FORMAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LÍNGUA BRASILEIRA DE
SINAIS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA E BILÍNGUE PARA SURDOS
Kátia Andréia Souza dos Santos; Diléia Aparecida Martins
Universidade Federal de São Carlos – [email protected]; [email protected]
RESUMO
Ao analisar questões relativas a formação de intérpretes de língua de sinais e a implementação da
educação bilíngue para surdos no Brasil. O presente trabalho pretende analisar as grades curriculares
de cursos de bacharelado em Letras Libras, com o intuito de conhecer as disciplinas que moldam a
proposta pedagógica desses cursos para a formação de intérpretes de Libras. O foco está em como tais
cursos têm organizado a grade curricular e as disciplinas favorecendo ou não a formação para atuação
no campo educacional.
Palavras-chave: Intérprete de Libras, Formação superior, Letras/Libras.
INTRODUÇÃO
A formação do intérprete de língua de sinais compõe um debate instigante que conduz
pesquisadores, a partir de suas concepções acerca do ato de traduzir e interpretar línguas de
modalidade diferentes, a trilhar seus percursos investigativos. Em trabalho anterior, Martins
(2009) identifica que boa parte dos intérpretes de Libras submeteram-se a formação ocorrida
na e durante a vida sob a influência do posicionamento social ocupado por pessoas ouvintes
que se apropriaram da Libras pela convivência com a comunidade surda e que, assim
tornaram-se intérpretes desta língua.
Para Bordieu (1998), base teórica do trabalho citado,
o falante de uma língua está inserido em um campo, sendo este reconhecido como uma
forma de organização social que apresenta dois aspectos centrais: a) uma configuração de
papéis sociais, de posições dos agentes e de estruturas às quais estas posições se ajustam; b)
o processo histórico no interior do qual estas posições são efetivamente assumidas,
ocupadas pelos agentes (individuais ou coletivos) (MARTINS, 2009 p. 245).
Nessa perspectiva, em que concebe-se a formação profissional como um percurso
sócio-histórico, abordar a formação do intérprete de Libras nos posiciona no centro de um
debate acerca de modelos formativos considerados ideais e outros modelos considerados reais
ou que foram concretizados, a exemplo, cursos ofertados pela Faculdades Estácio de Sá (Rio
de Janeiro, RJ), Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis, SC), Instituto Moura
Lacerda (Ribeirão Preto, SP), Universidade Metodista de Piracicaba (Piracicaba, SP) dentre
outras. Concomitantemente, outras propostas formativas tais como os cursos de formação para
intérpretes ofertados pela Federação Nacional de Educação e Instrução de Surdos (Feneis)
iniciados no final da década de 1980, início da década de 1990 e posteriormente por
associações de intérpretes, acrescentaram as opções para os intérpretes engajados nessa
função mediadora.
No que diz respeito ao campo de trabalho no qual o intérprete será inserido, retoma-se
as mudanças no cenário educacional que ocorreram paralelamente, com a concretização de
ações que direcionam o ensino de estudantes surdos à escola inclusiva. O reconhecimento da
língua sinalizada entra em choque com a necessidade de participação na rotina escolar
constituída a partir de práticas educacionais que desconsideram as experiências culturais e
linguísticas da comunidade surda. Pela influência da Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994) a LDB nº. 9394/1996 prevê que as matrículas de estudantes surdos ocorram
preferencialmente na escola comum, reforçando o direito de acesso à escola pública, no
entanto, está posto o desafio de garantir o ensino na língua do aluno e, concomitantemente,
seu acesso e permanência a um espaço inclusivo.
Identifica-se um impasse que compõe um amplo processo histórico imbuído de
determinações políticas. Essa ideia de contradição existente entre os documentos veiculados
pelo MEC apresentada no texto de Lodi (2013) pode ser vista no texto da Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008) que considera que:
Para o ingresso dos alunos surdos nas escolas comuns, a educação bilíngue - Língua
Portuguesa/Libras desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de
sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita
para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa
e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. (BRASIL, 2008, p. 11).
