UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LAÍS MARIA SOUZA NEVES FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PÚBLICOS TOMBADOS. Palhoça 2013 LAÍS MARIA SOUZA NEVES FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PUBLICOS TOMBADOS. Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Giglione Edite Zanela, Esp Palhoça 2013 LAÍS MARIA SOUZA NEVES FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PUBLICOS TOMBADOS. Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PÚBLICOS TOMBADOS Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia. Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico. Palhoça, 6 de novembro de 2013. _________________________________ LAÍS MARIA SOUZA NEVES AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, à Deus, que em toda essa etapa abriu e iluminou caminhos, deu força, discernimento e equilíbrio aos momentos de dúvida e, com certeza, sem Ele nada seria possível. À minha mãe, exemplo de força, companheirismo, dedicação e paciência, que esteve e estará sempre presente apoiando e fazendo o impossível para que tudo desse certo, e contribuindo para o meu crescimento, tanto pessoal, como profissional. Ao meu pai e irmão, pela paciência dispensada, por entender que todo o meu nervosismo e ansiedade são por um bem maior, e que sem a compreensão deles seria um pouco mais nebulosa e difícil a conclusão do presente trabalho. Aos familiares, tios e tias, padrinho e madrinhas, primos, amigos de infância, irmãos do coração, amigos que são ombros e ouvidos que fazem parte e não desistem de dar as palavras certas, nas horas exatas. Aos colegas de faculdade: Catiane, Daniela, Donizetti, Gabriela, Maicon, Marcelo, uns desde o começo, outros durante a faculdade, mas todos com a devida importância, nas lidas diárias, na biblioteca, nas avaliações, desesperos, atendimentos, revoltas e tudo o que a vida universitária nos proporciona, de bom e de ruim, o meu agradecimento pela parceria sempre. Aos que me inspiraram no Direito. Exemplos de profissão, e que serão sempre inspiração na vida profissional, que proporcionaram aprendizado, depositaram confiança, e emprestaram um pouco do muito que sabem: Dr Luiz Gonzaga Garcia Júnior, Dr João Martim de Azevedo Marques, Dr Everaldo Luís Restanho, Dra Juliana Borinelli Franzoi, Dra Tamyris Giusti, Dr Pedro Paulo de Faria Carvalho Braga, a minha admiração e o meu agradecimento por todo o aprendizado e paciência dispensados. À minha orientadora, Giglione Edite Zanela, pela paciência, compreensão e disposição dispensadas, por sempre ter uma palavra de consolo e força; Por se dispor a sonhar junto sobre esse trabalho de conclusão de curso; e se tornar pessoa tão especial e amiga, e proporcionar tamanho aprendizado, além do exemplo que sempre foi no que se refere ao amor à profissão, e no prazer de ensinar fazendo o complicado se tornar simples, ou no mínimo dando meios para que melhor possa ser entendido. Sempre, a minha gratidão, e carinho. RESUMO Trata-se de trabalho monográfico desenvolvido com o tema “Florianópolis e a Ponte Hercílio Luz: A responsabilidade civil do Estado pelos danos causados aos bens públicos tombados” com o objetivo principal de verificar se existe a possibilidade de condenação da Administração Pública ao pagamento de indenização por dano material e moral decorrente do descaso com o patrimônio histórico-cultural tombado, com enfoque no caso da Ponte Hercílio Luz. Compete ao Poder Público a proteção dos elementos culturais, inclusive dos bens com valor histórico e cultural, da sociedade. Todavia, denota-se um certo abandono no que tange às obrigações constitucionais, como ocorre com a ponte símbolo da cidade de Florianópolis. Com isso, os objetivos específicos da presente pesquisa consistem na abordagem do instituto administrativo do tombamento, da responsabilidade civil e da possibilidade de condenação do Estado por danos causados aos bens públicos tombados. A despeito da controvérsia e da resistência dos tribunais brasileiros, verifica-se, ao longo da pesquisa, a possibilidade de responsabilização do Estado, inclusive com a condenação ao pagamento de indenização por dano material e moral e, ainda, responsabilização pessoal do gestor público. A Ponte Hercílio Luz, por expressa previsão legal, deve ser preservada sob pena de responsabilização civil dos entes políticos envolvidos: União, Estado de Santa Catarina e Município de Florianópolis. Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado. Omissão. Patrimônio Histórico. Tombamento. Ponte Hercílio Luz. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 07 2 PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO BRASILEIRO: O TOMBAMENTO ................................................................................................................................................. 09 2.1 CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL ................................................................ 09 2.2 PROTEÇÃO LEGAL ........................................................................................................ 12 2.3 TOMBAMENTO .............................................................................................................. 16 2.3.1 Aspectos gerais .............................................................................................................. 16 2.3.2 Procedimento ................................................................................................................ 22 2.3.3 Efeitos ............................................................................................................................ 25 3 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO ... 28 3.1 CONCEITO ....................................................................................................................... 28 3.2 PRESSUPOSTOS.............................................................................................................. 30 3.2.1 Ação ou Omissão ........................................................................................................... 31 3.2.2 Dano ............................................................................................................................... 32 3.2.3 Nexo de Causalidade .................................................................................................... 34 3.2.4 Culpa .............................................................................................................................. 36 3.3 CLASSIFICAÇÃO ............................................................................................................ 37 3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ................................................................. 41 4 FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PUBLICOS TOMBADOS ... 51 4.1 A PONTE HERCÍLIO LUZ .............................................................................................. 51 4.2 A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PÚBLICOS TOMBADOS ...................................................................................................... 62 4.3 ESTUDOS DE ALGUNS JULGADOS ............................................................................ 69 5 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 73 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 75 7 1 INTRODUÇÃO Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ficou evidenciada uma maior preocupação do legislador com a proteção do patrimônio histórico brasileiro, apesar de anteriormente já existirem institutos para a sua proteção. Dentre os instrumentos presentes no ordenamento jurídico, para proteger bens móveis e imóveis de relevância histórica e cultural, há o tombamento, Trata-se de procedimento administrativo específico, o qual, ao final, ocorre, o registro do bem protegido no livro do tombo pertinente, gerando efeitos e responsabilidades aos proprietários e ao Poder Público. A Ponte Hercílio Luz, localizada em Florianópolis, é um bem tombado pelas três esferas federativas: União, Estado de Santa Catarina e Município de Florianópolis. Todavia, em razão do longo período de abandono desde a sua interdição, apresenta sérios riscos de depreciação. Sendo assim, a presente monografia tem por objetivo verificar a responsabilidade civil do Estado pelos danos causados aos bens públicos tombados, mais especificamente no que tange à Ponte Hercílio Luz. Tema esse relevante por se tratar de cartão postal não só da cidade de Florianópolis, mas do Estado de Santa Catarina, o qual representa, desde sua construção, a evolução histórica da população catarinense como comunidade e que se orgulha do patrimônio histórico que possui, acompanhando diariamente sua trajetória e também sua constante tentativa de restauração, temendo que tamanho marco da cultura e história catarinense se perca com o tempo e com o descaso da Administração Pública. O que traz curiosidade para a presente questão é a falta de respostas sobre os consertos realizados e a referida manutenção, examina-se a possibilidade de eventual reparação, para que o povo catarinense não se veja privado de usufruir um patrimônio que é seu, por tempo indeterminado, além do risco de perdê-lo efetivamente e ficar somente gravado na memória e nas fotografias. Nesse sentido, formula-se o seguinte problema de pesquisa: É possível responsabilizar o Estado pelos danos causados aos bens públicos tombados, a exemplo do que ocorre com a Ponte Hercílio Luz? A motivação da pesquisadora deu-se pela curiosidade e extremo apego pelos monumentos históricos e culturais e toda a carga de identidade e memória de um povo que a eles estão atrelados. Por ter a esperança de que, num futuro próximo, possa-se usufruir de tão 8 valioso bem histórico, se não para o tráfego diário mas para um reavivar do orgulho do povo catarinense, e não motivo de vergonha, desilusão e medo, pois é assim que muitos se sentem quando o assunto é a Ponte Hercílio Luz. No tocante aos procedimentos metodológicos, o método é o de pensamento dedutivo, pois parte da Responsabilidade Civil, para alcançar a responsabilização do Estado, no que diz respeito aos danos causados aos bens públicos tombados; e de natureza qualitativa, baseado nas pesquisas já existentes de autores da área, com método de procedimento monográfico. A técnica utilizada de pesquisa será a bibliográfica, baseada em doutrina, legislação, jurisprudência e artigos científicos. A presente monografia está dividida em três capítulos de desenvolvimento, sendo que o primeiro aborda o patrimônio histórico e cultural em si, sua proteção legal e a especificidade do instituto do tombamento. O segundo capítulo trata da Responsabilidade civil, suas subdivisões e, com maior relevância, no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado, sua definição e aplicação efetiva. O terceiro capítulo abrange o tema escolhido da pesquisa, trazendo estudos e posições específicas em doutrinas, artigos científicos, artigos de jornais e jurisprudências que defendem ou não a responsabilização do Estado pelos danos causados a bens públicos tombados, com ênfase no caso da Ponte Hercílio Luz. 9 2 PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO BRASILEIRO: O TOMBAMENTO “Que os vossos esforços desafiem as impossibilidades, lembrai-vos de que as grandes coisas do homem foram conquistadas do que parecia impossível”. Charles Chaplin A preservação do patrimônio cultural de um povo ocupa posição de destaque no ordenamento jurídico, inclusive com relevo no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo em vista a necessidade de proteção das próprias identidades culturais da sociedade brasileira. Desse modo, ressalta-se que o presente capítulo monográfico tem como principal objetivo abordar o conceito e a proteção legal do patrimônio cultural, assim como os principais aspectos do instituto jurídico-administrativo do tombamento, que se constitui em uma das espécies de intervenção do Estado na propriedade privada. 2.1 CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL A cultura é uma teia de significados tecida coletivamente, razão pela qual engloba diversos modos artísticos, definindo tudo o que é criado a partir da inteligência humana. Trata-se de uma ideia “presente desde os povos primitivos em seus costumes, sistemas, leis, religião, em suas artes, ciências, crenças, mitos, valores morais e em tudo aquilo que compromete o sentir, o pensar e o agir das pessoas”.1 Já na conceituação de patrimônio cultural para o Direito, importante destacar, inicialmente, alguns aspectos acerca do meio ambiente, considerando que todo bem relativo à cultura, memória e identidade de um povo compõe o conjunto do que se entende como bem ambiental.2 Segundo Edis Milaré, a noção holística do meio ambiente considera o seu aspecto social, “uma vez que é definido constitucionalmente como um bem de uso comum do povo”. Apresenta, ao mesmo tempo, um caráter histórico, haja vista que o meio ambiente deriva da interação entre o homem e a natureza ao longo do tempo. Com isso, inclui-se na definição de 1 BRASIL ESCOLA. Cultura. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/cultura/>. Acesso em: 03 nov. 2013. 2 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 383. 10 ambiente, “além dos ecossistemas naturais – as sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas suas múltiplas obras”.3 Nesse passo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 216, afirma que o patrimônio cultural brasileiro é constituído pelos “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, inclusive as maneiras de expressão; os modos de criar, fazer e viver; os feitos científicos, artísticos e tecnológicos; “as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais” e “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.4 Sobre o conceito de patrimônio cultural apresentado pelo texto constitucional, anota-se a lição de Antônio F. G. Beltrão: Inicialmente, vale destacar que a definição de patrimônio cultural da Constituição Federal de 1988 é ampliada, passando a compreender também os bens imateriais. Assim, todo e qualquer bem, independentemente de ter sido criado por ação humana, pode ser considerado integrante do patrimônio cultural, e, consequentemente gozar de proteção jurídica. Por conseguinte, não há mais a necessidade de o bem a ser protegido estar vinculado a algum fato memorável de nossa história, ou possuir algum excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. Quaisquer bens, inclusive imateriais, que sejam portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, podem ser considerados integrantes de nosso patrimônio cultural. Assim, a definição de patrimônio cultural passa a ser democrática e popular, tendo por referência os valores de todas as etnias que formaram o povo brasileiro.5 Nota-se que a Lei Maior, no que se refere ao tema, apresenta definição bastante moderna, declarando que “o patrimônio cultural é brasileiro e não regional ou municipal, incluindo bens tangíveis (edifícios, obras de arte) e intangíveis (conhecimentos técnicos), considerados individualmente e em conjunto”. Logo, “não se trata somente daqueles eruditos ou excepcionais, pois basta que tais bens sejam portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira”.6 Nesse contexto, vislumbra-se que o Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, conceitua o patrimônio cultural, na condição de patrimônio histórico e artístico 3 MILARÉ, Édis. Direito do meio ambiente, doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 399. 4 BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 ago. 2013. 5 BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 423. 6 MILARÉ, Édis. Direito do meio ambiente, doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 400. 11 nacional, como o conglomerado de bens imóveis e móveis “existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.7 Denota-se, desse modo, que a definição de patrimônio cultural mostra-se bastante ampla, abarcando uma grande diversidade de bens móveis e imóveis de grande relevância para a cultura da sociedade. Dessarte, o rol de bens listados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mencionado acima, é considerado exemplificativo, ou seja, “incluindo outros bens de grande valor para o meio ambiente cultural”.8 No mesmo viés, Celso Antonio Pacheco Fiorillo ressalta que “o art. 216 não constitui rol taxativo de elementos, porquanto se utiliza da expressão nos quais se incluem, admitindo que outros possam existir”.9 Para Paulo Affonso Leme Machado, o patrimônio cultural traduz-se no trabalho, na criatividade, na espiritualidade e, ainda, nas crenças, no cotidiano e no extraordinário de gerações anteriores, “diante do qual a geração presente terá que admitir um juízo de valor, dizendo o que quererá conservar, modificar ou até demolir”. Nas palavras do autor, “esse patrimônio é recebido sem mérito da geração que o recebe, mas não continuará a existir sem seu apoio. O patrimônio cultural deve ser fruído pela geração presente, sem prejudicar a possibilidade de fruição da geração futura”.10 Importante salientar, nesse quadrante, a diferença entre patrimônio histórico e patrimônio cultural apresentada por José Casalta Nabais citado na doutrina de Anderson Furlan e Willian Fracalossi: Em verdade, o patrimônio histórico e o patrimônio cultural, por exemplo, não se confundem. Nem todo patrimônio histórico se reveste de relevante interesse ou significado cultural. Com efeito, adverte JOSÉ CASALTA NABAIS, que “[...] tirando o caso especial do patrimônio arqueológico, em que o relevante interesse ou significado cultural assenta praticamente no seu valor histórico, na sua antiguidade, os bens do restante patrimônio histórico, para integrarem o patrimônio cultural, tem de possuir um qualquer relevante valor cultural, designadamente artístico. Por conseguinte, uma tal designação, ao sugerir o estudo do regime jurídico de todo o 7 BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em: 27 ago. 2013. 8 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela constitucional do meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25. 9 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 383. 10 MACHADO. Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. p. 1065. 12 patrimônio histórico, com ou sem interesse cultural relevante, justamente porque se revela demasiado ampla e imprecisa, deve ser rejeitada. [...] O que não quer dizer, naturalmente, que os bens históricos, com claro destaque para os monumentos históricos, não constituam um dos domínios mais relevantes do patrimônio cultural e sobretudo aquela parte com a qual temos tendência, ao menos prima facie, a identificar o próprio patrimônio cultural. É que, muito embora os bens culturais não sejam necessariamente bens históricos, não há a menor dúvida de que são os bens históricos os que constituem a base da grandeza e riqueza do patrimônio cultural de um país, sobretudo um país com uma longa e rica história como o nosso [Portugal]”.11 Acrescenta-se, por oportuno, que, para Celso Antonio Pacheco Fiorillo, “para que seja um bem considerado como patrimônio histórico é necessária a existência de nexo vinculante com a identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.12 Com isso, observam-se os principais aspectos que circundam a conceituação doutrinária e legal de patrimônio cultural, assim como a diferença entre patrimônio histórico e cultural. Em seguida, por consecutivo, passa-se à apresentação da proteção legal conferida ao patrimônio histórico brasileiro pelo ordenamento jurídico vigente. 2.2 PROTEÇÃO LEGAL O patrimônio cultural, na condição de conjunto de bens ou valores revestido de relevante importância para a humanidade, deve gozar de significativa proteção legal, “sob pena de engessamento de toda a sociedade”.13 Na forma como já mencionado no tópico anterior, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu texto, demonstra significativa preocupação com a proteção do patrimônio cultural brasileiro.14 Nesse sentido, Norma Sueli Padilha identifica como decisivo passo para a sistematização do direito ambiental constitucionalizado a promulgação da Carta Magna que, “além de fazer referências explícitas e diretas em várias partes do texto constitucional, impondo deveres ao Estado e à sociedade, com relação ao meio ambiente, dedicou-lhe um capítulo próprio dentro da Ordem Social (Título VIII)”. Percebe-se, como explica a 11 NABAIS, JOSÉ CASALTA, [s/d] apud FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, Willian. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 30. 12 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 383. 13 BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 421. 14 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.p. 144. 