UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO DE DECISÃO DE COMPRA DO CONSUMIDOR DE CARNE BOVINA NO MUNICÍPIO DE VACARIA/RS Fernando Verdi Guazzell * Marcelo Machado Barbosa Pinto** Maria Emília Camargo *** Guilherme Cunha Malafaia **** RESUMO: O presente estudo tem a finalidade de identificar elementos do processo de decisão de compra dos consumidores quando adquirem a carne bovina em supermercados da cidade de Vacaria, Rio Grande do Sul. Por meio de um estudo exploratório foram levantados os atributos inerentes a decisão de compra da carne. Após a identificação dos atributos fornecidos por diferentes consumidores previamente agrupados em dois segmentos, foi estabelecido um perfil de comportamento de compra visando-se determinar as bases para um processo de segmentação de mercado para as carnes bovinas da região. De posse destas informações a cadeia produtiva da carne pode direcionar investimentos para incrementar a sua rentabilidade. Desta forma, haverá possibilidades de se criar produtos diferenciados e que possam ser posicionados de maneira peculiar no mercado. Palavras-chaves: marketing; cadeia produtiva de carne; pecuária ABSTRACT: This search aims to identify the elements of the costumer’s buying decision process when they purchase bovine meat in Vacaria’s supermarkets. Through an exploratory research, values of meat were depicted when costumers buy this product. After identifying these values, obtained from two different segments that have been previously clustered, a profile of buying behavior was established, aiming to determine the basis for a process of market segmentation in the field of bovine meat in this region of the State of Rio Grande do Sul. With this knowledge the productive chain of meat can redefine investments to improve its profitability, it means, it can put money in new productive process and new alternatives to trade its products. In this way, it is possible to create different goods that can be positioned properly in the market. Keywords: marketing; productive chain of bovine meat; cattle * Curso de Especialização em Administração Rural do DCSC/CAMVA UCS ** DCSC Campus Universitário de Vacaria UCS *** DCSC Campus Universitário de Vacaria UCS [email protected] **** DCSC Campus Universitário de Vacaria UCS Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 1-7, abr./mai./jun. 2003 Fernando Verdi Guazzell - Marcelo Machado Barbosa Pinto Maria Emília Camargo - Guilherme Cunha Malafaia 1. INTRODUÇÃO Todas as definições sobre o conceito de marketing têm em comum a preocupação com o cliente (Cobra, 1997). Conhecer o cliente, descobrir seus desejos e necessidades são objetivos do marketing (Pride & Ferrell, 2001 e Levitt, 1995) e a pesquisa de mercado é o instrumento para a concretização destes objetivos. Na verdade muito pouco tem-se feito em termos de pesquisa de marketing quando o assunto é carne bovina. As organizações (grandes varejistas) se as realizam, não disponibilizam seus resultados. O meio acadêmico, por sua vez, responsável pela socialização do conhecimento gerado pela pesquisa, tem se dedicado mais, nos últimos anos, à procura por maior eficiência nos processos produtivos e, mais recentemente, a questões relacionadas à qualidade. É notória a importância de tais pesquisas, mas não menos relevante á a pesquisa em marketing, já que esta pode traçar o perfil do consumidor final que, em última análise, é quem patrocina todo o processo produtivo. Recentemente ao se analisar o mercado dos Estados Unidos da América, identificou-se que o consumidor percebe diferenças de sabor de carne e que ele está disposto a pagar um preço “premium” (maior valor) por um produto de qualidade superior (Lazzarini Neto e Nehmi Filho, 1995). Em um projeto conhecido como European Red Meat Quality” (qualidade da carne vermelha européia) apareceram os seguintes aspectos em ordem de preferência quando foram perguntados aos consumidores sobre o que era importante ao se adquirir carnes: satisfação, nutrição, saúde, preço, conveniência e tecnologia. Entretanto no Brasil, de uma maneira em geral, o consumidor ainda visualiza a carne como uma “commodity” (produto indiferenciado), priorizando o preço na hora da compra, o que acaba nivelando por baixo as possibilidades de incremento da qualidade da carne. Talvez este resultado nefasto para a cadeia produtiva seja fruto do desconhecimento sobre o mercado consumidor. Um fator decisivo para o desenvolvimento deste mercado objetivando torná-lo mais profissional é a informação sobre o consumidor. Informação acurada e científica. A ausência de informação gera um ciclo vicioso, pois o consumidor ainda é o grande mal informado, pois ele é mantido distante dos dados que deveria receber sobre o produto que adquire. Este consumidor ao contrário do que muitos pensam é o melhor aliado para todos aqueles que produzem qualidade. Assim pelas experiências observadas, o problema fica caracterizado nos dois extremos: a produção e o consumo. A solução precisa acontecer nestes dois extremos, impondo os padrões exigidos em todas as etapas da cadeia produtiva. Ratificase, desta forma, a caracterização do consumidor final como grande determinante de como deve ser o produto. Para a cadeia de carne bovina gaúcha e em especial para os pecuaristas de gado de corte da região de Vacaria no Rio Grande do Sul surge, naturalmente, a seguinte indagação: estamos tratando o consumidor como deveríamos ou estamos negligenciando seus valores quando eles adquirem os produtos que fornecemos? 2. OBJETIVOS Visando-se conhecer o mercado consumidor de carnes e responder algumas indagações sobre o mesmo, foi desenvolvido este estudo com os seguintes objetivos: a) identificar quais atributos são valorizados na compra da carne bovina no mercado de Vacaria? Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 1-7, abr./mai./jun. 2003 2 Fernando Verdi Guazzell - Marcelo Machado Barbosa Pinto Maria Emília Camargo - Guilherme Cunha Malafaia b) verificar se os componentes da cadeia produtiva de carnes conhecem o que os consumidores valorizam quando compram este produto? 3. REFERENCIAL TEÓRICO A participação dos consumidores no processo produtivo por meio do fornecimento de informações sobre seus gostos e preferências, é condição indispensável para qualquer empresa ou setor que queira buscar um diferencial no mercado, ou mesmo para sua sobrevivência (Megido & Xavier, 1998) É importante observar que toda esta visão sobre a evolução das relações de mercado vinham sendo associadas, até há algum tempo atrás, a outros setores da economia que não o Agribusiness. Termo este que pode ser conceituado como um sistema integrado, uma cadeia onde entram pesquisa, tecnologia, produção propriamente dita, para a obtenção de bens de origem vegetal ou animal ou produtos finais com mais valor agregado, no setor de alimentos, fibras, energia, têxtil, bebidas, couros, etc. Porém, esta quase marginalidade com relação aos modernos conceitos de marketing na qual encontrava-se o Agribusiness vem sendo substituída por um novo entendimento desta cadeia agroalimentar, enfocando-a sob a ótica da informação, com todas as imposições de qualidade, segmentação, individualização de padrões de compra.. O Agribusiness, como um todo, vem se dando conta cada vez mais da nova natureza mercadológica existente e de sua dependência a esta visão. Neste contexto o “info-produto” e o “info-serviço” tornam-se vitais para a capacidade de absorver, interpretar criativamente e incorporar informações. (Megido & Xavier, 1998). No que se refere à carne bovina, o consumidor brasileiro, embora não esteja plenamente educado com relação ao conceito de qualidade face ao produto, tem se tornado cada vez mais exigente na hora da compra. Novas características da vida moderna foram incorporadas aos hábitos de consumo da população, com preferência por produtos práticos, previsíveis e com padronização de qualidade que atendam às suas expectativas. Oferecer ao consumidor o produto que ele espera e deseja comprar é responsabilidade de toda a cadeia produtiva de carne, inclusive do produtor, que precisa estar atento a este fato. O pecuarista precisa conscientizar-se que todos os cuidados dispensados ao animal, desde seu nascimento até o abate afetarão o produto final. Além disso, o produtor deve exigir dos demais componentes da cadeia, total envolvimento num processo pela melhoria do produto final, com sua adequação às exigências do consumidor (Lazzarini & Nehmi Filho, 1995). Além da preferência por atributos que o produto carne bovina deva apresentar, é crescente no mundo inteiro a preocupação com as questões de segurança alimentar. Neste sentido, tem surgido programas de rastreabilidade que visam preencher esta lacuna, garantindo segurança aos produtos, além de informações complementares. Fica evidente desta maneira a necessidade de que o consumidor esteja melhor informado, dispondo assim de informações mais amplas para tomar decisões com mais segurança. Cabe ao produto focar-se no cliente final e seus gerenciadores devem procurar saber o que o consumidor deseja e não apenas se ele está satisfeito. Entretanto para que ele tenha condições de responder ou de reivindicar, concedendo informações que contribuirão para toda cadeia produtiva, faz-se necessário conhecer o produto. A lapidação do conhecimento do consumidor gera diversos benefícios ao setor. A partir do momento em que o comprador conhece um produto, ele está apto a fazer a seleção de atributos, marcas e analisar a relação custo-benefício do produto, assim, ele poderá decidir pagar mais porque sabe que vale a pena financiar uma determinada qualidade, seja uma embalagem diferenciada, uma produção especializada, algo que lhe trará benefícios (Pride & Ferrell, 2001). A criação de marcas, associadas diretamente às características do produto, capazes de fidelizar o consumidor parece Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 1-7, abr./mai./jun. 2003 3 Fernando Verdi Guazzell - Marcelo Machado Barbosa Pinto Maria Emília Camargo - Guilherme Cunha Malafaia realmente ser um caminho bastante interessante para a cadeia produtiva de carne bovina. Par atingir este patamar de requisitos, a cadeia produtiva deve aprofundar-se no estudo do mercado e analisar como ele se estrutura, identificando os segmentos a serem atendidos com produtos específicos e ao gosto do exigente consumidor. A figura 1 ilustra o processo de segmentação, passo primordial para se conhecer o mercado. FIGURA 1: O Processo de Segmentação: alvo e posicionamento das redes agroalimentares de carnes. Segmentação de Mercado a) Identificar as variáveis de segmentação de mercado de carnes b) Desenvolver o perfil dos segmentos resultantes Seleção de Mercado – Alvo c) Avaliar a atratividade de cada segmento consumidor d) Selecionar os segmentos-alvo Diferenciação e Posi-cionamento da Oferta e) Possibilidade de diferenciação de carnes f) Comunicação para posicionar o produto Fonte: Adaptado de KOTLER (2000) in MEGIDO e XAVIER, 1998 Não há dúvidas na importância em se buscar do marketing ferramentas que auxiliem a cadeia produtiva de carne a entender seu mercado consumidor e com isso poder agregar valor ao seu produto contribuindo desta forma para o crescimento do setor e o desenvolvimento dos seus integrantes. 4. METODOLOGIA Segundo Mattar (1992), quanto à natureza das variáveis estudadas, a pesquisa qualitativa identifica a presença ou ausência de algo, enquanto a quantitativa procura medir o grau em que algo está presente. Há também diferenças metodológicas: na pesquisa quantitativa os dados são obtidos de um grande número de pesquisados, usando escalas, geralmente numéricas, sendo os dados submetidos a análises estatísticas formais; na pesquisa qualitativa os dados são colhidos através de perguntas abertas, possibilitando mais profundidade na avaliação. Para McCarthy e Perreault (1997) a pesquisa quantitativa trabalha com amostras maiores e mais representativas, podendo-se utilizar modelos estatísticos para tirar conclusões. A pesquisa qualitativa, por outro lado, busca respostas profundas através de questões abertas; o pesquisador tenta fazer com que as pessoas compartilhem suas idéias sobre determinado tópico, sem dar-lhes muitas direções ou orientações sobre o que dizer. Uma pessoa pode falar sobre a localização conveniente, outra sobre o serviço oferecido e outras sobre a qualidade do produto. A vantagem real desta abordagem é a profundidade, que proporciona detalhes, mesmo se o pesquisador não necessitar de muito julgamento para chegar a uma conclusão. Na visão dos autores, a pesquisa qualitativa é apropriada para a fase exploratória sendo aconselhável a validação de hipóteses mediante amostras mais representativas e medidas objetivas (pesquisa quantitativa). Roesch (1996) reforça este ponto de vista, argumentando que a pesquisa qualitativa e seus métodos de coleta e análise de dados são apropriados para uma fase exploratória de pesquisa. Roesch (1996) afirma que, segundo este enfoque, delineamentos qualitativos e quantitativos usados em avaliação formativa e de resultados são formas complementares e não formas antagônicas de avaliação. Dessa forma, a pesquisa qualitativa é apropriada para a avaliação formativa, quando se trata de melhorar a efetividade de um programa ou plano, ou mesmo quando é o caso de proposição de planos, ou seja, quando se trata de selecionar as Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 1-7, abr./mai./jun. 2003 4 Fernando Verdi Guazzell - Marcelo Machado Barbosa Pinto Maria Emília Camargo - Guilherme Cunha Malafaia metas de um programa e construir uma intervenção, mas não é adequada para avaliar resultados de programas ou planos. Mattar (1992) observa que, quanto ao objetivo e grau em que o problema de pesquisa está cristalizado, a pesquisa pode ser exploratória ou conclusiva. A diferença básica entre elas está no grau de estruturação da pesquisa e em seu objetivo imediato. Uma pesquisa exploratória é pouco ou nada estruturada em procedimentos e seus objetivos são pouco definidos. Seus propósitos imediatos são de se ganhar mais conhecimento sobre um tema, desenvolver hipóteses para serem testadas e aprofundar questões a serem estudadas. Já a pesquisa conclusiva é bastante estruturada em termos de procedimentos. Entretanto, segundo o autor, a classificação de pesquisas em exploratória ou conclusivas é muito menos precisa que outras classificações, pois todas as pesquisas têm aspectos exploratórios e são raras aquelas cujo problema de pesquisa ou objetivos estejam tão bem definidos que possam prescindir de atividades de pesquisa exploratórias. Sendo assim, o presente trabalho de pesquisa pretende-se enquadrar como pesquisa qualitativa exploratória. Qualitativa na medida em que não necessitará atingir um grande número de pesquisados ou amostras representativas, Pelo contrário, deverá ater-se a um número pequeno de entrevistados dentre os consumidores de Vacaria, para que possam expressar-se sobre os atributos que julgam importantes para a aquisição do produto carne bovina. A caracterização como exploratória esta relacionada a alguns fatores: primeiro o fato de não se ter conhecimento de nenhum outro estudo desta natureza realizado na região, abordando o tema carne bovina e sua relação com o consumidor, segundo, pela consciência da modesta estrutura, que não lhe permite a pretensão de ser conclusiva. o objetivo principal é buscar informações diretamente junto ao consumidor final e disponibilizá-la para toda a cadeia produtiva da carne bovina. Desta maneira estará se contribuindo para uma maior conscientização do que representa este mercado e para se entender o processo de decisão de compra do consumidor final para este produto, sendo assim, justifica-se a realização desta pesquisa e até mesmo a necessidade de pesquisas mais abrangentes e conclusivas sobre o tema. Apesar da modesta condição de pesquisa exploratória, incluiremos no presente trabalho a consideração sobre uma hipótese específica: o mercado consumidor de carne bovina em Vacaria é segmentado. Esta hipótese será submetida à discussão no decorrer da pesquisa, sem a ambição de se chegar a conclusões definitivas, mas com o intuito de estimular os componentes da cadeia produtiva da carne – iniciando pelo produtor – a tomada de decisões cada vez mais profissionais, com visitas ao atendimento das necessidades e desejos do consumidor final. A “descommoditização” (tornar um produto indiferenciado em um produto diferenciável) e a valorização da qualidade são imperativos inadiáveis para o produto identificado como carne bovina. 5. RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa foi realizada em seis supermercados, escolhidos aleatoriamente. A amostragem foi estratificada, sendo três supermercados dos bairros de menor poder aquisitivo e três em baixos considerados nobres de Vacaria, Rio Grande do Sul. Constatou-se agrupamentos de mercado para a carne bovina em pelo menos dois segmentos diante da identificação de comportamentos do consumidor em seis supermercados da cidade de Vacaria: • Segmento 1: clientes dos supermercados I, II e III (preponderância feminina, de escolaridade primária e renda em torno de dois salários mínimos); Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 1-7, abr./mai./jun. 2003 5 • Fernando Verdi Guazzell - Marcelo Machado Barbosa Pinto Maria Emília Camargo - Guilherme Cunha Malafaia Segmento 2: clientes dos supermercados IV e V (preponderância masculina, de escolaridade superior e de renda acima de 10 salários mínimos). Apesar dos agrupamentos terem surgidos pela determinação geográfica dos supermercados sendo os supermercados I, II e III situados em bairros de menor poder aquisitivo e os supermercados IV e V estarem localizados em bairros considerados nobres, as opiniões dos entrevistados convergiram para atributos semelhantes sendo também valorados em graus assemelhados. Os atributos aparência, aspecto e maciez foram identificados pelos consumidores de todos os supermercados sendo para eles a tradução do conceito de qualidade. Por outro lado o atributo preço que também foi identificado em todos os supermercados não teve a mesma valoração que os anteriormente citados, depreendendo-se daí, a possibilidade de se oferecer um produto diferenciado por um preço “premium”(maior valor). Sendo assim, reafirma-se o que a revisão bibliográfica da pesquisa já apontava em relação ao mercado dos Estados Unidos da América e da Europa. Neste sentido defende-se o fim da generalização e a necessidade do uso intensivo de técnicas de posicionamento e diferenciação de produtos e serviços, ampliando a oferta e criando assim novos segmentos de mercado para a carne bovina. Segundo Megido & Xavier (1998), tais características identificam oportunidades de negócio surgidas com a nova identificação do mercado. É claro que a descoberta destes atributos no mercado de Vacaria é algo básico ou primário, tendo em vista mesmo a reduzida estrutura e a pequena abrangência da presente pesquisa. Contudo acredita-se ter obtido informações que podem contribuir para o desenvolvimento do mercado, indicando possíveis caminhos para a solução ou a abrandamento do problema diagnosticado, posto que o desconhecimento sobre mercado em nada auxilia o produtor, quem processa e quem comercializa o produto. Este problema de pesquisa científica, caracterizado ainda no inicio do presente trabalho, norteou todas as ações desenvolvidas, na busca de um melhor entendimento das necessidades e desejos do consumidor de carne no município de Vacaria. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. COBRA, M. H. N.. Marketing Básico: uma perspectiva brasileira. 4º ed. São Paulo. Atlas. 1997. 2. LAZZARINI NETO, S.; NEHMI FILHO, V. A. Pecuária de Corte Moderna: Produtividade e Lucro. São Paulo, 1995. 3. LEVITT, Theodore. A Imaginação de Marketing. 2ª ed. São Paulo. Atlas, 1995 4. LUCHIARI FILHO, A.. Entrevista Revista Pecuária de Corte. São Paulo, 1997 5. MATTAR, F. N. Pesquisa de Marketing: Metodologia, planejamento, execução, análise. Volume 2. 4º ed. São Paulo. Atlas, 1992. 6. ___________ Pesquisa de Marketing: Metodologia e planejamento. Volume 1. 4º ed. São Paulo. Atlas, 1992. 7. McCARTHY, E. J.; PERREAULT, Jr. Marketing essencial: uma abordagem gerencial e global. Tradução Ailton Bom fim Brandão. São Paulo. Atlas, 1997. 8. MEGIDO, J. L. T.; XAVIER, C. Marketing e Agribusiness. 3º ed. São Paulo. Atlas, 1998. 9. PRIDE, M.W., FERRELL, O. C. Marketing: conceitos e estratégias. 11ª ed. Rio de Janeiro. LTC editora, 2001. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 1-7, abr./mai./jun. 2003 6 Fernando Verdi Guazzell - Marcelo Machado Barbosa Pinto Maria Emília Camargo - Guilherme Cunha Malafaia 10. ROESCH, S. M. A. Projeto de estágio do curso de Administração: guia para pesquisas, projetos, estágios e trabalhos de conclusão de curso. Colaboração: Grace Vieira Becker, Maria Ivone de Mello. São Paulo. Atlas, 1996. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 1-7, abr./mai./jun. 2003 7 A ADAPTAÇÃO ESTRATÉGICA NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL: UM ESTUDO DE CASO NO SETOR DE EDIFICAÇÕES NA CIDADE DE PASSO FUNDO (RS) Edson Antônio Salvador * Carlos Ricardo Rossetto ** RESUMO Esta pesquisa, através de um estudo de caso, descreve como uma empresa da indústria da construção civil – setor de edificações, situada na cidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, adaptou-se estrategicamente na percepção da sua coalizão dominante. O estudo foi desenvolvido através de uma pesquisa qualificativa, utilizando a metodologia de Pettigrew (1987) e suas três dimensões estratégicas: contexto, conteúdo e processo. Além do caráter qualificativo (Trivinõs, 1992) e contextualista (Pettigrew, 1987), utilizou-se também a visão longitudinal e histórica (Kimberly, 1976; Salama, 1992). Em função da metodologia adotada, não se teve a preocupação de generalizar os resultados aqui encontrados; o que se procurou foi apresentar elementos que auxiliem na explicação do processo de adaptação estratégica da organização. * Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. Professor da Universidade de Passo Fundo (RS). E-Mail: salvador@ upf.br. Abstract This research, through a case study, describes as a company of the industry of the civil construction – sector of constructions, situated in the city of Passo Fundo, Rio Grande Do Sul, was adaptou strategically in the perception of its dominant coalition. The study it was developed through a qualifying research, using the methodology of Pettigrew (1987) and its three strategical dimensions: context, content and process. Beyond the qualifying character (Trivinõs, 1992) and contextualista (Pettigrew, 1987), the longitudinal and historical vision (Kimberly was ** Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC, Professor da Universidade de Passo Fundo (RS) e do Programa de pós-graduação em Engenharia de Produção da UFSC also used, 1976; Salama, 1992). In function of the adopted methodology, the concern was not had to generalize the here joined results; what it was looked was to present elements that assist in the explanation of the process of strategical adaptation of the organization. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 Edson Antônio Salvado - Carlos Ricardo Rossetto 1. INTRODUÇÃO Quanto mais se estudam os problemas enfrentados pelas organizações, mais se percebe que eles não podem ser entendidos isoladamente, ou seja, são problemas sistêmicos, o que pressupõe interligação e interdependência. Tendo como base o contexto descrito e sendo esses problemas decorrentes de uma única crise, pode-se perceber que os fenômenos a eles relacionados fazem parte da vida das empresas e, por conseqüência, da indústria da construção civil. Todos esses fatores, aliados à complexidade da natureza humana, demonstram que muito pouco ou quase nada do universo, e também das organizações, faz lembrar o determinismo e a linearidade que supostamente caracterizariam o mundo. 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A revisão bibliográfica que sustenta a investigação feita abrange conhecimentos acerca das organizações e da sua adaptação frente ao ambiente a partir de diferentes perspectivas – transformações ambientais, ambientes organizacional, estratégia, adaptação e mudança organizacional. 2.1 As transformações ambientais O estudo visou entender o processo de adaptação estratégica da empresa Giacomini Engenharia e Construções Ltda., entre 1980 e 1999. Portanto, a análise englobou um período marcado por grandes mudanças econômicas, sociais e políticas, que culminou no momento atual. Como a pesquisa procura utilizar uma abordagem contextualista, entende-se que a caracterização das mudanças ocorridas no final deste século é essencial para que se compreenda a complexidade do contexto no qual essa organização desenvolveu-se. Alperstedt et al. (1996) procuram caracterizar o contexto dos últimos anos deste século demonstrando que se tem vivido em uma era na qual as mudanças em ritmo acelerado integram o cotidiano de quase todos os setores da vida organizacional. A velocidade e a profundidade com que as mudanças vêm ocorrendo constituem um desafio a todos. São mudanças não só nos panoramas econômico, social e político, mas um inter-relacionamento de acontecimentos que têm conduzido a profundas transformações, sobretudo organizacionais. Senge (1990) salienta que o nível de complexidade do atual ambiente não tem precedente. Pela primeira vez na história, tem-se a capacidade de criar muito mais informação do que se pode absorver, de gerar muito mais interdependência do que se pode administrar e de acelerar as mudanças com muito mais rapidez do que se pode acompanhar, o que tem profundas implicações na vida dos profissionais e das empresas. 2.2 Ambiente organizacional O cenário atual, de crescentes mudanças econômicas, políticas e sociais, tem provocado a necessidade de rever configurações organizacionais de maneira a adequá-las ao atual ambiente turbulento e mutável. A organização do tipo burocrática já não responde adequadamente aos novos valores que vem sendo progressivamente instituídos ao longo dos anos. É preciso que uma nova configuração organizacional seja gradativamente desenhada, considerando essa nova realidade que se esboça. A necessidade de introduzir a noção de mudança e inovação nas organizações não pode ser apenas um modismo; ela é, sim, uma questão de sobrevivência e possibilidade de sucesso. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 9 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto As organizações, por fazerem parte, de alguma maneira, da vida dos homens, precisam permitir o aprendizado crítico, consciente e criativo, utilizando novas estratégias de mudança sob uma nova base de valores. Dessa forma, parece claro que é preciso encontrar formas de se chegar a organizações capazes de aprender, por meio de um processo que inclua pensamento crítico e ação. Assim, terão condições de responder com maior rapidez às exigências que hoje são colocadas e, ainda, conseguirão antecipar-se, prevendo as possíveis alterações que possam ocorrer no futuro. Assim, a passagem de um ambiente estável para um turbulento, como se vivência neste país, envolve mudanças estratégicas, que são dramáticas pela como que alteram normas, estruturas, processos e metas, além de envolveram profundas alterações na construção da realidade social. Tal visão sugere que a mudança organizacional deverá envolver uma reorientação cognitiva da organização, refletindo descontinuidades de percepções, estruturas e contexto que ocorrem através de alterações nas interações de processos deliberados e emergentes (Mintzberg e Waters, 1985). Os elementos do ambiente geral afetam todas as organizações através de fatores que podem ser classificados em tecnológicos, econômicos, políticos e sociais (Fahey e Narayanan apud Stoner e Freeman, 1995). Muitos autores referem-se ao ambiente geral como macroambiente, incluindo, além dos elementos citados, os de natureza cultural, demográfica, legal e ecológica. Na análise do ambiente, entretanto, há tentativas em procurar distinguir os elementos que são diretamente relevantes para a organização daqueles que a influenciam indiretamente. Os primeiros, explicitamente relevantes, são conhecidos como fazendo parte do ambiente específico da organização (Miles, 1980) ou ambiente direto (Stoner e Freeman, 1995). Os últimos, potencialmente relevantes, são comumente denominados de ambiente geral (Miles, 1980) ou indireto (Stoner e Freeman, 1995). 2.3 Estratégia organizacional A partir da década de 1920, empresas como Du Pont e General Motors ofereceram um novo conceito de organização, quando trataram questões estratégicas dissociadas de questões administrativas e operacionais. Mesmo assim, somente no final da década de 1940 é que foi dado início ao tratamento do conceito de estratégia pela literatura. A discussão sobre estratégia possui várias contribuições de numerosos autores, com diferentes visões. Steiner citado por Gaj (1986; 1990), por exemplo, contribui com a discussão em curso apresentando quatro aspectos importantes, que se referem: a) à futuridade das decisões correntes - aqui estratégia é vista como sendo a identificação das ameaças e oportunidades que se acham no futuro para a organização e que, combinadas com outras informações importantes para ela, permitem que a organização tome melhores decisões no presente a fim de desenhar o futuro desejado; b) processo - nesse caso, a estratégia é vista como um processo contínuo de formulação estratégica, uma vez que os negócios e o ambiente encontram-se num processo de rápidas e contínuas mudanças; c) filosofia - quando a estratégia é, antes de tudo, um processo de pensar e um exercício intelectual; d) estrutura - a estratégia é concebida como uma estrutura para tentar evitar esforços desestruturados e descontínuos em direções diferentes àquelas que deveriam ser a correta. De acordo com Mintzberg (1992), pode-se entender a estratégia organizacional a partir de um processo composto de cinco passos: 1) localizar a competência principal - significa localizar o negócio principal da empresa dentro de sua cadeia produtiva; 2) distinguir a competência principal - o objetivo é distinguir a característica - postura da organização para obter vantagem competitiva, para o que se podem utilizar a cadeia de valor e as três Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 10 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto estratégicas de Porter (1992); 3) ampliar a competência principal - já com a competência definida e com uma postura competitiva - diferenciação ou escopo - adotada, o próximo passo é determinar as estratégias - de penetração, desenvolvimento de mercado, expansão geográfica e desenvolvimento de produtos - para ampliar a competência principal; 4) estender a competência principal - pode se dar através da integração vertical a montante e a jusante na cadeia produtiva; integração horizontal através da diversificação; 5) reconceituar a competência principal - quando há a necessidade não apenas de consolidar o negócio, mas reconceitualizá-lo e redefini-lo através de uma racionalização. A estratégia organizacional pode ser também identificada com base em quatro níveis estratégicos distintos: 1) estratégia corporativa; 2) estratégia de negócios; 3) estratégias funcionais; e 4) estratégias operacionais. 2.4 Adaptação estratégica Tushman e Romanelli (1985) entendem por adaptação organizacional um período de mudanças graduais, incrementais e continuadas em resposta às condições ambientais. Para Cunha (1996), a adaptação organizacional pode ser entendida como sendo um processo de ajuste recíproco entre a organização e o seu ambiente. A reciprocidade do processo pressupõe que tanto a organização quanto o ambiente se modificam: a organização, na tentativa de atender às exigências do ambiente no qual se encontra inserida, e o ambiente, à medida em é moldado pela organização quando esta busca o atendimento das suas necessidades (Lawrence e Dyer, 1981). A partir dos estudos de Pettigrew (1987) e Mintzberg (1979), dentre outros, pode-se considerar que a adaptação organizacional envolve vários níveis não só da organização, mas também do ambiente, sendo influenciada tanto por coalizões internas quanto por coalizões externas (Mintzberg, 1973). A abordagem contingencialista é representada principalmente pelas pesquisas de Burns e Stalker (1961), Lawrence e Lorsch (1968) e Woodward (1965). O estudo dos primeiros autores procurou demonstrar como a estrutura das empresas por elas estudadas foi continuamente adaptada e ajustadas à estratégia mercadológica. Burns e Stalker (1961) verificaram a relação existente entre as práticas administrativas e o ambiente externo das indústrias. Na tentativa de preencher a lacuna deixada pela Teoria da Contingência, aparecem na Teoria Organizacional duas perspectivas que têm conduzido o debate acerca do processo de adaptação estratégica das organizações: a primeira delas é a visão determinista, que interpreta o ambiente como o grande determinante do sucesso e da sobrevivência organizacional, retirando da organização a capacidade de escolha de estratégias; no outro extremo, encontra-se a visão voluntarista, que atribui aos atores organizacionais a capacidade de escolha e criação de condições para a mudança (Acuña e Fernandez, 1995). Com relação a essa discussão, cabe mencionar que muitos autores expressam que não se podem interpretar os termos voluntarismo/determinismo de forma dicotômica. Na realidade, tanto organizações quanto ambientes exercem pressões para a mudança, o que nos leva a interpretar tais conceitos na forma de um continuum. Assim, pode-se encontrar dentro de um contínuum interpretações mais ou menos voluntaristas (ou deterministas). 