LIBRAS – LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
UMA POSSIBILIDADE DE SEGUNDA LÍNGUA PARA OUVINTES
SILVA, Rúbia Carla da – UEPG/PR
[email protected]
Eixo Temático: Diversidade e Inclusão
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O objetivo fundamental do professor de Português é o de ampliar a capacidade de
comunicação, expressão e integração pela linguagem da população que se trabalha. Foi
pensando nisso, e convivendo em um mundo de silêncio junto ao irmão surdo e amigos desta
comunidade que surgiu a ânsia de pesquisar como a Libras – Língua Brasileira de Sinais –
pode influenciar uma sociedade ‘ouvintista’ para que os sujeitos surdos passem a ser
realmente incluídos e ‘ouvidos’ nessa mesma sociedade. Inicialmente, são abordos temas
relevantes para a compreensão de aspectos culturais, sociais e educacionais que envolvem a
Libras. Em seguida, pesquisando como se dá a aquisição da linguagem desde tenra idade, são
apresentadas as diferentes fases em que crianças ouvintes e surdas passam, fazendo um
paralelo entre a aquisição de uma língua pertencente a modalidade oral-auditiva – Língua
Portuguesa –, e outra da modalidade visual-espacial – Libras. Por fim, Libras: segunda língua
para ouvintes: uma possibilidade – vai tratar exatamente deste aspecto. A Libras sendo
ensinada para ouvintes como uma língua estrangeira. A análise parte do pressuposto do
Letramento, tão comentado (e às vezes pouco entendido) nos dias atuais, já que se aprende a
escrever e ler, mas nem sempre se compreende os sentidos presentes no texto. Assim é
levantada a questão de como os cursos de Língua de Sinais estão sendo organizados em todo
o mundo e em especial os da região de Ponta Grossa. O estudo contempla desde a
metodologia utilizada, administração e currículo até uma sugestão de organização de cursos
de Libras, baseando-se em leituras de diferentes autores. Também se faz uma reflexão quanto
a presença ou não do Intérprete e sua postura nessa atuação em diversos ambientes sociais.
Palavras-chave: Libras. Línguas Sinalizadas. Língua Estrangeira. Surdos.
Introdução
A atuação profissional prevista em lei para os licenciados em Letras - Português é a
docência da língua portuguesa no Ensino Fundamental (a partir do 6º ano) e Ensino Médio.
Admitindo que o objetivo fundamental do professor de Português, como esclarece o MEC, é o
de ampliar a capacidade de comunicação, expressão e integração pela linguagem da
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população que se trabalha, parece correto esperar que o currículo de Letras prepare o futuro
professor para avaliar potencialidades e limitações que caracterizam a expressão e
comunicação dos alunos de um modo geral, além de outros aspectos de igual relevância.
Foi pensando nisso, e convivendo em um mundo de silêncio junto ao irmão surdo e
amigos desta comunidade, que surgiu a ânsia de pesquisar como a Libras – Língua Brasileira
de Sinais – pode influenciar uma sociedade ouvintista para que os sujeitos surdos passem a
ser realmente incluídos e ‘ouvidos’ nessa mesma sociedade.
Inicialmente, abordou-se temas relevantes para a compreensão de aspectos culturais,
sociais e educacionais que envolvem a Libras. Em seguida, pesquisando como se dá a
aquisição da linguagem desde tenra idade, são apresentadas as diferentes fases em que
crianças ouvintes e surdas passam, fazendo um paralelo entre a aquisição de uma língua
pertencente à modalidade oral-auditiva – Língua Portuguesa –, e outra da modalidade visualespacial – Libras. E por fim - Libras – segunda língua para ouvintes: uma possibilidade –
sendo ensinada para ouvintes como uma língua estrangeira. A análise parte do pressuposto do
Letramento, tão comentado (e às vezes pouco entendido) nos dias atuais, já que se aprende a
escrever e ler, mas nem sempre se compreende os sentidos presentes no texto. Esse último
aspecto sendo apresentado aqui como primordial.