13 doutrinadora, que a norma constitucional fundamenta não somente a ordem social, assim como “a ordem econômica, a saúde, a educação, o desenvolvimento, a política urbana e agrícola”, ou seja, obrigando “a sociedade e o Estado, como um todo, a um compromisso de respeito e consideração ao meio ambiente, conforme os vários dispositivos ambientais espalhados por todo o texto constitucional”.15 No que tange à preocupação das Constituições brasileiras com a proteção legal do patrimônio cultural, registra-se a doutrina: Desde a Constituição Federal de 1934 que a norma constitucional protege o patrimônio cultural. A Carta de 1934 mencionava os “monumentos de valor histórico ou artístico” (art. 10, III); a Constituição Federal de 1937, os “monumentos históricos, artísticos e naturais” (art. 134); a Carta Federal de 1946, as “obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico” (art. 175); a Constituição Federal de 1967, “os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas arqueológicas” (art. 112), transcrito literalmente pelo art. 180, parágrafo único, da Emenda Constitucional de 1969.16 Todavia, pelo texto constitucional vigente, especialmente os artigos 215 e 216, que tratam da cultura, o patrimônio cultural, qualificado como bem de uso comum do povo, “deve ser preservado e destinado à qualidade de vida das presentes e futuras gerações”, conforme preceitua o art. 225 também da Lei Maior.17 No que concerne à competência material constitucionalmente prevista, impende registrar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 30, inciso IX, declara que compete aos Municípios “promover a proteção do patrimônio históricocultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”. 18 Contudo, denota-se que “o patrimônio cultural pode ser protegido por legislação em três esferas: nacional, estadual e municipal”.19 No que se refere à competência legislativa, esta é concorrente, na forma do art. 24, VII, da Lei Maior, restando aos municípios a competência suplementar, nos casos de interesse local, consoante art. 30, I e II. Dessa feita, observa-se que “as normas gerais acerca do 15 PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 156. 16 BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 422. 17 AHMED. Flávio vilela. A tutela da cultura em face do direito ambiental das cidades. In: COUTINHO, Ronaldo; ROCCO, Rogério (Org). O direito ambiental das cidades. 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 286. 18 BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 ago. 2013. 19 SANTA CATARINA. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Superintendência Estadual em Santa Catarina. Tombamento. Disponível em: <http://www.iphansc.blogspot.com.br/p/tombamento.html>. Acesso em: 13 ago. 2013. 14 patrimônio histórico, turístico e paisagístico caberão à União, enquanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios será possível legislar de forma a suplementá-las”.20 Logo, todos os entes federativos, no caso da proteção do patrimônio histórico, possuem, pelo texto constitucional, competência material e legislativa, na forma dos arts. 23, 24 e 30, I e II.21 No âmbito infraconstitucional, não há uma legislação específica acerca do tema. Entretanto, a doutrina elenca alguns diplomas legais que disciplinam, mesmo que indiretamente, a proteção do patrimônio cultural, quais sejam: a) Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional com o intuito de regulamentar, especificamente, o instituto jurídico do tombamento22; b) Decreto-Lei nº. 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública23, inclusive “expressamente a possibilidade de desapropriação para preservação e conservação do patrimônio cultural”24; c) Lei nº. 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que restabelece princípios da Lei n°. 7.505, de 2 de julho de 198625, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências, “cuja finalidade é a captação e a canalização de recursos para os projetos culturais – conhecida como Lei Rouanet”26; Lei nº. 9.605, de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências27, essa lei capitula “crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural”28; e d) o Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000, que institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que 20 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 385. 21 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 386. 22 BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em: 27 ago. 2013. 23 BRASIL. Decreto-lei nº 3.365, de 21 de novembro de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3365.htm>. Acesso em: 28 ago. 2013. 24 FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, Willian. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010.p. 32. 25 BRASIL. Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986. Dispõe sobre benefícios fiscais de imposto de renda concedidos a operações de caráter cultural ou artístico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7505.htm>. Acesso em: 28 ago. 2013. 26 FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, Willian. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010.p. 32. 27 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em: 28 ago. 2013. 28 FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, Willian. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010.p. 32. 15 constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências29. Infraconstitucionalmente, um dos principais diplomas legais atinentes à proteção do patrimônio histórico, é o Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, que estabelece, na legislação brasileira, o instituto do tombamento, instrumento de preservação, por excelência, do patrimônio cultural.30 Com relação à proteção efetiva ao patrimônio cultural com relevância nacional, ressalta-se, “é responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)”. Assim, “os tombamentos, registros, inventários e regulamentações de áreas de entorno são os instrumentos utilizados pelo Iphan31 para preservar o patrimônio cultural e artístico brasileiro”.32 Observa-se, portanto, que a proteção legal do patrimônio histórico é concedida pela própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e por algumas legislações infraconstitucionais não específicas. Já o exercício protetivo do patrimônio histórico, por conseguinte, fica a cargo do Iphan. Em últimas linhas, cumpre registrar que, apesar da existência de diversos instrumentos jurídicos de proteção do patrimônio cultural, a exemplo dos inventários, 29 BRASIL. Decreto-lei nº 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3551.htm>. Acesso em: 28 ago. 2013. 30 AHMED. Flávio vilela. A tutela da cultura em face do direito ambiental das cidades. In: COUTINHO, Ronaldo; ROCCO, Rogério (Org). O direito ambiental das cidades. 2. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 290. 31 “A criação do organismo federal de proteção ao patrimônio, ao final dos anos 30, foi confiada a intelectuais e artistas brasileiros ligados ao movimento modernista. Era o início do despertar de uma vontade que datava do século XVII em proteger os monumentos históricos. A criação da Instituição obedece a um princípio normativo, atualmente contemplado pelo artigo 216 da Constituição da República Federativa do Brasil, que define patrimônio cultural a partir de suas formas de expressão; de seus modos de criar, fazer e viver; das criações científicas, artísticas e tecnológicas; das obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e dos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. A Constituição também estabelece que cabe ao poder público, com o apoio da comunidade, a proteção, preservação e gestão do patrimônio histórico e artístico do país. História da Instituição. O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN foi criado em 13 de janeiro de 1937 pela Lei nº 378, no governo de Getúlio Vargas. Já em 1936, o então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, preocupado com a preservação do patrimônio cultural brasileiro, pediu a Mário de Andrade a elaboração de um anteprojeto de Lei para salvaguarda desses bens. [...] Há mais de 75 anos, o IPHAN vem realizando um trabalho permanente de identificação, documentação, proteção e promoção do patrimônio cultural brasileiro”. (BRASIL. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Sobre a instituição. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=11175&retorno=paginaIphan>. Acesso em: 27 ago. 2013. 32 SANTA CATARINA. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Superintendência Estadual em Santa Catarina. Tombamento. Disponível em: <http://www.iphansc.blogspot.com.br/p/tombamento.html>. Acesso em: 13 ago. 2013. 16 registros e desapropriações, dar-se-á destaque, neste trabalho, mais especificamente no tópico seguinte desta monografia, ao instituto do tombamento, tendo em vista o tema específico escolhido e a problemática discutida na presente pesquisa. 2.3 TOMBAMENTO O tombamento, conforme brevemente exposto, é umas das modalidades de intervenção do Estado na propriedade privada dedicada à proteção do patrimônio históricocultural. Nesse sentido, a seguir, passa-se ao estudo do conceito, procedimento e efeitos do tombamento. 2.3.1 Aspectos gerais A propriedade, segundo relatos da doutrina civilista, sempre foi um dos direitos mais protegidos pelos ordenamentos jurídicos. Nesse passo, importante definir patrimônio como “o conjunto de direito reais e obrigacionais, ativos e passivos, pertencentes a uma pessoa”.33 Contudo, a propriedade privada não tem mais o caráter absoluto que tinha em tempos remotos. Os direitos de usar, gozar, fruir e dispor não podem se sobrepor aos interesses gerais da sociedade. Mesmo em países como o Brasil, em que a Carta Magna traz a segurança dos direitos ditos invioláveis, que dizem respeito à vida, à liberdade e à propriedade, há um condicionamento no que tange ao desempenho da função social (CF, art. 170, III).34 Nesse sentido, ensina Odete Medauar: Um dos âmbitos em que mais se revela a face autoridade da Administração é o direito de propriedade, sobretudo da propriedade imóvel. O direito de propriedade evoluiu muito, deixando de ter, na atualidade, a conotação absoluta que o caracterizava até as primeiras décadas do século XX. Ampliaram-se as intervenções públicas e ocorreu a mudança da própria configuração estrutural do direito de propriedade ante sua funcionalização social, percebida de modo sensível em matéria 35 urbanística e agrária. Daí o disposto no §1° do art. 1.228 do Código Civil : “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades 33 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 164. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.p. 737. 35 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 31 ago. 2013. 34 17 econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.36 Apesar de assegurar o direito de propriedade como direito e garantia fundamental, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelece que o proprietário deva atender à sua função social. Nessa linha, tem-se que a proteção ambiental é baseada em um dos princípios que devem nortear e, portanto, limitar a atividade econômica (arts. 5°., caput e XXIII, e 170, II, III e IV). Diante disso, como explica Antônio F. G. Beltrão, “o direito de propriedade não é absoluto, podendo sofrer uma série de restrições”.37 É o que ocorre com o instituto do tombamento, que “consiste, pois, na imposição pelo Poder Público de restrições parciais a um determinado bem em razão do valor cultural que representa para a coletividade, razão pela qual a titularidade do direito à sua preservação é coletiva, difusa”.38 Assim, o tombamento ambiental é uma das formas utilizadas para que seja feita a proteção do patrimônio cultural do país. Por se tratar de bem difuso, e cultural, é definido como “tombamento ambiental”, conceito que abrange a tutela de proteção abordada anteriormente.39 O tombamento significa, desse modo, uma restrição perpétua ao direito de propriedade em benefício do interesse coletivo, afetando o caráter absoluto do direito de propriedade e acarretando ônus maior do que as limitações administrativas.40 É, sem dúvida, a forma mais popular de efetiva preservação dos bens culturais materiais do Brasil.41 Continuando a conceituação do instituto do tombamento, para o doutrinador Paulo Affonso Leme Machado, pode ser ele também definido como um regime jurídico que, “implementando a função social da propriedade, protege e conserva o patrimônio cultural privado ou público brasileiro, através da ação dos poderes públicos e da comunidade”, haja vista, “entre outros, seus aspectos históricos, artísticos, arqueológicos, naturais e paisagísticos, para a fruição das presentes e futuras gerações”.42 36 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 377. BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 429. 38 BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 429. 39 FIORILLO, Celso Antonio Pa+checo. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 387. 40 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.p. 131. 41 BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 429. 42 MACHADO. Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. p. 1082. 37 18 Por sua vez, na visão de Maria Sylvia Zanela Di Pietro, o tombamento pode assim ser definido: É forma de intervenção do Estado na propriedade privada, que tem por objetivo a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, assim considerado, pela legislação ordinária, “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país, cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (art. 1° do Decreto-lei n° 25, de 193743.44 É, na sua totalidade, regime jurídico específico, outorgado por meio de ato administrativo “de cunho singular, quanto ao uso e fruição de coisa determinada, cuja conservação seja de interesse da coletividade e consistente em dever de manter a identidade dele, podendo gerar direito de indenização”.45 O tombamento tem como fundamento constitucional o interesse coletivo de preservação da identidade de bens que reúnam valores culturais e históricos relevantes no processo civilizatório nacional. A proteção da identidade nacional é uma manifestação da tutela à nação brasileira, tal como se observa no próprio art. 23 da Constituição46, que reconhece a comum competência “ de todos os entes federativos para promover a defesa dos documentos e dos bens relacionados à história, à cultura e ao meio ambiente, dotados de vínculo relevante com a Nação (inc. III, IV, VI, VII)”. Em razão dessa máxima, todos os sujeitos, públicos e privados, que possuírem ou forem proprietários de bem ligado ao patrimônio histórico, ambiental, ou artístico nacional, “estão obrigados a usar, fruir e dispor deles de modo compatível com sua preservação. No entanto, esse dever depende de especificação que se produz por meio de tombamento”.47 Como já mencionado, o tombamento é disciplinado pelas normas gerais do Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 193748, sendo que a expressão “tombamento” advém da previsão de que “os bens sujeitos ao regime especial correspondente serão inscritos em um “Livro do Tombo”.49 43 BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em: 01 set. 2013. 44 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.145. 45 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 521. 46 BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 01 set. 2013. 47 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 522. 48 BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em: 01 set. 2013. 49 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 523. 19 Portanto, segundo as características elencadas no livro próprio, é designado pelo instituto do tombamento, o ato administrativo pelo qual se afirma o valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, cultural, arquitetônico de bens que, diante disso, devem ser preservados.50 Com base no art. 216, V, da Constituição, e no art. 4º do Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, a legislação federal tratou de dividir o Livro do Tombo em quatro diferentes, banseando-se na origem do bem a ser reconhecido como patrimônio cultural. São eles: o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico, Paisagístico; o Livro do Tombo Histórico; o Livro do Tombo das Belas Artes; e o Livro do Tombo das Artes Aplicadas.51 O tombamento está historicamente associado à atuação administrativa. Como descrito por Celso Antônio Pacheco Fiorillo, “a inscrição no Livro do Tombo deve ser feita mediante um procedimento administrativo, porquanto consiste numa sucessão de atos preparatórios, essenciais à validade do ato final, que é a inscrição. O procedimento é previsto pelo Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937”.52 Dada a sua relevância na Lei Maior, em seu §1º do art. 216, o tombamento é um dos institutos que tem por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional. Prevê, ainda, a desapropriação quando se tratar de restrição total ao direito do proprietário. Bom dizer que, tratando-se do tombamento, sempre haverá restrição parcial, segundo a legislação que o disciplina. Todavia, no caso de impossibilidade total de exercício dos poderes inerentes ao domínio, será ilegal o tombamento e implicará desapropriação indireta, dando direito à indenização integral dos prejuízos sofridos.53 Logo, com base na citação acima, percebe-se que o tombamento não se confunde com o instituto da desapropriação, visto que, neste caso, há perda da propriedade em favor do Estado, assim como segue: O tombamento abrange restrição parcial ao direito do proprietário, porém, se acarretar limitação total das faculdades inerentes à propriedade, implica desapropriação indireta – o que confere ao dominus o direito à indenização. Assim, pode-se dizer que a finalidade do tombamento não é a subtração da propriedade, mas a mera conservação da coisa, para que ela não sofra a ação deletéria do tempo ou da interferência humana.54 50 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 379. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 387. 52 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 389. 53 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.p. 145. 54 NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. p. 693. 51 20 Ressalta-se que grande parte dos bens tombados são imóveis, de elevado valor arquitetônico, de épocas passadas, e de relevância histórica, podendo abranger, conforme a importância, o tombamento de bairros, ou até mesmo cidades, desde que retratem aspectos culturais do passado.55 Como exemplo, cita-se a Freguesia do Ribeirão da Ilha, em Florianópolis/SC.56 Alerta Marçal Justen Filho que “apenas serão tombáveis os bens que apresentarem características especiais. Em outras palavras, não se tomba a ‘cidade’ nem o ‘bairro’, mas cada imóvel ali existente que apresente características peculiares e especiais”.57 O tombamento, porém, “não impede ao particular o exercício dos direitos inerentes ao domínio”, razão pela qual “ [...] não dá, em regra, direito a indenização; para fazer jus a uma compensação pecuniária, o proprietário deverá demonstrar que realmente sofreu algum prejuízo em decorrência do tombamento”.58 A manutenção da identidade do objeto é o dever essencial gerado pelo tombamento. Isso acarreta ao proprietário diversos deveres, como, por exemplo, de omitir toda conduta capaz de produzir a alteração da identidade (obrigação de não fazer) e de produzir os reparos e manutenções necessários a evitar seu perecimento (obrigação de fazer).59 Caso tais obrigações não sejam observadas, O Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, prevê sanções administrativas por danos ao tombamento, dentre as quais: a) multas em caso de tentativa ou reincidência de exportação de bem móvel tombado, em percentuais incidentes sobe o valor do bem; b) multa por colocação de anúncios ou cartazes que afetem a visibilidade do bem; c) multa no caso de demolição, destruição, mutilação e de restauração ou pintura sem prévia autorização 55 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5ª Rio de Janeiro: Método, 2012.p. 371. 56 O Distrito de Ribeirão da Ilha teve origem a partir de um Alvará Régio, datado de 11/07/1809. Sua área é estimada em 51,54 km², sendo que dele fazem parte as seguintes localidades: Alto Ribeirão, Barro Vermelho, Caiacangaçú, Caieira da Barra do Sul, Canto do Rio, Carianos, Costeira do Ribeirão, Freguesia, Praia dos Naufragados, Tapera e Sertão do Perí. Localizado a 36 quilômetros do centro, o Ribeirão da Ilha é um dos mais antigos povoados de Florianópolis. Segundo alguns autores, o nome "Ribeirão" que fora dado a todo o Distrito, provém de um pequeno rio ou ribeira, o qual nasce de uma forte cachoeira no alto de Santo Estevão (Alto Ribeirão). Registros indicam que em 1526 o espanhol Sebastião Caboto aportou ali e alguns de seus comandados se juntaram aos náufragos de uma expedição de Dias de Solis, datada de 1515. O Ribeirão é composto por várias pequenas praias, de águas calmas e areia grossa. É um passeio que vale pela viagem no tempo. Um dos locais mais típicos da Ilha, com o casario açoriano, a igreja Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão e o Museu Etnológico do Ribeirão da Ilha, com acervo de peças raras, que retratam a colonização açoriana. (PORTAL CULTURAL DO MANEZINHO DA ILHA. Patrimônio. Disponível em: <http://www.manezinhodailha.com.br/Patrimonio.htm>. Acesso em: 15 out. 2013). 