido (apud DESGRANGES, 2010, p. 20).
A pesquisa “Sistema de Indicadores de Percepção Social – Cultura”, efetuada
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA em 2010, em que foram
entrevistadas 2.770 pessoas em todos os estados do Brasil, com grau de confiança dos
números 95%, revela que 59,2% da população nunca vão ao teatro, circo e shows, e
25,6% frequentam raramente. No que diz respeito à frequência de práticas culturais por
faixa de idade, 0,6 dos jovens frequentam todos os dias, 19,3 pelo menos uma vez por
mês, e 79,4 raramente ou nunca.
O prazer de assistir a espetáculos teatrais advém justamente do domínio da
linguagem, que amplia o interesse pelo teatro à proporção que possibilita uma
compreensão mais aguda, uma percepção cada vez mais apurada das
encenações. [...] Ir ao teatro ou gostar de teatro, também se aprende. E
ninguém gosta de algo sem conhecê-lo (DESGRANGES, 2010, p. 33).
A pesquisa do IPEA aponta ainda, no que se refere à intensidade das práticas por
escolaridade, que “[...] a maior frequência de prática ou de ida ao teatro, circo e
apresentações de dança se dá entre aqueles que chegaram ao nível superior: 25,8%
frequentam esses eventos pelo menos uma vez por mês. [...]” (IPEA, 2010, p. 13).
Os dez fundamentos da EEBA são:
1.- Valorizar o lugar do espectador como laboratório de percepção da
teatralidade, testemunha e protagonista do acontecimento, cocriador na
poiesis receptiva. 2.- Consolidar a instituição da oralidade, o boca a boca, e
seu complemento, a nova figura do espectador-crítico, que constituem a mais
importante fonte de produção de pensamento crítico teatral no presente e
mantém vivo o teatro de Buenos Aires. 3.- Considerar o teatro como uma
fonte ilimitada de saberes e pensamento, cujo intelecto requer formação
específica e em disciplinas complementares, assim como muitas horas de
estudo e análise e a disposição do corpo e materiais de arquivo. Frente à
redefinição do teatro, à relevância do conceitual e o auge da redelimitação na
formulação das poéticas do século XX e XXI, dispor de informação histórica
e categorias intelectuais precisas para a compreensão dos acontecimentos
teatrais. 4.- Selecionar e orientar-se na diversidade, a partir de critérios de
valoração elaborados criticamente. 5.- Ter acesso à subjetividade dos artistas
em um espaço de encontro e diálogo por fora do acontecimento teatral. 6.Fazer do estudo teatral não uma matéria a mais da educação formal – grades
para completar, questionários, exames, monografias, etc. - mas um simples
espaço de gozo que recupera o teatro como prazer, alegria, ócio, diálogo,
pensamento, conhecimento, meditação, problematização e transformação da
realidade e o desburocratiza de outros marcos pedagógicos, sem obrigação de
“cursar”. 7.- Assistir regularmente ao teatro e proporcionar uma história do
presente. 8.- Criar um espaço de permanente formação histórica e teórica,
destinado à renovação da teatrologia argentina. 9.- Distinguir as categorias do
gosto das analíticas e argumentativas. 10.- Trabalhar na revelação do
espectador histórico ou empírico mediante diálogo, entrevistas, pesquisas,
estadísticas, testemunhos de convívio e autobiografias do espectador
(DUBATTI, 2009, tradução nossa).
Em relação ao sexto fundamento da EEBA referente ao estudo teatral não como
uma matéria de educação formal, foco da problematização do presente trabalho, o
professor da UBA argumenta que embora considere a função da escola fundamental por
contatar os estudantes com o teatro e as demais artes, acredita que o teatro não deve ser
uma matéria curricular em que se demande a escrita de questionários e pesquisas.
[...] Me encanta os professores que levam as crianças ao teatro como se
saíssem em excursão. [...] ócio, espaço de gozo, espaço de liberdade, [...] que
lhes permitem, de alguma maneira, relacionar-se mais livremente com esse
material desde o ócio, desde a disponibilidade espiritual. Então, eu creio que
a escola teria que ingressar uma relação muito mais ociosa com a arte.
(VIDAS
Consagradas,
2012c.
Disponível
em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ixeqOVYKjMg>.
Acesso
em:
26/06/2014, tradução nossa).
Com base nos dados apresentados acima, creio que no Brasil a frequência e
familiaridade com o teatro do público em geral é bem distinta da realidade argentina,
especialmente, portenha. Para exemplificar, entre novembro de 2011 e março de 2012,
foram aplicados, no âmbito do “Programa Institucional Arte na Escola” – Polo
Universidade Regional de Blumenau, 75 questionários sobre o teatro no cotidiano
escolar com as professoras participantes do projeto de extensão “O Jogo Teatral na
Escola”, coordenado por mim, e os dados revelaram, dentre outras questões, o seguinte:
24% dessas professoras nunca foram ao Teatro. Mas, 48% afirmaram que a
escola/centro educacional em que atuam promovem idas ao teatro com alunos e
professores ou recebe grupos de teatro para apresentações 01 vez por ano.
Na preparação para a ida ao teatro, na qual se utiliza o método discursivo, a
mediação se dá através de informações sobre o autor e o contexto histórico da
peça e sua recepção na história do teatro. Muitas vezes há necessidade de
esclarecimentos sobre o tema (quando a encenação não parte de um texto
literário). Alimentada por projetos interdisciplinares, a ida ao teatro poderá
até mesmo focar questões de história, geografia, língua portuguesa e outros.
(KOUDELA, s/d, p. 16).
A situação do ensino do teatro nas escolas da rede pública no Vale do Itajaí é
crítica, visto que na rede estadual catarinense prevalece o ensino polivalente das
linguagens artísticas, conforme instituído pela antiga Lei 5.692/71 (LDBEN/71), em que
um mesmo professor é responsável pelo ensino de conteúdos de música, artes plásticas e
artes cênicas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em relação ao Teatro, apontam o
seguinte:
O teatro no ensino fundamental proporciona experiências que contribuem
para o crescimento integrado da criança sob vários aspectos. No plano
individual, o desenvolvimento de suas capacidades expressivas e artísticas.
No plano do coletivo, o teatro oferece, por ser uma atividade grupal, o
exercício das relações de cooperação, diálogo, respeito mútuo, reflexão sobre
como agir com os colegas, flexibilidade de aceitação das diferenças e
aquisição de sua autonomia como resultado do poder agir e pensar sem
coerção (BRASIL,1997, p. 58).
A região de Blumenau ainda é carente de professores habilitados para atuarem
na disciplina de Arte, especialmente, com licenciatura em Teatro, uma vez que a única
Universidade da região, a FURB, que oferta cursos superiores em Teatro desde 1995,
por diferentes dificuldades, passou quase 10 (dez) anos sem abrir uma turma de
licenciatura (de 2004 a 2013). Dentre as diferentes razões da não abertura da
licenciatura em Teatro em Blumenau nesses anos, podemos mencionar: a resistência,
durante anos, de parte do corpo docente em ofertar licenciatura em decorrência da
“preferência” dos discentes pelo bacharelado; pelo alto custo das mensalidades, uma vez
que a instituição é pública (Autarquia Municipal), mas não é gratuita3, entre outros
fatores.
Considerando que muitas crianças tomam o primeiro contato com as artes cênicas
por meio da escola, é fundamental incentivar as crianças frequentarem o teatro, bem
como investir na instrumentalização e capacitação dos professores para mediarem o
contato dos estudantes com a arte teatral.
De acordo com Bourdieu e Darbel,
Quem não recebeu da família ou da Escola os instrumentos, que somente a
familiaridade pode proporcionar, está condenado a uma percepção da obra de
arte que toma de empréstimo suas categorias à experiência cotidiana e
termina no simples reconhecimento do objeto representado: com efeito, o
espectador desarmado não pode ver outra coisa senão as significações
primárias que não caracterizam em nada o estilo da obra de arte, além de
estar condenado a recorrer, na melhor das hipóteses, a “conceitos
demonstrativos” que [...] limitam-se a aprender e a designar as propriedades
sensíveis da obra [...] ou a experiência emocional [...] suscitada por essas
propriedades (2003, p. 79).
Na presente análise, pressuponho que, embora as Escolas de Espectadores
cumpram importante papel de medição teatral, estimulando a frequência em
temporadas, a defesa do teatro apenas como matéria informal simplifica a carpintaria
das artes cênicas e restringe a referência metodológica de formação de espectadores, na
medida em que a maior parte das crianças toma contato com o teatro por meio da escola
e, nesse local, a disciplina Artes necessita de rigor próprio e exclusivo.
REFERÊNCIAS
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e seu público. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Zouk, 2003.
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2010.
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KOUDELA, Ingrid Dormien. A ida ao teatro. - s/d. - Disponível em:
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PRIKLADNICKI, Fábio. Escola de Espectadores será aberta terça-feira em Porto
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ROMANO, Olívia Camboim. Uma arena no museu: reflexões sobre a primeira
montagem de Brecht em Santa Catarina. Blumenau: Edifurb, 2010.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1998.
UBERSFELD, Anne. La escuela del espectador. Madrid: Asociación de Directores de
Escena de España, 1996.
VIDAS Consagradas - Jorge Dubatti - parte 1. Condução de Silvia Gallicchio. Buenos
Aires: Huellas Digitales Producciones, 2012a (13:48min), son., color. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=nTKWBV2TidA>. Acesso em: 26/06/2014.
VIDAS Consagradas - Jorge Dubatti - parte 2. Condução de Silvia Gallicchio. Buenos
Aires: Huellas Digitales Producciones, 2012b (09:20min), son., color. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=J5QpK6Lt-vs>. Acesso em: 26/06/2014.
VIDAS Consagradas - Jorge Dubatti - parte 3. Condução de Silvia Gallicchio. Buenos
Aires: Huellas Digitales Producciones, 2012c (11:51min), son., color. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ixeqOVYKjMg>. Acesso em: 26/06/2014.
1
Graduada em Licenciatura em Artes Cênicas e Mestre em Teatro pela Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade
Federal da Bahia (PPGAC/UFBA). Professora efetiva da Universidade Regional de Blumenau (FURB)
desde 2006. Autora do livro Uma arena no museu: reflexões sobre a primeira montagem de Brecht em
Santa Catarina (Blumenau: Edifurb, 2010). Integra o G-PEC - Grupo de Pesquisa em Encenação
Contemporânea - Linha de Pesquisa Processos Educacionais em Artes Cênicas. E-mail:
[email protected].
2
Av. Corrientes, 1543 – Buenos Aires/AR.
3
Em 2013/2 e 2014/2, a FURB fez tentativas frustradas para abertura de Teatro no PARFOR, mas, o
número de matrículas efetivadas foi insuficiente. Dentre as razões desses números constam: a exigência
de comprovação de estar no exercício da docência na disciplina para a qual está pleiteando matrícula e
algumas pré-inscrições não terem sido avaliadas pelas Secretarias de Educação. Há expectativa de
abertura de uma turma em 2015/1 com recursos do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento
da Educação (FUMDES).
TEMA: ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO TÍTULO: EDUCAÇÃO SOMÁTICA COMO AGENTE PARA A CRIAÇÃO Autora: Paloma Bianchi; Orientadora: Profa. Dra. Sandra Meyer Nunes; Instituição: UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) As artes do corpo vêm se beneficiando desde meados do século XX do encontro com as abordagens somáticas principalmente no campo da pedagogia, no qual vêm sendo empregadas amplamente com o intuito de preparar o corpo do ator e do bailarino para a ação em que o “fazer” e o “se perceber fazendo” não só não se desassociam, como essa dupla ação se torna imprescindível. A expressão abordagem somática deriva do termo, cunhado por Thomas Hanna em meados dos anos 1980, Educação Somática. Tal termo busca criar uma unidade entre pesquisas heterogêneas concebidas desde o início do século XX, como a Eutonia, Ideokinesis, Feldenkrais, técnica Alexander e Body Mind Centering (BMC). O propósito da substituição da palavra corpo pela palavra soma reside na ideia de que soma engloba o indivíduo experienciando a si mesmo, percebendo a si mesmo em cada instante, e aprendendo em sua própria experiência. Nas últimas três décadas os termos soma e somático vêm se popularizando e consequentemente perdendo seu sentido original, passando a ser utilizados indiscriminadamente para definir qualquer técnica ou método que fuja de uma visão corporal mecanicista. Marcia Strazzacappa (2009) aponta que tais termos se tornaram um selo de garantia e de qualidade de todo e qualquer trabalho corporal. Lima (2010) inclui nessa discussão a postura profissional de professores das ditas técnicas de educação somática que simplesmente aplicam um conjunto de movimentos e um punhado de pensamentos esperando que isso seja suficiente para transformar o sujeito e sua relação com o mundo. A fim de clarear tal confusão, Lima (2010) propõe alguns preceitos essenciais às abordagens somáticas: a negação da separação entre corpo e mente, alma e matéria ou corpo e espírito; o entendimento de que a relação entre o sujeito e o mundo instaura comportamentos psicomotores disfuncionais; a defesa da consciência corporal como ferramenta de transformação de seu estar no mundo. Lima afirma que as abordagens somáticas buscam provocar uma transformação no modo de operar do indivíduo, e essa transformação reverbera no seu modo de agir no ambiente. À vista disso, o propósito das várias abordagens somáticas não se limita a oferecer uma reeducação postural e o bem-­‐estar físico, mas propor um modo não ordinário de se estar em si, de se perceber a si, e consequentemente propõe também um modo de se perceber e de estar no mundo. Em 1996,1 Sylvie Fortin2 (1999) assinalava que a dança poderia se nutrir das abordagens somáticas na questão da prevenção de lesões, na melhora da qualidade técnica e na ampliação das capacidades expressivas do bailarino – assim, as abordagens funcionariam como treinamento complementar aos estudos e às práticas em dança. Essas três funcionalidades apontadas pela autora foram extremamente reproduzidas, ao longo desses quase 20 anos, e se tornaram balizadoras tanto no modo de refletir sobre a relação entre abordagens somáticas e artes presenciais em artigos, dissertações e teses, como também balizaram a maneira de incluir tais práticas nas atividades pedagógicas e artísticas. Hoje diferentes abordagens somáticas fazem parte da grade de disciplinas de grande parte das graduações e pós-­‐graduações em artes cênicas. Na França, a graduação em licenciatura em dança abarca não somente aulas de técnicas de dança, como o ballet e o jazz, mas também aulas de anatomia, fisiologia e cinesiologia, o que naquele país se denomina análise funcional do movimento dançado, correspondendo ao que comumente chamamos de Educação Somática (SOTER, 2006). No Brasil não é diferente: na graduação de Comunicação nas Artes do Corpo da PUC de São Paulo matérias como Eutonia e Cinesiologia também fazem parte da formação dos artistas do corpo. Além disso, em São Paulo, há a pós-­‐graduação em Educação Somática da Faculdade Anhembi-­‐Morumbi e, no Rio de Janeiro, a pós-­‐graduação no método Angel Vianna, só para citar algumas. As abordagens somáticas aqui citadas têm função complementar e são utilizadas como suporte aos processos pedagógicos. Curioso perceber que as abordagens somáticas ainda se restringem ao campo pedagógico, estando praticamente excluídas dos processos de criação. Parece proveitoso trazer para esta discussão as colocações sobre a questão do corpo do filósofo francês Michel Bernard (2010),3 que se aproxima dos estudos da fenomenologia ao postular que o corpo se molda ininterruptamente em contato com o ambiente, numa ação recíproca, e que a visão de corpo vigente tem sua origem na tradição teórico-­‐metafísica ocidental – uma visão técnico-­‐
científica capitalista normatizada, segundo o autor –, que deve ser questionada. Aponta também que a arte contemporânea teve papel preponderante nesse questionamento e menciona os processos de criação que viabilizam transformações e transmutações de tal visão e propõem fenômenos como a acumulação, a coagulação e a sedimentação. Citando Ehrenzweig, Bernard afirma que a produção artística desconstrói e revela o corpo como “materialidade sensível, instável e aleatória” (p. 20) e, tendo isso em vista, sugere o termo corporeidade com o intuito de romper com um modelo de corpo como suporte ou veículo desvinculado das intensidades e dos agenciamentos sensoriais. Se uma das principais finalidades das abordagens somáticas, como disse Lima, é a transformação da percepção do corpo em si e a transformação da relação desse corpo com o mundo, e, como consequência disso, a transformação do modo de agir desse corpo sobre o mundo, e que a arte contemporânea, mais especificamente, o artista, carrega consigo o trabalho sobre as intensidades e agenciamentos sensoriais, não seria de todo surpreendente aliar a abordagem somática à pesquisa e criação em arte. Hoje as abordagens somáticas se encontram totalmente disseminadas nos procedimentos pedagógicos, tanto nos cursos de bacharelado como nos de licenciatura, enquanto o mesmo não acontece quando se observam os processos de criação dos artistas. Ainda que existam tais aproximações, estas, muitas vezes, permanecem limitadas ao campo que Fortin apontou em 1996 – na preparação e no treinamento corporal –, não sendo incluídas como parte do processo de criação. Rompendo tal regra, existem, de maneira esparsa, experiências que compõem processos de criação e abordagens somáticas, por exemplo, no trabalho de Marila Velloso.4 Velloso pesquisa há muitos anos o Body Mind Centering,5 aplicando-­‐o tanto em suas práticas pedagógicas como em seus processos de criação. No espetáculo Ditado no Escuro, a criação partiu da pesquisa de dois sistemas do BMC: o sistema esquelético – que trabalha a questão da estrutura e se relaciona com as questões da infância – e o sistema orgânico – que trabalha a ideia de água e de ancestralidade. Semelhantemente a Velloso, Cinthia Kunifas6 (2008) aponta que as abordagens somáticas abriram novas possibilidades no processo de criação de seu solo Corpo Desconhecido. Foi por meio do estudo da percepção da técnica Alexander que a bailarina voltou seu olhar para o corpo que dança em vez de focar sua atenção no próprio movimento. O tema desse espetáculo é a experiência do corpo em si, não há uma ideia anterior a ser trabalhada; o corpo é a própria matéria, tema e assunto. Cada abordagem somática tem uma maneira específica de entender e de lidar com o corpo e a corporeidade. A técnica Alexander e a Eutonia, por exemplo, propõem uma construção de tônus muito sutil, o gesto se dá pelo menor uso de força possível, a economia de força é em si um dos temas dessas abordagens. Já o BMC pensa o corpo em sistemas – esquelético, muscular, orgânico, endócrino, ligamentar e nervoso –, além de refletir sobre a percepção e os sentidos. Cada modo de lidar com o corpo acarreta um tipo de percepção específico; diferentes modos de organizar e sensibilizar o corpo resultam em diferentes maneiras de se perceber, consequentemente, diferentes maneiras de se relacionar com o mundo. Assim, cada abordagem somática faz emergir um tipo específico de processo criativo. A Coordenação Motora de Béziers e Piret propõe uma maneira singular de sensibilizar o corpo, partindo não da proposição de um relaxamento ou de uma entrega, mas da estruturação corporal. Ela requisita um tônus, e essa ação muscular, ativa e consciente, propicia “diferenciar muito sutilmente as sensações dos músculos, dos feixes musculares, o estiramento da pele, as mínimas nuances da percepção dos sentidos, os estados de equilíbrio, os graus de tensão” (1992, p. 150), fomentando uma variedade grande de percepções nuançadas e minuciosas, ao mesmo tempo que possibilita uma presença atenta e encarnada. Assim, a Coordenação Motora se mostra um agente preciso na construção de estados e corporeidades vivas, relacionais e perceptivas. O estudo sobre a coordenação motora das fisioterapeutas Marie-­‐Madeleine Béziers e Suzanne Piret se originou de uma longa reflexão sobre suas práticas profissionais na questão da motricidade disfuncional de crianças e adultos, entre as décadas de 1960 e 1970, na França. Nessa época, segundo as fisioterapeutas (1992), as teorias fenomenológicas e psicológicas sobre a percepção vinham reiteradamente rompendo com a díade entre mente e corpo por meio da ideia de corpo vivenciado. A inclusão do corpo como lugar de troca e instância de relação permitiu que a motricidade deixasse de ser considerada como uma estrutura isolada do psiquismo, da afetividade e da relação. O sistema7 Coordenação Motora procura ser uma síntese da estruturação do movimento humano na qual o corpo é entendido como corpo vivenciado, situado no espaço-­‐tempo e em constante relação com o ambiente; um corpomente (MEYER, 2011) que se afeta e é afetado, que se molda e é moldado, que se estrutura e é estruturado pelo vivido, pela experiência – enfim, a construção de si se dá pela experiência vivenciada pelo corpo como um todo. Tal como outras abordagens somáticas, a Coordenação Motora entende que a transformação dos modos de se estar no mundo depende, em absoluto, da percepção do sujeito sobre si mesmo, e entende que a percepção depende de três noções fundamentais: a noção de estrutura – a propriocepção, o sentido de si; a noção de passagem – a percepção de um espaço e tempo motores; e a noção de relação – quando os espaços tempo-­‐motores são postos em relação com o ambiente. Entrei em contato com a Coordenação Motora, em 1999, quando participava de um grupo de experimentação em performance chamado Teatro da Terra. O grupo surgiu do encontro entre pessoas de diferentes formações e experiências artísticas8 na Faculdade de Comunicação das Artes do Corpo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-­‐SP). Durante os dois anos de duração do Teatro da Terra, cada integrante trazia ideias pessoais para nosso espaço de pesquisa. Um dos integrantes9 propôs que fizéssemos uso da Coordenação Motora na preparação e no treinamento corporal de nossa pesquisa. Nessa época, eu estava muito envolvida com as danças clássicas indianas e, como a construção corporal que a Coordenação Motora postula assemelha-­‐se muito à estrutura que essas danças oferecem, meu interesse por essa abordagem foi quase instantâneo. Assim, em 2002 decidi me aprofundar nesse estudo, fiz a formação na escola de Bertazzo e segui, ininterruptamente, com as aulas regulares por mais de dez anos com a professora Monica Monteiro,10 com quem também trabalhei em parceria, dando aulas e cursos e coreografando espetáculos a partir da Coordenação Motora. Desde essa época tal pesquisa se tornou o foco principal de meus estudos e de meu trabalho como artista e professora. Após tantos anos pesquisando e trabalhando sobre esse sistema me encontrei num lugar estagnado: lecionava muitas aulas sobre o tema, mas percebi que não conseguiria ampliar mais meus estudos se continuasse da maneira como estava trabalhando. Sabia que a Coordenação Motora era um modo excelente de preparação corporal, pois ela não só organiza e realinha o corpo como também permite o entendimento de como se dá a relação entre as partes do corpo, e como essas partes se estruturam criando uma coesão. Sabia também que essa arquitetura viabilizava diferentes maneiras de relacionamento com o espaço e construía corpos presentes. Mas o que me interessava pesquisar ainda estava no campo da conjectura. Minha inquietação foi crescendo e decidi transformar meu olhar: resolvi investigar se a Coordenação Motora podia fazer de fato emergir poéticas do corpo e deslocar a Coordenação Motora do campo da terapia corporal para o campo das artes presenciais. Para fazer tal transposição me juntei, em setembro de 2013, ao Coletivo Mapas e Hipertextos, grupo sediado na cidade de Florianópolis composto atualmente por sete artistas-­‐
