UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
LAÍS MARIA SOUZA NEVES
FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ:
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS
BENS PÚBLICOS TOMBADOS.
Palhoça
2013
LAÍS MARIA SOUZA NEVES
FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ:
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS
BENS PUBLICOS TOMBADOS.
Monografia apresentada ao Curso de Direito
da Universidade do Sul de Santa Catarina,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Giglione Edite Zanela, Esp
Palhoça
2013
LAÍS MARIA SOUZA NEVES
FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ:
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS
BENS PUBLICOS TOMBADOS.
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado
adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e
aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da
Universidade do Sul de Santa Catarina.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ:
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS
BENS PÚBLICOS TOMBADOS
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em
caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.
Palhoça, 6 de novembro de 2013.
_________________________________
LAÍS MARIA SOUZA NEVES
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, à Deus, que em toda essa etapa abriu e iluminou
caminhos, deu força, discernimento e equilíbrio aos momentos de dúvida e, com certeza, sem
Ele nada seria possível.
À minha mãe, exemplo de força, companheirismo, dedicação e paciência, que
esteve e estará sempre presente apoiando e fazendo o impossível para que tudo desse certo, e
contribuindo para o meu crescimento, tanto pessoal, como profissional.
Ao meu pai e irmão, pela paciência dispensada, por entender que todo o meu
nervosismo e ansiedade são por um bem maior, e que sem a compreensão deles seria um
pouco mais nebulosa e difícil a conclusão do presente trabalho.
Aos familiares, tios e tias, padrinho e madrinhas, primos, amigos de infância,
irmãos do coração, amigos que são ombros e ouvidos que fazem parte e não desistem de dar
as palavras certas, nas horas exatas.
Aos colegas de faculdade: Catiane, Daniela, Donizetti, Gabriela, Maicon,
Marcelo, uns desde o começo, outros durante a faculdade, mas todos com a devida
importância, nas lidas diárias, na biblioteca, nas avaliações, desesperos, atendimentos,
revoltas e tudo o que a vida universitária nos proporciona, de bom e de ruim, o meu
agradecimento pela parceria sempre.
Aos que me inspiraram no Direito. Exemplos de profissão, e que serão sempre
inspiração na vida profissional, que proporcionaram aprendizado, depositaram confiança, e
emprestaram um pouco do muito que sabem: Dr Luiz Gonzaga Garcia Júnior, Dr João Martim
de Azevedo Marques, Dr Everaldo Luís Restanho, Dra Juliana Borinelli Franzoi, Dra Tamyris
Giusti, Dr Pedro Paulo de Faria Carvalho Braga, a minha admiração e o meu agradecimento
por todo o aprendizado e paciência dispensados.
À minha orientadora, Giglione Edite Zanela, pela paciência, compreensão e
disposição dispensadas, por sempre ter uma palavra de consolo e força; Por se dispor a sonhar
junto sobre esse trabalho de conclusão de curso; e se tornar pessoa tão especial e amiga, e
proporcionar tamanho aprendizado, além do exemplo que sempre foi no que se refere ao amor
à profissão, e no prazer de ensinar fazendo o complicado se tornar simples, ou no mínimo
dando meios para que melhor possa ser entendido. Sempre, a minha gratidão, e carinho.
RESUMO
Trata-se de trabalho monográfico desenvolvido com o tema “Florianópolis e a Ponte Hercílio
Luz: A responsabilidade civil do Estado pelos danos causados aos bens públicos tombados”
com o objetivo principal de verificar se existe a possibilidade de condenação da
Administração Pública ao pagamento de indenização por dano material e moral decorrente do
descaso com o patrimônio histórico-cultural tombado, com enfoque no caso da Ponte Hercílio
Luz. Compete ao Poder Público a proteção dos elementos culturais, inclusive dos bens com
valor histórico e cultural, da sociedade. Todavia, denota-se um certo abandono no que tange
às obrigações constitucionais, como ocorre com a ponte símbolo da cidade de Florianópolis.
Com isso, os objetivos específicos da presente pesquisa consistem na abordagem do instituto
administrativo do tombamento, da responsabilidade civil e da possibilidade de condenação do
Estado por danos causados aos bens públicos tombados. A despeito da controvérsia e da
resistência dos tribunais brasileiros, verifica-se, ao longo da pesquisa, a possibilidade de
responsabilização do Estado, inclusive com a condenação ao pagamento de indenização por
dano material e moral e, ainda, responsabilização pessoal do gestor público. A Ponte Hercílio
Luz, por expressa previsão legal, deve ser preservada sob pena de responsabilização civil dos
entes políticos envolvidos: União, Estado de Santa Catarina e Município de Florianópolis.
Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado. Omissão. Patrimônio Histórico.
Tombamento. Ponte Hercílio Luz.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 07
2 PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO BRASILEIRO: O TOMBAMENTO
................................................................................................................................................. 09
2.1 CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL ................................................................ 09
2.2 PROTEÇÃO LEGAL ........................................................................................................ 12
2.3 TOMBAMENTO .............................................................................................................. 16
2.3.1 Aspectos gerais .............................................................................................................. 16
2.3.2 Procedimento ................................................................................................................ 22
2.3.3 Efeitos ............................................................................................................................ 25
3 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO ... 28
3.1 CONCEITO ....................................................................................................................... 28
3.2 PRESSUPOSTOS.............................................................................................................. 30
3.2.1 Ação ou Omissão ........................................................................................................... 31
3.2.2 Dano ............................................................................................................................... 32
3.2.3 Nexo de Causalidade .................................................................................................... 34
3.2.4 Culpa .............................................................................................................................. 36
3.3 CLASSIFICAÇÃO ............................................................................................................ 37
3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ................................................................. 41
4 FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ: A RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PUBLICOS TOMBADOS ... 51
4.1 A PONTE HERCÍLIO LUZ .............................................................................................. 51
4.2 A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS
PÚBLICOS TOMBADOS ...................................................................................................... 62
4.3 ESTUDOS DE ALGUNS JULGADOS ............................................................................ 69
5 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 73
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 75
7
1 INTRODUÇÃO
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
ficou evidenciada uma maior preocupação do legislador com a proteção do patrimônio
histórico brasileiro, apesar de anteriormente já existirem institutos para a sua proteção.
Dentre os instrumentos presentes no ordenamento jurídico, para proteger bens
móveis e imóveis de relevância histórica e cultural, há o tombamento, Trata-se de
procedimento administrativo específico, o qual, ao final, ocorre, o registro do bem protegido
no livro do tombo pertinente, gerando efeitos e responsabilidades aos proprietários e ao Poder
Público.
A Ponte Hercílio Luz, localizada em Florianópolis, é um bem tombado pelas três
esferas federativas: União, Estado de Santa Catarina e Município de Florianópolis. Todavia,
em razão do longo período de abandono desde a sua interdição, apresenta sérios riscos de
depreciação.
Sendo assim, a presente monografia tem por objetivo verificar a responsabilidade
civil do Estado pelos danos causados aos bens públicos tombados, mais especificamente no
que tange à Ponte Hercílio Luz.
Tema esse relevante por se tratar de cartão postal não só da cidade de
Florianópolis, mas do Estado de Santa Catarina, o qual representa, desde sua construção, a
evolução histórica da população catarinense como comunidade e que se orgulha do
patrimônio histórico que possui, acompanhando diariamente sua trajetória e também sua
constante tentativa de restauração, temendo que tamanho marco da cultura e história
catarinense se perca com o tempo e com o descaso da Administração Pública.
O que traz curiosidade para a presente questão é a falta de respostas sobre os
consertos realizados e a referida manutenção, examina-se a possibilidade de eventual
reparação, para que o povo catarinense não se veja privado de usufruir um patrimônio que é
seu, por tempo indeterminado, além do risco de perdê-lo efetivamente e ficar somente
gravado na memória e nas fotografias.
Nesse sentido, formula-se o seguinte problema de pesquisa: É possível
responsabilizar o Estado pelos danos causados aos bens públicos tombados, a exemplo do que
ocorre com a Ponte Hercílio Luz?
A motivação da pesquisadora deu-se pela curiosidade e extremo apego pelos
monumentos históricos e culturais e toda a carga de identidade e memória de um povo que a
eles estão atrelados. Por ter a esperança de que, num futuro próximo, possa-se usufruir de tão
8
valioso bem histórico, se não para o tráfego diário mas para um reavivar do orgulho do povo
catarinense, e não motivo de vergonha, desilusão e medo, pois é assim que muitos se sentem
quando o assunto é a Ponte Hercílio Luz.
No tocante aos procedimentos metodológicos, o método é o de pensamento
dedutivo, pois parte da Responsabilidade Civil, para alcançar a responsabilização do Estado,
no que diz respeito aos danos causados aos bens públicos tombados; e de natureza qualitativa,
baseado nas pesquisas já existentes de autores da área, com método de procedimento
monográfico.
A técnica utilizada de pesquisa será a bibliográfica, baseada em doutrina,
legislação, jurisprudência e artigos científicos.
A presente monografia está dividida em três capítulos de desenvolvimento, sendo
que o primeiro aborda o patrimônio histórico e cultural em si, sua proteção legal e a
especificidade do instituto do tombamento. O segundo capítulo trata da Responsabilidade
civil, suas subdivisões e, com maior relevância, no que diz respeito à responsabilidade civil do
Estado, sua definição e aplicação efetiva. O terceiro capítulo abrange o tema escolhido da
pesquisa, trazendo estudos e posições específicas em doutrinas, artigos científicos, artigos de
jornais e jurisprudências que defendem ou não a responsabilização do Estado pelos danos
causados a bens públicos tombados, com ênfase no caso da Ponte Hercílio Luz.
9
2 PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO BRASILEIRO: O TOMBAMENTO
“Que os vossos esforços desafiem as impossibilidades,
lembrai-vos de que as grandes coisas do homem foram
conquistadas do que parecia impossível”.
Charles Chaplin
A preservação do patrimônio cultural de um povo ocupa posição de destaque no
ordenamento jurídico, inclusive com relevo no texto da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, tendo em vista a necessidade de proteção das próprias identidades culturais
da sociedade brasileira.
Desse modo, ressalta-se que o presente capítulo monográfico tem como principal
objetivo abordar o conceito e a proteção legal do patrimônio cultural, assim como os
principais aspectos do instituto jurídico-administrativo do tombamento, que se constitui em
uma das espécies de intervenção do Estado na propriedade privada.
2.1 CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL
A cultura é uma teia de significados tecida coletivamente, razão pela qual engloba
diversos modos artísticos, definindo tudo o que é criado a partir da inteligência humana.
Trata-se de uma ideia “presente desde os povos primitivos em seus costumes, sistemas, leis,
religião, em suas artes, ciências, crenças, mitos, valores morais e em tudo aquilo que
compromete o sentir, o pensar e o agir das pessoas”.1
Já na conceituação de patrimônio cultural para o Direito, importante destacar,
inicialmente, alguns aspectos acerca do meio ambiente, considerando que todo bem relativo à
cultura, memória e identidade de um povo compõe o conjunto do que se entende como bem
ambiental.2
Segundo Edis Milaré, a noção holística do meio ambiente considera o seu aspecto
social, “uma vez que é definido constitucionalmente como um bem de uso comum do povo”.
Apresenta, ao mesmo tempo, um caráter histórico, haja vista que o meio ambiente deriva da
interação entre o homem e a natureza ao longo do tempo. Com isso, inclui-se na definição de
1
BRASIL ESCOLA. Cultura. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/cultura/>. Acesso em: 03 nov.
2013.
2
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.p. 383.
10
ambiente, “além dos ecossistemas naturais – as sucessivas criações do espírito humano que se
traduzem nas suas múltiplas obras”.3
Nesse passo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu
art. 216, afirma que o patrimônio cultural brasileiro é constituído pelos “bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”,
inclusive as maneiras de expressão; os modos de criar, fazer e viver; os feitos científicos,
artísticos e tecnológicos; “as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais” e “os conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.4
Sobre o conceito de patrimônio cultural apresentado pelo texto constitucional,
anota-se a lição de Antônio F. G. Beltrão:
Inicialmente, vale destacar que a definição de patrimônio cultural da Constituição
Federal de 1988 é ampliada, passando a compreender também os bens imateriais.
Assim, todo e qualquer bem, independentemente de ter sido criado por ação
humana, pode ser considerado integrante do patrimônio cultural, e,
consequentemente gozar de proteção jurídica. Por conseguinte, não há mais a
necessidade de o bem a ser protegido estar vinculado a algum fato memorável de
nossa história, ou possuir algum excepcional valor arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico. Quaisquer bens, inclusive imateriais, que sejam portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, podem ser considerados integrantes de nosso patrimônio
cultural. Assim, a definição de patrimônio cultural passa a ser democrática e
popular, tendo por referência os valores de todas as etnias que formaram o povo
brasileiro.5
Nota-se que a Lei Maior, no que se refere ao tema, apresenta definição bastante
moderna, declarando que “o patrimônio cultural é brasileiro e não regional ou municipal,
incluindo bens tangíveis (edifícios, obras de arte) e intangíveis (conhecimentos técnicos),
considerados individualmente e em conjunto”. Logo, “não se trata somente daqueles eruditos
ou excepcionais, pois basta que tais bens sejam portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira”.6
Nesse contexto, vislumbra-se que o Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de
1937, conceitua o patrimônio cultural, na condição de patrimônio histórico e artístico
3
MILARÉ, Édis. Direito do meio ambiente, doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2005. p. 399.
4
BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 ago. 2013.
5
BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 423.
6
MILARÉ, Édis. Direito do meio ambiente, doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2005. p. 400.
11
nacional, como o conglomerado de bens imóveis e móveis “existentes no país e cuja
conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história
do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico”.7
Denota-se, desse modo, que a definição de patrimônio cultural mostra-se bastante
ampla, abarcando uma grande diversidade de bens móveis e imóveis de grande relevância
para a cultura da sociedade.
Dessarte, o rol de bens listados na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, mencionado acima, é considerado exemplificativo, ou seja, “incluindo outros bens
de grande valor para o meio ambiente cultural”.8
No mesmo viés, Celso Antonio Pacheco Fiorillo ressalta que “o art. 216 não
constitui rol taxativo de elementos, porquanto se utiliza da expressão nos quais se incluem,
admitindo que outros possam existir”.9
Para Paulo Affonso Leme Machado, o patrimônio cultural traduz-se no trabalho,
na criatividade, na espiritualidade e, ainda, nas crenças, no cotidiano e no extraordinário de
gerações anteriores, “diante do qual a geração presente terá que admitir um juízo de valor,
dizendo o que quererá conservar, modificar ou até demolir”. Nas palavras do autor, “esse
patrimônio é recebido sem mérito da geração que o recebe, mas não continuará a existir sem
seu apoio. O patrimônio cultural deve ser fruído pela geração presente, sem prejudicar a
possibilidade de fruição da geração futura”.10
Importante salientar, nesse quadrante, a diferença entre patrimônio histórico e
patrimônio cultural apresentada por José Casalta Nabais citado na doutrina de Anderson
Furlan e Willian Fracalossi:
Em verdade, o patrimônio histórico e o patrimônio cultural, por exemplo, não se
confundem. Nem todo patrimônio histórico se reveste de relevante interesse ou
significado cultural. Com efeito, adverte JOSÉ CASALTA NABAIS, que “[...]
tirando o caso especial do patrimônio arqueológico, em que o relevante interesse ou
significado cultural assenta praticamente no seu valor histórico, na sua antiguidade,
os bens do restante patrimônio histórico, para integrarem o patrimônio cultural, tem
de possuir um qualquer relevante valor cultural, designadamente artístico. Por
conseguinte, uma tal designação, ao sugerir o estudo do regime jurídico de todo o
7
BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em:
27 ago. 2013.
8
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela constitucional do meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25.
9
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
p. 383.
10
MACHADO. Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. p.
1065.
12
patrimônio histórico, com ou sem interesse cultural relevante, justamente porque se
revela demasiado ampla e imprecisa, deve ser rejeitada. [...] O que não quer dizer,
naturalmente, que os bens históricos, com claro destaque para os monumentos
históricos, não constituam um dos domínios mais relevantes do patrimônio cultural e
sobretudo aquela parte com a qual temos tendência, ao menos prima facie, a
identificar o próprio patrimônio cultural. É que, muito embora os bens culturais não
sejam necessariamente bens históricos, não há a menor dúvida de que são os bens
históricos os que constituem a base da grandeza e riqueza do patrimônio cultural de
um país, sobretudo um país com uma longa e rica história como o nosso
[Portugal]”.11
Acrescenta-se, por oportuno, que, para Celso Antonio Pacheco Fiorillo, “para que
seja um bem considerado como patrimônio histórico é necessária a existência de nexo
vinculante com a identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira”.12
Com isso, observam-se os principais aspectos que circundam a conceituação
doutrinária e legal de patrimônio cultural, assim como a diferença entre patrimônio histórico e
cultural.
Em seguida, por consecutivo, passa-se à apresentação da proteção legal conferida
ao patrimônio histórico brasileiro pelo ordenamento jurídico vigente.
2.2 PROTEÇÃO LEGAL
O patrimônio cultural, na condição de conjunto de bens ou valores revestido de
relevante importância para a humanidade, deve gozar de significativa proteção legal, “sob
pena de engessamento de toda a sociedade”.13
Na forma como já mencionado no tópico anterior, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, em seu texto, demonstra significativa preocupação com a
proteção do patrimônio cultural brasileiro.14
Nesse sentido, Norma Sueli Padilha identifica como decisivo passo para a
sistematização do direito ambiental constitucionalizado a promulgação da Carta Magna que,
“além de fazer referências explícitas e diretas em várias partes do texto constitucional,
impondo deveres ao Estado e à sociedade, com relação ao meio ambiente, dedicou-lhe um
capítulo próprio dentro da Ordem Social (Título VIII)”. Percebe-se, como explica a
11
NABAIS, JOSÉ CASALTA, [s/d] apud FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, Willian. Direito ambiental.
Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 30.
12
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 383.
13
BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 421.
14
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.p. 144.
13
doutrinadora, que a norma constitucional fundamenta não somente a ordem social, assim
como “a ordem econômica, a saúde, a educação, o desenvolvimento, a política urbana e
agrícola”, ou seja, obrigando “a sociedade e o Estado, como um todo, a um compromisso de
respeito e consideração ao meio ambiente, conforme os vários dispositivos ambientais
espalhados por todo o texto constitucional”.15
No que tange à preocupação das Constituições brasileiras com a proteção legal do
patrimônio cultural, registra-se a doutrina:
Desde a Constituição Federal de 1934 que a norma constitucional protege o
patrimônio cultural. A Carta de 1934 mencionava os “monumentos de valor
histórico ou artístico” (art. 10, III); a Constituição Federal de 1937, os “monumentos
históricos, artísticos e naturais” (art. 134); a Carta Federal de 1946, as “obras,
monumentos e documentos de valor histórico e artístico” (art. 175); a Constituição
Federal de 1967, “os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico,
os monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas
arqueológicas” (art. 112), transcrito literalmente pelo art. 180, parágrafo único, da
Emenda Constitucional de 1969.16
Todavia, pelo texto constitucional vigente, especialmente os artigos 215 e 216,
que tratam da cultura, o patrimônio cultural, qualificado como bem de uso comum do povo,
“deve ser preservado e destinado à qualidade de vida das presentes e futuras gerações”,
conforme preceitua o art. 225 também da Lei Maior.17
No que concerne à competência material constitucionalmente prevista, impende
registrar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 30, inciso
IX, declara que compete aos Municípios “promover a proteção do patrimônio históricocultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”. 18 Contudo,
denota-se que “o patrimônio cultural pode ser protegido por legislação em três esferas:
nacional, estadual e municipal”.19
No que se refere à competência legislativa, esta é concorrente, na forma do art. 24,
VII, da Lei Maior, restando aos municípios a competência suplementar, nos casos de interesse
local, consoante art. 30, I e II. Dessa feita, observa-se que “as normas gerais acerca do
15
PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2010. p. 156.