57 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 522. 58 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.146. 59 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 522. 21 do poder público; d) multa se o proprietário deixar de comunicar a necessidade de obras de conservação e sua dificuldade para efetuá-las; e) demolição do que for edificado sem autorização (arts. 15 a 19).60 Também judicialmente o tombamento é protegido, como afirma Odete Medauar: “o Ministério Público e as associações pertinentes, legalmente constituídas há um ano, poderão obter na via jurisdicional, mediante liminar ou cautelar em ação civil pública, embargo de obra e interdição de atividades em bem tombado”.61 O ordenamento prevê também sanções penais, como no art. 165 do Código Penal, que tipifica como crime: “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente e m virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico: pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.62 No que se refere aos tipos de tombamento vale ressaltar a classificação feita no próprio Decreto-lei n. 25º, de 30 de novembro de 1937, o qual prevê três tipos de tombamento, na forma como segue: a) tombamento de ofício – incide sobre bens públicos; efetua-se por determinação do Presidente do IPHAN (ou do respectivo órgão competente, na esfera estadual e municipal); a entidade a que o bem pertencer deve ser notificada (Art. 5°); b) tombamento voluntário – recai sobre bem privado e realiza-se mediante simples concordância de seu proprietário, a seu pedido ou em atendimento a notificação (Art. 7°); c) tombamento compulsório – ocorre quando o proprietário se recusa a anuir à inscrição do bem; nesse caso, instaura-se um processo, com as seguintes fases: c1) o órgãocompetente notifica o proprietário para este anuir ao tombamento ou impugnar por escrito, dentro de quinze dias; c2) não havendo impugnação no prazo, a autoridade competente determina a inscrição do bem no livro do tombo; c3) havendo impugnação, o órgão ou interessado, de onde emanou a proposta de tombamento, deverá manifestar-se; c4) em seguida, os autos são remetidos ao Conselho do órgão competente para decisão; c5) no âmbito federal, a decisão no sentido do tombamento, que se traduz na inscrição, tem sua eficácia dependente de homologação do Ministro da Cultura (Lei 6.292/75); do ato de tombamento, cabe recurso ao Presidente da República, se emitido pelo IPHAN; o tombamento compulsório reveste-se de caráter provisório, se for iniciado pela notificação; tem caráter definitivo mediante inscrição no livro do tombo, devidamente homologada. 63 No que tange à natureza jurídica do tombamento, verifica-se que há discussão na doutrina acerca de consistir o instituto em ato administrativo discricionário ou vinculado, ou seja, se existe liberdade de escolha da Administração Pública ou não. 60 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo:. Revista dos Tribunais, 2012. p. 381. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 381. 62 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 381. 63 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 379. 61 22 Nesse sentido, José Cretella Júnior defende que o tombamento é ato discricionário, pois na ocasião em que é efetuado, ainda que verificado o valor cultural intrínseco ao bem, a autoridade competente detém a liberdade para concretizar ou não o tombamento, bem como goza do poder de decisão para praticar o ato em um momento que considerar mais oportuno.64 Todavia, mostra-se avesso a esse entendimento Hely Lopes Meirelles, aduzindo que “o tombamento realiza-se através de um procedimento administrativo vinculado, que conduz ao ato final de inscrição do bem num dos Livros do Tombo”.65 Para José dos Santos Carvalho Filho, é imprescindível distinguir o motivo do tombamento. Explica o professor que: Há de ter por pressuposto a defesa do patrimônio cultural, o ato é vinculado, o que significa que o autor do ato não pode pratica-lo apresentando motivo diverso. Está, pois, vinculado a essa razão. Todavia, no que concerne a valoração da qualificação do bem como de natureza histórica, artística, etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é discricionário, visto que essa avaliação é privativa da Administração. 66 Na mesma linha, Irene Patrícia Nohara ensina que a solução para essa divergência pode ter seu fim com a palavra “depende”, ou seja, “se o valor do bem for indiscutível, há vinculação, passível de controle pelo Poder Judiciário”, entretanto, em aspectos gerais, “ o valor do bem parte de juízos e de conceitos estéticos que não são unânimes, também não dá para negar à Administração certa margem de discricionariedade, a ser aceita a partir de consistente e razoável fundamentação".67 Adentra-se, no tópico seguinte, na abordagem das linhas gerais do procedimento administrativo do tombamento. 2.3.2 Procedimento Para que sejam garantidos os direitos da comunidade (interesse público) e dos sujeitos atingidos pelo tombamento, é necessária a estrita observância de um procedimento administrativo prévio, o qual resultará, ao final, no tombamento do bem. Nesse sentido, afirma Marçal Justen Filho que “a instauração do procedimento administrativo de 64 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 249. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 37. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 623. 66 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl., atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 797. 67 NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. p.701. 65 23 tombamento pode fazer-se a pedido dos particulares (Art. 6° do Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937) ou de ofício. Deverão seguir-se atos destinados a apurar a presença dos requisitos necessários, finalizando-se por ato administrativo unilateral que formaliza a existência do tombamento”.68 Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ressaltam, por sua vez, a necessidade do respeito ao devido processo legal neste procedimento. Para eles, “é imprescindível para o ato de tombamento a existência de processo administrativo, com observância do princípio constitucional do devido processo legal”, ou seja, com respeito “ao contraditório e à ampla defesa, no intuito de que este possa comprovar, se for o caso, a inexistência de relação entre o bem a ser tombado e a proteção ao patrimônio cultural”.69 Nesse sentido, Apesar de o tombamento ser ato administrativo unilateral, com abrangência e efeitos específicos, só é considerado válido se for observado o princípio do devido processo legal, em que a comunidade ou o proprietário tenham voz e oportunidade de manifestação. Para que seja de conhecimento público, deverá haver a inscrição em um dos “Livros do Tombo”, inscrição essa que é consequência do tombamento.70 Desse modo, “a inscrição no Livro do Tombo deve ser feita mediante um procedimento administrativo, porquanto consiste numa sucessão de atos preparatórios, essenciais à validade do ato final, que é a inscrição”.71 Por conseguinte, “nulo será o tombamento efetivado sem atendimento das imposições legais e regulamentares, pois que acarretando restrições ao exercício do direito de propriedade, há que observar o devido processo legal para sua formalização”. Repisa-se que “essa nulidade pode ser pronunciada pelo Judiciário, na ação cabível, em que serão apreciadas tanto a legalidades dos motivos quanto a regularidade do procedimento administrativo em exame”. De acordo com Irene Patrícia Nohara, o procedimento compulsório do tombamento resume-se nas seguintes fases: “[...] notificação ao proprietário e oportunidade para ele oferecer as razões de impugnação no prazo de 15 dias”. Contudo, diante da inexistência de impugnação no prazo legal, “[...] ocorre a transcrição do bem no Livro do Tombo; se houver, dá-se vista dela e outros 15 dias para que o órgão do qual emanou a iniciativa do tombamento sustente suas razões”; após, “[...] o processo é remetido ao conselho 68 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 523. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5 ed. Rio de Janeiro: Método, 2012.p. 372. 70 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 523. 71 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 12. ed. rev., atual., ampl. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 414. 69 24 do órgão competente para a decisão que, no caso federal, é o Conselho Consultivo do Iphan, o qual tem 60 dias para proferir decisão”; no caso de decisão favorável ao particular, “[...] o procedimento administrativo será arquivado; mas, se houver decisão contrária ocorre a inscrição no Livro do Tombo, cuja eficácia, na esfera federal, depende de homologação do Ministro da Cultura”, que, segundo ditames da “[...] Lei n° 6.292/75, em vez de homologar, pode, ainda, anular ou revogar o procedimento”.72 No que se refere ao procedimento condizente ao tombamento, Antônio F. G. Beltrão: O tombamento se opera mediante um procedimento administrativo, cujo ato final consiste na inscrição do bem no Livro do Tombo respectivo. Tal procedimento administrativo varia a depender da modalidade do tombamento. Em todas as modalidades deverá haver a manifestação de órgão técnico, que, na esfera federal, consiste no Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN). Em se tratando de bem público, o tombamento ocorre de ofício por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, após análise pelo órgão técnico competente, notificando-se o ente público ao qual pertence o bem, ou sob cuja guarda se encontre, para que produza os seus efeitos jurídicos. 73 Além de ser possível identificar fases no procedimento, há também pontos em comum entre os vários tipos de tombamento existentes, como explica Édis Milaré: “[...] a) parecer de órgão técnico sobre o valor cultural do bem; b) notificação ao proprietário para anuir ou impugnar a pretensão do Poder Público; c) deliberação coletiva do Conselho consultivo da entidade incumbida do tombamento”; bem como “[...] d) homologação do órgão político a que está afeta a entidade incumbida do tombamento; e) inscrição no Livro do Tombo que se referir ao valor que fundamentou o tombamento”; e, por fim, “[...] f) transcrição em registro público (os imóveis no Cartório de Registro de Imóveis e os móveis no Cartório de Registro de Títulos e Documentos), para que produza efeitos em relação a terceiros”.74 Percebe-se, pois, que ao final do procedimento específico, o bem tombado deve ser inscrito em um dos livros do tombo, na forma como já mencionado. Ressalta-se que, no plano federal, o processo de tombamento está disciplinado pelo Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, já mencionado, e pela “[...] Lei 6.292, de 1975, a qual dispõe sobre o tombamento de bens no instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)”.75 72 NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. p. 702. BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 431. 74 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 7. ed. rev., atual., refor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 325. 75 BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 430. 73 25 Esses, portanto, são os principais aspectos do procedimento do tombamento, mostrando-se sempre indispensável a realização do devido processo legal administrativo prévio com garantia, por consequência, do contraditório e da ampla defesa. Por fim, passa-se ao estudo dos efeitos do tombamento. 2.3.3 Efeitos O instituto do tombamento “transforma o bem tombado em patrimônio cultural sem promover sua estatização, instituindo um regime especial de propriedade”. Assim, “o bem tombado, ainda que passe a fazer parte do patrimônio cultural, não passa a pertencer ao patrimônio público se for de propriedade privada”.76 Por conseguinte, os efeitos gerados pelo tombamento são descritos no Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, especificamente no seu capítulo III. Relacionam-se com: possibilidade de venda, transformações, deslocamento, possíveis vizinhos, conservação e fiscalização. A partir de então, Resultam para o proprietário obrigações de fazer (positivas), de não fazer (negativas) e de deixar fazer (suportar); assim como para os imóveis vizinhos, obrigações de não fazer (negativas); e para o IPHAN, obrigações de fazer (positivas).77 Assim, podem ser indicados como efeitos específicos os seguintes: “a) obrigação de transcrição no registro público; b) dever de conservar e reparar; c) restrições à alienabilidade; d) restrições à modificabilidade; e) sujeição de fiscalizações pelo órgão público de tombamento;” e, ainda, “ [...] f) restrições às propriedades vizinhas”.78 Logo, percebe-se “o tombamento certamente afeta diretamente o caráter de exercício absoluto do direito de propriedade e controla o seu exercício, mas não afeta a exclusividade do domínio e nem constitui direito real de uso e gozo”.79 Nesse diapasão, Édis Milaré trata dos efeitos relativos ao instituto do tombamento: Os efeitos resultantes do ato do tombamento podem ser assim elencados: a) A obrigação de transcrição no registro público – O tombamento definitivo de bens de propriedade particular, como se viu, deve ser levado a registro, por iniciativa do órgão preservacionista competente, no Ofício de Registro de Imóveis, e averbado ao lado da transcrição do domínio. Se móvel o bem, deve o registro ser efetuado no 76 ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio. Revisitando o instituto do tombamento. Belo horizonte: Fórum, 2010. p. 29. 77 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.150. 78 BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 430. 79 ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio. Revisitando o instituto do tombamento. Belo horizonte: Fórum, 2010. p. 29. 26 Cartório de Registro de Títulos e Documentos. No caso de alienação, é encargo do adquirente providenciar a transcrição, no prazo de trinta dias, pena de multa correspondente a dez por cento do valor do negócio jurídico; b) Restrições à alienabilidade – Se o bem tombado for público, será inalienável, salvo se a transferência ocorrer entre a União, Estados e Municípios; em caso de alienação onerosa de bens pertencentes a particulares, deve ser assegurado, pela ordem, o direito de preferência da União, dos Estados e dos Municípios, sob pena de nulidade do ato, sequestro do bem por qualquer valor dos titulares do direito de preferência e multa de vinte por cento do valor do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente; c) Restrições à modificabilidade – O proprietário não pode destruir, demolir ou mutilar a coisa tombada, nem – sem prévia autorização do órgão competente para a proteção do patrmônio cultural – repará-la, pintá-la ou restaurá-la, sob pena de multa de cinquenta por cento do valor do dano causado; d) Possibilidade de nele intervir o órgão de tombamento para a fiscalização e vistoria – O proprietário fica sujeito à fiscalização do bem pelo órgão competente sob pena de multa em caso de opor entraves indevidos à vigilância; e) Sujeição da propriedade vizinha a restrições especiais – A área do entorno do bem tombado é importante para garantir a ambiência e a visibilidade do patrimônio. Por isso, os proprietários dos imóveis vizinhos também sofrem as consequências do tombamento, já que não podem, sem prévia autorização de órgão protetor do patrimônio cultural, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirado o objeto, impondo-se, neste caso, multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto.80 Os proprietários de bens particulares devem respeitar os limites dos bens tombados e não praticar atos que possam vir a destruí-los. Uma hipótese peculiar reside na proibição a que terceiros, não proprietários, nem mesmo possuidores do bem tombado, “[...] usufruam dos próprios bens de modo a prejudicar os bens tombados. O art. 18 do Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, veda a possibilidade de construção no imóvel vizinho ao tombado que impeça ou reduza a visibilidade dele”.81 É responsável também pelos efeitos do tombamento o Poder Público, como leciona Marçal Justen Filho: A preservação da identidade dos bens tombados é dever não apenas do proprietário e possuidor. Também incumbe ao Poder Público adotar todas as providências que lhe caibam, necessárias a tanto. Assim, há um dever geral de fiscalização do Poder Público quanto à observância dos deveres derivados do tombamento. Mas se prevê que, se o proprietário da coisa tombada não dispuser de recursos para as obras de conservação, deverá (sob pena de multa) comunicar a necessidade ao Poder Público, a quem incumbirá custear as obras e serviços. Se não forem adotadas as providências adequadas, o proprietário poderá pleitear o “cancelamento” do tombamento. Essas regras estão previstas no Decreto-lei n. 25/37.82 80 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 7. ed. rev., atual, refor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 326-327. 81 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 525. 82 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 524. 27 Logo, percebem-se, consoante citação acima, os efeitos do instituto jurídico do tombamento. No capítulo seguinte, adentra-se no estudo da responsabilidade civil, mais especificadamente no que tange à responsabilização do Estado por danos causados a terceiros. 28 3 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO “Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo”. Mahatma Gandhi A responsabilidade civil é o instituto jurídico destinado a reparação dos danos materiais e morais decorrentes de ilícito civil. Nesse contexto, sublinha-se que este capítulo monográfico destina-se ao estudo do conceito, das noções históricas, dos pressupostos e da classificação da responsabilidade civil, assim como da responsabilidade civil do Estado. 3.1 CONCEITO Toda conduta que termina em dano tem como conseqüência, na condição de fato social, a questão da responsabilidade.83 Entretanto, preambularmente, importante destacar a origem etimológica da palavra responsabilidade que, segundo a doutrina, vem do latim respondere, “[...] que diz respeito ao fato de alguém ter a garantia de algo constituída”. Mencionada expressão demonstra “[...] a sua estirpe latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais”.84 Segundo Sérgio Cavalieri Filho, em sentido literal, “[...] responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação”. Já, em sentido jurídico, “[...] o vocábulo não foge dessa ideia. A essência da responsabilidade está ligada à noção de desvio de conduta, ou seja, foi ela engendrada para alcançar as condutas praticadas de forma contrária ao direito e danosas a outrem”.85 Na mesma linha, Sílvio de Salvo Venosa aduz que “o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso”. Sob esse prisma, “toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar”.86 83 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil.7.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.v 4. p.19. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.49. v. VII. 85 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 2. 86 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 1. v. 4. 84 29 Vislumbra-se, portanto, que a “responsabilidade constitui uma relação obrigacional cujo objetivo é o ressarcimento”. 87 Para o Direito, a responsabilidade configura uma obrigação derivada da obrigação, ou seja, um dever jurídico sucessivo que consiste na encampação das consequências jurídicas de um ato, sendo que essas consequências, por sua vez, podem transmudar em conformidade com os interesses das vítimas.88 Acerca do tema, ressalta-se a doutrina: Do que se infere que a responsabilização é meio e modo de exteriorização da própria Justiça, e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar outra pessoa, ou seja, neminemlaedere. A ninguém é permitido lesar o seu semelhante. O sistema de Direito positivo estabelecido repugna tanto a ofensa ou agressão física como moral, seja impondo sanção de natureza penal, ou de natureza civil, também sancionatória, mas de caráter pecuniário, ainda que se cuide de ofensa moral. A primeira visa à pacificação social e à defesa da sociedade; a segunda tem caráter individual ou unitário e tem por escopo a proteção da pessoa. 89 Frisa-se, desse modo, que a responsabilidade relaciona-se a noção de reequilíbrio, de reparação de dano e de contraprestação. Assim, “sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social”.90 Na perspectiva jurídica, “[...] a responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar)”.91 A responsabilidade civil, por sua vez, consiste “na obrigação em que o sujeito ativo pode exigir o pagamento de indenização do passivo por ter sofrido prejuízo imputado a este último”. Configura “[...] o vínculo obrigacional em decorrência de ato ilícito do devedor ou de fato jurídico que o envolva. Classifica-se como obrigação não negocial”.92 87 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: RT, 2004, p. 427. v. 2. 88 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade civil. 10 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 43-44. 