pesquisadoras das artes presenciais advindas de diferentes formações artísticas: eu sou bailarina, performer e professora e investigo a Coordenação Motora como poética; Milene Duenha é atriz e performer e pesquisa a questão da presença não impositiva do performer; Raquel Purper é dançarina e atriz e sua questão é o corpo político; Mayana Marengo é professora e bailarina e pesquisa contato e improvisação; Cecília Jácome é atriz e investiga as artes do corpo no espaço urbano; Michele Schiocchet é performer e pesquisa a relação entre corpo e mídias; Diana Gilardenghi é bailarina e coreógrafa e investiga processos de criação. O coletivo procura abarcar as pesquisas de todos os participantes ao investigar as relações entre corpo, presença, ética, estética, poética e política. Nós do coletivo entendemos que todas essas instâncias que compõem o fazer das artes presenciais não se desassociam e devem ser contempladas tanto nos processos de pesquisa como na presentação11 das ações artísticas. Em cada encontro do coletivo proponho primeiramente explorar alguns princípios da Coordenação Motora e, a partir deles, partimos para uma improvisação guiada (que pode ser guiada por qualquer membro do coletivo) na qual procuramos investigar as suas possíveis reverberações no fazer artístico e poético do coletivo Mapas e Hipertextos. Tais princípios são primeiramente experienciados objetivamente, ou seja, sem que se procurem associações imagéticas ou metáforas: apenas experimentamos de maneira concreta, procurando “encarnar” cada um deles, para que se estabeleça a percepção corporal “crua”. Conforme desenvolvemos cada um desses princípios, criamos composições com outros princípios e, a partir disso, começamos a perceber as relações que emergem, assim criando um jogo, criando camadas de sentido para cada ação realizada. Ao trabalharmos dessa maneira, a experiência perceptiva torna-­‐se o fundamento de nossa pesquisa. A fim de oferecer maior clareza a esses princípios e suas relações com nosso processo de pesquisa, é pertinente desenvolver melhor cada um deles, assim como a maneira como eles têm sido empregados nas nossas investigações. Unidade de Coordenação Segundo Béziers e Piret (1992), todo movimento acontece por meio das unidades de coordenação. A Unidade de Coordenação é um conjunto formado por duas articulações esféricas12 em extremidades opostas que se colocam sob tensão ao oporem os sentidos de suas rotações pela ação dos músculos pluriarticulares (condutores de movimento). O corpo se compõe de diversas unidades de coordenação (como braços, pernas, tronco, mãos e pés), cada uma se relacionando e afetando a unidade seguinte, promovendo uma unidade de tensão total. Esse tensionamento por torção desencadeia um movimento de flexão-­‐extensão, gerando assim um equilíbrio de tensão entre os músculos flexores e extensores, ao mesmo tempo que cria um percurso de transmissão de força contínuo, dinâmico e perpétuo que percorre todo o corpo de forma elíptica, funcionando como o anel de Moebius.13 Todo o trabalho da Coordenação Motora se fundamenta primordialmente na experiência dessas unidades de coordenação. Pode-­‐se exercitar uma unidade lenta e meticulosamente, observando o caminho de tensão criado pelas oposições articulares – um trabalho de micromovimentos praticamente invisíveis –, ou de maneira mais dinâmica, usando uma ação explosiva de força – num trabalho de movimentos mais amplos e rápidos. Ao se estruturar uma unidade, começa-­‐se a acessar a unidade conseguinte e, aos poucos, percebe-­‐se a unidade de tensão no corpo inteiro. Essa pesquisa, então, passa a ser explorada em movimentos que requisitam o corpo como um todo, exigindo mais ou menos força, dependendo do objetivo da investigação. Ao pesquisarmos profundamente as unidades de coordenação em nosso coletivo, nos deparamos com a ideia de oposição: oposição entre partes do corpo, oposição entre corpos, oposição de ação. Essa ideia serviu de gatilho para pesquisarmos ideias e movimentos em oposição. Assim, a pessoa incumbida de guiar a improvisação pode, no momento que achar oportuno, dar o comando de “oposição”. Quando isso acontece, somos obrigadas a encontrar o oposto daquilo que estamos fazendo. O objetivo não é somente fazer o oposto, mas questionar o que é o oposto disso e dar alguma forma para isso. Esse trabalho com a oposição acarretou a ideia de ambivalência, ou seja, construir no próprio corpo estados simultaneamente diferentes e conflitantes, que propiciam camadas de sentido diversas. Vetores do Corpo – Estrutura e Dinâmica A Coordenação Motora concebe duas linhas ou vetores de força que atuam sobre o corpo: uma estruturante e outra dinâmica. O vetor estruturante indica uma relação do corpo em si por meio do agrupamento e da concentração do corpo sobre si mesmo, o enrolamento, e o endireitamento, a volta ao equilíbrio. As ações de enrolar e de endireitar se dão pela estruturação do sistema reto (BÉZIERS, PIRET, 1992). De maneira geral, o sistema reto se compõe de duas esferas – crânio e cintura pélvica –, que se conectam por meio de dois eixos – posterior (coluna vertebral e músculos extensores) e anterior (ossos maxilar inferior, hioide, esterno e púbis e músculos flexores). Seu movimento tem forma elíptica e consiste na aproximação e no afastamento entre as esferas do crânio e da cintura pélvica por meio da ação dos dois eixos, sendo que o eixo anterior é responsável pelo enrolamento (flexão) e o posterior, pelo endireitamento (extensão). A oposição, ou antagonismo, entre o crânio e a cintura pélvica se sustenta tanto por uma boa organização dos músculos dessas esferas, como pelo equilíbrio tônico entre as musculaturas dos dois eixos. As forças musculares que se opõem e se equilibram garantem mobilidade às vértebras, ao mesmo tempo que estabilizam o tronco, estabilidade essa que não deve ser entendida como enrijecimento, mas como suporte para o movimento (BÉZIERS, PIRET, 1992). O trabalho corporal sobre o vetor dinâmico decorre do apoio no sistema reto (vetor estruturante) para, a partir dele, criar uma nova oposição, agora em torção, que faz com que a elipse se torça sobre si mesma. Nesse movimento, a ação muscular acontece lateralmente por meio do sistema cruzado (especialmente pela ação dos oblíquos abdominais) num movimento recíproco: quando um lado entra em flexão, o outro entra em extensão, alterando a forma do sistema reto e criando uma oposição contralateral entre crânio e bacia (BÉZIERS, PIRET, 1992). A propagação da torção ao longo do corpo depende dos músculos pluriarticulares, músculos longitudinais, também chamados de músculos condutores de movimento devido a sua qualidade de transmissão de tensão em cadeia. Esses músculos se inserem em pelo menos duas articulações, fazendo com que uma articulação entre numa rotação interna e a outra numa rotação externa, criando torção em oposição, conduzindo a tensão gerada até os membros inferiores e superiores – portanto, o sistema cruzado prolonga seu movimento até os membros. Béziers aponta esse vetor como relacional, pois deixa de se dobrar apenas sobre si e passa a criar relações com o ambiente (BÉZIERS, PIRET, 1992). Em nosso coletivo estamos atualmente pesquisando a indignação, principalmente na questão da violência no cotidiano. Ao trabalharmos com esses vetores de força, Raquel propôs uma improvisação com sacos de lixo. A ideia era entrarmos nos sacos de lixo, nos fecharmos e experimentarmos o trabalho dos vetores partindo da maior flexão anterior possível, para, a partir daí, explorarmos diferentes graduações de tônus e de expansão, desde o plano baixo até o alto e o estabelecimento de relação entre nós. O fato de estarmos fechadas dentro de um saco de lixo propiciou o surgimento de novas camadas de sensações: o cheiro do plástico, a sensação de sufocamento, de aprisionamento e de cerceamento da mobilidade, que, por sua vez, serviram de ignição para o estabelecimento de estados como o de “mulher-­‐lixo”. Essa improvisação se tornou uma ação-­‐modular,14 que exploramos mais de uma vez em outros momentos. Equilíbrio/Desequilíbrio O corpo é um volume único e dinâmico quando se encontra em movimento, um todo que se molda e se organiza, encontrando o equilíbrio a cada instante. Dessa maneira, a busca do equilíbrio se faz na própria dinâmica entre o desequilíbrio e o equilíbrio, é na instabilidade que o equilíbrio se sustenta (BÉZIERS, PIRET, 1992). O jogo entre equilíbrio e desequilíbrio tem a sua gênese na imanência da mudança, na imanência de outra forma, e na imanência de outro corpo. O equilíbrio na Coordenação Motora se baseia na relação entre forças opositoras. Uma delas é o jogo entre peso e força: a gravidade e os ossos atuam como uma força que traciona o corpo ao chão enquanto músculos tracionam esse peso para cima; não é um jogo contra a gravidade, mas com a gravidade. O equilíbrio então resulta de “um modo de organização em sentido inverso” (BÉZIERS, 1992). A outra é o jogo entre os músculos flexores e extensores. O equilíbrio dos músculos flexores e extensores se constitui no trânsito cinético contínuo entre uma relação de alongamento, em que ambos se encontram alongados, e uma relação de força-­‐
comprimento, em que ambos se encontram simultaneamente em posição equivalente de trabalho. O equilíbrio não é fixo, mas um jogo cinético ininterrupto. A Coordenação Motora propõe, em todos os planos (baixo, médio e alto) e de maneiras diversas (seja em pé, sentado ou deitado), a experiência material dessas imanências ao colocar o corpo concretamente em constante desequilíbrio. O uso de superfícies instáveis, como espumas, pranchas de equilíbrio, esferas e micro-­‐objetos, obriga o corpo a vivenciar a instabilidade e encontrar em si maneiras incomuns de se sustentar no desequilíbrio. Um dos assuntos que pesquisamos em nosso coletivo é a ideia de narração – narrar um acontecimento, narrar uma história –, a fim de romper com a representação. No mesmo dia em que estávamos pesquisando o equilíbrio e o desequilíbrio nas pranchas de propriocepção, Milene trouxe uma experiência que estava vivendo em relação a uma conta que ela havia pago no caixa eletrônico mas cujo recebimento o banco não acusava e estava a cobrar o valor de novo e com juros, obrigando-­‐a a fazer diversas ligações para o callcenter e a ir algumas vezes ao banco, sem de fato conseguir resolver a questão, evidenciando-­‐se, assim, a situação de desequilíbrio que esse tipo de problema nos faz experimentar (essa narrativa entra no tema de indignação que estamos pesquisando). No momento em que contava a história, Milene o fez enquanto pisava sobre várias dessas pranchas, ficando impossibilitada de se manter em equilíbrio durante toda a narrativa. O fato de o corpo dela estar em constante desequilíbrio acarretou uma mudança drástica em seu narrar: sua voz ficou presa, seu corpo tremia e quase ela caiu no chão várias vezes. A pesquisa do desequilíbrio/equilíbrio sobre a superfície instável da prancha somou à narrativa não uma representação de uma situação, mas a apresentação de uma história e a apresentação da instabilidade a que essa história remete de maneira “encarnada”. Inibição da Ação A Coordenação Motora se utiliza largamente da inibição do gesto, valendo-­‐se do trabalho isométrico para isso. Nesse tipo de trabalho, exercido pelos músculos gravitacionais, a tensão é gradativamente modulada para que se torne possível perceber como cada micromovimento afeta a percepção de si. Godard (2002) coloca que os músculos gravitacionais são responsáveis pela percepção dos estados do corpo, sejam emocionais ou afetivos; portanto, o trabalho gradual, lento e consciente sobre o tônus muscular faz com que o corpo não só perceba seus diferentes estados, mas também desenvolva ferramentas habilidosas para lidar com eles. O “não fazer”, o “inibir uma ação” como gesto, viabiliza ao corpo o manejo de suas intensidades e, acima de tudo, agencia uma escuta e um estado de presença pulsante e vivo. Também propicia que se experimentem todas as potencialidades que esse gesto pode ter. No coletivo temos denominado a inibição de ação de “paragem”. A paragem também tem sido explorada em diferentes momentos e com propósitos diferentes: desde de uma paragem de longa duração (15 minutos) a até trabalhar a ideia de “instantâneo”. Movimento Perpétuo – Os Oitos da Coordenação Motora Sob a perspectiva da Coordenação Motora, quando o corpo se encontra num estado organizado, o tônus dos feixes e das fibras musculares começa a trilhar um caminho de propagação de tensão que promove o alongamento ideal dos músculos e a descompressão óssea e articular. Esse caminho também gera um movimento, em forma elíptica, dinâmico e ininterrupto (BÉZIERS, PIRET, 1992). Essa qualidade de movimento elíptico e ininterrupto pode ser encontrada tanto nas unidades de coordenação (descritas acima) como na cintura pélvica e escapular e no crânio. Percebe-­‐se, então, que os oitos ocorrem ao longo de todo o corpo e em diversas direções, cada um se ligando com seu adjacente. O trabalho com os oitos da coordenação faz com que o movimento do corpo nunca se paralise, propiciando uma qualidade corporal dinâmica, em ondas, que se propagam sem interrupção. É uma pesquisa muito meticulosa de micromovimentos quase que imperceptíveis que propicia uma qualidade de atenção muito particular e uma percepção muito aguçada. No coletivo Mapas e Hipertextos temos usado esse tipo de trabalho a fim de investigar estados de percepção fina. A criação nas artes presenciais pode ser dar de diversas maneiras – por meio de uma ideia, de um conceito, de uma música, de um exercício –, e em todas o corpo sempre se encontra envolvido por meio da experiência física e sensorial, como já apontou Ciane Fernandes15 (2007). Mas como criar a dança a partir do corpo, tendo o corpo como fonte criadora? Essa pergunta abre margem para um número infindável de respostas, que este artigo não pretende dar. Mas podem ser dadas pistas. Louppe (2012) aponta que a pesquisa de poéticas no corpo parte do conhecimento e de saberes do próprio corpo em movimento, assim como da observação, simultânea, de suas funções e das finalidades do movimento. Afirma ainda que o estudo da cinesiologia – o estudo do corpo em movimento – é constitutivo dessa forma de arte. Desse modo, parece fecunda a opção de trabalhar com a Coordenação Motora em processos em artes do corpo, pois seus princípios podem adensar a experiência do movimento, trazendo não só qualidades específicas à expressão do corpo em movimento, como também estabelecendo outras maneiras de o corpo se relacionar com si mesmo, com o espaço-­‐tempo e com o outro, seja ele outro corpo, seja ele um objeto, seja ele o ambiente. A Coordenação Motora propõe um tipo de relação muito particular, efetivamente apoiada na experiência e na percepção da motricidade, e constitui um corpo com grande disponibilidade e pronto para a ação, a reação e a percepção imediatas. Esse sistema, profundo e complexo, é um dispositivo potente para o estudo do movimento e da experiência encarnada, pois sua gênese está no estudo da materialidade do corpo: corpo vivenciado, em que todo e qualquer gesto humano abarca as instâncias motoras, psíquicas, afetivas e relacionais (BÉZIERS; PIRET, 1992). Conforme me aprofundo nesse método, lecionando-­‐o, experienciando-­‐o em meu corpo e criando a partir dele, percebo que esse trabalho faz emergir a singularidade de cada corpo, revelando que cada corpo tem seus meios e seus jeitos de se expressar. Cada corpo possui em si sua própria poética. 1
Artigo escrito em 1996 e somente traduzido para o português em 1999 (vide referências bibliográficas).
Sylvie Fortin é professora do Departamento de Dança da Universidade de Quebec.
3
No capítulo De la corporeit como “anticorps”, da obra De la création choréographique (2001, p. 17 a
25). Tradução de Marta Cesar para estudos da disciplina Abordagens do Corpo na Arte, Filosofia e
Ciência, do Programa de Pós-Graduação em Teatro, da Universidade do Estado de Santa Catarina.
4
Marila Velloso é dançarina, professora de dança na Faculdade de Artes do Paraná e pesquisadora de
dramaturgia em dança.
5
Body Mind Centering é um sistema de preparo corporal criado por Bonnie Bainbridge Cohen,
comumente chamado de BMC.
6
Cinthia Kunifas é professora na Faculdade de Artes do Paraná. Também é bailarina e preparadora
corporal.
7
Uso o termo “sistema” em substituição aos termos “técnica” e “método” por entender que sistema
compreende uma operação não somente mecânica ou meramente intelectual. Segundo Katz (2009), o
fazer e o pensar não se desassociam, e a descoberta de saberes emerge da própria experiência corporal.
8
Uma atriz formada no método de Stanislavski, um ator e músico popular, um ator e capoeirista, uma
cantora, uma bailarina de flamenco, uma bailarina de dança contemporânea, uma atriz formada pelo
Usina Uzona do diretor Zé Celso Martinez Corrêa e um ator e diretor.
9
Marcio Mehiel, dançarino, ator e diretor, trabalhou por muitos anos com o coreógrafo Ivaldo Bertazzo,
responsável por trazer ao Brasil a pesquisa das fisioterapeutas francesas Mme. Béziers e Suzanne Piret na
década de 1990.
10
Monica Monteiro trabalhou com Bertazzo por cerca de 25 anos. Foi durante essa parceria que Bertazzo
criou seu método. Monica é também bailarina, professora e coreógrafa, tendo trabalhado com Cacá
Rosset, Celia Gouveia e Renato Cohen.
11
Uso o termo presentação por considerar que as ações artísticas se presentificam, em vez de
apresentação ou representação.
12
Articulações que associam em um mesmo movimento as três direções do espaço.
13
Ciane Fernandes (2006, p. 2), em referência a Rudolf Laban, aponta que o tempo do corpo não é linear,
mas sim “inter-relação retroativa tridimensional”, como o anel de Moebius. Assim, não é o tempo do
desenvolvimento consecutivo, mas um constante reencontrar: “O modo como as várias estruturas
2
corporais se conectam e se organizam entre si, amarrando-se umas às outras, segue esta forma
tridimensional ou variações complexas desta”.
14
No coletivo criamos ações modulares com o intuito de nunca estabelecer uma mesma ordem quando
colocamos nossas pesquisas em relação com o público. Nossa ideia não é criar espetáculos, mas
investigar e propor ações que podem ou não ter a interferência do público.
15
Ciane Fernandes é artista, dançarina, coreógrafa e professora.
Referências Bibliográficas
BERNARD, Michel. De la création choréographique. Cap. De la corporeité comme “anticorps” Tradução não publicada: Marta Cesar. Paris: Centre National de la Danse, 2001. p. 17-­‐25. BÉZIERS, Marie-­‐Madeleine; PIRET, Suzanne. A coordenação motora: aspecto mecânico da organização psicomotora do homem. São Paulo: Summus, 1992. FERNANDES, Ciane. Como fazer arte a partir do corpo? Territórios e fronteiras da cena. São Paulo: CAC-­‐ECA-­‐USP, 2006, p. 01-­‐11. Disponível em: http://kinokaos.net/tfc/geral20061/pdf/cfernandes.pdf. Acesso em: 25 maio 2014. FERNANDES, Ciane. Danço, logo (d)existo: resistência, resiliência e re-­‐existência. Cadernos do LINCC – Linguagens da cena contemporânea, Natal: PPGAC-­‐UFRN, vol. 1, n. 1, 2007, p. 87-­‐98. Disponível em: http://incubadora.ufrn.br/index.php/clincc/article/view/169. Acesso em: 25 maio 2014. FORTIN, Sylvie. Educação somática: novo ingrediente da formação prática em dança. Cadernos do GIPE-­‐CIT: Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade. Salvador, UFBA, n. 2, jan. 1999, p. 40-­‐55. GODARD, Hubert. Gesto e percepção. Lições de dança 3. Rio de Janeiro: UniverCidade Ed., 2002. KATZ, Helena. Método e técnica: faces complementares do aprendizado em dança. In: BEVILAQUA, Ana (org.). Angel Vianna: sistema, método ou técnica. Rio de Janeiro: Funarte, 2009. KUNIFAS, Cinthia. Corpo desconhecido: um contínuo processo de criação em dança. Salvador: Programa de Pós-­‐Graduação em Artes Cênicas/UFBA, 2008. Dissertação (mestrado em Artes Cênicas). LIMA, José Antonio de Oliveira. Educação somática: diálogos entre educação, saúde e arte no contexto da proposta da reorganização postural dinâmica. Campinas: Programa de Pós-­‐
Graduação em Educação/UNICAMP, 2010. Tese (Doutorado em Educação). LOUPPE, Laurence. Poética da dança contemporânea. Trad. Rute Costa. Lisboa: Orfeu Negro, 2012. MEYER, Sandra. As metáforas do corpo em cena. São Paulo: Annablume, 2011. SOTER, Silvia. A educação somática e o ensino da dança. In: SOTER, S.; PEREIRA, R. (org.). Lições de dança 1. Rio de Janeiro: UniverCidade Ed., 1999. STRAZZACAPPA, Márcia. Educação somática: seus princípios e possíveis desdobramentos. Repertório: teatro & dança, Salvador, UFBA/PPGAC, n. 13. fev. 2009, p. 48-­‐54. ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
A IDEIA É LEGAL, MAS TEM MUITA COISA PARA MELHORAR DIÁLOGOS SOBRE O CURSO DE TECNOLOGIA EM PRODUÇÃO CÊNICA
DA UFPR
Patricia Pluschkat (CAPES); Orientador: Prof. Dr. Jean Carlos Gonçalves; Programa de
Pós-Graduação em Educação - PPGE; Universidade Federal do Paraná - UFPR
O presente artigo aborda os sentidos da formação do produtor cênico no espaço
educacional sob a ótica discente. Por ser um curso recente na esfera universitária, e já
tendo passado por alteração em seu currículo, quais os sentidos de Produção Cênica
para os estudantes e futuros profissionais dessa nova área?
A Universidade Federal do Paraná foi a primeira universidade pública a fundar o
Curso Superior de Tecnologia em Produção Cênica (TPC), iniciando suas atividades em
02 de março de 2009. O curso tem como objetivo a formação de um profissional que
atenda às demandas tecnológicas e estéticas de espetáculos cênicos, e que estejam aptos
a realizar projetos desde a captação de recursos até a sua execução. Segundo registro no
website do curso, sua presença no Ensino Superior justifica-se por “contribuir para o
desenvolvimento do panorama cênico de Curitiba e região”, pois a cidade tem um
cenário cultural que demanda por esse profissional.
O exercício nesse artigo parte de uma análise enunciativa de uma publicação de
status em uma rede social por um aluno que se graduou no curso Produção Cênica. A
escolha por um aluno de TPC faz-se por minha formação enquanto discente nesse curso.
Fiz parte da primeira turma, a de 2009, e considero que passado esse ciclo, o
distanciamento permite novas produções de sentidos, principalmente porque o cerne
será baseado num enunciado, não apenas numa fala, mas em algo mais amplo: um
processo. Os enunciados são produzidos a partir do que lhes tocam.
“(...) o pensamento crítico, a análise cuidadosa de dados empíricos e a
reflexão teórica são processos que demandam condições diferentes,
não só de tempo, mas de um distancimento em relação a esse
cotidiano necessário para constituí-lo como objeto de pesquisa (...)”
(CAMPOS, 2009, p. 281)
Essa pesquisa será permeada pelos estudos da Análise Dialógica do Discurso
(ADD), em que o homem é um ser em constante alteridade, sendo impossível uma
definição vulgarizada do ser humano. Mais especificamente, na teoria do enunciado. Há
de se considerar que em cada enunciado há questões históricas, sociais e culturais. E
esse ser, sempre em construção, demanda o compreender.
As palavras e a língua estão ligadas pela história, assim, a própria história do
curso será permeada pela palavra de quem o vivenciou. Relações são conflituosas? E
pessoas são conflituosas? Linguagem é conflito? E nessas relações conflituosas que
vozes são ouvidas? E que vozes também buscam serem ouvidas? E conforme
Desgranges (2011) afirma:
“O mergulho na corrente viva da linguagem acende também a vontade
de lançar um olhar interpretativo para a vida, exercitando a capacidade
de compreendê-la de maneira própria. Podemos conceber, assim, que
a tomada de consciência se efetiva como leitura de mundo. Apropriar-
se da linguagem é ganhar
(DESGRANGES, 2011, p. 23)
condições
para
essa
leitura.”
O TPC advém do Curso Técnico em Artes Cênicas, ofertado pela antiga Escola
Técnica da Universidade Federal do Paraná, que atuou de 1999 até o ano de 2008. Em
decorrência da Lei Federal nº 11.892/2008, que foi instituída para reorganização das
instituições federais que ofertavam cursos técnicos no ensino médio, o Setor da Escola
Técnica da UFPR dividiu-se em 2009, originando o Instituto Federal de Educação do
Paraná (IFPR) e o Setor de Educação Profissional e Tecnológica da UFPR (SEPT). Em
consequência disso, o Curso Técnico em Artes Cênicas encerra suas atividades.
Entretanto, por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (Reuni), estabelecido pelo Decreto nº 6.096, de
24 de abril de 2007, como parte das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), a UFPR passa a ofertar em 2009 em seu rol de cursos superiores novos cursos de
graduação no formato tecnólogo. Entre eles, o Curso Superior de Tecnologia em
Produção Cênica inserido pelo SEPT.
Segundo registro do MEC, havia duas universidades privadas com esse curso, a
Pitágoras Universidade de Cuiabá, UNIC, desde 2006 e a Universidade de Passo Fundo,
UPF, desde 2008.