2.5 Mudança estratégica Muito pouco se sabe a respeito das mudanças estratégicas dentro das organizações, havendo um grande distanciamento entre as discussões teóricas e o comportamento real das Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 11 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto organizações. Segundo Pettigrew (1987), o processo de mudança refere-se às ações, reações e interações entre as várias partes integrantes da organização, levando-a de um estado presente para um estado futuro. Atribuir esse conceito de processo no estudo da mudança estratégica é, para o autor, de fundamental importância. Para ele, o nível de análise não pode ser o evento arbitrário da decisão, abstraído de uma série de outras decisões e ações das quais aquele evento faz parte. Se assim fosse, haveria forte limitação empírica e analítica ao estudo. Nesse sentido, o objeto de análise deve ser o processo contínuo que se desenvolve em determinado contexto, de forma que o estudo da estratégia deve ter um vocabulário mais ligado à mudança do que à escolha. A importância da análise histórica é enfatizada por diversos autores. Salama (1992), por exemplo, destaca a importância da análise da biografia organizacional no entendimento dos processos de mudança. Kieser (1994) salienta que a estrutura e o comportamento organizacional refletem o desenvolvimento histórico de uma cultura específica. Assim, a cultura das organizações e suas diferenças somente podem ser explicadas através de uma análise histórica. Além da questão temporal, Giddens (1989) salienta a necessidade de se considerar a constituição espacial da vida social, ou seja, a mudança organizacional não ocorre num vácuo, mas em um contexto específico. Segundo o autor, a explicação dos fenômenos em ciências sociais possui, sobretudo, uma natureza contextual. Assim, ao estudar o processo de adaptação organizacional, torna-se necessário o entendimento da influência dos fatores externos e internos à organização, ou seja, o seu contexto. O contexto, segundo Pettigrew e Whipp (1991), pode ser dividido em externo e interno. O contexto externo refere-se ao meio social, político, econômico e competitivo no qual a organização opera. Já o contexto interno relaciona-se com a estrutura, a cultura corporativa e o contexto político dentro da própria organização, através do qual surgem as idéias para a mudança. Neste estudo, o conteúdo engloba os aspectos organizacionais que foram modificados durante um período de mudanças graduais, incrementais e continuadas (Jennings e Seaman, 1994) no processo de adaptação organizacional. A mudança em tais aspectos corresponde a uma resposta da coalizão dominante, operacionalizada por meio das estratégias utilizadas para lidar com o ambiente percebido ou subjetivo. Assim, a dimensão do conteúdo das mudanças, segundo Topping citado por Rossetto (1998), podem ser: a) mudança estratégica em nível corporativo, quando envolve um realinhamento do domínio produto/mercado da organização (Ansoff, 1977); b) mudança estratégica em nível de negócio, quando há uma modificação das decisões competitivas dentro do domínio específico produto/mercado (Bourgeois, 1980) e c) mudança estratégica em nível cooperativo, quando envolve uma variação no grau de cooperação entre uma organização e outras organizações no ambiente (Nielsen, 1988). 3. METODOLOGIA Resumidamente, esta pesquisa parte de uma metodologia qualitativa do tipo hermenêutica e procura analisar a mudança organizacional tratando o processo como uma seqüência de eventos que descreve como as estratégias mudam no tempo. Adota-se, também, uma teoria teleológica, pela qual os objetivos do processo são definidos “interativamente pelos atores, muitas vezes de forma conflituosa e subjetiva” (Van de Ven, 1992; Cunha, 1996, p.18). Com vistas à solução do problema de pesquisa proposto e ao alcance dos objetivos Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 12 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto formulados no capítulo primeiro deste trabalho, formulou-se a seguinte pergunta de pesquisa: “Como se deu a adaptação estratégica organizacional na empresa Giacomini Engenharia e Construções, entre 1980 e 1999, em termos de processo, contexto e conteúdo, a partir da percepção da coalizão dominante?” A questão principal, oriunda do desmembramento do problema de pesquisa proposto, segue a sugestão de Pettigrew (1987), que reafirma a necessidade de se estudar o processo, o contexto e o conteúdo das mudanças estratégicas. Com a presente pesquisa, propõe-se estudar a mudança organizacional por meio da análise contextualista proposta por Pettigrew (1987), o que se justifica por concordar-se com os autores, que consideram essencial o estudo da mudança considerando o envolvimento entre contexto, processo e conteúdo. Essa proposta considera, ainda, que o entendimento da dinâmica de certos eventos históricos relevantes no passado da organização servem de fundamento ao entendimento do processo de mudança corrente. Para o entendimento do processo histórico e social, utilizaram-se os conceitos de campo organizacional composto por dimensões institucionais e técnico-econômicas, conforme Rossetto (1998). As primeiras são caracterizadas pela elaboração de normas e regras que pressionam a organização a se conformarem a elas se desejam obter legitimidade do ambiente, incluindo atores como o governo, as organizações comunitárias, as organizações trabalhistas, dentre outros; as segundas relacionam-se à troca de produtos ou serviços produzidos por uma organização no mercado, o que traz recompensas para as organizações que administram de forma eficiente e eficaz o seu processo de trabalho. Inicialmente, trabalhou-se com materiais informativos já disponíveis em trabalhos anteriores, tais como dissertações e teses, e com documentos organizacionais, revistas especializadas e informações obtidas junto a organismos governamentais e Sinduscon. O exame do material disponível serviu como base para os passos seguintes a serem desenvolvidos e para a montagem do contexto e da história de vida da organização a ser estudada, caracterizando o ambiente objetivo em que essa se desenvolveu. Após o exame desse material, partiu-se para as entrevistas a fim de se obter dados sobre o ambiente subjetivo da organização por meio da análise da percepção da coalizão dominante. As entrevistas foram a principal fonte de informações do estudo seguindo a orientação de Yin (1984). A princípio, não foi possível precisar o número de entrevistas a serem realizadas, tampouco o tempo de duração necessário para essas; o que se pôde antecipar é que as entrevistas seriam gravadas e muito pouco estruturadas, respeitando a característica das entrevistas qualitativas, as quais dão liberdade ao informante de relatar os dados que, para ele, são os mais relevantes e, ao mesmo tempo, favorecem ao pesquisador a captação do fenômeno de acordo com a interpretação dos entrevistados. 4. CAMPO ORGANIZACIONAL DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL Primeiramente, para a construção do campo organizacional da indústria da construção civil - ICC, descrevem-se os principais acontecimentos ocorridos no período de 1974 até 1999, referentes a essa indústria do setor de edificações. Também, apresentam-se as particularidades do ambiente em Passo Fundo/RS. 4.1 O ambiente objetivo do campo organizacional da ICC nacional No primeiro período (1974-1979), o excesso de liquidez internacional permite um Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 13 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto ingresso maciço de recursos externos, dinamizando a indústria brasileira. A ICC tem notável crescimento. O SFH passa por um desmonte financeiro, ocasionado pelo mal uso dos recursos oriundos do FGTS e do SBPE. No final da década de 1970 o mercado sofre retração devido a defasagem entre aumentos de salários e dos preços dos imóveis O segundo período (1980-1985), foi caracterizado pelo alto endividamento externo e a explosão inflacionária. Suspensão à concessão de financiamentos a longo prazo. Com o arrocho salarial implantado pelo regime militar, as prestações do SFH são cada vez mais onerosas para os mutuários, aumentando a inadimplência. Para amenizar, o governo flexibiliza a utilização do FGTS e implementa o Plano Inquilino, que amenizam a crise no setor da construção civil. As construtoras e incorporadoras reprogramam seus cronogramas para manter-se no mercado, cada vez mais hostil. No terceiro período (1986-1991), a implantação do Plano de Equivalência Salarial – PES. A classe de alta renda garante o desempenho positivo do setor. Inicia-se embora timidamente, o sistema de autofinanciamento. Euforia com o Plano Cruzado, congelamento de preços e salários. O ágio e a falta de gerenciamento do Plano Cruzado geram problemas econômicos. O Plano Cruzado aumenta as vendas de imóveis, mas traz o ágio. A inadimplência atrasa a entrega de empreendimentos. O mercado financeiro é direcionado para ativos financeiros. A perspectiva de hiperinflação faz os investidores buscarem refúgio em ativos reais, tornando os imóveis um negócio atraente, diminuindo os estoques dos mesmos. No quarto período (1992-1996) o novo presidente visando combater a hiperinflação institui o Plano Color. Em decorrência do plano, o setor da ICC-SE e outros setores da economia sofrem, com a crise de liquidez. O setor busca, em parceria com fornecedores e clientes, a possibilidade de pagamentos através de trocas. Diminui o volume de recursos do FGTS e há o posterior esgotamento. O setor tem uma drástica redução na capacidade produtiva. A CEF suspende financiamentos e ocorre uma queda na liquidez do SBPE. Surgem novas estratégias de marketing, como os Plano 100. Em 1993, o governo regulamenta o SFH e cria a URV. A ICC busca racionalizar e inovar para aumentar a produtividade No quinto período (1997-1999), o cenário para a ICC-SE fica claro, com o autofinanciamento, a redefinição de produtos e mercados e novos padrões de qualidade e produtividade e a adoção de inovações tecnológicas. A ICC apresenta pequeno crescimento em 1998 em nível de emprego no setor. As pequenas construtoras direcionam seus esforços para um novo mercado (pequenas obras e reformas). Surge o seguro imobiliário para dar ao mercado uma maior confiabilidade, abalada pelo caso Encol, possibilitando, o aumento no sistema de venda antecipada (venda na planta). O governo lança o sistema de arrendamento residencial – PAR, que visa atender e fomentar o setor imobiliário e conta com financiamento da CEF. 4.2 O ambiente objetivo do campo organizacional da ICC passo-fundense Passo Fundo, até 1980 era uma pequena cidade onde a dinâmica dos loteamentos estava fora do controle do setor público. O plano diretor em vigor era o de 1957. O processo estatalista nacional reflete-se em Passo Fundo, começando pela ferrovia F-491. Na década de 1980, Passo Fundo vive um momento de euforia no desenvolvimento urbano, a classe média, formada por profissionais liberais, empresários, funcionários públicos e bancários deram sustentação ao setor da construção civil, que é emergente e inicia com a chegada de construtoras e incorporadoras à cidade. O governo municipal investe em obras de infra-estrutura básica e normatiza a utilização do solo com o Plano Diretor de 13/12/84. No final desta década, como conseqüência do novo Plano Diretor, a cidade de Passo Fundo inicia um processo de urbanização intenso. A municipalidade dá ênfase à Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 14 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto reorganização viária da cidade, abrindo as denominadas perimetrais e radiais, interligando bairros até então isolados, investindo em equipamentos urbanos como calçamento e asfalto. No ICC-SE, o Sinduscon, recém-criado, reúne as principais incorporadoras e construtoras de Passo Fundo, que, em conjunto, passam a planejar o setor e divulgar CUB – Passo Fundo, índice que passa a ser moeda contratual. No final da década, como resultado do Plano Cruzado II, o mercado passo-fundense segue o nacional e passa a investir em ativos reais. No início da década de 1990, em decorrência do enxugamento do mercado pelo Plano Color, houve uma diminuição na contratação de obras e diminuição de liquidez do mercado. As empresas da ICC-SE de Passo Fundo diminuem o ritmo de suas obras, principalmente as do sistema de incorporação, por escassez dos recursos das mesmas e dos condôminos. Algumas empresas de Passo Fundo buscam o mercado das praias (Itapema e Balneário Camboriú) bem como na capital do RS. Em 1993, verifica-se uma diversificação nos esquemas de financiamento das construções, com financiamento direto, que consiste em pequena entrada e saldo em 48, 60, 90 e até 100 meses, atualizado pelo CUB. Na Segunda metade da década de 1990, o município de Passo Fundo aprova o código de Obras e Edificações, que entra em vigor em jan/97. Poucas incorporadoras utilizam o novo sistema de financiamento da CEF diretamente com o mutuário. Em 1998, em decorrência da economia nacional, Passo Fundo tem sensível redução no setor de construções. Surge um novo mercado para pequenas construtoras, qual seja, pequenas obras e reformas de residências, pelo qual a CEF financia um tipo de “cesta básica” de material de construção em convênio com lojas de material de construção. Passo Fundo apresenta uma diminuição no índice de verticalização. Algumas construtoras e incorporadoras optam por diminuir o ritmo das obras motivadas pelo grande estoque. 5. O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO ESTRATÉGICA GIACOMINI ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA. DA EMPRESA Inicialmente, apresenta-se a estrutura da empresa Giacomini Engenharia e Construções Ltda., com os períodos estratégicos determinados e os respectivos eventos críticos que os caracterizam, seguida da reconstituição histórica da organização; enfatizam-se as mudanças ocorridas, ao mesmo tempo em que se faz a análise teórica de cada período do processo de adaptação estratégica. 5.1 Caracterização da empresa A estrutura organizacional da empresa Giacomini Engenharia e Construções Ltda., variou minimamente desde a sua fundação, caracterizando-se como uma organização enxuta, com a grande maioria dos recursos humanos em caráter permanente e com muita qualificação, os quais dominam as novas técnicas de construção empregadas pela empresa, possibilitandolhe a competitividade no mercado. 5.2 Períodos do processo da mudança e adaptação estratégica Durante o período que compõe este estudo longitudinal (1980 a 1999), a empresa Giacomini Engenharia e Construções Ltda., adaptou-se ao campo organizacional adotando diversas estratégias. Para explicar esse processo de mudança e adaptação, destacam-se os eventos críticos que mais influenciaram nas mudanças estratégicas adotadas pela organização agrupando-os em períodos estratégicos. Esses eventos críticos foram identificados utilizandose os critérios propostos por Cunha (1996), quais sejam: ênfase e tempo dedicado ao tema Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 15 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto pelos entrevistados, sua percepção das conseqüências futuras dos eventos e da sua importância no processo de adaptação estratégica. Os eventos críticos foram agrupados em períodos estratégicos no processo de mudança, dos quais se fez uma análise teórica, relacionando os fatos com a revisão bibliográfica e com a descrição do ambiente de inserção da ICC-SE. Os períodos estratégicos da organização caracterizaram o conjunto de decisões tomadas pela empresa que estabeleceram um padrão de comportamento estratégico. No estudo longitudinal (1980-1999), foram identificados quatro períodos estratégicos, os quais foram precedidos de outro período compreendido entre 1974 a 1999 (Tabela 1), os quais são aqui descritos e analisados com base na teoria revisada. Tabela 1 - Períodos estratégicos (1974-1999) Descrição 1. Criação da Giacomini 2. Aprendizagem organizacional em edifícios residencial e comercial 3. Desenvolvimento de mercado 4. Consolidação no setor de edificações 5. Redirecionamento estratégico planejado Fonte: Dados primários (2000). 5.2.1 Período 1974-1979 1980-1985 1986-1991 1992-1996 1997-1999 Período estratégico 1: Criação da Giacomini (1974-1979) No período estratégico 1, Criação da Giacomini, compreendido de 1974 a 1979, foram identificados três eventos críticos que influenciaram na tomada de decisão no curso do processo de adaptação, que são: criação da Giacomini (1974), construção de pequenas residências (1974) e ênfase em obras públicas (1976). Nesse período, a empresa foi influenciada por vários fatores: a construção de pequenas residências, a experiência dos sócios em obras públicas e o grande volume disponível de recursos governamentais para infraestrutra rodoviária. Em 1974, com a criação da Giacomini, foi adotada uma estratégia de configuração, denominada de gestalt strategy (Mintzberg, 1978). Essa estratégia tem como característica de ação colocar a empresa em um nicho de mercado, desenvolvendo atividades no ramo de obras públicas, conhecimento que os sócios já desenvolviam como funcionários do Daer . Ainda, adotou uma estratégia de negócio (Bourgeois, 1980), com a qual procurou dominar a técnica de construção, iniciando-se em pequenas residências, enquanto aguardava condições técnicas para entrar no ramo de construção de obras públicas, que era o negócio do momento, em virtude da grande quantidade de recursos disponíveis (recursos externos). Em 1976, satisfeita a exigência técnica, ela passou a direcionar seu negócio quase que exclusivamente a obras públicas, prestando serviços para o Daer e para a Cintea. Com essa atitude, a empresa passa por uma mudança estratégica corporativa denominada de diversificação concêntrica (Ansoff, 1977), iniciando na atividade de obras públicas, core business da organização. 5.2.2 Período estratégico 2: Aprendizagem organizacional em edifícios residencial e comercial (1980-1985) No período estratégico 2, Aprendizagem organizacional em edifícios residencial e comercial, compreendido de 1980 a 1985, foram identificados dois eventos críticos que influenciaram na tomada de decisão no curso do processo de adaptação, que são: início na construção de edifício residencial (1980) e início na construção de edifício comercial (1982). 