Teatro Barroco • Como marcos do período barroco, iremos encontrar no teatro, como no balé e na ópera que nascem por essa época, a fixação e o desenvolvimento da mais característica modificação da essência, do espírito e da forma das artes no Renascimento. • Ou seja, a transição da preocupação com a maior glória de Deus para o deslumbramento individualista e angustiado com a maior glória do homem. • O teatro é o espelho da natureza; era inevitável que ele refletisse o abalo sofrido pelo mundo monoliticamente católico do feudalismo, perante a redescoberta da generosa riqueza do mundo pagão, no momento em que a corrupção interna corroía uma Igreja Católica tornada potência política e militar. • No período barroco o teatro iria refletir não só a euforia humanística da libertação da rigidez religiosa e filosófica do mundo feudal, como também a complexidade maior do desamparo que acompanha a perda de um pano de fundo de certezas, da nostalgia desse mundo perdido, das profundas reflexões espirituais da Contra-Reforma, que procurou recuperar o bom nome da Igreja Católica mas não pôde fazer voltar o mundo de outrora. • Os conflitos existiam, tinham existido, e todo conflito é, essencialmente, um meio de cultura ideal para a forma dramática. • Sendo o homem o meio de expressão e o próprio veículo da arte dramática e teatral, certamente não é de espantar que, de todas as artes, o teatro seja aquela que, no barroco, atinge um momento de esplendor inigualado em qualquer outro em toda a sua história. • No entanto, a dramaturgia e o teatro, ao contrário das artes plásticas, haviam sofrido um total eclipse de vários séculos, a partir da queda de Roma. • A não ser nas bibliotecas de mosteiros, ninguém na Europa Ocidental sequer sabia que antigamente existira uma arte tão extraordinária quanto a da tragédia e da comédia gregas. • Mesmo com a queda de Constantinopla e o grande ímpeto do Renascimento italiano, os autores mais divulgados e imitados, foram os romanos. • A partir do século X, na Europa cristã, a Igreja usou singelas dramatizações como instrumento de ensino. • O teatro (além do ator) necessita de duas coisas para poder realizar-se: sendo uma arte comunitária, precisa de público; para comunicar-se, precisa de uma língua apta a expressar todo e qualquer conteúdo de modo formalmente satisfatório. • O mundo feudal, sem concentrações urbanas, não oferecia público; nenhuma das novas culturas que aos poucos iam-se delineando, após as invasões bárbaras, na França, Itália, etc., poderia expressar-se autenticamente em latim. • A progressiva evolução das várias línguas é acompanhada, passo a passo, pela crescente desenvoltura e popularidade da dramaturgia medieval que começa puramente bíblica e termina proibida nas igrejas, tal a proporção de elementos seculares que a transformavam de lição em entretenimento. • A partir do século XIII o crescimento das concentrações urbanas começaria a fazer sua contribuição para o nascimento de um público teatral. • Como em qualquer outra questão que tenha suas raízes no Renascimento, é indispensável que comecemos pela Itália, justamente onde a pouca popularidade aliada a outras razões, permitiu a virtual destruição da tradição dramática medieval. • Entre essas outras razões estão, sem dúvida, a proximidade da sede da Igreja Católica, a não unificação política da península itálica e a não existência de uma língua nacional. • Até o início da segunda metade do século XVI o teatro da Europa Ocidental ainda está em fase de formação e os únicos três autores italianos que ainda podem ser lembrados, Ariosto, Aretino e Machiavelli, são estritamente renascentistas na preservação da estrutura dramática romana, linear e cumulativa, onde a narração e a discussão substituem a ação propriamente dita. • O que os salva do esquecimento daquela geração imitativa é o fato de haverem eles, em obras como, respectivamente, La Lena, La Cortigiana e La Mandragola, olhado para o mundo à sua volta, usando o instrumento crítico da comédia romana para espelhar seu próprio tempo. • O aparecimento do ator profissional, talvez o fator mais decisivo e enriquecedor para o desenvolvimento do teatro, principalmente a partir do século XVI, vai fazer aparecer, até mesmo naquela Itália sem língua nacional, uma das manifestações mais ricas que a arte teatral tem conhecido, a commedia dell’arte. • Nela, a arte do ator supera o problema da comunicação verbal recorrendo a outras e expressivas linguagens cênicas.