ESTRUTURA ELÉTRICA DE UMA TEMPESTADE SOBRE A
CIDADE DE SÃO PAULO
Moacir Lacerda,1,2, Robson Jaques2, Carlos Augusto Morales Rodriguez4, , Evandro Moimaz Anselmo4,
Clóvis Lasta Fritzen1, Julio Cesar Paro3, Widinei Alves Fernandes3,2, Waldeir Moreschi Dias1
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS): 1. CCET/DFI/LCA; 2. CCET/DHT; 3. CPAN/DEX
Universidade de São Paulo (USP): 4. DCA/IAG.
ABSTRACT: This study presents preliminary results of a methodology developed to compute the
thunderstorm charges centers. In order to perform this calculation the Coulomb’s law is employed in
conjunction with Field Mill and weather radar measurements. The example presented in our analysis was
obtained during the April 23rd of 2010, when a cold front produced aligned thunderstorms near the city of São
Paulo. After running the algorithm 100,000 times with some spatial constrains the following results have been
found: a) the activity of formation and annihilation of electric charges within clouds is one mechanism that
can be well described by the use of Coulomb's law from Field Mill measurements; b) the observed
measurements suggest a possible existence of a more complex dynamic structure for the charge distribution
within the cloud; c) the intra-cloud discharges can be a mechanism that acting in shorter distances, along the
altitudes at which the centers of electric charges are created, can reverse the polarity of the regions.
1. INTRODUÇÃO
As medidas de campo elétrico no solo são utilizadas em sistemas de proteção até a análise da estrutura elétrica das
tempestades (Jacobson e Krider, 1976; Koshak e Krider, 1989; Livingston e Krider, 1978, Murphy et. al., 1996).
Por exemplo, Jacobson e Krider (1976) conseguiram discriminar um raio completo a partir de uma rede de 25
Field Mill (FM), com uma faixa de ±15 kV e resolução temporal de 0,1 segundo. Como resultado, eles
identificaram que os centros de carga estavam localizados entre 6 e 9,5 km a partir da aplicação da Lei de
Coulomb para solução do problema inverso. Além disso constataram que uma grande quantidade de descargas
para o solo apresentaram variações pequenas ou mesmo polaridade reversa, sugerindo a existência de um centro
positivo de 0.5 a 4 C em altitudes entre 1 e 3 km. MacGorman e Rust (1998), após uma revisão sobre trabalho até
a decada de 90 concluiram que uma rede de FM possibilita a determinação dos centro de cargas das tempestades
com uma relativa acurácia.
Baseado neste conceito, esse trabalho visa calcular os centros de cargas a partir de medidas de FM na cidade
de São Paulo, e assim testa a viabilidade destas técnicas. A seguir são apresentados maiores detalhes sobre a
instrumentação e tecnica empregada para estimar os centros de cargas das tempestades.
2. INSTRUMENTOS E MODELAGEM
Este estudo conta com a utilização de dois FM desenvolvidos pela UFMS com resolução temporal de 1
segundo e instalados na Universidade de São Paulo e Estação Meteorológica do IAG/USP. Adicionalmente a
estas medidas, dados do radar meteorológico de São Roque durante o dia 23 de Abril de 2010 foram
empregados a fim de restringir as regiões dos centros de cargas, além dos dados de descargas atmosféricas da
STARNET. Um resumo destas observações é apresentada nos dois paineis da Figura 1 e Figura 2. Observa-se
(Fig. 1b) que os raios nuvem-solo estavam localizados fora da região de cobertura dos FM, enquanto que a
variação do campo elétrico (Fig. 2) mostrava uma variação caracteristica da ocorrência de raios intra-nuvens e
centro de cargas próximo do sensor.
(a)
(b)
Figura 1. MAXCAPPI do radar meteorológico de São Roque (a) com a indicação das descargas atmosféricas e
posição dos Field Mill (triângulos amarelos) (b).
Figura 2. Variação temporal do campo elétrico observado pelos FM instalados na USP e EM entre o período
das 18:55:11 e 19:31:32 GMT.
Para calcular a localização e a magnitude dos centros de carga, utilizam-se normalmente Ns sensores que
medem o campo elétrico simultaneamente, sendo possível aplicar a Lei de Coulomb (eq. (1)) para cada sensor
obtendo assim a localização do centro de cargas bem como a polaridade e magnitude da carga resultante.
^
^
^



Q
⋅
(
x
−
x
)
Ux
+
(
y
−
y
)
Uy
+
(
z
−
z
)
Uz
i
i
i
i
 Nq 1
^

 

