José Alegre Mesquita
A
Escola
na
Sociedade do Conhecimento
UM ESTUDO SOBRE AS NOVAS TECNOLOGIAS
DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇAO
E AS SUAS POSSÍVEIS APLICAÇÕES NO CONTEXTO EDUCATIVO
Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade
de Trás-os-Montes e Alto Douro, sob a orientação do
Professor Doutor José Esteves Rei.
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Vila Real 2002
A escola na sociedade do conhecimento
“Ser pessoa é ter curiosidade (...) Há muita gente com boas ideias e a Internet é uma
forma de as aproximar. De repente, a curiosidade de cada um ficou disponível para o
mundo inteiro”.
Harold Kroto, prémio Nobel da Química em 19961
1
Sara Sá, “Entrevista a Harold Kroto” in Visão n.º 506 de 14 a 20 de Novembro de 2002, p. 15.
2
A escola na sociedade do conhecimento
Agradecimentos
À Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, pólo dinamizador de uma
região que engloba os distritos de Bragança e Vila Real, tem sabido ir de encontro às
necessidades de formação local, é vector de desenvolvimento e por ela passam muitas
das esperanças para esta terra, uma das mais ostracisadas e deprimidas do país. Através
da formação curricular concebida no âmbito do Mestrado em Cultura Portuguesa, nos
permitiu e nos proporcionou alargar horizontes na formação pessoal, sobretudo na área
da cultura portuguesa e particularmente, na especificidade da cultura transmontana que
continua a contribuir para o enriquecimento da identidade nacional.
Apraz-me salientar o inegável enriquecimento, ensinamentos e aprendizagens
protagonizados e proporcionados pelo corpo docente do Mestrado, que homenageio na
pessoa do seu director, Professor Doutor Fernando Moreira, que se mostrou sempre
inteiramente disponível para todas as solicitações.
Uma palavra de especial apreço, admiração e consideração devo-a ao Professor
Doutor José Esteves Rei pelo seu permanente incentivo, pela sua elevada dedicação,
disponibilidade e competência, no longo percurso de orientação, que por si tornou
possível e realizável este trabalho.
Um agradecimento cordial a todos os meus colegas do primeiro Mestrado em
Cultura portuguesa, pelo apoio e colaboração que me concederam de forma
desinteressada.
Agradeço à minha família, particularmente à minha esposa e filhos, a
compreensão afectiva, a persistência dos alentos e a disponibilidade que me
proporcionaram e jamais recompensada, sem os quais tal tarefa se adivinharia de difícil
persecução. Maria do Céu, Francisco e Sofia, perdoem-me as faltas de disponibilidade,
sem a vossa paciência nunca conseguiria.
Devo salientar, a colaboração e empenho do colega e amigo Alexandre
Rodrigues dos Anjos e do amigo Paulo Jorge dos Santos Moura pelas achegas e a
paciência de escutar algumas dúvidas e lamentos. Quero ainda relevar a disponibilidade
do coordenador do projecto “Os Catraios” do Instituto Politécnico de Bragança, Dr.
Victor Manuel Barrigão Gonçalves.
3
A escola na sociedade do conhecimento
ÍNDICE GERAL
Agradecimentos..............................................................................................................3
ÍNDICE GERAL.......................................................................................... 4
Índice de quadros ........................................................................................................8
INTRODUÇÃO ........................................................................................... 9
0. DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA .......................................... 14
0.1 Descrição do contexto .......................................................................................16
0.1.1 A escola na sociedade da informação .................................................................19
0.1.2. A informática nos currículos escolares ..............................................................22
0.1.3 Desafios do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação na
educação.......................................................................................................................24
0.2 Navegaremos rumo ao futuro como bons marinheiros ........................27
0.3 Metodologia ..........................................................................................................29
0.3.1 As principais hipóteses........................................................................................30
0.3.2 Técnicas de recolha de dados..............................................................................31
1. FUNDAMENTOS DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E
DA COMUNICAÇÃO ............................................................................. 33
1. 1 A Comunicação é a ideologia dos nossos tempos ...................................34
1.1.1 O conceito de informação, comunicação e media...............................................35
1.1.2 A relação entre a educação e a comunicação ......................................................38
1.1.3 Desenvolvimento dos computadores e das redes de comunicação .....................39
1.1.3.1 Breve história das redes de comunicação.....................................................42
4
A escola na sociedade do conhecimento
1.1.3.2 Principais características da Internet............................................................44
1.2 Interpretações sobre as mudanças tecnológicas na sociedade da
informação ...................................................................................................................46
1.2.1 A visão negativa..................................................................................................47
1.2.2 A visão positiva...................................................................................................53
1.2.3 Análise crítica......................................................................................................56
1.3 A informação e a comunicação geradoras do conhecimento..............58
1.3.1 Dimensão do processo de interacção ..................................................................60
1.3.1.1 A interactividade na sociedade pós-industrial..............................................60
1.3.1.2 A interactividade no processo educacional ..................................................62
1.3.2 O hipertexto, o hipermédia e o multimédia.........................................................63
1.3.3 Andamentos na construção da sociedade da informação....................................65
1.3.4 A sociedade da exigência cognitiva ....................................................................68
2. A EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E
DA COMUNICAÇÃO ....................ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
2.1 O ensino e os professores num mundo em mudança ..... Error! Bookmark
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2.1.1 Abordagem histórica da comunicação e o seu reflexo no acto educativo... Error!
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2.1.2 Paradigmas educacionais emergentes ................. Error! Bookmark not defined.
2.1.2.1 A aquisição do conhecimento na criança ..... Error! Bookmark not defined.
2.1.3 A dimensão mediática no acto educativo............ Error! Bookmark not defined.
2.2 Software educativo, ensino à distância e ambientes virtuais de apoio
ao ensino ........................................................................... Error! Bookmark not defined.
2.2.1 A importância do software educativo, suporte da construção cognitiva em
interacção ..................................................................... Error! Bookmark not defined.
5
A escola na sociedade do conhecimento
2.2.1.1 A produção de software educativo em Portugal .........Error! Bookmark not
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2.2.1.2 Características do software educativo: a dimensão didáctica, cognitiva e
lúdica ........................................................................ Error! Bookmark not defined.
2.2.2 Ambientes virtuais de apoio ao ensino................ Error! Bookmark not defined.
2.2.3 O ensino à distância ............................................ Error! Bookmark not defined.
2.3 A sociedade do futuro constrói-se com o conhecimento ................. Error!
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2.3.1 Prioridade à educação e à formação.................... Error! Bookmark not defined.
2.3.2 Construir uma sociedade de informação para todos ..........Error! Bookmark not
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2.3.2.1 A iniciativa eEuropa: medidas e consequências.........Error! Bookmark not
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2.3.2.2 A iniciativa eLearning ou o ensino em linhaError! Bookmark not defined.
2.3.3 Portugal na Sociedade da Informação, experiências e progressos na área do
ensino ........................................................................... Error! Bookmark not defined.
2.4 Integração das tecnologias de informação e comunicação na escola
.............................................................................................. Error! Bookmark not defined.
2.4.1 O computador e a Internet nas escolas ................ Error! Bookmark not defined.
2.4.1.1 A utilização da Internet e das redes telemáticas em contexto educativo
.................................................................................. Error! Bookmark not defined.
2.4.1.2 A utilização das TIC pelos professores........ Error! Bookmark not defined.
2.4.1.3. Estudo de dois casos.................................... Error! Bookmark not defined.
2.4.2 Competências básicas em Tecnologias de Informação e Comunicação no Ensino
Básico........................................................................... Error! Bookmark not defined.
2.4.2.1 Competências essenciais em Tecnologias de Informação e Comunicação no
1.º Ciclo do Ensino Básico....................................... Error! Bookmark not defined.
2.4.3. As novas tecnologias no contexto da autonomia e gestão das escolas ...... Error!
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6
A escola na sociedade do conhecimento
3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA
PORTUGUESA ...............................ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
3.1 A globalização e a afirmação da diversidade e da interculturalidade
.............................................................................................. Error! Bookmark not defined.
3.1.1 O processo evolutivo da globalização................. Error! Bookmark not defined.
3.1.2. A era da aldeia global......................................... Error! Bookmark not defined.
3.1.3 A escola no mundo globalizado .......................... Error! Bookmark not defined.
3.2 A cultura portuguesa e o espaço global .......... Error! Bookmark not defined.
3.2.1 Alguns choques de aculturação........................... Error! Bookmark not defined.
3.2.2 A vocação da universalidade lusíada .................. Error! Bookmark not defined.
3.2.3 Agostinho da Silva: o universalismo português e o reflexo num projecto de
escola............................................................................ Error! Bookmark not defined.
3.2.4 Enfrentar os desafios ........................................... Error! Bookmark not defined.
CONCLUSÕES ...............................ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
ƒ
A comunicação, nova ideologia, condiciona a organização social e o
desenvolvimento humano - Educar para os media, um desígnio da educação do
futuro .................................................................... Error! Bookmark not defined.
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Com a educação e a formação é possível construir uma sociedade de
informação para todos .......................................... Error! Bookmark not defined.
ƒ
A integração das TIC na escola enquadra-se nos novos paradigmas
educacionais e contribuem para o reencantamento da escola ... Error! Bookmark
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ƒ
As TIC potenciam a construção da autonomia nas escolas.................. Error!
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ƒ
As TIC podem desenvolver a diversidade e a permuta de saberes e ajudam
ao intercâmbio de afinidades culturais................. Error! Bookmark not defined.
BIBLIOGRAFIA ..............................ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
7
A escola na sociedade do conhecimento
ENDEREÇOS ELECTRÓNICOS .......................... Error! Bookmark not defined.
PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS: ............................ Error! Bookmark not defined.
LEGISLAÇÃO............................................................... Error! Bookmark not defined.
Índice de quadros
Quadro 1 - Do desenvolvimento das tecnologias............................................................24
Quadro 2 – classificação sinóptica da Universidade do Minho para o desenvolvimento
dos computadores ............................................................................................................86
Quadro 3 – Percentagem de retenção mnemónica segundo Socony-Vacuum Oil Co.
Studies .............................................................................................................................87
Quadro 4 – Classificação da retenção do conhecimento segundo Edgar Dale ..............88
Quadro 5 – Penetração da Internet nos agregados familiares da UE em Dezembro de
2001 por 100 habitantes .................................................................................................118
Quadro 6 - Custos de acesso à Internet por linha telefónica entre Setembro de 2000 e
Agosto de 2001 ..............................................................................................................119
Quadro 7 - Computadores on-line por 100 alunos em Maio de 2000 no espaço
comunitário ....................................................................................................................120
8
A escola na sociedade do conhecimento
Quadro 8 - Número de alunos por computador e por computador com ligação à Internet
em estabelecimentos de ensino de Portugal Continental - DAPP, Ano Escolar
2001/2002, valores provisórios .....................................................................................141
INTRODUÇÃO
Num Mestrado, cuja temática é a cultura portuguesa, poderá pensar-se, numa
análise ligeira e errada, haver pouca relação com a abordada nesta monografia. Uma
sociedade baseada na troca de informação e em que o acto comunicativo é essencial nas
relações humanas e interage com todas as suas actividades, o fenómeno cultural,
sinónimo de conhecimento, de costumes, de patrimónios... passíveis de ser transmitidos,
é particularmente visado por este fenómeno de trocas. A sociedade de informação,
entendida como acto comunicativo global sem fronteiras, amplificadora quase
instantânea de factos, conceitos e ideias díspares, transformadora de um mundo humano
multifacetado e complexo em “aldeia global”
interage também com a realidade
portuguesa, determina hábitos, veicula ideologias, modos de vida, pressiona a língua e
todas as facetas culturais.
A nova realidade baseada na aquisição, tratamento, processamento, edição,
distribuição e gestão de informação recorrendo a processos tecnológicos cada vez mais
complexos, mas que simultaneamente se tornam mais simples e intuitivos para o
utilizador, tem um efeito considerável no desenvolvimento e dinamização de todos os
sectores de actividade do campo humano. No campo educativo, não ter em conta as
novas tecnologias de aquisição do conhecimento, baseadas na informática, na
9
A escola na sociedade do conhecimento
computação e nas redes informativas, é isolar a escola do mundo em que vivemos, é
privá-la de uma ferramenta poderosa de promoção do saber e inovação e proceder à sua
descaracterização de instituição que transmite, constrói e certifica saberes e prepara
indivíduos para a vida activa.
Se as novas tecnologias aportam novas valências à escola de hoje, são dela
indissociáveis, consequência de uma sociedade competitiva e exigente condicionada
pelo digital e pela necessidade de actualização constante. Hoje mais do que nunca, a
comunidade educativa deve reflectir sobre a utilidade da introdução das novas
tecnologias de informação e comunicação nas actividades escolares: São variadas as
funções que as tecnologias de informação, nestas duas vertentes, cumprem: geram novos
conhecimentos e metodologias; servem de elemento auxiliar às actividades docentes de
planificação, exposição e avaliação; funcionam como instrumento de comunicação
didáctica de conteúdos; simplificam as actividades administrativas e outras.
Nesta encruzilhada histórica que vivemos, toldada de pessimismos e incertezas, é
normal dizer-se que a educação, a formação e o conhecimento são as chaves mestras do
desenvolvimento humano que poderão permitir à humanidade encarar com algum
optimismo os desafios que se lhe colocam. Um forte desenvolvimento económico de
altos níveis de produção e assente na inovação tecnológica pressupõe um investimento
na educação, na formação profissional contínua e na investigação e não pode estar
desligado das novas ferramentas educativas baseadas na informática e no digital.
O nosso trabalho divide-se em três partes. Partimos de uma clarificação de
conceitos ligados a esta temática, de interpretações filosóficas e sociológicas sobre as
mudanças tecnológicas e da constatação da premência da sociedade da informação como
geradora de conhecimento, surgindo questões a que procurámos dar resposta ou tão só
fomentar a reflexão. Que medidas estão a ser implementadas, a nível comunitário e
nacional para a construção desta sociedade da informação no sistema de ensino, em que
todos tenham lugar e que balanço fazer da sua implementação? Como integrar as novas
tecnologias na escola de hoje e que mais valias elas aportam à comunidade educativa?
Será possível preservar as especificidades próprias num confronto desigual com
realidades culturais mais poderosas e também agressivas?
No primeiro capítulo apresentaremos a fundamentação teórica da sociedade da
informação e da comunicação. A comunicação e a educação sempre andaram juntas e foi
10
A escola na sociedade do conhecimento
com o acto comunicativo, voluntário ou não, que o homem conseguiu transmitir
conhecimentos, atitudes e comportamentos. Se uma das funções do acto comunicativo é
educar, o objectivo do educador foi sempre a transmissão dos conhecimentos de uma
forma fácil e rápida. Isto levou a que o fenómeno educativo estivesse intimamente
relacionado com a evolução dos media, isto é, as ferramentas que servem para
“transmitir, conservar e amplificar as mensagens”.2 A evolução tecnológica dos media
condicionou o acto de educar como Cloutier tão bem teoriza. Assim, as primeiras
transmissões do conhecimento, que pertenceram à família ou ao clã e se aconteceu
desaparecer um determinado grupo de indivíduos por acção de uma calamidade natural
ou não, morriam também todos os conhecimentos por ele adquiridos; Só a invenção da
escrita permitiu o nascimento da escola e da história. Posteriormente, a invenção da
imprensa possibilitou a massificação dos media, o alargamento das comunidades
escolares e a sua massificação3. Actualmente, os avanços tecnológicos dos media estão a
atingir formas evoluídas e complexas de desenvolvimento que influenciam todas as
relações humanas e se transformaram em vectores fundamentais de desenvolvimento.
O devir que as novas técnicas propiciaram deu origem a uma polémica que se
centra na aceitação entusiástica ou na sua condenação demolidora. Ambas as posições
transportam argumentos que merecem uma reflexão e abrem pistas para a utilização da
“tecnologia intelectual”4. Os novos media, fundamentados em esquemas computacionais
e nas redes de comunicação, suportam a construção de uma sociedade evoluída cuja
principal característica é o conhecimento. Esta construção de uma nova sociedade tem
como suporte a educação escolar e a formação contínua e os grandes princípios são a
interacção, a exigência, a autonomia, a liberdade e a responsabilidade.
No segundo capítulo questionaremos o acto educativo inserido na exigente e
complexa sociedade da informação. Com a abordagem crítica da evolução histórica das
tecnologias educativas, tentaremos compreender a sua importância; questionaremos a
necessidade ou não da mudança dos paradigmas educacionais nas suas vertentes
epistemológicas e pedagógicas resultante da profunda transformação social e das
2
Jean Cloutier, A era de emerec ou a comunicação áudio-scripto-visual na hora dos self-media – Lisboa:
Ministério da Educação e Investigação Científica – Instituto de Tecnologia Educativa, s.d., p.15.
3 Ibidem, p. 49-57.
4 Conf. Pierre Lévy, A máquina universo (criação, cognição e cultura informática)- Lisboa: Instituto
Piaget (epistemologia e sociedade), 1995, p. 10.
11
A escola na sociedade do conhecimento
valências tecnológicas ao serviço do conhecimento; analisaremos as diversas
contribuições que o universo digital trouxe à educação/formação, a necessidade de
apostar no software, a importância e as potencialidades dos ambientes virtuais de apoio
ao ensino e a educação em linha (elearning), fundamentadas no estudo de algumas
experiências; reflectiremos sobre os programas e planos de acção comunitários e
nacionais de uma sociedade de informação para todos e a emergência de uma cultura do
ciberespaço, analisaremos várias experiências da integração das novas tecnologias no
ensino, a necessidade de implementar competências básicas nas tecnologias de
informação e comunicação à saída do Ensino Básico e também de elas serem um
instrumento precioso na nova gestão escolar.
Na terceira e última parte do trabalho reflectimos sobre a sociedade global,
determinada pelas novas tecnologias, as especificidades culturais e a importância da
sociedade da informação na estandardização de atitudes culturais. O uso das tecnologias
de informação e comunicação, nomeadamente a Internet, tem uma ambivalência: se por
um lado, podem proporcionar a primazia de modelos sócio-culturais e o definhamento
de outros gerando a uniformização, por outro, são ferramentas fundamentais para a
redescoberta de raízes e marcas identitárias próprias, nomeadamente a criação de uma
política de defesa da língua. A segunda possibilidade, quiçá mais difícil, mas exequível
se implicar um esforço material, institucional e organizacional.
Com este meio é
possível, em primeiro lugar, construir espaços próprios, diversificados e afirmativos
porque não isolados, mas integrados na grande comunidade da aldeia global; em
segundo lugar, estabelecer parcerias de interesses comuns, desenvolver afinidades,
trocar experiências e construir percursos comuns e por último reatar convívios culturais
e linguísticos, no espaço particular da lusofonia, que os erros do passado, as distâncias
produzidas pela descolonização e as políticas egoístas interromperam ou terminaram.
Com a construção da sociedade da informação e da comunicação “estamos a
viver e a experimentar uma ‘revolução silenciosa’ que não se manifesta em grandes
tumultos sociais, que não se expressa pela queda das instituições políticas, mas que é
capaz de abalar o conceito de soberania dos Estados e obrigar ao respectivo
posicionamento”.5 Esta “revolução” introduz mudanças radicais para as quais temos
5
Raul Junqueiro, A idade do conhecimento a nova era digital, Lisboa: Editorial Notícias, Maio de 2002,
p. 22.