89 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 114. 90 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.19 -20. v. 4. 91 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade civil. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p 53. 92 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil .4 ed.São Paulo: Saraiva, 2010. p. 268. 30 Logo, percebe-se “[...] que o instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, posto que consiste na obrigação que tem o autor de um ato ilícito de indenizar a vítima pelos prejuízos a ela causados”.93 Em últimas linhas, segue conceito de responsabilidade civil apresentado por Alvaro Villaça de Azevedo: Com base nessas considerações poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva). 94 Com isso, observa-se que a responsabilidade civil surge em razão do descumprimento de uma obrigação, contratual ou extracontratual, pelo agente causador do dano que fica obrigado a reparar o mal experimentado pela vítima. Em seguida, passa-se à análise dos pressupostos inerentes à responsabilidade civil. 3.2 PRESSUPOSTOS Mostra-se indispensável, para a configuração da obrigação de indenizar, a comprovação de alguns requisitos inerentes ao instituto da responsabilidade civil, consoante disposição dos artigos 186 e 927 do Código Civil, in verbis: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.95 “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Da leitura dos dispositivos acima mencionados, vislumbram-se os seguintes requisitos: a) conduta (ação ou omissão); b) dano; c) nexo de causalidade e, em alguns casos, d) a culpa. Desse modo, a seguir, adentra-se na análise individual de cada um desses pressupostos, a começar pela conduta humana. 93 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.17. 94 AZEVEDO, Alvaro Villaça. Responsabilidade civil-I, in Enciclopédia Saraiva do Direito,v. 65, p.336. In: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.50 95 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 24 set. 2013. 31 3.2.1 Ação ou Omissão O comportamento humano, positivo ou negativo, ou seja, por ação ou omissão, encontra-se intimamente relacionado ao dever de indenizar.96 Nesse sentido, a conduta é o ato humano, omissivo ou comissivo, lícito ou ilícito, “[...] voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.97 Contudo, cumpre asseverar que, na responsabilidade civil, a conduta do homem só apresenta relevância no campo jurídico quando a ação ou a omissão mostra-se voluntária.98 Acerca do núcleo do pressuposto conduta, a voluntariedade, anota-se a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves: A exigência de um fato “voluntário” na base do dano exclui do âmbito responsabilidade civil os danos causados por forças da natureza, bem como praticados em estado de inconsciência, mas não os praticados por uma criança demente. Essencial é que a ação ou omissão seja, em abstrato, controlável dominável pela vontade do homem.99 da os ou ou Repisa-se que “somente se reputará como elemento do ato ilícito a conduta que contraria o ordenamento jurídico, proporcionando dano patrimonial ou extrapatrimonial em desfavor da vítima”.100 A conduta do agente, para configuração da responsabilidade civil, pode ser omissiva ou comissiva. A comissão configura-se pela “[...] prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se”.101 Entretanto, “só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado”. Isso porque, caso contrário, “[...] toda e qualquer omissão seria relevante e, 96 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.31. 97 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.56. 98 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 129. 99 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.v 4. p.58. 100 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil.3 ed. São Paulo: RT, 2004, p. 427. v. 2. 101 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.56. v. 7. 32 consequentemente, todos teriam contas a prestar à Justiça”.102 Diante disso, percebe-se que a conduta traduz-se no comportamento humano voluntário, omissivo ou comissivo, que, violando o ordenamento jurídico vigente, importa em dano a outrem. A seguir, passa-se ao estudo do dano. 3.2.2 Dano O pressuposto denominado dano, do latim damnum, também é indispensável para a configuração do instituto da responsabilidade civil e diz respeito ao prejuízo causado à vítima.103 Segundo Maria Helena Diniz, “o dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar”.104 Assim, “[...] seja qual for a espécie de responsabilidade sob exame (contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva), o dano é requisito indispensável para sua configuração, qual seja, sua pedra de toque105”.106 Nesse passo, ressalta-se que o dano indenizável “pode ser individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, econômico e não econômico”.107 Quanto ao dano individual, trata-se daquele prejuízo que atinge a uma pessoa determinada. Por outro lado, no dano coletivo, verifica-se a afetação de um grupo de pessoas, determinadas ou não, é o caso dos danos difusos, coletivos e individuais homogêneos108.109 102 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 2. LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil.3 ed. São Paulo: RT, 2004, p. 495. v. 2. 104 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.77. v. 7. 105 Trata-se de expressão cunhada por Celso Antônio Bandeira de Mello para elucidar a importância de determinados institutos jurídicos. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010). 106 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade civil. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81 107 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 37. v. 4. 108 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (In: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá 103 33 Ademais, o dano é classifica em material (patrimonial ou econômico) ou moral (extrapatrimonial ou não econômico). 110 O denominado “dano patrimonial é o prejuízo causado aos bens que compõe o patrimônio da vítima”.111 Maria Helena Diniz afirma que para se conceituar o dano material é preciso evidenciar, inicialmente, o conceito de patrimônio. Segundo a autora, “o patrimônio é uma universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens de uma pessoa, sendo, portanto, um dos atributos da personalidade e como tal intangível”.112 Assinala-se, também, “[...] que o dano material pode atingir não somente o patrimônio presente da vítima, como, também, o futuro; pode não somente provocar a sua diminuição, a sua redução, mas também impedir o seu crescimento, o seu aumento”. Por esse motivo, “[...] o dano material se subdivide em dano emergente e lucro cessante”.113 Nesse contexto, “o dano emergente, aquele que mais se realça à primeira vista, o chamado dano positivo, traduz uma diminuição de patrimônio, uma perda por parte da vítima: aquilo que efetivamente perdeu”.114 O lucro cessante, por seu turno, refere-se aquilo que a vítima deixou de ganhar. “Trata-se de uma projeção contábil nem sempre muito fácil de ser avaliada. Nessa hipótese, deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano”.115 Por fim, tem-se o dano moral, previsto art. 5º, inciso X, da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, também chamado de extrapatrimonial ou não econômico, que, em sentido amplo, “[...] é o prejuízo causado a algum direito personalíssimo da vítima”.116 Existem, portanto, prejuízos “[...] cujo conteúdo não é dinheiro, nem uma coisa comercialmente redutível a dinheiro, mas a lesão a um direito da personalidade”, considerando que não são passíveis de avaliação “[...] a dor, a emoção, a afronta, a aflição outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 24 set. 2013. [sem grifo no original]. 109 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade civil. 10 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81 110 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 477. 111 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil.3 ed. São Paulo: RT, 2004, p. 496. v. 4. 112 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.84. v.7. 113 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 78. 114 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 42. v.4. 115 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.42. v. 4. 116 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil.3 ed. São Paulo: RT, 2004, p. 499. v. 2. 34 física ou moral, ou melhor, a sensação dolorosa experimentada pela pessoa”. 117 Nas hipóteses do dano moral, por óbvio, não há reparação, mas sim compensação que, “em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada judicialmente, com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido, atenuando, em parte, as consequências da lesão”.118 Com base nas citações acima, percebe-se que dano é prejuízo e, ainda, que este pode ser coletivo ou individual, moral ou patrimonial, sendo que, nos casos de danos relacionados à personalidade da vítima, tem-se compensação e não reparação. Após, adentra-se no estudo do nexo causal. 3.2.3 Nexo de Causalidade Pelo pressuposto designado nexo de causalidade, “[...] faz-se necessária a existência de uma relação de causa e efeito entre a conduta praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima”. Nesse caso, “vale como princípio a assertiva de que ninguém pode ser responsabilizado por dano a que não tenha dado causa”.119 Segundo Sílvio de Salvo Venosa, a definição de relação de causalidade, nexo causal ou nexo etimológico é proveniente das leis naturais. Trata-se do “[...] liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável”.120 Portanto, o liame “[...] entre o prejuízo e a ação designa-se ‘nexo causal’, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível”. Tal pressuposto “representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa”.121 No que se refere à determinação do nexo de causalidade, denota-se a existência de duas questões contrapostas, quais sejam: a dificuldade de sua comprovação e, ainda, a “[...] identificação do fato que constitui a verdadeira causa do dano, máxime quando ocorra a ‘causalidade múltipla’, pois nem sempre se tem condições de apontar qual a causa direta do 117 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.78. v. 7. 118 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade civil. 10 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123.(Grifo no original) 119 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.87. 120 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.53. 121 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 129. v. 7. 35 fato, sua causa eficiente”.122 Nesse sentido, Rogério Marrone de Castro Sampaio leciona: Na prática, contudo, esbarra-se na dificuldade de se identificar o necessário liame de causalidade que permita atribuir a determinado resultado ao comportamento de uma pessoa, principalmente diante da presença de vários comportamentos, que, de alguma forma, contribuíram para o resultado. São as chamadas concausas, que podem ser sucessivas ou simultâneas.123 Entretanto, ressalta-se que, em razão do tema específico proposto para o presente trabalho, deixa-se de abordar todas as concausas relacionadas pela doutrina especializada sobre o tema.124 Por conseguinte, na prática, independentemente da teoria aplicada, compete ao juiz, “[...] na análise do caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado”.125 O nexo de causalidade, portanto, é o elo que une a conduta do agente ao dano experimentado pela vítima, existindo relevante dificuldade na sua comprovação em Juízo para configuração do instituto da responsabilidade civil. Passa-se, em seguida, ao estudo da culpa. 3.2.4 Culpa O pressuposto culpa, na forma como será estudado nos tópicos posteriores deste trabalho de conclusão de curso, não configura elemento obrigatório em todas as hipóteses para caracterização do dever de indenizar, tendo em vista a doutrina atual que sustenta a teoria da responsabilidade sem culpa, ou seja, pautada na teoria do risco. 122 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 151. 123 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.87. 124 Além das concausas, registra-se também a chamada “teoria da relativização do nexo de causalidade” ou “nexo causal em abstrato”, assim como segue: “entretanto, a teoria da perda de uma chance, admite a relativização deste conceito, permitindo a existência da responsabilidade civil mesmo quando não existente o nexo causal da forma prevista na legislação extravagante, ou melhor, no Código Civil Brasileiro. Isto é, esta nova teoria RELATIVIZA o ideal do nexo de causalidade adotado pelo diploma supracitado”. (In: LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2007. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance>. Acesso em: 24 set. 2013 125 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 152. 36 Dessarte, “a culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligencia ou cautela”, engloba “[...] o dolo que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever”.126 Segundo Sergio Cavalieri Filho, tanto na culpa como no dolo, existe “[...] conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange a conduta e o efeito lesivo dele resultante –“, por outro lado, no segundo caso, “[...] a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente adequados”.127 Quanto à conceituação de negligência, imprudência e imperícia, retira-se da doutrina: A imprudência é falta de cautela ou conduta por conduta comissiva, positiva, por ação. Age com imprudência o motorista que dirige em excesso de velocidade, ou que avança o sinal. Negligência é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva. Haverá negligência se o veículo não estiver em condições de trafegar, por deficiência de freios, pneus etc. O médico que não toma os cuidados devidos ao fazer uma cirurgia, ensejando a infecção do paciente, ou que lhe esquece uma pinça no abdômen, é negligente. A imperícia, por sua vez, decorre de falta de habilidade mo exercício de atividade técnica, caso em que se exige, de regra, maior cuidado ou cautela do agente. Haverá imperícia do motorista que provoca acidente por falta de habilitação. O erro grosseiro também exemplifica a imperícia.128 O pressuposto culpa, em sentido geral, de acordo com a doutrina, é composto dos seguintes requisitos: “a) voluntariedade do comportamento do agente – ou seja, a atuação do sujeito causador do dano deve ser voluntária, para que se possa reconhecer a culpabilidade”; pela “b) previsibilidade – só se pode apontar culpa se o prejuízo causado, vedado pelo direito , era previsível”; e, ainda, “c) violação de um dever de cuidado – a culpa implica a violação de um dever de cuidado”.129 No que tange aos graus, verifica-se que a culpa é classificada em grave, leve ou levíssima, sendo “[...] grave quando, dolosamente, houver negligencia extrema do agente, não prevendo aquilo que é previsível ao comum dos homens”. A leve, por sua vez, “[...] ocorrerá quando a lesão de direito puder ser evitada com atenção ordinária, ou adoção de diligências 126 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 58. 127 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 32. 128 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 38. 129 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade civil. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 175. 37 próprias de um bônus pater famílias”. Por fim, “será levíssima, se a falta for evitável por uma atenção extraordinária, ou especial habilidade e conhecimento singular”.130 A culpa, portanto, engloba o dolo, pouco importando a intenção do agente quanto à prática do ato lesivo. Ademais, em sentido estrito, divide-se em imprudência, negligência e imperícia e, quanto aos graus, em grave, leve e levíssima. Após, segue-se com a apresentação da classificação da responsabilidade. 3.3 CLASSIFICAÇÃO Classificando-se o instituto da responsabilidade, tem-se a responsabilidade penal e a civil. Já no campo da responsabilidade civil, verifica-se a presença da responsabilidade contratual e extracontratual e da objetiva e subjetiva. No que tange à responsabilidade civil e a criminal, importante salientar que se originam “de um fato juridicamente qualificado como ato ilícito ou, em outras palavras, como não desejado pelo Direito, pois praticado em ofensa à ordem jurídica”.131 Ao se tratar da responsabilidade penal, “o agente infringe uma norma de direito público. O interesse lesado é o da sociedade”. Já no que diz respeito à responsabilidade civil, “o interesse diretamente lesado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou a não a reparação”.132 Ainda nesse sentido, frisa-se que “a responsabilidade penal é pessoal, intransferível, respondendo o réu com a privação de sua liberdade”, em contrapartida, “a responsabilidade civil é patrimonial: é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações”.133 Ressalta-se, porém, que um fato pode ensejar as duas responsabilizações, não havendo bis in idem em tal circunstância, justamente pelo sentido de cada uma delas e das repercussões da violação do bem jurídico tutelado.134 Nessa linha, afirma Caio Mário da Silva Pereira: Nesta análise cabe toda espécie de ilícito, seja cível, seja criminal. Não se aponta, 130 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 60. v. 7. 131 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade civil. 10 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 50. (Grifo do autor). 132 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 42. 133 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 44. 134 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil.10 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 49. v. III. 38 em verdade, uma diferença ontológica entre um e outro. Há em ambos o mesmo fundamento ético: a infração de um dever preexistente e a imputação do resultado a consciência do agente. Assinala-se, porém, uma diversificação que se reflete no tratamento deste, quer em função da natureza do bem jurídico ofendido, quer em razão dos efeitos do ato. Para o direito penal, o delito é um fato de desequilíbrio social, que justifica a repressão como meio de reestabelecimento; para o direito civil o ilícito é um atentado contra o interesse privado de outrem, e a reparação do dano sofrido é a forma indireta de restauração do equilíbrio rompido.135 No que se refere às esferas da responsabilidade civil, há a necessidade também de distinguir-se a contratual da extracontratual.136 Com a existência de um vínculo obrigacional, “o dever de indenizar é consequência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamado de ilícito contratual ou relativo”; no caso do dever surgir em decorrência de dano a direito subjetivo, “sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou absoluto”.137 Assim, quando o dever de indenizar um dano é proveniente do não cumprimento de uma obrigação prevista contratualmente, a responsabilidade é tida como contratual, diferindo-se dessa forma da extracontratual, em que “o dever de indenizar os danos causados decorre da prática de um ato ilícito propriamente dito (ilícito extracontratual), que se consubstancia em uma conduta humana positiva ou negativa violadora de um dever de cuidado (culpa em sentido lato)”.138 Ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona: Com efeito, para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao passo que, na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém. 139 Tratando-se ainda da responsabilidade contratual, o credor obriga-se a provar que a prestação não foi honrada. O devedor somente não será responsabilizado a reparar o 135 PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 192, vI, p 452453. 136 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 23. 137 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 16. 138 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 24. 139 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 62. v. III. 39 prejuízo se demonstrar “a ocorrência de alguma das excludentes admitidas na lei: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Incumbe-lhe, pois, o ônus probandi”.140 Na situação da responsabilidade aquiliana, “a situação do credor (vítima), em termos processuais, é desfavorável em relação ao credor na responsabilidade contratual.” Na responsabilidade civil, se aquiliana, cabe a quem sofreu o dano demonstrar os pressupostos concernentes da responsabilidade civil, para que veja reconhecido o seu direito a reparação pelos prejuízos sofridos, ou seja, “além do dano e do nexo de causalidade – pressupostos que também devem ser provados pelo credor na responsabilidade contratual –, também deve demonstrar o comportamento culposo do agente”.141 Em sede de última definição, mas também essencial e importante ao instituto da responsabilidade civil, faz-se a distinção da responsabilidade civil objetiva da subjetiva, visto que a responsabilidade objetiva veio com a evolução da sociedade, “voltada a possibilitar àquele que, prejudicado em razão de determinado comportamento humano, possa ver seu dano reparado, reestabelecendo uma situação de equilíbrio”.142 A teoria civilista afirma que um dos fundamentais elementos que caracterizam a obrigação do ressarcimento baseia-se “em um fator de natureza subjetiva (subjectus), ou seja, a culpa do sujeito que, ao agir intencionalmente (dolo) ou sem observar as cautelas devidas (culpa em sentido restrito, isto é, imprudência, imperícia ou negligência), provoca o evento danoso”.143 A responsabilidade está intimamente ligada à ideia de culpa, por essa razão que “ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva”.144 Porém, existem situações em que a caracterização da culpa não se faz necessária, “nesses casos estaremos diante do se convencionou chamar de ‘responsabilidade civil objetiva’”. Nessa subdivisão da responsabilidade a culpa ou o dolo, “na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja 140 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 46. SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 25. 