Em j = ∑
+
Etb.
Uz
3/ 2
 i =1 4πε

(x − xi )2 + ( y − yi )2 + (z − z i )2


[
eq. (1)
]
^
^
^
onde, xi,yi e zi são as coordenadas da i-ésima carga, (Ux,U y ,U z ) são os vetores unitários, enquanto que
(x,y,z) representam as coordenadas do ponto onde está sendo feita a medida, Εmj, que é a medida do campo
elétrico no j-ésimo sensor (j = 1,2,...,Ns). Nq é o número total de cargas e suas imagens, sendo Etb a medida
do campo elétrico em tempo bom, enquanto que o campo elétrico produzido pela nuvem, En, esta descrita
entre os colchetes na eq. (1). Stolzenburg e Marshall (1994) e Jacobson e Krider (1976) desprezaram Etb e
agruparam as variáveis de forma a calcular o campo elétrico em função da distância horizontal e altura do
centro de cargas e assim obtendo variações das medidas do campo elétrico. ∆Emj , o que corresponde a
variação das cargas ∆Qzi aniquiladas.
Nesse trabalho, calculamos o campo elétrico no solo produzido por centros de carga alinhados em z, de
maneira que, obtendo-se as coordenadas x e y da região onde possivelmente estão localizados os centros,
restariam apenas os valores de zi e Qi. Portanto, uma tempestade com estrutura dipolar requer o uso quatro
medidas de campo elétrico (ou seja, quatro Field Mill).
No intuito de contornar alguns problemas típicos do problema inverso, um método alternativo de natureza
estocástica para resolver a equação (1) está em desenvolvimento. Por outro lado, as soluções da equação (1)
são obtidas pela escolha aleatória das variáveis dentro de um intervalo, baseado nas análises dos campo de
chuva do radar, ( x= xo e y=yo - simetria radial - e 2 km < z < 10 km). Já a carga total Q variava de -20 ≤ Q ≤
35 C. Finalmente, o algoritmo buscava soluções cuja soma total dos erros absolutos para cada Field Mill,
(ErrFMj j=1,2) fosse pequeno e inferior a 0.2. As equações 2 e 3 apresentam a definição do erro que o
algoritmo tenta minimizar.
ErrFMj = [(│Emj│-│Ecj│)/│Emj│ i=1,2 (2)
ε = [(│EmFM1│-│EcFM1│)/│EmFM1│ + │EmFM2│-│EcFM2│/│EmFM2│)]
(3)
Essa estratégia preliminar, transformou o problema inverso de resolver a equação (1) num problema direto,
resolvido n vezes (n ≥ 100.000), por escolhas aleatórias. Em termos computacionais, esse número de
simulações significou um esforço de cerca de 1 hora, utilizando um computador com dois processadores e
técnicas de otimização de aplicação do algoritmo matemático. Como o problema tem quatro graus de
liberdade e dispomos apenas de dois FM esse método serviu para determinar com mais precisão as regiões de
solução. Mesmo em redes com 25 FM o aumento do número do grau de liberdade do problema implica em
perda de precisão em função do número de medidas possíveis de utilização, e em alguns casos o critério de
escolha da solução não é atingido (Jacobson e Krider, 1976).
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Com o objetivo de eliminar incógnitas, utilizou-se as regiões com precipitação intensa nos campos de
precipitação, ou seja, 50 e 60 dBZ. Dessa maneira, determina-se possíveis valores para as coordenadas x e y
do centro de cargas detectado (simetria radial). Outra observação é que o registro de descargas para o dia
escolhido, mostra que não houve raios nuvem-solo na região próxima do centro ativo escolhido para análise,
isso indica que as variações de campo elétrico foram devidas a atividade de descargas intra nuvem (Figura 2).
Os resultados para 3 minutos de dados correspondentes aos horários 19:14 a 19:16 GMT, relativos ao campo
de precipitação do radar estão mostrados na Figura 3. O algoritmo foi rodado 100.000 vezes e as soluções
foram obtidas ponto a ponto, sem considerar o campo de tempo bom. Inicialmente foram buscadas as soluções
em que ε ≤ 0.2. As soluções obtidas com essa precisão ficaram restritas aos intervalos entre 11 e 15 s
(intervalo 1), 85 a 102 s (intervalo 2) e 135 a 170 s (intervalo 3). Os demais trechos tiveram soluções com
diferentes graus de precisão (até 0.64), ficando a maioria delas com ε ≤ 0.32.
I1↑
I2↑
I3↑
Figura 3. Campo elétrico observado em 3 minutos. Curvas 1 e 2 representam Field Mill 1 e 2, X 10. Curvas 3