Nota-se nessa política que ao aluno surdo é previsto o ensino em duas línguas, a
presença do intérprete e o ensino da Libras aos alunos ouvintes, ou seja, prevê a disseminação
da Libras no espaço escolar ao mesmo tempo em que o aluno a aprende. No texto do decreto
5.626, de 22 de dezembro de 2005, pode-se identificar de modo claro a resistência da
comunidade surda ao modelo apresentado na política nacional, visto que o decreto define a
existência de escolas e classes bilíngues ao contrário da política nacional que propõe a
inclusão de surdos na classe regular da escola comum. A comunidade surda inteiramente
envolvida nesse processo, reforça seu modo de prever a organização do ensino para atender a
necessidade formativa curricular e linguística sendo denominadas escolas ou classes de
educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa
sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.
(BRASIL, 2005, Artigo 22, §1º).
Infelizmente no Brasil, pesquisas desenvolvidas nas regiões sul e sudeste têm revelado
que a inserção de crianças surdas em escolas regulares tornou-se um desafio frente a
finalidade da educação escolar e a longa trajetória percorrida pelos estudantes na educação
básica. Estudos com foco na atuação do intérprete de Libras educacional nas escolas
brasileiras realizados já no ano 2000 (LACERDA, 2000) apontaram para os limites e
possibilidades da inclusão escolar de alunos surdos na sala de aula com ouvintes.
A mediação entre línguas no contexto escolar propõe a interação entre sujeitos: alunos
surdos, alunos ouvintes, intérpretes, professores etc, todos personagens do cenário educativo
permeado pelas relações constituídas pela e com a língua sinalizada. Pela competência técnica
para a tradução e interpretação, formação para atuação no âmbito do magistério, proficiência
em língua de sinais, traquejo para com as relações interpessoais que emergem desse contexto
é que o intérprete passa a consolidar sua profissão.
Pensar em uma proposta formativa para profissionais ouvintes que atuarão como
intérpretes de crianças surdas se torna algo demasiadamente complexo mediante a atual
conjuntura política para a formação de profissionais do magistério da educação básica. No
que tange ao intérprete de Libras, destaca-se a instituição de um sistema de avaliação de
proficiência em Libras, cujo profissional deve inscrever-se e submeter-se a uma banca
composta por especialistas ou submeter-se a um curso de formação em nível de extensão
universitária, graduação/bacharelado ou pós-graduação em tradução interpretação da
Libras/Língua Portuguesa. No entanto, atualmente no Brasil existem poucos cursos sendo
ofertados cujos princípios poderão ser explorados no texto a seguir.
Princípios sobre a formação do intérprete de Libras
O profissional intérprete de Libras é a pessoa que irá realizar a mediação entre sujeitos
que falam línguas diferentes, no caso, o português e a Libras. Para tanto, é necessário que este
profissional tenha uma formação adequada, já que a compreensão por parte dos envolvidos na
comunicação depende da sua boa atuação.
Porém essa formação ainda busca uma forma mais adequada de ser realizada, pois
historicamente o intérprete de Libras é “formado” na prática, através de sua atuação com
pessoas surdas. “Pela prática, os intérpretes de Libras-português ganham prestígio junto à
comunidade surda e tornam-se referência de bons profissionais intérpretes” (LACERDA,
2010 p.31). Atualmente essa realidade já está sendo modificada, pois algumas Instituições de
Ensino Superior (IES) já oferecem os cursos de Bacharelado em Letras/Libras que, segundo o
Decreto 5.626/05 é um curso específico para formação de tradutores e intérpretes de
Libras/Língua Portuguesa.
Esses cursos devem visar a formação do intérprete de Libras-português para atuar em
diversas áreas e situações que vão desde interpretações em eventos e salas de aula até
acompanhamentos em consultas médicas, entre outros espaços, que se façam necessária à
presença deste profissional. Então sua formação envolve muito mais do que o saber falar as
duas línguas envolvidas nesse processo. Envolve conhecimentos linguísticos, culturais,
princípios éticos, etc. Percebemos que a formação do intérprete de Libras não é algo fácil e
muito menos rápido, pois somente o “amplo domínio de pelo menos duas línguas”, descrito
por Lacerda (2010) é algo demorado e bastante específico, fora todos os outros tópicos que
devem estar presentes nessa formação.