Enfim, conclui-se o trabalho mostrando aspectos significativos da Libras, para um
melhor aprendizado, abordando aspectos lingüísticos que interferem na percepção do
funcionamento dos sinais em relação à mesma percepção das língua orais. Sugere-se,
portanto, que pessoas envolvidas com a comunidade surda venham a ter uma maior integração
e pesquisa da língua de sinais, para que juntos – surdos e ouvintes – possam aprimorar os
diferentes cursos ministrados nessa língua aos ouvintes, promovendo a real inclusão.
Cultura, Comunidade e Identidade Surdas
Cultura (do latim cultura, cultivar o solo, cuidar) é um termo com várias acepções, em
diferentes níveis de profundidade e diferente especificidade. São práticas e ações sociais que
seguem um padrão determinado no espaço/tempo. Se refere a crenças, comportamentos,
valores, instituições, regras morais que permeiam e "preenchem" a sociedade. Explica e dá
sentido a cosmologia social, é a identidade própria de um grupo humano em um território e
num determinado período.
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Para Sá (200-) é através das interpretações baseadas na cultura majoritária que ocorre
a valorização do modelo ouvinte, principalmente no processo educativo dos surdos. Uma
imposição subjetiva (às vezes até objetiva) sobre as identidades dos surdos, sobre sua
subjetividade e também sobre sua auto-imagem.
As culturas minoritárias geralmente convivem com os códigos da cultura majoritária e
pretensamente normalizadora. Neste discurso específico, ‘normalizar’ aparece com o sentido
de ‘igualar’, mas, na verdade, o surdo é visto como alguém que nunca pode ser ‘normal’, ou
‘igual’.
Numa mesma sociedade existem várias culturas imbricadas umas nas outras, gerando a
necessidade de se considerar um ‘multiculturalismo’, principalmente nas ações educacionais.
No entanto, há várias noções de multiculturalismo.
Carlos Skliar adverte (com base em Harlan Lane, 1990 e em Peter McLaren, 1997) que
na concepção conservadora de multiculturalismo há uma supremacia do ouvinte sobre os
surdos, um destaque para a biologização da surdez e dos surdos, há a deslegitimação das
línguas estrangeiras e dos dialetos regionais e étnicos – proclamação do monolinguísmo.
Pode-se observar, também, a concepção humanista e liberal, que exagera o papel da
escola supondo que ela pode mudar as desigualdades, criando uma certa opressão para os que
desejam a diferença ou para os que não podem alcançar esta suposta ‘igualdade’. Skliar
destaca ainda, a concepção progressista, segundo a qual o conceito de diferença é aceito, mas
trata-se de uma diferença pensada como essência. Fala-se do surdo ‘verdadeiro’, do ‘surdo
militante’, do surdo ‘consciente’, mas ignorando a história e a cultura que dão o suporte
político à diferença.
Por fim, comenta a concepção crítica, a que destaca o papel que a língua e as
representações exercem na constituição de significados e de identidades surdas. As
representações de raça, de classe, de gênero, são vistas como o resultado de lutas sociais sobre
signos e significações. Pode-se afirmar que existe uma cultura surda que se diferencia da
cultura dos ouvintes por meio de valores, estilos, atitudes e práticas diferentes. (SKLIAR,
1998)
A cultura surda é socialmente construída como uma sub-cultura, e o objetivo
socialmente valorizado passa a ser tornar os surdos ‘aceitáveis’ para a sociedade dos que
ouvem, por isto muitos surdos precisam ser ‘ferrenhos’ ao oferecer resistência à negação de
suas identidades. A resistência geralmente não é interpretada positivamente.