16
BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 422.
17
AHMED. Flávio vilela. A tutela da cultura em face do direito ambiental das cidades. In: COUTINHO,
Ronaldo; ROCCO, Rogério (Org). O direito ambiental das cidades. 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 286.
18
BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 ago. 2013.
19
SANTA CATARINA. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Superintendência
Estadual em Santa Catarina. Tombamento. Disponível em:
<http://www.iphansc.blogspot.com.br/p/tombamento.html>. Acesso em: 13 ago. 2013.
14
patrimônio histórico, turístico e paisagístico caberão à União, enquanto aos Estados, Distrito
Federal e Municípios será possível legislar de forma a suplementá-las”.20
Logo, todos os entes federativos, no caso da proteção do patrimônio histórico,
possuem, pelo texto constitucional, competência material e legislativa, na forma dos arts. 23,
24 e 30, I e II.21
No âmbito infraconstitucional, não há uma legislação específica acerca do tema.
Entretanto, a doutrina elenca alguns diplomas legais que disciplinam, mesmo que
indiretamente, a proteção do patrimônio cultural, quais sejam: a) Decreto-Lei nº. 25, de 30 de
novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional com o
intuito de regulamentar, especificamente, o instituto jurídico do tombamento22; b) Decreto-Lei
nº. 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública23,
inclusive “expressamente a possibilidade de desapropriação para preservação e conservação
do patrimônio cultural”24; c) Lei nº. 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que restabelece
princípios da Lei n°. 7.505, de 2 de julho de 198625, institui o Programa Nacional de Apoio à
Cultura (Pronac) e dá outras providências, “cuja finalidade é a captação e a canalização de
recursos para os projetos culturais – conhecida como Lei Rouanet”26; Lei nº. 9.605, de
fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas
e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências27, essa lei capitula “crimes
contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural”28; e d) o Decreto nº. 3.551, de 4 de
agosto de 2000, que institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que
20
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.p. 385.
21
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.p. 386.
22
BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em:
27 ago. 2013.
23
BRASIL. Decreto-lei nº 3.365, de 21 de novembro de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade
pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3365.htm>. Acesso em: 28 ago.
2013.
24
FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, Willian. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010.p. 32.
25
BRASIL. Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986. Dispõe sobre benefícios fiscais de imposto de renda
concedidos a operações de caráter cultural ou artístico. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7505.htm>. Acesso em: 28 ago. 2013.
26
FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, Willian. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010.p. 32.
27
BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em: 28 ago. 2013.
28
FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, Willian. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010.p. 32.
15
constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e
dá outras providências29.
Infraconstitucionalmente, um dos principais diplomas legais atinentes à proteção
do patrimônio histórico, é o Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, que estabelece,
na legislação brasileira, o instituto do tombamento, instrumento de preservação, por
excelência, do patrimônio cultural.30
Com relação à proteção efetiva ao patrimônio cultural com relevância nacional,
ressalta-se, “é responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan)”. Assim, “os tombamentos, registros, inventários e regulamentações de áreas de
entorno são os instrumentos utilizados pelo Iphan31 para preservar o patrimônio cultural e
artístico brasileiro”.32
Observa-se, portanto, que a proteção legal do patrimônio histórico é concedida
pela própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e por algumas
legislações infraconstitucionais não específicas. Já o exercício protetivo do patrimônio
histórico, por conseguinte, fica a cargo do Iphan.
Em últimas linhas, cumpre registrar que, apesar da existência de diversos
instrumentos jurídicos de proteção do patrimônio cultural, a exemplo dos inventários,
29
BRASIL. Decreto-lei nº 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3551.htm>. Acesso em: 28 ago. 2013.
30
AHMED. Flávio vilela. A tutela da cultura em face do direito ambiental das cidades. In: COUTINHO,
Ronaldo; ROCCO, Rogério (Org). O direito ambiental das cidades. 2. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2009. p. 290.
31
“A criação do organismo federal de proteção ao patrimônio, ao final dos anos 30, foi confiada a intelectuais e
artistas brasileiros ligados ao movimento modernista. Era o início do despertar de uma vontade que datava do
século XVII em proteger os monumentos históricos. A criação da Instituição obedece a um princípio normativo,
atualmente contemplado pelo artigo 216 da Constituição da República Federativa do Brasil, que define
patrimônio cultural a partir de suas formas de expressão; de seus modos de criar, fazer e viver; das criações
científicas, artísticas e tecnológicas; das obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; e dos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. A Constituição também estabelece que cabe ao poder
público, com o apoio da comunidade, a proteção, preservação e gestão do patrimônio histórico e artístico do país.
História da Instituição. O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN foi criado em 13 de
janeiro de 1937 pela Lei nº 378, no governo de Getúlio Vargas. Já em 1936, o então Ministro da Educação e
Saúde, Gustavo Capanema, preocupado com a preservação do patrimônio cultural brasileiro, pediu a Mário de
Andrade a elaboração de um anteprojeto de Lei para salvaguarda desses bens. [...] Há mais de 75 anos, o IPHAN
vem realizando um trabalho permanente de identificação, documentação, proteção e promoção do patrimônio
cultural brasileiro”. (BRASIL. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Sobre a
instituição. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=11175&retorno=paginaIphan>. Acesso em: 27 ago.
2013.
32
SANTA CATARINA. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Superintendência
Estadual em Santa Catarina. Tombamento. Disponível em:
<http://www.iphansc.blogspot.com.br/p/tombamento.html>. Acesso em: 13 ago. 2013.
16
registros e desapropriações, dar-se-á destaque, neste trabalho, mais especificamente no tópico
seguinte desta monografia, ao instituto do tombamento, tendo em vista o tema específico
escolhido e a problemática discutida na presente pesquisa.
2.3 TOMBAMENTO
O tombamento, conforme brevemente exposto, é umas das modalidades de
intervenção do Estado na propriedade privada dedicada à proteção do patrimônio históricocultural.
Nesse sentido, a seguir, passa-se ao estudo do conceito, procedimento e efeitos do
tombamento.
2.3.1 Aspectos gerais
A propriedade, segundo relatos da doutrina civilista, sempre foi um dos direitos
mais protegidos pelos ordenamentos jurídicos. Nesse passo, importante definir patrimônio
como “o conjunto de direito reais e obrigacionais, ativos e passivos, pertencentes a uma
pessoa”.33
Contudo, a propriedade privada não tem mais o caráter absoluto que tinha em
tempos remotos. Os direitos de usar, gozar, fruir e dispor não podem se sobrepor aos
interesses gerais da sociedade. Mesmo em países como o Brasil, em que a Carta Magna traz a
segurança dos direitos ditos invioláveis, que dizem respeito à vida, à liberdade e à
propriedade, há um condicionamento no que tange ao desempenho da função social (CF, art.
170, III).34
Nesse sentido, ensina Odete Medauar:
Um dos âmbitos em que mais se revela a face autoridade da Administração é o
direito de propriedade, sobretudo da propriedade imóvel. O direito de propriedade
evoluiu muito, deixando de ter, na atualidade, a conotação absoluta que o
caracterizava até as primeiras décadas do século XX. Ampliaram-se as intervenções
públicas e ocorreu a mudança da própria configuração estrutural do direito de
propriedade ante sua funcionalização social, percebida de modo sensível em matéria
35
urbanística e agrária. Daí o disposto no §1° do art. 1.228 do Código Civil : “O
direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades
33
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 164.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.p. 737.
35
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 31 ago. 2013.
34
17
econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o
estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e
das águas”.36
Apesar de assegurar o direito de propriedade como direito e garantia fundamental,
a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelece que o proprietário deva
atender à sua função social. Nessa linha, tem-se que a proteção ambiental é baseada em um
dos princípios que devem nortear e, portanto, limitar a atividade econômica (arts. 5°., caput e
XXIII, e 170, II, III e IV). Diante disso, como explica Antônio F. G. Beltrão, “o direito de
propriedade não é absoluto, podendo sofrer uma série de restrições”.37
É o que ocorre com o instituto do tombamento, que “consiste, pois, na imposição
pelo Poder Público de restrições parciais a um determinado bem em razão do valor cultural
que representa para a coletividade, razão pela qual a titularidade do direito à sua preservação é
coletiva, difusa”.38
Assim, o tombamento ambiental é uma das formas utilizadas para que seja feita a
proteção do patrimônio cultural do país. Por se tratar de bem difuso, e cultural, é definido
como “tombamento ambiental”, conceito que abrange a tutela de proteção abordada
anteriormente.39
O tombamento significa, desse modo, uma restrição perpétua ao direito de
propriedade em benefício do interesse coletivo, afetando o caráter absoluto do direito de
propriedade e acarretando ônus maior do que as limitações administrativas.40 É, sem dúvida, a
forma mais popular de efetiva preservação dos bens culturais materiais do Brasil.41
Continuando a conceituação do instituto do tombamento, para o doutrinador
Paulo Affonso Leme Machado, pode ser ele também definido como um regime jurídico que,
“implementando a função social da propriedade, protege e conserva o patrimônio cultural
privado ou público brasileiro, através da ação dos poderes públicos e da comunidade”, haja
vista, “entre outros, seus aspectos históricos, artísticos, arqueológicos, naturais e paisagísticos,
para a fruição das presentes e futuras gerações”.42
36
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 377.
BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 429.
38
BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 429.
39
FIORILLO, Celso Antonio Pa+checo. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.p. 387.
40
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.p. 131.
41
BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 429.
42
MACHADO. Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. p.
1082.
37
18
Por sua vez, na visão de Maria Sylvia Zanela Di Pietro, o tombamento pode assim
ser definido:
É forma de intervenção do Estado na propriedade privada, que tem por objetivo a
proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, assim considerado, pela
legislação ordinária, “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país, cuja
conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis
da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico” (art. 1° do Decreto-lei n° 25, de 193743.44
É, na sua totalidade, regime jurídico específico, outorgado por meio de ato
administrativo “de cunho singular, quanto ao uso e fruição de coisa determinada, cuja
conservação seja de interesse da coletividade e consistente em dever de manter a identidade
dele, podendo gerar direito de indenização”.45
O tombamento tem como fundamento constitucional o interesse coletivo de
preservação da identidade de bens que reúnam valores culturais e históricos relevantes no
processo civilizatório nacional. A proteção da identidade nacional é uma manifestação da
tutela à nação brasileira, tal como se observa no próprio art. 23 da Constituição46, que
reconhece a comum competência “ de todos os entes federativos para promover a defesa dos
documentos e dos bens relacionados à história, à cultura e ao meio ambiente, dotados de
vínculo relevante com a Nação (inc. III, IV, VI, VII)”. Em razão dessa máxima, todos os
sujeitos, públicos e privados, que possuírem ou forem proprietários de bem ligado ao
patrimônio histórico, ambiental, ou artístico nacional, “estão obrigados a usar, fruir e dispor
deles de modo compatível com sua preservação. No entanto, esse dever depende de
especificação que se produz por meio de tombamento”.47
Como já mencionado, o tombamento é disciplinado pelas normas gerais do
Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 193748, sendo que a expressão “tombamento”
advém da previsão de que “os bens sujeitos ao regime especial correspondente serão inscritos
em um “Livro do Tombo”.49
43
BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em:
01 set. 2013.
44
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.145.
45
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 521.
46
BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 01 set. 2013.
47
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 522.
48
BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em:
01 set. 2013.
49
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 523.
19
Portanto, segundo as características elencadas no livro próprio, é designado pelo
instituto do tombamento, o ato administrativo pelo qual se afirma o valor histórico, artístico,
paisagístico, arqueológico, cultural, arquitetônico de bens que, diante disso, devem ser
preservados.50
Com base no art. 216, V, da Constituição, e no art. 4º do Decreto-lei nº. 25, de 30
de novembro de 1937, a legislação federal tratou de dividir o Livro do Tombo em quatro
diferentes, banseando-se na origem do bem a ser reconhecido como patrimônio cultural. São
eles: o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico, Paisagístico; o Livro do Tombo
Histórico; o Livro do Tombo das Belas Artes; e o Livro do Tombo das Artes Aplicadas.51
O tombamento está historicamente associado à atuação administrativa. Como
descrito por Celso Antônio Pacheco Fiorillo, “a inscrição no Livro do Tombo deve ser feita
mediante um procedimento administrativo, porquanto consiste numa sucessão de atos
preparatórios, essenciais à validade do ato final, que é a inscrição. O procedimento é previsto
pelo Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937”.52
Dada a sua relevância na Lei Maior, em seu §1º do art. 216, o tombamento é um
dos institutos que tem por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional. Prevê,
ainda, a desapropriação quando se tratar de restrição total ao direito do proprietário. Bom
dizer que, tratando-se do tombamento, sempre haverá restrição parcial, segundo a legislação
que o disciplina. Todavia, no caso de impossibilidade total de exercício dos poderes inerentes
ao domínio, será ilegal o tombamento e implicará desapropriação indireta, dando direito à
indenização integral dos prejuízos sofridos.53
Logo, com base na citação acima, percebe-se que o tombamento não se confunde
com o instituto da desapropriação, visto que, neste caso, há perda da propriedade em favor do
Estado, assim como segue:
O tombamento abrange restrição parcial ao direito do proprietário, porém, se
acarretar limitação total das faculdades inerentes à propriedade, implica
desapropriação indireta – o que confere ao dominus o direito à indenização. Assim,
pode-se dizer que a finalidade do tombamento não é a subtração da propriedade, mas
a mera conservação da coisa, para que ela não sofra a ação deletéria do tempo ou da
interferência humana.54
50
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 379.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.p. 387.
52
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.p. 389.
53
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.p. 145.
54
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. p. 693.
51
20
Ressalta-se que grande parte dos bens tombados são imóveis, de elevado valor
arquitetônico, de épocas passadas, e de relevância histórica, podendo abranger, conforme a
importância, o tombamento de bairros, ou até mesmo cidades, desde que retratem aspectos
culturais do passado.55 Como exemplo, cita-se a Freguesia do Ribeirão da Ilha, em
Florianópolis/SC.56
Alerta Marçal Justen Filho que “apenas serão tombáveis os bens que apresentarem
características especiais. Em outras palavras, não se tomba a ‘cidade’ nem o ‘bairro’, mas
cada imóvel ali existente que apresente características peculiares e especiais”.57
O tombamento, porém, “não impede ao particular o exercício dos direitos
inerentes ao domínio”, razão pela qual “ [...] não dá, em regra, direito a indenização; para
fazer jus a uma compensação pecuniária, o proprietário deverá demonstrar que realmente
sofreu algum prejuízo em decorrência do tombamento”.58
A manutenção da identidade do objeto é o dever essencial gerado pelo
tombamento. Isso acarreta ao proprietário diversos deveres, como, por exemplo, de omitir
toda conduta capaz de produzir a alteração da identidade (obrigação de não fazer) e de
produzir os reparos e manutenções necessários a evitar seu perecimento (obrigação de
fazer).59
Caso tais obrigações não sejam observadas, O Decreto-lei nº. 25, de 30 de
novembro de 1937, prevê sanções administrativas por danos ao tombamento, dentre as quais:
a) multas em caso de tentativa ou reincidência de exportação de bem móvel
tombado, em percentuais incidentes sobe o valor do bem; b) multa por colocação de
anúncios ou cartazes que afetem a visibilidade do bem; c) multa no caso de
demolição, destruição, mutilação e de restauração ou pintura sem prévia autorização
55
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5ª Rio de
Janeiro: Método, 2012.p. 371.
56
O Distrito de Ribeirão da Ilha teve origem a partir de um Alvará Régio, datado de 11/07/1809. Sua área é
estimada em 51,54 km², sendo que dele fazem parte as seguintes localidades: Alto Ribeirão, Barro Vermelho,
Caiacangaçú, Caieira da Barra do Sul, Canto do Rio, Carianos, Costeira do Ribeirão, Freguesia, Praia dos
Naufragados, Tapera e Sertão do Perí.
Localizado a 36 quilômetros do centro, o Ribeirão da Ilha é um dos mais antigos povoados de Florianópolis.
Segundo alguns autores, o nome "Ribeirão" que fora dado a todo o Distrito, provém de um pequeno rio ou
ribeira, o qual nasce de uma forte cachoeira no alto de Santo Estevão (Alto Ribeirão). Registros indicam que em
1526 o espanhol Sebastião Caboto aportou ali e alguns de seus comandados se juntaram aos náufragos de uma
expedição de Dias de Solis, datada de 1515. O Ribeirão é composto por várias pequenas praias, de águas calmas
e areia grossa. É um passeio que vale pela viagem no tempo. Um dos locais mais típicos da Ilha, com o casario
açoriano, a igreja Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão e o Museu Etnológico do Ribeirão da Ilha, com acervo de
peças raras, que retratam a colonização açoriana. (PORTAL CULTURAL DO MANEZINHO DA ILHA.
Patrimônio. Disponível em: <http://www.manezinhodailha.com.br/Patrimonio.htm>. Acesso em: 15 out. 2013).
57
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 522.
58
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.146.
59
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 522.
21
do poder público; d) multa se o proprietário deixar de comunicar a necessidade de
obras de conservação e sua dificuldade para efetuá-las; e) demolição do que for
edificado sem autorização (arts. 15 a 19).60
Também judicialmente o tombamento é protegido, como afirma Odete Medauar:
“o Ministério Público e as associações pertinentes, legalmente constituídas há um ano,
poderão obter na via jurisdicional, mediante liminar ou cautelar em ação civil pública,
embargo de obra e interdição de atividades em bem tombado”.61
O ordenamento prevê também sanções penais, como no art. 165 do Código Penal,
que tipifica como crime: “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade
competente e m virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico: pena – detenção, de 6
(seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.62
No que se refere aos tipos de tombamento vale ressaltar a classificação feita no
próprio Decreto-lei n. 25º, de 30 de novembro de 1937, o qual prevê três tipos de
tombamento, na forma como segue:
a) tombamento de ofício – incide sobre bens públicos; efetua-se por determinação do
Presidente do IPHAN (ou do respectivo órgão competente, na esfera estadual e
municipal); a entidade a que o bem pertencer deve ser notificada (Art. 5°);
b) tombamento voluntário – recai sobre bem privado e realiza-se mediante simples
concordância de seu proprietário, a seu pedido ou em atendimento a notificação
(Art. 7°);
c) tombamento compulsório – ocorre quando o proprietário se recusa a anuir à
inscrição do bem; nesse caso, instaura-se um processo, com as seguintes fases: c1) o
órgãocompetente notifica o proprietário para este anuir ao tombamento ou impugnar
por escrito, dentro de quinze dias; c2) não havendo impugnação no prazo, a
autoridade competente determina a inscrição do bem no livro do tombo; c3) havendo
impugnação, o órgão ou interessado, de onde emanou a proposta de tombamento,
deverá manifestar-se; c4) em seguida, os autos são remetidos ao Conselho do órgão
competente para decisão; c5) no âmbito federal, a decisão no sentido do
tombamento, que se traduz na inscrição, tem sua eficácia dependente de
homologação do Ministro da Cultura (Lei 6.292/75); do ato de tombamento, cabe
recurso ao Presidente da República, se emitido pelo IPHAN; o tombamento
compulsório reveste-se de caráter provisório, se for iniciado pela notificação; tem
caráter definitivo mediante inscrição no livro do tombo, devidamente homologada. 63
No que tange à natureza jurídica do tombamento, verifica-se que há discussão na
doutrina acerca de consistir o instituto em ato administrativo discricionário ou vinculado, ou
seja, se existe liberdade de escolha da Administração Pública ou não.
