1 PEDRO CELSO CAMPOS PROPOSTA DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA PARA A EDUCAÇÃO PERMANENTE Tese de Doutorado São Paulo 2006 2 PEDRO CELSO CAMPOS Jornalismo Ambiental e Consumo Sustentável PROPOSTA DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA PARA A EDUCAÇÃO PERMANENTE Tese apresentada à Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo para obter o título de Doutor em Ciências da Comunicação, Área de Concentração: Jornalismo. Orientador: Prof. Dr. Luiz Barco São Paulo 2006 3 AUTORIZO: [ X ] divulgação do texto completo em bases de dados especializadas. [ X ] reprodução total ou parcial, por processos fotocopiadores, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos. ________________________________ PEDRO CELSO CAMPOS São Paulo, 05 de Janeiro de 2006 4 CAMPOS, Pedro Celso Jornalismo Ambiental e Consumo Sustentável - Proposta de Comunicação Integrada para a Educação Permanente / Pedro Celso Campos. São Paulo: P. C. Campos. 2006 324 p. Tese (doutorado) - Escola de Comunicação e Artes/USP, 2006. Bibliografia. O exemplar 1 não pode ser emprestado. Biblioteca e sociedade Memória e sociedade Teses t 5 Autor: Título: PEDRO CELSO CAMPOS JORNALISMO AMBIENTAL E CONSUMO SUSTENTÁVEL PROPOSTA DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA PARA A EDUCAÇÃO PERMANENTE Presidente da Banca: Prof. Dr. Luiz Barco _________________________ Banca Examinadora: Prof. Dr. Edvaldo Pereira Lima Instituição: Instituição: USP Prof. Dr. José Coelho Sobrinho Instituição: USP Prof. Dr. Antonio Carlos de Jesus Instituição: UNESP Prof. Dr. Zarcillo Rodrigues Barbosa Instituição: UNESP Aprovada em 28/ 03/2006 6 Dando-se as mãos, os pais da humana prole, vagarosos lá vão com passo errante, afastando-se do Éden solitários. MILTON PARAÍSO PERDIDO CANTO XII 7 A você, Maria Lúcia. Aos nossos filhos Thiago, Fábio, Junia. 8 AGRADEÇO... A Deus ..................................................................................pela luz, pela persistência, pela fé. Aos meus pais Clodomiro e Elidia Santolin Campos Del´Horto [in memorian]............................................................ pelo amor, pela vida. Ao Prof. Dr. Luiz Barco ......................................... pelos sábios conselhos e amizade sincera. Ao Reitor da Unesp, Prof. Dr. Marcos Macari ............................................. pela bolsa [sine qua non] do Programa de Capacitação de Docentes. Ao Diretor da FAAC/Unesp, Prof. Dr. Antonio Carlos de Jesus ........................................................... pelo apoio irrestrito. À Chefia do Dep. de Comunicação Social da FAAC, através do Prof. Dr. Antonio Francisco Magnoni (ex-chefe) e do Prof. Dr. Luiz Augusto Teixeira Ribeiro (atual chefe) ........................................................................pelo afastamento, por tantas cópias xerox. Ao Prof. Dr. Edvaldo Pereira Lima (USP) ........................................................................................... pela generosidade, pela coerência intelectual e sistêmica. Ao Prof. Dr. José Coelho Sobrinho (USP) .....................................pelo olhar sistêmico sobre a formação do jornalista. Ao Prof. Dr. Boris Kossoy (USP) ............................ pelas sábias aulas sobre Fotojornalismo. Ao Prof. Dr. Zarcillo Barbosa (Unesp).....................................................pela paciente leitura. Ao Prof. Dr. Adenil Domingos (Unesp) ..............................................pelos livros e conselhos. À Profa. Dra. Nelyse Apparecida Melro Salzedas (Unesp).......................pelo Mestrado em "Comunicação e Poéticas Visuais". Ao Grupo de Jornalismo Literário da ECA/USP ..............................................pelas trocas literárias e o apoio mútuo via Internet. Ao Núcleo Paulista de Jornalismo Ambiental ....................................... pelo debate virtual e permanente, por nossos eventos, pelo amor à causa ambiental. Ao Paulo Bontempi, Sec. da CJE/ECA/USP ...........................pelas utilíssimas informações. Aos meus alunos de jornalismo, público-alvo deste trabalho .................................................................... ontem, hoje, sempre. 9 CAMPOS, Pedro Celso. Jornalismo Ambiental e Consumo Sustentável - Proposta de Comunicação Integrada para a Educação Permanente. São Paulo, 2006. Tese (Doutorado) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo. RESUMO: Em virtude da responsabilidade social que lhe é inerente, o jornalismo deve voltar-se para a educação ambiental permanente. Para tanto, é necessário que os estudantes travem contato, na Universidade, com uma abordagem sistêmica indispensável à compreensão das relações entre os fenômenos, não só no que se refere ao meio ambiente - aqui tratado especificamente a partir do consumo sustentável - mas em relação ao próprio ensino, como instância de educação libertadora, para vencer os preconceitos, romper os paradigmas do racionalismo estabelecido, refundar a ética e rever o conceito de objetividade. A pesquisa, tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo, comprova que o jornalismo ambiental, tal como praticado hoje, não conduz à reflexão, não estimula a visão crítica, não explica as causas e conseqüências das informações e não abre espaço para a livre manifestação do receptor, atado que está a compromissos incompatíveis com a biofilia, isto é, com a Vida e com a Paz. Estuda-se, também, o conceito de integração como forma de chegarmos à cooperação solidária entre a mídia, a Universidade, os poderes constituídos e a sociedade em busca de uma educação ambiental que vá além dos muros escolares, que supere as abordagens pontuais e isoladas, que possa despertar a consciência ecológica ao nível da cidadania, o que se fará dotando o jornalismo do necessário viés educativo, a partir do aprofundamento, da investigação, da interpretação contextualizada, mediante as várias ferramentas à disposição do profissional, destacando-se, entre elas, a própria abordagem sistêmica presente na recente proposta do Jornalismo Literário Avançado e das histórias de vida. Por isto o trabalho também examina a questão dos gêneros do jornalismo e as teorias da comunicação, através dos quais o discurso jornalístico é apresentado. O aprofundamento sobre a temática ambiental se dá através do exame mais detalhado sobre o fenômeno do consumismo e a sustentabilidade, fatores de importância fundamental na abordagem da crise ecológica. São examinadas, ainda, propostas pró-ativas a favor de uma estética da cultura da paz, do ecodesenvolvimento, do eco-socialismo etc, todas assentadas no conceito de ecologia profunda, envolvendo o respeito intrínseco à natureza e aos animais, muito além do marco antropocêntrico, de inspiração liberal. Palavras-chave: Jornalismo - Educação Ambiental - Consumo Sustentável - Integração - Sistema Cidadania 10 CAMPOS, Pedro Celso. Environmental journalism and Maintainable Consumption - Proposal of Communication Integrated for the Permanent Education. São Paulo, 2006. Theory (Doctorate) - School of Communication and Arts, University of São Paulo. ABSTRACT: Due to the social responsability that it comes with, journalism should walk along with a permanent environmental education. So, it is necessary that the students get in touch, at the university, through an indispensable systemic approach to the comprehension of the relations among phenomenum, not only when it comes to the environment itself – but relating teaching itself as a requirement of a freeing education to overcome the prejudice and to hack the paradigm of the established rationalism, and re-found the ethics and to review the concept of objectivity. The research, both in its quantity and quality aspects, proves that the environmental journalism, as it’s practiced nowadays, does not lead to reflection, doesn’t encourage the critic points of view, doesn’t explain the causes and consequences of the information and doesn’t open up space to the free reaction of the receptor, being so attached with commitments that are incompatible with the biofilia, that means, with life and peace. The concept of integration is also studied as a way to get to the solidary cooperation among the media, the University, the instituted powers and society looking for a environmental education that goes beyond the school walls, that overcomes the ponctual and isolated approaches, that is able to awake the ecological conscience as a part of citizenship itself, what shall be done by supporting journalism with an educative approach, through deepening, investigation, contextualized interpretation, through all the tools at the professional’s disposal, standing out, among them, the sistemic approach itself presented by the recent proposal of the Advance Literary Journalism and the life stories. So this project also examines the kinds of journalism and the theories of communication, through which journalism is presented. The deeper studies about the environmental theme are done through the detailed examination of the phenomenum of the consumism and the sustainability, main factors in the approach of the ecological crisis. Pro active proposals are also examined leading to the stetics of a culture of peace, the eco development, the eco socialism, etc, all of them based on the concept of deep ecology, involving the inherent respect to nature and animals, way ahead of the antropocentric mark, with liberal inspiration. Key-words: Journalism - Environmental Education - Consummate Maintainable - Integration - System - Citizenship 11 SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS LISTA DE QUADROS RESUMO ABSTRACT 1 1.1 INTRODUÇÃO .................................................................................... 14 Tema Central e Objetivos ...................................................................... 15 2. 2.1 2.2 2.3 2.4 Capítulo 1 - RESGATE HISTÓRICO............................................ Antecedentes........................................................................................... Ecologia Profunda .................................................................................. Ecologia e Ética ...................................................................................... Abordagem Estética................................................................................ 23 24 35 44 52 3. 3.1 3.2 3.3 3.4 Capítulo 2 - O FENÔMENO DO CONSUMISMO ....................... Paradigma do Consumo.......................................................................... Consumo Globalizado ............................................................................ Os inimigos do Meio .............................................................................. Os amigos do Meio................................................................................. 58 59 66 77 85 4. 4.1 4.2 4.3 4.4 Capítulo 3 - SUSTENTABILIDADE .............................................. 92 Conhecimento e Ecotecnologia .............................................................. 93 Crescer sem destruir: Ecodesenvolvimento ............................................100 A via política do Eco-socialismo ............................................................103 Posicionamento crítico: A Responsabilidade de Educar.........................107 5. 5.1 5.2 5.3 5.4 5.5 5.6 Capítulo 4 - TEORIAS DA COMUNICAÇÃO..............................117 Claude Shannon e Warren Weaver.........................................................118 A Cibernética de Robert Wiener.............................................................121 Os Teóricos de Chicago..........................................................................125 A Escola de Frankfurt.............................................................................128 Teorias do Jornalismo.............................................................................132 A Abordagem Sistêmica e a Informação Circular .................................139 6. 6.1 6.1.1 6.1.2 6.1.3 6.1.4 6.2 6.3 Capítulo 5 - FERRAMENTAS DO SISTEMA...............................146 Gêneros do Jornalismo .......................................................................... 147 Informativo ............................................................................................ 147 Recreativo.............................................................................................. 149 Opinativo ............................................................................................... 150 Interpretativo ........................................................................................ 151 Jornalismo Literário Avançado.............................................................. 155 Técnicas de Entrevista ........................................................................... 159 7. Capítulo 6 - 7.1 7.2 7.3 FOTOGRAFIA: DOCUMENTAÇÃO OU ILUSTRAÇÃO ? .................................................170 Semana do Meio Ambiente - 2004 .........................................................171 Análise....................................................................................................176 Considerações.........................................................................................185 12 8. Capítulo 7 - 8.1 8.2 8.2.1 8.2.2 8.3 8.3.1 8.3.2 8.3.3 8.3.4 8.3.5 8.3.6 8.3.7 8.3.8 8.4 A NOTÍCIA AMBIENTAL NO JORNAL IMPRESSO................................................ 189 Descrição do Método............................................................................. 190 Descrição da Mostra .............................................................................. 196 Jornal n. 1 .............................................................................................. 196 Jornal n. 2 .............................................................................................. 197 Análise dos dados coletados .................................................................. 199 Quantidade de matérias publicadas.........................................................199 Assuntos mais noticiados........................................................................200 Visualização das matérias.......................................................................203 Gênero das matérias................................................................................204 O lugar das matérias ...............................................................................206 As fontes de notícias...............................................................................209 Quem faz a notícia..................................................................................210 Global ou local?......................................................................................211 Conclusão ...............................................................................................213 9. Capítulo 8 - 9.1 9.2 9.3 9.4 A PERCEPÇÃO DO TEMA AMBIENTAL NA UNIVERSIDADE....................... 215 A necessária formação sistêmica ........................................................... 216 Definição dos estudantes ....................................................................... 222 Falha sistêmica ...................................................................................... 224 Educação para o consumo ..................................................................... 227 10. Capítulo 9 - 10.1 10.2 10.3 10.4 11. A DESCONSTRUÇÃO DA OBJETIVIDADE: MODELOS ................................ 233 O rio que não fala .................................................................................. 234 Moradores em situação de rua ............................................................... 237 No meio da mata.................................................................................... 242 "Dia de Visita"....................................................................................... 244 11.1 11.2 11.3 11.3.1 11.3.2 11.4 11.4.1 11.5 Capítulo 10 - PROPOSTA DE EDUCAÇÃO INTEGRADA E PERMANENTE.............................248 Conceito de Integração ...........................................................................249 Integração no Meio Ambiente ................................................................251 Integração na Educação ..........................................................................254 Educação Formal: Universidade.............................................................254 Educação Informal e Cidadania: Projeto Mesa Brasil ............................260 Integração na Comunicação....................................................................263 O Ministério do Meio Ambiente.............................................................263 Proposta ..................................................................................................269 12. 13. 14. CONCLUSÃO.......................................................................................274 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................280 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ..............................................290 ANEXO A) B) C) D) E) F) ................................................................................................................295 Valorização visual das matérias..............................................................296 Classificação das matérias por Gênero ...................................................297 Origem das matérias ...............................................................................299 Inventário de Títulos e Unidades Referenciais .......................................300 Modelo de Formulário para análise do corpus .......................................324 Modelo de Formulário para entrevistas com os alunos...........................325 13 LISTA DE FIGURAS (GRÁFICOS) Gráfico 1 - Valorização visual das matérias..................................................203 Gráfico 2 - Classificação das Matérias por Gênero.......................................205 Gráfico 3 - Origem das Matérias: Principais fontes......................................210 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Levantamento sobre matérias ambientais................................200 Quadro 2 - Levantamento de matérias por categoria.................................202 Quadro 3 - Formato editorial da publicação..............................................208 Quadro 4 - Procedência da Informação: Intermediário..............................211 Quadro 5 - Vinculação Geográfica das matérias........................................213 14 LISTA DE SIGLAS ANJ APJ BBC CAPES CEPAL CIESPAL Associação Nacional de Jornais Associação Paulista de Jornais British Broadcasting Corporation Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior Comissão de Estudos para a América Latina Comissão Internacional de Estudos sobre a América Latina CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CONAMA ECA/USP ECO-92 Conselho Nacional do Meio Ambiente Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo Sigla da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro, em 1992. EIA Estudo de Impacto Ambiental ENUSEC [Sigla em inglês de] Iniciativa para o Meio Ambiente e Segurança FAAC/UNESP Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista FAO Food and Agriculture Organization (agência internacional da ONU para o alimento) FAPESP Fundação para o Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FLO Fairtrade Labelling Organization FNMA Fundo Nacional do Meio Ambiente IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal INPE Instituto Nacional de Pesquisa Espacial IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Ampliada IPT Instituto de Pesquisa e Tecnologia IUCN International Union for the Conservation of Nature LBA [Em inglês para] Experimento em Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia MEC Ministério Evangélicos do Cárcere MIT Massachusetts Institute of Tecnology MMA Ministério do Meio Ambiente OMC Organização Mundial do Comércio OSCE Organização para a Segurança e Cooperação na Europa PLACEA Programa Latino-Americano e Caribenho de Educação Ambiental PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNMA Programa Nacional do Meio Ambiente PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PRP Princípio de Responsabilidade do Produtor PVEM Partido Verde Ecologista Mexicano RBJA Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental REBEA Rede Brasileira de Educação Ambiental RIMA Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente SABESP Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SEMA Secretaria do Meio Ambiente SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente SUDEPE Superintendência para o Desenvolvimento da Pesca SUDHEVEA Superintendência para o Desenvolvimento da Borracha TCC Trabalho de Conclusão de Curso TI Teoria da Informação TGS Teoria Geral dos Sistemas UA Unidade de Amostragem UBQ União Brasileira para a Qualidade UNEMAT Universidade do Estado do Mato Grosso UNIDERP Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal UNICEF United Nations Children’s Fund (Fundo das Nações Unidas de Socorro à Infância) UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UFRP Universidade Federal do Paraná UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UMESP Universidade Metodista de São Paulo UR Unidade de Registro 15 TEMA CENTRAL E OBJETIVOS 16 INTRODUÇÃO Tema Central e Objetivos A Natureza é um capital que o homem não criou. Apenas descobriu. SCHUMACHER Este trabalho dirige-se aos estudantes de jornalismo e está estruturado em dez capítulos e um anexo. O tema central é o estudo do Jornalismo Ambiental através da abordagem sistêmica e interdisciplinar. Aqui examinamos o ensino de jornalismo na Universidade, o jornalismo propriamente dito e a questão ambiental. No caso da Universidade foi possível constatar o interesse dos alunos pelos problemas do meio ambiente, mas foi igualmente possível observar que eles se ressentem da falta de uma formação sistêmica e do diálogo entre as disciplinas. Sobre o jornalismo, especificamente, convidamos os estudantes para um olhar sobre as várias "ferramentas de trabalho" disponíveis para que possam fazer diferente, para que possam romper com os ranços da objetividade e mesmo da mal explicada imparcialidade que norteiam a profissão de modo genérico sem se ater a certas especificidades e situações, como quando se trata de combater a injustiça social, o que não admite dubiedades e meio termos, por exemplo. Em relação ao meio ambiente, tendo em vista a amplidão da matéria, optamos por delimitar um campo bem definido para estudo e que fosse representativo de toda a questão. Por isto discutiremos, específicamente, o fenômeno do "consumismo". O trabalho não se limita a constatar a situação do jornalismo ambiental, mas apresenta modelos de reportagem produzidos por alunos de jornalismo como possibilidades de exploração de novas linguagens. Parte de uma base teórica, situada no Capítulo 1, que é um esforço para situar, do ponto de vista filosófico, as complexas relações entre Natureza, Deus e Homem. Na tradição judaico-cristã, esta questão já está presente no Livro das Origens (Gênesis), quando o homem recebe a 17 missão de "dominar a terra". Depois, ao longo de sua história, passando pela Idade Média e até nossos dias, a Igreja discutirá, permanentemente, esse relacionamento. Antigos textos, estudados na revisão bibliográfica do tema, tratam a ecologia e as relações humanas através de páginas candentes de poesia e fé, como em Santo Agostinho (séc. V) e São Francisco de Assis (séc. XIII); ou através da crítica aquilina de Erasmo de Rotterdam (séc. XV), ou ainda da visão holística de Teilhard de Chardin (séc. XX). Em Chardin temos já uma fundamentação do que o filósofo norueguês Arne Naess chamaria de "ecologia profunda" no início da década de 1970, quando se inicia, de fato, o movimento de conscientização ecológica, por todo o mundo. A "ecologia profunda" defende o direito intrínseco dos animais à vida digna e reconhece a "inteligência do universo". Essa compreensão do todo traduz a possibilidade de aproximação ampla entre ciência e fé. Nas décadas de 1970 e 1980, autores como Amit Goswami, Fritjof Capra e outros, partem da própria física de Einstein para especular que o mundo não está dado, que tudo é um processo, que a mente humana ainda não consegue compreender os mistérios da vida e que, portanto, o que existe é um mundo de probabilidades, como ensina a Mecânica Quântica, e não um mundo de certezas, como pregava a visão newtoniana. Trata-se, na verdade, de uma revisão do modo de vida capitalista centrado no materialismo individualista e na acumulação. Isto implica na refundação da própria Ética em busca de uma Estética que possa superar, por exemplo, o "estetismo" da informação como um fim em si mesma, descompromissada com a reflexão, como é possível verificar, especificamente, no empenho da mídia em estimular o consumo a qualquer preço, sem se preocupar com suas características de injustiça social, sobrecarga do ecossistema etc. O Capítulo 2 está escrito em forma de ampla reportagem sobre a situação do consumo no mundo atual. A fonte principal é o Relatório do Worldwatch Institute sobre o avanço em direção a uma sociedade sustentável, denominado "Estado do Mundo - 2004", veiculado, no Brasil, pela Universidade Livre da Mata Atlântica, com sede em Salvador-BA. Por sua vez, o relatório é montado a partir de dados da Organização das Nações Unidas-ONU, do Banco Mundial e de outras instituições de prestígio internacional. É editado anualmente. Assim, o capítulo situa a questão da publicidade na indução ao consumo de massa, discute o fenômeno do consumismo em si (inclusive do sofrimento dos animais abatidos para consumo humano) e trata da quantidade e do tipo de lixo gerado pelo consumo moderno, 18 instalando o necessário crivo crítico sobre o consumo conspícuo ou socialmente injusto. Relaciona o excesso de consumo com as mudanças climáticas que hoje preocupam os governos da maioria dos países, mas também informa sobre ações que vêm sendo desenvolvidas por todo o mundo, às vezes silenciosamente, para limpar o ambiente e proteger a natureza. Uma dessas iniciativas é o Princípio de Responsabilidade do Produtor-PRP, um mecanismo oficial da legislação alemã que obriga o fabricante a receber o produto usado de volta para reciclá-lo. Isto, além de reduzir a quantidade de lixo, induz à confecção de produtos mais resistentes, com maior durabilidade, alterando fundamentalmente a cultura do produto "descartável" que logo vai para o lixo, inclusive itens tóxicos como embalagens químicas, baterias de celular etc. A exposição conduz ao necessário conceito de consumo sustentável para a proteção do meio ambiente e a salvação da vida no planeta. Sustentabilidade é o tema do Capítulo 3. Mas, trata-se de sustentar a vida ou sustentar o capital? Aqui entra o viés ideológico que muitas vezes acaba roubando as bandeiras do movimento ecológico em causas nada nobres, como denuncia o professor Wilson Bueno, da ECA-USP. O capítulo registra as principais conferências da ONU sobre meio ambiente e define o conceito de "desenvolvimento" a partir das observações de Lester Thurow (1997) para introduzir a apreciação de Henrique Leff (2002) sobre "desenvolvimento sustentável" e, a seguir, a avaliação de Ignacy Sachs (1986) sobre "eco-desenvolvimento". Discute também a proposta de "ecosocialismo" apresentada por José Pedro Soares Martins (1991) que recorre a Schumacher (1977) para expor a visão budista de trabalho e desenvolvimento, a qual não estabelece oposição entre tecnologia e espiritualidade. Para o budismo, o que condena o homem não é a riqueza, mas o apego à riqueza. O capítulo também inclui uma avaliação crítica do próprio movimento ambientalista, como convém ao bom jornalismo de investigação proposto nesta obra. Se no capítulo anterior concluía-se pela indispensável refundação da ética por um consumo sustentável, aqui avançamos para a necessária educação da cidadania na direção dessa ética. Uma das principais instâncias de educação da cidadania está nos Meios de Comunicação de Massa, por isto começamos aqui um aprofundamento sobre o jornalismo propriamente dito, suas teorias, seus gêneros, suas ferramentas etc. Iniciamos com o debate sobre as teorias da Comunicação, no Capítulo 4, para depois focar nas teorias do jornalismo, propriamente, concluindo 19 com o exame da Teoria Geral dos Sistemas que anima este trabalho. A primeira reflexão é sobre a Teoria da Informação-TI, de Shannon e Weaver (década de 1940), que mede a eficácia da comunicação entre dois pontos. A TI foi concebida para estudar quantidades e capacidades de transmissibilidade, por isto não dá conta de estudar a qualidade dos conteúdos, nem a intencionalidade do contexto produtor da informação. Quem vai trazer essa contribuição, no mesmo período histórico, é a Cibernética de Norbert Wiener, ao estudar exatamente a circularidade da informação que permite ao receptor tornar-se, ele próprio, emissor, pelo princípio da retroatividade. Isto rompe com a idéia de causalidade linear subjacente na TI, ao considerar a reorganização da informação a partir do feed-back. Ainda no mesmo período, a Escola de Chicago discute, pragmaticamente, as relações entre o homem e o meio ambiente ao tratar da comunicação como fenômeno urbano, conforme as pesquisas de Cooley e Park. Ainda na primeira metade do séc. XX, a Escola de Frankfurt opera a Teoria Crítica-TC, firmando o conceito de "indústria cultural", segundo o qual a mídia seria responsável por "coisificar" a informação, dirigindo-se às massas apenas para obter proveitos financeiros e não para levá-las à reflexão através das obras culturais, como queria a dialética de Adorno. Todavia, aceitar totalmente a TC seria ignorar o potencial da mente humana que também é influenciada pelo contexto histórico, através da família, da escola, da sociedade, da cultura adquirida etc. Os MCM não têm poder total sobre o homem, pelo menos não na mesma intensidade para todos os segmentos de público. No campo específico do jornalismo, já no séc. XIX discutia-se a Teoria do Espelho, que via no jornalista um super-homem com a missão de corrigir as injustiças do mundo a partir da realidade tal como ela se apresenta. Mas, a quem caberia decidir sobre o Bem e o Mal? No séc. XX, no contexto da II Grande Guerra, prolifera o conceito de objetividade. Com a globalização capitalista, surge, na segunda metade do século, a Teoria da Ação Social que caracteriza a intencionalidade do gatekeeper como responsável pela seleção das notícias. Na mesma época, a Teoria Organizacional estudava a conformação ou adaptação "natural" do jornalista à política editorial do veículo onde trabalha, sem questionamento. Mas é nas décadas de 1960 e 1970 - coincidindo com o crescimento da conscientização ambientalista - que aparece a Teoria da Ação Política, segundo a qual é a sociedade quem deve decidir como quer as notícias. Esse retorno, ou feed-back, chega aos veículos através dos seus institutos de pesquisa, permitindo a "reorientação" do veículo. Essa "reorientação", ou correção de rumo, está prevista na Teoria Geral dos 20 Sistemas que comporta três movimentos básicos: entrada (captação), estabilização (processamento) e saída (publicação). O feed-back incidirá na melhoria da qualidade do processamento da informação. Essa importância estratégica do receptor está consagrada na Teoria Estética da Recepção, em Hans Robert Jauss (1994). A abordagem sistêmica é operada, no jornalismo, através dos vários gêneros que organizam a mensagem jornalística segundo seu objetivo de informar, opinar, interpretar ou divertir. Os gêneros, destacando-se a modalidade do Jornalismo Literário Avançado e as técnicas de entrevista, são apresentados como as "ferramentas do sistema" no Capítulo 5. Destaque, também, para a construção de perfis (com Sérgio Vilas Boas), enquanto o estudo da entrevista está baseado em Cremilda Medina e a discussão sobre Jornalismo Literário Avançado apoia-se no próprio autor da proposta, o professor Edvaldo Pereira Lima, os três da ECA-USP. Outra ferramenta indispensável para o jornalista é a Fotografia. Por isto o Capítulo 6 trata do fotojornalismo aplicado ao noticiário ambiental. Este capítulo foi estruturado a partir de uma pesquisa sobre a cobertura da Semana Nacional do Meio Ambiente de 2004 pelo maior jornal do país, a Folha de S. Paulo. O que se discute é se a fotografia deve "documentar" ou apenas "ilustrar" as notícias. Para realçar a estética da imagem é ético "corrigir" digitalmente a foto como aconteceu no atentado ao metrô de Madri em setembro de 2004? Autores como Boris Kossoy, Roland Barthes, Pierre Francastel ajudam a esclarecer essas questões fundamentais no âmbito da comunicação não verbal. Por sinal, uma foto vale por mil palavras? Novamente aqui insiste-se na importância do ensino de jornalismo com qualidade e aprofundamento ético na Universidade. A pesquisa quantitativa, que subsidia esta obra, está no Capítulo 7. Através da Análise de Conteúdo (Bardin, 1952) - que abrange os estudos de Jornalismo Comparado, Núcleo de Estudos da ECA-USP ao qual este trabalho está filiado - e do Modelo de Bauer (2002), foram estudados, de janeiro a julho de 2005, 27 edições dominicais do maior jornal do país, a Folha de S. Paulo (aqui denominado Jornal n. 1) e igual número de edições de um jornal diário do interior de São Paulo, o Jornal da Cidade, de Bauru (aqui denominado Jornal n. 2). A pesquisa comprova a indiferença dos jornais com o potencial educativo das mensagens em relação ao meio ambiente e, especificamente, ao consumo sustentável. Também é praticamente nulo o espaço do consumidor/receptor na produção de matérias ambientais. O levantamento ainda mostra 21 a falta de abordagem crítica das notícias, isto é, não há preocupação em explicar as causas e as conseqüências das informações veiculadas. Foram estudadas 120 matérias do Jornal n. 1, no total de 22.061,5 centímetros de coluna, e 100 matérias do Jornal n. 2, no total de 24.012 centímetros de coluna. Os dois jornais foram analisados quanto a: volume de publicação (Quadro 1), categorias veiculadas (Quadro 2), valorização visual (Gráfico 1), gêneros (Gráfico 2), formato editorial (Quadro 3), fontes principais (Gráfico 3), intermediário da notícia (Quadro 4) e vinculação geográfica (Quadro 5). Novamente o capítulo remete a questão para a necessária formação ética e sistêmica que possa romper os paradigmas tradicionais do racionalismo reducionista e da fria objetividade observados nos jornais. Para propor a indispensável ruptura da objetividade, decidimos organizar o Capítulo 8 a partir de uma pesquisa qualitativa entre os estudantes de jornalismo. Foram distribuídos formulários no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, realizado no SESC de Santos entre 12 e 14 de outubro de 2005, com a participação deste pesquisador na organização do evento e na seleção dos Trabalhos de Conclusão de Curso-TCCs, apresentados, mas o retorno foi insignificante. A maior parte dos alunos que responderam ao questionário (cuja íntegra está no Anexo F desta obra) é da Unesp/Bauru. A intenção era saber o que pensam os alunos sobre o tema meio ambiente e como vêem o jornalismo ambiental que ainda é uma novidade na maioria das universidades brasileiras. Através da subjetividade espontânea da maioria das respostas, foi possível constatar que os alunos ressentem-se da falta de uma formação sistêmica capaz de libertá-los das amarras impostas pelo sistema tradicional, à luz da crítica que se faz ao modelo compartimentalizado do ensino acadêmico, como se pode observar em destacados autores citados no capítulo como Edgard Morin (2002) e Paulo Freire (2005), entre outros. Feita a pesquisa quantitativa sobre o mercado convencional do jornalismo e ouvidas as aspirações dos estudantes de jornalismo, foi possível, então, ir além das constatações, até certo ponto naturais, para mostrar como se pode fazer um outro jornalismo, rompendo a objetividade. Este é o tema do Capítulo 9 que apresenta modelos produzidos por estudantes da Unesp na fase de conclusão do curso, com ênfase para o Jornalismo Literário Avançado, uma ferramenta que se adapta, como uma luva, ao jornalismo ambiental, por suas características de envolvimento profissional com a fonte - mediante entrevistas de imersão -, de investigação 22 aprofundada e de criatividade na narrativa sempre a partir do fato real, com direito a entrevistar e escrever sob impacto de forte emoção. Os textos citados como modelares neste capítulo são de alunos que tiveram a ousadia de sair do lugar comum. Uma aluna única que não é da Unesp - dá voz ao rio de sua cidade e com isto "escandaliza" o editor ao "convidar" o rio para sentar-se numa roda de bar entre outros moradores antigos do lugar. A partir daí o rio fala, pensa, faz gestos...(Recusando-se a publicar a matéria, o editor asseverou: "as pessoas não vão entender isto"). Outra aluna foi ao encontro dos moradores de rua de São Paulo, convivendo em dezenas de horas de entrevistas com os usuários de um albergue, sem pressa, para compreender a alma das pessoas que ela descreve, respeitosamente, como "em situação de rua". Não consegue evitar as lágrimas com as histórias que ouve e acaba chorando junto com o entrevistado, tamanha a dor dos excluídos. ("As pessoas mudam de calçada quando nos avistam porque temos dificuldade para tomar banho", lamentou-se um deles). A terceira aluna citada como modelo foi parar no meio da mata para testemunhar como os mateiros lidam com a natureza, com os animais silvestres, os passarinhos, imitando o som deles para atraí-los numa reserva ambiental. Descreve a emoção de abraçar uma árvore, o acolhimento respeitoso da gente simples que lhe deu pouso e comida durante os dias da reportagem. O quarto trabalho vem de um presídio onde os preconceitos cedem lugar ao reconhecimento do talento, da emoção e da grandeza que também existem no coração de pessoas que erraram e que querem dar a volta por cima e que têm esse direito. São histórias que falam de gente e não de números ou de estatísticas. São histórias onde o coração abre passagem para a emoção e a diferença. São histórias apuradas e escritas sem pressa, sem frieza, sem distanciamento, sem objetividade. E também sem imparcialidade, pois há momentos em que é necessário assumir atitudes e deixar de lado a suposta neutralidade para denunciar as injustiças. Por isto Marx diz que os filósofos analisaram o mundo, mas chegou a hora de transformar o mundo. Já não basta "pensar" com Descartes para existir, para não ser "mais um jornalista", é preciso escolher, optar, sentir a dor do outro. Isto é jornalismo humanista. O último Capítulo ( o 10 ), tem a missão de expor, a partir de tudo o que foi visto antes, o principal objetivo desta obra que é a proposta de educação ambiental integrada e permanente através do jornalismo. O capítulo detém-se na fundamentação do conceito de integração e em seguida relata exemplos concretos nos quais a integração ajuda a mostrar o mundo de 23 outra forma, a partir de uma cultura de paz, seja em regiões de conflito internacional, seja nos exemplos de livros-reportagem produzidos pelo Projeto São Paulo de Perfil, sob a coordenação de Cremilda Medina, na ECA-USP, ou nas atividades de jornalismo ambiental de Ilza Girardi Trourinho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, seja na integração dos comerciantes com as comunidades carentes através da pedagogia cidadã presente no Projeto Mesa Brasil. A idéia de integração também é analisada no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, através da proposta de Educomunicação que reconhece a necessidade de um jornalismo mais envolvido com o meio ambiente e a educação popular, concluindo com a necessidade de ampliar os exemplos já citados e inaugurar uma parceria permanente entre todas as entidades envolvidas e a sociedade, com intensa participação popular, nos moldes da Agenda-21, emanada da Rio-Eco-92. Entre os objetivos desta pesquisa avultam o de propugnar pelo ensino de jornalismo com qualidade; a introdução do ensino de jornalismo ambiental em todas as Universidades do país; a preparação de profissionais conscientes e sensíveis aos problemas sociais e ambientais; a modificação da linguagem jornalística de modo a introduzir um viés educativo para toda a cidadania no que se refere ao meio ambiente, aqui exemplificado no "consumo sustentável"; a integração das mídias com as Universidades e os poderes públicos para despertar na sociedade um sentido maior de participação e de responsabilidades individual e coletiva pela sustentabilidade da vida no planeta e um engajamento pessoal do jornalista, primeiro como estudante, logo depois como profissional e como cidadão, nas ações pró-ativas a favor da causa ambiental. Nossa esperança é que as informações contidas neste trabalho possam ter alguma utilidade para os estudantes. Pretendemos atrair a atenção deles para o problema ambiental a partir de um posicionamento crítico. Queremos que eles estudem a abordagem sistêmica para estabelecer as necessárias relações entre os fenômenos que testemunharão como jornalistas. Para que possam ser cidadãos de fato e possam produzir suas matérias com ética, garra, emoção e criatividade. 24 RESGATE HISTÓRICO 1. Antecedentes 2. Ecologia Profunda 3. Ecologia e Ética 4. Abordagem Estética 25 Capítulo 1 RESGATE HISTÓRICO A terra está de luto e todos os seus habitantes perecem. Os animais selvagens, as aves do céu e até mesmo os peixes do mar desaparecem (OSÉIAS 4,3) 1. Antecedentes Apesar da proximidade histórica, ainda presente na mídia e na história do movimento ambientalista internacional, o problema do relacionamento homem-natureza não pode ser datado a partir da fermentação político-cultural que culminou com a revolta dos estudantes em Paris em 1968 (ano em que a ONU realizou, também em Paris, a Conferência da Biosfera) e com o fim da guerra do Vietnã em 1975. Também não se pode fixar como marco inicial a primeira conferência da ONU para o meio ambiente realizada em Estocolmo em 1972. Certamente, se buscamos uma visão crítica do processo de desenvolvimento que conduziu o mundo à situação caótica de nossos tempos, devemos indagar sobre as razões de tamanho desatino, sobre as causas que originaram esse status quo. Com efeito, foi a Revolução Industrial, que marcou a transição entre a sociedade agrícola-artesanal do Séc. XVIII para a sociedade urbano-industrial, que alterou profundamente as relações de produção, exatamente entre 1750 e 1830. Isto se tornou possível a partir da mais radical manifestação contra o feudalismo que foi a Revolução Francesa, de 1789/1794. Com os grandes descobrimentos e, em função deles, a formação do mercado mundial, teve início o maior processo de globalização da história recente. A burguesia nascente apoiou inicialmente o desenvolvimento das artes, favorecendo a pesquisa e as invenções do Século das Luzes (Séc. XVIII) quando o poder da Razão se instalou nas ciências (Racionalismo) e todo o conhecimento passou a ter uma finalidade prática, voltado 26 para o admirável mundo novo que então surgia, com promessa de vida nova para todos os que aderissem e apoiassem as teses do capitalismo. Mas, como num conto de fadas com sinal trocado, as oportunidades que surgiram com o novo sistema não eram para todos. Pelo contrário, o que era de todos ou estava à disposição de todos – como a água, a energia, as florestas, as praias, os recantos naturais, a terra, os rios e mares, afinal, a natureza – passou a ter dono. Agora a água gera energia e ambas são comercializadas. A terra ampla que poderia matar a fome de tantos, está improdutiva no latifúndio. As praias estão cercadas por condomínios de luxo ou por hotéis 5 estrelas. As florestas e o cerrado dão lugar à monocultura da soja ou à pecuária...a concentração da renda, a acumulação do capital vão gerando a injustiça que resulta na fome, na miséria, na violência, no desemprego, na infelicidade. O estudo de antigos textos, entretanto, pode nos levar a recuar ainda mais no tempo e no espaço em busca da preocupação do homem com a natureza. 4 Já nos tempos bíblicos, por exemplo, a preocupação com o domínio da terra e com a arte de cuidar dos rebanhos é causa de guerras encarniçadas. Talvez por ler a Sagrada Escritura ao pé da letra, adaptando-a aos seus interesses imediatos, é que o homem passou a destruir aquilo que devia preservar. No Livro das Origens, o Gênesis, não está escrito em nenhum lugar que o homem deveria destruir a terra e apropriar-se dela com esperteza. Pelo contrário. Está escrito: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra”. (Gen. 1,26). Logo em seguida, disse Deus ao homem: “Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra...eis que vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que vos sirvam de alimento” (Gen.1, 28-29). Os termos imperativos “reinar”, “submeter” e “dominar” – aqui grifados – devem ser relacionados com as categorias “doar” e “alimento”. A criação é uma dádiva para o alimento do homem, isto é, para a sua felicidade. Como bem lembra 4 O último grande filósofo da Natureza foi Demócrito (460 - 370 a C), natural da cidade portuária de Abdera, na costa norte do mar Egeu. Achava que todas as coisas eram constituídas por partículas minúsculas chamadas átomos. Mas seriam indivisíveis e diferentes para, combinados, gerarem a transformação. Era uma Teoria Atômica semi-perfeita. Hoje a ciência mostra que os átomos podem ser divididos em partículas ainda menores, ou elementares: prótons, nêutrons e elétrons.. Mas a ciência acha que deve haver um limite para tal divisão. Cf. GAARDEER,1995, p. 57. 27 Leonardo Boff, 5 em nenhum momento Deus “vendeu” a terra, nem passou escritura para uns em detrimento de outros. A criação é para todos os homens, para que, usando-a com bom senso, possam crescer e se multiplicar. No entanto, a história do Antigo Testamento é uma história de guerras e de lutas pela conquista da terra. Já no cap. 6 do Gênesis, vendo a ganância e a maldade dos homens, Deus se arrepende: “Exterminarei da superfície da terra o homem que criei, e com ele os animais, os répteis e as aves dos céus, porque eu me arrependo de os haver criado”. (Gen. 6-7). Noé, entretanto, encontrou graça aos olhos do Senhor. Percebemos que a centralização da história humana nos interesses do próprio homem - escolha que lhe foi possível pelo livre-arbítrio – gerou uma distorção no mandamento inicial da preservação para a vida. O que era dádiva, o homem transformou em propriedade. Excluiu o que não servia aos seus propósitos imediatos, tanto outros homens, como os bens naturais. Feriu, matou, destruiu, transformou amor em ódio. A figura do dilúvio poderia ser vista como uma necessidade de reequilíbrio do sistema, uma tentativa de zerar tudo para começar outra vez. Apesar de todo o mal, há sempre um princípio de bondade suprema – ou cósmica, como preferem os agnósticos - oferecendo à vida terrestre uma nova chance. Isto já ocorreu outras vezes, como nas Eras Glaciais entre os períodos pré-cambriano e paleozóico em que grande parte da superfície da terra cobriu-se de espessa camada de gelo. 6 O homem, que surgiu no Pleistoceno, como ancestral do atual homo sapiens, sobreviveu, a duras penas, às glaciações do período, mesmo sem compreender esse fenômeno de reciclagem da terra. Ainda hoje, com tanta informação disponível, as pessoas descrêem dos cientistas ambientais, como na época de Noé, ignorando os que manifestam preocupação com o futuro da humanidade diante de tanto descaso com a natureza. Mas os períodos glaciais são uma realidade e eles não ocorrem por acaso, ainda que não estejam bem explicadas as várias teorias sobre a 5 "A Terra é paisagem, é fala, é mensagem que podemos escutar. A Terra também somos nós mesmos, os seres humanos [...] O valor supremo é preservar este planeta - e só temos este - porque ele está profundamente ameaçado e não temos uma Arca de Noé que salve alguns desta vez e deixe perder os outros. Esta é a base para qualquer outro valor. O segundo valor é preservar a família humana, a espécie humana, junto às demais espécies, e garantir as condições para que ela subsista e continue a desabrochar, a desenvolver-se. São os dois valores supremos de uma ética planetária, terrenal." Cf. entrevista de Leonardo Boff à Revista Caros Amigos. São Paulo, set. 1998. 6 A era glacial mais estudada foi a que ocorreu no período Quaternário e se estendeu por boa parte do Pleistoceno – quando as geleiras chegaram a cobrir cerca de um terço da superfície terrestre - encerrando-se há cerca de 10.000 anos, já no Holoceno, conforme estudamos na Geografia. 28 ocorrência do fenômeno. Para alguns estudiosos, as glaciações resultam de variações na irradiação de energia solar sobre a Terra. Outros a atribuem a deslocamentos do eixo terrestre. Para outros é a deriva dos continentes, movidos pelas placas tectônicas, que provoca as alterações climáticas. Uma quarta teoria dá conta que o pó vulcânico em suspensão na atmosfera reduz a quantidade de calor solar sobre a superfície do planeta. Com muita razão podemos temer que o homem não tenha tanta sorte como em períodos glaciais anteriores, se considerarmos a somatória de fatores que parecem confluir, paulatinamente mas em progressão continuada, para o novo ciclo de ajuste do ecossistema mundial. Não podemos esquecer que foi a quantidade de gás carbônico presente na atmosfera que levou à última glaciação. Hoje, o efeito estufa é preocupação universal e todos os governos se mobilizam para atender à Convenção do Clima assinada por dezenas de países representados na Rio Eco-92, sob os auspícios da ONU, depois consubstanciada no Protocolo de Kyoto. Mas só há pouco a Rússia aderiu ao Protocolo, enquanto nos EUA, dez Estados invocaram o Pacto Federativo pelo direito de aderir à luta a favor do clima, contrariando o governo Bush que reluta em reduzir os níveis de lançamento de CO2 na atmosfera alegando que isto implicaria em prejuízos para a economia americana. Com a instantaneidade da notícia em tempo real, que é uma característica da sociedade da informação, tomamos conhecimento de todas as catástrofes ambientais no instante mesmo em que elas estão ocorrendo. Embora de modo insuficiente, a cobertura da mídia chega acompanhada de explicações das ciências sobre as origens dos fenômenos. Assim foi no caso da movimentação das placas tectônicas que provocou o maremoto na Ásia matando mais de 300 mil pessoas em dezembro de 2004. A força do impacto levou a conjecturas sobre o deslocamento do eixo da Terra. Muitos vêem nos verões europeus cada vez mais quentes, nos invernos tropicais com dias de verão, em furacões como o Katrina que destruiu Nova Orleans e arrasou Estados inteiros no sul dos EUA em agosto de 2005, ou nos efeitos do fenômeno El Niño, com tantos desastres e inundações, uma manifestação clara de que algo muito grave está acontecendo com o clima. Por isto, estudar o passado, compreender o equívoco humano de centrar sua razão de ser apenas na acumulação de bens, gerando exclusão e miséria, é fundamental se queremos educar e conscientizar as pessoas na direção de um novo comportamento ambiental, de um novo modo de vida, mais solidário, mais assentado no “ser”, no respeito às diferenças, na aceitação e na tolerância. A Terra não 29 é uma propriedade particular de alguns. 7 Ela não existe em função do homem. Ela existia antes e tem meios de se auto regular para assegurar sua continuidade. É o homem que deve se adaptar à Natureza e não o contrário. 8 Se não compreender isto, o homem será “dispensado” pelo sistema em sua monumental e indomável marcha configurada na expansão cósmica entrevista por Einstein. Outra abordagem histórica que podemos analisar para compreender a questão ambiental pode tomar como base os interesses da geopolítica humana. Do mesmo modo que assistimos hoje ao desinteresse da maior potência nas questões ambientais - já que só a hegemonia militar lhe interessa – também vimos no período das grandes descobertas como a preocupação única era incorporar novas terras com suas jazidas, florestas e povos. A lei do canhão interpretou ao pé da letra o princípio da dominação e a própria cruz do Crucificado símbolo de perdão, aceitação e paz – foi usada a serviço do poder temporal para reduzir e desbaratar culturas autóctones em sua riqueza de variedade e diversidade. A violência da dominação colonialista 9 desconfigurou o equilíbrio sistêmico entre o índio e a natureza e entre as tribos. A chegada do branco não destruiu apenas a natureza, também destruiu o elemento humano que estava enraizado nela. A política de “gastar gente”, como na expressão de Darcy Ribeiro para se referir à utilização de mãode-obra escrava, não gerou o mundo novo e justo imaginado pelo Iluminismo. Gerou o genocídio racial imposto a toda a América Latina que ainda hoje geme sob os efeitos da voracidade colonizadora com seus índios morrendo à míngua em reduzidas áreas (inclusive no Brasil); com seus elevados níveis de mortalidade infantil; com a humilhação da mulher que se prostitui para alimentar os filhos; com o desesperante desemprego ou sub-salário; com a violência patrocinada pelo tráfico de drogas; com a injustiça social que reúne em um só ecossistema urbano o luxo, a miséria e o lixo, com as correntes migratórias incessantemente procurando, esperançosas, o prometido eldorado; principalmente com a 7 Cf. BOFF, L. Revista Caros Amigos, São Paulo, set. 1998. "Se considerarmos o tempo decorrido desde a data em que avaliamos o aparecimento do homem (entre 100.000 e 50.000 mil anos atrás ) de 2 a 5% desse tempo são ocupados pelo Homo sapiens e de 0,2 a 0,5% pela evolução histórica. Ora, só podemos nos assustar com a criatividade e a destruição que se verificaram nesse breve período" Cf. MORIN, 1975 p. 192. 9 "Todos nós brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós, brasileiros, somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também fomos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria". Cf. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro, 1995, p. 120. 8 30 corrupção crônica que corrói as entranhas do poder e os políticos, para vergonha do país. Todavia, se do Velho Continente saiu a Parca em seu passeio global, nos séculos XV e XVI, para semear a morte entre outros povos e outras terras – ainda que tudo isto tenha sido decantado em verso e prosa de magistral valor artístico 10 , mesmo quando a arrogante nobreza (como é próprio das elites arrogantes, em qualquer lugar) votou ao seu Poeta Maior o mesmo desprezo com que tratou as culturas de além mar 11 – também da Europa vieram os primeiros exemplos de preocupação com a natureza. Antigos documentos relatam fatos e histórias de vida que se impõem com expressiva e gritante atualidade, 500 ou 800 anos depois. Há um caso emblemático na Idade Média: 12 Em muitas ocasiões, quando quer significar o grito dos excluídos contra a exploração e a miséria, o teólogo Leonardo Boff cita o exemplo de um jovem da Idade Média que ousou romper os paradigmas do seu tempo, contestando o feudalismo e projetando-se no futuro a partir de um ideal de vida simples e coerente que logo contagiou a juventude e conquistou grande número de seguidores. Ele fala de Francisco de Assis (1182-1226), o fundador da Ordem Franciscana, que não quis ser sacerdote, preferiu ser apenas diácono para ter possibilidade e liberdade para pregar, uma vez que a pregação era proibida aos leigos, como lembra a Crônica de Frei Jordão de Jano. 13 Filho do comerciante Pietro di Bernardoni, da cidade italiana de Assis, até os vinte anos Francisco era um jovem como todos os do seu tempo. Estudava aplicadamente, trajava-se com ricas vestes, freqüentava festas, saia com os amigos, participava das guerras regionais, ia às missas e ouvia os sermões. Mas, em 1206, após uma doença que lhe provocou febre intensa e inexplicável durante alguns dias, sentiu10 Não mais, Musa, não mais que a lira tenho destemperada e a voz enrouquecida, e não do canto, mas de ver que venho cantar a gente surda e endurecida. O favor com que mais se acende o engenho não no-lo dá a pátria, não, que está metida no gosto da cobiça e na rudeza de uma austera, apagada e vil tristeza CAMÕES. Os Lusíadas. Canto X-145. 11 Só no final de sua vida, Camões obteve uma “tença” (pensão) real para não morrer de fome. Mas já estava tão endividado que morreu na miséria e foi enterrado como indigente, em Lisboa, vitimado pela Grande Peste, em 1579. Não tinha sequer um lençol para amortalhar o corpo. 12 Alguns estudiosos consideram que "o movimento ecológico no mundo teve início na Idade Média, com a criação das forests - áreas de reserva natural que deram origem às primeiras leis florestais. Com elas a coroa inglesa obrigava os camponeses a proteger a fauna nativa e seu habitat ". Cf. artigo de Naná Prado: O Meio, o Ambiente, a Paz. In: www.bonsventos.com.br Acesso em: 19 out. 2005. 13 Citado por STRABELI, 1993, p. 115. 31 se tocado para uma nova vida. Devolveu ao pai – diante do bispo de Assis – até mesmo a roupa do corpo, anunciando que iria viver com os pobres e os leprosos, porque sentia que só assim estaria imitando verdadeiramente a vida de Cristo. O episódio causou estranheza e escândalo. Mas, vivendo como eremita fora dos muros da cidade, já em 1208 Francisco contava com um grupo de amigos igualmente dispostos a viver na pobreza. Em 1210 a regra franciscana foi aprovada pelo Papa Inocêncio III e os frades iniciaram a empresa missionária na Itália, valorizando o exemplo de vida e a penitência como argumentos de transformação. Em 1212, junto com Santa Clara, Francisco fundou a Ordem das Clarissas. Em 1221 fundou a Ordem Terceira Franciscana que até hoje congrega leigos casados em uma fraternidade universal. Seu profundo amor à natureza – que via como manifestação de Deus aos homens – levou-o à criação do texto que é considerado uma das primeiras manifestações literárias em língua italiana, o Cântico ao Irmão Sol. Canonizado em 1228, é considerado o patrono da Itália, ao lado de Santa Catarina de Siena. Foi o criador do Presépio de Natal. É celebrado a 4 de outubro. Francisco de Assis obedecia às normas da Igreja, mas encontrou formas diferentes de pregar o Evangelho, consagrando o princípio latino, segundo o qual verba movent, exempla trahunt (as palavras comovem, os exemplos arrastam). Para compreender melhor o grito ecológico que é o Cântico ao Irmão Sol, é aconselhável traçar o contexto em que Francisco o escreveu. Entre os séc. XI e XIII – entre as tantas manifestações místicas do período medieval – proliferou na Europa uma seita herege conhecida como seita dos cátaros que professavam uma forma maniqueísta de cristianismo. Acreditavam que as belezas da natureza eram uma manifestação diabólica para desviar os homens do caminho do Bem. Entendiam que os moribundos deviam ter seu sofrimento abreviado, por isto os sufocavam com almofadas, motivo pelo qual seus seguidores também eram identificados como “abafadores”. Francisco opõe a essa visão pessimista, um hino de louvor às criaturas: Quero cantar louvores ao Senhor por suas criaturas / louvado sejas, meu Senhor, por todas as tuas criaturas / que no céu formaste / por nossa irmã e mãe Terra...pela irmã água, a qual é muito útil e preciosa e casta / louvai e bendizei a meu Senhor e rendei-lhe graças / por nossa irmã e mãe Terra, que nos alimenta e governa e produz variados frutos e coloridas flores e ervas / louvado sejas, meu Senhor, pelo Irmão Sol / pela irmã Lua e as estrelas / louvado sejas, meu Senhor, por todas as tuas criaturas / louvado sejas, meu Senhor, por todos aqueles que perdoam pelo teu amor. (STRABELI, 1993., p.19). 32 O cântico expressa mais uma experiência íntima, espiritual, do que uma cosmologia. É a experiência da fraternidade entre os homens e os elementos cósmicos. É a experiência da reconciliação do homem consigo mesmo e sua abertura ao ser que é pleno. O hino canta a comunhão com a natureza, portanto é um hino de louvor. São Francisco não fica nas coisas da natureza, mas, por elas, alcança o Criador (STRABELI 1993, p. 115). 14 O sentido é que para ultrapassar as preocupações terrenas, os interesses imediatos e atingir a Deus, o homem deve viver o perdão e a paz. No entanto, se deixar que suas “instâncias econômicas” – como classifica Marx – ditem os rumos de sua vida, o homem caminhará em direção oposta, para a guerra, a competitividade, a exclusão, o individualismo, o desenvolvimento a qualquer preço, a destruição da própria nave cósmica que o acolheu dadivosa há apenas 50 mil anos (homo sapiens), o que é bem pouco tempo para tanta destruição, se considerarmos que a vida surgiu no planeta há 2 ou 3 bilhões de anos e a própria Terra teria se formado há 5 ou 6 bilhões de anos, como revela a ciência. 15 Embora a manifestação franciscana seja a mais lembrada, há outros exemplos, na Igreja, em que santos e ascetas contemplaram a face do Criador na criatura: “Os animais e os seres do reino mineral Vos louvam pela boca daqueles que o consideram” [aqui no sentido latino de refletir, meditar, ponderar] afirma Santo Agostinho (354-430). Filho de Santa Mônica, quando jovem de 19 anos e irrequieto como Francisco, deixa Cartago, ao norte da África, e vai para Roma estudar Direito e ensinar Retórica, no séc. IV, travando enorme batalha entre permanecer com os amigos maniqueístas 16 ou consagrar-se totalmente a Deus, como fará depois dos 30 anos, com a ajuda do sábio bispo de Milão, Santo Ambrósio. 14 Cf. STRABELI, 1993, p. 19. Universo 7 bilhões de anos Antropóides - 10 milhões de anos Terra 5 bilhões de anos Homínidas - 4 milhões de anos Vida 2 bilhões de anos Homo Sapiens - 100.000 a 50.000 anos Vertebrados 600 milhões de anos Cidade Estado - 10.000 anos Répteis 300 milhões de anos Filosofia - 2.500 anos Mamíferos 200 milhões de anos Ciência do Homem - 0 Cf. MORIN, 1975, p. 7. 16 A Seita dos Abafadores, ou cátaros, que era comum no tempo de São Francisco, teve origem em outro movimento bem anterior que sobreviveu até o séc. XIII. Era o “maniqueísmo”, sistema religioso dualista fundado pelo sábio Mani, no séc. III, segundo o qual o mundo é dominado por dois princípios antagônicos: o Bem e o Mal, Deus e o Diabo. Era um amálgama de idéias orientais incluindo Budismo, Cristianismo, Gnosticismo, Mitraísmo e, sobretudo, Zoroastrismo. Em sua cosmogomia da salvação, o homem teria sido criado por Satã, mas trazia em si partículas de luminosidade divina que tinham de ser liberadas. Isto explica porque, ao se converter, Agostinho proclamará que o homem, feito por Deus à sua imagem e semelhança, é “todo bem”. 15 33 Em sua dúvida existencial, no âmago do processo de conversão, Agostinho sentir-se-á impactado pela expressividade da natureza. Seu louvor às criaturas, como em Francisco, é a manifestação de seu louvor a Deus, inspirado no salmo 143: Os dragões da terra e todos os abismos, o fogo, o granizo, a neve, a geada, o vento das tempestades que executam as Vossas ordens; os montes e todas as colinas; as árvores frutíferas e todos os cedros; os répteis e as aves que voam; os reis da terra e todos os povos; os príncipes e todos os juizes da terra; os jovens e as donzelas, os velhos e os mais novos louvam o Vosso nome”. (SANTO AGOSTINHO, Confissões, 1988, p. 156). Para continuar, com bom êxito, esta reflexão, devemos nos lembrar que a filosofia medieval ostenta duas ramificações fundamentais: a patrística e a escolástica. A primeira inicia-se no período decadente do Império Romano, no séc. III. Os Padres da Igreja (Clemente de Alexandria, Orígenes, Tertuliano - principalmente Santo Agostinho, figura principal da patrística, bispo de Hipona) tinham a preocupação principal de relacionar fé e ciência, a natureza de Deus e da alma, a vida moral. A escolástica é a especulação filosófico-teológica que se desenvolve do séc. IX até o Renascimento. Tem este nome porque surgiu nas escolas monacais fundadas por Carlos Magno no séc. VIII, origem das universidades (de Paris, Bolonha, Oxford etc) que, a partir do séc. XI, passam a fecundar toda a Europa com a reflexão filosófica, surgindo, então, no séc. XII, as traduções dos clássicos como Arquimedes, Hero de Alexandria, Euclides, Aristóteles e Ptolomeu. Santo Tomás (1225-1274), na Suma teológica, recupera o texto original de Aristóteles que antes passava por traduções árabes onde adquiria contornos panteístas. Com Aristóteles cristianizado, surge a filosofia aristotélico-tomista, 17 que valoriza o conhecimento teórico em detrimento das atividades práticas. É um contexto em que o modo de produção feudal conduz ao desprezo pelo trabalho manual na gleba e à valorização do nobre guerreiro que tem direito ao ócio com dignidade. Do séc. XIV em diante a escolástica vai cedendo lugar a posturas dogmáticas, contrárias à reflexão, que desembocam no período negro do Santo Ofício, do index librorum prohibitorum ("lista dos livros proibidos"), do Nihil obstat ("nada impede"). É a fase do magister dixit (“o mestre disse”) e ponto final. São deste período os processos condenatórios - que levariam o papa João Paulo II a pedir perdão à humanidade 500 anos depois - como a condenação de Galileu (1564-1642) que se viu obrigado a abjurar 17 Cf. ARANHA & MARTINS, 1995, p. 143 34 o heliocentrismo para não ter o mesmo destino trágico de Giordano Bruno, queimado vivo no séc. XVI por ter defendido a infinitude do universo e tê-lo concebido não como um sistema rígido de seres articulados em uma ordem dada desde a eternidade (imutabilidade), mas como um sistema em permanente transformação. 18 Esta leitura que fazemos, através dos tempos, para identificar o contra-ponto filosófico entre homem/Deus, natureza/Deus, ciência/fé não tem como escapar da abordagem religiosa, como se vê, porque é no âmbito da filosofia religiosa que germinam os fundamentos da própria ciência, vista como saber matemático por Descartes, como conhecimento intuitivo por Espinosa (“da idéia adequada da essência de alguns atributos de Deus, procede-se ao conhecimento adequado da ciência das coisas”), 19 como “sistema” por Kant (a unidade sistemática) e por Fichte (a unidade no todo). Talvez possamos concordar, a partir deste olhar, que os movimentos atuais de protesto contra as agressões à natureza foram precedidos de outros “gritos” que surgiram, também no Renascimento, quando a visão antropocêntrica do mundo foi reafirmada através do questionamento do poder da Igreja, reiterando-se a idéia de que o homem podia controlar tudo com as próprias mãos. Se o brado de Agostinho era uma conscientização contra os riscos do maniqueísmo, se a crítica de Francisco, apesar de eficiente, evitava o confronto direto com a ordem eclesial e com a "Santa Igreja Romana" (expressão literal com que Francisco se referia ao que hoje conhecemos como Vaticano) 20 , outros foram bem mais diretos e veementes, já no contexto da reforma protestante 21 que levaria a Igreja a rever posições. Paradoxalmente foi um dos maiores nomes do humanismo renascentista, Erasmo de Rotterdam (pseudônimo de Desiderius Erasmus:1469-1536), que elaborou uma das grandes peças de acusação contra a arrogância humanista de querer saber tudo e tudo poder. Padre Erasmo foi um ácido crítico do poder eclesiástico e compartilhava as idéias humanistas do final do séc. XV. Não se priva, contudo, de ridicularizar a aura divina de que os sábios, filósofos e sacerdotes se revestiam através dos tempos. Em 1509, Erasmo vai à Inglaterra e, convalescente de crises renais constantes, hospeda-se na casa de Tomas Morus, outro nome cardeal do humanismo renascentista e que publicaria, em 1516, um dos documentos referenciais da luta histórica pela liberdade: A Utopia. Na casa de Tomas Morus, Erasmo redige o Elogio da Loucura, no qual ironiza de forma demolidora para a 18 Cf. id. ibid., p. 146 19 Cf. ABBAGNANO, 2000, p. 137 20 Nos textos franciscanos nunca é nomeado o Vaticano pois é um epônimo posterior ao Santo. São Francisco de Assis usava a expressão "O Senhor Papa" ou "A Santa Igreja Romana"(Explicação pessoal de Strabeli). 21 Para Hegel, "é a Reforma e não o Renascimento que deve ser descrita como ´o sol que a tudo ilumina´. A Reforma resultou da corrupção da Igreja, através do comércio de indulgências plenárias (perdão dos pecados, salvação eterna), [numa espécie de coisificação ou reificação do transcendente]. Cf. SINGER, 2003, p. 33. 35 época a aura divina auto-atribuída pelos sábios e filósofos. Com séculos de antecedência, ele fulmina a ordem industrial-tecnológica: "Digamos, pois, francamente, que a ciência e a indústria se introduziram no mundo com todas as outras pestes da vida humana, tendo sido inventadas pelos mesmos espíritos que deram origem a todos os males, isto é, pelos demônios, que, por sinal, tiraram da ciência o seu nome". E mais: "[...]afirmo que os que se aplicam ao estudo das ciências estão muito longe da felicidade e são duplamente loucos, porque, esquecendo-se de sua condição natural e querendo viver como outros tantos deuses, fazem à natureza, com suas máquinas de arte, uma guerra de gigantes". (MARTINS, 1991, p. 46 - 47). 22 Essa desconfiança de Erasmo em relação à ciência e ao racionalismo em geral, ajuda-nos na compreensão de que nem só o homem é senhor de direitos na natureza. A própria natureza tem direitos por si mesma, são os chamados “direitos intrínsecos”, algo que em nossos dias alguns classificam como “loucura”, 23 sem elogio, mas outros, tão sábios quanto sensíveis às questões da nova era, chamam de “ecologia profunda”. São pessoas que se debruçam sobre o entendimento da unidade sistêmica, da unidade no todo, da interdependência orgânica do sistema único formado pelo binômio homem/natureza. A unidade estaria consubstanciada já na concepção da própria Santíssima Trindade, o que nos permitiria contemplar, filosoficamente, a “face feminina” de Deus, neste mundo historicamente machista, como estudamos em BOFF (1987:p. 283): A humanidade, como masculino e feminino, foi criada à imagem e semelhança do Deus tri-uno. O masculino e o feminino encontram sua última razão de ser no mistério da comunhão trinitária. Embora a Trindade seja transexual, podemos falar em forma masculina e feminina das divinas pessoas. Assim podemos dizer Deus-Pai maternal e Deus-mãe paternal (BOFF, 1987, p. 283). A união profunda que leva todas as coisas à correlação mútua, integrando inumeráveis sistemas abertos em permanente interatividade, no cosmo e na terra, por todo o universo, pré-existe, portanto, já no conceito de Criador e criatura. Agora podemos examinar as relações das criaturas entre si. 22 MARTINS, 1991, p. 46 - 47 Além de Erasmo, outros grandes nomes se ocuparam da loucura. Em 1880, ao escrever Aurora, Nietzsche afirmou no parágrafo 14: " Através da loucura vieram os maiores bens à Grécia ", disse Platão com toda a velha humanidade... Para todos aqueles homens superiores que foram irresistívelmente impulsionados a quebrar o jugo de toda convenção e fazer novas leis, não havia alternativa, se não eram realmente loucos [grifo de Nietzsche], a não ser fazerem-se de loucos. Cf. HAYMAN, R. NIETZSCH e suas vozes, 2000, p. 23 36 2. Ecologia Profunda A crítica ao antropocentrismo está presente em outros textos do séc. XVI, quando já se advogava o direito intrínseco dos animais e até mesmo de seres considerados inanimados como as rochas, ilhas, florestas etc, numa atitude legal (em alguns países) que já prefigurava a base da chamada “ecologia profunda” ou “ecologia radical”. Segundo tal conceito, como entendido hoje, tratava-se de demonstrar que se o homem continuar levando em conta apenas os seus interesses, isto é, se a sua relação com a natureza considerar as criaturas tão somente em função do bem-estar do próprio homem, logo os recursos irão se exaurir e o desequilíbrio do sistema ameaçará a vida. Além do manifesto franciscano nos primeiros séculos do segundo milênio, outros documentos anteriores à Revolução Industrial intuíam a necessidade de um respeito profundo aos bens naturais, de modo que fossem usados com bom senso, parcimônia e critério, apenas para manutenção da vida e não para causar morte e destruição. Desta forma, a natureza tem direito à própria vida e à intocabilidade a partir dela mesma, por sua anterioridade histórica ao homem sobre a face da Terra, por sua função vital de manter o equilíbrio do sistema, por sua destinação de assegurar a continuidade da vida ao fornecer os insumos e recursos consubstanciais à própria vida. Logo, seria apenas um ato de inteligência humana respeitá-la. Mas não foi o que ocorreu desde o Cântico ao Irmão Sol. Hoje, seria algo estranho render louvores à água fétida e negra do Rio Tietê – pelo menos no trecho da capital – enaltecendo-a como “irmã casta e pura”, embora ela continue sendo, mesmo poluída, “preciosa e útil”. Mas se houve um crime contra a natureza, não se pode culpar a água, que antes da explosão imobiliária e da chegada dos esgotos industriais era usada até mesmo para campeonatos de remo ou passeios turísticos. Do mesmo modo, quando uma chuva mais forte inunda as avenidas marginais e as baixadas, não temos o direito de nos aborrecermos com o Tietê, pois o rio não transborda, ele apenas volta para o seu leito natural formado pelas antigas várzeas, agora transformadas em cidade de pedra a partir de uma ótica que privilegia o lucro. Pode-se dizer o mesmo a respeito do direito dos cavalos e bois de não serem constrangidos fisicamente para proporcionarem lazer ao homem nos rodeios e na vaquejada; ou o direito que têm os galos de briga a não se auto destruírem nas rinhas para as apostas humanas; ou o direito do ganso a não ser alimentado à força para que seu fígado fique mais fluído e proporcione um foie-gras mais saboroso. E o caranguejo, siri, lagosta, que são cozidos vivos? 37 Afigura-se-nos “escandaloso” pensar deste modo nestes tempos pós modernos. Quando as associações protetoras dos animais conseguem uma liminar para impedir um rodeio, surgem acirradas polêmicas na imprensa do interior do Brasil. Certamente era mais “normal” tratar dos direitos intrínsecos da natureza, como símbolo de respeito à vida, num período da história humana em que os bosques tinham alma, a natureza era um mistério, o desconhecido estava encoberto pelos véus do respeito místico e a imaginação das crianças era embalada pelos contos de fadas, duendes, a floresta de Robin Hood em Nottingham...a sagrada luta em defesa dos excluídos, dos pobres, do bem... Tudo isto foi rasgado e racionalizado depois que o anjo conversou com Descartes “ontem à noite” 24 como sempre lembra o professor Barco em suas aulas na ECA/USP e nas palestras sobre educação matemática por todo o país. De qualquer forma, embora ainda pareça uma pregação vazia, como foi, antes, a luta que aboliu a escravidão no Brasil, a ecologia profunda vai conquistando mentes e corações. Um de seus eminentes defensores é o professor Luc Ferry, doutor em filosofia e ciências políticas da Universidade de Caen-França. Ele publicou, em 1994, um brado de alerta a favor de um outro olhar sobre a questão ambiental, em seu livro “A Nova Ordem Ecológica – A Árvore, o Animal, o Homem”. 25 Em sua pesquisa, ele resgatou antigos processos em que a natureza era defendida por advogados especialmente nomeados pelo Estado (na época o juiz episcopal). Cita, por exemplo, um processo de 1545, em que o juiz episcopal de Saint-Jean-de-Maurienne, na Savole, recusou-se a excomungar uma colônia de carunchos que havia invadido os vinhedos do lugar, argumentando perante o advogado dos proprietários que os animais, criados por Deus, possuíam o mesmo direito que os homens de se alimentarem de vegetais, limitando-se, por um édito de 8 de maio de 1546, a prescrever numerosas preces públicas e três dias consecutivos de procissões em torno dos vinhedos invadidos para que os insetos deixassem o lugar. Em outros processos parecidos, foram providenciadas novas áreas para acomodação de colônias de cupins, não sem antes o juiz episcopal vistoriar a nova área para verificar se era adequada aos novos “inquilinos”. O autor cita ampla bibliografia a respeito de costumes medievais em que árvores e outros recursos naturais eram absolvidos ou processados a partir de processos legalmente instaurados. 24 25 Conta-se que Descartes começava com estas palavras suas descobertas sobre o Método e a Matemática. Cf. FERRY, 1994, p. 12 38 A literatura específica também registra exemplos mais recentes em que o meio ambiente foi considerado sujeito de direito, como ocorreu em 1970, na Califórnia, quando o serviço de águas e florestas concedeu às empresas Walt Disney uma licença para promover o “desenvolvimento” de um vale selvagem, o Mineral King, situado na Sierra Nevada. Na ocasião, uma das mais eficazes associações de ecologistas do mundo, o poderoso Sierra Club, apresentou queixa, alegando que o projeto – com investimentos de 35 milhões de dólares em hotelaria e turismo – iria destruir a estética e o equilíbrio natural do Mineral King. Como a queixa foi rejeitada, o Sierra Club solicitou a assessoria do professor Christopher Stone que, em suas aulas na universidade, defendia a tese da ecologia profunda. Como não existia jurisprudência firmada sobre o tratamento legal da natureza como sujeito de direito, Stone redigiu, às pressas, um suporte teórico para subsidiar a apreciação dos juízes, na forma de um artigo publicado na seríssima Southem California Law Review, propondo que “de maneira profundamente séria, sejam atribuídos direitos legais às florestas, aos oceanos, aos rios e a todos esses objetos a que se dá a qualificação de ´naturais´ no meio ambiente, inclusive ao meio ambiente inteiro”. Resultado: Dos nove juízes, quatro votaram contra o argumento de Stone, dois abstiveram-se, mas três votaram a favor, de modo que as árvores perderam o processo por apenas um voto. Depois de narrar este fato, Luc Ferry argumenta que “teria chegado a hora dos direitos da natureza, depois dos direitos das crianças, das mulheres, dos negros, dos índios, até mesmo dos presos, dos loucos ou dos embriões (no âmbito da pesquisa médica, senão no das legislações sobre o aborto...). Em suma, trata-se de sugerir que o que parecia ´impensável´ numa dada época, (FERRY, 1994, p.15 e 16). converteu-se hoje em evidência 26 A problemática da ecologia profunda também está presente na obra de Pièrre Teilhard de Chardin (1881-1955), paleontólogo, teólogo e pensador jesuíta francês que escandalizou os conservadores católicos ao observar que o universo tem vida inteligente e que até as pedras têm algum tipo de vida imanente, seguindo um finalismo que, em Hegel, significa que o próprio mundo tem sua razão de ser em sua finalidade última. Mas, enquanto outras filosofias, como o panteísmo, consideram a imanência divina na própria natureza, negando, portanto, sua transcendência – isto é, Deus estaria na natureza, não fora dela – a Igreja busca conciliar os princípios de imanência e transcendência, 26 id. ibid., 1994, p. 15 e 16 39 recuperando o conceito de enteléquia, em Aristóteles, pelo qual todos os entes, por serem constituídos de matéria e forma, tendem para um estado de perfeição (neguentropia) específico de cada um, ou seja, para um fim contido no próprio ente. Assim, Deus está representado na natureza, mas a natureza não é Deus, tal como a fotografia ou a imagem representa mas não é a pessoa ou objeto representado. Alberto Magno define claramente que nem a natureza é Deus, nem a relação entre Deus e a natureza é arbitrária. A razão de Deus manifesta-se na ordem da natureza, mas vai além dela. Na realidade, a criatura é mais do que seu ser aparente. É uma questão de saber ver, de epistéme theoretiké, no sentido de competência (appartenance) do olhar. Essa competência que Tomás de Aquino chama de mirandum ao comentar a Metafísica, de Aristóteles, é o que aproxima o filósofo do poeta (LAUAND, 2002, p.137). 27 A criação é um convite à meditação. É meditando sobre as criaturas que admiramos e louvamos seu artífice. Divinorum factorum meditatio necessaria est vai afirmar Santo Tomás de Aquino, no livro II, cap. 2 da Contra Gentiles. Para Chardin o universo caminha para um ponto final de amadurecimento e perfeita união com a realidade divina. O surgimento do homem, sua socialização, a criação do mundo da cultura seriam apenas etapas de um plano maior onde o equilíbrio do sistema está dado a priori, por isto não pode ser rompido sob pena de destruir a própria vida. Neste sentido, o princípio do livre-arbítrio atribuído ao homem comporta a noção de que ele será premiado ou punido pela natureza conforme as suas ações. Desse modo a culpa pelas enchentes ou as destruições provocadas pelas variações climáticas deve ser buscada na própria ação humana de passado recente, conforme já vimos. Quando surgiu no planeta, o homem já encontrou o universo em perfeito funcionamento, com os planetas seguindo suas órbitas regularmente, as estrelas brilhando, o sol aquecendo para o germinar e a manutenção da vida, as árvores dando frutos e sementes, os elementos orgânicos evoluindo conforme cada espécie...afinal, um sistema em perfeito equilíbrio. Estudando a ecologia profunda – embora às vezes criticada por um radicalismo que, ao privilegiar as criaturas acabaria excluindo o próprio homem, no sentido humanista do termo - será possível fazer o homem entender que se alguém está colocando o sistema em risco é ele mesmo, com sua cobiça e seu individualismo. O pensamento de Chardin incomodou tanto a ortodoxia religiosa, por integrar os resultados das ciências naturais ao pensamento da Igreja, que ele vive sob 27 LAUAND, 2002, p. 137 40 constante pressão e seus escritos tinham de circular mimeografados, sendo publicados somente após sua morte. Modernamente, os conceitos de integração entre homem, natureza e Deus, ou entre ciência e religião, ciência e fé, racionalidade e espiritualidade, objetividade e intuição são bem mais aceitáveis, mesmo entre renomados cientistas e grandes pensadores. Soren Kierkegaard acha que a fé supera a razão: ("Creio, ainda que [a existência de Deus] pareça um absurdo") credo quia absurdum! Com efeito, o homem ainda não conseguiu explicar suficientemente a sua origem, o propósito da vida e o que ocorre depois da morte. “A humanidade é tão limitada que não consegue compreender o início e o fim de sua existência”, dirá o jovem Werther, personagem de Goethe 28 – defensor da natureza – no séc. XVIII. Para Albert Einstein, quando nos voltamos para o Universo, o que temos diante de nós é “o mundo imenso, que existe independente dos seres humanos e que se nos apresenta como um enorme e eterno enigma, [só] em parte acessível à nossa observação e ao nosso pensamento”(EINSTEIN, 1982, p.15). 29 A infinitude do Universo ou a idéia de Deus não eram um mistério apenas para o pai da Teoria da Relatividade. Muitos outros já se incomodaram com isto, como nesta bela página de Santo Agostinho, baseada no salmo 99, em sua busca da espiritualidade: Interroguei a terra, o mar, os abismos e os répteis animados e vivos e responderam-me: “Não somos o teu Deus; busca-o acima de nós. Perguntei aos ventos que sopram; e o ar, com os seus habitantes, respondeu-me [...]: “Eu não sou o teu Deus”. Interroguei o céu, o sol, a lua, as estrelas e disseram-me: “Nós também não somos o Deus que procuras”. Disse a todos os seres que me rodeiam [...]: “Já que não sois meu Deus, falai-me de meu Deus, dizei-me ao menos alguma coisa d´Ele”. E exclamaram com alarido: “Foi Ele quem nos criou”. (SANTO AGOSTINHO, Confissões, 1988, Livro X - 6, p. 222 ). 30 O professor e físico quântico indiano, Amit Goswami, da Universidade do Oregon, observa que todas as nossas ciências sociais, inclusive as descobertas de Eistein, são baseadas na física que Isaac Newton fundou no séc. XVII. O determinismo, a forte objetividade e o materialismo dela resultantes, são adequados quando investigamos a ordem do mundo exterior, mas não dão conta de explicar, ou, pelo menos, de tentar explicar, o que se passa com um universo muito mais próximo, o interior do próprio 28 GOETHE, Os Sofrimentos do Jovem Werther, 2002, p. 154. EINSTEIN, 1982, p. 15 30 SANTO AGOSTINHO, Confissões, 1988, Livro X-6, p. 222. 29 41 homem. Por isto, na década de 1920, a física clássica foi substituída por uma nova física, denominada mecânica quântica, ou física quântica. [....] Algumas décadas depois, essa nova física está provocando uma revisão crucial no modo como nós concebemos os sistemas vivos e no modo como praticamos a biologia, a psicologia e, assim, todas as ciências sociais. No novo paradigma, há uma janela aberta para a oportunidade, uma janela visionária, através da qual se pode reconhecer que a consciência tem um papel decisivo na configuração da realidade; a espiritualidade pode, portanto, ser reconciliada com a ciência. (GOSWAMI, 2000, p. 20). 31 Outro físico de destaque, Fritjof Capra, doutorado em física teórica pela Universidade de Viena, situa esse confronto de idéias entre um antigo paradigma dominado pela física, lastreado no antropocentrismo (o homem é o centro), e um novo paradigma, baseado nas chamadas Ciências da Vida, filiadas ao ecocentrismo (a Terra é o centro). A relação contemplada neste novo paradigma não é uma relação hierárquica centrada no verticalismo, onde alguém domina alguém, alguém manda e alguém obedece. Trata-se de uma relação de “rede”, metáfora central da ecologia, como sistema, para significar a paridade, a igualdade, a horizontalidade, a responsabilidade comum pela preservação da vida, pois não há como escapar se os processos vitais se extinguirem. Vivemos, portanto, todos integrados em uma ampla mas única rede, a rede sistêmica da vida. Atentar contra qualquer ponto (ou nó, ou nódulo) da rede é atentar contra toda a rede. Todos são iguais diante do imperativo categórico da continuidade da vida, daí a noção de ecologia profunda, direitos intrínsecos da natureza etc. Trata-se de romper qualquer tipo de separatismo ou dualismo porque não há duas ou dezenas de redes separadas: há uma só rede que é a teia da vida. É como na Internet, ou no hipertexto, todos os pontos (ou links) estão conectados, mas nenhum é mais importante que outro, todos têm a mesma importância do ponto de vista da acessibilidade ao sistema total. Já não temos mais a relação de um para muitos, como na mídia tradicional, mas de todos para todos, como ensina Pièrre Levy. Ainda tomando a Internet como exemplo de integração, podemos aduzir o registro de M. Castells (2003, p. 287) 32 : “A Internet é o coração de um novo paradigma sociotécnico que constitui, na realidade, a base material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de trabalho e de comunicação. O que a Internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade, constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos” . 31 GOSWAMI, 2000, p. 20. CASTELLS, 2003, Internet e Sociedade em Rede. Apud MORAES, 2003, Por uma outra Comunicação, 2003, p. 287. 32 42 Assim, contra o antigo paradigma da crença no progresso material ilimitado, que via no corpo humano apenas uma máquina produtiva, surge, neste novo século, um novo modo de ver o mundo, que concebe o mundo como um todo integrado, holístico, ecológico. A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos e nos revela que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza, portanto somos dependentes desses processos. 33 A literatura sobre ecologia radical vem se ampliando a partir de Aldo Leopold, falecido em 1948, considerado o pai da ecologia profunda, pois nos convida a derrubar os paradigmas que domimam as sociedades ocidentais em seu principal livro A Sand County Almanac, uma coletânea de ensaios publicada em 1949 e que contém o mais célebre entre eles, A Land Ethic, traduzido para o francês como L´éthique de la terre. Neste ensaio, Leopold conclui que assim como soubemos rejeitar a escravatura – que era uma instituição plenamente aceita na ética aristotélica, por exemplo, ou antes, na Odisséia, de Homero, em que Ulisses, voltando a Ítaca, não elimina apenas os pretendentes de Penélope, mas também as escravas que a eles se aliaram 34 – devemos, agora [lembremo-nos que o texto é de 1949], dar um passo além, levando finalmente a natureza a sério, considerando-a dotada de um valor intrínseco, como sujeito de direito. Trata-se, então, de desconstruir o “chauvinismo humano” que comporta o preconceito antropocêntrico por excelência: aquele que nos leva a tomar o universo por teatro de nossas operações, simples periferia de um centro instaurado em sujeito único de valor e de direito. (FERRY, 1994, p.95 - 96). 