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Refere-se aos códigos próprios dos surdos, suas formas de organização, de
solidariedade, de linguagem, de juízos de valor, de arte... O uso da língua de sinais, então,
pode ser entendido como um dos aspectos definidores da ‘auto-identidade’ de uma minoria
lingüística ou étnica, mas não significa, que para participar de uma ‘comunidade surda’ temse que, necessariamente, usar/conhecer a língua de sinais. (SÁ, 200-)
Talvez pela importância que tem a língua de sinais como um dos principais aspectos
de identidade é que historicamente se verificou uma verdadeira violência institucional contra
a comunidade surda - ao ser ‘sugerida’ a proibição da língua de sinais nas escolas, desde o
final do século XIX. Historicamente ocorreu um verdadeiro ‘amordaçamento’ da cultura
surda. Ou, caso consideremos que a palavra amordaçar lembra ‘impedir a fala’, seria
interessante dizer que houve uma ‘amarração’ da cultura surda, pois literalmente as mãos é
que eram amarradas, para que não pudessem utilizar a língua natural que dá suporte ao mundo
cognitivo dos surdos.
Comunidade
Comunidade pode ser entendida como um conjunto de seres vivos inter-relacionados
que habita um mesmo lugar. Do ponto de vista da sociologia, uma comunidade é um conjunto
de pessoas com interesses mútuos que vivem no mesmo local e se organizam dentro de um
conjunto de normas. (BARSA, 2001)
A comunidade surda não formada apenas por surdos, mas por qualquer pessoa que
utilize os mesmos meios de comunicação, manifesto, entre outros, que essa cultura. Assim
pode-se encontrar em diversos espaços físicos, um grupo de pessoas surdas e ouvintes em um
ambiente culturalmente diverso dos demais presentes naquele mesmo espaço.
Um bom exemplo são as associações de surdos – que tem seus familiares como
participantes (geralmente ouvintes), intérpretes e demais colaboradores de diferentes áreas
com um objetivo em comum, uma comunicação visuo-espacial e uma compreensão clara dos
aspectos culturais desse grupo, considerado minoritário socialmente.
Identidade
A maioria dos estudos tem como base a idéia de que a identidade surda está
relacionada a uma questão de uso da língua. Portanto, o uso ou não da língua de sinais seria
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aquilo que definiria basicamente a identidade do sujeito, identidade que só seria adquirida em
contato com outro surdo. O que ocorre, na verdade, é que, em contato com outro surdo que
também use a língua de sinais surgem novas possibilidades interativas, de compreensão, de
diálogo, de aprendizagem, que não são possíveis apenas por meio da linguagem oral. A
aquisição de uma língua, e de todos os mecanismos afeitos a ela, faz com que se credite à
língua de sinais a capacidade de ser a única capaz de oferecer uma identidade ao surdo.
(SANTANA & BERGAMO, 2005)
O que está por trás de tal afirmativa não é simplesmente uma questão de identidade
social, mas, uma identidade concebida a partir de um determinado pressuposto teórico. Ao
tomar a língua como definidora de uma identidade social, enfatiza-se o seu caráter
instrumental. Assim, sua natureza, ou sua significação social, passa a ser creditada às
interações sociais às quais está ligada. Para alguns autores a identidade está relacionada tanto
aos discursos produzidos quanto à natureza das relações sociais.
Em outras palavras, torna-se estranha a afirmação de que todos os surdos só
constituam sua identidade por intermédio da língua de sinais. Afinal de contas, não há uma
relação direta entre língua específica e identidade específica. A identidade não pode ser vista
como inerente às pessoas, mas sim como resultado de práticas discursivas e sociais em
circunstâncias sócio-históricas particulares. O modo como a surdez é concebida socialmente
também influencia a construção da identidade. O sujeito não pode ser visto dentro de um
‘vácuo social’. Ele afeta e é afetado pelos discursos e pelas práticas produzidos.
Em suma, dificilmente se pode falar de uma identidade surda. A constituição da
identidade do sujeito está relacionada às práticas sociais, e não a uma língua determinada, e às
interações discursivas diferenciadas no decorrer de sua vida: na família, na escola, no
trabalho, nos cursos que faz, com os amigos. O reconhecimento dessa realidade seria o
aprofundamento das discussões sobre a identidade no campo da surdez, no qual se procura
estabelecer uma ‘norma’ com relação ao que é teoricamente chamado de identidade, e exigir
que as análises correspondam a ela. Ou seja, uma norma de identidade, a identidade do surdo,
e uma norma cultural correspondente, a cultura surda. (BERBERIAN (et all), 2006).