60
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo:. Revista dos Tribunais, 2012. p. 381.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 381.
62
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 381.
63
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 379.
61
22
Nesse sentido, José Cretella Júnior defende que o tombamento é ato
discricionário, pois na ocasião em que é efetuado, ainda que verificado o valor cultural
intrínseco ao bem, a autoridade competente detém a liberdade para concretizar ou não o
tombamento, bem como goza do poder de decisão para praticar o ato em um momento que
considerar mais oportuno.64
Todavia, mostra-se avesso a esse entendimento Hely Lopes Meirelles, aduzindo que
“o tombamento realiza-se através de um procedimento administrativo vinculado, que conduz
ao ato final de inscrição do bem num dos Livros do Tombo”.65
Para José dos Santos Carvalho Filho, é imprescindível distinguir o motivo do
tombamento. Explica o professor que:
Há de ter por pressuposto a defesa do patrimônio cultural, o ato é vinculado, o que
significa que o autor do ato não pode pratica-lo apresentando motivo diverso. Está,
pois, vinculado a essa razão. Todavia, no que concerne a valoração da qualificação
do bem como de natureza histórica, artística, etc. e da necessidade de sua proteção, o
ato é discricionário, visto que essa avaliação é privativa da Administração. 66
Na mesma linha, Irene Patrícia Nohara ensina que a solução para essa divergência
pode ter seu fim com a palavra “depende”, ou seja, “se o valor do bem for indiscutível, há
vinculação, passível de controle pelo Poder Judiciário”, entretanto, em aspectos gerais, “ o
valor do bem parte de juízos e de conceitos estéticos que não são unânimes, também não dá
para negar à Administração certa margem de discricionariedade, a ser aceita a partir de
consistente e razoável fundamentação".67
Adentra-se, no tópico seguinte, na abordagem das linhas gerais do procedimento
administrativo do tombamento.
2.3.2 Procedimento
Para que sejam garantidos os direitos da comunidade (interesse público) e dos
sujeitos atingidos pelo tombamento, é necessária a estrita observância de um procedimento
administrativo prévio, o qual resultará, ao final, no tombamento do bem. Nesse sentido,
afirma Marçal Justen Filho que “a instauração do procedimento administrativo de
64
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 249.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 37. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p.
623.
66
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl., atual. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 797.
67
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. p.701.
65
23
tombamento pode fazer-se a pedido dos particulares (Art. 6° do Decreto-lei nº. 25, de 30 de
novembro de 1937) ou de ofício. Deverão seguir-se atos destinados a apurar a presença dos
requisitos necessários, finalizando-se por ato administrativo unilateral que formaliza a
existência do tombamento”.68
Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ressaltam, por sua vez, a necessidade do
respeito ao devido processo legal neste procedimento. Para eles, “é imprescindível para o ato
de tombamento a existência de processo administrativo, com observância do princípio
constitucional do devido processo legal”, ou seja, com respeito “ao contraditório e à ampla
defesa, no intuito de que este possa comprovar, se for o caso, a inexistência de relação entre o
bem a ser tombado e a proteção ao patrimônio cultural”.69
Nesse sentido, Apesar de o tombamento ser ato administrativo unilateral, com
abrangência e efeitos específicos, só é considerado válido se for observado o princípio do
devido processo legal, em que a comunidade ou o proprietário tenham voz e oportunidade de
manifestação. Para que seja de conhecimento público, deverá haver a inscrição em um dos
“Livros do Tombo”, inscrição essa que é consequência do tombamento.70
Desse modo, “a inscrição no Livro do Tombo deve ser feita mediante um
procedimento administrativo, porquanto consiste numa sucessão de atos preparatórios,
essenciais à validade do ato final, que é a inscrição”.71
Por conseguinte, “nulo será o tombamento efetivado sem atendimento das
imposições legais e regulamentares, pois que acarretando restrições ao exercício do direito de
propriedade, há que observar o devido processo legal para sua formalização”. Repisa-se que
“essa nulidade pode ser pronunciada pelo Judiciário, na ação cabível, em que serão apreciadas
tanto a legalidades dos motivos quanto a regularidade do procedimento administrativo em
exame”.
De acordo com Irene Patrícia Nohara, o procedimento compulsório do
tombamento resume-se nas seguintes fases: “[...] notificação ao proprietário e oportunidade
para ele oferecer as razões de impugnação no prazo de 15 dias”. Contudo, diante da
inexistência de impugnação no prazo legal, “[...] ocorre a transcrição do bem no Livro do
Tombo; se houver, dá-se vista dela e outros 15 dias para que o órgão do qual emanou a
iniciativa do tombamento sustente suas razões”; após, “[...] o processo é remetido ao conselho
68
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 523.
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5 ed. Rio
de Janeiro: Método, 2012.p. 372.
70
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 523.
71
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 12. ed. rev., atual., ampl. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 414.
69
24
do órgão competente para a decisão que, no caso federal, é o Conselho Consultivo do Iphan, o
qual tem 60 dias para proferir decisão”; no caso de decisão favorável ao particular, “[...] o
procedimento administrativo será arquivado; mas, se houver decisão contrária ocorre a
inscrição no Livro do Tombo, cuja eficácia, na esfera federal, depende de homologação do
Ministro da Cultura”, que, segundo ditames da “[...] Lei n° 6.292/75, em vez de homologar,
pode, ainda, anular ou revogar o procedimento”.72
No que se refere ao procedimento condizente ao tombamento, Antônio F. G.
Beltrão:
O tombamento se opera mediante um procedimento administrativo, cujo ato final
consiste na inscrição do bem no Livro do Tombo respectivo. Tal procedimento
administrativo varia a depender da modalidade do tombamento. Em todas as
modalidades deverá haver a manifestação de órgão técnico, que, na esfera federal,
consiste no Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN). Em se
tratando de bem público, o tombamento ocorre de ofício por ordem do diretor do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, após análise pelo órgão
técnico competente, notificando-se o ente público ao qual pertence o bem, ou sob
cuja guarda se encontre, para que produza os seus efeitos jurídicos. 73
Além de ser possível identificar fases no procedimento, há também pontos em
comum entre os vários tipos de tombamento existentes, como explica Édis Milaré: “[...] a)
parecer de órgão técnico sobre o valor cultural do bem; b) notificação ao proprietário para
anuir ou impugnar a pretensão do Poder Público; c) deliberação coletiva do Conselho
consultivo da entidade incumbida do tombamento”; bem como “[...] d) homologação do órgão
político a que está afeta a entidade incumbida do tombamento; e) inscrição no Livro do
Tombo que se referir ao valor que fundamentou o tombamento”; e, por fim, “[...] f)
transcrição em registro público (os imóveis no Cartório de Registro de Imóveis e os móveis
no Cartório de Registro de Títulos e Documentos), para que produza efeitos em relação a
terceiros”.74
Percebe-se, pois, que ao final do procedimento específico, o bem tombado deve
ser inscrito em um dos livros do tombo, na forma como já mencionado. Ressalta-se que, no
plano federal, o processo de tombamento está disciplinado pelo Decreto-lei nº. 25, de 30 de
novembro de 1937, já mencionado, e pela “[...] Lei 6.292, de 1975, a qual dispõe sobre o
tombamento de bens no instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)”.75
72
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. p. 702.
BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 431.
74
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 7. ed. rev., atual., refor. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011. p. 325.
75
BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 430.
73
25
Esses, portanto, são os principais aspectos do procedimento do tombamento,
mostrando-se sempre indispensável a realização do devido processo legal administrativo
prévio com garantia, por consequência, do contraditório e da ampla defesa.
Por fim, passa-se ao estudo dos efeitos do tombamento.
2.3.3 Efeitos
O instituto do tombamento “transforma o bem tombado em patrimônio cultural sem
promover sua estatização, instituindo um regime especial de propriedade”. Assim, “o bem
tombado, ainda que passe a fazer parte do patrimônio cultural, não passa a pertencer ao
patrimônio público se for de propriedade privada”.76
Por conseguinte, os efeitos gerados pelo tombamento são descritos no Decreto-lei
nº. 25, de 30 de novembro de 1937, especificamente no seu capítulo III. Relacionam-se com:
possibilidade de venda, transformações, deslocamento, possíveis vizinhos, conservação e
fiscalização. A partir de então, Resultam para o proprietário obrigações de fazer (positivas),
de não fazer (negativas) e de deixar fazer (suportar); assim como para os imóveis vizinhos,
obrigações de não fazer (negativas); e para o IPHAN, obrigações de fazer (positivas).77
Assim, podem ser indicados como efeitos específicos os seguintes: “a) obrigação
de transcrição no registro público; b) dever de conservar e reparar; c) restrições à
alienabilidade; d) restrições à modificabilidade; e) sujeição de fiscalizações pelo órgão
público de tombamento;” e, ainda, “ [...] f) restrições às propriedades vizinhas”.78
Logo, percebe-se “o tombamento certamente afeta diretamente o caráter de
exercício absoluto do direito de propriedade e controla o seu exercício, mas não afeta a
exclusividade do domínio e nem constitui direito real de uso e gozo”.79
Nesse diapasão, Édis Milaré trata dos efeitos relativos ao instituto do
tombamento:
Os efeitos resultantes do ato do tombamento podem ser assim elencados: a) A
obrigação de transcrição no registro público – O tombamento definitivo de bens de
propriedade particular, como se viu, deve ser levado a registro, por iniciativa do
órgão preservacionista competente, no Ofício de Registro de Imóveis, e averbado ao
lado da transcrição do domínio. Se móvel o bem, deve o registro ser efetuado no
76
ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio. Revisitando o instituto do tombamento. Belo horizonte:
Fórum, 2010. p. 29.
77
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.150.
78
BELTRÃO. Antônio F. G. Curso de direito ambiental. São Paulo: Método, 2009. p. 430.
79
ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio. Revisitando o instituto do tombamento. Belo horizonte:
Fórum, 2010. p. 29.
26
Cartório de Registro de Títulos e Documentos. No caso de alienação, é encargo do
adquirente providenciar a transcrição, no prazo de trinta dias, pena de multa
correspondente a dez por cento do valor do negócio jurídico; b) Restrições à
alienabilidade – Se o bem tombado for público, será inalienável, salvo se a
transferência ocorrer entre a União, Estados e Municípios; em caso de alienação
onerosa de bens pertencentes a particulares, deve ser assegurado, pela ordem, o
direito de preferência da União, dos Estados e dos Municípios, sob pena de nulidade
do ato, sequestro do bem por qualquer valor dos titulares do direito de preferência e
multa de vinte por cento do valor do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o
adquirente; c) Restrições à modificabilidade – O proprietário não pode destruir,
demolir ou mutilar a coisa tombada, nem – sem prévia autorização do órgão
competente para a proteção do patrmônio cultural – repará-la, pintá-la ou restaurá-la,
sob pena de multa de cinquenta por cento do valor do dano causado; d)
Possibilidade de nele intervir o órgão de tombamento para a fiscalização e vistoria
– O proprietário fica sujeito à fiscalização do bem pelo órgão competente sob pena
de multa em caso de opor entraves indevidos à vigilância; e) Sujeição da
propriedade vizinha a restrições especiais – A área do entorno do bem tombado é
importante para garantir a ambiência e a visibilidade do patrimônio. Por isso, os
proprietários dos imóveis vizinhos também sofrem as consequências do
tombamento, já que não podem, sem prévia autorização de órgão protetor do
patrimônio cultural, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa
tombada, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a
obra ou retirado o objeto, impondo-se, neste caso, multa de cinquenta por cento do
valor do mesmo objeto.80
Os proprietários de bens particulares devem respeitar os limites dos bens
tombados e não praticar atos que possam vir a destruí-los. Uma hipótese peculiar reside na
proibição a que terceiros, não proprietários, nem mesmo possuidores do bem tombado, “[...]
usufruam dos próprios bens de modo a prejudicar os bens tombados. O art. 18 do Decreto-lei
nº. 25, de 30 de novembro de 1937, veda a possibilidade de construção no imóvel vizinho ao
tombado que impeça ou reduza a visibilidade dele”.81
É responsável também pelos efeitos do tombamento o Poder Público, como
leciona Marçal Justen Filho:
A preservação da identidade dos bens tombados é dever não apenas do proprietário e
possuidor. Também incumbe ao Poder Público adotar todas as providências que lhe
caibam, necessárias a tanto. Assim, há um dever geral de fiscalização do Poder
Público quanto à observância dos deveres derivados do tombamento. Mas se prevê
que, se o proprietário da coisa tombada não dispuser de recursos para as obras de
conservação, deverá (sob pena de multa) comunicar a necessidade ao Poder Público,
a quem incumbirá custear as obras e serviços. Se não forem adotadas as
providências adequadas, o proprietário poderá pleitear o “cancelamento” do
tombamento. Essas regras estão previstas no Decreto-lei n. 25/37.82
80
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 7. ed. rev., atual, refor. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011. p. 326-327.
81
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 525.
82
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 524.
27
Logo, percebem-se, consoante citação acima, os efeitos do instituto jurídico do
tombamento.
No capítulo seguinte, adentra-se no estudo da responsabilidade civil, mais
especificadamente no que tange à responsabilização do Estado por danos causados a terceiros.
28
3 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO
“Quando alguém compreende que é contrário à sua
dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma
tirania pode escravizá-lo”.
Mahatma Gandhi
A responsabilidade civil é o instituto jurídico destinado a reparação dos danos
materiais e morais decorrentes de ilícito civil.
Nesse contexto, sublinha-se que este capítulo monográfico destina-se ao estudo do
conceito, das noções históricas, dos pressupostos e da classificação da responsabilidade civil,
assim como da responsabilidade civil do Estado.
3.1 CONCEITO
Toda conduta que termina em dano tem como conseqüência, na condição de fato
social, a questão da responsabilidade.83
Entretanto, preambularmente, importante destacar a origem etimológica da
palavra responsabilidade que, segundo a doutrina, vem do latim respondere, “[...] que diz
respeito ao fato de alguém ter a garantia de algo constituída”. Mencionada expressão
demonstra “[...] a sua estirpe latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito
romano, o devedor nos contratos verbais”.84
Segundo Sérgio Cavalieri Filho, em sentido literal, “[...] responsabilidade exprime
a ideia de obrigação, encargo, contraprestação”. Já, em sentido jurídico, “[...] o vocábulo não
foge dessa ideia. A essência da responsabilidade está ligada à noção de desvio de conduta, ou
seja, foi ela engendrada para alcançar as condutas praticadas de forma contrária ao direito e
danosas a outrem”.85
Na mesma linha, Sílvio de Salvo Venosa aduz que “o termo responsabilidade é
utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as
consequências de um ato, fato ou negócio danoso”. Sob esse prisma, “toda atividade humana,
portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil
abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar”.86
83
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil.7.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.v 4. p.19.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p.49. v. VII.
85
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 2.
86
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 1. v. 4.
84
29
Vislumbra-se, portanto, que a “responsabilidade constitui uma relação
obrigacional cujo objetivo é o ressarcimento”. 87
Para o Direito, a responsabilidade configura uma obrigação derivada da
obrigação, ou seja, um dever jurídico sucessivo que consiste na encampação das
consequências jurídicas de um ato, sendo que essas consequências, por sua vez, podem
transmudar em conformidade com os interesses das vítimas.88
Acerca do tema, ressalta-se a doutrina:
Do que se infere que a responsabilização é meio e modo de exteriorização da própria
Justiça, e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de
não prejudicar outra pessoa, ou seja, neminemlaedere. A ninguém é permitido lesar
o seu semelhante. O sistema de Direito positivo estabelecido repugna tanto a ofensa
ou agressão física como moral, seja impondo sanção de natureza penal, ou de
natureza civil, também sancionatória, mas de caráter pecuniário, ainda que se cuide
de ofensa moral. A primeira visa à pacificação social e à defesa da sociedade; a
segunda tem caráter individual ou unitário e tem por escopo a proteção da pessoa. 89
Frisa-se, desse modo, que a responsabilidade relaciona-se a noção de reequilíbrio,
de reparação de dano e de contraprestação. Assim, “sendo múltiplas as atividades humanas,
inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do
direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida
social”.90
Na perspectiva jurídica, “[...] a responsabilidade pressupõe a atividade danosa de
alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou
contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de
reparar)”.91
A responsabilidade civil, por sua vez, consiste “na obrigação em que o sujeito
ativo pode exigir o pagamento de indenização do passivo por ter sofrido prejuízo imputado a
este último”. Configura “[...] o vínculo obrigacional em decorrência de ato ilícito do devedor
ou de fato jurídico que o envolva. Classifica-se como obrigação não negocial”.92
87
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: RT,
2004, p. 427. v. 2.
88
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade
civil. 10 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 43-44.
89
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. revista, atualizada e
ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 114.
90
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.19 -20. v. 4.
91
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade
civil. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p 53.
92
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil .4 ed.São Paulo: Saraiva, 2010. p. 268.
30
Logo, percebe-se “[...] que o instituto da responsabilidade civil é parte integrante
do direito obrigacional, posto que consiste na obrigação que tem o autor de um ato ilícito de
indenizar a vítima pelos prejuízos a ela causados”.93
Em últimas linhas, segue conceito de responsabilidade civil apresentado por
Alvaro Villaça de Azevedo:
Com base nessas considerações poder-se-á definir a responsabilidade civil como a
aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial
causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele
responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, em sua estrutura, a ideia da
culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do
risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva). 94
Com isso, observa-se que a responsabilidade civil surge em razão do
descumprimento de uma obrigação, contratual ou extracontratual, pelo agente causador do
dano que fica obrigado a reparar o mal experimentado pela vítima.
Em seguida, passa-se à análise dos pressupostos inerentes à responsabilidade civil.
3.2 PRESSUPOSTOS
Mostra-se indispensável, para a configuração da obrigação de indenizar, a
comprovação de alguns requisitos inerentes ao instituto da responsabilidade civil, consoante
disposição dos artigos 186 e 927 do Código Civil, in verbis: “Art. 186. Aquele que, por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.95 “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito
(arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Da leitura dos dispositivos acima mencionados, vislumbram-se os seguintes
requisitos: a) conduta (ação ou omissão); b) dano; c) nexo de causalidade e, em alguns casos,
d) a culpa.
Desse modo, a seguir, adentra-se na análise individual de cada um desses
pressupostos, a começar pela conduta humana.
93
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p.17.
94
AZEVEDO, Alvaro Villaça. Responsabilidade civil-I, in Enciclopédia Saraiva do Direito,v. 65, p.336. In:
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p.50
95
BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 24 set. 2013.