142 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26. 143 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo positivo. 1 ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2008. p 70. 144 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 17. 141 40 o dever de indenizar”.145 É, portanto, a responsabilidade objetiva, “exceção, sendo admitida somente nos casos contemplados em leis específicas e sob o aspecto enfocado pelo Código Civil, enquanto a subjetiva é a regra geral”.146 No que concerne à responsabilidade subsidiária e a solidária, cabe destacar, primeiramente, determinadas considerações sobre as diferenças entre a responsabilidade civil e a obrigação. A responsabilidade é a permissão, dada pela lei, para que o credor que não tiver satisfeito seu crédito, busque o devedor a fim de que esse responda com seus bens, para que cumpra com a prestação pactuada; Já a obrigação é dever, do sujeito passivo, de satisfazer uma prestação acordada com o credor.147 Por essa razão, importante é o estudo da obrigação subsidiária e solidária, tendo em vista que, pelo não cumprimento da obrigação, a causa normal será a responsabilização civil do agente que pelo descumprimento do acordado gerou um prejuízo a vítima. Ao que diz respeito, especificamente, à responsabilidade civil, a solidariedade está prevista nos arts. 932 e 942 do Código Civil Brasileiro: Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. [...] Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as 148 pessoas designadas no art. 932. 145 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 58. v. III. 146 ROSSI, Júlio César; ROSSI, Maria Paula Cassone. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007.p. 28. 147 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil.: obrigações. 13. ed. ver, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 50. v. 2. 148 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 out. 2013. 41 Já no que se trata da responsabilidade subsidiária, não há referência no Código Civil Brasileiro de 1916, muito menos no de 2002, porém é possível encontrar previsões do assunto na doutrina e jurisprudência. Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, essa modalidade de responsabilidade é “uma forma especial de solidariedade, com benefício ou preferência de excussão de bens de um dos obrigados [...]”.149 Dessa forma, na responsabilidade solidária existem vários devedores, cada um obrigado pela dívida em sua totalidade. Já na responsabilidade subsidiária, uma pessoa obriga-se pelo débito originariamente; e, a outra, apenas com a responsabilidade pela dívida contraída pelo primeiro. Nessa última situação, será acionado primeiramente o devedor, e somente se este não for possuidor de bens, ou se não forem bastantes, é que será direcionada a execução para aquele que assumiu a responsabilidade de forma subsidiária, enquanto na responsabilidade solidária poderá o credor ter o benefício da escolha, apontar quem irá cobrar.150 Nesse contexto, depois do estudo acerca das classificações da responsabilidade civil, passa-se à abordagem da denominada responsabilidade civil do Estado. 3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO A responsabilidade civil do Estado versa sobre a “obrigação a este imposta de reparar danos causados a terceiros em decorrência de suas atividades ou omissões – por exemplo: atropelamento por veículo oficial, queda em buraco na rua, morte em prisão”.151 Define-se a responsabilidade civil do Estado “como sendo a obrigação legal, que lhe é imposta, de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades”.152 Enfim, conforme Maria Silvia Zanella Di Pietro, pode-se afirmar que a responsabilidade do Estado “corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.153 149 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. 13. ed. ver, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 117-118. v. 2. 150 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. 13. ed. ver, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 119. v. 2. 151 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 401. 152 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 14. 153 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698. 42 Importante anotar que, de forma adversa ao que propõe o direito privado, em que a responsabilidade decorre sempre de um ato ilícito (contrário a legislação), “no direito administrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade”.154 Leciona, nesse sentido, Marçal Justen Filho: A responsabilidade jurídica do Estado traduz uma característica da democracia republicana. A responsabilidade do Estado deriva da supremacia da sociedade e a natureza instrumental do aparato estatal. O Estado é responsável na acepção de que está obrigado perante a sociedade e os órgãos de controle a arcar com as conseqüências de suas ações e omissões e de adotar todas as providências destinadas a corrigir as imperfeições verificadas. 155 A despeito dos conceitos acima esposados, denota-se que a responsabilização do Estado passou por um lento processo de evolução, inclusive, com o surgimento de diferentes teorias explicativas, na forma como será demonstrado a partir do presente momento. Após longo período de desenvolvimento, a responsabilidade civil do Estado, “até hoje ganha elementos de adaptação ao desenvolvimento social, conciliando com a proteção sempre necessária ao administrado”.156 No que se trata da citada evolução e as teorias que ela abrange, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro: O tema da responsabilidade civil do Estado tem recebido tratamento diverso no tempo e no espaço; inúmeras teorias têm sido elaboradas, inexistindo dentro de um mesmo direito uniformidade de regime jurídico que abranja todas as hipóteses. Em alguns sistemas, como o anglo-saxão, prevalecem os princípios de direito privado; em outros, como o europeu continental, adota-se o regime publicístico. A regra adotada, por muito tempo, foi a da irresponsabilidade; caminhou-se, depois, para a responsabilidade subjetiva, vinculada à culpa, ainda hoje aceita em várias hipóteses; evoluiu-se, posteriormente, para a teoria da responsabilidade objetiva, aplicável, no entanto, diante de requisitos variáveis de um sistema para outro , de acordo com normas impostas pelo direito positivo.157 Sobre o presente tema, podem ser compreendidas as seguintes teorias: “teoria da irresponsabilidade; teorias civilistas: teoria dos atos de gestão e de império e teoria da responsabilidade subjetiva ou culpa civil” e “teorias publicistas: teoria da culpa administrativa 154 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 697. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1072. 156 MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 6 ed. Niterói: Impetus, 2012. p. 963. 157 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698. 155 43 ou culpa do serviço público e teoria do risco integral ou administrativo ou teoria da responsabilidade objetiva”.158 É pertinente informar que existem muitas discussões entre as terminologias utilizadas pelos autores, o que dificulta a colocação do assunto; ao que uns chamam de culpa administrativa e o acidente administrativo, outros chamam de culpa civil; alguns subdividem a teoria do risco em duas modalidades, risco administrativo e risco integral.159 Passam-se, assim, as delimitações que abrangem a evolução da responsabilidade civil do Estado em si, no mundo, e também no Brasil, que é o foco principal do presente estudo monográfico. A teoria da irresponsabilidade do Estado foi o que prevaleceu durante muito tempo. Inúmeras eram as justificativas para tal isenção, entre elas: “o monarca ou o Estado não erram; o Estado atua para atender ao interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso; a soberania no Estado, poder incontrastável, impede seja reconhecida sua responsabilidade perante um indivíduo”.160 Adotada na época dos Estados absolutos, a teoria da irresponsabilidade era baseada na idéia de soberania: a autoridade do Estado é indiscutível perante o súdito; ele desempenha a tutela do direito, “não podendo, por isso agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar (the king can do no wrong; Le roi ne peut mal faire) e o de que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem)”. Seria, então, um desrespeito a soberania atribuir responsabilidade ao Estado, colocando-o, assim, no mesmo nível em que o súdito se encontra, considerado, desse modo, uma ofensa para a época.161 É, como já dito, própria dos regimes absolutistas, a teoria da não responsabilização do Estado. É baseada na ideia de que o rei, portanto o Estado, não erra, e não lesa seus súditos de forma alguma. Nos dias atuais, contudo, tem apenas importância histórica.162 A partir do século XIX, por conseguinte, foi a tese da irresponsabilidade superada. Entretanto, “ao admitir-se, inicialmente, a responsabilidade do Estado, adotavam-se os 158 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698. 160 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 16 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 401. 161 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698. 162 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5 ed. Rio de Janeiro: Método, 2012. p. 286. 159 44 princípios do Direito Civil, apoiados na idéia de culpa; daí falar-se em teoria civilista da culpa”.163 Como também afirma Diógenes Gasparini, “a teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado está inteiramente superada. As últimas nações a sufragar a doutrina da responsabilidade foram os Estados Unidos da América, em 1946, e a Inglaterra, em 1947”.164 Sobre esse início de evolução, pondera Fernanda Marinela: A responsabilidade civil começa a ganhar força, e o Estado, que agia irresponsavelmente diante de seus atos, passa a ser responsável em questões pontuais. No Brasil, o reconhecimento dessa responsabilidade ocorreu com o surgimento do Tribunal de Conflitos, em 1873, entretanto ela não era nem geral nem absoluta, disciplinando-se por regras específicas. E mais uma vez a responsabilidade evoluiu passando a se basear na teoria subjetiva, prevista no código civil de 1917, em seu art. 15. [...] A responsabilidade subjetiva fundamenta-se no elemento subjetivo, na intenção do agente. Para sua caracterização, depende-se da comprovação de quatro elementos: a conduta estatal; o dano, condição indispensável para que a indenização não gere enriquecimento ilícito; o nexo de causalidade entre a conduta e o dano; e o elemento subjetivo, a culpa ou dolo do agente. Esses elementos são indispensáveis e devem ser considerados de forma cumulativa, gerando a ausência de qualquer um deles a exclusão da responsabilidade. 165 Se atualmente os administrativistas insistem em desmerecer a teoria civilista da responsabilidade civil do Estado, propondo levar o instituto para o âmbito do direito público, “não podem eles, contudo, negar os elevados méritos da concepção civilística da responsabilidade estatal, no que terá sido esta a grande contestadora inicial do princípio da irresponsabilidade absoluta”; além do que, “alguns dos seus enunciados merecem ser melhor meditados, ante a evidência de que a teoria da responsabilidade civil do Estado continua ainda jungida a certos parâmetros do direito privado”. 166 Ressalta-se que, num primeiro momento, eram diferenciados, para fins de responsabilidade, os atos de gestão e os atos de império. Os primeiros “seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços”; como não diferenciava a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum. Os segundos seriam os praticados pela Administração com todos os privilégios e prerrogativas “de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular 163 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1126. 165 MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 6 ed. Niterói: Impetus, 2012. p. 963. 166 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 21. 164 45 independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes”.167 A teoria civilista, portanto, “preconizada pela teoria da responsabilidade patrimonial com culpa, embora representasse um progresso em relação à teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, não satisfazia os interesses de justiça”. Verdadeiramente, “exigia muito dos administrados, pois o lesado tinha de demonstrar, além do dano, que ele fora causado pelo Estado e a atuação culposa ou dolosa do agente estatal”.168 Já a teoria da culpa administrativa, chamada também por determinados doutrinadores de acidente administrativo, ou culpa do serviço, tem como intuito distinguir a ideia de culpa do agente da responsabilidade do Estado, motivo por que se passou a falar de culpa do serviço público.169 Abarca-se, então, que o representante é parte integrante da Administração Pública e não mais um preposto estatal. Dessa forma, quando este viesse a provocar um dano a outrem, agiria em nome da Administração, tendo em vista que é mero instrumento que se vale o Estado para prestar o serviço.170 Desse modo, a obrigação de indenizar decorria da culpa do serviço, ou faute du service, segundo os franceses, que ocorria “sempre que o serviço não funcionava (não existia, devendo existir), funcionava mal (devendo funcionar bem) ou funcionava atrasado (devendo funcionar em tempo)”.171 Percebe-se que a noção civilista da culpa ficou em desuso, “passando-se a falar em culpa do serviço ou falta de serviço (faute du service, entre os franceses), que ocorre quando o serviço não funciona, funciona mal, ou funciona atrasado”. Ou seja, “o dever de indenizar do Estado decorre da falta do serviço, não já da falta do servidor”. Será suficiente o mau funcionamento ou a falha do serviço público “para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes aos administrados. Idealizada por Paul Duez, a responsabilidade fundada na faute du service foi primeiramente acolhida pelo Conselho de Estado Francês”.172 Diferenciava-se de um lado, a culpa individual do funcionário, “pela qual ele mesmo respondia, e, de outro, a culpa anônima do serviço público; nesse caso, o funcionário 167 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 700. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1126. 169 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2008. p. 610. 170 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Ricardo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 188. v. III. 171 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 17. ed. atualizada por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1127. 172 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 255. 168 46 não é identificável e se considera que o serviço funcionou mal; incide então, a responsabilidade do Estado”.173 Nessa situação, apesar de facilitar o conjunto probatório, tendo a vítima maior proteção, há muita dificuldade, em comprovar “que o serviço foi prestado abaixo dos padrões. Para resolver esse obstáculo, o ordenamento reconhece, em algumas circunstâncias, a dita culpa presumida, hipótese em que a vítima fica desobrigada de prová-la”.174 Aborda-se a culpa anônima, ou culpa administrativa, para aclarar “que não há individualização de um agente que tenha atuado culposamente”. É levado em consideração o serviço público que deve ser oferecido pelo Estado, “bastando, para caracterizar a responsabilidade, uma culpa geral pela ausência de prestação do serviço, ou pela sua prestação deficiente”.175 Dessa forma, não é forçoso repisar “que as divergências são mais terminológicas, quanto à maneira de designar as teorias, do que de fundo”. É entendimento geral “[...] que se trata de responsabilidade objetiva, que implica averiguar se o dano teve como causa o funcionamento de um serviço público, sem interessar se foi regular ou não”. Concordam todos, também, “que algumas circunstâncias excluem ou diminuem a responsabilidade do Estado”.176 A responsabilidade civil por culpa administrativa é relevante ainda hoje. No Brasil, “é a modalidade de responsabilidade civil a que, em regra, está sujeito o Estado nos casos de danos decorrentes de omissão, ou seja, de dano ocasionado pela não prestação ou prestação deficiente de um serviço publico”.177 Em constante evolução, extrai-se que “na última fase dessa evolução proclamouse a responsabilidade objetiva do Estado, isto é, independentemente de qualquer falta ou culpa do serviço, desenvolvida no terreno próprio do Direito Público”. Foi atingida essa posição com fundamento nos princípios da igualdade de ônus e encargos sociais e da equidade. A atividade administrativa do Estado, se é exercida em favor da coletividade, trazendo melhoramentos para todos, “justo é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados pelos impostos”. O que não é cabível, tão pouco possui amparo legal, “é fazer com 173 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 701. MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 6 ed. Niterói: Impetus, 2012. p. 964. 175 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5 ed. Rio de Janeiro: Método, 2012. p. 286. 176 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 702. 177 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5 ed. Rio de Janeiro: Método, 2012. p. 286. 174 47 que um ou apenas alguns administrados sofram todas as conseqüencias danosas da atividade administrativa”.178 Nessa fase, mais atual, “formulou-se a teoria do risco, segundo a qual, ante as inúmeras e variadas atividades da Administração, existe a probabilidade de danos serem causados a particulares”. Ainda que a Administração desempenhe seus atos “para atender ao interesse de toda a população, é possível que alguns integrantes da população sofram danos por condutas ativas ou omissivas dos seus agentes”. Nessa linha, se a maioria se beneficia “das atividades administrativas, todos devem compartilhar do ressarcimento dos danos causados a alguns. Daí se atribuir ao Estado o encargo de ressarcir os danos que seus agentes, nessa qualidade, por ação ou omissão, causarem a terceiros”.179 Sérgio Cavalieri Filho faz uma distinção entre as teorias do risco administrativo e integral, afirmando que elas não se confundem: Convém registrar que a teoria do risco administrativo não se confunde com a do risco integral, muito embora alguns autores neguem a existência de qualquer distinção entre elas, chegando, mesmo, a sustentar que tudo não passa de uma questão semântica. [...] A realidade, entretanto, é que a distinção se faz necessária para que o Estado não venha a ser responsabilizado naqueles casos em que o dano não decorra direta ou indiretamente da atividade administrativa. Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da Administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal – fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo, repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos da sua atividade administrativa, e não pela atividade de terceiros ou da própria vítima, e nem, ainda, por fenômenos da natureza, estranhos à sua atividade. Não significa portanto, que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular. Se o Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá lugar a aplicação da teoria do risco administrativo e, por via de conseqüência, o Poder Público não poderá ser responsabilizado.180 Contrariamente a teoria da culpa do serviço, a teoria do risco administrativo defende que a obrigação do Estado de indenizar o prejuízo deriva somente do ato lesivo causado por ele, não sendo exigida culpa do serviço nem culpa do agente público.181 Nessa linha, não significa que o Estado deverá “indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular”, mas que para a vítima não há necessidade de que seja provada a culpa da Administração, e este, por sua vez, pode evidenciar a culpa parcial ou total 178 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 256. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 16 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 402. 180 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 257. 181 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 17. ed. atualizada por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1128. 