35 A visão de Leopold instalou amplo debate na ecologia norte-americana que tende, hoje, via Alemanha, principalmente, a introduzir-se na Europa. A questão central deste debate é a seguinte: trata-se, apenas, de cuidar dos nossos lugares de vida porque sua deterioração ameaçaria nos atingir ou, pelo contrário, de proteger a natureza como tal, porque descobrimos que ela não é um simples material bruto, mas um sistema harmonioso e frágil, mais admirável em si mesmo do que essa parcela ínfima, em suma, que nela constitui a vida humana? 33 CAPRA, 1996, p. 25. “Não morram simples morte as que, nos braços de infames tais, enchiam-me de opróbio e a minha casta mãe”, declara Telêmaco ao receber de seu pai, Ulisses, a ordem para punir com a morte as escravas que se deitavam com os pretendentes de Penélope, durante a viagem mítica do herói. (HOMERO, 2003, p. 387. Odisséia, livro XXII, c. 340). 35 Cf. FERRY, 1994, p. 95 - 96. 34 43 O debate expõe, na verdade, a existência de duas grandes correntes ecologistas no séc. XX. A primeira é reformista. Tenta controlar as poluições mais gritantes da água ou do ar, modificar as práticas agrícolas mais aberrantes nas nações industrializadas e preservar algumas zonas selvagens que ainda subsistem nelas, transformando-as em “reservas”. A outra corrente concorda com tais objetivos, mas é revolucionária: visa uma epistemologia, uma metafísica e uma cosmologia novas, assim como uma nova ética ambiental na relação pessoa/planeta, conforme a definição de um dos principais teóricos do fundamentalismo ecológico, Bill Duval. 36 O termo “ecologia profunda” (deep ecology) foi utilizado no início da década de 70 pelo filósofo norueguês Arne Naess para esclarecer esse debate originado em Leopold, significando, hoje, um movimento mundial que está na raiz do ativismo radical de entidades como o Greenpeace, o Earth first, o Sierra Club, alguns Partidos Verdes (principalmente na França e na Alemanha), além de filósofos populares como Hans Jonas ou Michel Serres. A escola de Naess 37 faz uma distinção entre “ecologia rasa” e “ecologia profunda”. A primeira é antropocêntrica, o homem está acima da natureza, é fonte de todos os valores. Ele atribui à natureza um valor de uso. A natureza é objeto a ser consumido. Esta é a corrente que levou o princípio da “dominação bíblica” ao pé da letra e que nem de longe aceitaria o protesto ecológico de um Francisco de Assis cultuando a água como “irmã”. Do ponto de vista das nações, trata-se do desenvolvimento a qualquer preço. Mesmo algumas empresas que poluem, praticam essa “ecologia rasa” na tentativa de “clarear” o seu produto junto à sociedade ou ao mercado de consumo. Trata-se de um termo que corresponderia, em Leopold, à corrente “conservacionista” do ambientalismo internacional. 38 A outra distinção de Naess, para designar os que pregam uma mudança radical no comportamento ambiental, ainda a partir de Leopold, é a “ecologia profunda”. Ela vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes. Ela reconhece o valor 36 Citado por FERRY, 1994, p. 96. Citado por CAPRA, 1996, p. 26. 38 O professor Wilson Bueno, que ensina Jornalismo Científico na ECA/USP, tem alertado para o uso que muitas empresas e entidades fazem das bandeiras ambientalistas, mesmo quando seu negócio é apenas o próprio lucro, como no caso do agronegócio ou de empresas altamente poluidoras e destruidoras da paisagem ambiental. O professor, através da Internet, também denunciou, em 2004, uma tentativa feita pela Monsanto (multinacional que comercializa sementes de soja transgênica) no sentido de financiar a produção de livros didáticos dirigidos às crianças da escola pública [o que, naturalmente, poderia dar margem para se amenizar os efeitos nocivos do consumo de alimentos geneticamente modificados]. 37 44 intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida. Portanto, a natureza é sujeito da vida, não objeto. É ela que alimenta o homem, e não o contrário. Ela sustenta a vida, regulando o equilíbrio do sistema onde o homem é apenas um ser dependente. A grande questão que se coloca, entretanto, é como convencer o homem a abrir mão de sua visão antropocêntrica de mundo. Cabe indagar, até mesmo, se não haveria um certo exagero anti-humanista nas concepções da ecologia profunda. Não podemos, naturalmente, inverter as polaridades caindo no erro oposto de considerar o homem como objeto da natureza. Trata-se, então, de corrigir os excessos, de sustar a depredação, de recuperar o que foi danificado, de vivenciar um comportamento ambientalmente correto, de dar cada um a sua participação, por menor que seja, na certeza de que participar – ainda que seja separando o lixo reciclável no cantinho da cozinha – é colocar um tijolinho a mais no esforço universal para limpar o planeta. No que se refere às grandes corporações, onde o lucro é o motor de todas as iniciativas, somente o revigoramento da ética seria capaz de alterar os procedimentos. Mesmo entre as pessoas, como acabar com a chamada "Lei de Gerson" – que nos leva a tentar obter vantagens em tudo, tentando tirar proveito das posições de superioridade que eventualmente ocupamos na vida em relação aos nossos semelhantes, como fazíamos no período da escravidão – se não internalizarmos uma consciência ética em nosso comportamento? Quem nos ensinará a ser éticos? Será a escola, a família, a religião? Mas a escola está sucateada, a família se divorciou e a religião transformou-se num supermercado de fórmulas prontas e comércio de ilusões através da proliferação das seitas com seus sacos e malas de dinheiro...Que esperança temos de retomar os clássicos como no Renascimento? Onde Agostinho, Tomás, Francisco, Erasmo, Chardin? Onde encontraremos debates sérios sobre as questões que dizem respeito à sobrevivência do homem neste planeta? Se a resposta é difícil, não é menos verdade que o estudo da ética (e da estética) se impõe, mais do que nunca. 45 3. Ecologia e Ética Quais os elementos que podem induzir ao comportamento ético? Aqui há dois caminhos a seguir e ambos se complementam. O primeiro é a educação – não só no ambiente escolar convencional, mas ao nível da cidadania, com apoio da mídia. O segundo é a advertência – através de uma legislação firme, coerente, pertinente, aplicável, funcional. Quando somos penalizados no bolso, então compreendemos que é preciso repensar o consumo de energia, água, embalagens não recicláveis, combustíveis fósseis, madeiras de florestas não controladas ou quando queimamos, desmatamos, poluímos, “assassinamos” animais e árvores. Não temos outro caminho que não a retomada e o entranhamento da ética em nossas vidas, desde as atitudes mais simples que superam o “penso, logo existo” norma da ecologia rasa, de origem cartesiana e racionalista, para um “escolho, logo existo” – onde a participação responsável de cada um pressupõe níveis aprofundados de consciência, característica da ecologia profunda e do pensamento sistêmico. Mas, do que trata a ética? O misticismo neoplatônico colocou como propósito da conduta humana o retorno do homem ao seu princípio criador e sua integração com ele. Segundo Plotino, esse retorno é o objetivo da viagem do homem, é o afastamento de todas as coisas exteriores, é a fuga do homem para a Unidade divina. Afinal, “não temos aqui morada permanente”, vai dizer Santo Agostinho, é preciso buscar a Cidade Eterna e Verdadeira. É este conceito de ética que domina todo o período medieval. Santo Tomás de Aquino filia-se a Aristóteles para definir que “a felicidade é o fim da conduta humana, dedutível da natureza racional do homem”. Esta visão já está presente em Platão, que, na República, vai consagrar a justiça como princípio da ética. Do mesmo modo, Hegel considera que o Estado é a “totalidade ética”, é o ápice da “eticidade”, é a moralidade que ganha corpo e substância nas instituições históricas que a garantem. Como o Estado é garantido pelo direito, a ética é filosofia do direito, enquanto a moralidade é a intenção ou a vontade subjetiva de realizar o que se acha realizado no Estado. Recuperando o mito de Prometeu – condenado por Zeus a ter o fígado reiteradamente devorado pelas aves de rapina por ter roubado o fogo do Olimpo para os homens e de ter-lhes ensinado coisas úteis à sobrevivência – Protágoras dirá, em 322aC, que o respeito mútuo e a justiça são as 46 condições para a sobrevivência do homem. O que move a conduta humana é a vontade de sobreviver, é o apego à vida. Mas não há vida fora do direito e da moral. Para sobreviver, o homem deve conformar-se às regras e não pode agir de outro modo. Em Epicuro, o que move a conduta humana é o prazer e a dor, um ardentemente buscado, outro ferrenhamente evitado, dentro do possível: “Prazer e dor são as duas afeições que se encontram em todo animal, uma favorável, outra contrária, através das quais se julga o que se deve escolher e o que se deve evitar”, diz. (ABBAGNANO, 2000, p. 380). 39 A filosofia epicurista foi evitada na Idade Média, mas foi retomada no Renascimento quando Lorenzzo Valla foi o primeiro a reapresentá-la em De voluptate afirmando que o prazer é o único fim da atividade humana e que a virtude consiste em escolher o prazer e evitar a dor. Em Hobbes temos que a maior aspiração humana é a auto-conservação. Ela é o fundamento da moral e do direito: “A natureza proveu a que todos desejem o próprio bem, mas para que possam ser capazes disso, é necessário que desejem a vida, a saúde e a maior segurança possível dessas coisas para o futuro. De todos os males, porém, o primeiro é a morte, especialmente se acompanhada de sofrimento”. (ABBAGNANO, 2000, p. 384) 40 O pensamento de Hobbes – para quem o homem é lobo do próprio homem - acaba incorporando uma justificativa para comportamentos nem sempre éticos ao defender que o fim justifica os meios, o que vem a legitimar o poder do Estado e o próprio individualismo capitalista, pedra de toque da ecologia rasa. Nietzsche, filiado à linhagem intelectual de Darwin e Bismarck, influenciado pelo pessimismo de Schopenhauer e por seu amigo Wagner, considera que Bom é aquilo que sai vencedor (“dizeis que a boa causa santifica até a guerra? Eu vos digo: a boa guerra santifica qualquer causa”, dirá por Zaratrusta). Mau é aquilo que cede e falha. Trata-se de uma ética calcada em Spencer, na qual a força é a virtude máxima e a fraqueza é o único defeito na luta pela sobrevivência. Ao criticar a covardia vitoriana dos darwinistas ingleses – só preocupados com os negócios e os lucros, herança genética que transmitiriam ao atual Império do Norte – e a respeitabilidade burguesa dos positivistas franceses e dos socialistas alemães, Nietzsche dirá que “esses homens tiveram a coragem de rejeitar a teologia cristã, mas não ousaram ser lógicos e rejeitar 39 40 Cf. ABBAGNANO, 2000, p. 380 Op. cit., 2000, p. 384 47 também as idéias morais, o respeito à humildade, mansidão e altruísmo que crescera com essa teologia” (DURANT, 1983, p.10). 41 Espinosa viu na tendência do homem a buscar tudo que lhe seja útil a ação da Substância divina: A razão nada exige contra a natureza, mas exige por si mesma, acima de tudo, que cada um ame a si mesmo, que deseje tudo o que conduz o homem à perfeição e que cada um se esforce para conservar o próprio ser, fazendo aquilo que julga melhor para si (Cf. SCRUTON, 2000, p. 43). 42 Adotar a alegria e evitar a tristeza, como fundamento da moral, é a proposta de Leibniz. Mas, a partir do séc. XVIII, o conceito de ético superou a questão do bem individual para ser visto como “a maior felicidade possível do maior número possível de homens”, conforme a avaliação de Hutchinson, numa fórmula depois adotada por Beccaria e por Bentham. Foi Hume que encontrou a palavra que exprimia a nova tendência: o fundamento da moral é a utilidade, mas uma utilidade social, coletiva. É boa a ação que proporciona felicidade e satisfação à sociedade. O homem está inclinado a promover a felicidade dos seus semelhantes. O sentimento de humanidade, ou seja, a tendência a ter prazer com a felicidade do próximo, é o fundamento da moral, o móvel fundamental da conduta humana. Mais tarde Adam Smith chamará de simpatia esse sentimento do espectador imparcial que olha e julga a sua conduta e a dos outros. Em Kant há uma visão mais absolutista do problema. Não se trata de emoção, mas de razão. A razão não pode ser medida apenas pela adequação dos meios aos fins, mas depende do julgamento dos fins. Assim, a moral é um fim em si mesma. Não está a serviço de nenhum outro objetivo. Não se deve agir moralmente para ser respeitado ou para ganhar o céu, mas, simplesmente, porque é moral. Esta é a razão prática, é um imperativo categórico. A norma de Kant é: “Age moralmente!”. (K. & HÖSLE, 2001, p. 59). 43 Estudiosos e filósofos diretamente ligados à questão ambiental também defendem o pressuposto ético como único capaz de mover o comportamento humano para um estágio superior de relacionamento com o meio natural e com o próprio homem. Assim, o economista-humanista polonês, naturalizado francês, Ignacy Sacs, que morou 14 anos no Brasil, professor da Escola de Altos Estudos de Ciências 41 Cf. DURANT, 1983, p. 10. Cf. SCRUTON, 2000, p. 43. 43 Cf. K. & HÖSLE, 2001, p. 59. 42 48 Sociais, em Paris, ao difundir o conceito de “ecodesenvolvimento”, como consultor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), afirma que “o princípio ético subjacente é o da solidariedade com as gerações futuras”, mas adverte que “a solidariedade diacrônica não pode separar-se do seu princípio gêmeo de solidariedade sincrônica com os nossos contemporâneos” (SACHS, 1986, p. 49). 44 Ele cita BENNETT (1976, p. 311) para explicar que “a preocupação ecológica não deveria dissociar-se da preocupação com a equidade social entre as nações e dentro delas... sobretudo porque o uso que o homem faz da natureza está inextricavelmente entrelaçado com o uso do homem pelo homem”. Percebemos, aqui, a presença inequívoca dos fundamentos éticos vistos anteriormente, voltados para o bem coletivo, para a satisfação social, pela solidariedade. Temos uma condensação preciosa de tudo isto em Hume quando ele atribuiu utilidade prática à moral e à ética através do “prazer de ser solidário”, de tal modo que a ética estaria centrada no respeito, no amor ao próximo. Se recuamos, então, ao séc. III de Agostinho, nesta análise, porque não recuar de uma vez ao princípio da Nova História e relembrar na própria origem: “Que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”? 45 Afinal, como separar ciência e fé quando o objeto de estudo é a vida? O amor e a ética não se conciliam com a “ecologia rasa”. Não seria ético, por exemplo, o programa de crescimento zero resultante do encontro de empresários no chamado Clube de Roma, em 1968, quando os males da humanidade foram atribuídos à explosão demográfica dos países pobres. Pelo contrário, para Sachs (1986, id. ibid.) é necessário desenvolver aceleradamente os países do terceiro mundo como pré-condição sine qua non para a diminuição das taxas demográficas no futuro. Conforme este ponto de vista, não são as populações pobres que desequilibram o meio ambiente, é o modo como a renda é distribuída, situação perversa que está na raiz do comportamento não ético entre países e classes sociais. Mas é a dependência cultural – muitas vezes capitaneada pela mídia – que leva ao mal desenvolvimento dos países do terceiro mundo, devido à insistência em tentar imitar o modo de vida dos países ricos onde economias mais fortes têm mais condições de absorver o excesso de consumo – naturalmente com inevitáveis problemas para o meio ambiente por sua conformação sistêmica. Nos países pobres o “crescimento imitativo” leva a mais empobrecimento porque, ditado artificialmente pela moda, é insustentável. Aqui surge a necessidade de educar para o consumo sustentável em conformidade com as 44 45 Cf. SACHS, 1986, p. 49. Cf. João 15, 12 49 disponibilidades regionais. É um espaço que se abre para a valorização da cultura e dos costumes nacionais, opondo-se o local ao global, como defendem vários pensadores, entre eles BARBERO (1987), ORTIZ (1994) e o próprio professor Ignacy Sachs. A pobreza nos países latino-americanos, por exemplo, não resultou de um padrão ético de comportamento. Pelo contrário, ela resulta do mito do desenvolvimento ilimitado que tende a concentrar a renda sempre mais. Não se pode considerar ético que 6% da população mundial – residentes nos EUA - consumam 30% a 35% de todos os recursos da Terra. Segundo MOSER (1984, p. 55), 46 citando levantamentos da ONU, só na década de 1959 a 1968 os Estados Unidos consumiram mais recursos do que o mundo inteiro desde sua origem. Um norte-americano consome 16 vezes mais energia que um chinês; 53 vezes mais que um indu; 109 vezes mais que um habitante do Sri Lanka; 438 vezes mais que um malásio e 1.072 vezes mais que um morador do Nepal. Enquanto isto, 10% de toda a renda mundial concentram-se nas mãos de pouco mais da metade dos 6 bilhões de habitantes do planeta, exatamente 60%. Da mesma forma não se pode considerar que existem ética e solidariedade humana em um contexto sócio-planetário onde o déficit habitacional dos países pobres é de 150 milhões. Só na Ásia mais de 100 milhões de pessoas vivem em habitações precárias. Na América Latina faltam mais de 20 milhões de moradias. Ao mesmo tempo, um tanque custa US$ 1 milhão (ou 100 mil toneladas de arroz, ou 1.000 salas de aula para 30 mil crianças); um bombardeiro custa US$ 20 milhões (ou 40 mil pequenas farmácias). E quantas crianças morrem de fome, todos os dias? O desequilíbrio do ecossistema mundial provocado pela falta de ética e de estética, levou o Papa João Paulo II a se manifestar assim na carta Dives in Misericordia: Sucede em nossos dias que, ao lado daqueles que são abastados e vivem na abundância, há centenas de milhões que vivem na indigência, padecem a miséria e, muitas vezes, morrem de fome. É por isto que a inquietude moral está destinada a tornar-se ainda mais profunda. Evidentemente, na base da economia contemporânea e da civilização materialista, há uma falha fundamental, um mecanismo defeituoso, que não permite à família humana sair de situações tão radicalmente injustas. (Osservatore Romano. 7 47 dez. 1981. n. 11, p. 12). 46 47 Cf. MOSER, 1984, p. 55 Cf. Osservatore Romano. 7 dez. 1981. n.11, p. 12. 50 A noção de que o problema do equilíbrio mundial é, básicamente, uma questão ética foi a razão do surgimento de teologias de contestação, na década de 1970, propondo uma Igreja mais presente e mais atuante nos problemas humanos, como se deu com a Teologia da Libertação – do peruano Gutierrez e do brasileiro Leonardo Boff – pregando a opção preferencial pelos pobres. Reunidos em Puebla, os bispos latinoamericanos já afirmavam em 1979: “Vemos, à luz da fé, como um escândalo e uma contradição com o ser cristão, a brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de poucos é um insulto para a miséria das grandes massas”. 48 Professor de Ética e Teologia Moral, na Pós-Graduação da PUC-Rio, Antonio Moser aborda a ética como ciência categoricamente normativa dos atos humanos, à luz da razão natural. Ela (a ética) não apenas descreve comportamentos humanos mas traça imperativos para que o homem possa realizar-se na sua humanidade. É através da vida humana ameaçada na terra que a ecologia e a ética encontram-se diante de um mesmo e gigantesco desafio: o que fazer para possibilitar a continuidade da vida sobre o planeta? Para dar conta do desafio à sua frente, a ética deixa o eternismo platônico (mundo das idéias) para situar-se, hoje, no plano das preocupações terrenas (mundo real). Segundo Moser, a ética desloca-se do antigo conceito de “permanente” (esse) para o conceito hegeliano de evolução na continuidade (fieri). Agora ela é constituída na e pela história. Por isto assume traços de “provisoriedade”. (MOSER,1984, p. 31 - 32). 49 As atualizações (aggiornamento) promovidas pela Igreja através do Concilio Vaticano II revelam essa preocupação com a ética do fieri, voltada para o bem coletivo, desautorizando a ética do individualismo cartesiano que apresenta o homem embevecido com a própria inteligência, como se pode verificar nesta declaração conciliar. Cumprem-se cada vez melhor os deveres da justiça e caridade se cada um, contribuindo para o bem comum segundo suas capacidades e as necessidades dos outros, promover e ajudar também as instituições públicas e particulares que estão a serviço de um aprimoramento das condições de vida dos homens...que todos considerem como sagrada obrigação enumerar as relações sociais entre os principais deveres do homem de hoje. (Documento do Concílio Vaticano II, cit. por MOSER. 1984, p. 33). 50 48 Cf. Bispos Latino-Americanos. “Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina-Puebla”. Petrópolis, 1979, cit. por MOSER, 1984, p. 29. 49 Cf. MOSER,1984, p. 31 - 32. 50 Cf. Documento do Concílio Vaticano II, cit. por MOSER. 1984, p. 33. 51 O professor Moser, à luz da ética, propõe uma nova sociedade com um programa de quatro pontos: 1. Abandono da civilização do desperdício; 2. Mais justa distribuição dos recursos humanos; 3. Atenção central à produção de alimentos; 4. Ação global contra a miséria e a fome. Ele avalia que “só uma ação global, com a integração de esforços das organizações e dos governos, de boa vontade, que não isole os problemas da miséria e da fome, será capaz de tornar o panorama mundial menos sombrio para um futuro próximo”. E conclui: Quem deve ir para o banco dos réus é o desperdício dos ricos, não as migalhas que alimentam milhões de miseráveis. A abordagem ética do relacionamento humano é, portanto, presença marcante, tanto na hagiologia – desde a patrística e a escolástica, como vimos nesta modesta diacronia – como também na filosofia clássica. Igualmente podemos considerar que a partir da Revolução Industrial a desconfiguração do belo natural acentuou-se porque a natureza passou a ter um valor de uso no processo de produção voltado para a acumulação. A proposta de um mundo feliz para todos, presente no Iluminismo, só se realizou para poucos, exatamente através do processo de acumulação capitalista, como efeito de uma visão reducionista de mundo na qual o individualismo assumiu proporções de imperativo categórico, exatamente ao contrário do prefigurado na ética kantiana. Não será difícil, então, constatar que a utopia do mundo éticamente solidário ficou mesmo no campo da utopia, o que não deve tirar o ânimo dos que ainda apostam na possibilidade de um outro mundo. É certo que em muitos outros períodos da história humana, cada qual segundo as suas características, o conceito de belo e estético sofreu transformações. À luz da modernidade a Santa Inquisição não seria santa. Confrontada com Gisele Bünchen a Mona Lisa não seria bela. O desprezo aos trabalhadores braçais e artesãos – próprio do Feudalismo – não seria estético. A violação da propriedade pela imposição do mais forte, na ausência do Direito, não tinha nada de belo. Por isto não se pode, racionalmente, comparar as épocas, porque cada época deve ser comparada com ela mesma. Hoje temos águas poluídas pelo esgoto urbano ou pelo derramamento de petróleo. Mas ninguém mais corre o risco de receber o conteúdo de um penico esvaziado na cabeça ao passar sob uma janela, mesmo de famílias nobres. Nem mesmo o Rei Sol contava com a comodidade de um vazo sanitário instalado em qualquer favela do mundo civilizado. Os bastidores da literatura inglesa dão conta que diante da casa do pai de Shakespeare, no interior da Inglaterra, havia permanentemente um cheiro horrível por causa de uma 52 montanha de esterco bem em frente da janela. Então podemos dizer que o fenômeno da urbanização – com o saneamento, por exemplo - trouxe a solução de todos os problemas? Que hoje vivemos a estética do mundo em sua plenitude? Por certo que não. Se concluímos, desta forma, que é indispensável a retomada ética para conduzir o homem a um mundo mais feliz, também somos levados a este modo de ver diante do resultado nada estético que a vida moderna nos apresenta. Com efeito, considerando a estética como sinônimo do belo harmônico já estudado nos antigos gregos – portanto da Verdade e do Bem - não temos qualquer condição de avaliar como belo o desencontro do mundo moderno nos seus mais diferentes aspectos, seja o social, o econômico, o cultural ou qualquer outro. Igualmente deveríamos perseguir um ideal ético e estético para o próprio jornalismo dentro do sistema constituído pelos meios de comunicação. Chegaremos lá. No meio ambiente, a falha estética é ainda mais gritante, pois se a “irmã água” de Francisco já não é casta e já começa a escassear, se ela é a “presença de Deus na terra”, conforme o louvor agostiniano, e se Deus é a própria estética do equilíbrio, da perfeição, da harmonia das partes, em Tomás de Aquino, o homem moderno terá muita dificuldade para perceber a mesma extesia dos santos diante da natureza poluída. Que tipo de emoção estética nos conduzirá ao logos divino – conforme o pensamento aristotélico-tomista – se temos diante de nós a natureza desgrenhada, violentada e semi-destruída ou, do ponto de vista da ecologia humana, um ser humano desesperançado, estressado e confuso neste período de tão evidente mal-estar da civilização, como entrevisto por Freud? 51 Que mundo é este em que a alma se questiona sobre o sentido da vida quando a infra-estrutura da própria vida, que é a natureza, está atacada de morte? Onde está o Belo que nos conduz à reflexão interior, ao mundo das idéias, à contemplação de Deus nas criaturas? Qual a avaliação estética do nosso mundo? Haveria estética na guerra, na corrupção? Porque é importante refletir sobre a estética, após analisarmos a questão ética? 51 “A questão fatídica para a espécie humana parece-me ser saber se, e até que ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal causada pelo instinto humano de agressão e autodestruição. Talvez, precisamente com relação a isso, a época atual mereça um interesse especial. Os homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda, não teriam dificuldade em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que provém grande parte de sua atual inquietação”. (FREUD, 1997, p. 111 - 112). 53 4. Abordagem Estética De início é preciso reconhecer que não se pode conceber a estética como valor absoluto, acima da moral, por exemplo. Conceber um modo estético de ser, no relacionamento social, nas práticas profissionais, no trato com a natureza, na concepção do texto ou da própria arte não pode ser uma obsessão, um fim em si mesmo, que nos faria relegar a segundo plano outros compromissos como a ética, o respeito, a amizade, o amor etc visto que isto nos levaria a uma vida artificial, vazia e hipócrita, como nessa ditadura da moda atual que leva as top-models à autodesnutrição consciente – com riscos para a saúde – para permanecerem “dentro do padrão”. De igual modo o estetismo de Don Juan, o sedutor, leva a uma vida mesquinhamente tediosa. Sob este aspecto, é impossível concordar com Oscar Wilde para quem a arte é mais importante que a própria vida, pois não existe arte sem vida e é a vida que dá sentido à arte e a tudo o mais. Também Soren Kierkegaard critica o estetismo consumista de quem vive no instante, apenas para colher rosas, sem os espinhos, praticando um oportunismo que menospreza a solidariedade e o verdadeiro amor ao próximo (desinteressado e puro), o que, não raro, acaba levando ao desespero. (ABBAGNANO, 2000, p. 375). 52 O ideal estético, identificado aqui como a norma do gosto, em Hume (1711-1776) vincula as noções de arte e de belo como objetos de uma única investigação, superando a separação encontrada nos antigos gregos onde Aristóteles considera a arte enquanto poética (que consiste na ordem, na simetria), enquanto Platão estuda o belo, separadamente, como a manifestação evidente das idéias, isto é, dos valores. Entretanto, se só a arte é bela, fruto da inteligência e da inventividade, como considerar bela a natureza que não é arte criada pelo homem? A conexão entre belo artístico e belo natural desenvolveu-se a partir do séc. XVIII, com a já citada norma de Hume e, principalmente, em Kant, para quem “a natureza é bela quando tem a aparência de arte” e “a arte só pode ser chamada de bela quando nós, conquanto conscientes de que é arte, a consideramos como natureza”. Em qualquer das definições, tanto do ponto de vista do observador, como por parte do artista que cria (mesmo quando imita o modelo ou a natureza), está implícita a imanência do transcendente, isto é, a inspiração espiritual, o traço divino que explica a manifestação do gênio e a emoção estética do espectador. Para Hegel, a obra de arte não está 52 Cf. ABBAGNANO, 2000, p. 375. 54 na tela, na madeira ou na pedra; no caso da poesia ou do texto, não está nas letras e nas palavras...ela está dada antes, está no espírito criador que ilumina e inspira. Assim, todos vêem o bloco de pedra, só Michelangelo vê o Moisés, porque a inspiração é única. Muitos jornalistas cobrem uma entrevista coletiva, mas só um capta detalhes que renderão outras pautas até mais significativas ou que vão dar um toque especial na reportagem. O mesmo vale para o trabalho de apuração, de investigação. Como dizer que jornalismo não é arte? Como ser jornalista sem conhecer história da arte, sem ter noção de belo estético, belo moral ou sem estudar filosofia? Em sua rotina de trabalho, o jornalista bem formado sabe que também fora da crítica da arte e da própria especulação filosófica, o domínio da estética é cada vez mais utilizado para o debate de problemas de ordem psicológica, política, moral, social etc. Por dever de ofício, eles igualmente sabem que, no parlamento brasileiro, quando um deputado ou senador é cassado por “falta de decoro parlamentar” não significa, propriamente, que ele transitou nos salões do Congresso com a braguilha aberta ou algo assim (em outro contexto o presidente Bill Clinton acabou absolvido), mas que infringiu a ética (a moral dos costumes) e a estética (do políticamente correto), portanto seu crime é de corrupção por frustrar a expectativa da sociedade que o nomeou seu representante. O Belo comportamento não se realizou. No caso dos presidentes essa falta de estética dá margem ao impeachment ou à não-reeleição. Para Nietzsche, é indispensável à arte a perfeição do ser e das atitudes, o encaminhamento do ser para a plenitude, a divinização da existência, é o estado apolíneo que resulta da embriaguez dionisíaca. 53 Para Hegel a tarefa da arte é superar a própria arte conduzindo o homem para o transcendente, o espiritual, isto é, para a religião e a filosofia, pensamento parecido com o de Benedetto Croce, para quem “a arte é conhecimento”, como em Aristóteles. Só pela educação chegamos ao conhecimento, então a arte tem uma função educativa. Adorno não considerava o surrealismo de André Breton (1924) 54 – que contaminara seu companheiro na Escola de Frankfurt, Walter Benjamin - 53 Cf. ABBAGNANO, p. 372. Aliás, o surrealismo era incompatível com o realismo socialista que se tornou a linha do Partido, por isto o apoio de Breton a Moscou não era recíproco. Alguns surrealistas seguiram Louis Aragon que rompeu com Breton e se uniu ao Partido Comunista em 1932. Breton foi ridicularizado em um congresso cultural em Moscou em 1935. Se autodeclará trotskista e em 1936 purgou seu movimento de elementos comunistas stalinistas. (BUCK-MORSS, 1981, p. 254). 54 55 como arte por não ver nele um propósito dialético. 55 Sob este aspecto, a arte está a serviço da doutrinação política, como queriam os partidários do realismo ou da arte concreta, nos países comunistas. Assim, em Lukács a arte é “reflexo da realidade”, é “expressão da autoconsciência da humanidade em dado momento histórico”. Este pensamento leva ao pé da letra a manifestação de Marx em 1843: “ Então se verá que o mundo possui desde há muito tempo o sonho de uma coisa, e bastará adquirir consciência para que a possua realmente” 56 . Por isto o movimento de André Breton pregava a reconciliação do sonho com a realidade em um tipo de realidade absoluta, ou surrealidade. Tratava-se de transformar a realidade de acordo com os desejos humanos. O jornalista atento percebe, assim, que cobrir uma mostra cultural ou uma sessão do Congresso não é muito diferente, quando podemos perceber a estética da arte e a ética (ou falta de) do comportamento humano, analisando o seu conjunto e as suas implicações. A aplicação do paradigma estético para analisar, por exemplo, a criatividade humana, é bem clara em filósofos mais recentes e nossos contemporâneos como o bem humorado sociólogo italiano Domenico De Masi (1999), freqüentador do excelente programa Roda Vida, comandado por Paulo Markun na TV Cultura. Profeta do saboroso “ócio criativo”, Domenico conduziu uma pesquisa, nos anos 1980, sobre a sociedade pós-industrial , narrando a história de 13 grupos europeus que se revelaram altamente criativos entre 1850 e 1950. 57 Defensor do senso estético como parâmetro para o valor das coisas, o professor titular de sociologia do trabalho da Universidade de Roma La Sapienza, mostra, na conclusão desse trabalho, que a criatividade, no mundo da produção, é filha dileta de um equilíbrio delicado entre razão e emoção, entre fantasia e senso prático. Para ele, essa equação é a mola propulsora do progresso do mundo globalizado no que se refere à produção, à criação artística e ao bem-estar. Assim, não basta ser criativo, é preciso espírito empreendedor e paixão motivadora. Ele compara que no passado, exatamente há cinco séculos, Michelangelo Buonarroti precisou ser capaz de 55 Quando Adorno baseava sua filosofia marxista na experiência estética, seu objetivo não era “estetizar” a filosofia ou a política, mas reconstituir a relação dialética entre sujeito e objeto que acreditava ser a base estrutural correta de todas as atividades humanas: conhecimento, praxis política e arte. Neste sentido, tanto a filosofia como a arte teriam uma função moral-pedagógica, a serviço da política e não como propaganda manipuladora, mas ensinando com o exemplo. (BUCK-MORSS, 1981, p. 251). 56 Karl Marx (1843), citado em George Lukács, Historia y consciência de clase, p. 3. In BUCK-MORSS, 1981, p. 255. 57 Cf. De MASI, A Emoção e a Regra, 1999. 56 controlar milhares de operários, durante vários anos, para construir a monumental cúpula da basílica de São Pedro, em Roma, enquanto hoje, no mundo pós-industrial, não basta a genialidade isolada de alguns para condicionar movimentos históricos como foi o Renascimento. É necessário o trabalho em equipes preparadas e motivadas que determinam a sorte dos empreendimentos mais notáveis. Mas isto não exclui a “faísca de luz” que vem do traço genial do líder, do condutor do grupo, no qual o grupo acredita e com o qual interage. No jornalismo o trabalho em equipe – onde a inteligência emocional conta tanto quanto o preparo racional – é a estrutura básica na qual se apoia todo o processo de criação intelectual e de produção industrial presentes nos modernos meios de comunicação de massa. Naturalmente cumpre às boas escolas de jornalismo dotarem os estudantes destas noções relacionadas com a capacidade de conviver com o diferente, de aceitar o outro, de ser solidário e bom caráter para que o trabalho em grupo obtenha os melhores resultados. Na própria escola o sentido de equipe deve ser despertado e valorizado na produção acadêmica. Em uma de suas entrevistas ao Roda Viva, anos atrás, De Masi contou que em determinada época de sua carreira acadêmica exigia que os alunos, ao entregarem seus trabalhos de grau, comprovassem o esforço de alfabetização de certo número de italianos. Propôs essa idéia para o Brasil, certamente por não compreender como a universidade brasileira preza tanto a burocracia que tudo trava e tudo impede. Certamente a estética da cultura nacional ou da educação brasileira seria outra com providências tão simples. Isto evitaria o vexame do Tribunal Superior Eleitoral ter que exigir dos candidatos a vereador, em algumas regiões, a prova de que sabem escrever o próprio nome. Neste capítulo fizemos um breve levantamento histórico sobre a relação dos homens com a natureza, onde emergem os conceitos filosóficos a respeito da existência de Deus e sobre o sentido da vida. Depois discutimos o conceito de “ecologia profunda”, puxando o debate para o plano do próprio homem onde a preservação da natureza deve ser praticada em função dela mesma e não do homem em si, ficando implícito, do mesmo modo, que a nossa aceitação do outro – do seu modo de vida, de ser, de pensar, de se relacionar com o seu Deus, com a sua sexualidade, a sua etnia etc – deve se dar a partir do outro mesmo e não a partir de mim, dos meus parâmetros, da minha aceitação ou não. (“Discordo inteiramente do que dizeis, mas defendo até a morte vosso direito de expressá-lo”, pontificava Voltaire). O encaminhamento natural para adquirirmos esse respeito pelo outro – animal, árvore, pedra ou gente – seria a revalorização da ética, 57 disciplina tão desprezada, exatamente nestes tempos nos quais faz tanta falta, que em muitos cursos de jornalismo é uma matéria que vale apenas a metade das demais, contando, portanto, com apenas dois créditos na grade universitária, o que significa apenas duas horas de aulas por semana e não quatro como as outras. Sem ética a sociedade não vai a lugar nenhum. Só teremos a corrupção que resulta da já citada "Lei de Gerson". O resultado da corrupção é mais corrupção, mais violência, mais desemprego, mais injustiça social, porque é preciso pagar mais impostos para cobrir as despesas do governo e das empresas com as vultosas propinas, o que encarece o custo-Brasil para os investidores externos. Através da ética, poderemos aspirar a um comportamento estético nas artes, na sociedade, na cultura, na educação e até na política. Poderemos pensar um “jornalismo estético” não do ponto de vista da apresentação física dos meios, mas do ponto de vista do seu comprometimento social com a comunidade, da sua capacidade de servir ao receptor e não de servir-se dele para obter outras vantagens. Trata-se de colocar o receptor como sujeito e não como objeto da informação. Sob tal ponto de vista, podemos nos filiar à abordagem de Hans Robert Jauss que trata exatamente de elevar o receptor da informação ao status de sujeito, mas um sujeito que determina o próprio contexto de produção do discurso. Isto talvez explique porque os grandes meios de comunicação contam sempre, em sua estratégia operacional, com um braço forte que o grande público não percebe, chamado Instituto de Pesquisa. Além das pesquisas de aplicação externa sobre assuntos de interesse político ou econômico ou social, tais institutos também pesquisam a aceitação do próprio veículo, a ponto de alguns apresentadores de TV, tempos atrás, tocarem um sino toda vez que o Índice Verificador de Audiência, mantido pelo IBOPE, batia o concorrente...o que pode ser considerado a própria estetização da informação, isto é, a informação (muitas vezes gritada, como no programa do apresentador de TV, “Ratinho”) pela informação, apenas voltada para o faturamento da audiência que resultará em “faturamento” da nova tabela de anúncios...Um fim em si mesmo. Foi com uma aula inaugural na Universidade de Constança, na Alemanha, em 13 de abril de 1967, que Jauss lançou a sua Teoria Estética da Recepção, com o texto “A História da Literatura como provocação à Teoria Literária”. Para ele, “a obra literária não é um objeto que exista por si só, oferecendo a cada observador em cada época o mesmo aspecto...ela é um processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz 58 novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete” (JAUSS, 1994, p. 25). 58 Certamente, só pela educação ampla, integrando escola e sociedade, com a estratégica utilização dos meios de comunicação, e através de uma legislação que cumpra sua obrigação de coibir os crimes ambientais, de forma enérgica e justa, será possível caminhar para o mundo estético também em relação ao meio ambiente e não só na Literatura como visto em Jauss. A boa norma de investigação metodológica, todavia, não comporta generalidades. Por isto, ao tratar do meio ambiente e da educação ambiental e ao juntar estas duas categorias com o exercício do jornalismo, escolhemos um campo específico do meio ambiente que congrega, em si, toda a questão. Trata-se do Consumo sustentável. Se tivermos uma formação ética para consumir sem afrontar a justiça social e os direitos do outro, se formos educados a consumir sem consumir o meio ambiente, se chegarmos a um acordo sobre a “estética do consumo” no mundo pós-industrial, então poderemos propor uma estratégia de educação integrada e permanente para a sustentabilidade do outro mundo possível. Poderíamos tratar de etnias, desenvolvimento, geopolítica, urbanização, direitos sociais etc, mas entendemos que tudo isto pode ser visto através do foco no consumo. É o que vamos discutir no próximo capítulo. 58 Cf. JAUSS, 1994, p. 25. 59 O FENÔMENO DO CONSUMISMO 1. O Paradigma do Consumo 2. Consumo Globalizado 3. Os Inimigos do Meio 4. Os Amigos do Meio 60 Capítulo 2 O FENÔMENO DO CONSUMISMO O problema da sociedade de massa é o consumismo, a superficialidade. H. ARENDT 1. O Paradigma do Consumo Em Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, de 1687, o formulador da teoria da gravitação universal, sistematizador da mecânica e descobridor do cálculo, Sir Isaac Newton (1642-1727), afirma que um novo paradigma somente surge quando o anterior é totalmente explorado em todas as suas variáveis. 1 Com efeito, a transitoriedade dos paradigmas está prevista em sua própria definição, pois são considerados realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência. Já vimos que o Paradigma Medieval - caracterizado pela Escolástica Aristotélico-Tomista, com base no Teocentrismo, onde o homem conquista o paraíso pelo sofrimento e pela submissão à hierarquia – deu lugar, nos séculos XVI e XVII, período que os historiadores chamam de Idade da Revolução Científica, ao Paradigma Mecanicista, resultante das mudanças revolucionárias na física e na astronomia, destacando-se as descobertas de Copérnico, Galileu e Newton. O novo método de investigação, desenvolvido por Francis Bacon, envolvia a descrição matemática da natureza, enquanto Descartes desenvolveu o método analítico de raciocínio (Cogito, ergo sum – penso, logo existo). Nesse paradigma a fé é questionada (antropocentrismo), impera a razão, toda a realidade é reduzida à soma das partes, à fragmentação, à especialização. Mas a passagem de uma sociedade fundamentalmente 1 Citado por K. & HÖSLE, 2001, p. 249. 61 agrícola-artesanal para o espaço urbano-industrial, que caracterizou a Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX, deu início ao questionamento do pensamento mecanicista, racionalista e reducionista. O sofrimento psíquico causado pela fragmentação do saber, baseada nas técnicas de estímulo-resposta desenvolvidas, no ensino e na psicologia, por Skinner e Pavlov (conhecimento reprodutivista), indicava o esgotamento do paradigma. O homem moderno passou a relativizar os conceitos deterministas, observando que o universo não pode ser uma equação de causa e efeito. A realidade é mais complexa, quando olhada holísticamente, no seu conjunto, com suas nuances e seus detalhes que não podem ser desprezados. O novo paradigma, chamado de Pensamento Complexo ou Era da Incerteza, é assim formulado: a) Visão sistêmica da realidade, percebendo que os componentes de cada unidade unem-se com finalidade comum, mas o todo não é igual à soma das partes. Deve-se levar em consideração todas as relações: todo + partes + relações entre as partes + relações do todo com as partes + relações das partes com o todo. b) Percepção de que a visão sistêmica leva à concepção de subsistemas, metasistemas, megasistemas etc formando interligadas cadeias em que tudo se liga a tudo. c) Ligação de tudo com tudo, que conduz à visão ecológica decorrente da cadeia mente – corpo – outro - grupo social – humanidade – ecossistema - planeta etc. d) Probabilismo no lugar do rígido determinismo da visão mecanicista ou do fatalismo da visão religionista. e) Busca de valores espirituais – não necessariamente religiosos ou denominacionais – compatíveis com os anseios místicos e transcendentes do homem neste ciclo histórico. f) Interdisciplinaridade, como metodologia, para a integração do conhecimento, propiciadora de uma nova atitude mental, de outro nível de complexificação cerebral e de alternativa de expressão do saber. Mais que uma reunião entre disciplinas no âmbito acadêmico, é um instrumento mental, intelectual, cerebral, que possibilita o inclusivismo, a relativização, a priorização e a capacidade de integração do conhecimento em relação ao objeto a ser conhecido. g) Convivência com a entropia, propiciando nova concepção de equilíbrio; vigilância sobre o sistema, redirecionando-o em busca de suas metas, atuando probabilisticamente e realimentando-o quando se fizer necessário. h) Compromisso ético, social e político e a abertura para a transcendência, sem os quais o ser humano 2 não se assume plenamente como tal. (MORIN, [s.d.]). Também com um olhar sistêmico, podemos perceber, na sociedade contemporânea, dentre os paradigmas gerais da complexidade ou da incerteza, o paradigma, ou subparadigma do consumo que se impõe como norma de vida no mundo globalizado. Tudo indica que ainda é cedo para vislumbrar nesse paradigma o esgotamento que, segundo Sir Isaac Newton, cederia lugar ao novo paradigma, talvez um retorno à espiritualidade – em bases mais consistentes e esclarecidas que o teocentrismo medieval - à relativização do 2 Cf. MORIN E. O Problema Epistemológico da Complexidade . Lisboa: Ed. Europa-América, [s. d.], passim. Cf. também MORIN, E. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, passim. 62 estetismo consumista, à superação do consumo como um fim em si mesmo. De qualquer modo, há muitas pessoas e organizações, em todo o mundo, empreendendo esforços no sentido de superar esse paradigma. Resistindo à maldição do fatalismo e à peste da desesperança de que fala o poeta uruguaio Eduardo Galeano, 3 autor de As Veias Abertas da América Latina, elas compreendem que o consumo excessivo é uma doença psicológica e uma grande injustiça contra a natureza e os outros homens, conforme tentaremos mostrar neste capítulo. Elas também sugerem inúmeras formas de colaborar com o consumo sustentável e ético. Entretanto, os avanços têm sido lentos, embora apresentando um indicativo de crescimento constante, diante dos “recados fenomenais” que a própria natureza está passando ao homem, de forma bastante inequívoca. O que ocorre hoje é que, influenciados pela mídia, não consumimos porque precisamos de determinados produtos, mas para ter o que os outros têm, para não ficar “diferente”, para ter status, para atrair admiração e aprovação, para chamar atenção, para tentar curar nossa ansiedade provocada pela necessidade de ter que jamais será saciada...num círculo vicioso que se repete ad aeternun, como no torturante Inferno de Dante, sem trazer felicidade ou satisfação, pois é fisicamente impossível ter todas as coisas. É impossível para o homem ter todos os bens e toda a ciência, embora nem sempre ele pareça concordar com esta falta de omnisciência e de ubiqüidade ou de poder absoluto. A este respeito, consideremos que o professor de Platão, Sócrates, não apresentava respostas diretas às indagações que os discípulos lhe faziam. Propunha a todos uma atitude de ceticismo, ensinando que só a indagação nos levará à descoberta do que procuramos e que só nos tornamos donos daquilo que nós mesmos elaboramos. Por isto ele partia de uma premissa básica: “Sei que nada sei.” Naquela época, conta-se, perambulava pelas ruas de Atenas o filósofo Diógenes. Abandonara todas as suas posses para morar num barril e esmolar pelas ruas, fugindo da falsidade dos pseudos amigos (aqueles que desaparecem quando não podemos mais lhes ser úteis) e da hipocrisia do gênero humano. Costumava usar uma lanterna acesa durante o dia e aos que indagavam a razão, respondia: “Procuro um homem de bem”. Uma vez Alexandre, o Grande, que tinha tido Aristóteles como preceptor, na Infância, deparou-se com ele, interpondo-se entre o filósofo e a luz do sol. Conhecedor da sabedoria do grego, perguntou o que poderia fazer por ele: “Basta que me restituas a luz do 3 “Navega o navegante, embora saiba que jamais tocará as estrelas que o guiam”. In: “Dom Quixote dos paradoxos”. Envolverde – Revista digital de Meio Ambiente e Cidadania – http://www.aw4.com.br/envolverde/materia.php?cod=609. Acesso em: 3 fev. 2005. 63 sol”, respondeu Diógenes. O ceticismo de Sócrates ou o cinismo de Diógenes podem parecer estapafúrdios aos nossos sensíveis olhos. Mas, infelizmente, todos conhecemos muitas personalidades do nosso glamuroso mundo moderno que se escandalizam com essas lições de humildade, considerando-se alguns centímetros acima da estatura humana convencional por dominarem algumas fórmulas e princípios ou por se darem bem na vida pública, acadêmica, social, ou por estarem momentaneamente em posições de destaque. Mas nada que o tempo não corrija, se lembrarmos a caricatura que Chaplin faz de Hitler em Tempos Modernos, na impagável cena do ditador brincando com o globo terrestre, ou como está a nos lembrar a deliciosa poesia de Borges, 4 ao nos recordar a finitude das coisas e a vaidade de nossas preocupações. A grande verdade é que, embevecido diante da televisão, por três horas, em média, por dia, o homem moderno revive o Mito da Caverna e passa a acreditar muito mais na imagem do que na realidade. As cores e sons – tal qual o próprio ambiente - parecem falar diretamente ao cérebro, numa sinestesia que “pula” a etapa do olhar, 5 do meditar, do refletir. É a Teoria da Agulha Hipodérmica: As informações são injetadas direto na mente. Como que subliminarmente, as pessoas vão sendo condicionadas a aceitarem os padrões de consumo ostentados nas novelas e filmes, passando a desejar o mesmo brinco da atriz, o mesmo sapato do ator, o mesmo vestido, o mesmo penteado, a mesma bebida, o mesmo estilo de vida ou de comportamento...sem se perguntar: “Eu preciso disto para ser feliz?”. 4 “Se eu pudesse viver novamente a minha vida, trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, seria mais relaxado. Seria mais bobo do que fui; na verdade encararia muito poucas coisas com seriedade. Se tivesse outra vez a vida pela frente ... Mas já se vai, tenho 85 anos e estou morrendo”. (JORGE LUIS BORGES – Instantes.) 5 "Se corpo e cérebro são indissociáveis [ao contrário do que pensava Descartes] e interagem entre si e com o meio, existem vias que possibilitam esta interação: entre o corpo e o cérebro há aquela [via] mais antiga, em termos evolutivos, que é a corrente sangüínea, transportadora de sinais químicos, como os hormônios, os neurotransmissores e os neuromoduladores; mas também há aquela [via] constituída pelos nervos motores e sensoriais periféricos que transportam sinais de todas as partes do corpo para o cérebro e do cérebro para toda parte do corpo, enquanto entre corpo, cérebro e meio as relações são mediadas pelos aparelhos sensoriais....O ambiente deixa sua marca no organismo de diversas maneiras. Uma delas é por meio da estimulação da atividade neural dos olhos (dentro dos quais está a retina), dos ouvidos (dentro dos quais estão a cóclea, um órgão sensível ao som, e o vestíbulo, um órgão sensível ao equilíbrio) e das miríades de terminações nervosas localizadas na pele, nas papilas gustativas e na mucosa nasal. O que está proposto aqui é que os sentidos são as vias de contato entre o que é interno ao homem e o que lhe é externo, e que tais relações não são exclusividade do corpo, mas de um corpo com um cérebro". DAMÁSIO (2001), citado por TALAMONI, 2003, p. 49. 64 Indaguemos, entretanto, porque as coisas se passam desta forma no mundo em que vivemos. Porque consumimos tão desenfreadamente gerando tanto lixo e causando tantos danos à natureza? Será que estetizamos o consumo por vontade própria? Por certo que não. Há poderosíssimos interesses que nos empurram permanentemente nessa direção. Também aqui a Teoria Geral dos Sistemas vem nos socorrer, pois nada acontece por acaso. Nem os consumidores, nem os fabricantes, nem os comerciantes, nem a publicidade, nem os meios de comunicação formam sistemas isolados e independentes um do outro. Tudo está imbricado e interrelacionado. Os sistemas funcionam porque estão permanentemente abertos um para o outro, em perfeita sintonia. Em 1950, um analista de marketing americano, Victor Lebow, escreveu que “...nossa economia altamente produtiva....exige que façamos do consumo um meio de vida...Precisamos que as coisas sejam consumidas, queimadas, desgastadas, substituídas e descartadas a um ritmo cada vez mais intenso”. 6 Mas “a veneração compulsiva no altar do consumo colocou a humanidade à beira de um abismo ambiental exaurindo recursos, disseminando poluentes perigosos, minando ecossistemas e ameaçando conturbar o equilíbrio climático do planeta. Afastar-se desse precipício exigirá um recuo radical das pretensões humanas sobre os recursos da Terra”. ("Estado do Mundo - 2004", p. 121). 7 Infelizmente, o crescimento econômico infindável, sustentado pelo consumo descontrolado, tem sido elevado ao status de religião moderna. Para alguns observadores, produção em massa, consumo em massa e sistemas de descarte em massa são nada menos do que simples necessidade econômica. É isto que explica a pouca durabilidade dos produtos que compramos hoje. Todos eles incluem uma “obsolescência programada”, desde as lâminas de barbear que o caixeiro viajante King Camp Gillette começou a vender em 1859, até nossos modernos carros, computadores, geladeiras, demais eletrodomésticos, aparelhos de som etc. É isto que faz a felicidade dos acionistas das grandes corporações, que robustece a conta bancária das agências de publicidade, que alegra os políticos interessados na “felicidade do povo” (“Voltem às compras”, pediu o presidente dos EUA, George Bush, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001). O que está em marcha, certamente, é uma epidemia difícil de ser enfrentada porque, ao mesmo tempo que o consumismo vicia como as drogas, ele não 6 HALWEIL,B. e NIERENBERG D. Rumos para uma Economia Menos Consumista. In “Estado do Mundo, 2004: estado do consumo e o consumo sustentável" / Worldwatch Institute; apresentação: Enrique Iglesias; tradução Henry Mallett e Célia Mallet. Universidade Livre da Mata Atlântica-UMA. Salvador-BA, 2004, p. 121. 7 Estado do Mundo - 2004, p. 121. 65 é atacado como se dá com o uso e o tráfico de drogas. Pelo contrário, ele é realçado, é visto positivamente, como uma atitude “do bem”, é glamurisado. Todos estão interessados no festival de consumo em que se transformaram as festas religiosas ou as datas de aniversário. A família é vista como uma “unidade de consumo” e a publicidade já sabe que pode aumentar as vendas segmentando o público-alvo. Por isto fala diretamente ora às crianças 8 , ora aos idosos 9 , ora às donas de casa, ora aos adolescentes e jovens etc. Isto conduz a pessoa a contrair a “doença do consumo”. Ela compra livros que jamais terá tempo de ler, assina jornais e revistas que vão para o lixo sem terem sido sequer folheados, compra mais sapatos do que tem capacidade de usar, guarda no armário roupas que ficarão lá com a etiqueta original porque nunca serão usadas, mora em regiões mais baratas da cidade para poder ter um carro importado, compra tudo o que vê no supermercado e depois não tem sequer ânimo de guardar – quando não ocorre de esquecer as compras no porta-malas do carro – vê programas inúteis na TV pelo simples hábito de ver perdendo um tempo valioso que poderia ser dedicado ao convívio com a família, os amigos ou a um lazer mais sadio, freqüenta restaurantes caros com o cartão estourado por achar que só assim estará demonstrando afeto à pessoa amada... Como nos defendermos da dependência psíquica do consumo se todos estão interessados em sua permanência e, principalmente, em sua ampliação? Que veículo de comunicação vai dispensar verbas publicitárias se depende delas para sobreviver, reinvestir etc? Que comerciante deixará de anunciar exaustivamente seus 8 Segundo cálculos do Instituto da Criança, órgão que realiza estudos sócio-econômicos sobre a infância, na França, os pequenos influenciam em mais ou menos a metade dos gastos familiares. Por exemplo: determinam 75% das compras de cereais e 73% das de iogurte, assim como o destino das férias (43%) ou as atividades nas horas de folga (72%)...Joël-Yves Bigot, diretor do Instituto, ressalta que há dez anos as crianças influenciavam o consumo a partir dos 5 ou 6 anos...hoje começam a determinar o consumo aos 3 anos e fazem questão das marcas que antes pediam aos 6 ou 7 anos, devido a um relacionamento social que começa mais cedo, inclusive com a escolaridade que, na França, é iniciada a partir dos 3 anos. Citado por “Portal da Família – Filhos do Consumismo, disponível em www.portaldafamília.org Acesso em: 7 mar. 2005. 9 Quando Otto Von Bismarck, o nobre prussiano que fundou o que hoje conhecemos como Alemanha, criou, em 1880, o primeiro plano de aposentadoria alemão, ele fixou a idade de 65 anos como marco de entrada na velhice. A expectativa média de vida era de 45 anos. Hoje pessoas de 70, 80 e até 90 anos se mantém ativas e movimentam a economia como qualquer outro segmento etário. Estima-se que em 2020, no Brasil, mais de 30 milhões de pessoas terão 60 anos ou mais, representando 13% da população. Em 2000 eles eram 8,6%.Entre os idosos o segmento que mais cresce é justamente o dos mais velhos: no grupo com 75 anos ou mais, o crescimento foi de 49,3% entre 1991 e 2000. Calcula-se que em 2050, pela primeira vez na história da humanidade, o número de idosos no planeta será igual ao número de crianças, situação que obrigará vários países a mudar radicalmente a forma de organização de suas cidades, sua economia e suas instituições, principalmente a Previdência diante do custo que será arcar com as aposentadorias. Também é intensa a participação do idoso na economia. Em 2000 os idosos dos EUA controlavam 70% da riqueza do país, algo como US$ 7 trilhões, segundo o pesquisador americano Ken Dychtwald. Em 30 anos deixaremos de ser um país de jovens, diz o consultor Ricardo Neves, que estuda as mudanças no comportamento neste início de século. Cf. Revista Época, São Paulo, 22 nov. 2004, p. 92-93. 66 produtos pouco importando sua origem, constituição ou destino? Quem se interessa se o produto vem de um país distante, quando poderia estar gerando empregos aqui, ou se é produzido em situações de trabalho infantil ou de escravização de imigrantes, ou se resulta da humilhação de trabalhadores sub-assalariados e submetidos a condições desumanas de produção, ou se o produto em si pode apresentar riscos à saúde, como no caso dos transgênicos ou das embalagens tóxicas, ou se a embalagem do produto vai gerar resíduos sólidos não degradáveis que ficarão poluindo o meio ambiente durante séculos? Quem se preocupa se a propaganda dirigida à criança vai causar sérios problemas de obesidade 10 que a prejudicarão por toda a vida? 11 É porque estamos doentes que não fazemos todas essas perguntas. No máximo separamos o lixo reciclável na cozinha e lavamos as mãos como Pilatos: “Este problema não me pertence mais”. Mas quando colocamos o lixo na rua não estamos jogando o lixo “fora”. Estamos jogando o lixo “dentro” do ecossistema. Na calçada de nossa casa a trajetória do lixo não está terminando. Ela está apenas começando. E isto nos diz respeito. Muito. Lembremo-nos que o termo grego “oekologie” é composto de duas palavras: oikos (casa) e logos (estudo, reflexão). As pessoas que não perderam e jamais perderão a esperança de mudar os rumos do consumismo, de transformá-lo em atitude consciente e de reflexão, convidam-nos a estudar a nossa casa, a olhar para dentro de nós mesmos: “Estou fazendo a minha parte? É suficiente? O que mais posso e devo fazer?”. O questionamento nos leva a compreender que não estamos diante de uma crise de ambiente, estamos diante de uma crise de valores éticos, uma falha moral da sociedade: “A crise ecológica também é uma crise dos valores humanos, da ética em todas as dimensões, e traz à tona novos pensamentos, novos conflitos, novas possibilidades, novas soluções e novos comportamentos diante do planeta”. 12 10 O sócio diretor e vice-presidente de criação da agência de propaganda QG, Sérgio Lopes, reconhece que as campanhas publicitárias conseguem transformar hábitos alimentares e, em alguns casos, realmente levam o público ao consumo exagerado de determinados produtos: “O principal objetivo da publicidade é convencer o público a consumir o produto anunciado, de preferência várias vezes ao dia. Mas a intenção é divulgar um produto desconhecido e mostrar suas vantagens, e não fazer o consumidor engordar”, disse à Agência de Notícias da FAPESP em 22 ago. 2005. Cf. http://www.agencia.fapesp.br/boletim_print.php?data[id_materia_boletim]=4212 Acesso em: 22 ago. 2005. 11 O Brasil gasta todos os anos R$ 15 milhões no tratamento de doenças associadas à obesidade, como diabetes, infarto e hipertensão, enquanto uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apontou recentemente que 10% dos adolescentes brasileiros entre 10 e 15 anos são obesos. (id. ibid.) 12 AZEVEDO, G.C. “Uso de jornais e revistas na perspectiva da representação social de meio ambiente em sala de aula”. In: Verde cotidiano, p. 68. Cit. por TALAMONI, 2003. p. 61. 67 Os números do consumo mundial demonstram, à exaustão, que não há ética nem estética nesse modo enlouquecido de comprar tudo. Examinemos os números. 2. Consumo Globalizado Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a parcela da sociedade que está francamente inserida no consumo forma uma classe mundial estimada em 1,7 bilhão de adeptos fiéis, com renda anual média de US$ 7.000. E, provando que a concentração da renda é o maior de todos os males do mundo moderno (HOBSBAWM,1995, p. 393, 395 e 397) 13 , mais da metade desses consumidores estão nos países “em desenvolvimento”. Nessas “ilhas de riqueza” do Terceiro Mundo, a palavra-chave é imitar os padrões de consumo da Europa e dos EUA (o que Roberto Campos chama de “crescimento imitativo”) 14 , a tal ponto que o Brasil é o segundo maior comprador de aviões executivos do mundo, logo após os EUA, e São Paulo tem uma das maiores frotas de helicópteros do planeta. Ora, se a mídia é mantida pelo capital das elites e se as elites estão de costas para o Brasil, geralmente voltadas para os grandes negócios internacionais, então resulta claro que a mídia, no Brasil, é um negócio das elites, por isto, não está interessada em “notícias menores” que tratam de cooperativas, projetos comunitários, críticas ao modelo consumista, ou líderes carismáticos que enfrentam o poderio americano, como fazem os ambientalistas. 15 Assim, o noticiário econômico, que interessa diretamente às elites, é o principal tema da mídia, conforme denunciado, reiteradamente, no âmbito do Forum Social Mundial. Até mesmo as receitas culinárias, 13 “A história mundial dos 20 anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise...A maioria das pessoas se tornou mais pobre na década de 1980 que foi de severa depressão...No Brasil, monumento de injustiça social, campeão mundial de desigualdade econômica, os 20% mais pobres da população dividiam entre sí 2,5% da renda total da nação, enquanto os 20% mais ricos ficavam com quase dois terços dessa renda conforme dados do início da década de 1990”. 14 “Entre um terço e a metade da renda dos países periféricos é apropriada pelos que reproduzem os padrões de vida dos países cêntricos, e a outra parte (entre metade e dois terços) divide-se de forma mais ou menos desigual com a massa da população; nesse caso, a minoria privilegiada não pode ir muito além de 5% da população do país”. (Cf. FURTADO, C. O Mito do Desenvolvimento Econômico, 1974, p. 84). 15 A primeira entidade ambiental nasceu em 1948, quando foi criada a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) integrando agências governamentais e órgãos não - governamentais,com o objetivo de garantir os recursos naturais. Com a criação da UICN, os movimentos conservacionistas, inclusive aqueles pela criação de parques nacionais, difundiram-se pelo mundo e foram criadas inúmeras entidades não-governamentais. (Cf. PRADO, N. www.bonsventos.com Acesso em: 19 out. 2005. 68 agora já apresentadas com o noticiário, ou os programas vespertinos sobre os bastidores dos famosos ou sobre as grifes da moda, falam de uma realidade que as pessoas pobres desconhecem, falam de um outro mundo, do mesmo modo que a linguagem da mídia é como um código fechado para determinados segmentos de público. As grandes negociatas são noticiadas apenas através do seu potencial explosivo de escândalos, tanto quanto os “espetáculos” ambientais da natureza, como as tsunamis de 2004 na Ásia ou os furacões de 2005 no sul dos EUA. Porém, passado o “efeito IBOPE” capaz de galvanizar a audiência em massa, o tema é totalmente esquecido e a mídia passa batido para o próximo escândalo. Em recente artigo na Folha de S. Paulo - relacionado na pesquisa quantitativa deste livro – o Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, disse que é uma vergonha que a ajuda humanitária internacional só se faça presente nos locais de grande sofrimento humano enquanto os holofotes da mídia estão acesos. Reclamou que a mídia não dá o mesmo destaque para regiões de conflitos que estão matando milhares de pessoas no interior da África pelo simples fato que ali vivem pessoas pobres, em cenários de abandono e miséria que certamente não proporcionarão as imagens estéticas e anestesiantes que a mídia quer. Enquanto isto, mais de seis mil corpos ficaram sem identificação, dentre os 300 mil mortos do maremoto asiático – ou pelo menos tiveram essa identificação adiada, com grande sofrimento para as famílias – porque os médicos legistas pegaram os aviões de volta para casa assim que a mídia encerrou a cobertura, segundo documentado também na pesquisa quantitativa sobre a presença do meio ambiente na mídia. 16 Não é difícil perceber que a falta de ética – procedente do mau exemplo das elites arrogantes, bem como de governos corruptos, infelizmente - não é fenômeno recente. É anterior à própria mídia, como vimos no início, ao tratarmos dos grandes descobrimentos. É que o homem nasce bom, como defendem os humanistas, mas não precisa de muito esforço para desenvolver, logo cedo, a tendência ao egoísmo e ao individualismo, como também já vimos em Hobbes. 16 Em 30. ago. 2005, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o sub-secretário geral da ONU para comunicações e informação pública, Shashi Tharoor, divulgou a lista dos 10 temas sobre os quais o mundo deveria saber mais mas que são ignorados ou minimizados pelas redes de televisão e outros canais comerciais de notícias. Esses temas incluem o processo para a paz na Somália, o problema da fístula obstétrica em países pobres, a crise humanitária no norte de Uganda, o desarmamento de ex-combatentes em Serra Leoa, a proliferação de organizações de direitos humanos e a violência contra as mulheres. Também não é dada atenção às escassas possibilidades de os pequenos agricultores de países pobres obterem um preço justo por sua produção, à luta de Granada para se recuperar da devastação do furacão Ivã, ao desenvolvimento como ferramenta de luta contra as drogas, e à preservação ambiental para proteger potenciais curas para numerosas doenças, conforme artigo de Thalif Deen, divulgado pelo Núcleo de Jornalistas Ambientais de São Paulo, disponível em http:/www.jornalistasambientais.com.br/article/articleview/31/1/15/ Acesso em: 1 set. 2005. 69 Os números da ONU revelam ainda que em 2050 o mundo deverá ter 9 bilhões de habitantes 17 e que, se nada for feito para reduzir o consumo, o impacto sobre a oferta de água, a qualidade do ar, as florestas, o clima, a biodiversidade e a saúde humana será extremamente grave. Ao nível das famílias, o consumo mundial foi de US$4,8 trilhões em 1960, mas em 2000 ele já atingia US$20 trilhões, devido ao crescimento da população e à prosperidade em vários países. Aqui é possível notar as grandes disparidades do consumo não-ético, segundo a ONU: Os 12% da população mundial que vivem na América do Norte e na Europa respondem por 60% do consumo privado global, enquanto a terça parte da humanidade que vive no sul da Ásia e na África Subsaariana, representam apenas 3,2%. 18 Enquanto a pobreza mata uma criança a cada três segundos – ou seja, 1.200 crianças por hora - em algum lugar do planeta, conforme revelou o informe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, em 7 de setembro de 2005, duas entre cada cinco pessoas do globo terrestre, isto é 2,8 bilhões de seres humanos, sobreviviam com menos de US$ 2 por dia, em 1999, o que as Nações Unidas e o Banco Mundial consideram como mínimo para atender às necessidades básicas. Aproximadamente 1,2 bilhão de pessoas viviam sob “extrema pobreza”, medida por uma renda diária de menos de US$ 1. Entre os mais pobres estão centenas de milhões de agricultores de subsistência, que, por definição, não têm salário e raramente envolvem-se em transações comerciais. Para eles, e para todos os pobres do mundo, os gastos em consumo resumem-se ao atendimento às necessidades básicas. Em termos percentuais, o crescimento populacional até 2050 deverá ser de 41%, segundo a Divisão de População das Nações Unidas. Assim, da mesma forma que a crescente demanda de aparelhos eletrodomésticos e automóveis 19 pode acabar com a economia de energia conquistada pelos programas de eficiência em andamento, o crescimento da população mundial ameaça neutralizar qualquer avanço na redução do volume de bens que cada pessoa consome. 20 A expectativa do Banco Mundial é que 99% do crescimento populacional se dará nas nações em desenvolvimento, mas embora a população do país mais 17 World Population Prospects, The 2002 Revision, Nova York, 2003. Cálculos do Worldwatch Institute, baseados em Banco Mundial, World Development Indicators Database, em media.worldbank.org/secure/data/qquery.php. Acesso em: 2 jun. 2003. In: "Estado do Mundo-2004", p. 5. 19 As vendas de automóveis na China aumentaram 60% em 2002 e em mais de 80% no primeiro semestre de 2003. A tradicional bicicleta está sendo substituída ao ritmo de 4 milhões de carros novos por ano e até 2015, nesse ritmo, segundo os analistas, 150 milhões de automóveis estarão congestionando as ruas chinesas. (id., ibid.). 20 "Estado do Mundo - 2004", p. 6 e 7. 18 70 consumista do mundo, os EUA, aumente a um ritmo de, aproximadamente, 3 milhões de pessoas ao ano, e a Índia aumente em quase 16 milhões, o contingente adicional de americanos causa maior impacto ambiental. Ele é responsável por 15,7 milhões de toneladas a mais em emissões de carbono na atmosfera, contra apenas 4,9 milhões de toneladas na Índia. Quem está preocupado com o consumo ético, também deve levar em conta a clamorosa injustiça que é a situação da África, [onde estivemos em 1998 e 1999]: Enquanto boa parte do mundo entrega-se, desregradamente, à farra consumista, das 816 milhões de pessoas que pertencem à Classe de Consumidores nos países em desenvolvimento, apenas 34 milhões são da África Subsaariana, região que – como se vê - tem ficado à margem da prosperidade vivida pela maior parte do mundo nas últimas décadas. Medidas em termos de gastos per capita de consumo privado, a África Subsaariana caiu 20% em 2000, em comparação às duas décadas anteriores, distanciando-se cada vez mais do mundo industrializado. 21 Até 2015 o Banco Mundial prevê que a classe de consumidores globais atingirá 2 bilhões de pessoas, um aporte de 300 milhões de compradores em relação aos números atuais. Apesar da tendência de crescimento do consumo abranger praticamente qualquer tipo de bem ou serviço que esteja à venda, a pressão maior no ecossistema mundial deverá se dar em itens fundamentais como água e alimentos. Em 2000, 1,1 bilhão de pessoas não tinham acesso à água potável 22 e duas, em cada cinco pessoas, ainda não dispunham de instalações sanitárias adequadas, como uma ligação com sistemas de esgotos ou fossa séptica, ou até mesmo latrina de fossa. O problema era mais grave na zona rural, onde apenas 40% da população dispunham de instalações sanitárias adequadas, em comparação com 85% dos habitantes urbanos, 23 enquanto, nos países mais pobres, uma em cada cinco crianças morre antes dos cinco anos de idade por doenças relacionadas à água, conforme denunciado no Fórum Social Mundial de 2003, em Porto Alegre, durante o seminário “Água para todos”, realizado nos dias 27 e 28 de janeiro. A questão da água merece um espaço à parte. Esse líquido – que não pode ser visto como uma commoditie, tal qual o petróleo ou o cobre, por exemplo, 21 id., ibid. A ONU define como necessidade básica o mínimo de 20 litros por pessoa, por dia, a uma distância de até 1km da moradia do consumidor. 23 Dados sobre água limpa e saneamento do UNICEF, The State of the World`s Children 2003. Nova York, 2003, p. 95. 22 71 pois é indispensável à vida 24 , até mais que o próprio alimento - tem estado presente no planeta há pelos menos 3 bilhões de anos, circulando entre terra, mar e ar, num cíclo impelido pelo sol que cria uma ilusão de abundância: ela cai do céu, ano após ano. 25 Seu maior volume de consumo se dá na agricultura (70%), seguida da indústria (22%) e das cidades (8%). Acredita-se que a água será motivo de grandes conflitos nas próximas décadas – como se dá hoje com o petróleo – porque sua distribuição é muito irregular no planeta. As regiões hidrologicamente mais ricas da terra concentram 40.700 quilômetros cúbicos de água doce que estão em apenas seis países: Brasil, Rússia, Canadá, Indonésia, China e Colômbia. Assim, enquanto o Canadá apresenta um índice de 92.000 metros cúbicos de água por habitante, a Jordânia tem 138, Israel tem 124 e o Kuwait não tem praticamente nada. Mas também dentro dos países a distribuição é irregular. No caso do Brasil, por exemplo, a maior quantidade de água está na região norte, onde a população é menor, enquanto o sul/sudeste, com maior demanda populacional e industrial, precisa racionar para não ficar sem. Isto também ocorre na China. Lá, entretanto, o problema é mais grave por causa do contingente populacional. O país tem 21% da população mundial, mas apenas 7% da água doce do planeta e a maior parte encontra-se na região sul. A Planície Norte da China, que inclui o Rio Amarelo, é uma das regiões mais populosas do mundo com escassez hídrica. Abrigando cerca de 450 milhões de pessoas, seu suprimento per capita é de menos de 500 metros cúbicos por ano, quase igual à Argélia. Quase todo ano o baixo Rio Amarelo seca completamente antes de alcançar o mar. No entanto, a Planície Norte é responsável pela produção de um quarto dos grãos da China. Isto tem sido possível através da intensa exploração dos lençóis freáticos que, por isto mesmo, estão caindo a uma taxa de 1 metro a 1,5 metro ao ano. 26 Assim, quando compra soja do Brasil, em grandes quantidades, na verdade a China está importando água, pois são necessários um milhão de litros de água para a produção de 1 tonelada de soja, segundo Lester Brow, do Worldwatch Institute. 27 24 Nós somos água. O corpo de um bebê é 90% água; o corpo de um adulto, 70%. Nosso planeta, à semelhança de nosso corpo, tem 70% de sua superfície coberta por água. Nós nascemos numa bolha de água. No ventre materno passamos nove meses dentro de uma bolsa com o líquido amniótico que contém todas as substâncias necessárias para crescermos até saltarmos para o mundo. Podemos ficar várias semanas sem comer, mas se não ingerirmos líquidos, em dois dias começa o processo de falência múltipla dos órgãos, levando uma criança à morte em cinco dias, e em dez, um adulto. Todas as formas de vida dependem da água. Não existe vida onde não há água. Por isto, do ponto de vista biológico [sistêmico], água e vida não podem ser separadas. Cf. Água, fonte de Vida – Campanha da Fraternidade 2004. Manual da CNBB, p.50. 25 POSTEL A. e VICKERS A. Incrementando a Produtividade Hídrica. In “Estado do Mundo– 2004”, p. 55. 26 id. ibid. 27 Cf. Escassez de Água contribui para Déficit na Colheita Mundial de Grãos. Lester Brown. In http://www.wwiuma.org.br/ Acesso em: 30 .mai.2004. 72 Quem mais pressiona os recursos hídricos do planeta são os EUA, onde é comum manter jardins e áreas verdes “sempre verdes” o ano todo, nas repartições públicas, nas grandes empresas, nas residências. 28 Desse modo, enquanto o cidadão da Etiópia consome 42 metros cúbicos de água por ano e o nigeriano 70, o morador dos EUA tira, da natureza, 1.932 metros cúbicos de água/ano. Para atender às Metas do Milênio, aprovadas em 2000 pela Assembléia Geral das Nações Unidas e reafirmadas na Cúpula Mundial de Joanesburgo em 2002, as nações comprometeram-se a reduzir à metade, até 2015, a proporção de pessoas sem acesso à água potável e ao saneamento básico. Quem pensa em consumo ético, deve lembrar que ao optar por carros mais potentes, mais gastadores de gasolina, não está apenas lançando mais gases estufa na atmosfera, também está gastando mais água, pois o processo de produção de um litro de gasolina, do poço à boca do tanque do carro, consome 18 litros de água. Entretanto, ao optar por materiais recicláveis – em substituição a produtos virgens – estamos economizando água. O reprocessamento da sucata de alumínio, por exemplo, resulta na economia de 17% menos água que no processamento do alumínio bruto. 29 Se os governos tivessem a boa vontade de desenvolver um bom programa de rotulagem que ajudasse o consumidor a identificar a origem do produto que está comprando e qual sua intensividade em energia e água, por exemplo, o consumidor poderia fazer escolhas melhores. Infelizmente, pelo menos no Brasil, até mesmo os rótulos dos produtos agrotóxicos são apresentados em letras muito miúdas que dificultam o entendimento das normas de segurança, levando a muitos casos de intoxicação e morte, como denuncia o ex-ministro do meio ambiente, José Lutzenberger. 30 A falta de informação, muitas vezes, é que leva ao consumo insustentável. Quando preferimos a água mineral engarrafada, por exemplo, estamos em 28 A irrigação diária dos gramados e jardins dos Estados Unidos consome cerca de 30 bilhões de litros de água, um volume que encheria 14 bilhões de pacotes de 6 latas de cerveja. O gramado médio consome 38.000 litros por verão. Os Estados Unidos também possuem cerca de 60% dos campos de golfe mundiais e seus 700 hectares absorvem cerca de 15 bilhões de litros de água por dia. (Cf. Estado do Mundo – 2004, p. 72). 29 Estado do Mundo – 2004, p. 60 e 76. 30 “De todas as orgias de venenos a que somos submetidos, talvez a mais absurda seja a dos domotóxicos, os venenos que cada dia mais se aplicam em nossos lares e logradouros públicos. Os supermercados, armazéns e botequins estão cheios de inseticidas, repelentes, aromatizantes, desinfetantes, em embalagens atrativas, às vezes adicionadas de presentes para as crianças. Na TV se podem ver anúncios como aquele do bebê dormindo enquanto a mãe aplica um spray de inseticida contra o mosquito em torno do berço...Venenos como carbamatos, dicloros, diazinon, ácido crisantêmico e tantos outros – vendidos sem nenhuma advertência quanto à sua real periculosidade – podem atacar o sistema nervoso central ou o sistema respiratório ou causar problemas no sistema imunológico, renal, hepático e demais sistemas do organismo. In LUTZENBERGER: 2004, p. 30. 73 busca de segurança alimentar e nos sentimentos muito bem informados com isto. Mas ninguém nos diz que os lençóis freáticos podem estar contaminados com pesticidas ou que os garrafões plásticos podem transportar bactérias durante o manejo ou que o próprio plástico PET que embala a água pode conter produtos químicos poluentes. Um estudo quadrienal do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais testou mil garrafas vendidas nos EUA e detectou que um quinto continha produtos químicos tais como tolueno, xileno ou estireno – tidos como, ou com possibilidades de serem cancerígenos – e neurotoxinas. Na Índia, testes realizados em fevereiro de 2003 pelo Centro para Ciência e Meio Ambiente encontraram níveis altos de pesticidas em amostras de água, resultando na retirada de certificados oficiais de qualidade de uma série de marcas e em advertências dirigidas à Coca-Cola e PepsiCo. A própria Perrier fez um recall mundial em 1990 por causa de alto nível de benzeno em seu produto. 31 Nos lugares onde há água de boa qualidade, basta retirá-la da torneira e filtrar, mantendo-se o filtro sempre limpo. Outra solução é cobrar das autoridades mais rigor na fiscalização da água engarrafada que disparou a produção de PET no mundo, passando de 738 milhões de quilos em 1999, mais que o dobro do volume produzido em 1990. Porém, se é para ser politicamente correto, também vale lembrar que a produção de 1kg de plástico PET requer 17,5 kg de água e resulta em emissões de 40 gramas de hidrocarbonetos, 25 gramas de óxidos sulfúricos, 18 gramas de monóxido de carbono, 20 gramas de óxido de nitrogênio e 2,3 gramas de dióxido de carbono. Gasta-se mais água para produzir a garrafa de água que a água contida no vasilhame. No caso do vasilhame one way , aquele que jogamos “dentro” do ecossistema, ele vai demorar 400 anos para se incorporar à natureza, o que pode ser adiado se for para a reciclagem, gerando alguma renda para os catadores e economizando água na produção de PET. Sobre a água disponível, diante do crescimento populacional e da exclusão sócio-econômica, a ONU adverte que faltará água potável para 40% da humanidade em 2050, enquanto especialistas antecipam esse prazo para 2025. 31 Estado do Mundo – 2004, p. 106 - 107. 74 O outro desafio para os planejadores, nas próximas décadas, será produzir calorias para alimentar 9 bilhões de pessoas. A maior fonte de caloria vem da carne. Em 2020 as populações dos países em desenvolvimento consumirão mais de 39kg por pessoa, o dobro do que se comia nos anos 80. Nos países industrializados, todavia, as pessoas ainda consumirão o maior volume de carne – 100 kg por ano em 2020, ou o equivalente à lateral de um boi, 50 frangos e 1 porco, sendo a China o maior consumidor mundial de carne suína. Esses números, entretanto, poderão sofrer alterações, na medida em que vai crescendo a conscientização sobre os benefícios da substituição da carne pelo pescado, pelos vegetais, 32 ou mesmo diante da preferência dos consumidores de carne por produtos que tragam a certificação “Criado a Pasto”. Diante do custo da terra, criar o animal a pasto fica muito mais caro, o que frearia a produção. Atualmente os criadores procuram atender à demanda crescente através do sistema de confinamento. Entretanto, vacas e bois são ruminantes, o que significa que digerem gramíneas, leguminosas e resíduos agrícolas. Mas sua ração em confinamento consiste em um misto de milho e soja, o que proporciona aquisição de peso rápido. Isto resulta em mais lucros para o criador, mas em sofrimento para os animais que, também devido à falta de movimentação pelo pasto, tendem a sofrer de inchaço, acidose, abscessos hepáticos, gases – que aumentam o efeito estufa – e outros sintomas dessa dieta rica. Os alimentos artificiais podem transmitir doenças às vacas e a fabricação de ração com resíduos de outros ruminantes gerou a doença chamada “vaca louca”. Além do mais, o uso do esterco do gado confinado – cujo manejo torna-se difícil devido ao acúmulo, o que não se daria com a criação a pasto, naturalmente – na adubação de hortas pode contaminar hortaliças e legumes. Para se prevenir, o criador recorre aos antibióticos. Nos EUA o gado bovino consome oito vezes mais antibióticos que os seres humanos, o que, segundo a FAO, vem ajudando a criar micróbios resistentes a antibióticos e dificultando o combate às doenças. 33 Quem se preocupa com o meio ambiente também busca maiores informações sobre a situação de stress e de sofrimento que os animais 32 Cientistas afirmam que uma dieta baseada em frutas, legumes e verduras pode reduzir em até 70% o risco de alguns tipos de câncer e em 80% os males cardíacos, desde que o indivíduo não seja fumante e sedentário...Outros especialistas pregam que uma dieta sadia não apenas retardaria o processo de envelhecimento, mas rejuvenesceria uma pessoa em até 20 anos, visto que poderosos antioxidantes naturais presentes nas frutas e verduras, bem lavadas, combatem os radicais livres que são moléculas tóxicas que se formam no processo de conversão do oxigênio em energia para o corpo. Cf. Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Acesso em: 12 fev. 2005. 33 “Estado do Mundo – 2004", p. 90. 75 enfrentam na hora do abate 34 , ainda que o uso de potentes pistolas pneumáticas seja descrito como “abate humanitário”. Pelos abatedores, claro. Na produção da carne de frango o processo industrial é igualmente constrangedor para um olhar humanamente mais sensível. Nos enormes galpões das granjas, o frango de corte é apinhado em compartimentos com pouco espaço – 22 cm x 22 cm cada um – com dias artificialmente longos porque os compartimentos, sem janelas, são iluminados até 23 horas ininterruptamente. Essas aves comem, diariamente, 0,86kg de ração especialmente formulada, podendo conter antibióticos e estimulantes de crescimento. Embora eficientes na conversão de grãos em proteínas, os frangos são vulneráveis a doenças respiratórias, devido às condições em que são criados. Por isto os criadores recorrem a mais antibióticos, já não mais capazes de evitar epidemias que levaram ao sacrifício de milhares de aves em Hong Kong em 2004. Em 2002, um estudo averiguou que 37% dos frangos destinados ao corte, encontrados nos principais fornecedores, estavam contaminados com patógenos resistentes a antibióticos. As aves ganham peso com tanta rapidez que muitas vezes não suportam o peso do próprio corpo e morrem de ataque cardíaco 35 . Por isto existem programas de certificação para granjas que voltam a criar as aves ao ar livre, como antigamente, para que possam ciscar, se movimentar, fazer seus ninhos etc. Um programa sério de rotulagem poderia exigir que os fabricantes incluíssem tal informação nas embalagens dos produtos, favorecendo a opção do consumidor consciente. Os processos operacionais de produção de carne e de água potável, também envolvem grande consumo de energia. Assim, a geração de energia será outro desafio com o crescimento populacional, tanto para uso doméstico e industrial como 34 “O cheiro de sangue é forte e pode ser sentido de longe. No mercado a céu aberto, o cliente escolhe o animal que lhe parece mais suculento. O golpe na virilha do cachorro é rápido, mas a morte não vem depressa. O sofrimento dura alguns minutos. Os animais que recebem o golpe na jugular têm mais sorte. Mas os abatedores de cães temem a mordida e preferem atacar o animal por trás [...] Essa cena se repete diariamente na China. [...] Não há diferença entre matar um cachorro e um boi para comer. O raciocínio vale também para o esfolamento de galinhas, porcos e outros animais. Tortura, dor, sofrimento, desolação. Animais de várias espécies são tratados como mercadoria, apenas mais um bem de consumo. Morrem covardemente e seus cadáveres são vendidos aos pedaços. Crescem em ambientes naturais agressivos à sua natureza. [...] Haverá um momento em que o homem, auxiliado por um novo tipo de abolicionistas – que falam por seres que não podem falar por si – saberá que os outros animais não são sua propriedade. São seres com direito à vida. Enquanto esse dia não chega, pagamos um alto preço sofrendo de doenças ligadas ao consumo de produtos animais: obesidade, doenças cardiovasculares, diversos tipos de câncer, alergias” etc. Esta é parte de um artigo que o nutricionista George Guimarães, especialista em nutrição clínica e nutrição vegetariana, e-mail [email protected], publicou na revista Superinteressante de dezembro de 2000, com o título “Vegetarianismo radical”, no qual defende a filosofia “vegan”, cujos seguidores se abstêm de consumir qualquer produto animal, incluindo leite, ovos, mel, couro, lã, seda, cosméticos que tenham sido testados em animais etc. 35 Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 109. 76 para a movimentação da crescente frota mundial de veículos. Janet L. Sawn trata desta importante questão no Relatório sobre o Estado do Mundo – 2004. 