Mas afinal, o que faz um produtor cênico? Conforme o documento Novo Projeto
Pedagógico divulgado no site do curso:
“Propondo uma interface entre o artístico, o administrativo e o
tecnológico, o egresso do Curso Superior de Tecnologia em Produção
Cênica estará apto a arregimentar e administrar recursos, contribuindo
para a consolidação dos avanços que se enunciam na área da cultura,
atendendo às expectativas nacionais e respondendo às demandas
locais por produtores e gestores cênicos qualificados para atuarem na
cidade de Curitiba e região, a fim de contribuir para a maior
regularidade, para o crescimento, e para a diversidade da produção
cultural e artística.” (BRASIL. Em: <http://www.tpc.ufpr.br/>. Acesso
em 03 de julho de 2014)
E é preciso situar o leitor da esfera social no qual os enunciados ocorrem, visto
também que apesar da discussão não ser a de refletir sobre a inclusão do Facebook num
determinado gênero discursivo, com a evolução tecnológica, esse meio torna-se
efetivamente uma esfera enunciativa que permite o diálogo social.
Assim, incito alguns questionamentos para repensar sobre esse meio de
comunicação: Com quem ou com o quê os sujeitos que utilizam essas ferramentas
dialogam? Que vozes ecoam nesses enunciados?
No primeiro ponto busco em Bakhtin uma possível resposta. Considerando que
em redes sociais um dos recursos utilizados é a linguagem escrita e posto que esta está
em constante evolução inclusive com um estilo peculiar tendo termos criados e recriados a cada publicação virtual. Assim, Bakhtin afirma:
“A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas
porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade
humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o
repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida
que se desenvolve e se complexifica um determinado campo.”
(BAKHTIN, 2011, p. 262)
Sob a mesma perspectiva teórica compreendo que existem diálogos nas
postagens do Facebook. Pois mesmo quando uma resposta é silenciada, esse silêncio
produz sentidos. E a resposta pode vir em forma de ação. Assim, um enunciado
publicado pode obter comentários escritos e visuais, mas também receber a ação do
outro sujeito quando o mesmo opta por acionar o link “curtir” ou “compartilhar”.
E se um post não obteve comentários ou “curtir” ou “compartilhar” pode indicar
não somente uma incompatibilidade com o enunciado e o seu autor, mas também um
receio de comprometimento com a exposição de sua opinião. Ou uma concordância
parcial. Ou apenas o sujeito acredita dispensável mostrar uma opinião assertiva ou não
para o público virtual.
“O próprio falante está determinado precisamente a essa compreensão
ativamente responsiva: ele não espera uma compreensão passiva, por
assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas
uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma
execução, etc. (os diferentes
gêneros discursivos pressupõem
diferentes diretrizes de objetivos, projetos de discurso dos falantes ou
escreventes).” (BAKHTIN, 2011, p. 272)
Visto que o diálogo ocorre nesse gênero discursivo de várias formas, a quem as
postagens se destinam? A priori, aos que também utilizam desse instrumento de
comunicação e recorrem ao mesmo estilo linguístico. Entretanto, os enunciados
possuem sempre uma temática abordada. Então, o diálogo destina-se aos que queiram
opinar a respeito do assunto abordado.
E aqui enfatizo, o diálogo não é destinado para somente quem tenha
conhecimento científico do conteúdo postado, mas a todos que queiram interagir.
Assim, afirmo que há muitas vozes repercutidas no Facebook.
“Trata-se de apreender o homem como um ser que se constitui na e
pela interação, isto é, sempre em meio à complexa e intrincada rede de
relações sociais de que participa permanentemente. As dimensões e
implicações dessa rede de relações sociointeracionais estão ainda
longe de ser suficientemente entendidas, o que é plenamente
compreensível face ao formalismo e o caráter antisséptico das teorias
nossas conhecidas sobre o homem e a linguagem.” (FARACO, 2007,
p. 101)
Nesse artigo, me ative especificamente no enunciado de um aluno já formado no
curso de Produção Cênica, que ingressou na UFPR em 2010. O post em questão foi
publicado na página do Facebook em 2011 e é um enunciado de resposta a uma questão
levantada por um sujeito pretendente a ingressar na Universidade. O aluno possui 820
amigos interligados e esse enunciado não obteve nenhum “curtir”. Os comentários do
status ficaram restritos entre os dois sujeitos.
O enunciado inicial é: “Tô querendo fazer o curso de Produção da Federal, o que
você me diz? Você gosta? Vale a pena?” E a resposta dada pelo aluno: “Eu gosto mais
ou menos. Tipo a ideia é legal, mas tem muita coisa pra melhorar! Eu vou me formar
com algo faltando, mas tente porque tu já trampa na área e daí só tem coisas a
acrescentar, e tipo já tá mudando bastante coisa, quem sabe até lá...”
Na primeira frase nota-se uma resposta imprecisa quanto ao questionamento se o
aluno está satisfeito com o curso no qual integra. A declaração é formada com a
expressão “mais ou menos”. Essa incerteza do sujeito pode indicar que o mesmo se
isenta da responsabilidade em emitir uma opinião sem ponderação, considerando que o
enunciado está exposto na esfera de uma rede social. Também é relevante ressaltar que
o interlocutor do sujeito é um candidato a ingressar no curso de TPC o que afeta a
resposta do sujeito.
A dubiedade da resposta também pode ser refletida como uma incompatibilidade
da expectativa do sujeito em relação a proposta do curso. Por ser um curso singular,
alguns ajustes foram necessários nesses cinco anos de existência na UFPR, gerando
assim conflitos nas turmas iniciais, já que em seu começo, o foco do curso era a de
formação de atores. Sua grade horária era voltada às práticas do teatro, como
interpretação teatral, direção cênica, entre outras atividades que envolvam o ator,
propriamente. Em 2010, ano de ingresso do sujeito, Produção Cênica passa pelo
primeiro ajuste em sua grade curricular. Entretanto, foi somente em 2013 que a
reestruturação passou a priorizar disciplinas que abrangessem essencialmente as etapas
de produção e gestão cultural, ideais para a competência do produtor cênico. Provoco se
o “mais ou menos” expressa a vontade do sujeito em se formar ator e não um produtor.
Adiante, o sujeito desenvolve seu ponto de vista ao afirmar que “a ideia é legal”,
considerando que a proposta de se ter um curso para preparar profissionais produtores
cênicos é válida para o estudante. Na página do curso de TPC, o curso justifica seu
espaço no Ensino Superior da UFPR devido a movimentos culturais existentes no
Estado:
“É grande o número de festivais de teatro, mostras artísticas, oficinas,
editais de fomento às artes circences e operísticas, produzidos e/ou
sediados no perímetro compreendido pela capital paranaense e sua
região metropolitana: Festival de Teatro de Curitiba, Festival de
Teatro de Bonecos de Curitiba, Festival de Inverno da UFPR, Festival
de Teatro de Araucária, Festival de Teatro de Piraquara, Festival de
Teatro de Pinhais, Festival de Teatro de Campo Largo, Festival
Internacional de Teatro de Objetos, Mostra Cena Breve Curitiba,
Oficina de Música de Curitiba, Ópera Ilustrada, Circo da Cidade, entre
diversos outros. Contudo, se tal abundância de eventos subtende a
ocasional circulação de um grande número de artistas e avolumado
público na região, não pressupõe a constância da produção e oferta
locais.” (BRASIL. Em: <http://www.tpc.ufpr.br/>. Acesso em 03 de
julho de 2014)
Com a conjunção adversativa “mas” e a afirmação “tem muita coisa para
melhorar”, o estudante observa que o ensino de TPC merece reflexões em torno de sua
concepção.
Por ser uma área recente na esfera da Educação Profissional, o TPC desde 2010
vem adequando sua estrutura curricular para melhor atender às necessidades do
mercado de trabalho, assim como se ajustar às diretrizes indicadas pelo Catálogo
Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia. Segundo esse documento atualizado em
2010 conforme Decreto nº 5.773/06 do Ministério da Educação, o TPC está inserido no
eixo tecnológico de Produção Cultural e Design, que:
“Compreende tecnologias relacionadas com representações,
linguagens, códigos e projetos de produtos, mobilizadas de forma
articulada às diferentes propostas comunicativas aplicadas. Abrange
atividades de criação, desenvolvimento, produção, edição, difusão,
conservação e gerenciamento de bens culturais e materiais, ideias e
entretenimento, podendo configurar-se em multimeios, objetos
artísticos, rádio, televisão, cinema, teatro, ateliês, editoras, vídeo,
fotografia, publicidade e nos projetos de produtos industriais. Tais
atividades exigem criatividade e inovação com critérios sócio-éticos,
culturais e ambientais, otimizando os aspectos estético, formal,
semântico e funcional, adequando-os aos conceitos de expressão,
informação e comunicação, em sintonia com o mercado e as
necessidades do usuário.” (BRASIL, 2010, p. 83)
O Catálogo ainda recomenda que os cursos de TPC tenham uma Carga Horária
(C.H.) mínima de 1600 horas e que em sua infraestrutura contenha: ateliê de produção
cênica, laboratório de informática com programas específicos e biblioteca com acervo
específico e atualizado. O curso da UFPR tem três anos de duração totalizando uma
C.H. de 1800 horas. Anualmente são ofertadas 45 vagas para o turno da noite.
Em relação à infraestrutura e demais necessidades que favoreçam a Educação
Profissional, o colegiado do curso elaborou um Planejamento Estratégico em 2011
relacionando medidas fundamentais para que o TPC venha a desempenhar com
excelência seu papel e atender com qualidade alunos e professores. Uma das primeiras
providências do colegiado do TPC da UFPR foi transferir sua sede em 2012 para o
campus Riad Salamuni, espaço destinado ao SEPT.
Em visita ao campus durante minha prática docente realizada no primeiro
semestre de 2014, notei que o curso ainda não atende por completo às condições de
infraestrutura adequadas para as práticas formativas. Entretanto, o Planejamento
Estratégico do curso tem como projetos a implantação de laboratórios de sonoplastia,
iluminação, indumentária, cenografia, maquiagem, linguagens cênicas; implementação
de teatro modelo, implantação de Empresa Júnior de Produção Cênica e de programas
de pós-graduação Latu Sensu; entre outras iniciativas.
O sujeito em sua consciência de mundo alerta o colega no enunciado “eu vou me
formar com algo faltando” o que evidencia a frustração de uma expectativa não
atendida. O seu interpretar do curso de TPC é que o mesmo deixou uma lacuna na
transmissão de saberes teóricos e/ou práticos. Como TPC tem a duração de três anos, o
aluno, quando publicou o enunciado em questão, estava na metade de sua trajetória
acadêmica e reflete uma preocupação com o futuro profissional. Um dos sentidos para
essa inquietação é encontrado em Bakhtin que afirma que “qualquer memória do
passado é um pouco estetizada, a memória do futuro é sempre moral” (2011). O sujeito
reflete a pré-ocupação de seu lugar no mundo no momento futuro contestando o
momento presente ao não se sentir preparado em sua estrutura profissional. E onde fica
a função da Universidade nesse sentido?.
“O papel da universidade em uma democracia deve não somente
incentivar a reprodução, mas também a produção de conhecimentos,
bem como qualificar as novas gerações para a vida e o trabalho.”
(GHELLI, 2004, p. 01)
Por ser uma formação de caráter Tecnólogo, vale ressaltar que seu princípio é
focar-se sobretudo no campo de trabalho. Em qualquer algo novo no qual nos inserimos
sentimos a dificuldade da ação inicial. E como a Universidade pode impulsionar o
estudante a se profissionalizar na prática? Um jovem em geral entra num curso
universitário por volta dos 18 anos e, ao se formar, possui maturidade o suficiente para
enfrentar um mercado globalizado? O índice de desistências nos cursos superiores é
relevante. No de TPC, especificamente na turma de 2010, dos 45 ingressantes
formaram-se 27 Tecnólogos em Produção Cênica.
“O início de uma profissão inclui o reconhecimento de sua cultura, do
estatuto que ocupa na pirâmide social e do trabalho e das
peculiaridades sociopolíticas que a caracterizam.” (CUNHA &
ZANCHET, 2010, p. 192)
Mesmo manifestando seus medos e conflitos, o discente incentiva o colega a
fazer parte do curso de TPC dizendo “mas tente porque tu já trampa na área e daí só tem
coisas a acrescentar”. Aqui demonstra novamente uma apreensão com o mercado de
trabalho ao encorajar o outro porque ele já trabalha na área. Incito, a carreira se inicia
após a formação de um curso superior ou durante os anos em que se está na
Universidade? E três anos para um curso superior voltado essencialmente para o
mercado de trabalho são suficientes? Como conduzir esses futuros profissionais a uma
maior autonomia? Conforme o projeto pedagógico do curso:
“Pretende-se que o curso esteja sempre aberto a incorporar as
novidades das áreas que lhe são formadoras, mantendo um diálogo
constante entre inovação e tradição. O NDE, neste aspecto, deve estar
atento para que o curso não incorpore modismos passageiros que por
ventura venham a prejudicar a formação de uma base sólida que
permita ao egresso desenvolver a sua autonomia, condição
fundamental para que ele, por si, passe a dialogar com essas
novidade.” (BRASIL. Em: <http://www.tpc.ufpr.br/>. Acesso em 03
de julho de 2014)
Atualmente TPC não proporciona estágio obrigatório. Mesmo apoiando a
realização de estágios no campo da produção cênica, o fato de não ser uma disciplina
obrigatória pode indicar a dificuldade da abertura de contatos profissionais da área. A
discussão em torno da dicotomia teoria versus prática na Educação é um caminho a ser
alinhado, afinal o próprio conceito de curso tecnólogo é uma alternativa para que exista
uma unidade.
O enunciado também evidencia a importância do outro para o sujeito. O sujeito
demonstra empatia com seu interlocutor. Afinal, é pelo outro que nos construímos, “a
alteridade define o ser humano, pois o outro é imprescindível para sua concepção”.
(BARROS, 1997). No enunciado implicam pontos de tensão em que se discutem dois
eixos axiológicos: o que ele vê que o outro vê dele, o que ele vê sobre ele mesmo. O
sujeito tem um enunciado de atitude responsiva para outro discurso, o discurso do outro.
Assim, o sujeito complementa seu enunciado de forma positiva reconhecendo as
mudanças que ocorreram no curso “tipo já tá mudando bastante coisa, quem sabe até
lá...” e suscita mais uma vez a esperança de que futuramente, o curso possa ser
reconhecido não somente por seu pioneirismo como também por sua qualidade no
ensino. E um “quem sabe” que mais uma vez pode motivar o interlocutor de que o curso
está a caminho de dar subsídios para preparar esses futuros profissionais produtores
cênicos. Sem encerrar a questão, o enunciado em voga “está ligado às relações com
sujeitos, mundo, visão de mundo, valores, ou seja, concebido como um todo de
sentidos, marcado por tensões, fronteiras, confronto de valores, pontos de vista.”
(BRAIT, 1997)
O exercício da ADD elucida algumas expectativas de estudantes de um curso
pioneiro no ensino universitário público, que poderá contribuir a construir não somente
a história do curso quanto a corroborar com a evolução do mesmo para uma melhor
preparação desses futuros profissionais.
Há, dentro da área de Arte Cênica, um certo pré-conceito ao envolver a área
Administrativa com a Arte. Entretanto, esse trabalho é indispensável para que a própria
Arte aconteça. É necessário profissionais que tenham conhecimento especializado, mas
que, no entanto, estejam do mesmo modo presentes na cultura das artes e compreendam
os elementos da linguagem cênica, como o produtor cênico.
No artigo produzido para o Quinto Encontro de Estudos Multidisciplinares em
Cultura, realizado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), intitulado Produção Teatral: Da Prática à Teoria a Sistematização de uma
Disciplina, Vilhena (2009) defende:
“A multiplicação de projetos, o aumento das companhias ou grupos de
teatro, de festivais, de montagens com orçamentos cada dia mais altos
e um ambiente jurídico cada vez mais complexo, exigem novos
conhecimentos de administração para uma empresa, administrada até
bem pouco tempo de maneira bastante informal. O espetáculo
necessita sim de uma administração. Essa necessidade, gerada por um
novo tipo de mercado, torna indispensável um estudo sobre o ato de
bem produzir teatro e a figura do produtor-administrador nas
companhias teatrais ou nos centros culturais.” (VILHENA, 2009, p.
02)
Se avaliarmos que falta uma relação dialógica entre as disciplinas do Ensino
Superior que dissocia a teoria da prática, fica a reflexão acerca da responsabilidade de
se repensar o ensino universitário tecnólogo dirigido ao mercado de trabalho no tocante
à preparação desses especialistas cujo foco é o envolvimento direto com a relação
produção cultural e mercado cultural. Ou seja, “a ideia é legal, mas tem muita coisa para
melhorar”.
Um desafio para a Arte Cênica e a Educação. Entretanto, o enunciado provocado
permite afirmar que o curso está no mínimo a caminho da compreensão de sentidos da
profissão.
“(...) podemos entender aprendizagem como mudanças que ocorrem
no comportamento de uma pessoa em função de experiências e
vivências. A aprendizagem na aula universitária pode ser verificada no
momento em que ela termina e o aluno tem a sensação de que
construiu, descobriu, acrescentou algo na sua forma de pensar e ver
determinada situação.” (GHELLI, 2004, p. 06)
Deixo aqui ao leitor mais questionamentos que respostas dessa pesquisa que
ainda está iniciando e que possui uma longa jornada de reflexões, sentidos e
descobertas.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 6. ed. São Paulo: Ed Martins Fontes,
2011.
BARROS, Diana Luz Pessoa de Barros. Contribuições de Bakhtin às teorias do
discruso. In: BRAIT. Beth. Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. Campinas:
Editora da Unicamp, 1997.
BRAIT, Beth. Perspectiva dialógica. In: BRAIT, Beth & SOUZA-e-SILVA, Maria
Cecília. Texto ou Discurso? São Paulo: Editora Contexto. p. 9-30.
BRASIL. Ministério da Educação. Universidade Federal do Paraná. Setor de Educação
Profissional e Tecnológica. Projeto Pedagógico. Em: <http://www.tpc.ufpr.br/>.
Acesso em 03 de julho de 2014
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica.
Catálogo Nacional de Cursos Superiores. Brasília, 2010. 73p. Em: <
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=53
62&Itemid=> Acesso em 03 de julho de 2014
CAMPOS, Maria Malta. Para que serve a pesquisa em Educação? Cad. De Pesquisa,
v. 39, n. 136, p. 269-283, jan./abr. 2009.
CUNHA, M. I da; ZANCHET, B. M. B. A. A problemática dos professores
iniciantes: tendência e prática investigativa no espaço universitário. Educação,
Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 189-197, set/dez, 2010.
DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. 3ª ed. São
Paulo: Hucitec Editora, 2011.
FARACO, Carlos Alberto. O dialogismo como chave de uma antropologia filosófica.
In: FARACO, C. et alli. Diálogos com Bakhtin. 4ª edição. Curitiba: Editora UFPR,
2007.
ENCONTRO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM CULTURA, 5, 2009,
Bahia. Produção Teatral: Da Prática à Teoria a Sistematização de uma Disciplina.
Bahia: UFBA, 2009. 14p. Em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19155.pdf>
Acesso em 03 de julho de 2014
GHELLI, G. M. A construção do saber no ensino superior. Cadernos da FUCAMP,
v. 3, n.3, 2004.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
O QUE FICOU EM MIM? SENTIDOS SOBRE CORPO E IDENTIDADES NA
PRODUÇÃO DE PROTOCOLOS TEATRAIS VERBO-VISUAIS.
Reinaldo Kovalski de Araujoi; orientador: Dr. Jeans Carlos Gonçalves; mestrando pelo
programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal do Paraná.
Esse artigo apresenta resultados de minha pesquisa de mestrado, e propõe
reflexões acerca da produção de sentidos para corpo, e identidades, a partir da
materialidade discursiva que integra protocolos teatrais, os quais foram produzidos ao
final de uma montagem de espetáculo resultante de um processo de formação
continuada com professorasii de arte licenciadas em teatro, realizada na Faculdade de
Artes do Paraná. A formação teve por objetivo discutir cenicamente as questões
relativas a corpo, gênero, sexualidade e identidades. Para essa pesquisa busquei a
experiência de trabalhar os protocolos para além uma escrita verbal, convidando as
participantes a explorarem possibilidades discursivas verbo-visuais. A partir do
enunciado “o que ficou em mim desse processo cênico?” os participantes criaram
protocolos nas mais diversas linguagens, utilizando o corpo, a voz, a imagem e a escrita
como forma expressão. Foi produzida uma variedade de protocolos teatrais verbovisuais, conforme metodologia proposta por GONÇALVES (2013), indicando
possibilidades de registro de vivencias cênicas que transcendeu o protocolo escrito. O
estudo ancora-se na Análise de Discurso de linha francesa, apoiando-se em Orlandi,
Pêcheux e Foucault, e os primeiros resultados apontam para diferentes formações
imaginárias dos sujeitos no que tange aos sentidos de corpo e identidades, em um jogo
interdiscursivo constituído nas próprias condições de produção do jogo cênico.
Palavras-chave: Teatro, gênero, educação.
Os processos aqui relatados parte da minha observação participativa como
pesquisador inserido no processo de montagem de um espetáculo, realizado nas
dependências da Faculdade de Artes do Paraná, no ano de 2012 com um grupo de 10
professoras Licenciadas e acadêmicas do curso de Licenciatura em Teatro.
Acompanhei o processo desde o convite às interessadas em participar do grupo
de estudos, até a conclusão do processo de montagem, realizando diários de observação
a cada encontro realizado. O grupo de estudos formado esteve vinculado à pesquisa “A
Construção das Identificações de Gênero no Espaço Cênico”, realizado nas
dependências da Faculdade de Artes do Paraná, coordenado pela prof. Dra. Guaraci
Martins. O projeto é resultado de um crescente interesse na investigação sobre o teatro
na construção das subjetividades dos corpos, especialmente no ambiente educacional. O
trabalho tem como proposta contribuir para o aprofundamento das reflexões sobre
processos de discriminação, de exclusão social, de evasão escolar, norteados por
discursos biológicos e reprodutivos, definidores de papéis e de comportamentos sociais.
O pensar as questões de gênero e identidade, em articulação com o fazer teatral,
abriu possibilidades de compreender a temática para além de um processo filosóficoreflexivo pautado em uma linguagem escrita e verbal, convidando o corpo a tomar lugar
nessas discussões.
Essa busca entre o corpo e a linguagem norteou todos os estudos de construção
do espetáculo. Para PAVIANI: (2012 Pg. 16)
O sujeito é constituído a partir da educação do corpo e, simultaneamente, da educação
lingüística. Todavia para poder entender essa afirmação é necessário, antes de tudo, voltar o
pensamento para o enigma do corpo, para o corpo como expressão, para o corpo como
elemento que inaugura o conhecimento humano e é o meio de explosão da consciência de si
no mundo. São múltiplos os acessos ao corpo [...] no entanto, é na arte que talvez se
manifeste uma das compreensões mais profundas das relações entre o corpo e a linguagem
O processo teatral desenvolvido durante a montagem priorizou o trabalho
prático-corporal na formação e na discussão das temáticas propostas remetendo a
produção do trabalho às correntes estéticas teatrais oriundas da segunda metade do
século XIX. Vale destacar que o trabalho não parte de um texto escrito, exigindo uma
leitura corporal deste, mas se propõe a criar distintos enunciados a partir dos trabalhos
corporais.
A busca por ações físicas, por alternativas que ultrapassassem o racionalismo
extremo sobre a temática, a inquietação em discutir corpo, gênero e identidade para
além de uma roda de conversa ou exposição do tema, filiou a montagem desse
espetáculo aos conceitos propostos pelos encenadores Stanislávski (em sua segunda
fase), Meyerhold, Antonin Artaud, Eugenio Barba, Jerzy Grotowski, Peter Brook, entre
outros, configurando uma valorização da prática corporal.
Vale destacar que nenhum autor ou encenador foi anunciadamente escolhido
para montagem do espetáculo, pois as filiações supra indicadas decorrem, na realidade,
da observação participativa no projeto. As referências estéticas na ação criativa foram
livres, possibilitando assim que cada professora/atriz pudesse contribuir a partir de suas
vivencias e possibilidades cênicas. Em virtude disso,não nego outras possibilidades de
filiação teóricas que possam se fazer presentes a partir da memória discursiva do
interlocutor.
O processo de criação se insere em uma montagem colaborativa onde a direção e
a assistência de Direção teve papel fundamental, apontando leituras especificas para
discussão de gênero e identidades, que serviam como pontos de partida para os
trabalhos narrativos e corporais desenvolvidos durante os jogos. Também as mesmas
atuaram nos recortes das cenas, direcionando o espetáculo a uma estética que dialogasse
com o projeto.