31
3.2.1 Ação ou Omissão
O comportamento humano, positivo ou negativo, ou seja, por ação ou omissão,
encontra-se intimamente relacionado ao dever de indenizar.96
Nesse sentido, a conduta é o ato humano, omissivo ou comissivo, lícito ou ilícito,
“[...] voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou fato de
animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos
do lesado”.97
Contudo, cumpre asseverar que, na responsabilidade civil, a conduta do homem só
apresenta relevância no campo jurídico quando a ação ou a omissão mostra-se voluntária.98
Acerca do núcleo do pressuposto conduta, a voluntariedade, anota-se a doutrina
de Carlos Roberto Gonçalves:
A exigência de um fato “voluntário” na base do dano exclui do âmbito
responsabilidade civil os danos causados por forças da natureza, bem como
praticados em estado de inconsciência, mas não os praticados por uma criança
demente. Essencial é que a ação ou omissão seja, em abstrato, controlável
dominável pela vontade do homem.99
da
os
ou
ou
Repisa-se que “somente se reputará como elemento do ato ilícito a conduta que
contraria o ordenamento jurídico, proporcionando dano patrimonial ou extrapatrimonial em
desfavor da vítima”.100
A conduta do agente, para configuração da responsabilidade civil, pode ser
omissiva ou comissiva. A comissão configura-se pela “[...] prática de um ato que não se
deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato
que deveria realizar-se”.101
Entretanto, “só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever jurídico
de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do
resultado”. Isso porque, caso contrário, “[...] toda e qualquer omissão seria relevante e,
96
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p.31.
97
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p.56.
98
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. revista, atualizada e
ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 129.
99
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.v 4. p.58.
100
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil.3 ed. São Paulo:
RT, 2004, p. 427. v. 2.
101
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p.56. v. 7.
32
consequentemente, todos teriam contas a prestar à Justiça”.102
Diante disso, percebe-se que a conduta traduz-se no comportamento humano
voluntário, omissivo ou comissivo, que, violando o ordenamento jurídico vigente, importa em
dano a outrem.
A seguir, passa-se ao estudo do dano.
3.2.2 Dano
O pressuposto denominado dano, do latim damnum, também é indispensável para
a configuração do instituto da responsabilidade civil e diz respeito ao prejuízo causado à
vítima.103
Segundo Maria Helena Diniz, “o dano é um dos pressupostos da responsabilidade
civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a
existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar”.104
Assim, “[...] seja qual for a espécie de responsabilidade sob exame (contratual ou
extracontratual, objetiva ou subjetiva), o dano é requisito indispensável para sua configuração,
qual seja, sua pedra de toque105”.106
Nesse passo, ressalta-se que o dano indenizável “pode ser individual ou coletivo,
moral ou material, ou melhor, econômico e não econômico”.107
Quanto ao dano individual, trata-se daquele prejuízo que atinge a uma pessoa
determinada. Por outro lado, no dano coletivo, verifica-se a afetação de um grupo de pessoas,
determinadas ou não, é o caso dos danos difusos, coletivos e individuais homogêneos108.109
102
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 2.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil.3 ed. São Paulo:
RT, 2004, p. 495. v. 2.
104
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 25 ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p.77. v. 7.
105
Trata-se de expressão cunhada por Celso Antônio Bandeira de Mello para elucidar a importância de
determinados institutos jurídicos. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28.
Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010).
106
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade
civil. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81
107
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 37. v. 4.
108
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou
direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de
que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem
comum. (In: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá
103
33
Ademais, o dano é classifica em material (patrimonial ou econômico) ou moral
(extrapatrimonial ou não econômico). 110
O denominado “dano patrimonial é o prejuízo causado aos bens que compõe o
patrimônio da vítima”.111
Maria Helena Diniz afirma que para se conceituar o dano material é preciso
evidenciar, inicialmente, o conceito de patrimônio. Segundo a autora, “o patrimônio é uma
universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens de uma pessoa, sendo, portanto, um
dos atributos da personalidade e como tal intangível”.112
Assinala-se, também, “[...] que o dano material pode atingir não somente o
patrimônio presente da vítima, como, também, o futuro; pode não somente provocar a sua
diminuição, a sua redução, mas também impedir o seu crescimento, o seu aumento”. Por esse
motivo, “[...] o dano material se subdivide em dano emergente e lucro cessante”.113
Nesse contexto, “o dano emergente, aquele que mais se realça à primeira vista, o
chamado dano positivo, traduz uma diminuição de patrimônio, uma perda por parte da vítima:
aquilo que efetivamente perdeu”.114
O lucro cessante, por seu turno, refere-se aquilo que a vítima deixou de ganhar.
“Trata-se de uma projeção contábil nem sempre muito fácil de ser avaliada. Nessa hipótese,
deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano”.115
Por fim, tem-se o dano moral, previsto art. 5º, inciso X, da Constituição da
República Federativa Brasileira de 1988, também chamado de extrapatrimonial ou não
econômico, que, em sentido amplo, “[...] é o prejuízo causado a algum direito personalíssimo
da vítima”.116
Existem, portanto, prejuízos “[...] cujo conteúdo não é dinheiro, nem uma coisa
comercialmente redutível a dinheiro, mas a lesão a um direito da personalidade”,
considerando que não são passíveis de avaliação “[...] a dor, a emoção, a afronta, a aflição
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 24 set.
2013. [sem grifo no original].
109
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade
civil. 10 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81
110
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 477.
111
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil.3 ed. São Paulo:
RT, 2004, p. 496. v. 4.
112
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 25 ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p.84. v.7.
113
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 78.
114
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 42. v.4.
115
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.42. v. 4.
116
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil.3 ed. São Paulo:
RT, 2004, p. 499. v. 2.
34
física ou moral, ou melhor, a sensação dolorosa experimentada pela pessoa”. 117
Nas hipóteses do dano moral, por óbvio, não há reparação, mas sim compensação
que, “em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada judicialmente,
com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido,
atenuando, em parte, as consequências da lesão”.118
Com base nas citações acima, percebe-se que dano é prejuízo e, ainda, que este
pode ser coletivo ou individual, moral ou patrimonial, sendo que, nos casos de danos
relacionados à personalidade da vítima, tem-se compensação e não reparação.
Após, adentra-se no estudo do nexo causal.
3.2.3 Nexo de Causalidade
Pelo pressuposto designado nexo de causalidade, “[...] faz-se necessária a
existência de uma relação de causa e efeito entre a conduta praticada pelo agente e o dano
suportado pela vítima”. Nesse caso, “vale como princípio a assertiva de que ninguém pode ser
responsabilizado por dano a que não tenha dado causa”.119
Segundo Sílvio de Salvo Venosa, a definição de relação de causalidade, nexo
causal ou nexo etimológico é proveniente das leis naturais. Trata-se do “[...] liame que une a
conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi
o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável”.120
Portanto, o liame “[...] entre o prejuízo e a ação designa-se ‘nexo causal’, de modo
que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência
previsível”. Tal pressuposto “representa, portanto, uma relação necessária entre o evento
danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa”.121
No que se refere à determinação do nexo de causalidade, denota-se a existência de
duas questões contrapostas, quais sejam: a dificuldade de sua comprovação e, ainda, a “[...]
identificação do fato que constitui a verdadeira causa do dano, máxime quando ocorra a
‘causalidade múltipla’, pois nem sempre se tem condições de apontar qual a causa direta do
117
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 25 ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p.78. v. 7.
118
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade
civil. 10 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123.(Grifo no original)
119
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p.87.
120
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil.12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.53.
121
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 129. v. 7.
35
fato, sua causa eficiente”.122
Nesse sentido, Rogério Marrone de Castro Sampaio leciona:
Na prática, contudo, esbarra-se na dificuldade de se identificar o necessário liame de
causalidade que permita atribuir a determinado resultado ao comportamento de uma
pessoa, principalmente diante da presença de vários comportamentos, que, de
alguma forma, contribuíram para o resultado. São as chamadas concausas, que
podem ser sucessivas ou simultâneas.123
Entretanto, ressalta-se que, em razão do tema específico proposto para o presente
trabalho, deixa-se de abordar todas as concausas relacionadas pela doutrina especializada
sobre o tema.124
Por conseguinte, na prática, independentemente da teoria aplicada, compete ao
juiz, “[...] na análise do caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las como conjunto e
estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um
nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado”.125
O nexo de causalidade, portanto, é o elo que une a conduta do agente ao dano
experimentado pela vítima, existindo relevante dificuldade na sua comprovação em Juízo para
configuração do instituto da responsabilidade civil.
Passa-se, em seguida, ao estudo da culpa.
3.2.4 Culpa
O pressuposto culpa, na forma como será estudado nos tópicos posteriores deste
trabalho de conclusão de curso, não configura elemento obrigatório em todas as hipóteses
para caracterização do dever de indenizar, tendo em vista a doutrina atual que sustenta a teoria
da responsabilidade sem culpa, ou seja, pautada na teoria do risco.
122
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. revista, atualizada e
ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 151.
123
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p.87.
124
Além das concausas, registra-se também a chamada “teoria da relativização do nexo de causalidade” ou
“nexo causal em abstrato”, assim como segue: “entretanto, a teoria da perda de uma chance, admite a
relativização deste conceito, permitindo a existência da responsabilidade civil mesmo quando não existente o
nexo causal da forma prevista na legislação extravagante, ou melhor, no Código Civil Brasileiro. Isto é, esta
nova teoria RELATIVIZA o ideal do nexo de causalidade adotado pelo diploma supracitado”. (In: LOPES,
Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2007. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance>. Acesso
em: 24 set. 2013
125
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. revista, atualizada e
ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 152.
36
Dessarte, “a culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico,
imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligencia ou
cautela”, engloba “[...] o dolo que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em
sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer
deliberação de violar um dever”.126
Segundo Sergio Cavalieri Filho, tanto na culpa como no dolo, existe “[...] conduta
voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade
se dirige à concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange a conduta e o efeito
lesivo dele resultante –“, por outro lado, no segundo caso, “[...] a conduta nasce lícita,
tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente adequados”.127
Quanto à conceituação de negligência, imprudência e imperícia, retira-se da
doutrina:
A imprudência é falta de cautela ou conduta por conduta comissiva, positiva, por
ação. Age com imprudência o motorista que dirige em excesso de velocidade, ou
que avança o sinal. Negligência é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva.
Haverá negligência se o veículo não estiver em condições de trafegar, por
deficiência de freios, pneus etc. O médico que não toma os cuidados devidos ao
fazer uma cirurgia, ensejando a infecção do paciente, ou que lhe esquece uma pinça
no abdômen, é negligente. A imperícia, por sua vez, decorre de falta de habilidade
mo exercício de atividade técnica, caso em que se exige, de regra, maior cuidado ou
cautela do agente. Haverá imperícia do motorista que provoca acidente por falta de
habilitação. O erro grosseiro também exemplifica a imperícia.128
O pressuposto culpa, em sentido geral, de acordo com a doutrina, é composto dos
seguintes requisitos: “a) voluntariedade do comportamento do agente – ou seja, a atuação do
sujeito causador do dano deve ser voluntária, para que se possa reconhecer a culpabilidade”;
pela “b) previsibilidade – só se pode apontar culpa se o prejuízo causado, vedado pelo direito ,
era previsível”; e, ainda, “c) violação de um dever de cuidado – a culpa implica a violação de
um dever de cuidado”.129
No que tange aos graus, verifica-se que a culpa é classificada em grave, leve ou
levíssima, sendo “[...] grave quando, dolosamente, houver negligencia extrema do agente, não
prevendo aquilo que é previsível ao comum dos homens”. A leve, por sua vez, “[...] ocorrerá
quando a lesão de direito puder ser evitada com atenção ordinária, ou adoção de diligências
126
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. 26 ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 58.
127
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 32.
128
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 38.
129
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade
civil. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 175.
37
próprias de um bônus pater famílias”. Por fim, “será levíssima, se a falta for evitável por uma
atenção extraordinária, ou especial habilidade e conhecimento singular”.130
A culpa, portanto, engloba o dolo, pouco importando a intenção do agente quanto
à prática do ato lesivo. Ademais, em sentido estrito, divide-se em imprudência, negligência e
imperícia e, quanto aos graus, em grave, leve e levíssima.
Após, segue-se com a apresentação da classificação da responsabilidade.
3.3 CLASSIFICAÇÃO
Classificando-se o instituto da responsabilidade, tem-se a responsabilidade penal e
a civil. Já no campo da responsabilidade civil, verifica-se a presença da responsabilidade
contratual e extracontratual e da objetiva e subjetiva.
No que tange à responsabilidade civil e a criminal, importante salientar que se
originam “de um fato juridicamente qualificado como ato ilícito ou, em outras palavras, como
não desejado pelo Direito, pois praticado em ofensa à ordem jurídica”.131
Ao se tratar da responsabilidade penal, “o agente infringe uma norma de direito
público. O interesse lesado é o da sociedade”. Já no que diz respeito à responsabilidade civil,
“o interesse diretamente lesado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou a não a
reparação”.132
Ainda nesse sentido, frisa-se que “a responsabilidade penal é pessoal,
intransferível, respondendo o réu com a privação de sua liberdade”, em contrapartida, “a
responsabilidade civil é patrimonial: é o patrimônio do devedor que responde por suas
obrigações”.133
Ressalta-se, porém, que um fato pode ensejar as duas responsabilizações, não
havendo bis in idem em tal circunstância, justamente pelo sentido de cada uma delas e das
repercussões da violação do bem jurídico tutelado.134
Nessa linha, afirma Caio Mário da Silva Pereira:
Nesta análise cabe toda espécie de ilícito, seja cível, seja criminal. Não se aponta,
130
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 60. v. 7.
131
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, responsabilidade
civil. 10 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 50. (Grifo do autor).
132
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 42.
133
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 44.
134
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade
civil.10 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 49. v. III.
38
em verdade, uma diferença ontológica entre um e outro. Há em ambos o mesmo
fundamento ético: a infração de um dever preexistente e a imputação do resultado a
consciência do agente. Assinala-se, porém, uma diversificação que se reflete no
tratamento deste, quer em função da natureza do bem jurídico ofendido, quer em
razão dos efeitos do ato. Para o direito penal, o delito é um fato de desequilíbrio
social, que justifica a repressão como meio de reestabelecimento; para o direito civil
o ilícito é um atentado contra o interesse privado de outrem, e a reparação do dano
sofrido é a forma indireta de restauração do equilíbrio rompido.135
No que se refere às esferas da responsabilidade civil, há a necessidade também de
distinguir-se a contratual da extracontratual.136
Com a existência de um vínculo obrigacional, “o dever de indenizar é
consequência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamado de
ilícito contratual ou relativo”; no caso do dever surgir em decorrência de dano a direito
subjetivo, “sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o
possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou
absoluto”.137
Assim, quando o dever de indenizar um dano é proveniente do não cumprimento
de uma obrigação prevista contratualmente, a responsabilidade é tida como contratual,
diferindo-se dessa forma da extracontratual, em que “o dever de indenizar os danos causados
decorre da prática de um ato ilícito propriamente dito (ilícito extracontratual), que se
consubstancia em uma conduta humana positiva ou negativa violadora de um dever de
cuidado (culpa em sentido lato)”.138
Ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona:
Com efeito, para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se mister que a
vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para
o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de
um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao
passo que, na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja,
a obrigação de não causar dano a ninguém. 139
Tratando-se ainda da responsabilidade contratual, o credor obriga-se a provar que
a prestação não foi honrada. O devedor somente não será responsabilizado a reparar o
135
PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 192, vI, p 452453.
136
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 23.
137
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 16.
138
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 24.
139
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade
civil. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 62. v. III.
39
prejuízo se demonstrar “a ocorrência de alguma das excludentes admitidas na lei: culpa
exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Incumbe-lhe, pois, o ônus probandi”.140
Na situação da responsabilidade aquiliana, “a situação do credor (vítima), em
termos processuais, é desfavorável em relação ao credor na responsabilidade contratual.” Na
responsabilidade civil, se aquiliana, cabe a quem sofreu o dano demonstrar os pressupostos
concernentes da responsabilidade civil, para que veja reconhecido o seu direito a reparação
pelos prejuízos sofridos, ou seja, “além do dano e do nexo de causalidade – pressupostos que
também devem ser provados pelo credor na responsabilidade contratual –, também deve
demonstrar o comportamento culposo do agente”.141
Em sede de última definição, mas também essencial e importante ao instituto da
responsabilidade civil, faz-se a distinção da responsabilidade civil objetiva da subjetiva, visto
que a responsabilidade objetiva veio com a evolução da sociedade, “voltada a possibilitar
àquele que, prejudicado em razão de determinado comportamento humano, possa ver seu
dano reparado, reestabelecendo uma situação de equilíbrio”.142
A teoria civilista afirma que um dos fundamentais elementos que caracterizam a
obrigação do ressarcimento baseia-se “em um fator de natureza subjetiva (subjectus), ou seja,
a culpa do sujeito que, ao agir intencionalmente (dolo) ou sem observar as cautelas devidas
(culpa em sentido restrito, isto é, imprudência, imperícia ou negligência), provoca o evento
danoso”.143
A responsabilidade está intimamente ligada à ideia de culpa, por essa razão que
“ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de
cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto
da responsabilidade civil subjetiva”.144
Porém, existem situações em que a caracterização da culpa não se faz necessária,
“nesses casos estaremos diante do se convencionou chamar de ‘responsabilidade civil
objetiva’”. Nessa subdivisão da responsabilidade a culpa ou o dolo, “na conduta do agente
causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a
existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja
140
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 46.
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 25.
142
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 26.
143
BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo positivo. 1 ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2008. p 70.
144
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 17.
141
40
o dever de indenizar”.145
É, portanto, a responsabilidade objetiva, “exceção, sendo admitida somente nos
casos contemplados em leis específicas e sob o aspecto enfocado pelo Código Civil, enquanto
a subjetiva é a regra geral”.146
No que concerne à responsabilidade subsidiária e a solidária, cabe destacar,
primeiramente, determinadas considerações sobre as diferenças entre a responsabilidade civil
e a obrigação.
A responsabilidade é a permissão, dada pela lei, para que o credor que não tiver
satisfeito seu crédito, busque o devedor a fim de que esse responda com seus bens, para que
cumpra com a prestação pactuada; Já a obrigação é dever, do sujeito passivo, de satisfazer
uma prestação acordada com o credor.147
Por essa razão, importante é o estudo da obrigação subsidiária e solidária, tendo
em vista que, pelo não cumprimento da obrigação, a causa normal será a responsabilização
civil do agente que pelo descumprimento do acordado gerou um prejuízo a vítima.
Ao que diz respeito, especificamente, à responsabilidade civil, a solidariedade está
prevista nos arts. 932 e 942 do Código Civil Brasileiro:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua
companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas
condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por
dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e
educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a
concorrente quantia.
[...]
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos
responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as
148
pessoas designadas no art. 932.
145
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade
civil. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 58. v. III.
146
ROSSI, Júlio César; ROSSI, Maria Paula Cassone. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas,
2007.p. 28.
147
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil.: obrigações. 13. ed.
ver, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 50. v. 2.
148
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 out. 2013.