O primeiro ponto a ser abordado com relação a formação do intérprete de Libras é
justamente o já citado, domínio de duas línguas. Esse ponto, à primeira vista, parece não ser
muito relevante, já que parece óbvio que para interpretar deve-se saber duas línguas. Porém,
esse saber duas línguas vai muito além do saber falar duas línguas. Ou seja, não basta apenas
a comunicação, mas, sim, um profundo conhecimento gramatical, pois as estruturas
gramaticais das línguas envolvidas são distintas e o tempo de resposta necessário é mínimo no
momento da atuação do intérprete.
Os intérpretes formados somente na prática, perdem a oportunidade de estudos mais
específicos com relação a gramática, principalmente da Libras, já que supõem saber bem o
português, o que nem sempre é a realidade. Mesmo em nossa língua materna, há a
necessidade de aprofundamento gramatical, como já foi dito, saber falar uma língua não
significa dominá-la. Desde o surgimento dessa profissão, na atuação com as línguas orais, já
se tinha essa formação na prática, como citado por Pagura:
Nos meios profissionais, diz-se que esses intérpretes foram “formados” pelo método
“sink or swim”, expressão em inglês que significa literalmente “afogue-se ou nade”,
e que se refere ao fato de que os intérpretes simultâneos eram colocados na cabine
para interpretar sem que recebessem previamente qualquer treinamento formal.
(PAGURA, 2003 P.216).
Assim os intérpretes de Libras também foram formados ao longo da história, “hora
nadando, hora se afogando”, fazendo que muitos ficassem pelo meio do caminho e outros
continuassem, mesmo com os atropelos enfrentados. Um segundo ponto a ser abordado na
formação desse profissional é o conhecimento cultural que envolve as duas línguas, pois
nossa fala está entremeada por nossa cultura. Assim, para falarmos bem uma língua temos que
conhecer bem a cultura da qual ela faz parte, pois nossa língua se faz por meio de nossas
experiências culturais e linguísticas.
O intérprete precisa conhecer para além da gramática, estar interligado com as
maneiras de expressão das sociedades, as quais, está interpretando. Além disso, precisa evitar
impor um ou outro modo de ser e pensar. Para tanto, necessita ter amplo conhecimento das
várias formas textuais, gêneros linguísticos e literários bem variados, além de uma grande
experiência comunicacional para que possa compreender maneiras de se expressar de pessoas
de vários grupos sociais, que mesmo falando uma única língua se expressam de forma
bastante peculiar (LACERDA, 2010 p7).
Então, podemos compreender que a boa interpretação não necessariamente deve
traduzir as palavras ditas (sentido literal), mas sim, o sentido da informação dada, pois nem
sempre haverá um equivalente literal para uma determinada terminologia ou mesmo um
conceito, tendo o intérprete que utilizar de seus conhecimentos culturais e linguísticos para
realizar a interpretação da melhor maneira, ou seja, de forma que a mensagem chegue na
língua alvo com o mesmo sentido passado na língua fonte. Partindo dessa discussão,
chegamos a mais um ponto importante a ser discutido que são os preceitos éticos da profissão
de intérprete de Libras.
O Ministério da Educação – MEC em sua publicação “O Tradutor e Intérprete de
Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa”, traz um código de ética profissional para o
intérprete de Libras que faz parte do Regimento Interno do Departamento Nacional de
Intérpretes da FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos). O
intérprete deve ser imparcial, ou seja, não pode tomar partido segundo suas convicções e deve
interpretar fielmente, “transmitindo o pensamento, a intenção e o espírito do palestrante”.
Assim, surgem os questionamentos com relação a essa fidelidade a pensamentos e
intenções. De que forma, um profissional pode captar pensamentos? Ou intenções? Além
desse ponto, outro questionamento é sobre o ser imparcial. Parece óbvio que o intérprete não
irá claramente emitir suas opiniões, porém o questionamento que fica é se ele conseguirá
manter essa imparcialidade, pois as línguas “passam” por ele, o intérprete, e no momento de
sua atuação necessita fazer escolhas, das quais nem sempre há tempo para pensar, o que pode
permitir que suas intenções, mesmo de forma inconsciente, sejam expressas no ato de
interpretar.