36 Segundo ele, raramente pensamos de onde vem a energia, quanto consumimos ou quanto realmente precisamos ou, ainda, o impacto que nossos carros causam na alteração do clima com a queima de combustíveis fósseis. Também aqui os maiores problemas ao meio ambiente são causados pelos países ricos. Eles consomem 25 vezes mais energia, per capita, do que os pobres. Enquanto 2,5 bilhões de pessoas, a maioria na Ásia, dispõem apenas de madeira ou outra biomassa para sua energia, o cidadão americano comum consome cinco vezes mais energia que o cidadão global, 10 vezes mais que o chinês e quase 20 vezes mais que o indiano. Em muitas residências dos EUA a quantidade de carros na garagem é maior que o número de pessoas dentro de casa. A maioria das famílias possui dois ou mais carros. Com apenas 2% das reservas globais e 4,5% da população mundial, os EUA duplicaram o consumo de energia a partir de 1960 e hoje é o maior consumidor mundial de petróleo. Um quarto dos 531 milhões [dados de 2003] de veículos movidos com energia de origem fóssil que compõem a frota mundial circulam nas estradas americanas. Anualmente são produzidos 11 milhões de novos veículos. O que aumenta o consumo é a ineficiência dos transportes públicos que induz ao excessivo uso do carro particular. Há um século os EUA lideravam o mundo em transporte público, mas após a II Guerra o governo deu ênfase à construção de rodovias e auto-estradas [fenômeno que muitos países periféricos, como o Brasil, 37 imitaram], sabendo-se que os caminhões requerem quatro a cinco vezes mais energia que as ferrovias ou os navios para transportar o mesmo peso à mesma distância. Já na Europa e no Japão, os governos fizeram a opção pelos trens e ônibus, após a II Guerra. Hoje, quase 92% das pessoas que se deslocam ao centro de Tóquio utilizam trens. Os europeus ocidentais utilizam transportes públicos em 10% de seus trajetos urbanos e os canadenses 7%, contra apenas 2% dos americanos. Isto é significativo porque para cada quilômetro rodado consome-se duas a três vezes mais combustível do que por transporte público. Também o consumo dos aviões deve ser levado em conta: Apenas 0,5% da distância total que as 36 Cf. Escolhendo Melhor a Energia, cap. 2, p. 28 - 51. No Brasil, 20 milhões de veículos contribuem com 70% da poluição atmosférica nas cidades. Só em São Paulo, ônibus, caminhões, automóveis e motocicletas são responsáveis por 90% do monóxido de carbono, cerca de 60 a 80% das partículas em suspensão e 80 a 90% de outros poluentes, causando sérios danos à saúde da população e ao meio ambiente. Cf. Energia, a ordem é economizar, folheto distribuído em 2005 pelo MME em campanha permanente pela redução do consumo. 37 77 pessoas percorrem anualmente, no mundo, é realizada pelo ar; entretanto os aviões consomem cerca de 5% dos 30% da energia global destinada aos transportes. 38 Os eletrodomésticos também pesam no consumo de energia. Eles são responsáveis por 30% do consumo de eletricidade dos países industrializados e 12% das emissões de gases estufa. Até mesmo a energia de stand-by - a eletricidade consumida quando computadores, aparelhos de fac-símile, estéreos, televisores, fornos de micro-ondas e muitos outros estão “desligados” mas não desconectados – precisa ser lembrada, pois ela representará 10% do consumo mundial em 2020, exigindo quase 400 usinas adicionais de 500 megawatts que emitirão mais de 600 milhões de toneladas de dióxido de carbono anualmente. Com base nas políticas vigentes, se não houver redução do consumo 39 , a Agência Internacional de Energia prevê a duplicação da demanda até 2030. A produção de alimentos requer, igualmente, volumes maciços de energia. Embora grande parte venha do sol, 21% da energia fóssil que consumimos destina-se ao sistema alimentar global. David Pimentel, da Universidade Cornell, estima que os EUA destinam cerca de 17% de seu consumo de combustíveis fósseis à produção e consumo de alimentos, sendo 6% para a produção agropecuária, 6% para processamento e embalagem e 5% para distribuição e cozimento. Apesar de inúmeros programas de contenção em andamento no mundo, o consumo de energia nos países em desenvolvimento – onde vivem 75% da população mundial – aumentará mais de oito vezes até 2050. Poderá a Terra sustentar nossas necessidades crescentes de energia no século XXI? Ninguém sabe. O que precisamos ter em mente é que não estamos sozinhos no mundo. Toda vez que ligamos um interruptor elétrico ou viramos a chave do carro, 38 Um estudo do Stockholm Institute da Universidade de York, conduzido pelos professores John Whitelegg e Howard Cambridge, em 2004, revelou que o aumento das viagens aéreas, estimulado pelas reduções de tarifas oficiais, é uma das maiores ameaças ao meio ambiente mundial e que os planos do governo britânico de expandir aeroportos estão em conflito direto com as metas de redução de emissão de gases causadores do efeito estufa. Eles defendem que as companhias aéreas paguem taxas de poluição para compensar o dano causado, que os aeroportos sejam tratados como complexos industriais – como já ocorre com o aeroporto de Zurique, na Suiça -, que o setor privado deveria incentivar a vídeo-conferência para evitar viagens, que pelo menos a metade dos passageiros deveriam chegar aos aeroportos por meio de transportes públicos e que jornadas inferiores a 650km deveriam ser feitas de trem, o que eliminaria 45% dos vôos, na Grã-Bretanha. Cf. BBC Brasil.com: , acesso em: 04 jul. 2004. 39 O Ministério do Meio Ambiente, no Brasil, faz uma campanha permanente pela redução do consumo de energia. Um de seus folhetos lembra que o país possui “um dos maiores parques hidrelétricos do mundo, responsável por 88,5% da nossa geração de energia elétrica”. Mas acrescenta: “Ao contrário do que muita gente pensa, as hidrelétricas também poluem. A decomposição da vegetação submersa emana gases do efeito estufa, como metano, gás carbônico e óxido nitroso”. Mas a formação dos lagos também destrói a fauna e desaloja famílias. Só na construção de Itaipu foi inundada uma área de 1.350 quilômetros quadrados. 78 desencadeamos todo um processo de consumo que, somado ao consumo de outros bilhões de pessoas, forma a massa do consumo mundial de energia com todas as suas conseqüências para o meio ambiente. A produção de alimentos e de água doce, bem como a produção de energia fóssil ou elétrica, e tudo o mais que o homem consome, geram resíduos gasosos, líquidos ou sólidos que poluem o meio ambiente. Veremos a seguir o impacto do lixo no cenário mundial e imaginemos o que isto poderá custar ao ecossistema se o consumo não for contido e se o lixo e a água não puderem ser reaproveitados em outras atividades humanas, através da reciclagem e do reuso. 3. Os Inimigos do Meio O lixo urbano é a parte mais visível entre os sólidos que incomodam o meio ambiente devido ao fenômeno da urbanização que se intensificou depois da II Guerra Mundial. Hoje a maioria das pessoas mora nas cidades. E as megalópoles, como Nova York 40 , já não sabem como fazer com tanto lixo. Dados da ONU (1995) revelam que cada pessoa gera, durante toda a vida, uma média de 25t. de lixo. 41 Mas esta cifra pode dobrar nos 27 países mais ricos do mundo, representados na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE, nos quais a “produção” do cidadão comum é de 560kg de lixo urbano por ano. A Noruega, por exemplo, luta para reduzir seu fluxo de lixo e mesmo assim o norueguês comum gerou 354 kg em 2002, 7% mais que no ano anterior. 42 Uma característica do lixo urbano, desde a década de 90, é o chamado e-lixo, gerado pelos 40 A prefeitura de Nova York se vê às voltas, todo o tempo, com o problema de dar fim a uma montanha de 11.000t de lixo produzidas diariamente. Quando o aterro sanitário de Fresh Kills foi desativado permanentemente em março de 2001, a prefeitura passou a transportar o lixo para aterros distantes em Nova Jersey, Pensilvânia e Virginia – alguns a quase 500km de distância. Tomando por base uma carga de 20t para cada uma das caçambas-reboque, são necessários cerca de 550 reboques que formam um comboio de 14km de extensão, congestionando o trânsito, poluindo o ar e elevando as emissões de carbono. Para o vice-prefeito de Nova York, Joseph J. Lhota, “a eliminação do lixo urbano, hoje, é como uma operação militar cotidiana”. Cf. Lester Brown, fundador do WWW-Worldwatch Institute e do EPI-Earth Policy Institute. In http://www.wwiuma.org.br acesso em: 30 mai. 2004. 41 O paulistano gera 1,2kg de lixo domiciliar por dia, contra 2kg do americano e 2,8kg do japonês...Apesar de não estar na lista dos países mais preocupados com o desperdício, o Brasil é campeão na reciclagem de papelão (72% contra 65% na Europa) e de latas de alumínio (85% contra 82,5% no Japão). Mas não por necessidade ou por conscientização, e sim porque os 300 mil catadores vivem do lixo para garantir uma renda mensal de até R$500,00. Outros materiais são pouco reciclados: apenas 21% do plástico e 38% de vidro e papel. Fonte: União Brasileira para a Qualidade-UBQ. In Folha/Ciência Online. Acesso em: 11 jun. 2004. 42 “Estado do Mundo – 2004”. p. 18. 79 equipamentos de informática, e as baterias de celulares43 , a respeito dos quais ninguém sabe, ao certo, ainda, o que fazer. Enquanto no caso de outros resíduos mais antigos – como as embalagens de agrotóxico – já existem normas para obrigar o fornecedor, através do varejista, a recolher o vasilhame contaminado, após o uso, no caso do e-lixo a obsolescência tecnológica é tão rápida que a quantidade de lixo cresce muito rapidamente, tornando-se um desafio para a reciclagem, além de serem produtos bem mais intensivos em recursos da natureza que outros mais “tradicionais”. Também por se tratar de uma tecnologia recente, que inclui muito contaminante químico, 44 os locais de descarte desses equipamentos tornamse verdadeira cilada para as pessoas que entram em contato com eles e também para o meio ambiente. O número de computadores no mundo quintuplicou de 1988 a 2002, pulando de 105 milhões para mais de meio bilhão. Cada um desses aparelhos é uma armadilha tóxica. Um monitor típico, com tubo catódico (CTR), contém de dois a quatro quilogramas de chumbo, bem como fósforo, bário e cromo hexavalente. Outros ingredientes tóxicos incluem o cádmio, nos resistores e semicondutores do chip, berílio, nas placas-mãe e conectores, e retardadores de chama à base de bromo, nas placas de circuito e capas plásticas. Plásticos, incluindo cloreto de polivinil (PVC), compõem até 6,3 kg de um computador comum. A combinação de vários plásticos torna um desafio a reciclagem do elixo do qual provêm 70% dos metais pesados encontrados nos aterros americanos. As empresas de reciclagem preferem recolher os equipamentos usados e enviá-los para a Ásia, 43 Nos EUA, segundo maior mercado mundial de celulares, depois da China, os aparelhos são rejeitados depois de 18 meses de uso e o grupo de pesquisa INFORM calcula que até o final de 2005 os consumidores teriam acumulado 500 milhões de aparelhos usados que, se jogados em um aterro, poderão lixiviar cerca de 141.500 kg de chumbo. Em todo o mundo os fabricantes lutam contra as tentativas da International Telecommunication Union e de vários governos para obrigarem os fornecedores a receberem de volta o equipamento usado. Duas diretivas, da Comissão Européia, entraram em vigor em 2003, com o mais forte alerta ambiental jamais sinalizado à indústria eletrônica. Uma delas, a Waste Electrical and Electronic Equipement (Descarte de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos) tornou cada empresa responsável pela coleta e reciclagem de seus novos produtos após 13 de agosto de 2005. A Nókia tem trabalhado com cientistas acadêmicos para desenvolver plásticos e telefones biodegradáveis, que se desmontam, para fácil reciclagem, pela ação do calor. Enquanto isto a Silicon Valley Toxics Coalition, da Califórnia, está lutando para que os EUA revoguem a legislação de devolução. No âmbito internacional, a questão está sendo discutida pela Convenção da Basiléia. Cf. “Estado do Mundo – 2004”. p. 149-150. 44 Um simples microchip de 32 megabites requer pelo menos 72 gramas de produtos químicos, 700 gramas de gases elementares, 32.000 gramas de água e 1.200 gramas de combustíveis fósseis. A operação do chip durante seu ciclo de vida - cerca de quatro anos, operando três horas, diariamente – demanda outros 440 gramas de combustíveis fósseis. A massa total de materiais secundários usados na produção de um chip de duas gramas é 630 vezes a do produto final. Só para comparar, os recursos necessários para a fabricação de um automóvel pesam duas vezes o produto final. Cf. Eric D. Williams, Robert U. Ayres e Miriam Heller. “The 1.7 Kilogram Microchip: Energy and Material Use in the Production of Semiconductor Devices”. In Enviromental Science and Techonology, 15.12.02, citado por “Relatório do Mundo – 2004", p. 52. 80 principalmente China, Índia e Paquistão. É o que ocorre com 50 a 80% do e-lixo americano, uma vez que, segundo a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, é 10 vezes mais barato enviar monitores de CTR para a China do que reciclá-los internamente. Pela Convenção de Basel – principal acordo internacional sobre resíduos perigosos – este tipo de comércio é ilegal. Porém os Estados Unidos são o único país industrializado que não ratificou o documento, por isto sua exportação de materiais tóxicos continua legal e recentemente tornou-se isenta de regulamentos. Também não há regulamentos firmes nos países que recebem o lixo tóxico. Por isto, em locais de reciclagem de e-lixo procedente dos EUA, Japão, Coréia do Sul e Europa – como Guiyu, na China – os computadores são desmontados a martelo, formões, chaves de fenda e até mesmo “na marra”. Os trabalhadores quebram os monitores CTR para retirar o cabeçote de cobre, enquanto o resto do monitor é jogado ao ar livre ou nos rios. Os moradores do lugar agora dizem que a água tem gosto ruim, devido ao chumbo e outros contaminadores, conforme constatado e denunciado pelo Greenpeace Chine, em conjunto com a Basel Action Network-BAN, em dezembro de 2001 (Relatório do Mundo – 2004, p.53). Em artigo para o Relatório do Mundo – 2004, Radhika Sarin dá mais detalhes sobre o que acontece com o supra-sumo da tecnologia ocidental que chega a Guiyu como lixo: Sem nenhuma roupa de proteção ou máscaras, os trabalhadores usam pincéis ou as próprias mãos nuas para abrir cartuchos vazios de impressoras e recolher o tonner restante em baldes, ignorando que, conforme a Xerox e Canon, o negro-de-fumo e outros ingredientes do toner causam irritação respiratória e pulmonar. Os trabalhadores também são expostos aos vapores tóxicos da solda de chumbo e estanho quando aquecem as placas de circuito para recuperar o conteúdo de ouro dos chips, e os banhos de ácidos usados para dissolver e precipitar o ouro emitem gases de cloro e dióxido sulfúrico. Pilhas de cabos de PVC são queimadas ao ar livre, para recuperar a fiação de cobre. 45 Os Estados Unidos geram 19% do lixo do mundo, mas, a exemplo da Europa, reciclam 40%. No Brasil, apenas 28% dos resíduos sólidos urbanos recebem algum tipo de tratamento, sendo 23% depositados em aterros controlados ou sanitários, 3% são tratados em unidades de compostagem e 2% são reciclados. Os 72% restantes das 100 mil toneladas de lixo domiciliar coletado no Brasil diariamente são depositadas em lixões a céu aberto. Ali o chorume – líquido negro gerado pela decomposição orgânica – penetra no solo, contaminando as águas subterrâneas e os rios. Além de provocarem explosões e fogo, os gases, incluindo o metano, contribuem com o 45 id. ibid. 81 efeito estufa. O mal cheiro empesteia o ar. O lixão atrai ratos, moscas, baratas e, sobretudo, gente muito pobre – adultos e crianças - que não conseguem outro meio de subsistência senão o aproveitamento de restos de comida ou de materiais que possam ser vendidos para a reciclagem. Naturalmente elas se expõem a graves riscos de saúde, ao comerem comida estragada ou contaminada, lidando com cacos de vidro, materiais pontudos, resíduos químicos e tóxicos 46 . Entretanto, do mesmo modo que os países industrializados poluem mais, em toda comunidade humana as pessoas mais prósperas, economicamente, geram lixo com maior dificuldade de absorção pela natureza, como embalagens plásticas 47 que, depois de “valorizarem” o produto - em muitos casos - e de nos encherem os olhos atraindo-nos para a compra, levam 450 anos para se degradarem; latas de alumínio (200 anos); latas de conserva (100 anos); náilon (30 anos); tampas de garrafas (15 anos); madeira pintada (13 anos); filtros de cigarro (2 anos); pano (1 ano); vidros (tempo indeterminado); pneus (indeterminado). 48 Da prancheta do designer ou do seu programa de Autocad, nascem as embalagens sugestivas que vão revestir os produtos a serem consumidos. Do petróleo transformado em PET ou em polímeros, chegam as embalagens rígidas e as sacolas dos supermercados e padarias 49 . Da mensagem publicitária, veiculada, vem o argumento de venda. Da facilidade de crédito (cartões, cheques pré-datados sem juros, crédito direto das 46 Cf. GRIPPI, S. “Lixo: Reciclagem e sua História”. Rio de Janeiro: Interciência, 2001, p. 134. citado por TALAMONI, 2003, p. 60 47 O consumo anual de plásticos no Brasil gira em torno de 19kg, por pessoa. É um volume relativamente baixo se comparado com os índices de outros países como Estados Unidos (100kg/hab.) e a média na Europa (80 kg/hab.). Em nosso país, 15% dos plásticos rígidos e filme retornam às linhas de produção como matériaprima reciclada, enquanto nos EUA este volume é quase cinco vezes maior. Em relação ao vidro, o Brasil produz 800 mil t/ano para embalagens, das quais 35% são recicladas, somando 280 mil toneladas por ano. Os EUA produziram 11 milhões de toneladas em 1997, das quais reciclaram 37%, correspondendo a 4,4 milhões de toneladas. A reciclagem de vidro em outros países tem os seguintes percentuais: Alemanha (74,8%), Reino Unido (27,5%), Suiça (83,9%) e Áustria (75,5%). Fonte: www.napoles.com.br/destino/quanto.htm Acesso em: 26 ago. 2004. 48 Fonte: Compromisso Empresarial para a Reciclagem –CEMPRE. In: Folha/Ciência Online. Acesso em: 11 jun. 2004. 49 Em cada cinco sacos usados nos mercados, quatro são de plástico, do tipo de duas alças. [...] As primeiras embalagens plásticas para pão, sanduíches, frutas e verduras surgiram nos EUA em 1957. Sacos plásticos para lixo já estavam presentes nos lares e ao longo das calçadas de todo o mundo no final dos anos 60. Mas esses itens popularizaram-se realmente em meados dos anos 70, quando um novo processo de produção barata tornou possível para os grandes varejistas e supermercados oferecerem a seus clientes uma alternativa para os sacos de papel. [...] Fábricas em todo o mundo produziram cerca de 4 a 5 trilhões de sacos plásticos em 2002, de acordo com estimativas da Chemical Market Associates, uma firma de consultoria da indústria petroquímica. A América do Norte e a Europa Ocidental são responsáveis por 80% do consumo. Os EUA descartam, anualmente, 100 bilhões de sacos plásticos. [...] A caminho do aterro, muitos sacos são levados pelo vento. No Quênia, fazendeiros e conservacionistas reclamam contra sacos presos em cercas, árvores e mesmo nas goelas de pássaros. Em Xangai o governo estava gastando tanto com a limpeza de sarjetas, esgotos e templos antigos que lançou uma campanha para as pessoas darem nós nos sacos impedindo que fossem levados pelo vento. Cf. “Estado do Mundo – 2004”. p. 26 82 lojas) surge a decisão da compra complementando um processo que traz satisfação a todos os personagens envolvidos, menos um, o ecossistema, para onde o plástico volta. Que fazer com o lixo? Queimar geraria ainda mais poluição. Reciclar? Na maioria dos casos falta vontade política para gerir corretamente os programas de reciclagem. (Em Bauru - SP, por exemplo, a coleta do lixo reciclado não funciona porque há poucos caminhões e homens nessa tarefa e quando eles passam, outros coletores avulsos já reviraram os sacos nas calçadas, espalhando o lixo para retirar o reciclável, o que desestimula as pessoas de fazerem a seleção). Lester Brown, aqui citado, propõe a volta de alguns costumes do passado que podem ser incômodos para uma sociedade tão apressada e “pragmática” como a nossa, mas que ajudariam muito a evitar tanto lixo. Ele sugere que as moças e rapazes dos caixas não deviam perguntar: “Papel ou plástico?” e sim “Você trouxe a sua sacola?” , ou o seu vasilhame?. Nos EUA ainda existe a opção do enorme saco de papel como vemos nos filmes. No Brasil, nem isto. É só sacola plástica. Quem sair do supermercado com um produto nas mãos, fora da sacola plástica, pode ser barrado pela segurança. Talvez as sacolas dêem aos dirigentes dos supermercados a sensação de que o produto foi devidamente pago...Quem sabe! Aqui também, entretanto, o consumidor consciente pode lavrar o seu protesto. Não faltam exemplos a respeito. Em Ladack, na Índia, no início dos anos 90, a Aliança de Mulheres e outros grupos de cidadãos instituíram o dia 1º de Maio como o Dia da Proibição do Plástico. O exemplo foi seguido por Bangladesh. Em janeiro de 2002 o governo da África do Sul conseguiu uma redução de 90% no uso de sacos plásticos ao exigir a fabricação de sacos mais resistentes e mais caros. No mesmo ano a Irlanda criou um imposto de 15 centavos por saco, a partir de março, levando a uma redução de 95% no uso. Há estudos para a taxação também na Austrália, Canadá, Índia, Nova Zelândia, Filipinas, Taiwan e Reino Unido. A mercearia comunitária Weaver Street Market, na Carolina do Norte, passou a vender sacolas de lona com desconto. 50 Ao tratar da difícil questão de dispor o lixo urbano com tanto plástico, José Lutzenberger adverte: “Uma sociedade que fosse racional em termos de uso justo de recursos naturais finitos não produziria o tipo de lixo que produz hoje”...[diante] dos elevados custos envolvidos na disposição final que não deixa qualquer lucro para as 50 Cf. id., ibid. 83 administrações municipais. Ainda segundo Lutzenberger, as duas soluções oferecidas são as fábricas de compostagem e as usinas de incineração. Mas as incineradoras exigem investimentos de US$20.000 por tonelada/dia e o custo de operação é de US$10 a US$20 por tonelada. Não se recicla nada. Em alguns casos, na Europa, o calor da incineração é usado para calefação de bairros contíguos ou para geração de energia elétrica. Mas a produção de energia é pequena e não cobre os gastos. Sobra a cinza que, por conter metais pesados, não pode ser usada como adubo mineral. É levada para aterros. As usinas exigem chaminés muito altas, onde o escape do efluente gasoso, além de causar os mesmos problemas que ocorrem nas fornalhas das usinas térmicas comuns, como a chuva ácida, por exemplo, lança substâncias tóxicas na atmosfera como a dioxina. (LUTZENBERGER, 2004, p. 35). 51 O que fazer? Segundo o ex-ministro do meio ambiente, o melhor seria adotar soluções humanas, de tecnologia branda e respeito ecológico: Por que não aproveitar a mão-de-obra já existente no lixão, mas melhorando substancialmente suas condições de trabalho, provendo os catadores de macacões, luvas, botas e ferramentas? No local poderiam ser instalados WCs e chuveiros e construídas choupanas simples, com telhados de palha, com mesas e locais de repouso e para pernoite. Assistentes sociais coordenariam o trabalho. O comércio dos produtos catados seria igualmente disciplinado. Os catadores ganhariam o suficiente para não mais terem de comer lixo. O próprio lixo seria despejado pelos caminhões de forma a facilitar o trabalho dos catadores, ao invés de passarem o trator como se faz hoje, enterrando e aplastando o material. Um administrador motivado e inteligente poderia organizar o despejo dos caminhões. Às vezes chegam caminhões só com restos de jardins que poderia ir direto para a compostagem, onde fica o lixo orgânico que sobra da catação.(LUTZENBERGER, 2004, p. 41-42). 52 O modo humano como Lutzenberger vê o problema poderia envolver a própria comunidade para que colaborasse, separando o lixo reciclável (cobrando eficiência na coleta ou organizando cooperativas bem administradas) e preferindo produtos cuja embalagem cause menos danos ambientais. Não haverá publicidade que dê jeito quando as pessoas começarem a tomar a atitude de dizer “basta, agora eu assumo o controle da minha vida, portanto do meu consumo, porque isto interessa ao meu planeta, aos meus filhos, aos meus netos”. Esta é a atitude do ser humano globalizado, que se percebe integrado a um ecossistema planetário de vida. Não temos o direito de semear a morte (com nosso lixo) nesse sistema de vida. Nós mesmos pagaremos o preço se a nossa consciência não despertar em tempo. E o tempo é agora. Como o plástico já se incorporou aos hábitos dos consumidores, algumas empresas estão investindo no plástico biodegradável que se 51 52 Manual de Ecologia: Do jardim ao poder, 2004, p. 35. id. p. 41- 42. 84 decompõe em até 18 meses em contato com o ar, a água e o sol. No Brasil essa tecnologia inédita pertence à rEs Brasil, criada em 1997, que também distribui matéria prima de origem 100% vegetal para fabricação de artigos biodegradáveis e compostáveis. A empresa já investiu 200 mil euros em pesquisas. No mundo todo, entretanto, apenas 1% do plástico produzido é biodegradável. 53 Os plásticos rígidos e flexíveis representam a principal matéria prima utilizada no Brasil pelo mercado de embalagens: cerca de 37% da produção nacional, contra 21% das metálicas e 6% do vidro, entre outras. Hoje as embalagens de plástico biodegradável ainda são 30% mais caras, mas o diretor-superintendente da rEs Brasil, Eduardo Van Roost, avalia que elas deverão se popularizar na mesma velocidade do aumento do consumo ecologicamente correto e socialmente responsável, caindo, então, seu custo comparativo com as embalagens de plástico convencional para algo em torno de 15%. A empresa já conta com três parceiras que adquirem seus produtos e fabricam sacolas de supermercados. Uma é a Sol Embalagens (fornecedor do Pão de Açúcar, Carrefour e Wal-Mart). A outra é a Antilhas Soluções Integradas para Embalagens (fornecedor da rede O Boticário). A terceira é a Nobelplast (que fabrica sacolas e envelopes de segurança para os bancos e os Correios). Outra boa notícia na área ambiental, relacionada com as embalagens plásticas, foi a inauguração, em maio de 2005, em Piracicaba-SP, de uma unidade fabril dotada de um processo tecnológico, inédito no mundo, capaz de fazer a separação total do plástico e do alumínio que fazem parte das paredes das embalagens longavida. Com 2,2 mil metros quadrados de área construída, a fábrica consumiu investimentos de R$12 milhões e sete anos de pesquisa, resultantes de parceria entre a Alcoa, que produz alumínio; a TSL, de engenharia ambiental; a Klabin, produtora de papel, e a Tetra Pak, fabricante das embalagens, segundo informa a Revista Pesquisa FAPESP. Por enquanto o Brasil recicla apenas 25% das 160 mil toneladas de embalagens longa-vida utilizadas para acondicionar leite, sucos, massa de tomate, água-de-coco etc. 54 Além dos grandes projetos, é necessário divulgar, valorizar e incentivar tantas outras iniciativas comunitárias, oficiais ou até mesmo estudantis que ajudam a formar consciência, sobretudo entre as crianças e os jovens. Em Bauru-SP, um projeto dos alunos da Universidade do Sagrado Coração-USC, propôs, em 2004, o retorno do uso da “caneca individual” nas empresas e repartições em substituição 53 54 Fonte: Associação Brasileira de Embalagem – ABRE. In www.conhecerparaconservar.com.br Acesso em: 30 dez. 2004. Cf. www.ambientebrasil.com.br Acesso em: 21 ago. 2005. 85 aos copos plásticos de água e café. Em 05/09/2005, o presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, inaugurou, em Belo Horizonte, uma unidade industrial que reaproveitará 3,6 mil toneladas de plásticos por ano que iriam para aterros sanitários, ao participar, juntamente com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, da abertura do 4º Festival Lixo e Cidadania promovido pela Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis. 55 Em São Paulo a ONG Organização Auxílio Fraterno – OAF criou, em 1997, uma oficina para produzir móveis e objetos de decoração a partir de materiais vindos do lixo, com apoio da irmã Ivete de Jesus, reunindo moradores de rua num galpão do centro da cidade. A oficina trabalha com 35 pessoas que, com pesquisa e criatividade, transformam ferro, pneus, caixotes, garrafas etc em artigos de boa qualidade, como diz Ivete. 56 Retornando a Bauru, onde são coletadas 200t de lixo por dia, um projeto dos alunos de Engenharia de Produção, da Unesp, instalou lixeiras experimentais em prédios da cidade para incentivar os moradores a se decidirem a separar o vidro, o papel, o plástico e os metais do lixo, facilitando a reciclagem. O projeto é coordenado pelo prof. Jair Wagner de Souza Manfrinato. Por todo o Brasil – e também pelo mundo – há milhares de exemplos que atestam o crescimento da consciência ambiental, muitas vezes silenciosamente. Por isto a mídia convencional não pode deixar apenas para a Internet a tarefa de valorizar as iniciativas populares, pois os sites ambientais não contam com verbas de publicidade, pelo menos enquanto a Internet ainda atinge apenas 10% da população brasileira. Naturalmente isto vai mudar. Se nosso propósito é educar para o consumo sustentável, podemos concluir este capítulo relacionando outras boas iniciativas que estão em andamento, em todo o mundo, a favor do “consumo justo”. São exemplos que servem para nos ajudar a não perder a esperança diante de tantos problemas. Os seres humanos que se lançam contra a corrente com disposição para pensar diferente e romper paradigmas nefastos, como o do consumismo, são amigos da natureza. São amigos do meio ambiente. 55 56 Cf. www.ambientebrasil.com.br Acesso em: 4 set. 2005. Cf. www.ambientebrasil.com.br . Acesso em: 5 ago. 2005. 86 4. Os Amigos do Meio O marco inicial para a conduta de quem quer repensar o comportamento do homem em relação à natureza é fugir da cômoda mania de achar que o único responsável por tudo é o governo. Ou “os outros”. Quem estuda a Teoria Geral dos Sistemas não pode se sentir numa ilha, isento de responsabilidades e de compromissos sociais. Todos, ricos e pobres, cada qual segundo a gravidade dos males causados ao meio ambiente, são responsáveis por um mundo melhor para a futura geração. Por isto toda e qualquer contribuição é bem vinda, desde sentir vergonha de jogar lixo pela janela do carro (estejam ou não outras pessoas vendo, pois a natureza “vê” sempre, mesmo nas estradas mais desertas), até sentir remorso de cantar sob o chuveiro quente, manter a torneira aberta enquanto escova os dentes ou lava as panelas, ou mesmo conferir a origem e constituição dos produtos consumidos, optando pelos que têm embalagens biodegradáveis. Mas, pressionar, democraticamente, os governantes para que produzam leis que obriguem ao comércio justo, é totalmente válido, pois isto é cidadania, é civismo. Também é importante, cada qual segundo as suas posses, apoiar o esforço de ONGs e veículos ambientais que, através de congressos, eventos, publicações etc trabalham como verdadeiros guardiões da natureza, portanto em nosso legítimo interesse. Infelizmente a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, responsável pela distribuição das verbas de publicidade, não reconhece o esforço da mídia ambiental que já atinge milhares de brasileiros e milhões de pessoas no mundo, através da Internet, realizando um trabalho sério e admirável, no que se refere à conscientização e à cidadania, exatamente por atingir os formadores de opinião. Os programas de rotulagem, por exemplo, são uma boa ajuda para orientar o consumo consciente e o comércio justo. Infelizmente, mesmo nos países desenvolvidos, eles informam bem menos do que deviam. No caso da energia, por exemplo, citam o consumo direto que o equipamento exigirá em sua vida útil, mas não citam a energia plena incorporada dificultando a comparação de um produto com outro. 87 Também os programas de certificação 57 podem nos ajudar a consumir melhor. Eles são visíveis na forma dos já conhecidos - em alguns países - selos de “comércio justo”, como ocorre com o selo da Fundação Max Havelaar, da Holanda, que certifica, desde os anos 80, o café originário de plantações onde o trabalhador recebe a justa remuneração para uma vida decente, tem acesso a requisitos básicos de segurança, tem o direito de se organizar em cooperativas, entre outras condições sociais e ambientais favoráveis. Em 1993 a fundação passou a certificar também o chocolate; o mel, em 1995; a banana, em 1996; o chá, em 1998. Nos EUA a United Fruit Workers desenvolve uma campanha de “maçã justa”, que é um programa de colaboração entre os supermercados e os trabalhadores da maçã, muitos dos quais imigrantes recém-chegados sem direito a salário, direito de organização e acesso aos benefícios sociais. No Reino Unido a Associação do Sol e os agricultores mantém um programa de colaboração para estender a distinção de “comércio justo” a produtos agrícolas locais, argumentando que os caprichos do mercado livre e a consolidação do agronegócio causaram às áreas rurais da Grã-Bretanha os mesmos danos provocados na África. As pessoas que optam por fazer uma declaração política quando comem são aquelas que se informam a respeito de tais programas e que se organizam, em suas comunidades, para apoiar e ampliar os programas de certificação, cujo critério mais elementar é a transparência, a competência e a seriedade como sinônimos de valoração ética e de solidariedade humana. Quanto mais rápido crescer o número de pessoas conscientes que optam pelos alimentos orgânicos e pelos selos de qualidade ambiental, mais rápido decrescerá o preço desses produtos, regra básica da lei de oferta e procura. Agindo assim, essas pessoas estarão se certificando de que podem consumir sem consumir o planeta 57 Somente no ano passado [2004], consumidores de países ricos gastaram mais de 1,2 bilhão de dólares comprando produtos cujos fabricantes [ou produtores] comprovadamente coíbem abusos trabalhistas e ambientais. Esses produtos levam o selo da Fairtrade Labelling Organization (FLO), instituição internacional que certifica fabricantes ao redor do mundo que se comprometem a cumprir regras "solidárias" - uma espécie de cartilha politicamente correta aplicada ao comércio internacional. As exigências do sistema de fairtrade são: 1.Criar associações democráticas que reúnam os produtores. 2.Ser transparente na prestação de contas. 3.Não discriminar nem mulheres nem índios. 4.Reduzir o uso de agrotóxicos. 5.Abolir o trabalho forçado. 6.Não empregar crianças. 7.Criar empregos com carteira assinada. 8.Ter condições de trabalho saudáveis e seguras. Fonte: BSD-Desenv. Econ. e Social (Consultoria especializada em comércio justo e responsabilidade social e empresarial. Representante da FLO no Brasil). Cf. Revista Veja, São Paulo, 9 nov. 2005. 88 onde vivem. Prestar atenção em selos como “criado a pasto” para a carne bovina; “pescado sustentável” para frutos do mar; “benéfico às aves” para café, cacau e lavouras tropicais; “manejo sustentável” para madeiras da Amazônia; “Fundação Abrinc” para os brinquedos brasileiros, bem como preferir produtos com embalagens menos poluentes são distinções que caracterizam o consumidor proativo e inquisitivo que se comporta como “comedor ativista”, mesmo quando não se dispõe a aderir a dietas mais radicais. Isto quer dizer que todos podem dar a sua parcela de contribuição em maior ou menor medida, sem necessidade de se revoltar contra os alertas dos ambientalistas. Outra atitude lúcida e consciente, além de optar por alimentos produzidos sem agrotóxico, é dar preferência aos alimentos produzidos localmente, que não precisam viajar grandes distâncias para chegar até nossa mesa. Quanto mais um produto viaja, mais ele gera poluentes para a natureza, inclusive gases do efeito estufa. 58 Na Índia existem mais de três mil “Zonas de Liberdade” criadas pelo cientista e ativista Vandana Shiva. São regiões de culturas livres de agrotóxico, de insumos corporativos, de sementes híbridas, de sementes transgênicas e de patentes. Os governos podem encorajar as economias agrícolas domésticas preferindo, nas concorrências públicas, os alimentos locais e limpos para o abastecimento de hospitais, restaurantes públicos, merenda escolar etc. Os governos também podem incentivar o consumo sustentável impondo taxas crescentes aos produtos e atividades poluentes ou ao excesso de consumo de bens como energia e água. No caso da água, o desperdício com os vazamentos é motivo de críticas em todo o mundo. O movimento ambientalista internacional também recomenda a luta das comunidades contra os processos de privatização que vão transformando a água em mercadoria para poucos. Cabe ainda aos governos abrir mão de alguma receita para fiscalizar e punir práticas desumanas relacionadas com o comércio dos alimentos de luxo, como no caso da sopa de barbatana de tubarão – iguaria venerada na cozinha chinesa desde 960 d. C. – que pode ser vendida até a US$ 400 o quilo, representando o extermínio de 100 58 O item alimentar comum, nos Estados Unidos, viaja 2.500 a 4.00 quilômetros, cerca de 25% mais longe do que em 1980. No Reino Unido os alimentos viajam 50% mais que há duas décadas. A Grã-Bretanha come morangos da Califórnia, brócolis da Guatemala, carne bovina da Austrália, batatas da Itália, vagens da Tailândia, cenouras da África do Sul, mirtilo da Nova Zelândia etc. Uma refeição “tradicional” domingueira na Grã-Bretanha, feita com ingredientes importados, gera quase 650 vezes mais emissões de carbono relacionadas aos transportes que a mesma refeição produzida localmente. Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 100. 89 milhões de tubarões a cada ano: os caçadores capturam e cortam as barbatanas com os tubarões ainda vivos, lançando-os de volta ao mar onde morrem afogados ou de hemorragia. Nos EUA, na Grã-Bretanha e na Holanda defensores do bem-estar dos animais fazem campanhas para que chefs, nos restaurantes, retirem o foie gras de seus cardápios. A Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Silvestre Ameaçadas de Extinção solicitou um sistema universal de rotulagem de caviar que os americanos ricos importam à base de 40.000kg por ano apesar do preço de até US$2.000 o quilo. 59 Em 2002, cedendo à pressão de grupos de direitos animais e saúde pública, a rede McDonald`s anunciou que não mais compraria ovos de galinhas confinadas e forçadas à postura adicional por inanição e que, a partir de 2004, não compraria frangos de criadores que utilizam antibióticos para promover o crescimento artificial. Na Lituânia o governo estimula os agricultores a abrirem mão de produtos químicos porque os fertilizantes e pesticidas contaminaram os lençóis freáticos na região norte de Karst, epicentro da produção agrícola do país. Em 2001 o Banco Mundial mudou os critérios de financiamento de projetos pecuários de porte nos países em desenvolvimento, adotando uma “abordagem focada nas pessoas” que assegure a sustentabilidade ambiental, a segurança alimentar e o bem-estar animal. A empresa de consultoria Organic Monitor constatou que as vendas globais de alimentos orgânicos cresceram 10% de 2001 para 2002, ano em que atingiram a cifra de US$ 23 bilhões nos negócios internacionais. Hoje os agricultores perdem uma parcela muito maior de suas safras – em relação a 50 anos atrás – porque as pragas têm demonstrado uma impressionante capacidade de se desviar, resistir e evoluir frente aos pesticidas. Pesquisadores da Universidade Estadual de Iwoa descobriram pelo menos quatro espécies de ervas daninhas comuns que desenvolveram resistência ao herbicida Roundup, produto usado em lavouras transgênicas há menos de uma década. Quem se expõe a pesticidas corre risco de contrair certos tipos de cânceres, distúrbios do sistema imunológico, doença mental etc. No entanto, o pesticida mais vendido na Índia é o monocrotofós, altamente nocivo ao sistema neurológico, cujo registro foi cancelado nos Estados Unidos em 1988 (Cf. “Estado do Mundo”, p. 98). 59 Caviar é a ova não-fertilizada da fêmea do esturjão e, mais recentemente, do salmão, da espátula e outras espécies que se popularizaram quando as populações do esturjão encolheram. Técnicos pesqueiros estimam que todas as espécies de esturjão estão sob algum tipo de ameaça de extinção e que o esturjão beluga, a fonte mais famosa de caviar, talvez não mais se reproduza na natureza. Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 86. 90 Em todo o mundo os consumidores conscientes examinam a procedência dos produtos à base de cacau 60 porque se no Brasil ele é cultivado sob floresta nativa rala, como na Bahia, por exemplo, em muitos outros lugares o plantio de cacau faz o mesmo estrago que a soja faz na região amazônica, provocando o desmatamento de vastas áreas, conforme se dá na Indonésia, na Costa do Marfim, na África Ocidental etc. Na Costa do Marfim há denúncias de trabalho escravo que envolve mulheres, crianças e migrantes. Outro alimento fino que vem atraindo a atenção dos Ministérios do Meio Ambiente e as denúncias dos ambientalistas, em todo o mundo, é a pesca e a criação de camarão 61 , o que também exige um programa adequado de rotulagem para orientar o consumir consciente, pois trata-se de uma indústria altamente destrutiva. As traineiras varrem o leito do mar, destruindo o habitat e escavando o que esteja no caminho das redes. Tartarugas, peixes e outras espécies marinhas são jogados mortos de volta ao mar como “pesca indesejada”. Nas regiões temperadas a pesca indesejada guarda uma relação de 5:1 com o camarão, mas nas regiões tropicais a relação chega a 10:1. Em 1989, com o crescimento da demanda, criatórios de camarões floresceram ao longo do litoral em todo o mundo, produzindo um quarto da safra mundial. Instaladas em manguezais nativos, as fazendas de camarão jogam grande quantidade de lixo altamente tóxico diretamente no oceano, além de extirparem os mangues. As fazendas envolvem confisco de terras, intimidação violenta de pescadores locais e até assassinatos. Os investidores mantém pouco ou nenhum laço com as comunidades locais. Segundo o advogado ambiental indiano Vandana Shiva, uma fazenda de camarão cria talvez 15 empregos na própria fazenda e 50 empregos em segurança ao redor do empreendimento, enquanto desloca 50 mil pessoas pela perda da terra e abandono da agricultura e da pesca tradicionais. 62 Um consórcio envolvendo o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para Alimentos e Agricultura-FAO e o Fundo Mundial para a Natureza está explorando normas de certificação ambiental para a aqüicultura. No mundo todo grupos ambientais comunitários estão se unindo para promover uma cultura mais ecologicamente segura do camarão, como o Sea Turtle Restoration Project, nos EUA e o Projeto de Ação nos Manguezais, no Sri Lanka. 60 No varejo, o negócio do chocolate vale de 42 a 60 bilhões de dólares, anualmente, dependendo de como o “produto chocolate” é definido. Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 112. 61 A China é o maior produtor mundial de camarão, com 1,2 milhão de toneladas em 2000, mais que o dobro de uma década atrás. Mas o país que mais exporta camarão é a Tailândia. Os Estados Unidos são o principal cliente, seguido do Japão, desde que, em 2001, o camarão substituiu o atum enlatado como a primeira escolha em frutos do mar nos pratos americanos. Mas o maior consumo per capita é do Japão: 3 kg por pessoa. Em 2000, só o Japão e os Estados Unidos importaram US$ 7 bilhões em camarão. 62 Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 115. 91 Na Alemanha, o primeiro e mais abrangente programa de rotulagem – o Anjo Azul – já completou 25 anos de atividades e o número de produtos cobertos cresceu de 100 em 1981 para 3.800 hoje, como informam Brian Halweil e Danielle Nierenberg no artigo “Rumos para uma Economia Menos Consumista (Estado do Mundo – 2004, p.120). Também na Alemanha, segundo eles, um “ecoimposto” sobre formas diferenciadas de consumo de energia foi introduzido em 1999, com quatro aumentos anuais subsequentes, o que ajudou a evitar emissões de mais de 7 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2). Em todo o mundo a intenção é que a receita “ecofiscal” seja aplicada no alívio do ônus fiscal que hoje onera as folhas de pagamento e prejudica a geração de novos empregos. Ao mesmo tempo, projetos de reengenharia empresarial contemplam a parceria sistêmica entre empresas cujos produtos geram resíduos que podem ser reaproveitados entre elas, de tal modo que o lixo de uma torna-se insumo de outra, num sistema de laço fechado em que a modalidade “berço-a-túmulo” da ortodoxia industrial, cede lugar ao modelo alternativo “berço-a-berço”. 63 Esse sistema, aplicado ao nível do consumidor, pode mudar o estilo do consumo, pois o produto seria visto como “produto de serviço”, isto é, ao final de sua vida útil, o produto retornaria para o “berço” da fábrica (para ser reprocessado, como se faz com os cartuchos de tonner) ao invés de ir para o “túmulo” do lixo. Assim haveria mais pessoas – além dos governos – tentando resolver os graves problemas ligados à gestão do lixo. Esse sistema é comum na União Européia e já existe na Alemanha, desde 1991, onde é conhecido como Princípio de Responsabilidade do Produtor –PRP, na forma de regulamentações governamentais que obrigam o produtor a receber o produto de volta. Outro resultado positivo é a redução do índice de obsolescência dos produtos, porque neste caso o produtor estará interessado no contrário, isto é, na longevidade do produto, portanto no seu bom funcionamento e na durabilidade. Também seria uma forma de combater a concorrência desleal de produtos chineses 64 que utilizam mão de obra 63 Por exemplo, o gás natural que queimava nas torres da maior refinaria da Dinamarca está sendo usado como insumo numa fábrica de papelão; cinza em suspensão, dessulfurizada, de uma termelétrica a carvão (também a maior do país), é destinada a uma fábrica de cimento; e lodo de uma indústria farmacêutica, contendo nitrogênio e fósforo, é utilizado como fertilizante por agricultores vizinhos. Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 129. 64 A China surgiu como um grande produtor de bens de consumo baratos. Seu superavit comercial com os Estados Unidos disparou de pouco mais de US$ 10 bilhões em 1990 para US$ 103 bilhões em 2002. Até o México, há muito um polo de fábricas de baixo custo, vê-se cada vez mais incapaz de competir, uma vez que os salários na China são, em média, apenas um quarto do que se paga nesse país. De 2001 para cá, um sétimo das indústrias de exportação mexicana, as maquiladoras, fecharam. Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 122. 92 barata para inundar o mercado mundial com produtos reconhecidamente de baixa qualidade. Entretanto, a indústria exerce forte influência nos governos para derrubar as leis de devolução. Na Alemanha o setor de varejo está minando uma tentativa ambiciosa de exigir a devolução de todas as garrafas e latas de bebida e desencorajar o uso de descartáveis. 65 No que se refere ao consumo de energia, governos de todo o mundo estão incentivando a instalação de tetos solares nas residências e de restritores de consumo nos chuveiros, ou financiando programas de substituição de vasos sanitários antigos por outros mais modernos, com descarga rápida, além da instalação de controladores de tempo nas torneiras dos locais públicos (como aeroportos, rodoviárias, shoppings etc) ou mesmo de aeradores (“peneirinha”) nas torneiras das cozinhas domésticas. Até a “parede verde” (com plantas trepadeiras) é estimulada em edifícios da Alemanha como forma de reduzir o calor e, assim, o consumo de energia com refrigeração. São milhares de iniciativas, em todo o mundo, a favor do meio ambiente, sem contar fóruns, palestras, cursos, publicações editoriais, manifestações, debates etc que se estabelece de forma crescente na sociedade e na mídia diante da enormidade da crise ambiental. Até este ponto, dedicamo-nos a construir, inicialmente, uma base filosófica para tentar compreender as relações do homem com a natureza, conforme o Capítulo I. No Capítulo II detivemo-nos no fulcro central desta tese que é a delimitação do campo de estudo sobre o consumo sustentável – o que acabou exigindo, inclusive, um espaço maior, diante do porte do problema. Com isto acreditamos ter deixado claro que, enquanto jornalista, percebemos o meio ambiente como uma pauta inesgotável e muito rica. Mas não é nossa intenção assumir a arrogante pretensão de ensinar os colegas do jornalismo a fazerem jornal. Queremos apenas – em nossa vinculação com a docência – levar os alunos a refletirem sobre a hipótese de um outro tipo de abordagem capaz de educar, mudar, transformar, através das ferramentas estudadas no curso de graduação em jornalismo. Por isto julgamos necessário discutir, no próximo capítulo, juntamente com algumas questões prévias ligadas ao ensino de jornalismo, o conceito de sustentabilidade, através da proposta do "ecodesenvolvimento", como forma de clarear o debate sobre nosso objeto de estudo: a educação para o consumo [através do jornalismo]. 65 id. ibid. p. 134. 93 SUSTENTABILIDADE 1. Conhecimento e Ecotecnologia 2. Crescer sem destruir: Ecodesenvolvimento 3. A via política do Eco-socialismo 4. Posicionamento crítico: A Responsabilidade de Educar 94 Capítulo 3 SUSTENTABILIDADE O princípio ético subjacente é o da solidariedade com as gerações futuras I. SACHS 1. Conhecimento e Ecotecnologia A percepção de que alguma coisa não ia bem na vida do planeta, desde o aparecimento do smog londrino em 1952 como uma das primeiras manifestações da poluição industrial urbana, levou Lester Brown, presidente do Worldwatch Institute, a criar a expressão "desenvolvimento sustentável" no início da década de 1980. 1 O documento "Nosso Futuro Comum", baseado no relatório da Comissão 2 Brundtland, consagrou a expressão em 1983. Entretanto, embora de modo ainda difuso, a idéia da sustentação relacionada com o ecossistema mundial é imanente às primeiras reuniões promovidas pela ONU para discutir o meio ambiente, como a Conferência da Biosfera, coordenada pela Unesco, em 1968, em Paris. Sob a forma de direitos individuais sobre o meio ambiente sadio e o equilíbrio do sistema, a noção de sustentabilidade também era clara no encontro de 113 países, em 1972, durante a Conferência de Estocolmo, na Suécia, cujo maior destaque foi despertar os governos mundiais para o problema da gestão ambiental a partir de um programa que a conferência sugeriu à ONU, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). 3 Foi com base na Declaração de 1 Cf. CAPRA:2003, p. 19. A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável foi criada pela ONU em 1983, sob a presidência da 1ª Ministra da Noruega, Grã Harlem Brundtland, daí a origem da expressão "Relatório Brundtland". 3 A partir da Conferência de Estocolmo foram criados mais de 70 ministérios do meio ambiente em todo o mundo, que passaram a coordenar e integrar a normatização da política ambiental junto aos governos, o que encaminharia a adoção de acordos internacionais, no futuro, dentro de uma abordagem sistêmica do ecossistema mundial. 2 95 Estocolmo e a partir de seus próprios estudos, que a Comissão Brundtland oficializou o termo "Desenvolvimento Sustentável", definitivamente popularizado pela ampla cobertura da mídia à Rio-Eco 92 que, em junho daquele ano, reuniu, no Rio de Janeiro, nada menos que 185 países, incluindo 172 chefes de estado, com a presença de 35 mil pessoas, 11 mil membros de entidades internacionais, 3 mil ONGs (que fizeram um encontro paralelo) e 7 mil jornalistas, entre outros macro-números, sendo caracterizada como a conferência ambiental que mais envolveu a sociedade civil, através das ONGs, do mesmo modo que a conferência seguinte, a de Johannesburgo (Rio + 10), na África do Sul, em 2002, teria a característica de atrair, decididamente, os empresários para a causa ambiental. A Declaração de Johannesburgo 4 não envolveu novos acordos, compromissos ou convenções internacionais, nem foi tão monumental como a Cúpula do Rio. Pelo contrário, teve o sentido de implementar os acordos já firmados no Rio, destacando-se o Acordo do Clima e os programas de erradicação da pobreza através da alteração dos padrões insustentáveis de produção e consumo, conclamando a humanidade à proteção e gestão da base de recursos naturais como ação indispensável para o desenvolvimento econômico e social sustentável. Nota-se, então, que a noção de sustentabilidade é recorrente e fundante no movimento ambientalista mundial, em todos os níveis de ação: governamental (Estocolmo), social (Rio), empresarial (Johannesburgo) etc. É inerente às políticas nacionais de todos os governos e conduz os acordos internacionais através da ONU. "Sustentar o sistema", enquanto construção de uma consciência ecológica advinda da dicotomia homem x natureza, é a preocupação de todos, pois sua falência seria o fim da própria espécie humana. Todavia, embora o debate sobre sustentabilidade ajude a democratizar e popularizar a troca de informações a respeito da crise ambiental, é certo que não há um acordo muito claro sobre o que se pretende com o significado do termo. A julgar pelo Relatório do Clube de Roma ao final de um encontro de grandes empresários em 1971, 4 A Delegação brasileira defendeu que todos os países usem pelo menos 10% de energia renovável até 2010, enquanto o governo Bush boicotou o encontro recusando-se a assinar a Convenção do Clima, embora tenha sido a Delegação Americana que, em 1996, apresentou, pela primeira vez no mundo, a idéia de cotas de emissão de gases estufa durante a Conferência sobre a Mudança Climática, em Genebra-Suiça, o que leva a crer que, sob Bush, os EUA recuaram na colaboração com a solução dos problemas ambientais. Por outro lado, não se pode cometer a injustiça de afirmar que a política externa de Bush é apoiada por todos os cidadãos dos Estados Unidos. Vários exemplos mostram que nem todos estão satisfeitos com o encaminhamento da guerra contra o terrorismo ou com a presença de forças americanas em território muçulmano. Preocupados com a possível ligação do efeito estufa com os tufões e fenômenos climáticos, dez estados norte-americanos invocaram o Pacto Federativo, em 2005, para se opor ao governo central, assinando o Protocolo de Kyoto que prevê esforços de todos na redução da emissão de CO2 e outros gases que alimentam o efeito estufa na atmosfera. 96 a sustentabilidade, isto é, o crescimento econômico, só seria possível com a redução das taxas de natalidade nos países em desenvolvimento. Culpava-se a explosão demográfica pelos males do mundo. Sob esta ótica, tratava-se de "sustentar os negócios" e não o ecossistema. Com efeito, já ficou comprovado que não é a imposição de restrições ao crescimento dos países pobres que levará o mundo ao equilíbrio econômico e social, como advertem estudiosos de grande prestígio como SACHS (1986, p. 15). 5 Pelo contrário, é distribuindo melhor a riqueza mundial que se combaterá as injustiças e os desequilíbrios que geram fome, miséria, violência, tráfico de drogas, terrorismo e todos os males. A miopia política e o cinismo do Clube de Roma (MENDOZA, 1992, p. 28) 6 cedem lugar a um debate mais maduro nos anos 90 quando os economistas e os cientistas ambientais buscam, a partir de uma visão humanista e equilibrada, dar respostas concretas à pergunta que aflige a todos: "Como atingir a sustentabilidade?". Isto é, como garantir o crescimento que gera empregos sem destruir a natureza? Como consumir sem consumir o mundo? Como assegurar que o acesso a bens naturais como a água seja garantido a todos, impedindo que se transforme em mercadoria acessível só a quem pode pagar? Como encaminhar a discussão sobre o conceito de propriedade dos meios naturais? O que pode ser de alguns e o que deve ser de todos? Um mangue pode ser comprado por uma empresa para instalar uma fazenda de camarões? 7 Ou ele pertence à comunidade de seres humanos e marinhos que ali vivem e dele dependem? Uma praia pode ser cercada com arame farpado ou com muros? Um animal ou uma floresta podem ser abatidos porque estão em uma propriedade particular? Até onde vão os direitos privados sobre os bens públicos? Como regular o acesso aos lençóis freáticos para a extração de água mineral com fins comerciais? São inúmeras questões, todas elas apontando para um 5 "Por si só, o tamanho da população não poderá ser um indicador da pressão desta sobre os recursos naturais, dado que, devido a seu elevado consumo per capita, algumas centenas de habitantes de países ricos pesam muito mais que alguns bilhões de habitantes do terceiro mundo". (Cf. SACHS, 1986, p. 15). 6 Denis Meadows, representante do Clube de Roma, vislumbrou, em seu Modelo de Sistema Mundial (1972), denominado "World - 3" , um freio no crescimento econômico - e demográfico - resultante de uma espécie de ajuste da natureza diante dos desequilíbrios que são conseqüência do esgotamento dos recursos renováveis e que poderão levar a indústria ao colapso. Esse freio atingiria igualmente os serviços e a agricultura - muito dependente dos insumos industriais - o que conduziria, por sua vez, a uma redução da população pela elevação das taxas de mortalidade, devido à falta de alimentos e serviços sanitários. Tal modelo seria implantado no séc. XXI. (Cf. MENDOZA: 1992, p. 28). 7 "O camarão vive melhor que nós. Eles têm eletricidade, nós não. O camarão tem água limpa, nós não. O camarão tem muita comida, nós passamos fome" (Lamento de um pescador filipino contra as fazendas de camarão que ocupam os manguezais, poluem os mares e desalojam as famílias. (Cf. "Estado do Mundo 2004", p. 115). 97 conceito de sustentabilidade que visa "sustentar a vida" e não apenas "sustentar o lucro", pois neste último caso teríamos exatamente o efeito oposto caracterizado pela perversidade da "dominação literal da natureza". Classicamente, o conceito de Desenvolvimento Sustentável envolve seis metas principais: 1. Satisfação das necessidades básicas da população, como alimentação, educação, saúde, lazer etc; 2. Solidariedade com as gerações futuras; 3. Participação da população, na linha da Agenda 21 exarada na Rio-Eco 92; 4. Preservação dos recursos vitais, como oxigênio e água; 5. Sistema social justo, que assegure emprego, seguridade e respeito às outras culturas, erradicando a miséria, o preconceito e o massacre das populações oprimidas, como os índios etc; 6. Efetivação de programas educativos. Infelizmente este é um ideário que entra em conflito direto com as políticas desenvolvimentistas em vigor. Com efeito, os países pobres querem exportar produtos a qualquer custo porque precisam pagar a pesada dívida externa que os torna reféns das metrópoles mundiais, enquanto os países ricos querem estimular o consumo mundial de seus produtos para continuarem cada vez mais ricos. Então, que tipo de desenvolvimento interessa à humanidade? A este respeito, afirma o professor do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), Lester C. Thurow (1997, p. 391): 8 Para que o capitalismo funcione a longo prazo, ele precisa fazer investimentos que são do interesse da comunidade humana a longo prazo. Mas, como faz uma doutrina de individualismo radical a curto prazo para enfatizar interesses comunais a longo prazo? [...] A resposta certa é forçar um alto nível de investimento público e privado. A história nos mostra que são possíveis equilíbrios muito diferentes entre o público e o privado e entre consumo e investimento, mas também nos mostra que não é possível operar uma boa sociedade sem um equilíbrio em ambas as áreas. Tudo público (grifo nosso), o modelo comunista, não funciona. Tudo privado, o modelo feudalista, e também o modelo implícito do capitalismo, também não funciona. Nem tudo consumo, nem tudo investimento pode funcionar. Na era que está à nossa frente, o capitalismo terá que criar novos valores e novas instituições que permitam um novo equilíbrio estratégico em cada uma dessas áreas. 9 As novas instituições de que fala o autor seriam aquelas que 8 Cf. THUROW, 1997, p. 391. A julgar pela análise de Thurow, é possível dizer que o sistema de produção e o sistema de consumo estão interrelacionados. Também aí há a intermediação dos Meios de Comunicação. 9 98 explorassem as habilidades humanas, onde quer que esteja o ser humano, considerando essas habilidades como "ativo estratégico", ao invés de contemplar apenas, como atualmente, as instituições financeiras. Apostar no homem significa investir em infra-estrutura, ensino e conhecimento. O conhecimento poderá, por exemplo, levar uma nação a instituir orientações de planejamento familiar - seja para reduzir a expansão demográfica, seja para ampliá-la para superar as taxas negativas de crescimento - de modo que as famílias possam tomar a decisão consciente e soberana de adequarem seu número de filhos às suas condições materiais para lhes dar uma vida digna. Mas o próprio conhecimento impedirá, por outro lado, que governos autoritários imponham restrições à natalidade baseadas na força, na coerção, na intimidação e até no assassinato puro e simples de bebês não desejados pelas políticas oficiais. Também o conhecimento - resultante dos programas educativos como base do desenvolvimento sustentável - leva outro estudioso da questão ambiental, Henrique Leff, a considerar a necessária integração da racionalidade tecnológica com os saberes humanos, ao afirmar: Uma racionalidade ambiental, fundada nas condições ecológicas para aproveitar a produtividade primária dos ecossistemas e dar bases de sustentabilidade aos processos de industrialização, deve integrar os processos ecológicos, que geram os valores de uso natural, com os processos tecnológicos que os transformam em valores de uso socialmente necessários por meio da produção e apropriação dos conhecimentos, saberes e valores culturais das comunidades para a auto-gestão de seus recursos produtivos. (Cf. LEFF, 2002, p. 87). 10 Assim o autor lança a idéia de um paradigma produtivo alternativo, fundado na produtividade ecotecnológica que emerge da articulação dos níveis de produtividade ecológica, tecnológica e cultural na manipulação integrada dos recursos produtivos, o que difere necessariamente da produtividade econômica tradicional e de sua avaliação em termos de preços do mercado. Com efeito, a racionalidade econômica delimita o reconhecimento e a valorização de certos recursos, enquanto outros são superexplorados, transformados ou destruídos como resultado das demandas do mercado. 11 A racionalidade econômica determina a produtividade dos meios de produção e da força de trabalho excluindo deste processo o homem e a natureza. 10 11 Cf. LEFF, 2002, p. 87. id., ibid. 99 No entanto, ...o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico gerou um potencial inovador, fundado no conhecimento da natureza, que pôde orientar-se para o desenvolvimento de novos recursos naturais e tecnológicos para o aproveitamento de fontes alternativas de energia e para o desenho de novos produtos, dando suporte a um projeto de civilização e a uma estratégia de desenvolvimento que incorporam as condições de conservação e o potencial ecológico e cultural de diferentes formações sociais. Abre-se, assim, a possibilidade de organizar um processo econômico a partir do desenvolvimento das forças ecológicas, tecnológicas e sociais de produção, que não está sujeito à lógica de economias concentradoras, de poderes centralizados e da maximização de lucros de curto prazo, abrindo a via para um desenvolvimento igualitário, sustentável e sustentado. 12 O conceito de produtividade ecotecnológica, em Leff, persegue o que ele chama de efeito sistêmico de geração de novos potenciais produtivos, ao congregar ordenamento ecológico, distribuição territorial e reorganização das atividades produtivas. Trata-se de um processo que, segundo ele, "afeta, necessariamente, a quantidade, a qualidade e a distribuição da riqueza por meio da socialização da natureza, da descentralização das atividades econômicas, da gestão social da produtividade ecológica e dos meios tecnológicos, do respeito pela diversidade cultural dos povos e do estímulo a projetos alternativos de desenvolvimento sustentável". 13 Na verdade, a proposta de Leff (2002) complementa a de Thurow (1997) ao defender uma integração de saberes que "coloca em produção" recursos sociais potenciais, considerados um patrimônio cultural do homem. Por isto, ao tratarmos da questão ambiental - profundamente sistêmica - não podemos adotar abordagens isoladas ou unívocas, como diz Leff, nem adotar posições maniqueístas a favor deste ou daquele modelo produtivo, seja socialista, capitalista ou qualquer outro, como ensina Thurow, pois só de uma visão integrada, holística, capaz de abarcar o todo, poderá emergir o bom senso econômico e social. Este modo de ver também implica um processo interdisciplinar que leva a uma ressignificação do processo de civilização para gerar uma estratégia discursiva que produza novas formas de identificação, novas possibilidades de ser, novos estilos de vida, novos projetos de desenvolvimento, pois "todo conhecimento que não seja palavra morta e documento sepultado requer um processo de assimilação subjetiva que, mais do que a leitura repetitiva e o discurso dogmático que levam a uma aprendizagem 12 13 Cf. LEFF, 2002, p. 88. id., ibid. 100 mimética, implica a necessidade de uma interpretação," 14 como afirma Leff, ao relacionar o "processo sem sujeito", de Althusser - no qual o sujeito psicológico está ausente como princípio produtor do conhecimento - à proposição lacaniana que questiona a ciência como a "ideologia da supressão do sujeito", e que introduz no processo do conhecimento não o sujeito autoconsciente, mas o sujeito do inconsciente, aquele movido pelo desejo de saber. É esta função do sujeito, sua pulsão apistemofílica, a que interessa destacar em seus efeitos sobre a integração dos conhecimentos produzidos sobre a articulação possível das ciências, sobre os processos transdisciplinares e interdisciplinares. Na sua epistemologia ambiental, Henrique Leff contempla o sujeito ideológico que, condicionado pela potencialidade do que é possível pensar e dizer no terreno de uma teoria e no campo da luta de classes pelo conhecimento, entrelaça saberes, transplanta conceitos, combate doutrinas. Isto evita que as ciências estejam constituídas como monumentos para a contemplação mítica ou religiosa, para o ritual dogmático das teorias elaboradas O sujeito pode assim profanar o templo do saber, ressuscitar, mediante a exegese, o documento arquivado, para torná-lo ciência viva, ciência política inscrita nas estratégias conceituais e discursivas que surgem das interpretações possíveis do conhecimento a partir da oposição de interesses, de visões do mundo, de hierarquias e funções sociais. Assim se produz uma contra-identificação com os saberes legitimados e se geram as condições de "des15 sujeição" ideológica dos homens para um novo projeto de civilização.(Cf. LEFF, 2002, p. 101). Em que pese o olhar esperançoso de Leff sobre o "novo homem" que há de nascer para habitar um outro mundo possível, um novo mundo voltado para a justiça social e a solidariedade, o fato é que o mundo continua pondo em dúvida a justificação do crescimento tal como ele se verifica presentemente. A necessidade de crescer sem destruir continua desafiando o imaginário de todos os estudiosos que alimentam a utopia do mundo novo. Outro grande nome, nesses estudos, é Ignacy Sachs, já citado no primeiro capítulo, na verdade mentor do grupo de estudos ao qual Leff pertencia na Escola de Altos Estudos Sociais, de Paris, na década de 1970. Ele desenvolveu o conceito de "ecodesenvolvimento". 14 15 id., p. 100. LEFF, 2002, p. 101. 101 2. Crescer sem destruir: Ecodesenvolvimento A idéia de "ecodesenvolvimento" surgiu no decorrer da primeira reunião do Conselho Administrativo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), realizada em Genebra, em junho de 1973, sugerida pelo seu diretor Maurice F. Strong . Na abordagem de Sachs, trata-se de um programa pensado para os países do Terceiro Mundo. 16 É um projeto que se opõe, frontalmente, à arrogante proposta de "crescimento zero" que os empresários dos países ricos propuseram para os países do Terceiro Mundo no Clube de Roma. "Somente uma profunda desorientação poderia explicar como este tema do não-crescimento tenha sido manifestado e se tenha imposto à opinião pública em tão pouco tempo, já que ele constitui uma completa inversão da perspectiva ideológica dos últimos dois séculos e, mais vincadamente, dos últimos cinqüenta anos", revolta-se o autor ao contemplar "a inquietação generalizada da juventude, a persistência da miséria, a agressão contra o ambiente, a frustração do Terceiro Mundo que começa a se perguntar se o próprio conceito de desenvolvimento (grifo nosso), fundado na eficácia, não deveria ser substituído pelo de libertação (grifo nosso), voltado para a justiça social e criação de um homem novo" (Cf. SACHS, 1986, p. 9).17 O ecodesenvolvimento quer ser uma alternativa para o modo clássico de produção/consumo que perpetua o esgotamento dos recursos e as desigualdade sociais, acentuando o desequilíbrio entre as regiões do mundo e no interior das sociedades nacionais. É um estilo de desenvolvimento que, em cada ecorregião, insiste nas soluções específicas de seus problemas particulares, levando em conta os dados ecológicos e culturais, as necessidades imediatas, como também as de longo prazo. Ou seja, trata-se de encaminhar a solução dos problemas locais ou regionais a partir das condições dadas na própria realidade onde eles se manifestam. É o que caracteriza, por exemplo, o programa da Agenda-21 resultante da Rio-Eco-92, conclamando intensa participação comunitária para o encaminhamento mais adequado aos interesses da sociedade. 16 Ignacy Sachs é um economista muito interessado no Brasil e na América Latina. Polonês naturalizado francês, morou 14 anos no Brasil e estudou economia na Faculdade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro; na Universidade de Nova Delhi e na Escola de Planejamento e Estatística de Varsóvia, onde foi colaborador de Kalecki. Desde 1968 ensina na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais, em Paris, onde fundou, em 1973, o Centro Internacional de Pesquisas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CIRED), do qual participaram grandes nomes como o mexicano Enrique Leff. 17 SACHS, 1986, p. 9. 102 As características mais marcantes de um programa de ecodesenvolvimento são definidas por Ignacy Sachs através de oito diretivas: 18 1. Em cada ecorregião, o esforço se concentra na valorização de seus recursos específicos, para a satisfação das necessidades fundamentais da população em matéria de alimentação, habitação, saúde e educação, sendo essas necessidades definidas de maneira realista e autônoma, com vista a evitar os nefastos efeitos de demonstração do estilo de consumo dos países ricos. 19 2. Por ser o homem o recurso mais precioso, o ecodesenvolvimento deverá, antes de tudo, contribuir para a sua realização. Emprego, segurança, qualidade das relações humanas, respeito à diversidade das culturas, ou, se se prefere, implementação de um ecossistema social considerado satisfatório são partes integrantes do conceito. Estabelece-se uma simetria entre a contribuição potencial da ecologia e a da antropologia social ao planejamento. 3. A identificação, a exploração e a gestão dos recursos naturais [aqui identificados como a estimativa cultural que cada civilização faz de seus meios] se fazem dentro de uma perspectiva de solidariedade diacrônica com as gerações futuras: a depredação fica severamente proscrita e o esgotamento, inevitável no longo prazo, de certos recursos não renováveis é mitigado por uma dupla ação que consiste em evitar o seu desperdício e em utilizar, tanto quanto possível, recursos renováveis, os quais, se adequadamente explorados, jamais deveriam exaurir-se. 4. Os impactos negativos das atividades humanas sobre o ambiente podem ser reduzidos através da organização da produção, com o aproveitamento de todas as complementariedades e a utilização das quebras 20 para fins produtivos. 5. Nas regiões tropicais e subtropicais, em particular, [...] o ecodesenvolvimento aposta na capacidade natural da região para a fotossíntese sob todas as suas formas, estimulando-se, igualmente, o uso de energia alternativa - inclusive outros meios de transporte que não o automóvel - do que deve resultar um perfil reduzido de consumo de energia proveniente de fontes comerciais e, em especial, de hidrocarbonetos. 6. O ecodesenvolvimento implica um estilo tecnológico particular [...], a ecotécnica que compatibilize adequadamente objetivos diversos - econômicos, sociais, ecológicos - com novas modalidades de organização social e um novo sistema de educação. 7. O ecodesenvolvimento exige a constituição de uma autoridade horizontal capaz de superar os particularismos setoriais, preocupada com todas as facetas do desenvolvimento e que leve constantemente em consideração a complementariedade das ações empreendidas. Essa autoridade não poderia ser eficaz sem a participação efetiva das comunidades envolvidas, inclusive para a identificação das potencialidades do ecossistema e para a organização do esforço coletivo com vistas ao aproveitamento dessas potencialidades. Também é preciso assegurar-se que os resultados do ecodesenvolvimento não sejam comprometidos pela espoliação das populações que o realizam, em proveito dos intermediários que se inserem entre as comunidades locais e o mercado nacional ou internacional. 21 8. Através da educação preparatória, o ecodesenvolvimento deve sensibilizar as pessoas quanto à dimensão do ambiente e aos aspectos ecológicos do desenvolvimento, modificando o sistema de 18 id., p. 16-17. O economista paquistanês Ul Haq escreveu: "Os países em desenvolvimento não têm outra opção senão voltar-se para eles próprios da mesma forma que fez a China comunista [...] e adotar um estilo de vida diferente, buscando um padrão de consumo mais coerente com a sua própria pobreza - potes e panelas e bicicletas e hábitos simples de consumo - sem deixar se seduzir pelo estilo de vida do rico". In "Crisis in Development Strategies", Worl Development, v. I, n. 7,1973,p. 29. Citado por SACHS, p. 16. 20 O autor refere-se às áreas rurais do Terceiro Mundo e "quebra" é um jargão agrícola para os restos da colheita. 21 O autor estabelece, aqui, a importância da reforma agrária para levar justiça ao campo e o apoio do Banco Mundial aos projetos comunitários para, finalmente, tornar eficaz a luta contra a pobreza. 19 103 valores em relação às atitudes de dominação da natureza., reforçando-se a atitude de respeito à natureza que é característica de certas culturas. 22 Este resultado poderá ser obtido tanto através da educação formal como da educação informal. A experiência chinesa é muito instrutiva a este respeito. As ecotécnicas implantadas na China não diferem sensivelmente das conhecidas e praticadas por outras sociedades camponesas. Nova, entretanto, é a tomada de consciência que precede e acompanha a aplicação dessas ecotécnicas. Não é difícil perceber que todos os teóricos - seja Thurow, Leff ou Sachs - insistem na importância do conhecimento, portanto, da educação, da conscientização, em suas abordagens sobre o desenvolvimento sustentável em busca do "homem novo". Apostar no homem é, antes de tudo, educá-lo. Educar o homem é educar, antes, a criança que ele é na escola e na família. Daí resulta que um país não sai do subdesenvolvimento quando não investe em educação. Temos o exemplo da Coréia do Sul que antes enviava emigrantes pobres para o Brasil, em busca de uma oportunidade, e, depois de investir maciçamente em educação nos anos 1980, hoje está à frente do Brasil no ranking econômico mundial, exportando largamente para o nosso país. Os estudos de Ignacy Sachs guardam certa relação com o papel da mídia (nosso objeto de estudo na seqência desta obra) como instituição capaz de educar e transformar o modo de pensar a relação homem/natureza a partir de uma base de sustentabilidade. Com efeito, suas idéias iniciais sobre o tema apareceram em julho de 1973, na forma de um trabalho solicitado pela Comissão de Estudos Para a América LatinaCEPAL, órgão da Organização dos Estados Americanos-OEA, com o título de "Ecodesarrollo: un aporte a la definición de estilos de desarrollo para America Latina", no qual já destacava "o desencadeamento dos meios de comunicação de massa e o uso intensivo do computador" como propagador de idéias. Idéias, por exemplo, a favor da chamada "vida simples", sem o consumo conspícuo, sem o desperdício, sem a imitação de países ricos, lembrando que é possível viver bem com muito menos, sem esbanjamento de recursos e de bens materiais, conforme já vimos no segundo capítulo. Entretanto, retomando a concepção de Thurow ao especular sobre o tipo de regime que se adequaria ao "homem novo", quando ele diz já estar provado que nem o comunismo, nem o capitalismo atenderam aos anseios de felicidade do homem, e tendo em vista a situação de eterno empobrecimento do Terceiro Mundo, será que não caberia indagar a respeito de um outro regime possível para chegarmos 22 O desenvolvimento tradicionalmente definido significa sempre uma prioridade incondicional dada à cultura ao invés da natureza. Por outro lado, como salienta Claude Levi-Strauss, nos primitivos a relação entre a cultura e a natureza se reveste de uma certa ambigüidade: esta última é ao mesmo tempo pré-cultura e sub-cultura, mas, sobretudo, contém um componente sobrenatural. In Anthropologie Structurale II, Paris,1973, p. 374. Cit. por SACHS, p. 18. 104 ao Novo Mundo? Afinal, deve existir uma outra via, uma terceira via que garanta o crescimento material mas não agrida o ser espiritual que há dentro de nós e na natureza. Já vimos em GOSWAMI (2000) a possibilidade do salto quântico que une ciência e espiritualidade e que nos revela o modo de vida oriental, muito menos consumista e materialista que o do Ocidente. Também vimos em FREUD (1997) como o homem tecnológico está mentalmente perturbado. Em O Medo à Liberdade 23 Erich Fromm expõe o angustioso processo de individuação do ser humano desde romper os vínculos maternos até se impor como pessoa no mundo. No segundo volume de "O Mundo Como Vontade e Representação", em 1844, Schopenhauer se lamentará dizendo: "A vida é um negócio que não cobre os custos".(Cf. TANNER, 2001, p. 24). 24 Não se poderia, então, refletir sobre uma via socialista como alternativa à tecnoburocracia comunista e ao individualismo capitalista? Teríamos espaço para a livre manifestação da espiritualidade em um regime ecologicamente socialista? Vamos refletir. 3. A Via Política do Eco-socialismo Embora desenvolvido no Ocidente, a partir da década de 1970, como vimos, o conceito de sustentabilidade ecológica, ou ecodesenvolvimento, vem sendo apregoado por alguns mentores do movimento ambientalista internacional a partir da década de 1950 (MARTINS,1971, p. 81), 25 entre eles E. F. Schumacher, que publicou na imprensa inglesa uma série de artigos 26 sob a rúbrica "Small is Beautifull" . Em um desses artigos, "Economia Budista", publicado em 1966 - portanto dois anos antes da revolta estudantil em Paris - ele utilizou uma visão oriental de mundo para criticar a formulação ocidental de trabalho e desenvolvimento. Ele inicia o artigo citando alguns trechos do plano econômico e social do governo da Birmânia para 1954: " A nova Birmânia não vê conflito 23 Zahar Editores, várias edições. Cf. TANNER, Schopenhauer, 2002, p. 24. 25 Cf. MARTINS, 1971, p. 81. 26 Cf. SCHUMACHER, O Negócio é ser Pequeno. São Paulo: Zahar Editores, 1977. Citado por MARTINS: 1997, p. 82. 24 105 entre valores religiosos e progresso econômico. Saúde espiritual e bem-estar material não são inimigos; são aliados naturais. [...] podemos combinar com sucesso os valores religiosos e espirituais de nossa herança com os benefícios da tecnologia moderna". Para Schumacher, a concepção budista de trabalho, que contrasta com a visão ocidental, é um dos elementos que apontam para um novo modelo de desenvolvimento. Ele diz que o ponto de vista budista considera a função do trabalho como sendo no mínimo tríplice: dar a um homem a oportunidade de utilizar e desenvolver suas faculdades; possibilitá-lo a superar seu egocentrismo unindo-se a outras pessoas em uma tarefa comum; e gerar os produtos e serviços necessários a uma existência digna. Certamente é o oposto do que temos no capitalismo, onde o individualismo nos leva a sacrificar os valores mais sagrados - até mesmo o estar com a família, o lazer, as relações sociais, a criatividade, o amor - para nos atirarmos desenfreadamente ao trabalho como única saída para mantermos o padrão de consumo que significa status, aceitação e respeitabilidade social, sem qualquer contemplação com o nosso "eu" interior, sem nenhum momento para a reconfortante reflexão espiritual, o olhar interior do qual emergimos mais irmanados com a Unidade que é Totalidade. Entretanto, segundo o budismo, não é a riqueza que condena o homem, mas o "apego" à riqueza, a dependência, a estetização do consumo, conforme também já vimos. É o consumo pelo consumo, sem um sentido existencial, uma reflexão, uma atitude consciente. Para o budismo - sempre nas pegadas de Schumacher - não é na fruição de coisas belas e agradáveis que está o mal, mas no "desejo exagerado" delas, pois o budismo segue o preceito latino: Virtus in medium est. (A virtude está no meio). Preceito, aliás, que está presente no Cristianismo através de uma das quatro virtudes cardeais, a Temperança, 27 como antônimo de gula, cobiça etc. O sucesso da filosofia budista parece antecipar, no plano espiritual, o bom êxito da tecnologia do séc. XXI na miniaturização dos objetos de desejo do consumismo mundial como são os equipamentos de vanguarda na comunicação eletrônica: celulares, palm-tops, micro chips, ponto eletrônico etc Schumacher lembra que "a tônica da economia budista é simplicidade e não violência (grifo nosso). A maravilha do estilo de vida 27 As Virtudes Cardeais são: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança. [...] A temperança é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade. Cf. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Vozes/Loyola, 1993. p. 486-487. 106 budista é a racionalidade absoluta de seu modelo - meios espantosamente reduzidos levando a resultados extraordinariamente satisfatórios". 28 O artigo de Schumacher questiona, em suma, já em 1966, o modelo de desenvolvimento ocidental que privilegia o superconsumo, levando à dilapidação dos recursos naturais para a superprodução de objetos a serem consumidos e à utilização prioritária das potencialidades humanas no trabalho destinado à alimentação do processo produtivo-consumista, num círculo vicioso que só resulta em angústia e infelicidade. Como seria, então, no eco-socialismo? Inicialmente é bom lembrar, com MARTINS (1971), que o que morreu e foi sepultado na União Soviética, a partir da unificação alemã de 3 de outubro de 1990, após a queda do Muro de Berlim em 1989, foi o próprio comunismo soviético, embora restando versões chinesas e cubanas em outros contextos de mundo, com outras conformações capazes de incorporar ícones do capitalismo ocidental como coca-cola ou hotéis cinco estrelas. Mas o socialismo não morreu. O ideal socialista é o único a se opor ao american way of life que sacraliza o mito da eterna juventude, o modismo, o consumismo, a vida vazia e sem sentido, onde muitos tentam curar a ansiedade indo às compras no shopping, no supermercado, na Daslu, em Miami... O escritor e jornalista especializado em meio ambiente, José Pedro Soares Martins, 29 de São Paulo, considera-se um otimista incurável ao vislumbrar um mundo eco-socialista em que haverá desconcentração urbana, as pessoas poderão morar perto do local de trabalho, viverão em pequenas comunidades (com menor necessidade de energia e outros recursos naturais), bens comuns como terra-água-ar não serão mais objetos comercializáveis e pertencerão a todos os viventes - homens, animais, vegetais etc - a adubação química e os pesticidas serão proibidos. Mas ele acredita que só é possível chegar à sustentabilidade do eco-socialismo se o mundo moderno passar por uma valorização cultural e espiritual [ressignificação] que leve ao verdadeiro ecumenismo e à tolerância com as diversas manifestações culturais e religiosas. Não haverá mais lugar para a padronização cultural que inferioriza as manifestações da cultura e da religião africana e asiática, por exemplo, frente à cultura branca euro-americana. Não haverá mais preconceito de raça, religião, posição 28 29 id., ibid. Cf. Terra, Nave Mãe. Por um socialismo ecológico. São Paulo: Traço Editorial, 1991. 107 política ou de qualquer espécie. A religião será usada para libertar e não para dominar o ser humano, respeitando as convicções culturais e espirituais mais íntimas de homens e mulheres que serão donos de seu destino. Outro conceito que se destaca no mundo eco-socialista imaginado por Martins é o de ecofeminismo, que será um dos pilares desse novo mundo fundado na igualdade entre homens e mulheres, tendo como base a visão feminina de mundo, que é intuitiva, global e de maior identificação com a natureza, geradora de vida. Para o ecofeminismo, a vida é um processo, um fluir constante. O hoje é tão importante quanto o amanhã, portanto a vida deve ser vivida em plenitude hoje, ao invés do que prega a sociedade técnico-industrial na qual as pessoas vivem de promessas futuras e da visão de que é preciso acumular e acumular para ter "um futuro melhor". O ecofeminismo assume uma visão de mundo baseada na interação entre os diversos ciclos vitais e ecossistemas. Assim como o homem não é superior à mulher, todos os seres vivos, homens, mulheres, plantas, animais, água, terra etc são interdependentes e nenhum é superior ao outro. Lugar de destaque terá, também, a ecopolítica, na qual não será eleito aquele que conseguir elaborar o melhor produto de marketing, mas aqueles que tiveram participação direta nas decisões de interesse público revelando efetivo compromisso político, ético e social. Toda a administração será descentralizada, com os direitos individuais sendo respeitados por inteiro, cada um sentindo-se responsável pelo todo e por todos. A consulta popular será constante e os governantes corruptos serão substituídos imediatamente. A energia será eólica, solar ou de fontes alternativas. Nada de hidrelétricas e usinas nucleares. Não haverá grandes obras nem grandes cidades 30 que levam alegria aos construtores e stress à população. Por fim, porém não menos importante, há o conceito do ecopacifismo que eliminará, de pronto, a necessidade de guerras, pois não haverá o que disputar em um mundo construído na solidariedade e na paz, onde todas as etnias, povos e religiões se respeitarão mutuamente. A indústria bélica que gera lucros para poucos e morte para milhões - como ocorre com o próprio modelo de acumulação capitalista - ficará sem sentido em um mundo onde não se gastará mais cerca de US$ 1,8 milhão a cada minuto em 30 A concentração urbana também produz mais consumo e gera mais lixo. Cada habitante urbano consome, em média, diariamente, 560 litros de água, 1,8 kg de alimentos e 8,6 kg de combustíveis fósseis, gerando 450 litros de água suja, 1,8 kg de lixo e 0,9 kg de poluentes do ar. Cf. DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental - Princípios e Práticas. São Paulo: Gaia, 2004, p. 28. 108 armas, conforme estimativa do Conselho Mundial de Igrejas, enquanto 40 mil crianças morrem por dia, de fome.. 31 Afinal, o mundo de Martins parece um mundo distante e utópico, mas talvez a própria natureza venha a ser a única potência capaz de forçar o homem - à custa de muita dor e sofrimento - a achar o caminho desse mundo de paz entrevisto por tantos filósofos do bem, per secula seculorum. De qualquer forma, propostas assim ajudamnos a pensar o desenvolvimento sustentável de forma sistêmica, ao observarmos a complexidade de relações entre o homem, a natureza e a sociedade. Quando se projetam utopias, entretanto, será que devemos acreditar piamente em tudo o que nos dizem? O próprio movimento ambientalista nos ensina a assumir um posicionamento crítico diante do mundo técno-industrial para fugir da alienação. Fica implícito, então, que o movimento, em si, deve acatar a necessária revisão crítica, do contrário não poderia pregar, por exemplo, a democratização das notícias ambientais como exige da mídia convencional. O próprio jornalismo nos ensina a ser céticos diante do que vemos ou ouvimos, porque muitas vezes a primeira informação é apenas uma versão e a notícia está escondida atrás da segunda, terceira ou quarta camada de informação, por isto cumpre checar, estudar, pesquisar, duvidar. Só o posicionamento crítico nos ajudará a nos aproximarmos, o mais possível, da verdade. À crítica, então. 