41
Já no que se trata da responsabilidade subsidiária, não há referência no Código
Civil Brasileiro de 1916, muito menos no de 2002, porém é possível encontrar previsões do
assunto na doutrina e jurisprudência. Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho,
essa modalidade de responsabilidade é “uma forma especial de solidariedade, com benefício
ou preferência de excussão de bens de um dos obrigados [...]”.149
Dessa forma, na responsabilidade solidária existem vários devedores, cada um
obrigado pela dívida em sua totalidade. Já na responsabilidade subsidiária, uma pessoa
obriga-se pelo débito originariamente; e, a outra, apenas com a responsabilidade pela dívida
contraída pelo primeiro. Nessa última situação, será acionado primeiramente o devedor, e
somente se este não for possuidor de bens, ou se não forem bastantes, é que será direcionada a
execução para aquele que assumiu a responsabilidade de forma subsidiária, enquanto na
responsabilidade solidária poderá o credor ter o benefício da escolha, apontar quem irá
cobrar.150
Nesse contexto, depois do estudo acerca das classificações da responsabilidade
civil, passa-se à abordagem da denominada responsabilidade civil do Estado.
3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A responsabilidade civil do Estado versa sobre a “obrigação a este imposta de
reparar danos causados a terceiros em decorrência de suas atividades ou omissões – por
exemplo: atropelamento por veículo oficial, queda em buraco na rua, morte em prisão”.151
Define-se a responsabilidade civil do Estado “como sendo a obrigação legal, que
lhe é imposta, de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades”.152
Enfim, conforme Maria Silvia Zanella Di Pietro, pode-se afirmar que a
responsabilidade do Estado “corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros
em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos
ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.153
149
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. 13. ed.
ver, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 117-118. v. 2.
150
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. 13. ed.
ver, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 119. v. 2.
151
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2012, p. 401.
152
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.
14.
153
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698.
42
Importante anotar que, de forma adversa ao que propõe o direito privado, em que
a responsabilidade decorre sempre de um ato ilícito (contrário a legislação), “no direito
administrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a
pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade”.154
Leciona, nesse sentido, Marçal Justen Filho:
A responsabilidade jurídica do Estado traduz uma característica da democracia
republicana. A responsabilidade do Estado deriva da supremacia da sociedade e a
natureza instrumental do aparato estatal. O Estado é responsável na acepção de que
está obrigado perante a sociedade e os órgãos de controle a arcar com as
conseqüências de suas ações e omissões e de adotar todas as providências destinadas
a corrigir as imperfeições verificadas. 155
A despeito dos conceitos acima esposados, denota-se que a responsabilização do
Estado passou por um lento processo de evolução, inclusive, com o surgimento de diferentes
teorias explicativas, na forma como será demonstrado a partir do presente momento.
Após longo período de desenvolvimento, a responsabilidade civil do Estado, “até
hoje ganha elementos de adaptação ao desenvolvimento social, conciliando com a proteção
sempre necessária ao administrado”.156
No que se trata da citada evolução e as teorias que ela abrange, leciona Maria
Sylvia Zanella Di Pietro:
O tema da responsabilidade civil do Estado tem recebido tratamento diverso no
tempo e no espaço; inúmeras teorias têm sido elaboradas, inexistindo dentro de um
mesmo direito uniformidade de regime jurídico que abranja todas as hipóteses. Em
alguns sistemas, como o anglo-saxão, prevalecem os princípios de direito privado;
em outros, como o europeu continental, adota-se o regime publicístico. A regra
adotada, por muito tempo, foi a da irresponsabilidade; caminhou-se, depois, para a
responsabilidade subjetiva, vinculada à culpa, ainda hoje aceita em várias hipóteses;
evoluiu-se, posteriormente, para a teoria da responsabilidade objetiva, aplicável, no
entanto, diante de requisitos variáveis de um sistema para outro , de acordo com
normas impostas pelo direito positivo.157
Sobre o presente tema, podem ser compreendidas as seguintes teorias: “teoria da
irresponsabilidade; teorias civilistas: teoria dos atos de gestão e de império e teoria da
responsabilidade subjetiva ou culpa civil” e “teorias publicistas: teoria da culpa administrativa
154
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 697.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1072.
156
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 6 ed. Niterói: Impetus, 2012. p. 963.
157
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698.
155
43
ou culpa do serviço público e teoria do risco integral ou administrativo ou teoria da
responsabilidade objetiva”.158
É pertinente informar que existem muitas discussões entre as terminologias
utilizadas pelos autores, o que dificulta a colocação do assunto; ao que uns chamam de culpa
administrativa e o acidente administrativo, outros chamam de culpa civil; alguns subdividem a
teoria do risco em duas modalidades, risco administrativo e risco integral.159
Passam-se, assim, as delimitações que abrangem a evolução da responsabilidade
civil do Estado em si, no mundo, e também no Brasil, que é o foco principal do presente
estudo monográfico.
A teoria da irresponsabilidade do Estado foi o que prevaleceu durante muito
tempo. Inúmeras eram as justificativas para tal isenção, entre elas: “o monarca ou o Estado
não erram; o Estado atua para atender ao interesse de todos e não pode ser responsabilizado
por isso; a soberania no Estado, poder incontrastável, impede seja reconhecida sua
responsabilidade perante um indivíduo”.160
Adotada na época dos Estados absolutos, a teoria da irresponsabilidade era
baseada na idéia de soberania: a autoridade do Estado é indiscutível perante o súdito; ele
desempenha a tutela do direito, “não podendo, por isso agir contra ele; daí os princípios de
que o rei não pode errar (the king can do no wrong; Le roi ne peut mal faire) e o de que
“aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem)”.
Seria, então, um desrespeito a soberania atribuir responsabilidade ao Estado, colocando-o,
assim, no mesmo nível em que o súdito se encontra, considerado, desse modo, uma ofensa
para a época.161
É, como já dito, própria dos regimes absolutistas, a teoria da não
responsabilização do Estado. É baseada na ideia de que o rei, portanto o Estado, não erra, e
não lesa seus súditos de forma alguma. Nos dias atuais, contudo, tem apenas importância
histórica.162
A partir do século XIX, por conseguinte, foi a tese da irresponsabilidade superada.
Entretanto, “ao admitir-se, inicialmente, a responsabilidade do Estado, adotavam-se os
158
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698.
160
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 16 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.
401.
161
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698.
162
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5 ed.
Rio de Janeiro: Método, 2012. p. 286.
159
44
princípios do Direito Civil, apoiados na idéia de culpa; daí falar-se em teoria civilista da
culpa”.163
Como também afirma Diógenes Gasparini, “a teoria da irresponsabilidade
patrimonial do Estado está inteiramente superada. As últimas nações a sufragar a doutrina da
responsabilidade foram os Estados Unidos da América, em 1946, e a Inglaterra, em 1947”.164
Sobre esse início de evolução, pondera Fernanda Marinela:
A responsabilidade civil começa a ganhar força, e o Estado, que agia
irresponsavelmente diante de seus atos, passa a ser responsável em questões
pontuais. No Brasil, o reconhecimento dessa responsabilidade ocorreu com o
surgimento do Tribunal de Conflitos, em 1873, entretanto ela não era nem geral nem
absoluta, disciplinando-se por regras específicas. E mais uma vez a responsabilidade
evoluiu passando a se basear na teoria subjetiva, prevista no código civil de 1917,
em seu art. 15. [...] A responsabilidade subjetiva fundamenta-se no elemento
subjetivo, na intenção do agente. Para sua caracterização, depende-se da
comprovação de quatro elementos: a conduta estatal; o dano, condição indispensável
para que a indenização não gere enriquecimento ilícito; o nexo de causalidade entre
a conduta e o dano; e o elemento subjetivo, a culpa ou dolo do agente. Esses
elementos são indispensáveis e devem ser considerados de forma cumulativa,
gerando a ausência de qualquer um deles a exclusão da responsabilidade. 165
Se atualmente os administrativistas insistem em desmerecer a teoria civilista da
responsabilidade civil do Estado, propondo levar o instituto para o âmbito do direito público,
“não podem eles, contudo, negar os elevados méritos da concepção civilística da
responsabilidade estatal, no que terá sido esta a grande contestadora inicial do princípio da
irresponsabilidade absoluta”; além do que, “alguns dos seus enunciados merecem ser melhor
meditados, ante a evidência de que a teoria da responsabilidade civil do Estado continua ainda
jungida a certos parâmetros do direito privado”. 166
Ressalta-se que, num primeiro momento, eram diferenciados, para fins de
responsabilidade, os atos de gestão e os atos de império. Os primeiros “seriam praticados pela
Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e
desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços”; como não
diferenciava a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum.
Os segundos seriam os praticados pela Administração com todos os privilégios e
prerrogativas “de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular
163
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 698.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1126.
165
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 6 ed. Niterói: Impetus, 2012. p. 963.
166
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.
21.
164
45
independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante
do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes”.167
A teoria civilista, portanto, “preconizada pela teoria da responsabilidade
patrimonial com culpa, embora representasse um progresso em relação à teoria da
irresponsabilidade patrimonial do Estado, não satisfazia os interesses de justiça”.
Verdadeiramente, “exigia muito dos administrados, pois o lesado tinha de demonstrar, além
do dano, que ele fora causado pelo Estado e a atuação culposa ou dolosa do agente estatal”.168
Já a teoria da culpa administrativa, chamada também por determinados
doutrinadores de acidente administrativo, ou culpa do serviço, tem como intuito distinguir a
ideia de culpa do agente da responsabilidade do Estado, motivo por que se passou a falar de
culpa do serviço público.169 Abarca-se, então, que o representante é parte integrante da
Administração Pública e não mais um preposto estatal. Dessa forma, quando este viesse a
provocar um dano a outrem, agiria em nome da Administração, tendo em vista que é mero
instrumento que se vale o Estado para prestar o serviço.170
Desse modo, a obrigação de indenizar decorria da culpa do serviço, ou faute du
service, segundo os franceses, que ocorria “sempre que o serviço não funcionava (não existia,
devendo existir), funcionava mal (devendo funcionar bem) ou funcionava atrasado (devendo
funcionar em tempo)”.171
Percebe-se que a noção civilista da culpa ficou em desuso, “passando-se a falar
em culpa do serviço ou falta de serviço (faute du service, entre os franceses), que ocorre
quando o serviço não funciona, funciona mal, ou funciona atrasado”. Ou seja, “o dever de
indenizar do Estado decorre da falta do serviço, não já da falta do servidor”. Será suficiente o
mau funcionamento ou a falha do serviço público “para configurar a responsabilidade do
Estado pelos danos daí decorrentes aos administrados. Idealizada por Paul Duez, a
responsabilidade fundada na faute du service foi primeiramente acolhida pelo Conselho de
Estado Francês”.172
Diferenciava-se de um lado, a culpa individual do funcionário, “pela qual ele
mesmo respondia, e, de outro, a culpa anônima do serviço público; nesse caso, o funcionário
167
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 700.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1126.
169
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2008. p. 610.
170
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Ricardo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil.
9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 188. v. III.
171
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 17. ed. atualizada por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva,
2012. p. 1127.
172
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 255.
168
46
não é identificável e se considera que o serviço funcionou mal; incide então, a
responsabilidade do Estado”.173
Nessa situação, apesar de facilitar o conjunto probatório, tendo a vítima maior
proteção, há muita dificuldade, em comprovar “que o serviço foi prestado abaixo dos padrões.
Para resolver esse obstáculo, o ordenamento reconhece, em algumas circunstâncias, a dita
culpa presumida, hipótese em que a vítima fica desobrigada de prová-la”.174
Aborda-se a culpa anônima, ou culpa administrativa, para aclarar “que não há
individualização de um agente que tenha atuado culposamente”. É levado em consideração o
serviço público que deve ser oferecido pelo Estado, “bastando, para caracterizar a
responsabilidade, uma culpa geral pela ausência de prestação do serviço, ou pela sua
prestação deficiente”.175
Dessa forma, não é forçoso repisar “que as divergências são mais terminológicas,
quanto à maneira de designar as teorias, do que de fundo”. É entendimento geral “[...] que se
trata de responsabilidade objetiva, que implica averiguar se o dano teve como causa o
funcionamento de um serviço público, sem interessar se foi regular ou não”. Concordam
todos, também, “que algumas circunstâncias excluem ou diminuem a responsabilidade do
Estado”.176
A responsabilidade civil por culpa administrativa é relevante ainda hoje. No
Brasil, “é a modalidade de responsabilidade civil a que, em regra, está sujeito o Estado nos
casos de danos decorrentes de omissão, ou seja, de dano ocasionado pela não prestação ou
prestação deficiente de um serviço publico”.177
Em constante evolução, extrai-se que “na última fase dessa evolução proclamouse a responsabilidade objetiva do Estado, isto é, independentemente de qualquer falta ou culpa
do serviço, desenvolvida no terreno próprio do Direito Público”. Foi atingida essa posição
com fundamento nos princípios da igualdade de ônus e encargos sociais e da equidade. A
atividade administrativa do Estado, se é exercida em favor da coletividade, trazendo
melhoramentos para todos, “justo é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a serem
custeados pelos impostos”. O que não é cabível, tão pouco possui amparo legal, “é fazer com
173
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 701.
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 6 ed. Niterói: Impetus, 2012. p. 964.
175
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5 ed. Rio
de Janeiro: Método, 2012. p. 286.
176
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 702.
177
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 5 ed. Rio
de Janeiro: Método, 2012. p. 286.
174
47
que um ou apenas alguns administrados sofram todas as conseqüencias danosas da atividade
administrativa”.178
Nessa fase, mais atual, “formulou-se a teoria do risco, segundo a qual, ante as
inúmeras e variadas atividades da Administração, existe a probabilidade de danos serem
causados a particulares”. Ainda que a Administração desempenhe seus atos “para atender ao
interesse de toda a população, é possível que alguns integrantes da população sofram danos
por condutas ativas ou omissivas dos seus agentes”. Nessa linha, se a maioria se beneficia
“das atividades administrativas, todos devem compartilhar do ressarcimento dos danos
causados a alguns. Daí se atribuir ao Estado o encargo de ressarcir os danos que seus agentes,
nessa qualidade, por ação ou omissão, causarem a terceiros”.179
Sérgio Cavalieri Filho faz uma distinção entre as teorias do risco administrativo e
integral, afirmando que elas não se confundem:
Convém registrar que a teoria do risco administrativo não se confunde com a do
risco integral, muito embora alguns autores neguem a existência de qualquer
distinção entre elas, chegando, mesmo, a sustentar que tudo não passa de uma
questão semântica. [...] A realidade, entretanto, é que a distinção se faz necessária
para que o Estado não venha a ser responsabilizado naqueles casos em que o dano
não decorra direta ou indiretamente da atividade administrativa. Com efeito, a teoria
do risco administrativo, embora dispense a prova da Administração, permite ao
Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal – fato
exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco
administrativo, repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos da sua atividade
administrativa, e não pela atividade de terceiros ou da própria vítima, e nem, ainda,
por fenômenos da natureza, estranhos à sua atividade. Não significa portanto, que a
Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo
particular. Se o Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste
relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá lugar a
aplicação da teoria do risco administrativo e, por via de conseqüência, o Poder
Público não poderá ser responsabilizado.180
Contrariamente a teoria da culpa do serviço, a teoria do risco administrativo
defende que a obrigação do Estado de indenizar o prejuízo deriva somente do ato lesivo
causado por ele, não sendo exigida culpa do serviço nem culpa do agente público.181
Nessa linha, não significa que o Estado deverá “indenizar sempre e em qualquer
caso o dano suportado pelo particular”, mas que para a vítima não há necessidade de que seja
provada a culpa da Administração, e este, por sua vez, pode evidenciar a culpa parcial ou total
178
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 256.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 16 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.
402.
180
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 257.
181
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 17. ed. atualizada por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva,
2012. p. 1128.
179
48
do lesado pelo prejuízo, isentando a Fazenda Pública, de forma total ou parcial, de
recompensar o particular.182
A teoria do risco integral alude em reconhecer a responsabilidade civil do Estado
em qualquer circunstância, desde que se façam presentes o dano, a conduta, e o nexo causal,
desconhecendo qualquer excludente de responsabilidade. Dessa forma, admite a
Administração a responsabilidade por todo o risco de dano que possa ser oriundo de sua
atuação estatal.183
Se fosse aceita a teoria do risco integral concernente à Administração Pública,
ficaria o Estado forçado a ressarcir sempre e em qualquer situação o prejuízo sofrido pelo
particular, “ainda que não decorrente da sua atividade, posto que estaria impedido de invocar
as causas de exclusão do nexo causal, o que, a toda evidência, conduziria ao abuso e a
iniqüidade”.184
No que tange à legislação atual acerca do tema, percebe-se que a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 trouxe a responsabilidade civil do Estado no art. 37,
§6º, que tem como redação:
As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadores de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo e culpa.185
Concluindo, existirá a responsabilidade do Estado “sempre que se possa
identificar um laço de implicação recíproca entre a atuação administrativa (ato do seu agente),
ainda que fora do estrito exercício da função, e o dano causado a terceiro”.186
Ao que diz respeito à exclusão do nexo de causalidade, ensina Sérgio Cavalieri
Filho:
As causas que excluem o nexo causal (força maior, caso fortuito, fato exclusivo da
vítima e de terceiro) excluirão também a responsabilidade objetiva do Estado, [...].
Não responde o Estado por fenômenos da natureza – chuvas torrenciais,
tempestades, inundações (força maior), porque tais eventos não são causados por sua
atividade; poderá responder pela culpa anônima. Também não responde pelo fato
exclusivo da vítima ou de terceiro, doloso ou culposo, pela mesma razão. Assaltos,
furtos, acidentes na via pública são fatos estranhos à atividade administrativa, em
182
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro.34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
p. 715.
183
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Ricardo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil.
9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 193. v. III.
184
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 258.
185
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 17 out. 2013.
186
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 262.
49
relação aos quais não é aplicável o princípio constitucional que consagra a
responsabilidade objetiva. Quanto ao fortuito interno [...], este não exclui a
responsabilidade porquanto, embora imprevisível, faz parte da sua atividade, liga-se
aos riscos da atuação estatal. Só o fortuito externo exclui a responsabilidade estatal
por se tratar de fato irresistível, estranho à atividade administrativa. 187
As razões que excluem a responsabilidade “devem ser entendidas todas as
circunstâncias que, por atacar um dos elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade
civil, rompendo o nexo causal, terminam por fulminar qualquer pretensão indenizatória”.188
Na responsabilidade civil do Estado há a possibilidade que ela esteja ligada a uma
conduta omissiva ou ativa da Administração, como origem do prejuízo reclamado.189
Existem as discussões que englobam a diferença de tratamento quando se trata de
responsabilidade do Estado por omissão, “da aplicação ou não do art. 37, §6º, da Constituição
às hipóteses de omissão do Poder Público, e a respeito da aplicabilidade, nesse caso, da teoria
da responsabilidade objetiva”. Conforme alguns, a norma é idêntica para a omissão e a
conduta do Poder Público. Entretanto, para outros, “aplica-se em caso de omissão, a teoria da
responsabilidade subjetiva, na modalidade da teoria da culpa do serviço público”. [...] o que as
difere é tão ínfimo que a “discussão perde um pouco o interesse, até porque ambas geram para
o ente público o dever de indenizar”.190
Nesse sentido, expõe Celso Antônio Bandeira de Mello:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço
não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da
responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode,
logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo
caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se
descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.191
Também no entender de Sérgio Cavalieri Filho, o art. 37 §6º, da Constituição da
República Federativa Brasileira de 1988 “não se refere apenas à atividade comissiva do
Estado; pelo contrário, a ação a que alude engloba tanto a conduta comissiva como omissiva.