16 Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto Esse período foi influenciado pelos seguintes fatores: as dificuldades no setor de obras públicas e a experiência adquirida em pequenas edificações realizadas em Soledade/RS. Com o início da construção de edifícios residencial e comercial, embora pequenos, a empresa adotou uma estratégia corporativa de diversificação (Ansoff, 1977), mantendo ainda o seu core business (obras públicas), a qual representava 80% do faturamento. 5.2.3 Período estratégico 3: Desenvolvimento de mercado (1986-1991) No período estratégico 3, Desenvolvimento de mercado, compreendido de 1986 a 1991, foram identificados cinco eventos críticos que influenciaram na tomada de decisão no curso do processo de adaptação, que são: aliança estratégica (1986), início no regime de incorporação (1986), redifinição do mix de produto (1988) e a busca de novo mercado (1991). Nesse período, a empresa foi influenciada por vários fatores: as dificuldades no setor de obras públicas, o estilo empreendedor do líder, a experiência adquirida em pequenas edificações realizadas em Soledade e a convicção de existência de um mercado promissor em Passo Fundo. Com a indefinição econômico-financeira implantada no país, que vivia sob os efeitos dos Planos Cruzados I e II, quando o ágio tomava conta do mercado da ICC-SE, pois os recursos eram todos direcionados para o mercado de ativos financeiros, escasseando, por conseqüência, os financiamentos, a prática do autofinanciamento passou a ser uma saída do mercado para atender às necessidades dos clientes. Ainda, o período de aprendizagem em edificações residenciais e comerciais foi caracterizado por mudança que alterou radicalmente as ações da empresa, a qual segundo Tushman e Romanelli (1985) e Ginsberg e Grant (1985), é denominada de “revolucionária”, pois, além de afetar a estratégia, afetou também os processos, levando a que a empresa mudasse por completo. Com a crise no setor de obras públicas, ocasionada pela falta de recursos por parte dos governos e o fim do ciclo do chamado milagre brasileiro, aliado aos constantes atrasos no recebimento por serviços prestados para a Cintea e para o governo do estado do Rio Grande do Sul, a empresa viu-se forçada a redirecionar seu negócio, partindo quase que exclusivamente para a construção de edificações. Com essa decisão, estava resolvendo seu entrepreneurial problem, que, segundo Miles e Snow (1978), consiste na determinação do domínio mercado/produto. Neste período, a empresa começou a construir um conjunto de lojas e salas comerciais, implantando em Passo Fundo um sistema de comercialização de venda a médio prazo (24 vezes) a preço fixo, em parceria com a Imobiliária Luiz, de Luiz Pagnunsat. Adotou, assim, segundo Nielsen (1988), uma estratégia de negócio cooperativa ou aliança estratégica (Lewis, 1992). A empresa, ainda, adotou, segundo Bourgeois (1980), uma estratégia em nível de negócio, qual seja, o autofinanciamento. Essa nova forma de comercialização teve um grande sucesso, pois, até então, a comercialização direta era realizada em, no máximo, noventa dias. Nesse período, a empresa adotou um comportamento prospector, de inovação e de liderança. A partir daí, outras empresas começaram a copiar a forma de trabalho da Giacomini, gerando, segundo DiMaggio e Powwel (1983), um processo de isomorfismo institucional mimético generalizado no setor. A mudança deu lugar a um novo core business: construção de edifícios comerciais e residenciais, financiados com recursos próprios e com recursos oriundos do Sistema Financeiro da habitação, gerando uma expansão do negócio, pela entrada no ramo de construção de edifícios residenciais e comerciais, deixando de lado o anterior (obras públicas), do qual foram mantidos apenas serviços de consultoria e planejamento em nível nacional. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 17 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto Com a mudança concretizada, a empresa passou por um período de mudanças incrementais ou adaptativas, havendo o incremento da estratégia corporativa - diversificação (Ansoff, 1977) e da estratégia de negócio, incorporação (Bourgeois, 1980). A empresa, então, para prevenir-se de possíveis mudanças do mercado, valeu-se, segundo Mintzberg (1987), de estratégicas deliberadas, procurando diversificar o tipo de imóveis que produzia, com um mix de produtos que pudessem satisfazer as necessidades dos clientes, encaixando-se no orçamento desses. Com esse procedimento, a empresa adotou, segundo Ansoff (1977), uma estratégia de nível corporativo de diversificação. Quando passou a atuar no mercado imobiliário em Camboriú/SC, a empresa adotou uma estratégia corporativa de desenvolvimento de mercado (Ansoff, 1977). 5.2.4 Período estratégico 4: Consolidação no setor de edificações (1992-1996) No período estratégico 4, Consolidação no setor de edificações, compreendido de 1992 a 1996, foram identificados dois eventos críticos que influenciaram na tomada de decisão no curso do processo de adaptação, que são: construção de obra educacional (1992) e início de edificação de complexo hoteleiro próprio (1994). Neste período, a empresa, como as demais, foi influenciada por vários fatores: o Plano Collor de combate a hiperinflação, a falta de liquidez do mercado decorrente do enxugamento financeiro e da diminuição dos financiamentos pelo SFH. A indústria da construção civil no país, para continuar trabalhando buscou alternativas de marketing, os denominados Planos 100, e autofinanciamentos a longo prazo, utilizando como moeda contratual o CUB, pois tinha os aumentos nos custos repassados pelo índice de reajuste das parcelas. Nesse período, surgiu a possibilidade de construção por licitação do Núcleo do Senac de Passo Fundo, da qual a empresa foi a vencedora adotando uma estratégia corporativa de desenvolvimento de mercado (Ansoff, 1977). Ainda, em razão da desvalorização da moeda nacional e da existência de um grande mercado de imóveis nas praias, principalmente nas de Santa Catarina, decorrente da quantidade de turistas argentinos que queriam investir nesse mercado no Brasil, uma expectativa de demanda influenciou na decisão de inúmeras empresas, que direcionarem seus negócios para esse novo veio. A empresa participou desse processo, numa estratégica denominada por Ansoff (1977) de “corporativa”, com a qual procurou um desenvolvimento de mercado. Tendo uma visão de negócio rentável na construção em praias catarinenses, a Giacomini lançou o complexo denominado Costa Sul, projeto que, além da construção de unidades residenciais e comerciais, previa um complexo hoteleiro e turístico a ser explorado pela própria incorporadora, caracterizando uma estratégica corporativa de diversificação concêntrica (Ansoff, 1977). 5.2.5 Período estratégico 5: Redirecionamento estratégico planejado (1997-1999) No período estratégico 5, Redirecionamento Estratégico Planejado, compreendido de 1997 a 19991, foram identificados cinco eventos críticos que influenciaram na tomada de decisão no curso do processo de adaptação, que são: construções por consórcio (1997), inovações tecnológicas (1997), transferência de empreendimentos em construção (‘1999), retorno a edificação educacional (1999) e lançamento de complexo imobiliário (1999). A empresa, nesse período, foi influenciada por vários fatores: a exigência de novos padrões de qualidade, de adoção de inovações tecnológica e nova forma de financiamento por parte da Caixa Econômica Federal. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 18 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto Esse período de reestruturação estratégica foi caracterizado por mudanças graduais, incrementais e contínuas (Jennings e Seaman, 1994), em que a empresa procurou, de forma planejada, resolver seu negócio. Assim, partiu para a construção na forma de consórcio, adotando estratégia de negócio (Bourgeois, 1980) e a estratégia de cooperação (Nielsen, 1988). O período foi caracterizado também pela necessidade de a empresa redirecionar-se, o que fez de forma planejada. O mercado passou a exigir produtos de qualidade a preços mais acessíveis; por isso, a empresa buscou na evolução tecnológica novos sistemas de produção, bem como novos equipamentos, que possibilitassem a diminuição de custos, racionalidade na utilização de insumos e melhoria na qualidade dos produtos, utilizando, assim, uma estratégia de negócio (Bourgeios, 1980). Como estratégia corporativa (Ansoff, 1977), a empresa abandonou parcialmente o mercado de Balneário Camboriú, alienando no estágio em que se encontravam dois de seus empreendimentos e transferindo a responsabilidade com clientes e fornecedores para as novas incorporadoras. Fez essa transferência em forma de permuta por imóveis já acabados. Ainda, participou de licitação para a construção da segunda fase do campus de Carazinho da Universidade de Passo Fundo, adotando, assim, uma estratégica corporativa de desenvolvimento de mercado (Ansoff, 1977) e com a aplicação de novas técnicas de construção uma estratégia de negócio (Bourgeios, 1980). Com o lançamento do complexo imobiliário denominado de Metropolitan Towers passa a adotar uma estratégia corporativa de penetração de mercado (Ansoff, 1977) e de negócio (Bourgeois, 1980), quando aplica novas técnicas de construção no empreendimento. 5.3 O processo de adaptação estratégica No processo de adaptação estratégica organizacional da Giacomini Engenharia e Construções Ltda., ficou evidente o modelo de Thusman e Romanelli (1985), no qual as novas estratégias emergiram continuamente, ocorrendo de forma revolucionária durante curto período de divergência, seguido de mudanças graduais, incrementais e contínuas (Jennings e Seaman, 1994), em longos períodos de convergência. A mudança revolucionária ocorreu em 1986, em virtude da crise no recebimento de faturas da Cintea e do governo do estado do Rio Grande do Sul. A partir dessa situação, as mudanças estratégicas foram incrementais. A crise no setor público, no início da década de 1980, foi fator relevante do ambiente objetivo para que a empresa mudasse de forma revolucionária. Esse processo foi seguido por longos períodos de mudança incremental ou de adaptação, chamados por Thusman e Romanelli (1985) de períodos de fomento. As mudanças estratégicas incrementais ocorreram em três níveis: corporativa, de negócio e cooperativa ou de aliança estratégica. As mudanças corporativas consistem no desenvolvimento, ampliação e diversificação do mercado; a de negócio, em autofinanciamento, consórcio e licitação, e a cooperativa, em adoção do sistema de aliança estratégica. A estratégia de nicho foi predominante em toda a história da empresa, pois garantia clientes e recursos para o desenvolvimento de suas atividades. Sempre que era percebida a escassez desses, a busca pelo desenvolvimento, ampliação e diversificação de mercado aumentava. A adaptação estratégica foi um processo two-way, no qual a organização, em determinados momentos, influenciou o ambiente e, em outros, foi por ele influenciada (Zucker, 1987) e cujo processo de adaptação estratégica pode ser explicado tanto pelo Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 19 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto determinismo quanto pelo voluntarismo ambiental. A dependência dos recursos advindos das instituições financiadoras fez com que as estratégias fossem de manutenção do negócio essencial (core business) a partir da mudança revolucionária. No ambiente institucional o isomorfismo mimético foi fator importante para explicar a formulação de algumas estratégias, ou seja, por que alguns modelos estratégicos do setor são adotados por outras empresas. 6. CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa teve como principal objetivo estudar as mudanças estratégicas ocorridas em uma organização da indústria da construção civil, através de um estudo de caso. O estudo de caso teve como “pano de fundo” a estratégia de pesquisa contextualista sugerida por Pettigrew (1987), segundo a qual a mudança estratégica das organizações deve ser entendida como um processo político, cultural e educacional; por isso, deve ser estudada a partir de três dimensões: o processo, ou “como” mudou; o contexto, ou “por que” mudou, e o conteúdo, ou “o quê” mudou. Nesse sentido, as mudanças foram estudadas com base na percepção da coalizão dominante (Child, 1997), isto é, no modo como a empresa reagia em função das percepções dos seus executivos quanto ao ambiente objetivo da organização. Realizou-se uma análise dos ambientes objetivo da ICC-SE nacional e passo-fundense, mostrando os principais acontecimentos e suas características ao longo do tempo (1980-1999); procurou-se identificar o ambiente subjetivo, construído a partir das percepções da coalizão dominante, e o ambiente objetivo. Dessa maneira, estudou-se a dimensão do contexto. Buscou-se, ainda, resgatar a história da empresa, enfatizando as principais respostas estratégicas dadas por ela desde 1980, estabelecendo-se correlações entre esses ambientes (Child e Smith, 1987) e resgatando, assim, a dimensão do processo e conteúdo. Foram identificados cinco períodos estratégicos no processo de adaptação, os quais foram analisados teoricamente, buscando-se explicar as mudanças nas estratégias da empresa. Na análise teórica, procurou-se explicar mudanças com base na referência teórica proposta. O primeiro período, Criação da Giacomini, foi caracterizado por uma estratégia de configuração, denominada de gestalt strategy (Mintzberg, 1978) seguida de mudanças incrementais. A empresa adotou uma estratégia de negócio – domínio da técnica de construção (Bourgeois, 1980) e uma mudança estratégica corporativa denominada de diversificação concêntrica (Ansoff, 1977). Iniciando na atividade de obras públicas, define o seu core business. O segundo período, Aprendizagem organizacional em edifícios residencial e comercial, foi caracterizado por mudanças incrementais onde a empresa adotou estratégias corporativas de diversificação (Ansoff, 1977), mantendo o seu core business (obras públicas). O terceiro período, Desenvolvimento de mercado, foi caracterizado por mudanças que alteraram radicalmente as ações da empresa, a qual, segundo Tushman e Romanelli (1985) e Ginsberg e Grant (1985), é denominada de “revolucionária”, pois, além de afetar a estratégia, afetou também os processos, levando a que a empresa mudasse por completo, resolvendo seu entrepreneurial problem. Esse, segundo Miles e Snow (1978), consiste na determinação do domínio mercado/produto, cuja mudança deu lugar a um novo core business, gerando uma expansão do negócio, pela entrada no ramo de construção de edifícios residenciais e comerciais. Com a mudança concretizada, a empresa passou por um período de mudanças incrementais ou adaptativas, onde adotou uma estratégia de negócio cooperativa (Nielsen, 1988) ou aliança estratégica (Lewis, 1992). Ela, adotou, ainda uma estratégia em nível de negócio (Bourgeois, 1980), qual seja, o autofinanciamento, gerando segundo DiMaggio e Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 8-23, abr./mai./jun. 2003 20 Edson Antônio Salvador - Carlos Ricardo Rossetto Powwel (1983), um processo de isomorfismo institucional mimético generalizado no setor. Ainda, com o regime de incorporação, adotou estratégia corporativa - diversificação (Ansoff, 1977) e da estratégia de negócio, incorporação (Bourgeois, 1980), seguida de uma estratégia corporativa de desenvolvimento de mercado (Ansoff, 1977), quando passa a atuar em Camboriú. No quarto período, Consolidação do mercado, a empresa adotou uma estratégica denominada por Ansoff (1977) de “corporativa”, com a qual procurou uma ampliação de mercado, seguida por mudanças estratégica corporativa de diversificação de mercado e diversificação concêntrica (Ansoff, 1977). O quinto período, Redirecionamento estratégico planejado, foi caracterizado por mudanças de redirecionamento estratégica, denominadas de mudanças graduais, incrementais e contínuas (Jennings e Seaman, 1994), quando, de forma planejada, procurou resolver seu negócio. Para isso, adotou estratégias de negócio – produção por consórcio e inovações tecnológicas (Bourgeois, 1980) e estratégias corporativas de desenvolvimento de mercado (Ansoff, 1977), com a alienação de empreendimentos, construção no ramo educacional e estratégias corporativas (Ansoff, 1977) e de negócio (Bourgeois, 1980) no lançamento do complexo imobiliário. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ACUÑA, E., FERNÁNDEZ, F. Análise de mudanças organizacionais: utilidades para políticas sociais. Revista de Administração Pública, v. 29, n. 2, p. 80-109, 1995. 2. ALPERSTEDT, G. D.; CUNHA, M. S.; MALHEIROS, R. C. Uma nova abordagem organizacional: as organizações de aprendizagem. 