As rodas de conversa, realizadas ao final de casa sessão, orientadas pelas
diretoras do espetáculo, permitiram que as práticas fossem observadas, avaliadas,
relidas, e reorganizadas. Nessas conversas surgiam fatos e elementos vivenciados pelas
professoras durante a semana, impressões sobre as leituras sugeridas, e debates sobre a
tradução de todo esse conteúdo no processo de construção da encenação, nos jogos, e
nos exercícios corporais.
Não foi solicitado às professoras nenhum registro escrito, imagético ou verbal de
suas vivencias cênicas durante a prática. O “diário de processo” foi dado como
possibilidade individual. A única solicitação de algo similar se deu 1 mês antes do
processo final de montagem, onde dialoguei com as participantes sobre minhas
intenções de pesquisa, e as convidei a montar um protocolo teatral verbo-visual sobre os
sentidos que ficaram de toda aquela experiência. Protocolos esses que constitui o corpus
de análise dessa pesquisa.
Vale destacar que, em um olhar para as condições de produção restritas do
processo, o fato de se organizar dentro de um contexto universitário, as práticas formais,
a identidade da instituição, bem como as práticas escolares vivenciadas pelas
participantes, todos esses elementos integram as discursividades produzidas nesse
trabalho.
O grupo de pesquisa iniciou suas atividades no mês de março de 2012, e se
estendeu até o mês de dezembro de 2013. A estréia do espetáculo foi realizada no
Colégio Estadual do Paraná, na cidade de Curitiba. As apresentações seguintes foram
realizadas em congressos, escolas, temporadas e festivais.
Produção de protocolos teatrais na perspectiva da verbo-visualidade
A riqueza de utilizar os protocolos teatrais como metodologia no ensino do
teatro está na possibilidade de criar a partir de seu conceito diversas maneiras de
apresentação. Assim como o teatro, a ferramenta de registro experimental pode
transcender o relato escrito. Pode-se utilizar para essa prática signos visuais, verbais,
sonoros, olfativos. etc.
JAPIASSU (2001) aponta possibilidades de utilizar os protocolos na prática
teatral, orientando que esses sejam feitos por todas as praticantes, revezando e
responsabilizando a cada encontro uma das participantes para essa tarefa. O autor ainda
afirma que para confecção dos protocolos pode se utilizar colagens, desenhos, fotos,
imagens, adesivos e possibilidades infinitas que servem de suporte e materialidade para
produção de protocolos teatrais.
Em um rápido olhar para as práticas teatrais contemporâneas, nos deparamos
com possibilidades infinitas de criação de cenas e com diálogos possíveis com as outras
linguagens artísticas. A facilidade de manipulação, construção da imagem e a
apropriações do espaço cênico, remete a um trato constante entre o escrito e o verbal.
As formas de discursar sobre essa prática, bem como seu registro de sentido, caminham
dialogicamente com essas mudanças.
Na prática teatral escolar o conceito de protocolo teatral acaba ganhando
diversas nomenclaturas, tais como “diário de campo, diário de bordo, portfólios de aula,
protocolos de aula, e outros nomes que podem ainda ser sugeridos pelo professor ou
pelos alunos” (GONÇALVES, 2013), revelando dessa forma seu caráter polimorfo de
distintas possibilidades a partir de sua materialidade.
Para essa pesquisa os protocolos foram construídos na perspectiva verbo-visual,
a partir da fundamentação teórico-metodológica de construção de corpus na pesquisa
em teatro-educação, metodologia essa proposta por GONÇALVES (2013. Pg 11):
O termo verbo-visual implica, necessariamente, um enunciado concreto no qual as
dimensões verbal e visual sejam indissociáveis, o verbal e o visual possuem, na dimensão
verbo-visual, um lugar que não permite separação, nem valoração de um em detrimento de
outro. Ambos são necessários à compreensão do enunciado em seu todo.
Com a velocidade da informação, a capacidade tecnológica de registro de dados
e as possibilidades multimídias de suporte, a dimensão verbo-visual compõe a
linguagem que dá identidade aos sujeitos. As palavras não andam mais solitárias em
registros, panfletos, jornais, revistas, etc; aliadas ao discurso estão as imagens, que
descasadas nos remetem a outros discursos, ou simplesmente deixam de fazer sentido
para um determinado contexto pelo qual se quer comunicar:
A articulação entre os elementos verbais e visuais forma um todo indissolúvel, cuja unidade
exige do analista o reconhecimento dessa particularidade. São textos em que a verbo-visualidade
se apresenta como constitutiva, impossibilitando o tratamento excludente do verbal ou do visual
e, em especial, das formas de junção assumidas por essas dimensões para produzir
sentido.(BRAIT, 2009. Pg. 10)
Observando o contexto da comunicação contemporânea, vemos como os modos
de registrar e comunicar algo foram delineados e reorganizados a partir das mudanças
ocorridas no cenário tecnológico da nossa sociedade. Comunicar-se em um contexto de
globalização transcende o micro cosmo de vivência, tanto da capacidade de alcance de
interlocução quanto da abrangência de informações que formam o corpus da narrativa.
Esse cenário de comunicação acelerada, de acesso a recursos e meios multimídia
de expressão interfere em todos os gêneros de escrita, perpassando a literatura, a escrita
acadêmica, crítica, jornalismo, publicidade etc.
Essa nova característica da comunicação atua decisivamente na forma de
circulação e recepção de enunciados. Com isso a recepção também vai tomando
contornos e possibilidades próprias a partir da materialidade e suporte do enunciado.
Se faz necessário, para compreensão dos propósitos dessa pesquisa, entender a
construção de protocolos teatrais também como possibilidades verbo-visuais que
transcendem o verbal, a bidimenssionalidade e o material extra-corporal. O corpo, a voz
e os objetos tridimensionais assumem nessa pesquisa a possibilidade de gerar
enunciados verbo-visuais, possibilitando a construção do orpus de análise.
Compreender a cena, o corpo e a tridimenssionalidade como possibilidade
discursiva verbo-visual, leva o analista a considerar a efemeridade teatral também como
objeto de análise O contexto de sua realização, o espaço de apresentação, a relação entre
as atrizes e o público, produzem enunciados que transcendem o registro imagético da
ação vivenciada e fluída. É na compreensão de que a verbo-visualidade transcende a
bidimenssionalidade, a captura e o registro, e se instaura também na efemeridade e no
dinamismo da cena que os protocolos teatrais verbo-visuais se fazem nesse trabalho
A perspectiva apresentada nesse trabalho permite, a partir da linguagem teatral,
um jogo com as demais linguagens artísticas, possibilitando novos enunciados. A
confecção de protocolos verbo-visuais de uma vivência cênica abre espaço para se
pensar outros encontros com as artes visuais, música, dança e performance.
Nesse sentido, foi solicitado às professoras integrantes do grupo, que ao final de
todo o processo elaborassem um protocolo verbo-visual que materializasse, de certo
modo, a vivencia cênica ali experimentada. Para GONÇALVES (2013), “a função dos
protocolos teatrais verbo-visuais é, portanto, direcionada muito mais ao mundo dos
sentidos que ecoam a partir de uma prática teatral do que à contenção dessa prática em
um registro de aula (como se isso fosse possível)”.
A proposta não era dar conta de todo acontecimento e vivência artística, mas
possibilitar fragmentos que apontassem para sentidos produzidos por essa experiência.
O enunciado que norteou a montagem dos protocolos foi: “o que ficou em mim dessa
experiência de formação?”
Os protocolos apresentados sobre o processo constituíram-se de 3 performances,
1 bodyart, 1 desenho, 1 instalação, 1 assemblege, e 1 mistura hibrida entre desenhos e
anotações, que chamarei de “Portfólio”. O jogo com outras linguagens artísticas, sem
abandonar os elementos que constituem os conteúdos de teatro, se fez presente nos
trabalhos apresentados. Foram produzidos a partir da obra teatral, outras visualidades
que se anunciam independentes do processo inicial. Os protocolos por si só comunicam
sentidos que referenciam a vivência cênica, mas não se faz dependente dela para
fruição. Podemos dizer que os protocolos verbo visuais são experiências estéticas que
nascem e uma experiência cênica.
Fragmento de uma experiência: Gestos de análise de discursos (AD) de um
protocolo verbo-visual - performance.
O protocolo teatral verbo-visual que apresento para essa discussão consiste
numa performance feita por um dos professores colaboradores dessa pesquisa que
chamarei aqui de professor/performer. Busco com esse protocolo um discurso sobre
corpo que é produzido no próprio corpo do professor/performe discurso esse que não se
materializa a partir de um objeto externo, mas que se faz na própria representação.
Temos então um corpo que fala de corpo.
Denominarei esse protocolo teatral verbo-visual de Performance. A
apresentação foi realizada em uma sala de ensaios somente para as integrantes do grupo
de pesquisa. Relatando o acontecimento: A performance basicamente consistia na
projeção de um texto, realizado pelo próprio autor, sob a parede e em seu corpo. O texto
foi dividido em vários slides que eram apresentados em seqüência. Conforme o texto
apresentado era projetado na parede o professor/performer se despia, em um diálogo
corporal com a textualidade ali projetada. Em um primeiro momento o performer se
encontrava vestido com um terno cinza, calça preta e sapatos pretos, conforme ia se
despindo apareciam a gravata preta, uma camisa estampada com muitas cores, cueca e
meias pretas. Os figurinos (camisa com estampa, cueca, meias) iam se revelando no
decorrer do desnudamento do corpo. Sobre as mãos o professor/performer rregava um
par de sandálias de salto alto pretas. Ao final, o professor/performer apresenta a nudez
total do corpo calçado apenas das sandálias de salto alto preta que carregava nas mãos.
O corpus de análise desse protocolo teatral verbo-visual se faz a partir de
imagens fotográficas da performance realizada. Imagens essas contornadas pelas minhas
lentes de pesquisador. Os silêncios produzidos por essas imagens, que “foram ouvidos e
sentidos” durante a execução da performance, mas que não são possíveis de capturar, se
fazem presentes em meus atos de interpretação.
Nessa empreitada, de realizar uma análise discursiva a partir de uma
performance, apresento ao interlocutor alguns pontos a serem considerados, sendo que o
primeiro se insere no desafio de realizar uma análise de discurso (AD) sobre uma
materialidade produzida na efemeridade de uma cena performática.
Para COHEN (2002), a performance é uma função de espaço e de tempo, logo
um quadro pintado, uma gravação, uma fotografia ou uma imagem por si só não pode
ser considerado uma performance, pois elas não se encontram em um estado de
acontecimento. A performance se comunica a partir da tríade cênica - atuante, texto e
público- e na efemeridade da cena. Sem essa relação não há existência da performance
(GUINSBERG, 1980).
No que tange ao “texto”, a performance se faz em um sentido semiológico, com
seu conjunto de signos, o que faz dela por si só um texto verbo-visual e também
sinestésico. Seus enunciados, mesmo os verbo-visuais, não são capturáveis em registro,
não há capacidade de guardá-la para uma posteridade, o “texto performance”, dialoga
somente com o momento presente de sua execução.
Outro ponto a ser pensado é que a performance esta mais interessada em um
discurso sensorial o que a desprende de uma total racionalidade do processo . Essas
sensações provocadas anunciam, dizem e produzem discursos. Todo esse processo é
descrito por COHEN (2002. Pg. 30) como multiplex code:
O multiplex code é resultado de uma emissão multimídica (drama, vídeos, imagens, sons
etc.), que provoca no espectador uma recepção que é muito mais cognitivo-sensória do que
racional. Nesse sentido qualquer descrição da performance fica muito mais distante da
sensação de assisti-la, reportando-se geralmente, essa descrição a relato dos “fatos”
acontecidos.
Os diálogos teóricos para analise de discurso que ensaio para pensar essa
performance advêm de tentativas e aproximações em trabalhar o discurso em seu
sentido amplo, tomando o cuidado para não fechar possibilidades interpretativas, e sim
lançar fios condutores. Um dos fios que me conduzem a essas reflexões parte da
possibilidade de enxergar o discurso produzido no protocolo teatral verbo-visual
performance dentro de uma ordem discursiva. Para tanto, utilizo alguns conceitos
Foucautianos como ponto de partida. FOUCAULT (2004, pg. 9-10), concebe o
discurso,
Longe de ser esse elemento transparente ou neutro, que não é simplesmente aquilo que
manifesta o desejo; é também aquilo que é objeto de desejo, [...] o discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas, ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder
do qual nos queremos apoderar.
Foucault entra nesse trabalho como possibilidade de compreender as estruturas
que permitem aos sujeitos da pesquisa lançar determinados olhares sobre as questões
que envolvem corpo e identidade. Como objeto de desejo o discurso se faz da
necessidade de adquirir um determinado conhecimento sobre o fato. Os enunciados,
aqui analisados enquanto materialidade, partem de conhecimentos produzidos em um
grupo de estudos, e de uma pré-disposição de várias professoras em apoderar-se de uma
fala, para solucionar uma questão dentro da educação.
A procura por discutir gênero e sexualidade dentro do teatro-educação em da
necessidade de mediar discursos homofóbicos, transfóbicos, misóginos e sexistas, que
permeiam as aulas de teatro na escola A busca, em suma, por um grupo de pesquisa que
realizasse essa discussão especificamente dentro do teatro, parte da necessidade de
apoderar-se de discursos e práticas capazes de mediar tais situações sem perder o
objetivo das aulas, produzindo novas estéticas e novas relações capazes de gerar outros
olhares no ensino e na aprendizagem em teatro.
O fio foucaultiano que envolve esse trabalho problematiza as condições que
possibilitaram a emergência dos discursos, destacando o seu modo de existência,
norteado por regularidades que são acentuadas pelos recortes temporais, da posição dos
sujeitos participantes da pesquisa e do olhar do pesquisador, que produzem formações
discursivas que por sua vez geraram o corpus de análise dessa pesquisa.
É com esse olhar que analiso a produção dos efeitos de sentidos aqui abordados,
tendo em vista que são formadas dentro de relações de poder, que envolvem uma prática
universitária, um domínio dos códigos da linguagem teatral e uma ótica epistemológica
especifica sobre o corpo e identidades. Os saberes produzidos nos enunciados verbovisuais se entrecruzam com necessidades governamentais de discussão de corpo e
identidades na escola, com pesquisa universitária, com falas de movimentos sociais,
prática docente em sala de aula e com discursos de estudantes de vários níveis de
ensino, gerando um jogo de saber e poder (quem fala, fala de um lugar, com falas
autorizadas, que visam lançar saberes sobre um determinado tema – corpo e
identidades).
Essa pratica discursiva produz um determinado saber, nesse caso um saber sobre
identidade e corpo, que se relaciona com práticas não discursivas, produzindo
acontecimentos discursivos que se fazem presentes na interação simbólica e na
materialidade dos enunciados. Compreender o acontecimento, ou conjunto de
acontecimentos, como parte da trama do discurso, possibilita pensar o recorte histórico
em que sua materialidade é produzida:
Certamente o acontecimento não é nem substancia nem acidente, nem qualidade nem
processo, o acontecimento não é da ordem dos corpos, entretanto ele não é imaterial, é sempre
no âmbito da materialidade que ele se efetiva, que é efeito, ele possui seu lugar e consiste na
relação, coexistência, dispersão, recorte, acumulação, seleção de elementos matérias
(FOUCAULT, 200. Pg. 54).
Outro fio condutor para análise do protocolo verbo-visual performance se insere
nas concepções de Michel Pecheux, direcionando um olhar mais atento sobre o
enunciado, compreendendo esse como algo dito por um sujeito concreto em um
momento histórico, também concreto. É a partir da análise de discurso que examino os
efeitos de sentidos sobre corpo e identidades na materialidade lingüística desses
protocolos. MAINGUENEAU (1998. Pg. 13), compreende análise de discurso como:
Disciplina que em vez de proceder a uma análise lingüística do texto em si ou análise
sociológica ou psicológica de seu “contexto”, visa a articular sua enunciação sobre um certo
lugar social. Ela esta portanto em relação com os gêneros de discurso trabalhados nos setores do
espaço social (um curso de formação de professores por exemplo) ou nos campos discursivos
(políticos e científicos).
O que AD nos permite é realizar a análise de discurso em seu contexto, em seu
“lugar social”, referenciando seus “campos discursivos”. Divido a análise do protocolo
verbo-visual performance em 3 contextos para análise:
O primeiro refere-se ao contexto físico onde os enunciados foram apresentados.
A performance surge como resposta a uma proposta de montagem de protocolo teatral
que dialogasse com a construção de um espetáculo, que tinha também um intuito de
formação continuada e inicial de docentes. A maioria dos ensaios do espetáculo, bem
como a apresentação do protocolo teatral verbo-visual performance, foram realizados
em uma Faculdade de Artes, em salas de ensaio, onde as metodologias do teatro podiam
ser realizadas e amparadas por todo um conjunto mínimo de recursos. Elementos como:
luz, figurinos, maquiagem e sonoplastia puderam ser experimentados nesse espaço. O
fato de discutir os assuntos e questões relacionadas a sexualidades, gênero e identidades,
corporalmente e com elementos cênicos, reflete na relação de sentidos que o
professor/performer compreende sobre corpo e identidade, e por si direcionam escolhas
de enunciados para a realização da performance.
Um segundo contexto a ser considerado é o social. O professor/performer se
insere em um grupo que foi formado por professoras licenciadas, outras cursando
Licenciatura em Teatro pela Faculdade de Artes do Paraná (atualmente UNESPAR Universidade Estadual do Paraná). A maioria das participantes já possuía experiência na
prática docente, e a partir desta sentiam a necessidade de encontrar subsídios para
mediar conflitos que surgiam em suas aulas, nos quais corpo e identidades eram
questionados e conflitados. O grupo de estudos fez parte de um projeto de pesquisa que
tinha por objetivo a produção de um espetáculo a partir de enunciados sobre gênero,
corpo, sexualidade e identidade, recortado por uma perspectiva pautada nos estudos
epistemológicos da teoria Queer.
Outro contexto que abordo é o interdiscursivo, que envolve as falas, memórias,
ideologias e saberes do professor/performer. Os discursos sobre identidade e corpo
apresentados já são recortados por uma formação artística, em especial trabalhados
dentro do teatro, que estabelecem outras relações com o corpo e com as identidades.
Por fim, um importante contexto a ser considerado é o posicional. Para
MAINGUENEAU (2000. Pg. 392),
O posicionamento, a posição que um locutor ocupa em um campo de discussão, os
valores que ele defende e que caracterizam reciprocamente sua identidade social e ideológica.
Esses valores podem ser organizados em sistemas de pensamentos ou podem ser simplesmente
organizados em normas de comportamento social, que são mais ou menos conscientemente
adotadas pelos sujeitos sociais e que os caracterizam identitariamente.
Entre outros destaques sobre o contexto posicional, enfatizo que a construção do
espetáculo e os estudos que nortearam sua montagem foram as teorias de gênero dentro
de uma linha pós-estruturalista, que busca uma discussão para além das identidades
binárias e hegemônicas, pautadas em uma teoria especifica, no caso a Teoria Queer.
Esse direcionamento do trabalho delimita o sistema político conceitual com
relação aos posicionamentos frente a corpo e identidade. Pode ser, por exemplo, que o
professor/performer não compactue com a concepção de corpo e identidade que
apresentou em seu protocolo verbo-visual, pois esses são produzidos visando diálogos
com as concepções trabalhadas durante os encontros. Porém, vale destacar que para a
análise de discurso não interessa e nem cabe ao analista preocupações com a
“veracidade” ou “falsidade” de tais preposições, tampouco importa tentar levantar quais
as possíveis intenções do autor, mas sim, discutir as instancias discursivas que
possibilitaram a produção de seus enunciados.
Em um contexto posicional também se insere o pesquisador, que vivenciou todo
o processo de montagem do espetáculo e compactua com a linha epistemológica
trabalhada durante as discussões. Levando em consideração todos os lugares posicionais
dos sujeitos, cabe refletir sobre a importância de pensar o posicionamento dessas falas
(FOUCAULT, 2000). Para PECHEUX (2009), o sujeito não ocupa um lugar vazio, ele
vem de uma determinada formação discursiva, o que equivale afirmar que as “as
palavras, expressões, proposições, etc, recebem seus sentidos da formação discursiva da
qual são produzidos” (PECHEUX, 2009. Pg. 147).
Por óbvio, existem ainda na produção do enunciado analisado outras dimensões
contextuais a serem consideradas; porém, realizo os recortes aqui apresentados
consciente de que deixo às sombras uma gama de aspectos mediatos e imediatos. Parto
da ideia de que propor ilusoriamente uma totalidade inalcançável é perder o fio
condutor do trabalho.
A pesquisa nesse sentido contribui para o campo dos estudos teatrais ao realizar
um dialogo entre a pratica artística e os estudos de gênero materializando-se na
dimensão verbo-visual. Ao olhar para os enunciados verbo-visuais produzidos nos
protocolos teatrais proliferam-se sentidos sobre a pratica que ultrapassa os relatórios,
diários de campos e anotações, possibilitando um olhar mais dinâmico e pulverizado
para as falar ali anunciadas
Referências
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metodológico. In: FÍGARO, R. (org) Comunicação e análise do discurso. São Paulo:
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PÊCHEUX, M. (1967). Semântica e Discurso. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi.
Campinas: Editora da UNICAMP, 2009.
i
Bolsista da CAPES.
Um aspecto a ser considerado nessa pesquisa é a opção por utilizar o sujeito feminino quando esse não
for definido. Historicamente construímos no processo da escrita uma invisibilidade do sujeito feminino ao
determinarmos sempre o masculino. As referências a: “os alunos”, “os professores”, “os educadores”
mostram como a linguagem também está inserida em um mecanismo de discurso que estabelece lugares
para a dicotomia de gênero. Ainda na esteira da preocupação de algumas teóricas como Judith Butler, que
em nome de uma visibilidade utiliza os conceitos de “as/os”, opto por utilizar o substantivo feminino na
preocupação de possibilitar uma agradável leitura e, ao mesmo tempo, um certo “estranhamento”.
Compreendo essa ação como também geradora de padrões e hierarquizações de gênero, mas lanço essa
escolha como um processo de discussão e possibilidades.
ii
ESPAÇO DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
ESPAÇO E CORPOREIDADES: EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS NO CUCA
BARRA EM FORTALEZA
Roberta Bernardo da Silva (PIBID Teatro; Iniciação à Docência1); Universidade Federal do
Ceará
RESUMO
Este estudo apresenta uma experiência vivenciada por alguns jovens em um curso de
iniciação teatral, explorando o corpo e o espaço cênico no CUCA Barra. Com o objetivo
de descobrir e experienciar outras corporeidades educativas, o curso ocorreu,
metodologicamente, em quatro etapas. Na primeira os estudantes reconheceram os
espaços múltiplos possíveis para intervenções corporais e cênicas, seguido de debates
sobre como o corpo é estimulado em ambientes distintos de atuação. Na segunda etapa
ocorreu um diagnóstico perceptivo do corpo e das suas tendências individuais através de
improvisações. Na terceira, em subgrupos, a partir das afetações despertadas nas etapas
anteriores, o exercício foi deixar o corpo à deriva, experimentar composições de
partituras, estabelecer relações do corpo com as estruturas geométricas do Instituto
CUCA. E por último, trabalhou-se a partir das seguintes questões: quais outros modos de
reocupar um espaço? Este diálogo parte do corpo ou da relação deste com o espaço? O
trabalho resultou em três intervenções artísticas, em espaços diferentes que
proporcionaram aos estudantes uma experiência estética de extrema importância, no que
diz respeito aos aspectos políticos e estéticos de uma obra de arte, considerando e
reconsiderando, desta maneira, como o corpo ocupa um espaço.
Palavras-chave: Corpo. Espaço. Educação.
INTRODUÇÃO
Há paradigmas na prática teatral, como a exigência da técnica, que muitas
vezes impedem que o estudante de teatro encontre outros procedimentos para investigar-se.
E a partir da perspectiva da brincadeira corporal no espaço, que este estudo se fez para
possibilitar outras funcionalidades criativas. O título deste estudo perpassa por questões da
educação pelo fato de a prática desenvolvida ter uma intenção de abordar a construção do
percurso dos jovens no teatro em paralelo com a relação que estes têm com a cidade que
os mesmos residem. O inquietude lançada foi: como perceber a si dentro do seu fazer
teatral?