Aquisição da linguagem: igual para todos?
A linguagem é o meio pelo qual se manifestam os processos intelectuais superiores.
Para alguns autores é a expressão vocal do pensamento. É a maneira mais desenvolvida de se
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realizar contato social, e sua função primordial: a comunicação.
Na interação normal da
criança com cada cuidador os comportamentos são reforçados e resultam na aquisição da
comunicação pela palavra. As crianças desenvolvem três habilidades primárias para o
desenvolvimento da competência comunicativa (tanto ouvinte quanto surdo). Habilidade de
produção: intenção e comunicação com o olhar gestos e sinais; Habilidades de Compreensão:
significado dos sinais e comunicação dos outros e dos sinais do ambiente com movimentos
corporais, expressão facial e tom de voz no uso das palavras; Habilidades pragmáticas:
comunicação e linguagem apropriadas às situações e estratégias adequadas para aliciar a
compreensão dos outros.(PAUL e RUBIN IN GRUNSPUN, 2003)
Mas quando algumas dessas habilidades têm algum comprometimento, tem-se então
os distúrbios ou transtornos específicos do desenvolvimento da fala e linguagem, como o
Transtorno da Linguagem Expressiva, Transtorno Misto da Linguagem Receptivo-Expressiva,
Tartamudez (Gagueira) e Transtorno Fonológico (Articulação). Estes podem também estar
associados a condições físicas como a SURDEZ, por exemplo, ou a transtornos emocionais,
psicológicos e do desenvolvimento severos, como autismo ou retardo mental.
Desenvolvimento da Linguagem Pré-Lingüística (Verbal ou Gestual)
É comum dividir o estágio inicial da aquisição de linguagem em duas fases: prélingüística e lingüística. No estágio pré-lingüístico, a capacidade lingüística da criança
desenvolve-se sem qualquer produção lingüística identificável. É o balbuciar dos bebês de
aproximadamente seis meses que sinaliza o começo da aquisição da linguagem. Esse período
é tipicamente descrito como pré-lingüístico porque os sons produzidos não são associados a
nenhum significado lingüístico. Desde o nascimento, a criança, além do choro, é capaz de
emitir sons mensuráveis. Irwin (1952), realizou gravações de recém-nascidos, percebendo que
todas as crianças, em qualquer raça ou país, apresentam os mesmos perfis. (GRUNSPUN,
2003)
As semelhanças encontradas na sistematização das duas formas de balbuciar sugerem
haver no ser humano uma capacidade lingüística que sustenta a aquisição da linguagem
independente da modalidade da língua: oral-auditiva ou espaço-visual. (QUADROS, 2008)
Primeiras Palavras ou Sinais
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Segundo Stillings (1987, apud RAPOSO e VAZ, 2002), o primeiro estágio lingüístico
da criança parece ser o estágio de uma palavra. Nesse estágio, que aparece a poucos meses
delas completarem um ano, as crianças produzem suas primeiras palavras. Da mesma forma,
o estágio de um sinal inicia por volta dos 12 meses da criança surda e percorre um período até
por volta dos 2 anos.(QUADROS, 2008)
A investigação das primeiras palavras da criança indica que o conhecimento adquirido
por aquelas de um ano de idade toma a forma de um sistema rico de regras e representações.
Como esses sistemas abstratos foram deduzidos, principalmente, através das experiências das
crianças na comunidade lingüística, as diferenças entre a gramática da criança e a do adulto
são compreensíveis.
O surgimento da sintaxe
Uma hipótese popular diz que as crianças organizam seu vocabulário em duas classes
lexicais chamadas de pivô e aberta. Assim, a fala da criança seria composta de duas palavras
da classe aberta ou uma palavra da classe aberta e uma da classe pivô, já que no estágio de
uma palavra elas utilizam palavras da classe aberta.