4. Posicionamento Crítico: A Responsabilidade de Educar Desde a conferência do Rio, em 1992, a questão das mudanças climáticas tornou-se central no movimento ambientalista, em todo o mundo. Muitos cientistas vêm alguma relação entre o efeito estufa e as variações do clima, temendo que o aquecimento da terra e, portanto, o aquecimento do oceano, seja uma das causas dos tufões e furacões. O aquecimento tende a expandir o volume do mar que avançará sobre a terra potencializado por outro efeito do aquecimento que seria o derretimento das geleiras. Já existe ampla literatura a respeito. As estimativas da ONU prevêem um aquecimento de 1,4º C a 5,8º C até 2100. Mas o pior cenário, de 5,8º C, só ocorrerá se o mundo nada fizer 31 Cf. MARTINS, 1997, p. 134. 109 para reduzir a queima de combustíveis fósseis ao longo de todo o século, o que seria muito improvável, porque os combustíveis alternativos deverão se tornar competitivos muito antes disso. Assim, o cenário mais aceito pelos especialistas é um aquecimento de 2º C a 3º C, o que provocará uma elevação de 30 a 50 centímetros no nível do mar, embora o nível do mar já tenha subido 15 centímetros no século passado e ninguém notou. Os dados acima partem do ex-professor e cientista da Universidade de Arthus, na Dinamarca, Bjorn Lomborg, um dos principais críticos mundiais da forma pessimista e apressada como os ambientalistas discutem a saúde do planeta. Cientista aos 40 anos, Lomborg ficou mundialmente famoso em 2001 com a publicação do polêmico livro "O Ambientalista Cético", no qual faz um diagnóstico bem menos assustador - até positivo - do cenário mundial. Ele ataca diretamente a questão da mudança climática, considerando que a pressa em conter o efeito estufa, na forma do Protocolo de Kyoto, está custando muito caro: algo em torno de US$ 150 bilhões a US$ 300 bilhões para a redução da emissão de gases, se incluídos os Estados Unidos, até 2008. O que incomoda o cientista é o custo-benefício do esforço mundial, pois, na sua opinião, tudo o que se conseguirá é um adiamento de seis anos no aquecimento global até 2100. Em 2004, Lomborg organizou, em Copenhague, um encontro dos maiores economistas do mundo, incluindo três vencedores do Prêmio Nobel, para analisar diferentes problemas do mundo e, através de um documento chamado "Consenso de Copenhague", decidiram quais poderiam obter o maior benefício a partir de investimentos disponíveis. A lista de prioridades incluiu prevenção da Aids (em primeiro lugar), combate à desnutrição e acesso à água potável (em segundo lugar), eliminação de barreiras comerciais (em terceiro), extinção da malária etc O Protocolo de Kyoto - que rege as preocupações dos governos mundiais com a emissão de gases estufa - ficou em último lugar. A justificativa, segundo Lomborg, está no custo-benefício: "Cada US$ 1 investido no combate ao HIV, traz um retorno de US$ 40, em termos sociais, enquanto para Kyoto o retorno é de US$ 0,02 a US$ 0,50. Entretanto o "ambientalista cético" não defende o abandono dos esforços para reduzir a geração de gases estufa. Apenas acha que ao invés de investir tanto para adiar por seis anos os efeitos do aquecimento até o final do século, o mais importante é preparar o mundo para o inevitável, isto é, para as conseqüências que o aquecimento trará. "Preparar o mundo", para Lomborg, é investir em pesquisa e 110 desenvolvimento de energias renováveis, é conseguir fazer com que a energia renovável se torne mais barata que o combustível fóssil. Escandalizando os ambientalistas, Bjorn Lomborg diz que prefere investir no que o homem tem de pior, o egoísmo, para levá-lo a assegurar-se de que seus filhos e netos terão acesso a energias renováveis e que eles optarão por usá-las em interesse próprio e não por qualquer preocupação com o meio ambiente e independentemente de tratados internacionais. Ele acha que é melhor investir em melhorias das condições de vida hoje - como o acesso à água potável, o combate à malária - do que gastar fortunas para resolver problemas que ocorrerão daqui a 50 anos. Em entrevista ao repórter Herton Escobar, do jornal O Estado de S. Paulo, 32 Lomborg disse qual é, na sua opinião, o maior problema ambiental da atualidade, já que não crê na teoria do aquecimento global: Depende de onde você está. No mundo desenvolvido, sem dúvida, é a poluição externa do ar. Nos países em desenvolvimento é a poluição interna do ar (dentro das residências). A Organização Mundial da Saúde estima que 2 milhões a 5 milhões de pessoas morram por ano por causa da poluição do ar, isto significa 10% da mortalidade mundial. São principalmente mulheres e crianças, intoxicadas pelo uso de contaminantes do ar como esterco, papelão ou qualquer outra coisa que possam queimar para cozinhar, o que me leva a concluir que o que faz de um problema, um problema ambiental é a pobreza. A solução, portanto, não é regular o uso de esterco, mas fazer com que essas pessoas se tornem ricas o suficiente para comprar querosene, por exemplo. Quem não sabe como conseguir a próxima refeição não está preocupado com o meio ambiente daqui a cem anos. A longo prazo, portanto, precisamos tornar o resto do mundo rico e confortável o suficiente para que as pessoas possam parar de se preocupar em como pôr comida no prato e começar a se preocupar com a saúde do planeta. (O Estado de S. Paulo, 14 nov. 2004, p. A-21). Outro crítico mordaz do ambientalismo internacional e do modo como são encaminhados os estudos sobre sustentabilidade, é o antropólogo americano Michael Schellemberger. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ele questiona a "falta de visibilidade" dos temas ambientais para o grande público: Nos anos 60 e 70, mesmo no governo de Richard Nixon, você tinha uma cultura padrão muito mais progressista. Hoje você tem um ambiente de valores culturais nos EUA que é muito mais conservador. Por outro lado, os problemas ambientais de então eram muito mais visíveis e imediatos para o público. Você ligava a TV e via o rio literalmente pegando fogo em Ohio, de tantos poluentes que ele tinha. Tanto que em Washington queriam votar a Lei das Águas Limpas. No caso do efeito estufa, você tem um problema que ninguém vê ou sente. É um problema totalmente diferente. E requer que nós 32 Matéria divulgada na Internet pelo Núcleo de Jornalistas Ambientais de São Paulo, presidido pelo jornalista Adalberto Wodianer Marcondes, em 21.fev. 2005. Cf. também o jornal O Estado de S. Paulo, 14 nov. 2004, p. A-21. 111 transformemos radicalmente a economia energética do mundo. Como você motiva o público e os políticos a apoiar essa transformação? Você precisa animá-los em relação aos benefícios. Mas os ambientalistas só dizem que precisamos fazer isto porque o desastre está a caminho. Perguntamos isto ao Sierra Club e eles disseram: "Olha aqui, o nosso trabalho é ambiente, não política industrial". Mas se você tivesse de se preocupar com política industrial para obter ação em efeito estufa? É por isso que falamos tanto em categorias mentais. O ambiente é visto como uma categoria mental, as pessoas conceituam o ambiente como alguma coisa que está fora de nós, acham que é separado da economia. (Folha de S. Paulo, de 14 fev. 2005). 33 Além do poderoso Sierra Club, outros ícones do movimento ambientalista internacional, como The Nature Conservancy, o Greenpeace e o renomado Worldwatch Institute, de Lester Brown, têm estado sob ataque do chamado discurso "ecocrítico". O questionamento tem o objetivo de indagar se o alarmismo não acaba dando sustentabilidade ao próprio capitalismo que pretende combater, embora reconhecendo que "os e as ecologistas talvez tenham sido os primeiros a evidenciar um aspecto básico da globalização que é a compreensão de um mundo sem fronteiras, no qual as interdependências são inevitáveis", [...] "inscrevendo-se a crise eco-social em um ´babelismo` que não só dá conta das limitações do conhecimento humano, mas também da pluralidade de sentidos que torna sumamente complexo compreender o mundo," 34 como afirma o professor da Universidade do México, Edgar Gonzáles Gaudiano, citando Reigota (1999, p. 63) e Boaba (1998, p. 10) . Algumas organizações ambientalistas são acusadas de ignorar o homem ao defenderem a natureza, como se o homem não estivesse integrado nela, como nesta passagem de Luke (1998) registrada por GAUDIANO: 35 ...pese a su ardiente oposición a la destrucción del ambiente en general, The Nature Conservancy parece conformarse com conservar pequeñas piezas de tierra sin desarrollar para preservar diminutos trocitos y piezas de habitat como preciosos contenedores de la biodiversidad. Como resultado, la construcción de una ´Conservación de la Naturaleza´ empleando estrategias capitalistas es equivalente a mantener un ´cementerio de la naturaleza´que verdaderamente preserva la naturaleza del capitalismo. (Cf. GAUDIANO, 1982). 36 33 Retransmitida aos membros do Núcleo de Jornalistas Ambientais de São Paulo na mesma data. GAUDIANO, Edgar González, Discursos Ambientalistas e Discursos Pedagógicos. In: SANTOS, J. E. e SATO, Michèle. A Contribuição da Educação Ambiental à Esperança de Pandora. São Carlos-SP: Rima, 2001, p. 394. 35 id. p. 393. 36 "Em que pese sua ardente oposição à destruição do ambiente em geral, The Nature Conservancy parece conformar-se em conservar pequenas reservas de terra sem desenvolvimento para preservar diminutas coisinhas e espécimes de habitat como preciosos contendores de biodiversidade. Como resultado, a construção de uma ´Conservação da Natureza´ empregando estratégias capitalistas é equivalente a manter um `cemitério da natureza´ que verdadeiramente preserva a natureza do capitalismo". 34 112 Gaudiano recorre ao mesmo autor para criticar o Instituto de Lester Brown, embora não citando textualmente: Esse Instituto freqüentemente opera como outra parte integral das alianças emergentes da grande empresa, de organizações não governamentais, e dos ` think tanks` globais que têm colaborado na invenção de novos discursos sobre a `governabilidade´ universal, articulados agora mediante categorias disciplinares do `desenvolvimento sustentável`. 37 O professor mexicano também denuncia o grupo ambientalista norte-americano Earth Island Institute, vinculado a interesses comerciais dos atuneiros norte-americanos, de cobrar quase US$ 7 milhões, anualmente, por intermédio do Earth Trust Fund, pelo selo de qualidade Dolphin Safe, o que resultou no embargo do atum imposto ao México em 1990. Também tem críticas para os partidos Verdes que, segundo ele, assumem posturas que oscilam fortemente de um país para outro. Conta que o Partido Verde Ecologista Mexicano tem agrupado suas principais demandas em torno de temas pontuais como as corridas de touros ou a baleia azul no Golfo da Califórnia, enfeitadas com uma defesa dos direitos indígenas que tem sido amplamente criticada por seu caráter cosmético. Diz que o PVEM nada tem a ver com os pressupostos de Rudolf Bahro, o membro mais proeminente no surgimento do Die Grünen na Alemanha ou com o Green Party na Grãs Bretanha, os quais apresentam suas próprias características inscritas no ecosocialismo e no conservadorismo, respectivamente. 38 No Brasil, também, o movimento ambientalista está sob a vigilância de pesquisadores de prestígio e da própria sociedade, ambos interessados em transparência, coerência e ética, ainda que reconhecendo o importante papel de formação cívica exercido pelas ONGs ambientais. Só a título de exemplo, até mesmo o conceituado Instituto Ethos - que, entre outras atividades de valor, estimula o jornalismo ambiental premiando as melhores reportagens - foi alvo, em 2005, da severa - mas necessária argüição do professor da ECA-USP, Wilson da Costa Bueno - especialista em jornalismo científico e com intensa atividade a favor do jornalismo ambiental - que assim se manifestou pela Internet em artigo sobre "Comunicação no Terceiro Setor": Não poucas vezes a newsletter, falas, eventos etc do Instituto Ethos tem reforçado e consolidado, como ações de responsabilidade social, propostas e atitudes que são, obviamente, esforços de ludibriar a opinião pública e que, quando muito, com boa vontade e uma dose enorme de ingenuidade, poderiam 37 38 id., ibid. id., ibid. 113 ser concebidos como meros projetos de marketing social, de gosto duvidoso, (o que, conceitualmente, a nosso ver, é absolutamente distinto de responsabilidade social). Atribuir a campanhas como fumar ou beber com moderação, desenvolvidas pela indústria tabagista ou de bebidas, o rótulo de responsabilidade social, é atentar contra a inteligência das pessoas e, sobretudo, jogar no lixo a qualificação de um conceito. Pelo que se entende por responsabilidade social, e o Instituto Ethos tem contribuído decisivamente para reforçar este conceito, há um compromisso maior nele implícito, exigese, sobretudo, transparência e ética. Como temos insistido em debates e artigos, boas ações também fazem os traficantes e os bicheiros, alguns verdadeiramente respeitados na comunidade em que se inserem. Não se pode medir responsabilidade pelo número de cestas básicas doadas (seriam, desta forma, socialmente responsáveis os traficantes, os políticos corruptos etc), muito menos pelo discurso cínico de empresas que se valem da fluidez de um conceito para se proclamarem cidadãs. 39 No contexto desta polêmica, como se nota pelos exemplos citados, entre tantos outros, alguns criticam o modus operandi e até os deslizes do movimento ambientalista. Mas também há críticas, não menos contundentes, ao modo como a mídia divulga o noticiário ambiental. Estes últimos advogam a responsabilidade que a mídia tem de formar a cidadania, educar para um novo mundo etc. Mesmo não concordando inteiramente com determinadas posições, como a de Schellemberger, por exemplo - pois também hoje os problemas ambientais são bastante convincentes e os efeitos climáticos são bem visíveis e trágicos em todo o mundo, todos os dias - críticas assim podem nos ser úteis quando advogamos um jornalismo que vá além das aparências e do espetáculo, procurando explicar a razão dos fenômenos e dos problemas do meio ambiente, indo além da objetividade engessada na fórmula clássica do lead e do sub-lead, certamente, pois trata-se de informar muito mais que o simples "quem fez o que, quando, onde, como e porque". Com efeito, o modo como a mídia veicula a questão, atualmente, parece comprovar a observação de Guimarães (2000, p. 36): A formação do consenso em uma concepção funcionalista despersonaliza o indivíduo em sua ação intencional como participante da sociedade, resultando em alienação, já que o indivíduo perde espaço para escolhas e interpretação pessoais dos fenômenos sociais. [...] Não há, em nenhum momento, análises que questionem o modelo de sociedade e as relações de poder como causadores dos problemas ambientais. [Todo o problema é deslocado para o homem, sem nenhuma vinculação com a sociedade de consumo na qual ele está inserido]. 40 O que chega para o receptor da mensagem ambiental é um conjunto de "quadros isolados" que ora tratam de inundações, ora de direitos humanos, ora de desmatamento, mas não é feita uma ligação entre esse conjunto de fenômenos. "O 39 Cf. file://C:\Documents%20and20%Settings\noox\Desktop\CONVICOM%20wilson%20bueno.htm. Acesso em 06 jun. 2005. 40 GUIMARÃES, M. Educação ambiental: No consenso um embate?. Campinas: Papirus, 2000. 114 empolamento constante de certos temas, aspectos e problemas constitui um quadro interpretativo, um esquema de conhecimento, um frame [da realidade]", como assevera Wolf (2002, p. 146). 41 Essa fragmentação que reforça uma visão compartimentalizada dos problemas ambientais, desestimulando o engajamento individual e coletivo nos processos que reivindicam mudanças profundas no comportamento do poder público e dos agentes da sociedade em relação ao meio ambiente, também é analisada por Luis Fernando Angerami Ramos: Considerando que não há comunicação desinteressada, é possível supor que o receptor possa estar sendo submetido a uma mensagem que visa basicamente alimentar uma demanda crescente de consumo na qual a informação ambiental é um produto que atrai cada vez mais audiência...[pois] os mecanismos de dominação de uma sociedade não se manifestam apenas nas estruturas de produção de bens e serviços, mas também nas estruturas de produção de signos e subjetividade, através da mídia, da publicidade etc. (Cf. RAMOS, 1996, p.19 - 30). 42 Desta forma, os analistas percebem que há graves deficiências de linguagem no modo como a questão ambiental é divulgada através da mídia convencional. Para os educadores, isto significa que a mídia está perdendo deliberadamente ou não - uma grande oportunidade de contribuir com um debate sério e consciente sobre a problemática ambiental, ajudando a educar a sociedade na direção de um outro mundo possível. Ademais, custeada pela própria sociedade, a mídia não poderia fugir à responsabilidade social dessa significativa contribuição, por mais que suas "necessidades de caixa" ou seus interesses político-econômicos ditem outro caminho, certamente não tão nobre. 43 Todavia, se há uma responsabilidade social da mídia pela sustentabilidade ambiental - seguro que há, pois da mídia poderíamos dizer o que o Papa Paulo VI já dizia sobre a necessidade da reforma agrária ("sobre toda terra pesa uma 41 WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 2002. RAMOS, L.F.A. Meio Ambiente e Meios de Comunicação. São Paulo: Annablume / Fapesp, 1996. 43 Em palestra na Unesp, campus de Bauru, em 5 out. 2005, durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, promovida pelo ministério do mesmo nome e pela Associação Brasileira de Jornalismo Científico, a produtora do quadro filosófico do "Fantástico" - Ser ou não Ser - Viviane Mosé - doutora em Filosofia, detentora do Prêmio Jabuti de Literatura - informou que a TV Globo não lança nenhum novo programa sem uma completa pesquisa de opinião pública porque seu objetivo maior é não perder tempo e dinheiro com produtos que não interessem ao público. Uma pessoa presente no debate questionou se a Globo, antes de fazer a pesquisa, não induz o receptor a pensar do modo como a política editorial do veículo gostaria que ele pensasse...pelo menos foi o que ocorreu paralelamente às pesquisas eleitorais durante o debate entre Lula e Collor, na campanha de 1989, quando a emissora "editou" a primeira versão do debate 42 115 hipoteca social") - igualmente haverá uma responsabilidade social da área acadêmica que tem a missão de preparar melhor os jornalistas que vão tratar da questão ambiental. Do contrário eles chegarão despreparados aos seus locais de trabalho, como ficou patente na Declaração de Brasília, em 1997, que foi o documento resultante do I Encontro Nacional de Educação Ambiental, vazado nos seguintes termos: O despreparo de profissionais da Comunicação nas questões ambientais, e muito mais em relação à educação ambiental, leva à transmissão de conceitos ambientais equivocados, de teor principalmente naturalista, priorizando problemáticas globais, o que induz a população a pensar a realidade ambiental a partir de temas distanciados de seu próprio cotidiano. Todavia o ensino de jornalismo ambiental nas universidades brasileiras ainda é um fato muito incipiente. Ainda se confunde muito jornalismo ambiental e jornalismo em agribusiness, cujas propostas são bastante diferentes, uma vez que o primeiro está na esfera da ciência política ou das ciências sociais aplicadas, enquanto o segundo filia-se à tecnologia, cujo parâmetro não é o bem estar da sociedade e sim a maximização dos lucros. O exemplo clássico é o da soja transgênica que exige enormes áreas de terra para se tornar economicamente viável, o que leva ao desmatamento da floresta e ao desalojamento da agricultura de subsistência familiar criando desestabilidade social e mais miséria. A própria mídia - toda ela permeada pela instância econômica - valoriza exageradamente, por motivos óbvios, o agronegócio, também chamado "revolução verde", por seu peso na pauta de exportações do país. Um peso tão relevante que não raro antigos simpatizantes do movimento ambientalista, ao assumirem posições de governo, deixam-se levar por projetos que favorecem o agronegócio em detrimento da reforma agrária, naturalmente em nome da governabilidade que assim se opõe, de frente, ao conceito de sustentabilidade. Sobre o ensino de jornalismo ambiental na universidade, deve-se fazer justiça ao pioneirismo do Rio Grande do Sul que também foi o primeiro estado a criar núcleos de estudos voltados para esta matéria já por ocasião da Rio-Eco-92, destacando-se o atuante Núcleo de Ecojornalismo apoiado pelo Sindicato dos Jornalistas daquele Estado. Foi na UFRGS que surgiu o primeiro curso de pós-graduação em jornalismo ambiental, fruto dos esforços da professora Ilza Maria Tourinho Girardi, da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) que afirma: "Mesmo com modismos e marketing pretensamente verdes, percebemos que nos últimos anos a imprensa, de um modo geral, para reapresentá-lo em seguida de modo a prejudicar a imagem de Lula. 116 vem dedicando mais espaço às ações ecológicas e estudos ambientais. Entretanto, jornais e jornalistas nem sempre estão em sintonia sobre a importância da informação no papel da formação de uma nova consciência ecológica e como instrumento pedagógico". 44 É igualmente relevante o pioneirismo da Escola de Comunicação e Artes-ECA, da Universidade de São Paulo-USP, no oferecimento de cursos de graduação voltados para o jornalismo ambiental no contexto do Jornalismo Científico, sob a responsabilidade do professor Wilson da Costa Bueno, com dezenas de TCCs, dissertações e teses orientadas na área. Também se destaca a Universidade Metodista de São Paulo - UMESP, que mantém, de longa data, uma área de pesquisa em Comunicação Científica e Tecnológica, sob a responsabilidade dos professores Isaac Epstein, Graça Caldas e Elizabeth Gonçalves. A UMESP também mantém a Cátedra Unesco. O jornalismo ambiental está se constituindo em uma especialidade na qual a formação de profissionais capacitados se torna imprescindível, do mesmo modo como ocorreu no caso dos cronistas esportivos na década de 1940 e dos jornalistas especializados em economia e política nos últimos vinte anos. 45 Hoje, destacamse no mercado nomes como Washington Novaes (responsável pelo programa Repórter Eco da TV Cultura de São Paulo), Liana John, Carlos Tautz, Vilmar Berna (Jornal do Meio Ambiente), André Trigueiro (da Globo News, que neste segundo semestre de 2005 lançou novo livro sobre o tema, pela Editora Globo: Mundo Sustentável), Roberto Vilar, Adalberto Woldianer Marcondes (da agência Envolverde/Terramérica e fundador do Núcleo de Jornalistas Ambientais de São Paulo que promoveu, no Sesc de Santos, em 12/15 de outubro de 2005 o concorrido I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental). O estudo de jornalismo ambiental na universidade também é apoiado pela Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais (RBJA) criada para debater os temas da área, integrar os profissionais do setor e divulgar sugestões de pauta. Outro destaque é a Rede Mato-grossense de Educação Ambiental, bem como os cursos afins da Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT), principalmente no campus de Cáceres, além dos importantes estudos conduzidos pela Professora Michèle Sato na Universidade Federal de Mato Grosso, um estado que apresenta três biomas a serem estudados: Pantanal, Cerrado e Amazônia. Há 44 Cf. ALVES, André. Jornalismo Ambiental: especialização e consciência. Artigo veiculado pela agência de notícias ambientais Estação Vida. Disponível em www.jornalpress.com.br 117 ainda o trabalho da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP), em Mato Grosso do Sul. Pode-se estudar jornalismo ambiental também na Universidade de Uberaba, em Minas Gerais, ou na Universidade SEAMA, de Belém do Pará. Ainda há cursos nas federais de Pernambuco, Bahia etc. A tendência é que o jornalismo ambiental torne-se disciplina obrigatória na graduação, como já está em estudos na UNESP, campus de Bauru, como conseqüência desta pesquisa, por sinal. Não bastasse o dever social intrínseco da mídia e da área acadêmica, resta ainda a própria legislação a requerer dos meios de comunicação uma participação cívica no esclarecimento da população sobre meio ambiente e sustentabilidade, o que é um direito de todos, democraticamente, como se pode aferir da Lei 9.795/99, em seu artigo 3º combinado com o parágrafo IV: Como parte de processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo: IV - Aos meios de comunicação de massa colaborar de maneira ativa e permanente (grifo nosso) na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua programação. . Deste modo, se a responsabilidade social (da mídia e da área acadêmica) recomenda e se a legislação impõe, caberia estudar mais detidamente cada um desses segmentos: O Mercado e o Ensino. Como funciona o mercado jornalístico? Quais as teorias que norteiam os processos de comunicação? Quais os gêneros que regem o jornalismo? Como se dá a veiculação do noticiário ambiental no Brasil? Por outro lado, como os estudantes estão sendo preparados para atender aos anseios da sociedade por um jornalismo melhor, mais sensível aos problemas da humanidade? Estes temas serão abordados a seguir. 45 id., ibid. 118 TEORIAS DA COMUNICAÇÃO 1. Claude Shannon e Warren Weaver 2. A Cibernética de Norbert Wiener 3. Os Teóricos de Chicago 4. A Escola de Frankfurt 5. Teorias do Jornalismo 6. A Abordagem Sistêmica e a Informação Circular 119 Capítulo 4 TEORIAS DA COMUNICAÇÃO Todas as teorias são abstrações. Nenhuma teoria por si só, revelará jamais a verdade. S. LITTLEJOHN 1. Claude Shannon e Warren Weaver Não se pode compreender, corretamente, o fenômeno da comunicação sem estudar a Teoria da Informação, também conhecida como Teoria Matemática da Informação ou, ainda, Modelo Matemático, proposta pelos engenheiros americanos da Bell Telephone Laboratories, Shannon e Waever, em 1948. Nascido em 1916, Claude Elwood Shannon começou a trabalhar na Bell em 1941, durante a II Guerra Mundial, como criptografista. A rotina de lidar com os códigos secretos levou-o, após sete anos, a formular as hipóteses presentes em sua monografia The Mathematical Theory of Communication. Em 1949 a Universidade de Illinois publicou a monografia de Shannon acrescida dos comentários de Warren Weaver, coordenador de um projeto de pesquisa sobre grandes máquinas de calcular. Além de seus estudos como matemático e de seu trabalho como criptografista, Shannon inspirou-se em trabalhos anteriores, como os do matemático Andrei Markov, em 1910, sobre as cadeias de símbolos na literatura; os de Ralph V. L. Hartley, em 1927, sobre a medição precisa da informação (que viria a resultar no binary digit, o bit da linguagem de oposição binária); os trabalhos de outro matemático famoso, o britânico Alan Turing que, em 1936, concebeu uma máquina capaz de tratar a informação e, finalmente, as pesquisas de John Von Neumann, que deram significativa contribuição para a construção da última grande máquina de calcular, pouco antes da chegada do computador, 120 entre 1944 e 1946, por encomenda do Exército Americano interessado em cálculos mais exatos na medição de trajetórias balísticas. 1 A história também registra que além da parceria com o coordenador de projetos Warren Weaver, Shannon contou com a inteligência de seu professor Norbert Wiener, fundador da ciência do comando e do controle, a cibernética (que estudaremos a seguir). O modelo básico proposto pela teoria de Shannon é um esquema linear destinado a medir, quantitativamente, a emissão e recepção de um sinal à distância. Trata-se de estudar as possibilidades de redução das interferências, ou ruídos, que possam prejudicar a eficácia do sinal emitido, ou seja, Shannon busca o equacionamento de informação com previsibilidade estatística, duas quantidades que podem ser medidas com o logarítmo da recíproca da probabilidade. Era bem este o propósito de uma companhia telefônica como a Bell, visando maximizar e otimizar sua prestação de serviços ao consumidor final. Adaptado aos meios de comunicação de massa, e a outras disciplinas afins, o modelo apóia-se em seis pressupostos bem definidos: Uma fonte de informação produz uma mensagem (neste caso a palavra ao telefone), utilizando um codificador (a linguagem do emissor) que transforma a mensagem em oscilações elétricas, as quais percorrem um canal (cabo telefônico) sendo reconvertidas em voz (decodificação), completando o processo com a destinação (pessoa ou coisa à qual a mensagem é transmitida). A preocupação da teoria com a eficiência da comunicação é o principal enfoque dos matemáticos Shannon e Weaver. Foi muito útil para medir a adequabilidade do tempo com a capacidade do canal transmissor e a quantidade de mensagens a serem transmitidas. Mesmo hoje, com os canais de fibra ótica ou com a transmissão por satélite, o modelo inicial é válido, do ponto de vista matemático. Mas, na comunicação humana, não trabalhamos apenas com quantidades. Não se trata apenas de utilizar um canal, transmitir, certificar-se que a emissão teve bom êxito (através do retorno, ou feed-back). A mensagem comunicativa comporta uma intencionalidade, está filtrada por outros pressupostos que condicionam o teor emitido, seja por razões culturais, ideológicas, contextuais ou outras. Então é inevitável que falemos não apenas de quantidades matemáticas mas de qualidades intrínsecas. A própria noção de ruído é significativa porque não se trata da mera estática do campo eletro-magnético, mas de 1 Cf. MATTELART, 1999, p. 57. 121 questões outras, como deficiências de linguagem, de expressão ou de entendimento do texto, bem como a liberdade que o emissor tem para escolher a mensagem a ser transmitida. Assim, é possível dizer que a comunicação também envolve o processo de significação, do fazer sentido. Não é apenas a forma, mas igualmente o conteúdo, que assegurará o bom entendimento da mensagem. Para o matemático Oswaldo Sangiorgi, da Universidade de São Paulo, não se pode atribuir à Teoria da Informação uma autonomia absoluta em relação à Teoria Geral da Comunicação - que trata dos aspectos qualitativos da mensagem transmitida - exatamente por sua ênfase quantitativa. Neste caso, conforme Sangiorgi, a TI seria apenas um capítulo (quantitativo) da Teoria Geral da Comunicação. Isaac Epstein, também da USP, compreende, igualmente, este aspecto parcial da TI. Em obra escrita em 1961, o professor de engenharia eletrônica da Universidade de Siracusa, Fazlollah Reza, reconheceu na TI um ramo novo da teoria da probabilidade, mas considerou que suas aplicações se destinam a um amplo espectro de áreas de investigação, tais como a matemática pura, o rádio, a televisão, o radar, a psicologia, a semântica, a economia e a biologia. 2 Do ponto de vista de Shannon, a comunicação é um dado bruto, mas os conceitos de informação, transmissão, codificação, decodificação, redundância, ruído e liberdade de escolha serão refinados no contexto interdisciplinar com a introdução de outras variáveis de pesquisa. Para Mattelart, 3 “o modelo de Shannon induziu a uma abordagem da técnica que a reduz a um instrumento. Essa perspectiva exclui toda a problematização que definiria a técnica em outros termos que não os de cálculo, planejamento e predição”. Neste sentido, quando aplicamos a TI ao jornalismo, não podemos deixar de lado a responsabilidade ética e social do jornalista, do mesmo modo que seria ingênuo ignorar que o jornalismo é uma atividade econômica, onde estão presentes os imperativos dos custos operacionais e da esperada remuneração do capital investido. Desse modo, ao produzir sua informação, com o seu próprio estilo e de acordo com suas habilidades de escolha e de seleção, o jornalista situa-se como mero mediador entre o fato acontecido – ou a declaração dada – e todos os demais interessados na questão, tanto do lado do sistema de comunicação (a empresa, os editores etc) quanto do lado do receptor que está 2 3 Cf. BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 172. Op. cit., p. 61. 122 à espera de uma informação útil à sua vida. Mesmo assim, entretanto, nesse empenho em busca da qualidade informativa, o processo de quantificação estará sempre presente na produção da mensagem. Isto se dá, por exemplo, quando o profissional produz o lead da matéria, reunindo ali o máximo de informações no menor espaço possível para informar quem fez o que, quando, onde, como e porque, deixando as informações menos importantes para o “pé” da matéria de tal modo que eventual corte por falta de espaço não prejudique o teor da mensagem. Com tais observações queremos constatar apenas que, para o jornalismo de qualidade, a eficiência da informação não está relacionada apenas com a forma técnica, mas, também, com os conteúdos da mensagem, com a boa apuração, o bom texto, a edição à altura, o compromisso social. Isto em nada reduz o brilho da TI, inclusive porque toda teoria é parcial e deixa algo de fora, concentrando-se em certos aspectos à custa de outros, conforme o objetivo da pesquisa. 4 Certamente a Bell Telephone Laboratories não pensava no jornalismo quando financiou as pesquisas de seu criptografista Claude Shannon, entretanto, como destaca Edgar Morin, essa "hibridação" de conhecimentos - no caso específico da Teoria da Informação e em inúmeros outros exemplos - tornou-se possível com o avanço da abordagem sistêmica que permitiu a articulação de áreas diversas como a engenharia, a matemática, a geografia, a geologia, a bacteriologia, a zoologia, a botânica etc. reunindo cientistas policompetentes que possuem, ademais, a competência dos problemas fundamentais desse tipo de organização [sistêmica] do conhecimento. 5 2. A Cibernética de Norbert Wiener No mesmo ano em que Shannon escreveu sua monografia,1948, seu professor, Norbert Wiener, (graduado na Universidade de Harvard aos 18 anos, sempre ligado ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts-MIT, desde 1919), publicou Cybernetics or Control and Communication in the Animal and Machine (“Cibernética: ou Controle e Comunicação no Animal e na Máquina”), obra que está na base 4 5 Cf. LITLEJOHN, 1982, p. 4. Cf. MORIN, 2003, p. 111. 123 da teoria da automação industrial e da ciência dos computadores. Aqui também a preocupação é com o grau de exatidão da informação que sempre comportará certo nível de entropia, que é a tendência de todos os sistemas à desorganização interna, como ocorre na natureza que destrói o ordenamento, precipitando a degradação biológica. Essa tendência ao caos igualmente se verifica nos processos sociais, constituindo permanente ameaça em confronto com a ordem estabelecida. Nos processos de comunicação, a entropia (termo emprestado da Física: de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, “a quantidade de calor na qual se transformou certa quantidade de trabalho não pode mais ser inteiramente recuperada na mesma quantidade de trabalho originária") manifesta-se através de eventuais limitações de código do emissor, falhas técnicas, deficiências de linguagem, manipulações ideológicas, concentração dos meios etc, o que também pode ser percebido na outra ponta, envolvendo as limitações do receptor para alcançar o pleno conteúdo da informação. Pode-se entender como complementares os estudos de Shannon e de Wiener, pois enquanto a Teoria da Informação estuda a “reprodução, em um ponto dado, de maneira exata ou aproximativa, de uma mensagem selecionada em outro ponto”, a Teoria Cibernética define que “a soma de informação em um sistema é a medida de seu grau de organização”. A entropia, segundo Wiener, é, exatamente, esse grau de desorganização. A verificação do grau de entropia se dará através do retorno (feedback) obtido pelo emissor, surgindo, então, o conceito de circularidade da informação, 6 que é um avanço sobre o conceito de linearidade (comunicação ponto-a-ponto) proposto por Shannon, como veremos ao tratar da Abordagem Sistêmica, no final deste capítulo.. Ainda em termos comparativos, enquanto Shannon evita comentar a evolução da sociedade, Norbert Wiener insiste nos riscos da entropia, condenando, por exemplo, o aumento do controle dos meios de comunicação que acabaram em mãos daqueles que se preocupam acima de tudo com o poder e o dinheiro. 6 "O princípio do circuito retroativo, introduzido por Norbert Wiener, permite o conhecimento dos processos auto-reguladores. Ele rompe com o princípio da causalidade-linear: a causa age sobre o efeito, e o efeito age sobre a causa, como no sistema de aquecimento, em que o termostato regula o andamento do aquecedor. Esse mecanismo de regulação permite, aqui, a autonomia térmica de um apartamento em relação ao frio externo. De modo mais complexo, a "homoestasia" de um organismo vivo é um conjunto de processos reguladores baseados em múltiplas retroações. Em sua forma negativa, o círculo de retroação (ou feedback) permite reduzir o desvio e, assim, estabilizar um sistema. Em sua forma positiva, o feedback é um mecanismo amplificador; por exemplo: a violência de um protagonista provoca uma reação violenta, que, por sua vez, provoca uma reação mais violenta ainda. Inflacionárias ou estabilizadoras, são incontáveis as retroações nos fenômenos econômicos, sociais, políticos ou psicológicos". Cf. MORIN, 2003, p. 94. 124 Esta concentração dos meios, tão acentuada em nossos dias, é o principal entrave para um jornalismo mais democrático e mais aberto aos interesses diretos do receptor. No caso do jornalismo ambiental, a restrição é ainda maior, tendo em vista tratar-se de um ramo do jornalismo científico que não raro entra em confronto com as preocupações de poder e de dinheiro denunciadas pelo pai da cibernética. Em que consiste, precisamente, a teoria de Wiener? Ela compara os sistemas de comunicação e controle de aparelhos produzidos pelo homem com aqueles dos organismos biológicos. Podem ser feitas muitas comparações como, por exemplo, o processamento de dados nos computadores e várias funções do cérebro. O princípio da comunicação, tanto no cérebro do emissor humano, quanto no computador, é a seleção da mensagem a ser emitida, dentro de um leque de possibilidades, como se dá no procedimento de código binário (binary digit). Na verdade, ainda que o princípio seja o mesmo, o computador é uma extensão do cérebro humano, uma vez que as combinações cada vez mais variadas e mais firmes de circuitos integrados que se completam, operando a uma velocidade altíssima, possibilitam imenso poder de seleção relativamente a elevado número de dados. Novamente, aqui, podemos questionar se a capacidade de disponibilizar um excessivo volume de informações – referimo-nos à mídia em geral e não aos computadores em si – é “um bem ou um mal”, para usar a expressão do professor Luiz Barco 7 na avaliação da escola pública no Brasil. É bom que tenhamos, em nossa sociedade de consumo, muito mais opções de escolha do que tinham nossos avós antes da televisão, da Internet, do celular, dos satélites etc. Mas é mal que nos sintamos cada vez mais confusos com a avalanche de informações redundantes, superficiais, manipuladas ou simplesmente erradas (por causa da pressa em informar para concorrer). Neste caso um alto nível de entropia – na forma de dúvida e confusão mental – instala-se ao nível do receptor que certamente gostaria de receber informações fidedignas e de qualidade. Não é difícil concluir que, embora o formalismo matemático apresente-se como uma racionalização lógica da equação comunicativa, definindo claramente seu funcionamento como convém a toda demonstração matemática, jamais poderemos menosprezar o processo criativo e subjetivo da mensagem comunicativa. 7 Cf. BARCO, L. Escola, um bem ou um mal? Trabalho de livre-docência apresentado à ECA-USP, São Paulo, em 1989. 125 A ficção científica está repleta de maravilhosos textos em que as máquinas atingiriam uma complexidade tal que assumiriam o controle da vida humana (como o supercomputador Hall, em 2001 Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrik) ou textos nos quais a própria sociedade funcionaria com a cadência de uma máquina que não precisa pensar (como em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, obra que teria inspirado um filme emblemático como Matrix, dos irmãos Washowsky). Entretanto podemos nos tranquilizar com Aristóteles que nas primeiras páginas da “Política” já observava que a principal diferença do homem em relação a toda criatura, inclusive as suas, é a capacidade de discernir entre o moral e o imoral. É o livre arbítrio. O direito de duvidar é a base da indagação científica. É próprio do ato de comunicar o gesto de duvidar, a inclinação ao ceticismo com vistas a encontrar a versão mais confiável dos fatos, após intensa checagem. Para Aristóteles, a surpresa é o começo do conhecimento e este resulta do recebimento de informação. Descartes elevou a dúvida à categoria de princípio da Filosofia. Mas ele mesmo reconheceu que quem duvida não pode duvidar que duvida. O comunicador que não se basta com o modelo quantitativo da informação, que não aceita verdades peremptórias e imutáveis, fatos prontos e acabados, normalmente dá margem à dúvida mesmo quando tudo parece tão óbviamente explicado. Esse potencial de visão crítica, no mundo tecnológico em que vivemos, será extremamente útil para nos lembrarmos que “a intuição humana contrapõe-se à lógica mecânica”, como menciona Luiz Barco ao descrever a grandiosidade do gênio da Matemática, Kurt Gödel (1906-1978), também inspirador de um belo filme (Mente Brilhante): Naturalizado americano e contratado como professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, Gödel falava pouco. Gostava da solidão. Abrigava-se na cantina da Universidade para fugir à curiosidade dos visitantes. Ele demonstrou que mesmo dentro de um sistema rigidamente lógico, como o que foi desenvolvido para a Aritmética, podem ser formuladas proposições que são indecidíveis, indemonstráveis [...] isto foi tão perturbador no séc. XX quanto a revelação de Hiparcos, no séc. IV a. C. sobre a existência de grandezas incomensuráveis. Na verdade, quando Gödel garantia que os formalistas são limitados, estava mostrando, em síntese, que o homem será sempre superior à máquina. (BARCO, 1993, p. 55 e 56). 8 Reportando-nos, claramente, ao exercício do jornalismo, principalmente quando nos dirigimos a futuros profissionais da mídia, a partir da Teoria da Informação, podemos nos socorrer, aqui, das oportunas conclusões de BELTRÃO e QUIRINO: 8 BARCO, 1993, p. 55 e 56. 126 O que poderia ser feito pelos profissionais da Comunicação conscientes de sua função social? Sem dúvida alguma, aproveitar as contribuições da Teoria da Informação e aplicá-las às atividades que desenvolvem, cada um no seu próprio ramo da Indústria da Comunicação. Nessas atividades do dia-adia, não podem ser esquecidos os aparelhamentos aperfeiçoados que lhes facilitam a tarefa...mas não pode ser esquecida, igualmente, a noção de Cibernética, concebida como ciência que estuda o processo de obtenção do máximo de informações com o mínimo de deformações. Não pode ser esquecida a pesquisa de opinião pública através de processos estatísticos que avaliam a reação da audiência a partir de amostras significativas. (Op. cit., p. 179). 9 3. Os Teóricos de Chicago Enquanto a cibernética de Wiener permite comparar sistemas de comunicação humanos e mecânicos – como cérebros e computadores - outros pesquisadores formulam a questão em termos de relações entre o homem e o meio ambiente. Como o ser humano reage ao espaço à sua volta? O que acontece quando o homem já não está mais “espalhado” pelo campo e se concentra nos espaços urbanos? Qual o papel da informação neste novo contexto? Essa abordagem pragmática da comunicação marcou a Escola de Chicago que, da década de 1910 até a década de 1940, estudou o papel da ciência na resolução dos grandes desequilíbrios sociais. Operando com a pesquisa etnográfica (monografias de bairros, observação participante e análise das histórias de vida), os estudiosos de Chicago estavam filiados à filosofia americana do pragmatismo preconizada pelo pedagogo John Dewey (1859-1952) e pelo psicossociólogo George Herbert Mead (1863-1931). Esse pragmatismo influenciou sobretudo Charles Horton Cooley (1863-1929) que estudou o impacto organizacional dos transportes ao analisar os fenômenos e processos comunicativos no agrupamento humano. 10 Também conhecido como “ecologia humana” (termo inventado em 1859 pelo biólogo alemão Ernest Haeckel), esse estudo identificava os grupos sociais que apareciam no processo de urbanização, destacando o chamado “grupo primário” caracterizado por Colley como aquele que preserva uma associação e cooperação íntimas. Colley acreditava na capacidade do grupo primário de manter-se unido e preservado nos espaços urbanos e industriais, enquanto outros, na mesma época, entendiam que tais grupos 9 BELTRÃO, L. e QUIRINO, N., 1986, p. 179. Cf. MATTELART, op. cit., p. 35. 10 127 se diluíam, normalmente, na sociedade, reconfigurando-se em 11 outros níveis grupais, menos coesos e identificados 11. A convicção de Colley era que o indivíduo é capaz de uma experiência singular, única, que traduz sua história de vida, mesmo enquanto é submetido às forças de nivelamento e homogeneização do comportamento urbano. A tensão entre o indivíduo e a sociedade realça o papel da comunicação seja realimentando as convicções do indivíduo (crenças, virtudes, tradições etc) seja relativizando a vida em sociedade (consumismo, moda, violência, banalização da morte). A riqueza dessa grandiosa epopéia humana está exatamente nesse entrechoque das convicções individuais com a homogeneidade dos fatos coletivos. Daí surgem as grandes histórias de vida, o aspecto mais importante do jornalismo que é a emoção, identificada com a qualidade da informação, como contrapartida de um jornalismo frio, meramente quantitativo, estatístico ou numérico. O jornalista observador e criativo, que parte do fato real acontecido ou declarado, e desenvolve um perfil em profundidade, ou um livroreportagem corretamente documentado, através da observação participante, certamente estará oferecendo ao leitor uma visão mais completa, uma abordagem mais ampla, uma explicação melhor. Por sua singularidade – que muitas vezes opera como exemplo virtuoso na sociedade – a história de vida é um método de apuração jornalística que anula a validade universal da proposição de Aristóteles, segundo a qual, “só há ciência no geral”. Pelo contrário, pode haver ciência no particular e no subjetivo. O que ocorre é que, muitas vezes por vias paradoxais, esta ciência resulta em um conhecimento geral. Conhecimento e “reconhecimento”, no sentido de que a informação nos traz o conhecimento sobre o fato ou a pessoa, mas sua história de vida, se bem narrada, nos leva a reconhecer ali um exemplo admirável (e por isto o jornalista selecionou aquela história para contar). A partir das constatações de Cooley, outro pesquisador da Escola de Chicago, Robert Ezra Park (1864-1944), aprofundou os estudos sobre “ecologia humana” usando a metodologia etnográfica. Militante da causa negra, Park preparou sua tese de doutorado aos 39 anos, em Heidelberg, conceituando “massa” e “público”. Como repórter experiente em grandes investigações jornalísticas, ele elegeu como forma superior de reportagem as pesquisas sociológicas que iria realizar nos bairros da periferia. Trata-se de ver a cidade como laboratório social (com seus significados de desorganização, de marginalidade, de aculturação, de assimilação); como lugar da mobilidade (por exemplo, a 11 id. ibid., p. 30. 128 migração interna nos EUA e a integração dos imigrantes à sociedade americana). Park vai analisar o papel da informação dentro desse cenário social, identificando o que é jornalismo - voltado para o interesse público - e propaganda - ideológica ou social. 12 As relações étnicas (competição, conflito, adaptação, assimilação) nas comunidades de imigrantes, são estudadas por Park como aspectos dessa ecologia humana que concebe toda mudança – seja na divisão do trabalho ou nas relações entre a população e o solo - no âmbito de um pensamento do equilíbrio, da crise e do retorno ao equilíbrio, bem de acordo, também, com o princípio de entropia presente não apenas na Teoria da Informação, mas na própria Teoria Geral dos Sistemas (BERTALANFY,1930). Assim, a comunicação é vista como uma espécie de direção e controle, encaminhando-se sempre para o consenso (ordem moral) com o objetivo de regular a competição, permitindo aos indivíduos, desse modo, partilhar uma experiência, vincular-se à sociedade, sentir-se parte do todo. Quando a matéria jornalística bem apurada revela aspectos da pessoa humana que está atrás, ou bem no meio, dos fatos, o que o jornalista está fazendo, na verdade, é retirar a pessoa da prateleira de números e lhe dar vida, resgatando sua identidade, seu sentimento de pertença à comunidade humana, eliminando, de algum modo, o perverso sentimento de exclusão. Cláudio Abramo tem um bom exemplo: Existe o jornalista que só conta o fato: um muro caiu na cabeça da dona Maria e ela morreu debaixo de 35 tijolos. Mas outro dirá que o muro caiu porque o dono do terreno se recusou a gastar dinheiro e usou um suporte ruim, que ameaçava cair. Aí começa-se a desenvolver o que se passa, da narrativa do fato para a crítica social. (ABRAMO,1988, p. 110). 12 Não resta dúvida que o pragmatismo da Escola de Chicago tem muito a nos ensinar enquanto jornalistas. Desde que, por pragmatismo, entendamos, principalmente, a necessidade de dar conta do todo, como fez Park, a partir da pesquisa sobre os grupos minoritários e mesmo sobre os indivíduos cuja história poderá ter interesse para o conjunto da sociedade. Afinal, nem sempre precisamos concordar com Aristóteles. 12 Cf. ABRAMO, 1988, p. 110. 129 4. A Escola de Frankfurt Amada por uns, diminuída por outros, a Escola de Frankfurt é síndrome de amor e ódio no estudo da comunicação no Séc. XX. A Teoria Crítica dela emanada levou Umberto Eco a classificar de “apocalípticos” os que vêm na “indústria cultural” uma espécie de fim da história, e de “integrados” os que se acomodam com a situação rendendo graças e louvores ao “deus mercado”. Veiculado pela primeira vez em 1947, por Horkheimer e Adorno no texto A Dialética do Iluminismo, o conceito de Indústria Cultural está baseado na existência de uma categoria de operadores culturais que produzem para as massas, usando na realidade as massas para fins de lucro, ao invés de oferecer-lhes reais ocasiões de experiência crítica. 13 A TV, por exemplo, reduz o mundo a fantasmas e bloqueia, portanto, toda reação crítica e toda resposta operativa nos seus adeptos, segundo a Teoria Crítica. A exemplo da corrente Funcionalista, a Escola de Frankfurt – inspirada num marxismo em ruptura com a ortodoxia, buscando uma junção entre Marx (interpretação da história) e Freud (psicologia do profundo) - concebe a idéia de uma mídia todo-poderosa, capaz de decidir a vida das pessoas, capaz não somente de adaptar seus produtos ao consumo das massas, mas também de determinar esse consumo. (Por exemplo, quando a Disney adapta o clássico de Victor Hugo – O Corcunda de Notre Dame – para o cinema/TV, a história é “adocicada” para se tornar mais palatável ao consumidor). Assim, a Indústria Cultural pretende alienar e não conscientizar; acomodar e não incitar à reflexão crítica. Seus produtos teriam apenas a função de a) serem comercializados; b) promoverem a deturpação e a degradação do gosto popular; c) obterem uma atitude sempre passiva dos seus consumidores. Como são feitos para serem vendidos, os produtos da Indústria Cultural jamais devem desagradar os compradores. A produção, então, é homogeneizada e nivelada por baixo. 14 Financiada por empresários da comunidade judaica, a Escola operava sob a denominação de Instituto de Pesquisa Social, filiado à Universidade de Frankfurt, sendo a primeira instituição alemã de pesquisa com orientação abertamente marxista. Quando eclodiu o nazismo hitlerista, os pesquisadores exilaram-se nos Estados Unidos e a Universidade de Columbia lhes cedeu um de seus prédios onde, a partir de 13 14 Cf. ECO, 1993, p. 19. Cf. OLIVEIRA, 2003, p. 13. 130 1938, Max Horkheimer(1895-1973), Leo Löwenthal e Theodor Adorno (1903-1969) passaram a trabalhar. Mais tarde chegou Herbert Marcuse (1898-1979). Outro integrante da Escola, Walter Benjamim(1892-1940), exilou-se na França. Atualmente, o principal herdeiro da Escola é o filósofo alemão Jürgen Habermas, nascido em 1929. Depois da Guerra, Adorno e Horkheimer voltaram para a Alemanha. Löwenthal ficou nos EUA, onde desenvolveu notáveis estudos sobre cultura de massa, passando a trabalhar no Departamento de Estado, como responsável pelo setor de Avaliação dos programas de rádio, ligando-se a estudos sobre A Voz da América, durante a guerra fria. Também ficou nos EUA o filósofo Herbert Marcuse, como professor da Universidade da Califórnia, tornando-se um ícone da juventude dos anos 60 por sua intransigência crítica em relação à cultura e à civilização burguesas. Pretendia desmascarar as novas formas de dominação política. Em O Homem Unidimensional, ele escreveu: Sob a aparência de um mundo cada vez mais modelado pela tecnologia e pela ciência, manifesta-se a irracionalidade de um modelo organizacional da sociedade que subjuga o indivíduo ao invés de libertálo. A racionalidade técnica, a razão instrumental reduziram o discurso e o pensamento a uma dimensão única que promove o acordo entre a coisa e sua função, entre a realidade e a aparência, a essência e a existência. Essa “sociedade unidimensional” anulou o espaço do pensamento crítico. (MATTELART, 1999, p. 81). 15 Enquanto os escritos de Adorno e Horkheimer – que marcaram, por sua clarividência, numerosas gerações de intelectuais – eclipsaram-se no final dos anos 70, os escritos de um dos membros mais polêmicos e originais da Escola de Frankfurt, Walter Benjamin, voltaram a despertar interesse nos anos 80. Um de seus escritos mais famosos, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, de 1933, vai além da visão adorniana da conjunção entre arte e tecnologia na qual se poderia notar uma certa nostalgia de uma experiência cultural independente da técnica, ou mesmo um protesto erudito contra a intrusão da técnica no mundo da cultura, uma defesa da sacralização da arte, como analisa Mattelart. 16 Para Benjamim, uma arte como o cinema, por exemplo, só tem razão de existir no estágio da reprodução, e não no da produção única. Fascinado por Paris – onde viveu a maior parte de seu exílio antes de se suicidar na Espanha ao ser perseguido pela polícia franquista - Benjamin passou a estudar a própria cidade. Influenciado pela 15 16 Citado por MATTELART, 1999, p. 81. Cf. op. cit. p. 79. 131 fenomenologia de Husserl, voltou sua atenção para as manifestações de superfície, os detalhes, os fragmentos das ruínas da história, buscando reconstituir a totalidade perdida, conforme sua obra inacabada O livro das passagens, Paris, capital do século XIX. Para completar este “olhar” sobre o que foi a Escola de Frankfurt na teorização dos meios de comunicação, resta comentar o trabalho de Habermas sobre o conceito de espaço público. Esse espaço de mediação entre Estado e sociedade – permitindo a discussão pública, pelo confronto de idéias e opiniões esclarecidas – desenvolveu-se com a constituição de uma “opinião pública” em fins do século XVII na Inglaterra e na França. Segundo ele, o desenvolvimento das leis de mercado, sua intrusão na esfera da produção cultural, substituem, hoje, esse princípio de “comunicação pública” por formas de comunicação cada vez mais inspiradas em um modelo comercial de fabricação da opinião, como se a sociedade estivesse passando por um novo tipo de “feudalismo”. O cidadão tende a se tornar um consumidor de comportamento emocional e aclamatório. A comunicação pública dissolve-se em atitudes estereotipadas de recepção isolada. Em O Espaço Público, Habermas se interessa pelo fenômeno do consumismo em expansão nos Estados Unidos, tema que envolve a chamada geração baby boomer, hoje com alto poder de consumo, caracterizada como uma “bolha” de explosão demográfica no pós guerra. Parte dessa geração está a caminho de outro “fenômeno” populacional preocupante para os analistas da ONU: O enorme contingente de aposentados e idosos que sobrecarregará os institutos previdenciários de vários países, com graves conseqüências para as economias nacionais. Em 2020 mais de 30 milhões de brasileiros – 13% da população estimada – terão mais de 60 anos. De 1991 a 2000, a população acima de 75 anos cresceu 49,3% no Brasil Voltando a Habermas, a solução que ele propõe para uma comunicação mais eficaz, do ponto de vista do receptor, é a restauração do espaço público estendido ao conjunto da sociedade. Naturalmente isto nos devolve à idéia da democratização dos meios de comunicação em contraposição à centralização em poucas mãos como ocorre hoje no mundo inteiro. Mas, será que a Teoria Crítica é acatada por todos sem discussão? Por mais brilhante que seja, a argumentação dos frankfurtianos não apresenta “furos”? Quais os pontos mais polêmicos dessa visão cultural dos meios de comunicação lastreada no funcionalismo? Não se pode negar o objeto de estudo da Teoria Crítica, ou Cultura de Massa, que aborda, em resumo, o predomínio do critério mercantil, desde a concepção até a produção das obras culturais; o forte traço manipulatório da ideologia 132 dominante; a tendência à padronização e ao rebaixamento do nível estético da maioria dos produtos. É um modo de ver que já está presente em Marx, quando observa que não são as idéias (superestrutura) que governam o mundo, são as forças produtivas, vez que elas ditam as tendências e as idéias. Para os críticos da Cultura de Massas, essa conceituação não pode pretender abranger a totalidade do fenômeno cultural, pois a cultura jamais se deixa submeter integralmente pela categoria mercantil. Se isso pudesse ocorrer, a cultura deixaria de ser uma praxis - status que o próprio Adorno lhe atribui -, portanto deixaria de ser cultura. Além do mais é necessário reconhecer que o modo de produção capitalista não existe apenas para satisfazer os interesses particulares da burguesia, mas, também, como um processo histórico, um momento da história universal. 17 Nesse processo histórico os meios evoluem, surgem novas tecnologias e não se pode aplicar a mesma análise a todos os veículos sem levar em conta suas especificidades, como no caso da TV, que Adorno mal chegou a conhecer, ou de um fenômeno tão recente como a Internet. Mesmo atacando o conformismo, a alienação, o esvaziamento crítico das pessoas, as idéias da Escola de Frankfurt acabaram se tornando um discurso conformista, como se as pessoas se sentissem inúteis, nada podendo fazer perante o poderio da racionalidade técnica, por isto quedariam em suas confortáveis poltronas, ou nos cafés intelectualizados, apenas criticando a indústria cultural sem nada fazer, sem apresentar solução, sem projeto, num embotamento geral. O próprio jornalismo acaba nessa vala comum do conformismo agindo com tal espírito no instante mesmo em que produz a informação que deveria ser transformadora, reflexiva, contundente, historicamente contextualizada. Certamente isto deve começar a mudar a partir de bons cursos de jornalismo onde a reflexão crítica não seja um privilégio mas uma norma de estudos. Por isto mesmo estudaremos, a seguir, especificamente, as teorias do próprio jornalismo. 17 Cf. GENRO, 1987, p. 101. 133 5. Teorias do Jornalismo Nos anos 40, quando surgiram, no Brasil, os primeiros cursos de jornalismo (Decreto-Lei nº 5.480,de 13 de maio de 1943), a nova disciplina, mais valorizada a partir da regulamentação profissional conferida pelo Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, (com a exigência do diploma de nível superior), apoiava-se nos corpos teóricos da filosofia, sociologia, psicologia, antropologia etc. Até hoje, em universidades de renome, os concursos para professor de jornalismo incluem bibliografia dessas áreas e não é raro que disciplinas relacionadas com a produção técnica do texto jornalístico sejam ministradas por professores de Ciências Humanas, Letras, Filosofia etc quando deveriam ser aplicadas por jornalistas devidamente qualificados para tal. Entretanto, com o desenvolvimento dos cursos de pós-graduação na década de 60, o jornalismo foi adquirindo status dentro do universo da comunicação. É bem verdade que muitas Faculdades ainda fazem uma boa mistura de jornalismo com relações públicas, publicidade e propaganda, e até turismo, mas, seguindo orientações da própria CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior) a favor de linhas de pesquisas identificadas com áreas de concentração mais claramente delimitadas, muitos cursos superiores já estão se definindo em departamentos de Jornalismo, de Técnicas Jornalísticas ou de Jornalismo e Editoração, em substituição aos antigos e amplos departamentos de Comunicação Social surgidos nos anos 60/70 por influência do CIESPAL (Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América Latina), implantado pelos americanos em Quito (Equador), com abordagem claramente colonialista, em plena ditadura brasileira. A influência do CIESPAL se fez sentir já em 1961, quando Luiz Beltrão criou o Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco, optando pelas linhas de pesquisa emanadas de Quito. Por toda a América Latina, tais linhas destinavam-se a produzir dóceis técnicos de comunicação que não incomodassem o establishment, que se limitassem a reproduzir a visão burguesa de mundo que favoreceria o ingresso dos investimentos estrangeiros desejados pelos militares. Naturalmente era um contexto bastante impróprio para a reflexão crítica ou para teses como a de Lênin sobre a necessidade do jornal partidário enquanto “organizador coletivo”, o que abriu espaço para a chamada Imprensa Alternativa que fez o contra-ponto da mídia conivente durante os anos de chumbo. Naquela época – e tampouco hoje - não havia interesse em discutir a questão da concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos proprietários e muito menos o 134 caráter comercial da mídia. Ontem como hoje - e não é só no Brasil – “o jornalista coloca seu talento, honestidade e ingenuidade a serviço do capital com a mesma naturalidade com que compra cigarros no bar da esquina”, deixou registrado o saudoso professor Adelmo Genro, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Esta é a mesma opinião de Allan Accardo, (do Le Monde Diplomatique), de Serge Halime, 18 de Gay Talese (a respeito, por exemplo, da cobertura da imprensa americana, inclusive do New York Times, na invasão americana do Iraque) etc. Felizmente, nessa mesma época, isto é, na década de 60, surgiu no Brasil um novo jornalismo (Revista Realidade, Jornal da Tarde) que trabalhava na fronteira com a Literatura, possibilitando a conjunção do real acontecido com o imaginário criado para dar a esse mesmo real um novo colorido, tornando-o palatável, agradável, didático, dialético, sem jamais alterar a essência do que realmente aconteceu ou foi declarado. Com o Novo Jornalismo no mercado produzindo uma abordagem diferenciada, mais criativa, e os cursos de pós-graduação avançando a melhoria da qualidade do ensino de jornalismo e da pesquisa na área acadêmica, tornou-se possível, então, falar em um corpo teórico próprio desta nova disciplina, como veremos a seguir, tentando responder a um pressuposto básico: Porque as notícias são como são? Na primeira metade do séc. XIX, desenvolveu-se a chamada Teoria do Espelho. O jornalista é um Super Homem. Tem a sagrada missão de eliminar os Coringas e Máscaras que incomodam o sistema. Seu produto é uma transmissão não expurgada da realidade, um espelho. As notícias são como são porque a realidade assim exige. A função do jornalista é contar o que viu ou ouviu, doa a quem doer. O jornal é um contra-poder, uma arma política. O jornalista milita no partido do dono do jornal. O jornal é o próprio partido. Pratica-se um jornalismo fortemente opinativo onde poucas pessoas têm a missão diária de combater o Mal e defender o Bem. A dificuldade é definir o que é o Mal (talvez o “eixo do mal”) ou o que é o Bem (talvez uma multinacional que vem gerar “milhares” de empregos..). A ideologia perpassa o jornalismo, por isto é sempre muito perigoso deixar tamanha responsabilidade em poucas mãos, sob o risco de se cometerem terríveis injustiças. 18 Cf. Os Novos Cães de Guarda. São Paulo: Vozes, 1998. 135 Entretanto, o jornalismo patriarcal e artesanal vai sendo substituído pela empresa industrial na virada para o séc. XX, embora continue sendo administrado por “famílias” mesmo neste novo período empresarial. Em alguns países, como nos EUA, já existem os cursos para jornalistas desde as primeiras décadas do novo século. Assim, o mercado se moderniza, os repórteres se profissionalizam e os governos nacionais vão se democratizando. O jornalismo adquire um papel social importante. Agora o jornalista deve ter a cautela de não imiscuir opinião no texto informativo. Ocorre, assim, a separação entre “fatos” e “opiniões”. O novo paradigma é adotado pelas agências de notícias que começam a surgir: Havas (França), Associated Press (EUA), Reuters (Inglaterra), Wolfe (Alemanha) etc. Isto propicia o surgimento, nos anos 20 e 30, do conceito de Objetividade (do qual trataremos no final deste livro) que vem reforçar a Teoria do Espelho, condenando todo tipo de subjetivismos quando se trata do texto informativo. Cumpre retratar a realidade tal qual é. Walter Lippman, no célebre Opinião Pública, de 1922, chega a aconselhar os jornalistas a se vacinarem contra a subjetividade recorrendo ao método científico. 19 É preciso fazer um jornal cirurgicamente correto. Nos anos 1950, a pesquisa acadêmica já está mais avançada. O mundo mudou depois da guerra. A geopolítica global agora envolve interesses específicos. Os americanos iniciam uma corrida mundial para vencer a guerra fria através dos controles regionais. O exército americano - ou a “ajuda humanitária” - se faz presente, estrategicamente, por todo o globo. Inicia-se um processo de hegemonia com a mundialização cultural (que traz o rock, o jeans, a coca-cola, os shopping centers, os astros de Hollywood, ...os glamourosos tempos da brilhantina, os supermercados etc) e a globalização dos mercados (com a Organização Mundial do Comércio-OMC, o FMI, os blocos de livre-comércio). Os jornais, impressos a cores, instalados em modernos edifícios, equipados com parques gráficos de alta qualidade, já não se limitam a passar a realidade como ela é, simplesmente. A notícia precisa ser selecionada, editada, trabalhada, tratada, copidescada, reescrita. Além de informação, a notícia precisa comportar uma certa estética (a ponto de vários jornais, inclusive europeus, terem “maquiado” uma foto veiculada no mundo todo por ocasião do atentado terrorista em Madri, em 11.03.2004, eliminando uma perna humana arrancada, que aparecia no canto esquerdo inferior, como veremos no Capítulo 6, ao tratar do fotojornalismo). As notícias não são como são porque a realidade assim exige, mas porque os editores e demais gatekeepers (controladores) assim querem. É a 19 Cf. TRAQUINA, 2004, p. 147 - 148. 136 Teoria da Ação Pessoal, ou do Gatekeeper, proposta por David Manning White. A idéia foi tirada de um artigo publicado em 1947 pelo psicólogo social Kurt Lewin sobre decisões domésticas relativas à compra de alimentos para a família, enquanto a expressão, propriamente, foi inspirada num estudo sobre a atividade de um jornalista de meia-idade de um jornal médio norte-americano, Mr. Gates, que anotou durante uma semana os motivos que o levaram a rejeitar as notícias que não usou. 20 É preciso selecionar o que interessa ao público. As notícias publicadas resultam da intencionalidade. Não são sequer produto da organização jornalística, mas das convicções, quase exclusivamente psicológicas, de uma só pessoa instalada na burocracia da empresa jornalística. Um exemplo do poder pessoal conferido ao editor pela Teoria da Ação Pessoal, é o caso do jornal Washington Post que denunciou o Escândalo Watergate, em 1973. O Editor-Chefe confiou nos repórteres e tomou a decisão de publicar as informações da fonte fornecidas em off. Mas, e se as informações fossem incorretas? Ao invés da queda do Presidente Nixon ocorreria a queda do jornal, ou pelo menos do Editor, com graves conseqüências para a imagem da publicação, sem contar os pesados processos por injúria, calúnia e difamação. Também nos anos 1950, surgiu a Teoria Organizacional, lançada pelo sociólogo norte-americano Warren Breed, em 1955, reeditada em 1993, baseada em seu estudo intitulado Controle Social da Redação: Uma análise funcional. A premissa é que o jornalista está inserido na organização para a qual trabalha. Ele acaba se conformando mais com as normas editoriais da organização do que com quaisquer crenças pessoais que leve consigo para o trabalho. Não raro a própria norma editorial transforma-se em biombo para a acomodação diante da profissão. Ninguém dirá claramente ao “foca” qual a política editorial da empresa, mas ele a sentirá presente no ar, num primeiro momento, e depois entranhada no próprio sangue quando chegarem os primeiros fios de cabelo branco sem ter mudado de emprego. O jornal torna-se cosa nostra. A “visão de mundo” da empresa ou o seu modo de “ver as coisas”, vai se infiltrando na mente do funcionário-jornalista au fils du temps, para usar a oportuna expressão do professor de jornalismo da Universidade do Porto, Nelson Traquina, 2004. 21 Mas, quais são os interesses de uma organização jornalística? Avulta, aqui, de pronto, a dimensão econômica lembrada por Marx. 20 21 TRAQUINA, op. cit., p. 149 - 150. id. ibid., TRAQUINA, 2004, p. 153. 137 Naturalmente os interesses da empresa são os mesmos interesses da elite econômica e empresarial do país, os quais, por sua vez, são os mesmos interesses da elite governamental que dirige o país, pois mesmo quando se elege um presidente de esquerda, a necessidade de acordos com a “base aliada” acaba em uma política de subserviência aos dogmas do mercado, visando a estabilização da moeda, como se vê no Brasil, presentemente. O que se pode dizer, portanto, da Teoria Organizacional é que ela não é melhor nem pior que a Teoria do Espelho – pois a realidade é sempre fabricada, isto é, está sujeita aos “filtros” do observador – ou que a Teoria da Ação Pessoal – com a qual guarda muita relação, além de ser sua contemporânea. O que se pode afirmar é que, sob tal abordagem, as notícias não são como são porque a realidade assim exige ou porque o gatekeeper, isto é, o jornalista, as quer assim. As notícias são como são porque a Organização Empresarial (vale dizer, as elites) assim decidiu e para isto conta com editores de confiança dentro da redação. Eles vão praticar aquele jornalismo de reverência que Serge Halimi 22 , professor da Universidade Paris III, identifica na imprensa francesa e que denuncia, com ênfase, em seu ontológico “Les nouveaux chiens de garde”, no qual escreve: A grande imprensa se atribui o papel de `quarto poder`, isto é, além do Executivo, Legislativo e Judiciário. Dentro do Estado ela desempenharia a função de controle externo do poder, do lado da sociedade civil. Será? Será que seus vínculos fundamentais são com a cidadania ou com os centros de poder que, por sua vez, se conectam promiscuamente com o Estado? [...] Diz-se que um jornal é vendido duas vezes. Primeiro para as agências de publicidade. Depois para o leitor. É oportuno observar, entretanto, que o jornal não é apenas um produto que parte das elites – como bem observa Halimi. Ele também é um produto que se dirige às elites. Mesmo o noticiário da televisão – que deveria ter uma linguagem referencial para a generalidade das classes sociais que o acompanham – muitas vezes parece falar para si mesmo, como ventríloquo, ou para meia dúzia de iniciados no assunto, muitas vezes não só por causa do assunto em si, mas porque a anterioridade à qual a notícia se refere não é retomada, como se todo o público estivesse acompanhando as edições daquele telejornal todos os dias, tal qual seus próprios editores, repórteres e apresentadores. A própria pauta já privilegia temas que interessam muito mais à elite que ao conjunto da sociedade em geral. Por isto o jornalismo é frívolo e desinteressante como as próprias elites em seu mundo de superficialidades, frieza, consumo conspícuo e desinformação. Como já alertavam Adorno e Horkheimer, aqui o consumidor da informação não é o sujeito da 22 Cf. HALIMI, op. cit., p. 8. 138 informação, é mero objeto da indústria cultural. Serve para quantificar o Ibope e comprar coisas ou serviços. A comunicação começa nas elites e volta para ela, num circuito (ou sistema) fechado que só aparentemente está aberto a todos. Estudaremos a abordagem sistêmica ainda neste capítulo. Chegamos, então, à quarta teoria do jornalismo descrita pelo professor Nelson Traquina. É a Teoria da Ação Política. Ela prosperou nas décadas de 1960 e 1970, em meio à onda de protestos nos espaços universitários, quando os jovens franceses celebravam os famosos Três M: Marx, Mao e Marcuse. Aquela geração protestava contra a estrutura acadêmica conservadora reivindicando a modernização dos currículos, contra a guerra do Vietnã, contra as usinas nucleares, contra a sociedade estabelecida, contra as tradições em geral, contra os padrões e paradigmas da época. Queriam uma sociedade de paz e amor, onde fosse proibido proibir. E o que esperavam do jornalismo os jovens de 60? Que ele fosse mais honesto, mais comprometido com os interesses da sociedade, que – na qualidade de Quarto Poder - correspondesse às enormes expectativas da própria teoria democrática. Assim, em oposição à idéia reducionista e positivista da objetividade, surgiram estudos sobre o conceito de Imparcialidade. Foi um período também influenciado pela visão social de Antonio Gransci, pela problematização da linguagem (com Roland Barthes em 1967) e pela escola culturalista britânica (Hall e outros, em 1978). Pela nova ótica, o jornalista está a serviço da sociedade, não de si mesmo ou da empresa. Assim, as notícias são como são porque a sociedade assim o quer. Com as novas mídias, com a televisão, com a ampla exposição aos veículos de comunicação, com os multi-meios, o público é mais exigente e pune o veículo com cartas de reclamação (hoje com e-mails) ou cancelando a assinatura, ou mudando de canal, quando percebe que o veículo está subestimando sua inteligência (bem ao contrário da visão adorniana presente na Teoria Crítica). Para fidelizar o receptor, para não perder mercado – muito mais que por amor a ideais considerados românticos – o jornal trata de indagar sobre os interesses da sociedade, através de seus institutos de pesquisa. Tudo estaria perfeito se as empresas jornalísticas não vissem neste novo modelo a brecha para pesquisar também o gosto popular pelo espetáculo, pelo mórbido, pelo escandaloso. Com um olho no público-alvo e outro no Ibope, as empresas jornalísticas passam a operar o marketing de resultado (ou "marketing de guerrilha") identificando tudo aquilo que pode, de algum modo, aumentar o alcance do 139 veículo, seja em número de assinaturas, seja em aparelhos de TV ligado, pois essa pontuação será convertida em “milhões” na tabela de faturamento do Departamento de Publicidade. Nos anos 1990, o marketing de guerrilha incluía até mesmo a distribuição de fascículos de enciclopédia, pacotes de semente, jogos de montar etc dentro dos jornais. Depois surgiu o telemarketing que transforma o telefone em ponto de venda. Com a Internet, na virada do milênio, os jornais se duplicaram, isto é, têm uma versão tradicional impressa para o dia seguinte, mas têm uma “segunda alma”, uma “outra vida” dentro da rede mundial de computadores onde podem exercitar sua versão eletrônica, concorrendo com a mídia do mesmo nome, principalmente com a TV. Do ponto de vista do capital, até que tudo saiu bem, muito embora o pesado endividamento sobre algumas empresas que ousaram investir mais por um mercado maior, tanto no impresso como no eletrônico, onerando-se em dólar. Quanto às Teorias do Jornalismo, continua sendo difícil justificar, pragmaticamente, porque as notícias são como são. Os tempos mudam e as teorias vão tentando explicar os fatos à luz da mudança. “As teorias representam vários modos como os observadores vêem o meio à sua volta, mas as teorias não são, em si mesmas, a realidade. Muitos teóricos esquecem esse princípio. Com freqüência os estudantes são ludibriados pela concepção de que a realidade pode ser vista nesta ou naquela teoria”, afirma Stephen W. Littlejohn, da Humboldt State University-EUA. 23 6. A Abordagem Sistêmica e a Informação Circular Se é complicado definir, categoricamente, as motivações da imprensa, talvez ajude estudar o contexto em que se dá o processo de comunicação de massa. Neste breve olhar sobre as teorias da comunicação vimos a ênfase quantitativa no experimento de Shannon, onde já estavam presentes os conceitos de redundância, feedbak, linearidade, ruído, entropia etc. Mas foi a Teoria Cibernética que desenvolveu, nos anos 1940, o princípio da circularidade da informação como processo comunicativo, incorporando as bases da Teoria Geral dos Sistemas formulada, no final dos anos 1930, pelo biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy, o qual, por sua vez, inspirou-se nos estudos que 23 Cf. op. cit., p. 4. 140 o matemático e filósofo inglês Alfred North Witehead realizou, na década de 1920, sobre uma filosofia fortemente orientada em termos de processo. Na década de 1940, Bertalanffy tentou combinar os vários conceitos do pensamento sistêmico e da biologia organística em uma teoria formal dos sistemas vivos. Embora desconhecido no ocidente, antes de Bertalanffy um outro pesquisador formulou uma abordagem sistêmica que incluía também os elementos não vivos. Foi o médico, filósofo e economista russo Alexander Bogdanov, que deu nome à sua teoria de “Tectologia”, do grego “tekton” (construtor), o que pode ser traduzido como Ciência das Estruturas. Esta foi a primeira tentativa, na história da ciência, para chegar a uma formulação sistêmica dos princípios de organização que operam em sistemas vivos e não vivos, apresentada como Ciência Universal da Organização e definida como “a totalidade de conexões entre elementos sistêmicos”. Bogdanov distinguiu três tipos de sistemas: Complexos organizados (onde o todo é maior que a soma das partes); Complexos desorganizados (onde o todo é menor que a soma das partes) e Complexos neutros (onde as atividades organizadora e desorganizadora se cancelam mutuamente). 24 A estabilidade e o desenvolvimento de todos os sistemas podem ser entendidos por meio de dois mecanismos organizacionais básicos: formação e regulação. A dinâmica da formação consiste na junção de complexos por intermédio de vários tipos de articulações. Enfatiza, em particular, que a tensão entre crise e transformação tem importância fundamental para a formação de novos complexos. Podemos perceber com mais clareza através de exemplos citados por Edgar Morin, quando trata da interdisciplinaridade: A noção de informação, originada da prática social, adquiriu um sentido científico, preciso, novo, na teoria de Shannon, depois, migrou para a Biologia para se inserir no gene, onde foi associada à noção de código genético. A Biologia Molecular muitas vezes esquece que, sem essas noções de herança, código, informação, mensagem de origem antropossociomorfa, a organização viva seria ininteligível. [...] Mais importantes são as transposições de esquemas cognitivos de uma disciplina para outra. Assim, Claude Lévi-Strauss não poderia ter elaborado sua antropologia estrutural sem os freqüentes encontros que teve em Nova York - nos bares, parece - com R. Jakobson, que já havia elaborado a lingüística estrutural; além disso, Jakobson e Lévi-Strauss não se teriam conhecido se ambos não fossem refugiados da Europa: um escapara da Revolução Russa, algumas décadas antes, o outro deixara a França ocupada pelos nazistas. [...] um poderoso antídoto contra o fechamento e o imobilismo das disciplinas vem dos grandes abalos sísmicos da História (inclusive uma guerra mundial), das convulsões e revoltas sociais, que, por acaso, provocam encontros e trocas que permitem a uma disciplina disseminar uma semente da 24 Blaise Pascal já afirmava três séculos atrás: " Uma vez que todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas estão presas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes". Cf. MORIN, op. cit. p. 116. 141 qual nascerá uma nova disciplina. (MORIN, 2003, p. 108 - 109). 25 Assim como Bogdanov, outros cientistas utilizavam, em sua época, os termos “sistema” e “pensamento sistêmico”, mas foram as concepções de Bertalanffy de um sistema aberto e de uma Teoria Geral dos Sistemas que desenvolveram o pensamento sistêmico moderno como um movimento científico de primeira grandeza. Com o forte apoio subsequente da cibernética, as concepções de pensamento sistêmico e de teoria sistêmica tornaram-se partes integrais da linguagem científica estabelecida e levaram a numerosas metodologias e aplicações novas como a engenharia de sistemas e a análise de sistemas. Estudando a teoria de Bertalanffy, Norbert Wiener a entendeu como uma “lógica da mente”, uma abordagem unificada dos problemas de comunicação e controle, propondo, então, um novo nome: Cibernética, do grego Kybernetes (timoneiro). Logo a Cibernética ganhou espaço próprio nos estudos científicos, pois os ciberneticistas não eram nem biólogos, nem ecologistas. Eram matemáticos, neurocientistas, cientistas sociais e engenheiros. Concentravam-se em padrões de comunicação, especialmente em laços fechados e em redes, o que derivou em teorias afins, todas relacionadas com o funcionamento de sistemas, como a própria Teoria das Redes (aplicada atualmente por Pierre Levy et al no estudo do hipertexto), a Teoria dos Gráficos, a Teoria dos Compartimentos, a Teoria do Caos (que comporta a noção de entropia), a Teoria dos Jogos (desenvolvida por Neumann para explicar o comportamento dos jogadores supostamente “racionais” para obter o máximo de ganhos com o mínimo de perdas mediante adequadas estratégias contra o outro jogador), a Teoria dos Autômatos com entrada (input) e saída (output) que pode ser aplicada no sistema de aprendizagem pelo modelo de tentativa e erro e que foi a base da Máquina de Turing capaz de imprimir a combinação binária de “1” e “0” numa fita, ao infinito, conforme já vimos antes. Também surgiram, daí, a Teoria da Decisão (baseada na Teoria Matemática que trata de escolhas entre alternativas), a Teoria da Fila (destinada à otimização de arranjos em condições de aglomeração) etc. A partir da Teoria Geral dos Sistemas, os ciberneticistas desenvolveram os conceitos de realimentação, auto-regulação e auto-organização. Como também já vimos, os estudos cibernéticos estavam ligados à pesquisa militar norteamericana interessada na precisão de canhões anti-aéreos. Além de Norbert Wiener e Claude 25 Cf. MORIN, 1921, p. 108 - 109. 142 Shannon, os militares contavam com outros matemáticos e engenheiros renomados, como o já citado John Von Neumann e Warren McCulloch. As pesquisas conduziram a estudos relacionados com os mecanismos neurais subjacentes aos fenômenos mentais e o desafio era expressá-los em linguagem matemática explícita, criando uma consciência exata da mente, essa parte do corpo humano ainda tão desconhecida. A abordagem sistêmica, sendo estritamente interdisciplinar, permite integrar as várias especialidades que caracterizam a ciência moderna mediante a interligação da complexa rede de dados, técnicas e estruturas teóricas de cada campo, aproximando-nos da meta da unidade da ciência, além de ser um importante meio para alcançarmos uma teoria exata nos campos não físicos ou morfogenéticos (como veremos no estudo do Jornalismo Literário Avançado). A este propósito, o físico indiano Amit Goswami, professor de Física na Universidade do Oregon e de Física Nuclear Teórica na Universidade de Calcutá, propõe um novo paradigma científico que prevê um salto “quântico” em relação ao cartesianismo que separa a realidade em mente (o âmbito da religião) e matéria (o âmbito da ciência) propondo, assim, uma janela visionária para a espiritualidade. Para Amit o paradigma separatista newtoniano – baseado em Descartes - saiu-se vitorioso no universo capitalista porque foi bem sucedido na explicação do cosmo sem Deus, sem consciência. Hoje, porém, a situação de mal-estar que caracteriza o ser humano a partir de qualquer abordagem filosófica, só poderá ser vencida com o intercâmbio entre a ciência e a espiritualidade. 26 Não podemos compreender o processo de comunicação somente à luz do paradigma separatista. Matemáticos, engenheiros e ciberneticistas explicam friamente o processo técnico da comunicação, mas trata-se de uma ênfase quantitativa que nem sempre privilegia os amplos espaços da intencionalidade, do contexto, das diversas influências que perpassam o processo comunicacional. É certo que do ponto de vista lógico uma redação de jornal é como uma caixa preta – conforme a imagem proposta por Umberto Eco. Ela recebe todo tipo de dados e informações (input), durante o dia, e no outro dia toda aquela montanha de dados sai (output) devidamente organizada e sistematizada para cumprir sua função de informar. É um modelo matematicamente correto, técnicamente explicado. Entretanto, segundo a Teoria de Bertalanffy, esse sistema precisa 26 Cf. GOSWAMI, 2000, p. 12. 