[…] o fazer artístico como desenvolvimento de potencialidades:
percepção, intuição, reflexão, investigação, sensibilidade, imaginação,
curiosidade e flexibilidade; o fazer artístico como experiência de
comunicação humana e de interações no grupo, na comunidade, na
localidade e nas culturas; posicionar-se de maneira crítica, responsável e
construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como
forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas. (PCN, 1998, p. 7
– 37)
Percebo nesta construção uma subjetividade possível de construir diversos
desvios para a construção de outros modos de abordar a educação sem que
1
(Apoio CAPES)
necessariamente o corpo seja abordado em apenas uma estrutura. O caso é: é possível
elaborar processos criativos com bases humanísticas? O fato aqui não é negar a técnica,
percebo que esta pode ser desenvolvida de acordo com a prática de cada investigador,
estudante, ator.
Admitimos que quase todos os conhecimentos perpassam pelo corpo, cada
corpo recebe e reage de maneira distinta pelo fato de cada um ter referências singulares,
mas todos são aptos à adaptações, isto é uma característica humana e mesmo que os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Brasileira apresente uma orientação de
como o ensino pode e ou deve acontecer nas escolas, que particularmente levo este
direcionamento para outros espaços educativos, é exatamente o poder vinculado as
singularidades de cada ser, logo em cada professor/educador, que é possível o ensino
acontecer de maneira estimuladora de pensamentos em fluxo, criativos ou aprisionador, o
que estimula corpos dóceis assim dito pelo filósofo Foucault, que são corpo submissos,
autômatos, técnicos, que vivenciam disciplinas para reproduzir modelos prontos para se
comportar de determinada formas a partir do espaço ocupado.
INVESTIGAÇÃO DOS CORPOS
Talvez precisemos de corpos vivos, críticos e criativos. Estes estados estão para
além de corpos ativos citados pelo filósofo Foucault.
O diferencial está na intenção do modo que o processo de ensino ocorre. O
corpo, talvez sempre seja a sujeitado, submisso, mas quais os processos que permitem
possibilidades de reflexão, de construção coletiva, de deixar o corpo ser indisciplinado
para poder re encontrar-se enquanto pensante e não apenas reprodutor de métodos, pois
estes já não dão conta dos desejos de agora. A quem interessa sistematizar, controlar e ou
apenas obedecer, sem dialogar, sobre suas próprias ações?
[…] como ferramenta de libertação dos corpos tolhidos pela mecanização
do cotidiano, como instrumento de conscientização, como modelo de
vivência grupal, como forma de integração dos indivíduos numa vida
mais regrada e adaptada, como garantia de acesso aos bens culturais de
um povo – eis algumas das funções que a atividade teatral tem cumprido
em diferentes lugares, em diversos discursos e em variados projetos de
libertação do homem. (ICLE, 2010, p. 23)
Neste momento podemos abordar o corpo não apenas como instrumento, mas
como um lugar e ou o próprio conhecimento. E para isto um dos percursos foi a
improvisação, pois partindo do pressuposto, fundamental, que o ator da biomecânica deve
conhecer seu próprio corpo, o seu funcionamento, suas capacidades e seus limites, além do
afinamento da capacidade de percepção do próprio corpo em relação a si mesmo e ao
espaço, ou seja, a propriocepção, percebemos com isso, que o ator ganha autonomia,
realizando suas ações como parte de uma escrita do corpo, dando desenvolvimento no
fluxo de qualquer cena, tornando-se um agente consciente e propositor de uma possível
dramaturgia cênica.
FREIRE (2006) quando tece sobre a Pedagogia da Autonomia, discorre sobre
o entrelaçamento e a complexidade de diversos fatores que estão presentes no cotidiano
tanto do aluno(a) quanto do(a) professor(a), na minha interpretação, para que as prática
educacional e aqui estendo as relações artísticas não estejam distanciadas do desenvolvido
humano em sociedade.
O corpo citado como lugar de conhecimento deixa este status para ser campo
de relação entre os diversos conhecimentos sejam estes da ordem do fazer artístico ou não.
Assim, na contemporaneidade, nos indagamos: seria inútil voltar ao século XVII para
pensar o que pode o corpo como nos trouxe o filósofo Spinoza? E como pode? Pode? O
trabalho do ator está em descascar as camadas deste corpo adormecido para aguçar
possibilidades.
Portanto, o corpo não é definido por sua forma ou função. Forma e
funções orgânicas dependem de arranjos de velocidades e ralentações e
não o vice-versa. O corpo não está sendo compreendido em termos de
forma mas de forças interativas, como uma complexa relação ente
diversas velocidades, como uma elaborada iteração entre partículas
infinitas. Corpo é movimento e mobilidade. (FABIÃO. 2008, p.6)
Analisando o que discutimos na introdução deste pensamento sobre qual seria
o ponto de partida desta turma, sem que apenas fosse acessado as referências já existentes
nos corpos dos estudantes, percebo que a sinalização do percurso para ser investigado já
estava traçada e para isto talvez seja necessário se deixar em alerta, em vigia para encontrar
o novo em propostas simples, com abordagens relacionais com o que permanece
vigorosamente nos esboços de cena.
O exercício era mover o corpo a partir dos comandos (cabeça, mão, nariz,
costelas, joelhos, orelha...), no entanto as referências de cada um foi acessada e foi
externalidade era único, talvez pelo fato da exigência de uma prontidão dos corpos, os
jovens se encontraram altamente entregues, aparentemente, seguros na sua vivência.
RECONHECENDO E DESBRAVANDO ESPAÇOS
Neste momento a proposta era passear, conhecer e observar as possibilidades
criativas da estruturas do Instituto CUCA Barra em Fortaleza, um espaço em que
disponibiliza diversas ambiências como artes, esportes, educação dentre outras.
A partir das mudanças no ambiente presente (onde se dá a ação), o
movimento configura-se como uma resposta à sobrevivência. O passo
seguinte é o que Llinás chama de predição. O self (si mesmo) é neste
sentido, compreendido como centralização da predição. Ele nunca é
criado fora da consciência, mas pode ser organizado quando um corpo
está em estado de alerta (nível baixo de consciência). (GREINER, 2008,
p. 65).
O esforço aqui exigido é quase o mesmo do cotidiano, todavia faz-se
necessário acessar estados corporais, como dinamismo, não apenas do corpo ao caminhar
em ritmos diferentes ou se direcionar para a criação propriamente dita, seja qual for a área,
pensar nas possibilidades do corpo e do espaço, sejam este quais forem.
Pensando que este curso foi de iniciação vale ressaltar que um dos objetivos é
permitir que os jovens se auto percebam e se investiguem, tenham autonomia das suas
ações e a técnica vem com a prática no decorrer da vida. E tendo, agora, outras percepções
de onde e como os mesmos se encontram se perceberam quase perdidos diante das diversas
estruturas.
Mas para se caminhar para frente, muitas vezes é preciso olhar para atrás. Foi
apresentado, em uma aula expositiva, o espaço tradicional do teatro, a arena, a semi arena e
como os corpos se portavam diante e ou junto a cada espaço desses. Em seguida
discorremos sobre as outras possibilidades de onde o teatro (corpo, espaço) podem
acontecer como, terminais, praças, ônibus, rua e até no corpo como componente e ou como
o próprio espaço de uma obra.
É preciso ter percepção dos focos que o corpo tem ou os diversos focos a partir
das situações cotidianas para que as mesmas sejam materiais de estudo como os
cumprimentos, as ações, os deslocamentos dentre outros. E assim refletimos quais os
possíveis focos que um indivíduo tem ao sair da sua casa até pegar o ônibus do outro lado
da rua. Esta foi uma questão para cada jovem e como nos diz FREIRE (2002) para ensinar
é preciso curiosidade. Esta foi uma das minhas principais funções estimular, orientar,
proporcionar vontades para que a turma seguisse pesquisar, continuar com o desejo de ir
além do que olho ver a primeira vista e pudesse desenvolver e aprofundar as questões
abordadas.
BRINCAR – CRIAR – COMPOR
Para reconhecer ao seu redor é preciso se perceber. Estimulada pela
coordenadora pedagógica do CUCA, fomos estudar o mapa da cidade de Fortaleza e
identificar quais os bairros que os estudantes residiam e quais outros os jovens já tinham
conhecido. Depois, cada um com seu mapa, decidimos colorir estes bairros a partir das
lembranças e das afetações e por conseguinte foi criado um mapa afetivo com linhas sobre
o mapa da cidade. O desafio era investigar, corporalmente, as linhas e transformar em um
percurso de movimentos. Cada aluno precisava realizar suas partituras em deslocamento
pelo espaço (artes cênicas), todos ao mesmo tempo. As sequências foram apreciadas e o
debate ocorreu sobre as diferentes escolas de movimentos, mesmo quando as bases eram
os mesmos bairros. Uma questão foi lançada. Como seria se permitir a ficar, coletivamente,
em alguns lugares do Instituto e a partir dessa experiência investigar outras composições
do corpo no espaço. Logo surgiram outras percepções de que as posturas de cada indivíduo
aconteceria, normalmente, de acordo com a ambiência.
Há uma tendência a associar a Ênfase de Espaço com os pontos de
movimento no Espaço, mas isto não é uma regra. De fato, a Ênfase de
Espaço independe dos principais pontos no Espaço onde se realizam os
movimentos. Por exemplo, pode-se estar andando para frente (ponto do
Espaço na Dimensão Sagital à frente) com uma Ênfase de Espaço lateral
ampla, como se o corpo ocupasse todo o espaço à sua esquerda e à sua
direita[...] (FERNANDES, 2006, p. 264)
Cada espaço/estrutura traz uma proposta de dramaturgia e a intenção da turma
não era mudar o ambiente, e sim compor, ser parte dele de outros ângulos e olhares. Neste
caso já estávamos discutindo o modo de chegar a cada lugar, o percurso, a transição, o
movimento, as qualidades destes antes de se chegar a um determinado destino.
Alguns comandos foram lançados como seis pontos diferentes do ambiente
escolhido (uma sala de paredes brancas e simétricas, uma outra sala assimétrica de grandes
janelas de livro transparente e o tatame do espaço de Artes Marciais), explorar os níveis do
corpo, ritmo distintos entre os movimentos e nuances e as composições precisavam ser
individuais, mas se manter em relação, sempre, fosse com o olhar, com um toque, a escolha
sobre como o jogo da relação, da brincadeira que aconteceria era livre.
Quais os outros olhares propostos aos corpos de acordo com os espaços
estabelecidos? Às vezes, parece uma crise todo esse entrelaçar. Não entendemos porque é
preciso problematizar diante de tantas possibilidades. Talvez esses diversos caminhos
sejam os próprios problemas. No entanto, não há mais o teatro como um modelo único a
ser seguido e sim teatros, ou seja, infinitas possibilidades de pensá-lo e fazê-lo, o que
difere é o contexto.
Se é que esta crise existe, acreditamos estar neste estado pelo fato de não
conseguirmos nomear o nosso fazer artístico, ou talvez identificar objetivamente
conhecimentos construídos no corpo, conhecimentos estes que sejam diferenciados de um
atleta, por exemplo, pois esta diferenciação ocorre em um lugar subjetivo do corpo e
mesmo que este não seja o objetivo deste estudo, foi lançado pelos integrantes do curso o
seguinte pensamento: “...iniciamos nossa vivência artística em muitas linguagens dança,
teatro, fotografia, natação, artes marciais, logo fomos e somos influenciados por coisas que
não sabemos como ou porque precisamos nomear, como muitas vezes nos perguntam”.
Talvez seja preciso encontrar-se e perder-se. Para cada vivência, um procedimento
contextualizado, eis o nosso grande desafio, experienciar, sentir, perceber e tecer histórias.
As combinações de fatores expressivos alternam-se a cada três a cinco
segundos (tempo, de duração da variação da qualidade dinâmica). Esta
duração pode parecer muito curta, já que muitas vezes temos a impressão
de ver uma mesma qualidade por mais tempo. No entanto, o que vemos é
a repetição de uma qualidade em momentos próximos, ignorando as
muitas variações que ocorreram naquele intervalo. (FERNANDES, 2006,
p. 154)
Um turma, que variava entre quinze e dez jovens, percebeu a abertura para se
brincar e pensou em extensões dos corpos, como por exemplo objetos, para cada espaço
escolhido, mas dos três espaços, durante as experimentações, surgiram apenas dois objetos,
que foram muitas roupas e cabos de vassoura, eram objetos bastante utilizados nas
estruturas escolhidas. A dinâmica das composições ficou bem mais interessante para quem
fazia e para quem observava. Os debates agora já perpassava pelo jogo da composição, dos
desejos, das necessidades, dos recortes de cada um sobre os corpos, os lugares e sobre si
mesmo.
Outro ponto pertinente neste processo que gerou algumas inquietações e
conflitos foi sobre a não permissão da realização de algumas ideias por receio de
danificação do Patrimônio Público o que levou a outros desejos, como o de todos
realizarem as intervenções, independente do espaço e das composições, com roupas iguais,
como se não houvesse diferenças entre ou singularidades no coletivo, como se estas não
fossem percebidas.
INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS
Para realizar o contato direto com os ambientes escolhidos era preciso entender
como aquele lugar funciona, como os corpos que ali estão se relacionam, quais são as
regras e como é possível fazer parte deste jogo, logo cada escolha levaria a um novo
desafio, a uma nova investigação. Então, antes das práticas a turma observava os lugares e
as pessoas, as suas relações para “alimentar” as partituras corpóreas.
As apresentações aconteceram como interferências educativas para além da
plateia e do espaço de formação, pois estes estavam de passagem por este Instituto, em um
curso de curta duração e o conhecimento despertado continuará com os mesmos por onde
estes forem.
Já os modos de pedir licença para re-ocupar, por exemplo o tatame, foi uma
espécie de relação com os jovens que estudam Artes Marciais e o posicionamento dos
estudantes foi político e estético ao abordar outras maneira corporificar lugares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dialogando sobre educação com o Edvaldo Sant' Ana Lourenço, chegamos ao
conceito dos quatro pilares ditos fundamentais da educação, baseado na UNESCO e
coordenada por Jacques Delors. O primeiro é Aprender a Conhecer, que está relacionado
aos conhecimentos cognitivos básicos, Aprender a Fazer, que está voltados para práticas,
sempre oportunizando espaços para o pilar anterior, Aprender a Viver com os Outros, este
está voltado para como descobrir limites, conhecer culturas, respeitar e por último
Aprender a Ser, já este depende totalmente dos três anteriores pelo fato de este processo
visar o desenvolvimento total do indivíduo.
Se é possível aplicar este conceito na prática corporal em relação ao espaço,
logo não é preciso determinar formas ou maneiras de comportamentos. Proporcionar,
compartilhar saberes, desenvolver-se junto aos estudantes, discorrer sobre o que não
sabemos e juntos encontrarmos, talvez não saídas mas desvios, produzir pontes para
acessar outros conhecimentos.
Vale ressaltar que ser disciplinado enquanto ser organizado não tole o ser
analítico se se abre espaços para que o mesmo reflita sobre sua prática individual e
coletiva. Não trato aqui sobre apologias a desordem, até porque a educação que tive não
permite, mas sobre como se manter um estudante contextualizado e em análise crítica
contínua.
De tudo que ele aprende – a forma das letras, o lugar ou as terminações
das palavras, as imagens, os raciocínios, os sentimentos dos personagens,
as lições de moral – lhe será pedido que fale que diga o que ele vê, o que
ele pensa disso, o que faz com isso. (RANCIÈRE, 2013. p.40).
Seguindo esta reflexão é que ressaltamos a necessidade de profissionais
formados em suas áreas específicas, como deve acontecer em todas as áreas. Pois a
relevância em proporcionar experiências estéticas como as que podem acontecer para além
da sala de aula. É uma das estratégias educativas que mais produzem conhecimento e
despertam a inteligência. É o momento em que o indivíduo vivencia algo e que se sente
atravessado por alguma sensação que não é da ordem da linguagem ou de conceitos
fechados.
Avaliamos que a aprendizagem parecia afinada e os encontros e desencontros
se fizeram neste percurso. O território do corpo já se confundia ao espaço e aos objetos.
Didaticamente podemos discorrer sobre os mesmos separadamente, mas na prática os três
elementos estavam sintonizados pelo desejo de ir além do que já sabíamos.
Hoje somos outros com marcas de um fazer que por muitas vezes pareceu
simples, mas nunca simplório.
Agora, que estamos não mais tateando, mas em estado de afinação do que
decidimos construir, as perguntas são outras. Como o texto teatral pode afetar e ser mote de
uma obra que aconteça no corpo? Sendo que ao me referir ao afeto, quero estabelecer uma
relação com o estímulo criativo, dentre muitas possibilidades de afetações.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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Leonora.
Performance
e
Teatro.
Disponível
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http://impromptucoletivo.files.wordpress.com/2009/09/performance_e_teatro_fabiao1.
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pesquisa em artes cênicas. 2ª dição – São Paulo: Annallume, 2006.
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São Paulo: Paz e Terra, 2002.
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Belo Horizonte. Autêntica Editora. 2013.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA CULTURA E ARTE: EXPERIÊNCIAS COM OS
JOGOS TEATRAIS EM UM CENTRO DE APOIO PSICOSSOCIAL
Rochele Resende Porto
Durante a defesa de minha dissertação no Programa de Pós-graduação em Artes
Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fui instigada por um
dos participantes da banca a conhecer o Humaniza-SUS. Essa proposta do Sistema
Único de Saúde abrange uma ação mais integralizada nos tratamentos em saúde, na qual
a arte pode estar inserida como uma alternativa complementar. Ao pesquisar formas de
adentrar nesse contexto descobri a existência de Residências Multiprofissionais em
Saúde Mental Coletiva, nas quais o espaço para arte era aberto em todas as suas áreas.
Sendo assim, optei pela residência do programa Educasaúde vinculado a UFRGS.
Percebia nessa atuação possibilidades de um fazer artístico que não se limitasse
ao domínio de técnicas de atuação. Acreditava que na saúde mental esse fazer poderia
despertar diferentes formas de se expressar e sentir no mundo. Não sabia o que ia
encontrar nessa caminhada, mas me imaginava afetando e sendo afetada por uma ação
que faria ver no mais banal e cotidiano uma potencialidade única de descoberta.
Durante meus estudos para a prova de seleção deste programa tive contato com a
dissertação de Jardel Sander da Silva (2012) intitulada, “ALMACORPOAÇÃO”, na
qual ele reflete sobre sua experiência com teatro em um Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS). A narrativa de Jardel foi também estímulo e esclarecimento para o começo do
trabalho em saúde mental, pois ele revelava suas expectativas e o quanto elas foram de
encontro com o contexto que encontrou. O autor percebe as contradições entre os seus
desejos e a forma de fazer do usuário em saúde mental. Após esse choque, Jardel,
enquanto pesquisador, se propõe a mudar sua própria forma de pensar procurando assim
maneiras de ir ao encontro daquilo que vê e escuta.
Meus relatos no diário de campo estão repletos de “decepções”. Como se a
cada encontro, pronto a visualizar a criatividade potencial e a autonomia
implícita, sempre me deparasse com a concretude dessas vidas sem brilho.
Talvez, devido à proximidade das suas presenças, não fosse mais possível
atravessar-lhes com meu olhar e me fascinar com sua loucura. Seus corpos
ocupavam um espaço presente, inundando-me a todo o momento com a
profundidade de suas existências minúsculas. A cada momento a
impossibilidade do “fascínio” tornava-se mais evidente. (...) Foi somente no
decorrer da pesquisa, na análise das vivências e do que era relatado, que
percebi a dimensão do estranhamento, talvez mesmo uma incapacidade
inicial de estranhar. De fato, demonstrava certo desprezo ao que era
cotidiano, ao comum, ao ordinário. Tinha uma ideia da loucura como algo
potencialmente criativo, diferente, interessante, autônomo (...) Essa
possibilidade de abertura à diferença – que no caso deste trabalho pode
resumir-se numa tentativa de escapar de perspectivas que reduzem o louco,
por uma lado, a uma existência sintomatológica; e, por outro, a um portador
de uma originalidade essencial reprimida e/ou não expressa. (2012, p. 34-36)
As palavras do autor me fizeram acreditar ainda mais no trabalho que me
proponho a fazer, não só em relação à arte, como também a própria vida. Durante minha
trajetória passei a considerar a não expectativa uma forma de prontidão e abertura. O
encenador polonês Jerzy Grotowski no livro “Em busca de um Teatro Pobre” nomeou
este estado de “passividade criadora”.
Há ainda o problema da passividade criadora. É difícil de expressar, mas o ator deve
começar não fazendo nada. Silêncio. Silêncio total. Isto inclui até os seus
pensamentos. O silêncio externo trabalha como um estímulo. Se há um silêncio
absoluto, e se, por diversos momentos, o ator não faz absolutamente nada, este
silêncio interno começa, e volta toda a sua natureza em direção às suas fontes. (...)
Deve ter coragem, (...) uma coragem passiva, poderíamos dizer a coragem de um
desarmado, a coragem de revelar-se. (1968, p. 194 - 200)
Ao iniciar as atividades no Caps com minha colega que tem formação em
psicologia, estava consciente que o trabalho com os usuários seria delicado, paciente e
surpreendente devido a leituras prévias em relação a arte na saúde mental. Porém,
embora fosse claro o meu desapego a qualquer expectativa previamente construída em
relação aos usuários, fui abalada pelo contexto e o espaço que os acolhia.
O Centro de Apoio Psicossocial II Glória , Cruzeiro, Cristal (Caps II - GCC) era
um serviço que se encontrava junto ao Posto de Saúde da Vila Cruzeiro, o chamado
Postão, durante muitos anos dividiu seu espaço com atendimentos de diversas áreas da
saúde, como emergência, dentista, farmácia, saúde da família e tantos outros serviços
que faziam parte daquele espaço. Sendo assim, os atendimentos no Caps II GCC eram
na sua maioria encaminhados aos psiquiatras, psicólogos e terapeutas ocupacionais,
entretanto, desde novembro de 2012 o Caps II se mudou para uma casa no bairro
Cristal.
A mudança de espaço físico trouxe vários desafios para os trabalhadores e
usuários devido a distância e organização, como também, a inserção de residentes e
estagiários. Sendo assim, cheguei em um lugar que ao mesmo tempo era experiente, no
que se refere aos trabalhadores, e principiante em relação as novas propostas.
Este contexto foi de encontro as expectativas que eu não percebi que estavam
latentes em mim, assim como o pesquisador Jardel Sander, tive que me repensar
naquele contexto e ir ao encontro daquilo que via. Meus primeiros momentos no serviço
foram de espera e diálogo, aos poucos ideias e oportunidades começavam a surgir.
Minha colega e eu propomos a equipe do Caps II um grupo que envolvesse
criação artística e inserção em espaços variados da cidade de Porto Alegre. Intitulamos
o grupo de “Espaço de Convivência Cultura e Arte”, para o qual foi sugerido que os
participantes fossem indicados pela equipe a fim de um melhor aproveitamento das
atividades. Nosso grupo foi composto a princípio por cinco usuários e uma psicóloga do
Caps II, mas ao longo do tempo outras foram inseridas.
A insegurança do começo em relação à aderência ao grupo foi substituída pela
confiança de que o trabalho estava acolhendo aos usuários. Nossas práticas procuraram
abordar a expressão artística através do teatro, música, escrita, desenho, recorte e
colagem, como também, visitas a espaços variados da cidade. Um destes lugares foi o
Museu Iberê Camargo localizado próximo ao Caps II, a qual foi antecedida por uma
explanação sobre as obras do artista gaúcho que tem o mesmo nome do Museu e um
trabalho depois da visita.
Durante a exposição constatamos a importância de ações que promovessem a
saída dos usuários em grupo, pois no passeio percebemos a interação deles com as
obras, expondo suas opiniões e expressando a alegria de estarem reunidos. A cada dia
nos inspiramos mais para construir juntos novas propostas. Um de nossos integrantes
mais assíduos revelou com seu sorriso e postura cada vez menos ansiosa um
envolvimento com o momento presente e encantamento com as propostas construídas
coletivamente. Segundo a psicóloga que o atendia, quase sempre ao terminar o grupo,
ele disse achar muito bom o trabalho e que a cada dia se sentia mais inserido. Neste
processo alegre e criativo vamos conquistando uma espécie de credibilidade junto à
equipe do Caps II que nos indicava mais pessoas para o grupo.
Durante o segundo semestre de 2013 prosseguimos as atividades do grupo
inserindo outros fazeres artísticos. Um deles foi a escrita, pensamos em trabalhar com
narrativas menos realistas e mais imaginárias e poéticas. Cada um do grupo, então,
construiu um caderno, no qual escreveria suas criações. Para auxiliar nesse processo
inserimos a metodologia de ensino utilizada no teatro chamada Jogos Teatrais.