12
A escola na sociedade do conhecimento
obrigatoriamente de nos preparar. O conhecimento será o aspecto mais relevante e fará a
diferença entre as sociedades desenvolvidas e não desenvolvidas. Nesta encruzilhada da
história pensamos pertencer à escola, que é na sua definição “pátria” do conhecimento,
um papel fundamental.
Este é um trabalho de uma ambiciosa abrangência e poderá criar alguma
dispersão, assumimos o risco para ter uma visão global deste problema. Num mundo que
premeia o pragmatismo, a futilidade e o óbvio, acreditamos nos saberes consolidados,
numa formação que contemple todas as facetas do ser humano e é deste ponto de vista
que partimos. A integração das tecnologias de informação e comunicação na escola pode
levar a uma sociedade mais evoluída, mais conhecedora e por isso mais fraterna e justa,
a que denominamos sociedade do conhecimento. Não escondemos que embora o nosso
trabalho tenha objectivos científicos, nos norteia o optimismo na busca de uma escola
ideal e utópica para onde apetecesse ir todas as manhãs.
13
A escola na sociedade do conhecimento
0. DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA
Actualmente, o mundo transita por uma época a que muitos chamam a “era da
comunicação” onde o avanço tecnológico passa como um rolo compressor
transformando rapidamente o nosso quotidiano. O olhar sobre o mundo transformou-se.
Passámos a vê-lo de todos os quadrantes: do interior para o exterior e do espaço para o
pormenor da célula. A este novo estádio convencionou chamar-se a sociedade pósindustrial ou pós-moderna em que “não serão a energia e a força muscular que liderarão
a evolução, mas sim o domínio da informação”.6
O crescimento pessoal está entrosado com a nossa experiência directa e com a
nossa experiência indirecta, com o que acontece no nosso bairro ou no país mais
distante. A época da informação e da comunicação está a construir-se com o que está
perto de nós, mas também com o que está imensamente longe, tudo nos poderá ser
familiar e determina as nossas vidas já que entra pela janela do jornal, da revista, da
televisão e do computador. A informação é uma grande película magnética que envolve
o Universo, tornando-se, nos dias de hoje, vital à sobrevivência da espécie humana no
grau de desenvolvimento conhecido. Qual atmosfera que contém o oxigénio, assim o
fenómeno comunicativo alimenta as relações sociais.
6
Livro Verde para a sociedade de informação – Iniciativa Nacional para a Sociedade da Informação, in
(http://www.mct.pt/PtSocInfo/indice.htm), p. 9, em 15 de Abril de 2002.
14
A escola na sociedade do conhecimento
Com a descoberta do registo magnético e da inteligência artificial, a metáfora
platónica7 de dois mundos, o sensível e o inteligível, tem adaptação a esta nova era
constituída por dois cosmos que se tocam, interdependem e para muitos se confundem: o
mundo real e o mundo virtual. Esta metáfora toma forma consistente na dicotomia entre
mundo virtual, que habita o ciberespaço, constituído por vagas electromagnéticas, e a
correspondente realidade. O universo das ideias manifesta-se em novas linguagens e
códigos semióticos suportados pelas novas tecnologias podendo ser operadas de uma
forma simples e assombrosa. A realidade pode, pois, transformar-se no mundo virtual e
quantificar-se numa infinidade de bytes. Esta possibilidade de transformação, de
controlo da realidade criou uma revolução no nosso mundo, o homem através do digital
aproximou-se mais dos “deuses”, na medida em que parece nada lhe ser impossível.
Assim, no virtual todas as manipulações da realidade são possíveis.
Por outro lado, a máquina substituiu-se-lhe no trabalho mais árduo, deixando-lhe
as tarefas do espírito. Podemos afirmar que “o mundo em que vivemos perdeu,
irremediavelmente, o seu paradigma analógico. Já nada é o que é. Tudo é a mesma coisa
e serve para codificar e representar tudo o que é necessário para manter a matriz da
realidade. Por detrás do estado sólido das coisas, está a informação digital, vibrante e
luminosa”.8
A nova era está a criar comunidades sem fronteiras, de comunicação biunívoca e
interactiva através do ciberespaço. Por um lado, a estandardização de comportamentos e
modelos sociais põe em causa especificidades culturais, económicas e sociais; por outro,
dá a possibilidade de divulgar e potenciar culturas e estados sociais minoritários.
A organização social é fragmentada e especializada, visando a formação de mãode-obra qualificada e preparada para os novos desafios. O contínuo devir trouxe novos
problemas e a necessidade de um novo paradigma centrado na permanente actualização
e na adaptação a um mundo em “mudança”. O conhecimento é fundamental para este
novo homem que desponta na aurora do século XX, o seu acesso e actualização não
7
Platão admite que os conceitos da nossa mente são uma imagem reflectida de uma realidade
transcendente e as essências das coisas são uma imagem reflectida desta realidade. É a metáfora das
sombras na caverna. As coisas sensíveis participam da perfeição das ideias (metexis) e as coisas reais
surgem como imitação dessas mesmas ideias (mimexis).
8
, Dr. Bacali, “Iluminações” in Semana Informática, n.º 85, Julho de 2002, p.24.
15
A escola na sociedade do conhecimento
corresponde a uma fase escolar, mas é um processo de toda a vida e é uma necessidade
vital.
O que é esta era da comunicação ou sociedade de informação, sociedade em
rede, economia digital, revolução digital ou sociedade do conhecimento9? Vamos anotar
para reflexão a definição adiantada pelo Livro Verde para a Sociedade de Informação.
“A sociedade de informação corresponde [...] a uma sociedade cujo funcionamento
recorre crescentemente a redes digitais de informação”.10 A evolução dos meios de
comunicação por via do incremento da informática, associada ao desenvolvimento do
hardware, do software e das redes criou as novas tecnologias de informação. As redes
digitais associadas a estruturas computacionais estão cada vez mais associadas a todas as
actividades do campo humano, tornando-as essenciais na sociedade moderna.
Se há duas ou três décadas era ainda impreciso o impacto que o computador tinha
na vida diária do comum dos cidadãos, actualmente não restam dúvidas da sua
influência sobre todos os sectores da vida social, cultural e económica “... a informática
inaugura a 2.ª revolução industrial (...). Sem comparação possível com a pedra lascada,
muito mais profunda que a invenção da imprensa e muito mais radical que a invenção da
máquina a vapor.”
11
. Claramente este facto trouxe novas exigências ao campo da
educação e da formação dos indivíduos, obrigando-os ao desenvolvimento de novas
competências.
O aparecimento das novas tecnologias de informação e comunicação e a sua
arquitectura em “rede” veio reforçar o papel do professor e da escola porque, numa
sociedade altamente competitiva, a qualificação é um factor essencial e a base da sua
organização. A necessidade de aprendizagem da leitura e da escrita e do domínio das
línguas estrangeiras continua a ser primordial no acesso à informação e à cultura, porém,
novos desafios se colocaram à escola. Entre muitos outros, destacamos aqueles que
passam por uma contínua construção de pontes para o mundo que nos cerca, pela
9
António Cachapuz prefere o termo de sociedade do conhecimento a sociedade de informação porque
informação é aquilo que é oferecido ou posto à disposição e conhecimento é aquilo que é construído. Cf.
Conselho Nacional da Educação, A Sociedade de Informação na Escola, Lisboa: CNE (Seminários e
colóquios), 1998, p. 37. Fabrício Caivano refere que a “notícia não é conhecimento”. O conhecimento
exige um caminho e uma construção individual. Cf. Manuel Pinto, Guia do Professor – A imprensa na
escola, Lisboa: Cadernos Públicos na escola, 1991, p. 10.
10
Livro Verde para a Sociedade da Informação,
(http://www.cisi.mct.pt/ficheiros/ficheiros/si/docsProg/fsidp004.pdf), p. 9.
11
Cf. Álvaro Miranda Santos, Informática e Psicologia, Lisboa: EDISPA, 1971, p. 12.
16
A escola na sociedade do conhecimento
habilitação para operar os novos instrumentos de acesso ao saber, a capacidade de
produção de conhecimento para não ser um mero receptor de informação, pelo
desenvolvimento das atitudes de análise e espírito crítico advindas da sobre-informação,
pela necessidade de criar uma nova ética de coabitação no ciberespaço e obstar a
possibilidade de criar novas formas de discriminação e exclusão. No espaço educativo e
pela educação, é possível afirmarmos a nossa identidade e criar espaços de
relacionamento com o mundo, particularmente, o mundo “lusófono”. O segredo está no
aproveitamento das potencialidades que as novas tecnologias nos proporcionam.
0.1 Descrição do contexto
A análise dos factos e a constatação de diversos especialistas aliada à nossa
experiência, levam-nos a concluir que as novas tecnologias têm tido pouco impacto na
educação ou, a sua integração tornou-se, quase sempre, suporte puramente técnico. O
que se tem feito é ainda insuficiente: a improvisação, os casos com sucesso são isolados
e pontuais, o esforço financeiro para dotar as escolas de equipamentos e meios e a sua
racionalização é manifestamente muito pouco para as virtualidades que as novas
tecnologias transportam e podem ser postas ao serviço da educação. Para este
“insucesso” também têm contribuído vários factores que passam pela falta de formação,
a ausência de persecução metódica, as estratégias político-didácticas e, sobretudo, a
motivação e resistências à mudança e à inovação dos agentes da comunidade educativa,
agravada pela escassez e ausência de meios. Estes factos contribuem para a descrédito
da instituição escolar.
Adiantamos algumas razões para a perda de protagonismo da instituição escolar.
Até há bem pouco, a escola era o centro da produção do conhecimento. Dela emanava
para a sociedade e esta respondia se solicitada a dar respostas. Esta relação de causa e
efeito perverteu-se e tornou-se mais complexa: a gestão do conhecimento encontra-se,
agora, no conjunto das actividades humanas. Se por um lado, a escola perdeu a
hegemonia da produção de conhecimento; por outro, deixou escapar também a sua
17
A escola na sociedade do conhecimento
hegemonia socializadora e tem de partilhar com os meios de informação e comunicação
a formação cultural dos educandos. É este o desafio que se coloca à comunidade
educativa e que urge dar respostas para validar a razão de ser da escola, mudando
metodologias e práticas para as adaptar à nova sociedade cada vez mais dependente das
tecnologias de informação e comunicação.
No final da década de sessenta, as Nações Unidas consideraram as novas
tecnologias vectores essenciais de desenvolvimento económico e social, e essa certeza
tem-se alicerçado cada vez mais com o decorrer do tempo12. Kofi Annam dá-lhe
particular importância ao afirmar: “the new technologies that are changing our world are
not a panacea or a magic bullet. But they are without doubt enormously powerful tools
for development. They create jobs. They are transforming education, healthcare,
commerce, politics and more. They can help in the delivery of humanitarian assistance
and even contribute to peace and security.” Elas não serão o pó mágico para tudo
resolver, contribuem e são peças fundamentais para o desenvolvimento humano. A
globalização, fruto dos mercados sem fronteiras, tornou o mundo mais competitivo e
quem não se actualiza, não acompanha o ritmo de desenvolvimento, fica para trás com
prejuízo do nível de vida e do bem estar social.
A Europa também já iniciou a caminhada para a Sociedade da Informação. Um
primeiro passo foi dado com o Livro Branco sobre a Educação e a Formação –
Enseigner et Apprendre vers la société cognitive que procura “contribuir com as
políticas de educação e formação dos Estados – Membros, para colocar a Europa na via
da sociedade cognitiva, baseada na aquisição de conhecimentos, onde ensinar e aprender
são um processo contínuo ao longo da vida”.13 O documento nasce em Novembro de
1995, faz a análise da situação e as respostas encontradas pressupõem a necessária
transformação da sociedade europeia. Com intuitos mais de planificação de trabalhos na
construção da sociedade da informação surge o programa eEuropa, do Conselho
Europeu de Lisboa de 23 e 24 de Março de 2000 que dá resposta planificada aos novos
desafios. A palavra de ordem é: eEuropa – uma sociedade da informação para todos e
tem como objectivo central “colocar ao alcance de todos os cidadãos europeus as
12
Kofi Annam – S. G. das Nações Unidas (Novembro de 2001) (http://www.un.org/).
13
Educação – Formação e Juventude, “Livro Branco sobre a
(http://europa.eu.int/scadpus/leg/pt/cha/c1028.htm), p. 1 em 24-04-2002.
18
educação e a
formação”
A escola na sociedade do conhecimento
vantagens da Sociedade da Informação”14. Nesse mesmo Conselho Europeu nasce a
iniciativa eLearning – Pensar o futuro da educação com o objectivo de “mobilizar as
comunidades educativas e de formação, bem como os agentes económicos, sociais e
culturais, a fim de realizar os objectivos definidos pelo Conselho Europeu de Lisboa,
para permitir à Europa recuperar o seu atraso e acelerar a instauração da sociedade do
conhecimento"15.
O futuro já começou e as novas tecnologias alargam-se a todas as actividades
humanas. No sector primário, o trabalho manual foi substituído pelas máquinas. Na
indústria, os operários são substituídos por robôs que necessitam de ser programados. Na
área de serviços há uma enorme qualificação dos recursos humanos que terão de
comunicar com terminais cada vez mais complexos e exigentes para atender
rapidamente todas as solicitações de uma sociedade evoluída. Os ambientes sociais
tornaram-se complexos e não pactuam com profissionais sem qualificação.
As novas tecnologias invadem a vida das pessoas. A informação pode ser
copiada instantaneamente e com poucos custos, separa barreiras físicas e até eventuais
intermediários. A acessibilidade ao saber é possível em qualquer lugar assim como criar
parcerias de investigação em qualquer parte do planeta.
A grande quantidade de informação que as novas tecnologias põem ao serviço do
utente tornam-no “decisor”. No contexto educativo, a utilização de um Website,
enquanto material de apoio, deve ser fundamentada por uma avaliação que permita não
só verificar os aspectos gráficos de usabilidade, mas também aspectos inerentes à
funcionalidade e ao conteúdo, tais como a credibilidade, a correcção e a actualidade. Os
saberes propagam-se à velocidade da luz, constroem-se em permuta, perdem actualidade
num piscar de olhos, adquirem-se por múltiplos meios:
acelerou-se no mundo a
exigência da informação.
0.1.1 A escola na sociedade da informação
14
Sociedade da Informação - eEuropa – Uma sociedade de informação para todos
(http://europa.eu.int/scadpus/leg/pt/lvb7124221.htm), p. 1 em 27-04-2002.
15
Educação – Formação: Sociedade da Informação eLearning – pensar o futuro da educação
(http://europa.eu.int/scadpus/leg/pt/cha/c11046.htm), p.1 em 24-04-2002.
19
A escola na sociedade do conhecimento
À escola assiste o dever de procurar respostas flexíveis e adaptadas a este mundo
em mudança. Cada vez se torna mais penoso estudar exclusivamente por manuais que se
desactualizam rapidamente. A era da comunicação e da informação exige que a escola
recrie um ambiente de aprendizagem, rica em recursos, onde haja acesso às novas
tecnologias de comunicação, caracterizado pela interactividade, pela capacidade de uso
individualizado e que os currículos ofereçam uma visão holística do conhecimento
humano e do universo. As novas tecnologias deverão unir a escola e a comunidade para
que se inter-relacionem no desenvolvimento da sociedade.
A educação é pedra fundamental na construção de uma sociedade baseada na
informação, no conhecimento e na aprendizagem. As desigualdades sociais, de regiões,
de países e de continentes são-no essencialmente pelo factor discriminatório no acesso
ao conhecimento e às dificuldades tecnológicas da concretização de inovação. O fosso
que separa os países desenvolvidos dos chamados de terceiro mundo centra-se,
primordialmente, na posse ou não de conhecimento e na capacidade de o usar.
Educar numa sociedade de informação e comunicação não é só adquirir um
conjunto de técnicas fundamentais para a utilização das tecnologias, mas,
primordialmente adquirir as competências essenciais que permitam produzir bens e
serviços, saber tomar decisões fundamentadas quanto ao que se quer ou não conhecer,
saber operar com destreza os instrumentos postos à disposição no seu trabalho, aplicar
com criatividade os novos meios em situações simples ou sofisticadas.
Porque, é necessário não descurar a formação dos indivíduos para a volatilidade
dos conhecimentos e técnicas adquiridas, a formação dos alunos e professores deve estar
voltada para a formação contínua fruto da acelerada transformação do conhecimento
com base no avanço tecnológico. A educação é, agora, um processo individual de acordo
com as necessidades e o ritmo de cada um, por isso centrada no aluno e voltada para a
necessidade de o dotar de atitudes de responsabilidade e de autonomia para a construção
contínua do seu conhecimento. Aquele que não se actualiza perde espaço e
credibilidade.
A atracção que as novas tecnologias exercem sobre a classe política executiva,
onde pontuam muitos tecnocratas, que pensam a implementação das infra-estruturas
tecnológicas e as suas aplicações poder-se-á dar azo ao privilégio das estruturas físicas e
de capacitação tecnológica em detrimento de outros aspectos tão ou mais relevantes: "ter
20
A escola na sociedade do conhecimento
em casa a enciclopédia britânica não transforma um idiota em Einstein, nem uma vítima
de ileteracia em letrado..."16 Pois, para além do equipamento, a formação e a motivação
dos agentes são aspectos a considerar.
A resolução do Conselho de Ministros do XIII governo português de 22 de
Agosto de 200017, lançou a iniciativa Internet, onde se estabeleceram algumas das metas
do executivo. Os objectivos eram:
ƒ
levar a Internet a 50 % da população portuguesa e a metade dos lares até
2003;
ƒ
instalar postos públicos de acesso em todas as freguesias;
ƒ
multiplicar por dez todos os anos os conteúdos portugueses na Internet até
2004 e potenciar o volume do comércio electrónico nas empresas;
ƒ
digitalizar todos os serviços públicos até 2005 (todos os formulários oficiais
na Internet em 2002, possibilidade de submissão electrónica generalizado em
2003);
ƒ
formar dois milhões de pessoas em competências básicas em TIC até 2006.
Preconizava-se ainda que todos os estudantes dos ensinos secundário e superior
deveriam ter acesso a computadores individuais em 2003 assim como todos os
professores deveriam possuir computadores individuais em casa em 2004.
A execução do plano de acção para a sociedade de informação implicou e
implica um grande esforço da sociedade portuguesa. Alguns objectivos já foram
atingidos nomeadamente a ligação à Internet de todas as escolas (atingido em 2001) e a
meta de 20 alunos por computador definida para 2003 foi assegurada em 2002. Os
valores monetários investidos são impressionantes na ordem dos cinco mil milhões de
euros. Posto isto que balanço fazer? Haverá uma real melhoria do ensino ou, tão-só, o
objectivo de governar para os media? Este esforço foi acompanhado de um real e
esclarecimento da população envolvida? Convém, referir que a erosão dos avanços
tecnológicos desactualiza, a breve prazo, equipamentos e programas o que pressupõe a
contínua credibilização de fundos para renovação de estoques. Vários estudos são feitos
um pouco por todo o lado, dos quais iremos dar conta, porém, o que nos parece essencial
16
MAGALHÃES, José - homo sapiens – Cenas da vida no ciberespaço – Lisboa: Quetzal Editores, 2001,
p. 162.