143 ser alimentado, o que se fará através do planejamento da edição (que inclui as tarefas do pauteiro, a infra-estrutura de apoio operacional) etc. O sistema também precisa de retroalimentação e isto virá com a resposta (feedbak) do receptor. Nem sempre essa resposta será linear como defendia a antiga Teoria da Agulha Hipodérmica, que aplicava o modelo matemático de Shannon à comunicação de massa, imaginando que os meios agiam instantaneamente sobre a mente do receptor dirigindo sua conduta como se fosse um autômato. Com o nível de informação dos dias atuais (basta lembrar que uma edição do New York Times contém mais informação do que aquela que as pessoas do séc. XVII conseguiam ter em toda a sua vida) não seria tão fácil levar as pessoas a acreditarem na invasão da terra pelos marcianos como fez Orson Welles na Rádio Mercury Theater numa transmissão para o Dia das Bruxas de 1938, a partir da novela de H. G. Wells, Guerra dos Mundos, ainda que não se possa subestimar o poder de persuasão da televisão, conforme o segmento de público atingido. Nem o talento de Spielberg conseguiu fazer da refilmagem de Guerra dos Mundos, exibido em julho de 2005, um grande sucesso. O jovem de hoje – nascido e criado no computador e nos jogos interativos - não se interessa por enredos menos complexos que Matrix, por exemplo. O que se observa, de fato, é que a maioria das teorias tradicionais não dão conta de explicar, satisfatoriamente, o processo comunicacional porque, fundamentalmente, não existe uma comunicação direta entre emissor e receptor. O que existe é a intercomunicação de sistemas. Como descreveu Bertalanfy, os sistemas são abertos e estão relacionados com inúmeros subsistemas, acima ou abaixo. Se conceituarmos a redação do jornal como um sistema de comunicação, veremos que trata-se de um sistema aberto a outros sistemas que o alimentam com informações (fontes), que asseguram sua sobrevivência física (empresa), que corrigem seus desvios (pesquisa, concorrência, mercado), que selecionam o que será publicado (repórteres, editores) etc. Podem ser vistos como sub-sistemas os demais vínculos de cada um desses sistemas com outros, como, por exemplo, no caso da empresa, os fornecedores de matéria-prima, os anunciantes, os bancos etc. Todavia, como já vimos que toda teoria é parcial na medida em que não dá conta de explicar totalmente a verdade dos fenômenos - e é isto que impulsiona o processo de conhecimento, através da pesquisa - também a Teoria Geral dos Sistemas é passível de 144 crítica. Para Habermas (1987), 27 por exemplo, "a Teoria de Sistemas, ao concentrar-se exclusivamente sobre os mecanismos de regulação sistêmica, negligencia a questão da `mudança no caráter da liberdade´, introduzido pela separação dos sistemas de ação do mundo da vida e, sobretudo, a respeito dos impulsos prático-morais de seus membros". Certamente Habermas está se referindo aos variados graus de consciência individual, isto que Nietzsche chamará de "vontade de potência", diante da realidade concreta. Com efeito, os graus de liberdade do indivíduo variam não apenas em decorrência da situação vivida, mas de sua formação ética, moral, cultural etc. Assim, não basta explicar, mecanicamente, o funcionamento dos sistemas. É necessário perceber a rica e incomensurável variedade de sentidos que a ação do indivíduo exerce no interior do processo. Feito o recorte crítico, é adequado reconhecer que o sistema (de comunicação) se desarticulará (Teoria do Caos,) se não conseguir entrar em contato com outro sistema de igual grandeza, o sistema de recepção da mensagem, formado pelos leitores do jornal (ou telespectadores da TV etc). Do mesmo modo que o sistema de uma redação está ligado aos sistemas das demais redações formando o sistema comunicacional, também o sistema do receptor está interligado com o sistema das representações sociais. Ao abordar a “estética da recepção”, o filósofo Hans Robert Jauss (1994), já citado, refere-se a uma valorização do receptor, na literatura moderna, a ponto dele determinar o contexto de produção do discurso. Para se retro-alimentar e corrigir permanentemente sua rota – como um sistema que se auto-regenera e por isto sobrevive – o sistema de comunicação precisa valorizar a opinião do seu receptor, respeitá-la, acatá-la, levá-la a sério. Na mesma medida, cumpre ao sistema receptor organizar-se, dentro da sociedade civil, para cobrar qualidade e ética dos meios de comunicação. Concluiremos, assim, que a Teoria Geral dos Sistemas, confirmando de certa forma, A Teoria da Ação Política, está a nos mostrar que o bom êxito da comunicação não se encontra, separadamente, na emissão ou na recepção, mas na contextualização do processo. Sendo assim, se considerarmos que o sistema do receptor está interconectado com o sistema social de recepção, teremos que as notícias devem ser como a sociedade quer e não como os jornalistas ou as organizações querem. Essa idéia de circularidade da informação está presente já na formulação de Lazarsfeld 28 sobre a importância dos formadores de opinião. Para ele a comunicação não é um processo 27 28 Cf. HABERMAS, Teoria de la Acción Comunicativa, Madrid: Taurus, 1987, p. 451. Cf. MATTELART, 1999, p. 47 - 48 145 meramente vertical ou linear. Ela comporta uma horizontalidade (sistêmica) segundo a qual os formadores de opinião são o primeiro degrau na instância de recepção da mensagem. Na família ou no trabalho sempre encontramos alguém “explicando” as notícias do dia. E porque é preciso explicá-las? Porque a mídia, no seu elitismo, apresenta-se de costas para o sistema do receptor. Os vários segmentos de público que integram o sistema social recebem de modo diferenciado a mensagem comunicativa. Cada pessoa entende de um modo. Isto explica porque, nas pesquisas eleitorais e nas apurações sobre o índice de popularidade do Presidente da República, por exemplo, são as classes menos favorecidas e menos letradas que demoram mais para se manifestar, enquanto as classes mais altas são as primeiras a reagirem (output) positiva ou negativamente por entenderem melhor o que estão recebendo (input) do sistema de comunicação. Naturalmente os estrategistas de marketing político servem-se desse “hiato de compreensão” para ganharem eleições ou corrigirem rotas (alimentação da imagem midiática), enquanto há tempo. Após este olhar geral sobre as mais significativas teorias da comunicação e, principalmente, sobre as teorias do jornalismo, cumpre examinar, no próximo capítulo e nos seguintes, algumas "ferramentas de trabalho" que estão disponíveis para os profissionais da mídia verdadeiramente comprometidos com um novo paradigma jornalístico, capaz de superar os entraves da fria objetividade, abrindo espaço para a emoção e a criatividade. Por isto vamos estudar os gêneros através dos quais a linguagem jornalística se manifesta, em suas variadas formas de comunicação, cada qual perseguindo um objetivo específico, bem como técnicas específicas de entrevista e de narrativa, destacando-se a nova proposta do Jornalismo Literário Avançado. 146 FERRAMENTAS DO SISTEMA 1. Gêneros do Jornalismo 1.1 Informativo 1.2 Recreativo 1.3 Opinativo 1.4 Interpretativo 2. Jornalismo Literário Avançado 3. Técnicas de Entrevista 147 Capítulo 5 FERRAMENTAS DO SISTEMA Porque os autores dos discursos de atualidade não estão perto das vozes do cotidiano como os artistas? Porque não ouvir um anônimo motorista de táxi? C. MEDINA 1. Gêneros do Jornalismo 1.1 Informativo A questão dos gêneros na práxis informativa ainda é uma área muito polêmica. Entretanto faz-se necessário estabelecer uma classificação de tendências em que a informação se processa. 1 Pelo menos no impresso, ao abrir um jornal, por exemplo, o leitor mais atento perceberá o predomínio de artigos assinados e matérias claramente opinativas como o Editorial. Nas páginas seguintes terá notícias curtas e algumas reportagens mais extensas. No caderno final e nos suplementos especializados terá uma informação mais amena, até com uma linguagem mais alegre como na crônica esportiva ou nas crônicas propriamente ditas. Há ainda reportagens fartamente ilustradas sobre viagens, saúde, lazer, comportamento, literatura, além de palavras cruzadas, tiras, horóscopo, adivinhações etc. Por isto alguns autores 2 classificam as matérias jornalísticas por seu conteúdo Informativo (as notícias curtas), Opinativo (os editoriais e colunas assinadas), Interpretativo (os textos mais explicativos, que interpretam o fato através de reportagens e entrevistas contextualizadas) e Recreativo (mais voltado para o lazer e a diversão do leitor). 1 Cf. MEDINA,1988, p. 55 Para Todorov (citado por Manuel Carlos Chaparro, em Sotaques D´Aquém e D´Além Mar - Percursos e Gêneros do Jornalismo Português e Brasileiro. Portugal: Editora Jortejo, 1998, p. 117) "gêneros são classes de textos com propriedades comuns". Assim, outros autores reúnem os textos jornalísticos mais de acordo com a forma que o conteúdo: Entrevistas, Reportagens, Artigos, Colunas, Editoriais, Pequenas Notas etc. 2 148 A professora Cremilda Medina entende que o Gênero Recreativo não é uma terminologia adequada, tendo em vista as transformações que os jornais estão experimentando com as novas tecnologias e com as pesquisas3 que identificam a adequada segmentação de público à qual correspondem os conteúdos de cada gênero. Ao fim e ao cabo, o que os jornais e toda a mídia buscam é alcançar a maior audiência possível porque é isto que atrai anunciantes e melhora o faturamento publicitário. Esse interesse pelo aspecto econômico-financeiro que permeia, de fato, todo o processo de produção capitalista voltado para a acumulação, 4 está suficientemente resumido no título da obra clássica da professora Medina: Notícia – Um Produto à Venda. 5 Neste capítulo vamos tentar caracterizar um pouco melhor cada um desses quatro gêneros do jornalismo. De início vale ressaltar que qualquer gênero é, antes de tudo, Informativo, pois a notícia é a matéria-prima do jornalismo. “Que vem a ser essa figura tão importante, espécie de prima donna da imprensa, vedete insubstituível no domínio jornalístico?”, indaga Luiz Amaral. 6 E responde com múltiplas definições: “Notícia é algo que você não sabia antes”. “É um pedaço do social que volta ao social”. “É tudo que o público necessita saber, tudo que o público deseja falar”. Ela se torna tanto mais significativa e interessante em função de sua atualidade (imediatismo), proximidade (local), importância (valor intrínseco), transmissibilidade (clareza), conflito (polêmica), suspense (capacidade de prender a atenção), emoções (presença do ser humano) e conseqüências (tendência futura). Encontramos no registro de Amaral 7 a grande lição que o jornalismo deveria observar, sempre, quando produz notícia: “Um acontecimento só nos detém quando, de uma forma ou de outra, temos a impressão de participação ou identificação... Para ser compreendido pelo público o repórter deve partir daquilo que ele conhece bem 3 Em palestra sobre Novos Paradigmas da Ciência, na Unesp, campus de Bauru, por ocasião da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em 5 out. 2005, a psicóloga e doutora em filosofia pela UFRJ, Viviane Mosé, produtora do quadro do Fantástico (TV Globo), "Ser ou não Ser" , revelou que a emissora carioca - líder de audiência no país - faz pesquisas permanentemente para verificar as demandas do gosto popular, com o objetivo de não investir em gêneros e produtos de pouca aceitação. No caso do quadro sobre os grandes filósofos - Ser ou não Ser - a pesquisa de opinião pública constatou, segundo ela, que as pessoas estão interessadas em formação, e não apenas em informação. 4 "As flores do campo e as paisagens têm um grave defeito: são gratuitas. O amor à natureza não estimula a atividade de nenhuma fábrica", afirma o Diretor de Incubação e Condicionamento em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley,1981, p. 20. 5 Cf. Editora Summus, 1988. 6 Cf. AMARAL, 1997, p. 39. 7 id., p. 42. 149 – ele próprio - e falar a linguagem do coração”. O mestre está nos ensinando a não abrir mão da emoção, a colocar-nos no lugar do outro, a sentir a sua dor ou o seu prazer, suas angústias, suas alegrias. Para tanto “é preciso descobrir na notícia um ponto de interesse, de contato, uma brecha que sirva para atrair o espírito do leitor”. 8 Geralmente o leitor se interessa por assuntos relacionados com sexo, morte, destino, dinheiro, situação do tempo, atos de generosidade e a piedade presente nos casos absurdos e emocionantes. Para Pierre Lévy, 9 “notícia é a virtualização do fato através do real simbólico”. 1.2 Recreativo Como vimos, o recreativo é uma forma ainda mais discutível de classificar os gêneros do jornalismo. Como relacionar na categoria de "recreativa" uma matéria de comportamento que trata de situações extremas diante das doenças graves ou terminais ou mesmo da própria morte? A reportagem sobre descobertas científicas pode ser definida como recreativa? E as matérias sobre Educação? O que outros autores defendem – como Alberto Dines - é um estilo leve, bem humorado, mais arejado, que não deve ficar confinado a este ou aquele caderno, mas que deve perpassar todo o jornal, do Esporte ao Editorial. A este respeito, o jornalista Márcio Moreira Alves critica a linguagem rígida dos editoriais brasileiros que, na sua opinião, parecem querer atingir a cabeça do leitor como uma pedrada, tentando enfiar-lhes goela abaixo a persuasão imaginada pelo editorialista. 10 De qualquer forma – com esta ou aquela classificação – o jornalismo precisa dar atenção ao leitor que busca um pouco de lazer, de recreação, de divertimento, algo para passar o tempo, descompromissadamente. A cultura do lazer é uma presença crescente no estressante ritmo da vida atual predominantemente urbana. Antigamente condenado como “preguiça”, hoje o ócio com dignidade é visto como hábito saudável, sinal de inteligência emocional, traço cultural e sócio-econômico, como define o sociólogo italiano Domenico De Masi. Isto significa que os jornais e toda a mídia devem valorizar o noticiário sobre cultura, esporte, teatro, cinema, viagens, humor, as crônicas e sátiras, o humor em geral...a própria educação ambiental pode ser passada, com excelentes 8 id. ibid. Cf. LÉVY, 1998, p. 55. 10 Citado por AMARAL, L. , 1978. Técnica de Jornal e Periódico, p. 140. 9 150 resultados, através da informação lúdica, dos jogos em forma de infográficos, dos desenhos e tiras, das histórias em quadrinhos, das crônicas etc. 11 1.3 Opinativo Mas o jornalismo não tem apenas o dever de informar e divertir – mesmo quando educa. Também tem o direito e o dever de opinar. É com a opinião segura, abalizada, bem fundamentada, que o veículo de comunicação cumpre seu papel social a serviço do receptor, agindo com transparência, passando seriedade e credibilidade. É necessário que os jornalistas tenham liberdade para comentar a realidade, orientando seus leitores. Infelizmente, entretanto, não é sempre assim, nem mesmo em países mais desenvolvidos. Basta lembrar o sensacionalismo dos tablóides ingleses ou a demissão do jornalista Peter Arnett, em 2004, nos EUA, por ter criticado a invasão do Iraque. É o que nos leva a constatar, infelizmente, que não existe liberdade de imprensa, apenas liberdade de empresa. Por isto muitos jornalistas se acomodam, como denuncia Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, aceitando as regras do mercado e silenciando quando deviam se manifestar. Para Luiz Beltrão 12 é a opinião que “valoriza e engrandece a atividade do jornalista, pois quando expressa com honestidade e dignidade, com a reta intenção de orientar o leitor, sem tergiversar ou violentar a sacralidade das ocorrências, se torna fator importante na opção da comunidade pelo mais seguro caminho à obtenção do bem-estar e da harmonia social”. No que se refere especificamente ao Jornalismo Ambiental, o “dever de opinar” é igualmente sagrado, pois trata-se de informar claramente sobre situações que aparentemente são vantajosas para a sociedade mas que escondem ciladas e intenções não reveladas pelos interesses ideológicos em jogo. Mas para opinar é preciso conhecer, estudar, pesquisar, checar dados, confrontar fontes, “gastar sola de sapato” como se diz. É isto que faz o diferencial entre os bons e os maus jornalistas, entre os que têm garra 11 "Os momentos escolhidos para ler os jornais são os intervalos de repouso: o descanso que segue ao almoço, a espera do jantar ou a hora de dormir. [...] a leitura dos jornais é a distração conscientemente procurada, nas salas de espera, nos (domingos e) feriados, quando chove", afirma Jean Stoetzel ao relacionar a recreação como a segunda função psicossocial da imprensa (após a função de atualização), acrescentando que o próprio público considera a leitura dos jornais como uma atividade de prazer. Ao mesmo tempo, para o político e jornalista francês Jean-Jacques Servan-Schreiber, em sua obra O Desafio Americano, "uma das principais características da civilização pós-industrial é o número de horas de lazer, cada vez maior, que o homem poderá desfrutar". Cf. AMARAL, 1978, p. 20-21 12 Cf. BELTRÃO, L. Jornalismo Opinativo. Porto Alegre: Sulina, 1980, p. 14. 151 e os que têm preguiça, entre os que são céticos e os que acatam tudo....qual jornalista se lembrou de pesquisar melhor quando, décadas atrás, um laboratório lançou o medicamento Talidomida para uso na gravidez? Mas todos noticiaram, anos mais tarde, o nascimento de crianças com defeitos físicos em todo o país... 1.4 Interpretativo Aparentemente o gênero Interpretativo - cuja base é a investigação acurada - confunde-se com o Opinativo. Mas não se trata da mesma coisa. Enquanto o Opinativo parte da informação ou de um pressuposto que configura uma hipótese a ser provada, desenvolvendo em seguida uma argumentação lógica baseada em boa pesquisa, terminando com uma conclusão persuasiva, o Interpretativo deixa para o leitor a decisão de acatar ou não a informação passada do modo mais claro e mais explicativo possível, sempre buscando a contextualização histórica, o entorno do fato, os detalhes do acontecido ou declarado, para ir além do meramente declaratório. Advoga-se, na verdade, um jornalismo que possa mostrar ao leitor as tendências futuras, isto é, o encaminhamento que o fato pode tomar, mas não a partir de futurologia irresponsável, e sim de um relacionamento "ótimo" com as fontes do setor. O relacionamento com a fonte é ótimo quando a cumplicidade profissional preserva a ética e o respeito mútuo, quando o profissional preserva o nome da fonte nas declarações em off e quando nem um nem outra usam o jornalismo com outro propósito que não o de levar a informação verdadeira ao público alvo. Naturalmente o bom repórter sabe que é necessário checar as informações e também sabe que não existem dois lados na notícia, mas muitos lados, talvez alguns conflitantes. Por isto é necessário checar, conferir, confrontar dados, ouvir de novo as mesmas fontes, se necessário. Este é, talvez, o gênero mais difícil - talvez por isto o mais gratificante - do jornalismo porque exige ainda mais apuração, mais entrevistas, mais consultas, mais investigação, mais envolvimento da equipe para que o trabalho saia “redondo”, na expressão de Alberto Dines, 13 para que o leitor receba todas as informações 13 Alberto Dines lembra, entretanto, que "o gênero investigativo foi sendo abandonado, aos poucos, pela imprensa brasileira, justamente quando os grandes jornais preferiram a linha ´empresarial´, que consiste basicamente em informar sem se comprometer. O golpe fatal lhe foi desferido paradoxalmente quando a ´febre´ da comunicação e do seu controle invadiu as instituições brasileiras [na década de 1970]. Organismos privados ou públicos passaram a organizar seus departamentos de informações para filtrar e divulgar através de notas e releases, a matéria de seu interesse ou que lhes era solicitada.". Cf. O Papel do Jornal, 1986, p. 91. 152 relacionadas com aquele tema e possa tirar, com segurança, suas próprias conclusões. Entretanto, é neste gênero que se destacam os grandes jornalistas, com destaque, nos Estados Unidos, para os textos da revista Time, em 1923, que inaugurou um estilo mais explicativo para noticiar os fatos da semana, influenciando o surgimento de publicações semelhantes como The New Yorker (celeiro dos primeiros livros-reportagem como A Sangue Frio, de Truman Capote; O Segredo de Joe Gould, de Joseph Mitchell etc), L´Express, na França; Der Spiegel, na Alemanha; L´Europeo, na Itália etc. Grandes nomes se revelaram no gênero interpretativo como John Reed, Tom Wolfe, Norman Mailler, Ernest Hemingway, Gay Talese, Gabriel Garcia Marques (Colômbia) e também o herói nacional de Cuba, José Martí, entre outros. No Brasil esse modo de fazer jornalismo de qualidade apareceu em 1928, na revista O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, registrando seu auge nos anos 50, com os memoráveis textos de David Nasser, Joel Silveira, Edmar Morel e tantos outros. Mas foi em 1951, com a reforma do Diário Carioca, onde Pompeu de Souza introduziu pela primeira vez na imprensa brasileira a técnica americana do lead e o Manual de Redação - como forma de sistematizar e padronizar a produção de notícias - que teve início a fase moderna da imprensa brasileira, já a essa altura operando em moldes empresariais. Outro passo importante na melhoria de qualidade do nosso jornalismo foi a reforma do Jornal do Brasil, por Alberto Dines, que também trouxe da imprensa americana a idéia do Caderno de Pesquisa e do Caderno Especial de Domingo onde os profissionais poderiam escrever textos mais amenos, mais contextualizados, afinal, interpretando melhor a realidade. Uma Realidade que surgiu como revista mensal em 1966 (preservando as características originais de narrativa diferenciada até 1968), ícone da imprensa brasileira, consolidando em nosso país o "Novo Jornalismo", juntamente com o Jornal da Tarde, em São Paulo, também em 1966, dando asas à imaginação criadora de nomes ontológicos como José Hamilton Ribeiro, Luiz Fernando Mercadante, Domingos Meirelles, Joel Silveira, Mauro Santayana e tantos outros que Audálio Dantas reuniu no livro Repórteres, em 1997, com apoio da Editora Senac. O "Jornalismo de Autor" – como Dines chamava o "Novo Jornalismo brasileiro" – também teve seu espaço na fase pioneira da revista Veja, seguindose, depois, os livros-reportagem de Fernando Morais, Zuenir Ventura, Ruy Castro, Caco Barcelos e os estudos acadêmicos na área do Jornalismo Literário (como veremos a seguir) 153 com o professor Edvaldo Pereira Lima (ECA-USP) e Celso Falaschi (PUC-Campinas) criadores do site www.textovivo.com.br Hoje o texto interpretativo está desprestigiado, embora já se observe uma tendência à sua retomada, diante do "cansaço" provocado pelo excesso de informações curtas e superficiais que os meios despejam sobre o receptor sem apresentar qualquer diferencial. O que tem ocorrido, infelizmente, é que a mesma tecnologia que situou o jornalismo como uma atividade de ponta na indústria gráfica do país, empurra os meios de comunicação para a necessidade de disputar mercado através da multiplicidade de pequenas notícias, abordando todos os assuntos, porém de forma superficial e meramente quantitativa. Parte-se do princípio que o apressado leitor de nossos dias não tem mais tempo para “saborear” longas reportagens. Por isto mesmo as empresas não investem mais em coberturas de fôlego, preferindo reduzir custos com a produção de notícias curtas que muitas vezes chegam pelas Agências de Notícia dispensando a contratação de bons jornalistas. Quando o jornal é regional, então, a cobertura local fica praticamente entregue a alguns interesses políticos e empresariais. Até mesmo parte expressiva do noticiário ambiental é “importado” de regiões distantes como se no “local” não existissem problemas ambientais. Assim, não há interpretação da realidade, não há explicação do fato e o jornalismo perde sua vocação principal que não é disputar espaço com os meios eletrônicos mas fazer o aprofundamento que o leitor espera, a contextualizaçãp que o fato exige. A este respeito, afirma o professor Ulisses Capozolli, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico: A imprensa tem pela frente um enorme desafio: o de fazer jornalismo interpretativo, ou seja, de contextualização histórica dos acontecimentos como esforço para oferecer uma inteligibilidade possível do mundo. Essa deve ser a alternativa, ao menos para a imprensa escrita, de enfrentar o caos informativo trazido pela Internet. Essa é a nova função da imprensa, resultado do impacto não só da tecnologia..mas do que se poderia chamar, novamente, de ´novos tempos´. Alguns observadores da mídia chegam a afirmar que o espaço para o jornalismo interpretativo, de qualidade, já está de volta, em parte da mídia, e que em muitas redações o que falta mesmo é profissional com a necessária sensibilidade, a indispensável força de vontade e a natural capacidade de escrever bem para relançar o gênero. 154 A se confirmarem tais prognósticos, caberá, naturalmente, à escola preparar profissionais mais criativos, menos propensos aos bitolamentos tradicionais da objetividade racionalista que teima em ter sempre a bordo os instrumentos inibidores da criatividade que são a apuração apressada, o excessivo formalismo do lead, os rigores do Manual da Redação, a pauta fechada (que não dá abertura de abordagem ao repórter) etc. Com a flexibilização curricular aprovada pelo Ministério da Educação e Cultura em 1996 e regulamentada em 2002, os cursos de jornalismo já têm liberdade para montar currículos mais adaptados às caraterísticas sociais, culturais e econômicas de cada região do país, o que abre perspectivas para currículos mais compreensivos em relação às demandas sociais da atualidade. Novos métodos de ensino centralizado no aluno, nos quais o professor é mais uma instância de aprendizado, e não a única, com a necessária implosão das paredes que cercam a sala de aula - através do uso adequado da Internet, ferramenta que revolucionou profissões como as dos comunicadores permitem à área acadêmica proporcionar um ensino em sintonia com os "novos tempos" de que fala o professor Capozolli. Algumas escolas do país - poucas ainda - estão introduzindo a disciplina "Jornalismo Ambiental" na graduação, na pós-graduação e também nas especializações. Esta é uma disciplina que oferece a oportunidade de levar o aluno ao questionamento da sociedade e dos modelos econômicos vigentes, despertando nele o senso crítico inerente ao profissional que se destaca do lugar comum. Afinal, trata-se de uma matéria intensamente interdisciplinar, que abarca várias áreas do conhecimento (economia, antropologia, sociologia, política etc) e que pode servir de modelo para a preparação de futuros jornalistas com visão ampliada na análise da complexidade do mundo. Este esforço de estudo interdisciplinar é próprio da característica sistêmica que envolve o conceito de meio ambiente permanentemente aberto em sua multiplicidade de abordagens e métodos. Para Edgar Morin, ...devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada" (MORIN, 2003, p. 16). 14 14 Cf. MORIN, 2003, p. 16. 155 Por isto mesmo, sendo o foco deste trabalho a tentativa de encontrar novos formatos, novas linguagens, novos paradigmas de informação e de formação jornalística, optamos por tratar o estudo do jornalismo ambiental através de uma nova abordagem que alia o honesto registro do fato acontecido (ou da declaração), como é esperado do jornalismo, com a capacidade de ousar na criatividade, na imaginação, na descrição de detalhes, na imersão em profundidade, no registro de histórias de vida das pessoas do mundo real (e não só dos "olimpianos" - termo que tomamos emprestado de Cremilda Medina - e autoridades). Estamos falando de uma nova linguagem jornalística, uma ferramenta que pode mudar o modo de fazer jornal. É a proposta do Jornalismo Literário Avançado. 2. Jornalismo Literário Avançado A abordagem do Jornalismo Literário Avançado nasceu na Escola de Comunicação e Artes - ECA, da Universidade de São Paulo, a partir da tese de doutoramento do seu criador, professor Edvaldo Pereira Lima, na década de 1990. Trata-se de um aperfeiçoamento da disciplina "Jornalismo Literário", que é ensinada na Europa e nos EUA, constituindo-se, com a sua adaptação ao Brasil, uma significativa contribuição acadêmica para a retomada do "jornalismo da totalidade" amparado na Teoria Geral dos Sistemas. A principal característica desse método é, exatamente, o rompimento com o paradigma linear presente no reducionismo de filiação iluministacartesiana. Valoriza a capacidade de observar a realidade com outros olhos, literalmente com "os olhos da mente", abrindo espaço para o lado direito do cérebro que é mais abrangente e subjetivo. Com este método o jornalista poderá ver a floresta além da árvore, ou atingirá a percepção diferencial de não ver apenas o dedo quando lhe apontarem as estrelas. Aquela pauta que renderá uma simples entrevista para o jornalista convencionalmente lógico, poderá significar um saboroso perfil para outro menos apressado, porque toda pessoa humana tem uma história e, para o professor Edvaldo, "não existe história ruim, o que existe é história mal contada". Isto também vale para as instituições, as cidades, os lugares. Nada nem ninguém está isolado ou perdido no mundo. Buscar esses elos de interconexão do ser, 156 aparentemente individual, no Ser cósmico, relevar a plenitude da vida, sua jornada, suas transformações, seus pontos de virada, sua trajetória, seus altos e baixos, suas glórias e misérias..é isto que faz o Jornalismo Literário Avançado, seja através do livro-reportagem, do flash-book , do perfil ou mesmo do texto curto. Dessa forma, enquanto a mediação convencional transforma uma entrevista em informações, as técnicas de "imersão" ou de "observação participante" darão ao jornalista filiado ao JLA a oportunidade de transmitir idéias, o que é absolutamente singular se aceitarmos que a mente humana pensa a partir de idéias e não de informações, como nos lembra Roszak. 15 Por isto o JLA recomenda a História de Vida em substituição à doutrinação quando o objetivo é a persuasão. Vimos isto lá atrás, em Agostinho e Francisco, que pregavam através de exemplos. Para CAPRA (1994, p. 69) "todo conhecimento significativo é conhecimento contextual, e grande parte dele é vivencial e tácita". Por outro lado, para transmitir a "vivência" do outro, é necessário que o próprio jornalista se faça "outro", de tal modo a passar para o receptor não a narrativa da experiência, mas a experiência em si que agora já será como que "sua" experiência, por estar incorporado nela. A este respeito, afirma Pereira Lima Na visão holística do mundo, o observador não pode ter uma leitura correta da realidade se não se preparar, ele próprio, para a condição necessária à nova perspectiva de entendimento. Observador, observado e a coisa observada transformam-se em interação sistêmica, crescem para novos níveis de compreensão. Só assim, mediante a experiência própria, o jornalista terá capacidade de despertar, no leitor, os estados de percepção similares aos que vivenciou. (Edvaldo Pereira Lima. In: Páginas Ampliadas, 1995 p. 258-259). 16 Todavia, "descobrir o outro, revelá-lo para os outros reivindica renúncia e coragem. Desvestir-se das crenças pessoais, das histórias de classe e família, da fama efêmera, do sucesso com o chefe circunstancial, das facilidades momentâneas e, literalmente, como se dizia há alguns anos, ´pisar no barro´, é um salto no escuro", como adverte Cremilda Medina. 17 E acrescenta: 15 "A informação é apresentada como a base do pensamento, enquanto que, na realidade, a mente humana pensa com idéias e não com informações. [...] Idéias são padrões integrativos que não derivam da informação, mas sim da experiência". Cf. Theodore Roszak. In The Cult of Information. Citado por CAPRA, p. 69. 16 Edvaldo Pereira Lima. In: Páginas Ampliadas, 1995 p. 258-259. 17 Cf. A Arte de Tecer o Presente, p. 149. 157 São várias etapas. Abrir-se, aprender a ouvir, a respeitar o diverso, a lidar com os desiguais, a ser descrente e apurar, a recuperar visões distintas, a eleger o pequeno como parte essencial do todo e a todos tratar igualmente. Porque nessa tarefa o que equivale é a humanidade. E a informação bem trabalhada é patrimônio da humanidade. Seja entre as mulheres afegãs, as africanas esterilizadas, as nordestinas famintas e malcuidadas, as modelos tornadas objetos de consumo ou os senhores de todos os poderes. Contar boas histórias. Contá-las bem. Com emoção. Este é o grande diferencial para a narrativa jornalística dos "novos tempos". Mas se agir friamente e apressadamente, se não se preparar, o jornalista não alcançará a empatia que Erasmo de Rotterdam ensina: O homem é feito de maneira que as ficções lhe causam muito mais impressão que a verdade. Quereis uma prova clara e sensível? Ide a vossas igrejas quando lá se prega. Se o orador trata de algum assunto sério, as pessoas se aborrecem, bocejam, dormem; mas se, mudando subitamente de tom e de assunto, [...] o pregador põe-se a recitar com ênfase alguma velha história popular, a audiência logo muda de atitude: todos despertam, se aprumam, escutam, todos são olhos e ouvidos. (ROTTERDAM, Elogio da Loucura, 2005: p .69 - 70). 18 Contudo, se a característica da narrativa pelo JLA é o rompimento do lead racionalista, para deixar passar todas as influências benéficas do nosso campo morfo-genético, é preciso lembrar, com clareza, que a narrativa sempre parte do fato real acontecido, vez que o JLA trabalha com a literatura da realidade. O que faz toda diferença é que no JLA a pauta é totalmente flexível e a captação não é apressada, do mesmo modo que a narrativa não está estrangulada pelo arcabouço das pirâmides invertidas, do lead, do sub-lead, do dead-line imediato etc. Já nos primeiros anos da faculdade, os estudantes de jornalismo que pretendem se aprofundar na opção pelo JLA para escreverem suas reportagens experimentais ou seus trabalhos de conclusão de curso, geralmente preferem a "cabeça bem-feita" à "cabeça bem cheia" de que fala Montaigne, explicado por Edgar Morin: O significado de uma cabeça bem cheia (g. n) é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. Uma cabeça bemfeita (g. n.) significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas [e dispor, igualmente, de] ...princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido. (MORIN, 2003, p. 21). 19 18 19 Cf. Erasmo de Rotterdam. In Elogio da Loucura, 2005, p. 69 - 70. MORIN, A Cabeça Bem-Feita - Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento, 2003, p. 21 158 Normalmente esses alunos pesquisam as novas ciências, como as Ciências da Terra (entre elas a Geografia), a Cosmologia (que trata do Universo), a Ecologia (que trata dos ecossistemas), a História das Civilizações (aprendendo mais sobre Islã, China, Índia), a Psicologia Arquetípica de Jung, 20 a Teoria dos Campos Morfogenéticos ampliada por Rupert Sheldrake, 21 a mitologia moderna estudada por Joseph Campbell 22 etc. Sobre a importância de estudar os mitos, e até mesmo o próprio sonho, Campbell dirá: "Uma coisa que se revela nos mitos é que, no fundo do abismo, desponta a voz da salvação. O momento crucial é aquele em que a verdadeira mensagem de transformação está prestes a surgir. No momento mais sombrio surge a luz". Eles igualmente lêem livros de Fritjof Capra, onde aprendem sobre a complexidade da vida e a abordagem holística, ou de Amit Goswami, sobre física quântica, isto é, sobre as ligações possíveis entre ciência e espiritualidade, ou sobre o grande mestre do pensamento complexo que é Edgar Morin. Na verdade, esses alunos identificados com as técnicas do JLA estudam a abordagem sistêmica do saber, como em Bertalanfy, assim analisada por Morin: A Teoria Geral dos Sistemas - que parte do fato de que a maior parte [sic] dos objetos da física, da astronomia, da biologia, da sociologia, átomos, moléculas, células, organismos, sociedades, astros, galáxias formam sistemas, ou seja, conjuntos de partes diversas que constituem um todo organizado retomou a idéia, freqüentemente formulada no passado, de que um todo é mais que o conjunto das partes que o compõem...[...] assim as propriedades do ser vivo são desconhecidas na medida de seus constituintes moleculares isolados, elas emergem neste e para esta organização. A rotina, fruto da ciência disciplinar, era tão forte que, por muito tempo, o pensamento sistêmico permaneceu afastado das ciências, tanto naturais como humanas, e, ainda hoje, é marginalizado. (MORIN, 2003, p. 26). 23 20 Carl Gustav Jung (1875- 1961), fundador da psicologia analítica, rompeu com o pai da psicanálise (Freud) por discordar - dentre outras teses - que o subconsciente humano tivesse uma natureza predominantemente sexual. Jung considerava, além do inconsciente individual, o inconsciente coletivo, constituído por símbolos universais, transmitidos de geração em geração e cristalizados nos arquétipos, como a anima, que é a faceta feminina da personalidade masculina, e o animus, que é a faceta masculina da personalidade feminina [...] Os arquétipos, enquanto patrimônio comum a toda a humanidade, podem ser encontrados na literatura, na arte, e em outros produtos culturais. No indivíduo, eles se manifestam nos sonhos e constituem fatores determinantes da personalidade e da conduta. Em Jung a terapia para os males psicológicos está na busca do equilíbrio. Exemplos de arquétipos do inconsciente coletivo são o mito do paraíso perdido, a figura do velho sábio, o herói etc. Cf. Eniclopédia Tudo. São Paulo: Abril Cultural, [s.d.], p. 131 e 748. 21 A Teoria dos Campos Morfogenéticos trata da determinação, da visualização e da projeção mental que podem solucionar problemas aparentemente incontornáveis, segundo Pereira Lima (1995, p. 255). Rupert Sheldrake é autor de O Renascimento da Natureza e de Os Sete Experimentos que Podem Mudar o Mundo", publicados pela Editora Cultrix, de São Paulo. 22 Os estudos de Campbell (1904-1987) sobre mitologia moderna, com vários livros publicados, influenciaram grandes criadores do cinema mundial como Spielberg e George Lucas (de Guerra nas Estrelas, Indiana Jones etc). A citação referida no texto está em O Poder do Mito, 1990, p. 39. 23 Cf. MORIN, 2003, p. 26. 159 Não faltaria assunto para tratar do JLA ao longo de todo este trabalho se este fosse nosso único propósito. (Na fase de demonstração desta tese capítulo IX - vamos apresentar alguns trabalhos realizados pelos alunos de jornalismo da Unesp com base nos ensinamentos do JLA). Mas o que buscamos aqui é apresentar as "ferramentas do sistema", isto é, alguns recursos que os futuros jornalistas poderão utilizar na proposta de um outro jornalismo possível, voltado para a leitura totalizante da realidade. Como o JLA, em sua metodologia, contempla exatamente este modo de ver, e como o estudo do meio ambiente apresenta características igualmente interdisciplinares por excelência, entendemos que o JLA pode ser uma boa ferramenta de trabalho. Sendo assim, podemos penetrar, agora - tendo adquirido, com humildade, o saber dos mentores - em algumas minúcias da própria técnica do fazer jornalístico que tem, na entrevista, sua matéria prima, etapa determinante nesta nossa jornada em busca do Graal do saber. Um saber que não nos torna melhores nem mais felizes se não colocado a serviço de uma finalidade nobre como é levar às pessoas um conhecimento integrado, inclusivo, holístico, que é muito mais do que simples informação, para não incorrermos na dúvida de T. S. Eliot: 24 "Onde está o saber que perdemos na informação? Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?" 3. Técnicas de Entrevista Algumas técnicas são essenciais na entrevista para o JLA, destacando-se, como já foi dito, o aspecto da "imersão". Nas histórias de vida, antes de mais nada, é preciso conquistar a simpatia do entrevistado. E isto não se faz com meias-verdades, com mentiras, com falsa identidade, com câmaras ocultas ou com qualquer outro expediente escuso. Pelo contrário, para estabelecer uma boa interação com a fonte, o jornalista deve ser honesto, transparente, amigo, companheiro. Ninguém abre a caixa preta da vida, na sua intimidade mais crua e mais exposta, a uma pessoa não confiável, estranha, maquiavélica. Por outro lado, o próprio jornalista deve se precaver para não se envolver em situações ilegais. Em depoimento à imprensa, no início de 2003, sobre seu livro a respeito de um 24 Citado por MORIN, 2003, p. 17. 160 traficante, Caco Barcelos contou que estabeleceu algumas normas, segundo as quais não tomaria conhecimento – durante as entrevistas – de fatos criminosos em andamento ou futuros, apenas de fatos passados. Também é necessário obter, logo de início, um documento assinado em que o entrevistado autoriza a divulgação de texto e imagem a seu respeito, o que poderá livrar o profissional de futuros e caros processos por uso indevido de imagem. Uma vez conquistada a simpatia do entrevistado, é necessário passar a conviver com ele em seu próprio ambiente. Foi assim que Joseph Mitchell escreveu uma das mais bonitas reportagens, em meados do séc. XX, contando a história de um boêmio do Greenwich Village, em Nova York, o popular Joe Gould, que estaria escrevendo uma História Oral maior que a Bíblia. Mitchell sempre evitava os lugares-comuns do jornalismo: celebridades, poderosos, "olimpianos"... Seus personagens viviam à sombra, anônimos. Suas reportagens eram buriladas anos a fio e foram elas que melhor capturaram o espírito de Nova York entre as décadas de 30 e 60. O primeiro perfil de Joe Gould foi publicado na revista The New Yorker no fim de 1942. Em 1964, Joseph Mitchell completaria o perfil de Joe Gould, sete anos após a morte de seu personagem, com o qual conviveu longamente nos bares da cidade até "percebê-lo" nos mínimos detalhes. Não agiu diferente outro destacado jornalista-literário norteamericano, Norman Mailer, ao descrever "a luta do século" entre Cassius Clay (Muhamed Ali) e George Foreman, realizada em 1974, no Zaire. O autor entrou "em comunhão" com seu personagem, interagindo com ele, sentindo suas dores, experimentando suas alegrias, participando de corridas com ele, convivendo em sua casa, no Zaire, tornando-se quase uma "extensão" da pessoa. Afinal, essa luta tinha algo de ideológico entre o americanismo escancarado de Foreman e o muçulmanismo combativo de Clay, aquela coisa de Bem contra o Mal tão própria do judaísmo-cristão e tão cara aos que continuam se achando no direito de mapear o "eixo do mal" sobre a terra. O polêmico Truman Capote passou seis anos fazendo entrevistas, coletando dados, lendo documentos, pesquisando, até publicar, em 1965, o clássico A sangue frio [sic], por ele considerado o primeiro livro-reportagem com recursos literários, baseado em fato real, narrando um crime ocorrido em 1959 no interior do Kansas, no meio-oeste americano. Para uma verdadeira "imersão" no contexto dos fatos, o autor mudou-se – por um ano – para a cidadezinha de Holcomb, onde um casal e seus dois filhos foram assassinados friamente, numa tragédia que causou comoção nacional. 161 Ao posfaciar o relançamento de A sangue frio [sic], pela Editora Companhia das Letras, em 2003, o jornalista Matinas Suzuki Jr. baseou-se em longa entrevista concedida pelo próprio Capote a George Plimpton, publicada em 16 de janeiro de 1966, em The New York Times, para expor o método de apuração que o autor utilizou até chegar ao que batizou de "romance de não-ficção". As informações que Matinas Suzuki Jr. coletou no referido depoimento revelam que Capote entrevistou por longo tempo um grande número de pessoas sem fazer anotações ou gravá-las. Segundo ele, a anotação e a gravação prejudicam o tempo dedicado à observação dos personagens e do ambiente, e intimidam os entrevistados, que perdem a naturalidade e deixam de fazer revelações importantes. Gay Talese, outro expoente do jornalismo literário, também condena o uso de gravador e das anotações na frente do entrevistado. Capote dizia ter treinado com um amigo uma técnica de prestar atenção absoluta ao que ouvia (o amigo lia longos trechos de um livro em voz alta, e depois Capote, qual um "fotógrafo literário", tentava reproduzir literalmente o trecho lido). Ele gabava-se de conseguir cerca de 95% de total precisão. A citação literal do texto tem o objetivo de lançar luz sobre a já referida dúvida que muitos profissionais têm na hora de registrar a apuração. Entretanto, mais do que a expressão mecânica do método - gravar ou anotar ou um dos dois ou nem um nem outro, o que resulta bastante relativo conforme as situações profissionais que se apresentam ou conforme as capacidades e limitações de cada entrevistador - o mais importante é reter o conceito do método. Trata-se, com efeito, de exigir do entrevistador uma concentração especialíssima sobre o que está ouvindo, uma capacidade de percepção do real muito superior ao que normalmente chamamos de "prestar atenção". Não basta prestar atenção, é preciso "entrar" na história, pensar junto com o entrevistado, "copiar" o seu vôo, como se diz no jargão da aviação quando o piloto precisa repetir, em vôo, as manobras do colega ou da equipe, como faz a Esquadrilha da Fumaça. A segurança da manobra depende literalmente dessa capacidade de interação do piloto com o grupo, numa fusão quase perfeita entre homem e máquina, tal como conta Edvaldo Pereira Lima a respeito de Ayrton Senna 25 ao conquistar suas melhores marcas com pneus de chuva, exatamente quando os concorrentes não conseguiam a concentração suficiente para evitar as fatídicas derrapagens. Muitos fazem entrevistas, muitos se põem a fazer perguntas durante dias a fio a um personagem determinado para escrever uma "história de vida". Mas poucos se perguntam por que Mitchell, Capote e todos os ases do jornalismo literário eram tão cuidadosos na 25 Cf. Ayrton Senna, Guerreiro de Aquário, 1995, p. 94. 162 apuração e levavam tanto tempo para produzir o relato. Tudo bem que contavam com o apoio (inclusive, ou principalmente, financeiro, coisa que falta hoje em dia) do fundador da revista The New Yorker, Harold Ross, e do editor Willian Shawn, que financiaram os dois autores e publicaram seus livros, inicialmente, em capítulos. Na verdade, resolvido o problema financeiro, não se pode ter pressa para produzir o jornalismo literário. Este é um gênero em que não basta registrar os fatos, é preciso pensar a narrativa, rechecar informações, conferir dados, ficar atento ao andamento da situação. No caso de A sangue frio, por exemplo, a obra pareceria incompleta ou menos importante sem a solução final representada pela execução dos criminosos. Seria transformar uma tragédia de grande repercussão em conto da carochinha, parodiando os clássicos dos irmãos Grimm: "E ficaram presos para sempre"... Também J. Mitchell só revelou o segredo do seu personagem depois que Joe Gould morreu. Vejamos outro exemplo. O jornalista e doutorando da ECA, Sergio Vilas Boas, 26 publicou novo livro sobre jornalismo em 2003 (Perfis e como escrevê-los. São Paulo: Summus, 2003) contendo perfis de 10 escritores brasileiros. Para isto ele agendou entrevistas nos "quatro cantos" do país, indo até o ambiente dos entrevistados para conversar longamente com eles em seus próprios locais de atuação. Assim ficamos sabendo o que pensam e como vivem Chico Dantas ("um cabra caladão") em Sergipe; Luiz Antônio de Assis Brasil ("culto e cosmopolita") em Porto Alegre; João Ubaldo ("sua paciência estava por um fio") no Rio; Cristóvão Tezza ("ex-hippie") em Curitiba; Ferreira Gullar ("o poeta perseguido pela ditadura") em Copacabana; Lya Luft ("a tradutora") novamente em Porto Alegre; Manoel de Barros ("e seu pequeno avião transpantaneiro") no Mato Grosso, Sérgio Sant´Ana, outra vez no Rio ("o terror está superando a poesia") etc. Para Vilas Boas perfil é uma história de vida, como a biografia. A diferença é que esta é duradoura, mais detalhada; tanto que, geralmente, os biógrafos preferem contar a história de pessoas que já morreram há 10 anos ou mais. Já o perfil é uma história mais rápida – embora possa ter até 150 páginas – que capta, basicamente, duas coisas: o momento e o ser da pessoa. Devemos interpretar pessoas como 26 Perfis e como escrevê-los, São Paulo: Summus, 2003. Do mesmo autor: O Estilo Magazine - O Texto em Revista. São Paulo: Summus, 1996, leitura básica nos cursos de jornalismo em todo o país. 163 interpretamos a arte, pois tanto a vida ilumina a obra como a obra ilumina a vida. Tudo está imbricado na mesma árvore: a pessoa, em si, já é uma obra. 27 O novo livro de Vilas Boas traça o perfil de escritores conhecidos. Entretanto, outros autores, como Mitchell, encontraram em pessoas anônimas seus personagens preferidos. Isto seria possível no Brasil? Vilas Boas responde que isto seria perfeitamente possível, daí sua explicação sobre o conteúdo "divino" de cada ser humano, o que ele vê como "uma obra de arte". Citando Pareyson: "O biógrafo, da mesma maneira que o crítico de arte, busca desvendar as ordens vital, humana e psíquica do seu sujeito, pois não se trata de ficar inerte na contemplação da obra, mas de ir muito além dela, até a oficina do artista, onde é necessário associar-se à sua criação, escutar com ele as exigências da obra, ver a obra no ato de regular a sua própria formação". (Pareyson, 2001, p. 223). 28 Esse diálogo do leitor com a obra é feito de perguntas e respostas, no processo de interpretação estética. Assim, a contemplação tanto premia quanto recompensa o esforço do espectador, segundo explica Vilas Boas. Para ele essas perguntas e respostas são perceptíveis num texto biográfico profundo, múltiplo. Nisto o perfil difere do noticiário convencional da imprensa porque não é necessário aguardar um "gancho": Geralmente o jornalismo convencional produz matérias especiais a partir de datas especiais: o aniversário da pessoa, uma data marcante, uma comemoração, quando ela morre, a festa de bodas etc. O perfil independe de ganchos. Vale pela pessoa mesmo, pelo ser humano que ela é. Mas não basta colocar a pessoa diante de um gravador ligado. É preciso transmitir um significado sobre o sujeito. Por isto é necessário estar muito atento durante a entrevista porque o corpo fala, o ambiente fala, tudo está falando o tempo todo e o bom repórter é aquele que consegue captar todas essas falas. Depois é preciso saber narrar porque sem narrativa não há jornalista. A exemplo de Capote, Vilas Boas também não usa gravador. Mas toma notas. Prefere anotar palavras-chave para reproduzir diálogos a partir delas. "Registro o principal, o resto vem depois", ensina. Ele também acha que o jornalista 27 Esta observação e as demais, atribuídas a Vilas Boas, foram extraídas de palestra que o autor fez para os alunos de Jornalismo Literário Avançado, no curso de pós graduação em Ciências da Comunicação - área de Concentração Jornalismo, São Paulo, ECA - USP, em 21 out., 2003. 28 Pareyson, 2001, p. 223, citado por Vilas Boas, ibidem. 164 deve ser cético: "Não se pode apenas confiar no que a fonte diz. É preciso pesquisar, ler tudo sobre a pessoa, tudo o que ela escreveu, fazer um trabalho de imersão mesmo". Sérgio avalia que o contato pessoal, a presença no ambiente do entrevistado é muito importante, a não ser quando isto é impossível como em dois exemplos existentes em seu próprio livro: a história de Gabriel Garcia Marques e a do escritor americano Paul Auster. Para perfilá-los, entretanto, leu tudo a respeito. Para dar mostras da importância de estar no ambiente do entrevistado, conta um caso que não está registrado no livro. Quando foi entrevistar Chico Dantas, no interior de Sergipe, notou algum estranhamento em relação ao "paulista" que chegava do Sul para entrevistá-lo. Por isto não titubeou em aceitar o "banho de bica" para o qual o anfitrião o convidou... foi aí que obteve o "ambiente de informalidade, de relaxamento indispensável a uma boa entrevista". No caso da entrevista com Sérgio Sant´Ana, Vilas Boas também buscou essa "empatia" com o entrevistado, procurando colocar-se "no lugar dele", quase que sentindo as dores e a depressão de um escritor competente, momentaneamente sem dinheiro até para trocar o sofá da sala ou recuperar a pintura do apartamento... A regra de ouro, segundo Sergio Vilas Boas, é ser leal e transparente. Ninguém deve tomar o tempo de uma pessoa apenas com o propósito de agredi-la, de prejudicá-la, porque isso não é ético. Por isso ele acha que é preciso dar acesso às principais informações do texto. O entrevistado poderá ajudar a melhorar algumas informações. O que não se deve usar, nunca, é a prepotência, a imposição. Um conselho importante para os iniciantes, segundo Sergio: "Não se deve aferrar-se demais ao método. O perfilador não deve se patrulhar demais. Cada um tem um modo de agir. Mas não basta agir, é preciso pensar também. Eu, por exemplo, começo com um título criado mentalmente. Depois crio um substantivo que defina aquela situação, aquele contexto. Depois tudo isso pode ir mudando, é apenas um começo". É necessário que o operador do JLA seja também uma pessoa com uma visão de mundo mais ampla, com bom acervo de leitura e leitura de qualidade, com boa disposição de fazer contato com as pessoas, de conhecer gente, de saber como as pessoas pensam. Era assim que Balzac 29 29 escrevia seus livros, tornando-se um dos Ninguém deve concluir o curso de jornalismo sem ler Ilusões Perdidas, de Balzac. 165 fundadores da Escola Realista na França do séc. XIX. Quem olha à sua volta, no mundo de hoje, sente-se compelido a uma política de inclusão social. "O modelo elitista naufragou. A insatisfação é crescente, o mal estar é geral. Também nas redações de jornal esse mal estar está instalado. Uma grave crise existencial abate-se sobre as pessoas. Mais do que seguir métodos preestabelecidos, eu me incomodo é com vidas", esclarece Sergio Vilas Boas. Resumindo, o conceito de Jornalismo Literário Avançado para o citado autor é: Pesquisa, Contato Pessoal e Narrativa Literária. Mas, como chegar a uma boa narrativa? Em suas obras e em suas aulas na ECA, o professor Edvaldo Pereira Lima lembra que não se pode chegar a uma boa narrativa sem uma adequada apuração, vale dizer, sem a entrevista cuidadosa. Se temos em mente o objetivo de traçar um perfil ou de escrever uma grande reportagem contendo uma história de vida, devemos levar em conta a Jornada do Herói, verificar os momentos de "ruptura" do entrevistado com o seu estado de vida anterior, os momentos em que ele rendeu-se humildemente a um poder maior para cumprir suas tarefas, bem como sua persistência, sua disciplina em busca do ideal. Devemos compreender as passagens da vida em que a pessoa colocou o "eu superior" (que trabalha pelo coletivo, pelo próximo, pela humanidade) acima do "ego" (que é mais individualista, que trata das coisas materiais, dos interesses pessoais, da sobrevivência etc.). Em que fases o entrevistado procurou ouvir o seu "sábio interior"? Como ele buscou a ajuda dos seus mentores? Como o Universo "conspirou a favor" do entrevistado através das inúmeras sincronicidades da vida, que também chamamos de "coincidência" ou "oportunidade"? É possível perceber na entrevista que o herói não caminha sozinho? O campo genérico sutil que envolve o entrevistado é negativo ou positivo? Como ele lida com a vida, o ser humano, as diferenças? Há preconceitos contra as minorias, as etnias, as religiões? O entrevistado cultiva o seu "Cristo interior"? Tem uma ação pró-ativa no mundo? Conduzindo adequadamente a entrevista, o bom repórter deixará que o mundo do personagem se revele em sua narrativa, em lugar de ele, repórter, invadir o mundo do personagem com "trombadas" agressivas ou com violência verbal. Citamos, há pouco, grandes livros-reportagem que podem servir de exemplo, de guia, para um trabalho nessa área do JLA. Quem se interessa por este 166 modo de expressão jornalística deve ler todos eles (e outros mais), procurando aprender a técnica dos autores. Outros livros-reportagem de grande sucesso no país, como Olga, Chatô –O Rrei do Brasil, e Corações Sujos, todos de Fernando Morais - inclusive sua coletânea de 2003, Cem Quilos de Ouro - apresentam esse tipo de entrevista mais aprofundada, com ampla documentação sobre os personagens e recriação dos ambientes em que viveram. São livros de fôlego que permanecem para sempre, como leitura imperdível para os estudantes de jornalismo, os comunicadores e o público em geral, consagrando definitivamente seus autores. A professora Cremilda Medina define bem o tipo de envolvimento que a entrevista em profundidade exige: Quando entrevistado e entrevistador saem alterados do encontro, a técnica foi ultrapassada pela intimidade entre o EU e o TU. Tanto um como outro se modificaram, alguma coisa aconteceu que os perturbou, fez-se luz em certo conceito ou comportamento, elucidou-se determinada auto compreensão 30 ou compreensão do mundo. [Ou seja, realizou-se o Diálogo Possível]. Para escrever as 732 páginas de Chatô – O Rei do Brasil, 31 Fernando Morais entrevistou 184 pessoas. Seu trabalho seguinte, sobre uma seita japonesa que espalhou o terror entre os imigrantes japoneses logo após a Segunda Guerra Mundial, ameaçando e matando quem afirmasse que o Japão havia perdido a guerra, Corações sujos, com 349 páginas, 32 envolveu 88 entrevistas e grande número de consultas a jornais do interior de São Paulo, onde a Shindo Renmei praticou atentados de 1946 a 1947, e seus matadores (tokkotai) levaram à morte 23 imigrantes e deixaram cerca de 150 feridos. Aqui é oportuno observar aos estudantes de jornalismo que este último livro resultou de uma característica que todo bom repórter deve ter: a percepção para o detalhe, o faro para a notícia. Morais estava realizando as últimas entrevistas para Chatô, na casa do próprio Chateaubriand, no Rio, quando, ao comentar com uma enfermeira de origem nipônica a prolongada doença do anfitrião, ouviu dela um comentário sobre outra 30 Cf. Entrevista, o diálogo possível, p. 7. Companhia das Letras, 1994. 32 Companhia das Letras, 2000. 31 167 história igualmente trágica sobre parentes que tinham sido aterrorizados e mortos por uma seita japonesa no interior de São Paulo. Ali nasceu Corações sujos, outro grande sucesso de Fernando Morais. Muitas vezes o repórter está participando de uma entrevista, mas está tão distante, tão distraído, tão desligado que não é capaz de perceber o que significa uma variação de voz, um gesto nervoso, uma frase inacabada, uma pausa inexplicável, uma referência extemporânea, uma lágrima inesperada ... e pode até passar batido diante de uma revelação extraordinária, só porque ela não estava na pauta. Entrevistar é a arte de ouvir, perguntar e conversar. O repórter está ali para realizar a mediação entre a fonte e o receptor através do suporte da comunicação. Por isto deve agir como um observador participante, atento para a subjetividade do encontro, para a riqueza informacional daquele momento único, agindo interativamente como um profissional da área de humanidades. Naquele instante o repórter não é cientista, não é árbitro do Bem e do Mal, não é dono da verdade: é um investigador da realidade, uma pessoa que assume postura humilde diante dos fatos tentando compreendêlos. Cremilda Medina explica melhor: Entramos numa especulação ilimitada, um mergulho na Verdade de muitas faces, contradições, em que a atuação do jornalismo é sempre relativa, nunca totalmente objetiva, cientificista, como pretendem os clássicos do mito da objetividade. Diante de uma realidade cifrada (como Freud diante do Sonho), inicia-se um processo de decifração. Trata-se da arte de tecer o presente e não a garantia científica de atingir a Verdade Absoluta. 33 Ainda no terreno das estratégias e da comparação entre os vários tipos de entrevista, é importante reter aqui os ensinamentos do professor Edvaldo Pereira Lima a respeito do encontro com a fonte especialmente voltado para o livroreportagem: O perfil humanizado é onde o livro-reportagem concede à entrevista a máxima possibilidade de alcançar dimensão superior ao que raramente seria aceitável nos veículos periódicos. A exigüidade de espaço, nestes, é uma condicionante limitadora a vôos mais elevados. No livro, todo o texto pode apresentar-se 33 Cf. MEDINA, 1990, p. 33. 168 em forma de entrevista, como é o caso de Conversas com Vargas Llosa, do jornalista brasileiro Ricardo A. Setti, editado pela Brasiliense em 1986. Essa opção reservou ao autor o privilégio de conduzir um diálogo interativo de qualidade com seu entrevistado, construindo-lhe um retrato humano ancorado em cinco eixos básicos: seus amigos e inimigos, a confecção e os projetos de seus livros, o ofício de escrever, a vida particular – fama, sexo, família, drogas, dinheiro, lazer – e a política. Há a pauta, mas também coexiste a flexibilidade de o entrevistador momentaneamente abandoná-la para entrar numa variante mais empática com seu entrevistado. Surge a emoção, surge a pessoa por detrás do mito. Ascende-se o circuito e não é mais a corrida atrás desse produto volúvel, a informação, que se dá. O que então desponta é, por parte do entrevistador e do público que lê seu trabalho, a descoberta compreensiva do universo, por vezes misterioso, às vezes exuberante, nem sempre comum, de um ser humano, sempre sendo um espelho das possibilidades disponíveis a toda a espécie. ( Pereira Lima, 1995, p. 89 - 90 ). 34 Além dessas técnicas de entrevista, de narrativa, dos gêneros etc o jornalista conta com a valiosa ferramenta da fotografia para valorizar suas reportagens. A fotografia dá vida ao texto, atrai a atenção do receptor, ajuda a explicar e contextualizar as situações. Por isto o fotojornalismo é disciplina obrigatória no curso superior, compondo-se de parte teórica e parte laboratorial. Na cobertura ambiental, a fotografia exerce um destacado papel de documentação e de referência. Entretanto, como a notícia ambiental ainda não merece da imprensa convencional a devida valorização, não é raro o uso de fotos meramente "ilustrativas" nas matérias ambientais, isto é, fotos retiradas de arquivo, portanto sem a presença participante do fotógrafo no local dos fatos, de tal modo que a matéria passa uma informação, mas a foto transmite outro contexto que o editor, arbitrariamente, superpõe. Em outras situações a foto é "tratada" para "dar conta" de explicar o fato. Ainda há casos em que a foto de arquivo é publicada sem crédito e sem data, de modo a dificultar o entendimento do receptor. No âmbito da fotografia são muitos os atentados à ética da informação, enquanto se imagina estar preservando a estética da diagramação à custa do sumário sacrifício da verdade. Na tentativa de comprovar a pertinência destas observações, escolhemos a Semana do Meio Ambiente de 2004 para analisar a cobertura ambiental do jornal Folha de São Paulo, considerado o maior do país, com atenção especial para a ferramenta fotográfica. É o tema do próximo capítulo. 34 Cf. PEREIRA LIMA, 1995, p. 89 - 90. 169 FOTOGRAFIA: DOCUMENTAÇÃO OU ILUSTRAÇÃO? 1. Semana do Meio Ambiente - 2004 2. Análise 3. Considerações 170 Capítulo 6 FOTOGRAFIA: DOCUMENTAÇÃO OU ILUSTRAÇÃO? As fotos de um jornal podem muito bem nada dizer-me, o que quer dizer que eu as olho sem pô-las em posição de existência. SARTRE 1. Semana do Meio Ambiente/2004 Diante da importância da fotografia como ferramenta de trabalho no jornalismo ambiental, decidimos - no decorrer desta pesquisa - selecionar as edições do maior jornal do país, a Folha de S. Paulo, que circularam na Semana do Meio Ambiente de 2004, entre os dias 2 e 6 de junho, para tentar compreender o papel que a imprensa convencional atribui ao fotojornalismo nas matérias sobre meio ambiente. Optamos pelo jornalismo impresso - foco de estudo nesta tese - por acreditar que o meio atinge mais diretamente o público formador de opinião por excelência, se comparado a outros meios de comunicação, como a própria TV, onde o noticiário sobre meio ambiente é mais abundante, mas o público é menos definido. Isto não invalida excelentes trabalhos que têm sido apresentados através da TV, sendo o melhor exemplo de todos eles, o Repórter Eco, da TV Cultura, apresentado aos domingos, sob a coordenação de Washington Novaes. Também é natural que, operando a partir da imagem, a televisão acabe privilegiando o noticiário ambiental que gera visual de qualidade, como as notícias sobre catástrofes ou os documentários fornecidos pelo National Geographic. Hoje, nos telejornais ou em programas como o Fantástico, sempre há espaço para imagens ambientais. Também são comuns os documentários do tipo Globo Repórter. A questão ambiental interessa, cada vez mais, a todas as pessoas do mundo, pois qualquer que seja o local do planeta onde ocorram danos ao meio ambiente, toda a humanidade é atingida, bem de acordo com a abordagem sistêmica 171 que explica a integração de todos e de tudo ao longo de todo o tempo. Além de ser interessante, o ambiente rende imagens imponentes, daí o interesse permanente da televisão. Entretanto, a decisão de pagar uma assinatura ou passar por uma banca para comprar um exemplar de jornal faz do leitor um observador privilegiado porque não ficará apenas no “olhar” que é próprio ao telespectador (muitas vezes passivamente), terá que selecionar as notícias de seu interesse, terá que lê-las, poderá concordar ou discordar, eventualmente arquivará informações relevantes ou usará tais informações em seu ambiente de trabalho, de convivência etc, ou como fonte de pesquisa documental. Talvez acessará o site do jornal para se manifestar a respeito do que leu. Não se trata, convenhamos, de um observador comum. Conquistar sua atenção para os assuntos de interesse ambiental e mobilizá-lo a favor de um novo comportamento diante do mundo à sua volta é uma tarefa de bom tamanho que o jornalista especializado tem pela frente. Na primeira edição estudada, a do dia 2 de junho, n. 27.454, a análise quantitativa revelou apenas uma notícia sobre meio ambiente. Com foto colorida de quatro colunas e chamada na primeira página, seguidas de matéria também de quatro colunas e foto em preto e branco na pág. 4 do Caderno C, era uma pequena reportagem do gênero “catástrofe”, a respeito da tempestade que desabou sobre Maceió, no dia anterior, matando 14 pessoas. “Segundo informações do Corpo de Bombeiros, a última grande tragédia ocorrida no Estado foi em 2000, com 20 mortos”, registrou a reportagem da Agência Folhas, assinada por Silvia Freire. O coordenador do Radar Meteorológico de Alagoas, professor Ricardo Sarmento Tenório, disse que a chuva foi provocada por uma nebulosidade muito concentrada, proveniente do oceano Atlântico, possivelmente formada na costa da África, que estacionou sobre Maceió. Na foto da primeira página, uma vista aérea do Distrito Industrial, totalmente alagado. “Chuva mata mais seis pessoas em Maceió, elevando para 20 o número de vítimas do temporal”. Esta foi a notícia relacionada com meio ambiente que o jornal publicou na edição do dia 3 de junho, n. 27.455, porém sem chamada na primeira página, apenas com foto em preto e branco e texto, ambos de quatro colunas, ocupando pouco mais de um quarto da página C-5. Foram ouvidas as mesmas fontes: Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Radar Meteorológico, Governador Ronaldo Lessa (PSB) e o prefeito interino Alberto Sexta Feira (PSB). A matéria informava que “2.112 pessoas estão alojadas em 17 abrigos montados pela Prefeitura de Maceió em escolas, associações de bairro e igrejas. Na noite anterior, 1.090 pessoas estavam desabrigadas. A chuva destruiu 75 casas e 172 danificou outras 118, de acordo com levantamento parcial feito pela Defesa Civil do Estado”. A foto mostrava funcionários da prefeitura e moradores procurando sobreviventes em área de deslizamento. É interessante observar que no canto inferior esquerdo da pág. A-10, o jornal publicou, nesse dia (03.06.04), a seguinte nota, de uma coluna por 9 linhas, na seção Toda Mídia, assinada por Nelson de Sá: “As chuvas que caíram sobre Maceió, em Alagoas, receberam destaque no JN e até em algumas agências internacionais. Mas a rádio CBN foi a única a registrar que elas atingiram `regiões nobres` da capital e provocaram até desabamento de mansões”. A mesma edição trouxe outras notícias sobre meio ambiente, todas pulverizadas pelos cadernos do jornal, sem destaque mas com a retranca “Ambiente”. Uma delas saiu na última página do primeiro caderno, A-16, que é a página do jornal dedicada aos assuntos de Ciência. Com 18 linhas, assinada pela Sucursal de Brasília, a nota de uma coluna, no pé direito da página, registrava que duas empresas brasileiras estão desenvolvendo projeto para retirar do ar 30 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2), responsável pelo efeito estufa, o que, segundo acordos internacionais, valerá ao país US$150 milhões em créditos que poderão ser vendidos para empresas e países da União Européia. Também no canto inferior direito, desta vez na página C-4, outra retranca “Ambiente” encabeçava o seguinte título de uma pequena matéria: “ONG diz que lares de SP são os mais poluídos”. Depois de examinar escritórios e 50 lares, o Greenpeace teria constatado que “nos lares de São Paulo foram encontradas as maiores concentrações de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs), substâncias presentes na fumaça dos carros”. A terceira edição estudada foi a de 4 de junho, n. 27.456. Um dos três editoriais do jornal, na página 2, tratava do Dia Mundial sem Tabaco – celebrado em 31 de maio daquele ano – quando autoridades sanitárias anunciaram estatísticas que mostravam a redução do consumo de cigarros no país. Preocupava-se, entretanto, o editorialista, com o fato de que os bolsões de resistência às campanhas antitabagistas encontram-se entre as “camadas de menor escolaridade e, presume-se, de menor instrução, que só procuram os serviços de saúde quando as doenças relacionadas ao tabagismo se tornaram mais difíceis de tratar”. O Folha Ciência, na pág. A-14, usou um oitavo de página 173 com a retranca “Panorâmica” – que geralmente traz uma boa foto sobre assunto de destaque – para publicar duas notas, uma sobre meio ambiente e outra sobre biotecnologia. A nota ambiental de uma coluna dava conta que o governo criou novas áreas de conservação: “Para comemorar a Semana do Meio Ambiente, de 31 de maio a 9 de junho, o governo criou ontem, por decreto presidencial, duas florestas nacionais e igual número de reservas extrativistas”. É importante registrar o pé da nota: “Sem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a cerimônia foi esvaziada. Só dois governadores participaram. Foram assinados convênios com mais de dez estados”. A outra nota – “Liberação de transgênico tem crítica nos EUA” – informava que o governo americano pretende tornar mais transparente o processo de aprovação de medidas relacionadas com os transgênicos, em resposta a críticas recebidas do Centro para a Ciência do Interesse Público. A coluna Painel S. A. do caderno Folha Dinheiro, publicava, à pág. B-2, uma breve nota também relacionada com o meio ambiente: “Embalagens – A Klabin lança o cartão KlaKold, para todos os tipos de embalagens frigorificadas, desenvolvido em parceria com a Sadia. Reciclável, o produto acarretou redução de 15% no preço, por ter eliminado pela metade as etapas de produção”. A página B-10 trouxe ampla matéria sobre a decisão do Ministério da Agricultura de ampliar a fiscalização e o controle de qualidade da soja brasileira embarcada para a Ásia, tendo em vista as reiteradas devoluções de navios brasileiros, pela China, acusados de transportarem soja contaminada com fungicidas. Manchete da página, com linha fina e box explicativo, a matéria ocupava um quarto de página mas não tinha foto, começando com uma retranca criativa: “Sinal Amarelo”. Na pág. C-2 uma nota de serviço explicava o estado das praias do litoral de São Paulo para banho, informando que das 20 praias poluídas na semana anterior apenas 7 continuavam impróprias, após monitoramento de 65 praias. A região com pior situação continuava sendo a cidade de Santos, com três de suas sete praias avaliadas como poluídas. Na pág. C-3, sob a retranca “Ubatuba” e o título “Prefeitura é acusada de dano ambiental”, nota de uma coluna registrava que uma área de 3.270 m2 de mata atlântica foi desmatada pela prefeitura de Ubatuba, segundo o Ministério Público e o Batalhão de Polícia Ambiental da cidade. A sessão Panorâmica do caderno Cotidiano publicava, na pág. C-3, uma boa foto (ainda que visivelmente ensaiada) relacionada com o meio ambiente. Trata-se do fenômeno da invasão de caramujos que ocorre nesta época mais úmida do ano 174 na zona norte do Rio de Janeiro. No sábado, dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, a edição n. 27.457 publicou poucas matérias sobre o assunto. Nenhuma na primeira página. Na página 2, nenhum editorial. Na última página do primeiro caderno, o Folha Ciência trazia uma matéria de três colunas por 9cm, com foto colorida ao lado, do mesmo tamanho. O texto tem a retranca “Ambiente” seguida da linha fina “Espécies em risco são ainda pouco compreendidas”, acima do seguinte título: “ONU diz que pesca insustentável é maior ameaça à proteção de corais”. O alerta da ONU lembrava que os corais – ainda pouco estudados - podem ser a chave para novos medicamentos e que estão sendo destruídos pela pesca predatória, pela exploração de petróleo em alto mar, pela instalação de cabos submarinos etc, conforme Klaus Töpfer, líder do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente-PNUMA. Na pág. 6 do caderno B, o jornal deu prosseguimento à retranca do dia anterior, “Sinal Amarelo” sobre a rejeição da soja sul americana pela China sob acusação de contaminação por herbicidas. Embora igualmente sem foto, a matéria estava mais contextualizada que na edição anterior. Um box mostrava que a soja é, de longe, o principal item na pauta de exportações para a China, com US$ 355,8 milhões exportados de janeiro a abril deste ano. Outro box tentava explicar a conduta chinesa e divulgava versões segundo as quais a China teria feito compras na América do Sul quando o produto estava em alta e agora estaria usando de estratégia para forçar a revisão dos contratos. O box ainda informava que nos últimos dois meses 239 mil toneladas de soja brasileira já foram devolvidas pela China. A parte da edição dedicada ao público infantil, o suplemento Folhinha deu três notas ilustradas sobre meio ambiente. Uma na pág. F 2, sobre instalações com lixo reciclável no Sesc Interlagos, e outra na pág. F-3, sobre a decisão do governo austríaco de adotar um regime de férias para os animais que trabalham em circos, além de proibir a mutilação de rabos de cachorros. Na mesma página, com mais destaque, uma reportagem também ilustrada com foto colorida, acompanhada de um box com mais duas fotos coloridas, menores, contava para as crianças como foi a mortandade criminosa de bichos no Zoológico de São Paulo, onde 73 animais já morreram em situação "ainda misteriosa", pois "as investigações continuam". No box uma nota sobre a volta da macaquinha Fafá que tinha ficado muito triste com a morte de seu companheiro de jaula, o macaco Felipe, e passara 175 quatro meses de isolamento no hospital veterinário. Abaixo da foto de Fafá, duas pequenas fotos mostravam um mico-leão-dourado e dois bisões, habitantes do lugar. A última edição pesquisada foi a de n. 27.458, que circulou no domingo, dia 6 de junho. Se durante a Semana do Meio Ambiente quase nada de relevante foi publicado sobre o tema, se no Dia Internacional do Meio Ambiente (5 de junho) também nada se publicou, o mesmo ocorreu nessa edição do domingo, dia em que o jornal atinge seu maior índice de leitura, quando o valor do exemplar, no interior de São Paulo, mais exatamente em Bauru, local desta pesquisa, passa de R$ 2,20 para R$ 3,50, esgotando-se logo pela manhã nas bancas. Nessa edição foi dada continuidade à polêmica da soja, agora com a China rebatendo as acusações dos produtores de que estaria denunciando a presença do fungicida Carboxin (usado no tratamento de sementes destinadas ao plantio e que estariam misturadas com a soja para consumo humano, conforme constatado nos navios devolvidos), segundo publicado às páginas B-1, B-4 e B-5. A seqüência de matérias revelava que o Brasil perdeu US$ 1 bilhão com o veto chinês à soja brasileira, por isto o Ministério da Agricultura estava anunciando enérgicas providências de fiscalização para evitar a contaminação do produto exportado. Pela primeira vez as reportagens sobre a soja traziam uma foto destacada no alto da página B-4, colorida, em 4 colunas, documentando (grifo nosso) a fiscalização do produto. Na página B-12 havia apenas um Informe Publicitário (coluna paga) do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São PauloSindusCon elogiando o lançamento, na semana anterior, em São Paulo, do manual “Madeira: Uso Sustentável na Construção Civil” – iniciativa do IPT-USP, Prefeitura Municipal de São Paulo e SindusCon, destinado a orientar os consumidores na compra da madeira adequada a cada uso e na destinação dos resíduos, visando preservar as florestas nativas e as espécies hoje escassas, como a peroba-rosa e o pinho-do-paraná. 2. Análise A pesquisa demonstra que o maior jornal do país ignorou a Semana do Meio Ambiente. Se atribuirmos o “valor-notícia” das fotos sobre Maceió ao efeito tragédia e se concordarmos que a cobertura sobre a soja está mais relacionada com o agronegócio do que com o meio ambiente, sobram apenas notinhas esparsas, sem foto, ou 176 então matérias ilustradas com fotos que não passam mesmo de “ilustração”, como veremos, restando apenas uma foto do tipo “documento”, que é a dos caramujos, mesmo assim sem texto e ensaiada. Nenhum pauteiro achou interessante propor reportagens e entrevistas sobre o tema da semana, embora a televisão tenha apresentado, na ocasião, sucessivas reportagens denunciando a extinção da Mata Atlântica que em 1500 ocupava 15% do território nacional e hoje está reduzida a menos da metade: 7%, conforme a ONG S.0.S Mata Atlântica, constatando-se também que há mais pobreza e miséria, hoje, onde o desmatamento foi maior. Porque o jornalismo ambiental é tão fraco e tão desprestigiado no Brasil? Para responder a este questionamento, busquemos, de início, uma definição para este tipo de especialização profissional que tem suas bases no Jornalismo Científico, ou no jornalismo de investigação, isto é, no melhor jornalismo de aprofundamento. Estamos falando da divulgação de fatos, processos, estudos e pesquisas relacionados com a preservação do meio ambiente e da biodiversidade apenas, ou também falamos de um jornalismo que coloca o homem no centro de suas preocupações? Este dilema está na base do enfrentamento que se dá entre os que praticam o chamado ecologismo 1 e os que vêem nas preocupações ambientais apenas uma ideologia de esquerda destinada a conturbar o crescimento econômico do país. Os mais conservadores, especialmente os de orientação neoliberal, entendem que precisamos antes cuidar dos problemas sociais, da pobreza extrema, da falta de saneamento para depois iniciarmos a batalha de salvamento do mico leão dourado e da ararinha azul. Estes, porém, confundem a preocupação ambiental, como um todo, com alguns setores do movimento ecológico que trabalham pela salvação de espécies em extinção, trabalho este muito meritório, diga-se... Também se esquecem que os problemas relacionados com a pobreza se agravaram exatamente nos últimos 300 anos de crescimento ilimitado da economia à custa da natureza, sendo, aliás, motivo de justa preocupação dos que se ocupam realmente do ambientalismo. Na verdade, trata-se de um falso dilema, pois, como diz o presidente da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, Miguel Milano: 2 1 Projeto político de transformação social, baseado em princípios ecológicos e no ideal de uma sociedade não opressiva e comunitária. Defendido pelo Partido Verde na Alemanha e na França, como já vimos, este princípio consagra a idéia de que não bastam medidas parciais de proteção ambiental. Trata-se de ampla mudança na economia, na cultura e na própria maneira dos homens se relacionarem entre si e com a natureza. 2 Engenheiro Florestal, professor da UFPR e da Colorado State University, nos EUA, criador do primeiro curso de pós-graduação em Ecologia do país. 177 Corremos o risco de matar os recursos naturais e inviabilizar o próprio desenvolvimento. Nossa população já é tão grande e nosso território já foi tão devastado que não é possível suprir primeiro as deficiências econômicas para depois discutir proteção ambiental. As duas coisas têm que ser feitas juntas. (Época, São Paulo, 7 jun. 2004, ed. n. 316, p. 58 - 60). 3 Mas, retomando o campo das definições, que se entende por jornalismo ambiental? Para Miguel Montaño: se puede establecer como periodismo ambiental aquél que se ocupa de la información de actualidade que contextualice, analice los procesos y enumere los efectos de aquellas intervenciones relacionadas com la naturaleza y el médio ambiente y en especial de aquellos aspectos que tienen que ver com su degradación. (MONTAÑO, 1999). 4 O autor fala-nos de um noticiário atual e contextualizado, duas características que envolvem todo o empenho do profissional no sentido de manter boas fontes de informação e de não poupar esforços para explicar os fatos dentro da situação onde eles ocorrem, tendo em vista , mais uma vez, que nada está isolado, principalmente quando se fala de meio ambiente. Desenvolvimento econômico e meio ambiente, como também já vimos, estão fortemente relacionados. Mesmo quando o jornalismo ambiental evita envolver-se com as várias correntes do movimento ecológico, buscando a prática objetiva da informação ambiental, desprovida de ideologia, esta é uma atividade que não está isenta de um certo ativismo, tendo em vista que os meios de comunicação são o único instrumento capaz de educar as pessoas na escala necessária visando uma mudança de comportamento. Filtrando os interesses em jogo, o jornalista especializado em meio ambiente deve ter em mente que o seu texto, a sua foto, não visam apenas dar uma informação superficial, visam, na verdade, sensibilizar as pessoas para que engrossem a luta pela defesa do ambiente. Esta especialidade “tem uma função educativa. É necessário que os futuros jornalistas tenham presente a importância do jornalismo ambiental na formação dos cidadãos”, argumenta a professora Ilza Girardi Tourinho, responsável pela introdução da disciplina "Jornalismo Ambiental" na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Segundo ela “mais que uma especialização, o jornalismo ambiental envolve uma visão de mundo comprometida com 3 Cf. revista Época, São Paulo, 7 jun. 2004, ed. n. 316, p. 58-60. Cf. MONTAÑO, M. Periodismo Ambiental en Canal Sur Televisión. Universidad de La Laguna-Tenerife-ES. In: Revista Latina de Comunicación Social, n. 6 abr. 1999. 4 178 novos parâmetros de convivência e solidariedade”. 5 Significa, naturalmente, atribuir ao jornalismo ambiental uma motivação mais ampla, uma garra maior, um espaço mais adequado diante do seu alcance e significação. Não é o que vemos, porém, nas edições analisadas nesta pesquisa. Conforme descrito no estudo da forma e do conteúdo, em muitas situações as notícias foram dadas em minúsculas notas de pé de página. Matérias maiores – como a da soja – mereciam, desde o início da cobertura, uma boa foto colorida porque tratava-se de identificar sementes (destinadas ao plantio, por isto mesmo de cor diferente devido ao tratamento com herbicida), impróprias para consumo humano, misturadas com a soja exportada. Em outras situações, as fotos foram usadas mais como ilustração – no caso do tigre siberiano da matéria sobre férias para os animais austríacos – do que como documentação, pois tratava-se de mostrar animais em situações de trabalho (em circos, em serviços policiais, em transportes de cargas, em trabalhos no campo etc), portanto credenciados às referidas “férias” que acabaram de ser criadas. Outras fotos, como na matéria sobre os corais, parecem explorar muito mais a plástica da imagem que seu conteúdo informativo, usando-se a foto apenas para chamar a atenção do leitor, já que não é possível identificar “no conteúdo da foto” algum tipo de dano causado pela ação da pesca. Todo o corpus da pesquisa revela que o fotojornalismo tem sido usado, no impresso, com a mesma displicência que se usam as imagens na TV, valorizandose o espetáculo da estética – inclusive com frias fotos de arquivo – sem maiores preocupações com o caráter ético de documentação que é próprio da fotografia, conforme KOSSOY(1989, p. 20). A foto dos corais foi extraída da revista “Science” - como dá conta o crédito - enquanto a foto do tigre siberiano - do fotógrafo Gerhard Gradwoht, da Associated Press -, “ilustrando” uma decisão atual do governo austríaco, foi tirada em 27 de maio de 1999, portanto cinco anos antes. Até mesmo as fotos do zôo de São Paulo haviam sido produzidas três meses atrás. Quando nos propomos a estudar fotos assim, desvinculadas da realidade, constatamos que essa atitude de impingir ao leitor fotos de arquivo como se 5 "O movimento ecológico e o jornalismo ambiental, desde o início dos anos 1970, têm dado um bom exemplo de compromisso com a cidadania na medida em que foram os primeiros a colocar na ordem do dia conceitos e discussões que ficavam até então restritos às instituições de pesquisa e universidades. Com o tempo as pessoas começaram a entender o que é poluição, o que é agrotóxico, qual o problema da camada de ozônio, para ficar só nestes exemplos, e a se somarem aos grupos que reivindicam melhoria da qualidade da água, do ar, do solo, enfim, da vida. Cf. Entrevista ao jornalista Juarez Tosi, da EcoAgência de Notícias - http://www.ecoagencia.com.br. Acesso em: 20 dez 2004. Cf. também http://www.boletinbit.tv.es - Información para profesionales de la TV. Acesso em: 9 out. 2003. 179 fossem atualizadas, contraria os cânones da fotografia, se considerarmos fundamentações clássicas como em ANDRÉ BAZIN. 6 Ora, a gênese de uma foto tirada cinco anos atrás como no caso do tigre siberiano – não pode estar presente na foto agora apresentada em outro contexto, totalmente diverso, por isto ela se reveste de mero caráter ilustrativo, sem condições de “documentar” o fato a que se refere. Claro, também, que o leitor comum não percebe tais detalhes, mas o exemplo remete a outros procedimentos igualmente condenáveis de alterar, digitalmente, a foto original de modo a torná-la “mais plástica” – como na bonita foto dos corais – ou menos agressiva – como ocorreu no atentado de Madri, em 2004, em que vários jornais do mundo apagaram digitalmente a imagem de uma perna humana que aparecia, isolada do corpo, no canto inferior esquerdo da foto, como já citado. Não é possível pensar a fotografia fora do seu ato constitutivo (DUBOIS, 1994, p. 59), por isto qualquer alteração é uma descaracterização, é uma manipulação do real acontecido. Quando fazemos a opção de recorrer a uma foto fria, de arquivo, para ilustrar um fato quente, do momento, certamente nos enquadramos na crítica que FRANCASTEL, (1993, p. 16) faz ao método educativo de Piaget por ignorar a arte: Evitemos substituir o mito do realismo – tão poderoso desde o Quatrocentos – por aquele de um estruturalismo que aceitaria a idéia de modelos de certa forma pré-fabricados e que o artista deveria descobrir em vez de criar. Atendo-nos ao que o fato representa em si, buscando ser fiel ao acontecido, sem máscaras ou manipulações, estaremos passando ao leitor uma mensagem mais transparente, mais clara, mais honesta, no que ainda podemos concordar com FRANCASTEL (1993, p. 16): “O artista cria objetos para permitir à sociedade tomar consciência dela mesma e comunicar as outras suas hipóteses” . Ademais, a imagem pertence ao seu contexto, isto é, remete sempre ao instante de sua produção, “ela não fala daquilo que não é mais, mas apenas, e com certeza, daquilo que foi”. (BARTHES, 1984, p. 123). Como podemos compreender a bela imagem do coral se ela nos fala de um instante passado que já não tem a ver com o fato atualmente denunciado sobre os danos causados pela pesca? Essa falta de coerência entre texto e imagem, entre passado e presente, entre a intencionalidade do ato fotográfico e a 6 “A característica essencial da imagem fotográfica deve ser procurada não no resultado, mas na gênese”. Citado por Philippe Dubois (1994, p. 66). 180 contingência representada, remete-nos ao questionamento de DENIS ROCHE 7 sobre o que interessa ver na foto: “A questão, decerto, não é mais ´qual a questão que nos é colocada por uma foto?`, nem ´o que um filósofo pode fazer com uma foto?`..., mas, antes, “com que uma fotografia pode ter algo a ver desde o momento em que se faz?” Quando produzida junto com o texto escrito, isto é, no mesmo tempo do fato acontecido, a fotografia complementa a informação, dando-lhe uma dimensão de contexto histórico, ajudando o leitor a entender melhor do que se trata, pois ali estará presente não uma imagem casual, mas um material jornalístico produzido com determinada intencionalidade em relação ao fato noticiado ou acontecido. É assim que podemos compreender melhor a informação sobre a tragédia de Maceió conferindo o Distrito Industrial inundado ou a cena dos trabalhadores procurando vítimas nos escombros. É o caso da foto mostrando a infestação de caramujos no Rio. O fotógrafo participou do evento noticioso, acompanhou o repórter, produziu a foto com determinada intencionalidade, com o objetivo de esclarecer, de explicar, de completar a matéria. Foi a única foto – nesta pesquisa – que documentou um fato ambiental, embora a falta de texto revele o descaso do editor com o assunto, tratado de forma meramente episódica e sem importância, como que cedendo à falsa premissa de que uma foto vale por mil palavras. A este propósito, citado por KOSSOY (1989, p. 51), JEAN KEIM 8 esclarece: Se a fotografia julga-se um documento e quer ser apresentada como tal, as informações escritas são de primordial importância. Esta verdade elementar é freqüentemente esquecida pelos que consideram que a fotografia basta-se a si mesma. A informação escrita é essencial. Mesmo quando reconhecemos a impossibilidade da neutralidade no jornalismo, teremos muito mais coerência na foto atual, criada, que na foto “arranjada”, “descoberta” no arquivo. O professor BORIS KOSSOY (1989, p. 53) esclarece bem a este respeito, em seu clássico “Fotografia e História”: A fotografia não é apenas um documento por aquilo que mostra da cena passada, irreversível e congelada na imagem, o assunto; faz saber também de seu autor, o fotógrafo, e da tecnologia que lhe proporcionou uma configuração característica e viabilizou seu conteúdo. 7 8 Citado por DUBOIS, 1994, p. 58. Cf. Histoire de la Photographie. Paris: Presse Universitaire, 1970:84. 