REFLEXÕES SOBRE O COMPONENTE CURRICULAR DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS NO ENSINO SUPERIOR Cleusa Inês Ziesmann1 Jeize de Fátima Batista Grzechota2 Sonize Lepke3 Resumo Este artigo é produto de atividades realizadas no componente de Libras ofertado como disciplina obrigatória nos cursos de Licenciaturas e como optativa nos cursos de Bacharelados, bem como resultado de reflexões sobre a receptividade dos sujeitos participantes da disciplina em aprender essa língua. A grande questão, ao assegurar a educação inclusiva, resultado em parte da luta de diversos grupos, familiares e pessoas com deficiência garantiram o acesso a educação e, por outro lado as instituições de ensino, continuam a pautar a sua ação na homogeneização e normalização dos seus alunos. Aos sujeitos surdos é dado Atendimento Educacional Especializado similar às demais deficiências, situação que exige da Comunidade Surda a batalha por outra representação, em que a diferença seja entendida apenas como diferença e não como uma falta, bem como o respeito a Língua de Sinais e ao processo de aprendizagem do aluno surdo. No que se refere à educação de surdos, a implantação da Lei 10.436 de 2002 reconhece a Língua Brasileira de Sinais como uma língua oficial de comunicação e expressão, assegurando através do Decreto 5.626 de dezembro de 2005 a difusão e inclusão da disciplina de Libras como parte do currículo na formação dos professores (nível médio e superior) e nos cursos de fonoaudiologia, assegurando de certa forma uma visão cultural em relação ao sujeito surdo, superando a visão clínica de perda ou falta da audição. Essa ação de refletir sobre a prática é necessária, dada a atual conjuntura acerca de discussões sobre o tema da educação inclusiva do sujeito surdo nos espaços escolares. O trabalho estrutura-se a partir de temas que inferem um sobre o outro. Propomos um diálogo sobre o que vem a ser essa Língua de Sinais, sua legibilidade, sua função e sua importância num contexto de aprendizagem. Em seguida, trataremos sobre como vem sendo vista e tratada a formação do docente numa perspectiva de educação inclusiva para posteriormente, num terceiro momento, dialogarmos sobre como vem acontecendo o ensino da Libras para acadêmicos ouvintes na Universidade Federal da Fronteira Sul. Palavras chaves: Educação de surdos. Libras. Educação Inclusiva. 1 Professora de Libras da UFFS – Campus de Cerro Largo, mestranda em Educação nas Ciências da Unijuí. [email protected] 2 Professora de Língua Portuguesa da UFFS – Campus de Cerro Largo, doutoranda da UniRitter. [email protected] 3 Professora de Libras da UFFS – Campus de Erechim, mestre em Educação nas Ciências da Unijuí. [email protected] Introdução A educação brasileira passa por mudanças profundas, uma delas diz respeito a inclusão de pessoas com deficiência no sistema regular de ensino assegurada pela Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(LDB) de 1996 e pela Política Nacional da Educação Inclusiva na Perspectiva da Educação Especial de 2007. No que se refere à educação de surdos, a implantação da Lei 10.436 de 2002 reconhece a Língua Brasileira de Sinais como uma língua oficial de comunicação e expressão. Assegurando através do Decreto 5.626 de dezembro de 2005 a difusão e inclusão da disciplina de Libras como parte do currículo na formação dos professores(nível médio e superior) e nos cursos de fonoaudiologia, assegurando de certa forma uma visão cultural em relação ao sujeito surdo, superando a visão clínica de perda ou falta da audição. Estas mudanças legais modificaram e devem modificar a gestão da escola e o seu currículo, por outro lado exigem do Ensino Superior uma mudança de postura e de currículo para abarcar as demandas da Educação Básica e ao mesmo tempo refletir sobre as culturas silenciadas, minorias esquecidas pelo currículo da escola. Essa parece ser a grande questão, ao assegurar a educação inclusiva, resultado em parte da luta de diversos grupos, familiares e pessoas com deficiência garantiram o acesso, por outro lado as instituições de ensino continuam a pautar a sua ação na homogeneização e normalização dos seus alunos. Aos sujeitos surdos é dado Atendimento Educacional Especializado similar ás demais deficiências. Situação que exige da Comunidade Surda4 a batalha por outra representação, em que a diferença seja entendida apenas como diferença e não como uma falta, bem como o respeito à Língua de Sinais e ao processo de aprendizagem do aluno surdo. Questões como estas são discutidas no componente curricular de Libras nos cursos de Licenciatura da Universidade Federal Fronteira5 Sul do Rio Grande do Sul, a presente discussão ocorreu nos campus Erechim e Cerro Largo. Referencial Teórico 4 Surdos e ouvintes que compartilham os mesmos interesses quanto às experiências e peculiaridades dos surdos. 