17
Resolução de Conselho de Ministros Nº 110/2000, publicado no Diário da República Nº 193, Serie I-B,
em 22/08/2000.
21
A escola na sociedade do conhecimento
é a necessidade da implementação das novas tecnologias na sala de aula na múltipla
valência da aprendizagem instrumental, até á sua utilização como receptora e geradora
de conhecimento, de desenvolvimento de parcerias que ajudem à divulgação e
manutenção de especificidades, do estabelecimento de metodologias e práticas que
contribuam para uma melhoria do processo educativo.
Os princípios universalmente aceites das modernas sociedades humanas têm de
estar presentes na construção da sociedade de informação e a sua relação com a Escola.
São eles a democracia e a cidadania: pretende-se o desenvolvimento de competências
não apenas instrumentais, mas sim uma verdadeira “educação para os media” e para a
comunicação.
Importa também conhecer e prevenir as novas formas de exclusão social que
poderão pôr de parte do sistema largas camadas da população: os chamados
infoexcluídos. Mariano Gago18, adverte-nos para estas legítimas preocupações “as
tecnologias de informação podem servir para libertar forças de cidadania e fazer
desabrochar solidariedades à escala planetária. Mas também podem usar-se para
controlar e fichar mais comodamente, para punir e vigiar o pensamento livre, para
sabiamente perseguir e cientificamente torturar.”19 Compete, em primeiro lugar, aos
cidadãos pressionar os governos e as organizações mundiais no sentido da criação de
mecanismos de vigilância para uma “navegação segura” mas que não ponha em causa a
liberdade, reciprocamente, as entidades oficiais proporcionem processos de modo a
incentivar a mobilização e a participação dos cidadãos. E esta reciprocidade de cultura
democrática e de cidadania deve ter lugar na escola a partir dos primeiros anos de
escolaridade.
0.1.2. A informática nos currículos escolares
O choque da nova tecnologia intelectual, como lhe chama Pierre Lévy20, no acto
educativo, trouxe diversas consequências. Uma delas é a duplicação das seguintes
18
ministro da Ciência e tecnologia dos XIII e XIV governos pós 25 de Abril.
José Mariano Gago et al. LivroVerde para a Sociedade de Informação em Portugal
(http://si.mct.pt/file?src=1&mid=1&bid=1), p. 5.
20
Pierre Lévy, A máquina universo (criação, cognição e cultura informática), Lisboa: Instituto Piaget
(epistemologia e sociedade), 1995, p.12.
19
22
A escola na sociedade do conhecimento
capacidades: o processamento numérico (exemplo: estatística, cálculos matemáticos); o
processamento do texto (exemplo: simplificação na edição e tratamento de texto); a
revolução da comunicação (exemplos: as redes de comunicação); o manuseamento e
tratamento de informação (exemplos: o hipertexto e a multimédia).
A utilização dos computadores e da Internet no ensino deixou de ter um espaço
próprio de aprendizagem, as paredes da sala de aula deixaram de fazer sentido. O
relacionamento do professor com o aluno e vice-versa é exequível para além do contacto
presencial. O acesso ao conhecimento pode ser feito em qualquer local. Os suportes do
conhecimento diversificaram-se, ao livro, juntaram-se, entre outros, o disco rígido, o
formato do CD-ROM, a disquete e a Internet. O digital permitiu ainda simplificar no
tempo e no dispêndio de energia numerosos cálculos e operações matemáticas, de
estatística, etc. Assim, além de propiciar uma rápida difusão de material didáctico e de
informações para encarregados de educação, professores e alunos, as novas tecnologias
permitem a construção interdisciplinar de informações produzidas individual ou
colectivamente,
o
desenvolvimento
de
projectos
entre
alunos
separados
geograficamente, bem como, a interactividade entre professores e investigadores de
várias partes do mundo no sentido do confronto de ideias e de descobertas comuns e um
melhor e mais rápido desempenho na execução de múltiplas tarefas.
A disciplina dedicada às TIC terá de ser uma disciplina autónoma, mas ao
mesmo tempo inter-relacionar-se com todas as áreas curriculares. A sua autonomia
conquista-a porque o manuseamento de linguagens procedimentais e de programação
terão de fazer parte do ensino e ponto de partida para outras práticas. A linguagem
procedimental será o conjunto de técnicas para executar determinada tarefa. A
linguagem de programação será o conjunto de regras para elaborar um raciocínio
complexo, que normalmente surge numa fase mais avançada do ensino. A utilização das
“máquinas” de uma forma “passiva” não é o único caminho no âmbito do
ensinar/aprender, a prática da programação é uma excelente iniciação ao pensamento
abstracto: não é a máquina que põe os alunos a pensar, mas serão estes que propõem
problemas para a máquina resolver.
A educação à distância é outro mecanismo dependente do computador e das
redes de comunicação, que tem evoluído e mostra-se, ocasionalmente, complementar do
ensino presencial, mas apenas substitutivo em fases avançadas. Aspecto que deverá
23
A escola na sociedade do conhecimento
merecer uma profunda reflexão, que comporta virtualidades e desafios ligados à
comodidade e universalização do saber, mas também perigos, que será necessário
acautelar, caracterizados pela estandardização, despersonalização e ausência de contacto
humano. Há ainda diversos tipos de ensino assistido por computador fundado no ensino
modular: o aluno progride ao seu ritmo por pequenas etapas. Este tipo de aprendizagem
realiza-se primordialmente no ensino profissional.
A utilização de software educativo tem tido um grande desenvolvimento e poderá
ser um precioso auxiliar em ambientes interactivos da aprendizagem.
Os programas de simulação em ambiente informático são cada vez mais
utilizados quer na concretização curricular, quer na investigação científica. A
simplificação e a economia de processos são motivadoras para além do manuseamento
das variáveis. Interrogar bases de dados quer em ambiente de intra ou internet está a
universalizar-se e faz parte do procedimento normal de aquisição de conhecimentos.
A investigação em pedagogia serve-se cada vez mais do computador para tratar
progressos, atrasos e erros na evolução da aprendizagem. A avaliação serve-se cada vez
mais das grelhas de observação, de percentagens e outras informações que os
computadores poderão tratar.
0.1.3 Desafios do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação na
educação
Nas mais diversas regiões, a atracção para desenvolvimento das TIC teve como
fundamento o desenvolvimento económico e social. A partir do último quartel do século
XX, numerosos países (principalmente os grandes países de produção industrial)
elaboraram planos nacionais para capacitação tecnológica no sentido da produção de
bens e serviços. As empresas orçamentam uma parte dos seus activos financeiros para a
I§D (investigação e desenvolvimento). A universalização da informação e a
disseminação de computadores operaram uma verdadeira revolução económica.
O papel das novas tecnologias no desenvolvimento das sociedades modernas
tem-se pautado pela criação de riqueza e bem-estar social e, ao mesmo tempo, por novos
problemas difíceis de resolver ligados à ecologia, às relações laborais, à disparidade
entre as nações... Esta nova concepção pode ser representada através de um esquema
24
investigação
A escola na sociedade do conhecimento
constituído por um triângulo dinâmico em cujos vértices poderemos colocar os seguintes
conceitos: investigação, aplicação e uso.
ƒ
Quadro 1 - Do desenvolvimento das tecnologias
aplicação
uso
A investigação tecnológica resulta do esforço dos investigadores ou comunidade
de investigação. Poder-se-á situar no vértice da pirâmide, mas não terá uma primazia em
relação aos outros aspectos, só terá sentido se interagir com eles. Toda a construção do
edifício depende deste vértice, porém este alicerce nenhum valor terá se não for
estimulada e não tiver repercussão nos outros vértices do polígono. É como um pólo
gerador de energia para o desenvolvimento social e económico e ao mesmo tempo
alimenta-se de uma boa aplicação e o uso das tecnologias que gera. Assim a investigação
só terá razão de ser se tiver uma aplicação e utilização práticas. O seu emprego
racionalizado e organizado despoletará novos investigadores. O edifício é tanto mais
dinâmico e completo quanto mais os corredores abertos entre eles forem fluídos e a
comunicação for posta a circular.
As tecnologias geradas são transferidas para o sector produtivo onde se processa
a aplicação em novos bens e serviços. A capacidade de absorver as novas tecnologias
parece ser próprio de países em vias de desenvolvimento e a geração destas faz parte de
países ditos de inovação tecnológica de ponta. Embora a génese apareça nos países
desenvolvidos, a sua produção é executada onde há mão de obra mais barata. Nos dias
que correm as multinacionais deixaram de ter fronteiras e funcionam de acordo com
interesses pontuais21. Cada vez mais a inovação funciona numa rede mundial e há nichos
21
Dan Schiller chama-lhe “capitalismo digital” e a sua análise é de uma crueza impressionante sobre a
primazia das leis do mercado no domínio da alta tecnologia. Cf., Dan Schiller, A globalização e as novas
tecnologias, Lisboa: Editorial Presença, Maio de 2002, pp.15 a 19.
25
A escola na sociedade do conhecimento
de investigação localizados, ou não, em países insignificantes que contribuem para
macroprojectos de tecnologia de ponta como é o caso de uma empresa de investigação
portuguesa22 que tem como cliente a NASA (Agência Espacial Norte- Americana) e a
ESA (Agência Espacial Europeia). Por outro lado, a aplicação informática deixou de ser
um feudo das multinacionais. O local onde elas são aplicadas é pouco significativo. A
globalização e a competitividade dos mercados estendeu esta capacidade a todo o
mundo. Atente-se na origem primordial dos componentes dos computadores:
processador – Irlanda ou Extremo Oriente. Disco rígido – Japão e Coreia do Sul.
Motherbord, disquete, caixa, fonte de alimentação – Taiwan e Alemanha. Placa Gráfica
– Taiwan. Placa de som – Singapura. CD-Rom e DVD – Coreia. Memória – Filipinas e
EUA. Rato, teclado e colunas – China e Alemanha. Monitor – Coreia do Sul.23.
A disseminação das tecnologias através do seu uso pelos utentes em numerosas
situações resulta da complexificação social e das necessidades de uma sociedade
desenvolvida e potenciará este triângulo vivo, dinâmico e gerador de progresso humano.
A não habilitação para operar os procedimentos ligados às novas máquinas digitais cria
constrangimentos vários, é factor de descriminação e instituirá novos “alfabetos” que
poderão redundar em sectores sociais “marginais”. Na história da humanidade, nenhuma
invenção teve um desenvolvimento tão rápido e profícuo como as empresas ligadas à
chamada nova tecnologia.
A alfabetização informática é um factor potenciador da riqueza do triângulo
abordado. Ela precisa ser promovida em todos os vectores de ensino do básico ao
superior. Esta força coloca a necessidade de se pôr em marcha e manter, como situação
de equilíbrio dinâmico, um amplo processo de revisão curricular em todos os níveis e
áreas, que contemple as tecnologias de informação e comunicação de forma a adquirir as
competências necessárias, desde os primeiros anos de escolaridade, quer para o
prosseguimento do estudo quer para o acesso ao mercado de trabalho. Apresentamos
quatro razões:
22
A empresa Critical Software, sediada em Coimbra desenvolveu um produto, o Xception, que avalia a
fidelidade de todo o software instalado nos satélites colocados em órbita. Cf. Revista Visão, Nada pode
falhar, Visão n.º 519, 13 a 19 de Fevereiro de 2003, p. 110.
23
Hugo Séneca, “As novas aventuras dos cinco”, Exame Informática, n.º 82, Abril de 2002, p.70. Esta
classificação pode não valer nos tempos mais próximos pela contingências do mercado global.
26
A escola na sociedade do conhecimento
1.ª - a recente informatização da sociedade implica uma adaptação da escola às
necessidades do mercado de trabalho;24
2.ª - os computadores e as redes transformaram a natureza de todas as ocupações
de tal modo, que sem a capacitação digital é difícil uma integração plena em qualquer
dessas actividade humanas;
3.ª - o prosseguimento de estudos e consequente investigação está cada vez mais
ligada à parceria, à interacção, ao confronto de diferentes realidades, à experimentação
laboratorial de que é indissociável a utilização da ferramenta virtual. Uma capacitação
básica e a posse de atitudes básicas potenciarão um melhor desempenho numa fase
posterior;
4.ª - a volatilidade, a caducidade do conhecimento e a contínua mudança de
paradigmas obrigam à educação permanente, à auto-educação e as bases de dados e as
redes, apresentam-se como um instrumento imprescindível de actualização.
A vertiginosa evolução das TIC é fruto da exigência e complexificação da
sociedade que tem potenciado a aplicação dessas técnicas e disseminado o seu uso. Um
dos índices para atestar o grau de desenvolvimento de um grupo social é a capacidade de
operar todos os vértices do triângulo. Parece-nos óbvio que as implicações desta nossa
concepção se reflectem na estrutura educativa/formativa de qualquer país. Quanto mais
harmónico o funcionamento do polígono mais sucesso haverá.
0.2 Navegaremos rumo ao futuro como bons marinheiros
Estamos dentro deste redemoinho em que é difícil discernir com objectividade e,
acima de tudo, reflectir e agir. As novas tecnologias libertaram o homem das velhas
regras e dos constrangimentos de gestão. “Embora seja óbvio a qualquer gestor que a
nova tecnologia permite que o trabalho seja organizado de forma muito diferente do que
aquela em que é organizado hoje, não existem, ainda, regras seguras sobre como se deve
24
Em 2005, “um emprego em cada dois dependerá das novas tecnologias” prevê a comissão das
Comunidades Europeias na sua comunicação de Bruxelas em 25/05/2000 com o título “eLearning –
Pensar o futuro da educação” (http://europa.eu.int/comm/education/keydoc/com2000/com2000318pt.pdf). 9 de Setembro de 2002.
27
A escola na sociedade do conhecimento
abordar esta tarefa, apenas exemplos importantes, e um sentimento generalizado de
urgência.”25
A par da relação entre democracia e sociedade da informação, há os que
advogam que esta cria as condições para a plena igualdade e participação democrática.
Outros defendem que leva a um maior controlo dos cidadãos e a uma apropriação da
informação pelo sector privado inviabilizando a sua democraticidade. Como acontece
com todas as posições extremadas, há algo a defender e a repudiar nos argumentos.
É possível numa fase inicial da implementação dos meios dar mais razão aos
“ciberlibertários”,26 pois a sua defesa poderá tornar mais célere a necessária
concretização. As novas tecnologias vão proporcionar a democratização das
aprendizagens. Todos vão ter acesso a tudo e nem será preciso ter os equipamentos
desde que se propiciem lugares públicos com acesso e os locais de aprendizagem
disponham de equipamentos suficientes e dinamizados.
Na ordem do dia está a adopção de medidas para acautelar endereços perniciosos,
ilegais ou lesivos das redes mundiais. Na União Europeia, foi previsto o
desbloqueamento de verbas para a criação de linhas directas, que possibilitem aos
utilizadores normais a denúncia de conteúdos ilegais. Defendem-se as acções de
sensibilização de pais, encarregados de educação, professores e crianças através das
mais diversas campanhas para os benefícios e desvantagens da Internet. A adopção de
sistemas de filtragem e de classificação dos conteúdos é outra medida urgente e
absolutamente necessária a par da melhoria e avaliação continuada do tronco jurídico. A
universalização de leis aceite por todos os países à guisa de uma carta universal dos
direitos e deveres na sociedade da informação parece-nos imperativa e mais tarde ou
mais cedo exequível.
A globalização, fruto deste processo, pode ser sinal de degradação de valores
comuns e particulares que se diluem nos dominantes, muitas vezes externos e
frustradores. A celeridade dos eventos mundiais associados a uma necessidade de
normalização numa comunidade sem fronteiras, de comunicação biunívoca e interactiva
25
John Browning; Tecnologias de Informação – o essencial das Tecnologias de Informação, explicado de
A a Z – Lisboa: Abril/Controljornal, 1998, p. Iv.
26
Ciberlibertários ou aqueles que só vêem benefícios na sociedade de informação, nome adoptado por
Loer e citado por, Maria Eduarda Gonçalves, “Democracia e Cidadania na Sociedade da Informação” in
DEDATES PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - Os cidadãos e a sociedade de informação, Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999, pp. 107 e seg.
28
A escola na sociedade do conhecimento
desenvolvem uma retórica funcional. “Estas realidades encontram-se numa fase de
pressão sobre a língua”.27 E, normalmente, quem é menos forte, é quem cede, qual lei da
selva. Neste processo corremos o risco da uniformização cultural, mas também
possuímos as ferramentas que poderão promover a diversidade cultural e a afirmação
das diversas especificidades. É nesta última hipótese que cremos poderá tornar-se
realidade se “o engenho e a arte”, como dizia o poeta, se unirem e todos saibamos
comandar a nau.
Neste virar de século, abrem-se com as redes electrónicas novos caminhos para a
universalidade do pensamento português. É o tempo de construir novas caravelas, feitas
agora de palavras novas em que embarcam a generosidade, a comunhão de raças e a
troca de ideias e pensamentos.
A este objectivo, a escola não pode furtar-se às responsabilidades. Sem medos
nem tibiezas, pois é cavalgando a utopia que construímos um mundo melhor e, como diz
Agostinho da Silva: “... o mestre... pertence-lhe ser extravagante, defender os ideais
absolutos, acreditar num futuro de generosidade e justiça, (...) a ninguém terá rancor,
saberá compreender todas as cóleras e todos os desprezos, pagará o mal com o bem, num
esforço obstinado para que o ódio desapareça do mundo”28. Aquilo que nos une aos
europeus que seja um bom nível de vida e apenas nos distinga uma língua e identidade
própria.
Construamos a grande comunidade de vocação atlântica que vai do Minho a
Timor passando pelo Brasil e por todas as comunidades portuguesas irmanados nesse
abraço que é a nossa língua. “Sulcando a grande auto-estrada da informação que é a
língua portuguesa, está ao nosso alcance construir uma comunidade entre povos e
Estados que escrevem da mesma forma a palavra fraternidade”.29 Não será um desígnio
de nova colonização, mas tão só o incremento de uma comunidade de povos ligados por
esse traço comum que é a língua, irmanados pelos laços históricos que nos orgulham e
unem e devemos desenvolver, pois “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Os
valores humanos que ajudámos a difundir na grande obra dos descobrimentos que são a
27
José Esteves Rei - Retórica e Sociedade, Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, Dezembro de 1998.
Agostinho da Silva, “Projecto de um mestre” in Considerações, Assírio § Alvim, Maio de 1994, pp. 72 e
73.
29
José Magalhães, Homo sapiens – Cenas da vida no ciberespaço – Lisboa: Quetzal Editores, 2001, pp.
132.
28
29
A escola na sociedade do conhecimento
partilha de culturas no princípio do respeito mútuo terão de ser universais para a
preservação da própria espécie humana.