O ponto fundamental dessa fase é que a justaposição de palavras não implica relação
semântica entre ela. Essas relações semânticas tendem a aparecer com o tempo, quando as
combinações de palavras aumentarem. A primeira relação a aparecer é a de modificadormodificado (mais biscoito) e a de agente-ação (cachorro come). Essa relação semântica
(algumas vezes chamada de relação temática) aparentemente começa no estágio de duas
palavras. (RAPOSO e VAZ, 2002)
Entende-se, assim, que os estudos realizados por diferentes pesquisadores sobre a
aquisição da linguagem, no conhecimento do uso lingüístico do espaço em Língua de Sinal
que uma criança deve ter, necessariamente, inclui a informação quanto as diferenças
generalizadas do local de sinalização; o estabelecimento explícito dos nominais em pontos
espaciais diferentes; a identificação do local espacial de forma consciente; e, a utilização do
local espacial em frases e no discurso de maneira contrastante, adquirindo tal conhecimento
em torno dos sete anos quando atingem a maturidade sobre o sistema referencial da sintaxe.
Libras – segunda língua para ouvintes: mais uma possibilidade.
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Ao discutir a origem do termo Letramento, Soares (1998) destaca que as pessoas se
alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da
leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita
para envolverem-se em práticas sociais de escrita. Em se tratando de crianças surdas, a crença
na dificuldade em discriminar auditivamente os fonemas parece responder pelo excessivo
tempo gasto em treinamento auditivo e de fala. Treinam-se fonemas, sílabas e vocábulos que
serão trabalhados depois na escrita. (KARNOPP e PEREIRA IN LODI (et al), 2006).
Ainda, não se pode esquecer que uma grande parcela dos surdos vem de famílias
ouvintes, em que sua linguagem é constituída na interação com as mães ouvintes, mas que
não apresenta uma língua na qual possa se basear na tarefa de aprender a ler e escrever
quando chega à escola.
Desde que a utilização da Libras nas salas de aula passou a ser praticada, nos fins dos
anos 1980 e início da década de 1990, os educadores de surdos de um modo geral buscam ter
maior conhecimento dessa língua, para que sua atuação seja mais adequada e cumpra com seu
verdadeiro papel. Vários foram os recursos utilizados para esta capacitação: oficinas, minicursos, palestras, seminários... Mas a grande maioria (senão todos) ministrada, na época, por
ouvintes.
Com a evolução das pesquisas na área da surdez, também se observou que para se ter
uma real compreensão e apreensão da Libras o próprio surdo deveria ministrar o
conhecimento. Tem início então os cursos para instrutores surdos, inicialmente capacitados
por ouvintes, até que surgissem surdos qualificados para tal trabalho. Dessa forma, os cursos
posteriores tiveram seus surdos capacitados pelos próprios surdos. Metodologias foram
elaboradas para que os ouvintes pudessem aprender língua de sinais e tivessem competência
na comunicação com os surdos.
Assim, ouvintes começam a procurar os diversos cursos de Libras que escolas
especiais, grupos religiosos e associações de surdos começam a oferecer a familiares e
comunidade. Em 1998, é oficializada a Libras no Paraná, a priori, reconhecida como língua
natural dos surdos (Lei n.º12095 - 11/03/1998) e, posteriormente, com a Lei n.º 10.436 de 24
de abril de 2002, a oficialização no país. Mas muito ainda precisava ser feito, e com o Decreto
nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, a comunidade surda teve a Libras inserida como
disciplina curricular, uma vez que já estava previsto em lei.
Metodologia dos cursos: ideal?
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Nos diversos materiais que se pode encontrar sobre os cursos de Libras, nota-se que
uma grande parcela organiza o conteúdo por temáticas. Trabalha-se então, uma gama de
vocabulários referentes àquele assunto, mas muitas das vezes se esquece de trabalhar a
contextualização desses sinais. Para que se aprenda uma segunda língua sabe-se da
necessidade de ter uma parte desse estudo direcionado ao vocabulário da língua pretendida.