5 A Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) é uma universidade que atua em três Estados brasileiros. 1 . Cultura e Identidade Surda reconhecidas no Ensino Superior A partir das questões apresentadas questiona-se: Como pensar o sujeito surdo no currículo escolar, respeitando sua identidade e sua cultura? Aprofundar o debate parece urgente e necessário pelo ideal de uma escola cidadã que respeite a diferença e promova a inclusão. Por outro lado, há estudos que mostram que o sujeito que está envolvido na diversidade de culturas acaba por usufruir e identificar-se com o que perpassa a sua vivencia. Ou seja, o homem pós- moderno não está preso a determinados territórios geográficos e sociais (desterritorialização) e busca outros significados nas novas vivências. Haveria desta forma diversas culturas e sujeitos híbridos. Para Hall (2006, p.12) “o próprio processo de identificação, através da qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático”. Desta forma, a cultura e a identidade devem ser percebidas como complexas e mutáveis. Para Perlin(1998), pesquisadora brasileira, não existe uma identidade surda, mas são múltiplas, plurais e em construção – transformação. Sempre se construindo e reconstruindo em face ao poder ouvintista.6 Partindo da premissa que para assumir determinada identidade, fazendo oposição ao outro que não somos. Ou seja, sou brasileiro e não argentino, sou surdo e não ouvinte. A identidade é também resultado de atos de criação linguística, são criados pelos atos de linguagem. Analisando a questão, o princípio que a linguagem tem consequências sobre a nossa identidade, podemos entender o conceito defendido por autores que discutem e estudam as culturas surdas. Pesquisadores dos Estudos Culturais, no Brasil, pensam a surdez não como uma falta, mas como uma diferença estabelecida através da experiência visual em que o surdo passa a ser um sujeito não com uma deficiência, mas com uma cultura mediada pela Língua Brasileira de Sinais. Com base no discurso da diferença cultural, houveram nos últimos anos manifestações da Comunidade Surda diante da recomendação legal que prevê utilização 6 Para a autora, são as representações ouvintes em relação ao surdo. da LIBRAS como forma de comunicação e a inclusão em escolas regulares, negando a possibilidade de construir um currículo próprio para a comunidade surda. Considerando a ideia de cultura e experiência visual, são compreensíveis as manifestações de indignação contra a própria terminologia utilizada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, no capitulo V, que trata da Educação Especial, na qual denomina todas as necessidades específicas como deficiências. Ao pensar o surdo e a surdez como características culturais, possibilita-se a superação (em parte) das representações que os ouvintes fizeram e fazem em relação ao surdo, na maioria das vezes de forma negativa, denominando-o de surdinho, mudinho, deficiente, doente, além de inúmeras tentativas para modelar o surdo à condição de ouvinte através da oralização, repetição vazia de vocábulos e leitura labial. O discurso da representação cultural possibilita ao surdo outra narrativa, superando a concepção de deficiente, diferente, que precisa ser cuidado e controlado. Ao narrar o surdo, como sujeito que vivência as a experiências através da visão, ele passa a ter uma identidade cultural, o que conduz a uma discussão sobre políticas públicas defendendo um currículo7 que potencialize as diferenças surdas nos espaços escolares e respeitando a língua brasileira de sinais. Pensar o currículo, passa