0.3 Metodologia
A finalidade da nossa investigação é participar no debate actual da escola
inserida na sociedade de informação e comunicação. A metodologia utilizada, do
domínio “qualitativo” que se posiciona no âmbito epistemológico do paradigma
interpretativo, assim denominado por Lessard-Herbet, pois “o objecto geral da
investigação é o ‘mundo humano’ enquanto criador de sentido; (...) tem como objectivo
a compreensão do significado ou da interpretação dada pelos próprios sujeitos
inquiridos”30 O modelo utilizado é o hermenéutico já que nos permite compreender a
realidade “na sua espessura e complexidade”.31 Embora não desdenhamos o “contexto
de descoberta”, pretendendo, assim, “a busca da globalidade e da compreensão de
fenómenos, ou seja, um enfoque de análise de cariz indutivo, holístico e idiográfico”.32,
privilegiaremos também o “contexto de prova”, numa lógica hipotético-dedutiva
valorizada por Popper.33 Através dos dados apurados e da análise realizada,
interpretaremos os resultados e tentaremos, com modéstia, seguir o conselho de Umberto
Eco “descobrir qualquer coisa que os outros ainda não tenham dito”.34
Cientes das nossas limitações ou como diz Edgar Morin, “da dificuldade de
permanecermos no interior de conceitos claros, distintos, fáceis”,35 conscientes do nosso
empenhamento, certos da cooperação das pessoas com quem nos envolvemos e da
instituição de ensino superior onde nos inserimos, não regateámos esforços para atingir
os objectivos a que nos propusemos.
30
Michelle Lessard-Herbert et al., Investigação qualitativa, Fundamentos e Práticas, Lisboa: Instituto
Piaget, 1994, p. 175.
31
Domingos Fernandes, “Instrumentos de avaliação: Diversificar é preciso” in Pensar avaliação, Melhorar
aprendizagem, Lisboa: Instituto de Inovação Educacional (texto policopiado presente no dossier do
mesmo nome das escolas do 1.º Ciclo).
32
, Leandro S. Almeida e Teresa Freire, Metodologia da Investigação em Psicologia e Educação,
Coimbra: APPORT, 1997.
33
Citado por Michelle Lessard-Herbert et al., Investigação qualitativa, Fundamentos e Práticas, Lisboa:
Instituto Piaget, 1994, p. 95
34
Umberto Eco, Como se faz uma tese em Ciência Humanas, Lisboa, editorial Presença, 2001, p. 28.
35
Edgar Morin et al. O problema epistemológico da complexidade, Lisboa: Publicações Europa- América
(Biblioteca Universitária), s. d., p. 34.
30
A escola na sociedade do conhecimento
O fenómeno ligado à comunicação e à informação é o nosso principal contexto, o
aproveitamento das suas potencialidades ao serviço da educação/formação para um
homem mais autónomo e mais cidadão é o nosso objectivo e a necessidade da criação de
um novo paradigma de escola assente no desenvolvimento da criticidade em face de um
mundo banhado em informação é a nossa “angústia”.
0.3.1 As principais hipóteses
Partindo do pressuposto, de que vivemos numa sociedade da comunicação, as
principais hipóteses deste estudo estão relacionadas com as dimensões identificadas
como especialmente relevantes no que diz respeito ao contributo das TIC para uma
melhoria do processo de ensino/aprendizagem e a sua repercussão na escola do futuro
como recurso que alarga a permuta de ideias e a investigação, gera conhecimentos vitais
e desencadeia novas metodologias.
Partimos de uma hipótese abrangente: O conceito de sociedade da informação
transporta potencialidades que poderão permitir um progresso sem precedentes na
história humana. A construção de uma sociedade de informação para todos, tendo a
escola como meio privilegiado para uma educação com os media, pelos media e para os
media, proporcionará uma sociedade avançada a que chamamos sociedade do
conhecimento. Nesta entroncam outras três que definiremos como pontos de partida
para a nossa investigação.
1.ª – Pretendemos mostrar que a utilização dos computadores, dos recursos
multimédia, da Internet e outras redes de comunicação e dos ambientes virtuais
constituem ferramentas essenciais à implementação de uma escola moderna, numa
perspectiva construtivista cujo processo último é o aluno ser o centro do processo de
aquisição do conhecimento e construtor da própria aprendizagem. Nesta nova concepção
escolar novos papéis estão reservados aos intervenientes no processo.
2.ª – Entendemos que, com o recurso às novas tecnologias, se potencia a criação
de comunidades educativas com identidade
e projectos próprios, reforçando a sua
capacidade pedagógica, atenuando situações de isolamento e fomentando a interacção
com o meio envolvente e com outras experiências educativas no sentido de uma escola
autónoma, mas ao mesmo tempo mais solidária.
31
A escola na sociedade do conhecimento
3.ª – É do senso comum dizer-se que há uma pressão real do processo de
globalização, proporcionado pelas novas formas de comunicação, que se exerce sobre a
educação e a cultura portuguesas no sentido de as condicionar e de as diluir noutras mais
“pujantes”, defendemos que as tecnologias de informação e comunicação podem
potenciar a diversidade cultural, afirmar a cultura portuguesa e universalizar o
pensamento humanista que Portugal já ajudou a difundir na expansão marítima.
0.3.2 Técnicas de recolha de dados
As principais técnicas a que vamos recorrer para a recolha de dados são: a análise
documental com recurso a diversas fontes escritas em formato de livro ou na Internet
com privilégio da análise qualitativa do conteúdo de modo a inferir uma reflexão própria
e propor soluções para a problemática inerente. Este contexto de descoberta basear-se-á
no modelo da “indução analítica”, assim denominado por Lessard-Herbert que tem como
fim:
1. a “formulação de teorias, de hipóteses ou de modelos” 36
2. a observação, a partir de um razoável número de casos, de modo a identificar
princípios gerais e modelizar situações particulares. O objectivo é o de compreender um
caso em particular e compará-los com outros relacionados.
3. a entrevista constituída por questionário aberto e orientada para a recolha de
informação.
Os modos de investigação centram-se na que Yin e De Bruyne chamam o
“método do estudo de casos”37 é uma atitude própria das abordagens qualitativas,
recorremos também a dados quantitativos existentes como sejam inquéritos e
estatísticas, pois “o investigador utiliza fontes múltiplas de dados”38
36
Cf. Michelle Lessard-Herbert et al., Investigação qualitativa, Fundamentos e Práticas, Lisboa: Instituto
Piaget, 1994, p.176.
37
Ibidem, p. 167-173.
38
Ibidem, p. 170.
32
A escola na sociedade do conhecimento
1. FUNDAMENTOS DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E
DA COMUNICAÇÃO
“Graças à descoberta da vaga electromagnética e das suas formidáveis
influências biológicas, cada indivíduo se encontra, pela força das coisas (activa ou
passivamente) presente em simultâneo, nos quatro cantos do mundo”.39
Marshal McLuan
Algumas das razões que apontam para a sociedade de comunicação prendem-se
com a evolução das relações humanas (maiores concentrações de pessoas e novas
actividades), desenvolvimento das tecnologias dos media, indivíduos mais exigentes,
disponíveis, instruídos e ávidos de informação40. Estes factos tiveram como
consequência, que muitos chamem à “comunicação”, a nova “ideologia”, pois o
fenómeno comunicativo é o principal responsável pelo conjunto de ideias difundidas a
um grupo social e este dependerá, teoricamente, do controlo que os poderes que o
dominam saibam veicular. É a perspectiva daqueles que a vêm como um processo
39
Dr. BACALI, “Iluminações” in Semana Informática, n.º 85, Julho de 2002, p. 24.
Cf. J. Esteves Rei, Retórica e Sociedade Lisboa, Instituto de Inovação Educacional, 1998., pp. 152 a
155.
40
33
A escola na sociedade do conhecimento
mensurável, técnico e científico. Esta relação entre o fenómeno e as suas consequências
fomenta variados estudos de índole socio-cultural.
As tecnologias de informação e comunicação, objecto do nosso estudo
transportam diversas vantagens, que já referimos, como sejam a interacção em
ambientes virtuais, mas carregam também alguns perigos como são a despersonalização,
o egoísmo e o crescimento do individualismo. Nesta dialéctica de prós e contras trocamse argumentos e os avisos dos mais cépticos pode refrear exageradas expectativas dos
mais optimistas.
Parece-nos indubitável que as novas ferramentas das TIC transportam a
potencialidade da construção de uma sociedade baseada no conhecimento, mais
prometedora para a espécie humana.
1. 1 A Comunicação é a ideologia dos nossos tempos
Afirmamos que a comunicação é a nova ideologia, pois no acto comunicativo e
por força deste se constroem as ideias, as crenças e as doutrinas de um determinado
grupo social. Por outro lado, os órgãos de comunicação, principalmente a televisão,
moldam as opiniões públicas: dizia um conhecido ex-director de uma estação
televisiva41 que como vendiam um sabonete, também podiam determinar a escolha do
presidente da República. Como nos vendem artigos através da publicidade, a
comunicação social veicula ideias e comportamentos. São variados os casos em que
determinada comunicação se torna ideia universal pelas vezes ou subtileza com que é
transmitida de acordo com os cânones da propaganda e da retórica.
A ciência da comunicação é, pois, o utensílio básico para “legitimar discursos,
comportamentos e acções, tal como a religião nas sociedades tradicionais, o progresso
nas sociedades modernas ou a produção na sociedade industrial”.42 Comunicar será
assim um instrumento imprescindível a toda a actividade humana, a não circulação de
informação cria a entropia, assim é pelo simples facto de comunicar o mais activamente
possível que a sociedade se organiza e não cai na desordem e como diz Philipe Breton
41
Emídio Rangel da SIC.
Adriano Duarte Rodrigues, Comunicação e Cultura a experiência cultural na era da informação,
Lisboa: Editorial Presença, 1999, 2' ed. (1.ª ed. 1994), p.13.
42
34
A escola na sociedade do conhecimento
“graças à comunicação, o homem é transparente para a sociedade e a sociedade é
transparente para o homem”.43
Este fenómeno tem tido um desenvolvimento extraordinário. No último século,
assistimos ao extraordinário desenvolvimento da física e da química que permitiram o
nascimento de novos materiais que impulsionaram as tecnologias actuais. Estes deram
origem ao nascimento da fotónica e da electrónica que produziram enormes mudanças
no tratamento da informação, nas comunicações e, também, na automatização de
processos produtivos. Uma destas consequências foi o nascimento da informática44 e do
mundo digital que converteu “todos os tipos de informação, como as palavras, sons,
imagens e vídeos e números numa espécie de códigos que as máquinas electrónicas são
capazes de reconhecer e compreender”.45
A evolução desta tecnologia que permitiu o seu transporte, manuseamento e
acesso em moldes nunca vistos revolucionou a comunicação no mundo em que vivemos,
este ficou mais pequeno e as pessoas mais perto umas das outras. Será esta a época da
informação e da comunicação.
Segundo Maria Eduarda Gonçalves há duas teses sobre a génese da sociedade de
informação. A primeira é a de que estamos numa nova fase: os tempos que decorrem, do
desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação, correspondem à
entrada numa nova sociedade de informação – a tese transformista. Em contraste
aparece a tese da continuidade: a sociedade humana sempre foi de informação, mudaram
apenas os meios de a transmitir.46 Não faltarão dados para se poderem aceitar como
correctas estas duas teses, porém não as consideramos contraditórias, mas sim
complementares: Cada novo medium que o homem inventou juntou-se aos outros e desta
maneira enriqueceu-se o acto informativo/comunicativo. As novas tecnologias elevaram
o acto a nível nunca antes atingido e dele fizeram depender uma grande parte das
actividades humanas.
43
Cf. Philippe Breton, A utopia da comunicação - Lisboa: Instituto Piaget, 1994, pp. 54 e 55.
“A palavra informática surge pela primeira vez em 1962, com Philippe Dreyfus: Information e
Automatique, dando origem a Informatique.” Cf. Fernando Tavares Ferreira, As novas tecnologias (da) na
(in)formação, Porto; Porto Editora, 1995, p. 15.
45
MULTIMÉDIA: «O guia Completo», Lisboa: Jornal “O Público”, 1996, p. 69.
46
Maria Eduarda Gonçalves, “Democracia e Cidadania na Sociedade da Informação” in DEDATES
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - Os cidadãos e a sociedade de informação in Debates da Presidência
da República – Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999 pp. 167 e seguintes.
44
35
A escola na sociedade do conhecimento
1.1.1 O conceito de informação, comunicação e media
Os vocábulos informação, comunicação e media dão azo a uma ampla literatura
que vai dos discursos políticos, culturais e mediáticos passando pelos filósofos que cada
vez mais produzem reflexões inquietantes até aos manuais programáticos, quantas vezes
prolixos, de “como se faz”. Estes conceitos confundem-se, será conveniente clarifica-los
ou tão só delimitar campos de estudo.
Comunicação é uma palavra que serve para designar realidades bem distintas e
muitas vezes heterogéneas e a precisão do seu significado é difícil. Os seguintes
parecem-nos os mais importantes:
1. é sinónimo de meio de comunicação social, designa também as novas
tecnologias de informação e comunicação vulgarmente, denominadas TIC.
2. no domínio das telecomunicações, está ligada às técnicas utilizadas para
transmitir mensagens, baseadas em instrumentos electrónicos.
3. modernamente, fala-se nas empresas em “política de comunicação” pelo que
se relaciona com a gestão da imagem.
4. ainda no domínio empresarial, usa-se a “comunicação interna” para
simplificar e melhorar o relacionamento entre os diversos actores da entidade
e a “comunicação externa” que ajuda a construir a imagem à empresa.
5. a comunicação interpessoal é ainda objecto de estudo de psicólogos e
sociólogos para melhorar as relações humanas e a própria saúde física e
psíquica dos humanos.
6. a “comunicação estratégica”, ligado ao conceito de retórica, que tem por fim
atingir-se determinados objectivos previamente delineados e que é usada em
todos os sectores da actividade humana e é uma matéria que se ensina ou
aprende desde o simples charlatão até ao frequentador do curso universitário
de pós-graduação.47
Comunicar pode ser tanta coisa e até esse simples gesto de nos dirigirmos aos
outros.
47
A este propósito cf. José Esteves Rei, A comunicação estratégica, Porto: Estratégias criativas, 2002.,
pp. 17 – 23.
36
A escola na sociedade do conhecimento
Ao mesmo tempo em que a sociedade se torna mais complexa “comunicar tem-se
tornado um imperativo ético e uma urgência política”.48 Esta necessidade verifica-se na
relação entre pessoas, estados, instituições. O mundo moderno está marcado por este
acto, ela é “a actividade central do homem contemporâneo”.49
A inter-relação e a interdependência dos povos que teve como consequência o
fenómeno recente denominado de globalização não teria razão de ser sem a evolução do
acto comunicativo na sua forma tecnológica.
Este sector da tecnologia ligado à
construção das relações humanas é o que mais tem evoluído nos tempos modernos. Os
instrumentos que utiliza desenvolvem-se a nível técnico, em número e a uma velocidade
impressionante cuja face mais visível se processa nos modernos meios de comunicação
social e pessoal. Na nossa época, o progresso económico e social está directamente
associado ao desenvolvimento da comunicação. Marshal Mcluhan popularizou, durante
os anos sessenta do século XX, a tese de que “as sociedades sempre foram mais
determinadas pela natureza dos meios pelos quais os homens comunicam, do que pelo
conteúdo dessa comunicação”50 Assim se pode concluir que as grandes revoluções da
sociedade humana foram moldadas sucessivamente pela invenção da escrita, da
imprensa e os meios de comunicação em massa.
O termo informação está associado à comunicação mas diferencia-se desta. A
informação implica um acto de recepção de dados veiculados por um determinado
medium, mas não implica sempre um retorno isto é, uma resposta ao comunicador. Se
consultarmos o novo Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia
das Ciências de Lisboa, encontramos dezasseis significados. Tanto significa as notícias
(em Inglês news), como os dados que memorizamos em determinada máquina (em
Inglês data), como também é empregue como sinónimo de conhecimento (knowledge).
O conceito de media (plural de medium) é também complexo. Recorrendo ao
dicionário atrás citado será o meio de transmitir as mensagens escritas visuais e sonoras
seja o ar, a imprensa, o cinema, a radiodifusão, a teledifusão, os meios de comunicação
social, etc. Começou por constituir o instrumento físico pelo qual é transmitido o sinal
48
Cf. Adriano Duarte Rodrigues, Comunicação e Cultura a experiência cultural na era da informação,
Lisboa: Editorial Presença, 1999, 2.ª ed. (1.ª ed. 1994), p.13.
49
José Esteves Rei, A comunicação estratégica, Porto: Estratégias criativas, 2002, p.11.
50
Jean Cloutier, A era de emerec ou a comunicação áudio-scripto-visual na hora dos sel-media – Lisboa:
Ministério da Educação e Investigação Científica – Instituto de Tecnologia Educativa, p. 71.
37
A escola na sociedade do conhecimento
de comunicação sejam os casos das ondas sonoras, das ondas electromagnéticas de
rádio, dos fios de telefone... para mais tarde o seu conceito se alargar: tanto representa
um instrumento técnico (por exemplo, a Internet) como toda a envolvência industrial e
comercial a esta ferramenta. A esta ambivalência poderemos associar os conceitos de
software e hardware (conteúdo imaterial e equipamento palpável). Há, portanto a
associação do palpável ao virtual. Na perspectiva cibernética de Jean Cloutier, os media
são “organismos autónomos” com uma “existência própria” e têm a valência dupla de
emissor e receptor que é possível controlar e colocar ao serviço da comunicação.51
Cada medium tem uma linguagem que lhe é própria, pois transporta no espaço e
no tempo uma mensagem encarnada numa dada linguagem: áudio, visual, scripto,
scriptovisual, audiovisual e audio-scripto-visual, este é chamado de multimédia. A
mensagem encarnada em determinada linguagem toma o nome de documento. Este para
ter validade e se materializar não necessita de um suporte físico, mas tão só virtual.
Uma outra distinção que se verifica nos media é se serve uma comunicação de
massas ou se se destina a uma comunicação individual ou, então, um misto das duas. Os
mass media envolvem uma grande produção e destinam-se a um grande público,
enquanto os self media são produções individuais ou com pouca gente envolvida e
destinam-se ao consumo de um só receptor. No entanto, com o desenvolvimento dos
novos media – o computador, a Internet e as redes telemáticas, as produções individuais
podem destinar-se a um grande público.
O conceito digital informático está a alargar-se a todos os media. Os jornais, as
revistas, a rádio, a televisão, media tradicionais, complementam a interactividade com o
leitor com o recurso às redes de comunicação. Não há órgão de comunicação social
escrita, falada ou visual que não tenha o seu endereço electrónico. Este conceito de
inteligência artificial e de interactividade com o usuário está também presente na
concepção das novas máquinas dos self-media. Por esta razão poderemos concluir que o
conceito de novas tecnologias se está a alargar a todo o acto comunicativo que necessita
de um media.
51
Jean Cloutier, A era de emerec ou a comunicação áudio-scripto-visual na hora dos sel-media – Lisboa:
Ministério da Educação e Investigação Científica – Instituto de Tecnologia Educativa, p. 159
38
A escola na sociedade do conhecimento
1.1.2 A relação entre a educação e a comunicação
A educação e a comunicação mostram relações fortemente recíprocas. O próprio
acto de comunicar implica uma transmissão de informação que cumprirá o seu desígnio
se for assimilada por alguém. Poderemos aqui encontrar o próprio conceito de
aprendizagem.