Com as línguas de sinais não seria diferente, senão primordial.
Buscando enfim, bibliografia sobre a abordagem da pesquisa, percebeu-se a enorme
dificuldade em encontrar autores preocupados em como esses cursos estão sendo organizados
e quais os resultados obtidos ao fim de cada um. Através da obra de Sherman e Phyllis
Wilcox intitulada “Aprender a ver”, sobre o ensino da ASL – American Sign Linguage
(Língua Americana de Sinais) – como segunda língua é que se encontrou uma possibilidade
de co-relação com o ensinado em Libras como segunda língua.
Entre apostilas e vídeos de cursos de Libras, quase nenhum aborda a expressão
corporo-facial como fundamento para tal aprendizado. Até podemos considerar como lógico,
uma vez que a comunidade surda a utiliza normalmente. Mas não os ouvintes, que fazem
pouco ou quase nenhum uso da expressividade corporal. Por mais notório que seja a
utilização desse recurso para a comunicação com os surdos, é primordial que, em se tratando
de curso para ouvintes, se tenha esse cuidado em trabalhar diferentes situações que explorem
a expressão corporo-facial. Dessa forma acompanhando o Curso de Extensão “A Língua
Brasileira de Sinais na formação do Educador” – níveis básico e intermediário da UEPG –
Universidade Estadual de Ponta Grossa – percebeu-se a grande diferença no aprendizado
dessa língua, quando se trabalhou antes os recursos corporais de cada um.
O casal Wilcox, já em meados de 80, apresenta possibilidades de organização de um
curso de ASL, que co-relacionamos e adequamos à nossa realidade. Comentam que, como
qualquer curso de segunda língua, existe a análise das necessidades para que se consiga
estabelecer as metas a serem alcançadas. Assim se deve analisar quem são os aprendizes
(escolaridade, campo de atuação profissional, tempo na área, faixa etária...) e porque querem
aprender a Libras; também é necessário anotar quais os recursos disponíveis, inclusive o
pessoal (quantos instrutores poderão atuar, terá a presença de intérprete ou não), ainda
relacionado aos professores-instrutores quem são e quais suas necessidades especiais;
observar o local que poderá ser utilizado ao aprendizado (de fácil acesso, amplo, claro...) e
por fim o tempo adequado ou disponível para instrução.
2530
Atualmente, pode-se perceber que diferentes abordagens acontecem nos cursos de
Libras. Apenas para exemplificar tal situação, alguns cursos apenas trabalham vocabulário
isolado em diferentes temáticas (Frutas, Cor, Família, Tempo, Transporte...) e fazem a prática
através de exercícios (como telefone sem fio, ditados em Libras...); outros são organizados a
partir de pequenos vídeos em Libras, para se trabalhar os sinais daquele contexto, muitas
vezes ficando distante da realidade dos participantes. Enfim, a organização dos cursos de
Libras ainda é um assunto esquecido pelos envolvidos, na maioria das vezes.
Portanto, os coordenadores de curso não podem ignorar os efeitos da abordagem e da
filosofia que serão empregadas durante a capacitação. Todos os recursos e estratégias devem
possibilitar a uma percepção clara sobre qual será o próximo passo desse aluno. Fará um
curso para intérprete? Atuará apenas com crianças ou não? No local de trabalho já tem surdos
incluídos? Como os demais colegas de profissão vêem essa busca? Ou simplesmente buscam
uma qualificação para o cumprimento da lei? Toda a abordagem realizada no curso trará um
resultado positivo ou negativo, conforme o cuidado que se tenha ao ministrar tal curso.
(WILCOX, 2005).
Nesse ponto, podemos então analisar as diversas atuações nos cursos. Nem sempre é
feita uma triagem dos alunos. Ou é solicitado o preenchimento de um formulário para que a
priori se faça um levantamento das características do grupo interessado. O máximo que
ocorre, quando muito, é a apresentação de si mesmo iniciando pelo nome, idade, profissão.