179 48 do lesado pelo prejuízo, isentando a Fazenda Pública, de forma total ou parcial, de recompensar o particular.182 A teoria do risco integral alude em reconhecer a responsabilidade civil do Estado em qualquer circunstância, desde que se façam presentes o dano, a conduta, e o nexo causal, desconhecendo qualquer excludente de responsabilidade. Dessa forma, admite a Administração a responsabilidade por todo o risco de dano que possa ser oriundo de sua atuação estatal.183 Se fosse aceita a teoria do risco integral concernente à Administração Pública, ficaria o Estado forçado a ressarcir sempre e em qualquer situação o prejuízo sofrido pelo particular, “ainda que não decorrente da sua atividade, posto que estaria impedido de invocar as causas de exclusão do nexo causal, o que, a toda evidência, conduziria ao abuso e a iniqüidade”.184 No que tange à legislação atual acerca do tema, percebe-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe a responsabilidade civil do Estado no art. 37, §6º, que tem como redação: As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa.185 Concluindo, existirá a responsabilidade do Estado “sempre que se possa identificar um laço de implicação recíproca entre a atuação administrativa (ato do seu agente), ainda que fora do estrito exercício da função, e o dano causado a terceiro”.186 Ao que diz respeito à exclusão do nexo de causalidade, ensina Sérgio Cavalieri Filho: As causas que excluem o nexo causal (força maior, caso fortuito, fato exclusivo da vítima e de terceiro) excluirão também a responsabilidade objetiva do Estado, [...]. Não responde o Estado por fenômenos da natureza – chuvas torrenciais, tempestades, inundações (força maior), porque tais eventos não são causados por sua atividade; poderá responder pela culpa anônima. Também não responde pelo fato exclusivo da vítima ou de terceiro, doloso ou culposo, pela mesma razão. Assaltos, furtos, acidentes na via pública são fatos estranhos à atividade administrativa, em 182 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro.34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 715. 183 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Ricardo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 193. v. III. 184 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 258. 185 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 17 out. 2013. 186 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 262. 49 relação aos quais não é aplicável o princípio constitucional que consagra a responsabilidade objetiva. Quanto ao fortuito interno [...], este não exclui a responsabilidade porquanto, embora imprevisível, faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos da atuação estatal. Só o fortuito externo exclui a responsabilidade estatal por se tratar de fato irresistível, estranho à atividade administrativa. 187 As razões que excluem a responsabilidade “devem ser entendidas todas as circunstâncias que, por atacar um dos elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil, rompendo o nexo causal, terminam por fulminar qualquer pretensão indenizatória”.188 Na responsabilidade civil do Estado há a possibilidade que ela esteja ligada a uma conduta omissiva ou ativa da Administração, como origem do prejuízo reclamado.189 Existem as discussões que englobam a diferença de tratamento quando se trata de responsabilidade do Estado por omissão, “da aplicação ou não do art. 37, §6º, da Constituição às hipóteses de omissão do Poder Público, e a respeito da aplicabilidade, nesse caso, da teoria da responsabilidade objetiva”. Conforme alguns, a norma é idêntica para a omissão e a conduta do Poder Público. Entretanto, para outros, “aplica-se em caso de omissão, a teoria da responsabilidade subjetiva, na modalidade da teoria da culpa do serviço público”. [...] o que as difere é tão ínfimo que a “discussão perde um pouco o interesse, até porque ambas geram para o ente público o dever de indenizar”.190 Nesse sentido, expõe Celso Antônio Bandeira de Mello: Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.191 Também no entender de Sérgio Cavalieri Filho, o art. 37 §6º, da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 “não se refere apenas à atividade comissiva do Estado; pelo contrário, a ação a que alude engloba tanto a conduta comissiva como omissiva. 192 187 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 262. GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Ricardo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 143. v. III. 189 CAHALI, Iussef Said. Responsabilidade civil do estado. 3. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 218. 190 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 617-618. 191 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 996-997. 192 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 239. 188 50 Dessa forma, a consequência “reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa”. Tem origem, a culpa, “na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano”. Tem o resultado, portanto, “que, nas omissões estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre nas condutas comissivas”.193 Com base nesses ensinamentos, vislumbra-se que, atualmente, para as condutas comissivas o Brasil adota a teoria objetiva do risco administrativo, admitindo a incidência das excludentes do dever de indenizar. Por outro lado, no que tange às condutas omissivas, a despeito da controvérsia doutrinária, prevalece o entendimento acerca da aplicação da teoria subjetiva. No capítulo seguinte, por sua vez, passa-se ao estudo do tema central proposto para o presente capítulo monográfico, qual seja: “Florianópolis e a Ponte Hercílio Luz: A Responsabilidade Civil do Estado pelos danos causados aos bens públicos tombados”. 193 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 20 ed. Rio de Janeiro: 2008. p. 531. 51 4 FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PUBLICOS TOMBADOS De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Rui Barbosa A Ponte Hercílio Luz, patrimônio histórico catarinense, completou, neste ano de 2013, 87 anos de existência. Entretanto, seu futuro ainda se mostra bastante incerto, considerando as intermináveis obras de restauração e as constantes ameaças de extenuação. Desse modo, no derradeiro capítulo desta pesquisa monográfica de conclusão de curso, discute-se a possibilidade de responsabilização civil do Estado pelos danos causados aos bens públicos tombados, com ênfase no caso da Ponte Hercílio Luz, de Florianópolis/SC. 4.1 A PONTE HERCÍLIO LUZ No fim do século XIX e início do século XX, na capital Florianópolis, foram verificadas diversas transformações sociais e econômicas, a exemplo do crescimento populacional, que tornaram indispensáveis a criação de uma melhor interação entre o Continente e a Ilha de Santa Catarina. Nesse contexto, “tomaram-se medidas imediatas para uma melhor projeção da Capital, integrando-a no contexto catarinense e brasileiro”. Contudo, percebeu-se que isto só seria possível com a construção de uma ponte.194 Assim, a Ponte Hercílio Luz “foi um fator de suma importância para a vida econômica, social e política de Florianópolis”. Em momento anterior, a tecnologia de comunicação – Ilha e continente – era realizada por meio de barcos, “o que tornava difícil, caro e demorado o intercâmbio comercial, bem como dificultava grandemente a mobilidade dos habitantes de ambos os lados”.195 O único meio de travessia ilha-continente antes da construção da Ponte Hercílio Luz era feito “em precárias balsas, onde se precisava disputar lugar com os bois que eram 194 ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 16. 195 ANDRADE. Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 15. 52 trazidos para os abatedouros da Ilha”. Além disso, “muitas vezes o vento fazia com que os passageiros tivessem que desembarcar a centenas de metros do local planejado”.196 Diversos empecilhos dificultavam a travessia: “o forte vento sul impedia que os barcos atravessassem onde habitualmente o faziam, pois, próximo ao centro da cidade foi construído o Trapiche Municipal servindo para o atracamento dos barcos”. Porém, não era esse o local em que os barcos atracavam em dia de vento sul; era feito para o lado da Baía Norte, em que hoje é a Avenida Beira Mar; e ainda existia uma praia, que se chamava Praia de Fora, onde era feito o desembarque de pessoas e dos produtos.197 Além da precariedade do serviço de balsas, outro era o motivo de Hercílio Luz para decidir construir a ponte, como afirma Maurício Oliveira: O serviço de balsas, ruim e monopolizado, causava a revolta da população. [...] Mas não foi a indignação popular que motivou o governador Hercílio Luz a construir a ponte. No limiar do século 20, os catarinenses se sentiam afastados da capital. Florianópolis era mesmo uma ilha, em todos os sentidos. A construção de uma ligação com o resto do Estado começava a ser fundamental para manter o poder político da cidade – principalmente porque havia um movimento pela troca da capital para Lages, hipótese que chegou a ser defendida pelo próprio Hercílio Luz. 198 Com isso, percebe-se que a principal motivação para a construção de um instrumento capaz de ligar ilha e continente foi a necessidade de aproximação do povo catarinense da capital do Estado. Para Dalmo Vieira Filho, a Ponte Hercílio Luz constitui um dos mais audaciosos empreendimentos já executados em Santa Catarina.199 Registra-se, contudo, que, para a sua edificação, foi [...] indispensável estimular a economia e o sistema tributário estadual. O primeiro contrato, avaliado em US$ 5 milhões, “incluía um sistema de bondes ligando a ilha ao continente e um ramal de estrada de ferro que desaguaria no porto da Capital, a ser construído na atual Sambaqui, no norte da Ilha de Santa Catarina [...]”.200 Assim, decidido pela construção da ponte, “o governador começou a correr atrás de financiamentos – um processo complicado, que endividou o Estado catarinense”. Não bastassem os entraves econômicos, “Hercílio Luz teve que enfrentar críticas como a do 196 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 23. ANDRADE. Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 15. 198 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 24. 199 VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222. 200 VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222. 197 53 engenheiro carioca João do Rego Barros. Para ele, confiar no projeto dos engenheiros norteamericanos Robinson e Steinmann era ‘um desafio ao bom-senso’”.201 Rego Barros levantava informações assustadoras. Florianópolis teria uma ponte, [...] “cópia de seis outras estruturas, erguidas nos Estados Unidos, Inglaterra e Hungria, que haviam caído antes de completar 20 anos”. O engenheiro destacou, ainda, “que o vão central da ponte catarinense, com 340 metros de extensão, era maior que o vão de todas as outras, que não passavam de 250 metros”.202 Apesar das críticas, Hercílio Luz levantou a quantia para a efetivação da obra que idealizara por meio de empréstimos. Como o dinheiro relativo ao primeiro financiamento demorou a chegar, providenciou-se um segundo, atrasando assim, o começo da obra, que estava previsto para meados de 1920 e passou para novembro de 1922.203 Foram analisadas, “em comissão de que fazia parte o engenheiro Paulo de Frontin, várias alternativas, entre elas a de uma ponte de concreto, optando-se pelo projeto dos engenheiros David B. Steinman e Holton D. Robinson”. Contudo, “a falência do banco Imbrie & Cia levou de roldão a maior parte dos empréstimos contraídos. O governador não esmoreceu: firmou novo contrato, desta vez com a Halsey Stuart & Co., que deveria ser pago em 30 anos”.204 As obras foram iniciadas em 1922, no mês de novembro, “com a sondagem do subsolo da ilha e do continente nos locais que seriam construídos os pilares de apoio ao vão central”. No decorrer dessa fase, Hercílio Luz fez-se presente aos trabalhos, dando sua opinião. Porém, com o andamento das obras, Hercílio Luz acabou adoecendo, tendo que procurar recursos no exterior.205 A título de ilustração, seguem algumas fotos tiradas durante a construção da ponte: 201 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 24. OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 24. 203 ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 16. 204 VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222. 205 ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 16. 202 54 Figura 01 – Galeria de fotos da construção. Fonte: DEINFRA, 2011206 Figura 02 – Galeria de fotos da construção Fonte: DEINFRA, 2011207 A obra foi inaugurada em 13 de maio de 1926. Hercílio Luz já não se fazia presente: “faleceu em outubro de 1924, deixando de ver pronta a obra que imortalizaria seu nome”. A ponte Hercílio Luz, que a princípio se chamaria “Da Liberdade”, “além de símbolo 206 SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico da Ponte Hercílio Luz. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013. 207 SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico da Ponte Hercílio Luz. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013. 55 do Estado, representou a manutenção de Florianópolis como capital de Santa Catarina, e até hoje, constitui o maior atestado de realização da gente catarinense”.208 Com isso, vislumbra-se que, após quatro anos de construção, ficou a ponte pronta em janeiro de 1926, sendo inaugurada com uma celebração religiosa que teve Hercílio Luz como homenageado. Na data, todos os presentes “[...] foram em romaria ao túmulo do governador”.209 Por ocasião da inauguração, os que se fizeram presentes realizaram uma caminhada por todo o seu comprimento. Ressalta-se que, no decorrer do dia, “todo o trânsito pela ponte foi livre e grátis e a empresa Viação Corsini também aproveitou da ocasião para inaugurar o serviço de trânsito pela ponte”.210 No que se refere ao intervalo entre a conclusão da obra e a inauguração da ponte, afirma Djanira Maria Martins de Andrade: A ponte estava pronta, porém sua inauguração foi retardada até 13 de maio. Isto aconteceu porque as ruas de acesso, tanto na ilha como no continente, não estavam prontas. Quando as vias de acesso foram concluídas, a ponte estava pronta. Já nesta época foi a quinta em termos de tamanho no mundo. Em termos de comprimento dos vãos livres foram: a Brooklyn Bridge com um vão de 486 metros, de Williamsburg com 488 metros e a de Manhatan, com 488 metros. Todas essas pontes atravessavam o East River em Nova Iorque. [...] Entre Nova Iorque e Brooklyn houve mais uma ponte idêntica às citadas, com um vão central de 995 metros, o que fez com que a de Florianópolis ficasse em quinto lugar [...]. 211 No que se refere às dimensões da obra de arte em comento, anota-se: A Ponte Hercílio Luz tem extensão total de 821,005 metros, sendo formada pelos viadutos de acesso do Continente, com 222,504 metros, da ilha, com 259,080 metros, e pelo vão central pênsil com extensão de 339,471 metros, composta por 28 vãos no total, 2 torres principais e 12 torres secundárias. A altura das torres principais é de 74,210 metros. A altura do vão pênsil em relação ao nível de maré média é de 30,86 metros.A carga total nas cadeias de barras de olhal é de 4.000 toneladas-força.212 Com a inauguração em 1926, “a Ponte Hercílio Luz teve o significado afirmativo e político de manter a capital em Florianópolis, condição adquirida em 1823, por decreto 208 VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 223. OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 35. 210 PAULI. Hercílio Luz, Governador Inconfundível. p. 352 a 353. apud VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222. 211 ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 101. 212 SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico da Ponte Hercílio Luz. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013. 209 56 imperial, quando a cidade ainda se chamava Desterro”. E, na época, a capital da Província incluía a “Ilha de Santa Catarina e seus arredores (São José da Terra Firme, hoje São José, e São Miguel da Terra Firme, hoje Biguaçu), pelo menos até 1833, ano em que as duas freguesias também foram elevadas à condição de município”.213 Com a conclusão da construção da ponte e consequente inauguração, “possibilitou-se uma maior densidade populacional na Ilha. Esta densidade foi provocada pela mobilidade populacional, vinda do continente”.214 Por conseguinte, logo após o término das obras, surgiu uma significativa “preocupação dos Órgãos Públicos em relação à abertura das vias de acesso que propiciaria um maior desenvolvimento da Ilha, como também permitiria uma maior expansão para o continente”.215 Referida expansão “fez com que o Estreito, que até 1930 era incorporado ao município de São José, fosse dele desmembrado, passando, em 1943, à condição de subdistrito da Capital”. Todavia, tornou-se complicado mensurar, de forma exata, “o impacto de uma ponte, como a Hercílio Luz, pois esta fazia parte de uma conjuntura de rodovias e outros instrumentos de desenvolvimento”. [...] Com o passar do tempo, notou-se que o crescimento urbano “de Florianópolis, Estreito e municípios circunvizinhos começou a se orientar para as vias terrestres que os ligavam à ponte”. Evidente, também, “que a ponte não somente influenciou as linhas gerais da evolução urbana da região de hoje, a Grande Florianópolis, mas que também a Ilha perdeu um pouco de sua segurança estratégica com a construção da ponte”.216 Importante registrar que a ponte em comento restou edificada para resistir, ao mesmo tempo, “uma locomotiva de 50 toneladas, um encanamento de água de 650 kg por metro e quatro pedestres por metro quadrado. Um exagero, já que a utilidade da ponte limitou-se à passagem de automóveis e pedestres”.217 Entretanto, é notório que “as pontes metálicas exigem grandes cuidados e grandes despesas em sua conservação”. Existiu, e ainda existe, uma significativa apreensão dos 213 SANTA CATARINA. FCC. Fundação Catarinense de Cultura. Ponte Hercílio luz, patrimônio de santa Catarina, patrimônio do brasil. Disponível em: <http://www.fcc.sc.gov.br/pontehercilioluz/?mod=historico>. Acesso em: 12 out. 2013. 214 ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 16. 215 ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 119. 216 ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 119. 217 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 39. 57 Órgãos Públicos no que diz respeito [...] “a função das diferentes peças das estruturas, sofrendo a ação das forças exteriores, que tendem a afrouxar as ligações entre as peças. Deste modo exigem uma permanente fiscalização e conservação”.218 Afirma Djanira Maria Martins de Andrade, em seu estudo sobre a Ponte Hercílio Luz: Após a conclusão desta grande obra de engenharia, o Governador do Estado, Sr Pereira Oliveira, em exercício do cargo, dirigiu-se ao engenheiro da comissão Dr Paulo Frontin, pedindo a indicação de engenheiros para fazer a rigorosa inspeção da ponte, baseados nos seus projetos, e dar uma orientação clara e precisa para o governador e para a opinião pública sobre o assunto. Para tal inspeção, foram indicados os engenheiros brasileiros Oscar Machado Costa e Mário de Faria Bello.219 Assim, começaram a ser realizados os serviços de conservação, pela empresa Corsini e irmãos, que também organizou a cobrança de pedágios. Um dos cobradores de pedágio da época220, “João Auta Soares, de 63 anos, afirmou que durante oito anos nunca houve alteração nos preços”.221 Entretanto, a partir do momento em que “uma estrutura idêntica desabou nos Estados Unidos, em novembro de 1967, as autoridades catarinenses passaram a conviver com o pesadelo de ver aquele desastre se repetir”. Edificada “[...] sobre o rio Ohio, a Silver Bridge cedeu sob o tráfego intenso do final da tarde, matando 63 pessoas”.222 Mesmo atônitos com a tragédia ocorrida nos Estados Unidos, inviável, na época, o fechamento da Hercílio Luz, vez que a mesma era o único meio de ligação entre a Ilha e o continente.223 Com isso, mostrou-se urgente a necessidade de construção de um novo instrumento de passagem, tanto que fez o Presidente Costa e Silva instalar, na época, o 218 ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 110. 219 ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis: Editora da Ufsc, 1981. p. 16. 220 Até 1935 era preciso pagar para entrar na cidade de Florianópolis, então restrita à Ilha de Santa Catarina, já que a atual parte continental pertencia ao município de São José. Antes da construção da ponte Hercílio Luz, o jeito era pagar a passagem das barcaças e balsas que atravessavam o mar entre o Estreito e a Ilha – e eventualmente enfrentar o desconforto de dividir o espaço com bois levados para o abate na Capital. A partir de 1926, com a inauguração da ponte, o governo estadual instituiu um pedágio para quem entrasse na Ilha por via terrestre. Além de taxar os veículos, o pedágio incidia também sobre pedestres, animais e até as malas. (SANTA CATARINA. Floripa amanhã: para fazer do futuro de floripa nosso melhor presente. Pedágio não é novidade em Florianópolis. Disponível em < http://floripamanha.org/2006/09/pedagio-nao-e-novidade-emflorianopolis/>. Acesso em: 29 out. 2013. 