Qual será o papel da escola na sociedade da comunicação? Neste contexto pejado
de verbalismo e imbuído de grandes retóricas, atribuem-se à escola todos os papéis e
todas as responsabilidades. Não é difícil criar uma lista das responsabilidades atribuídas
à Escola, designadamente pelos responsáveis políticos: transmite conhecimentos,
certifica saberes, gera valores humanos, estrutura aprendizagens, desenvolve aptidões,
incrementa paradigmas, molda comportamentos, integra socialmente, prepara para a
cidadania, ensina a democracia, etc.
Na comunidade escolar reflectem-se, cada vez mais, os problemas da sociedade,
são os problemas que os poderes políticos não sabem resolver e que a escola também
não pode porque estão dependentes de uma cura social profunda que devem envolver
múltiplos agentes. Num tempo de novos paradigmas familiares, de surtos migratórios
que condicionam as relações sociais, num tempo de discriminação social e de criação de
fossos sociais cada vez mais definidos, por falta de modelos de referência para os
jovens, de aumentos da criminalidade e delinquência juvenis, num tempo em que os
antigos meios de socialização vêem a sua influência cada vez mais reduzida (Família,
Igreja, clubes, partidos, movimentos associativos), é à Escola que todos apontam o dedo
no sentido de resolver os problemas que eles mesmos não sabem resolver. O fardo
parece tornar-se insuportável para esta instituição social.
Numa sociedade que lida com a informação e com a mudança em ritmos e
quantidades vertiginosas, não compete à instituição escolar dar respostas e solucionar
todos os problemas da sociedade. Sabemos que ela é um reflexo da sociedade e dos seus
problemas e só agindo social e politicamente no sentido da sua resolução eles serão
expurgados. Cremos, porém, na importância da escola e na responsabilidade de dar
resposta aos novos desafios: participação, decisão, democraticidade e acesso ao saber. A
escola para isso terá de veicular valores democráticos, de autonomia e cidadania, de
saber diversificar as fontes de acesso ao saber, saber utilizar as novas tecnologias para
39
A escola na sociedade do conhecimento
uma melhor realização. Neste quadro cabe ao educador dominar a tecnologia, inserir os
meios na acção curricular, democratizar a cultura, ver-se como sujeito de mediação, dar
significado e sentido ao volume de informação que invade o quotidiano. Cabe à
sociedade apetrechar as escolas com os recursos necessários para assim ela cumprir o
seu papel.
1.1.3 Desenvolvimento dos computadores e das redes de comunicação
Desde que os humanos perceberam que os dedos os ajudavam apenas a contar até
dez, muitas foram as tentativas de inventar máquinas que os auxiliassem a superar essa
tarefa. Se o ábaco foi uma das invenções mais extraordinárias ocorrida há 3000 a.C.,
tivemos de esperar quase até Pascal, nos meados do século XVIII, para a primeira
invenção de uma calculadora mecânica (1642). Esta servia para ajudar o pai a calcular os
impostos e foi denominada “Pascaline”.
Em 1939, o norte-americano John J. Atanasoff concebe e constrói uma máquina
de calcular denominada ABC (Atanasoff Berry Computer) em que alguns dos
componentes mecânicos foram, pela primeira vez, substituídos pelos electrónicos. Entre
1943 e 1945 é construído na Universidade da Pensilvânia, nos EUA, o primeiro
computador de uso geral, denominado de ENIAC (Electronic Numeric Integrator and
Computer).
52
O Professor J. von Neumann publica, em 1946, um trabalho intitulado
“Electronic Discrete Variable Automatic Computer, que apresenta a arquitectura dos
actuais computadores: uma Unidade Central de Processamento (UCP) que contém o
Processador, a Memória e a Unidade Aritmética e Lógica e, exteriormente a esta
unidade, um conjunto de dispositivos denominados genericamente Periféricos. Em 1975,
o primeiro computador pessoal foi posto à venda e chamava-se Altair, a informação era
inserida por interruptores e os resultados um conjunto de luzes que piscavam. No início
dos anos 80, o presente de Natal mais vendido nos EUA para crianças é um computador
52
Cf. Museu Virtual da Ciência , “Histórias” (http://piano.dsi.uminho.pt/museuv/historias.html). O ENIAC
é também o primeiro computador concebido para produzir catástrofes. Os seu objectivo era produzir
cálculos de pontaria para o exército dos EUA. Conseguia realizar trezentas e sessenta multiplicações por
segundo. Mudar de programa implicava mudar os fios. É curioso referir que o computador e o nuclear
surgem na mesma época. Aquele gere a ordem e a informação e este a desordem e a confusão. O primeiro
computador e a primeira explosão nuclear ocorrem ambas em 1945. Von Neuman é ao mesmo tempo a
pessoa que inventa a arquitectura do primeiro computador e promove estudos para calcular a altura exacta
a que uma bomba deveria explodir a fim de causar o máximo de destruição.
40
A escola na sociedade do conhecimento
doméstico, o Sinclair Spectrum que é uma combinação de teclado e computador, liga-se
ao televisor e dá para jogar. Em 1981 a IBM introduz o seu primeiro PC (Personal
Computer) e daqui para a frente, a maioria dos computadores pessoais seguem a mesma
concepção e dizem-se que são compatíveis. A Apple, em 1984 e, no ano seguinte, a IBM,
através da introdução do sistema Windows, introduz um sistema intuitivo que consiste
em operar com a máquina, olhando para o ecrã e apontar para os símbolos que aí são
vistos. A partir daqui, os computadores tornam-se mais pequenos e rápidos.
Os computadores armazenam e manipulam os dados e a informação sob a forma
de dois dígitos – 0 1 – chamados de bits. Cada bit é representado por estados eléctricos
semelhantes a uma lâmpada – ligada/fechada. Ligada corresponde a 1, fechada a 0. Os
bits estão agrupados de oito em oito formando os bytes. Cada byte corresponde a um
símbolo: letra ou algarismo53. Os sons e as imagens podem ser também transformados
em dígitos. Qualquer que seja a informação ela pode ser digitalizada e guardada sob a
forma de um bloco binário num suporte, disco rígido, disquete, CD-ROM, ou DVD, ou...
A memória de um computador é feita de imensos bytes colados uns aos outros.
Os computadores são constituídos por duas partes distintas: o hardware
(equipamento) e o software (programas). O software divide-se em duas categorias: os
sistemas operativos que controlam o computador e os programas com os quais
executamos variadas tarefas (por exemplo: processamento de texto). O hardware é
múltiplo, porém os componentes mais importantes são: o processador que toma as
decisões na base da informação que recebe, a placa principal onde estão acoplados o
processador e outros componentes através da qual se processa a informação, o rato e
teclado que são dispositivos imput que interagem com o programa, o monitor (output)
que é um meio onde nos é apresentado o resultado, a memória intermédia (RAM) que
permite aceder a um conjunto de dados de modo a efectuar uma determinada operação e
as unidades de armazenamento que guardam toda a informação.
O sistema informático e computacional permitiu um grande desenvolvimento da
humanidade e a interligação de vários sistemas numa grande rede mundial. A Internet é
o maior sistema informático do mundo, vulgarmente conhecida por net. É uma rede que
liga muitas redes de computadores do mundo inteiro que permite a muitos milhões de
utilizadores partilharem e trocarem informação e é, de longe, a maior rede de
53
A letra A tem a seguinte correspondência – 00100001.
41
A escola na sociedade do conhecimento
computadores do mundo. Essencialmente utilizada como canal de comunicação de
mensagens electrónicas (e-mail), também serve à transferência de ficheiros, à
possibilidade de participar em grupos de discussão sobre a maior variedade de temas e
de comunicar em directo através da fala, da escrita e da imagem. Contudo a faceta mais
conhecida e que se confunde com o próprio conceito da Internet é a World Wide Web
(WWW), local onde se pode encontrar uma enorme quantidade de informações úteis (a
maior parte das quais em multimédia), disponibilizada por indivíduos, governos, escolas,
instituições e organizações comerciais. A Internet usa uma linguagem (chamada
protocolo), logo qualquer pessoa que disponha de um computador, um modem e uma
linha telefónica possa através de um navegador (browser) aceder a endereços
electrónicos para enviar correio electrónico, juntar-se a grupos discussão ou visualizar as
páginas da Web. Também, através de redes privadas ou locais, é possível comunicar
entre computadores, processo denominado de Intranet. A interligação e a reunificação
de um grande número de redes, sistemas e computadores permitiu a globalização das
comunicações e o processamento da informação de uma forma rápida, à escala
planetária. Marshal Mcluhan utilizou a metáfora “a global village” que espelha bem a
dimensão desta revolução tecnológica.
1.1.3.1 Breve história das redes de comunicação
As redes de Comunicação54, que iriam conduzir à Internet, tiveram início no final
da década de sessenta. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos temia que a sua
rede informática que controlava as armas mais sofisticadas fosse vulnerável a um ataque.
Se um dos elos se quebrasse, todo o sistema poderia ruir. Foi assim que em 1969, a
Advance Research and Projects Agency (ARPA), criou a sua própria rede militar
chamada Arpanet. O protocolo utilizado TCP/IP podia enviar dados de um computador
para o outro através de vias alternativas, pelo que os dados continuariam a chegar em
segurança mesmo que um dos elos da cadeia fosse destruído. Até aos anos 80 a rede
desenvolvida teve fins militares, a partir daí esta experiência começou a mostrar outras
54
Desde o telégrafo óptico de 1794 que ligava as cidades de Paris e Lille e funcionava socorrendo-se de
um complicado sistema de sinais se as condições atmosféricas o permitissem, passando pelo telégrafo de
Morse de 1832, a invenção do telefone de Graham Bell (1876), a descobertas das ondas electromagnéticas
de Henrich Hertz (1887), o telex em 1931, o fax em 1935, até à Internet dos nossos dias um grande
caminho foi percorrido. Museu Virtual de Informática, “Histórias antes da Internet”,
(http://piano.dsi.uminho.pt/museuv/ainternet.html), 10 de Setembro de 2002.
42
A escola na sociedade do conhecimento
virtualidades. A abertura gradual ao mundo académico e a investigadores mostrou à
“saciedade” um excelente meio de movimentação de dados. As universidades
estabeleceram entre si ligações de banda larga55 para poderem trocar dados. Ainda em
meados dos anos 80, as empresas começaram a ligar-se à rede tendo muitas delas criado
redes próprias baseadas nos protocolos IP. Em 1990, a ARPAnet seria desactivada dando
finalmente lugar à Internet.
A contínua baixa de preços dos computadores pessoais (PC - Personal
Computers) e o aparecimento de computadores portáteis, conduziu ao grande sucesso da
net. O desenvolvimento da World Wide Web (WWW) arrancou definitivamente com os
estudos de um jovem engenheiro britânico. No início dos anos 80, Tim Berners-Lee56
trabalhava no Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (CERN), um laboratório
europeu de física de altas energias situado em Genebra, Suíça. O jovem engenheiro
desenvolveu um programa hypertext mark-up language (HTML) que permitia ligar
electronicamente documentos académicos. Com este programa, os investigadores podem
ligar-se a uma teia de informação bastando-lhes premir uma tecla para navegar de
documento para documento.
O primeiro programa de navegação – browser - foi lançado em 1991, mas o
sistema só começou a crescer quando o National Center for Supercomputing
Applications produziu, em 1993, o programa de navegação Mosaic que permitiu, pela
primeira vez, a visualização de imagens, por sinal, bastante nítidas. O desenvolvimento
de programas operativos, cada vez mais intuitivos e fáceis de utilizar; a proliferação de
fornecedores de serviços de acesso57, que operam computadores muito potentes ligados
à Internet por ligações permanentes de grande largura de banda; o desenvolvimento de
fornecedores de serviço on-line que cobrem negócios, meteorologia, notícias, software,
viagens... Permitiram a generalização de utilizadores da Internet que a ela acedem por
ligação telefónica ou cabo de televisão digital ou por ondas hertzianas a satélite.
55
Actualmente o acesso em banda larga é oferecido essencialmente através da rede telefónica de cobre,
utilizando a tecnologia ADSL, ou através das redes de televisão por cabo, utilizando os modems de cabo.
O acesso em banda larga pode também ser oferecido através de infra-estruturas, principalmente fibra
óptica, acesso fixo sem fios, sistemas móveis de terceira geração, redes R-LAN funcionando em bandas de
freqüências isentas de licenças e sistemas de comunicação via satélite.
56
Tim Berners-Lee criador da World Wide Web, Larry Roberts, responsável pelo protótipo da Rede e
Vinton Cerf e Robert Kahn, que desenvolveram o protocolo de comunicação TCP/IP, a linguagem
informática usada na Web, são considerados os pais da INTERNET.
57
Em Portugal, os mais conhecidos são o Sapo, o Clix e o Iol..
43
A escola na sociedade do conhecimento
Embora o comum utilizador não se aperceba disso, cada vez que um novo
computador se liga à Rede é-lhe atribuído um número único e irrepetível que o identifica
em todas as comunicações. Assim qualquer endereço electrónico que corresponde na
utilização usual pelas pessoas às letras, para os servidores eles são apenas números. Peça
fundamental no funcionamento de toda a rede, o Domain Name System (DNS) é
constituído por uma rede global de servidores encarregues de fazer a conversão entre
esses números e os endereços que vulgarmente utilizamos. Todos estes servidores estão
organizados segundo níveis de importância, sendo que, cada vez que uma máquina de
menor importância não tem resposta para a conversão de um determinado número,
consulta uma máquina com um nível de autorização superior. No topo dessa hierarquia
encontram-se treze máquinas, os root servers, espécie de última instância para a
resolução de qualquer dúvida no direccionamento do tráfego de informação. A gestão
destes supercomputadores é regulada pela Domain Name Supporting Organization
(DNSO) e confiada a diversas entidades, por forma a não concentrar num só local um
manancial de informação vital para o funcionamento de toda a rede. Os Estados Unidos
da América albergam 10 dos 13 servidores, instalados nas seguintes instituições:
Information Sciences Institute, Cogent Communications, Universidade de Maryland,
NASA Ames Research Center, Internet Software Consortium, Network Information
Center, do Departamento de Defesa, U.S. Army Research Lab, Internet Corporation for
Assigned Names and Numbers (ICANN) e VeriSign - que aloja dois servidores. A
Europa tem dois servidores na Autonomica, na Suécia, e no Réseaux IP Européens, em
Londres; um outro servidor está no Japão, no WIDE Project.58
1.1.3.2 Principais características da Internet
A maior parte do tráfego existente na Internet é constituída, como já dissemos,
por correio electrónico (e-mail), um processo cómodo, barato e rápido de enviar
mensagens.
Os “electronic bulletin bords” permitem aos utilizadores da Internet fazer
perguntas ou conversar, é a denominada área da Usenet, os temas de discussão são
múltiplos na ordem da dezena de milhar. “Ninguém tem o monopólio da verdade: nas
58
Cf. Pedro Fonseca, “Infraestrutura da Internet ameaçada em momentos consecutivos” in Público
(Secção Computadores), 28 de Outubro de 2002.
44
A escola na sociedade do conhecimento
informações, relatos, perguntas e respostas cruzam-se e afrontam-se todos os tipos de
pontos de vista, numa fascinante manifestação do que pode ser a praça pública
electrónica do século XXI”59.
Se o correio electrónico e os debates da Usenet permitem a comunicação
diferida, poder-se-á comunicar em tempo real através do TALK – para falar; Internet
Relay Chat (IRC) – para teclar e MUD’S (multi-user dungeons) – para interagir
ambientes virtuais, que são como lhe chama José Magalhães “a banda do cidadão na sua
versão ciberespacial interactiva”60.
O acesso remoto para aceder a ficheiros em outros computadores – FTP, (File
Transfer Protocol) – ou pilotar um computador a partir de casa – TELNET - é acessível a
qualquer utilizador comum O FTP é um método de transferência de ficheiros de um
computador para outro, este permite a transferência para a nossa máquina ou da nossa
para um outro. O programa TELNET permite estabelecer comunicações entre
computadores de natureza diversa.
Deixamos para último a World Wide Web, WWW, W3 ou simplesmente Web, “o
ciberespaço, como teia mundial de recursos”,61 é a faceta mais fascinante, como já
dissemos anteriormente, e tem tido um desenvolvimento espantoso, que se confunde
com a própria Internet, permitindo o acesso aos temas e conteúdos mais
impressionantes. Todos estes atributos têm, como base, a união das capacidades
poderosas: o multimédia, o hipertexto e a hiperligação. “Como sistema de navegação, a
Web permite uma grande liberdade de acção e movimentos, dentro da ‘ordem anárquica’
que nela reina [...] Temos acesso ao Mundo onde e quando queremos, seja no conforto
de casa, no silêncio de uma biblioteca, na descontracção de uma sala de aula, ou no
bulício de um cibercafé [...] o mesmo se aplica à localização geográfica de um
documento”.62
A ideia da comunicação de todos com todos é uma ideia utópica que até há bem
pouco tempo seria impensável de realizar. A Internet, concebida, como um instrumento
59
José Magalhães, Roteiro Prático da Internet – O ciberespaço ao alcance de todos,(1.ªedição, 1995),
Lisboa: Quetzal Editores, 2.ª edição, 1995, pp. 93.
60
Ibid., pp.116.
61
Ibid., pp.177.
62
Teresa Almeida d`Eça, Netaprendizagem: A internet na educação, Porto: Porto Editora, 1998, pp. 31 e
32.
45
A escola na sociedade do conhecimento
de comunicação pode satisfazer as necessidades sociais com eficácia e diversidade. Ela
permite a comunicação de um para um, de um para todos, de todos para um.
O desenvolvimento da Internet está no princípio e as potencialidades deste meio
ainda estão por explorar. Se já é possível transmitir os cheiros, os cientistas estão já a
testar a possibilidade da transmissão das sensações físicas a longas distâncias com o
recurso à rede,63 no futuro prevê-se a tridimensionalidade.64 E que mais?...
1.2 Interpretações sobre as mudanças tecnológicas na sociedade da
informação
As dificuldades e o desconforto inicial que as novas invenções têm em ser aceites
pelo comum dos cidadãos são por demais conhecidas. Da sua massificação pela utilidade
inerente, pelas simplificações do modo de vida e comodidade, decorrem resistências
várias, muitas delas de preconceito, puro e simples, sem a racionalidade e lucidez
convenientes. Há os entusiastas que a qualquer inovação tecnológica se mostram
predispostos a aceitá-la seja qual for o preço a pagar e aqueles que, por princípio, negam
a utilidade da invenção e se posicionam numa atitude sempre destrutiva quais “velhos do
Restelo”.
Entre os investigadores das ciências humanas perfilam-se diversos campos que
avaliam a relação entre as tecnologias mais recentes e a produção cultural. Aqueles que
se manifestam no campo da crítica pura e dura vamos chamar tecnófobos (integrados,
segundo Umberto Eco), e àqueles outros, que se posicionam no campo oposto e vêem
mais virtudes do que defeitos nas novas tecnologias chamaremos tecnófilos ou
ciberlibertários, já utilizado (apocalípticos, no dizer de Umberto Eco).