192
187
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 262.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Ricardo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil.
9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 143. v. III.
189
CAHALI, Iussef Said. Responsabilidade civil do estado. 3. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p.
218.
190
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 617-618.
191
MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2008. p. 996-997.
192
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 239.
188
50
Dessa forma, a consequência “reside em que a responsabilidade civil do Estado,
no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que
caracterizam a culpa”. Tem origem, a culpa, “na espécie, do descumprimento do dever legal,
atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano”. Tem o resultado, portanto,
“que, nas omissões estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita
aplicabilidade, como ocorre nas condutas comissivas”.193
Com base nesses ensinamentos, vislumbra-se que, atualmente, para as condutas
comissivas o Brasil adota a teoria objetiva do risco administrativo, admitindo a incidência das
excludentes do dever de indenizar. Por outro lado, no que tange às condutas omissivas, a
despeito da controvérsia doutrinária, prevalece o entendimento acerca da aplicação da teoria
subjetiva.
No capítulo seguinte, por sua vez, passa-se ao estudo do tema central proposto
para o presente capítulo monográfico, qual seja: “Florianópolis e a Ponte Hercílio Luz: A
Responsabilidade Civil do Estado pelos danos causados aos bens públicos tombados”.
193
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 20 ed. Rio de Janeiro: 2008. p.
531.
51
4 FLORIANÓPOLIS E A PONTE HERCÍLIO LUZ: A RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS PUBLICOS TOMBADOS
De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer
as injustiças, de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da
virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser
honesto.
Rui Barbosa
A Ponte Hercílio Luz, patrimônio histórico catarinense, completou, neste ano de
2013, 87 anos de existência. Entretanto, seu futuro ainda se mostra bastante incerto,
considerando as intermináveis obras de restauração e as constantes ameaças de extenuação.
Desse modo, no derradeiro capítulo desta pesquisa monográfica de conclusão de
curso, discute-se a possibilidade de responsabilização civil do Estado pelos danos causados
aos bens públicos tombados, com ênfase no caso da Ponte Hercílio Luz, de Florianópolis/SC.
4.1 A PONTE HERCÍLIO LUZ
No fim do século XIX e início do século XX, na capital Florianópolis, foram
verificadas diversas transformações sociais e econômicas, a exemplo do crescimento
populacional, que tornaram indispensáveis a criação de uma melhor interação entre o
Continente e a Ilha de Santa Catarina. Nesse contexto, “tomaram-se medidas imediatas para
uma melhor projeção da Capital, integrando-a no contexto catarinense e brasileiro”. Contudo,
percebeu-se que isto só seria possível com a construção de uma ponte.194
Assim, a Ponte Hercílio Luz “foi um fator de suma importância para a vida
econômica, social e política de Florianópolis”. Em momento anterior, a tecnologia de
comunicação – Ilha e continente – era realizada por meio de barcos, “o que tornava difícil,
caro e demorado o intercâmbio comercial, bem como dificultava grandemente a mobilidade
dos habitantes de ambos os lados”.195
O único meio de travessia ilha-continente antes da construção da Ponte Hercílio
Luz era feito “em precárias balsas, onde se precisava disputar lugar com os bois que eram
194
ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 16.
195
ANDRADE. Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 15.
52
trazidos para os abatedouros da Ilha”. Além disso, “muitas vezes o vento fazia com que os
passageiros tivessem que desembarcar a centenas de metros do local planejado”.196
Diversos empecilhos dificultavam a travessia: “o forte vento sul impedia que os
barcos atravessassem onde habitualmente o faziam, pois, próximo ao centro da cidade foi
construído o Trapiche Municipal servindo para o atracamento dos barcos”. Porém, não era
esse o local em que os barcos atracavam em dia de vento sul; era feito para o lado da Baía
Norte, em que hoje é a Avenida Beira Mar; e ainda existia uma praia, que se chamava Praia
de Fora, onde era feito o desembarque de pessoas e dos produtos.197
Além da precariedade do serviço de balsas, outro era o motivo de Hercílio Luz
para decidir construir a ponte, como afirma Maurício Oliveira:
O serviço de balsas, ruim e monopolizado, causava a revolta da população. [...] Mas
não foi a indignação popular que motivou o governador Hercílio Luz a construir a
ponte. No limiar do século 20, os catarinenses se sentiam afastados da capital.
Florianópolis era mesmo uma ilha, em todos os sentidos. A construção de uma
ligação com o resto do Estado começava a ser fundamental para manter o poder
político da cidade – principalmente porque havia um movimento pela troca da
capital para Lages, hipótese que chegou a ser defendida pelo próprio Hercílio Luz. 198
Com isso, percebe-se que a principal motivação para a construção de um
instrumento capaz de ligar ilha e continente foi a necessidade de aproximação do povo
catarinense da capital do Estado.
Para Dalmo Vieira Filho, a Ponte Hercílio Luz constitui um dos mais audaciosos
empreendimentos já executados em Santa Catarina.199
Registra-se, contudo, que, para a sua edificação, foi [...] indispensável estimular a
economia e o sistema tributário estadual. O primeiro contrato, avaliado em US$ 5 milhões,
“incluía um sistema de bondes ligando a ilha ao continente e um ramal de estrada de ferro que
desaguaria no porto da Capital, a ser construído na atual Sambaqui, no norte da Ilha de Santa
Catarina [...]”.200
Assim, decidido pela construção da ponte, “o governador começou a correr atrás
de financiamentos – um processo complicado, que endividou o Estado catarinense”. Não
bastassem os entraves econômicos, “Hercílio Luz teve que enfrentar críticas como a do
196
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 23.
ANDRADE. Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 15.
198
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 24.
199
VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222.
200
VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222.
197
53
engenheiro carioca João do Rego Barros. Para ele, confiar no projeto dos engenheiros norteamericanos Robinson e Steinmann era ‘um desafio ao bom-senso’”.201
Rego Barros levantava informações assustadoras. Florianópolis teria uma ponte,
[...] “cópia de seis outras estruturas, erguidas nos Estados Unidos, Inglaterra e Hungria, que
haviam caído antes de completar 20 anos”. O engenheiro destacou, ainda, “que o vão central
da ponte catarinense, com 340 metros de extensão, era maior que o vão de todas as outras, que
não passavam de 250 metros”.202
Apesar das críticas, Hercílio Luz levantou a quantia para a efetivação da obra que
idealizara por meio de empréstimos. Como o dinheiro relativo ao primeiro financiamento
demorou a chegar, providenciou-se um segundo, atrasando assim, o começo da obra, que
estava previsto para meados de 1920 e passou para novembro de 1922.203
Foram analisadas, “em comissão de que fazia parte o engenheiro Paulo de Frontin,
várias alternativas, entre elas a de uma ponte de concreto, optando-se pelo projeto dos
engenheiros David B. Steinman e Holton D. Robinson”. Contudo, “a falência do banco Imbrie
& Cia levou de roldão a maior parte dos empréstimos contraídos. O governador não
esmoreceu: firmou novo contrato, desta vez com a Halsey Stuart & Co., que deveria ser pago
em 30 anos”.204
As obras foram iniciadas em 1922, no mês de novembro, “com a sondagem do
subsolo da ilha e do continente nos locais que seriam construídos os pilares de apoio ao vão
central”. No decorrer dessa fase, Hercílio Luz fez-se presente aos trabalhos, dando sua
opinião. Porém, com o andamento das obras, Hercílio Luz acabou adoecendo, tendo que
procurar recursos no exterior.205
A título de ilustração, seguem algumas fotos tiradas durante a construção da
ponte:
201
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 24.
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 24.
203
ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 16.
204
VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222.
205
ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 16.
202
54
Figura 01 – Galeria de fotos da construção.
Fonte: DEINFRA, 2011206
Figura 02 – Galeria de fotos da construção
Fonte: DEINFRA, 2011207
A obra foi inaugurada em 13 de maio de 1926. Hercílio Luz já não se fazia
presente: “faleceu em outubro de 1924, deixando de ver pronta a obra que imortalizaria seu
nome”. A ponte Hercílio Luz, que a princípio se chamaria “Da Liberdade”, “além de símbolo
206
SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico
da Ponte Hercílio Luz. Disponível em:
<http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013.
207
SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico
da Ponte Hercílio Luz. Disponível em:
<http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013.
55
do Estado, representou a manutenção de Florianópolis como capital de Santa Catarina, e até
hoje, constitui o maior atestado de realização da gente catarinense”.208
Com isso, vislumbra-se que, após quatro anos de construção, ficou a ponte pronta
em janeiro de 1926, sendo inaugurada com uma celebração religiosa que teve Hercílio Luz
como homenageado. Na data, todos os presentes “[...] foram em romaria ao túmulo do
governador”.209
Por ocasião da inauguração, os que se fizeram presentes realizaram uma
caminhada por todo o seu comprimento. Ressalta-se que, no decorrer do dia, “todo o trânsito
pela ponte foi livre e grátis e a empresa Viação Corsini também aproveitou da ocasião para
inaugurar o serviço de trânsito pela ponte”.210
No que se refere ao intervalo entre a conclusão da obra e a inauguração da ponte,
afirma Djanira Maria Martins de Andrade:
A ponte estava pronta, porém sua inauguração foi retardada até 13 de maio. Isto
aconteceu porque as ruas de acesso, tanto na ilha como no continente, não estavam
prontas. Quando as vias de acesso foram concluídas, a ponte estava pronta. Já nesta
época foi a quinta em termos de tamanho no mundo. Em termos de comprimento
dos vãos livres foram: a Brooklyn Bridge com um vão de 486 metros, de
Williamsburg com 488 metros e a de Manhatan, com 488 metros. Todas essas
pontes atravessavam o East River em Nova Iorque. [...] Entre Nova Iorque e
Brooklyn houve mais uma ponte idêntica às citadas, com um vão central de 995
metros, o que fez com que a de Florianópolis ficasse em quinto lugar [...]. 211
No que se refere às dimensões da obra de arte em comento, anota-se:
A Ponte Hercílio Luz tem extensão total de 821,005 metros, sendo formada pelos
viadutos de acesso do Continente, com 222,504 metros, da ilha, com 259,080
metros, e pelo vão central pênsil com extensão de 339,471 metros, composta por 28
vãos no total, 2 torres principais e 12 torres secundárias. A altura das torres
principais é de 74,210 metros. A altura do vão pênsil em relação ao nível de maré
média é de 30,86 metros.A carga total nas cadeias de barras de olhal é de 4.000
toneladas-força.212
Com a inauguração em 1926, “a Ponte Hercílio Luz teve o significado afirmativo
e político de manter a capital em Florianópolis, condição adquirida em 1823, por decreto
208
VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 223.
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 35.
210
PAULI. Hercílio Luz, Governador Inconfundível. p. 352 a 353. apud VIEIRA FILHO, Dalmo. Santa
catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222.
211
ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 101.
212
SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico
da Ponte Hercílio Luz. Disponível em:
<http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013.
209
56
imperial, quando a cidade ainda se chamava Desterro”. E, na época, a capital da Província
incluía a “Ilha de Santa Catarina e seus arredores (São José da Terra Firme, hoje São José, e
São Miguel da Terra Firme, hoje Biguaçu), pelo menos até 1833, ano em que as duas
freguesias também foram elevadas à condição de município”.213
Com a conclusão da construção da ponte e consequente inauguração,
“possibilitou-se uma maior densidade populacional na Ilha. Esta densidade foi provocada pela
mobilidade populacional, vinda do continente”.214
Por conseguinte, logo após o término das obras, surgiu uma significativa
“preocupação dos Órgãos Públicos em relação à abertura das vias de acesso que propiciaria
um maior desenvolvimento da Ilha, como também permitiria uma maior expansão para o
continente”.215
Referida expansão “fez com que o Estreito, que até 1930 era incorporado ao
município de São José, fosse dele desmembrado, passando, em 1943, à condição de subdistrito da Capital”. Todavia, tornou-se complicado mensurar, de forma exata, “o impacto de
uma ponte, como a Hercílio Luz, pois esta fazia parte de uma conjuntura de rodovias e outros
instrumentos de desenvolvimento”. [...] Com o passar do tempo, notou-se que o crescimento
urbano “de Florianópolis, Estreito e municípios circunvizinhos começou a se orientar para as
vias terrestres que os ligavam à ponte”. Evidente, também, “que a ponte não somente
influenciou as linhas gerais da evolução urbana da região de hoje, a Grande Florianópolis,
mas que também a Ilha perdeu um pouco de sua segurança estratégica com a construção da
ponte”.216
Importante registrar que a ponte em comento restou edificada para resistir, ao
mesmo tempo, “uma locomotiva de 50 toneladas, um encanamento de água de 650 kg por
metro e quatro pedestres por metro quadrado. Um exagero, já que a utilidade da ponte
limitou-se à passagem de automóveis e pedestres”.217
Entretanto, é notório que “as pontes metálicas exigem grandes cuidados e grandes
despesas em sua conservação”. Existiu, e ainda existe, uma significativa apreensão dos
213
SANTA CATARINA. FCC. Fundação Catarinense de Cultura. Ponte Hercílio luz, patrimônio de santa
Catarina, patrimônio do brasil. Disponível em: <http://www.fcc.sc.gov.br/pontehercilioluz/?mod=historico>.
Acesso em: 12 out. 2013.
214
ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 16.
215
ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 119.
216
ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 119.
217
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 39.
57
Órgãos Públicos no que diz respeito [...] “a função das diferentes peças das estruturas,
sofrendo a ação das forças exteriores, que tendem a afrouxar as ligações entre as peças. Deste
modo exigem uma permanente fiscalização e conservação”.218
Afirma Djanira Maria Martins de Andrade, em seu estudo sobre a Ponte Hercílio
Luz:
Após a conclusão desta grande obra de engenharia, o Governador do Estado, Sr
Pereira Oliveira, em exercício do cargo, dirigiu-se ao engenheiro da comissão Dr
Paulo Frontin, pedindo a indicação de engenheiros para fazer a rigorosa inspeção da
ponte, baseados nos seus projetos, e dar uma orientação clara e precisa para o
governador e para a opinião pública sobre o assunto. Para tal inspeção, foram
indicados os engenheiros brasileiros Oscar Machado Costa e Mário de Faria
Bello.219
Assim, começaram a ser realizados os serviços de conservação, pela empresa
Corsini e irmãos, que também organizou a cobrança de pedágios. Um dos cobradores de
pedágio da época220, “João Auta Soares, de 63 anos, afirmou que durante oito anos nunca
houve alteração nos preços”.221
Entretanto, a partir do momento em que “uma estrutura idêntica desabou nos
Estados Unidos, em novembro de 1967, as autoridades catarinenses passaram a conviver com
o pesadelo de ver aquele desastre se repetir”. Edificada “[...] sobre o rio Ohio, a Silver Bridge
cedeu sob o tráfego intenso do final da tarde, matando 63 pessoas”.222
Mesmo atônitos com a tragédia ocorrida nos Estados Unidos, inviável, na época, o
fechamento da Hercílio Luz, vez que a mesma era o único meio de ligação entre a Ilha e o
continente.223
Com isso, mostrou-se urgente a necessidade de construção de um novo
instrumento de passagem, tanto que fez o Presidente Costa e Silva instalar, na época, o
218
ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 110.
219
ANDRADE, Djanira Maria Martins de. Hercílio luz: uma ponte integrando santa Catarina. Florianópolis:
Editora da Ufsc, 1981. p. 16.
220
Até 1935 era preciso pagar para entrar na cidade de Florianópolis, então restrita à Ilha de Santa Catarina, já
que a atual parte continental pertencia ao município de São José. Antes da construção da ponte Hercílio Luz, o
jeito era pagar a passagem das barcaças e balsas que atravessavam o mar entre o Estreito e a Ilha – e
eventualmente enfrentar o desconforto de dividir o espaço com bois levados para o abate na Capital. A partir de
1926, com a inauguração da ponte, o governo estadual instituiu um pedágio para quem entrasse na Ilha por via
terrestre. Além de taxar os veículos, o pedágio incidia também sobre pedestres, animais e até as malas. (SANTA
CATARINA. Floripa amanhã: para fazer do futuro de floripa nosso melhor presente. Pedágio não é novidade
em Florianópolis. Disponível em < http://floripamanha.org/2006/09/pedagio-nao-e-novidade-emflorianopolis/>. Acesso em: 29 out. 2013.
221
VIEIRA E PACHECO. Parabéns, o cartão postal completa cinqüenta anos. p. 21-22. apud VIEIRA
FILHO, Dalmo. Santa catarina 500 anos terra do brasil. Florianópolis: A notícia, 2001. p. 222.
222
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 9.
223
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 9.
58
governo federal em Florianópolis por três dias. Ao povo, porém, não foi revelado a verdadeira
razão da visita.224
Nesse diapasão, colhem-se as seguintes informações divulgadas pela Fundação
Catarinense de Cultura:
Para agravar ainda mais a questão, no final daquela década, o governo brasileiro
recebeu uma advertência do governo norte-americano em função da queda de duas
pontes similares naquele país. O governo catarinense, avisado, tomou as primeiras
providências ainda em 1969, mas a solução só seria viabilizada pelo então
governador Colombo Machado Salles, a partir de 1971. Engenheiro, especializado
em navegação, aterros e canais, Salles assumiu o comando da execução do projeto
de implantação do Aterro da Baía Sul e de construção da segunda ponte, inaugurada
em 1975, que acabou levando o seu nome.225
Em que pese todos os problemas e alertas referidos acima, frisa-se que a ponte
permaneceu em atividade por 56 anos, ou seja, da data de sua inauguração até 1982,
oportunidade em que restou decretada a sua primeira interdição.
Nesse quadrante, ressalta-se que o fechamento da ponte, nessa época, causou
“uma onda de pânico na cidade”. Por conseguinte, em abril de 1982, em um domingo, três
meses após o fechamento, famílias que habitavam os entornos da construção, solicitaram a
presença e ajuda dos bombeiros, muito assustadas; [...] “aquela ‘montanha de ferro’ balançava
visivelmente. Nada de extraordinário – a ponte foi mesmo construída com a propriedade de
acompanhar o movimento do vento”.226
Acerca da interdição, anotam-se alguns dados do DEINFRA, de Santa Catarina:
Foi interditada totalmente ao tráfego em 22 de janeiro de 1982, quando ainda
absorvia 43,8% do total do tráfego, ou seja, 27.345 veículos por dia, alcançando em
horários de pico, a marca de 2.250 veículos por hora. O DER/SC, naquele dia,
fechou a Ponte ao tráfego de veículos e pedestres devido às precárias condições em
que se encontrava, decorrente de deterioração das barras de olhal, com base no laudo
técnico nº 16.177 do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo S/A - IPT,
em perícia realizada em 03/12/1981. Em 15 de março de 1988, a Ponte Hercílio Luz
foi reaberta somente ao tráfego de pedestres, bicicletas, motocicletas e veículos de
tração animal. Em fevereiro de 1990, foi apresentada pela Cerne Engenharia e
Projetos e Construtora Roca Ltda. o Relatório da Primeira Etapa da Análise da
Viabilidade da reabertura ao tráfego da Ponte Hercílio Luz. Em 4 de julho de 1991,
a Ponte Hercílio Luz foi novamente interditada a qualquer tipo de tráfego e retirado
o piso asfáltico do vão central, resultado num alívio de peso da ordem de 400
224
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 9.