Na formação de intérpretes de nível superior, não se pode esquecer das teorias
específicas dessa área, que são de fundamental importância, assim como, as aulas práticas e os
exercícios para uma melhor atuação. Os estudos teóricos necessários nesse curso envolvem,
desde o histórico da profissão, até mesmo estudos sobre teorias da interpretação, que ainda
são fortemente trabalhadas nas línguas orais. Já que é a partir dessa modalidade de língua que
temos os estudos sobre a temática da interpretação. Os futuros profissionais ficarão com a
necessidade de ampliar as pesquisas sobre a interpretação da Língua brasileira de sinais.
Cursos de bacharelado em Letras Libras
Esta pesquisa foi realizada com base na análise do relatório de consulta avançada
obtido via pesquisa no site emec (http://emec.mec.gov.br/) um sítio virtual administrado pelo
MEC que dispõe de informações sobre Instituições de Educação Superior pertencentes aos
Sistemas Estaduais de Ensino, reguladas e supervisionadas pelos respectivos Conselhos
Estaduais de Educação.
A coleta de dados ocorreu mediante leitura das informações contidas no relatório, que
foi gerado mediante a inserção de termos para busca na base de dados, com os descritores dos
nomes de cursos que tínhamos o interesse de localizar. Para isso foi inserido primeiramente
em “Buscar por”, a palavra “cursos de graduação”, em seguida, “Libras” em “Curso”. As
informações “UF, município, gratuidade do curso, modalidade e índice” foram deixadas em
branco no sentido de evitar o afunilamento dos dados. Por último no item “Situação” que
tratava do funcionamento do curso (Todos, em atividade, em extinção, extinto e sub-judice)
optou-se pelo termo “todos” para que pudéssemos identificar as condições de funcionamento
de todos os cursos existentes nessa área.
Com o uso dos descritores acima explicitados na consulta realizada no dia sete de
agosto de dois mil e quatorze, o resultado obtido foi a existência de quarenta registros, sendo:
sete cursos de bacharelado e trinta e três cursos de licenciatura.
Dos quarenta cursos de formação em letras libras ofertados, apenas sete correspondem
a formação em bacharelado, que de acordo com o decreto 5.626 deve ser a formação inicial
do intérprete de Libras, nota-se que atualmente tem-se investido mais na formação dos
professores da língua de sinais, ou seja, daqueles que colaborarão na disseminação dessa
língua do que do profissional que media a comunicação entre pessoas fluentes e não fluentes
na língua.
Aprofundando a análise para os cursos de bacharelado, foco do presente estudo,
procedemos a organização desses dados construindo uma tabela preservando as características
da busca, tais como nome da instituição de ensino, a modalidade e a situação do curso, como
se pode observar na tabela abaixo:
Tabela 1: Cursos de bacharelado em Letras Libras
Instituição (IES)
Modalidade
Situação
UFMT
Presencial
Em Extinção
UFES
Presencial
Em Atividade
UFSC
A Distância
Em Atividade
UFSC
Presencial
Em Atividade
UFSC
Presencial
Extinto
UFRJ
Presencial
Em Atividade
UFRR
Presencial
Em Atividade
A consulta ao site de cada IES permitiu reconhecer o currículo do curso citado na
tabela acima. Constatou-se concomitantemente que há um curso em pleno funcionamento na
UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) na modalidade presencial e que a UFES não
divulga em sua página na internet, informações mais detalhadas sobre o projeto político
pedagógico e grade curricular, não sendo assim, possível tecer comentários sobre o curso,
bem como, analisá-lo juntamente com as demais Universidades que dispunham do projeto em
seus websites.
Currículos e disciplinas em estudo
Após a análise da grade curricular, as disciplinas foram categorizadas em grupos
correspondentes à formação em Linguagem que compreende disciplinas cujo conteúdo esteja
relacionado a aquisição de língua, escrita, literatura e a conceitos da psicolinguísticas e
estudos
linguísticos
presentes
na
grade
curricular.
O
segundo
grupo
nomeado
Tradução/interpretação acolheu as disciplinas direcionadas paras a formação nesse campo,
seja ela teórica ou prática. O terceiro grupo Estágios tratava de disciplinas cuja proposta era a
formação prática in lócus. O quarto grupo Língua de sinais abarcou as disciplinas
encarregadas por capacitar o estudante para o domínio da língua base, do desenho curricular.