A primeira grande polémica sobre a “tecnologia cultural” nasce na Grécia
Clássica, em forma de metáfora, entre os que defendem a oralidade e os que apadrinham
63
A notícia é dada pelo Massachusets Institute of Tecnology (MIT). Para realizar esta proeza, os cientistas
do instituto utilizarão um dispositivo em forma de lápis denominado “phantom” que recriará a sensação de
toque físico: Desta forma do outro lado é possível sentir a força desta transmissão como também a
qualidade do objecto se é suave ou rígido. Cf. Diário de Notícias (Secção Net), “um aperto de mão
transatlântico”, 30 de Outubro de 2002.
64
Esta visão é-nos já dada no último filme de Spielberg, “relatório minoritário”.
46
A escola na sociedade do conhecimento
os benefícios da escrita. A história65 é contada no texto de Sócrates, onde Platão se
insurge, em conversa com o seu amigo Fedro, contra a escrita. A parábola assenta na
apresentação de Hermes, alegado inventor da escrita, ao faraó Thamus dessa nova
técnica que irá perpetuar a memória humana. O faraó não fica satisfeito, pois a partir
daquele momento, o homem confiando na nova técnica, vai esquecer-se de exercitar a
memória e com o tempo perderá a considerada grande dádiva de Deus. A verdadeira
sabedoria perder-se-á, pois é exterior ao indivíduo, está nas escrituras, e não no âmago
da sua alma. Esta discussão reacende-se sempre que uma nova tecnologia de suporte ao
conhecimento humano é apresentada. Foi o caso da imprensa, dos mass media e
actualmente, a Internet.
A tese dos delatores66 das novas tecnologias assenta essencialmente no possível
controlo dos seres humanos, isto é, na privação da sua liberdade. Esta tese toma, por
vezes, caminhos teóricos, que negam às novas técnicas, a sua racionalidade instrumental
e operacional. Outras vezes, toma orientações desfasadas do senso comum, pois partem
de uma posição radical de rejeição e combatem aqueles que se apropriam
funcionalmente das novas tecnologias transformado-as em instrumentos indissociáveis
das práticas culturais do dia a dia. À primeira vista parecem destemperadas as suas
críticas, todavia elas colhem razão principalmente em situações extremas de utilização e
numa não reflexão sobre as consequências. Neste ponto de vista há muitos filósofos e
sociólogos contemporâneos que reintroduziram a noção de humanismo para lutar contra
uma tecnologia desregrada e cada vez mais incontrolada.
Uma outra linha teórica tenta enquadrar as mudanças de comportamento
operadas pelas novas invenções como factores positivos do progresso humano. Esta
teoria afirma-se quer pelo aproveitamento cultural que a técnica proporciona aos seus
utilizadores quer muitas vezes pelo non sense das posições dos críticos. Esta linha de
65
Cf. ECO, Umberto, From Internet to Gutenberg (a lecture presented by Umberto Eco at the Italian
Academy for Advanced Studies in America), 12 de Novembro de 1996,
(http://italynet.com/columbia/internet.htm).
66
Anote-se esta curiosa referência de Maria Filomena Mónica que é no mínimo redutora, porém, de uma
crueza que nos deve obrigar a reflectir. “A Internet chegou a Portugal numa má encruzilhada da História.
Os portugueses devem ser o único povo europeu a ter evoluído directamente do analfabetismo para o
computador. Ao contrário do que sucedeu em França, na Suécia ou em Inglaterra, nunca atravessámos um
período em que a maioria da população possuísse livros em casa. Não admira que, durante os últimos
anos, os portugueses se tivessem posto de cócoras, como um bando de pacóvios, diante do computador”.
Maria Filomena Mónica, “Secção: Espaço Público”, Público, 19-04-2002.
47
A escola na sociedade do conhecimento
pensamento optimista por natureza, não contempla muitos dos avisos adiantados pela
outra corrente.
A conclusão parece clara, isto é, uma posição de equilíbrio. As novas tecnologias
não são boas ou más por si mesmas, o seu uso poderá ter consequências nefastas ou
benéficas. Elas transportam virtualidades que uma relação reflectida e racional podem
ajudar a melhorar.
1.2.1 A visão negativa
A argumentação dos tecnófobos é, quantas vezes, uma linha de pensamento de
fundo niilista. Muita da pertinência dos argumentos esgrimidos devem-se ao facto de
atravessarmos uma época de transição isto é, a passagem da sociedade industrial para a
pós-industrial. As fases de mudança são sempre dadas a visões mais ou menos
catastrofistas e é também nestes períodos que se multiplicam as teses negativistas.
Figura incontornável da reflexão sobre os novos tempos é Jean Baudrillard,
sociólogo francês67 que fundamenta as suas teorias, sobretudo no jogo da linguagem e da
retórica. Este pensador advoga uma relação mórbida e contra-natura do Homem e da
máquina. O homem ao transferir as suas características para a máquina está a despojarse de si próprio, pois desobriga-se de pensar e abdica do seu próprio poder. "Confiar
essa inteligência a máquinas liberta-nos de toda a pretensão ao saber, como confiar o
poder a homens políticos nos dá possibilidade de rir de qualquer pretensão ao poder".68
Como consequência desta delegação das qualidades do ser humano para a máquina
opera-se uma regressão evolutiva que nos tornará deficientes física e mentalmente. A
consequência previsível desta evolução é o fim do pensamento. O que teremos então?
"O homem virtual, imóvel diante do computador, faz amor pela tela e faz cursos por
teleconferências. Torna-se um deficiente motor, e, provavelmente cerebral também".69
Baudrillard antevê um homem incapaz de se movimentar sem sentidos a não ser com um
auxílio do ecrã assim como a inteligência artificial e os seus suportes serão a prótese
67
Será curioso analisar que os pensadores que referenciamos são todos franceses. Só com certeza eles
também os mais inquietos pela perca da influência da cultura francesa em relação à anglo-saxónica muito
mais pujante e que parece ter ganho definitivamente o braço-de-ferro tornando-se o inglês a língua
universal das novas tecnologias.
68
Jean Baudrillard, A transparência do mal, p. 59.
69
Ibid., p.60.
48
A escola na sociedade do conhecimento
deste novo homem e as ideias desaparecerão do cérebro. A utilização do computador
terá como consequência o ressurgimento de um “homem médio” com “a menor cultura
comum”, aquela que pretensamente lhe terá utilidade imediata, surgindo uma nova
mística – “A comunhão cerimonial, no entanto, já não se dá através do pão e do vinho
que se tornariam a carne e o sangue mas através dos ‘mass media’. [...] A comunhão já
não passa por um suporte simbólico mas por um suporte técnico”.70
Reportando-se à conhecida tese que as redes de comunicação constituem um
grande salto para o conhecimento humano, Baudrillard refuta-a e defende que existe
apenas uma simulação de liberdade e de descoberta, pois os parâmetros de busca estão
viciados: a pergunta que se faz à máquina encontra-se atrelada a uma resposta
preestabelecida. As respostas não são fruto de uma reflexão individual, laboriosa,
amadurecida do interlocutor/investigador, mas sim do processo de programação
mecânica. “Não se trata, portanto, do tempo de reflexão, mas de tempo de reacção. [...]
O aparelho não activa os processos intelectuais, mas os mecanismos reaccionais
imediatos”.71. Por isso, ele considera a Internet como uma nova droga. Ela dá uma
vertigem interactiva electrónica equivalente á mesma sensação de prazer que a droga e
também, como ela, viciante. O pensador francês argumenta ainda que a virtualidade do
ciberespaço faz desaparecer o espaço proporcionando a falta de identidade a que ele
chama "a dissolução numa convivialidade fantasma".72
A propósito da integração desta tecnologia no fenómeno educativo, Baudrillard
é ainda mais pessimista. Parte da metáfora da clonagem para restabelecer um
paralelismo com um sistema da escola na era da informação e comunicação. Assim “le
système de l`école de l`information et de la culture de masse permet de fabriquer des
êtres qui deviennent une copie conforme les uns des autres »73. A aprendizagem deixará
de ser um projecto individual que criará sujeitos autónomos e diferentes e formará tão só
um conjunto de clones fruto dos objectivos emanados de um conjunto de programadores.
Um outro autor desta linha de pensamento é Philippe Breton74. Ele argumenta
que a partir da segunda Guerra Mundial nasce uma nova fórmula de encarar os factos
70
Jean Baudrillard, A sociedade de consumo, Lisboa: Edições 70, 1991 p. 107.
Ibid., p.108.
72
Ibid., p.149.
73
Entrevista ao “Le Monde de l`éducation” (www.citationsdumonde.comaocueil.asp), em Junho de 2002.
74
Investigador no CNRS (Laboratório de Sociologia de Paris I – Sorbone)
71
49
A escola na sociedade do conhecimento
baseada na comunicação, em oposição "à barbárie, ao racismo e à sociedade de
exclusão"75. O sociólogo francês interroga-se a propósito do desenvolvimento da
comunicação que criará o “Homo Comunicans”, o homem moderno, “um ser
comunicante”. Este será mais humano? Não! O resultado é "um homem sem interior"
que não raciocina, mas apenas responde a estímulos pré-concebidos, normalizados e
consensuais em contraponto ao homem do humanismo clássico cheio da “riqueza da
vida interior”.
O sociólogo francês desmistifica o projecto de utopia criado pelo matemático
Norbert Wiener. Este pensador defendeu a teoria de uma sociedade ideal que se
desenvolveria em redor da comunicação e levaria ao protagonismo do “Homo
Comunicans” que não é mais do que "um ser sem interioridade e sem corpo, que vive
numa sociedade sem segredos, um ser por inteiro voltado para o social, que não existe se
não através da informação e da permuta numa sociedade tomada transparente graças às
novas máquinas de comunicar”. Este novo homem surgiria, na tese de Wiener, como
contraponto à barbárie, resultado de duas guerras mundiais, de milhões de mortos e de
deslocados, de duas bombas atómicas lançadas sobre o Japão e do consequente desprezo
do homem pelo homem.
De certa maneira esta nova utopia renega o ser humano para criar um ser social
isto é, inteiramente preparado para comunicar e se entender socialmente. Para Breton, a
vida passou a estar na comunicação sem ausência de polémica. Este novo homem está
em concorrência directa com as máquinas arriscando-se a ser derrotado por elas. A
interioridade do homem, que era o valor central, desvalorizou-se sendo mais importante
o social. Na nova utopia, o novo homem dela nascido não recebe as mensagens “de uma
interioridade mítica, mas antes do seu ambiente. Ele não age mas reage, e não reage a
uma acção, ‘reage a uma reacção’".76 Estes pressupostos criarão uma nova sociedade: a
da comunicação baseada na transparência, no consenso e na luta contra a entropia.
"Graças à comunicação, o homem é transparente para a sociedade e sociedade é
transparente para o homem. Os media modernos basearão a sua política de expansão na
ideia de que jamais, nada em parte alguma, deverá ser mantido em segredo",77 as
próprias decisões políticas serão tomadas em cima de tudo pela razão e de preferência
75
, Philippe Breton, A utopia da comunicação, Lisboa: Instituto Piaget, 1994, p. 9.
Ibid., p. 50.
77
Ibid., p.55.
76
50
A escola na sociedade do conhecimento
por máquinas. O computador é a última etapa da inovação tecnológica na utopia da
comunicação. Ele é "o cavalo de Tróia" da utopia na sociedade moderna no duplo
sentido "da transparência social" e da racionalidade que permite tomar a decisão em
pressupostos absolutamente fidedignos. Com o computador cresce a crença na fidelidade
absoluta da máquina e o pensamento consequente é o de que a complexidade das
sociedades humanas não pode ser dirigida pelo homem.
O francês Breton desmonta esta utopia que se construiu como alternativa, como
dissemos, à barbárie, mas desvirtuou o homem e o seu âmago - a sociedade
comunicativa será isso mesmo uma utopia, como a própria genealogia da palavra indica
um não lugar, um mito. A comunicação não deve ser o único ponto de vista do
progresso da humanidade, mas um entre outros. Se ela esteve na base do nascimento da
retórica e da argumentação que deu origem ao nascimento da democracia na antiga
Grécia, no entanto, pelo descrito, o excesso de comunicação levaria finalmente a um
colocar em questão a própria democracia78.
Um outro autor que apresentamos inserido nesta linha teórica, Lucien Sfez79
comunga dos ideais de Jean Baudrillard e, parece-nos mais consistente que Philippe
Breton, a tese perfila-se no campo político e desenha com pormenor o perfil desse novo
ser que nasce do confronto comunicativo do homem com a máquina. De maneira a não
haver mal-entendidos, o essencial da sua crítica não é a comunicação, mas a
telecomunicação (a comunicação que tem como suporte a tecnologia), pois ela permite a
"confusão do sujeito e do objecto, do emissor e do receptor, da realidade e da ficção".80
Como se vê há uma perda do sentimento da realidade e do próprio sentido da
comunicação. A sua crítica é contundente “comunicamos pelos instrumentos que têm
exactamente enfraquecido a comunicação”81 O homem usando os novos meios de
comunicação tende a fechar-se no individualismo e na solidão para o seu semelhante
com toda a grande variedade de meios para comunicar.
O autor identifica três modelos de comunicação: a representativa, a expressiva e
a confusionante. Na primeira representação, o sujeito e o objecto permanecem separados
78
BRETON, Philippe – A utopia da comunicação - Lisboa: Instituto Piaget, 1994, p. 145.
Professor de ciências políticas na Universidade de Paris I, Panthéon – Sorbone.
80
SFEZ, Lucien; A comunicação – Lisboa: Instituto Piaget, s. d.
81
SFEZ, Lucien, Crítica da Comunicação, (1.ª ed. 1990), Lisboa: Instituto Piaget (Epistemologia e
Sociedade), 2.ª ed., 1994, p. 23.
79
51
A escola na sociedade do conhecimento
e bem reais, a comunicação é a mensagem que o sujeito emissor envia a um receptor
através de um canal. A mensagem é objectiva, o sujeito domina a máquina pela qual
transmite a mensagem, o receptor não pode senão entender objectivamente o
transmitido. Na comunicação expressiva há um universo. Aqui "desaparece a ideia do
domínio para ceder o lugar à ideia de adaptação".82 Nesta concepção surge a metáfora da
“Creatura” muito cara a Gregory Bateson”. A “Creatura” é caracterizada pelo monismo
pois o homem é reduzido a uma caixa sem interior, a um mecanismo cibernético, pela
circularidade pois ninguém em particular é fim da informação mas sim o conjunto
social e pela interacção pois a comunicação existe para unir e alimentar todas as partes.
É o conceito da totalidade não igualitária mas hierarquizada, a comunicação passa a ser
assim a “inserção de um sujeito complexo no meio ambiente ele próprio complexo”. 83
Para Sfez, a comunicação representativa dominou durante longo tempo a história
da humanidade temperada pela comunicação expressiva até que o desenvolvimento da
tecnologia (muito mais que a técnica) abandonou a sua posição de instrumento para se
tornar dominadora e avaliar com os seus parâmetros todas as actividades humanas. De
sujeito, o homem passa a objecto. A Comunicação representativa e expressiva
misturaram-se, deixaram de ter valores próprios nascendo assim a confusão a que o
autor chama "tautismo” vocábulo nascido da contracção de autismo e tautologia.
Convém definir o que estas duas palavras significam para o pensador, recorrendo à sua
própria definição. "O autismo, doença do autofechamento em que o indivíduo não tem
necessidade de comunicar o seu pensamento para outrém nem de se conformar ao dos
outros e cujos únicos interesses que possui são a satisfação orgânica e lúdica".84
Tautologia é o conceito de que o predicado nada acrescenta ao sujeito. O conceito de
tautismo evoca ainda totalidade isto é, um todo ou um dos sujeitos se encontram
diluídos. A metáfora do tautismo é o”Frankenstein”. O indivíduo só existe pela
tecnologia. Ela tudo diz sobre o homem e o seu futuro. A consequência é a perda da
identidade, do sentido das coisas, da reflexão, a confusão total do emissor e do receptor.
Será este o futuro que nos espera?
"Um universo de ficção científica em que as
82
Ibid., p.21.
Ibid., p.100.
84
Ibid., p. 103.
83
52
A escola na sociedade do conhecimento
máquinas falam e onde os homens comunicam por próteses artificialmente ligadas a
circuitos anónimos".85
Em jeito de conclusão, nesta análise dos efeitos nefastos do desenvolvimento da
comunicação esta tem levado o homem a comunicar menos. Por outro lado, assistimos a
uma descaracterização da reflexão que é condicionada pelo excesso de informação. O
universo virtual é particularmente visado das críticas dos tecnófobos com o argumento
de que a própria palavra "virtualidade" põe em causa a relação com o outro e
transformam os cidadãos num conjunto de autistas. A inteligência virtual coloca um
homem no abismo e aí ele perde sua identidade deixando à máquina a racionalidade
principal característica e diferenciador do homo sapiens. A assunção plena do valor do
homem deve colocá-lo no centro de qualquer debate e não será substituível por qualquer
máquina por mais complexa que seja inventada.
Sabemos que há outro aspecto de abordagem do problema que é o da psicologia,
da psiquiatria e, de uma forma mais lata, o das ciências médicas. É óbvio, que não cabe
neste trabalho uma análise aprofundada, mas tão só ligeira. As redes de comunicação são
facilitadores e propiciadores da comunicação humana, a um clique de um botão tem-se
acesso a um mundo sem fronteiras onde se podem estabelecer múltiplas relações
interpessoais. A comunicação estabelecida é mais fácil já que dispensa a apresentação
física e o anonimato permite expressar aspectos da personalidade que de outra maneira
não o poderiam ser. O carácter diferido da comunicação, como sejam o correio
electrónico, permite uma maior refletividade, assemelhando-se à correspondência
epistolar com a vantagem de não ser preciso enviá-la em sobrescrito e dispensar a ida
aos correios. É possível, também, a criação de grupos com os mesmos interesses e
necessidades comunicativas. Há depois a considerar o lado obscuro: o uso abusivo dos
computadores. Entre outros a psicóloga Kimberly Young, da Universidade de Pittsburg,
Pennsylvania, e o doutor Ivan Goldberg do Instituto Neuropsiquiátrico de Nova Iorque86
estabeleceram diferentes critérios de diagnóstico que passam pela agitação psicomotriz,
a ansiedade, o síndrome de abstinência, incapacidade de controlar o uso da Internet,
refúgio na net para escapar aos seus problemas, incapacidade de controlar gastos,
diminuição generalizada da actividade física, do sono, da sociabilidade, do trabalho
85
86
Ibid., p. 147.
ver endereço electrónico http://isis.scriptmania.com/doscaras.htm em Maio de 2002.
53
A escola na sociedade do conhecimento
consequência directa da dependência, da dupla personalidade,... Estes são aspectos que
merecem tratamento clínico e pressupõem uma atenção e prevenção, no sentido de uma
educação para os media.