SANTA CATARINA. FCC. Fundação Catarinense de Cultura. Ponte Hercílio luz, patrimônio de santa
Catarina, patrimônio do brasil. Disponível em: <http://www.fcc.sc.gov.br/pontehercilioluz/?mod=historico>.
Acesso em: 12 out. 2013.
226
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 15.
225
59
toneladas, não tendo sido mais aberta ao tráfego até os dias de hoje.227
Consoante citação acima, percebe-se que a Ponte Hercílio Luz encontra-se
interditada definitivamente desde 1991, tendo em vista os problemas estruturais verificados
por pessoal especializado contratado pelo Governo do Estado.
No ano seguinte a interdição, por conseguinte, ocorreu o tombamento da Ponte
Hercílio Luz como patrimônio histórico municipal e, posteriormente, também como estadual e
federal.
De acordo com a Fundação Catarinense de Cultura, o tombamento municipal da
Ponte Hercílio Luz ocorreu em 04 de agosto de 1992, por meio do Decreto nº. 637, assinado
pelo então prefeito de Florianópolis, Antônio Henrique Bulcão Vianna; Já o tombamento
estadual foi em 13 de maio de 1997, por meio do Decreto nº. 1.830, assinado pelo exgovernador Paulo Afonso Evangelista Vieira, e o tombamento federal, que reconheceu a
Ponte Hercílio Luz como Patrimônio Histórico, Artístico e Arquitetônico do Brasil, foi em 15
de maio de 1.997, por intermédio da Portaria nº. 78, do Ministério da Cultura.228
No que se refere ao tombamento federal, denota-se que a ponte foi registrada
como patrimônio histórico no livro do tombo, volume II, do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional sob o número de inscrição 547, por meio do processo administrativo n.
1137-T85.229
Após o tombamento, passou-se a discutir a questão da reforma do patrimônio.
Para Maurício Oliveira, “o tombamento da Hercílio Luz como patrimônio do Brasil,
determinado [...] pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), parece
ser o único caminho para levantar o dinheiro da reforma”.230
Na Casa do Jornalista, em 24 de março de 2005, o então Governador do Estado de
Santa Catarina, Sr. Luiz Henrique da Silveira, em parceria com sua equipe técnica, “[...]
apresentou um resumo do Projeto de Reabilitação da Ponte Hercílio Luz, ocasião em que foi
227
SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico
da Ponte Hercílio Luz. Disponível em:
<http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013.
228
SANTA CATARINA. FCC. Fundação Catarinense de Cultura. Ponte Hercílio luz, patrimônio de santa
Catarina, patrimônio do brasil. Disponível em: <http://www.fcc.sc.gov.br/pontehercilioluz/?mod=historico>.
Acesso em: 25 out. 2013.
229
BRASIL. IPHAN. Instituto do patrimônio histórico e artístico nacional. Livros do tombo. Disponível em:
<http://www.iphan.gov.br/ans/> Acesso em 28 out. 2013.
230
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 47.
60
estabelecido um prazo para o lançamento do edital para a execução das obras de reabilitação
da Ponte”.231
Desse modo, em 15 de dezembro de 2005, o DEINFRA iniciou “[...] a abertura do
Edital de Concorrência Internacional n.º 24, no qual o consórcio formado pelas empresas
ROCA e TEC foi o vencedor do certame”.232
Contudo, somente “em 17 de fevereiro de 2006 foi iniciada a execução do
contrato PJ-015/2006, com o consórcio anteriormente citado, no valor de R$20.983.905,55”
com o objetivo de “[...] execução, com fornecimento de materiais e insumos, dos serviços
necessários para a restauração, reabilitação e manutenção da Ponte Hercílio Luz.”233
Ressalta-se que, além do valor total estipulado para a realização da obra, foram
investidos mais R$9.810.170,61 na contratação de empresas consorciadas para “[...] execução
de serviços de gerenciamento, coordenação, supervisão, controle de qualidade e apoio à
fiscalização das obras de reabilitação da Ponte, conforme contrato PJ-170/2006”.234
Posteriormente, em 2008, ocorreu uma publicação de edital de “[...] Concorrência
Pública Internacional número 044/07 para a fase final de conclusão das obras de reabilitação
da Ponte Hercílio Luz”. Na época, o recebimento das propostas estava previsto para o dia 13
de maio de 2008, na Sede do Órgão, sendo que o fim desta etapa estava previsto para 2012, de
acordo com informações do DEINFRA.235
Todavia, depois de idas e vindas, em fevereiro do corrente ano (2013), foram
retomadas as obras na Ponte Hercílio Luz, com a informação de que haveria a aceleração das
obras com peças vindas de Joinville e também de Ribeirão Preto. Com isso, seriam
“colocadas nas estacas para não haver movimentação das estruturas durante a passagem de
correnteza”. A informação, naquele período, era de que o entrelaçamento das vigas deveria
231
SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico
da Ponte Hercílio Luz. Disponível em:
<http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013.
232
SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico
da Ponte Hercílio Luz. Disponível em:
<http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013.
233
SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico
da Ponte Hercílio Luz. Disponível em:
<http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013.
234
SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico
da Ponte Hercílio Luz. Disponível em:
<http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 08 out. 2013.
235
SANTA CATARINA. DEINFRA. Departamento de Infra Estrutura do Estado de Santa Catarina. Histórico
da Ponte Hercílio Luz. Disponível em:
<http://www.deinfra.sc.gov.br/jsp/informacoes_sociedade/ponte_HercilioLuz.jsp>. Acesso em: 30 out. 2013.
61
dar maior sustentação enquanto a ponte fosse restaurada, com previsão de término da obra
para o final do ano de 2014.236
Abordando-se a situação atual da Ponte, o Presidente do DEINFRA, Paulo
Roberto Meller, apresentou, em matéria publicada no Jornal Diário Catarinense, o seguinte
cronograma de obras para 2013:
1º - Tubos de metal serão colocados entre as estacas para evitar a movimentação. Há
quatro estacas em cada bloco. São ao todo quatro blocos.
2º - Sobre as estacas centrais será construída uma estrutura em forma de V.
3º - Em seguida, será construída uma estrutura de aço sobre as bases.
4º - Todas as estruturas de aço ficarão próximas da ponte e unidas por uma
sustentação provisória.
5º -O peso da ponte será transferido para a estrutura de sustentação e poderá
começar o restauro.
6º - Cabos de aço serão presos ao solo e amarrados nas torres principais, para fixálas.
237
7º - Começa a restauração.
Contudo, somente em outubro de 2013 chega a restauração da Ponte Hercílio Luz
na sua segunda etapa “com a chegada de colunas de aço que serão montadas para suspender o
vão central — o que possibilitará a recuperação”. A partir de então, “as obras ficarão acima da
linha d'água e os engenheiros envolvidos acreditam que a possibilidade de ver os trabalhos
mude a percepção da população”.238
Aos olhos da população, no entanto, as obras da ponte continuam em passos
lentos, razão pela qual surgem muitas opiniões acerca de seu futuro incerto, principalmente
em face das ameaças de desabamento.
Para Maurício Oliveira, existem três possíveis desfechos para o entrave da ponte
Hercílio Luz. O primeiro é a reforma, [...] “dinheiro que seria suficiente para construir metade
de uma ponte como a Pedro Ivo, a mais recente das três ligações entre a Ilha e o continente”.
Outra opção “seria desmontá-la, numa operação complicadíssima que custaria quase tanto
236
KRAMA, Gisele. Recomeça trabalho na ponte Hercílio luz em Florianópolis. Diário Catarinense.
Florianópolis, 7 fev. 2013. Disponível em:
<http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2013/02/recomeca-trabalho-na-ponte-hercilio-luz-emflorianopolis-4037877.html> Acesso em: 31 out. 2013.
237
KRAMA, Gisele. Recomeça trabalho na ponte Hercílio luz em Florianópolis. Diário Catarinense.
Florianópolis, 7 fev. 2013. Disponível em:
<http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2013/02/recomeca-trabalho-na-ponte-hercilio-luz-emflorianopolis-4037877.html> Acesso em: 31 out. 2013.
238
PEREIRA, Felipe. Começa a segunda etapa da recuperação da ponte Hercílio luz. Diário Catarinense.
Florianópolis, 22 out. 2013. Disponível em:
<http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2013/10/comeca-a-segunda-etapa-da-recuperacao-daponte-hercilio-luz-em-florianopolis-4310014.html> Acesso em: 31 out. 2013.
62
quanto reformá-la”. E a última, “– e esta parece ter sido a escolhida pelos governantes ao
longo das últimas décadas – é esperar que a ponte desabe”.239
Do alto dos seus 93 anos, Cândido Machado lembra-se de forma nítida da época
em que auxiliou na construção da estrutura da Ponte Hercílio Luz. “Ele é o único
remanescente de uma equipe de 36 operários que carregou parte das 5 mil toneladas de
cimento usadas nas fundações da ponte, entre 1923 e 1924”. Saudável, alegre e lúcido,
Cândido só se permite falar da morte quando a relaciona com a velha ponte. “Espero não
viver o suficiente para vê-la desabar”, diz. [...] Inconformado com “a ameaça que paira sobre
a Hercílio Luz, Cândido sonha em vê-la recuperada. ‘Um serviço bonito, bem-feito e perigoso
como esse não pode acabar assim’, considera”.240
No decorrer dos últimos setenta anos, “a ‘velha ponte’ esteve intimamente ligada
a cada um dos habitantes de Florianópolis”. Qualquer pessoa que vive ou viveu na cidade
“tem lembranças pessoais ligadas a ela, que serviu de inspiração a poetas, foi cúmplice de
namorados e muitas vezes transformou-se em palco da morte”.241
Desse modo, vislumbram-se, por meio das citações acima colacionadas, as fases
de construção, funcionamento e interdição da ponte Hercílio Luz, bem como os assombros
que circundam as incertezas de sua reforma e reativação ou desabamento.
4.2 A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS AOS BENS
PÚBLICOS TOMBADOS
Na forma como estudado nos capítulos anteriores, compete ao Estado, com
colaboração da comunidade, por expressa previsão no texto constitucional vigente, a proteção
do patrimônio histórico e cultural, conforme art. 216, §1º, in verbis: A Administração Pública
“[...] com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural
brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de
outras formas de acautelamento e preservação”.242
Segundo Luis Fernando Cabral Barreto Júnior, “a epistemologia crítica incita os
cientistas do Direito a produzirem doutrina que proteja os bens que a Constituição
confessamente optou em privilegiar”. A noção “ecocêntrica do Direito Ambiental faz com que
239
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 13.
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 31.
241
OLIVEIRA, Maurício. Ponte Hercílio Luz: tragédia anunciada. Florianópolis: Insular. 1997. p. 41.
242
BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 ago. 2013.
240
63
o patrimônio cultural seja uma de suas faces, em vasos comunicantes com a ordem urbanística
e o ambiente natural, impondo ao Poder Público o dever de preservá-lo”, e alocando “[...] seus
agentes na posição de garantidor que legitima ao Poder Judiciário impor obrigações ao Poder
Executivo posto que decorrentes de autêntica responsabilidade civil objetiva”.243
Com isso, frisa-se que é preciso “[...] dar uma interpretação mais rígida às normas
jurídicas que resguardam a proteção do patrimônio cultural brasileiro, sempre em vista do
interesse social e difuso que o mesmo alberga”.244
Todavia, a despeito da proteção legal, vê-se todos os dias os meios de
comunicação retratarem “[...] a destruição do patrimônio cultural por suas ameaças mais
tradicionais: o transporte inadequado, publicidade incompatível [...], desabamentos, incêndios,
pichações de monumentos de arte pública, favelização do entorno dos centros etc”.245
Acerca do descaso do Poder Público com o patrimônio histórico, anota-se o
exemplo da cidade de Mariana, em Minas Gerais:
A instabilidade política de Mariana (a 114 km de Belo Horizonte) --que teve cinco
prefeitos desde 2009-- provocou a paralisação de obras, projetos e captação de
recursos para a conservação do centro histórico da cidade fundada em 1696. O trocatroca ocorreu por acusações de irregularidades como compra de votos, ilegalidades
na prestação de contas de campanha e desvio de recursos públicos.
A cidade, que tem como uma das principais atividades econômicas o turismo, sentiu
os efeitos da turbulência na política local no seu patrimônio histórico, tombado pelo
Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 1938. O reflexo
da política local está no abandono do centro histórico: rachaduras, restaurações
malfeitas e fachadas encardidas são vistas em igrejas e prédios de mais de 300 anos.
Além disso, as estruturas de alguns templos históricos estão comprometidas e
correm o risco de cair. A Igreja de São Francisco de Assis, localizada na praça
Minas Gerais, um dos principais cartões postais da cidade, está interditada pelo
Iphan. Cerca de 90% dos 25 templos católicos correm algum tipo de risco, segundo
246
restauradores ouvidos pela reportagem.
Em Santa Catarina, mais especificamente em Florianópolis, não é diferente, vez
que várias são as denúncias efetuadas em relação ao descuido com os bens tombados, como
243
BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever
de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em:
antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013.
244
DUARTE JÚNIOR, Ricardo César Ferreira. A responsabilidade pela manutenção e restauração dos bens
tombados. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=92977ae4d2ba2142>. Acesso em:
06 out. 2013.
245
BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever
de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em:
antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013.
246
SPERANDIO, Danillo; RAHAL, Marcela; TIEPPO, Priscila. Patrimônio histórico em Minas Gerais fica
abandonado com troca-troca de prefeitos. Disponível em: <http://eleicoes.uol.com.br/2012/uol-pelobrasil/2012/09/10/patrimonio-historico-em-minas-gerais-fica-abandonado-com-troca-troca-de-prefeitos.htm>
Acesso em: 31 out. 2013.
64
no caso dos casarões históricos da cidade. A imprensa “[...] destaca a casa do ex-governador
Hercílio Luz, localizada na avenida Mauro Ramos, nas proximidades do Banco Redondo”. O
imóvel é tombado “[...] pelo Patrimônio Histórico, mas o atual proprietário não manteve as
características da construção que está abandonada, em estado de deteriorização e que serve de
abrigo para moradores de rua”.247
Para ilustrar, colaciona-se foto da situação atual da casa acima mencionada:
Figura 03 – Casarão tombado do ex-governador Hercílio Luz
Fonte: DEFENDER, 2013248
O imóvel acima, segundo especialistas, tem imensurável valor histórico, visto que
o projeto arquitetônico é original, sendo que a construção existe até mármore de Carrara.249
Nesse contexto, ressalta-se que igual situação é a da Ponte Hercílio Luz, visto que,
a despeito das obras de reforma, o que se verifica é uma ameaça constante de ruína e
desabamento.
247
SANTA CATARINA. Jornal do meio-dia. Carlos Damião comenta o descaso de autoridades e
proprietários com casarões históricos. 23.05.2013. Disponível em: <http://ricmais.com.br/sc/jornal-do-meiodia/carlos-damiao-comenta-o-descaso-de-autoridades-e-proprietarios-com-casaroes-historicos/>. Acesso em: 03
nov. 2013.
248
DEFENDER. Defesa Civil do Patrimônio Histórico. Florianópolis (SC) – Casa de Hercilio Luz: restauração
ou demolição. Disponível em: <http://defender.org.br/2013/08/10/florianopolis-sc-casa-de-hercilio-luzrestauracao-ou-demolicao/>. Acesso em: 03 nov. 2013.
249
DEFENDER. Defesa Civil do Patrimônio Histórico. Florianópolis (SC) – Casa de Hercilio Luz: restauração
ou demolição. Disponível em: <http://defender.org.br/2013/08/10/florianopolis-sc-casa-de-hercilio-luzrestauracao-ou-demolicao/>. Acesso em: 03 nov. 2013.
65
Quanto à necessidade de ação conjunta de Poder Público e sociedade no que se
refere à preservação do patrimônio cultural, anota-se:
Significa adotar uma visão de que a preservação do Patrimônio Cultural, mais do
que disciplinar uma relação entre Administração e Administrados com a supremacia
do interesse público ditada pelo Executivo, importa na preservação da identidade
cultural de um povo numa relação horizontalizada entre Estado e Sociedade, na qual
aquele não detém o monopólio dos instrumentos de preservação e nem da definição
do interesse público em cada caso concreto.250
A ação civil pública mostra-se como um importante instrumento de defesa dos
bens de valor histórico.251 Nesse sentido, a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 “disciplina a
ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor,
a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras
providências”.252
Na seara do direito penal, “a lei nº 9.605/98 insere tipos penais voltados à
proteção do ordenamento urbano e do patrimônio cultural e reconhece a possibilidade da
declaração judicial de proteção a um bem cultural”. 253
A legislação em comento, em seus artigos 62 a 64 define os Crimes contra o
Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural, assim como segue:
Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar
protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de
detenção, sem prejuízo da multa.
Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente
protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor
paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso,
arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade
competente ou em desacordo com a concedida:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
250
BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever
de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em:
antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013.
251
BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever
de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em:
antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013.
252
BRASIL. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por
danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 15 out. 2013.
253
BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever
de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: < wwwantigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013.
66
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim
considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico,
histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem
autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.254
Com isso, “o Ministério Público brasileiro vem propondo ações penais e ações
civis públicas”. No entanto, “estas últimas vêm encontrando em todas as instâncias do Poder
Judiciário Estadual e Federal uma baixa receptividade caracterizada por decisões que se
lastreiam em concepções ultrapassadas sobre a matéria”.255
Apesar do empenho do Ministério Público, inúmeros magistrados não se fazem
adeptos a ideia de preservação do patrimônio cultural. Possuem opiniões de que a importância
“de um bem cultural depende de tombamento, que o Poder Público não tem obrigação de
restaurar bem tombado, salvo se o desapropriar” e, ainda, baseados no “princípio da
tripartição dos poderes, que o Poder Judiciário não poderia determinar a proteção ou
restauração de bens”.256
Insiste-se assim, que o fato definidor da obrigação de promover a preservação de
um bem, não é apenas por meio de “ato expresso como o tombamento ou o zoneamento” mas
sim, o nexo causal envolvidos “entre os danos causados ao meio ambiente cultural, em
decorrência da omissão, e da própria ação, do Poder Público Municipal”, em que pese
“permite que veículos incompatíveis com o pavimento dos centros históricos por ele circulem
sem qualquer espécie de controle ou regulamentação”.257
Contudo, tem “a coletividade o direito de exigir a responsabilização daquele que
deu causa ao dano moral e material ao bem cultural protegido por ato do Poder Público
[...]”.258
Assim, segundo a doutrina, o Estado “tem o dever de indenizar os danos, morais e
materiais, sofridos pela coletividade em seu patrimônio histórico e cultural”.259
254
BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 15 out. 2013.
255
BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever
de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: < wwwantigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013.
256
BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever
de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em: < wwwantigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013.
257
BARRETO JÚNIOR, Luis Fernando Cabral. O controle judicial das omissões do Poder Público no dever
de proteção ao patrimônio cultural. Disponível em:
antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/3379>. Acesso em: 15 out. 2013.
258
DUARTE JÚNIOR, Ricardo César Ferreira. A responsabilidade pela manutenção e restauração dos bens
tombados. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=92977ae4d2ba2142>. Acesso em:
06 out. 2013.