Os Jogos Teatrais foram criados pela diretora de teatro norte-americana Viola
Spolin (1906-1994) e traduzida para o português pela professora e diretora de teatro
Ingrid Koudela. Sua metodologia é extremamente didática, porém, não perde seu teor
artístico. Dentre as várias regras estabelecidas pelos jogos uma estrutura é predominante
para a construção das cenas, a qual é constituída de três aspectos básicos: “Onde”,
“Quem” e “O que”.
O “Onde” corresponde ao lugar, o espaço imaginário em que ocorrerá a ação;
“Quem” diz respeito aos personagens e “O que” é a ação, o conflito que interliga todos
os personagens no onde. Essa metodologia foi proposta por nós para a construção dos
textos antes da cena. Pedimos para que cada um imaginasse um lugar, quem estaria lá e
o que aconteceria. A metodologia de Spolin foi fundamental para a escrita dos textos,
pois era latente a dificuldade que eles tinham de imaginar e abstrair. A partir dessa
estrutura os usuários conseguiram ter ideias e ativar a imaginação, logo após a escrita,
foi feita a escolha de um dos textos para serem realizadas improvisações através dos
jogos teatrais.
O texto escolhido foi o de uma usuária que sempre se mostrou muito sensível ao
fazer artístico. Sua história contava sobre uma menina que queria conhecer o mar e
pediu para a sua mãe levá-la até lá. Na chegada ao mar a usuária descreveu as sensações
da menina e terminou relatando a alegria daquele momento. A partir dessa estrutura
começamos a experimentar os jogos. Começamos pelo “Onde” com o jogo “Planta
Baixa”. Nesse jogo os integrantes do grupo fazem um desenho no papel, como se fosse
uma planta baixa, e disponibilizam no espaço os objetos que nele constam. A planta
atua como uma forma de mapa que delimita a movimentação no espaço e a interação
com os objetos.
Em grupo concluímos que existiam dois espaços na história: o quarto da menina
e a praia. Iniciamos pela planta baixa do quarto. Pegamos uma cartolina grande e um de
cada vez foi desenhando no papel a disposição dos móveis. Inconscientemente, também
já criávamos a personagem, pois, para montar o quarto precisávamos saber mais sobre
suas características. Como também, tivemos que inserir outros personagens para que
todos pudessem participar da história. Apareceram um pai, um salva-vidas, um surfista
e um vendedor de sorvetes, além da mãe e da menina.
Após a finalização do desenho passamos para a próxima etapa do jogo que era a
interação com esse espaço desenhado. Um de cada vez adentrava o ambiente criado e
entrava em contato com os objetos imaginários dispostos na sala. Essa primeira
exposição foi surpreendente, pois demonstraram muita concentração e disponibilidade.
A princípio fiquei receosa de que pudessem ter vergonha, mas isto não aconteceu.
Comentei com os usuários sobre minha surpresa e uma das integrantes disse que a
convivência com o grupo tinha produzido essa segurança.
Claro que teríamos que trabalhar mais detalhadamente alguns aspectos, mas
como tínhamos pouco tempo para continuar com o grupo achamos melhor ir passando
para outras etapas. Propomos então, que no ambiente imaginado as personagens se
encontrassem e ali realizassem uma ação. Neste exercício uma usuária acabou
demonstrando mais de si do que a personagem. O que é comum acontecer nas primeiras
improvisações, assim, perguntei a ela qual era a idade da sua personagem? Como
costuma se comportar uma menina naquele contexto? A ideia era trazê-la para a
proposta do aqui e agora.
Fizemos vários exercícios trabalhando os três aspectos da estrutura dos jogos. A
cada encontro o grupo passava a compreender mais o fazer artístico. Para aprimorarmos
os personagens pedimos que cada um observasse alguém diariamente e escrevesse
características físicas e psicológicas deles. A partir deste material fizemos as
improvisações. Uma das participantes percebeu que estava muito travada ao interpretar
uma mulher de 40 anos. Ela disse que essa pessoa era muito atenta e preocupada, mas
não era por isso que ela tinha que ficar tensa, sem se mover direito.
As observações da usuária foram de alta sofisticação. Ela conseguiu se perceber
no espaço e no tempo. Isso demonstrou dedicação e percepção aguçada. A experiência
foi para além do convívio, do bem-estar e da inserção na sociedade. O grupo realmente
se mostrou interessado em atuar. Ao serem convidados para demonstrar as práticas na
reunião de final de ano dos grupos do CAPS II GCC eles não titubearam e prontamente
se disponibilizaram.
Este momento também foi muito significativo não só para o grupo Cultura e
Arte, mas também para todas os grupos e trabalhadores que investiram em modificações
importantes no cotidiano do CAPS II. Cada grupo compartilhou o que produziu durante
o ano e depois tiveram um almoço organizado e patrocinado pelos trabalhadores do
serviço de saúde. Logo após o almoço as pessoas ainda ficaram conversando e
usufruindo do espaço que muitas vezes era somente utilizado para consultas e recitas
médicas. Acredito que este serviço logo deixará de ter apenas suas características
ambulatoriais para se tornar um espaço de convívio e trocas.
Um lugar de revitalização da vida, de interação e afeto. Muito tenho ainda que
desmembrar deste trabalho, pois são vários os detalhes e sutilezas a serem analisadas.
Foi realmente um período de descobertas e transformações que tiveram a presença de
uma microequipe muito especial que foram a psicóloga do Caps II, nossa preceptora na
residência, pessoa fundamental para a realização do trabalho, e o companheirismo de
minha colega psicóloga que sempre mostrou muita sensibilidade e inteligência.
Referências bibliográficas:
GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização
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SILVA, Jardel Sander da. Almacorpoação. Rio de Janeiro: Multifoco, 2012.
SPOLIN, Viola. Jogos Teatrais: o fichário de Viola Spolin. São Paulo: Perspectiva,
2001.
ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO
ABORDAGENS ESTÉTICAS NA FORMAÇÃO DE CRIANÇAS E
JOVENS ESPECTADORES
Ronan Carlos de Freitas Vaz Rodrigues;
Vilma Campos Leite (Orientadora);
Programa de Pós-Graduação em Artes – Curso Mestrado – Subárea Teatro –
Instituto de Artes – Universidade Federal de Uberlândia.
Como um livro que só existe quando alguém o abre, o teatro não
existe sem a presença desse outro com o qual ele dialoga sobre o
mundo e sobre si. Sem espectadores interessados neste debate, o
teatro perde a conexão com a realidade que se propõe a refletir
e, sem a referência desse outro, seu discurso se torna
ensimesmado, desencontrado, estéril. (DESGRANGES, 2003,
p.27)
Este artigo tem como proposta uma breve reflexão sobre possíveis abordagens
estéticas na formação de espectadores teatrais, mais precisamente no contexto da
capacitação de professores generalistas que mediam experiências teatrais no espaço
escolar. Esta reflexão faz parte das investigações do Projeto de Pesquisa FORMAÇÃO
DE PÚBLICO E ESPECTADORES NO ESPAÇO ESCOLAR: PROCESSOS
CRIATIVOS DE CAPACITAÇÃO DE PROFESSORES apresentado ao Programa de
Pós-Graduação em Artes, Curso Mestrado – Subárea Teatro, do Instituto de Artes da
Universidade Federal de Uberlândia.
O referido projeto pretende analisar algumas experiências significativas, nas
quais acredito ter conseguido elaborar procedimentos para sensibilização de professores
generalistas para a linguagem teatral com foco na formação do aluno espectador. A
pesquisa está em andamento e as reflexões aqui apresentadas não têm a pretensão de
propor respostas ou propostas, mas sim tecer considerações acerca de alguns elementos
compositivos das práticas realizadas no espaço escolar para mediação da recepção
teatral e formação de crianças e jovens espectadores. Cabe destacar que neste breve
texto não será possível esgotar todas as questões referentes à capacitação de professores
e a formação de espectadores, mas o que se espera é que no próprio ato de leitura surjam
pontos de tensão e novos questionamentos que contribuam para o pensar e o agir de
cada leitor.
O estudo acima citado parte da análise de algumas experiências desenvolvidas
na trajetória do meu grupo de teatro, a Trupe de Truões, de Uberlândia. A Trupe de
Truões é um grupo mineiro que surgiu no Curso de Artes Cênicas – modalidade
Licenciatura, da Universidade Federal de Uberlândia. Mesmo sendo um curso de
licenciatura, parte das disciplinas ofertadas envolviam a construção de espetáculos, para
que os atores/professores de teatro pudessem, a partir da experiência artística, elaborar
suas práticas docentes. Nesse sentido, uma das principais características do trabalho
desenvolvido pelo grupo é a não dissociação entre o fazer artístico e pedagógico, mas o
estabelecimento de um diálogo que permite que as atuações de seus integrantes tanto no
palco quanto na sala de aula se retroalimentem.
A Trupe, desde sua formação, estabeleceu entre suas frentes de atuação não só o
teatro feito para adultos, mas também a pesquisa teatral voltada para o universo
infantojuvenil. Ao propor uma prática teatral voltada para crianças e jovens em idade
escolar, o grupo foi se aproximando das instituições de ensino, que aos poucos
começaram a frequentar o teatro com seus alunos para assistir nossos espetáculos.
Assim, o teatro feito pela Trupe para esse público foi se configurando como resultado
de processos criativos conduzidos com ênfase nas relações com o espectador. Relações
estas que foram se constituindo tanto, a partir da experiência dos atores no palco, quanto
no ofício da sala de aula promovendo no grupo uma reflexão constante e dialógica
capaz de gerar revisões, pontos de mudança e investimentos contínuos para aprimorar a
linguagem e os temas abordados, fugindo do teatro “infantilóide” e redutor, que
frequentemente atinge o público infantojuvenil.
Essa aproximação nos fez perceber que na maioria das vezes, as primeiras
experiências teatrais de uma criança são propostas pela escola. Ou seja, a escola se
configura como interlocutora no processo de formação da criança espectadora, contudo,
esse contato também evidenciou as fragilidades dos professores em conduzir práticas de
mediação teatrais, ocasionadas pela carência na formação artística desses profissionais.
Segundo o artigo de Ferreira (2004, p.02), “a especificidade da leitura de um
espetáculo teatral e a qualidade estética de tais produtos raramente têm sido postas em
questão neste intercâmbio entre a escola e as artes cênicas. Geralmente, o teatro colocase a serviço da escola através de conteúdos veiculados em cena, e não a escola o toma
enquanto uma linguagem humana legítima e ancestral; comunicação e arte, unidas na
efemeridade da cena”.
Mas, se reconhecemos a escola como responsável pela aproximação da criança
com a linguagem teatral, como garantir que a instituição de ensino escolha espetáculos
com a “qualidade” necessária para serem assistidos pelas crianças? Flávio Desgranges
aponta algumas possibilidades para solucionar essa questão, entre elas, ele nos diz que:
(...) não se pode tratar a iniciação de alunos sem abordar a
iniciação de professores. Ao apontar o direito dos alunos a
criação e expressão, é preciso pensar também no direito dos
professores, direito de acesso ao teatro, à possibilidade de ver e
de praticar e à capacitação para ler os espetáculos.
(DESGRANGES, ano: 2010. Pag. 68)
Com isso, podemos dizer que, uma vez iniciado e familiarizado com os códigos
da linguagem, o educador poderá fazer uma leitura crítica das obras teatrais, fazendo
uma escolha consciente das obras e também mediando a relação de aprendizado e
compreensão da linguagem teatral pelo aluno. Nesse caso, seria preciso pensar não
apenas na relação dos alunos com a linguagem teatro teatro, mas ainda de acordo com
Desgranges:
É necessário, portanto, que todos os educadores de uma escola
estejam sensibilizados para a experiência artística, para que o
acesso dos alunos a linguagem teatral não seja uma luta isolada
do professor de teatro no interior da própria instituição escolar,
como um dever que competiria somente a esse professor. Ao
contrário é desejável que os projetos de formação de
espectadores, bem como o de frequentação de museus, cinemas,
e incentivo à leitura não sejam inciativas individuais, heroicas,
desprovidas de apoio institucional. (DESGRANGES, ano: 2010.
Pag. 71)
Mas, na maioria das vezes, os educadores não possuem nenhum tipo de
formação artística e sequer vão ao teatro. Então como este profissional poderá propor
uma aproximação legítima do aluno com a obra teatral se, na realidade, a diminuição
desta distância deveria ter o seu princípio na formação do profissional educador, pois
“formar-se para formar” é uma questão que diz respeito ao trabalho do professor com o
aluno em sala de aula, uma vez que o aprender não é estático. É nesse ponto que se
localiza o cerne dos projetos de formação de espectadores no espaço escolar
desenvolvidos pela Trupe: na possibilidade de se estabelecer processos criativos como
caminhos metodológicos de capacitação de professores, pautados na compreensão de
que formar o aluno passa pela compreensão de que ser espectador é deter o
conhecimento necessário para extrair significados individuais daquilo a que se é
exposto, conferindo autonomia aos sujeitos (MOLINA 2013). Dessa forma não se
espera que se possa ensinar a ler espetáculos de forma A ou B.
Farei aqui um recorte de uma das etapas do projeto desenvolvido na Escola
Navegantes, uma instituição de Educação Infantil, onde o trabalho com os professores
reverberou para além da recepção dos alunos espectadores no ato da representação do
espetáculo, mas se desdobrou em outras atividades de intervenção teatral e performática
com os alunos na escola. Essas intervenções fizeram com que as crianças
experimentassem o jogo cênico e compreendessem suas regras, alargando suas
percepções acerca do teatro. Para situar o leitor, farei uma breve contextualização do
formato do projeto, realizado em 2013, descrevendo como cada etapa foi realizada a fim
de destacar o momento que corresponde ao prolongamento do espetáculo, em que
acredito ter alcançado com maior potência o jogo de apropriação e experimentação da
linguagem teatral pelas crianças. Isso não quer dizer que exista maior ou menor
importância de cada uma destas atividades, pois cada uma possui objetivos diferentes
que se complementam nesse complexo processo de formação do espectador.
O projeto de formação de espectadores da Escola Navegantes tem como foco
principal a capacitação dos educadores (coordenadores, psicopedagogos, professores
especialistas e professores generalistas) para que eles possam inserir o teatro na sua
prática pedagógica e mediar à recepção de espetáculos teatrais com os alunos. As etapas
do projeto consistiam em oferecer oficinas de capacitação para os educadores, orientar a
elaboração e acompanhar a execução de atividades de preparação para fruição de um
espetáculo teatral, levar as crianças, seus familiares e professores para assistir um
espetáculo seguido de um bate-papo com os atores no teatro, realizar atividades de
prolongamento na escola com participação dos alunos, professores e atores do
espetáculo e por fim encontros com os educadores para de finalização e avaliação da
primeira etapa do projeto. Estas etapas formaram a estrutura da capacitação e foram
desenvolvidas no ano 2013 no período de agosto a dezembro.
As oficinas com os educadores foram estruturadas com conteúdos práticos e
teóricos, sendo que a parte prática privilegiou a experimentação de alguns elementos
estéticos recorrentes na linguagem do teatro infantil – teatro de formas animadas,
narração, comicidade, musicalidade e jogos dramáticos – acompanhados de um diálogo
através de leituras de pesquisadores que são referência em estudos sobre formação de
espectadores, teatro na escola e teatro infantojuvenil. A escolha do espetáculo “Simbá, o
marujo” para ser assistido durante a realização do projeto foi feita pela própria escola.
Esta peça está em circulação desde sua estreia em 2006 e têm sido carro-chefe nos
projetos de formação de espectadores no espaço escolar da Trupe. O bate-papo após o
espetáculo propõe a abertura de um espaço para que os espectadores possam dialogar
com os atores a fim de expandir a fruição através da compreensão do processo criativo e
dos mecanismos cênicos acionados na encenação dessa história. Já na etapa que
corresponde ao prolongamento do espetáculo foi proposto aos professores um encontro
na escola entre os atores e as crianças para que a partir do que foi assistido e vivenciado
anteriormente, experimentassem juntos uma intervenção teatral performática na escola.
Nesse encontro foram realizados jogos cênicos propostos tanto pelos atores, quanto
pelas próprias crianças. No caso dos atores, foi elaborado um roteiro de improvisação
que consistia numa sequência de procedimentos que permearam o processo criativo do
espetáculo como jogos teatrais, acrobacias, ressignificação de objetos e do próprio
corpo além de estímulos sonoros e visuais como a maquiagem e o figurino de cada ator.
No caso das crianças, elas foram provocadas com uma carta na garrafa que os avisava
da visita de Simbá e sua tripulação naquelas terras (a escola) a fim de desvendar os
mistérios daquela ilha – a exemplo das aventuras vivenciadas pelo marujo no conto das
mil e uma noites. Além de receber os personagens, as crianças deveriam preparar com a
professora um presente para os forasteiros.
Essa mesma sequência foi realizada como um roteiro de improvisação com cada
turma da escola. A forma como os alunos responderam aos estímulos e elaboraram de
diferentes formas a recepção e o presentear dos visitantes se configuraram numa forte
experiência artístico-pedagógica, carregada de sentidos e diálogos por meio da
linguagem teatral.
Na etapa final da avaliação do projeto com os educadores e também na
percepção dos artistas-docentes da Trupe foi possível notar a compreensão de todos os
envolvidos sobre o potencial de um processo de formação dialógico em que as práticas
de formação realizadas com educadores puderam estimular não só o gosto pela
linguagem artística, mas também ampliar o olhar do atores para as relações com os
espectadores dentro da escola.
Uma vez organizado textualmente, o pensar sobre as possibilidades
metodológicas para processos criativos de capacitação de professores e as abordagens
estéticas na formação de crianças e jovens espectadores a partir de experiências como a
descrita acima, permitirá o entendimento da forma como, segundo ROSSETO e
RODRIGUES 2003, o aluno percebe a cena pode modificar a percepção que o professor
tem desse aluno e, consequentemente, a interação deste com aquele e as formas de
mediação no desenvolvimento do processo de aprendizagem.
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TRANCE-ACTING
O uso da música no trabalho do ator no MUSA (Musical System of Acting)
Autor: Sotiris Karamesinis
Revisão: Isadora Cecatto
Instituição: Casa das Artes de Laranjeiras - RJ
O trance-acting é um método psicotécnico de treinamento, preparação e composição da
partitura de interpretação do ator, que utilizamos no MUSA (Musical System of Acting) e que
tem a música como energia propulsora fundamental à intepretação.
O nome “trance-acting” é inspirado na palavra do inglês “trance” (do grego, ekstasis),
que faz referência à tradição dionisíaca e mística da união do ser psicofísico, do homem em sua
totalidade, com a música. Como resultado disso, tem-se a expansão da percepção e da
consciência. A palavra “acting”, aqui, também do inglês, em português “atuação”, ilustra que,
neste método, a ação é o verbo principal da arte de interpretar. O “trance-acting” dá ao ator
criatividade orgânica e presença cênica, enriquece os meios expressivos e, através de exercícios
psicotécnicos, ajuda a encontrar os estados psicofísicos sem “psicologizar”, conquista
fundamental para que o ator alcance um resultado artístico e singular em cada papel.
O MUSA é um sistema de atuação autônomo e holístico, mas pode funcionar também em
conjunto com outros sistemas de atuação e interpretação já existentes, como complemento
criativo do ator em todas as suas incursões artísticas, do palco à câmera. Ele abre outros
horizontes e perspectivas na área da improvisação e na construção de monólogos ou cenas em
conjunto, com papel essencial no treinamento e preparação dos personagens para atores de teatro
musical e de ópera.
Antes da apresentação detalhada do método e de seu processo de composição, é
necessária uma breve introdução acerca de seu histórico de inspiração e desenvolvimento
criativo, estabelecido durante meus vinte e cinco anos de estudo, trabalho e pesquisa no teatro
como diretor, músico, ator e professor. O "trance-acting” possui três pilares principais de
embasamento que o sustentam e enriquecem: a prática teatral, que é o laboratório de pesquisa e
experimentos práticos; a teoria, fundamentada nas fontes e princípios da tragédia grega e do
nascimento do teatro; e as fontes terceiras que contribuem com o método em termos de
inspiração, elementos e exercícios.
Em se tratando do primeiro pilar, cito a experiência do laboratório teatral, o estudo
prático e a observação do comportamento dos atores quando acompanhados por música ao vivo
durante a interpretação no palco. Despertou aí a curiosidade que me levou a investigar um
caminho o qual, até então, era percebido como via de uma só mão - a composição interpretativa
do ator não acontecia em conjunto com a música. O músico é que se adaptava ao que o ator
fazia, assumindo uma função de apoio, de fundo meramente decorativo. Por cerca de uma
década, durante a qual trabalhei como músico e ator no palco, criando a música ao vivo dos
espetáculos e acompanhando os outros atores com ela, notei que, no concernente às
improvisações simultâneas entre ator e músico, a música podia ter um efeito muito forte no
estado psicofísico e no desempenho do ator. Quando tocado por ela, o ator era levado a um novo
patamar de atuação. No momento em que a música não mais limita-se a uma simples trilha
sonora, que entra discretamente como segundo plano para preencher pausas e lacunas da ação
cênica e do texto do ator e, pelo contrário, vibra e nasce junto com o impulso e a ação dele,
criando com ele uma relação dialética e compositiva, ela tem o poder de intervir de maneira ativa
e afetar o processo e o resultado final da interpretação. Isso ocorre, em um primeiro momento,
sem que o ator tome as rédeas – nasce de sua entrega, de forma natural e inconsciente. O músico
precisa saber disso: é ele que faz o esforço consciente. Fica nas mãos dele o trabalho de invadir o
processo do ator e interferir nele.
Depois de perceber esta questão surgiu, então, um questionamento: como poderia o ator
se exercitar e treinar sozinho, sem a presença de um músico? Apenas ele, a música gravada e o
texto? Pode o ator obter o mesmo resultado com uma música que não é “viva”, que não trabalha
de acordo com o que ele dá? Se eu não estivesse ali para tocar, como eles se sairiam? E eu como
ator, sem que ninguém tocasse ao vivo para mim, como procederia? Estas observações, em
conjunto com meus estudos anteriores, conduziram-me ao segundo pilar do método: a
arqueologia do teatro e as fontes da arte dramática, a pesquisa do lugar e da prática da música na
tragédia grega.
A palavra música vem do grego mousike tekhne, que significa “arte das musas”, e tem
uma raiz em comum com o verbo MÁΩ o qual, por sua vez, quer dizer “invenção” ou “busca
mental e espiritual”. A música, para os gregos, era um presente das musas. Era um meio de
amadurecimento espiritual que conduzia o homem a agir, pensar e sentir. A palavra “música”,
até a metade do Séc. IV a.C., ainda não tinha o significado de “arte de se expressar com os sons”.
Era, na verdade, um termo que significava a união insolúvel entre som e verbo (do grego, logos).
Só depois da época de Platão é que ocorreu essa separação entre som e verbo, entre música e
fala, dando surgimento à definição de poesia e música como artes independentes. No fim do Séc.
XIX, a arqueologia e a musicologia permitiram uma classificação e um estudo sistemático dos
documentos escritos e das ilustrações pictóricas em artefatos encontrados nas escavações. Entre
as fontes escritas, além de teses e tratados da teoria musical e trechos de obras musicais, tem-se a
contribuição da literatura, com diversos depoimentos contidos em obras literárias, históricas e
filosóficas.
Nas obras de Aristóteles, Platão, Aristoxenus, Euclides, Eratóstenes, Nicômaco e
Plotinus, temos o diálogo e a relação da música com a filosofia, o pensar, o agir, a Harmonia
Cósmica, a natureza e o espírito humano, e na obra de Alípio, por exemplo, encontramos um um
código detalhado da expressão musical e de sua relação com a poesia e a arte dramática. Da
Grécia pré-histórica, onde a música era divinamente inspirada e tinha importância sagrada,
passou-se para a fase em que se concedia a ela função mágica e curativa (como exemplifica o
mito de Orfeu e sua lira). Chegando nos tempos clássicos, passamos a ver a música como meio
de educação, de suma importância para a formação do conjunto de habilidades intelectuais do
cidadão. Ela passa a ser uma ferramenta da polis para educar. Assim, separou-se a música
religiosa (dedicada à adoração – o ditirambo, os hinos e os cânticos) da música não-religiosa,
esta que acompanhava a vida social dos cidadãos em ocasiões diversas: canções matrimoniais
(yemeneoi), música fúnebre (threnoi) e poesias musicais para celebrar a vitória de jogos atléticos
ou guerras (epinikia). Durante o Séc. V a.C., conhecido como a Idade de Ouro de Atenas, a
música conquistou o lugar de mais perfeita arte, na forma da poesia lírica na tragédia grega. Na
própria tragédia grega, que marcou o nascimento da arte teatral e da figura do ator, é que surgem
as primeiras obras musicais - no sentido grego antigo do termo, que é definido pela união
inseparável entre som, poesia e dança.