1.2.2 A visão positiva
Já aqui tratámos da importância da II Guerra Mundial para o aparecimento de um
novo paradigma científico: a cibernética, a ciência do controlo e da comunicação. Os
fundamentos da inteligência artificial foram, à data, lançados e contribuíram
definitivamente para a concepção dos primeiros computadores. Este conjunto de
articulados, que têm por base os princípios do monismo, da circularidade e da
interacção, fornece uma explicação para as qualidades de um sistema comunicativo que
implica a totalidade, a interdependência, a auto-regulação e o intercâmbio. Aparece a
ideia de controlo, de domínio e de fenómeno mensurável do acto comunicativo. A
comunicação faz parte do domínio científico, “cujos mecanismos é preciso desmontar
para compreender os seus mecanismos”.87
Nomes como os matemáticos Norbert Wiener, John von Neumann e Walter Pitts,
o neuropsiquiatra Warren McCulloch, o fisiologista Arturo Rosenblueth e o engenheiro
electrónico Julian Bigelow foram os pioneiros da cibernética, desenvolvendo diversas
conferências e publicando reflexões que trouxeram para o seu núcleo de apoios outros
estudiosos como Gregory Bateson, Alan Touring, entre outros. Todos eles partilham
uma visão positiva das tecnologias. O principal argumento é o de que a “lógica” é o
principal sustentáculo do devir científico e os fundamentos da ciência: os métodos
experimentais e os dados métricos, deverão também eles ser adaptados à teoria da
comunicação.
Sem querermos debruçar-nos exaustivamente no assunto, este paradigma tem
base nos fundamentos filosóficos nascidos no século XIX do positivismo de A. Comte.
Esta doutrina advoga que a noção de progresso está vinculada à ciência e a unidade do
conhecimento é de raiz empírica, combatendo a metafísica. Se Comte poderá ser
considerado o pai deste movimento será posteriormente no seu desenvolvimento, o neo87
Jean Cloutier, A era de emerec ou a comunicação áudio-scripto-visual na hora dos self-media – Lisboa:
Ministério da Educação e Investigação Científica – Instituto de Tecnologia Educativa, s.d., p. 59.
54
A escola na sociedade do conhecimento
positivismo que teremos de encontrar o sustentáculo deste movimento. O Tractatus
Lógico- Philosophicus, de Ludwig Wittgenstein (1889-1951), é o livro que fundamenta
este pensamento científico. Aí se defende que o mundo só pode ser entendido através da
lógica e se reduz a linguagem complexa a proposições atómicas - simples (o átomo
lógico constitui a substância do mundo).
Nesta busca da relação entre a linguagem e o mundo fornece um conjunto de
técnicas lógicas para que a linguagem não traduza o modo pessoal de cada um ver o
mundo e se caia no solipsismo. Substitui a ideia de linguagem pessoal (minha
linguagem) pela linguagem interpessoal (nossa linguagem). A linguagem deixará de
pertencer ao mundo interior, mas à vida da comunidade humana. Há uma substituição do
valor semântico pelo simbólico. Buscar o sentido da linguagem implica analisar o
contexto em que a linguagem é usada, este é o trabalho a ser desenvolvido pela análise
linguística cuja técnica são os jogos de linguagem. Concluindo, os cibernéticos
consideram o homem como um autómato lógico que processa informação. Esta é
perfeitamente verificável e sem ambiguidade. A linguagem formal deixa o campo da
semântica para se mover apenas num universo puramente sintáctico.
Pierre Lévy88, é um dos exemplo da permanência da tese positiva nos nossos
dias. A sua investigação sobre o modelo informático é de cariz optimista: a “utilização
crescente dos computadores é, ao mesmo tempo, o indício e último operador duma
mudança antropológica de grande envergadura”.89 Estes novos recursos cognitivos a que
ele chama de “tecnologia intelectual” estão a pautar o desenvolvimento humano,
reorganizando a sua cultura e abrindo-lhe uma temporalidade nova tão revolucionária
como a invenção da escrita.
E se esta iniciou a história da humanidade, seguindo-se à pré-história, a
informática inaugura uma nova era a “pós-história”: “uma nova forma cultural inédita
emerge da recorrência indefinida de um novo tipo de comunicação e de tratamento
simbólico”.90 Este progresso da humanidade decorre de uma “necessidade”. Não há
nenhum instrumento que possibilite deter a edificação do “tecnocosmo” por mais
democrático ou ditatorial que seja. “O tecnocosmo informatizado pertence à série destas
88
Professor na Universidade de Paris-X, Nanterre
89 LÉVY, Pierre – A máquina universo (criação, cognição e cultura informática)- Lisboa: Instituto Piaget
(epistemologia e sociedade), 1995, p. 10
90 Ibid., p.44.
55
A escola na sociedade do conhecimento
criações memoráveis cuja nascença é, talvez contingente, mas que, uma vez aparecidas
se apresentam à humanidade com a força do destino: a agricultura, a escrita, o Estado.
Estabelecem se no tempo porque são umas máquinas formidáveis para se reproduzir.
Propagam-se necessariamente por que os que as adoptam são a maior parte das vezes
vencedores.”91 A liberdade, que nos resta é dar sentido à transformação técnica e
“converter a necessidade tecnológica em projecto cultural”.92
1.2.3 Análise crítica
O professor e escritor italiano Humberto Eco proferiu uma palestra nos Estados
Unidos em 1996,93 que nos parece um marco, e muitos outros também a consideram
como tal, na análise crítica das novas tecnologias face aos habituais instrumentos de
registo processamento cultural. Nela se traçam com uma clareza crua, e ao mesmo
tempo, de mestria, as diferenças entre o livro e as potencialidades da informática. Apesar
dos argumentos claramente expostos e fundamentados e no essencial mostrarmos acordo
pelo exposto, parece-nos haver uma base de partida errada, o de um subtil partido pelo
objecto impresso.
Através de vários exemplos, Eco demonstra a perplexidade e as resistências das
entidades poderosas às novas tecnologias de gestão cultural. Para o faraó Thamus, como
referenciámos atrás, a invenção da escrita destruiria a memória do homem, pois não
mais necessitaria de a exercitar já que aquela substitui-la-ia com vantagem. Para Frollo,
abade da catedral de Notre Dame de Paris, no romance de Victor Hugo com o mesmo
nome, a imprensa matará a igreja e toda a sua envolvência, pois universaliza o
conhecimento. O homem não precisará de recorrer a ela e aos seus ministros para a
interpretação das escrituras e dos valores essenciais da vida pois os livros disseminar-se91
Ibid., p. 229.
Ibid. p. 229.
93
ECO, Umberto, From Internet to Gutenberg (a lecture presented by Umberto Eco at the Italian
Academy for Advanced Studies in America), 12 de Novembro de 1996
(http://italynet.com/columbia/internet.htm).
92
56
A escola na sociedade do conhecimento
ão. Nos anos sessenta do último século, Marshall Mcluhan anunciava que a TV e os
novos dispositivos electrónicos substituiriam com vantagem o livro impresso.
O autor de Apocalípticos e Integrados mostra-se consciente do potencial que
representam as novas tecnologias para o desenvolvimento humano, mas também percebe
os problemas por elas trazidos, como o risco da comunicação visual baseada na
linguagem coloquial e na imagem suplementar todo o outro tipo de comunicação.
Para Humberto Eco, o computador é um tipo de livro ideal e vai além deste por
permitir a construção de hipertexto, no entanto, esta tecnologia só substitui um tipo de
livro, os de consulta. O computador será uma evolução para um certo tipo de livro e
nunca um problema. O problema é a disseminação da comunicação visual esta, sim
necessita de uma nova abordagem por parte dos educadores. Eco advoga que informação
e comunicação puramente visual levará a aumentar a noção das estratégias persuasivas,
não valorizando o poder crítico de avaliação e reflexão. As notícias acompanhadas de
poucas palavras, mas de muitas imagens são mais facilmente propiciadoras de
manipulação de consciências e os grandes temas são tratados como a publicidade. Ele
pensa até que as sociedades, no futuro, poder-se-ão dividir em dois grandes grupos:
constituídos por aqueles que assistem à TV e recebem imagens pré-fabricadas e os
outros que escolhem de uma forma escrupulosa o tipo de informação que desejam
receber.
O papel primordial da educação para preparar os discentes para este novo mundo
é uma dos pontos de partida para este nosso trabalho. O que está a ser feito é muito
pouco, é urgente uma nova mentalidade nos decisores políticos, na comunidade docente
e na sociedade em geral. “We need a new form of critical competence, an as yet
unknown art of selection and decimation of information, in short, a new wisdom. We
need a new Kind of educational training”.94
Por fim, o romancista chama a atenção para os perigos dos fascinados pelas
tecnologias isto é, de que o verdadeiro conhecimento da vida e da morte não pode ser
apreendida em livros de leitura rápida, mas sim em livros de reflexão.
94
ECO, Umberto, From Internet to Gutenberg (a lecture presented by Umberto Eco at the Italian
Academy
for
Advanced
Studies
in
America),
12
de
Novembro
de
1996
(http://italynet.com/columbia/internet.htm).
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A escola na sociedade do conhecimento
O desenvolvimento de um país é também medido pelo grau de implementação da
sociedade de informação. Nos índices de desenvolvimento, estes itens são cada vez mais
importantes. As novas ferramentas geram conhecimento e a grande mudança começará
na educação: aproximar as escolas da sociedade e da sua evolução, de forma a produzir
alunos digitalmente esclarecidos, com as atitudes certas para uma formação contínua.
É evidente a tendência manifestada no desenvolvimento das novas tecnologias
tendo em vista o entretenimento e a vertente cultural: os endereços comerciais são de
longe, no momento, a maior fatia do bolo geral. Esta constatação deverá servir de
incentivo ao mundo académico e aos organismos estatais no sentido da produção de
conteúdos educativos no sentido do aproveitamento das potencialidades educativas e de
aprendizagem que este novo mundo comporta.
A ideia principal que se propõe visa a modificação da estrutura fechada da sala
de aula. Os alunos terão de ser instigados a pesquisar e a procurar informações que
ampliem a discussão realizadas com os colegas e professores, utilizando o recurso das
redes de comunicação e software apropriados. Os alunos passam a perceber que podem
lidar com o tempo e o espaço de outra forma, visitando lugares que já não existem e/ou
distantes. Isto pode significar uma visita ao Antigo Egipto ou á Roma dos Césares, à
base de dados de bibliotecas em locais distantes e mesmo noutros países ou visita
guiadas a importantes museus sem sair da Escola.
O computador e as redes telemáticas serão utilizados como mais um instrumento
capaz de expandir os interlocutores com os quais pode agir no aliciante processo da
apropriação de saberes construídos. A facilidade de qualquer pessoa tem em colocar em
rede o que quiser coloca novos desafios. Esta enorme quantidade de informação que a
Internet gere poderá conduzir a que muita dela seja lixo e que cada vez mais seja difícil
separar o trigo do joio. Para isso terá de haver vontade política das nações e legislação
responsável e oportuna e de redefinir o papel da escola, será o de formar indivíduos crianças e professores - que sabem usar crítica e criativamente o computador como uma
tecnologia cultural tal qual um livro, a televisão, o cinema, a fotografia e a imprensa. O
papel do Estado e da comunidade em geral tem de ser o de democratizar o acesso a mais
um instrumento que se revela formidável e fundamental na sociedade moderna da
criação humana.
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A escola na sociedade do conhecimento
O grande desafio que a escola de hoje defronta neste começo de século é
acreditarmos que de facto, a incorporação, no quotidiano escolar, das linguagens da
tecnologia não são apenas um mero apêndice para dar uma ar de modernidade, mas sim
um facilitador do processo de aprendizagem, um meio facilitador de ensinar e aprender,
e quem sabe, empurrará definitivamente as nossas escolas para o caminho do futuro.
1.3 A informação e a comunicação geradoras do conhecimento
Durante muitos séculos, o texto escrito foi a linguagem dominante da
transmissão do saber. O registo escrito é, não poucas vezes, tornado dogmático,
intocável e inviolável. Até ao século XIX, ele é obra de eruditos e quase não sai da
esfera académica e do espaço jurídico (fórum). É elaborado com regras rígidas,
respeitando o ritmo, a construção lógica e gramatical. Ao leitor só lhe é dada uma
possibilidade de interpretação da qual não pode escapar. A escola corresponde a esta
lógica de unidireccionalidade consumando-se nesse princípio indomável de sentido
único e obrigatório “magister dixit”.
A revolução da língua portuguesa operada por Garrett e consagrada por Eça
revolucionou o acto comunicativo e vem na linha do movimento romântico europeu. Ao
contrário da frase do século XVII e XVIII em que a chave da leitura é a lógica e a
construção sintáctica, a frase de Garrett e Eça liberta-se dos espartilhos clássicos, tornase artística. O vocabulário alarga-se a novos estrangeirismos, inventam-se novos
vocábulos, é vago e abstracto. Recorre predominantemente às meias palavras, à
imaginação, à ironia,... Os princípios orientadores são o predomínio das sensações
estéticas sobre as relações lógicas. Há uma subordinação do rigor gramatical à intenção
poética. Ao espírito do leitor são deixadas múltiplas interpretações pela inerente
subjectividade, jogos de palavras, figuras de estilo, etc. Este é uma base subtil do
conceito de hipertexto.
O texto escrito, para além de permitir a ligação a índices, a referências, à
memória, permite agora uma maior participação do leitor com recurso à imaginação e ao
mesmo tempo a uma aproximação da realidade. Porém e apesar disso, o “corpus” do
conhecimento é constituído por conceitos e suas formas de representação, processos e
técnicas que não tem como objectivo último ser questionado, mas tão só compreendido.
59
A escola na sociedade do conhecimento
O saber é tão só contestado em forma de investigação superior. Os jornais, as revistas, os
registos magnéticos, a rádio e mais tarde a televisão acrescentam o dinamismo da
actualidade, do som, das imagens e do directo e nasce alguma interactividade que
transcorre da polémica, da auscultação de opinião e do debate. O grande público
consumidor é, ainda, um sujeito passivo, obediente, espectador. É necessário esperar
para que o conhecimento e a informação se possam democratizar num duplo movimento
– o da interacção – trazido pelas novas tecnologias.
1.3.1 Dimensão do processo de interacção
Interacção significa “acção recíproca entre dois ou mais corpos, duas ou mais
pessoas...”95 Podemos definir interacção como uma permuta de comunicação entre
indivíduos ou grupos de indivíduos; entre um suporte interactivo (ex.: programa de
computador) e o utilizador em que este pode interferir, completando a sua função,
inquirindo para procurar uma resposta ou alterando o curso. É uma forma de
comunicação em que pelo menos duas partes comunicam activamente e, numa última
fase, exercem influência no comportamento, no desenvolvimento, nas condições ou na
acção um do outro, comunicando, trabalhando ou reagindo em conjunto.
Alguns autores consideram que qualquer forma de reacção mesmo que seja do
domínio psíquico e no interior da mente do receptor já é uma forma de interagir com o
comunicante. Com este conceito queremos significar um processo circular, de duas
direcções em que se processa um feedback por parte do receptor utilizando o mesmo
canal de comunicação. Partindo desta definição podemos dividir a tecnologia em dois
mundos: a interactiva e não interactiva, considerando esta, os media tradicionais e
aquela a nova tecnologia.
Nesta segunda linha de pensamento, o utilizador pode seleccionar informação
que deseja, de acordo com os seus interesses, ou tão só navegar ao sabor do acaso e da
disposição do momento, assim como completar com a sua própria reflexão algo que
considera impreciso ou não adequado, surpreender-se com o inesperado, dialogar com o
autor e fazer anotações pessoais, cooperar na realização de múltiplas tarefas, etc. É este
95
Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Lisboa:
Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2001.
60
A escola na sociedade do conhecimento
um elemento participativo que tem aumentado com a evolução técnica em que se produz
um “diálogo” entre o indivíduo e o medium.
1.3.1.1 A interactividade na sociedade pós-industrial
No advento da sociedade de informação e comunicação e que se segue à
industrial, surgem novas conceptualizações. Na economia, afirmam-se novos factores de
produção: a riqueza da sociedade em que vigora o modo de produção que valoriza a
acumulação de capital, de matérias primas e mercadorias dão lugar à posse da
informação e a operacionalização do conhecimento, tendo em vista a inovação. A
informação e a comunicação são os pilares do desenvolvimento humano nas sociedades
mais evoluídas, quase tanto como as riquezas naturais. Os computadores e as redes de
comunicação permitem que o trabalho seja feito de forma radicalmente diferente. Os
processos sequenciais da organização do trabalho dão lugar à simultaneidade. É
possível, um conjunto de indivíduos trabalhar simultaneamente numa mesma tarefa,
melhorando a rapidez de execução para níveis surpreendentes. Por outro lado,
separaram-se as barreiras físicas com o consumidor final, é possível comprar
directamente ao fabricante sem necessidade de catálogo ou dispêndio em infraestruturas
comercias com o simples acesso à Internet.
Assistimos à proliferação dos suportes do saber que para além dos já tradicionais
e abordados passam a incluir o computador e as redes de comunicação. A disseminação
destas tecnologias dessacraliza a lógica unidireccional dos anteriores mass media. Surge
a interactividade e o receptor interage, torna-se também decisor na construção do seu
saber e da informação que deseja.
Ao pensamento que sugere a uniformidade e a massificação, sucede a
diversidade e a individualização. Ao nível político, social e cultural as ideias do EstadoNação e das culturas hegemónicas, surge a afirmação de outros valores supranacionais,
de comunidade, de especificidade cultural, de crescimento da interculturalidade.
Com o aparecimento do computador, a interactividade assumiu cambiantes
diversas, universalizou-se e tornou-se pedra chave da construção do saber. Passou a
haver um diálogo entre o utilizador e a máquina. Esta detecta erros; armazena
informação acessível a um simples toque ou ordem; proporciona-nos realidades virtuais
e o acesso ao multimédia na forma de texto, som e imagem. Não é o acesso puro e
61
A escola na sociedade do conhecimento
simples à informação que conta, mas a possibilidade de navegar através dela e com ela
jogar. Pressupõe-se que o computador do futuro entrará em interacção connosco através
da linguagem comum e da linguagem gráfica96.
A Internet, personifica esta nova dimensão da interacção permitindo a troca de
mensagens electrónicas, o funcionamento de grupos de discussão, a transferência de
ficheiros, e a consulta de páginas de informação multimédia na WWW (World Wide
Web) como já vimos em capítulo anterior.
1.3.1.2 A interactividade no processo educacional
No domínio da educação surgem outros métodos e abordagens pedagógicas que
valorizam a experimentação, a descoberta, a investigação, a integração de saberes e
competências com vista à realização de projectos. Os pedagogos advogam
aprendizagens activas significativas, diversificadas, integradas e socializadoras.97 Na Lei
de Bases do Sistema Educativo, deparamos com objectivos do ensino básico que
reflectem esta ideia:98
ƒ
“assegurar que nesta formação (geral e universal) sejam equilibradamente
inter-relacionados o saber e o saber fazer, a teoria e a prática, a cultura
escolar e a cultura do quotidiano;
ƒ
proporcionar a aquisição de atitudes autónomas, visando a formação de
cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na
vida comunitária;
ƒ
fomentar o gosto por uma constante actualização dos conhecimentos...”