Como geralmente as pessoas em início do curso nem sempre se conhecem, barreiras já são
colocadas. Alguns mais tímidos acabam se fechando mais, outros apresentam pouca
mobilidade nas articulações e há aqueles que estão dispostos para qualquer atividade. Se tal
procedimento fosse feito antecipadamente, o próprio professor-instrutor e intérprete saberiam
com maior convicção qual a atividade ideal para se promover uma integração melhor.
O que vemos hoje em dia nos cursos de Libras é uma imensa heterogeneidade no
grupo. Por não se fazer tal pesquisa inicial, algumas aulas são monótonas para uns e
extremamente difíceis para outros. Quando se exige maior maleabilidade nos dedos para a
execução de algum sinal, uns o fazem com rapidez, destreza e clareza; já outros malmente
conseguem deixar a mão na configuração solicitada para a articulação daquele ou desse sinal.
Analisemos um fato.
A estrutura gramatical da Libras se organiza a partir de alguns parâmetros na formação
dos diferentes níveis lingüísticos. Os principais são: Configuração das mãos (CM);
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Movimento (M); e Localização (L). Outros três constituem seus parâmetros menores: Região
de contato, Orientação das mãos e Disposição das mãos.
A CM é a forma que a mão assume durante a realização de um sinal. Pode ser
comparada a classificação dos fonemas na Língua Portuguesa, durante a realização de uma
palavra falada.
A Localização é o lugar do corpo ou espaço neutro onde será realizado o sinal.
O Movimento é o deslocamento da mão no espaço, durante a realização do sinal. Pode
ser unidirecional, bidirecional e multidirecional quanto a sua direcionalidade. E retilíneo,
helicoidal, circular, semicircular, sinuoso e angular quanto aos tipos. (PARANÁ. 1998).
Estes são alguns dos aspectos lingüísticos a serem analisados na execução de um sinal
– CM, L e M. Considerando a CM já podemos notar que nem todo adulto terá a capacidade de
manter sua mão nessa configuração com tanta clareza (dedos dobrados) se analisamos a
mesma atuação de um jovem.
Na coordenação do pensamento para articular todos os sinais tendo assimilado os seus
aspectos lingüísticos na execução, agora na sentença, faz-se necessário uma maior memória
de curto termo que nem sempre os adultos ainda a têm, diferente dos jovens que conseguem
assimilar com maior rapidez a seqüência dos sinais e seus diversos aspectos. Para tanto, no
curso de Libras o instrutor e o intérprete devem ter esse conhecimento e lembrar dele no
momento em que se planeja o programa a ser trabalhado nas aulas.
Com igual importância são os recursos pessoais existentes – nesse caso o corpo
docente. Os Wilcox comentam que o ensino do Inglês para surdos se dá através da parceria
entre dois professores, um ouvinte e um surdo. Se nessa situação tem-se um grande sucesso, o
inverso também pode ser bem-sucedido no ensino da ASL para alunos ouvintes. (WILCOX,
2005)
Em análise em diferentes cursos, nas observações e coordenações, e até mesmo por
relatos de instrutores surdos pode-se perceber que é de fundamental importância a presença do
intérprete no curso. Quando se é um ‘nativo’ da língua nem sempre conseguimos entender os
questionamentos proferidos pelos novos usuários. Assim tendo um par semelhante para fazer
essa mediação nenhuma dúvida passará sem ter alguma explicação, quanto à utilização da
nova língua, pois a figura do intérprete também já em algum momento anterior na sua vida
teve as mesmas ou parecidas questões que o instigaram a entender o funcionamento
lingüístico da Libras. Facilita-se nesse sentido o depoimento do próprio intérprete em
2532
esclarecer detalhes até então não percebidos e juntamente com o instrutor surdo apresentar tal
circunstância em um rápido contexto cotidiano.