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A pesquisa realizada descreve o que é típico da relação do médico com a tecnologia da informação e com os laboratórios de análises clínicas, bem como investiga as peculiaridades das relações existentes entre profissionais e pacientes, revendo o entendimento da prestação de serviços. São utilizadas percentuais, indicações de moda, medidas de posição e associação, por se tratar de um estudo exploratório com escalas nominais, predominantemente. Os resultados demonstram que o uso intenso da tecnologia é uma tendência entre a população pesquisada e revela o impacto organizacional a ser proporcionado na área nos próximos anos. technology is a trend among the studied population and reveal that big impact to be proportionated by the adoption of new technologies in the health sector in the following years. Keywords. Information Technology, Relationship Marketing, Health. * Doutor em Comunicação (UFBA), Mestre em Administração pela Michigan State University e professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected] Palavras-chave. Tecnologia da Informação, Marketing de Relacionamento, Saúde. Abstract On the Strategic Use of the Information in the Area Health is a descriptive study on the impact of the information technology in an organization of the health area in the city of Salvador, Bahia, Brazil. It was developed from the revision of literature and multiple field researches carried through professionals and users of the segment of clinical analyses laboratories. The research describes what is typical in the relation that the doctor has with the information technology and with clinical analyses laboratories, as well as investigates the peculiarities of the relationship of professionals with patients, reviewing the meaning of to provide assistance in the sector. Since it was an exploratory study with nominal scales, predominantly, it was used percentile indicators, mode, measures of position and association. The results demonstrate that the use intense of ** Mestre em Administração pela UEX, Bacharel em Administração pela UFBA e professor da Faculdade Hélio Rocha – e-mail: rcmello@ hotmail.com Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello Do Uso Estratégico da Informação na Área da Saúde Em nenhuma outra época histórica, a humanidade alcançou tantos avanços tecnológicos, em tão curto espaço de tempo, como no século XX. A transformação dos processos produtivos a partir da década de 50 revolucionou não apenas produtos e serviços, como também as sociedades. Pressionadas pela macroestrutura competitiva internacional, coube as organizações repensar as estruturas de negócios para se adequar à nova era, visando maior participação de mercado e a personalização de produtos e serviços. O objetivo deste artigo é verificar o impacto da tecnologia da informação numa área de serviços, o segmento da saúde, observando a atuação dos laboratórios de análises clínicas. Ademais, vamos analisar qual o grau de familiaridade que os médicos tem com a Tecnologia da Informação. O atual estágio da tecnologia permitiu que a informação fosse tratada de forma eficaz, rápida e precisa, otimizando a complexa teia de dados sobre as preferências dos consumidores, em geral. O aumento considerável de dados à disposição dos gestores necessita de uma abordagem mercadológica para que decisões sejam tomadas eficazmente, a partir de informações relevantes, desconsiderando outras desprovidas de significado, para a construção de estudos sobre o consumidor e seus hábitos. Assim, as organizações em geral, incluindo às que atuam na área da saúde, devem revisar e ajustar suas práticas gerenciais para identificar e desenvolver estratégias para melhor se relacionar com todos os seus públicos. Entretanto, o novo paradigma reside não somente no estabelecimento de estratégias para melhor conhecêlos. É crucial que as organizações saibam utilizar as ferramentas oriundas da informática com vistas a obter o melhor resultado no seu relacionamento com clientes diretos e indiretos. Os serviços não apenas precisam ser ajustados à eficácia gerencial dos processos, como também, devem estar comprometidos com a inovação constante, abrindo novas frentes de trabalho a partir da área mestre da organização (HAMEL e PRAHALAD, 1995). Todavia, a inovação extrapola a simples automação de processos administrativos. Sem um projeto de longo prazo para o uso da tecnologia na organização, o processo de criação de valor para o consumidor é ineficaz, revelando um desconhecimento da função instrumental da informática por parte da organização (CANESQUI et al., 2000). Outra prática muito usual é a perda de foco no cliente, centrando a estratégia somente na tecnologia incorporada (orientação para o produto). O conceito de Customer Relationship Management (CRM), Gerenciamento das Relações com o Consumidor, surge como desdobramento evolutivo dos sistemas de gestão, passível de uso na área da saúde, em particular dos módulos de Enterprise Resource Planning (ERP), Planejamento de Recursos Corporativos, tais como materiais, contas a pagar e a receber, entre outros. A migração de dados de um sistema para outro, ainda tem se revelado pouco prática, dada a utilização distinta e ao teor das informações processadas. Enquanto o CRM deve ser percebido como o ponto de partida para o delineamento de estratégias personalizadas a uma grande gama de consumidores (PEPPERS e ROGERS, 2000), os programas de ERP servem ao propósito de consagrar os princípios de acompanhamento e controle contábil no segmento da saúde. No atual momento, somente as organizações de grande porte podem arcar com o investimento requerido, para que se viabilize a propagação do CRM na estrutura organizacional, ou seja, a incorporação, análise e gestão da base de dados de sua clientela. Porém, de acordo com projeções, este custo deve ser reduzido no curto prazo, considerando o desenvolvimento de novas tecnologias que permitirão à técnica tornar-se um instrumento de suporte à comercialização para variados tipos de organizações, inclusive as de serviço. Nosso interesse, neste artigo, é verificar até que ponto os médicos estariam dispostos a adotar estas ferramentas contemporâneas. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 25 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello Em segunda instância, vislumbra-se que, de posse das informações geradas, tomando como base as relações de atendimento pré-existentes, os atores escolhidos como representantes do segmento da saúde possam identificar perfis de conduta e preferência, agrupando seus clientes em comunidades virtuais de relacionamento. Criada a partir de banco de dados, a micro segmentação em comunidades facilita a aplicação de práticas comerciais interativas que atendam por completo as necessidades específicas dos consumidores, assegurando, assim, não apenas a fidelidade ao médico. O conceito de inteligência de negócio nos serviços prestados na área de saúde pode ser enfocado como um exemplo que vai mais além do viés técnico-comercial, da gestão de preferências e necessidades do cliente. Numa sociedade onde comportamentos e valores estão em contínua e acelerada transformação, a tecnologia torna-se instrumento básico das organizações no planejamento, desenvolvimento e adoção de ajustes sistemáticos na estratégia empresarial de forma rápida e instantânea para, desta forma, obter vantagens competitivas em relação a concorrência. As peculiaridades da relação médico-paciente, típicas da área de saúde, forçam uma revisão completa no entendimento da prestação de serviços, e este é o problema. A prática médica está inserida num emaranhado conjunto de princípios éticos e sociais, dificultando a definição cartesiana de consumidor, fornecedor e prestador de serviços. Identificam-se, inicialmente, dois tipos de clientelas: a clientela médica e a do consumidor final, os pacientes. Os avanços tecnológicos trouxeram melhorias para a prática médica. Entretanto, as empresas da área de saúde têm dificuldade em proporcionar melhorias para as clientelas, seja na prestação dos serviços, seja na divulgação destes. Pretende-se analisar em que medida o investimento em novas tecnologias de informação, otimiza a qualidade dos serviços prestados a diversas categorias de cliente, e como os dados gerados por estes sistemas estão atrelados a um macroprocesso de relacionamento interpessoal mantido pela organização ou sendo utilizados para se criar uma cultura, que favoreça o contínuo aprendizado sobre as preferências do consumidor. Como intermediadora de ações e de informações entre duas clientelas distintas, a organização pode contar com a tecnologia para elaborar estratégias de relações públicas unindo virtualmente consumidores, a partir do processamento de informações. A criação e manutenção de comunidades virtuais é um aspecto que pode resultar do uso adequado da tecnologia por médicos, sobretudo face à preocupação ética de se transmitir aos clientes notícias periódicas, de modo personalizado, sem ferir a intimidade dos envolvidos, mas ao mesmo tempo estimulando a participação dos dois públicos privilegiados. 1. ESPECIFICIDADE DOS SERVIÇOS DE SAÚDE Uma das dificuldades de se estudar o segmento de serviços são as características deste ramo de atividade econômica. Dada a intangibilidade e a imaterialidade dos serviços (TÉBOUL, 1999), a localização de uma organização tem importância singular na definição da estrutura de negócio (KOTLER, 1991). A localização transmite, subliminarmente, à clientela conceitos como: competência, ou expertise dos funcionários, precisão, cortesia, rapidez, receptividade, criatividade da equipe, segurança e o reconhecimento das necessidades do cliente (KOTLER, 1991). São também características comumente relacionadas aos serviços: i) inseparabilidade (os serviços são prestados e consumidos no mesmo momento); ii) variabilidade (ou dependência da habilidade do prestador do serviço), e; iii) perecibilidade (os serviços não podem ser estocados). Porém, CASTELLS (1999) indica que no paradigma informacional tais características esmaecem em decorrência da interpenetrabilidade do conceito de serviços e produtos, assim como também ocorre com os setores da economia. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 26 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello É relevante considerar, sem embargo, a distinção que TÉBOUL (1999) estabelece para os serviços quanto a assistência ao consumidor, caracterizando-os como serviços de linha de frente (front-office), e de bastidores (back-office). Na primeira tipologia, encontram-se as principais estratégias que manipulam as clássicas funções do marketing e estão mais orientadas para o cliente, requerendo personalização, flexibilidade, menos especializações e mais envolvimento com o público externo. Os serviços de bastidores, por outro lado, são mais orientados ao produto. Com a Era da Informação, as contribuições da tecnologia têm favorecido igualmente a ambos, permitindo as organizações a apurar o valor do relacionamento com a clientela, privilegiando o uso intensivo do instrumental típico de Relações Públicas. Com efeito, nos dias que correm, as funções de Relações Públicas ficam cada vez mais próximas dos profissionais de Marketing, em função, sobretudo, da Tecnologia da Informação. TÉBOUL (1999) cita os elementos essenciais que precisam ser observados para a prestação de serviços com valor agregado à clientela: resultados, processo, funcionários, confiabilidade e preço. Dentro deste espectro, em todas as dimensões que permeiam a interação com a clientela, o contínuo aprendizado das necessidades e preferências da clientela deve estar sempre em foco. Igualmente, sutis variáveis devem ser valorizadas pela organização, interna e externamente à estrutura. Quanto ao poder da influência da tecnologia sobre a prática do setor de serviços deve-se considerar que há singularidades. Para mensurar e identificar o fluxo de dados, a sociedade tende a materializar a onipresença da informação centrando esforços em aparatos tecnológicos cada vez mais avançados. Os serviços prestados pelos profissionais e organizações privadas devem acompanhar o novo padrão tecno-social vigente (ANDREAZZI, 2000). Visando à competitividade, as organizações são compelidas a revisar a teia das relações estabelecidas com clientes e fornecedores, recorrendo ao uso intensivo da tecnologia. O advento de práticas profissionais, fortemente alicerçadas sobre tecnologias de informação, como a telemedicina, é um caso ilustrativo. No entanto, na maior parte das organizações do setor de saúde no Brasil, o uso da tecnologia da informação ainda está associado ao suporte das atividades de controle e prestação de contas, visando a atender requerimentos de cunho fiscal. 1.1 Serviços de saúde no Brasil Na década de 50, as mudanças macroeconômicas proporcionaram o investimento estrangeiro no Brasil e, por extensão, a reorganização da cadeia produtiva e dos serviços em geral. Associado ao aumento de informação disponível, as organizações e os profissionais foram compelidos a prestar serviços de melhor qualidade que atendessem as necessidades do consumidor, aferindo indicadores de produtividade e lucratividade (SANT’ANNA, 1998). Na área de saúde não foi diferente. A demanda por acesso a serviços de melhor qualidade obrigou a reorganização dos processos de trabalho, das relações dos profissionais de saúde com a população e do emprego de novas tecnologias. Apesar de ser um setor altamente regulamentado por entidades de classe e autoridades governamentais, os profissionais de saúde tiveram que se adaptar a Era da Informação. Segundo CANESQUI et al. (2000): “(...) os avanços científicos e tecnológicos ampliaram o conhecimento e as possibilidades de diagnósticos, tratamentos e prognósticos das doenças, tornando-se difícil imaginar um profissional que dê conta de todo esse universo.” CANESQUI et al. (2000: 108). Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 27 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello A prática médica concentrou-se na medicina tecnológica, com uma subseqüente e intermitente divisão do trabalho, orbitando os avanços em torno do eixo de grandes instituições de saúde e do surgimento de muitas sub-especialidades médicas, principalmente, voltadas para o uso da imagem nas tecnologias bioquímicas de diagnostica-terapia. Neste espectro, encontram-se os profissionais com funções exclusivamente analíticas e descritivas, como é o caso dos médicos patologistas, radiologistas e dos farmacêuticos bioquímicos. De acordo com CANESQUI et al. (2000), as especialidades médicas podem ser divididas em três agrupamentos sociológicos, no que concerne ao uso da tecnologia instrumental e ao envolvimento do profissional com o paciente (QUADRO 1). QUADRO 1 – Tipos de Especialidades Médicas por Grupo Sociológico Envolvimento Tecnológico Categoria Alto Cognitivas Médio Intermediárias Baixo Técnicas ou de Habilidades Especialidades Clínica médica Pediatria Cardiologia Gastroenterologia Especialidades Cirúrgicas Patologia Radiologia Bioquímica Adaptado de CANESQUI et al (2000). Uma característica do setor de saúde, além da padronização dos serviços, é a difícil distinção entre os públicos, dado o alto grau de dependência e inter-relação que há entre o profissional e o cliente. Historicamente, a prática médica tem influenciado o imaginário da comunidade. O profissional médico é ora percebido como mago, ora percebido dentro da mais alta estima pela sociedade (CANESQUI et al., 2000). Entretanto, para o paciente, a competência do profissional de saúde está condicionada ao conhecimento e a prescrição dos mais modernos exames diagnósticos, relegando a uma instância secundária os tradicionais procedimentos para identificar patologias: "(...) o reconhecimento público de um bom profissional de saúde passa não somente por sua capacidade de adquirir equipamentos médico-hospitalares de última geração, mas também pela freqüência com que solicitam a realização de exames laboratoriais e prescreve a utilização de medicamentos." (CANESQUI et al, 2000:158). Entrementes, a introdução de novas tecnologias representa um ônus a mais para o paciente, reforçando o caráter hegemônico do acesso à saúde. De acordo com os autores, o desejo do profissional médico é não agregar tecnologia unicamente, mas obter precisão e rapidez nos resultados, gerando o mínimo de desconforto para o paciente, o que possibilita a adesão imediata à terapêutica. Em um senso estratégico, o pronto compromisso assumido pelo paciente com o tratamento restringe a busca por uma segunda opinião, cerceando a forte concorrência que o médico sofre. CANESQUI et al. (2000) levantam pontos críticos nas condições de trabalho do cotidiano dos profissionais médicos. No decorrer desta análise, serão destacadas algumas que implicam em um maior constrangimento estratégico da prática gerencial, a saber: i) Aumento de custos da produção e preços para consumo; ii) Dependência de tecnologias e de suas indústrias; iii) Perda da carteira de clientes das organizações para as gerenciadoras de plano de saúde; Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 28 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello iv) Heterogeneidade da relação médico-paciente. Todas estas considerações comentadas foram arroladas como passíveis de ser aproveitadas num trabalho que visa estudar a estreita inter-relação do setor de serviços de saúde com o uso da tecnologia, como elemento estratégico na prática gerencial. Convém salientar que um outro reflexo da abertura da economia foi o incremento na taxa de incorporação de novas tecnologias para equipamentos e insumos. Na área de saúde, diferentemente de outros setores, a adoção de avanços tecnológicos como suporte de diagnóstico, abriu o caminho para a adoção da Tecnologia da Informação por parte dos principais atores. 