pelo respeito a diferença, e quando envolver surdos, a experiência visual. A escola precisa ser pensada de uma forma dinâmica, que esteja atenta e articulada com a luta das minorias, para não organizar um currículo oculto, ou melhor, como afirma Apple(2002), um currículo que tacidamente tenta ensinar aos estudantes normas e valores que estão relacionadas com o trabalhador nesta sociedade( p. 112). Retomando a discussão que envolve a comunidade surda e as escolas de surdos, infelizmente, as escolas assim denominadas não garantem atender, no seu currículo a necessidade da comunidade surda. Apesar de aceitar a diferença, compreender a constituição da identidade do sujeito surdo, de utilizar a libras na comunicação e a língua portuguesa na modalidade escrita, podem cair na armadilha de colocar em prática um currículo adaptado, pois o mesmo é discutido e implantado por professores ouvintes que não compartilham da cultura surda. 7 Currículo que respeite a estrutura da língua de sinais, as expressões culturais e a experiência visual. 2 Método e Análise Neste artigo discutir temas como a língua de sinais, sua legibilidade, função, importância num contexto de aprendizagem, como é entendida a formação docente e como isso ocorre na Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) campi Erechim e Cerro Largo(RS) a fim de possibilitar ao (a) acadêmico (a) futuro professor (a) apropriação do conhecimento, informação e comunicação que maximizaram o aprendizado dos alunos independente da diferença que os caracteriza. Tema esse discutido pelas autoras nas suas produções e na condução das aulas. Para agregar elementos, que permitissem a condução dessa discussão, foi realizada uma pesquisa qualitativa, que segundo Bogdan e Biklen (1994, p.51) “ é um processo de construção da investigação”, que se constituiu através das observações nas aulas ministradas pelas autoras no Ensino Superior, bem como bem como no registro das acadêmicas no questionário estruturado com 8 questões(objetivas e discursivas), sobre suas impressões em relação aos temas discutidos neste artigo. Com a revisão bibliográfica e a coletados dos dados no primeiro semestre de 2014, organização dos registros em categorias/temas, houve a possibilidade de produzir o presente artigo e discutir os mesmos com os acadêmicos de Física, Química do Campi Cerro Largo(RS) e do curso de pedagogia campi Erechim(RS). Ações, baseadas em argumento e traduzidos em parte neste texto, permitem pensar apontar a necessidade de rever o currículo das licenciaturas e da formação continuada dos docentes da instituição, especialmente dos campi envolvidos nas discussões. A fim de provocar mudanças na Educação Básica, favoráveis a educação inclusiva e as especificidades dos alunos surdos. 3. Resultados A expansão da internet e dos demais meios de comunicação, permitem acesso a informações ilimitadas por parte dos alunos da educação básica. Essa tendência exige do(a) professor(a) outra postura, em que todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem possam aprender e reaprender. De acordo com Gadotti (1992) é preciso saber e entender que: Todo ser humano é capaz de aprender e de ensinar, e, no processo de construção do conhecimento, todos os envolvidos aprendem e ensinam. O processo de ensinoaprendizagem é mais eficaz quando o educando participa, ele mesmo, da construção do ‘seu’ conhecimento e não apenas “aprendendo” o conhecimento (p.70) Diante desse enfoque inicial, os acadêmicos , disciplina de Libras são desafiados a pensar o processo de ensino não como detentores do conhecimentos, mas como profissionais em constante formação. Da mesma, forma os alunos da educação básica são entendidos com sujeitos com experiência e conhecimento peculiar. Com esse enfoque a partir de autores que discutem a formação de professores, foi pensada o componente curricular de Libras, em que as especificidades da língua brasileira de sinais e a cultura do sujeito surdo foram discutidos, questões relacionadas à educação inclusiva. A partir desse planejamento, leitura, discussões realizadas em sala de aula e visitas em escolas com alunos surdos, aos acadêmicos constataram as especificidades exigidas quanto ao processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo ou com deficiência auditiva da educação infantil e básica. Constatações registradas pelos acadêmicos nos diferentes momentos da aula e na elaboração do questionário. Também, foi expressiva a preocupação dos acadêmicos do curso de letras e física quanto à necessidade de rever o currículo de formação de professores, uma vez que a carga horaria da Libras é de apenas trinta horas durante todo curso de licenciatura. Nessa questão o curso de pedagogia, mostrou mais tranquilidade e confiança, pois possui uma carga horaria de sessenta horas de Libras, e mais dois componentes que discutem a educação inclusiva. Porém, apontam a necessidade da discussão perpassar todo o curso e não somente determinados componentes. Desta forma, discutir temas complexos como Língua Brasileira de Sinais, educação inclusiva e formação de professores para a escola exige mudanças significativas nos cursos de formação e na formação dos docentes do ensino superior, afinal o processo de mudança inicio na Educação Básica. Cabe ao ensino superior dar passa rumo a mudança. Considerações finais Apesar da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) estar ainda em processo de constituição, os PPCs estão sendo constantemente revistos, porém, em muitas situações os cursos, não estão dispostos a aprofundar os debates sobre os processos educativos e inclusivos. Mas, é justamente nesse espaço que os docentes dos componentes curriculares existentes a como Libras devem fomentam discussões com vistas à mudanças para atender o contexto das escolas de Educação Básica. Infelizmente neste momento cabe aos docentes envolvidos com a temática tencionar a reestruturação do currículo de formação de professores, a fim de inserir mais componentes que dialoguem sobre a diferença a partir da deficiência, a educação inclusiva e as especificidades do aluno surdo. Por outro lado, o componente de Libras, permitiu aos acadêmicos a compreensão da complexidade e eficiência da língua de sinais, bem como refletir sobre os processos inclusivos das acrianças e adolescentes surdos. Processo esse que depende, em parte, do (a) professor (a) que deve ter conhecimentos da língua, mesmo diante da presença de um interprete da língua. Pois o (a) professor (a) é responsável pelo processo de ensino e aprendizagem dos seus alunos, independente da sua condição. Concluindo, fica evidente também a necessidade de estar uma educação de qualidade, que esteja atenta a todos que a ela tem acesso, é pensar uma escola democrática na qual as diferenças não sejam somente respeitadas, mas também valorizadas. Como Paulo Freire (1992) relata em sua prática: ... nas minhas relações com negros, (...) com homossexuais, com operários brancos ou negros, não tenho por que trata-los paternalmente, transbordante de culpa, mas de com elas e eles discordar com companheiros já ou como companheiros que poderão vir a ser, companheiros de luta e de caminhada. Na verdade, os interditados, os renegados, os proibidos de ser não precisam de nossa morosidade, mas do nosso calor da nossa solidariedade e de nosso amor também, mas de um amor sem manha, sem cavilações, sem preguismo... (p.153) Neste sentido, faz-se necessário e urgente, reavaliar a formação dos (as) professores (as) no Ensino Superior e a componente de Libras deve ser um espaço/tempo de reflexão a fim de repensar o currículo da Educação Básica e dar voz as minorias silenciadas. Iniciamos um dialogo que precisa perpassar todas as licenciaturas, pois repensar e reformar o Curso de Formação dos professores é uma tarefa de reponsabilidade das Universidade. Referências Bibliográficas APPLE, Michel W. Ideologia e Currículo. Porto Alegre: Editora LDA, 1999. APPLE, Michel W. Educação e Poder. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1989. BRASIL. Conselho Nacional de Educação Nacional. Proposta de Diretrizes para formação inicial de professores da Educação Básica, em cursos de nível superior. Brasília, maio de 2000. Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/basica.pdf. Acesso em 30/10/2014. BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Especial. Educação para todos: EFA 2000. 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