181 Quando o jornal utiliza antigas fotos de arquivo para “ilustrar” informações atuais – por comodidade ou para não ter de comprar a foto verdadeiramente jornalística e documental – certamente está usando a foto como mera descrição 9 e não como parte do texto informativo. O uso inadequado do fotojornalismo no noticiário ambiental e os minguados espaços de fim de página parecem identificar que esta especialização profissional ainda é vista com muitas reservas por parte de editores e mesmo de empresários da mídia. Com melhor aproveitamento, este tipo de noticiário poderia contribuir mais significativamente para o engajamento de todos na tarefa de limpar o mundo e mantê-lo limpo para as futuras gerações. Não é o que sentimos, entretanto, quando, trafegando atrás de um veículo, percebemos, de modo bastante constrangedor, adultos e crianças atirando lixo sobre o asfalto, até mesmo pontas de cigarro ou latas de alumínio, pedaços de papel, restos de comida, tanto nas rodovias como em plena área urbana. Mais grave ainda é constatarmos, no noticiário, que o desmatamento das florestas avança, apesar de tudo, para dar lugar ao agronegócio, e que os animais silvestres continuam sendo contrabandeados no bojo da biopirataria, entre tantos outros males ambientais que se perpetuam renitentemente. Não se pode colocar toda a culpa no governo, mas tanto a imprensa quanto os órgãos públicos deveriam se empenhar mais em uma campanha permanente a favor do meio ambiente, acima de ideologias ou de denominações políticas. O exercício da cidadania e da civilidade, por uma vida mais saudável, não deve ser confrontado com a tendência ideológica do indivíduo, mas sim com sua noção de patriotismo e de cidadania, melhor ainda, de cidadão do mundo, tendo em vista a integração total de tudo e de todos. Não podemos ser, ao mesmo tempo, o cidadão que navega nas estrelas e que joga lixo na rua. Não faz sentido. A mídia tem o poder de educar. Exemplo de seu bom êxito, neste particular, é a continuada campanha contra o hábito de fumar. É bem verdade que os meios de comunicação foram obrigados a abrir mão da gorda receita publicitária proveniente dos anunciantes de cigarro, já que a publicidade foi proibida pelo governo. D e q u a l q u e r f o r m a o a p o i o a o a n t i - t a b a g i s m o r e s u l to u e m g r a n d e a v a n ç o , 9 Cf. KOSSOY, 1989, p. 53. 182 segundo provam as estatísticas em todo o mundo. 10 Considerado o poder da mídia, o que se poderia esperar, por exemplo, se as pessoas fossem persuadidas - através de reportagens devidamente contextualizadas e bem apuradas – a levarem menos plástico para dentro de casa, especialmente para a cozinha? Isto significaria utilizar containeres ou sacos recicláveis para acomodar as compras feitas no supermercado ou na padaria. Significaria voltar a preferir garrafas de vidro na hora de comprar cerveja e refrigerante. Afinal, sabemos que o plástico leva 450 anos para se incorporar à natureza. Também sabemos que, somente no Brasil, mais de 700 milhões de sacos plásticos são utilizados mensalmente, apenas nos supermercados, enquanto nos EUA e no Canadá o setor de plásticos cresce mais rápido que o de manufaturas, como vimos no capítulo sobre Consumismo. No entanto, o plástico é o maior poluente de oceanos e praias. No último dia 7 de maio o site BBC Brasil divulgou nota da revista Science, segundo a qual pesquisadores da universidade de Plymouth coletaram amostras de 17 praias e estuários da Grã-Bretanha e constataram, entre as partículas não-naturais, uma variação de plásticos ou polímeros, incluindo nylon, poliéster e acrílico. Tais evidências também foram encontradas no aparelho digestivo de minhocas e crustáceos. Um pauteiro não precisaria ser muito criativo para se indagar onde vai parar tanto plástico que as pessoas levam para casa e o que poderia ser feito para diminuir o impacto ambiental que este hábito, aparentemente tão inofensivo, provoca na natureza. Mas seria preciso juntar a informação globalizada da agência de notícia com a situação real do seu país, do seu estado, da sua cidade. Será que faltam assuntos para um bom caderno na Semana do Meio Ambiente? Além do plástico há problemas graves que afetam o mundo e todos nós como o lixo, 11 a escassez de água, 12 10 No Brasil, o hábito de fumar atingia quase um terço dos habitantes em 1989. Hoje os fumantes são apenas 17%, uma redução de aproximadamente 50%, segundo a OMS. 11 Pesquisas revelam que cada pessoa produz, ao longo da vida, 25t de lixo. Ora, até o final do século a população mundial terá crescido dos atuais 6,5 bilhões de habitantes para algo em torno de 14 bilhões...onde colocar tanto lixo se ele continuar crescendo na mesma proporção? Cf. Lester Brown, presidente do WWI-Worldwatch Institute e do EPI-Earth Policy Institute http://www.wwiuma.org.br/. 12 Dados da ONU revelam que nos próximos 20 anos a média mundial de abastecimento de água por habitante diminuirá em um terço. Os mais atingidos serão os países pobres. As crianças nascidas em países desenvolvidos consomem de 30 a 50 vezes mais água do que as dos países em desenvolvimento. A maioria dos 80 milhões de pessoas que são adicionadas à população mundial, a cada ano, está sendo adicionada em países que já sofrem escassez de água. Numa economia mundial cada vez mais integrada, a escassez de água cruza fronteiras através do comércio de grãos, uma vez que são 183 necessárias 1.000t de água para a produção de 1t de grãos...assim, a guerra futura pela água se dará no comércio internacional de grãos, segundo avaliação de Lester Brown. 184 a poluição química, 13 o aquecimento do clima 14 etc. Não falta assunto para pautar o meio ambiente, mesmo quando o jornalista se lembra que o jornal não é dele, é do patrão, como observa ABRAMO (1988, p. 110). Neste ponto é necessário refletir sobre a questão econômica, pois se os meios de comunicação são controlados pelas elites empresariais do país – e assim também é no mundo - se eles visam apenas o lucro porque a notícia é um produto à venda, como ensina MEDINA (1988), afinal, se todos visam apenas o lucro e não o bem-estar das pessoas, porque abrir espaço para um jornalismo que vai refrear o consumo e, consequentemente, reduzir o faturamento dos negócios? Embora aparentemente escandalizados com o que se passa no mundo, neste momento, será que os empresários de comunicação – e muitos jornalistas mais realistas que o rei - pensam muito diferente do Sr Bush, para quem “o negócio da América são os negócios”?. Para Ignácio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, a imprensa está contaminada pela ganância, pela subserviência, pela busca desenfreada do lucro. É pautada pelo individualismo racionalista, frio, calculista, superficialista. Ela valoriza mais o espetáculo, o consumismo, o desperdício. (Le Monde Diplomatique, 2002, p. 38). 15 13 Se é verdade que a Amazônia é o pulmão do mundo e que a floresta faz a limpeza do ar que respiramos na América do Sul, segundo pesquisadores de prestígio, e se é verdade que tudo está integrado, que os danos ocorridos em algum lugar do planeta acabam atingindo a todos, como ignorar as toneladas de veneno que estão sendo despejadas sobre a Amazônia Colombiana para combater o narcotráfico? O Plano Colômbia já provocou a contaminação de mais de 1 milhão de hectares da floresta com agentes químicos como o Round up Ultra, cujo efeito é 26 vezes maior que o permitido pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA para uso agrícola. Outro que preocupa é o fungo Fusarium Oxysporium, produzido pelo Departamento de Agricultura dos EUA. Segundo a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) as fumigações estão matando as crianças indígenas e destruindo a biodiversidade da região amazônica, ameaçando a segurança alimentar da população, dizimando a flora e a fauna. (Cf. Sem Fronteiras Web – Notícias de um Novo Mundo). 14 Responsáveis por quase um quarto das emissões globais de dióxido de carbono, os EUA recusam-se a assinar o Protocolo de Kyoto. Enquanto isto o efeito estufa, causado pela presença de CO2 derivado da queima de combustíveis fósseis, aquece o clima da terra e provoca o derretimento das geleiras, causando elevação no nível do mar. Mapa do Banco Mundial revela que a previsão de elevação de um metro até o final do século inundaria metade dos arrozais de Bangladesch, forçando seus 134 milhões de habitantes a migrar. Um terço de Xangai ficaria submerso. Donald F. Boesch, do Centro de Ciências Ambientais da Universidade de Maryland, calcula que para cada milímetro de elevação, a faixa litorânea regride, em média, 1,5 metro. Assim, o mar recuará 1.500 metros com uma elevação de 1 metro. Durante o século XX o nível do mar já subiu de 20 a 30 centímetros. 15 Cf. Le Monde Diplomatique (Cadernos Diplô), 3 jan. 2002, ed. n. 3, p. 38. 185 Este modo de abordar a questão parece deixar claro que as empresas de comunicação, longe de serem uma promessa de solução para os problemas ambientais ou de educação para a mudança, são parte do problema, daí a visível má vontade com o jornalismo ambiental. Naturalmente esta é uma situação que vai mudar porque a mídia terá que responder às demandas sociais por um ambiente mais saudável, assim as concessões atuais de minguados espaços e fotos de arquivo tenderão a se ampliar até que o JA se firme em seu lugar de destaque. Enquanto isto o que se tem visto é um grande crescimento do debate sobre ambientalismo em veículos menos dependentes do poder econômico, como a Internet e os jornais alternativos. A este propósito, TOURINHO (2003) afirma: Creio que o jornalismo ambiental tem muito futuro, mas temos que mudar a mentalidade dos empresários e também temos que utilizar outros meios. Por exemplo, os meios comunitários, como o jornal do Movimento dos Trabalhadores sem Terra-MST, um jornal que tem uma visão crítica sobre esses temas ambientais, como no caso dos transgênicos. Por isto digo aos meus alunos que é preciso buscar meios alternativos para mudar a situação. (Entrevista em 2003). 16 3. Considerações Das indagações aqui levantadas, resulta que o jornalismo ambiental é um modo de ver a realidade, não se tratando apenas de coletar e difundir notícias, mas de difundir conhecimentos, criar consciência e incentivar a transformação de práticas e comportamentos danosos ao meio ambiente e, logo, prejudiciais à vida, em toda a sua extensão. Não se pode prescindir da imagem, enquanto documento, neste tipo de jornalismo científico 17 porque a imagem, juntamente com a boa apuração, será a grande aliada do texto persuasivo. Todavia, como se observou na pesquisa, nem sempre o jornal usou fotografias nas matérias ambientais. Quando o fez, explorou apenas o aspecto ilustrativo da fotografia, o que confere à notícia um caráter de mero entretenimento (como 16 Em entrevista ao site espanhol Boletinbit.tv – Información para profesionales de la TV, em 09.10.2003. 17 "O jornalismo ambiental deve ser tratado como um campo do Jornalismo Científico, que, pela importância assumida na atualidade, precisa ter uma abordagem diferenciada, porque hoje, mais do que nunca, estamos discutindo o futuro do Planeta. [...] esta é uma discussão que envolve todos os setores, muitos dos quais já estão se especializando para atender as novas demandas da sociedade". Cf. Ilza Tourinho. In: entrevista ao jornalista Juarez Tosi (ibid). 186 nas fotos do zoológico) ou de espetáculo (como na apresentação do tigre ou dos corais), em prejuízo da função educativa da informação. Esse modo frio e distante de tratar a questão, talvez explique o próprio desinteresse do público pelos temas ambientais, ou pela reflexão que eles poderiam despertar. O que se tem visto é muita confusão de linguagem, muitas vezes tratando-se como jornalismo ambiental o que não passa de agronegócio, 18 ecoturismo ou jornalismo-catástrofe. A falta de arcabouço teórico que forneceria as bases para a linguagem, a forma e o conteúdo adequado a esta especialização, resulta no jornalismo ambiental que temos hoje, apenas preocupado com a veiculação de notícias oficiais ou com um denuncismo insubsistente e escandaloso, às vezes até chantagista e inconfessável. Ao contrário do que já acontece em muitas universidades da Europa e dos EUA - conforme observado anteriormente - em nosso país há pouquíssimos cursos universitários, na graduação ou na pós-graduação, preparando os futuros jornalistas especializados em meio ambiente. Se não há ensino, é natural reconhecer que também não há pesquisa, o que empurra para um horizonte remoto o preenchimento dessa lacuna na área acadêmica, deixando o Brasil bem atrás da própria América Latina onde prosperam centros de estudos a respeito, em todos os níveis e nos mais variados fóruns. Os estudantes de jornalismo também podem concluir, no que se refere à prática profissional, que esta especialização exige uma indispensável prova de coerência do próprio jornalista. O repórter que não está em harmonia com ele mesmo e com a vida (de bem com o mundo, como se diz), não vai conseguir ser convincente quando tiver que pautar, apurar, escrever, fotografar ou editar sobre meio ambiente, vida saudável, desenvolvimento sustentável, tecnologia limpa, biodiversidade etc. Afinal, jornalismo é emoção, é vida, e só quem está vivo pode falar de vida, com vida, esperança e 18 Depois de viver por quatro séculos de costas para o interior, o Brasil descobriu [de repente] a competência do seu produtor rural. De Jeca Tatu, o agricultor virou celebridade, com direito a capa de Exame e matéria especial no Jornal Nacional, da Rede Globo. Na verdade foi a imprensa estrangeira - Newsweek, Financial Times e New York Times - e não a cabocla, quem primeiro descobriu a força do agronegócio brasileiro. [De fato] o país lidera a produção mundial de soja, suco de laranja, açúcar, carne bovina e frango. O agronegócio, responsável por 30% do PIB do país, deve exportar US$ 30 bilhões [em 2004], o dobro da receita apurada em 2000. O setor, portanto, merece respeito e destaque na mídia. O que preocupa é a qualidade da cobertura, que nos parece superficial e ufanista. A maioria das reportagens comemora a conquista do cerrado pela agricultura, sem dedicar uma linha que aponte os riscos para o ambiente com a expansão desenfreada da soja na região [amazônica]. Fala-se no sucesso do camarão do Nordeste, produto que ganhou mercado no exterior, mas não se menciona os impactos desta produção sobre o frágil ecossistema do litoral nordestino. Destaca-se a excelência da nossa pecuária de corte, hoje líder no mercado mundial de carne bovina, mas não se aponta o crescente desmatamento na Amazônia [com impactos sobre o clima e o efeito estufa] para a implantação de pastagens. Cf. Bruno Blecher, Observatório da Imprensa http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br . Acessado em 08/09/2004. 187 fé. Schopenhauer pode até dizer que "a vida é um negócio que não cobre os seus custos", 19 mas não é o que pensa Fichte, por exemplo, ao dizer que "nada tem valor e significado incondicionados, a não ser a vida; todo o demais, pensamento, invenção e saber, só tem valor na medida em que de algum modo se refere ao que é vivo, parte dele e visa refluir para ele". 20 É permitido deduzir, afinal, que o jornalismo ambiental não convence porque os jornalistas não estão convencidos. Estão muito “conformados” com a linha editorial das empresas onde atuam, com manuais de redação que reduzem e bitolam, sem capacidade de ousar e pensar, sem a emocionante experiência de se sentirem livres. Muitas vezes nem mesmo os grandes jornais são tão livres como apregoam. Vejamos o que diz um dos principais autores de Jornalismo Literário de todos os tempos, Gay Talese, a respeito da imprensa, ao analisar a pseudo independência editorial do New York Times, especificamente do jornalismo “chapa branca” que o jornalão tem praticado no caso da invasão do Iraque: O problema é que ela [a imprensa] não relata a notícia porque não a vê. A notícia é entregue à mídia por alguém – pelos generais, pelo pessoal de relações públicas do presidente. No afã de conseguir informações de dentro, exclusivas, os jornalistas se tornam `embutidos` justamente com as pessoas das quais deviam estar desvinculados. (TALESE, Folha de S. Paulo, 2004). 21 Este tipo de militância certamente exigirá, por igual, um posicionamento político que aceite lutar por um outro modo de ver o mundo, com um olhar que vá além dos negócios, que possa contemplar o belo e o simples, o singelo e o feliz, o autêntico e solidário. Só um jornalismo assim, emocionante e vivo, conseguirá superar a passividade do homem moderno, situado em um contexto econômico erigido, desafortunadamente, pelo neoliberalismo que privilegia o individualismo, o “salve-se quem puder”, o alheamento diante das questões coletivas, a total ausência de solidariedade perante 19 Cf. O Mundo como Vontade e como Representação, vol. II, 1844, cap. "Da nulidade e do sofrimento da vida", citado por TANNER, M. in Schopenhauer - Metafísica e Arte. São Paulo: Editora Unesp, 2001, (Coleção Grandes Filósofos), p. 24. 20 Cf. FICHTE, J. G., citado por TORRES FILHO, R. R. O Espírito e a Letra. São Paulo: Ática, 1975, p. 54. In GOETHE, J.W. Doutrina das Cores. Apresentação e tradução de Marco Giannotti. São Paulo: Nova Alexandria, 1993, p. 21. 21 Entrevista a Rafael Carrielo, de Nova York, para a Folha de São Paulo, 6 jun. 2004. 188 o problema “do outro”, sem se dar conta que o “outro” é ele mesmo do ponto de vista do “outro”, ou seja, que nada nem ninguém está isolado. Tudo atinge a todos. Já se falou muito sobre isto e ainda hoje é preciso correr o risco de ser olhado como lunático ou desequilibrado para pensar em menos consumismo, menos concorrência, menos arrogância e mais felicidade. Talvez este seja o espaço adequado para transcrever Oscar Niemeyer: 22 Sentia que essa preocupação com a modéstia e a importância que poderia assumir em qualquer movimento de caráter político nunca tinham sido devidamente valorizadas. O que parece justificar o empenho com que a elas costumo voltar, certo de que, mais modesto, o homem será um dia mais feliz. O próximo capítulo está dedicado a uma pesquisa mais aprofundada no corpus especificamente selecionado para esta tese, onde será possível examinar, mais detidamente, algumas questões levantadas, neste capítulo e nos anteriores, sobre o jornalismo ambiental, com o objetivo maior de interessar os alunos de comunicação social, e públicos afins, na pertinência deste debate, mediante o indispensável olhar crítico sobre o que está sendo produzido a respeito. Com tal objetivo examinaremos novamente o jornal Folha de S. Paulo, desta vez por um período maior de tempo, e, também, um jornal do interior do país, o Jornal da Cidade, de Bauru - SP. A grande indagação é: - Tal como são feitos, os jornais ajudam a educar para o comportamento ambiental correto? 22 Cf. Folha de S. Paulo, seção Tendências e Debates, 06/06/2004. 189 A NOTÍCIA AMBIENTAL NO JORNAL IMPRESSO 1. Descrição do Método 2. Descrição da Mostra 3. 4. 2.1 Jornal n. 1 2.2 Jornal n. 2 Análise dos Dados Coletados 3.1 Quantidade de matérias publicadas 3.2 Assuntos mais noticiados 3.3 Visualização das matérias 3.4 Gênero das matérias 3.5 O lugar das matérias 3.6 As fontes de notícia 3.7 Quem faz a notícia 3.8 Global ou local? Conclusão 190 Capítulo 7 A NOTÍCIA AMBIENTAL NOS JORNAIS IMPRESSOS Was íst denn die wissenschaft? Sie ist nur des Lebens Kraft. Ihr erzeugt nicht das Leben. Leben muss erst Leben geben. 1 GOETHE 1. Descrição do Método Já vimos que o pensamento sistêmico é a base para uma alfabetização ecológica da sociedade. Portanto, se a responsabilidade de melhorar o nosso mundo toca a cada um de nós, em particular, toca também, com muito maiores motivos, aos meios de comunicação, por seu compromisso social e por seu poder de influenciar o modo como as pessoas pensam e agem, segundo está a nos lembrar a hipótese do agenda setting. 2 Acreditamos que o jornalismo irá incorporando mais e mais este viés de responsabilidade histórica perante a causa ambiental na exata medida em que as novas gerações de jornalistas forem educadas no contexto da visão sistêmica. Entretanto, não basta reivindicar "espaços de poder" como editorias ou especialidades isoladas que não dialogam com as demais disciplinas. Trata-se, isto sim, de permitir que o "olhar sistêmico" esteja presente o tempo todo, na própria vida, no ensino e na aprendizagem de qualquer disciplina escolar, ou na 1 " O que é pois a Ciência? É apenas força da vida. Vocês não engendram a vida. A vida deve antes dar a vida" (Goethe, Zahme Xenien). 2 "Agenda setting é o poder que a mídia teria de determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá". Cf. BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na Comunicação: da informação ao receptor. São Paulo: Moderna, 2001, p. 169. Consulte também, sobre o mesmo assunto, BRUM, Juliana de. A Hipótese do Agenda Setting: Estudos e Perspectivas. Revista Eletrônica Razon y Palabra: México, 2003 ou HOHLFELDT, Antônio. Os estudos sobre a hipótese de agendamento. Revista Famecos, Porto Alegre, n. 7, p. 42-51, nov. 1997. Consulte também McCOMBS, M. e SHAW, D L. A evolução da pesquisa sobre o agendamento: vinte e cinco anos no mercado de idéias, 1993. In: TRAQUINA, N. O poder do jornalismo: análise e textos da teoria do agendamento. Coimbra: Minerva, 2000. 191 cobertura de qualquer evento jornalístico. Como bem lembra Alberto Dines, o jornalismo, antes de ser especializado, ambiental, científico, online ou qualquer outro designativo classificatório, é jornalismo em si. Em qualquer país, em qualquer língua, em qualquer lugar, nenhum tipo de jornalismo jamais poderá abrir mão da ética, da apuração rigorosa, da checagem das fontes, do texto claro e correto, da contextualização, da criatividade. Este capítulo está destinado ao exame da hipótese que alimenta esta tese. Trata-se de indagar, a partir de pesquisa quantitativa, se, do modo como vem sendo feito, o jornalismo está ajudando a educar, específicamente se está ajudando a educar para o consumo sustentável, isto é, se o jornalismo "percebe", na sua prática diária, as intercorrências inerentes ao conceito de sustentabilidade. Buscando respostas a tais indagações, abordamos a questão através do método hipotético-dedutivo, também amparados pelo método observacional (ou fenomenologia do visível). 3 Como método de procedimento, selecionamos a Análise de Conteúdo, seguindo o delineamento de Laurence Bardin 4 – formulado em 1952 - lastreado em cinco etapas: Organização da análise, Codificação, Categorização, Inferência e Tratamento informático. Bardin – entre outros autores – refere-se à AC como uma técnica de pesquisa para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação. Entretanto, este método não se limita aos aspectos quantitativos que, nas últimas décadas do século XIX, foram utilizados exacerbadamente para medir o sensacionalismo da imprensa americana, confundindo objetividade e cientificidade com a minúcia da análise de freqüências. 5 Na verdade, um dos principais aspectos da formulação de Bardin é a perspectiva de Inferência que o método internaliza, permitindo ao pesquisador extrair conhecimentos sobre os aspectos latentes da mensagem analisada. Este aspecto contribuiu para amenizar o impacto da herança positivista na análise de conteúdo, de tal modo que outro estudioso do método, Krippendorff, 6 afirma: “A análise de conteúdo é uma técnica de investigação destinada a formular, a partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem se aplicar 3 Método desenvolvido por Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) no clássico da literatura e da filosofia "Doutrina das Cores", publicado em 1840. Pela observação metódica, Goethe tenta compreender a lógica das cores, redescobrindo a cor como fenômeno da experiência vivida, cuja "verdade" só emerge de maneira pura com a pintura. Cf. comentário de Bento Prado Júnior in GOETHE, Johann Wolfgang von, Doutrina das Cores. Apresentação, seleção e tradução de Marco Giannotti. São Paulo: Nova Alexandria, 1993. 4 Cf. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edição 70, 1988. 5 Cf. FONSECA JÚNIOR, Wilson Corrêa da. "Análise do conteúdo" in DUARTE e BARROS (orgs.), 2005, p. 282. 6 KRIPPENDORF, Klaus. Metodologia de análisis de contenido. Barcelona: Paidós, 1990, p. 29, citado por FONSECA JUNIOR, ibid. 192 a seu contexto". Assim, a análise da mostra coletada permite não apenas quantificar e mensurar as publicações mas, também, aquilatar, dentro do possível, a intencionalidade, a manipulação, as transformações da mensagem até a publicação, bem como as motivações ideológicas e preconceituosas, proporcionando mais consistência investigativa ao trabalho de pesquisa aqui proposto. Outra razão para a escolha deste método é o bom êxito revelado em sua aplicação pioneira na América Latina através dos estudos de Jornalismo Comparado realizados por Jacques Kayser, ex-diretor do Instituto Francês de Imprensa, quando esteve à frente do Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América Latina (Ciespal) 7 , em 1962, embora sendo nosso firme propósito não ingressar no mérito dos conteúdos funcionalistas 8 desses estudos. Ademais, "transcendendo as noções normais de conteúdo, envolvendo as idéias de mensagem, canal, comunicação e sistema, com metodologia própria e orientação fundamentalmente empírica, exploratória, vinculada a fenômenos reais e de finalidade preditiva", conforme Krippendorff (1990), a análise de conteúdo afigura-se-nos como o método mais adequado a esta pesquisa filiada à Teoria Geral dos Sistemas. Os veículos selecionados para esta pesquisa sobre o jornalismo ambiental são o jornal Folha de S. Paulo, de circulação nacional, e o Jornal da Cidade, de Bauru, no interior do Estado de São Paulo. De 01 de janeiro a 03 de julho de 2005, foram coletadas 27 edições dominicais de cada jornal, no total de 54 produtos. Apesar de alguns desvios-padrão do noticiário regular, quando a mídia dedicou espaço mais ampliado à catástrofe das tsunamis na Ásia, nos primeiros meses da medição do corpus, (janeiro e fevereiro), à morte do Papa João Paulo II (abril) e ao escândalo do "mensalão" (junho e julho), não foi necessário descartar nenhum produto, pois a própria ênfase dada a tais assuntos configurou, na medição quantitativa, a tendência ao chamado "jornalismo de espetáculo", que anuncia os grandes números e 7 "Fundado pela Unesco em 1958, em pleno contexto da Guerra Fria, o Ciespal estimulou, na década seguinte, o ensino técnico-profissional em oposição à formação clássico-humanista que até então predominava nos cursos de jornalismo. Reflexo de uma política de contra-insurgência à ameaça comunista no continente, a atuação do Ciespal representou a modernização dos sistemas educacionais latino-americanos pela valorização do funcionalismo norte-americano". Cf. MEDITSCH, Eduardo. "Ciespal trouxe progresso...e o problema insolúvel do comunicólogo". Citado por FONSECA JÚNIOR, in DUARTE e BARROS, op. cit., p. 284. 8 "O funcionalismo é uma variação do positivismo, adequado à sociologia por Émile Durkheim. As idéias de Durkheim foram sistematizadas nos Estados Unidos por intermédio de Talcott Parsons e Robert K. Merton, nomes considerados clássicos do funcionalismo norte-americano". Cf. FONSECA JÚNIOR, ibid. 193 publica as grandes imagens, mas não esclarece suficientemente a respeito das causas dos fenômenos e nem acompanha os desdobramentos relacionados com o sofrimento humano a médio prazo tão logo surjam no horizonte outros espetáculos igualmente potencializadores de audiência, como foi o escândalo do "mensalão". Para cada notícia ambiental constatada na mostra final, foi aplicado o modelo de codificação desenvolvido por Bauer 9 na aplicação prática da análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin. Após a seleção do corpus (Organização da Análise), este esquema consiste em uma folha de papel no formato A-4 10 , contendo células reservadas para cada código (é a fase da Codificação). A partir do exame minucioso de cada notícia, o codificador registra seu julgamento para cada código na célula designada. Completada a codificação, todas as folhas de codificação são juntadas e seus dados transferidos para o computador visando a análise dos dados, agora reunidos em gráficos e quadros explicativos (Tratamento Informático). É natural que este processo, por implicar julgamento humano (Inferência), não atinja a fidedignidade perfeita que seria ideal, mas é possível esperar um nível aceitável de confiabilidade, desde que o pesquisador tenha tomado as precauções iniciais relacionadas com a pré-análise da mostra a ser colhida, a identificação clara do tema a ser pesquisado, a adoção de um referencial teórico, a formulação de hipóteses e objetivos, a definição correta do corpus. O modelo de Bauer prevê a) o recorte – escolha das unidades de registro e de contexto; b) a enumeração – escolha das regras de enumeração; c) a classificação e agregação – escolha das categorias. (É a fase da Categorização). Enquanto as Unidades de Amostragem (UA) referem-se ao produto (ou edição de um jornal/telejornal etc) as Unidades de Registro (UR) reportamse a cada notícia selecionada, dela podendo-se extrair registros como palavras-chave, personagens, acontecimentos específicos etc. As UR também são obtidas através das unidades de enumeração (como na centimetragem por coluna dos veículos impressos) ou unidades espaço-temporais (utilizadas na minutagem da mídia eletrônica). Muitas vezes, para as unidades de registro serem compreendidas corretamente, torna-se necessário fazer referência ao contexto no qual estão inseridas. Na análise de informações ambientais, por 9 Cf. BAUER, Martin W. "Análise de conteúdo clássica: uma revisão". In BAUER, Martin W. e GASKELL, George (orgs.) Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 189 - 217. 10 Veja, no Anexo, o modelo de formulário utilizado para esta pesquisa. 194 exemplo, a contextualização de palavras-chave como consumo, sustentabilidade, cidadania, sociedade, natureza etc pode auxiliar na compreensão de seu verdadeiro sentido. Bardin também se refere às regras de enumeração, que são o modo de quantificação das UR, o que levará ao estabelecimento de índices percentuais e gráficos explicativos, revelando idéias ou temas que podem ser interpretados como medida de intensidade ou força de uma motivação, convicção ou crença, bem como a importância, atenção ou ênfase dispensadas ao tema. A terceira fase da codificação consiste no trabalho de classificação e reagrupamento das UR em número reduzido de categorias, com o objetivo de tornar inteligível a massa de dados e sua diversidade. Segundo Bardin (1988), os critérios de categorização podem ser semântico (categorias temáticas), sintático (verbos, adjetivos), léxico (classificação das palavras segundo seu sentido) e expressivo (categorias que classificam as diversas perturbações da linguagem, por exemplo). A categorização envolve duas etapas: o inventário (que consiste em isolar os elementos) e a classificação (que consiste em repartir os elementos, reunindo-os em grupos similares de forma a impor certa organização às mensagens). Esta explicação detalhada do método se faz necessária porque nosso público-alvo é constituído pelos estudantes de jornalismo e a utilização de metodologias é essencial para que exercitem, já na faculdade, a capacidade de observar, pesquisar, sistematizar, generalizar, sintetizar etc. Este procedimento, trabalhado com dedicação e rigor, fará um enorme diferencial para o futuro profissional. 11 Finalmente, porque os jornais e não a TV? Porque os jornais de domingo e não dos dias de semana, aleatoriamente? Apesar da televisão ser muito mais rica em imagens e ter um potencial enorme de educação ambiental, ela tem uma dificuldade maior para encontrar a linguagem referencial que consiga atribuir a cada notícia um valor igual para todos os segmentos de público. O que é perfeitamente inteligível para um público determinado é completamente estranho e incompreensível para outros segmentos, como no caso do noticiário econômico, quando comparamos os públicos mais esclarecidos com as pessoas mais humildes, valendo o mesmo para a questão cultural ou política. No caso do jornalismo ambiental, trata-se de criar uma linguagem persuasiva que leve à mudança de comportamento, sendo natural que a televisão ainda esteja pesquisando qual o melhor 11 "Temos o direito de exigir, daquele que se propõe a transmitir a história de qualquer ciência, que nos informe como os fenômenos foram sendo pouco a pouco conhecidos, imaginados, supostos, concebidos e pensados". Cf. Goethe - Doutrina das Cores. In: GIANOTTI, 1993, p. 39. 195 caminho a seguir. Já o jornal impresso tem um público mais definido, capaz de influenciar outros segmentos menos esclarecidos. Dependendo do modo como o jornal apresenta a matéria ambiental, os formadores de opinião conseguem retransmitir para a sociedade exemplos de vida que podem desencadear procedimentos favoráveis à sustentabilidade. A informação impressa é imediatamente documental, acessível, disponível. Todo estudante de comunicação sabe como é difícil obter das emissoras de TV programas já veiculados cuja gravação tenha apresentado problemas técnicos, por exemplo, enquanto os jornais mantém arquivos permanentemente à disposição, o que favorece a consulta e a checagem de informações para um trabalho mais confiável. Nada disso, entretanto, invalida os excelentes trabalhos de pesquisa junto à TV, um veículo que revolucionou os meios de comunicação no séc. XX. Tanto assim que este pesquisador, tendo exercido funções jornalísticas em emissoras de TV por vários anos, em Brasília, na década de 1970, teve o cuidado de selecionar, paralelamente aos jornais, um corpus de telejornais, no mesmo período da mostra, entendendo melhor, entretanto, não incluí-lo nesta análise, ficando apenas como documento de arquivo para investigações posteriores. A seleção de uma mostra pode seguir diferentes rituais de coleta. Entretanto, é aos domingos que o leitor está mais receptivo para examinar o jornal mais vagarosamente, até com mais deleite. Uma outra pesquisa poderia comparar a incidência de matérias ambientais nos dias de semana e aos domingos, o que seria muito útil. Entretanto, pelas características do dia de descanso e pela maior quantidade de páginas das edições dominicais, resulta bastante provável que as matérias ambientais saem em maior número aos domingos e o objetivo desta mostra não era nivelar por baixo o levantamento quantitativo para economizar trabalho mas, pelo contrário, buscar a maior quantidade possível de notícias publicadas para submetê-las à análise, um trabalho bem maior, porém muito mais compensador, do ponto de vista da pesquisa acadêmica. 196 2. Descrição da mostra 2.1 Jornal n. 1 O jornal Folha de S. Paulo (n. 1), em formato standard, é o principal jornal do país. A edição nacional (diferentemente das edições regionais) circula com tiragem média, aos domingos, de 400 mil exemplares e cerca de 80 a 90 páginas, distribuídas em seis cadernos e um suplemento. O primeiro caderno contém, além da manchete e das chamadas da primeira página, as editorias de Opinião (geralmente ocupando as duas páginas internas iniciais), Brasil (dez páginas seguintes) e Mundo (em mais doze páginas, conforme a quantidade de anúncios). O segundo caderno, Dinheiro (ou Caderno B), sai com 12 páginas. O terceiro caderno, Cotidiano (ou Caderno C), com oito páginas, substituiu, nos anos 1990, o caderno de Cidades. A cobertura esportiva está agrupada no Caderno D, também com oito páginas. Em seguida há o noticiário de variedades, cultura, espetáculos, lazer etc reunido no Caderno E (Folha Ilustrada), com dez páginas. O sexto caderno da Folha, aos domingos (o F ), é o de Classificados, também com dez páginas. Tem a característica de publicar pequenos artigos de colaboradores com formação técnica, às vezes orientando sobre itens de consumo (como novas tecnologias em materiais de construção, automóveis mais econômicos etc). A edição dominical também traz o suplemento emblemático da Folha que é o Mais (não indexado na seqüência de cadernos), com artigos e ensaios da (e para a) área acadêmica e cultural do Brasil e do mundo, com dez páginas. As fotos da Folha de S. Paulo são coloridas, em sua maior parte, e a diagramação do jornal, em seis colunas, apresenta excelente nível técnico. A própria identificação dos cadernos, com letras e números, facilita a navegação do leitor pelo jornal de domingo, o que já não ocorre quando os jornais - do interior por exemplo - não apresentam este detalhe que não acontece por acaso, visto que a não indexação dos cadernos, isto é, a ausência de identificação própria, permite adicionar ou suprimir cadernos, conforme o fluxo de notícias e anúncios. Para efeitos de pesquisa, por exemplo, a identificação clara dos cadernos é uma grande ajuda. Outra dificuldade, também no interior, é a falta de tiragem declarada, enquanto a Folha, como os grandes jornais, sempre traz esta informação na primeira página, acompanhada da quantidade de páginas daquela edição. Publicado desde 1921, o jornal pertence à Família Frias, sendo editado pela Empresa Folha da Manhã S/A, 197 sob o slogan "Um jornal a serviço do Brasil". Seu presidente é Luís Frias e o diretor editorial é Otávio Frias Filho. Além do seu corpo de repórteres e editores, incluindo sucursais e correspondentes, o jornal assina agências internacionais de notícia e tem sua própria agência (Agência Folha), além de um Instituto de Pesquisa (Data Folha). Apesar de ter sido um baluarte da luta política brasileira no passado, como na campanha pelas Eleições Diretas para Presidente da República (Emenda Dante de Oliveira) e no impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, a Folha é hostil às conquistas sociais dos próprios jornalistas, tem feito campanha contra a exigência do diploma de nível superior para o exercício do jornalismo e dificulta a ação do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo que está sempre às voltas com o exercício ilegal da profissão estimulado pela direção do jornal para burlar as leis trabalhistas e as orientações sindicais, promovendo a desregulamentação da profissão através da contratação de profissionais "avulsos", ou free lancers, que não têm direito a carteira assinada, fundo de garantia por tempo de serviço, férias, décimo terceiro salário, aposentadoria, pensão etc. São "famosos", no seio da categoria, os processos de demissão coletiva da redação na Folha de S. Paulo. É um jornal voltado para as classes A e B. Independente, portanto, de simpatias ou antipatias nada acadêmicas, selecionamos este jornal para análise por sua importância no cenário da imprensa brasileira, portanto, por sua capacidade de influenciar formadores de opinião na direção de um comportamento ambientalmente correto e sustentável. 2.2 Jornal n. 2 O Jornal da Cidade (n. 2) é publicado em Bauru, cidade de 330 mil habitantes, situada no centro geográfico do Estado de São Paulo, a 350 Km da capital. Não divulga a tiragem, mas informações oficiosas dão conta que, aos domingos, são impressos e distribuídos aproximadamente 25 mil exemplares. O formato é standard, com diagramação em seis colunas e impressão a cores, embora com muitas fotos em preto e branco também. Circulando regionalmente há 38 anos, num raio de aproximadamente 100km em torno de Bauru, 12 sob o lema "Promover a cidadania democratizando a informação", o jornal pertence à família Franciscato (antigo político do lugar). É publicado 12 O JC chega diariamente às cidades da região como Pederneiras, Jaú, Pirajuí, Duartina, Garça, Marilia, Agudos, Botucatu etc. 198 pela empresa "Jornal da Cidade de Bauru Ltda". O diretor administrativo e de marketing é Renato Delicato Zaiden e o diretor industrial e de tecnologia é Marco Antonio Oliveira, sendo João Jabbour o gerente de produtos editoriais. Filiado à Associação Nacional de Jornais-ANJ e à Associação Paulista de Jornais-APJ, o Jornal da Cidade tem 80 páginas, em média, aos domingos, com oito cadernos, sem numeração ou identificação seqüencial, e um suplemento Infantil (em formato tablóide, com oito páginas). Geralmente o primeiro caderno apresenta 18 páginas e está dividido da seguinte forma: 1ª página (manchete e chamadas), Opinião (uma página), Política (duas páginas), Geral (nove páginas, incluindo uma Coluna Social e a cobertura da Cidade) e Esportes (cinco páginas). A numeração das páginas do primeiro caderno prossegue no segundo caderno, Regional, com quatro páginas, e também no terceiro caderno, Brasil (oito páginas que incluem, aos domingos, uma página inteira com cartas dos leitores, outra com um resumo do noticiário da semana e mais duas para a editoria de Internacional). Os cadernos seguintes têm numeração independente de páginas: Cultura (8 páginas, com a programação de cinema, mais coluna social, fofocas da mídia - "mídia news" - resumo das novelas, poesias, crônicas, receitas culinárias etc), Economia (com seis páginas, sendo duas de merchandising - onde as empresas pagam pelas notícias - e uma de Recursos Humanos - que inclui uma coluna de orientação vocacional), Bairros (com quatro páginas, sendo uma para a programação de missas, cultos, feiras livres, telefones úteis, grupos de apoio etc), Saúde (4 páginas) e Ser (4 páginas). O suplemento Infantil às vezes publica matérias educativas sobre meio ambiente. O JC assina agências de notícias nacionais e internacionais. Apesar do esforço de reportagem do caderno Bairros, não pode ser considerado um jornal popular. Até os últimos meses de 2005, quando esta tese estava sendo redigida, era o único da cidade. Pode ser considerado um jornal voltado para os públicos A e B, privilegiando o noticiário que envolve os negócios políticos, econômicos e financeiros, refletindo, de certa forma, o provincianismo que caracteriza a cidade por sua formação histórica, seus escândalos políticos, seus costumes tradicionais, seu apego ao passado. Entretanto o bauruense revela orgulho pelo estilo de vida pacato da cidade, apresentado como ganho de qualidade de vida em relação à estressante capital do Estado, São Paulo. A escolha do JC para figurar nesta pesquisa não está relacionada, diretamente, com a comodidade de acesso aos exemplares do jornal, visto que este pesquisador não é assinante de nenhum dos dois jornais, tendo comprado, 199 semanalmente, nas bancas, os exemplares aqui relacionados. Também não houve a intenção de comparar um jornal com o outro tendo em vista a natural diferença de porte econômico e social de cada um deles, o que invalidaria a intenção. O desenrolar da pesquisa, todavia, acabou revelando surpresas curiosas que até contrariam determinadas hipóteses sobre os jornais do interior, como veremos. Apesar do seu elitismo, o JC dá razoável espaço aos bairros da cidade, ainda que se possa criticar o conteúdo meramente funcionalista das matérias. O objetivo foi comparar cada jornal com ele mesmo no que se refere ao potencial educativo das matérias ambientais, especificamente em relação ao problema do "consumo". 3. Análise dos Dados Coletados 3.1 Quantidade de matérias publicadas Aplicando as categorias de Bardin à mostra selecionada, foi possível identificar - sob o inevitável crivo das intencionalidades ou inferências - a quantidade de matérias publicadas sobre o tema "meio ambiente", cabendo aqui destacar essa dificuldade natural de determinar o que é e o que não é "notícia ambiental". No primeiro momento, os estudantes de jornalismo entendem por "ambiental" tudo o que se refere à natureza, como as árvores, os animais, as paisagens, a água etc. Raramente esse primeiro olhar é crítico ou sistêmico. Avançando nos estudos, entretanto, logo se percebe o papel de cada um não só no que há de belo na natureza, mas também no que há de feio, de conflituoso, de riscos, de incertezas, de injustiças...sobretudo de injustiça social na forma da concentração de renda que permite a poucos consumir muito acima do necessário e a muitos não ter nem mesmo o necessário para sobreviver acima da linha da pobreza (US$ 2 por dia). Por isto a quantidade de matérias consideradas "ambientais" nesta pesquisa inclui, naturalmente, a questão da fome, do índio, da reforma agrária, do esgoto a céu aberto, da corrupção política além, necessariamente, dos desmatamentos, inundações, catástrofes naturais etc. Assim, nos 27 exemplares (Unidades de Amostragem-UA) de cada jornal observado, encontramos 120 matérias (Unidades de Registro-UR) sobre meio ambiente no jornal Folha de S. Paulo (Jornal n. 1) e 100 matérias no Jornal da Cidade (Jornal n. 2), conforme explicitado no Quadro 1. A medição constatou um total de 22.061,5 centímetros de coluna com matérias ambientais - dos quais 7.387 cm/col de fotos ou 200 ilustrações, 33% em relação ao total publicado, no jornal 1. Com seus cadernos voltados para a saúde da população, para as cidades da região e para os bairros, além do suplemento infantil (JC Criança), o pequeno jornal bauruense acabou publicando um volume maior de matérias em relação ao gigante da imprensa brasileira: 24.012 cm/col., sendo 6.928,5 correspondentes a 29% do total de matérias ambientais - na forma de fotos, ilustrações, gráficos etc. Confira no Quadro 1. QUADRO I LEVANTAMENTO REALIZADO NOS JORNAIS SOBRE MATÉRIAS AMBIENTAIS Nº exempl Matérias Selec. Cm/col.matéria tot. Cm/col. foto/ ilustr. Perc. Fot/ilustr Mês /Ano FSP Jan. 2005 Fev. 2005 Mar. 2005 Abr. 2005 Mai. 2005 Jun. 2005 Jul. 2005 Total JC FSP JC FSP JC FSP JC .FSP JC 5 4 4 4 5 4 1 5 4 4 4 5 4 1 47 22 17 8 13 9 4 34 18 16 11 14 4 3 8.682 3.988 3.431,5 1.708,5 2.078,5 1.723 450 8.835 3.253 3.841 4.051 2.914 866 252 3.152 1.186 1.366 482,5 578 557 65,5 3.080 726 1.153 1.201 545,5 163 60 36% 30% 40% 28% 28% 32% 15% 35% 22% 30% 30% 19% 19% 24% 27 27 120 100 22.061,5 24.012 7.387 6.928,5 33% 29% Obs.: Embora menor, o jornal do interior publicou mais matérias, aos domingos, sobre meio ambiente, em relação ao maior jornal do país. 3.2. Assuntos mais noticiados Relacionadas em ordem alfabética, as categorias que apresentam maior volume de centimetragem publicada são Consumo (16 matérias, com centimetragem total de 2.266 cm/col., no jornal 1 e 14 matérias, com 2.747,5 cm/col., no jornal 2); Desmatamento (13 matérias - ou 2.229 cm/col. - contra 7 - ou 1.534 cm/col), Direitos ( 11 - ou 2.046 cm/col. - contra 4 - ou 724 cm/col.); Comportamento (10 matérias no jornal 1, com 1.566,5 cm/col., e igual número no jornal 2, com uma quantidade bem superior de centimetragem devido ao Caderno Ser: 2.576 cm/col.). É curioso observar, também, que o jornal da capital abordou temas ambientais em 10 matérias sobre Agricultura, com o total de 1.821,5 cm/col., enquanto o jornal do interior não publicou matérias a respeito. Isto evidencia a tese de que muitos jornais do interior comportam-se como "repetidores" do modo urbano de fazer jornalismo, fugindo da identificação com as questões naturais da região onde circulam. Mas isto também pode refletir o fenômeno da urbanização crescente. 13 Foi publicado igual número de matérias ambientais relacionadas 13 Quando estudamos a Amazônia, por exemplo, de imediato pensamos na floresta, nos homens da 201 com Catástrofes, no total de 9, sendo 2.917,5 cm/col. no jornal 1 e 2.610 cm/col. no jornal 2. Aqui o equilíbrio se deve à publicação de um caderno especial, em janeiro, nos dois jornais, produzido pela Agência Folha, sobre o fenômeno das tsunamis. A quantidade de centímetros de coluna - inclusive com os percentuais de textos e fotos - está no quadro número 2 (Levantamento de matérias por categorias). É necessário esclarecer, entretanto, que apesar da categoria Consumo ter sido a mais citada no levantamento, revelando que a mídia já está se preocupando com tal fenômeno, nem sempre a linguagem contempla a preocupação de educar, persuadir, mudar, ensinar. A componente de "sustentabilidade", que levaria à educação ambiental, geralmente não está presente. As matérias ficam apenas na superfície da questão. Nenhuma matéria mereceu espaço suficiente para uma entrevista ou uma investigação "de imersão" ou de aprofundamento no assunto. Nenhuma veiculou histórias de vida com exemplos capazes de motivar as pessoas a agirem de outro modo em relação ao consumo. De um modo geral os jornais não consideram importante "gastar tempo" com essa questão, referindo-se ao consumo apenas como hábito de comprar. Em nenhum momento há qualquer indagação sobre o contexto em que o consumo se insere no modelo de produção capitalista ou sobre os resíduos sólidos que o consumo provoca. Não há qualquer matéria que trate das embalagens dos produtos, do problema do plásticos ou do PVC-PET não perecível etc. No máximo, fala-se sobre a indústria da reciclagem ou sobre o valor nutritivo dos alimentos, assuntos claramente relacionados com interesses empresariais de possíveis anunciantes. A quantidade de categorias selecionadas atesta como a questão ambiental está pulverizada entre os vários assuntos, com alguns temas importantes (como Comunidade, ou Educação/Preservação) apresentando registros insignificantes. No jornal 1 apenas uma matéria revelou preocupação com a educação ambiental e nenhuma tratou de Comunidade, Ecologia propriamente dita, Erosão etc, do mesmo modo que o jornal 2 também não tratou de Globalização, Pesquisa etc. Nos dois jornais foi localizado apenas um registro, cada um, sobre Corrupção na área ambiental. Energia - que é um tema recorrente no bojo da crise ambiental em todo o mundo - foi uma categoria abordada apenas floresta, nas questões relacionadas com a vida na selva. Raramente nos damos conta que 62% da região amazônica encontram-se em áreas urbanas...afinal, 17% da área brasileira da Amazônia já foi desmatada. A área anual de florestas destruídas eqüivale à área do Estado de São Paulo, segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM, divulgados no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental promovido pelo Núcleo Paulista de Jornalismo Ambiental no SESC de Santos SP, de 12 a 14 de outubro de 2005. 202 duas vezes em cada veículo analisado. A própria Poluição foi notícia uma vez em São Paulo e duas vezes em Bauru nos 27 domingos pesquisados. Os estudantes de jornalismo podem examinar melhor os registros e pensarem, inclusive, outros desdobramentos para levantamentos deste tipo, através do Quadro 2, a seguir. Q UADRO 2 L EVANTAMENTO DE MATÉRIAS POR CATEGORIAS Categoria Quant,/ mat Cm total da categor. Perc.de cada categ. FSP 10 9 3 7 10 16 1 3 13 11 1 2 1 5 2 5 3 1 1 2 3 1 3 3 1 3 JC Agricultura Catástrofe Cidadania Clima Comportamento Comunidade Consumo Corrupção Desastre Desmatamento Direitos Ecologia Educaç./Preserv. Energia Erosão Favelas Gestão Globalização Índios Inund./enchentes Lixo/Reciclagem Pesquisa Poluição População Projetos Protestos Reflorestamento Saúde Pública Solidariedade Terras Turismo 9 8 6 10 2 14 1 1 7 4 2 2 2 2 4 5 2 2 2 1 3 1 6 3 1 - FSP 1.821,5 2.917,5 400,5 1.153,5 1.566,5 2.266 424 289,5 2.229 2.046 240 156 312 958 109,5 1.084 676,5 312 84,5 150,5 527 107 736 425 540,5 356,5 JC 2.610 2.690 1.120 2.576 302 2.747,5 307 61 1.534 724 201 561 258 852 692 1.072 437 544 876 155 503 90 2.084 703,5 312 - total 120 100 22.061,5 24.012 FSP 8% 13% 2% 5% 7% 0 10% 2% 1% 10% 9% 0 1% 0,7% 0 1% 4% 0,5% 5% 0 3% 1% 0,4% 0,7% 2% 0,5% 0 3% 2% 2% 2% JC 0 11% 11% 5% 11% 1% 11% 1% 0,3% 6% 3% 0,8% 2% 1% 3% 0 3% 0 4% 2% 2% 0 4% 0,6% 2% 0 0,4% 9% 3% 1% 0 C m de fotos/ilustraç FSP 432 1.514,5 90,5 467,5 489,5 562,5 160 103,5 623 633,5 97,5 7 153 473 19 352 278,5 155 178 190 107 162,5 138 JC 7.387 6.928,5 1.298 696,5 137 1.088,5 70 717 20 355 150 20 102,5 27 204 111 333 177 108 272,5 28 116,5 30 640,5 193,5 33 - Perc.foto p/ categ FSP 24% 52% 23% 41% 31% 25% 38% 36% 28% 31% 41% 5% 49% 49% 17% 32% 41% 50% 34% 26% 25% 30% 39% JC 50% 26% 12% 42% 23% 26% 7% 23% 21% 10% 18% 10% 24% 16% 31% 41% 20% 31% 18% 23% 33% 31% 28% 11% - Obs.: A centimetragem com matérias educativas corresponde a apenas 1% do material publicado no jornal 1 e a 2% no jornal 2. 203 3.3 Visualização das matérias Vimos no capítulo sobre Fotojornalismo a importância da imagem como ferramenta de trabalho. Também vimos que as linguagens se complementam em suas formas de expressão verbal e não-verbal. O texto que explica a foto, sem redundância, com clareza e criatividade, é essencial para a adequada interpretação do leitor. Quando a foto é produzida concomitantemente com o andamento da cobertura jornalística, seu valor documental - portanto de contextualização - é mais expressivo. Não se dá o mesmo com a foto de arquivo como também já vimos, pois ela é meramente "ilustrativa". Outros destaques, como a inclusão de box explicativo, títulos destacados, chamadas na primeira página, infográficos e outras ilustrações são atributos que atraem a atenção do leitor, valorizando a matéria. No gráfico a seguir é impossível evitar o paralelo entre os dois jornais estudados. Afinal, com o suplemento voltado para as crianças, com os cadernos sobre bairros e sobre a região, o jornal de Bauru deu mais destaque ao noticiário ambiental, explicando melhor as matérias. 14 GRÁfICO 1 : VALORIZAÇÃO VISUAL DAS MATÉRIAS (JAN A JUL 2005) 140 120 100 80 60 40 20 0 FSP Quant. Mat Selecionada JC FSP Matér. com chamada na 1ª página JC 3. 4 Gênero das matérias FSP Fotos documentais. JC FSP Fotos de arquivo JC FSP Box explicativo JC 204 O gênero mais utilizado na cobertura sobre meio ambiente é a reportagem, que permite um tratamento melhor das informações, embora uma entrevista que vá além da superficialidade também possa ser considerada uma reportagem, principalmente no caso das entrevistas de perfil que podem evoluir para o livro-reportagem sobre pessoas, lugares, instituições etc. É necessário esclarecer, entretanto, que não é o tamanho ou o volume de caracteres - como costuma lembrar o professor Celso Falaschi 15 que define um texto como grande reportagem, livro reportagem, perfil etc. Quando o tema é meio ambiente, então, é necessário que a contextualização inclua o necessário viés crítico sobre o fato noticiado. É natural que no mês de janeiro de 2005 a imprensa tenha publicado matérias de página inteira e até suplementos com dados sobre o maremoto na Ásia - como se percebe no Gráfico Nº 2. 16 Todavia, um olhar mais atento sobre esses textos-reportagem não revela essa visão crítica. Fala-se da catástrofe, mas nada se diz sobre a falta de segurança das populações nativas ou dos investimentos em turismo não sustentável que depreda o meio ambiente e paga salários miseráveis aos nativos, conforme denunciado pela própria mídia especializada em meio ambiente, principalmente na Internet, durante as coberturas na Tailândia e demais países atingidos, onde a indústria turística privilegia apenas o lucro. Também se investe pouco na história mais aprofundada de pessoas e famílias vitimados pela catástrofe. A preocupação com o mero espetáculo foi tanta que o Secretário Geral da ONU, Koffi Annan, 17 chegou a reclamar da falta de divulgação para os conflitos tribais do interior da África, criticando também a retirada da ajuda humanitária das áreas atingidas pelas tsunamis tão logo a mídia apagou seus holofotes e partiu para outros "espetáculos". No que se refere aos gêneros do jornalismo (Gráfico 2), tendo em vista as necessidades de convencimento do texto sobre meio ambiente, as entrevistas, bem conduzidas, podem ser um campo fértil para a transmissão de idéias, 14 Veja o Gráfico 1 em detalhe no Anexo. Cf. www.textovivo.com.br 16 Detalhes do Gráfico 2, no Anexo. 17 Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o economista ganês e Secretario Geral da ONU, Kofi Annan, 67, em co-autoria com o presidente da União Africana e ex-presidente de Mali, jornalista e doutor em História, Alpha Oumar Konarê, lamentam a falta de solidariedade universal com a região de Darfur, no Sudão Ocidental, onde conflitos entre as aldeias estão castigando cerca de 3 milhões de pessoas, das quais 1,9 milhão já foram obrigadas a abandonar seus lares. No artigo, eles consideram uma vergonha que as pessoas só se mobilizem onde a mídia se faz presente de forma intensa. Quando a mídia sai, ou não entra, o interesse acaba. Cf. Uma oportunidade de Paz em Darfur. Folha de S. Paulo, 26 jun. 2005, p. A - 3. 15 205 opiniões, projetos, experiências. Todavia, a pesquisa revela que este gênero é pouco utilizado. Naturalmente é mais fácil "costurar" um texto de várias páginas utilizando os despachos das agências de notícia, que selecionar um entrevistado, combinar horário e lugar, fazer a entrevista, redigir o texto, editar etc. Na verdade, a cobertura local é sempre mais difícil e mais cara que a nacional ou de agência, pois envolve mais mão de obra especializada (repórteres, fotógrafos etc) e cria mais áreas de atritos com autoridades, anunciantes e demais interessados. Daí a opção pelo material "que vem de longe". Muitas vezes os jornais de pequeno e médio porte publicam detalhes de ocorrências distantes como os conflitos do Oriente Médio - mas não têm espaço para denunciar um esgoto a céu aberto ou a erosão em um bairro pobre. Muito menos para entrevistar pessoas humildes, gente do povo que não gera editais, anúncios etc. Por outro lado, entretanto, apressam-se a noticiar os grandes lançamentos industriais sem fazer perguntas, como já citado. Outro gênero "precioso" para a cobertura ambiental é o opinativo, onde o jornal tem a oportunidade de esclarecer, orientar, elucidar, conduzir...A mostra aqui levantada revela que este gênero também é pouco exercitado e, na maioria das vezes, as opiniões emitidas tentam ridicularizar a preocupação dos ambientalistas ou, então, são opiniões de grandes empresários interessados nos grandes negócios, pouco importando se isto significa poluição e danos ambientais. GRÁFICO 2: CLASSIFICAÇÃO DAS MATÉRIAS POR GÊNERO JORNALÍSTICO (jan a jul 2005) 80 70 60 50 40 30 20 10 0 FSP Reportagem JC FSP Entrevista JC FSP Opinativo JC FSP Nota/notícia JC FSP Leitor JC 206 O quadro ainda revela pouca atenção com as notícias sobre meio ambiente, as quais também devem mobilizar repórteres na cobertura local. O pior, entretanto, é a ausência de espaço para as manifestações dos leitores sobre a questão ambiental, o que vai na contra-mão da Agenda 21, por exemplo, que, emanada da Rio-Eco92, defende ampla participação da população em assuntos que lhe dizem respeito, como é o caso do meio ambiente. Em outro quadro, sobre a origem das informações ambientais, veremos a comprovação desse desinteresse pela opinião dos leitores. 3. 5 O lugar das matérias Embora o conceito clássico de Editoria como um feudo onde um manda e todos obedecem já venha sendo revisto em alguns veículos de comunicação, a própria racionalidade do processo industrial de comunicação - organizado como uma linha de montagem fordista, com estruturação tailorista, ou ainda conforme os pressuspostos de alimentação (entrada), estabilização (processamento) e descarga (saída) previstos na Teoria Geral dos Sistemas, 18 - implica em determinado padrão de produção. As milhares de informações que um jornal recebe, full time, através de seus repórteres, setoristas, correspondentes, colunistas, colaboradores, leitores, assessorias de imprensa, agências de notícia, sucursais, enviados especiais etc só se transformam em material legível para o receptor através do tratamento profissional no interior das redações. As editorias têm essa função de agrupar assuntos afins para facilitar a cobertura, evitar "furos" (aqui no sentido de "falhas"), agilizar o processo, "cercar" a notícia. Por isto os editores se reúnem sucessivamente ao longo do dia, primeiro para trocarem idéias sobre o que está sendo coberto e que pode ser importante para a manchete ou para chamadas na primeira página. Depois para informar sobre matérias que "caíram" ou que tiveram bom êxito ou que geraram pautas ainda mais interessantes, de modo que o editor da primeira página já vai definindo suas prioridades, embora o processo mantenha-se em aberto todo o tempo para eventuais alterações de última hora. O sistema de editorias, todavia, às vezes acaba criando competição entre os editores e repórteres de modo que se venha a ter vários "jornais" dentro da redação de um mesmo jornal. Aí, ao invés de cooperação, o que se tem é competição, 18 "A Comunicação é um sistema aberto, semelhante à empresa. Como sistema, a comunicação é organizada pelos elementos - fonte, codificador, canal, mensagem, decodificador, receptor, ingredientes que vitalizam o 207 como se o jornal pudesse caminhar bem enquanto atira contra o próprio pé. Por isto o trabalho do diretor de redação, auxiliado pelo seu secretário, é da maior relevância. Bons dirigentes de redação conseguem mudar o jogo da competição destrutiva para uma cooperação construtiva, transformando a redação em um time unido que joga um campeonato decisivo todos os dias, a cada edição. As editorias, por sua vez, devem estar unidas como um homem só, firmes no propósito de chegar à classificação. Jogando com amor pela camisa (a profissão) e pela torcida (seus leitores) o jornal perseguirá não somente o "furo" (gol), mas o próprio troféu (melhor qualidade). Por isto o campeonato não é semanal ou mensal, é de cada dia, de cada edição. No que se refere às editorias de meio ambiente, elas foram extintas algum tempo depois da Rio-Eco-92 e agora tendem a reaparecer com o volume de matérias ambientais que está chegando às redações por força da própria crise ambiental em si. Com o agravamento dos problemas relacionados com o clima, por exemplo, o meio ambiente agora é capa de revistas semanais, está diariamente nos telejornais, é tema de sucessivas conferências internacionais, movimenta ministérios (não só do meio ambiente) e órgãos públicos por todo o país. É impossível ignorar um tema tão abrangente e tão presente. Entretanto, e até por isto mesmo, do ponto de vista sistêmico, não basta "confinar" a cobertura em uma Editoria de Meio Ambiente pois isto, como afirmou André Trigueiro no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, já citado, seria criar mais uma gaveta no armário da burocracia. O que precisa mesmo é que o jornalista tenha uma visão sistêmica - que é característica da cobertura em meio ambiente - em qualquer matéria com a qual esteja envolvido. E isto começa nos bancos da faculdade. O quadro a seguir mostra um levantamento sobre a distribuição das matérias ambientais apuradas pelas editorias dos dois jornais analisados. Pelo menos aos domingos, o jornal Folha de S. Paulo não se dirige ao público infantil, enquanto o Jornal da Cidade mantém uma editoria que produz o JC/Criança, onde publica matérias sobre o Dia da Árvore, o Dia do Índio, o Dia do Meio Ambiente etc. valorizando uma linguagem especialmente voltada para as crianças, com viés educativo. Os dois jornais fizeram cadernos especiais sobre as catástrofes da Ásia. Por estar no interior e se dirigir a um público menor e mais reconhecível, o JC também tem um caderno para Bairros e outro para os municípios da Região, o que favorece o escoamento de assuntos relacionados ao meio ambiente, enquanto na Folha de S. Paulo, por se tratar de uma edição nacional, a processo". Cf. TORQUATO, 1986, p. 15. 208 QUADRO 3 FORMATO EDITORIAL DA PUBLICAÇÃO Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Editoria FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC Economia / Dinhei 6 1 2 2 1 - 3 - 3 1 3 - - - Cultura / Mais - - 1 - - - - - - - - - 2 - Ciência - - - - - - - - 1 - 2 - - - Mundo / Internac 4 - 2 1 1 - - - - 2 - - - - Opinião 4 1 2 2 3 - - - 2 1 1 1 - - Regional - - - 2 - 3 - - - 3 - - - - Infantil - 1 - - - 1 - 1 - 2 - 1 - - Geral - 6 - 2 - 2 - 1 - - - 2 - 3 Bairros - 4 - 2 - 4 - 6 - 1 - - - - Saúde - 5 - 1 - 1 - 2 - 1 - - - - Política - 1 - - - 1 - - - 1 - - - - Classificados 1 - 1 - 1 - 1 - 3 - - - 1 - Cotidiano 5 - 4 - 6 - 2 - 3 - 3 - 1 - Caderno especial 7 12 - - - - - - - - - - - - Cidades 1 1 - 1 - - - - - - - - - - Ilustrada 2 - - - - - 1 - - - - - - - Comportamento - 1 - - - - - - - - - - - - Caderno & RH - - - - - 1 - - - - - - - - 17 1 10 5 5 3 1 1 1 2 - - - - País / Brasil Obs.: Os traços indicam que o jornal não tem a editoria citada ou que não saiu matéria naquela editoria. editoria que mais publicou matérias dessa área, nos 27 domingos do primeiro semestre de 2005, foi País / Brasil . Entretanto, Economia / Dinheiro vem logo em seguida, excetuando-se a eventualidade dos cadernos especiais sobre a Ásia, como já dito. É um dado que também revela o interesse dos grandes empresários pelo meio ambiente, inclusive porque as pressões para uma legislação cada vez mais dura são constantes, por parte da sociedade, e isto tem a ver com os grandes negócios. 209 3.6 As fontes de notícias Quando examinamos a origem das informações ambientais, comprovamos, com naturalidade, uma tendência histórica da imprensa brasileira desde os tempos áulicos da Gazeta do Rio de Janeiro, nascida na Impressão Régia de D. João VI, em 10 de setembro de 1808 - por isto celebramos o Dia da Imprensa em 10 de setembro - , um jornal oficial que trazia notícias sobre os príncipes europeus mas nada sobre as lutas pela democratização do Brasil, bem ao contrário do Correio Braziliense, que chegava contrabandeado de Londres, feito por Hipólíto José da Costa, combatendo os atos imperiais e o absolutismo. Era igualmente oficialista o jornal que surgiu em seguida, em 14 de maio de 1811, na antiga capital brasileira, Salvador, segunda maior cidade do Brasil. A Idade de Ouro do Brasil foi lançado sob os auspícios do Conde dos Arcos que traçou as regras a que o periódico deveria obedecer, agindo sempre com "isenção", porém, mostrando "como o caráter nacional ganha em consideração no mundo pela adesão ao seu governo e à religião", ainda que ostentasse na primeira página os versos de Sá de Miranda: "Falai em tudo verdades / A quem em tudo as deveis". 19 Por afinidade ideológica, por interesses políticos ou financeiros, a imprensa brasileira guarda, com zelo, esse "ideário chapa branca" de tão cara memória. Intelectuais de renome como a professora Cremilda Medina, 20 da ECA-USP; Juarez Bahia 59 e tantos outros cobram esse necessário "desapego" da nossa imprensa ao poder, voltando-se mais para os interesses diretos da população. O Gráfico 3, a seguir, mostra que a grande maioria das informações ambientais é colhida junto a fontes oficiais, 19 Cf. SODRÉ, 1999, p. 19 - 29. "Como se pode pretender vender ao consumidor uma informação respeitosa da demanda social, se sua produção se processa dentro do contexto cultural da retórica patriarcal? Examinem-se os editoriais da imprensa brasileira: será seu discurso o da argumentação dialógica com a sociedade ou o pregão de uma voz de poder, monológica? Verifiquem-se, por outro lado, os discursos dos grandes entrevistadores/apresentadores de rádio e de televisão [...] será um discurso dialógico com a sociedade ou um discurso que, a partir da seleção de protagonistas ou fontes de informação, já começa comprometido com a retórica tradicional? Histórica e culturalmente falando, não se rompem os circuitos fechados, os conteúdos consagrados, os cercos do poder. A leitura aberta da realidade social não ocorre, embora se monte cotidianamente uma farsa ao abrir os microfones para conteúdos populares, na rua, na prática do modismo chamado ´Povo Fala` , que da televisão e do rádio se expandiu para as ´pesquisas de opinião` dos jornais". Cf. MEDINA, 1988, p. 141. 21 Juarez Bahia registra que além de oficialista, nossa imprensa já nasceu com atraso histórico: "A primeira tipografia do continente americano data de 1533, no México. A segunda, de 1584, no Peru. Há jornais que mais de século antes da Gazeta do Rio de Janeiro (1808) são tradicionais. Nos Estados Unidos, em fins de 1600, algumas tipografias estão preparadas para imprimir jornais". Cf. BAHIA (1990, p. 12). 20 210 enquanto as representações populares (neste caso igrejas, entidades assistenciais, índios, Legislativo, sindicatos e crianças) estão em último lugar. Os estudantes que têm visão crítica sabem que um outro jornalismo é possível, conforme pretendemos demonstrar até o final deste trabalho. GRÁFICO 3 ORIGEM DA MENSAGEM: FONTES PRINCIPAIS (de janeiro a julho) 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Ongs Executivo / Estado Cientistas/Pesquisadores Onu Empresas População / Família Mídia Polícia / Bombeiros Judiciário Igrejas / Entidades Índios Legislativo Sindicatos Crianças 3.7 Quem faz a notícia O próximo quadro identifica a autoria da notícia sobre meio ambiente. A maior parte desse noticiário é escrita pelos repórteres. Nos jornais empresarialmente estruturados, o material produzido pelas agências de notícia vem em segundo lugar. Jornais de porte maior também contam com colunistas especializados que tratam da questão. No caso da Folha de S. Paulo há colaboradores que escrevem sobre matérias de interesse ambiental no caderno de Classificados, certamente porque este assunto atrai a atenção dos 211 leitores para os pequenos anúncios. Nos dois jornais pesquisados, todavia, a participação do leitor é praticamente nula. QUADRO 4 PROCEDÊNCIA DA INFORMAÇÃO: INTERMEDIÁRIO Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC Agência 10 9 5 7 1 4 1 3 1 6 2 - - - Colabor. 3 - 1 - 1 - 1 - 1 - - - 1 - Colunista 7 1 4 1 5 - - - 5 - 2 - 2 - Corresp. - - 1 - - - - - - - - - - - Da redaç. 1 1 - - - - - - - 1 - 1 - 1 Da sucurs. 1 - 2 - - - - - - - - - - - Enviado(a 1 - 1 - - - - - - - 2 - - - Editor(a) 1 - - - - - - - 1 - - - - - Editorial 1 - 1 - - - - - - - - - - - Leitor - - - 1 - - - - - - - 1 - - 22 22 7 9 10 13 6 7 5 7 3 2 1 2 Repórter 212 3. 8 Global ou local? O meio ambiente é um assunto tanto de interesse global quanto local pelo próprio caráter sistêmico que o caracteriza. "Somos todos cidadãos do mundo, mesmo quando não nos deslocamos, porque o mundo chegou até nós, penetrou nosso quotidiano, através das palavras, das marcas, dos suspermercados, dos filmes, dos aviões, da Internet, modificando nossos hábitos, nossos valores, nossos comportamentos", lembra Renato Ortiz. 22 A notícia sobre grande mortandade de peixes no interior do Estado por causa do vinhoto de cana despejado nos rios ou a contaminação do manancial que abastece uma cidade , em nossa região, pode ser notícia nos mais diferentes veículos do mundo e vice-versa. O mesmo se dá com descobertas, pesquisas etc. A tecnologia da informação deu forma à "aldeia global" imaginada por Marshall McLuhan na década de 1960. O mundo "encolheu". O conceito de "espaço e tempo" tomou outra configuração. O "espaço" desapareceu e o tempo se presentificou na virtualização. 23 Para Milton Santos, "o espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo, senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais, mas não há um espaço mundial. Quem se globaliza, mesmo, são as pessoas e os lugares". 24 Na aldeia global, a notícia sobre meio ambiente está presente o tempo todo, em qualquer lugar do mundo. Entretanto - como vimos no Quadro 2 - ela não traz o viés crítico que educa, é meramente pontual (Dia da Árvore, Dia do Índio...uma catástrofe aqui, outra ali, grandes números, imagens impressionantes...), denuncista ou espetaculosa, o que em nada ajuda a educar, mudar, transformar. 25 O quadro a seguir mostra a vinculação geográfica das matérias. É possível perceber que a cobertura local é expressiva no Jornal da Cidade, graças aos cadernos 22 Cf. ORTIZ ,1994, p. 9. "A virtualização reinventa uma cultura nômade [...] Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se tornam `não presentes´ , se desterritorializam. Uma espécie de `desengate` os separa do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário". Cf. LÉVY, P. O que é virtual?. Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1998, p. 21. 24 Cf. SANTOS, 1997, p. 31. 25 "Bradamos contra certos efeitos da exploração selvagem da natureza, mas não falamos bastante da relação entre sua dominação tecnicamente fundada, as forças mundiais que insistem em manter o mesmo modelo de vida e o fato apontado, desde os anos 1950, por G. Friedmann, de a tecnicização estar levando ao condicionamento anárquico do homem moderno. A racionalização da existência, tão dependente das relações atuais entre técnica e sociedade, é um dos seus pilares." Cf. SANTOS, op. cit. p. 24. 23 . 213 Bairros, Saúde, Região e Criança, enquanto a Folha de S. Paulo tem mais volume de cobertura, por suas próprias características, a nível nacional, especialmente no centro-oeste, onde estão os problemas da soja, desmatamento da floresta amazônica, as declarações ministeriais e dos órgãos públicos de Brasília etc. Novamente aparece o pico de publicações sobre o maremoto da Ásia, no mês de janeiro, nos dois jornais pesquisados. O gráfico também revela uma concentração de matérias sobre meio ambiente no país, em contraste com uma rala cobertura internacional. Entretanto, os assuntos internacionais podem ser repercutidos a nível local, rendendo excelentes pautas, se considerarmos que tudo está interligado e que tudo interessa a todos. QUADRO 5 VINCULAÇÃO GEOGRÁFICA DAS MATÉRIAS Janeiro BRASIL FSP Fevereiro JC FSP Março JC FSP Abril JC FSP Maio JC FSP Junho JC FSP julho JC FSP JC Sul 1 1 1 - - - 1 - - - - - - - Sudeste 5 1 2 2 7 3 4 1 4 3 1 - 2 - Centro Oeste 8 - 2 - 6 2 1 - - - 3 - - - Norte 3 - 6 2 - - 1 1 1 2 - 1 - Nordeste 1 - 2 - 1 - - - - - - - - - Local 4 18 1 4 3 7 - 8 2 6 2 2 1 3 Regional - 4 - 5 - 4 - 2 - 2 - 2 - - País 8 1 3 4 - - - - 6 - - - - - América / Sul 3 - - - - - - - - - - - - América. Central - - - - - - - - - - - - - - América/ Norte - - 3 - - - - - - - - - - - Europa - - 1 - 1 - 1 - - 1 - - - - África - - - - - - - - - - 1 - - - 11 9 1 1 - - - - - 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - MUNDO Ásia Oceania - Obs.: A África recebe cobertura insignificante, apesar de suas vinculações históricas com o 214 Brasil e o mundo, notadamente na área ambiental e dos direitos humanos. 4. Conclusão O presente capítulo constata o que já era esperado na hipótese. Isto é, do modo como é feito, o jornalismo não contribui para educar e transformar o comportamento das pessoas. Específicamente no caso do consumo, não há qualquer preocupação em educar para a sustentabilidade. Em 120 matérias ambientais selecionadas no jornal 1, apenas seis apresentavam conteúdos parcialmente educativos. Nas 100 matérias colhidas no jornal 2, constatamos 11 com preocupação educativa, mas também de forma insuficiente. Naturalmente, esta conclusão não pode ser considerada uma novidade, pois várias outras pesquisas têm constatado o desinteresse da imprensa em educar. Alguns comunicadores chegam a questionar se a televisão, por exemplo, tem o dever de educar, achando que "isto é problema da escola" e "da família", por certo ignorando a influência da mídia na sociedade e a responsabilidade ética e social decorrente da concessão e do próprio exercício da profissão de comunicador. Por isto, exatamente para não ficar na mera constatação, encerramos aqui a nossa pesquisa quantitativa e, nos capítulos finais deste trabalho, estaremos demonstrando o que nossos estudantes de jornalismo podem fazer para propor um outro jornalismo possível, que realmente possa ajudar a mudar o modo como a sociedade vê o meio ambiente, rumo à sustentabilidade. Trata-se, portanto, de uma ruptura, como veremos. 215 A PERCEPÇÃO DO TEMA AMBIENTAL NA UNIVERSIDADE 1. A necessária formação sistêmica 2. Definição dos estudantes 3. Falha sistêmica 4. Educação para o consumo 216 Capítulo 8 A PERCEPÇÃO DO TEMA AMBIENTAL NA UNIVERSIDADE Estamos no início do conhecimento. Estamos no início da consciência. MORIN 1. A Necessária Formação Sistêmica É impossível romper os padrões estabelecidos na produção e nas linguagens do jornalismo sem repensar o próprio ensino universitário. 1 Quando Paulo Freire dirige sua pregação pedagógica aos "oprimidos", com certeza devemos incluir entre esses "oprimidos", de alguma forma, também os estudantes e nós, os professores universitários, herdeiros que somos de um sistema de ensino atrelado e aferrado aos pressupostos de um passado distante, por suas metodologias reducionistas, por sua infraestrutura institucional arcaica, por seus conceitos cientificistas, por sua dificuldade crônica em se abrir para o novo, o diferente. Esta é uma autocrítica construtiva, como se verá a seguir. 1 No séc. XIX, a Universidade soube responder ao desafio do desenvolvimento das ciências, ao realizar sua grande transformação, a partir de 1809. Tornou-se laica, quando instituiu sua liberdade interna frente à religião e ao poder; abriu-se à grande problematização, surgida com o Renascimento, que interrroga o mundo, a natureza, a vida, o homem, Deus. [...] a reforma criou Departamentos onde introduziu as ciências modernas. A partir daí, a Universidade faz com que coexistam - mas não se comuniquem - as duas culturas: a das humanidades e a cultura científica. Ao criar os Departamentos, Humboldt percebera bem o caráter transecular da integração das ciências na Universidade. Para ele, a formação profissional [conveniente às escolas técnicas] não deveria ser tomada como a vocação direta da Universidade, mas apenas como vocação indireta, pela formação de uma postura de pesquisa. [...] A Universidade deve adaptar-se à sociedade ou a sociedade deve adaptar-se à Universidade? Há complementaridade e antagonismo entre as duas missões, [...] uma remete à outra em um círculo que deve ser produtivo. Não se trata apenas de modernizar a cultura: trata-se, também, de culturalizar a modernidade. Cf. MORIN, 2003, p. 81-82. 217 Com efeito, não se pode dizer que um curso universitário pratica uma "educação libertadora" quando está preocupado apenas em enroscar parafusos no mercado, através das especialidades e do conhecimento utilitário, fechado em si mesmo. É muito pouco ensinar ao estudante de jornalismo o "bê-a-bá" da profissão: Pegar a sugestão do pauteiro, comparecer a um local determinado, presenciar um evento ou conversar com alguém, voltar para a redação, abrir o arquivo de texto e declarar, na sua matéria, quem fez o que, quando, onde, como e porque; depois deste resumo-lead, fazer um segundo parágrafo contendo um sub-lead; empilhar os demais dados em ordem de importância decrescente, de tal modo que as últimas linhas do texto possam ser cortadas a qualquer momento sem prejuízo do entendimento da matéria, conforme a técnica da "pirâmide invertida", um padrão americano de produtividade e objetividade que tomou conta da imprensa brasileira no séc. XX. É fundamental, sem qualquer dúvida, que o futuro jornalista aprenda as técnicas de reportagem e de entrevista. Também é muito importante que aprenda a sintetizar o que escreve. Esse poder de síntese resultará em bons leads e, principalmente, ajudará o profissional a "jogar fora o cascalho", isto é, a desprezar as informações menos importantes, privilegiando as que realmente interessam ao leitor. Nisto consiste a objetividade. Em muitas situações do jornalismo, saber sintetizar é fundamental. Se este modelo funciona, se todos fazem assim, se o mercado quer assim, porque ensinar diferente? Afinal, o mundo do mercado está dado, resta apenas que os futuros profissionais se adaptem a ele. Neste caso, bastará "depositar" na cabeça "vazia" dos jovens os conhecimentos teóricos e a experiência de vida do professor. Nada tão simples e tão funcional. Ao final do curso, tendo "memorizado" todas as técnicas, o aluno estará pronto, será um profissional "acabado". Este modelo reducionista consagra os mitos estabelecidos pela dominação, pelos quais o professor sabe tudo e o aluno não sabe nada. A estrutura atrás do professor lhe confere poderes para perpetuar essa planificação simplificada do conhecimento a partir da "inferioridade intrínseca" do educando cuja mente é "invadida", é "tomada de assalto" pelo culto "educador" que impõe uma visão de mundo conformista, freiando e minando a criatividade, retirando do aluno o sentido de "cultivar a vida" (biofilia), com alegria e emoção, e inculcando-lhe o pessimismo dos que "cultivam a morte" (necrofilia), como observa Paulo Freire. 218 ...na invasão cultural, como de resto em todas as modalidades da ação antidialógica, os invasores são autores e atores do processo, seu sujeito; os invadidos, seus objetos. Os invasores modelam; os invadidos são modelados. Os invasores optam; os invadidos seguem sua opção. Pelo menos é esta a expectativa daqueles. Os invasores atuam; os invadidos têm a ilusão de que atuam, na atuação dos invasores. [...] A invasão cultural tem uma dupla face. De um lado, é já dominação; de outro, é tática de dominação. Na verdade, toda dominação implica uma invasão, não apenas física, visível, mas às vezes 2 camuflada, em que o invasor se apresenta como se fosse o amigo que ajuda. (FREIRE, 2005, p. 173). Para não haver dúvidas sobre a abrangência do público ao qual o educador se dirige - pois não é raro que nós, professores universitários, estejamos "perpassados" por uma cultura de dominação cultural, reproduzindo tais modelos até imperceptivelmente - convém registrar a advertência do pedagogo: Os lares e as escolas, primárias, médias e universitárias, que não existem no ar, mas no tempo e no espaço, não podem escapar às influências das condições objetivas estruturais. Funcionam, em grande medida, nas estruturas dominadoras, como agências formadoras de futuros `invasores`` . 3 O próprio Paulo Freire informa, claramente, que a pedagogia do oprimido, voltada para a educação dialógica em que educandos e educadores se educam mutuamente, num continuado processo de crescimento no qual ambos são "sujeitos", "comensura-se ao homem todo, e seus princípios fundam toda pedagogia, desde a alfabetização até os mais altos níveis do labor universitário". Portanto não podemos entender o Método Paulo Freire apenas como um método voltado para a alfabetização propriamente dita, mas sim à "alfabetização dos alfabetizados", do mesmo modo que o presidente da Sociedade Brasileira de Jornalismo Científico, prof. Ulisses Capozólli, prega a "alfabetização científica da população brasileira", enquanto o escritor especializado em temas ambientais e professor de jornalismo da PUC-Rio, André Trigueiro, defende a "alfabetização ecológica dos jornalistas". 2 4 Cf. Pedagogia do Oprimido, 2005, p. 173. id. ibid., p. 176. 4 Cf. Palestra de André Trigueiro sobre "A Formação do Jornalista", no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental. Santos-SP, de 12 a 14 de outubro de 2005. In: CAMPOS, Pedro Celso. "Comunicação: Curso não HYPERLINK está completo sem Jornalismo Ambiental", diz André Trigueiro em Santos". Disponível em file://A:\\EcoAgência file://A:\EcoAgência Solidária de Notícias Ambientais - Brasil. htm, Acesso em: 27 out. 2005 3 219 Por certo a alfabetização ecológica dos jornalistas implicará no ensino-aprendizagem de inspiração sistêmica, único capaz de "libertar" o futuro profissional dos preconceitos e dos condicionamentos dominadores que traz de origem se considerarmos que, como país periférico, temos a "dominação" inscrita em nosso DNA sócio-cultural. Só aprendendo a objetivar essa dominação, reconhecendo-a para conhecê-la, seremos capazes de julgar e sacudir esse jugo opressor. É na sala de aula que temos a oportunidade de ensinar os alunos a julgarem o mundo ao invés de acatá-lo. O estudante de jornalismo - por sua própria formação de generalista - não pode se render a fórmulas que enquadram o mundo no rol das coisas simples. Não pode aceitar o refrão do rap: "Tá tudo dominado". É lendo, é estudando muito que o estudante conseguirá romper os paradigmas estabelecidos. Deve inspirar-se em grandes homens que tiveram a ousadia de pensar diferente como Galileu enfrentando o poder eclesial, como Einstein 5 contrariando o mundo mecanicamente simples de Newton. Em 1666, o pai da ciência moderna, Sir Isaac Newton, como já vimos antes, concebia o mundo como um lugar sólido, estável, um todo organizado pelo paradigma gravitacional. Foi o annus mirabilis (período admirável) do grande cientista. Tão grande que só em 1905 a expressão latina para definir a obra dos grandes gênios da humanidade foi novamente empregada para qualificar a genialidade da Teoria da Relatividade, através da qual Einstein ousou dizer que não é nada disso. O mundo é também um lugar instável, repleto de moléculas e átomos em colisão constante, portanto é também um mundo invisível, misterioso, uma obra aberta ao estudo da mente humana. O mundo de Einstein, que é o nosso mundo, não está dado, está em aberto, está em processo, do mesmo modo que o próprio homem é um ser inconcluso que busca a integração no Todo. Depois de afirmar que "os sinos dobram por uma teoria fechada, fragmentada e simplificadora do homem" e que "a era da teoria aberta, multidimensional e complexa já começou", Edgar Morin 6 também reafirma o homem como uma maravilhosa obra aberta à criatividade, ao devir, à emoção, a todas as infinitas 5 "A principal qualidade de Einstein é o conhecimento aliado à imaginação. Ele demonstrou que a resposta às questões que desafiam a humanidade nem sempre depende de equações matemáticas e experiências de laboratório. Embora fundamentais, vieram a reboque de uma contemplação dos fenômenos, de uma busca incessante pela solução das charadas do cosmo, de uma estesia diante do que era aparentemente inexplicável". Cf. VENTUROLI, Thereza. In: Reportagem Especial sobre os 100 anos da Teoria da Relatividade. Revista Veja, ed. 1915, ano 38, São Paulo: Ed. Abril, 27 jul. 2002, p. 109. 6 MORIN, E. O Enigma do Homem - Para uma Nova Antropologia, 1975, p. 199. 220 possibilidades do desconhecido, o homem neguentrópico, o demens criativo que complementa o faber operoso. Ainda que necessariamente longa, a página de Morin é ontológica, impagável, fundante em seu incorrigível otimismo sobre a espécie humana, [lembrando-nos a loucura como sinônimo de criatividade, conforme já vimos em Erasmo, no Capítulo I]: Somos chamados a procurar alguma ligação consubstancial entre o homo faber e o homem mitológico; entre o pensamento objetivo - técnico - lógico - empírico e o pensamento subjetivo - fantástico - mítico - mágico; entre o homem racional, apto ao controle de si próprio, a duvidar, a verificar, a construir, a organizar, a realizar ou acabar (to achieve) e, por outro lado, o homem irracional, inconsciente de si próprio, incontrolado, inacabado, destruidor, iluminado por quimeras, temerário; enfim, a expansão conquistadora do sapiens, a sociedade cada vez mais complexa e, por outro lado, a proliferação das desordens e dos delírios. [...] Já não se pode imputar desordens e erros às insuficiências ingênuas, às incompetências da humanidade primitiva, que seriam reduzidas progressivamente pela ordem policiada e pela verdade civilizada. O processo é, na verdade, até hoje, inverso. Já não se pode opor substancialmente, abstratamente, razão e loucura. Precisamos, ao contrário, sobrepor ao rosto sério, trabalhador, aplicado do homo sapiens, o rosto ao mesmo tempo diverso e idêntico do homo demens. O homem é louco-sábio. A verdade humana comporta o erro. A ordem humana comporta a desordem. Trata-se, então, de perguntar se os progressos da complexidade, da invenção, da inteligência, da sociedade se realizaram apesar, com ou por causa da desordem, do erro, do fantástico. E responderemos, ao mesmo tempo, por causa de, com e apesar de, com a resposta certa só podendo ser complexa e contraditória. (MORIN, 1975, p. 118-119). 7 A tese do homem como ser inconcluso, consciente de sua inconclusão, e seu permanente movimento em busca de ser mais também está presente, novamente, em Paulo Freire: "Diferentemente dos animais que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados [...] daí que seja a educação um quefazer permanente". Assim, o pedagogo denuncia o "humanitarismo", que não é humanismo, dos educadores que procuram, de todos os meios, preservar a situação de que são beneficiários e que lhes possibilita a manutenção de sua falsa generosidade na "distribuição" do saber. E também por isto reagem, até instintivamente, contra qualquer tentativa de uma educação estimulante do pensar autêntico, que não se deixa emaranhar pelas visões parciais da realidade, buscando sempre os nexos que prendem um ponto a 7Cf. MORIN, 1975, p. 118 - 119. 221 outro, ou um problema a outro . 8 A educação plena se faz na relação educador-educando com educando-educador, de modo que o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa, tornando-se ambos sujeitos do processo no qual crescem juntos, onde os "argumentos de autoridade" já não valem, em que, para ser-se , funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas, segundo Freire. 