As fontes de informação existentes asseguram que a união entre música e poesia na
tragédia grega surge a partir da percepção de que a música tem um efeito catalisador sobre a
alma humana. Isso é ilustrado na teoria de Ethos, que diz que cada movimento melódico ou
rítmico tem uma reação emocional a qual afeta a vontade e os impulsos humanos. Esta teoria não
se limita a afirmações gerais: ela se aprofunda na investigação dos parâmetros sensoriais e nos
efeitos dos diferentes instrumentos, ritmos, modos, escalas e características/cores da voz
(ekochromas) sobre as variações de emoção e a emissão da própria voz. O primeiro a investigar
isso de forma sistemática e científica foi Damon, o ateniense. Ele explica que cada uma das
escalas musicais tem propriedades especiais e específicas, as quais causam diferentes impulsos e
reações emocionais. A escala Dorian, por exemplo, é considerada masculina: diz-se que ela
inspira coragem e harmonia, que fortalece e equilibra a emoção e a determinação. O modo frígio,
em contrapartida, é feminino. Provoca um surto de paixões - ilustrado pelo fogo - e êxtase, por
isso se configura como principal forma de expressão nos ditirambos. O Lídio, por sua vez, tem
uma musicalidade carinhosa, que traz sensação familiar; tem a sensibilidade da tristeza e é, por
isso, muito utilizado nos cantos fúnebres.
Essas teorias são defendidas pelos maiores filósofos da antiguidade. Platão, em sua obra
“A República”, coloca a música como a pedra angular do estado ideal, por seu poder de afetar a
alma. Aristóteles também se refere a essas qualidades e funções da música e as reconhece em
seus textos “A Poética” e “A Política”, e especialmente em sua obra “Problemas Musicais”.
Entende-se, então, que os versos na tragédia grega dependiam inteiramente da música, a qual
veio para acompanhar os acentos melódicos e rítmicos do texto poético e dar expressividade a
ele. O resultado é a completa unidade das sílabas musicais e dos versos poéticos, que se unem
em uma única forma de expressão.
Essa técnica foi refinada especialmente nos ensinamentos de Sófocles e Eurípedes
quando a música (como melodia), além das partes líricas do coro, teve seu uso estendido também
para acompanhar os monólogos. Um músico tocava aylos (um instrumento de sopro cujo som
fica entre o do oboé e o do saxofone) paralelamente ao monólogo de um ator – dois monólogos
simultâneos, o do instrumento e o da voz do ator –, de uma maneira que resultava em uma cocriação de um só monólogo. Eurípedes insistiu no lançamento dessa prática com o seu famoso
músico Theofilo, contra as críticas da época, para afetar os atores e, com isso, reforçar e elevar a
intensidade de suas emoções. A música deixava de ser, assim, simples acompanhamento, para
tornar-se um monólogo que se unia ao da voz.
O conhecimento dessas experiências e teorias deu propriedade à construção e exploração
do MUSA, possibilitando focar, como diretor e professor, nessa relação dialética e dinâmica
entre música e interpretação. Precisei descobrir e redescobrir exercícios específicos que levassem
os atores a ouvirem e vivenciarem a música de uma nova forma, para sensibilizá-los ao toque
dela. Tive de buscar músicas apropriadas para cumprir esse objetivo, além de novas técnicas de
ensaio e treinamento para que a influência da música se tornasse consciente e pudesse ser, então,
controlada para conduzir a um resultado específico. Com isso chegamos ao terceiro pilar: as
contribuições que o material de terceiros dá à prática do método.
Bebi da fonte de diferentes mestres que trilharam seus próprios caminhos de pesquisa no
teatro e na música - os mestres da nossa arte. Pode-se citar os textos inspiradores do Artaud, que
dizia que a busca do homem pela magia e pelo êxtase do cosmos dentro dele o conduz
indubitavelmente ao teatro. O inspirador “Teatro Laboratório” de Grotowski, que nos
impulsionou por novos caminhos a violar nossas fronteiras e expandir os limites da conciência
através dos cantos rituais. A relação da música e da interpretação nas novas técnicas e teorias de
Biomecânica de Meyerhold. Também é válida a teoria da harmonia, de Pitágoras, que consiste
no acoplamento dos opostos e no nascimento da beleza através da desarmonia. Ela nos leva à
reflexão de que o verbo (logos) e a música são diferentes meios de expressão que se unem em
conjunto harmonico no Teatro. Há ainda as afirmações de Platão e dos Neo-Platonicos, como
Plotinus, sobre o poder da música, que indicavam o pensamento de que “a harmonia da música
reflete a harmonia da alma”, como o reflexo do próprio ser em um espelho. As obras dos grandes
mestres e os estudos da música oriental da Índia e da Pérsia na tradição sufi, de Al Ghazali; a
obra sobre o misticismo do som, de Inayat Khan; a poesia transcendental de Jalaluddin Rumi na
tradição das danças sagradas dos dervishes. O despertar da consciência corporal no treinamento
dos dançarinos de Butoh. Pesquisas antropológicas e na área das religiões, que investigam a
conexão entre música, dança e experiências de transe. Essa intensa pesquisa, embasada nos três
pilares, através do trabalho de treinamento com dezenas de atores em diversas oficinas e
laboratórios sobre a prática do método, levou à criação do sistema MUSA (Musical System of
Acting), que é dividido em três fases de aplicação para a composição da partitura de
interpretação do ator.
Primeira fase – a escolha da música
Levando em conta que não cabe, em um texto breve, a totalidade das informações
referentes ao método, falarei apenas de sua aplicação prática no trabalho do monólogo, embora o
MUSA também possa ser utilizado no trabalho dos atores em conjunto para a construção de
cenas em grupo, o que ocorre de forma análoga aos estudos (etudes) de Stanislavski.
Para a primeira fase, o monólogo deve estar bem decorado, de forma neutra, sem
exclamações de qualquer estado emocional ou interpretação. Para escolher a música, temos de
responder a algumas perguntas. Em primeiro lugar, qual é a essência, a questão central da qual
trata o monólogo? Qual é o estado inicial e qual é a condição final do personagem – onde
começa e onde tem que chegar o ator? Depois, respondemos a um segundo questionamento:
quais são as qualidades da textura desse estado? Qual é o som dele? Ele traz surpresa, tem a
intensidade do primeiro amor; é um encontro inesperado como o despertar de uma nova
sensação, um acontecimento desconhecido, como o primeiro beijo; é sobre o domínio da
ansiedade, o estado do medo; enfim. Deve ser muito claro e compreensível o estado central,
porque é a partir dele que o ator vai encontrar a música adequada para compor sua partitura.
Qual é a música capaz de levar o ator a expressar a estética e a emoção da experiência
identificada? Que energia ela tem? Escolher a música certa para cada cena é o ponto-chave do
trabalho com o MUSA e pode ser a parte mais demorada do processo.
A prática do método mostra que quase qualquer música instrumental pode ser combinada
com qualquer texto e dar em um resultado. A escolha da música adequada ao texto (sempre em
relação com a demanda cênica e a estética final), todavia, é o que resulta numa partitura a qual se
encaixa com perfeição à totalidade do trabalho, superando o estereótipo e os clichês dos papeis e
do próprio ator. Fugir dos padrões que perseguem o ator é, aliás, uma das partes mais delicadas
desse processo. A possibilidade de entrar no ambiente criativo com um novo material, com
novos caminhos de interpretação, é uma grande conquista pessoal para cada intérprete.
Cada texto tem uma sequência de variações emocionais, assim como acontece em uma
obra musical – em cada caso expressada, é claro, em linguagens diferentes. Essas variações no
caminho das emoções são o elemento que faz do teatro e da música artes tão queridas e
familiares. Cada autor ou compositor, dependendo da época, da região, da cultura e do gênero a
que serve, se expressa de uma maneira diferente. Dessa forma, o resultado artístico vai ser
sempre diferente dependendo da escolha da música. Escolher um monólogo para ser trabalhado
dentro do contexto musical do romantismo – por exemplo, uma das quatro baladas para piano do
Chopin ou uma das sonatas de piano do Beethoven -, traz um resultado completamente diferente
do que se teria caso se trabalhasse com um grupo de percussão africano ou com uma obra de
música japonesa tradicional. O resultado final será radicalmente diferente em estética, em
dinâmicas, em poder dramático e em comunicação.
O romantismo de Chopin conduzirá a um trabalho detalhado sobre as nuances delicadas
de alterações da voz e dos sentimentos, apresentando como resultado uma abordagem mais
psicológica, mas sem deixar de ter uma lógica clara e um ritmo perceptível. A uniformidade do
timbre do piano, em toda a sua extensão, e a clareza do som que o instrumento emite, vão exigir
um alto grau de pureza e precisão do pensamento e da articulação do ator. Dessa forma, ele
ganha em sua construção interpretativa a homogeneidade, a uniformidade proveniente do som do
piano. O desenvolvimento das melodias, as repetições e as mudanças dramáticas dos acordes
resultam em um monólogo rico em emoções, com lógica e harmonia - sem surpresas
incompatíveis, mas com uma pluralidade de expressão que vai manter o texto, do início ao fim,
inserido em uma estética bem definida.
No trabalho com o Beethoven, a paixão e a dramaticidade darão ao intérprete uma
dimensão trágica. A repetição e a insistência no desenvolvimento das linhas melódicas do
compositor vão extrair verdade, consistência, força, uniformidade e profundidade da
interpretação do ator.
O mesmo monólogo trabalhado com percussão africana não terá a mesma riqueza de
expressões emocionais do romantismo - as variações de dinâmica e de tonalidades que a voz do
ator adquire através do trabalho com o piano. No lugar disso, no entanto, o ator terá uma força
propulsora capaz de puxá-lo verticalmente até o final. Vai sentir uma energia persistente e
contínua que o empurra a um estado extremo e explosivo, de modo a causar surpresa. A presença
dos elementos ritmo, fisicalidade e energia primitiva é o que domina, nesse caso, a intepretação
do ator. Não há nada de etéreo na presença – ela é palpável e terrestre, passando a impressão de
que a interpretação acontece de forma visceral e instintiva.
O trabalho com uma música minimalista, de meditação, carregada de muitas pausas e
grandes respirações, com notas que ecoam livres no ar – como o trazido pela música japonesa
tradicional -, certamente levará a um resultado distante dos casos anteriores. O controle dos
movimentos e da expressão das emoções estará no proscênio, o que confere à interpretação um
estilo contemporâneo. O pensamento do personagem ganha transparência, torna-se claro; o ator
dispõe de tempo e espaço para gerenciar as emoções que estão surgindo. Essas pausas e espaços
na música propiciam a ativação da presença do subconsciente do ator em cena. Tom firme,
confiança e calma são as características que vão emergir da preparação com este tipo de música.
Assim como são inúmeras as opções musicais existentes, também o são os caminhos
possíveis na interpretação. A música amplia a fantasia e a imaginação, conduzindo o ator por
trajetórias inexploradas e, por isso, distantes do óbvio.
Segunda fase – exercícios psicotécnicos
Feita a escolha musical, passamos para a segunda fase do MUSA, que é definida por uma
série de improvisações e exercícios psicotécnicos os quais permitem que o ator ouça a música de
maneira psicofísica, e não mentalmente. Este processo acontece através do método do “tranceacting”. Esta relação psicofísica com a música deve ser profunda e intensa, para que o ator possa
encontrar o volume e as qualidades das emoções que nele despertam. O ator encontra essa
relação através de exercícios fisicos e improvisações (expressão corporal, cantar com a música,
etc) com o objetivo de deixar a música atingir o centro das emoções, provocando impulsos e
ações. Durante esse processo reencontramos sensações, sabores, memórias e emoções. Com
persistência e concentração nesses elementos, o ator se pesquisa até o ponto em que se encontra
em um estado específico, provocado pela própria música.
Quando se fala em estado psicofísico está-se referindo a um conceito que muitos
pesquisadores da área já exploraram, como Ariane Mnouchkine, Jacques Lecoq e outros. Cada
um destes estados (raiva, alegria, tristeza, medo, mágoa, angústia, nojo, dor, etc) tem sua própria
expressão, sinais fisicos e códigos que o identificam, e sua própria voz, seu som específico.
Nesta fase, é necessário que o ator encontre esta voz com muita precisão e a integre à música.
Ele deve insistir na voz que o estado psicofísico traz, repetindo diversas vezes o processo, para
assim registrar totalmente sua partitura e encontrar uma união íntegra com a música.
As tensões da música devem ser traduzidas em tensões de emoção e voz. As mudanças
harmônicas e de tempo, as diferentes velocidades, a entrada de um novo instrumento, as pausas,
os silêncios – tudo isso deve ser recolhido e explorado. É preciso que esse conjunto de elementos
cause alterações identificáveis e distintas, através dos impulsos internos, que devem ser
registradas na voz e no corpo do ator. Para se concluir a segunda fase é necessário que se faça
várias repetições desse processo, até que música e interpretação se encaixem em um só corpo.
Assim, o desenvolvimento das ações vai criar para o ator um caminho de interpretação
expressivo e harmônico, do início ao fim de sua composição interpretativa, junto do fim da
própria música.
Terceira fase – Homogeneidade
A terceira e última fase do processo de composição, a fase da homogeneidade, começa
quando a partitura das emoções, das tônicas e do diálogo dinâmico impulsionado pela música
estão registrados com confiança no corpo do ator. Esta criação passa a ser consciente e torna-se
posse dele. Chega ao ponto em que a partitura musical está tão decorada quanto o próprio texto,
não sendo mais necessário que o ator ouça o som, uma vez que a música já foi incorporada à sua
partitura de interpretação. O sinal de que de fato se chegou a essa fase é a percepção da
capacidade do ator de interpretar seu monólogo no estado psicofisico correto, sem o apoio e a
condução da música em paralelo.
A terceira fase é responsável, então, pela limpeza dos detritos que ainda restaram do
processo, bem como pela correção dos momentos em que a voz sai “cantada” ou o movimento
ainda traz uma qualidade de dança - pequenos detalhes comuns ao final da segunda fase e dos
exercícios de improvisação, que não são cem por cento orgânicos e atrapalham a obtenção de um
resultado homogêneo. É a fase de amadurecimento do processo, onde todas as ações
“desafinadas” são ajustadas e integradas em uma expressão homogênea de ator.
O ator que se utiliza do MUSA para trabalhar encontra, ainda, uma série de benefícios
indiretos provenientes do uso do sistema. Um dos mais importantes é a ativação da presença do
subconsciente do ator no palco, que é uma questão explorada na pesquisa de Stanislavski,
Grotowski e todos os pesquisadores do trabalho do ator que conhecemos. É um desafio quando o
ator profissional tem que estar toda noite no palco inteiramente presente. Diante disso, a música
funciona como uma isca para manter vibrante, aceso e claro o subconsciente do ator. O maior
benefício do método é o ator transparente, com esta presença da subconsciência no tempo cênico.
Além disso, o MUSA desperta no intérprete a força criativa interna de um artista, trazendo
independência a suas pesquisas, uma vez que torna-se possível trabalhar também sem a presença
do diretor e dos outros atores. O sistema dá ao ator a oportunidade de apresentar propostas e de
chegar ao ensaio com um material artístico trabalhado, não com ideias cruas e sensações
abstratas. Leva o ator a ser co-criador de uma parcela muito maior do resultado final do trabalho.
Durante o processo de composição, o ator aprende a ouvir e sentir até mesmo as menores
mudanças que ocorrem dentro dele e ao seu redor. Da mesma maneira que aprendeu a farejar as
viradas que estão por vir através das transições harmônicas e rítmicas, o ator adquire a
capacidade de sentir o que está nascendo e o que está prestes a acontecer na própria cena.
Quando aprende a saborear o aqui e o agora, torna-se capaz de perceber e ouvir coisas que, até
então, não conseguia apreender.
A música empurra o ator delicadamente para fora do medo, da negação de si mesmo, de
seus complexos e auto-críticas, para que ele se sinta seguro em todo o caminho. Com a música, o
ator desliza confiante e não tem tempo para pensar em qual é o próximo passo, porque o próximo
passo está aqui, no agora. A música flui e, se o ator está com a música, segue em frente também.
A experiência pessoal da improvisação musical em espetáculos e aulas de teatro me deu a
oportunidade de experimentar que a música age como catalisador do ritmo, das tensões e do
próprio ser do ator, criando um diálogo com o texto que resulta em uma só força homogênea.
Assim, o verbo torna-se som e o som, verbo.
A criação do MUSA abriu, ainda, um outro campo de pesquisa, o qual trata da
observação e do treinamento da musicalidade e de outras características da linguagem verbal que
iluminam as emoções e os desejos. Se a prosódia da língua funciona como a música – com a
melodia, a tonalidade, a dinâmica, as pausas, o silêncio – para ser um veículo de expressão e de
comunicação, e se todas essas características são as mesmas das quais se utilizam os músicos em
suas composições e interpretações musicais, por que o ator que estuda a arte do Verbo, do falar,
não poderia se utilizar desse mesmo glossário, de um código em comum com a música? Talvez
fosse possível, então, definir um código para praticar e até ensinar o texto teatral com uma
semântica que permitisse precisão e comunicação superiores. Com base nisso, preparei um
capítulo suplementar ao MUSA, que consiste no uso de alguns símbolos da música os quais
poderiam literalmente pontuar um texto teatral, como uma partitura de sons, para marcar
impulsos, intenções e significados.
Na fala humana a palavra detém a informação, mas o veículo dela é a melodia. A
prosódia das expressões em cada língua traz a informação aos nossos ouvidos, de forma familiar
e compreensível ou não. Quando falo, por exemplo, o português com prosódia grega, estabeleço
uma barreira que prejudica a comunicação – é que cada língua possui suas próprias melodias e
variações. O texto é a ferramenta mais importante para o ator, seguido pelo diapasão; este,
porém, pode passar a ter importância primária, pois é ele o veículo que serve às intenções e ao
subtexto por trás da expressão ou da palavra.
Define-se como diapasão as diferentes entonações com que se fala, que sinalizam a
intenção do que se diz e que podem, muitas vezes, ir contra o significado literal das palavras. É
possível, por exemplo, que uma expressão de gentileza seja dita em um diapasão irônico. Da
mesma maneira, uma expressão negativa pode ser falada em diapasão de brincadeira, de forma
alegre, perdendo, assim, a própria conotação negativa - e assim por diante. É algo que acontece
com frequência na linguagem cotidiana. Os diferentes tons da fala indicam a condição física e
emocional em que se encontra o emissor, servindo, muitas vezes, como diapasão.
Como ideias para treinamento e pesquisa, sugere-se ainda algumas questões sobre as
diferentes características da fala: quando a intensidade da voz é aplicada com diferentes
dinâmicas, ela pode indicar estados e condições internas e externas, além de mudanças de status
e de emoções. O ritmo indica a urgência da situação, a clareza do pensamento, o desejo e a
capacidade de expressão do sujeito. A velocidade da fala e a qualidade de sua articulação
mostram estados, o tamanho dessa habilidade de expressão, o nível cultural e social, a educação
e a origem dele. Os diferentes acentos e pontuações em certas sílabas mudam as intenções,
levam-nas para longe das já óbvias, podendo expressar certeza ou incerteza e criar um jogo, uma
brincadeira. O volume geral e a projeção da voz são usados como meios técnicos que mudam de
acordo com as condições, o ambiente e as necessidades.
Como cada língua tem suas próprias dinâmicas, melodias e diapasões, não se pode usar
um código universal, mas é possível que cada idioma adapte seu próprio código para trabalhar o
texto. Cito aqui os principais termos musicais e pontuações que percebi serem úteis para a
comunicação, a prática e o ensino do MUSA dentro desse treinamento. São símbolos da notação
musical que servem muito ao trabalho do ator.




Símbolos de pausa: marcas de respiração e cesura.
Articulação: ligadura, legato.
Dinâmicas: pianissimo (pp), mezzo piano (mp), mezzo forte (mf), fortíssimo (ff),
sforzando (sfz), crescendo (<), diminuendo (>)
Acentos: staccato, staccatissimo, pizzicato, tenuto, fermata.
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TEMA: ESPAÇOS DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO.
NÃO DESLIGUEM OS CELULARES, A AULA JÁ COMEÇOU.
Wellington Menegaz de Paula (CNPq e PROMOP); Orientadora Prof.ª Drª Beatriz
Ângela Vieira Cabral; Universidade Federal de Uberlândia; Programa de Pós-graduação
em Teatro, Universidade do Estado de Santa Catarina (doutorado).
Link 1 - O lastro de água
Um amigo que trabalha em um porto, me ensinou que os barcos precisam de um
lastro de água para navegar. Eles enchem o casco com água para afundarem, cerca de
três metros, e assim conseguem fazer a travessia. Quando estão chegando próximo do
destino, precisam eliminar essa água, para emergir todo o barco, e assim atracam no
porto. Achei essa história interessante, e pensei, talvez seja esse o momento do
pesquisador. Primeiro encher o navio com água, que seria o conhecimento – as teorias e
práticas. Logo em seguida a navegação, a vivência da pesquisa, a travessia. E depois,
voltar toda essa água para o mar- fase da escrita. E é isso que pretendo fazer nessas
breves palavras, voltar para o mar a água que acumula no barco que me auxília na
travessia dessa pesquisa.
Link 2 - Primeiras considerações
Quem tem acesso a escolas públicas ou privadas de ensino fundamental e médio,
pode perceber nas trocas de turnos ou no recreio, adolescentes utilizando aparelhos
celulares. Para muitas instituições de ensinos, o uso desses dispositivos são proibidos
durante o horário de aula. Penso que não se trata apenas de liberar o uso de celulares em
determinados momentos da aula, e sim de potencializa-los enquanto instrumento
dialógico entre professores e alunos, de forma crítica e criativa, problematizando o seu
uso, para que a incorporação dos mesmos no contexto educacional, não se transforme
em reproduções de modismos e de valores da mídia. As pesquisadoras Dianne Sena e
Taciana Burgos apontam que as escolas devem “incorporar essas mídias e dispositivos
com vistas a difundir a reflexão e ensiná-los a fazer escolhas, principalmente, aquelas
baseadas em valores humanos positivos, como ética, integridade, solidariedade,
conhecimento e a inclusão digital nas escolas” (BURGOS, 2010, p.04). Porém essa
incorporação ainda é carregada de desafios para o educador, penso que um deles é a
forma como os alunos, e aqui meu foco está nos adolescentes, e os professores lidam em
seu contexto cultural e social com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).
Para entender melhor a questão levantada acima, os conceitos de “nativos
digitais” e “imigrantes digitais” analisados pelo pesquisador Marc Prensky (2001) são
relevantes. O autor aponta uma mudança radical que ocorreu na educação nos Estados
Unidos, durante a última década do século passado - a mudança nos alunos, em relação
as gerações anteriores - e isso se deu através das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC) que tiveram presença constante no cotidiano dos alunos. Para o
autor isso foi considerado como uma “singularidade”, em que não existem mais voltas
em relação às mudanças ocorridas (PRESKY, 2001, p. 01).
Para esses alunos o autor usa o termo “nativos digitais”, uma vez que os “nossos
estudantes de hoje são todos ‘falantes nativos’ da linguagem digital dos computadores,
vídeo games e internet” (PRESK, 2011, p. 01). Em contraposição existem aqueles que
não nasceram em um mundo em que a internet era um dado acessível a grande maior da
população. E é nesse grupo que geralmente encontramos os professores dos “nativos
digitais”, que o autor denomina como “imigrantes digitais”:
É importante fazer esta distinção: como os Imigrantes Digitais aprendem – como todos
imigrantes, alguns mais do que os outros – a adaptar-se ao ambiente, eles sempre mantêm, em
certo grau, seu “sotaque”, que é, seu pé no passado. O “sotaque do imigrante digital” pode ser
percebido de diversos modos, como o acesso à internet para a obtenção de informações, ou a
leitura de um manual para um programa ao invés de assumir que o programa nos ensinará como
utilizá-lo. Atualmente, os mais velhos foram “socializados” de forma diferente das suas crianças,
e estão em um processo de aprendizagem de uma nova linguagem. E uma língua aprendida
posteriormente na vida, os cientistas nos dizem, vai para uma parte diferente do cérebro. Há
centenas de exemplos de sotaque de imigrante digital. Entre eles estão a impressão de seu e-mail
(ou pedir a secretária que o imprima para você – um sotaque ainda “mais marcante”); a
necessidade de se imprimir um documento escrito do computador para editá-lo (ao invés de
editá-lo na tela; e trazer as pessoas pessoalmente ao seu escritório para ver um web site
interessante (ao invés de enviar a eles a URL). Tenho certeza de que você consegue pensar em
um ou dois exemplos sem muito esforço. Meu exemplo favorito é “Você recebeu meu e-mail”
pelo telefone. (PRESKY, 2001, p. 2).