2. OS MÉDICOS E A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Segundo MAIA FILHO (2000), o mercado de saúde no estado da Bahia movimenta cerca de US$ 937,5 milhões por ano. A participação de negócios envolvendo a iniciativa privada é de, aproximadamente, 53% deste montante. A área de saúde é a responsável pela segunda maior arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS) do município de Salvador. 45 mil profissionais, cerca de 5% da população economicamente ativa, trabalham na área de saúde. Estima-se que 34 milhões de pessoas são atendidas por planos privados de saúde em todo o Brasil, representando 25% da população. No estado da Bahia, a média de usuários é inferior à nacional, 14%, correspondendo a 1,8 milhão de pessoas. Os gastos anuais dos usuários com mensalidade giram em torno de US$ 495 milhões. Na Bahia, há 45 operadoras interagindo com 1800 prestadores de serviços privados, dos quais 60% encontram-se na capital. Cabe, pois, concluir que os planos de saúde têm uma forte influência e representatividade na área de saúde. Para aferir produtividade à esta, as grandes operadoras de planos de saúde - geridas, na maior parte das vezes, por grupos internacionais e/ou instituições financeiras - ampliaram a análise de valor da cadeia produtiva para a gestão de negócio dos agentes do setor. Introduziram-se pré-requisitos de atuação em um mercado globalizado para os empresários e prestadores de serviços de saúde. Como novidade, surge um elemento para modificar os parâmetros da assistência de saúde: o auditor das contas médicas. A busca de redução de custos, materializada na figura do auditor dos planos de saúde, contribui para que a gestão dos negócios esteja, cada vez mais, centrada na ótima gestão de recursos. A visão que os empresários e profissionais do setor têm a respeito desta nova variável é a mais nefasta. Através do auditor, o caráter economicista é reforçado na prática médica. Este fato -, aliado a tendência no segmento médico em tratar o paciente de forma fragmentada - ou seja, privilegiando a patologia e a diagnóstico-terapia em detrimento de uma abordagem individualizada na assistência -, repercute negativamente na qualidade dos serviços prestados. Contrapondo-se à corrente de redução de custos, detecta-se uma demanda crescente da clientela – principalmente, a usuária de planos de saúde - por melhor qualidade na prestação de serviços. A qualidade, no entanto, é dependente direta de investimentos na estrutura de negócio, tais como, capacitação de pessoal, certificação ISO 9002, investimento em novos aparelhos, entre outros. No caso dos laboratórios de análises clínicas, uma das premissas para a lucratividade é que a classe médica deva estar fortemente envolvida na estrutura de negócio, pois segundo a pesquisa da FIOCRUZ, 79% dos médicos no Brasil atuam em parceria com convênios de saúde. Com o objetivo de atrair e cativar médicos, principalmente os que detêm altos índices de encaminhamento de pacientes, o laboratório ALPHA, marca fictícia de um Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 29 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello renomado laboratório de análises clínicas situado em Salvador, através do qual centrou-se a pesquisa empírica deste estudo, almeja investir em marketing de relacionamento através de uma comunidade informacional. Para se avaliar como o médico usufrui toda a potencialidade dos avanços tecnológicos aplicou-se uma pesquisa probabilística aleatória simples, no período de novembro a dezembro de 2000, tendo como universo os médicos do estado da Bahia. Com este tipo de amostragem, assegurou-se a possibilidade igual de participação dos médicos na pesquisa. Um pressuposto, a ser confirmado, é que os indivíduos nascidos a partir de 1950 têm maior propensão e facilidade em utilizar a tecnologia corriqueiramente, uma vez que a prática médica antes da Era da Informação dependia muito da habilidade do profissional em se relacionar com pacientes, colhendo e analisando dados para proporem terapêuticas. Como a escalada das inovações tecnológicas foi mais intensa a partir da década de 70, supõe-se que a formação dos profissionais egressos da universidade neste período tenha sido mais voltada para os sistemas tecnológicos, diferentemente dos seus predecessores que desenvolviam mais o fator humano na assistência. A pesquisa realizada descreve o que é típico da relação que o médico tem com a tecnologia da informação e com laboratórios de análises clínicas. A opção por um estudo com amostragem aleatória foi em função do tempo e dos recursos disponíveis. Todavia, reitera-se que a população é representativa do universo por ter sido utilizada uma amostragem metodológica que oferece chances iguais de participação aos indivíduos do universo pesquisado. As medidas de posição utilizadas são os percentuais e indicação da moda, por se tratar de um estudo exploratório com escalas nominais predominantemente. Em alguns dados, são usadas medidas de associação para se avaliar o nível de relacionamento entre variáveis. Algumas perguntas foram lançadas em duplicidade no questionário com o intuito de se confirmar padrões. 3. A AMOSTRAGEM De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (CREMEB), em torno de 500 profissionais registram-se anualmente para obter o direito de exercer a profissão no estado da Bahia. Entre eles, encontram-se os recém-formados e profissionais transferidos de outras regiões do país. Estima-se que estes últimos representem em torno de 10% do universo de novos registros, uma vez que na Bahia as duas únicas faculdades de medicina lançam no mercado cerca de 360 profissionais por ano. Como o registro no CREMEB é obrigatório para o exercício da profissão, recorreu-se à estratificação do universo em duas classes. A primeira compreende os registros abaixo de 6000, e a segunda, os restantes. Estabeleceu-se o registro 6000 como referencial para a população da amostra, pois, em torno deste, encontram-se os médicos que obtiveram graduação entre 1974 e 1980 e, supostamente, nascidos entre 1950 e 1956. A idade aproximada de um médico para a conclusão do curso de graduação na Bahia é de 25 anos, sem considerar o período de residência. Ao examinar a listagem do CREMEB, verifica-se que cerca de 76% dos profissionais estão com registros ativos na Instituição, percentual muito superior ao encontrado nacionalmente pela pesquisa da FIOCRUZ (66,7%). Dos ativos no CREMEB, aproximadamente, 60% estão acima do número 6000. A distribuição de registros no total de ativos é comparada com a encontrada em cada classe no Quadro 2. Estabelecendo um grau de confiança de 95%, um erro amostral de 8% e uma participação de 60% para os médicos com o registro acima de 6000, obtém-se uma amostra de 150 indivíduos. O modelo estatístico referendado para o cálculo da amostra é o apresentado Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 30 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello por TAGLIACARNE (1978): 4× p × q , onde : E2 n = amostra n= p = porcentagem de ocorrência do fenômeno q = porcentagem complementar (100 - p) E = erro amostral FÓRMULA para Cálculo de Amostragem Da listagem do CREMEB, foram escolhidos aleatoriamente 170 médicos. Os sorteios foram efetuados conforme a proporção estabelecida para o cálculo da amostra. Os questionários foram aplicados em campo através da visita aos profissionais na capital, sendo recolhidos dez dias depois, e enviados pelo correio, aos localizados no interior da Bahia. Quadro 2 – Resumo Estatístico dos Registros no CREMEB Registros Total de Ativos < 6000 7.719 3.514 7.691 3.616 14.368 5.993 3 3 14.371 5.996 10.908 4.076 Fonte: Baseado na listagem do CREMEB, Dez. 2000. Média Mediana Intervalo Menor Registro Maior Registro Contagem > 6000 10.228 10.233 8.370 6.001 14.371 6.832 Em geral, o profissional médico é de difícil acesso e pouco propenso a colaborar com este tipo de investigação. Porém, a incidência de erro não amostral do tipo não-resposta foi baixa (2%), sendo descartados os questionários que excederam o tamanho da amostra definido previamente. Atribui-se ao baixo índice de não-resposta o contato com os entrevistados após o sorteio, por diversas vezes, para reiterar a importância em participar do estudo e observar o prazo para entrega do questionário. 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS As especialidades mais freqüentes na amostra obtida são a ginecologia, pediatria e a clínica médica (Quadro 3). A distribuição por gênero é equilibrada, com discreta prevalência de mulheres (51%) sobre os homens, confirmando as predições de CANESQUI et al. (2000) sobre a tendência do predomínio do sexo feminino nas profissões de saúde. No que concerne aos meios de comunicação utilizados, observa-se uma elevada adesão dos profissionais ao telefone celular (Quadro 4), principalmente, entre os profissionais mais jovens (Quadro 5), o que confirma a expectativa inicial deste estudo. Como múltiplas respostas podem ocorrer no quesito que trata deste assunto, o e-mail é também citado pelos respondentes, mas em menor proporção. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 31 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello Quadro 3 – Freqüência de Especialidades Médicas na Pesquisa Especialidades Anestesiologia Cardiologia Cirurgia Clínica Médica Dermatologia Gastroenterologia Ginecologia Infectologia Mastologia Nefrologia Neurologia Oftalmologia Oncologia Ortopedia Otorrinolaringologia Pediatria Pneumologia Psiquiatria Reumatologia Urologia UTI População da Amostra Casos % 3 2,0 3 2,0 17 11,3 21 14,0 6 4,0 3 2,0 39 26,0 1 0,7 2 1,3 2 1,3 2 1,3 4 2,7 2 1,3 4 2,7 3 2,0 21 14,0 8 5,3 2 1,3 2 1,3 3 2,0 2 1,3 150 100% Nota: Algumas sub-especialidades foram agrupadas por área mais representativa. Quadro 4 - Meios de Comunicação que Auxiliam o Médico Aparelhos / Serviços Fax Telefone Celular E-mail Pager (“Bip”) Outros Nenhum Casos 71 130 82 14 42 2 % 47,3 86,7 54,7 9,3 28,0 1,3 Quadro 5 – Registro no CREMEB vs. Uso de Telefone Celular Reg. no CREMEB Abaixo de 6000 Acima de 6000 Total de Casos Telefone Celular contribui? Não Sim Total 16 4 20 44 86 130 60 90 150 Na questão que trata das fontes de atualização dos médicos já eram esperadas como respostas mais freqüentes as relacionadas à participação em eventos e atualização por meio de publicações médicas (Quadro 6). Surpreendente, no entanto é o percentual de Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 32 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello indicação da Internet como fonte de consulta. O laboratório de análises clínicas ALPHA, por exemplo, estima que 30% dos médicos com que se relaciona tem acesso à Internet. Se comparado o percentual aos resultados da população da amostra, conclui-se que a percepção pode estar subestimada, pois cerca de 55% dos médicos afirmam utilizar o e-mail corriqueiramente e 70% consideram a Internet como uma fonte de atualização profissional. Outra possibilidade é que o percentual citado pelo ALPHA refira-se a um grupo de médicos onde há predomínio dos que têm registros no CREMEB abaixo do número 6000, como se verifica na pesquisa. Quadro 6 – Fontes de Atualização Profissional Meios de Informação Eventos Publicações Médicas Outras Fontes Internet Outras Publicações Nenhum Casos 132 140 43 105 38 1 % 88,0 93,3 28,7 70,0 25,3 0,7 Quadro 7 – Registro vs. Uso da Internet Reg. no CREMEB Abaixo de 6000 Acima de 6000 Total de Casos Usa Internet? Não Sim Total 24 36 60 21 69 90 45 105 150 80 70 Nº de Casos 60 50 40 30 Usa Internet? 20 Não 10 Sim Abaixo de 6000 Acima de 6000 Registro GRÁFICO 1 – Registro no CREMEB vs. Uso da Internet. Quadro 8 - Registro no CREMEB vs. Contribuição do E-mail para a Profissão Reg. no CREMEB Abaixo de 6000 Acima de 6000 Total de Casos Não 29 39 68 E-mail contribui? Sim Total 31 51 82 60 90 150 Detecta-se na amostra uma não proporcionalidade no uso de duas tecnologias interligadas. Uma possível explicação para o fenômeno é que os médicos utilizam a Internet, Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 33 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello através da World Wide Web, para fins educacionais e de entretenimento, enquanto o e-mail é destinado a troca de informações de cunho técnico. Com o objetivo de avaliar o grau de associação entre variáveis pertinentes ao problema, aplicou-se um teste estatístico, o Coeficiente de Contingência. O grau encontrado de associação do uso de e-mail,com a participação em eventos foi de 23%. Quando comparado o uso da Internet com as publicações médicas como fontes de atualização, obtevese um coeficiente de 17%, na ordem de 3%. Cabe informar que a principal fonte de consulta utilizada pela classe médica para atualização científica é o MEDLINE, acervo bibliográfico que reúne as principais publicações em todo o mundo, disponível no ambiente web. Ratifica-se, portanto, a importância da avaliação do perfil da clientela-chave, através de técnicas comerciais que empregam largamente a tecnologia, como o CRM, pela organização para melhorar o diálogo com os públicos. Utilizando canais de comunicação adequados ao perfil do cliente que se pretende fidelizar, as práticas comerciais tendem a ser mais vantajosa para todas as partes. Todavia, é prática pouco comum do segmento de análises clínicas servir-se de outro tipo de tecnologia que não a instrumental no dia-a-dia. Afora o projeto vanguardista do ALPHA, não há histórico do uso da tecnologia da informação como instrumento corriqueiro para alavancagem comercial. A tênue corrente identificada pela direção do ALPHA no ambiente, a tecnologia da informação como base das relações comerciais em um curto prazo, pode ser meramente uma lívida intenção do Laboratório em se alinhar ao novo paradigma sem, no entanto imergir pronta e integralmente toda a estrutura de negócios em novas práticas. Na pesquisa fica evidente que, dos médicos que responderam favoravelmente à participação em uma comunidade informacional, a maioria já faz uso da Internet, portanto, conhece os benefícios e problemas atuais da grande rede, ainda que superficialmente. A razão entre a rejeição e a adesão à comunidade informacional (1:3) é a mesma dentro das classes (Quadro 9). Em síntese, a comunidade informacional aparenta despertar, pelo menos, a curiosidade da população estudada. Sem embargo, cumpre destacar que alguns médicos fizeram anotações no questionário indicando a preferência por somente uma das proposições, e-mail ou celular, mesmo sendo estas indissociáveis, dada à existência de um operador lógico (ou) na formulação da questão. Quadro 9 – Registro no CREMEB vs. Participação em Comunidade Informacional Reg. no CREMEB Abaixo de 6000 Acima de 6000 Total de Casos Não Participar de comunidade? Sim Total 15 45 22 68 37 113 60 90 150 A proposta do laboratório ALPHA para com a comunidade informacional é agregar profissionais com segmentação socioeconômica semelhante para encaminhar boletins informativos através de telefones celulares e de e-mail. Não obstante, para que a reunião de profissionais em grupos favoreça a relação da organização com a clientela, é importante que os usuários percebam o valor da comunidade (SHAPIRO e VARIAN, 1999) e também sejam ativos na troca de informações entre si. O ALPHA acredita que a chave de sucesso para a inovação é a rapidez e a simplicidade de serviços com alto valor agregado. O serviço de entrega de laudos, por exemplo, que leva cerca de uma hora para chegar ao paciente e deste ao médico, poderá estar disponível para o profissional tão logo seja efetuado o processamento do exame. O próprio equipamento que processa o material biológico transmitirá o resultado. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 34 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello Com o sistema M2M espera-se que os resultados dos exames sejam enviados para o médico quase em tempo real, uma vez que o tempo de transmissão levará menos de um minuto. Para uma organização, a tecnologia pode ser a fonte de soluções e, ao mesmo tempo, foco de sistemas informativos ineficazes, pois, a despeito de todo o avanço tecnológico na ciência da computação, são comuns falhas resultantes tanto de aspectos técnicos, de hardware, como de aspectos ambientais, o que inclui o fator humano. A limitante à estratégia empresarial do ALPHA, portanto tende a ser a crença insofismável na tecnologia instrumental como alavanca para as transformações no laboratório, pois o uso deste tipo de tecnologia não diferencia a organização em relação à concorrência. A fim de que a tecnologia seja aplicada de forma profícua pela organização, múltiplos fatores interdependentes precisam estar ajustados e sincronizados. É obrigatório que a sociedade e o espaço organizacional estejam aptos a acolher a tecnologia sem contenções de insumos. Preza-se a organização que avalia toda a matriz socio-técnica, interna e externa, antes de eleger uma plataforma tecnológica como primaz. Um exemplo paradoxal é o sistema bancário. A despeito do alto grau de complexidade dos sistemas informativos, os serviços prestados penalizam o usuário com freqüentes interrupções no atendimento por causa da baixa qualidade da rede elétrica e de telecomunicações em todo o país. Pelo visto, o ALPHA ao dirigir a estratégia do negócio para um padrão tecnológico muito superior ao encontrado na sociedade corre o risco de comprometer o atual diferencial de mercado. Pelo estudo realizado, conclui-se que o uso intenso da tecnologia é uma tendência entre a população pesquisada e revela o grande impacto organizacional a ser proporcionado pela adoção de novas tecnologias nos próximos anos. Assume-se como fator decisivo para o incremento do uso da tecnologia o “rejuvenescimento” do efetivo de médicos com registro no conselho da categoria. As gerações mais antigas tendem a ser substituídas por novos profissionais, cuja formação profissional privilegia a tecnologia como apoio à prática médica, o que demonstra a validade de se construir uma comunidade informacional. Num amplo espectro de potencialidades a serem exploradas, entende-se a constituição deste tipo de comunidade como uma forma avançada de marketing de relacionamento, proporcionando benefícios para todos os públicos: médicos, pacientes e laboratório. Referências: 1. ANDREAZZI, Marco et al. O Setor de Saúde na Perspectiva da Dinâmica da Inovação. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA, 6, 2000, Salvador. Anais... Vol. 5. Salvador: ABRASCO, 2000. p.215. 2. CANESQUI, Ana (Org). Ciências Sociais e Saúde para o Ensino Médico. São Paulo: Hucitec, 2000. 3. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Vol.1, São Paulo: Paz e Terra, 3ª ed., 1999. 4. HAMEL, Gary; PRAHALAD, C.K. Competindo pelo Futuro: Estratégias Inovadoras para Obter o Controle do seu Setor e Criar os Mercados de Amanhã. Rio de Janeiro: Campus, 1995. 5. KOTLER, Philip. Administração de Marketing. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1991. 6. MACHADO, Maria (Coord.). Perfil dos Médicos no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CFM-MS/PNUD, 1996. Disponível em: <http://www.ensp.fiocruz.br/perfil>. Acesso em: 29 dez. 2000. 7. MAIA FILHO, J. Pacheco. Saúde movimenta R$ 1,8 Bi por ano na Bahia. Gazeta Mercantil, Suplemento Saúde. Disponível em: <http://www.gazetadabahia.com.br/ saude.html>. Acesso em: 2 out. 2000. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 35 Gilberto Wildberger de Almeida - Ricardo Coutinho Mello 8. PEPPERS, Don; ROGERS, Martha. CRM Series Marketing 1 to 1: Um guia executivo para entender e implantar estratégias de Customer Relationship Management. Jan. 2000. Disponível em: <http://www.1to1.com.br>. Acesso em: 2 out. 2000. 9. SANT’ANNA, R.N. O Setor de Serviços na Sociedade da Informação: para a montagem de um sistema de informações e estatísticas. 1998. Dissertação de Mestrado, PPCI/UFRJ, Rio de Janeiro. 10. SHAPIRO, Carl; VARIAN, Hal. What are the Rules, Anyway? Technology Review, mar/abr., 1999. Disponível em: <http://www.technologyreview.com/magazine /apr99/print_version/mann.html>. Acesso em: 2 out. 2000. 11. SVIOKLA, John; SHAPIRO, Benson. Mantendo Clientes. São Paulo: Makron Books, 1994. 12. TAGLIACARNE, Guglielmo. Pesquisa de Mercado. São Paulo: Atlas, 1978. 13. TÉBOUL, James. A Era dos Serviços. São Paulo: Qualitymark, 1999. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 24-36, abr./mai./jun. 2003 36 Tentando pôr um fim a Controvérsia Sobre a Taxa Interna de Retorno (TIR) Sebastião Vieira da Nascimento* RESUMO Pretende-se mostrar no presente trabalho, através de e um contra-exemplo, que é errôneo afirmar que o método da taxa interna de retorno (TIR) assume implicitamente que a TIR de um projeto somente será verdadeira se todos os fluxos de entrada de caixa forem reinvestidos à própria TIR calculada para o investimento. Serão feitas duas análises: uma algébrica e outra econômico. PALAVRAS-CHAVE Reinvestimento, investimento, rentabilidade. amortização, dívida, * Mestre em Engenharia de Produção, Professor Titular (por concurso) do Departamento de Administração e Contabilidade CH/UFCG/Campus Campina Grande PB ABSTRACT This work intends to show, throug of a contrary-exemple, that is an error to afirm that the method of the internal rate of return (IRR) assume implicity that the IRR of a project only will be true if all flows of cash entry go invested in the IRR itself calculated to the investment. Will do two analysis: an algebraic and another economic. KEY WORDS Reinvestment, investment, amortization, debit, rentability. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 37-43, abr./mai./jun. 2003 Sebastião Vieira da Nascimento 1. INTRODUÇÀO Como é do conhecimento de todos os especialistas (em matemática financeira, engenharia econômica ou análise de investimento), a TIR não é o ganho efetivo em cada período (ano, semestre, etc.), e sim uma média ponderada geometricamente de acordo com o critério de juros compostos. Vejamos o seguinte exemplo: admita um investimento de 3000 u.m. (unidade monetária) com dois retornos mensais de 1600 u.m. cada. A rentabilidade, desse investimento calculada pelo método da TIR, é a seguinte: 3000 = 1600(1 + i) -1 + 1600(1 + i)-2 Designando (1 + i)-1 = x (eq. 1), tem-se o seguinte polinômio ou equação do segundo grau: 1600x2 + 1600x – 3000 = 0 As duas raízes são: x1 = 0,957738 e x2 = – 1,957738 As duas raízes satisfazem à equação, mas não satisfazem ao problema do investimento, já que não tem sentido econômico i < – 100%. Logo, a única raiz da equação que satisfaz ao problema do investimento é x1 = 0,957738. Substituindo x por x1, (na eq. 1), obtém-se: i = 4,4% a. m. Portanto, a TIR do investimento é de 4,4% a. m. 2. PRESSUPOSTO BÁSICO DA TIR ( Segundo MARTINS & ASSAF NETO), “O método assume implicitamente que a taxa interna de retorno de u m projeto somente será verdadeira se todos os fluxos intermediários de caixa forem reinvestidos à própria TIR calculada para o investimento.” 4 “Por exemplo, suponha-se que de um investimento de Cr$300 são esperados benefícios de caixa de Cr$100, Cr$150, Cr$180 e Cr$120 respectivamente nos próximos quatro anos da decisão.” “Através do auxilio de uma calculadora financeira, chega-se a uma taxa interna de retorno de 28,04% ao ano.” “Retornando ao exemplo ilustrativo, observa-se claramente que a TIR calculada de 28,04% a.a. adota, na verdade, a hipótese de que os vários fluxos de caixa gerados do investimento devam ser reaplicados, até o final da vida do projeto, em alternativas que rendam, pelo menos os 28,04 a.a. obtidos de retorno interno. Na situação desses valores intermediários em caixa não lograrem tal rentabilidade, a taxa interna de retorno do investimento decairá. Ilustrativamente, ao admitir que os fluxos de caixa sejam reinvestidos às taxas anuais de 26%, 24% e 20%, respectivamente, têm-se os seguintes resultados: Montante Acumulado ao final da vida do projeto: M4 = 100(1,26)3 + 150(1,24)2 + 180(1,20) + 120 M4 = 200,04 + 230,64 + 216 + 120 Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 37-43, abr./mai./jun. 2003 38 Sebastião Vieira da Nascimento M4 = Cr$766,68 Rentabilidade do Investimento Portanto, Cr$766,68/Cr$300 – 1 = 155,56% nos 4 anos. Rentabilidade Equivalente Anual (TIR) Portanto, ( 2,5556)1/4 – 1) x 100 = 26,44% a.a. Nota-se que, mesmo que os fluxos de caixa ocorram exatamente como o previsto para cada ano, a impossibilidade de reinvesti-los pela TIR de 28,04% reduz a rentabilidade do projeto para 26,44% a.a. Esse pressuposto inerente ao método é de grande importância no processo de decisão” (sic). 3. CONTRA-EXEMPLO AO PRESSUPOSTO BÁSICO DA TIR No exemplo ilustrativo, (item 2), a TIR calculada foi de 28,04% a.a. Deve-se notar que as taxas anuais (26%, 24% e 20%) escolhidas pelos autores, não é a rentabilidade ponderada geometricamente de acordo com o critério de juros compostos. Se não, vejamos: já que os autores, que são a favor do reinvestimento à TIR, afirmam que a TIR só é válida se os fluxos de caixas forem reinvestidos a uma taxa no mínimo igual à TIR, então vamos supor que no exemplo ilustrativo, (item 2), os fluxos de caixa do segundo e terceiro períodos (150 e 180) sejam reinvestidos, respectivamente, às taxas de 27,5% e 27,4% a.a. . Pergunta-se: qual a taxa anual que se deve reinvestir Cr$100, (no primeiro ano), a fim de que a TIR continue sendo 28,04% a.a.? Resolução Dados: i2 = 27,5% a.a. i3 = 27,4% a.a. i1 = ? 100(1+ i1)3 + 150(1+ 1,275)2 + 180(1+ 1,274) + 120 1/4 - 1 = 0,2804 300 O método da taxa interna de retorno com o pressuposto básico de reinvestimento é um problema da álgebra linear, e não um problema de análise de investimento Resolvendo a expressão acima, encontra-se: i1 = 28,3% a.a. Portanto, se os fluxos de caixa (do 1o., 2o. e 3o. anos) forem reinvestidos, respectivamente, às taxas de 28,3%, 27,5% e 27% a.a., obtém-se uma TIR de 28,04% a.a., igual à TIR do exemplo, ilustrativo, elaborado pelos autores. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 37-43, abr./mai./jun. 2003 39 Sebastião Vieira da Nascimento Pode-se observar que se, na equação (2), escolhermos duas taxas no intervalo entre 0% e 28,04%, e determinarmos a outra , a TIR será sempre 28,04% a.a. Portanto, o pressuposto básico de reinvestir os fluxos de caixa à TIR é incorreto, ou seja, o método da TIR com o pressuposto básico de reinvestimento é um problema algébrico, e não um problema de investimento. A taxa interna de retorno de um investimento é a taxa ganha sobre o investimento não-recuperado, de tal forma que o esquema de pagamento reduza a zero o investimento não-recuperado no fim da vida do investimento. 4. INTERPRETAÇÀO ECONOMICO-FINANCEIRA DA TIR Mostramos algebricamente, (item 3), que o pressuposto básico de reinvestimento dos fluxos de caixa à TIR não é verdadeiro. A seguir iremos mostrar, mais uma vez, por meio de uma interpretação econômico-financeira, que o pressuposto básico de reinvestimento dos fluxos de caixa à TIR é incorreto, Para ilustrar essa inverdade e suas conseqüências, a tabela a seguir mostra o esquema de recuperação e remuneração de um investimento de 120 u.m. com seis retornos iguais e anuais de 40 u.m., cuja TIR é 24,3% a.a. A taxa interna de retorno de um financiamento é a taxa paga sobre o saldo devedor do financiamento de tal modo que o esquema de amortização reduza a zero esse saldo quando se faz a última amortização. Tabela I: Plano de Recuperação e Remuneração de um Investimento de 120 u.m. Saldo Não Recuperação Remuneração Fluxos Anuais de Recuperado do Anual do Anual do Caixa Positivos Ano Investimento Investimento Investimento Inicial Inicial Inicial 0 120,00 – – – 1 109,16 10,84 29,16 40,00 2 95,67 13,48 26,52 40,00 3 78,91 16,76 23,24 40,00 4 58,08 20,83 19,17 40,00 5 32,19 25,89 14,11 40,00 6 (*) 0,01 32,18 7,82 40,00 FONTE: SOUZA, Petain Ávila de (*) Erro de arredondamento Segundo SOUZA, “pode-se interpretar o sentido econômico-financeiro da TIR, do investimento de 120 u.m. com seis retornos iguais e anuais de 40 u.m., de duas maneiras: “a primeira, supondo que alguém emprestou 120 u.m. para receber em 6 Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 37-43, abr./mai./jun. 2003 40 Sebastião Vieira da Nascimento prestações anuais de 40 u.m., sendo a taxa de juros dessa transação a sua TIR; a segunda, seria admitir que alguém deposita 120 u.m. em uma conta bancária remunerada para ter o direito de fazer exatamente 6 resgates anuais de 40 u.m.; a taxa de juros, paga por essa aplicação, será a sua TIR.” Observe-se que para calcular a TIR, em ambos os casos, não houve a necessidade de averiguar qual o destino que o credor do primeiro caso daria para cada recebimento de 40 u.m.; nem, no segundo caso, o que o depositante faria com cada resgate de 40 u.m. Assim, o conceito da TIR independe de qualquer reaplicação ou destino aos fluxos de caixa gerados. Portanto, a hipótese de que no método da TIR está implícita o reinvestimento dos fluxos de caixa gerados pela alternativa até o fim de sua vida útil, é totalmente errônea. A única maneira do investimento inicial ser remunerado à TIR, seria encontrar uma outra oportunidade de investimento (que não tem nada a ver com o cálculo da TIR, como foi visto no contra-exemplo ao pressuposto básico da TIR), que remunerasse os fluxos de caixa gerados, exatamente, a essa TIR, pois nesse caso, o valor futuro (no fim da vida do projeto) das aplicações dos fluxos de caixa gerados seria equivalente ao valor futuro do investimento inicial, e, assim, o investimento inicial seria remunerado exatamente à TIR. Em resumo, a TIR não é a taxa de juros que remunera periodicamente o investimento inicial, e sim, o saldo não-recuperado do investimento inicial, como foi demonstrado na tabela anterior. Se a TIR remunerasse periodicamente o investimento inicial, a remuneração anual do investimento inicial, tabela I, seria constante e igual a 29,16 u.m. (= 24,3% de 120 u.m.), quando, de fato, as remunerações são decrescentes (penúltima coluna da tabela I). Portanto, a TIR é a taxa aplicada ao saldo não-recuperado do investimento inicial, de modo a anulá-lo no fim da vida útil do projeto (fato evidenciado na tabela I), devido às recuperações anuais. Como ficou claro, na tabela I, a taxa interna de retorno de 24,3% a.a. não significa um retorno anual de 24,3% sobre o investimento de 120 u.m., ou seja, 29,16 u.m. em cada um dos seis anos. Os fluxos anuais de caixa positivos traduzem uma situação em que o investimento de 120 u.m. traz benefícios que produzem uma taxa interna de retorno de 24,3% a.a. Mas, no período de seis anos, o retorno total é de apenas 120,02 u.m., muito menos do que 40 u.m. por ano durante seis anos. É visível que isto ocorre porque a taxa interna de retorno se define como a taxa ganha sobre o investimento nãorecuperado. Se o leitor estiver interessado em tomar conhecimento das opiniões dos autores que são contra e os que são a favor do pressuposto básico da TIR, consulte a bibliografia no fim do trabalho. 5. CONCLUSÕES A utilização da TIR para auxiliar na decisão econômica, nada tem a ver com a rentabilidade das aplicações futuras dos retornos do projeto, cujos fluxos de caixa, repetimos, estão claros e aprioristicamente estabelecidos. O expediente de admitir que, se os retornos do projeto forem aplicados a uma dada taxa de juros, a rentabilidade global do projeto e da aplicação dos seus retornos será diferente da TIR, o que a invalidaria como indicadora da rentabilidade do projeto. O argumento não resiste à menor análise: mesmo se jogarmos fora os retornos do projeto, a rentabilidade deste continuaria a ser a TIR, embora a rentabilidade global de executá-lo e jogar fora os seus retornos passasse a ser de Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 37-43, abr./mai./jun. 2003 41 Sebastião Vieira da Nascimento –100% por período. A TIR não é a taxa de juros que remunera periodicamente o investimento inicial, e sim, o saldo não-recuperado do investimento inicial, como foi demonstrado na tabela I; como também não é a taxa de juros que remunera periodicamente o financiamento inicial, e sim, o saldo não-recuperado do financiamento inicial. A hipótese de reaplicação das entradas de caixa à TIR, não pode ser aceita, pois não há possibilidade de se garantir uma taxa de retorno para futuras reaplicações, uma vez que não se pode antever as chances de investimento que estarão disponíveis no futuro e, além disso, o investimento não é remunerado por uma única taxa, e sim pela média ponderada geometricamente (de acordo com o critério do juros compostos) das taxas de toda a duração do projeto (como foi visto no contra-exemplo ao pressuposto básico da TIR). As empresas que aplicam um padrão de retorno, por exemplo, 15 a 20% a.a. para os investimentos, devem estar cientes de que um projeto com sua própria TIR, de digamos 30% a.a., não podem pressupor que seus fluxos de caixa venham a ser reinvestidos pela taxa maior. A menos que o padrão de lucro geral seja bastante irreal, os fundos gerados pelo projeto podem ser reaplicados, com o passar do tempo, apenas pela taxa menor. Embora as duas definições de taxa interna de retorno, dadas no presente trabalho, sejam formuladas de maneiras diferentes - uma em termos de um financiamento e outra em termos de um investimento - há apenas um conceito fundamental em jogo, a saber, que a taxa interna de retorno é a taxa de juros à qual os benefícios são equivalentes aos custos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFRICAS ASSAF NETO, Alexandre. Matemática financeira e suas aplicações. São Paulo: Atlas, 1992. CASAROTTO FILHO, Nelson. Análise de investimentos: matemática financeira, engenharia econômica, tomada de decisão, estrattégia empresarial. - 9. Ed. - São Paulo: Atlas, 2000. COSTA, Paulo Henrique Soto. Análise de projetos de investimento. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1984. FARO, Clóvis de. Elementos de engenharia econômica. -3ed. rev. ampl. - São Paulo: Atlas, 1979. LEITE, Hélio de Paula. Introdução à administração financeira. - 2. Ed. - São Paulo: Atlas, MANNARINO, Remo. Introdução à engenharia econômica. 