67
Entretanto, salienta-se que “um dano ambiental especificadamente a bens
culturais, em um enfoque jurídico, é aquele que destrói, afeta, descaracteriza ou diminui
justamente as qualidades do bem, as quais o definem como Patrimônio Cultural”, consoante
ocorre com os seguintes exemplos: “[...] a destruição de prédios e documentos históricos,
abandono e demolição de edificações tombadas, construções em frontal desrespeito às normas
de ordenamento urbano, poluição visual em cidades históricas e turísticas, etc”. Frisa-se que
“o dano ao bem cultural também pode estar associado a um dano de caráter extrapatrimonial,
consistente em uma lesão aos interesses imateriais, associados ao bem cultural, que
corresponde ao valor de existência do bem”.260
Quanto à maneira de reparação do dano causado ao patrimônio histórico e
cultural, ressalta-se:
No que se refere à forma de reparação do dano causado, aqui focado o dano ao
patrimônio cultural, salienta-se que a responsabilidade civil gera dois efeitos: um
preventivo que induz o agente a evitar o dano, e outro repressivo, determinando ao
agente que causou o dano a obrigação de repará-lo, indicando uma ideia de
ressarcimento ou compensação, podendo ser patrimonial, ambiental ou
extrapatrimonial.
A reparação patrimonial ambiental pressupõe restituição, recuperação ou
indenização do bem ambiental lesado. Essa recuperação pode ser específica, como a
recuperação de uma igreja danificada, considerada patrimônio cultural tombado,
devolvendo à mesma o status quo, ou poderá ser uma recuperação pecuniária,
referindo-se ao quantum em dinheiro a ser pago como indenização ao dano causado,
após a realização de uma estimativa do valor econômico perdido, contudo, isso só
ocorrerá quando esse dano não puder ser reparado.261
O dano imaterial, conforme explica a doutrina, “[...] é relativo à sensação de dor
experimentada, todo prejuízo não patrimonial ocasionado à sociedade ou a indivíduo”. O
prejuízo, portanto, será auferido pelo método do arbitramento, “[...] levando em consideração
a capacidade econômica do degradador, o proveito obtido por ele, a extensão do sofrimento
das pessoas, a reversibilidade do dano, o caráter desestimulante da condenação, entre
outros”.262
259
DUARTE JÚNIOR, Ricardo César Ferreira. A responsabilidade pela manutenção e restauração dos bens
tombados. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=92977ae4d2ba2142>. Acesso em:
06 out. 2013.
260
BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural.
Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235.
261
BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural.
Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235.
262
BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural.
Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235.
68
Ressalta-se que “a opção prioritária do ordenamento jurídico brasileiro, quanto à
reparação do dano ao patrimônio cultural, é no sentido da reabilitação do bem afetado”,
objetivando “[...] a tutela específica na forma do art. 225, § 1º, I da CF/88, arts. 4º, VIII e 14,
§ 1º da Lei 6.938/81 e art. 84 do CDC”.263 Acontece que, em algumas situações, em razão do
caráter singular “[...] do bem cultural, mostra-se extremamente difícil decidir pela forma de
como deve-se dar a reparação do bem, pois na sua restauração corre-se o risco de se criar um
simulacro, perdendo-se a identidade e a originalidade do bem”.264
Todavia, constatada a impossibilidade de reparação do dano causado ao
patrimônio cultural “[...] não podendo ser este restaurado, impõe-se a necessidade de
estabelecer um valor econômico a ser pago ao Fundo de Recuperação de Bens Lesados
(art.13º da Lei 7.347/85) ou aos Fundos Estaduais ou Municipais Pró-Cultura”.265
Nota-se, portanto, a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização
“[...] por perdas e danos à coletividade”.266
Importante registrar, nesse passo, uma condenação pessoal sofrida pelo exprefeito de Florianópolis/SC, Dário Berger, por descumprimento de liminar e não recuperação
de patrimônio histórico, in verbis:
A assessoria de comunicação do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC)
divulgou nesta quinta-feira, 13, que o prefeito de Florianópolis, Dário Berger,
receberá multa diária de R$ 25 mil para o caso de descumprimento de uma medida
liminar determinando a recuperação de imóveis tombados pelo Patrimônio Histórico
do Município. A medida liminar foi deferida em março em ação cautelar ajuizada
pelo MP-SC e até hoje não foi cumprida. A decisão é passível de recurso.
Inicialmente, a multa seria aplicada à Prefeitura, mas a inoperância da
municipalidade para o cumprimento da decisão e a retenção dos autos do processo
por mais de oito meses – retirado do cartório da Vara da Fazenda Pública da
comarca da Capital em abril pelo Procurador-Geral do Município e até hoje não
devolvido – levaram ao estendimento da multa também ao patrimônio pessoal do
prefeito, conforme requerido pela 28ª Promotoria de Justiça da Capital.
A medida liminar determinava que a Prefeitura recupere duas edificações contíguas
na Rua Conselheiro Mafra, no Centro da cidade. Os imóveis foram tombados em
1986 e 1989 e avaliados pelo município para fins de desapropriação. A
desapropriação não foi efetivada, e os imóveis estão abandonados desde então, sem
qualquer manutenção ou restauração por parte dos proprietários ou da Prefeitura,
estando sob risco de desabamento.
263
BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural.
Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235.
264
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Critérios de valoração econômica dos danos a bens culturais
materiais. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre: Magister,
v. 27, p. 67-68, dez./jan. 2010.
265
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Critérios de valoração econômica dos danos a bens culturais
materiais. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre: Magister,
v. 27, p. 67-68, dez./jan. 2010.
266
BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural.
Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235.
69
O prazo para cumprimento da medida liminar era para comprovação, em dez dias, da
tomada de providências. O município recorreu ao Tribunal de Justiça, mas o recurso
foi desprovido. De acordo com o promotor, foi ajuizada, no dia 30 de novembro,
ação civil pública, na qual foi estendida a multa à pessoa do prefeito. Além da
recuperação dos imóveis tombados, a ação civil pública busca a responsabilização
pelo abandono em que se encontram. 267
Em razão dos argumentos colacionados neste tópico do presente trabalho
monográfico, quanto à responsabilidade civil do Estado por danos causados ao patrimônio
histórico-cultural tombado, “[...] mostra-se imprescindível que não só o Poder Público, mas
toda a coletividade, tenham consciência de que é a partir do passado que se norteia o futuro”,
devendo, desse modo, “[...] ser incentivada a preservação dos bens culturais relevantes, com a
manutenção da cultura, da memória e da identidade de um povo”.268
No tópico seguinte, por sua vez, passa-se ao estudo de alguns julgados
relacionados com a temática debatida.
4.3 ESTUDO DE ALGUNS JULGADOS
Nesse derradeiro tópico da presente monografia, julga-se pertinente colacionar
alguns julgados quanto à responsabilização da Administração Pública pelos danos causados
ao patrimônio histórico e cultural protegido por meio do instituto jurídico-administrativo do
tombamento.
Segue, nesse sentido, julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RESPONSABILIDADE POR
DANOS AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO - RESTAURAÇÃO DE PRAÇA
DANIFICADA POR COMÉRCIO AMBULANTE - OBRIGAÇÃO DO
MUNICÍPIO - APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 23, INCISOS III E IV, 216,
INCISOS IV E V E 30, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - SENTENÇA ANULADA RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA A O
PROSSEGUIMENTO DO FEITO - RECURSO PROVIDO - DECISÃO
UNÂNIME. - O pedido de condenação do Poder Público em obrigação de fazer,
consistente na realização de obras de restauração de praça pública danificada em
decorrência da ocupação irregular por camelôs, é juridicamente possível, eis que é
de sua competência a proteção e preservação do patrimônio histórico local,
conforme imposição da Carta Magna. 269
267
SANTA CATARINA. Floripa amanhã: para fazer do futuro de floripa nosso melhor presente. Dário Berger é
multado por descumprir liminar e não recuperar patrimônio histórico. Disponível em
<http://floripamanha.org/2012/12/dario-berger-e-multado-por-descumprir-liminar-e-nao-recuperar-patrimoniohistorico/#sthash.SCToVuDk.dpuf>. Acesso em: 29 out. 2013
268
BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural.
Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, jan./jun. 2011, p. 211-235.
269
PARANÁ. Tribunal de Justiça. Apelação Cível - 0156344-8, Relator: Antonio Lopes de Noronha, Paraná, 24
de novembro de 2004. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br/> Acesso em: 03 nov. 2013.
70
No caso acima, denota-se que configura obrigação do município a restauração do
patrimônio histórico danificado, considerando a prerrogativa prevista no texto constitucional
em vigor.
Na mesma linha, entendeu o Tribunal Regional Federal da 5º Região que “[...] o
patrimônio histórico deve ser protegido para as presentes e futuras gerações, nos termos dos
arts. 23, III, e 216, V, da Constituição Federal”. Nesse caso, “a competência comum significa
que todos aqueles entes políticos são competentes e responsáveis pela proteção dos seus bens
de interesse cultural”. Ademais, as provas encartadas nos “[...] autos demonstraram a
precariedade do bem, além da negligência dos requeridos no sentido de propiciar mecanismos
de atuação necessários, a fim de preservar, conservar e zelar pelo patrimônio público
histórico-cultural”270
Para o Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –
CONSERVAÇÃO DE BEM TOMBADO PELO IPHAN – DEVER DO
PROPRIETÁRIO DE CONSERVAÇÃO – DEVER SUBSIDIÁRIO DA UNIÃO –
PARTE LEGÍTIMA – NÃO PROSPERA A ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE
DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA – BENS PROTEGIDOS PELA CONSTITUIÇÃO
– PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DO DANO. 1. Já dispunha a Carta
Constitucional de 1934, em seu art. 148: "Cabe à União, aos Estados e aos
Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras
e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio
artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual." 2. O
IPHAN, entidade com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, sucedeu
ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na proteção e conservação
desses bens constitucionalmente tutelados. 3. A responsabilidade da União, no caso
dos autos, é aquela expressa no § 1º do Decreto-lei n. 25/37, pois não é possível
atribuir regime diverso de responsabilidade senão daquele expressamente previsto
em lei: "Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a
expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses,
ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa." 4. "In casu", o
acórdão atacado apenas determinou a prestação positiva apta a reparar ou a minorar
dano a imóvel protegido por normas constitucionais. Agravo regimental improvido.
271
270
SERGIPE. Tribunal Regional Federal da Quinta Região. Reexame Necessário 200985000034364, Relator:
Desembargador Federal Marcelo Navarro, 27 de junho de 2013. Disponível em:<
http://www.trf5.jus.br/cp/cp.do> Acesso em: 03 nov. 2013.
271
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp: 1050522 RJ 2008/0085888-6, Relator: Ministro
HUMBERTO MARTINS. Brasília, DF, 18 de maio de 2010. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=972483&sReg=200800858886&sData=201
00531&formato=PDF> Acesso em: 03 nov. 2013.
71
Vislumbra-se que, no caso acima, a decisão determinou a realização, inclusive
pelo Poder Público, de medidas capazes de reparar ou diminuir os danos causados a bens
protegidos pelas disposições do texto constitucional.
Quanto às responsabilidades do proprietário do bem tombado e do Poder Público,
importante colacionar o seguinte julgado:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMÓVEL
TOMBADO – ART. 1º, DECRETO-LEI Nº 25, DE 30.11.1937. PROPRIETÁRIO –
RESPONSABILIDADE. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO.
PODER JUDICÁRIO – MÉRITO ADMINISTRATIVO. 1- Ação Civil Pública
ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face do MUNICÍPIO DO
RIO DE JANEIRO, objetivando fosse este condenado na obrigação de fazer,
consistente nas obras necessárias em bem tombado e de propriedade do Município
do Rio de Janeiro. 2- O tombamento é ''o conjunto dos bens móveis e imóveis
existentes no país cuja conservação seja de interesse público, quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico''(art. 1º do Decreto-lei nº 25,
de 30-11-37, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional). 3Pelos efeitos gerados pelo tombamento, ''o proprietário não pode destruir, demolir
ou mutilar as coisas tombadas nem, sem prévia autorização do IPHAN, repará-las,
pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17);''.(Op.
Cit. p. 136-137). (Juris Síntese IOB nº 62 Nov-Dez/2006–Comentário). 4- Incabível
a alegação de discricionariedade pelo Município/Réu, pois após a decretação de
tombamento, a administração age de forma vinculada, não lhe sendo dada a
oportunidade de deixar de fazer as obras que o imóvel necessita, ao seu juízo de
conveniência e oportunidade. 5- "(...) Em verdade, é inconcebível que se submeta a
Administração, de forma absoluta e total à lei. Muitas vezes, o vínculo de legalidade
significa só a atribuição de competência, deixando zonas de ampla liberdade ao
administrador, com o cuidado de não fomentar o arbítrio. Para tanto, deu-se ao
Poder Judiciário maior atribuição para imiscuir-se no âmago do ato administrativo, a
fim de, mesmo nesse íntimo campo, exercer o juízo de legalidade, coibindo abusos
ou vulneração aos princípios constitucionais, na dimensão globalizada do
orçamento.”272
Por fim, tem-se que, no caso de imóvel tombado, a responsabilidade civil do
proprietário do bem, do Estado e do Município é solidária. Assim, no caso julgado pelo
Tribunal de Justiça do Maranhão, “o decreto que institui o tombamento de imóvel urbano
situada em área de preservação histórica, ainda que advindo do Poder Executivo Estadual”,
importa “[...] em responsabilidade solidária pelos danos causados ao patrimônio histórico e
cultural em face do abandono e descaso, tanto do proprietário do imóvel quanto do Estado e
do Município. III - Recursos improvidos”.273
272
RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Apelação Cível 331301 RJ
2001.51.01.024545-7. Relator: Desembargador Federal Raldênio Bonifácio Costa. 6 de março de 2007.
Disponível em:
<http://www.trf2.jus.br/paginas/links_externos.aspx?Content=85429ECB5E26DF42E668AFEC81B090D6>.
Acesso em: 03 nov. 2013.
273
MARANHÃO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 211262003. Relator: Jorge Rachid Mubárack Maluf, São
Luis, 30 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.tjma.jus.br/> Acesso em: 03 nov. 2013.
72
Desse modo, com base nos julgados acima elencados, bem como nas citações
doutrinárias transcritas, nota-se que é perfeitamente possível o reconhecimento judicial da
responsabilidade civil do Estado por danos causados aos bens públicos tombados, inclusive na
modalidade objetiva, ou seja, independente da comprovação da culpa.
Esse entendimento, por sua vez, deve ser relacionado com o caso da ponte
Hercílio Luz, de Florianópolis, tendo em vista o seu valor histórico, já reconhecido por meio
do instituto do tombamento, e o descaso quanto a sua conservação, vez que, por anos, os
catarinenses presenciam a realização lenta de reformas e, consequentemente, a não resolução
do problema viário da cidade e de proteção do patrimônio histórico e cultural do povo
catarinense.
73
5 CONCLUSÃO
Preambularmente, neste momento de considerações finais, cumpre asseverar que o
presente trabalho monográfico contribuiu muito para o desenvolvimento intelectual da sua
autora, tendo em vista os estudos realizados quanto aos temas: cultura, tombamento,
responsabilidade civil e responsabilização do Estado por danos causados aos bens públicos
tombados.
Nesse contexto, verificou-se a necessidade de preservação da cultura do povo,
especialmente pelo Poder Público com o auxílio da comunidade, considerando a
imperiosidade de preservação das memórias por meio da imortalização dos bens materiais e
imateriais integrantes do patrimônio histórico-cultural.
O tombamento é um instituto jurídico presente no ordenamento vigente, inclusive
no texto constitucional, para proteção dos bens classificados como de elevado valor históricocultural. Trata-se de um procedimento administrativo, de competência dos entes federativos
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios), capaz de atribuir proteção especial a
determinados bens, com a inscrição no denominado “livro do tombo”.
Bens públicos e privados podem ser alvo do tombamento, acarretando, desse
modo, restrições tanto ao proprietário como ao Poder Público correspondente.
O instituto da responsabilidade civil, por sua vez, destina-se a compelir o causador
do dano decorrente, em regra, de ato ilícito a reparar a vítima. Para sua configuração, exigese, na maior parte dos casos, a comprovação dos seguintes pressupostos: ação ou omissão do
agente; dano; nexo de causalidade e culpa. Tem-se, entretanto, a responsabilidade civil dita
objetiva, qual seja: que independe da comprovação do elemento culpa.
No que se refere à responsabilidade civil do Estado, a despeito da existência de
diversas teorias explicativas, percebeu-se que impera a teoria da responsabilidade civil
objetiva na modalidade risco administrativo, ou seja, a Administração Pública responde, em
regra, apenas com a comprovação dos requisitos: ação, dano e nexo causal. Entretanto, na
hipótese de omissão, ainda prevalece a teoria subjetiva, ou seja, que necessita da
comprovação do pressuposto culpa para a configuração do dever de indenizar.
No estudo específico acerca da ponte Hercílio Luz, percebeu-se que esta obra
representa um marco na história do povo catarinense. Na época de sua construção e
inauguração a sociedade clamava por um meio de ligação mais eficiente da capital com o
restante do Estado de Santa Catarina.
74
Fruto de diversos esforços, a ponte em comento foi inaugurada em 1926 e
permaneceu em atividade por 56 anos, acarretando mobilidade e, consequentemente,
progresso para toda a região. Todavia, em razão de problemas estruturais a obra restou
interditada para o tráfego de veículos e pessoas, permanecendo como um cartão postal e
símbolo da memória e cultura do povo catarinense.
Atualmente, a ponte Hercílio Luz passa por reformas, entretanto, a população vive
amedrontada com a possibilidade de perecimento do bem, assim como indignada com o
descaso do Poder Público que investe milhões e, infelizmente, não termina o projeto de
restauração e reativação desse patrimônio.
É um misto de saudosismo e revolta, pois, ao mesmo tempo que se sonha com a
reabertura da ponte para o tráfego, mostra-se a sociedade cansada com os flagrantes desvios
de verbas públicas justificados falaciosamente nas obras de revitalização do patrimônio.
É nesse contexto que se discutiu, no terceiro capítulo monográfico do
desenvolvimento da presente pesquisa, a possibilidade de responsabilização do Estado por
danos causados aos bens públicos tombados, considerando que a ponte Hercílio Luz constitui
um patrimônio protegido pelo tombamento federal, estadual e municipal.
Compulsando a doutrina especializada e alguns julgados de tribunais brasileiros,
percebeu-se a configuração do dever de indenizar da Administração Pública e, até mesmo, do
próprio gestor público, pessoalmente, quando caracterizada omissão frente ao patrimônio
histórico-cultural protegido pelo tombamento.
Fazendo um paralelo com o caso da ponte Hercílio Luz, conclui-se que é possível
a responsabilização da União, do Estado de Santa Catarina e do Município de Florianópolis
pelos danos causados à referida obra, inclusive por meio de pagamento de indenização pelos
danos materiais e, principalmente, morais em face do não cumprimento pelo Poder Público
das prerrogativas previstas no texto constitucional quanto à obrigação de preservação do
patrimônio histórico-cultural brasileiro.
Em últimas linhas, como contribuição, humildemente, sugere essa autora a
formulação de uma ação civil pública pelo Ministério Público com o objetivo de cobrar ações
efetivas da Administração Pública quanto à preservação da ponte Hercílio Luz, com pedido,
inclusive, de indenização por danos morais no caso de perecimento do bem.
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