O quinto grupo Língua portuguesa constituiu-se por disciplinas cuja característica central
era propor ao estudante o desenvolvimento de habilidades de leitura, escrita e conhecimento
história acerca dessa língua. O sexto e último grupo foi constituído por disciplinas
relacionadas a formação no campo educacional e por isso foi nomeado Educação.
Como esse trabalho debruça-se sobre a análise da formação concedida ao intérprete de
Libras em nível de bacharelado – curso de superior de graduação na área para atuar no campo
da educação, a análise dos dados foi iniciada pelo descritor educação.
A análise inicial dos dados coletados nessa primeira etapa da pesquisa, permitiu
identificar o quanto as propostas de formação em cursos de bacharelado em Letras Libras têm
se apropriado do conhecimento no campo educacional para formação dos intérpretes de língua
de sinais.
No descritor educação, o curso ofertado pela Universidade Federal de Roraima
(UFRR) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) na modalidade presencial dispõe
de maior quantidade de disciplinas, três cada uma, cujo foco são conteúdos direcionados a
formação educacional, seguido do curso a distância da UFSC e da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), totalizando duas disciplinas cada uma. Nessa categoria percebe-se
uma paridade entre as quantidades de disciplinas nas Instituições.
O texto das diretrizes curriculares (CNE/CES 492/2001) não aponta diferenciação para
a formação entre bacharéis e licenciados, propondo ainda com relação aos conteúdos que a
proposta curricular tenha em vista a diversidade de profissionais que o curso de letras pode
formar. Afirma que os conteúdos básicos devem estar relacionados à área dos Estudos
Linguísticos e literários, fundamentados na “percepção da língua e da literatura como prática
social e como forma mais elaborada das manifestações culturais” (IDEM, p. 31) devendo
articular a reflexão teórico crítica com o domínio da prática. Entretanto, as diretrizes
curriculares assinalam que as licenciaturas deverão incluir os conteúdos definidos para a
educação básica, as didáticas próprias de cada conteúdo e as pesquisas que as embasam
(IBIDEM, p. 31).
Com relação especificamente ao núcleo básico, que segundo as diretrizes, deve
constituir a formação central do profissional com formação no curso de Letras, foi possível
identificar que no campo da formação do bacharel em Letras/Libras há uma ampla gama de
disciplina que permitem formar os estudantes para campos da linguística, destinados ao
estudo da estrutura da língua como é o caso da proposta curricular da UFSC. Ou ainda uma
visão mais enxuta voltada para a formação básica em linguagem, literatura e escrita.
Na categoria Linguagem, o que aparece é uma maior quantidade de disciplinas
relacionada ao tema na UFSC, tanto no curso EAD (doze disciplinas), quanto no curso
presencial (dez disciplinas). O que não é percebido na UFRJ, com oito disciplinas e na UFRR
que possui metade das disciplinas ofertadas da UFSC EAD.
No que concerne aos estudos específicos de Tradução/Interpretação podemos notar
que a UFSC prioriza essa categoria na formação de seus alunos, pois assim como na categoria
Linguagem há uma quantidade maior de disciplinas direcionadas a esse tópico. Doze
disciplinas no curso presencial e dez no curso EAD. As outras duas IES, possuem um número
de disciplina similar nesse item. Sete na UFRR e seis na UFRJ.
Ao analisarmos a categoria Estágios – Formação in locus percebemos uma mudança
na prioridade nas IES. Nesse item a UFRR possui um número maior de disciplinas, o que
pode ser indicador da compreensão de que a prática, ainda no ambiente acadêmico, dá um
suporte maior para a formação, preparando de forma diferenciada os seus alunos para
enfrentar situações do cotidiano de trabalho. A UFRR possui o dobro das disciplinas
relacionadas a prática in locus, (quatro disciplinas), ficando as outras três com a mesma
quantidade.
O conhecimento amplo da língua de sinais é uma das bases para o trabalho do
intérprete, assim a disciplina específica dessa língua deve ser uma das mais trabalhadas, para
que o aluno desenvolva todas as competências necessárias para atuar profissionalmente.