96
Investigadores da British Telecom divulgam calendário tecnológico para o século XXI. Assim entre
muitas previsões extraordinárias: em 2020 surge a televisão holográfica, os cães electrónicos excederão os
de carne e osso, certos locais terão ecrãs a simular paisagens naturais; em 2030 haverá robôs física e
mentalmente superiores ao seres humanos, a Biblioteca do Congresso dos EUA caberá no equipamento do
tamanho de um grão de açúcar; em 2035, será concretizado o primeiro cérebro artificial; em 2075, as
viagens no tempo serão uma realidade; em 2100, um microprocessador da imortalidade facilitará a
entrada das pessoas no ciberespaço in jornal PÚBLICO, suplemento “Computadores”, O admirável mundo
novo, pp.8 e 9.
97
Introdução aos Programas curriculares do 1.º Ciclo. Despacho n.º 139/ME/90, de 16 de Agosto. Convém
não confundir aprendizagem activa com meios interactivos. Estes processos pedagógicos que se
valorizaram com as novas tecnologias e estas acrescentaram-lhes argumentos não se confundem. Pode
haver interação com outros esquemas metodológicos.
98
Artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 46/86 – Lei de Bases do Sistema Educativo.
62
A escola na sociedade do conhecimento
Estes princípios orientadores reflectem uma nova concepção de aquisição do
conhecimento, que passam pela deslocação da importância do protagonista, que transita
do professor para o aluno. Ao redor da capacidade de acção e de interacção do discente
que constrói o edifício próprio do conhecimento, alicerçado no gosto pessoal e num
projecto de vida. Assim, o objectivo fulcral será educar para a autonomia, preparar para
a cidadania para que possam proliferar cidadãos activos, autónomos, conscientes e
participativos.
Muitas das vantagens encontradas no computador e nas redes de comunicação
acrescentam valor e potenciam características dos meios de ensino convencionais. São
disso exemplo as capacidades:
1. de projectar cursos assíncronos para a eles aceder no tempo e espaço adequados
ao receptor;
2. de simulação em ambientes virtuais;
3. de aceder a bancos de dados para trabalhos de investigação e descoberta;
4. de progredir por módulos funcionais e adaptados individualmente;
5. de apresentar em som e imagem suportes multimédia que permitem a
demonstração e ou ilustração de saberes;
6. de ter periféricos de entrada e saída acessível a vários utilizadores quer sejam ou
não deficientes;
7. de reprogramação que torna possível um aperfeiçoamento sistemático e constante
das matérias em estudo;
8. de viajar no tempo e no espaço;
9. de interagir com cada aluno de uma forma individualizada, adequada ao seu
ritmo de trabalho, interesse e autonomia.
As maiores mudanças na prática pedagógica derivada das novas tecnologias darse-ão sem dúvida nesta função da interacção professor-aluno, aluno-aluno e professorprofessor.
1.3.2 O hipertexto, o hipermédia e o multimédia
A partir de um ecrã de controlo principal, podemos explorar um mundo de
informação em texto, som e imagem que se tornam interactivos. Por um lado, permite a
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A escola na sociedade do conhecimento
resposta de um utilizador à solicitação feita por outro, permite escolhas multilineares:
oferecem muitos caminhos através da mesma informação.
O hipertexto e os pontos sensíveis são as formas de hipermédia. Passamos às
definições. Com o hipertexto todas as palavras têm vida. Ao escolhermos uma podemos
ver uma lista de páginas em que ocorre esta palavra e saltar imediatamente para uma
delas. Permite ainda ao utilizador escrever notas à margem sem danificar o conteúdo,
destacar partes do texto para colar noutro documento, referenciar passagens que
poderemos ir buscar sempre que necessário e instantaneamente. “O hipertexto imita a
capacidade do cérebro em armazenar e recuperar informações através de ligações
referenciais para um acesso rápido e intuitivo”.99 Um ponto sensível é uma área num
écran dum visor que reage quando seleccionado e se activado leva-nos para outro local
no documento. Os pontos sensíveis podem ou não ser invisíveis e apenas reagirem
quando houver uma exploração no ecrã.
A interactividade proporcionada pela hipermédia permite aliar a actividade
lúdica, a estimulação sensorial, a emoção da aventura e descoberta associada à aquisição
do saber. Permite uma mistura de prazer e lazer na obtenção do conhecimento. As obras
multimédia que utilizam esta tecnologia permitem o acesso à informação de maneira que
seria impossível no livro impresso. Numa mesma obra incorpora-se texto, som e imagem
que levam o utilizador a uma exploração sem fim. É também esta possibilidade de
dispersão que é apontada criticamente por pedagogos. A possibilidade de acedermos a
tudo menos ao que nos interessa envolve uma aprendizagem, mas ao mesmo tempo abre
pistas que nem sequer imaginamos.
O multimédia conjuga texto, som e imagem. Estes novos mundos são materiais
de reencantamento da escola como lhe chama Vasco Moreira, pois a escola é
potenciadora das novas tecnologias e nela se dilui o espaço escolar e extra-escolar,
facilitando ainda o acesso ao saber, à troca de informações, de ideias e de experiências.
O multimédia facilita “a relação do ser humano com o tempo e o espaço, permitindo-lhe
reinventar discursos racionais e logicamente estruturados a partir de associações
99
J. Fiderio, “A grand Vision – Hipertext Mimics the Brain`s Ability to Access Information Quickly and
Intuitively by Reference”” in Byte Magazine, vol. 13, n.º 10, 1988 pp. 237-244 citado por Vasco Moreira,
Escola do Futuro Sedução ou Inquietação? As Novas Tecnologias e o Reencantamento da Escola, Porto:
Porto Editora, 2000, pp.37.
64
A escola na sociedade do conhecimento
aleatórias de informações e ideias e de comunicações dinâmicas”.100 Concretamente,
fala-se das enciclopédias digitais e monotemáticas, dos dicionários electrónicos e online; software educativo, bancos de questões...
1.3.3 Andamentos na construção da sociedade da informação
Assistimos a um anacronismo na sociedade da informação e da comunicação que
penaliza principalmente o aspecto cultural em benefício do económico. Enquanto há
sectores como o da banca onde os efeitos das novas tecnologias são por demais visíveis,
com acesso personalizado via Internet e telefone a diferentes serviços (cotações,
intervenções na bolsa, home-banking...), outros, como os transportes, permitiram a
simplificação electrónica de processos tendo em vista uma melhor circulação e
comodidade
dos
utentes
(pagamentos
de
portagens
e
estacionamentos,
o
condicionamento de acesso de não moradores, a estratificação em pagamento de
portagens pelo número de ocupantes na viatura...). As instituições escolares e culturais
mantêm-se amarradas a velhos métodos que contrastam mais uma vez com a nova
realidade deixando-se ultrapassar pela dinâmica da própria sociedade quando deveriam
estar na vanguarda.
Assistimos a um esforço de intenções e programas da Comunidade Europeia para
aproximar o cultural do económico. O programa ISTweb101 -sociedade de informação e
tecnologia - da Comunidade Europeia, tem um pressuposto de 3 600 milhões de euros e
uma duração de 4 anos (1998-2002) e divide-se em dois: Sociedade de Informação e
Energia, meio ambiente e desenvolvimento sustentável. O programa Sociedade de
Informação tem em vista o desenvolvimento de ferramentas e sistemas de gestão,
difusão e exportação de conteúdos culturais digitalizados. Seguidamente referiremos
algumas iniciativas no espaço da Comunidade Europeia (CE), em que também o nosso
país se insere para uma visão rápida, a modos de flash, para aquilatar das virtualidades
100
Vasco Moreira, Escola do Futuro Sedução ou Inquietação? As Novas Tecnologias e o Reencantamento
da Escola, Porto: Porto Editora, 2000, p.41.
101
INFORMATION SOCIETY TECHNOLOGIES PROGRAMME (IST),
(http://www.cordis.lu/ist/home.html). 20 Abril de 2002.
65
A escola na sociedade do conhecimento
das novas tecnologias e do papel que elas poderão ter na construção de sociedades mais
desenvolvidas e interdependentes, privilegiamos o cultural porque está, mais de acordo
com a reflexão que nos propusemos fazer.
O tratado de Maastricht consagra a cultura, na acção europeia, como um sector
independente por direito próprio. Destacar e valorizar as especificidades culturais
inscreve-se no seu articulado, assim como a construção de um “modelo cultural
europeu” no respeito pela diversidade, no intercâmbio e na cooperação.
Os apoios fornecidos à cultura são muitos e variados. Está consagrado um gasto
num montante mínimo de 500 milhões de euros por ano102. Os programas são geridos
por diferentes direcções gerais e serviços da Comissão Europeia e tem as suas próprias
normas de funcionamento e admissão. Visam fomentar o apoio à cooperação cultural, às
indústrias do sector audiovisual, investigação tecnológica, aos produtos e serviços
digitais, educação e formação artística, meio ambiente, desenvolvimento regional e
social, ao investimento e cooperação com terceiros países. O programa cultura 2000 é
apenas a ponta do iceberg do financiamento cultural que a CE propõe. Com um
horizonte até 2004 é um programa que contribui para financiar a cooperação comunitária
em todos os âmbitos artísticos. Os objectivos são o de potenciar a diversidade cultural, a
criatividade, o intercâmbio entre os agentes culturais e o acesso do público à cultura.
Neste se enquadram diversas iniciativas, vejamos algumas ligadas às novas tecnologias:
ƒ
A partilha de culturas que tem o objectivo de aproximar os povos e de lhes
dar a conhecer as especificidades culturais conta com a iniciativa Netd@ys
Europa, que resumidamente pretende fomentar “a utilização dos novos meios
de comunicação no domínio da educação e da cultura”103. São reuniões de
jovens com o apoio das novas tecnologias para exporem e desenvolverem
actividades culturais. Nesta iniciativa destaca-se o projecto Débora (Digital
acess to books of the Renaissance – acesso digital a livros do renascimento)
que “desenvolve instrumentos que tornam acessíveis a utilizadores com
ligação à Internet colecções digitalizadas de documentos que datam do século
XVI, proveniente de várias bibliotecas europeias”.104
102
Comissão Europeia, Construir a Europa dos Povos. A União Europeia e a cultura,, Bruxelas:
Direcção-Geral da Imprensa e Comunicação Publicações, 2002, p. 3.
103
ibid.,p..6.
104
Ibid., p.5.
66
A escola na sociedade do conhecimento
ƒ
O projecto Artiste reune quatro grandes museus da Europa (o Uffizi de
Florença, a National Gallery e o Victoria and Albert Museum de Londres e o
museu de Louvre de Paris) e tem como objectivo a digitalização, a
catalogação e a colocação em rede das obras dos museus citados para uso dos
interessados, particularmente de todos os cibernautas.
ƒ
O eContent que decorre no período de 2001-2005 e tem como objectivo
principal promover a produção, o uso e a difusão de bens e serviços digitais.
O objectivo último é incentivar “o aperfeiçoamento de instrumentos
linguísticos que permitam, por exemplo, a tradução automática ou pesquisa
de documentos em diversas línguas na Internet”.105
ƒ
O programa TEN-Telecom para o período 2001-2005 está orientado para o
“lançamento de serviços em redes informáticas europeias e mundiais”. Um
exemplo concreto é o projecto Chance “permite a turistas ou a investigadores
de história de arte localizar, através da sua base de dados em linha, o museu
ou na colecção privada em que se encontra determinado quadro, escultura ou
artefacto histórico.
ƒ
O projecto Mythos promove a formação à distância com recurso às novas
tecnologias e à realidade virtual.
ƒ
O projecto Theatron recorre à informática e à multimédia para reconstruir
representações teatrais gregas e romanas.
ƒ
O projecto Regnet “reúne museus, bibliotecas e operadores informáticos de
dez países europeus, incluindo também a Bulgária e a Rússia, para criar uma
plataforma comum de comércio electrónico de bens e serviços culturais com
base em tecnologia de ponta.”106.
ƒ
O programa Media aponta para aumentar a circulação de filmes de produção
europeia, acrescida da directiva da CE, Televisão sem Fronteiras, que
promove a circulação e o predomínio de emissões europeias de televisão.
ƒ
No domínio da investigação destaca-se o projecto 3D-Murale que “reune
parceiros austríacos, belgas, britânicos e suíços, proporcionando aos
profissionais instrumentos para o arquivo e a reconstituição virtual de
105
106
Ibid., p.8.
Ibid., p.19.
67
A escola na sociedade do conhecimento
vestígios e sítios arqueológicos”.107 Após 2003, data da conclusão do
projecto, o estudo entrará na rede de comunicação para ser partilhada pela
comunidade do ciberespaço.
ƒ
A protecção aos direitos de autor e direitos conexos na sociedade de
informação foi objecto de uma directiva comunitária que os EstadosMembros terão de aplicar até final de 2002. O combate a conteúdos ilegais e
perniciosos mereceu uma decisão do Parlamento Europeu (276/1999) e do
Conselho de 25 de Janeiro do mesmo ano que aprovou um plano de acção
comunitário plurianual para fomentar uma utilização mais segura.
Para a construção da sociedade da informação, foi elaborado o programa
eEuropa e no domínio da educação/formação o plano eLearning em que as noções de
“aprendizagem ao longo da vida”, de educação informal” e de “aprendizagem
electrónica” convivem com as concepções tradicionais de ensino.108
1.3.4 A sociedade da exigência cognitiva
Estamos ainda a digerir os efeitos da revolução que os novos inventos da
comunicação e da informação operaram, muitos ainda nem são visíveis nem foram
aplicados de uma forma sistemática. Muitos destes artifícios nasceram connosco, a
Internet, ao serviço do grande público, tem uma dezena de anos. Se pensarmos que do
aparecimento da escrita à primeira biblioteca da Alexandria decorreram 4 000 anos,
constataremos que ainda estamos na fase de indefinição, de descontrolo, de tacteação...
Passamos por uma época que poderemos comparar a um novo Renascimento,
uma época para tudo reinventar de novo, para questionar os pressupostos em que assenta
a civilização pós-moderna. Mcluhan num feliz raciocínio deixou-nos a metáfora da
“aldeia global” que espelha a nossa pequenez face à volúpia do domínio que
pensávamos deter sobre o universo, a interdependência das relações humanas
confrontada com o individualismo e o egoísmo reinante, a causalidade e globalidade do
processo comunicativo a agir no nosso quotidiano. “Actuar reflexivamente sobre o meio
próximo implica a consciência de, ao mesmo tempo, se estar a actuar sobre o meio
107
108
Ibid., p.17.
Ibid., p. 6
68
A escola na sociedade do conhecimento
longínquo”.109 Ao derrubarmos uma árvore, ao utilizarmos um spray, ao viajarmos de
automóvel, a amplificação de uma simples notícia pelos media repercute-se no nosso
modo de vida influenciando-o, é esta permuta de interferência que se processa à escala
planetária.
O processo de construção do conhecimento é avassalador e grandioso, são agora
muitos mais os que têm acesso aos saberes. A modificação das relações sociais, o
aumento do tempo de lazer, a massificação da frequência escolar, a proliferação dos
media, entre outros, proporcionam uma sociedade mais esclarecida e exigente. É penosa
a utilização de manuais que se desactualizam rapidamente, os saberes necessitam de uma
actualização contínua e a formação permanente é um imperativo de todas as profissões.
A escola compete na aquisição dos saberes com um conjunto complexo e diversificado
de meios que fornecem informação e saber. Uma das respostas da Suécia ao questionário
realizado pelo Gabinete Internacional da Educação110 foi: “se as escolas não
conseguirem fazer face ao desenvolvimento da IT (Informação Tecnológica) e à sua
integração no processo pedagógico, e se os métodos de procura de saber na escola e fora
dela se tornarem demasiado díspares, a escola acabará por entrar numa crise de
identidade”111. A escola tem de se abrir de uma forma radicalmente nova e diferente às
novas tecnologias. Se a escrita abriu as portas à história, a imprensa possibilitou a
Renascença e a Reforma, abriu caminho à Idade Moderna, o digital inicia uma nova era
que possibilitará um acréscimo das aptidões cognitivas para, cremos, o progresso da
humanidade no sentido da justiça, da solidariedade e da melhoria das condições de vida.
O mundo ligado pelas auto-estradas da comunicação e banhado em informação que nos
há-de lançar na fraternidade global, nos benefícios da democracia directa continuamente
vigilante e precavendo eventuais excessos, na renovação do sistema de ensino que
permitirá o domínio do conhecimento sobre o obscurantismo são premissas de uma
utopia antiga: a de sermos felizes graças ao conhecimento científico. A realidade parece
ser bem diferente e o caminho do futuro traz algumas nuvens negras. Numa análise que,
pensamos esclarecida, embora, demasiada pessimista, Dan Schiller advoga que o
109
José Carlos Abrantes, Os media e a escola - da imprensa aos audiovisuais no ensino e na formação,
Lisboa,Texto Editora, 1992, pp. 15 e 16.
110
Aquando da preparação da 45.º sessão da Conferência Internacional de Educação sobre o tema
“Fortalecer o papel dos professores num Mundo em Mudança” realizada em Genebra em 1996.
111
RELATÓRIO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO 1998 UNESCO – Professores e ensino num mundo em
mudança – Porto: Edições Asa (colecção perspectivas actuais/educação), 1998, pp. 108
69
A escola na sociedade do conhecimento
ciberespaço está a ser colonizado pelos mesmos protagonistas que estão na base do
sistema de mercado e “a Internet não é mais do que a central de produção e o aparelho
do domínio de um sistema de mercado cada vez mais supranacional”.112
No denominado “capitalismo digital”, as barreiras fronteiriças e linguísticas
esbatem-se ou derrubam-se. À livre circulação de produtos junta-se o da liberalização
das telecomunicações transnacionais com a concentração em grandes grupos
económicos que também controlam a indústria dos conteúdos. Uma língua franca que é
o Inglês serve de sustentáculo à construção da teia que a economia capitalista exerce
sobre a sociedade e a cultura. A estratégia passa pelo domínio da tecnologia e dos media
de modo a transformá-los em produtos de consumo. A educação e a cultura serão
também transformadas numa indústria que gera lucros? A importância crescente da
formação profissional no desenvolvimento das empresas tem ajudado a desenvolver o
conceito de mercantilismo no ensino. A acumulação de poder dos grupos transnacionais
que se fundem em novos, mais poderosos e por isso mais determinantes, de modo a
poderem definir e a moldarem as instituições sociais levarão “a fortalecer, em vez de
eliminar, os velhos flagelos do sistema de mercado: a desigualdade e a dominação”.113
Este é um bom ponto de partida para uma reflexão sobre a construção da
sociedade da informação. Que contribuição pode dar para modificar a natureza das
coisas à escala planetária e preservar os valores que estão na base da construção de uma
sociedade mais justa, igualitária e democrática e onde as pessoas sejam felizes? Que
resposta pode dar para aos novos desafios da globalização que se centram na
competitividade, na capacidade de criar uma mão de obra altamente especializada, motor
essencial de uma sociedade desenvolvida? Como compatibilizar o desenvolvimento
económico com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária? Como evitar a
exclusão evitando a fractura social entre aqueles que dominam a tecnologia e os
excluídos?
Estas respostas terão de ser encontradas na educação, única via de construção de
uma sociedade melhor, a sociedade do conhecimento, que abordaremos no capítulo
seguinte.
112
113
Dan Schiller, A globalização e as novas tecnologias, Lisboa: Editorial Presença, Maio de 2002, p.16.
Ibid., p.238.
70
A escola na sociedade do conhecimento
71
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