Cabe destacar que esse artigo foi escrito há mais de uma década, porém na
analise do mesmo, percebemos que muitos conceitos ainda permanecem, talvez porque
essas questão chegam no Brasil com um pouco de atraso em relação aos Estados
Unidos. Enfim, voltando nas diferenças que marcam a relação “nativos” e “imigrantes”
digitais, ou se contextualizarmos para o foco desse estudo - alunos e professores, alguns
pontos merecem ser analisados com mais calma.
Link 3 – A pesquisa
Esse artigo são as reflexões iniciais da pesquisa de doutorado que desenvolvo
junto ao Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa
Catarina, sob a orientação da Profª Drª Beatriz Ângela Vieira Cabral (Biange), pesquisa
essa intitulada Drama e Ciberespaço: estratégias fronteiriças para o ensino do teatro.
O desafio desse estudo é que sendo ciberespaço uma realidade consolidada para a
maioria dos adolescentes, a incorporação de aspectos do “mundo” virtual poderia ser
possibilidade rica de diálogo com o contexto cultural dos alunos. Então, quais os
desafios e possibilidades de sua incorporação?
Quais fatores poderiam justificar a estruturação de uma proposta de pesquisa,
que pretende investigar a relação de dois campos de conhecimentos distintos – teatro e
internet – dentro de um contexto educacional?
Até duas décadas, a existência de computadores nas escolas de educação básica,
e sua utilização no processo educacional, era algo distante de concretizar na prática
educativa. Hoje, o computador e os celulares, com acesso a internet, são ferramentas
presentes no cotidiano de muitas instituições de ensino brasileiras. Porém muitos são os
desafios para os profissionais que queiram assumir propostas de ensino articuladas com
as novas tecnologias, conforme nos relata a educadora Maria Aparecida Pereira Viana:
“[...] como professores, precisamos preparar os alunos para trabalhar com um universo
tecnológico no qual nós mesmos ainda somos principiantes. Mudam as tecnologias, mas
também muda o mundo que devemos estudar, e precisam mudar as próprias formas de
ensino” (VIANA, 2004, p. 15).
Percebo que ainda há pouco aproveitamento na articulação da educação básica e
pública com as Tecnologias da Informação de Comunicação (TIC), com destaque na
internet. Sobre esse aspecto, novamente me reporto ao pensamento de Viana:
A Internet, infelizmente, é vista ainda por muitos professores apenas como fonte de pesquisa,
mas hoje ela nos oferece muitas alternativas de caminhos para a educação: os chat de
comunicação, fórum, a web-education e ambientes onde podemos, não apenas buscar
informações, mas compartilhar e produzir novos conhecimentos. (VIANA, 2004, p. 32).
O primeiro contato de vários profissionais da educação com a internet se deu na
fase adulta ou na juventude. Com isso, muitos deles, tiveram que adaptar a esse
“mundo” digital e informatizado. Alguns, com mais facilidade, enxergaram esta
ferramenta como uma aliada no processo educacional, e outros tiveram, e continuam
tendo, certas dificuldades de adaptação. O posicionamento dos educadores, em relação à
utilização ou não da internet nas suas práticas pedagógicas ainda é muito divergente. Os
professores, se pensarmos em sujeitos com mais de trinta anos de idade, estaremos nos
referindo a profissionais que viram o surgimento e o boom da internet. Tivemos, e aqui
me coloco também na condição de educador, que nos adaptar a esse mundo digital e
informatizado, como verdadeiros “imigrantes digitais”. Alguns com mais facilidade,
enxergaram esta ferramenta, a internet, como uma grande aliada no processo
educacional, e outros viram nela o medo do novo, daquilo que poderia redimensionar e
desestabilizar suas práticas pedagógicas, e aqui recorto um fragmento de uma música de
Caetano Veloso “é que narciso acha feio o que não é espelho”.
A resistência de muitos professores em usar as novas tecnologias na pesquisa pessoal e na sala
de aula tem muito a ver com a insegurança derivada do falso receio de estar sendo superado, no
plano cognitivo, pelos recursos instrumentais da informática. [...] é sumamente importante
mostrar que a função do professor competente [...] não está ameaçada, [...] aumenta em
importância. Seu novo papel já não será o da transmissão de saberes supostamente prontos, mas
o de mentores e instigadores ativos de uma nova dinâmica de pesquisa-aprendizagem (VIANA,
2004, p. 14).
Ao contrário de muitos professores, os alunos que cursam o ensino fundamental,
e aqui estou me referindo às crianças e aos adolescentes, ou seja, aos “nativos digitais”,
nasceram em um mundo informatizado, em que a internet já era uma realidade concreta
e estabelecida. Fazendo parte, em muitos casos, de suas construções cognitivas,
conforme nos esclarece a pesquisadora em educação Prof.ª Dr.ª Maria Elisabete Brisola
Prado, “[os adolescentes] estão crescendo com esta tecnologia [internet], convivendo
com uma nova forma de acessar informações, de se comunicar, rompendo as fronteiras
de espaço e tempo, bem como de representar o conhecimento” (PRADO, 2007, p. 20).
Para ela seria necessário “professores e gestores perceberem que esta tecnologia poderá
ser utilizada de forma integrada com as atividades pedagógicas, acrescentando suas
potencialidades no processo de ensino aprendizagem” (PRADO, 2007, p. 21).
O diálogo de jovens e professores é em geral divergente cada um com as suas pretensões. Os
professores estão preocupados em apresentar as atividades escolares e os jovens estão ligados a
um ambiente de convergência entre a matéria de sala de aula e os conteúdos apresentados no seu
dispositivo móvel (música da moda, toque moderno, mensagem surpresa, torpedo publicitário de
uma festa, entre outras informações) e ao sair da escola, se conectar ao computador de sua
residência ou em lan-house. Deste modo a cultura cotidiana dos jovens segue a passos rápidos e
longos, comparado com a dos professores de sua escola (BURGOS, 2010, p.05).
Pesquisar sobre as possibilidades e sentidos da associação do ensino do teatro
com alguns recursos e informações disponíveis na internet, é levar, para as aulas de
teatro, um pouco do contexto cultural de muitos adolescentes. Com isso, o professor de
teatro, pode, juntamente com seus alunos, descobrir novas formas de assimilação e
ressignificação do ciberespaço, enriquecendo a prática pedagógica, por meio da
multiplicidade de informações, propiciando, com isso, novas possibilidades de
investigações teatrais. Tento foco nos aspectos artísticos, estético e éticos da
experiência.
Link 4 – Notas sobre a “navegação”: escola e “nativos digitais”
“Navegar”, palavra cheia de sentidos para essa pesquisa. Olhares para os
navegantes virtuais, em especial para os jovens navegantes - “os nativos digitais” 1
(Prensky, 2001), que se conectam na internet através de dispositivos móveis, os
celulares, e computadores pessoais, com o intuito de comunicar com amigos e colegas
que fazem parte do seu cotidiano cultural e social, postar materiais audiovisuais, frases
de autoria própria ou de terceiros, que em alguns casos dizem sobre a forma como
pensam o mundo naquele momento, transitando entre o desnudamento do ser e a
superficialidade de questões que estão “na moda” nas redes sociais.
“Relações” – escola e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).
Durante alguns anos o assunto ensino do teatro voltado para adolescentes vem tomando
o foco de minhas investigações. Interesse esse que se deu há mais de uma década,
quando comecei ministrar aulas de teatro na educação básica para esse público
específico. Sempre questionei minha prática, pensando em formas de diálogo efetivo
com questões culturais dos alunos. Antes de começar essa investigação refletia sobre
como o ensino do teatro, que é ministrado em escolas públicas de ensino fundamental e
médio, pode dialogar com adolescentes na contemporaneidade. Na observação dos
elementos culturais que fazem parte do contexto juvenil, passei a me ater em um
especificamente, a internet. Quais os sentidos para os adolescentes do ato de postar
vídeos no youtube, compartilhar fotos, digitar mensagens no facebook, ou criar blogs? O
que faz com que o ambiente virtual seja tão atrativo?
Nesse trajeto enquanto pesquisador, me vejo como um “jangadeiro”, um
“marinheiro”, que sempre retorna em diversos portos, alguns sendo o meu “berço”. Para
quem não sabe essa é uma das denominações do local em que os navios atracam. Um
dos “berços do porto”, talvez o que mais me atrai, é a escola pública. Meu porto, nem
sempre seguro.
A navegação tem riscos, por vezes incerta e turbulenta. O porto, que espera o
marinheiro é agitado, com entradas e saídas. Mercadorias e pessoas que vão e vem.
1
A tradução do artigo "Digital natives, digital immigrants", de Marc Prensky, foi realizada por Roberta
de
Moraes
Jesus
de
Souza.
O
texto
encontra-se
no
link:
http://poetadasmoreninhas.pbworks.com/w/file/fetch/60222961/Prensky%20%20Imigrantes%20e%20nativos%20digitais.pdf
Fiscais da alfândega. Caminhões. Informações. Diversas embarcações. Tripulações
distintas. Ele recebe pessoas que transitam no limiar das fronteiras. Contradições - as
fronteiras do porto e a diluição delas pelos navegantes.
O porto - escola pública de educação básica - com seus muros, regras,
“disciplinas” e horários, recebe os marinheiros, “nativos digitais”, que se conectam em
vários portos ao mesmo tempo. Contradição - durante algumas horas da semana, eles
“precisam” fixar suas embarcações em um local cercado de delimitações. Possibilidades
e desafios para o educador - “imigrante digital”.
Pensar em formas de articular ensino do teatro, com recursos tecnológicos
disponíveis na internet, é pensar em outras possibilidades de ensino, que vão além da
dicotomia ensino presencial versus ensino a distância. Uma vez que certos padrões
dicotômicos de pensar a sociedade e as relações produzidas por ela vem sendo aos
poucos questionados, conforme aponta Lúcia Santaella: “a relativização, disseminação e
descentralização pós-modernas vêm nos obrigando a revisar as categorias dicotômicas e
não raramente maniqueístas [...] que costumavam sustentar e guiar as análises de
comunicação e da cultura” (SANTAELLA, 2003, p. 64).
Além dos desafios de superar a dicotomia, presencial e não presencial, percebo
que ainda há pouco aproveitamento na articulação da educação básica e pública com as
novas tecnologias que se configuram no ciberespaço. Sobre esse aspecto, novamente
me reporto ao pensamento de Viana:
A Internet, infelizmente, é vista ainda por muitos professores apenas como fonte de pesquisa,
mas hoje ela nos oferece muitas alternativas de caminhos para a educação: os chat de
comunicação, fórum, a web-education e ambientes onde podemos, não apenas buscar
informações, mas compartilhar e produzir novos conhecimentos. (VIANA, 2004, p. 32).
Além disso, é importante que a escola perceba e incorpore na sua pratica
pedagógica determinados fatores que se relativizaram, como por exemplo, a
“necessidade” de um tempo e espaço pré-definidos para a aprendizagem. Uma vez que o
internauta é quem decide o momento e o local em que o acesso aos conhecimentos
presentes na rede irá acontecer. No celular ou no computador, ele é livre para realizar,
no instante ue mais lhe convém, o acesso a diversos conteúdos. Com isso, o local e
tempo tradicional destinado à aprendizagem - sala de aula e carga horária fixa –
precisam ser repensados, uma vez que a imersão nos ambientes digitais marca uma nova
forma de cognição e de lidar com o conhecimento. Agora o “nativo digital” se vê como
agente e produtor cultural, uma vez que posta vídeos e frase de sua própria autoria,
como forma de colocar suas observações em relação a fatos que estão a sua volta,
inclusive da própria escola, como foi o caso de uma adolescente, Isadora Faber, que
criou no site de relacionamento facebook, uma comunidade intitulada Diário de
Classe2,que mostrava problemas estruturais de sua escola.
Link 5 – Celulares e ensino do teatro
Os smartphones ou iPhones não tem a mesma característica dos celulares
antigos. Ao contrário dos primeiros dispositivos que tinham basicamente duas funções,
transmissão de voz e mensagens de textos, hoje esses aparelhos oferecem uma gama de
2
https://www.facebook.com/DiariodeClasseSC
possibilidades, como por exemplo, postar, acessar e produzir conteúdos. Com isso os
celulares não são apenas um instrumento de comunicação, mas também um marco da
identidade juvenil. Através desses dispositivos móveis os adolescentes interagem com
comunidades que se estruturam por afinidades de pensamento, criam e compartilham
conteúdos que podem ser considerados visões de mundo em relação a determinado
assunto.
Dai vem a primeira pergunta que lanço, rumo a esse desconhecido cotidiano: De
que forma conseguiremos extrapolar a reprodução de conteúdos da mídia digital, como
vídeos “engraçados”, e nos lançarmos em uma experiência artística, estética e crítica?
Para melhor elucidar, neste início, as propostas que essa pesquisa pretende
investigar, alguns apontamentos se fazem relevantes. O primeiro deles é fruto dos
estudos do professor da Charles Sturt University, Prof. Dr. David Cameron, que
desenvolve uma pesquisa associando o drama3 com recursos tecnológicos. Segundo ele,
os recursos disponíveis na internet, podem contribuir de modos diversos para a prática
do drama, ora substituindo algum elemento presencial, que o coordenador irá utilizar4:
“[...] uso de uma mensagem de e-mail ao invés de uma carta” 5 (CAMERON, 2009,
p.52). Ora, mediante a associação direta entre as duas realidades – virtual e presencial –,
na qual as mídias interativas, presentes na internet, sejam:
um meio pelo qual a atividade de drama, possa ser conduzida” 6, como exemplo, propõe a
utilização de “um fórum de discussão [online] como sendo um meio pelo qual os participantes
possam se engajar em uma atividade de teatro, além de estarem fisicamente presentes no mesmo
recinto. (CAMERON, 2009, p. 52) 7.
Para melhor elucidar as contribuições que o pesquisador David Cameron, bem
como John Carrol, trouxeram para esse campo de investigação, apresento, brevemente,
um estudo de caso, desenvolvido por eles, e descrito no artigo Drama, digital pre-text
and social media (2009). Todos esses questionamentos deram suporte para
problematizar a relação entre educação e comunicação, aqui estabelecida pela utilização
de mídia digital móvel, e possibilitaram pensar na questão apresentada no início desse
subitem.
Os professores que conduziram o processo produziram pré-textos digitais, tais
como, vídeos, áudios e imagens e textos. Além disso, o tema selecionado para se
investigado no pré-texto era a troca de identidades, então foi selecionado um texto de
apoio Noite de Reis de Shakespeare e o filme She is a Boy.
Cabe aqui definir o venha a ser o pré-texto. Segundo a Prof.ª Dr.ª Beatriz Cabral,
“[...] é o roteiro, história ou texto que fornecerá o ponto de partida para iniciar o
processo dramático, e que irá funcionar como pano de fundo para orientar a seleção e
identificação das atividades e situações exploradas” (CABRAL, 2006, p. 15). Cabe
ressaltar que, este não é apenas o ponto de partida para a investigação dramática, seu
3
Método de ensino desenvolvido em escolas da Inglaterra e em outros países.
Todas as citações do Prof. Dr. David Cameron são traduções do autor desse artigo. Por isso, optei por
apresentar, em notas de rodapé, o texto original, em inglês.
5
“use of an email message rather than a letter” (CAMERON, 2009, p. 52).
6
“[…] a means by which the drama activity itself can be conducted”.
7
“a discussion forum as the means by which participants can engage in a drama activity beyond being
physically present in the same space” (CAMERON, 2009, p. 52).
4
sentido se estende por todo o processo, introduzindo “elementos para identificar a
natureza e os limites do contexto dramático e do papel dos participantes” (CABRAL,
2006, p. 16). Ainda conforme Beatriz Cabral,
[...] a eficácia de um pré-texto em drama, enquanto processo de investigação em cena, pode ser
identificado pelo acesso a intenções e papéis que ele fornece – um testamento que deverá ser
lido, uma tarefa a ser cumprida, uma decisão que precisa ser tomada, um quebra-cabeça que terá
de ser resolvido em tempo hábil, uma casa assombrada a ser explorado (CABRAL, 2006, p. 15).
Pensando nesses elementos, que são introduzidos por meio do pré-texto, como
que algumas dessas intenções podem ser levadas para a internet, a fim de que a
investigação também se dê virtualmente, por meio daquilo que David Cameron define
como sendo um “pré-texto digital” (CAMERON, 2009, p. 54)?8 E, principalmente, qual
o sentido de tal procedimento para a prática teatral? Para refletir sobre esses
questionamentos me reporto ao pensamento de Cameron:
Pré-textos digitais são fundamentados em materiais produzidos como facilitadores do drama, tais
como, texto digital, imagens, áudio e vídeo. Algumas formas contemporâneas para este conteúdo
incluem blogs (que podem ser mídia mista), compartilhamento de marcação [tagging] de
imagem, podcasts de vídeo e áudio, mídia reforçada por instalações de redes sociais em
aplicativos tais como, Facebook, Bebo e Myspace, e ferramentas específicas de mídia móvel, tais
como, Short Message Service (SMS). Estes espaços digitais já são lugares de construção de
significados e produção de identidade (Carroll 2002a; Stern 2008) para pessoas jovens.
9
(CAMERON, 2009, p. 296) .
Outro aspecto, que diz respeito ao pré-texto, são os desdobramentos do mesmo
durante o processo de drama, ou seja, os conteúdos, as convenções dramáticas, o
contexto ficcional, as tensões e os papéis assumidos pelos participantes. Pensando
nesses desdobramentos, o experimento realizado por Carroll e Cameron, contou com
SMS que os condutores do processo enviavam para os participantes, alunos de uma
escola pública na Austrália. Bem como a criação de perfil no site Bebo, para o
personagem Andrew, que se constituiu em figura chave no desenrolar das atividades. E
da relação entre alguns elementos presentes na internet e determinadas convenções
dramáticas, propostas por Jonathan Neelands e Tony Goode (2000), entre elas:
Conversas Ouvidas; Diários, cartas, jornais, mensagens; Objetos do personagem (ou
propriedade privada); Still-image; e Materiais inacabados.
O drama começou com os professores convidando a classe a analisar algumas
fotos tiradas de telefones celulares de uma turma que possuía certas característica
similares a deles. Depois logo em seguida um aluno recebe a seguinte mensagem no
seu celular:
Andrew acha que sou eu, mas não é, nós apenas somos parecidos. Ces 10.
A partir desse momento várias atividades aconteceram, que levaram ao
engajamento da turma em relação ao contexto ficcional criado. Ninguém sabia quem era
8
“digital pre-text” (CAMERON, 2009, p. 54)
“Digital pre-texts are based on facilitator-produced drama source material such as digital text, images,
audio and video. Some contemporary forms for this content include blogs (which may be mixed media),
shared image tagging, video and audio podcasts, media enhanced by social networking facilities in
applications such as Facebook, Message and Myspace, and mobile media-specific tools such as Short
Message Service (SMS). These digital spaces are already places of meaning making and identity
production (Carroll 2002a; Stern 2008) for young people” (CAMERON, 2009, p. 296).
10
“Andrew thinks it’s me, but it’s not, we just look alike. Ces”. (CAMERON, 2009, p. 301).
9
Ces, a personagem que Andrew perseguia. Uma mensagem ameaçadora, escrita no
perfil do Andrew na rede social Bebo, convida outra personagem Olivia a encontrar com
ele no portão da escola, para resolverem a situação. Logo em seguida, o coordenador
convida a classe a escrever uma mensagem, como sendo a resposta de Olivia para
Andrew. E assim o processo de drama se desenvolveu11.
Entre os resultados obtidos com o processo, Cameron e Carroll apontam a
natureza colaborativa dessas formas de mídias sociais, que ajudou criar diversas
possibilidades para o drama. Segundo os pesquisadores, essas formas relacionadas a
internet permitiram um deslocamento temporal e de espaços cênicos que não seriam
facilmente atingidos de outras maneiras, se pensarmos em uma aula de cinquenta
minutos. Outro ponto que merece destaque foi a abordagem e problematização, em
determinados momentos do processo, de questões envolvendo a utilização de mídias
móveis por adolescentes: privacidade, segurança e comportamento dos jovens. Além
disso, segundo os autores a análise do engajamento digital, por parte dos alunos, ajudou
a “[...] fornecer informações e ampliar a compreensão dos pesquisadores sobre o uso de
materiais digitais de aprendizagem dentro de um contexto de sala de aula” 12
(CAMERON, 2009, p. 301).
Link 6 – Considerações finais
Pensar a relação educação e comunicação, aqui estabelecida pela utilização de
uma mídia digital móvel que permite conexões com a internet, e sua relação com a
educação, especificamente o ensino do teatro, é pensar no uso dos celulares não como
um objeto de consumo, mas enquanto agente de comunicação, que possa ser utilizado
em espaço educacional como uma forma de nutrir experimentos criativos, estabelecendo
conexões diretas com os mesmos, e não apenas como uma ferramenta de busca de
informações. Além disso, espera-se que com tal assimilação, o professor possa
estabelecer aproximação com os conteúdos e “acessos” dos jovens, o que poderá lançar
possibilidades de diálogos poéticos para com os mesmos, e que olhares criativos e
éticos possam ser estabelecidos.
Cabe destacar, que esse artigo buscou apontar considerações iniciais de uma
pesquisa. Muito precisa ser analisado. Outros autores irão fazer parte desse debate, com
o intuito de ampliar o foco das investigações e possibilitar vários pontos de vista em
relação as questões abordadas. Além disso, no segundo semestre de 2014, alguns
experimentos de drama com o uso das TICs, em especial telefones móveis, serão
desenvolvidos e analisados.
Apoio: CAPES, CNPq e PROMOP UDESC
11
Não relatarei o processo, pois isso demandaria um espaço que iria além dos limites desse artigo. Mas se
alguém tiver interesse em conhecê-lo, indico a leitura do artigo Drama, digital pre-text and social media
de John Carrol and David Cameron, que se encontra na revista RIDE: The Journal of Applied Theatre and
Performance. Vol. 14, n 2, may 2009, 295-312.
12
“digital engagement has been examined to provide insight and broaden the researchers’ understanding
of the use of digital learning materials within a classroom context” (CAMERON, 2009, p. 52).
Referências bibliográficas
BURGOS, Taciana; SENA, Diana. O computador e o telefone celular no processo
ensino-aprendizagem da educação física escolar. In: Anais Eletrônico do 3º Simpósio
Hipertexto e Tecnologia na Educação: redes sociais e aprendizagem. Recife:
Universidade Federal de Pernambuco., 2010.
CABRAL, Beatriz. Drama como método de ensino. São Paulo: Editora Hucitec:
Edições Madacaru, 2006. (Pedagogia do Teatro).
CAMERON, David. Mashup: digital media and drama conventions. In: ANDERSON,
Michael; CARROLL, John; CAMERON; David. Drama Education with Digital
Technology. London: Continuum, 2009.
______________; CARROLL, John. Drama, digital pre-text and social media. In:
RIDE: The Journal of Applied Theatre and Performance. Vol. 14, n 2, may 2009.
NEELANDS, Jonothan. Structuring Drama Work. Cambridge University Press, 1992.
PRADO, Maria Elisabete Brisola Brito; ROZO, Rosângela Tortora. Projetos
informatizados: novas possibilidades de aprendizagem. In: CARNEVALE, Ubirajara
(Org.) Tecnologia educacional e aprendizagem. São Paulo: Livro Pronto, 2007.
PRENSKY, Marc. Digital Natives, Digital Immigrantes. In: On the Horizon (MCB
University Press), Vol. 9 No. 5, October 2001.
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à
cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003b.
VIANA, Maria Aparecida Pereira. Internet na educação: novas formas de aprender,
necessidades e competências no fazer pedagógico. In: MERCADO, Luís Paulo
Leopoldo (Org.). Tendências na utilização das tecnologias da informação e
comunicação na educação. Maceió: EDUFAL, 2004.
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