A quantidade de disciplinas específicas sobre a língua de sinais nas IES está
equiparada em relação a quantidade de ofertas. A UFRJ e a UFSC presencial ofertam sete
disciplinas cada, a UFSC EAD seis disciplinas e a UFRR cinco. Porém, não temos como
avaliar de forma mais específica os conteúdos trabalhados, pois não é o foco deste estudo.
Segundo estudos já citados, o interprete deve ter conhecimento amplo não só dá língua
de sinais, mas também da língua portuguesa, pois apesar de ser a língua materna da maioria
dos intérpretes, não se pode dizer que um usuário dessa língua tenha profundo conhecimento
da mesma. Assim, é importante que nos cursos de Letras/Libras essa disciplina também seja
amplamente trabalhada. Levando os futuros intérpretes a conhecerem suas estruturas
gramaticais, suas nuances, além de ampliar seu conhecimento sobre a cultura de nosso país.
Apenas a UFSC EAD apresenta em seu desenho curricular um número pequeno dessa
disciplina (três), em comparação com as demais IES, a UFRJ com sete e UFSC presencial
com seis. Já a UFRR é a que mais trabalha essa disciplina (oito). A disparidade entre a oferta
dessa disciplina nas duas IES não pode ser explicada apenas com as informações do desenho
curricular. Uma análise mais criteriosa deverá ser feita para tal fim.
Com as análises feitas em cada categoria elencada, elaboramos um gráfico geral que
mostra a prioridade das IES por categoria. Assim, poderemos perceber melhor a base da
formação dada por cada instituição.
Ao olharmos para o gráfico percebemos claramente que a UFSC é a instituição que
destina a maior parte de suas disciplinas a conhecimentos sobre a tradução/interpretação e a
linguagem. Já as outras duas IES se mostram mais equiparadas na distribuição das disciplinas
por categoria. O gráfico também nos mostra que as categorias Educação e Estágio são as que
menos se destinam disciplinas. Talvez pelo fato de se pensar que o intérprete não é educador,
que suas funções não são pedagógicas e que por isso não há necessidade de uma formação
mais específicas nesses itens.
CONSIDERAÇÕES
Retomando a noção de que a implementação de uma proposta educacional bilíngue no
contexto da educação inclusiva esbarra na formação dos profissionais que tornarão possível
concretizar na escola comum o ensino mediado pela língua sinalizada, considera-se que os
dados expostos nesse trabalho revelam que os cursos de bacharelado destinados a formação
em Letras- Libras seguem o padrão consensual para formação de profissionais da área de
letras.
O currículo de formação inicial para intérpretes apresenta um foco distinto dos cursos
de formação de profissionais do magistério e, portanto, possuem uma menor quantidade de
disciplinas que encaminham o futuro profissional ao domínio de saberes necessários para a
atuação no âmbito escolar. Em meio ao tenso debate que contempla as concepções distintas de
escolarização dos sujeitos surdos, há o reconhecimento legal de que a escola comum e regular
deve ser inclusiva e bilíngue, termos dotados de contraditoriedade comum aos processos
inclusivos na realidade brasileira.
Em face do papel desempenhado pela educação escolar na formação do sujeito surdo,
o intérprete de Libras necessita constituir saber científico do campo de atuação de sua escolha.
Sendo que este campo educacional, estará exposto ao processo inclusivo e bilíngue e a
contradição posta pelos dois processos. Sendo este o profissional fluente na língua, embora
não deva ser o único conhecedor da língua sinalizada no ambiente escolar, poderá contribuir
diretamente para a superação de barreiras educacionais que proporcionarão a superação do
modelo inclusivo opaco.
O ensino bilíngue com foco na língua de sinais propõe uma necessidade formativa
específica a esse profissional, a base acerca da linguagem e do desenvolvimento linguístico
parecem proporcionar oportunidades para que esse profissional se aproxime da base teórica
necessária. Talvez o maior problema esteja na escassez de cursos ou no acesso que os
profissionais em exercício têm a essa formação. De qualquer modo, acreditamos que o
presente trabalho cumpriu com sua meta, que era aprofundar o olhar para parte desse processo
formativo, disponível nos cursos de bacharelado, que mais trabalhos, possam contribuir para o
melhor reconhecimento de questões pertinentes a esse meio.
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http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44502003000300013.
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