9 A mudança no modo de ensinar certamente terá efeitos altamente significativos na vida profissional do futuro jornalista. O estudante acostumado com a reflexão crítica, com o pensamento sistêmico, que trava contato com os autores dessa abordagem do holismo e da complexidade, estará mais preparado para compreender e respeitar as diferenças, será um profissional menos preconceituoso, menos arrogante, menos "acomodado" diante da linha editorial do seu veículo, certamente mais criativo ao sacudir da sua bagagem cultural os paradigmas estranguladores das normas impostas. Tratando-se do jornalismo ambiental, a bagagem sistêmica é inevitável. Não apenas inevitável pelo próprio caráter de interdisciplinaridade da matéria, como já visto exaustivamente, mas, principalmente, porque aprender a "pensar o todo" é mais que uma disciplina, é uma gnosiologia, é um método de procedimento que pode e deve ser aplicado não apenas em relação ao meio ambiente mas em relação a tudo o mais na vida. Tanto na vida acadêmica (ao questionar o modo como as disciplinas são aplicadas, como elas estão distribuídas na grade curricular, qual a participação dos alunos na formação do currículo, qual a disponibilidade de laboratórios, quais os projetos de extensão que interconectam a escola com a sociedade, quais as pesquisas em andamento etc), como na vida profissional (no seu relacionamento dentro da redação, nas relações com as fontes de informação, em qualquer tipo de cobertura jornalística), o estudante, depois o profissional, estará sempre agindo sistemicamente. Ele produzirá um trabalho com mais qualidade se souber fazer as relações certas e se não abrir mão da emoção, da vida, do amor que o leva a ser ele no outro, a entregar-se ao jornalismo de corpo e alma, com fé, com o desprendimento de um Camilo Torres no seu amor à causa revolucionária. 10 8 FREIRE, op. cit. p. 69. id., ibid. 10 De Camilo Torres, disse Germano Guzman: "Jogou-se inteiro porque entregou tudo. A cada hora manteve com o povo uma atitude vital de compromisso, como sacerdote, como cristão e como revolucionário". Cf. GUZMAN G. "Camilo, El Cura Guerrillero". Bogotá: Servicios Especiales de Prensa, 1967, p. 5. In: FREIRE, 2005, p. 186. 9 222 Quando chega à Universidade, geralmente, o jovem está vindo de uma refrega competitiva e desenfreada que é o vestibular. Pela primeira vez encontra-se longe da família, tendo que administrar a própria vida: desde cozinhar macarrão a pagar contas, marcar presença nas "baladas" - o que não é a parte mais difícil, por certo - a relacionar-se com pessoas estranhas. Os professores que ministram aulas no primeiro termo, por exemplo, precisam ter a compreensão desse instante de "estupefação" que o jovem está vivendo. Muitas vezes, nessas circunstâncias, o jovem precisa mais de um pai, um amigo, um companheiro do que de um brilhante conferencista, até aprender a lidar com a realidade à sua volta. Respeitar essa fase de fragilidade pessoal no processo de iniciação à vida universitária, também é educativo, é pedagógico, é sistêmico. É generosidade autêntica, é humanismo e não humanitarismo. 2. Definição dos Estudantes O primeiro tópico deste capítulo introduziu um olhar crítico sobre a paisagem do ensino de jornalismo com o objetivo de assentar as bases para a apresentação dos resultados de uma sondagem qualitativa que realizamos entre os estudantes no mês de outubro de 2005, especialmente para este estudo acadêmico. Foram impressos 100 questionários 11 com perguntas estruturadas e não estruturadas sobre jornalismo ambiental, meio ambiente, ensino e mídia. A maior parte dos questionários foi respondida pelos alunos da Unesp/Bauru, mas também obtivemos algum retorno - embora pequeno entre alunos presentes no I Congresso de Jornalismo Ambiental que ajudamos a organizar no SESC de Santos, de 12 a 14 de outubro do mesmo ano, como já lembrado. Apenas 48% dos questionários voltaram preenchidos, alguns parcialmente. A indagação básica era: "Os estudantes de jornalismo conseguem ter uma visão integrada, ou sistêmica, do problema ambiental?". Apesar da Unesp ainda não contar, em seu currículo de Comunicação, com a disciplina específica, consideramos que os estudantes são, antes de tudo, cidadãos inseridos no mundo. Por aspirarem à profissão de comunicadores, também são receptores privilegiados da mídia, na qual a questão ambiental está cada vez mais fortemente inserida. Portanto, consideramos importante saber 11 Veja no Anexo F o modelo de questionário usado nas entrevistas com os estudantes. 223 se, como estudantes de jornalismo, estão recebendo uma "formação sistêmica" e se, como cidadãos e futuros jornalistas, têm uma visão crítica sobre a mídia e sobre o noticiário ambiental nela veiculado. Na primeira questão pedia-se que o jovem - a maioria na faixa de 20 anos - definisse o que entendia por "jornalismo ambiental". Exatamente 24 respostas (50%) associaram o jornalismo ambiental com as categorias "educação", "preservação", "conscientização". Algumas respostas foram mais elaboradas, como nestes exemplos: - Encaro o jornalismo ambiental como uma área que irá tratar de um dos temas mais importantes da futura civilização. Isso porque, com a destruição de todo o ecossistema, é óbvio que a preservação será necessidade plena para a manutenção da vida. Desse modo, os meios de comunicação, através do jornalismo ambiental, estarão diretamente ligados à conscientização e ao combate à destruição da natureza. - O jornalismo ambiental engloba reportagens que abordam as relações do homem com o meio ambiente e as implicações da exploração da natureza; explica o que são, como ocorrem e quais são as conseqüências dos problemas resultantes da interferência do homem sobre o meio. Também relaciona a questão ambiental com economia, política, saúde etc. - Assim como cresce a preocupação com o meio ambiente e sua degradação, o jornalismo ambiental tem ganhado força nos últimos tempos. Eu o defino como um espelho da realidade em que se encontra a natureza. É ele quem traz à tona a situação péssima em que o meio ambiente se encontra devido à ação do homem. - [Trata-se de] uma prática jornalística que procura aprofundar e discutir as questões ambientais, "traduzindo" sua complexidade para a sociedade. 12 Em outras respostas à mesma questão, os estudantes criticaram o estágio atual do jornalismo ambiental praticado na mídia. a) "[Trata-se de] um processo, infelizmente, ainda muito distante pelo seu grau de importância". b) "O jornalismo ambiental é uma ferramenta mal utilizada de melhoria da qualidade de vida da população". c) " [É um jornalismo] ausente nos meios de comunicação, destacando-se alguns sites, o que privilegia pequena parte. [É] pouco aprofundado, superficial e desinformativo". 13 12 Esta última resposta é de uma aluna da Universidade Federal da Bahia-UFBA, estagiária de comunicação em uma ONG ambiental. As demais são de alunos da Unesp. 13 Resposta de uma aluna da Unisantos. 224 Nestes dois grupos de respostas é possível perceber duas preocupações: uma sobre o que ou como deveria ser o jornalismo ambiental, isto é, voltado para a educação, a preservação, a conscientização; outra sobre como ele é: distante, mal utilizado, ausente, superficial, desinformativo. Esta constatação fica mais evidente quando cruzamos as respostas da primeira pergunta com as que foram dadas à pergunta número 4, na qual os alunos puderam optar, objetivamente, qualificando o noticiário sobre meio ambiente na mídia de a) suficiente, b) insuficiente, c) mais ou menos. Poucos alunos optaram por "mais ou menos". Ninguém registrou "suficiente". A maioria esmagadora anotou "Insuficiente". A segunda pergunta testou a coerência entre discurso e prática, inquirindo dos alunos alguma atitude prática que tomam, na sua vida diária, a favor da preservação ambiental. A maioria respondeu que separa o lixo reciclável em casa, tenta economizar água, não joga lixo no chão de jeito nenhum. Alguns disseram que plantam diariamente uma árvore através do site www.clickarvore.com.br HYPERLINK http://www.clickarvore.com.br e uma aluna informou que faz parte do Greenpeace e do WWF. São respostas esperadas de futuros jornalistas, com exceção de um aluno de 26 anos que respondeu nada estar fazendo pelo meio ambiente e acrescentou, literalmente: "Embora saiba [que é errado] eu mesmo jogo papéis de lixo nas ruas". Ainda que a sinceridade deste aluno constitua uma informação decepcionante, a verdade é que ele não está sozinho: o hábito de jogar lixo pela janela do carro ou enquanto caminhamos pelas ruas ou mesmo nos ambientes de circulação interna ou em veículos coletivos ainda é muito comum em nosso país. É mais um motivo a justificar uma educação ambiental permanente integrando mídia, escola, família, sociedade, órgãos públicos e privados etc. Em muitos países já existem severas multas para quem joga papel ou qualquer outro lixo no chão. Curitiba, por exemplo, é uma cidade que se destaca no país pela conscientização ecológica de seus habitantes que, ajudando a zelar pela limpeza das ruas, contribuem com o status de cidade com a melhor qualidade de vida do país que a capital do Paraná ostenta com justificado orgulho em todo o mundo. No caso de Curitiba não foi necessário introduzir legislação punitiva, bastou educar a sociedade. 225 3. Falha Sistêmica À pergunta (de número 3) "na sua opinião, quais são os maiores problemas ambientais da atualidade?" a maioria respondeu com os temas mais presentes na mídia: Poluição e risco de escassez da água, desmatamento, lixo, aquecimento global. Apenas dois alunos lembraram-se do "excesso de embalagens de produtos que polui os rios e sobrecarrega os lixões". A aluna estagiária de uma ONG ambiental citou, entre os maiores problemas ambientais do momento, o projeto de transposição do Rio São Francisco. Mas, no meio ambiente, um problema decorre do outro. Nada está isolado. Assim, o conceito de "maior" ou "menor" é relativo. Uma aluna de 19 anos percebeu isto e respondeu: "Não há maiores problemas ou problema de maior relevância, todos afetam o meio ambiente como um todo". Esta é uma resposta sistêmica, infelizmente única, isolada. Relacionando-se as respostas a esta pergunta com as que foram dadas à pergunta número 9 sobre o modo como cada problema "afeta" o(a) aluno(a), foi possível observar, do mesmo modo, a falta de uma visão de conjunto, a dificuldade em estabelecer relações lógicas entre os problemas ambientais. Assim, uma aluna que citou, entre os principais problemas, a camada de ozônio, a poluição, o efeito estufa e o superaquecimento do planeta atribuiu - em uma escala de 1 a 10 - nota 5 ao item "combustíveis poluentes" e igual nota ao item "resíduos industriais e do trânsito". Também deu 5 para "lixo" e novamente 5 para "agrotóxicos". Outra aluna citou o "excesso de carros nas ruas" como fator de poluição, mas, em seguida, atribuiu nota 3 ao item "resíduos industriais e do trânsito", enquanto o item "aquecimento" mereceu apenas 2. Uma terceira aluna que se revelou preocupada com o "desperdício da água", também deu nota 2 ao item "escassez e poluição da água". Já o aluno que confessou jogar lixo na rua na pergunta número 2, revelou "preocupação máxima" (nota 10) com o problema ambiental do lixo, na pergunta número 9. Este mesmo aluno foi o único a dar nota mínima (1) ao item "corrupção"...Embora de outra forma, aqui também a questão é sistêmica. "O despejo de lixo industrial na natureza" foi o principal problema ambiental apontado por uma aluna na questão número 3, mas na pontuação dos problemas que mais a incomodam, a mesma aluna atribuiu 7 pontos ao item "resíduos industriais e do trânsito" e 6 pontos ao item "lixo não perecível". 226 Entre outras incoerências nas duas questões apontadas, observou-se a "falha sistêmica" na formação de pessoas que estão com os olhos voltados para a mídia - portanto têm um bom nível de informação - cabendo indagar quanto mais grave não será, então, a dificuldade do cidadão comum, das pessoas com menos acesso à informação, para estabelecer a necessária conexão entre os problemas ambientais, suas causas e seus efeitos. Isto aponta para a obrigação que a mídia deve se impor para ir além da mera descrição, apresentando as causas e conseqüências dos problemas ambientais, mesmo quando se trata de criticar paradigmas secularmente estabelecidos como o conceito de "produção e consumo". A dificuldade em mirar além do que "está dado", de romper o que é comum, de perceber o "mundo invisível", também fica patente quando se combina as respostas dadas às perguntas número 11 e 12. A primeira dizia, textualmente: "Que temas v. sugere para uma disciplina universitária sobre jornalismo ambiental?". A seguinte indagava: "Como as aulas de jornalismo ambiental poderiam ser mais criativas e diferenciadas?". Ora, sabe-se que a UNESP ainda não tem esta disciplina, mas nada impede que se possa conceituá-la. Isto, entretanto, não foi possível para aqueles alunos que responderam simplesmente: a) nunca participei de uma aula de jornalismo ambiental, b) não conheço as aulas de jornalismo ambiental, c) não tenho aulas de jornalismo ambiental ainda, d) elas ainda não existem. Em compensação, vários sugeriram aulas "de campo", "de sensibilização com a realidade", "de contatos com a população", "de debates com ambientalistas", "de relatos de experiências", "de projetos de extensão"...afinal, aulas com abordagem sistêmica, que fujam do cansativo verbalismo professoral. É exatamente isto que faz a professora Ilza Girardi Tourinho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Suas aulas de jornalismo ambiental incluem danças típicas, contatos com os alunos do ensino básico, encontros com ambientalistas, visitas a locais-problemas, audição de boa música etc. Em São Paulo a professora Cremilda Medina, da ECA-USP, conduz, há vários anos, o projeto "São Paulo de Perfil" que já publicou dezenas de livros-reportagem sobre bairros, instituições, locais e pessoas da cidade (como veremos, detalhadamente, no Capítulo 9). As duas professoras citadas, entre tantos outros profissionais competentes da universidade brasileira, trabalham integralmente com a abordagem sistêmica. E por todo o Brasil os estudantes de comunicação decidem escrever Trabalhos de Conclusão de Curso-TCCs, na forma de grandes reportagens depois de lerem o 227 clássico "Páginas Ampliadas", do professor Edvaldo Pereira Lima, também da ECA. Na disciplina "Jornalismo Científico", ainda na ECA, o professor Luiz Barco incita os alunos a voarem alto nas leituras que tratam da aventura humana, estimulando-os a publicarem seus textos para que a pesquisa não fique restrita aos muros da universidade. Age da mesma forma o professor Wilson Bueno - que ajudou a promover o I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental em Santos - também ele da área de Jornalismo Científico, ajudando e orientando estudantes do Brasil inteiro através de quatro sites na Internet, com bravos e bem fundamentados artigos em defesa do meio ambiente. O que não falta é bom exemplo para quem quer melhorar suas aulas de jornalismo. 4. Educação para o Consumo Tendo em vista o objetivo de "educar para o consumo" que este trabalho defende, levantamos, na pergunta n. 5 do questionário qualitativo, uma reflexão para os futuros jornalistas: "Se o jornalismo - pautando mais, contextualizando, trabalhando a narrativa com histórias de vida, sendo mais criativo - educasse a cidadania para o consumo sustentável teríamos, no futuro, uma população mais consciente sobre as relações homem/natureza e também sobre a tolerância e o respeito entre as pessoas. V. concorda? O que pensa a respeito? Como vê a educação para o consumo?" Várias respostas englobaram a pergunta seguinte (n. 6): "De que modo o jornalismo poderia ser mais persuasivo para mudar comportamentos? Como o jornalismo ambiental poderia ser mais eficiente?". As respostas foram encorajadoras: Iris Cristina Ferreira Bernardes, da Universidade Federal do Paraná, escreveu: " O jornalismo não é o único responsável pela educação da sociedade para o meio ambiente. Outras instituições, como escola, família e, até mesmo, a igreja também devem contribuir. No entanto, num país como o Brasil, que carece de educação formal de qualidade e que, ainda, lê pouco, a importância da mídia aumenta e sua responsabilidade social também é potencializada. Assim, considero que o jornalismo deve assumir um papel de formador, além de informador. E, devido à emergência das questões ambientais, deveria assumir essa responsabilidade social e se tornar um instrumento de educação ambiental. Deveria, portanto, contrapor-se à corrente consumista e estimular o consumo consciente, mostrando as conseqüências do consumo excessivo e o que pode ser feito para alterar esse padrão vigente. [Sobre a pergunta seguinte] o jornalismo ambiental deve esclarecer conceitos científicos e termos desconhecidos pela maior parte da população. Também considero necessário não fazer apenas abordagens catastróficas e futuras (como, por exemplo, em X anos a temperatura da Terra aumentará Y graus celsius), mas também mostrar como os problemas ambientais alteram nosso dia-a-dia e a cidade em que vivemos; e quais são as soluções...A população precisa entender que os problemas ambientais estão bem próximos 228 dela e que elas serão e são afetadas pela poluição (por exemplo, a emissão de gases poluentes por indústrias causa problemas respiratórios). Felipe Prado, da Unesp: "...Para conscientizar em grande massa, é necessário envolver os grandes meios de comunicação...A disciplina `educação para o consumo` deveria constar das grandes escolares, já que o tema é de extrema importância; as pessoas estariam mais aptas a comentarem e discutirem as soluções, além, é claro, de se conscientizarem muito mais do que nos dias atuais. Para ser mais persuasivo, o jornalismo deveria aprofundar melhor as matérias, dar mais tempo de duração, no caso da televisão, e narrar mais as histórias, aproveitar as personagens, tanto na televisão como no radiofônico e no escrito, na Internet ou no impresso". Ana Carolina Teles Garcia, da Universidade Federal da Bahia: " Penso que a educação para o consumo consciente e sustentável é uma questão de mudança de cultura, de hábitos, e a mídia e os profissionais da comunicação têm uma enorme responsabilidade e poder para fazer isto. Acho que falta maior capacidade de investigação e aprofundamento dos temas ambientais e uma linguagem mais acessível à população". 14 Heloisa Pisani, Unesp: "Acredito que o jornalismo deveria trabalhar mais o aspecto educativo dos conteúdos transmitidos e deixar de tentar se mostrar apenas informativo (o que, na maioria das vezes, esconde conclusões veladas pré-estabelecidas). Deveria fazer análises mais profundas dos temas abordados e de forma mais explicativa, pedagógica". Renata Leão Balistieri, da Unisantos: " A base da humanidade e da civilização é a educação. O jornalismo é a ponte para isso. Certamente melhoraria (abordando o assunto profundamente). [Também é necessário] criar veículos e espaço destinados ao jornalismo ambiental e implantá-lo naqueles veículos que já existem". Priscila Medina de Castro, Unesp: "O jornalismo ambiental poderia ser mais persuasivo se contasse com jornalistas que também fossem ecólogos. [Sobre a educação], concordo, entretanto devemos encarar que em uma sociedade capitalista isto será difícil". Renata Leite, da Paraíba (escola não citada): "A educação é o caminho para a consciência dos povos. [O jornalismo ambiental poderia ser mais persuasivo} nas histórias que já aconteceram, nas narrativas dos fatos como exemplos". Maíra Soares, Unesp: "Acho que não depende só do jornalismo, mas também acho que o jornalismo deve parar de tentar educar via moralização. [Deve] tentar mostrar causas e conseqüências reais e mais próximas do leitor (receptor)". Beatriz Maia, Unesp: "A educação existe, mas acho que é feita de modo errado. Não coloca em perspectiva o que cada cidadão pode fazer para colaborar. Falta mostrar como as ações individuais podem melhorar o planeta". Mozarth Dias de A.. Miranda, Unesp: "[A colaboração da mídia] estabeleceria nova forma de educação e chegaríamos, no futuro, a uma tolerância homem/natureza completa. O jornalismo poderia ser mais persuasivo com a conscientização política do receptor e com maior presença das ONGs de notícias ambientais na mídia". Guilherme Henrique N. Campos, Unesp: "Considero que poderia ser feito o mesmo que acontece com estratégias para eleger políticos: desenvolver mensagens figurativas com o intuito de induzir o receptor ao espírito consciente. Uma via seria a exposição impactante da realidade, seguida de projeções retratando as conseqüências a longo prazo da falta de preservação". 14 A aluna está coberta de razão. O grande público não tem a obrigação de saber, num primeiro momento, o que é bioma, ecossistema, efeito estufa, sustentabilidade, crédito-carbono etc. É necessário explicar. 229 Mayra F. Ferreira, Unesp: "O jornalismo tem como princípio a educação do leitor/expectador. Desta forma, suas pautas devem valorizar o papel do indivíduo na natureza [...] reportando exemplos concretos e ilustrativos dos problemas, com destaque para seus efeitos e conseqüências". 15 Andressa S. Silva, Unesp: "Hoje, por mais que alguns tentem reverter a situação, a maior parte da população não tem acesso à educação ambiental. Os meios de comunicação têm um papel importante na divulgação e educação para o consumo". Thais Batisa Nucci, Unesp: "Penso que falta cidadania até mesmo entre pessoas que estão próximas. Não é necessário pensar longe, um gesto pequeno pode mudar uma pequena comunidade (como juntar o lixo reciclável, não jogar produtos ácidos na terra etc)". Luciano Guaraldo de Lima, Unesp: "A informação bem dada também possui essa função educativa e de conscientização. Se as matérias sobre desenvolvimento sustentável fossem realizadas de maneira interessante e não cansativa, a relação homem/natureza melhoraria. Creio que as reportagens devem ser mais dinâmicas, evitando temas cansativos como os do Globo Repórter, por exemplo". Roberto Maida, Unesp: "As pessoas, hoje em dia, estão lutando pela própria sobrevivência, muitas delas olhando para o próprio umbigo. Pela conquista de algo [acham que] vale tudo. O processo de consciência parte primeiramente do eu. Como conscientizar pessoas se elas precisam entender o real significado de consciência? Para ser mais persuasivo, o jornalismo deve ser mais preciso e menos imparcial, porque neste foco é impossível a imparcialidade". Juliana S. Ogassawara,Unesp: "O jornalismo ambiental pode ser mais persuasivo, por exemplo, relacionando problemas ambientais em outros países ou presentes em todos os países e destacar como as atitudes locais podem influenciar no cenário ambiental global". Mariana Versolato, Unesp: "O jornalismo ambiental poderia ser mais eficiente atingindo a grande população e não estando preso apenas à universidade". Danilo de Almeida Gil, Unesp: "As pessoas desrespeitam a natureza por considerarem [os assuntos tratados] distantes do seu dia a dia". Morena Madureira de Souza, Unesp: "Para se conscientizarem, as pessoas precisam ver a situação em que estamos: extrema poluição, consumo desenfreado..." Eduardo Yashimura, Unesp: "A educação para o consumo deveria ser um processo contínuo [na mídia]. A pauta não deveria sair nunca da agenda". Kelly Tatiane Martins Quirino, Unesp: "Penso que a estimulação ao consumo, nos meios de comunicação, aumenta a produção de lixo e absorve mais produtos da natureza, entre outros males". Thaís Coimbra, Unesp: "Acredito que conscientizar o homem é uma tarefa extremamente complexa, mas que precisa ser vencida pela mídia. A educação para o consumo hoje é precária, falta muita informação, essa área precisa ser mais trabalhada pelos meios de comunicação". João Eduardo Justi, Unesp: "[...] O jornalismo ambiental pode e deve ajudar na conscientização de toda a sociedade [...] demonstrando, através de casos individuais, o que os danos à natureza podem acarretar na vida das pessoas, ou seja, evidenciando nas reportagens que sem meio ambiente não há vida". Talita Bollini, Unesp: "Falta os meios de comunicação colocarem o meio ambiente mais próximo das pessoas, colocar o ser humano como parte dele. Em relação ao consumo, é uma questão complicada, pois a mudança deve ser estrutural: reduzir o consumismo, mudar as embalagens da indústria (usando o 15 A aluna informa que tem testemunhado exemplos de professores do interior que trabalham com reciclagem e questões ambientais na sala de aula. 230 mínimo de material possível) etc. Como medida emergencial há a reciclagem para diminuir a quantidade de lixo". Vitor Marques, Unesp: "Acho que a capacidade interpretativa do jornalismo é a solução. Quando se noticia algo a respeito de questões ambientais deve-se fazer um gancho com as soluções possíveis para o problema". Danielle Castro, Unesp: "Acredito que a mudança de pensamento na mídia com relação ao meio ambiente pode tornar-se, gradualmente, uma mudança na cultura da população. Já a educação para o consumo causa o oposto, porque reforça uma postura antiga de preconceito e ignorância voltada para a questão ambiental. Aprendemos que podemos consumir à vontade desde que tenhamos dinheiro e isso precisa mudar, pois é insustentável. Daí a importância do jornalismo ambiental para fazer este alerta e chamar a população à realidade. Por isto é preciso pautar permanentemente". As respostas dos alunos se por um lado revelam a necessidade de uma formação sistêmica para melhor perceber a questão ambiental e todas as demais, de outro, como na reflexão levantada por último, mostram que eles sabem o que querem, sabem o que falta para um jornalismo ambiental de melhor qualidade. Compreendem os problemas da linguagem tecnicista que atropela e confunde a comunicação. Querem um jornalismo mais explicativo e reconhecem que para persuadir e educar não se pode ser "imparcial", é preciso assumir a opção preferencial pela vida, denunciando os projetos da morte que visam apenas os lucros do agronegócio ou dos grandes empreendimentos capitalistas. Querem que a pesquisa não fique restrita aos muros da universidade, que se estenda à sociedade, de onde saem os recursos humanos e financeiros para manter o ensino de nível superior. A formação sistêmica sobre essa riquíssima plataforma de inquietação ambiental dos jovens estudantes de jornalismo poderá resultar em novas gerações de profissionais muito mais conscientes, muito mais comprometidos com a sociedade e com o novo mundo possível. Dessa forma, por maiores que sejam os problemas, apesar da falta de verbas para a educação de qualidade, da falta de incentivo aos professores, da falta de equipamento para os laboratórios e até de carteiras decentes para os alunos se sentarem, ou de substratos culturais favoráveis à educação libertadora, as pessoas realmente interessadas em fazer com que os quatro anos de jornalismo não sejam um tempo perdido tanto alunos como professores - sempre saberão que a noção de crise também faz parte da análise sistêmica, porque ela é entrópica. Não é a crise que deve barrar nossa caminhada, conforme aprendemos com Morin (1975): 231 Crise é o aumento da desordem e da incerteza no seio de um sistema (individual ou social). A máquina hipercomplexa funciona "normalmente" até o limite da crise, no sentido em que funciona com desordem e no limite da desordem. A crise pode solucionar-se no regresso in statu quo ante, mas é próprio do sistema hipercomplexo em crise desencadear a busca de soluções novas e estas podem ser imaginárias, mitológicas, mágicas ou, então, ao contrário, práticas e criadoras. Assim, a crise é, potencialmente, geradora de ilusões e/ou de atividades inventivas. Pode ser fonte de progresso (solução nova, aumento da complexidade do sistema) ou de regressão (redução da complexidade do sistema). O sapiens é naturalmente um animal crísico. A crise é, ao mesmo tempo, a fonte de seus fracassos, de seus sucessos, de suas invenções e, também, de sua neurose fundamental. (MORIN, 1975, p. 145 - 146) 16 O homem hipercomplexo é um enigma também para Pascal: "Que quimera será, então, o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que tema de contradição, que prodígio! Juiz de todas as coisas, imbecil minhoca; depositário da verdade, cloaca de incerteza e de erro; glória e refugo do Universo. Quem deslindará esta embrulhada?" 17 A superação dos paradigmas em crise fará nascer o homem novo, portanto o ensino novo, o novo jornalismo. Para muitos alunos ouvir falar sobre jornalismo ambiental ainda é uma novidade. Nas respostas qualitativas alguns se referiram a este modo de pensar a realidade como algo "do futuro", uma ferramenta que "será muito importante", um espaço "a ser conquistado" à medida que a crise ambiental se agrava. Por isto é necessário que o tema meio ambiente esteja presente na formação dos futuros jornalistas, do mesmo modo que deve estar presente na escola de primeiro e segundo graus, tanto quanto na mídia e em todos os lugares onde possa ser discutido. Já vimos que a formação sistêmica do futuro jornalista o leva a romper os padrões estabelecidos, partindo decididamente para o ilimitado campo da criatividade em suas narrativas da contemporaneidade, para usar uma expressão de Cremilda Medina. O tempo na Universidade é o tempo de ousar, criar, imaginar, voar, refletir, deixar sair de dentro de si o ser construtivo e criativo, o demens de que fala Morin, o louco imaginativo de que falam Erasmo, Nietzsche e tantos outros gênios. É o único tempo que temos na vida para ousar fazer diferente como fez Einstein diante das pétreas leis de Newton. É o tempo de olhar a pedra e ver o Moisés. 16 17 Op. Cit. p. 145-146 Citado por MORIN, 1976, p. 138 232 É um fato auspicioso que tenhamos em nossas universidades muitos jovens talentosos que aproveitam bem os seus quatro anos de jornalismo - independentemente de legislações que exijam ou não o diploma - ousando romper o objetivismo do lead, da pirâmide invertida, dos manuais de redação, das entrevistas preferenciais com os famosos, do comodismo de ouvir só as fontes oficiais, da linguagem hermética e engessada no rigorismo que foge da simplicidade comunicativa e explicativa. Por isto, separamos o próximo capítulo para mostrar alguns exemplos, alguns modelos de jornalismo que nossos alunos já estão praticando a partir dos ensinamentos da escola sistêmica que, felizmente, está se espalhando por todas as escolas bem intencionadas, sejam públicas ou particulares. Essa nova ciência benfazeja, que espanca a poeira dos preconceitos, da objetividade e da visão estreita, tanto quanto da intolerância e do cientificismo reducionista, está poeticamente inscrita na profissão de fé que Edgar Morin faz nos sistemas abertos: É estimulante arrancar-se para sempre da palavra-mestra que explica tudo, da ladainha que pretende tudo resolver. É estimulante, enfim, considerar o mundo, a vida, o homem, o conhecimento, a ação como sistemas abertos (g. n.). A abertura, brecha entre o insondável e o vazio, ferida original do nosso espírito e da nossa vida, também é a boca sedenta e faminta pela qual nosso espírito e nossa vida desejam, respiram, bebem, comem, beijam. (MORIN, 1975, p. 219) 18 18 MORIN, 1975, p. 219. 233 A DESCONSTRUÇÃO DA OBJETIVIDADE: MODELOS 1. O rio que não fala 2. Moradores em situação de rua 3. No meio da mata 4. "Dia de Visita" 234 CAPÍTULO 9 A DESCONSTRUÇÃO DA OBJETIVIDADE: MODELOS Recusando e rejeitando a morte que o aterroriza, o homo sapiens a soluciona no mito e na magia. MORIN Os modelos de reportagens mostrados a seguir não guardam qualquer relação com a objetividade da pirâmide invertida, do lead, do sub-lead ou de qualquer manual de redação. Todos, entretanto, partem de fatos reais, documentados mediante acurada apuração. Mas a narrativa é saborosa, ela não foge da emoção, pelo contrário, dá vida aos detalhes e também às coisas, numa onomatopéia luxuriante que confere direito de voz, gestos e pensamentos aos objetos inanimados. Quando fala de gente é com amor, carinho, paixão, admiração, emoção. Aqui pessoa não é número, gente não é estatística e texto também pode ser poesia. Só que, além de saber escrever criativamente, é preciso apurar muito bem. O resultado da narrativa é maravilhoso, mas para chegar até ela é preciso trabalhar muito. O Jornalismo Literário Avançado 1 não é uma ferramenta para quem tem preguiça. Vejamos. 1. O Rio que Não Fala Um dos TCCs selecionados para exposição no já citado I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em Santos, foi "Memórias de um Pedaço de 1 No momento vários projetos estão em andamento na Unesp-Bauru com base no JLA, tanto reportagens laboratoriais, como Projetos de Extensão e Trabalhos de Conclusão de Curso-TCCs. 235 Rio ... O resgate do passado e da cultura de uma região faz surgir o relato humano de um velho rio: o Paraitinga", da aluna Deize Renó, da Universidade Braz Cubas, de Mogi das Cruzes-SP. A sessão de comunicação dos trabalhos foi presidida por este pesquisador e todos os presentes ficaram surpresos com uma revelação feita pela aluna. Ela contou que ao tentar publicar sua grande reportagem em um jornal, o editor, depois de ouvi-la dizer que parte da história era contada pelo rio Paraitinga, respondeu que não poderia publicar porque os leitores não entenderiam. E acrescentou, peremptório: "Rio não fala". 2 Deize convida o rio Paraitinga a se sentar para um café na mesa de um bar, com "outras" pessoas antigas, em algum lugar de Salesópolis - SP. De início, ela pede ao leitor que se liberte de normas e idéias pré-concebidas ao ler sua reportagem, alertando que, apesar da linguagem e dos "pensamentos" do rio, o resultado é uma matéria jornalística e não uma ficção, bem na linha ensinada pelo autor que ela mais estudou para produzir o seu TCC: Edvaldo Pereira Lima. Antes de dar a palavra ao rio, Deize apresenta alguns dados para situar o leitor: 3 O Paraitinga nasce em Paraibuna, na divisa com Salesópolis-SP, bem no meio da roça. E quem primeiro usa a sua água é o Toninho Venâncio, que mora no terreno. Ele é filho do Seu Zé. Aparentemente, a história de um rio tão sem importância nada tem a ver com Mogi das Cruzes, Suzano, Ferraz, São Paulo. Mas a polêmica de uma barragem trouxe o velho Paraitinga para as manchetes dos jornais. Ficou até importante. Olhando assim, nem parece que esse fiozinho de água vai encher uma área de 18.200 hectares na cidade de Salesópolis. De acordo com as informações da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), quando as barragens dos rios Paraitinga e Biritiba (as últimas barragens do Sistema Produtor do Alto Tietê) encherem, vai ser possível abastecer mais 900.000 habitantes, e as enchentes na região, só com a barragem do Paraitinga, podem diminuir no mínimo em 82,4%. Ao mesmo tempo, como toda grande obra de represamento, elas também trazem impactos ambientais, os quais podem ser estudados e compensados. Daqui pra frente, quem conta a história é o próprio Paraitinga, presente na memória e na vida das pessoas que moram ao seu redor. O espaço aqui é insuficiente para publicar a criativa reportagem de Deize Renó, mas, a título de modelo, ouçamos alguns trechos da fala do rio, 2 Que maravilhoso seria se editores assim pudessem sentir o prazer de ler João Cabral de Melo Neto que, em "O Rio", relata, nas asas da poesia, uma viagem que fez pelo Capiberibe, desde sua nascente à cidade do Recife, em 1953: "Sempre pensara em ir/ caminho do mar./ Para os bichos e rios/ nascer já é caminhar./ Eu não sei o que os rios/ têm de homem e de mar;/ sei que se sente o mesmo/ e exigente chamar./ Eu já nasci descendo/ a serra que se diz Jacarará,/ entre caraïbeiras/ de que só sei por ouvir contar/ (pois, também como gente,/ não consigo me lembrar/ dessas primeiras léguas/ de meu caminhar)". Cf. MELO NETO, João Cabral. Poemas. Seleção de Antonio Carlos Secchin, 4ª ed. São Paulo: Global, 1994, p. 57. 3 Cf. RENÓ, D. Olhares no Meio Ambiente. In Mogi News - Suplemento Especial Meio Ambiente". Mogi News Empresa Jornalística LTDA: Mogi das Cruzes-SP, 5 jun. 2005, p. 2. 236 antecedidos da sua "ficha técnica": Nome: rio Paraitinga. Nascimento: cidade de ParaibunaSP, na divisa com Salesópolis-SP. Extensão: 26 km. Bacia de drenagem: 225 km. É o principal afluente da margem direita do rio Tietê. Seu desaguar é na cidade de Biritiba Mirim-SP. Nasce na divisa com a bacia do rio Paraíba do Sul, mas pertence à bacia do Alto Tietê. Trecho 01 Dizem que no passado eu era largo e muito fundo. Dizem que não dava pé. Dizem que minhas águas banhavam quase todos os quintais da cidade e tinha muitos peixes: lambari, traíra, bagre, cascudo, mandi e um outro que chamavam cambeva, um peixinho esperto, branquinho. Quando seguravam ele na mão, como se fosse uma enguia, ele escapava de todo lado. Era a diversão das crianças. Podia fechar a mão assim, que ele varava do vão do dedo e, se varasse, nem adiantava procurar nas capituvas. Ele desaparecia. Era ágil, esperto e liso. Só tinha praticamente a coluna vertebral. Não tinha espinho. E na luz era quase transparente. Tinha no máximo 15 centímetros de comprimento e, de espessura, uns três ou quatro centímetros. Dava para fazer bolinhos. Era limpo. Hoje não existe mais nas minhas águas. Também não existem os campeonatos de natação. Puxa, era divertido e difícil escolher pra quem torcer. Por isso, eu torcia pra que cada dia fosse a vez de um. Como aprontavam aqueles moleques! O Raul conhecia cada canto de minhas águas. Era ele, muitas vezes, o professor de natação. Alguns, depois da enchente, gostavam de me chamar de prainha por causa do areião que se formava ao meu redor. Aí sim, ficava rasinho e dava pra toda criançada brincar de mar. Alguns perdiam tempo me observando. Outros preferiam mariscar, pegando peixes com peneira de taquara. Às vezes eu dava uma grande traíra, mas eles se assustavam e acabavam jogando na água de novo. Riam muito. Às vezes eu mandava uma cobra, mas era só pra brincar. Era daquelas cobras mansas da água... 4 Trecho 02 No passado, matei a sede de muitos transportadores e comerciantes que saiam de Mogi ou de Jacarei e iam até São Sebastião, atravessando a rota do sal. As primeiras pessoas que ajudaram a fundar a minha vila [São José do Paraitinga] eram comerciantes e moravam em minhas margens, no bairro hoje chamado Capela Nova. Mais tarde, para ficar mais fácil, o ponto de encontro dos tropeiros foi mudado cerca de uma légua para frente, foi aí que decidiram nomear Vila de São José do Paraitinga, há pouco mais de 166 anos [...] Vi a cidade crescer e vi, como dizem os homens, o progresso chegar. 5 Trecho 03 {Os antigos moradores, como Geralda Fonseca Wuo -Ada - 81 anos, participam da conversa): - Do lado de lá tinha uma grande pedra, aponta Ada. Quando estava frio, depois de pular na água, todos iam para as pedras e ficavam lá até enxugar um pouco, porque molhava toda a roupa. A gente falava que as pedras escondiam o ouro. "Vamos quebrar pra pegar o ouro !", diziam as crianças. Volta o rio: A pedra. Ela sempre ficou ali parada, grande, bela. Tão grande que dava medo [...] A criançada ficava lá deitada, só saía na hora que a mãe começava a chamar. Pedra é algo que não se move, mas sente. Água quente. Faz da água, quente. A pedra chorou. Escondia o ouro e ninguém notou. A pedra do ouro. Do outro ouro que não volta mais. Do passado-ouro. Pedra que escondia o outro. O outro viver. ..Saudade de um tempo que não volta mais. Tempo de amizades. Tempo que o dinheiro nem tinha tanto valor. Tempo de calmaria, de alegria, tempo em que a natureza era mãe sem rancor, sem dor. Tempo em que eu era águas, águas que batiam na pedra, sorriam, divertiam. Tempo em que eu era visto. Dava pra ver de longe. Tempo de amizades longas e eternas. Tempo de simplicidade. De águas, pedras e saudade. 6 4 id. ibid., p. 4. id. ibid., p. 4. 6 id., ibid., p. 12. 5 237 2. Moradores em Situação de Rua "Moradores em situação de albergue", "moradores em situação de rua", "moradores em situação de emergência"...expressões assim revelam a delicadeza, a sensibilidade, o respeito da jornalista Maíra Martins de Carvalho quando entrevistou moradores de rua de São Paulo para o TCC apresentado à Unesp-Bauru em dezembro de 2003. Este pesquisador participou da banca de professores que deu nota máxima ao trabalho de Maíra: "Em Busca do caminho de Casa", também construído a partir dos ensinamentos de Cremilda Medina, Edvaldo Pereira Lima e outros bons professores de jornalismo. Durante vários dias Maíra gravou ou anotou longas e repetidas conversas (algumas de três horas ou mais) com sete moradores do albergue Casa Abrigo São Francisco de Assis, em São Paulo, atrás da Estação Carandiru, do metrô, utilizando uma saleta cedida pela assistente social (Érica, 23 anos) que também a ajudou a escolher os entrevistados. Foram ouvidos seis homens e uma mulher, entre 42 e 57 anos. "Eu tinha um roteiro para guiar as entrevistas, mas quando o entrevistado dispunha de tempo eu permitia que a entrevista fugisse para outros assuntos a fim de deixá-lo mais à vontade, portanto era mais uma conversa que uma entrevista. Eu não queria ´tirar´ deles, queria deixar algo também, por isto a estrutura de conversa. Havia muita vergonha por parte deles em dizer o porquê de terem ido parar nas ruas, e eu acreditava que a estrutura entrevistador-entrevistado inibiria ainda mais essas pessoas, pois não haveria uma troca onde um pergunta e o outro responde. Uma entrevista pode ser mais interativa e esclarecedora do que a praticada normalmente pela imprensa, conforme aponta Cremilda Medina, em seu livro `Entrevista - O diálogo possível`", esclarece Maíra. 7 Seu texto é uma página de respeito pelo ser humano, de amor e carinho por pessoas que foram parar em situação tão constrangedora pelos motivos mais variados, entre eles, depressão, traições, desemprego, alcoolismo, drogas, inveja etc, arcando com enorme preconceito social e ignorados pela mídia, a não ser quando envolvidos em escândalos e outras situações inusitadas. No entanto, a repórter se indaga: "Eles têm nome, pais, filhos, esposas...onde está a família deles?". É isto que Maíra busca: o ser humano dentro do homem brutalizado pelo abandono social, pelo desprezo, pela 7 Cf. CARVALHO, M.M. de. Projeto Experimental - Livro Reportagem Em Busca do Caminho de Casa. Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso-TCC, ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp-Bauru, em 5 dez. 2003, p. 8. 238 coisificação, pelo nojo. Como ensina Paulo Freire ela vai em busca da realidade para reconhecê-la e, assim, poder conhecê-la. Ela conta: Os possíveis preconceitos que eu pudesse ter quanto às pessoas em situação de rua começaram a ruir naquele dia [frio, de agosto de 2003] quando entrei no prédio cinzento que abrigava 100 pessoas. A Casa São Francisco de Assis é um dos 5.500 albergues ou abrigos especiais de São Paulo. Quando cheguei, havia uma grande fila. Entrei também na fila. Chegou a minha vez. Falei sobre a hora marcada com a assistente social. Ela estava à minha espera no último andar do prédio. Subi as escadas e entrei numa sala de espera em que havia várias cadeiras de plástico branco, encostadas nas paredes... Começava, então, o processo de destruição da falta de informação, da ignorância e dos estereótipos, e a reconstrução de uma nova visão da realidade dessa população de rua. 8 Também aqui não é possível transcrever as sete entrevistas, todas elas tão emocionantes e tão cheias de lições de legítima humanidade, 9 mas o TCC da aluna está disponível na biblioteca da Unesp, em Bauru. Alguns trechos: Após a longa "conversa" com seu primeiro entrevistado, Miguel, que tinha o segundo grau completo e falava alemão, italiano, espanhol e arranhava inglês, sendo sobrinho de um padre alemão que lhe conseguira a vaga no abrigo, e que ali estava por problemas de depressão que levaram ao alcoolismo, a repórter foi convidada, pelo entrevistado, a visitar, na semana seguinte, uma outra instituição, o Centro Comunitário São Martinho de Lima Povo da Rua, perto da estação Belém, do metrô. Era uma Casa de Convivência, dessas mantidas por organizações sociais ou empresas, com espaços dotados de recursos humanos e materiais para promoção de trabalho sócio-educativo em regime de atendimento diário, com atividades culturais e de lazer, oferecendo almoço, lanche e banho. À noite, entre 17:30h e 8:00 da manhã seguinte, as pessoas voltam para os albergues, explica. Texto 01 Quando entrei no salão em que mesas retangulares e compridas estavam dispostas paralelamente umas às outras, Miguel apresentou-me para alguns de seus conhecidos que também se encontravam na mesma situação que ele. A primeira impressão [...] era de um galpão, uma garagem, um porão. O local era muito limpo, mas o chão acimentado, as paredes brancas e as janelas altas, as cores e os tons frios predominantes emprestavam ao ambiente um aspecto triste e de abandono. [...] Houve um momento em que Miguel deixou-me na mesa sozinha e foi ao banheiro. No salão, alguns conversavam ou liam o jornal, como Giusepe, outros permaneciam calados e solitários num canto da mesa, observando as faces 8 id., ibid., p. 8. Como no registro da sentida reclamação do albergado Wilson (50 anos), no inverno de 2003 " A gente dorme na rua, pra tomar um banho num tempo desses é difícil; a maioria das pessoas que vêem a gente, vê [sic] tudo sujo, sem tomar banho [...], pensa que vai roubá-la quando a gente passa perto delas". 9 239 novas e antigas ali presentes, ou deixavam o olhar vagar vazio pelo nada, encerrados em si mesmos. Faces sorridentes, tristes, sofridas, cansadas, animadas. Era uma mistura de faces e sentimentos oculta no Centro de Convivência. Eu não conseguia desviar por muito tempo os olhos de Giusepe, sentado em uma das pontas de nossa mesa: era um homem muito idoso, beirando os 80 anos, protegido do frio por agasalhos de lã, magro, de cabelos e cavanhaque branco-pérola, com miúdos olhos azuis, lembrou-me a figura de Dom Quixote. Era uma imagem frágil e simpática. Miguel disse-me que era um italiano que vivia há muito tempo no Brasil e que não gostava de lavar a própria roupa. Fui interrompida em minha observação por um homem vestido com um surrado terno amarelo que sentou-se à minha frente, abriu o Jornal do Metrô e começou a comentar sobre as notícias, a terra e a agricultura [...] Um outro homem magro, alto, usando óculos e barba, sentou-se ao lado do de terno amarelo e perguntou se eu tinha caneta e papel. Abri a bolsa, emprestando-lhe uma caneta e o meu caderno de capa amarela com perguntas para orientar-me nas entrevistas. Ele abriu o caderno e começou a fazer alguns traços na capa interna dele, mas antes de prosseguir, olhou para mim e perguntou: "Posso te desenhar?" Eu sabia quem ele era. Era o James, o desenhista, que estava, ainda em plena manhã, sob o efeito do álcool. [...] James iniciou uma série de desenhos em conjunto, ou seja, ele desenhava um traço, eu desenhava outro. As pessoas que tinham vindo sentar-se ali perto também quiseram participar. Então o caderno foi passando de mão em mão, e das páginas em branco, traços feitos às cegas deram vida a figuras engraçadas e divertidas. James colocava ordem no caos dos traços de caneta, orientando os desenhistas iniciantes, incluindo eu. Mal percebi a volta de Miguel, tão entretida estava eu com o James e o pessoal dos desenhos. O desenhista traçou dois olhos e uma boca numa folha em branco e passou-a ao seu vizinho de banco, o qual, dando continuidade à figura, fez um nariz de batata no rosto feminino. James irritou-se e disse-lhe: "Estragou tudo. Vamos começar outro". Estragar e começar. Seriam eles vistos pela própria sociedade e por eles mesmos como a parte "estragada" dela? O que seria o "estragado" no meio social? De acordo com o primeiro Censo da População de Rua, realizado em 2000, "a principal causa para as pessoas estarem nas ruas é a falta de dinheiro provocada pelo desemprego, aparecendo, em seguida, outras causas como desavenças familiares, uso excessivo de drogas e álcool e doenças mentais". Quem seria o responsável por esse "estrago" social? A sociedade? O indivíduo? Ou ambos? O ato de reconhecer o "estrago", virar a página e começar de novo. Eis um desafio mais do que individual, social. 10 Texto 02 A assistente social, Érica, avisou -me que o meu próximo entrevistado era calado. Sammy foi-me apresentado e eu me apresentei a ele. Pareceu-me tímido num primeiro momento. A conversa inicial foi lenta. Mas se estendeu por três horas comigo e Sammy trocando acontecimentos particulares de nossas vidas e opiniões acerca do mundo. Sammy era uma daquelas raras pessoas que conservam a espontaneidade e a inocência do riso infantil. Um ser humano que, apesar de seus 49 anos de idade, ainda conseguia se surpreender com o mundo como se fosse uma criança. A história de Sammy é a de muitos nordestinos que vieram para São Paulo em busca de trabalho. Quando saiu de sua cidade natal, Itabuna, era apenas um garoto de 17 anos. Ao chegar em São Paulo, foi morar na casa de conhecidos na Vila Carrão e trabalhar nas indústrias. Até que um dia ele e um primo resolveram abrir um negócio juntos. Compraram um trailer de lanches e começaram a construir suas vidas com trabalho. Depois de juntarem algum capital, compraram um "copo sujo" (bar de esquina). Mas, com a queda no movimento do bar, decidiram vender tudo, depositar o dinheiro no banco, voltar para a Bahia, comprar um terreno na praia e construir uma pousada. Foram para Prado, uma cidade litorânea da Bahia, e compraram uma cabana na praia, um quiosque...Então todos os sonhos, todo o trabalho a eles dedicado, perderam-se. Todo o dinheiro economizado e poupado no banco, perdeu-se com o Plano Collor. Sammy e o primo brigaram na beira da praia. O primo culpava-o pela perda, já que tinha sido Sammy a sugerir que voltassem para a Bahia... [De volta a São Paulo] Sammy não queria pedir ajuda ao pai e aos irmãos: "Na época em que eu tinha as coisas, ia lá de carro, levava presentes, agora pra chegar com uma mão na frente e outra atrás é...eu num vou não". Senti, ao ouvi-lo, que pedir ajuda à sua família significaria uma ferida em seu orgulho, uma vergonha. A honra acaba sendo o único bem valioso para quem tudo perdeu. Apesar de todas as dificuldades por que passou, Sammy fez questão de deixar claro que nunca roubou, porque, segundo ele, "é muito fácil a pessoa mencionar isso de caráter, que é bom, que é honesto, tendo casa pra morar, um bom trabalho, é muito fácil. Eu quero ver a pessoa falar isto desempregada, sem casa pra morar, passando fome..." - a voz dele foi falhando, saindo entrecortada por soluços e lágrimas. Sammy chorava. Não sabia o que fazer. Era a primeira vez que eu presenciava um dos meus entrevistados chorar. Nada lhe disse, pois não havia palavras a serem ditas naquele momento. 10 id. ibid., p. 16 - 22. 240 Pensei em desligar o gravador, mas Sammy continuou a contar a sua história em meio ao choro, pedindo desculpas, acalmando-se. [...] Na volta a São Paulo, Sammy conseguiu um trabalho de ajudante de cozinha em uma instituição filantrópica. Com o tempo comprou um vídeo, uma TV, um aparelho de som e um computador antigo por ele chamado de "microssauro". No "microssauro" escrevia as suas poesias, os seus pensamentos e as suas crônicas. Sammy era um poeta. Havia descoberto o amor pelas palavras, depois de perder tudo na Bahia e se ver só. Permaneceu como ajudante de cozinha quase dois anos, mas foi despedido quando a cozinha da Instituição foi terceirizada. Passou a vender tudo o que tinha para pagar o aluguel do quarto. Foi para o albergue Lygia Jardim, depois para o São Francisco de Assis. [...] O desejo de Sammy continua sendo arranjar um emprego e alugar um quartinho novamente. Mas o seu sonho é gravar um disco com as letras que compõe e editar um livro com as suas "coisitas", este é o modo como chama os seus escritos. Um de seus medos é que as suas "coisitas" percam-se depois que ele morrer. Durante a nossa conversa, Sammy narrou-me algumas de suas crônicas e recitou-me algumas de suas poesias. Confesso que tive de me esforçar para equilibrar as lágrimas nos meus olhos, engolindo-as uma a uma, ao ver Sammy levantar-se da cadeira e recitar de memória uma bela e triste poesia de sua autoria. Antes de eu ir embora, ele fez questão de buscar, entre os seus pertences, duas encadernações que continham toda uma vida em poesia, crônicas e sonhos. Estava tarde e eu precisava partir, pois o metrô e os ônibus deixavam de circular à meia noite. Numa demonstração de confiança, Sammy disse que eu levasse as suas "coisitas" e que as devolvesse só quando as tivesse lido. [...] Saí do albergue com as "coisitas". Devia ser um pouco mais de 9h da noite. Aquele dia foi o de maior responsabilidade da minha vida, o mundo nunca me foi tão pesado, pois carregava toda uma vida que não me pertencia. No caminho do albergue para o metrô era preciso atravessar por um beco escuro. Todas as noites, ao sair de minhas entrevistas, sentia receio ao passar por lá, mas naquele dia o meu medo era maior, não por mim, mas por Sammy. Saí abraçando com força as duas encadernações contra o meu peito e pensando: "Que roubem tudo, menos os dois cadernos". Dias depois [após a leitura] voltei ao albergue para devolver as "coisitas" de Sammy. 11 Texto 03 Cabelos curtos e tingidos de loiro com as raízes num tom castanho aparecendo. Olhos escuros e voz rouca. Era a Leny. A primeira e única mulher dentre os meus sete entrevistados. Paulistana de 54 anos, nasceu numa família de classe média alta e começou a trabalhar aos 15 anos de idade contra a vontade do pai, pois ele acreditava que filha mulher não devia trabalhar, apenas estudar. Formou-se em Letras e trabalhou como secretária em importantes empresas como a Petrobrás. Segundo a FIPE, o número de mulheres na rua caiu em comparação com a pesquisa anterior. O Censo de 2003 apontou que 15,4% dos moradores de rua eram mulheres, contra 18,6% em 2000. Uma das razões para essa queda estaria no aumento do número de famílias chefiadas por mulheres. Os dados revelaram também que o número de moradores nos albergues municipais cresceu. Em 2000, São Paulo tinha 3.693 albergados. Após três anos, este número foi para 6.186, o que representou um aumento de 67,5%. Entre os usuários de albergues, 92% tinham nível de escolaridade básico, 4% possuíam nível técnico e os outros 4% nível universitário. Há 20 anos Leny conheceu o homem com quem permaneceria casada quase 10 anos, até separar-se dele, não chegando a ter filhos. Morava com os pais que ficaram doentes. Como a sua única irmã era casada e vivia no litoral, teve de cuidar sozinha dos pais, até virem a falecer. Primeiro foi a mãe, depois o pai. Ela e o marido continuaram vivendo no mesmo bairro em que seus pais moravam, o bairro de Santana. Seu marido era muito ciumento, não a deixava nem ir ao supermercado. Era ele quem fazia as compras. Mas, apesar disso, era uma pessoa muito boa, segundo Leny. Para ela, a série de problemas que a levaria à situação atual de albergue, havia começado justamente por causa do tratamento dedicado do marido. Leny não chegou a usar a palavra "inveja", mas era isto que me ficava subentendido ao ouvir a sua história. Pessoas invejavam a relação que ela e o marido haviam construído. "Eu tinha uma vida muito boa, mas me caluniaram, fizeram um pandemônio na minha vida". Leny separou-se do marido e há cinco anos perdeu o emprego de secretária. Abriu um escritório no Ibirapuera com a prima, fazendo licenciamento de carros, pois também era despachante policial. Mas brigaram e a sociedade acabou. Sem trabalho, prestou concursos, passou mas não foi chamada. Passou a ter problemas de pressão alta e foi parar no pronto-socorro. Morando sozinha em São Paulo e sem nada conseguir, decidiu ir morar com a irmã, em Praia Grande. Mas acabaram brigando e ela voltou para São Paulo disposta a continuar prestando concursos. Hospedou-se numa pensão em Santana, num sábado, dia 9 de dezembro, pois prestaria concurso no dia seguinte. Pagou o quarto e não lhe deram recibo. Leny permaneceu ali 19 dias até que na noite de 28 de dezembro, ao voltar do bingo e tentar abrir o 11 id., ibid., p. 30 - 38. 241 cadeado do portão de ferro, descobriu que sua chave não servia mais. Havia um bilhete: "Leny não pagou, não entra". Ela ficou incrédula: "Como não paguei?". Já era quase uma hora da manhã. Pensou em tocar a campainha, mas poderia acordar todo mundo da casa. Não queria confusão. Pegou o bilhete e voltou para o metrô. Ali, sentada, ficou observando o movimento das pessoas, enquanto esperava a manhã chegar. [...] Logo cedo foi falar com a dona da pensão, uma advogada, mas ela não quis recebêla nem entregar-lhe suas coisas e roupas. Tudo que possuía ficara lá. Leny passou um mês indo todos os dias à pensão, mas não lhe atendiam na porta e quando a atendiam por telefone, batiam-lhe na cara. "Eu passei o final de ano sem nada, sem roupa. Durante 15 dias eu lavava a roupa e ficava com a roupa molhada". Então Leny foi ao Bingo e colocou Cr$5,00 numa máquina. Ganhou R$ 1.400,00 que usou para comprar roupas e algumas coisas de que precisava. Passava as noites e as madrugadas nos Bingos porque quando eles fechavam os funcionários ficavam conversando até de manhã, enquanto esperavam a condução, havendo sempre movimento, o que tornava a situação menos perigosa para Leny, ao passar a noite na rua. Quando o dia chegava, ela costumava ir ao Horto Florestal para cochilar. Deitava-se sempre com os pés para cima como recomendara o seu médico, pois a pele dos pés e das mãos sofria ressecamento a ponto de abrir-se, expondo a carne viva, o que a impossibilitava de andar e procurar emprego. Os funcionários do bingo jamais souberam de sua real situação...[...] Mal sabiam que enquanto voltavam para as suas casas e camas macias, Leny ia para os bancos de cimento do Horto... 12 Texto 04 Hoje Benedito é um homem de 47 anos, mas, há 23, era um rapaz que saía sozinho de São Luiz, no Maranhão, para São Paulo. "Eu vim pra São Paulo pra ver se arrumava um meio melhor, uma condição de vida melhor e, depois, comprar uma casa aqui e chamar os meus familiares mas..." Já haviam se passado 23 anos e, durante esse tempo, conseguiu trabalho, perdeu-o, conseguiu casa, perdeu -a. Sua vida foi uma história de ganhos e perdas. Perdas irreparáveis. Não havia muitos anos que estava em São Paulo, conheceu uma moça com quem foi morar e teve uma menina. Cinco anos depois do nascimento dela, estava ele fora da cidade a trabalho, quando sua mulher morreu por infecção hospitalar após uma cirurgia para retirar as amígdalas. Sem condições de criar a filha pequena, resolveu deixá-la com os tios maternos. Então um dia, ao ir ver a criança, descobriu que eles haviam se mudado, levando-a. Não lhe deixaram qualquer aviso ou endereço. Desapareceram. A única foto que tinha da filha, perdeu-a numa enchente. Hoje ela estaria com 19 anos. Vivendo sozinho, entrou em depressão, perdeu o emprego. Antes de conseguir uma vaga no albergue, para não dormir nas ruas, costumava ir para a rodoviária à noite e sentar-se num dos bancos do saguão de espera. Às vezes conversava com as pessoas que se sentavam ao seu lado, enquanto esperavam o horário de embarque. Benedito fingia-se de futuro viajante, inventando viagens que faria . Mas a única viagem dele era até a rodoviária para passar a noite. Pessoas chegavam e partiam. O horário de embarque de Benedito nunca chegava. Seu ônibus não tinha destino nem plataforma. Ele passou muitas noites à espera da partida de seu ônibus imaginário, até que conseguiu a vaga no albergue e sua espera acabou. 3. No Meio da Mata O TCC de Ana Carolina Prado na Unesp-Bauru, em janeiro de 2005, também obteve nota 10 e este pesquisador participou da banca julgadora, juntamente com os colegas doutores da Unesp Ângelo Sottovia Aranha e o orientador Luciano Guimarães. Em 2005 o trabalho foi classificado em primeiro lugar na Expocom-Rio e foi selecionado para ser apresentado no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental e para outro congresso na Bolívia. Mediante acurada pesquisa e prolongado trabalho de 12 id. ibid., p. 39 - 45. 242 imersão junto às fontes, Ana Carolina (Naná Prado) documenta o trabalho da ONG Ecofuturo, de São Paulo, na manutenção do Parque das Neblinas (ou Sertão dos Freires), uma área de preservação ambiental situada no distrito de Taiaçupeba, em Mogi das CruzesSP. Com estudo intensivo de fauna e flora, monitoramento via satélite, extenso banco de imagens, o Instituto Ecofuturo desenvolve, permanentemente, pesquisas científicas sobre a biodiversidade do lugar para estudar a sustentabilidade dos ecossistemas, além de propiciar visitas orientadas por monitores com finalidade de educação ambiental. Os recursos para as pesquisas são provenientes da empresa proprietária da área, a Companhia Suzano de Papel e Celulose, interessada na ampliação da sua base florestal para dar suporte à produção de papel a partir da polpa de eucalipto. Daí a criação do instituto em 1999. O trabalho de Ana Carolina - "Parque das Neblinas - Um cenário socioambiental" - é apresentado em CDROM e está à disposição na biblioteca da Unesp, em Bauru. Sua narrativa do contato inicial (primeiro de muitos, e prolongados) com o local e os personagens da sua grande reportagem (também ela ancorada no estudo dos professores da ECA-USP), tem cheiro de povo, tem sabor de gente, tem o sentido da imersão total no fenômeno observado: Texto 01 Aquelas pessoas de Taiaçupeba, apesar de simples, têm um conhecimento muito grande. Levam uma vida humilde, rudimentar até. Muitas vezes nos fechamos em nossos mundos e desconhecemos a riqueza cultural que há por esse Brasil. Elas falam um português popular que, para os "letrados" (como elas mesmas os caracterizam), estaria incorreto. Entretanto, quando entram na mata parecem personagens dela. Uns piam como pássaros, com o objetivo de chamá-los até perto; outros conhecem cada árvore, cada detalhe da fauna na imensidão das trilhas. É inacreditável. O passeio vira uma lição de vida. As histórias são transmitidas com uma riqueza de detalhes fantástica. Passamos tantos anos na escola. Temos aulas sobre a fauna e a flora brasileiras e quando nos deparamos com esses "nativos", nos sentimos ignorantes. É fascinante observar nos olhos deles o carinho e a preocupação que têm pela natureza. Falam dela com orgulho. Descrevem a mata como se eles tivessem plantado cada uma daquelas árvores que outrora alguns cortaram. [...] Quando a monitora Helena Ronchi fez a dinâmica de abraçar a árvore-mãe, percebi o valor que aquelas crianças passaram a dar para o meio ambiente. Entendi, então, como é possível educar para uma vivência harmoniosa entre o homem e o meio ambiente. E é assim que todos os funcionários do Parque das Neblinas e do Ecofuturo trabalham: angariando mais e mais `voluntários` para as causas ambientais. É como se quisessem abraçar as causas da preservação - todos unidos, como filhos daquela árvore. E quando digo `todos os funcionários`, me refiro tanto 'àqueles engravatados` nas salas com ar condicionado da capital, quanto ao mateiro sem curso superior que resolveu participar dos projetos do Parque e mostrar um pouco do seu conhecimento. E foi com esta mesma vontade de contribuir, pelo menos um pouco, para a preservação do nosso meio ambiente, que resolvi fazer este trabalho. Pretendo, com ele, ser mais uma gestora ambiental. 13 Texto 02 13 Cf. PRADO, A. C. Parque das Neblinas - Um cenário socioambiental. Trabalho monográfico em forma de CD-ROM apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Arte e Comunicação da Unesp-Bauru, para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo, em 26 jan. 2005. 243 A pequena Taiaçupeba, curiosa, prestou atenção na moça estranha que chegou de ônibus, carregando as malas, e parou na praça, em frente à igreja. Sozinha, perdida, com um bloco de anotações nas mãos, observando cada detalhe. Uns vieram perguntar o que eu ia fazer: "O que trouxe você para este fim de mundo?", perguntou um senhor. Mal sabia ele que, nos últimos meses e nos próximos outros, minha vida estaria resumida àquele lugarzinho no meio do nada. No meio do nada, mas repleto de tesouros a serem descobertos. Confesso que descobri mais coisas do que imaginava. Conheci personagens interessantes e aprendi muito com cada um deles. Texto 03 Para muita gente, o cheiro de suor de 30 homens e mulheres dentro de um ônibus no final de uma tarde de trabalho poderia ser ruim. Para mim, a sensação foi maravilhosa. Sensação de dever cumprido - tanto deles, quanto meu. A música sertaneja de raiz tocando no rádio. As pessoas falando sobre o trabalho cansativo. O sol se pondo. Sete horas da noite, horário de verão. Este era o cenário em que eu voltava para casa, após um dia de muitas entrevistas, muitas caminhadas, muito aprendizado. A cabeça estava a mil. Os pensamentos se cruzavam, a vontade era sentar e transcrever todos aqueles momentos. Foram três dias de trabalho intenso e marcante. Dias com o pensamento voltado, exclusivamente, ao Parque das Neblinas e às pessoas que por ali vivem. Cheguei até a sonhar com tudo aquilo. Outros dias de visita não foram tão intensos. Talvez pelo fato desta vez eu estar sozinha. Estava sem carro, consegui um lugar para dormir na casa de uma pessoa com quem tinha conversado uma vez na vida. Por isso, devo agradecer demais à comunidade de Taiaçupeba. Todos foram muito atenciosos, muito prestativos. Acolheram-me com muito carinho. Texto 04 O Sr. Toninho (Antonio de Souza Mendes) me ofereceu um almoço caseiro muito saboroso; deixei minha mala no mercadinho em frente à praça para não precisar ficar carregando; o monitor Sandro Custódio me deu pouso no sítio: tudo muito limpinho, organizado e com direito a explicações sobre árvores, sobre criação de rãs e sobre o canto dos pássaros. Na casa do Luis Martins, do Grupo de Apoio ao Desenvolvimento Social Solidário (GADESS), o cheiro da lenha queimando no fogão se misturava ao cheiro do tempero à base de alho e manjericão. As compotas de pimenta organizadas numa dispensa ao lado da cozinha me chamaram a atenção. Na sala, dezenas de potes de vidro com cobras preservadas em álcool. A simplicidade da casa do Luís fez com que eu me sentisse mais à vontade para o nosso bate papo. O carinho e a atenção dele foram impressionantes. [...] Se eu resolvesse contar um pouco de cada pessoa que eu conheci durante os dias de trabalho, poderia fazer um outro trabalho. Sairiam reportagens comportamentais muito interessantes. História para contar é o que esse povo mais tem. Todos esses fluxos de pensamento foram conseqüência de uma mente inquieta, querendo registrar a alegria de um dever minimamente cumprido. Carrego comigo um pouco de cada um, "do patrão ao empregado". As palavras, os gestos, as imagens registradas e muita informação transmitida. Afinal, é como os monitores sempre dizem: "Da natureza nada se tira, além de fotos; nada se deixa, além de pegadas; nada se leva, além de recordações". 4. "Dia de Visita" A penitenciária "Dr. Eduardo de Oliveira Vianna", a PII, de Bauru, no quilômetro 354 da Rodovia Marechal Rondon, é considerada modelo no Estado de São Paulo e no país. No segundo semestre de 2003, sob orientação deste pesquisador, um grupo de alunos do último ano de jornalismo da Unesp - Alisson Sbrana, Fernanda Conti, Kátia Perches e Poliana Brasil - iniciou um projeto de comunicação no interior da penitenciária. Hoje o projeto ainda existe - com os alunos já graduados - na forma de 244 intervenção cultural regular e mensal junto ao presídio - mas nos dois primeiros anos ele teve o formato de um jornal bimensal, tablóide, de oito páginas, com a primeira e última página a cores, financiado pelas empresas que se relacionam, comercialmente, com o presídio, já que a Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) da Unesp estava sem verbas. O que consagrou o projeto - citado no site especializado www.textovivo.com.br e comentado em sala de aula na ECA-USP pelo professor Edvaldo Pereira Lima, além de ter sido destaque de primeira página em boletim da ONG "Sou da Paz", de São Paulo, em 2003 - foi a ousadia dos alunos de fazerem o jornal a partir não da visão deles, mas a partir da visão dos próprios presos, com a pauta indicada por eles, numa tentativa laboratorial de furar o natural preconceito que temos contra os que praticaram atos ilegais contra a sociedade, um preconceito entranhado em nossa própria cultura, tão inamovível como todos os outros que temos, herdados de nossa formação familiar, cultural, religiosa, escolar, intelectual etc. Além de revelar situações nunca imaginadas de criatividade, talento, determinação, organização e vontade firme de auto-regeneração, o jornal, também criativamente chamado Dia de Visita, abria espaço para que os presos se manifestassem livremente. Ao receber os primeiros exemplares do jornal, o professor Fernando Salla, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, campus de São Paulo, escreveu na seção Carta dos Leitores, na edição de fevereiro de 2003: Temos recebido o jornal Dia de Visita. Queremos agradecer a gentileza pelo envio e manifestar nosso apoio a essa e a todas as iniciativas que abram espaços para o trabalho em conjunto da sociedade com as prisões. Todas as experiências relevantes de funcionamento das prisões com baixos índices de violência são aquelas que têm um envolvimento da comunidade com a prisão. Além disso, acreditamos que para o preso é um espaço importante para a manifestação de suas capacidades e habilidades. 14 Um outro leitor, na mesma edição, assim se manifestou: Recebi os cinco primeiros exemplares do "Dia de Visita", publicação da PII de Bauru, elaborada pelos alunos de Jornalismo da Unesp. Li os exemplares e os achei muito bons, bem escritos, leitura fácil e agradável. Mesmo assim, fui perguntar ao Dr. Furukawa (Secretário da Administração Penitenciária de São Paulo) o que ele achava da publicação. Sua resposta foi positiva e elogiosa, porque o trabalho que vocês fazem mostra a face desconhecida de uma penitenciária, que é a da recuperação dos sentenciados. E, quando um grupo de estudantes produz um jornal, está, de alguma forma, iniciando uma carreira de sucesso. O "Dia de Visita" terá vida longa, porque não vão faltar pautas interessantes. Parabéns a todos. Geraldo Alckmin - Governador do Estado de São Paulo. 15 14 15 Cf. Jornal Dia de Visita, Ano II, ed. n. 8, Bauru-SP, agosto de 2003, p. 2. e-mail [email protected] id. ibid., p. 2. 245 O congraçamento do dia reservado à visita dos familiares, uma vez por semana, é uma lição de vida e de sensibilidade humana, quando afastamos o véu espesso dos preconceitos e a viseira estreita do egoísmo, como neste texto que descreve, na edição citada, a espera dos familiares na fila de ingresso no presídio: Texto 01 Mulheres diferentes, de locais diferentes, mas com a mesma sina, tornam-se amigas na via-sacra dos domingos. As conversas animadas entre os familiares dos detentos da PI e da PII fazem o tempo passar mais rápido. Para quem fica a noite inteira de sábado ansiando pelo horário das visitas, a amizade e as brincadeiras são as opções para superar a solidão e a angústia da espera. Na semana do Natal, cerca de 30 mulheres - todas se conheceram nas visitas aos familiares - fizeram um amigo secreto entre elas. Gisele vem de São José dos Campos com o filho para visitar o marido toda semana. Sua sogra vem uma vez por mês. Adriana é a única visita do marido e traz seus dois filhos para visitar o pai. As duas pegam o mesmo ônibus de linha e ficaram amigas durante as visitas. Gisele resume a situação dos familiares dos detentos: "Aqui é uma pela outra. Todo mundo tá no mesmo barco". Perto da guarita do presídio, mulheres e crianças se apertam na sacada onde ficam os quartinhos nos quais passam as noites em dias de visita. Varais improvisados com toalhas, mães amamentando crianças, sacolas com lençóis e cobertores, colchões estendidos pelo chão dão um clima de acampamento ao lugar. Na fila para pegar a senha de entrada no presídio, um retrato das várias faixas etárias: recém-nascidos, crianças, adolescentes, mães e avós que vêem na fila a oportunidade de rever seus familiares. Lá dentro, outra fila: a da revista. D. Vera Lúcia, mãe do detento Roberto, diz que pela falta de costume a revista é sofrida no começo. "Depois fica mecânico", completa a nora Patrícia. As crianças passam o dia todo se divertindo. Chegam arrumadas para o Domingo, mas em poucos minutos já estão correndo, jogando futebol e improvisando brincadeiras. Mães como Gisele e Adriana acreditam que levar seus filhos para visitar os pais faz parte de uma boa educação. "Tem muita gente que critica, mas eu acho até bom eles verem a situação do pai deles. É um exemplo do que não deve ser feito", enfatiza Adriana, que chegou a visitar seu marido ainda com os pontos da cesariana. O detento - e pai - Sérgio, diz que se preocupa muito quando seus filhos chegam no presídio. "Sempre que a gente pode, nós preparamos umas brincadeiras, uma festinha para eles. Meu medo é eles crescerem achando que aqui é um lugar legal". 16 Texto 02 Há cerca de cinco anos, o suíço Paul Scheiwiller levava a vida de um verdadeiro astro da música. Baterista de uma famosa banda de rock, costumava viajar em turnês por toda a Europa - já dividiu o palco com feras como Scorpions, Whitesnake, Lennie Kravitz, Brian Adams, Van Helen e Alice Cooper. Casado, morando em Zurique e contratado por uma grande gravadora, Paul viu tudo isso ruir em maio de 1999: junto com um amigo também estrangeiro, com quem viajara para o Brasil a turismo, acabou preso no aeroporto de Cumbica, em São Paulo, dentro do avião que o levaria de volta à Suiça. Paul Scheiwiller, hoje com 40 anos, viu sua viagem de férias se transformar num inferno. Não sabia nada sobre o Brasil, não entendia uma só palavra do português - o idioma falado na Suíça é o alemão - e tampouco tinha noção do que eram as "cadeias daqui". De repente, o músico viu-se acusado por tráfico internacional de drogas, em razão de uma suposta cocaína encontrada em caixas de som compradas por ele e que chegariam à Suíça. "Pra mim o mundo inteiro caiu, eu pensei: o que faço agora?", relembra Paul, que sempre alegou inocência. "Eu só pensava: eu vou lutar, eu vou provar que eu não sou traficante, que eu não cometi esse crime". Preso, o baterista amargou a solidão de não conseguir se comunicar com ninguém, nem mesmo com o juiz brasileiro que acabaria por condená-lo a 6 anos e 8 meses de cárcere. "Eu ficava sentado num lugar, todo dia, sozinho como se estivesse numa ilha", conta o sentenciado. [...] Scheiwiller chegou na PII de Bauru em 2000, "no dia 17 de outubro". Tentava "falar" com as pessoas através de gestos, e usando o pequeno dicionário alemão/português enviado pela esposa. Sua adaptação foi lenta, e contou com a ajuda de um colega de cela que trabalhava na biblioteca do presídio. Foi lá que Paul teve a oportunidade de aprimorar o inglês e aprender com calma a nossa 16 Cf. Jornal "Dia de Visita", Ano II, ed. n. 3, fev. 2003, p. 7. 246 língua, que hoje domina o suficiente para se expressar e, finalmente, tomar conhecimento pleno do que consta em seu processo condenatório no Brasil. Por trás de um computador na sala onde trabalha atualmente, no presídio, a fala tranqüila do europeu não apaga a mágoa de quem sente muita saudade da vida que levava em seu país e "aguarda justiça". Mais que juras de inocência, o músico carrega consigo toda a papelada vinda da Suíça, onde foi absolvido do mesmo crime que hoje ainda o mantém atrás das grades brasileiras - na Europa, as investigações contra Paul foram suspensas já em 15 de março de 2001. As cartas e telefonemas mensais são o vínculo que Scheiwiller mantém com a família, e da vida de astro ainda lhe resta o talento. Na PII de Bauru, Paul Scheiwiller comprou uma bateria, toca na banda da igreja todos os domingos e continua apaixonado pelo rock. "Eu ouço música todo dia, é a minha vida, sempre foi, e quando eu sair vai continuar sendo. Com certeza". 17 Texto 03 Luciano Ghirardelli faz parte do corpo de funcionários do setor de Educação da PII. Porém, além das atividades burocráticas, o preso é o responsável pelo ensino de cerca de cem sentenciados - dez por cento da PII - da alfabetização a curso profissionalizante. E não é para menos; o professor tem um currículo estudantil invejável: técnico em física, Química, Biologia, Matemática e Contabilidade, cursou um ano de Arquitetura e Urbanismo. "Tudo isso e nenhum diploma superior", lamenta Ghirardelli, que ministra o único curso profissionalizante da unidade ( "Módulos para um futuro Curso de Construção Civil"). Além das aulas de segunda a sábado, o reeducando desenha plantas para as reformas da penitenciária e colabora com as atividades do Posto Cultural. Ghirardelli aposta na educação como possibilidade de um futuro melhor para os sentenciados. Marcus Roberto Bosqueiro, Diretor do Núcleo de Educação, concorda: "Para não vir parar aqui, educação é a resposta. Para sair daqui, também". 18 Texto 04 Marcos Roberto se emocionou quando viu sua esposa, Maria Aparecida, entrar vestida de noiva na pequena igreja do Ministério Evangélicos do Cárcere (MEC), no raio III da PII. Foi o primeiro casamento realizado dentro de um raio na Penitenciária "Dr. Eduardo de Oliveira Vianna". [...] "Há dois anos eu estava lutando para conseguir os documentos necessários para casar. No começo não tínhamos dinheiro, depois que conseguimos pedir os papéis, veio um documento errado, daí só conseguimos marcar para o dia 6 de julho", disse o noivo Marcos Roberto, que já morava com Maria Aparecida antes de ir preso. Maria Aparecida sempre que pode vem visitar o seu marido. Nesse final de semana veio junto com seu irmão, com seus filhos e parentes que vieram prestigiar o casamento. Mas a surpresa foi outra: "Ele não sabia que eu ia entrar vestida de noiva. Ele chorou tanto, quase morreu", conta Cida. Para todos que estavam ali foi um dia inusitado. Os sentenciados se aglomeravam em frente à pequena igreja para acompanhar a cerimônia, depois todos participaram da comemoração, com direito a muito bolo e refrigerantes. Para Marcos foi mais que um casamento, foi uma conquista: "Não é toda mulher que assume um compromisso com preso, é muita humilhação", reconhece o noivo, orgulhoso de sua esposa. Os exemplos/modelos aqui citados que se somam a tantos outros - impossível citar todos, claro - mostram que é possível fazer jornalismo fora das esferas de poder, fora do deslumbramento dos ricos e famosos. É perfeitamente possível seguir os ensinamentos dos professores Edvaldo Pereira Lima e Cremilda Medina no sentido de buscar a notícia na horizontalidade da planície, lá onde o povo está, com seus dramas, suas lutas, sua jornada mitológica através da vida, no meio da angústia, da solidão, da alegria, da inventividade, da resistência diante da brutalidade também presente na entropia 17 18 Cf. Jornal Dia de Visita, ano II, ed. n. 8, agosto de 2003, p. 6. id. ibid., p. 8. 247 sistêmica. O estudante de jornalismo não precisa ter receio de dar voz aos rios ou sentimento às pedras e árvores. Basta ler muito, estudar muito para ver como faziam os grandes sábios aqui citados: Francisco, Erasmo, Chardin, João Cabral...O novo jornalismo pode romper com o excesso de objetividade sem prejudicar a clareza e o bom entendimento do texto. Pode dar conta do quem, fez o que, quando, onde, como e porque sem reduzir a entrevista ou o fato real acontecido a um relato anódino, sem vida, sem emoção, sem sentimento, sem paixão. No jornalismo ambiental só será possível educar, de forma integral, o ser humano presente em nossos receptores se conseguirmos atingir a sua mente e, principalmente, o seu coração, através da narrativa da contemporaneidade, uma narrativa que conta histórias de vida de outros seres humanos. Só é preciso contar bem. No capítulo final, vamos estudar as possibilidades de integração do jornalismo, da educação, da cidadania, da escola, dos órgãos públicos, no esforço comum de mudar o comportamento social no que se refere ao meio ambiente, principalmente educando para o consumo sustentável. 248 PROPOSTA DE EDUCAÇÃO INTEGRADA E PERMANENTE 1. Conceito de Integração 2. Integração no Meio Ambiente 3. Integração na Educação 3.1 Educação Formal: Universidade 3.2 Educação Informal e Cidadania: Projeto Mesa Brasil 4. Integração na Comunicação 4.1. O Ministério do Meio Ambiente 5. Proposta 249 Capítulo 10 PROPOSTA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL INTEGRADA E PERMANENTE A história universal não é senão a história do progresso da consciência de liberdade. HEGEL 1. Conceito de Integração Considerar meio ambiente, jornalismo ambiental ou educação ambiental - que são os três eixos deste estudo acadêmico - significa considerar a epistemologia da Integração, da visão sistêmica, da interdisciplinaridade, do holismo, da educação libertadora dentro e fora da escola.. Em Spencer 1 a integração é uma das características fundamentais da evolução cósmica enquanto passagem de um estado indiferenciado, amorfo e indistinto para um estado diferenciado, formado e unificado. Quando imaginamos conformações sistêmicas, como na biologia, podemos pensar a integração como o grau de interdependência entre as partes para a formação do todo. Em psicologia, integração é a organização da personalidade, do mesmo modo que, em sociologia, é o grau de organização do grupo social. Entretanto, é preciso considerar que, na estética pósmoderna, a busca da integração não se dá pela soma das partes, mas na desconstrução da forma, no rompimento dos paradigmas, na re-criação do que está dado, tal como vimos no capítulo anterior ao mencionarmos modelos de jornalismo que vão além da apuração apressada e do apego às normas clássicas da objetividade estilística. Por outro lado, devemos observar também que a estética da objetividade, no jornalismo, esconde um 1 Cf. Primeiros Princípios, 1862, par. 94, citado por ABBAGNANO, 2000, p. 571. 250 viés ideológico que tenta nos convencer a respeito da "naturalidade" dos padrões estabelecidos, de modo a não percebermos as contradições presentes no mundo moderno. Por exemplo, nos meios de comunicação - através dos seus produtos e gêneros, como notícias, editoriais, artigos, novelas, telejornais etc - fica-nos a impressão de que riqueza e pobreza fazem parte da natureza das coisas, quando, na verdade, são o resultado da ação dos homens. No imaginário popular, resta aos pobres a "paciência" e aos ricos a "generosidade", 2 porque "Deus quer assim", porque "é assim mesmo", ou "o que se pode fazer?". Os telejornais passam a impressão de que presenciamos os acontecimentos ao vivo. O que fica escondido é o fato de que, ao selecionar as imagens que vão ser mostradas, ao cortá-las, ao montá-las numa determinada ordem, a produção do telejornal já mutilou a realidade, já a interpretou e nos mostra o produto final manipulado como se fosse o fato em si. 3 O estudante de jornalismo que adota a visão sistêmica na tentativa de compreender melhor o mundo, com certeza vai incorporar aos seus estudos essa imprescindível reflexão crítica a respeito da origem e da conseqüência das coisas, isto é, aprenderá a indagar das causas e efeitos para julgar o que está sendo dado como real acontecido a partir da representação do mundo. Temos aqui a formulação clássica da dialética hegeliana. O conhecimento estabelecido a partir de uma realidade dada, imediata, enquanto simples aparência do mundo real, é chamado por Hegel de conhecimento "abstrato", ao qual se opõe o conhecimento do ser real, concreto, que consiste em descrever o modo como uma realidade é produzida. Para ele, conhecer a gênese, o processo de constituição pelas mediações contraditórias é conhecer o real. Hegel não vê a história como simples justaposição de fatos acontecidos no tempo, mas como um verdadeiro engendramento, um processo cujo motor interno é a contradição. Isto aplicado ao jornalismo, por exemplo, significa dizer que a informação inicial (tese), deve ser negada pela indagação crítica (antítese) para, numa etapa seguinte, ser confirmada - ou não - com a negação da negação (síntese). São as três etapas da dialética. 2 "Talvez dês esmolas. Mas, de onde as tiras, senão de tuas rapinas cruéis, do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu óbolo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a carne de seus irmãos e de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com as lágrimas de meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de meus companheiros de miséria. Devolve a teu semelhante aquilo que reclamaste e eu te serei muito grato. De que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem?". São Gregório de Nissa, "Sermão contra os Usurários". In: FREIRE, 2005, p. 33. 3 Cf. ARANHA, 1995, p. 367. 251 O pensamento sistêmico nos conduzirá, então, ao mundo complexo que precisa ser reconhecido e decifrado para ser entendido. A integração consistirá, assim, no estudo das partes em busca da compreensão do todo. Em muitas situações, o meio ambiente, na riqueza de suas diversidades e contradições, pode ser o denominador comum, isto é, o ponto de confluência de fundamentais aspirações humanas na solução de conflitos e na busca da paz, síntese da experiência do homem que quer a felicidade. Como construir a paz a partir da integração e da cooperação com o meio ambiente? 2. Integração no Meio Ambiente Cultivar a paz, através do meio ambiente, é uma possibilidade perfeitamente coerente. No conturbado mundo atual há vários exemplos de situações em que antigos desentendimentos entre as nações são colocados de lado enquanto todos somam esforços para solucionar problemas comuns ligados ao meio ambiente. Deste mesmo modo é possível supor que, mais cedo ou mais tarde, o empenho para superar ou solucionar os problemas diretamente ligados à sobrevivência da vida sobre o planeta unirá todas as nações, governos, sociedades, partidos, etnias etc. fazendo pela paz o que tantas outras pregações não conseguiram fazer em milhares de anos: integrar o ser humano no mutirão comum da solidariedade, da cooperação e da paz na construção de outra sociedade, de outro mundo, de outro modo de viver neste planeta azul. Quando um país em guerra faz uma trégua para assistir a uma partida de futebol, percebemos que o ser humano sente a necessidade de dar uma chance à paz. Por outro lado, quando assistimos ao filme "Senhor das Armas", de Andrew Niccol, percebemos que a paz não acontece, exatamente, porque a mesma guerra que é morte e destruição para tantas vidas inocentes, é razão de vida, de emprego, de lucros fantásticos, de vantagens para outras pessoas, comprovando que vida e morte, morte e vida também são partes do nosso sistema. Seria preciso expor, criticamente, como faz o filme, a denúncia contra o egoísmo dos que constróem a própria vida sobre a morte, a sua felicidade sobre a infelicidade, como faz, de resto, a lógica perversa do próprio capitalismo, através da acumulação. Para superarmos o derrotismo que muitas vezes insiste em nos levar ao 252 desânimo diante de um mundo tão injusto, vejamos alguns exemplos recentes em que a tolerância supera todo o ódio. Antes, algumas resoluções da ONU a respeito: Em abril de 2001, o Conselho de Assuntos Gerais da União Européia apresentou sua estratégia de integração ambiental sobre a questão de meio ambiente e segurança e a contribuição do desenvolvimento sustentável à segurança regional. Tal estratégia foi adotada em março de 2002 e está em pleno vigor desde a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável da União Européia, realizada naquele ano. Também em 2002, o secretário-geral da ONU, Koffi Annan, solicitou uma melhor integração das contribuições ambientais a conflitos e instabilidades, na estratégia da organização sobre prevenção de conflitos e nas deliberações do seu Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças. Em 2004, o Plano de Ação Federal sobre Prevenção de Crise Civil, Resolução de Conflito e Consolidação da Paz Pós-conflito identificou o desenvolvimento sustentável e a cooperação ambiental transfronteiriça como fatores decisivos para a promoção da paz e da estabilidade. 