e 4 representam as Cargas X 50, seguindo a região definida pelas curvas 6 e 4 respectivamente. Curvas 5 e 6
são as altitudes relativas às cargas representadas pelas curvas 4 e 3, chamadas de altitude 1, A1 e altitude 2,
A2, respectivamente. Entre 11 e 15s (intervalo 1),I1, 85 a 102 s (intervalo 2), I2, e 135 a 170 s, (intervalo 3),
I3, obtivemos solução com ε ≤ 0.2).
Analisando os trechos em que ε ≤ 0.2, na Figura 3, no intervalo I1, observa-se que a solução encontrada,
significa um centro de carga negativo de magnitude crescente de aproximadamente -10 a -20 C, com as
regiões onde foram encontradas variando em direções diferentes, ou seja, as altitudes das regiões variam
“defasadamente” de 7 a 9 (região positiva)e de 3 a 5 km (região negativa). O valor da carga positiva e da
carga negativa aumentam em módulo. No intervalo I2 da figura 3, as regiões se movimentam praticamente em
fase. Entretanto a região onde existe inicialmente carga negativa se transforma em positiva e vice versa. No
intervalo I3, as variações começam fora de fase, depois entram em fase e em seguida ficam fora de fase.
Nesse intervalo, I3, A altitude A1 fica positiva e a altitude A2 fica negativa, indicando uma inversão na
posição do centro positivo com o negativo (ver legenda da figura 3).
Se as soluções encontradas forem confirmadas por uma rede maior de FM, considerando as distâncias entre as
altitudes, não é razoável supor que as cargas estejam se movendo entre as altitudes A1 e A2, e sim que
mecanismos de formação/aniquilação de cargas estejam agindo separadamente nessas regiões. Considerandose a convenção adotada por Jacobson e Krider (1976), invertendo os eixos positivo e negativo para as
altitudes, os dados das figura 3 são equivalentes aos daqueles autores. Entretanto, esses autores afirmam em
seu trabalho que o Campo elétrico registrado no solo, depois da ocorrência de um raio nuvem solo, respondia
em algumas dezenas de segundos e que esse fato está correlacionado com a atividade convectiva da nuvem
(Jacobson e Krider, 1976). Finalmente os valores encontrados para a magnitude das cargas, aplicando a
metodologia utilizada nessa análise prévia não satisfazem a conservação de carga dentro da nuvem.
4. CONCLUSÃO
Nesse trabalho apresentamos resultados preliminares da análise de FM para monitoramento de descargas
atmosferas sobre a cidade de São Paulo, sendo que podemos destarcar as seguintes conclusões: a) a atividade
de formação e aniquilação de cargas das nuvens é um mecanismo que pode ser bem descrito pela aplicação da
Lei de Coulomb a partir das observações de FM; b) Os dados registrados apontam para a possível adoção de
uma estrutura dinâmica mais complexa para as distribuições de carga dentro da nuvem; c) as descargas intra
nuvem podem ser esse mecanismo, agindo em distâncias bem menores dentro das altitudes A1 e A2,
invertendo as polaridades das regiões.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JACOBSON, E. A., KRIDER, E. P., Electrostatic Field Changes Produced by Florida Lightning, Journal of
Geophysics Research, p. 103, jan 1976.
KOSHAK, W. J., KRIDER, E. P., Analysis Of Lightning Field Changes During Active Florida
Thunderstorms, Journal of Geophysical Research,V. 94, N. D1, p.p. 1165-1186, Jan, 1989
LIVINGSTON, M. J., KRIDER, E. P., Electric Fields Produced by Florida Thunderstorms, Journal of
Geophysical Research, Vol 83, n. C1, jan 1978.
MACGORMAN, D. R.; RUST, W. D. The electrical nature of storms. Oxford, Oxford University, 1998. 422
p.
MURPHY, J. M., KRIDER, E. P. MAYER, E., Lightning charge analyses in small Convection and
Precipitation Eletrification (CaPE) experiment storms, Journal of Geophysical Research, vol 101, n. d23 p.p.
29615-29626, dec 1996.
STOLZENBURG, M., MARSHALL, T. C., Testing models of thunderstorm charge distributions with
Coulomb, s law, Journal of Geophysical Research,V. 99, N. D12, p.p. 25921-25932, Dec, 1994.
AGRADECIMENTOS: Os autores gostariam de agradecer ao CNPq pelo Projeto Universal número:
476836/2007-7, responsável pelo desenvolvimento deste trabalho.
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