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Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 37-43, abr./mai./jun. 2003 43 O COMPORTAMENTO DO HOMEM E DAS ORGANIZAÇÕES: UMA CONSIDERAÇÃO SOBRE PASSADO, PRESENTE E FUTURO. Mauro Neves Garcia* Key Words Relationships, Human Behavior, Human Relation,Organizational Relation, Organization. Resumo O artigo objetiva mostrar o relacionamento entre o homem e a organização, especial neste momento em que o crescimento e o desenvolvimento apresentam mudanças muito rapidas. Ele a bordo o período do sucesso grande, dos anos 60, e busca evidenciar o que é válido hoje. Relata também sobre o novo comportamento em um mundo globalizado. Após isso, o artigo fala sobre os anos 70 e os 80, mostrando que tipo de mudanças acontecem e qual é o comportamento e preoccupação da organização e do homem. A artigo fala sobre o século 21 e como será o relacionamento entre o homem e a organização. Palavras-Chave: Relacionamento, Organização, Relação Organizacional, Homem na Organização. Abstract This article try to show the relationships between the man and the organization, especially in this moment when the grownup and development change quickly. It aboard the period of great success, the 60`s, and try to show what is valid today. Report also about the new c when the world became global. After this, the article talks about the 70`s and 80`s, showing what kind of changes was happen and what is the new behavior and preoccupation of the organization and the man either. The article fine talks about de 21 century and how will be the relationship between man and organization. * Doutor em Administração pela EAESP/FGV Docente do Mestrado em Administração da FECAP [email protected] Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 44-50, abr./mai./jun. 2003 Mauro Neves Garcia INTRODUÇÃO O mundo atual tem feito do homem um ser cada vez mais solitário, competidor e desconfiado. A vida humana foi marcada, nesse final de século, por mudanças que aconteceram numa velocidade grande e com muita violência, dificultando a assimilação de tudo aquilo que acontece a nossa volta, mesmo se as pessoas se concentrarem em alguma área do conhecimento. Somado a isso, a acirrada competitividade global tem ajudado a transformar a vida das pessoas num inferno. A luta pela sobrevivência assume um momento histórico impar, o desemprego e a busca por ganhos de produtividade têm exigido esforços jamais cobrados do homem. Apesar de representar um problema, eles tambem refletem oportnidades(GARCIA, 1995) A tensão constante no trabalho e a cobrança da eficiência profissional, estimulando uma competição crescente, tem exigido das pessoas um aprimoramento e acompanhamento de todo tipo de conhecimento que possa ser utilizado em benefício das empresas. A visão do especialista que se expandiu a partir do início do nosso século perde sua força. O executivo ou profissional, cada vez mais, necessita ser um generalista com um certo grau de especialização em alguma área do conhecimento. (IMES, 1990) A informática e as telecomunicações provocaram mudanças que fazem lembrar o impacto que foi o renascimento para a idade média, ou a revolução que foi o surgimento do papel e da imprensa. Acompanhar o dinamismo do mundo contemporâneo exige um esforço muito grande das pessoas e, em especial, dos profissionais ou executivos. A eles não é mais permitido serem lentos e medíocres, pois necessitam se mostrar capazes e decidirem rápida e seguramente. A sociedade contemporânea tem feito da vida das pessoas uma luta sem fim, onde a cada dia as pessoas necessitam estar melhor do que foram, atualizadas, por dentro do que acontece e aptas a antever os cenários futuros. Nas empresas a linguagem que predomina é a mudança continuada, o aperfeiçoamento constante, encontrar oportunidades independentemente da situação, se favorável ou não. É o momento onde se fala de prosperar no caos (PETERS, 1994), achar espaços que possam suplantar qualquer tipo de dificuldade. Frente a tudo isso o homem sofre a mais forte pressão de sua história, aumentando as tensões, criando o stress, aumentando a desconfiança, irritando-se com as coisas e as pessoas, isolando-se dos demais e da própria família, vendo os outros como rivais e ficando a deriva de uma vida sadia e profícua. Paralelamente a isso, o desemprego e a deterioração do nível de vida das pessoas. além de criar uma grande massa de pessoas que vive à margem da sociedade, tem aumentado significativamente o nível de violência nas cidades. Roubos, assaltos, crimes, corrupção e pobreza se misturam e têm feito com que as pessoas passem a desconfiar de tudo e de todos. Além disso, tem feito se manifestar no homem o seu pior lado, a concepção negativista sobre a vida e as pessoas, estimulando a luta, a punição o ódio e a revolta. As pessoas acabam se fechando e se isolando, criando um ciclo de proteção e desconfiança que afasta, cada vez mais, as pessoas umas das outras e força o enclausuramento como forma de proteção, pois o medo é geral, de tudo e de todos. Tudo isso reflete um paradoxo, fruto desse momento de transição, onde o oposto se torna mais transparente e visível às pessoas. Apesar de tudo isso, ainda e possivel vislumbrar uma solução. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 44-50, abr./mai./jun. 2003 45 Mauro Neves Garcia QUANDO TUDO ERA MARAVILHA Bons tempos foram aqueles onde o crescimento era crescente e não se vivia com a recessão e o fantasma do desemprego. Tempos onde, pela favorabilidade, até o “errado dava certo”, a competição externa era abafada pelo protecionismo dos governos nacionalistas. A classe média vivia momentos de contos de fada, com um elevado poder aquisitivo, beneficiada pela produção em larga escala e pelo baixo custo dos produtos. Suas necessidades eram atendidas e outras eram criadas procurando fazer com que as pessoas comprassem cada vez mais. O padrão de consumo era elevado, especialmente nos países desenvolvidos, e as pessoas encantavam-se com a possibilidade de comprar todo tipo de produto que era lançamento no mercado. As empresas cresciam e se tornavam gigantescas, diversificadas e bastante complexas, geridas através de uma estrutura formada por um cem número de especialistas e assessores. Era a fase da expansão, diversificação, integração vertical e formação de aglomerados, onde as empresas lutavam para conquistarem parcelas cada vez maiores de mercado para se tornarem mais lucrativas. As experiências passadas parecem que não são suficientes para fornecerem subsídios que ajudem as pessoas a suplantarem as dificuldades e os contratempos que enfrentam. Esse novo momento histórico que vivemos exige um novo posicionamento do homem, não é possível mais contar com a sorte como o fator de sucesso. UM NOVO MUNDO SE DESVENDA O mundo global, de grandes avanços e descobertas, marcado pela evolução das telecomunicações e surgimento de uma forte competição, está nascendo e forçando as organizações e as pessoas a assumirem novas posturas, diferentes de tudo aquilo que até então foi válido. A forma de gestão, a estrutura de poder, os níveis hierárquicos e o tipo de liderança, válidos no passado não mais encontram eco nos tempos atuais, ver figura nº 1. Da mesma forma, o tipo de relacionamento entre fornecedores, clientes, empregados e os diversos públicos passou por mudanças radicais. Hoje em dia, pressionado pela situação adversa, prevalece um novo tipo de relacionamento onde todos são considerados parceiros, tomando parte no negócio e buscando soluções que sejam boas para ambas as partes. Essa nova postura tem sido tão forte que até concorrentes têm se tornado parceiros, pois buscam superar suas dificuldades e encontrar um espaço para sobrevivência num mercado cada vez mais competitivo. Figura nº 1 Organizações Passado, Presente e Futuro Passado Presente Futuro mudança lenta, sem grandes desafios necessidade de mudança continuada educação continuada, aperfeiçoamento constante relacionamento buscam tirar vantagem e serem auto-suficientes buscam parceiros e procuram terceirizar (Negociação) realista o real respeito ao parceiros (fornecedor, distribuidor e funcionários) Características Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 44-50, abr./mai./jun. 2003 46 Mauro Neves Garcia Visão Conformista (via problemas) (ver oportunidade não problema) pensando na vida futura Estrutura gigantescas, complexas e com muitos assessores e níveis enxutas, simples, poucos níveis e pessoas que decidem cada vez mais enxuta e centrada na capacidade básica Valores pouco respeito pela ética e moral (aproveitar ao máximo seu poder respeito, consideração, fidelidade, sinceridade e amizade valores éticos e morais (respeitando a vida e a natureza) gestão autoritária empowerment trabalho em equipe participativa, democrática decisão centralizada, prevalece funções e lenta descentralizada, prevalece processo e rápida descentralizada, alimentada por informações e rápida Assim, a situação de autonomia e busca de vantagens crescentes passou a contar com parcerias, fazendo com que as empresas deixem a integração vertical e se concentrem nas atividades cruciais, passando para seus parceiros as demais atividades consideradas secundárias à organização. Essa mudança afetou significativamente a forma de relacionamento da empresa, mudando especialmente seu comportamento ético, privilegiando comportamentos mais condizentes com valores morais de respeito, consideração, fidelidade, sinceridade e amizade. Contrariando os valores que prevaleceram no passado, onde o certo era levar vantagem em tudo, cada indivíduo ou organização queria aproveitar ao máximo seu poder e se beneficiar das fraquezas dos seus opositores, pois era assim que os parceiros de hoje eram considerados. Outro ponto crucial da mudança está no tipo de liderança. O autoritarismo predominante nas organizações, onde o chefe sempre estava certo e o subordinado deveria obedecê-lo, deixou de ser o caminho a ser seguido e a liderança democrática passa a ser estimulada e tida como referência. Paralelamente, a forma de gestão muda para uma administração participativa, prevalecendo o trabalho em equipe onde todos devem participar das decisões, colaborando e dando sua opinião. É a fase do "empowerment", onde o chefe só tem poder se o delegar a seus subordinados, pois só assim as decisões fluirão mais rapidamente e o chefe não ficará atolado com a centralização de todas as decisões para si. (TRACY, 1994) Como conseqüência, a organização procurará diminuir sensivelmente o número de níveis hierárquicos existentes, já que todos participam das decisões e não mais haverá a necessidade da nítida separação entre os que executam e os que planejam. Além disso, diminuiu sensivelmente a necessidade de se ter um grande número de assessores.(TOMASKO, 1992) As organizações, então, tornam-se enxutas, estimulando a participação de todos e a liderança passa a ser mais democrática, incentivando o trabalho em equipe e dando uma nova forma ao processo decisório. Paralelamente, a antiga forma da estrutura organizacional das empresas, centradas em áreas funcionais, cedeu lugar a uma visão de processo, que passou a privilegiar a integração e orientá-la à consecução dos objetivos ou fins almejados. (HAMMER & CHAMPY, 1994) Muda-se radicalmente a forma de se relacionar e de ser dos indivíduos e das organizações. A maneira de ser do passado passa a ser uma barreira ao sucesso. As pessoas e Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 44-50, abr./mai./jun. 2003 47 Mauro Neves Garcia as organizações assumem, assim, uma nova forma de serem, desvinculadas do que foram e fizeram. (HAMMER & CHAMPY, 1994) O NOVO HOMEM E SUAS CARACTERÍSTICAS O homem dos tempos atuais precisa possuir algumas características para que possa atuar de forma produtiva e eficaz. O ponto fundamental nos tempos atuais é de que a visão egoística seja substituída pela cooperação, deve se contar com o outro e também ajudá-lo a fazer as coisas, as decisões devem refletir o trabalho do grupo e não de uma só pessoa. Em função disso, por não existir mais a separação nítida entre quem decide ou planeja e quem executa, as pessoas não podem mais serem medíocres, desatualizadas e pouco reflexivas. Há necessidade de todos se esforçarem para obter atualização, acompanhando o surgimento de novos conhecimentos e novas técnicas. As pessoas, paralelamente, precisam ter habilidades para trabalhar em grupo, demonstrando serem capazes de se relacionarem com os outros. Conseqüentemente, passa a se exigir que os indivíduos tenham uma sólida formação humanista, capacitando-os a conhecerem sobre pessoas, respeitando-as como tal e saberem como se relacionar com elas. Mas como a decisão envolve a todos, além de terem uma certa especialização numa determinada área, há necessidade das pessoas, também serem generalistas, melhorando assim a qualidade da decisão, pois só assim contemplará um maior número de variáveis e, conseqüentemente, a análise da situação e das alternativas será mais rica. Paralelamente, os valores éticos de parceria, sinceridade, dignidade, amizade, cooperação, fidelidade e confiança devem ser praticados tanto pelas pessoas como pelas organizações como chave para o sucesso. O homem contemporâneo, fruto de um novo momento histórico, deverá aprender a conviver cada vez mais comprometido com os direitos naturais, respeitando-os e praticandoos no seu dia-a-dia. Assim, deverá existir um esforço em abandonar as práticas anteriores, fruto de um momento histórico onde a exploração, mentira, egoísmo, orgulho e desonestidade eram os valores praticados, mesmo que de forma disfarçada. A mudança do comportamento das pessoas, motivadas pelas ações que passam a ser exigidas das organizações para que possam sobreviver e obter resultados positivos, afetará significativamente o homem e o tornará mais ético, respeitador do próximo, defensor dos Direitos Humanos e das Leis Naturais que regem a vida.(ver Figura nº 2) Figura nº 2 O Homem no Passado, Presente e Futuro PASSADO PRESENTE FUTURO formação especialista generalista com especialização e Humanista generalista especialista com formação Humanista e conheça sobre pessoas profissionais pouco reflexivos lentos e medíocres atualizar-se, ter habilidade para trabalhar em grupo Educação Continuada, acompanhando Inovações e novas Descobertas CARACTERÍSTICA S Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 44-50, abr./mai./jun. 2003 48 Mauro Neves Garcia liderança autoritária democrática como referência democrático indivíduo visão egoísta cooperação participativo valores desonestidade, orgulho, mentira e egoísmo sinceridade, cooperação, fidelidade e confiança mais ético e respeitador das pessoas e natureza direito humano e natural não os considerava aprender a praticar e respeitar os direitos naturais defensor dos direitos humanos e naturais tomada de decisão contava muito com a sorte necessita ser mais rápido e usar informações para decidir precisa saber lidar com informações e decidir rapidamente PREPARANDO-SE PARA O PRÓXIMO MILÊNIO Tanto os homens quanto as organizações deverão, nestes anos que antecedem a virada do século, buscarem incorporar as mudanças necessárias para que possam assumir as novas posturas exigidas pela sociedade humana e o mundo dos negócios. A educação continuada, exigida de todos, tanto das organizações quanto das pessoas, será o fator preponderante e demandará de ambos um esforço muito grande para acompanharem as inovações e novas descobertas. A informática e as telecomunicações, valorizando os bits, tornarão possíveis ações até então inviáveis ou desconhecidas e darão origem a novas concepções de tempo e espaço. O real, o virtual e o pessoal darão origem a novas concepções das coisas e das pessoas, fazendo surgir novas formas de relacionamento e alterando significativamente o mercado de trabalho e as formas de negócio. A palavra chave será informação. Quem a possuir e souber utilizá-la, com certeza, se destacará dos demais, pois terá nela o alimento fundamental do processo de tomada de decisão. Além da informação, as pessoas e as empresas terão que ser rápidas na tomada de decisão, pois de nada adiantará ter informações em tempo real e a tomada de decisão acontecer a “passo de tartaruga”. Assim, a rapidez na tomada de decisão, certamente, será o grande diferencial que separará os vencidos dos vencedores. Entretanto, além dessa preocupação, os homens e as organizações deverão incorporar nas suas ações valores que estendem o respeito a vida e a natureza. O direito a vida passa a ressaltar a importância da natureza, seu equilíbrio ecológico e a preservação das espécies. Quem não respeitar a natureza e os animais, com certeza não terá espaço nesse próximo milênio. A nova geração terá esses valores sedimentados e bastante presentes na forma de serem, agirão naturalmente na preservação e conservação não só do homem mas também do planeta e da própria essência da vida. Portanto, na atual conjuntura, as pessoas e as organizações terão que estar preparados para começarem a viver nesse novo mundo que virá, mesmo porque ele se delineia como algo que será bastante contrário ao que significou a vida na terra, especialmente no período posterior a revolução industrial. Assim, apesar de toda adversidade, o ser humano e as organizações estão tendo o privilégio de viverem um dos momentos históricos mais importantes da humanidade, pleno de desafios e também de grandes oportunidades. Não o reconhecer e não o aproveitar como tal será uma perda lastimável de toda a raça humana, pois momentos históricos tão marcantes quanto estes acontecem somente após centenas ou milhares de anos. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 02, p. 44-50, abr./mai./jun. 2003 49 Mauro Neves Garcia É por tudo isso que não poderemos perder essa oportunidade de crescimento e desenvolvimento, absorvendo novos conhecimentos, técnicas e, o mais importante de tudo isso, do homem no seu respeito a si mesmo e a toda a natureza que o cerca, a qual é responsável pela sua própria vida, apesar de ter sido destruída e prejudicada por ele durante séculos. Bibliografia 1. 2. 3. 4. MOLLER, Claus. O Lado Humano da Qualidade. São Paulo: Pioneira, 1992. DAVIS, Stan; DAVIDSON, Bill. 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