Nos cursos em que somente os instrutores surdos atuaram nem sempre houve uma
clara comunicação ou mesmo um adequado entendimento em diversas situações de ‘conflitos’
(questionamentos/dúvidas). Não se quer aqui criticar o trabalho do instrutor, nem mesmo
menosprezar. Afinal, eles são os verdadeiros usuários da Libras e dominam como poucos
ouvintes o fazem todo o funcionamento dessa língua, ainda que somente como ‘leigos’ e não
como pesquisadores.
Apenas está sendo abordado mais um aspecto qualitativo que pode influenciar no
aprendizado da Libras para os alunos ouvintes, uma vez que sem a presença de um mediador
(neste caso o intérprete) perde-se um tempo maior para o entendimento e explicação. Se o
tempo é de acordo com a possibilidade, cumprindo uma carga horária ‘x’ mínima necessária
ao aprendizado básico da Libras, deve-se levar em consideração então essas possíveis
situações.
Ainda os Wilcox comentam sobre os recursos áudio-visuais, da época da publicação
do seu livro – meados de 80, considerados de fundamental importância para a assimilação do
vocabulário e sintaxe da ASL. Além de ser um atrativo, e uma ferramenta indispensável para
o trabalho com ASL. (WILCOX, 2005). Atualmente o que podemos verificar com a evolução
tecnológica são diferentes recursos substituindo o antigo vídeo-cassete. Inicialmente o
retroprojetor que com sobreposição de lâminas pôde-se produzir o movimento do sinal; e
enfim o computador com o multimídia para agilizar e estimular o aprendizado.
Em se tratando de modalidade visuo-espacial, nada mais óbvio que explorar tais
recursos que evidenciam a imagem, seja em aulas filmadas, filmes que tratem da temática
surda e sua cultura, ou documentários de Instituições de ensino de diferentes lugares do país
que retratam o trabalho desenvolvido à comunidade surda, portanto ingredientes essenciais
para o sucesso de qualquer programa de Libras.
Considerações finais
Para o processo vital de desenvolvimento e formação da personalidade, a educação
não pode ser confundida com a mera adaptação do indivíduo ao meio. É atividade criadora e
abrange o homem em todos os seus aspectos. Começa na família, continua na escola e se
prolonga por toda a existência humana. É o processo pelo qual uma pessoa ou grupos de
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pessoas adquirem conhecimentos gerais, científicos, artísticos, técnicos ou especializados,
com o objetivo de desenvolver sua capacidade ou aptidões.
Dessa forma, falar sobre alguns dos aspectos lingüísticos da Libras requer muito
estudo, pesquisa e experiências adquiridas no transcorrer dos anos como educadorpesquisador. E para isso, precisa-se ter muita cautela quanto às opiniões e argumentos
apresentados como verdadeiros, já que toda língua está em constante evolução.
Nessa atmosfera multicultural de educação e análise curricular, é preciso resgatar na
política educacional as culturas negadas e silenciadas no espaço escolar, não apenas referindose a elas como culturas isoladas ou constituindo currículo ‘turístico’. A escola não tem no
momento, interlocutores apropriados à necessidade desses alunos; seu projeto não enfrenta o
problema de linguagem aí implicado.
O propósito é refletir sobre os modos de ultrapassar os estritos limites da escola dos
ouvintes, ou do ‘modelo ouvinte’ para os surdos. Precisamos de uma visão cujo núcleo remeta
para a dimensão cultural, com respeito à questão das diferenças, colocando os ouvintes no
lugar dos surdos. Aprendendo uma língua estrangeira, de modalidade diferente da sua,
utilizando ainda os recursos expressivos que possui para melhoria da comunicação.
A certeza é que os estudos sobre a surdez instigam sempre a novas indagações e
pesquisas. Espera-se que possa contribuir para um melhor entendimento e atendimento
educacional ao indivíduo surdo, interagindo com ele nos cursos de Libras e buscando juntos,
uma parceria nas pesquisas.
REFERÊNCIAS
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GRUNSPUN, H. Distúrbios neuróticos da criança: psicopatologias e psicodinâmicas São
Paulo: Atheneu, 2003
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Leitura e contexto: no contexto da diversidade. Porto Alegre: Mediação, 2006. 2 e.
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