221 VIEIRA E PACHECO. Parabéns, o cartão postal completa cinqüenta anos. p. 21-22. apud VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222. 222 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 9. 223 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 9. 58 governo federal em Florianópolis por três dias. Ao povo, porém, não foi revelado a verdadeira razão da visita.224 Nesse diapasão, colhem-se as seguintes informações divulgadas pela Fundação Catarinense de Cultura: Para agravar ainda mais a questão, no final daquela década, o governo brasileiro recebeu uma advertência do governo norte-americano em função da queda de duas pontes similares naquele país. O governo catarinense, avisado, tomou as primeiras providências ainda em 1969, mas a solução só seria viabilizada pelo então governador Colombo Machado Salles, a partir de 1971. Engenheiro, especializado em navegação, aterros e canais, Salles assumiu o comando da execução do projeto de implantação do Aterro da Baía Sul e de construção da segunda ponte, inaugurada em 1975, que acabou levando o seu nome.225 Em que pese todos os problemas e alertas referidos acima, frisa-se que a ponte permaneceu em atividade por 56 anos, ou seja, da data de sua inauguração até 1982, oportunidade em que restou decretada a sua primeira interdição. Nesse quadrante, ressalta-se que o fechamento da ponte, nessa época, causou “uma onda de pânico na cidade”. Por conseguinte, em abril de 1982, em um domingo, três meses após o fechamento, famílias que habitavam os entornos da construção, solicitaram a presença e ajuda dos bombeiros, muito assustadas; [...] “aquela ‘montanha de ferro’ balançava visivelmente. Nada de extraordinário – a ponte foi mesmo construída com a propriedade de acompanhar o movimento do vento”.226 Acerca da interdição, anotam-se alguns dados do DEINFRA, de Santa Catarina: Foi interditada totalmente ao tráfego em 22 de janeiro de 1982, quando ainda absorvia 43,8% do total do tráfego, ou seja, 27.345 veículos por dia, alcançando em horários de pico, a marca de 2.250 veículos por hora. O DER/SC, naquele dia, fechou a Ponte ao tráfego de veículos e pedestres devido às precárias condições em que se encontrava, decorrente de deterioração das barras de olhal, com base no laudo técnico nº 16.177 do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo S/A - IPT, em perícia realizada em 03/12/1981. Em 15 de março de 1988, a Ponte Hercílio Luz foi reaberta somente ao tráfego de pedestres, bicicletas, motocicletas e veículos de tração animal. Em fevereiro de 1990, foi apresentada pela Cerne Engenharia e Projetos e Construtora Roca Ltda. o Relatório da Primeira Etapa da Análise da Viabilidade da reabertura ao tráfego da Ponte Hercílio Luz. Em 4 de julho de 1991, a Ponte Hercílio Luz foi novamente interditada a qualquer tipo de tráfego e retirado o piso asfáltico do vão central, resultado num alívio de peso da ordem de 400 224 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 9. SANTA CATARINA. FCC. Fundação Catarinense de Cultura. Ponte Hercílio luz, patrimônio de santa Catarina, patrimônio do brasil. Disponível em: <http://www.fcc.sc.gov.br/pontehercilioluz/?mod=historico>. Acesso em: 12 out. 2013. 226 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 15. 225 59 toneladas, não tendo sido mais aberta ao tráfego até os dias de hoje.227 Consoante citação acima, percebe-se que a Ponte Hercílio Luz encontra-se interditada definitivamente desde 1991, tendo em vista os problemas estruturais verificados por pessoal especializado contratado pelo Governo do Estado. No ano seguinte a interdição, por conseguinte, ocorreu o tombamento da Ponte Hercílio Luz como patrimônio histórico municipal e, posteriormente, também como estadual e federal. De acordo com a Fundação Catarinense de Cultura, o tombamento municipal da Ponte Hercílio Luz ocorreu em 04 de agosto de 1992, por meio do Decreto nº. 637, assinado pelo então prefeito de Florianópolis, Antônio Henrique Bulcão Vianna; Já o tombamento estadual foi em 13 de maio de 1997, por meio do Decreto nº. 1.830, assinado pelo exgovernador Paulo Afonso Evangelista Vieira, e o tombamento federal, que reconheceu a Ponte Hercílio Luz como Patrimônio Histórico, Artístico e Arquitetônico do Brasil, foi em 15 de maio de 1.997, por intermédio da Portaria nº. 78, do Ministério da Cultura.228 No que se refere ao tombamento federal, denota-se que a ponte foi registrada como patrimônio histórico no livro do tombo, volume II, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional sob o número de inscrição 547, por meio do processo administrativo n. 1137-T85.229 Após o tombamento, passou-se a discutir a questão da reforma do patrimônio. Para Maurício Oliveira, “o tombamento da Hercílio Luz como patrimônio do Brasil, determinado [...] pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), parece ser o único caminho para levantar o dinheiro da reforma”.230 Na Casa do Jornalista, em 24 de março de 2005, o então Governador do Estado de Santa Catarina, Sr. Luiz Henrique da Silveira, em parceria com sua equipe técnica, “[...] apresentou um resumo do Projeto de Reabilitação da Ponte Hercílio Luz, ocasião em que foi 227 SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico da Ponte Hercílio Luz. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013. 228 SANTA CATARINA. FCC. Fundação Catarinense de Cultura. Ponte Hercílio luz, patrimônio de santa Catarina, patrimônio do brasil. Disponível em: <http://www.fcc.sc.gov.br/pontehercilioluz/?mod=historico>. Acesso em: 25 out. 2013. 229 BRASIL. IPHAN. Instituto do patrimônio histórico e artístico nacional. Livros do tombo. Disponível em: <http://www.iphan.gov.br/ans/> Acesso em 28 out. 2013. 230 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 47. 60 estabelecido um prazo para o lançamento do edital para a execução das obras de reabilitação da Ponte”.231 Desse modo, em 15 de dezembro de 2005, o DEINFRA iniciou “[...] a abertura do Edital de Concorrência Internacional n.º 24, no qual o consórcio formado pelas empresas ROCA e TEC foi o vencedor do certame”.232 Contudo, somente “em 17 de fevereiro de 2006 foi iniciada a execução do contrato PJ-015/2006, com o consórcio anteriormente citado, no valor de R$20.983.905,55” com o objetivo de “[...] execução, com fornecimento de materiais e insumos, dos serviços necessários para a restauração, reabilitação e manutenção da Ponte Hercílio Luz.”233 Ressalta-se que, além do valor total estipulado para a realização da obra, foram investidos mais R$9.810.170,61 na contratação de empresas consorciadas para “[...] execução de serviços de gerenciamento, coordenação, supervisão, controle de qualidade e apoio à fiscalização das obras de reabilitação da Ponte, conforme contrato PJ-170/2006”.234 Posteriormente, em 2008, ocorreu uma publicação de edital de “[...] Concorrência Pública Internacional número 044/07 para a fase final de conclusão das obras de reabilitação da Ponte Hercílio Luz”. Na época, o recebimento das propostas estava previsto para o dia 13 de maio de 2008, na Sede do Órgão, sendo que o fim desta etapa estava previsto para 2012, de acordo com informações do DEINFRA.235 Todavia, depois de idas e vindas, em fevereiro do corrente ano (2013), foram retomadas as obras na Ponte Hercílio Luz, com a informação de que haveria a aceleração das obras com peças vindas de Joinville e também de Ribeirão Preto. Com isso, seriam “colocadas nas estacas para não haver movimentação das estruturas durante a passagem de correnteza”. A informação, naquele período, era de que o entrelaçamento das vigas deveria 231 SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico da Ponte Hercílio Luz. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013. 232 SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico da Ponte Hercílio Luz. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013. 233 SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico da Ponte Hercílio Luz. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013. 234 SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico da Ponte Hercílio Luz. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013. 235 SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico da Ponte Hercílio Luz. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 30 out. 2013. 61 dar maior sustentação enquanto a ponte fosse restaurada, com previsão de término da obra para o final do ano de 2014.236 Abordando-se a situação atual da Ponte, o Presidente do DEINFRA, Paulo Roberto Meller, apresentou, em matéria publicada no Jornal Diário Catarinense, o seguinte cronograma de obras para 2013: 1º - Tubos de metal serão colocados entre as estacas para evitar a movimentação. Há quatro estacas em cada bloco. São ao todo quatro blocos. 2º - Sobre as estacas centrais será construída uma estrutura em forma de V. 3º - Em seguida, será construída uma estrutura de aço sobre as bases. 4º - Todas as estruturas de aço ficarão próximas da ponte e unidas por uma sustentação provisória. 5º -O peso da ponte será transferido para a estrutura de sustentação e poderá começar o restauro. 6º - Cabos de aço serão presos ao solo e amarrados nas torres principais, para fixálas. 237 7º - Começa a restauração. Contudo, somente em outubro de 2013 chega a restauração da Ponte Hercílio Luz na sua segunda etapa “com a chegada de colunas de aço que serão montadas para suspender o vão central — o que possibilitará a recuperação”. A partir de então, “as obras ficarão acima da linha d'água e os engenheiros envolvidos acreditam que a possibilidade de ver os trabalhos mude a percepção da população”.238 Aos olhos da população, no entanto, as obras da ponte continuam em passos lentos, razão pela qual surgem muitas opiniões acerca de seu futuro incerto, principalmente em face das ameaças de desabamento. Para Maurício Oliveira, existem três possíveis desfechos para o entrave da ponte Hercílio Luz. O primeiro é a reforma, [...] “dinheiro que seria suficiente para construir metade de uma ponte como a Pedro Ivo, a mais recente das três ligações entre a Ilha e o continente”. Outra opção “seria desmontá-la, numa operação complicadíssima que custaria quase tanto 236 KRAMA, Gisele. Recomeça trabalho na ponte Hercílio luz em Florianópolis. Diário Catarinense. Florianópolis, 7 fev. 2013. Disponível em: <http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2013/02/recomeca-trabalho-na-ponte-hercilio-luz-emflorianopolis-4037877.html> Acesso em: 31 out. 2013. 237 KRAMA, Gisele. Recomeça trabalho na ponte Hercílio luz em Florianópolis. Diário Catarinense. Florianópolis, 7 fev. 2013. Disponível em: <http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2013/02/recomeca-trabalho-na-ponte-hercilio-luz-emflorianopolis-4037877.html> Acesso em: 31 out. 2013. 238 PEREIRA, Felipe. Começa a segunda etapa da recuperação da ponte Hercílio luz. Diário Catarinense. Florianópolis, 22 out. 2013. Disponível em: <http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2013/10/comeca-a-segunda-etapa-da-recuperacao-daponte-hercilio-luz-em-florianopolis-4310014.html> Acesso em: 31 out. 2013. 62 quanto reformá-la”. E a última, “– e esta parece ter sido a escolhida pelos governantes ao longo das últimas décadas – é esperar que a ponte desabe”.239 Do alto dos seus 93 anos, Cândido Machado lembra-se de forma nítida da época em que auxiliou na construção da estrutura da Ponte Hercílio Luz. “Ele é o único remanescente de uma equipe de 36 operários que carregou parte das 5 mil toneladas de cimento usadas nas fundações da ponte, entre 1923 e 1924”. Saudável, alegre e lúcido, Cândido só se permite falar da morte quando a relaciona com a velha ponte. “Espero não viver o suficiente para vê-la desabar”, diz. [...] Inconformado com “a ameaça que paira sobre a Hercílio Luz, Cândido sonha em vê-la recuperada. ‘Um serviço bonito, bem-feito e perigoso como esse não pode acabar assim’, considera”.240 No decorrer dos últimos setenta anos, “a ‘velha ponte’ esteve intimamente ligada a cada um dos habitantes de Florianópolis”. Qualquer pessoa que vive ou viveu na cidade “tem lembranças pessoais ligadas a ela, que serviu de inspiração a poetas, foi cúmplice de namorados e muitas vezes transformou-se em palco da morte”.241 Desse modo, vislumbram-se, por meio das citações acima colacionadas, as fases de construção, funcionamento e interdição da ponte Hercílio Luz, bem como os assombros que circundam as incertezas de sua reforma e reativação ou desabamento. 4.2 A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PÚBLICOS TOMBADOS Na forma como estudado nos capítulos anteriores, compete ao Estado, com colaboração da comunidade, por expressa previsão no texto constitucional vigente, a proteção do patrimônio histórico e cultural, conforme art. 216, §1º, in verbis: A Administração Pública “[...] com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.242 Segundo Luis Fernando Cabral Barreto Júnior, “a epistemologia crítica incita os cientistas do Direito a produzirem doutrina que proteja os bens que a Constituição confessamente optou em privilegiar”. A noção “ecocêntrica do Direito Ambiental faz com que 239 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 13. OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 31. 241 OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 41. 242 BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 ago. 2013. 240 63 o patrimônio cultural seja uma de suas faces, em vasos comunicantes com a ordem urbanística e o ambiente natural, impondo ao Poder Público o dever de preservá-lo”, e alocando “[...] seus agentes na posição de garantidor que legitima ao Poder Judiciário impor obrigações ao Poder Executivo posto que decorrentes de autêntica responsabilidade civil objetiva”.243 Com isso, frisa-se que é preciso “[...] dar uma interpretação mais rígida às normas jurídicas que resguardam a proteção do patrimônio cultural brasileiro, sempre em vista do interesse social e difuso que o mesmo alberga”.244 Todavia, a despeito da proteção legal, vê-se todos os dias os meios de comunicação retratarem “[...] a destruição do patrimônio cultural por suas ameaças mais tradicionais: o transporte inadequado, publicidade incompatível [...], desabamentos, incêndios, pichações de monumentos de arte pública, favelização do entorno dos centros etc”.245 Acerca do descaso do Poder Público com o patrimônio histórico, anota-se o exemplo da cidade de Mariana, em Minas Gerais: A instabilidade política de Mariana (a 114 km de Belo Horizonte) --que teve cinco prefeitos desde 2009-- provocou a paralisação de obras, projetos e captação de recursos para a conservação do centro histórico da cidade fundada em 1696. O trocatroca ocorreu por acusações de irregularidades como compra de votos, ilegalidades na prestação de contas de campanha e desvio de recursos públicos. A cidade, que tem como uma das principais atividades econômicas o turismo, sentiu os efeitos da turbulência na política local no seu patrimônio histórico, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 1938. O reflexo da política local está no abandono do centro histórico: rachaduras, restaurações malfeitas e fachadas encardidas são vistas em igrejas e prédios de mais de 300 anos. Além disso, as estruturas de alguns templos históricos estão comprometidas e correm o risco de cair. A Igreja de São Francisco de Assis, localizada na praça Minas Gerais, um dos principais cartões postais da cidade, está interditada pelo Iphan. Cerca de 90% dos 25 templos católicos correm algum tipo de risco, segundo 246 restauradores ouvidos pela reportagem. Em Santa Catarina, mais especificamente em Florianópolis, não é diferente, vez que várias são as denúncias efetuadas em relação ao descuido com os bens tombados, como 243 BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013. 244 DUARTE JÚNIOR, Ricardo César Ferreira. A responsabilidade pela manutenção e restauração dos bens tombados. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=92977ae4d2ba2142>. Acesso em: 06 out. 2013. 245 BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013. 246 SPERANDIO, Danillo; RAHAL, Marcela; TIEPPO, Priscila. Patrimônio histórico em Minas Gerais fica abandonado com troca-troca de prefeitos. Disponível em: <http://eleicoes.uol.com.br/2012/uol-pelobrasil/2012/09/10/patrimonio-historico-em-minas-gerais-fica-abandonado-com-troca-troca-de-prefeitos.htm> Acesso em: 31 out. 2013. 64 no caso dos casarões históricos da cidade. A imprensa “[...] destaca a casa do ex-governador Hercílio Luz, localizada na avenida Mauro Ramos, nas proximidades do Banco Redondo”. O imóvel é tombado “[...] pelo Patrimônio Histórico, mas o atual proprietário não manteve as características da construção que está abandonada, em estado de deteriorização e que serve de abrigo para moradores de rua”.247 Para ilustrar, colaciona-se foto da situação atual da casa acima mencionada: Figura 03 – Casarão tombado do ex-governador Hercílio Luz Fonte: DEFENDER, 2013248 O imóvel acima, segundo especialistas, tem imensurável valor histórico, visto que o projeto arquitetônico é original, sendo que a construção existe até mármore de Carrara.249 Nesse contexto, ressalta-se que igual situação é a da Ponte Hercílio Luz, visto que, a despeito das obras de reforma, o que se verifica é uma ameaça constante de ruína e desabamento. 247 SANTA CATARINA. Jornal do meio-dia. Carlos Damião comenta o descaso de autoridades e proprietários com casarões históricos. 23.05.2013. Disponível em: <http://ricmais.com.br/sc/jornal-do-meiodia/carlos-damiao-comenta-o-descaso-de-autoridades-e-proprietarios-com-casaroes-historicos/>. Acesso em: 03 nov. 2013. 248 DEFENDER. Defesa Civil do Patrimônio Histórico. Florianópolis (SC) – Casa de Hercilio Luz: restauração ou demolição. Disponível em: <http://defender.org.br/2013/08/10/florianopolis-sc-casa-de-hercilio-luzrestauracao-ou-demolicao/>. Acesso em: 03 nov. 2013. 249 DEFENDER. Defesa Civil do Patrimônio Histórico. Florianópolis (SC) – Casa de Hercilio Luz: restauração ou demolição. Disponível em: <http://defender.org.br/2013/08/10/florianopolis-sc-casa-de-hercilio-luzrestauracao-ou-demolicao/>. Acesso em: 03 nov. 2013. 65 Quanto à necessidade de ação conjunta de Poder Público e sociedade no que se refere à preservação do patrimônio cultural, anota-se: Significa adotar uma visão de que a preservação do Patrimônio Cultural, mais do que disciplinar uma relação entre Administração e Administrados com a supremacia do interesse público ditada pelo Executivo, importa na preservação da identidade cultural de um povo numa relação horizontalizada entre Estado e Sociedade, na qual aquele não detém o monopólio dos instrumentos de preservação e nem da definição do interesse público em cada caso concreto.250 A ação civil pública mostra-se como um importante instrumento de defesa dos bens de valor histórico.251 Nesse sentido, a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 “disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências”.252 Na seara do direito penal, “a lei nº 9.605/98 insere tipos penais voltados à proteção do ordenamento urbano e do patrimônio cultural e reconhece a possibilidade da declaração judicial de proteção a um bem cultural”. 253 A legislação em comento, em seus artigos 62 a 64 define os Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural, assim como segue: Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar: I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa. Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. 250 BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013. 251 BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013. 252 BRASIL. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 15 out. 2013. 253 BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: < wwwantigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013. 66 Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.254 Com isso, “o Ministério Público brasileiro vem propondo ações penais e ações civis públicas”. No entanto, “estas últimas vêm encontrando em todas as instâncias do Poder Judiciário Estadual e Federal uma baixa receptividade caracterizada por decisões que se lastreiam em concepções ultrapassadas sobre a matéria”.255 Apesar do empenho do Ministério Público, inúmeros magistrados não se fazem adeptos a ideia de preservação do patrimônio cultural. Possuem opiniões de que a importância “de um bem cultural depende de tombamento, que o Poder Público não tem obrigação de restaurar bem tombado, salvo se o desapropriar” e, ainda, baseados no “princípio da tripartição dos poderes, que o Poder Judiciário não poderia determinar a proteção ou restauração de bens”.256 Insiste-se assim, que o fato definidor da obrigação de promover a preservação de um bem, não é apenas por meio de “ato expresso como o tombamento ou o zoneamento” mas sim, o nexo causal envolvidos “entre os danos causados ao meio ambiente cultural, em decorrência da omissão, e da própria ação, do Poder Público Municipal”, em que pese “permite que veículos incompatíveis com o pavimento dos centros históricos por ele circulem sem qualquer espécie de controle ou regulamentação”.257 Contudo, tem “a coletividade o direito de exigir a responsabilização daquele que deu causa ao dano moral e material ao bem cultural protegido por ato do Poder Público [...]”.258 Assim, segundo a doutrina, o Estado “tem o dever de indenizar os danos, morais e materiais, sofridos pela coletividade em seu patrimônio histórico e cultural”.259 254 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 15 out. 2013. 255 BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: < wwwantigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013. 256 BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: < wwwantigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013. 257 BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013. 258 DUARTE JÚNIOR, Ricardo César Ferreira. A responsabilidade pela manutenção e restauração dos bens tombados. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=92977ae4d2ba2142>. Acesso em: 06 out. 2013. 67 Entretanto, salienta-se que “um dano ambiental especificadamente a bens culturais, em um enfoque jurídico, é aquele que destrói, afeta, descaracteriza ou diminui justamente as qualidades do bem, as quais o definem como Patrimônio Cultural”, consoante ocorre com os seguintes exemplos: “[...] a destruição de prédios e documentos históricos, abandono e demolição de edificações tombadas, construções em frontal desrespeito às normas de ordenamento urbano, poluição visual em cidades históricas e turísticas, etc”. Frisa-se que “o dano ao bem cultural também pode estar associado a um dano de caráter extrapatrimonial, consistente em uma lesão aos interesses imateriais, associados ao bem cultural, que corresponde ao valor de existência do bem”.260 Quanto à maneira de reparação do dano causado ao patrimônio histórico e cultural, ressalta-se: No que se refere à forma de reparação do dano causado, aqui focado o dano ao patrimônio cultural, salienta-se que a responsabilidade civil gera dois efeitos: um preventivo que induz o agente a evitar o dano, e outro repressivo, determinando ao agente que causou o dano a obrigação de repará-lo, indicando uma ideia de ressarcimento ou compensação, podendo ser patrimonial, ambiental ou extrapatrimonial. A reparação patrimonial ambiental pressupõe restituição, recuperação ou indenização do bem ambiental lesado. Essa recuperação pode ser específica, como a recuperação de uma igreja danificada, considerada patrimônio cultural tombado, devolvendo à mesma o status quo, ou poderá ser uma recuperação pecuniária, referindo-se ao quantum em dinheiro a ser pago como indenização ao dano causado, após a realização de uma estimativa do valor econômico perdido, contudo, isso só ocorrerá quando esse dano não puder ser reparado.261 O dano imaterial, conforme explica a doutrina, “[...] é relativo à sensação de dor experimentada, todo prejuízo não patrimonial ocasionado à sociedade ou a indivíduo”. O prejuízo, portanto, será auferido pelo método do arbitramento, “[...] levando em consideração a capacidade econômica do degradador, o proveito obtido por ele, a extensão do sofrimento das pessoas, a reversibilidade do dano, o caráter desestimulante da condenação, entre outros”.262 259 DUARTE JÚNIOR, Ricardo César Ferreira. A responsabilidade pela manutenção e restauração dos bens tombados. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=92977ae4d2ba2142>. Acesso em: 06 out. 2013. 260 BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235. 261 BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235. 262 BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235. 68 Ressalta-se que “a opção prioritária do ordenamento jurídico brasileiro, quanto à reparação do dano ao patrimônio cultural, é no sentido da reabilitação do bem afetado”, objetivando “[...] a tutela específica na forma do art. 225, § 1º, I da CF/88, arts. 4º, VIII e 14, § 1º da Lei 6.938/81 e art. 84 do CDC”.263 Acontece que, em algumas situações, em razão do caráter singular “[...] do bem cultural, mostra-se extremamente difícil decidir pela forma de como deve-se dar a reparação do bem, pois na sua restauração corre-se o risco de se criar um simulacro, perdendo-se a identidade e a originalidade do bem”.264 Todavia, constatada a impossibilidade de reparação do dano causado ao patrimônio cultural “[...] não podendo ser este restaurado, impõe-se a necessidade de estabelecer um valor econômico a ser pago ao Fundo de Recuperação de Bens Lesados (art.13º da Lei 7.347/85) ou aos Fundos Estaduais ou Municipais Pró-Cultura”.265 Nota-se, portanto, a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização “[...] por perdas e danos à coletividade”.266 Importante registrar, nesse passo, uma condenação pessoal sofrida pelo exprefeito de Florianópolis/SC, Dário Berger, por descumprimento de liminar e não recuperação de patrimônio histórico, in verbis: A assessoria de comunicação do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) divulgou nesta quinta-feira, 13, que o prefeito de Florianópolis, Dário Berger, receberá multa diária de R$ 25 mil para o caso de descumprimento de uma medida liminar determinando a recuperação de imóveis tombados pelo Patrimônio Histórico do Município. A medida liminar foi deferida em março em ação cautelar ajuizada pelo MP-SC e até hoje não foi cumprida. A decisão é passível de recurso. Inicialmente, a multa seria aplicada à Prefeitura, mas a inoperância da municipalidade para o cumprimento da decisão e a retenção dos autos do processo por mais de oito meses – retirado do cartório da Vara da Fazenda Pública da comarca da Capital em abril pelo Procurador-Geral do Município e até hoje não devolvido – levaram ao estendimento da multa também ao patrimônio pessoal do prefeito, conforme requerido pela 28ª Promotoria de Justiça da Capital. A medida liminar determinava que a Prefeitura recupere duas edificações contíguas na Rua Conselheiro Mafra, no Centro da cidade. Os imóveis foram tombados em 1986 e 1989 e avaliados pelo município para fins de desapropriação. A desapropriação não foi efetivada, e os imóveis estão abandonados desde então, sem qualquer manutenção ou restauração por parte dos proprietários ou da Prefeitura, estando sob risco de desabamento. 263 BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235. 264 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Critérios de valoração econômica dos danos a bens culturais materiais. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre: Magister, v. 27, p. 67-68, dez./jan. 2010. 265 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Critérios de valoração econômica dos danos a bens culturais materiais. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre: Magister, v. 27, p. 67-68, dez./jan. 2010. 266 BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235. 69 O prazo para cumprimento da medida liminar era para comprovação, em dez dias, da tomada de providências. O município recorreu ao Tribunal de Justiça, mas o recurso foi desprovido. De acordo com o promotor, foi ajuizada, no dia 30 de novembro, ação civil pública, na qual foi estendida a multa à pessoa do prefeito. Além da recuperação dos imóveis tombados, a ação civil pública busca a responsabilização pelo abandono em que se encontram. 267 Em razão dos argumentos colacionados neste tópico do presente trabalho monográfico, quanto à responsabilidade civil do Estado por danos causados ao patrimônio histórico-cultural tombado, “[...] mostra-se imprescindível que não só o Poder Público, mas toda a coletividade, tenham consciência de que é a partir do passado que se norteia o futuro”, devendo, desse modo, “[...] ser incentivada a preservação dos bens culturais relevantes, com a manutenção da cultura, da memória e da identidade de um povo”.268 No tópico seguinte, por sua vez, passa-se ao estudo de alguns julgados relacionados com a temática debatida. 4.3 ESTUDO DE ALGUNS JULGADOS Nesse derradeiro tópico da presente monografia, julga-se pertinente colacionar alguns julgados quanto à responsabilização da Administração Pública pelos danos causados ao patrimônio histórico e cultural protegido por meio do instituto jurídico-administrativo do tombamento. Segue, nesse sentido, julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RESPONSABILIDADE POR DANOS AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO - RESTAURAÇÃO DE PRAÇA DANIFICADA POR COMÉRCIO AMBULANTE - OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO - APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 23, INCISOS III E IV, 216, INCISOS IV E V E 30, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - SENTENÇA ANULADA RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA A O PROSSEGUIMENTO DO FEITO - RECURSO PROVIDO - DECISÃO UNÂNIME. - O pedido de condenação do Poder Público em obrigação de fazer, consistente na realização de obras de restauração de praça pública danificada em decorrência da ocupação irregular por camelôs, é juridicamente possível, eis que é de sua competência a proteção e preservação do patrimônio histórico local, conforme imposição da Carta Magna. 269 267 SANTA CATARINA. Floripa amanhã: para fazer do futuro de floripa nosso melhor presente. Dário Berger é multado por descumprir liminar e não recuperar patrimônio histórico. Disponível em <http://floripamanha.org/2012/12/dario-berger-e-multado-por-descumprir-liminar-e-nao-recuperar-patrimoniohistorico/#sthash.SCToVuDk.dpuf>. Acesso em: 29 out. 2013 268 BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235. 269 PARANÁ. Tribunal de Justiça. Apelação Cível - 0156344-8, Relator: Antonio Lopes de Noronha, Paraná, 24 de novembro de 2004. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br/> Acesso em: 03 nov. 2013. 70 No caso acima, denota-se que configura obrigação do município a restauração do patrimônio histórico danificado, considerando a prerrogativa prevista no texto constitucional em vigor. Na mesma linha, entendeu o Tribunal Regional Federal da 5º Região que “[...] o patrimônio histórico deve ser protegido para as presentes e futuras gerações, nos termos dos arts. 23, III, e 216, V, da Constituição Federal”. Nesse caso, “a competência comum significa que todos aqueles entes políticos são competentes e responsáveis pela proteção dos seus bens de interesse cultural”. Ademais, as provas encartadas nos “[...] autos demonstraram a precariedade do bem, além da negligência dos requeridos no sentido de propiciar mecanismos de atuação necessários, a fim de preservar, conservar e zelar pelo patrimônio público histórico-cultural”270 Para o Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONSERVAÇÃO DE BEM TOMBADO PELO IPHAN – DEVER DO PROPRIETÁRIO DE CONSERVAÇÃO – DEVER SUBSIDIÁRIO DA UNIÃO – PARTE LEGÍTIMA – NÃO PROSPERA A ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA – BENS PROTEGIDOS PELA CONSTITUIÇÃO – PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DO DANO. 1. Já dispunha a Carta Constitucional de 1934, em seu art. 148: "Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual." 2. O IPHAN, entidade com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, sucedeu ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na proteção e conservação desses bens constitucionalmente tutelados. 3. A responsabilidade da União, no caso dos autos, é aquela expressa no § 1º do Decreto-lei n. 25/37, pois não é possível atribuir regime diverso de responsabilidade senão daquele expressamente previsto em lei: "Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa." 4. "In casu", o acórdão atacado apenas determinou a prestação positiva apta a reparar ou a minorar dano a imóvel protegido por normas constitucionais. Agravo regimental improvido. 271 270 SERGIPE. Tribunal Regional Federal da Quinta Região. Reexame Necessário 200985000034364, Relator: Desembargador Federal Marcelo Navarro, 27 de junho de 2013. Disponível em:< http://www.trf5.jus.br/cp/cp.do> Acesso em: 03 nov. 2013. 271 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp: 1050522 RJ 2008/0085888-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS. Brasília, DF, 18 de maio de 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=972483&sReg=200800858886&sData=201 00531&formato=PDF> Acesso em: 03 nov. 2013. 71 Vislumbra-se que, no caso acima, a decisão determinou a realização, inclusive pelo Poder Público, de medidas capazes de reparar ou diminuir os danos causados a bens protegidos pelas disposições do texto constitucional. Quanto às responsabilidades do proprietário do bem tombado e do Poder Público, importante colacionar o seguinte julgado: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMÓVEL TOMBADO – ART. 1º, DECRETO-LEI Nº 25, DE 30.11.1937. PROPRIETÁRIO – RESPONSABILIDADE. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. PODER JUDICÁRIO – MÉRITO ADMINISTRATIVO. 1- Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, objetivando fosse este condenado na obrigação de fazer, consistente nas obras necessárias em bem tombado e de propriedade do Município do Rio de Janeiro. 2- O tombamento é ''o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico''(art. 1º do Decreto-lei nº 25, de 30-11-37, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional). 3Pelos efeitos gerados pelo tombamento, ''o proprietário não pode destruir, demolir ou mutilar as coisas tombadas nem, sem prévia autorização do IPHAN, repará-las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17);''.(Op. Cit. p. 136-137). (Juris Síntese IOB nº 62 Nov-Dez/2006–Comentário). 4- Incabível a alegação de discricionariedade pelo Município/Réu, pois após a decretação de tombamento, a administração age de forma vinculada, não lhe sendo dada a oportunidade de deixar de fazer as obras que o imóvel necessita, ao seu juízo de conveniência e oportunidade. 5- "(...) Em verdade, é inconcebível que se submeta a Administração, de forma absoluta e total à lei. Muitas vezes, o vínculo de legalidade significa só a atribuição de competência, deixando zonas de ampla liberdade ao administrador, com o cuidado de não fomentar o arbítrio. Para tanto, deu-se ao Poder Judiciário maior atribuição para imiscuir-se no âmago do ato administrativo, a fim de, mesmo nesse íntimo campo, exercer o juízo de legalidade, coibindo abusos ou vulneração aos princípios constitucionais, na dimensão globalizada do orçamento.”272 Por fim, tem-se que, no caso de imóvel tombado, a responsabilidade civil do proprietário do bem, do Estado e do Município é solidária. Assim, no caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, “o decreto que institui o tombamento de imóvel urbano situada em área de preservação histórica, ainda que advindo do Poder Executivo Estadual”, importa “[...] em responsabilidade solidária pelos danos causados ao patrimônio histórico e cultural em face do abandono e descaso, tanto do proprietário do imóvel quanto do Estado e do Município. III - Recursos improvidos”.273 272 RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Apelação Cível 331301 RJ 2001.51.01.024545-7. Relator: Desembargador Federal Raldênio Bonifácio Costa. 6 de março de 2007. Disponível em: <http://www.trf2.jus.br/paginas/links_externos.aspx?Content=85429ECB5E26DF42E668AFEC81B090D6>. Acesso em: 03 nov. 2013. 273 MARANHÃO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 211262003. Relator: Jorge Rachid Mubárack Maluf, São Luis, 30 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.tjma.jus.br/> Acesso em: 03 nov. 2013. 72 Desse modo, com base nos julgados acima elencados, bem como nas citações doutrinárias transcritas, nota-se que é perfeitamente possível o reconhecimento judicial da responsabilidade civil do Estado por danos causados aos bens públicos tombados, inclusive na modalidade objetiva, ou seja, independente da comprovação da culpa. Esse entendimento, por sua vez, deve ser relacionado com o caso da ponte Hercílio Luz, de Florianópolis, tendo em vista o seu valor histórico, já reconhecido por meio do instituto do tombamento, e o descaso quanto a sua conservação, vez que, por anos, os catarinenses presenciam a realização lenta de reformas e, consequentemente, a não resolução do problema viário da cidade e de proteção do patrimônio histórico e cultural do povo catarinense. 73 5 CONCLUSÃO Preambularmente, neste momento de considerações finais, cumpre asseverar que o presente trabalho monográfico contribuiu muito para o desenvolvimento intelectual da sua autora, tendo em vista os estudos realizados quanto aos temas: cultura, tombamento, responsabilidade civil e responsabilização do Estado por danos causados aos bens públicos tombados. Nesse contexto, verificou-se a necessidade de preservação da cultura do povo, especialmente pelo Poder Público com o auxílio da comunidade, considerando a imperiosidade de preservação das memórias por meio da imortalização dos bens materiais e imateriais integrantes do patrimônio histórico-cultural. O tombamento é um instituto jurídico presente no ordenamento vigente, inclusive no texto constitucional, para proteção dos bens classificados como de elevado valor históricocultural. Trata-se de um procedimento administrativo, de competência dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), capaz de atribuir proteção especial a determinados bens, com a inscrição no denominado “livro do tombo”. Bens públicos e privados podem ser alvo do tombamento, acarretando, desse modo, restrições tanto ao proprietário como ao Poder Público correspondente. O instituto da responsabilidade civil, por sua vez, destina-se a compelir o causador do dano decorrente, em regra, de ato ilícito a reparar a vítima. Para sua configuração, exigese, na maior parte dos casos, a comprovação dos seguintes pressupostos: ação ou omissão do agente; dano; nexo de causalidade e culpa. Tem-se, entretanto, a responsabilidade civil dita objetiva, qual seja: que independe da comprovação do elemento culpa. No que se refere à responsabilidade civil do Estado, a despeito da existência de diversas teorias explicativas, percebeu-se que impera a teoria da responsabilidade civil objetiva na modalidade risco administrativo, ou seja, a Administração Pública responde, em regra, apenas com a comprovação dos requisitos: ação, dano e nexo causal. Entretanto, na hipótese de omissão, ainda prevalece a teoria subjetiva, ou seja, que necessita da comprovação do pressuposto culpa para a configuração do dever de indenizar. No estudo específico acerca da ponte Hercílio Luz, percebeu-se que esta obra representa um marco na história do povo catarinense. Na época de sua construção e inauguração a sociedade clamava por um meio de ligação mais eficiente da capital com o restante do Estado de Santa Catarina. 74 Fruto de diversos esforços, a ponte em comento foi inaugurada em 1926 e permaneceu em atividade por 56 anos, acarretando mobilidade e, consequentemente, progresso para toda a região. Todavia, em razão de problemas estruturais a obra restou interditada para o tráfego de veículos e pessoas, permanecendo como um cartão postal e símbolo da memória e cultura do povo catarinense. Atualmente, a ponte Hercílio Luz passa por reformas, entretanto, a população vive amedrontada com a possibilidade de perecimento do bem, assim como indignada com o descaso do Poder Público que investe milhões e, infelizmente, não termina o projeto de restauração e reativação desse patrimônio. É um misto de saudosismo e revolta, pois, ao mesmo tempo que se sonha com a reabertura da ponte para o tráfego, mostra-se a sociedade cansada com os flagrantes desvios de verbas públicas justificados falaciosamente nas obras de revitalização do patrimônio. É nesse contexto que se discutiu, no terceiro capítulo monográfico do desenvolvimento da presente pesquisa, a possibilidade de responsabilização do Estado por danos causados aos bens públicos tombados, considerando que a ponte Hercílio Luz constitui um patrimônio protegido pelo tombamento federal, estadual e municipal. Compulsando a doutrina especializada e alguns julgados de tribunais brasileiros, percebeu-se a configuração do dever de indenizar da Administração Pública e, até mesmo, do próprio gestor público, pessoalmente, quando caracterizada omissão frente ao patrimônio histórico-cultural protegido pelo tombamento. Fazendo um paralelo com o caso da ponte Hercílio Luz, conclui-se que é possível a responsabilização da União, do Estado de Santa Catarina e do Município de Florianópolis pelos danos causados à referida obra, inclusive por meio de pagamento de indenização pelos danos materiais e, principalmente, morais em face do não cumprimento pelo Poder Público das prerrogativas previstas no texto constitucional quanto à obrigação de preservação do patrimônio histórico-cultural brasileiro. Em últimas linhas, como contribuição, humildemente, sugere essa autora a formulação de uma ação civil pública pelo Ministério Público com o objetivo de cobrar ações efetivas da Administração Pública quanto à preservação da ponte Hercílio Luz, com pedido, inclusive, de indenização por danos morais no caso de perecimento do bem. 75 REFERÊNCIAS AHMED. Flávio vilela. A tutela da cultura em face do direito ambiental das cidades. In: COUTINHO, Ronaldo; ROCCO, Rogério (Org). O direito ambiental das cidades. 2. 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