4 Com o objetivo de identificar, mapear e responder a situações onde problemas ambientais ameaçam gerar tensões ou ofereçam oportunidades para sinergias cooperativas entre comunidades, países ou regiões, foi criada, no outono de 2002, a ENVSEC (sigla em inglês da Iniciativa para o Meio Ambiente e Segurança) uma parceria entre a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), PNUMA e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Alguns exemplos: * Na primavera de 2004 velhos inimigos reuniram-se, pela primeira vez, para discutir conjuntamente o compartilhamento dos pântanos da Mesopotâmia, depois que um dos principais projetos do regime de Saddam Hussein - drenagem dos pântanos e a construção de canais artificiais - arruinou algumas das mais ricas áreas de biodiversidade do Iraque, onde a poluição hídrica, causada principalmente pela indústria petrolífera, está afetando não somente os rios Eufrates e Tigre, mas toda a região do Golfo Pérsico. Outro problema para a população iraquiana é a poluição tóxica resultante do uso de armas de urânio enfraquecido durante a Guerra do Golfo em 1991 e na Guerra do Iraque em 2003, conforme avaliação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). * Em 1999, nos Balcãs, enquanto as instalações industriais alvejadas em Kosovo, Sérvia e Montenegro ainda ardiam, as equipes do PNUMA realizaram a primeira "avaliação ambiental pós-conflito", concluindo que o rio Danúbio estava ameaçado por mais de 60 produtos químicos diferentes, incluindo mercúrio, por causa da guerra. Isto levou a comunidade internacional, pela primeira vez, a incluir a limpeza do meio ambiente na sua ajuda humanitária pós-conflito, como tem ocorrido na Libéria, em territórios palestinos ocupados, no Afeganistão e no Iraque. Tais iniciativas revelam que a gestão de problemas comuns pode desenvolver confiança entre países anteriormente hostis. 4 Cf. artigo de Ken Conca, Alexander Carins e Geoffrey D. Dabelko publicado no "Relatório do Mundo - 2005", disponível em www.worldwatchinstitute.org.br. Acessado em 19.10.2005, p. 170. 253 * Apesar dos interesses conflitantes, os governos do sul do Cáucaso (Armênia, Geórgia e Azerbaijão), região que faz uma ponte entre Ásia e Europa, com perigo constante de violência relacionada com conflitos de identidade herdados do colapso da União soviética, reconhecem que alguns desafios ambientais exigem ação conjunta, como no caso da gestão da bacia do rio Kura-Araks. * O Mar de Aral é um exemplo dos desafios de paz efetiva através de cooperação ambiental. Quando a União soviética entrou em colapso em 1991, o que havia sido o maior corpo d´água interiorano, em 1960, era apenas uma sombra do seu passado. Com seus rios tributários represados e desviados para programas de irrigação, o nível do Mar de Aral caiu cerca de 15 metros, foi dividido ao meio, a salinidade triplicou, o volume de água diminuiu em dois terços. Uma crise sócioeconômica se abateu entre os novos estados independentes da Ásia Central. Mas, com ajuda do Banco Mundial, os países situados em torno do Mar de Aral organizaram uma estrutura cooperativa para responder à crise, superando suas divergências políticas regionais. * Uma tentativa semelhante está sendo feita na Cashemira, alvo de uma disputa acirrada entre Índia e Paquistão, desde a descolonização britânica e o fim da II Guerra Mundial. Conservacionistas internacionais estão agindo para a implantação de um "parque da paz" nas montanhas Karakoram, entre os dois países, na extremidade ocidental do Himalaia, a ser administrado conjuntamente, o que, considerando os períodos de cessar-fogo e o recente esfriamento de tensões, pode ajudar na transformação do conflito, segundo observadores internacionais. * Muitas organizações civis e grupos locais no México e EUA, que se opõem ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (ALCA), estão envolvidos em esforços conjuntos de proteção ambiental ao longo e através da fronteira. * Apesar das batalhas diárias nas ruas da Margem Ocidental e na Faixa de Gaza, os palestinos e israelenses continuam a se reunir informalmente para administrar aspectos de seus recursos hídricos compartilhados. * Muitos brasileiros vêem como suspeita a caracterização da Amazônia como "pulmão da Terra", por parte dos países do Hemisfério Norte, considerando-a como parte de uma campanha de "internacionalização" da floresta e obstrução do desenvolvimento. Assim, acredita-se, entre os conservadores ecológicos, que focar a paz e não a segurança poderá ser mais positivo quando a intenção é prevenir conflitos ao invés de estimulá-los. 5 Mas os defensores da paz não podem ser ingênuos. É preciso analisar criticamente as situações dadas que podem camuflar outros interesses. Por exemplo, o interesse militar dos Estados Unidos nos campos devastadoramente desnudos do Haiti poderia estar fundamentado num desejo de barrar ondas de refugiados haitianos ao invés de buscar formas de lidar com a pobreza sistêmica ou de reverter a degradação de recursos naturais vitais. O que pensar, então, da construção de bases militares americanas providas de pistas de pouso para aviões de grande porte em países situados em torno da floresta amazônica? O que pensar dos milhões de dólares destinados ao Plano Colômbia com a justificativa de que aquele país produz 90% da cocaína traficada nos EUA? 5 id. ibid., p. 165 -183. 254 O fato é que pensar a integração é pensá-la de modo abrangente, do mesmo modo que apurar uma notícia é pensar o contexto, as situações em que ela é produzida, é verificar causas e conseqüências. Entretanto devemos saber que não estamos sozinhos em nossos esforços de paz mundial através da integração com o meio ambiente. Se há tantas pessoas buscando a cooperação e a integração, em todo o mundo, mesmo nas regiões de conflito, porque nós, através de nossas profissões (estudantes, jornalistas e professores), de nossa atuação na sociedade, não poderíamos dar a nossa colaboração, modesta que fosse, seja no jornalismo ou na educação? 3. Integração na Educação 3.1 Educação Formal: Universidade A primeira definição internacional da educação ambiental foi adotada pela International Union for the Conservation of Nature (IUCN,1971) que enfatizou os aspectos ecológicos da conservação. Basicamente a educação ambiental estava relacionada à conservação da biodiversidade e dos sistemas de vida. A conferência de Estocolmo (1972) ampliou sua definição a outras esferas do conhecimento e, finalmente, a Conferência Intergovernamental de Tbilisi 6 (1977), internacionalmente mais aceita, definiu que: A educação ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificação de conceitos, objetivando o desenvolvimento das habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio ambiente, para entender e apreciar as inter-relações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios biofísicos. A educação ambiental também está relacionada com a prática das tomadas de decisão e a ética que conduzem para a melhoria da qualidade de vida. 7 Ao definirem os objetivos da educação ambiental, alguns autores têm se baseado na taxionomia de objetivos educacionais de Benjamin S. Bloom, 8 entre eles Smyth, 9 para o qual tais objetivos envolvem: 6 Capital da Geórgia, no Sudoeste da Rússia, às margens do rio Kura. Cf. SATO, 2003, p. 23. 8 Cf. BLOOM, 1974. 9 Cf. SMYTH, J.C. Environmental education: a view of a changing scene. In: "Environmental Education Research", vol. 1, n.1. Citado por SATO, 2003, p. 24. 7 255 Sensibilização Ambiental - Processo de alerta, considerado como primeiro objetivo para alcançar o pensamento sistêmico da educação ambiental. Compreensão Ambiental - Conhecimento dos componentes e dos mecanismos que regem o sistema natural. Responsabilidade Ambiental - Reconhecimento do ser humano como principal protagonista para determinar e garantir a manutenção do planeta. Competência Ambiental - Capacidade de avaliar e agir efetivamente no sistema (ambiental). Cidadania Ambiental - Capacidade de participar ativamente, resgatando os direitos e promovendo uma nova ética capaz de conciliar a natureza e a sociedade. Nas Universidades - conforme a Recomendação n. 13 da Conferência de Tbilisi (1977) - a educação ambiental deve romper com os modelos tradicionais de ensino, encorajando a aceitação da interdisciplinaridade na solução dos problemas ambientais em todas as áreas de conhecimento - tanto nas ciências da educação, nas ciências sociais ou nas ciências naturais. É recomendável desenvolver materiais pedagógicos locais estabelecendo vinculação direta com a realidade regional - o que foi favorecido pelo regime de flexibilização curricular do ensino de jornalismo, regulamentada em 2002, no âmbito do Ministério da Educação e Cultura. Outra recomendação é o estabelecimento de cooperações locais, nacionais e internacionais no sentido de promover capacitação humana e troca de experiências tendo em vista a característica eminentemente sistêmica da questão ambiental que atinge todo o mundo. A importância do ensino da educação ambiental nas Universidades voltou a ser discutida no Seminário Regional de Educação Ambiental em Budapeste, Hungria, em 1983, quando foram discutidos os seguintes tópicos: a) Definir os conceitos da educação ambiental nas universidades considerando os aspectos culturais e naturais do planeta. b) Focalizar atenções para os trabalhos de campo, em níveis local e global. c) Definir os conteúdos da educação ambiental. d) Promover a interdisciplinaridade e estabelecer normas para a implementação da educação ambiental numa perspectiva supradepartamental. e) Estabelecer programas de pós-graduação compatíveis com os programas das graduações. As áreas de concentração, nos programas de educação ambiental, geralmente estão contempladas no Relatório Brundtland (1987), enfatizando a importância da sustentabilidade ecológica, em níveis regional e internacional, por meio de gerenciamento ambiental adequado, reforçando ainda a importância das pesquisas interdisiplinares que conduzem às ações participativas para as tomadas de decisões em 256 relação às mudanças ambientais ocorridas no planeta. 10 Tais áreas de concentração estão assim distribuídas na maioria dos programas: - Valores Humanos Universais e Responsabilidades Globais. - Economia e Desenvolvimento Sustentável. - Sistemas Globais de Vida. - Ciência e Tecnologia. - Dinâmica Populacional e Riquezas Humanas. As estratégias previstas pela Conferência de Tbilisi (1977) para a educação ambiental nas Universidades consideram que as universidades são centros de pesquisas, ensino e qualificação humana para as nações, devendo, portanto, estabelecer Programas de Educação Ambiental, em seus aspectos formais e não-formais. A proposta de ensino deve ser a capacitação profissional no sentido de aplicar seus conhecimentos para reduzir os problemas ambientais do mundo contemporâneo. Os alunos devem ser familiarizados com os problemas ambientais complexos, sempre na perspectiva interdisciplinar. O professor deve conduzí-los ao diálogo e à verificação da relação entre os diversos componentes do currículo. Assim, é preciso romper com o enclausuramento dos departamentos e com o pensamento cartesiano que conduzem os profissionais às pequenas esferas de suas especializações. 11 Além de seminários e palestras, a estratégia inclui a produção de materiais locais baseados nos problemas ambientais do entorno relacionados com a conservação da biodiversidade e com o desenvolvimento das sociedades humanas, é estimulada a integração com os níveis do ensino de primeiro e segundo graus, devendo a universidade estar equipada com materiais educacionais apropriados, utilizando metodologias atuais que promovam a percepção e a sensibilização dos problemas ambientais. Específicamente no ensino de jornalismo há excelentes exemplos de sucesso baseados na integração da universidade com os demais níveis de ensino. Tomemos o caso do "Projeto São Paulo de Perfil" nascido da tese de doutoramento da professora Cremilda Medina na ECA-USP, em 1986, que envolve a publicação regular de livros reportagem contendo narrativas da contemporaneidade sobre São Paulo, desde 1987. Em 2003 o projeto 10 Cf. SATO, 2003, p. 39. 257 11 id. ibid. 258 publicou seu 25º livro, sempre escritos pelos alunos de jornalismo da professora Medina (diplomada em Letras e em Jornalismo, ao mesmo tempo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1970). A indagação básica de cada livro, ambientado no caos urbano e nas tribos que habitam São Paulo, é: "Quem são os anônimos que fazem o cotidiano da cidade-síntese do país?" Deixemos que a própria professora Medina explique: O projeto se funda nos objetivos assentados no tripé ensino, pesquisa e extensão, não se podendo desvincular nenhuma das três finalidades. Essa, a vocação plena de uma universidade. [...] No laboratório de formação de novos jornalistas, na pesquisa de uma linguagem dialógica (desenvolvida também com grupos interdisciplinares de jovens ou de alunos da terceira idade) e na recepção ativa dos leitores externos à universidade se acumulam preciosos subsídios para a narrativa que se reporta à realidade contemporânea. ( MEDINA, 2003, p. 33 ). 12 Seduzida - desde o Segundo Grau que concluiu em 1967 pela pesquisa do diálogo social, Medina elegeu como prioridade, no exercício do jornalismo, a prática do repórter como um mediador social dos discursos da atualidade. Hoje, com todo o saber acumulado, a professora observa que os alunos chegam à sua disciplina de Narrativas da Contemporaneidade, na ECA-USP, com "certas atrofias que impedem a criatividade". E esclarece: A formação técnica do jornalista se sintoniza com o histórico da escolaridade que, por sua vez, reflete a visão de mundo corrente na cultura ocidental, filha das Luzes: usamos, no dia-a-dia, uma racionalidade esquemática que não se alimenta da intuição criativa e, por isso, nos contentamos com a rotina. [...] A oficina pedagógica provoca a ressensibilização do hemisfério direito [do cérebro], ou as intuições sintéticas e, em conseqüência, a aceleração de ações criativas, organizadas, aí sim, pela inteligência lógico-analítica. [...] Trata-se de humanizar as fórmulas que constituem as técnicas da inércia profissional, na vitalidade do cotidiano anônimo. A pedagogia do novo jornalismo recupera o prazer e o desejo solidário de descobrir pessoas anônimas, [...] refletindo uma marca autoral inovadora. A experiência, no entanto, não se inscreve no experimentalismo gratuito ou sedento de modismos. (id. ibid., p. 34). 13 Em 1994, em entrevista ao jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Cremilda Medina explicou que "no projeto de formação de jornalistas [...] tem sido cada vez mais oportuno enfrentar a complexidade ao mesmo tempo ética, técnica e estética". Segundo ela, "o avanço da cidadania, as conquistas democráticas ou as lutas da sobrevivência se refletem na história do jornalismo, que põe em evidência os 12 13 Cf. MEDINA, 2003, p. 33. id. ibid., p. 34. 259 impasses morais. Por outro lado, a tradição profissional acumula, para além das facilidades tecnológicas, os desafios técnicos. E as assinaturas autorais mostram o significado social quando inovam na estética da narrativa".( id. ibid., p. 35). 14 Na origem, em 1987, a série São Paulo de Perfil não tinha uma pauta definida. Os alunos do terceiro ano de jornalismo se envolviam com a rehumanização das pautas, a reportagem de aprofundamento, a busca de identidade cultural, a compreensão do cotidiano, dos tempos e dos espaços da atualidade brasileira, paulistana e paulista. O final do semestre culminaria com um produto coletivo, um livro-reportagem monotemático. 15 A partir de 1989 o projeto passou a interagir com alunos da segunda série do segundo grau de uma escola pública da Zona Leste de São Paulo (o Colégio São Vicente de Paula, na Penha). Os estudantes de jornalismo levaram três livros-reportagem produzidos pelos colegas dos anos anteriores para que os estudantes do segundo grau, divididos em grupos, lessem, um por grupo, para depois fazerem comentários por escrito que depois seriam analisados na universidade. O curioso é que os grupos decidiram ler não apenas um, mas os três livros. Depois, nos comentários, revelaram três aspectos muito fortes: 1) A sedução da linguagem e dos temas - muitos deles destacaram sérias desavenças, em suas histórias escolares, com a leitura de clássicos, de obras recomendadas pelos professores. Jornais e revistas, achavam chatos. Mas os livros da coleção eram, para eles, rápidos de ler, bonitos e diferentes. 2) A solidariedade de um olhar carinhoso - jovens da classe média, moradores de um bairro periférico, eles estavam na incômoda proximidade da pobreza sem serem pobres. Uma posição muito propícia ao desenvolvimento de preconceitos. O choque de ver o outro - o nordestino, o morador de rua, o estudante com militância acadêmico-partidária - tratado com carinho foi uma iluminação para aqueles jovens. 3) A desmontagem da moral da história - mergulhados nos textos os nossos jovens rapidamente captaram uma diferença: não havia moral da história - tão comum em livros didáticos. Eles estranharam que nem sempre os finais eram "justos", que os personagens sentiam as dores do acaso, que o grande imponderável dos sonhos e dos desejos não era suscetível à lógica. Desmontaram, ou começaram a desmontar, a mentalidade de simplificação humana. (MEDINA, 2003, p. 39). 16 A partir de 1989, além da institucionalização do projeto na Secretaria de Educação do Estado de são Paulo, o São Paulo de Perfil também foi estendido ao Programa da Terceira Idade da USP. Conta a professora Medina que esperava das pessoas mais maduras - impropriamente chamadas de terceira idade, segundo ela observa - o aporte de histórias vividas, um repertório de informações, mas a grande descoberta foi "a ação, o movimento dialógico e, ao mesmo tempo, a disposição dos idosos para se encontrarem com pessoas desconhecidas", enquanto os jovens da graduação revelam "certa 14 id. ibid., p. 35. id. ibid., p. 37. 16 Depoimento de Elen Geraldes, hoje doutora em Sociologia, como ex-bolsista do Projeto São Paulo de Perfil em 1994. In: MEDINA, 2003, p. 39. 15 260 preguiça para ir ao mundo exterior, ao mundo do outro. A juventude está quase sempre imersa na insegurança pessoal e os adultos vivem encarcerados na afirmação do seu poder. Os colegas mais experientes, sábios e cuidadosos, lançam-se à vida. Não alienam o presente que ainda pode ser tecido". Em 1994 o convênio entre a ECA-USP e a Secretaria de Educação de São Paulo levou o projeto São Paulo de Perfil à EEPSG "Henfil", na área da 16ª Delegacia de Ensino de São Paulo. A ex-bolsista de iniciação científica do projeto, Patrícia Patrício, jornalista, mestre em Ciências da Comunicação, conta como foi: O professor de sociologia trabalhou com os alunos [o livro] "A Escola do Outono", sobre educação, e aprendeu com a leitura: "Há informações ali que nem os professores têm acesso". No segundo semestre de 2004, o professor Cido quis desenvolver um trabalho sobre religiões e "Guia das Almas", o 13º livro da série, foi utilizado como estímulo à pesquisa e fonte de consulta. Os alunos no princípio desanimam diante de volumes grossos, de mais de duzentas páginas [...] Tanto professores como alunos da 16ª Delegacia de Ensino de São Paulo gostam e pedem as visitas dos jovens repórteres às escolas, como aconteceu na escola "Henfil". Ver quem faz e como se faz um livro desperta o interesse dos alunos. 17 (MEDINA, 2003, p. 43). Outra gaúcha de boa cepa, a professora Ilza Girardi Tourinho - uma referência na pesquisa sobre jornalismo ambiental dentro e fora do país desenvolve um projeto semelhante na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde, em 2002, implantou o primeiro curso de pós graduação em Jornalismo Ambiental do país. Seus alunos de jornalismo vão às escolas de primeiro e segundo grau onde incentivam os "guris" a produzirem qualquer tipo de mensagem sobre o meio ambiente. O material é analisado na Universidade e depois os futuros jornalistas voltam à escola para comentá-los com os pequenos estudantes e também com os adolescentes do Colegial. Os cursos da Profa. Ilza envolvem ampla interação com as comunidades de Porto Alegre e entorno, focando as questões ambientais que mais interessam aos moradores. Há também dinâmicas de dança, audições musicais, promoções ligadas ao folclore e à cultura popular etc, conforme a professora revelou em palestra no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em Santos-SP ( já citado). Certamente existem inúmeros outros exemplos, no Brasil, em que a Universidade e a escola pública de primeiro e segundo grau integram esforços a serviço da educação ambiental permanente. 17 Op. cit. p. 43. 261 3.2 Educação Informal e Cidadania: Projeto Mesa Brasil A educação permanente precisa estar presente no seio da sociedade. Há inúmeros exemplos de Organizações Não Governamentais e entidades afins, incluindo igrejas, associações, sindicatos etc, que desenvolvem projetos práticos sobre a preservação do meio ambiente e sobre o exercício da paz, da solidariedade, do respeito pelas diferenças, da aceitação do outro, incorporando uma visão crítica da sociedade e das causas dos fenômenos sociais. Não seria possível citar aqui todos esses exemplos. Escolhemos um para simbolizar os demais: O Projeto Mesa Brasil, por seu caráter de permanência, pela preocupação em educar e pelo nível de organização (porque a seriedade é fundamental quando se busca a integração social pela solidariedade, pelo voluntariado, pela doação etc). Em junho de 1993, com o slogan "a fome não pode esperar", o sociólogo Herbert de Souza, Betinho, 18 lançou, no Rio, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Segundo o IBOPE, 30 milhões de pessoas participaram da ação comunitária realizada pelos comitês em todo o Brasil. A ação de Betinho foi uma resposta concreta e solidária contra o "Mapa da Fome" divulgado naquele ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, segundo o qual o Brasil tinha 32 milhões de cidadãos vivendo abaixo da linha da pobreza, sob ameaça constante da fome, enquanto o país perdia, então, o equivalente a 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) com os alimentos que deixavam de ser aproveitados em toda a cadeia produtiva. 19 Em novembro daquele ano o Serviço Social do Comércio - SESC, deu sua contribuição à campanha 18 Betinho morreu no dia 9 de agosto de 1997, aos 61 anos. O Brasil dos excluídos chorou a sua perda. Mineiro de Bocaiúva, era o terceiro de oito irmãos, entre eles o cartunista Henfil. Estudou sociologia e administração pública e abraçou todas as causas que envolviam algum tipo de transformação social. Nos anos 1960 militou no movimento estudantil contra a ditadura. No início dos anos 1970 partiu para o exílio. Viveu no Chile, Panamá, Canadá e México. Seu nome era um símbolo do movimento pela redemocratização do Brasil e pela anistia. Em 1979 voltou. Em 1981 fundou o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE). Foi uma das lideranças do Movimento pela Ética na Política que culminou com o impeachment de Collor, em 1992. Um ano depois veio a Campanha contra a Fome. Em 1996, Betinho inspirou o enredo da Escola de Samba Império Serrano, no Rio de Janeiro, com o tema "Verás que um filho teu não foge à luta". Cf. id. ibid., p. 49. 19 O prejuízo do Brasil com o desperdício alcança um valor astronômico: ultrapassa R$ 12 bilhões por ano, soma que daria para alimentar, anualmente, com cestas básicas mensais no valor de um salário mínimo, 8 milhões de famílias carentes. Outro número espantoso de desperdício: a Associação Paulista de Supermercados (APAS, 1999) identificou uma perda da ordem de 23% na produção nacional de hortifrutícolas. São aproximadamente 13 milhões de toneladas de legumes, verduras e frutas que não chegam aos consumidores. Enquanto isto, mais de três milhões de crianças brasileiras com até 6 anos de idade sofrem por falta de alimentação adequada. Segundo dados da Pastoral da Criança (1999), a média nacional de desnutridos nessa faixa etária é de 16%. O relatório Situação Mundial da Infância 1998, do Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef, aponta mais de 200 milhões de menores de 5 anos atingidos pelo problema nos países em desenvolvimento. A desnutrição também é responsável por mais da metade de quase 12 milhões de mortes anuais de crianças nessa faixa etária. Cf. Hélio Junqueira. O Desafio Social da Fome, 1995. In: Op. cit. p. 12. 262 promovendo no SESC-Interlagos a Vigília Musical Contra a Fome, com artistas famosos revezando-se no palco durante 24 horas de boa música. A partir daí o SESC-SP resolveu adotar uma atividade permanente e empresarial voltada para a cidadania. Nascia, em outubro de 1994, o "Projeto Mesa São Paulo - Ação contra a Fome e o Desperdício pela Qualidade de Vida" que, em 2002, já funcionando em 43 unidades do SESC, nos vários Estados, com apoio de ampla rede de parceiros e voluntários, recebeu o nome de Mesa Brasil. Para modelar o projeto, o SESC enviou um diretor regional a Nova York, em 1994, para conhecer o City Harvest, que é a "colheita urbana", o qual participou, em seguida, de um concorrido congresso na cidade de Atlanta, que reuniu centenas de programas de combate à fome daquele país. 20 O SESC também se inspirou nos bancos de alimentos que surgiram nos EUA por ocasião da Grande Depressão causada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929. 21 O modelo principal foi o Banco de Alimentos de Lisboa, baseado no modelo francês, que aceita doações de todos os tipos e tem sua estrutura formada basicamente pelo trabalho voluntário. Os alimentos são distribuídos a instituições que fornecem refeições gratuitas ou doam alimentos em cestas básicas. Programas como o "Mesa São Paulo" ajudam o Brasil 22 a atender ao compromisso firmado na Cúpula Mundial da Alimentação promovida pela FAO em Roma, de 13 a 17 de novembro de 1996. Chefes de Estado de 186 países comprometeram-se a reduzir pela metade, até 2015, a quantidade de pessoas famintas no mundo: cerca de 800 milhões de pessoas. O programa foi reconhecido pelo governo brasileiro como importante contribuição ao Programa Fome Zero implantado pelo Governo Lula. 20 A fome também ameaça a nação mais desenvolvida do mundo. Durante o simpósio "O Desafio Social da Fome", realizado em 1995, em Nova York, a representante da organização norte-americana Foodchain, Heather Dennis Parsons, revelou que 15% da população dos Estados Unidos passava fome, incluindo 12 milhões de crianças, enquanto 18 mil toneladas de alimentos perecíveis, ainda em bom estado, eram jogados no lixo todo dia. Cf. Mesa São Paulo - Ação contra a Fome e o Desperdício, pela Qualidade de Vida. São Paulo: SESC, 1999, p. 52. 21 Os bancos de alimentos funcionam como centros de distribuição de alimentos e de produtos secos e molhados. São grandes armazéns, equipados com câmaras frigoríficas, empilhadeiras e veículos refrigerados para conservar melhor os alimentos. Contam com suporte administrativo informatizado e muito bem estruturado. Ali são estocadas as grandes doações feitas por empresas do ramo alimentício de todo o país. Por meio da Second Harvest - com sede em Chicago, congregando 188 bancos de alimentos - são distribuídas 454 mil toneladas de alimentos, anualmente. Hoje os bancos de alimentos são organizações presentes em vários países, como Bélgica, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Israel, Itália, México, Polônia, Portugal, República Theca, Rússia etc. Cf. op.cit. p. 54. 22 São vários os motivos da fome. O principal é a falta de oportunidades diante do profundo abismo existente entre ricos e pobres, especialmente no Brasil. No Relatório de 1999 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, o país aparece como campeão em concentração de renda: os 20% mais ricos ganham 32 vezes mais que os 20% mais pobres. Cerca de 26 milhões de brasileiros - 15,8% da população - não têm acesso às condições mínimas de saúde, educação e serviços básicos. 263 Nas unidades do SESC em todo o Brasil o projeto funciona com seis atividades consideradas tradicionais: Captação de doadores de alimentos; seleção das instituições que recebem os alimentos; Controle de Qualidade e Armazenamento dos produtos; Seleção de Voluntários; Imagem do Programa; Contabilidade. Diariamente um furgão e um caminhão com o logotipo do Mesa São Paulo percorre um trajeto pré-estabelecido - de 150 a 200 km/dia cada veículo - retirando e entregando alimentos doados. Cada passo é monitorado e todas as operações são documentadas com recibos específicos emitidos pelo programa para os doadores e para as instituições receptoras. As atividades da Colheita Urbana na capital paulista começam às 6h e só terminam às 19h, de segunda a sábado. A idéia principal do projeto é fazer a ligação entre quem pode dar e quem precisa receber. Mas, do mesmo modo que somente são aceitos produtos em condições de consumo e higiene, também se exige a contrapartida da educação cidadã para as entidades cadastradas, como asilos, albergues, creches, orfanatos, centro de juventude, casas de convivência etc. Permanentemente há cursos de treinamento e distribuição de cartilhas que ensinam o aproveitamento integral dos alimentos, as noções de higiene, o consumo sustentável, a preservação do meio ambiente etc. O voluntariado presente no projeto envolve tanto profissionais liberais - como médicos, sanitaristas, microbiologistas, contadores etc - como motoristas, ajudantes, carregadores etc. Em todo o país o programa oferece estágios aos universitários de Serviço Social e cursos afins. Em 2004, o programa, com sede na Unidade Carmo do SESC-São Paulo, comemorou 10 anos de pleno sucesso graças ao apoio solidário que tem recebido dos empresários, comerciantes, voluntários e da sociedade em geral, inclusive da mídia. Em 2003, o Mesa São Paulo contava com 108 empresas doadoras e 135 instituições receptoras, movimentando 72 toneladas de alimentos e 288 mil refeições mensalmente. Uma nutricionista percorre permanentemente as instituições receptoras para verificar as condições de manipulação dos alimentos. As "situações educativas" criadas pelo programa funcionam quase como armadilhas, segundo explica a bióloga e educadora Maria Alice Oieno de Oliveira, gerente adjunta de Programas Sócio-Educativos do SESC-São Paulo: É próprio de nossa estratégia educativa criar situações em que as pessoas de repente se vêem capturadas e acabam se dando conta de alguma coisa importante. [...] Só o fato de o SESC ter desenvolvido um modelo próprio vinculando a fome ao desperdício pode ser considerado um aspecto educativo do programa. [Afinal] de um lado temos 35% da população brasileira vivendo abaixo da linha da pobreza, de outro as estatísticas dão conta de 40% de desperdício de alimentos. Os números falam por si. Esse 264 contraste é bastante educativo. Ao mesmo tempo, aprendemos que o nosso modelo econômico gera ambas as coisas - todo esse desperdício e toda essa exclusão (SESC, 2004, p. 129) 23 4. Integração na Comunicação 4.1 O Ministério do Meio Ambiente O Brasil demorou a ter um órgão máximo como o Ministério do Meio Ambiente para coordenar a política ambiental, pois em vários países tal providência foi tomada a partir da Conferência de Estocolmo, em 1972. 24 No ano seguinte à Conferência, o governo militar criou a Secretaria Especial de Meio Ambiente-SEMA, 25 vinculada ao Ministério do Interior e mais voltada ao combate à poluição ambiental. O gesto teria tido, segundo observadores, o objetivo de amenizar a posição "negativa" que o Brasil deixara em Estocolmo perante os demais países, 26 tanto assim que a SEMA, com quadro técnico e orçamento insuficientes, nunca exerceu qualquer influência na formulação de políticas de planejamento ambiental, pois as decisões que afetassem as atividades industriais de base, consideradas "de interesse da segurança nacional" eram centralizadas na Presidência da República. 27 Só em 1983, já com o movimento ambientalista em franca atividade no país e cobrando providências a favor da preservação ambiental, é que o Decreto n. 83.351/83 veio regulamentar a Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, instalando-se, assim, a Política Nacional de Meio Ambiente, através da qual foram criados o Conselho Nacional de Meio Ambiente-CONAMA 28 e o Sistema Nacional de Meio Ambiente- 23 Cf. Mesa Brasil São Paulo - 10 Anos. São Paulo: SESC, 2004, p. 129. Na verdade o Brasil revelou uma posição equivocada na Conferência de Estocolmo. Preocupada com a política de "soberania nacional", a delegação brasileira defendeu a tese do desenvolvimento a qualquer custo, considerando que só o crescimento econômico levaria o país a alcançar um nível mínimo satisfatório para atender às necessidades sociais da população. Tal retórica, amplamente utilizada pela ditadura militar (o "crescimento do bolo") foi duramente criticada pela oposição. Na ocasião o Brasil perdeu a oportunidade de emergir como legítimo portador dos interesses do terceiro mundo não fosse a vinculação do tema ambiental com o crescimento econômico. Cf. GUIMARÃES, R. P. "The ecopolitics of development in the Third World: politics & environmen in Brazil". London: Lynne Rienner Publishers, 1991, citado por SILVA-SÁNCHES, 2000, p. 70. 25 Cf. Decreto n. 73.030, de 30 de outubro de 1973. 26 Cf. MONOSOWSKI, E. Políticas ambientais e desenvolvimento no Brasil. Cadernos FUNDAP - Planejamento e Gerenciamento Ambiental, 1989. Citado por SILVA-SÁNCHES, 2000, p. 73. 27 id. ibid., p. 76. 28 A Resolução CONAMA 001/86 estabeleceu as diretrizes básicas para a elaboração de estudos de impacto ambiental representando um importante avanço na política ambiental brasileira. Essa Resolução exige dois relatórios do empreender público ou privado: o Estudo de Impacto Ambiental-EIA e o Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente -RIMA. 24 265 SISNAMA. A Lei Ambiental também concedeu legitimação ao Ministério Público 29 para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente. Em 1988 a questão ambiental entrou na Constituição Brasileira: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações", 30 o que pode ser considerado mais uma vitória do movimento ambientalista que desde 1984 vinha organizando eventos, em todo o país, mobilizando a sociedade em preparação à Constituinte, destacando-se o I Encontro Nacional de Entidades Ambientalistas Autônomas, em Belo Horizonte, em maio de 1986, com a proposta de "ecologizar a Constituinte". Em 1989 foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA 31 , que fundiu, em sua estrutura, a SEMA, IBDF, SUDEPE e SUDHEVEA. No mesmo ano, foi criado o Fundo Nacional do Meio Ambiente-FNMA. 32 Em janeiro de 1990 foi criado o Programa Nacional de Meio Ambiente-PNMA, 33 encerrando-se o Governo Sarney com saldo positivo para a política ambiental do país. Em março do mesmo ano assumiu Collor que não tinha uma política ambiental e estava interessado em usar a questão apenas para projetar no exterior uma falsa imagem de preocupação com o tema, tratado a partir de uma perspectiva neoliberal, 34 de olho na projeção internacional que a Conferência do Rio traria em 1992. Criou a Secretaria Nacional do Meio Ambiente, mas vinculou-a à Presidência da República, embora com status 29 A função do Ministério Público é defender os interesses públicos perante o Poder Judiciário. Também pode ser encarregado de defender o Poder executivo. Sua origem remonta ao antigo direito francês, de 1302, mas sua forma atual só foi fixada depois da Revolução Francesa. Cf. Enciclopédia Tudo, [s.d.], p. 880. 30 Cap. VI, art. 225. 31 O IBAMA foi criado pela Lei n. 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, com o objetivo de coordenar, no plano federal, a política nacional de meio ambiente, aplicar a legislação em vigor e atuar, em caráter supletivo, nos estados onde os órgãos ambientais não estivessem cumprindo suas funções. O IBAMA também tem a função de atuar como secretaria executiva do CONAMA. Cf. SILVA-SÁNCHES, 2000, p. 92 - 93. 32 Criado pela Lei n. 7.797, de 10 de julho de 1989, o FNMA tem como objetivo desenvolver projetos que visem ao uso sustentável dos recursos naturais, de modo a garantir a melhoria ou recuperação da qualidade de vida no país. Assim, está voltado, prioritariamente, para as unidades de conservação; pesquisa e desenvolvimento tecnológico; educação ambiental; manejo florestal; desenvolvimento institucional e controle ambiental. Cf. id. ibid., p. 94. 33 Os objetivos básicos do PNMA são o desenvolvimento e fortalecimento das instituições ambientais como o IBAMA e os órgãos vinculados ao SISNAMA, a melhoria e preservação das unidades de conservação já existentes e a criação de novas unidades representativas dos principais ecossistemas do país, o gerenciamento e fiscalização de ecossistemas ameaçados como o Pantanal, Mata Atlântica e Zona Costeira. Cf. id. ibid., p. 95. 34 Em linhas gerais, o ideário neoliberal funda-se no pressuposto do Estado mínimo, privilegia a iniciativa privada, a livre concorrência e as leis de mercado; mercantiliza as relações sociais. Em suma, reduz o social ao econômico. [...] Nos países em desenvolvimento, cujas políticas sociais não foram capazes de garantir um desenvolvimento econômico e social mínimo, o neoliberalismo está atrelado à política formulada pelos organismos internacionais, que têm exigido destes países, além da abertura de sua economia, a redução do tamanho do Estado. Cf. id. ibid., p. 99. 266 ministerial. Agradou e surpreendeu os ambientalistas convidando José Lutzenberger para presidi-la. Mas logo surgiram desavenças porque o próprio ministro passou a denunciar a falta de uma política ambiental no país, além de denunciar a corrupção no IBAMA. A visão holística de Lutzenberger sobre os problemas da Amazônia, por exemplo, despertou a fúria dos militares que o acusaram de tentar "internacionalizar" a região. No final Lutzenberger falava muito mais por conta própria que em nome do governo. Collor não resistiu à pressão dos conservadores - com os quais seu governo de fato se alinhava - e demitiu o ministro, em março de 1992, a dois meses da Eco-92, 35 chamando para substituí-lo o então Ministro da Educação, José Goldemberg, na verdade defensor da energia nuclear, ficando claro que o convite audacioso a Lutzenberger tivera apenas o propósito de fazer boa figura internacional em preparação à Conferência do Rio, no bojo de uma estratégia de imagem que o presidente chamava de "marketing verde". Em outubro Collor foi afastado do governo por impeachment. Seu vice, Itamar Franco, não fez grandes progressos. Nos dois governos seguintes, de Fernando Henrique Cardoso, a área ambiental também não apresentou grandes destaques. A própria mídia reduziu drasticamente a cobertura do noticiário sobre meio ambiente depois da Rio Eco-92, conforme já atestado em várias pesquisas acadêmicas pelo método comparativo. Com efeito, o programa "Avança Brasil", do governo FHC, estruturado em quinze frentes de atuação, desconsiderou a variável ambiental na fase de planejamento, por isto muitos dos projetos foram bloqueados na Justiça, causando perda de tempo e de dinheiro, conforme analistas da área ambiental. Ao assumir, o presidente seguinte, Luis Inácio Lula da Silva, convidou para o MMA uma companheira de Chico Mendes nos seringais do Acre, a Senadora Marina Silva. Em que pese a boa vontade da ministra, o próprio governo tem sido obrigado a se curvar perante poderosos interesses internacionais, como no caso da soja transgênica, 36 defendida pelos grandes agricultores e também pelo Ministério da Agricultura. 35 Cf. Folha de S. Paulo, 22 mar. 1992, "Lutzenberger é demitido a dois meses da Eco-92", p. 3. "Para aprovar a plantação de transgênicos, o governo colocou no mesmo projeto de lei a aprovação de pesquisas científicas com células tronco, mobilizando centenas de portadores de doenças graves, esperançosos de uma cura pela genética. O debate acabou sendo polarizado em torno das pesquisas com células tronco, algo distinto de alimentos geneticamente modificados. A oposição à pesquisa com células tronco estava limitada a alguns grupos religiosos, católicos e evangélicos, assim mesmo os mais radicais. [...] Com suas dimensões, o Brasil tem condições de abrigar transgênicos, convencionais e orgânicos em sua produção agrícola. Entretanto, assim como no nuclear, o governo não tem recursos para importar uma tecnologia mais as medidas de segurança que requer. No caso dos transgênicos, a incapacidade de rotular, segregar, transportar isoladamente, pode comprometer o objetivo de produzir outras modalidades de alimentos, pelo potencial de contaminação. Cf. GABEIRA, F. "Política ambiental de Lula". Revista Eletrônica "Ambiente Brasil", 36 267 www.ambientebrasil.org.br Acesso em: 13 set. 2005. 268 Por outro lado, apesar de tantas siglas, o MMA não consegue evitar o constrangimento internacional dos 25 mil quilômetros quadrados de desmatamento da Amazônia, anualmente. Se a situação não mudar, o desmatamento e as mudanças climáticas vão transformar a floresta amazônica em cerrado nas próximas décadas, segundo observou o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, durante a 3ª Conferência Científica do LBA (sigla em inglês para Experimento em Grande Escala da BiosferaAtmosfera na Amazônia), realizada em julho de 2004, em Brasília, com a participação de 800 pesquisadores brasileiros, europeus e americanos. "Não é possível que com toda a tecnologia não consigamos lidar com as questões ambientais", inconformou-se a ministra Marina Silva na palestra de abertura do evento. 37 Há esperanças de que o quadro se reverta, pois em agosto de 2004 o Brasil fechou com o Banco Mundial (BIRD) o maior programa de empréstimos já concedido pela instituição ao país: US$1,2 bilhão a serem liberados em quatro anos, com prazo de 17 anos para amortização, a juros de 4,5% ao ano. Em teleconferência, durante o anúncio do programa, em 24 de agosto de 2004, com a presença dos ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente), o vice-presidente do Bird e diretor para o Brasil, Vinod Thomas, disse que a instituição fechou o programa em reconhecimento aos esforços do país na área ambiental. Acrescentou que "os países não podem buscar só o crescimento econômico, têm de associar o desenvolvimento sustentado com a proteção ao meio ambiente". 38 Esta, como se vê, é uma visão diametralmente oposta à política ambiental dos militares, durante a Conferência de Estocolmo, e de Collor, por ocasião da Rio-92. Outro constrangimento do governo atual na área ambiental é a falta de propostas para o saneamento básico nos grandes centros urbanos do país. As últimas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizadas em 5.500 municípios brasileiros, indicam que o problema foi considerado o mais grave de todos por 53% dos prefeitos. A hesitação diante do tema deriva também das contradições entre as diferentes correntes de governo. Há dúvidas se o serviço de saneamento deve ser particular 37 O organizador da Conferência e pesquisador da USP, Paulo Artaxo, disse, na ocasião do evento, que o Inventário Nacional de Emissão de Gases Poluentes preparado pelo governo brasileiro revela um dado considerado alarmante pelas autoridades e ambientalistas: mais de 75% da emissão de CO2 no país, são provenientes das queimadas das florestas brasileiras e só 25% são conseqüência da queima de combustíveis nas cidades. [...] Do total de emissões de CO2 no mundo, o Brasil só contribui com 3%, sendo que os EUA contribuem com 24%, a maior parte em conseqüência da queima de combustível. Cf. Jornal da Cidade, 28 jul. 2004, p. 20. Bauru - SP (Material distribuído pela Agência Folha). 38 Cf. Despacho da Agência Folha publicado no Jornal da Cidade, em 25 ago. 2004. 269 ou estatal. 39 No atual governo também houve retrocesso no debate do maior problema ecológico do planeta, as mudanças climáticas. Depois de importante papel nos debates que levaram ao Protocolo de Kyoto - quando a delegação brasileira conquistou aprovação internacional com a proposta de desenvolvimento limpo através do seqüestro de carbono da atmosfera, com a possibilidade de os países mais avançados reduzirem suas cotas de emissão, através de projetos nos países emergentes - o Brasil desfez sua equipe de negociadores ao invés de criar oportunidades para o mecanismo de desenvolvimento limpo que interessa a ambas às partes, pois de um lado os países emergentes se beneficiam de capitais para seus projetos, de outro os mais ricos reduziriam suas emissões a um preço menor por tonelada de CO2, conforme analisa o deputado Fernando Gabeira, do Partido Verde que compunha a base de sustentação do governo antes do Escândalo do Mensalão. Apesar dos percalços, na atual administração é perceptível a preocupação com a educação ambiental e a conscientização da sociedade. Entidades vinculadas ao MMA, como a Rede Brasileira de Educação Ambiental-REBEA, a Rede Brasileira de Educomunicação Socioambiental-REBECA 40 etc, têm promovido eventos e atividades formadoras regularmente. Com o mesmo objetivo, o governo criou a Semana Nacional do Meio Ambiente (na primeira semana de junho, sempre incluindo o Dia Internacional do Meio Ambiente, celebrado no dia 5 desse mês). Quando este livro estava sendo concluído, no segundo semestre de 2005, o MMA estava promovendo uma consulta pública, chamando a sociedade a discutir o "Programa de Educomunicação Socioambiental", sob a coordenação de Cláudio Langone. Entre seus objetivos está, exatamente, "empreender esforços por um melhor nível de diálogo entre os educadores ambientais e o setor do jornalismo ambiental". Outro aspecto importante é buscar a integração entre a Rede Brasileira de Educomunicadores (Rede Educom) e as redes Latino-Americana e Caribenha de Educação Ambiental e de Educomunicação (esta última animada a partir de Cuba), como instrumento para favorecer as formulações pertinentes à comunicação no âmbito de um 39 "Cerca de 70% das doenças atendidas em hospitais brasileiros derivam de contaminação hídrica. A própria Organização Mundial de Saúde já advertiu o país de que cada dólar investido em saneamento público representa uma economia de quatro dólares nos gastos com saúde." Cf. GABEIRA, 2005, id. ibid. 40 Criada durante o V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental, em Goiânia, no dia 5 de novembro de 2004, a Rede Brasileira de Educomunicação Ambiental-REBECA reúne instituições e profissionais da comunicação, educadores que atuam com a comunicação e em processos educativos, gestores públicos, ambientalistas etc. A REBECA vem se colocando como o principal canal de diálogo entre o governo e a sociedade, incluindo comunicadores, pesquisadores, educadores populares etc na elaboração e implementação do Programa de Educomunicação Socioambiental lançado pelo Governo Federal em junho de 2005, em Salvador, por ocasião do primeiro encontro da rede. Os interessados em participar da rede podem se inscrever em rebecainscriçõ[email protected] . 270 Programa Latino-Americano e Caribenho de Educação Ambiental (PLACEA), conforme consta do documento submetido à consulta pública, em sua página 23. Outra medida do programa que se relaciona com a proposta desta pesquisa acadêmica voltada para a educação ambiental permanente através do jornalismo, está redigida nos seguintes termos: Promover a produção interativa e veiculação de programas e campanhas de educação ambiental para a mídia massiva. Esta ação comporta a oferta contínua de conteúdos, promoção de pesquisa para a produção de novos conteúdos, e o fomento à produção educativa ambiental para os meios de educação difusa, com foco no rádio e na TV como veículos prioritários. O aspecto interativo, princípio do Programa, implica no privilégio àquelas iniciativas de produção que reflitam um processo educativo em torno de si, e também um plano de difusão pedagógica. A produção interativa visa fomentar os sistemas de produção e veiculação de comunicação socioambiental; induzir a gestão popular nos MCM; alimentar canais públicos demandantes de conteúdos socioambientais; "ambientalizar" os veículos de comunicação comerciais de alcance nacional; abrir oportunidades de divulgação e apropriação dos conteúdos sobre educação ambiental produzidos em diversos âmbitos. Uma boa forma de promover estas dinâmicas de produção interativa pode ser a realização de seleções públicas de campanhas e programas, o que pode incrementar dinâmicas de criação em grupo em todo o país, e gerar processos educativos participativos em diversos níveis e ambientes, especialmente nas escolas e universidades. Os principais objetivos e ações do Programa correspondem, em grande parte, às recomendações do coletivo presente na I Oficina de Comunicação e Educação Ambiental promovida pelo Ministério do Meio Ambiente em Brasília, em 20 e 21 de outubro de 2004. A grande dúvida é como tirar mais este projeto do papel, pois o que continua faltando para o MMA é o antigo problema de aparelhamento técnico no cumprimento pleno de suas atividades, não só de fiscalização ambiental, como na produção de notícias sobre tão vasta área. Bastaria lembrar que a Assessoria de Comunicação Social do MMA conta com apenas cinco funcionários e não tem aparelhamento para fornecer material audiovisual, embora sendo este um segmento de mídia considerado fundamental pelo Programa de Educomunicação. Por isto o trabalho da Assessoria fica restrito à produção de textos ("frios" para os eventos fixos e "quentes" para o noticiário dos fatos em andamento, como é normal em toda assessoria de comunicação), conforme este pesquisador apurou em entrevista com a chefia da referida Assessoria em 25 set. 2005. Na ocasião, a assessora 41 reconheceu que o material enviado à mídia não recebe o aproveitamento e o tratamento que a área ambiental merece e que a produção de pautas 41 42 segue o modelo Optamos por não citar o nome da assessora. "A pauta é feita com base nas ações do ministério e nas agendas da ministra e dos secretários. Inicialmente levantamos informações, preparamos material de apoio (texto) etc.", informou a assessora. 42 271 tradicional usado em qualquer redação, transformando-se em releases convencionais distribuídos à imprensa e disponibilizados no site do ministério www.mma.gov.br. Na mesma entrevista a Assessora informou que "em breve" seria iniciada a produção de notícias para rádio com distribuição pela Radiobrás. Até aqui procuramos fundamentar nossa proposta de Educação Ambiental Permanente através do jornalismo. Vimos os conceitos de Integração e observamos que até nas regiões de conflito bélico isto vem sendo possível, ainda que silenciosamente. Depois vimos admiráveis exemplos de Integração no ensino universitário (citando as bem sucedidas experiências das professoras Cremilda Medina e Ilza Girardi Tourinho) e na sociedade civil, tomando como exemplo o Projeto Mesa Brasil implementado pelos comerciantes através de sua entidade, o SESC (aliás, uma entidade que sempre apoia as atividades ambientais e culturais em todo o país). Por último repassamos um rápido olhar sobre a política brasileira na área ambiental, destacando a preocupação do atual governo com a educação e a conscientização. Assim, já é possível propor medidas práticas voltadas para o escopo desta pesquisa: educar permanentemente invocando o princípio da responsabilidade social do jornalismo, com amplo envolvimento da cidadania. Uma tarefa de todos e de cada um. 5. Proposta Estes são os eixos principais de uma proposta que integre Jornalismo e Educação: Que a Universidade, no âmbito do MEC, com assessoria do MMA, assuma a coordenação de um Programa Nacional de Educação Ambiental Permanente a ser implementado e acompanhado com a participação efetiva dos segmentos produtores de saber e comunicação, tais como a Escola, a própria Universidade, a Mídia e os órgãos públicos, com ampla integração da sociedade nos moldes propostos pela Agenda 21. Tal Programa deverá ser instrumentalizado na forma de um fórum permanente de debates interdisciplinares destinado a orientar a reflexão e atualizar os saberes para a continuidade do processo, surgindo, daí, as indicações adequadas a uma praxis social a favor da preservação ambiental. As ações anuais 272 devem culminar na Semana Nacional do Meio Ambiente, celebrada na primeira semana de junho, sempre englobando o Dia Iternacional do Meio Ambiente: 5 de junho, comemorado pela ONU. Tendo em vista o foco deste estudo específico voltado para o ensino de jornalismo e o consumo sustentável, é possível sugerir, de imediato e apenas como indicativo de debate, algumas atitudes práticas, tais como: A) Em relação à mídia: - Estudar a perspectiva de pautas voltadas para o consumo sustentável, discutindo causas e efeitos do consumo supérfluo e do consumo de produtos que, de alguma forma, geram sobrecarga para o ecossistema, sempre com a preocupação de indicar substitutivos viáveis; estudar pautas que valorizem e ajudem a fiscalizar os programas de comércio justo e os selos de qualidade ambiental; introduzir, na produção das matérias, o viés educativamente crítico em relação ao consumo buscando a mudança do comportamento social, negando-se a validar o consumo insustentável por omitir o debate crítico. B) Em relação ao Poder Público: - Estudar a possibilidade de parcerias com os veículos de comunicação voltadas não ao tutelamento ou a qualquer tipo de imposição ou censura, mas na linha da participação cidadã e da responsabilidade social. Isto inclui também o apoio à mídia propriamente ambiental tradicionalmente excluída das campanhas patrocinadas com verbas da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Outra prerrogativa do poder público é criar condições viáveis para a gestão da solidariedade a nível nacional, coordenando transparentemente as ações solidárias e canalizando competentemente (conforme o exemplo empresarial do Mesa Brasil) as disponibilidades de tempo ou de recursos materiais que os cidadãos muitas vezes desejam oferecer mas não sabem a quem, como, quando e onde. Só sabem o porque. Isto também significa que a questão ambiental é, antes de tudo, uma questão de gerenciamento inteligente. O poder público também deve contemplar o caráter educativo da própria legislação ambiental, de tal modo que vigiar não signifique tão 273 somente punir. Este detalhe precisa ser observado também pela mídia ao explicar as razões legais que impedem ou retardam certos projetos, ao invés de ceder aos apelos dos empreendedores ou do próprio governo (veja-se o caso do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco) que, na ânsia de suas realizações, ridicularizam a legislação, apresentando-a para o grande público, através dos MCM, como "inimiga do progresso", criando antipatia contra as ações de preservação ambiental e os ambientalistas em geral. C) Em relação à Universidade Coordenar, mediante rodízio regional entre as principais instituições públicas de ensino superior, com ampla participação social, o Fórum Nacional de Educação Ambiental Permanente, estabelecer relação de ensinoaprendizagem com a escola de primeiro e segundo graus, divulgar adequadamente e permanentemente, para a mídia, as pesquisas em andamento na área ambiental, incentivar atividades de extensão voltadas para a formação cidadã. Além de eventos ambientais envolvendo a comunidade, tais medidas podem ser colocadas em prática pelos professores e estudantes de jornalismo na forma de Agências de Notícias Ambientais, produção de livros-reportagem sobre o meio ambiente local em parceria com os alunos do Segundo Grau, instituição de prêmios para estimular a participação em produtos de Comunicação Ambiental, estímulo ao intercâmbio cultural, principalmente entre os países da América Latina onde o debate ambiental é bastante intenso e com a necessária visão crítica sobre os fundamentos do nosso processo de desenvolvimento. D) Em relação ao Jornalista: D-1) Enquanto estudante: Provocar os professores universitários a se envolverem em projetos de extensão comunitária e à participação cidadã na área do meio ambiente, sempre incorporando visão crítica em relação aos modelos de produção econômica que conduzem à crise ambiental. Nessa linha, os projetos de intervenção social visam ecologizar a sociedade, tanto em relação ao respeito à natureza quanto em 274 relação ao respeito entre as pessoas. Aqui reabre-se a linha da "pesquisa urbana" que já vimos em Park, 43 ou como vemos em Thiollent 44 com amplas possibilidades de aprofundamento para o Jornalismo Ambiental, através das ferramentas do Jornalismo Literário Avançado, por exemplo. D-2) Enquanto Profissional: Ser jornalista 24 horas por dia, como ensina Cláudio Abramo. Estar presente na sociedade enquanto cidadão participante e atuante, sacudindo o viés cartorial, elitista ou burocratizante da profissão. Atuar permanentemente em atividades sociais relacionadas com a melhoria da vida, os debates sobre o meio ambiente, o futuro da espécie, exercendo atividade de educação e conscientização em todos os ambientes, e não apenas na redação ou no âmbito profissional. Independente do tamanho desta lista de sugestões, o jornalismo ambiental prestará relevantes serviços à educação cidadã se os futuros jornalistas forem persuadidos a estudar a questão a partir de uma abordagem sistêmica que contempla a refundação da Ética em todos os níveis das atividades humanas, na busca de uma Estética que não violente a consciência e a própria natureza. O mais importante, porém, é que o debate incorpore ampla participação de todos os atores (especialistas ou não) envolvidos neste processo comandado, em última análise, por Gaia: O bicho homem. Para Hegel, "nossos desejos e necessidades são moldados pela sociedade. Uma comunidade orgânica favorece os desejos que mais a beneficiam". 45 Afinal, de que adianta todo o nosso conhecimento se não o atualizamos na práxis? Para Hume "nossos pensamentos estão desprovidos de conteúdo, e nossas palavras, de significado, a menos que estejam conectados com a experiência [prática]". 46 Porque teimamos em agir incoerente e diferentemente de nosso principal interesse que é a Vida? 43 Cf. Capítulo 4. Cf. THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez, 2000. 45 Cf. SINGER, P. Hegel. São Paulo: Loyola, 2003. Trad. Luciana Pudenzi, p. 52. 46 Cf. HUME, Tratado. Citado por QUINTON, 1999, p. 15. 44 275 276 CONCLUSÃO A vida humana só tem sentido na Comunicação PAULO FREIRE No decorrer deste trabalho procuramos demonstrar que o jornalismo ambiental vem crescendo de importância nas últimas décadas, tendo em vista o agravamento da crise ecológica que desperta o interesse de toda a sociedade. Neste convite aos estudantes de jornalismo para que voltem o olhar para a centralidade da questão ambiental, tivemos a preocupação de mostrar que o tema é essencialmente interdisciplinar, o que exige uma abordagem sistêmica para a sua compreensão. Podemos concluir, pois, que a formação sistêmica leva ao rompimento da objetividade, abrindo espaço para o Novo Paradigma, o Paradigma da Compreensão Holística, da Hipercomplexidade. Mesmo delimitando o objeto de estudo ao item específico do consumo sustentável, dentre tantos outros que poderiam ser aqui abordados, foi necessário buscar o amparo de várias disciplinas e de vários pontos de vista, num ampliado olhar sobre filosofia, religião, sociologia, economia, midiologia, pedagogia, psicologia etc. Também ficou demonstrado que nem a mídia nem o ensino de jornalismo apresentam esse viés sistêmico na abordagem do tema. A pesquisa demonstrou que a mídia não se preocupa em educar permanentemente para o consumo sustentável, nem busca nenhum tipo de integração com outros segmentos para viabilizar tal compromisso social, enquanto a escola, sequer está empenhada, ainda, com a introdução de estudos de graduação e de pós-graduação sobre educação ambiental através do jornalismo, salvo raras e honrosas exceções. Do mesmo modo que ocorreu com a conscientização ecológica universal nos idos da década de 1970, principalmente a partir dos jovens, resta claro que, também hoje, é a sociedade civil organizada que vem impulsionando os debates e cobrando posições da Universidade, da Sociedade, do Poder Público, dos Meios de Comunicação. Entretanto, as Organização Não Governamentais, que são incansáveis na promoção de eventos, na divulgação de notícias ambientais pela Internet, no apoio à publicação de livros e teses sobre a questão, no incentivo aos TCCs sobre jornalismo ambiental, não contam com qualquer apoio oficial em seu trabalho. As verbas de publicidade da Secretaria de Comunicação da Presidência da República destinam-se apenas 277 à mídia convencional, por considerar que a mídia ambiental não é vista nem lida. Ignoram que essa mídia dirige-se a um público formador de opinião que age em todos os países, tendo, portanto, enorme poder de persuasão e convencimento, além de idéias claras sobre um ambientalismo voltado para a defesa da vida e um conservacionismo ambiental voltado apenas para a sustentação do capital e dos grandes projetos. Nem sempre a mídia convencional "pode" ter essa clareza, tendo em vista os inúmeros interesses que envolvem os grandes anunciantes, entre eles a área oficial, muitas vezes inviabilizando qualquer pauta que contenha visões críticas sobre o atual modelo de produção, ou sobre um consumismo exacerbado, que aprofunda a injustiça social, sobrecarrega o meio ambiente - com a profusa geração de lixo não orgânico - e transforma as pessoas em consumidores psicologicamente dependentes, distanciados da vida simples que poderia lhes trazer mais felicidade, embora com menos anúncios para a mídia. Esta obra também analisa outro ponto importante que é o papel do Ministério do Meio Ambiente no Brasil. Tradicionalmente esse ministério opera com falta de quadros especializados e de recursos suficientes, diante do tamanho do desafio à sua frente, além de ser visto, pelos grandes interesses econômicos, como fator limitante de suas ambições. Nota-se, ainda, uma forte pressão internacional sobre as ações do ministério, como se viu recentemente no caso da soja transgênica que acabou sendo plantada e colhida com apoio do próprio Ministério da Agricultura, da Federação Nacional da Agricultura e de outros grupos de pressão liderados pela multinacional Monsanto, mesmo à revelia da ministra do meio ambiente, Marina Silva. Todavia, no atual governo, nota-se um esforço no sentido da educação ambiental, através de entidades de formação vinculadas ao ministério, das quais têm emanado boas iniciativas como o Projeto de Educomunicação Ambiental, envolvendo jornalismo e educação. Mesmo assim, caberia mais apoio, por exemplo, à Assesseria de Comunicação Social do próprio ministério que opera com apenas cinco funcionários, andando a reboque dos acontecimentos, quando poderia ser uma central de pautas ambientais que poderiam ser "sugeridas" (não impostas, claro) a toda a mídia. Esta pesquisa, ao mesmo tempo que critica a falta de espaço para a manifestação do consumidor na mídia convencional, também relaciona as boas iniciativas que vêm sendo realizadas em todo o mundo, seja no âmbito dos governos nacionais (com legislação ambientalmente correta que impõe freios à ambição capitalista), seja na área da iniciativa privada (com empresas que apoiam o comércio socialmente justo, 278 aquele que não explora crianças e nem exclui índios e mulheres no processo de produção). Por todo o mundo, às vezes silenciosamente, milhares de pessoas estão trabalhando pela paz através do meio ambiente. Esse valioso trabalho se verifica tanto no recolhimento de uma sala de aula (através da visão sistêmica de um professor e de seus alunos), como nas ruidosas áreas de conflitos internacionais (sob os auspícios da ONU e de entidades voluntárias voltadas para a paz mundial); ou ainda no âmbito da sociedade civil, como fazem os comerciantes brasileiros, através do projeto Mesa Brasil, gerido pelo SESC, uma entidade amiga do movimento ambientalista. São pessoas que reconhecem o perigo da crise ambiental, mas têm uma visão sistêmica suficientemente ampla para abarcar todo o processo e não apenas parte dele. Elas vislumbram a possibilidade de outro mundo, por isto não desistem nunca. O outro ponto destacado ao longo dos dez capítulos desta obra, é a necessária integração de todos os esforços para que, através da refundação da ética - privilegiando o coletivo ao invés do individual - se possa chegar a uma estética socialmente justa, a estética da harmonia e da solidariedade, para substituir o egoísmo, a violência, a prepotência, a corrupção, a frieza que caracterizam o mundo pós-moderno. Por isto os estudantes de jornalismo são convidados a romper o paradigma da objetividade, aparelhando-se com amplo volume de boas leituras, mergulhando no aprendizado sistêmico para que, através de ferramentas como o Jornalismo Literário Avançado, os gêneros do jornalismo, as entrevistas e perfis de imersão, capacitemse a produzir um jornalismo diferente, desapegado das estatísticas frias e dos procedimentospadrão do jornalismo americanizado, herança funcionalista da CEPAL. Que se possa fazer jornalismo com emoção e com garra, sem jamais fazer concessões à ética e ao comportamento moral, privilegiando as minorias e os excluídos, buscando suas fontes lá onde o povo está com sua dor, sua alegria, suas conquistas, seus sofrimentos; reconhecendo que nem sempre a verdade está nos palácios e nas salas com ar condicionado. Que nossos jornalistas possam aprender a "reconhecer" o mundo, com seus fenômenos complexos, para, só então, "compreendê-lo", como ensinam Paulo Freire e Edgard Morin. Que o ensino de filosofia e de ética sejam valorizados na área acadêmica, que os estudantes sejam ouvidos quando das reformas curriculares, que o ensino se abra para o mundo sem fronteiras e que os estudantes adquiram condições de estar no mundo para julgá-lo e não apenas para presenciálo, se realmente querem transformá-lo, como desejava Marx. 279 Por fim, que nossos futuros jornalistas compreendam a importância do seu papel na sociedade e que não fujam desta missão. Pelo contrário, que se atirem a ela a partir do estudo sério e acurado das grandes questões que interessam a todos, entre elas a questão ambiental que não envolve, naturalmente, apenas o consumo sustentável aqui explorado para efeito de delimitação acadêmica da pesquisa. Trata-se, isto sim, de um processo em permanente transformação visando estudar as relações entre o homem, a natureza e o Ser Cósmico que dá sentido à própria Vida e que cada um nomina, na intimidade das suas convicções, segundo o seu coração, como vimos no Capítulo 1. Que tenham o amor de Che Guevara ("El verdadero revolucionario es animado por fuertes sentimientos de amor. Es imposible pensar un revolucionario autentico sin esta cualidad") e a paixão de Camilo Torres (a respeito do qual se disse, como já citado: "Jogou-se inteiro porque entregou tudo. A cada hora manteve com o povo uma atitude vital de compromisso, como sacerdote, como cristão e como revolucionário"). Que nossos jovens voltem o seu olhara para a América Latina cujas elites insistem no "crescimento imitativo" que permite a poucos viverem como que em "ilhas de fantasia" enquanto milhões não têm moradia, saneamento básico, água potável, atendimento à saúde, à infância, aos pobres e aos excluídos. Que estudem Jesus Martin Barbero,1987 ("A chave para a América Latina é adotar a tecnologia dos países ricos sem perder de vista a realidade regional"). Que nossos jovens também se voltem para a África, um continente humilhado, vilipendiado, roubado e atirado à própria sorte para que irmãos se matem no desespero das guerras fratricidas que não são gratuitas, que têm um motivo, que foram geradas no ventre malévolo da exploração capitalista das grandes potências agora voltadas para o combate a um inimigo sem cabeça e que não se pode ver, que é o terrorismo internacional, uma ameaça para todos, resultante da ganância exclusivista de poucos. Tudo o que esta obra quer é que nossos jovens, nossos estudantes de jornalismo, não se voltem contra a sociedade de onde vieram, que não traiam jamais o grande ideal que os animou a serem jornalistas, que tenham fé na humanidade, que possam compreender a complexidade do mundo e que jamais percam a esperança de transformá-lo, para que seja mais humano e mais justo. Para terminar, uma palavra de Marx, a mostrar a necessidade de rever as estruturas, de não aceitar o que está dado: "La teoria materialista de que los hombres son producto de las circunstancias y de la educación, y de que, por tanto, 280 los hombres modificados son producto de circunstancias distintas y de una educacion distinta, olvida que las circunstancias se hacen cambiar precisamente por los hombres y que el próprio educador necessita ser educado". (Tercera Tesis sobre Feuerbah)... e uma das páginas mais ternas da literatura universal, para complementar a epígrafe de abertura desta obra sistêmica, com Milton, para que a humanidade desperte em tempo e não perca o seu paraíso novamente, agora já não mais metafórico: "De suas cinzas brotarão mais belos, novo céu, nova Terra, onde, já livres de longos males, morarão os justos de altas virtudes, desfrutando em prêmio - dias dourados, alegria pura, do Amor Celeste e da Verdade os mimos". MILTON Paraíso Perdido Canto III 281 282 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Livros ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Trad. de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ABRAMO, C. A Regra do Jogo. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. AMARAL, L. Jornalismo: Matéria de Primeira Página. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. AMARAL, L. Técnica de Jornal e Periódico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. ARANHA, M. L. de A. e MARTINS, M. H. P. 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Fontes BBC News Agência Européia de Meio Ambiente Informe Ecológico “O Ambienteiro” Periodismo Ambiental – Jukofsky (Quito Equador) ECOM – Ecologia e Comunicação Jornal do Meio Ambiente (Vilma Berna) Agência USP de Notícias ADITAL – Agência de Informação Frei Tito para a América Latina Sala de Prensa – web Ambiente Global Núcleo de Fotografia – UFRGS Dw-World.de (Deutsche Welle) Natuweb.htm Comunicación para el Neotropico.htm Portal da Pesquisa (CNPq) 296 A. Valorização visual das matérias (Quadro correspondente ao Gráfico 1) B. Classificação das matérias por gênero (Quadro correspondente ao Gráfico 2) C. Origem das matérias (Quadro correspondente ao Gráfico 3) D. Inventário de Títulos e Unidades Referenciais E. Modelo de Formulário para Análise do corpus F. Modelo de Formulário para entrevistas com os alunos 297 ANEXO A Valorização Visual das Matérias QUADRO CORRESPONDENTE AO GRÁFICO 1 Quant. Mat selecionada Mat c/ chamada na 1ª pág. Fotos docomentais. Fotos de arquivo Box explicativo FSP FSP JC FSP Mês /Ano FSP JC FSP JC JC JC Jan. 2005 47 34 19 18 20 20 9 5 7 15 Fev. 2005 22 18 8 6 4 8 5 4 6 4 Mar. 2005 17 16 - 7 8 10 5 4 5 7 Abr. 2005 8 14 1 3 3 6 5 6 3 5 Mai. 2005 13 14 2 6 4 5 4 6 6 5 Jun. 2005 9 4 3 2 4 1 1 2 3 1 Jul. 2005 4 3 - 2 1 1 - 1 1 - 298 ANEXO B Classificação das Matérias por Gênero QUADRO CORRESPONDENTE AO GRÁFICO 2 Mês /Ano Reportagem Entrevista FSP JC FSP JC Jan. 2005 29 30 5 Fev. 2005 12 13 Mar. 2005 9 Abr. 2005 Opinativo Nota/notícia Leitor FSP JC FSP JC FSP JC 1 9 1 6 2 - - 2 1 6 1 3 2 - 1 13 1 - 6 - 1 1 - - 6 9 2 1 1 - - - - - Mai. 2005 8 7 1 - 4 - - 2 - 1 Jun. 2005 4 2 2 1 2 - - - - 1 Jul. 2005 1 2 1 1 1 - - 1 1 - 299 ANEXO C Origem das Matérias QUADRO CORRESPONDENTE AO GRÁFICO 3 Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho julho ITEM FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC FSP JC 10 10 2 1 2 - 3 2 5 4 3 1 1 1 Crianças - 1 - - - - - - - - - - - - Empresas 4 1 1 1 1 - 1 - 1 1 - - - - Executivo / Estado 15 9 12 7 9 7 4 6 3 4 5 - 1 - Igrejas / Entidades - - - 1 - 2 - - - - - - - - Índios - - 1 - - 1 - 1 - - - - - - Judiciário 2 1 - - - - - 2 - - - - - - Legislativo - - 1 - - - - - - - - - 1 - Mídia 6 2 1 - - - - - 1 - - - - - Ongs 2 8 1 2 3 - - - - 1 - 3 1 1 Onu 4 1 2 1 - 1 - - 2 1 1 - - - Polícia / Bombeiros 1 - 1 4 1 - - - - 1 - - - - População / Família 3 1 - 1 - 5 - - - 1 - - - 1 Sindicatos - - - - 1 - - - - 1 - - - - Cientistas/Pesquisadores 300 ANEXO D Inventário de Títulos e Unidades Referenciais Jornal n.1 (Folha de S. Paulo - FSP) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col UR - 01 A-4 208 UR - 02 A - 12 312 UR – 03 A - 13 109,5 UR - 04 A - 14 294 UR - 05 A - 15 109,5 UR - 06 C-3 60 UR - 07 UR - 08 UR - 09 C-8 C-8 F-3 105 21 156 UR - 10 B-2 UR - 11 B-4 Título Unitermos UA 01 Edição nº 27.668 Data 02.01.05 Nº de páginas 60 Estudo do Exército detecta cinturão militar dos EUA Tragédia na Ásia: Voluntários separam corpos em Khao Lack Aos poucos, Aceh recebe água e arroz Região Amazônica – bases – missão militar operações. 150 mil grávidas esperam ajuda, diz ONU Kits de higiene – partos – Unicef – ONU. Boates – tragédia – enterro – segurança. 102 Buenos Aires fecha casas noturnas por 15 dias para vistorias Escolhido tem vida ligada à questão ecológica (Novo pres. da CM/SP- Roberto Trípoli -PSDB) Ônibus cai no rio em MG e 11 desaparecem Nova colunista aborda direitos do consumidor Construção: Chuva se alia ao reuso e combate à umidade Opinião Econômica: Há sentido na catástrofe? 312 Mercado de reciclagem se moderniza PET – sucata – carrinheiros – parceria. Cadáveres – cheiro – caixões – necrotério – sacos plástico. Ajuda – comida – cobertores – médicos – doenças. Partido Verde – CPI do lixo – questão ambiental. Neblina – madrugada – guincho – assistência - motorista Cliente – PROCOM – experiência – direitos. Infiltrações – captação – caixas d´água – reaproveitamento. Ciência – natureza – Deus – solidariedade. 301 Jornal 1 (Folha de S. Paulo) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col Título Unitermos UA 02 Edição nº 27.675 Data 09.01.05 Nº de páginas 76 UR - 12 A-2 41 UR - 13 UR - 14 A-6 A-8 227 312 UR - 15 A-9 112 UR - 16 UR - 17 A - 10 C-1 222 312 Solidariedade mais do que nunca (Antonio Ermírio de Moraes) Projeto leva tecnologia para aldeia em MT Questão Agrária: Governo paga sobrepreço por indenização Segundo INCRA, cálculos das indenizações são seguros Há indícios fortes de irregularidades, diz juiz Após 17 anos, Césio pode ter mais vítimas Tragédia – reconstrução – Ásia – natureza. UR - 18 UR - 19 UR - 20 C-8 E-3 E-8 75 104 156 Dentista brasileiro morre no pico Aconcágua Catástrofes naturais reúnem fãs na TV Catastrofismos (Ferreira Gullar) UR - 21 Esp. 1 312 TSUNAMI (capa do caderno) UR - 22 UR - 23 Esp. 2 Esp. 3 312 312 Operação resgate é uma das maiores já vistas Pobreza é fundamental para explicar tragédia Sobrepreço – custo médio – cartório – Poder Público. Contaminação – câncer de pele – radiação – Césio 137. Desafio – topo – baixa temperatura – acampamento. Sadismo – documentário – programas de TV. Ozônio – aquecimento – pânico ecológico. Abalo sísmico – onda gigante – mortos – catástrofe ecológica. ONU – doações oficiais – morte – tailandeses. IDH – nativos – turismo – impacto. UR - 24 Esp. 4-5 624 Risco para o Brasil existe mas é mínimo Sismógrafo – avisar – onda – terremoto. Bororos – registro cultural – demarcação – fazendeiros Metodologia – recursos – preço – proprietários Descaso – métodos – preço – proprietários. 302 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Unidade de Amostragem UA Edição nº Data Nº de páginas Unidade de Registro UR - 25 Página Cm / col Esp. 06 312 Tsunamis une destinos de negros e brancos UR - 26 Esp. 07 312 Dilúvio é um mito comum a vários povos UR - 27 Esp. 8 312 Diplomata e seu filho são enterrados no Rio UR - 28 A-2 58 Comer, beber e fumar (editorial) Ur - 29 A-4 208 UR - 30 A-6 234 Gasto com saneamento no país é o menor em 10 anos Investimento menor breca queda de doenças UR -31 A 13 113 UR - 32 UR - 33 B-8 B -9 72 148 Governo não possui plano para combate à seca, diz professor Para ONGS, soja acentua o desmatamento Merchandising agressivo sofre rejeição UR - 34 UR - 35 C -1 C-8 112 156 Sem capina, mato toma conta de praça Praia isolada compensa falta de estrutura Título Unitermos Tribos – remanescentes – florestas – crianças suecas – férias na Tailândia. Bíblia/ Noé-Babilônia/Guilgâmesh- Grécia/TimeuÍndia/Puranas-Incas/Lhamas. Dor – genocídio – cemitério do Caju – omissão – Itamaraty – tragédia. 03 27.682 16.01.05 76 Consumismo – publicidade – obesidade – doenças – valor nutricional. Esgoto – investimentos – saneamento urbano – orçamento – doenças. Esgoto a céu aberto – diarréia – crianças – recursos – doenças. Lavoura arcaica – estiagem – poços – semi-árido. Exportações – fotografias aéreas – Amazônia Consumidores – merchandetes – shows – testemunhal – tentação de consumo – cachê. Insetos – crianças – entulho – medo – sub-prefeitura Coqueirais – litoral – turismo – fazendeiros – acesso – lazer. 303 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col Título Unitermos UA 04 Edição nº 27.689 Data 23.01.05 Nº de páginas 84 UR – 36 UR - 37 UR – 38 A–3 A–6 A – 13 63 144 112 Carvão: A trágica esperança negra Hidrocarbonetos – energia – aquecimento – calota polar. Divergência no governo paralisa projeto Angra-3 Urânio – auto-suficiência – Programa nuclear – custo.. Nem onedólar, nem one solution Mapa da vulnerabilidade social – Projeto do Milênio – Relatório Sachs – ONU. Para ONG soja provoca devastação Expansão – cerrado – floresta – cultivo – desmatamento. Verdes querem demonizar soja, diz IPEA Relação impossível – área cultivada – soja – desmatamento Lula está angustiado, afirma Blairo Maggi Transgênico – grãos – balança comercial – ambientalistas – dívidas do estado. UR – 39 UR – 40 A – 15 A – 17 110 110 UR - 41 B-9 312 UR - 42 A–3 57 Tráfico de seres humanos UR - 43 UR – 44 A – 16 A – 17 144 11 UR – 45 B–7 108 UR – 46 B – 10 252 Cultura afro estimula turismo. Meio ambiente: Família de Chico Mendes deve ser indenizada Exportações de plástico aumentam 22% em 2004. Nobel elabora Índice de Felicidade Nacional UA 05 Edição nº 27.696 Data 30.01.05 Nº de páginas 84 Mulher – exploração sexual – depressão – droga – prevenção - repressão. Remanescentes – comunidade – titulação – terras. Danos morais – assassinato – proteção – filhos desmatamento Petroquímica – exportação – dólar – setor – produção. Indicador – PIB – bem-estar – riqueza – saúde – pesquisa. 304 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Unidade de Amostragem Unidade de Registro UR – 47 Página Cm / col C–7 312 Título Unitermos Praias de nudismo abrigam público eclético Manual ético – adeptos – feminilidade – biquinis – sunga - entrada. Motoristas isolados têm de reconstruir ponte no Pará Estudo decifra o perfil dos clientes de prostitutas Manejo florestal – madeireiros – protesto – Greenpeace – bloqueio. Sexo pago – cliente – sociólogo – relação – motivos – prazer. Publicidade – paisagismo – empresas particulares. Ambiental – conservação – cadastramento –ônibus – lixo. UA 06 Edição nº 27.703 Data 06.02.05 Nº de páginas 66 UR – 48 A–9 107 UR - 49 A – 16 96 UR – 50 UR – 51 C–5 C–7 59 56,5 Serra negocia “parceria verde” com empresas Ilhabela quer taxar turismo de um dia UR - 52 A–6 156 UR - 53 B–4 312 UR – 54 C – 10 156 Missionária é morta com três tiros em área rural do Pará Despesa corrente cresce R$ 30 bi no governo Lula Um fato novo na agenda social brasileira UR – 55 F–2 138 UA 07 Edição nº 27.710 Data 13.02.05 Nº de páginas 76 Na China bicicleta começa a ser substituída por carro Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Doroty Stang – CPI – encomenda – floresta – fazendeiros. Sustentabilidade – desenvolvimento – salário mínimo – área social – dívida. Desenvolvimento sustentável – UNESCO – Sou da Paz – jovens – políticas públicas. Caos – população – motoristas – explosão nas vendas. 305 Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col Título Unitermos UA 08 Edição nº 27.717 Data 20.02.05 Nº de páginas 88 UR – 56 A–2 42 Ignorância ou má fé (Protocolo de Kioto) UR – 57 A–2 44 Águas do São Francisco (editorial) UR – 58 A–4 212 UR – 59 CA– 6 156 UR – 60 A–8 312 Governo usa só 40% da verba do programa Paz no Campo Pará vive situação de “guerra civil rural” , aponta relatório Aparato de segurança muda rotina no Pará UR – 61 A – 10 273 Suspeito no caso Doroty se entrega no Pará UR – 62 A – 18 312 A quem serve a transposição (do São Francisco) UR – 63 B–9 312 Governo adia decisão de banir amianto do país UR – 64 C–8 312 Amyr Klink registra vida no sul do Atlântico UR - 65 Mais - 10 312 Chumbo grosso UR - 66 A – 12 312 Regularização fundiária atinge 3% da meta Gás carbônico – aquecimento – geleiras – Estados Unidos – omissão. Transposição – controvérsias – açudes – gestão – revitalização – semi-árido. Invasões – assassinatos – conflitos – prevenção – reforma-agrária. Assentados – invasões – Doroty Stang – fazendeiros – INCRA – sul do Pará Exército – estrutura urbana – minério – CVRD – 2007: 100 milhões de ton. ano Protestos – moradores – Paraupebas – testemunhas – inquérito – igreja. Segurança hídrica – preservação ambiental – volume suficiente – projeto – energia. Eternit (a favor) – Brasilit (contra) – lobby – pulmão – justiça – Rússia (1º produtor ). Paraty II – comunicação via satélite – buraco de ozônio – fotografia - pesquisa. Empresas químicas – câncer – historiadores – advogados – desacreditar. UA 09 Edição nº 27.724 Data 27.02.05 Nº de páginas 102 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Pistoleiros – polícia federal – INCRA – GPS – violência no Pará.. 306 Unidade de Amostragem Unidade de Registro UR – 67 Página Cm / col A -16 87 Artigo: Explorar sem destruir UR - 68 A -17 112 Violência e alcoól degradam aldeias UR - 69 A - 23 109,5 UR – 70 A–3 96 UR – 71 A – 16 312 UR – 72 A – 18 189 UR – 73 A – 20 244 UR – 74 B–9 312 Presidente da FUNAI diz faltar fôlego e verba para Fundação Sob Lula,, saneamento passa por pior crise UR – 75 C-1 312 Favelas escalam morro da Serra do Mar UR - 76 C–7 264 Fim de aterro pode desempregar 15 mil UR – 77 A–2 40 Antonio Ermírio de Morais: O Brasil e o Primeiro Mundo Título Por que a ONU é importante (Kofi Annan) Unitermos Preservacionistas – ecológico – ciência – biotecnologia – sustentabilidade. Desempregados – crianças – barraco de lona – bebida – droga – doentes. Ataques à ONU – fortalecer – experiência – líder natural – imparcial – independente. UA 10 Edição nº 27.731 Data 06.03.05 Nº de páginas 90 Caminhos diferentes. Um só destino (Bem. dos EUA, sobre Kyoto) Questão indígena: Mortalidade supera média de 70% de áreas FUNASA reduziu em 19% repasse a entidades Mudança climática – esperança – ONGS – EUA/Brasil:Caminhos diferentes Desnutrição – cultura de subsistência – agro negócio – fome – Xavante – Guarani. Infecção – pneumonia – desnutrição – repasse reduzido – descontinuidade. Crescimento demográfico – demarcação – judiciário – governo tíbio – ONGS fictícias Dinheiro não chega – promessa – empresas estaduais : caixas pretas. Palmito – caça – contaminação – mananciais – mata Atlântica. Catadores – fome – insalubridade – 7.000 ton lixo / dia – Bx fluminense – parque. UA 11 Edição nº 27.738 Data 13.03.05 Nº de páginas 106 China – água – grãos – população – futuro do Brasil – exportações – soja – estradas. 307 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Unidade de Amostragem Unidade de Registro UR – 78 UR - 79 Página Cm / col A -16 312 Judiciário ainda é machista, diz estudo 421,5 População descrê de obra no São Francisco A –18/19 Título UR - 80 C-6 100,5 Ambiente hostil: Terreno abandonado vira “lixão” em SP Gravidez de adolescentes tem cura (Gilberto Dimenstein) UR – 81 C - 12 156 UR – 82 A–2 41 UR – 83 C – 11 252 O planeta e o grande desafio do futuro (Antonio Ermírio de Morais) Brasil tem 1,5 milhão de imigrantes irregulares UR – 84 F–1 114 Vício ao volante aumenta gasto com carro UR – 85 A–6 156 UR - 86 A - 19 109,5 8% do pagamento do Bolsa Família fica retido no banco Partos em baixa questionam família alemã Unitermos Políticas afirmativas – discriminação – ambiente de trabalho – poder decisório Licença ambiental – cadastro – seca – emergência – açudes. Rua Cardeal Arcoverde – entulho – código de obras – chuva – lama – calçada. Famílias pobres – precoce – pílula – camisinha – rejeição – projeto de vida. UA 12 Edição nº 27.745 Data 20.03.05 Nº de páginas 94 Demógrafos – 2050: 9 bilhões – explosão – alimentação – países pobres. Preconceito – estrangeiro – família – aluguél – dívidas – trabalho – polícia feder. Consumo – acelerador – freios – pastilha – vidro fechado – óleo – bateria – combustíve UA 13 Edição nº 27.752 Data 27.03.05 Nº de páginas 72 Linha da pobreza – cadastro único – PNUD – benefícios – não sacados – CEF. Taxa de fecundidade – emancipação – salário/educadora – mães/corvo. 308 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col UR – 87 B–3 112 Dilma descarta nova usina nuclear até 2010 UR – 88 E–6 156 Performer argentina leva nudismo às ruas. UR – 89 F–1 156 Voluntário ajuda aos outros e a si próprio. UR – 90 C–5 208 Pesquisa reprova sashimi em restaurantes de SP. UR – 91 C–6 312 Satélite mostra expansão menor de favelas Rocinha – Rio das Pedras – diminuiu – qualidade de vida – imagens – 1980 / 2000. UR – 92 A – 12/13 540,5 UR – 93 B–7 112 Questão indígena: Governo de Roraima quer compensação do INCRA Multimarcas sustentam comércio de luxo Reserva Raposa Serra do Sol – terras da União – constituição – demarcação. Daslu – expansão – estratégia – lojas - faturamento – high low: luxo básico. Título Unitermos UA 14 Edição nº 27.759 Data 03.04.05 Nº de páginas 96 Angra 3 - meio ambiente - apagão - fluxo - hidrelétricas alternativas mais baratas. Nua - ensaios fotográficos - tumulto - escândalo - polícia timidez. UA 15 Edição nº 27.666 Data 10.04.05 Nº de páginas 86 UA Edição nº Data Nº de páginas UA Edição nº Data Nº de páginas Pós graduados - causa - RH - público - mulheres: 53% identificação. Parasitas – bactérias – fungos – coliformes fecais – diarréia – exagero . 16 27.773 17.04.05 86 17 27.850 04.04.05 88 309 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Unidade de Amostragem Unidade de Registro UR – 94 Página Cm / col Título Unitermos B – 11 112 Sem licença, usina perde R$ 1mi ao dia Hidrelétrica – Barra Grande – Rio Pelotas – IBAMA – licença – desmatamento. Após 9 dias, índios libertam agentes da PF em Roraima Comércio global: OMC tenta, de novo, avanço na Rodada Doha Dia do trabalho: Trabalho é a principal fonte de estresse Reféns – demarcação – Lei Marluce – reivindicações flexibilização Tarifa – protecionismo – agricultura – ricos e pobres polarização Ambiente profissional – qualidade de vida – modo como trabalham - sobrecarga Flonas (Forestas Nacionais) – Unidades de Conservação – bioma – SNUC - satélite Consumismo- anoréxica – vaidade – narcisismo – futilidade – ficar - utopia Bactérias – cheiro – cloro – INMETRO – carvão – vela gravidade - pressão UA 18 Edição nº 27.787 Data 01.05.05 Nº de páginas 106 UR – 95 A – 20 148 UR - 96 B – 14 172,5 UR – 97 F–1 156 UR - 98 A – 35 292 UR - 99 C–6 156 Ambiente: Áreas de conservação ganham seu 1º Atlas A Epidemia da Beleza (Gilberto Dimenstein) UR – 100 F–1 156 Novos filtros e normas deixam água mais pura UR - 101 A-3 88,5 A Lógica do Planejamento Familiar UR - 102 B-8 312 Sangue de boi: Brasil quer ampliar defesa fitossanitária UA 19 Edição nº 27.794 Data 08.05.05 Nº de páginas 92 UA 20 Edição nº 27.801 Data 15.05.05 Nº de páginas 94 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Pílulas – camisinha gratuita – cidadania – inserção – maioria a favor: 82,9% Pavor – sangue – destreza – sofrimento – indiferença – lógica do lucro 310 Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col Título UR – 103 A–2 44 UR – 104 C–6 88,5 UR - 105 F – 10 156 Prioridade brasileira para o gás natural (Antonio Ermírio de Morais) USP promove campanha contra abandono de animal Enigma: Embalagens embrulham consumidor Dependência – energia fóssil – metas próprias – estatização – combinar fontes. Maus tratos – CRUSP – cães e gatos – problema grave – debate. Siglas – indecifráveis – vida útil – resistência – sopa de letrinhas. UR – 106 B–2 69 UR – 107 C-5 240 Corrupção e consumo conspícuo (Rubens Ricupero) São Paulo submersa: Urbanização sem controle sufocou o Tiête Ilhas de luxo – ostentação – suntuário – corrupção – falcatruas – lavag. de dinheiro. Ocupação de várzeas – leito original – lixo – educar – canalização – enchente. UR – 108 A – 39 232,5 UR - 109 A – 40 84,5 UR - 110 C-8 156 Ambiente: Agronegócio contamina rios da Amazônia Ambiente: Secretario diz temer escassez qualitativa (de água) Ambiente: SP bane uso de madeira ilegal em obra pública Fronteira agrícola – agrotóxicos – igarapés – soja – arroz – contaminação. Agronegócio – gestão – macrozoneamento econômico / ecológico do Pará. Dia do meio-ambiente - cidade amiga – compromisso Greenpeace – desmatamento Unitermos UA 21 Edição nº 27.808 Data 22.05.05 Nº de páginas 94 UA 22 Edição nº 27.815 Data 29.05.05 Nº de páginas 80 UA Edição nº Data Nº de páginas 23 27.822 05.06.05 110 311 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col UR – 111 C–5 156 Quem não entende a Daslu não entende São Paulo (Gilberto Dimenstein) Grifes de luxo – endinheirados – sofisticada – responsabilidade social – Casas Bahia. UR – 112 B–1 112 Agronegócio e corrupção devastam MT UR – 113 B – 4 /5 424 UR – 114 B–6 312 Máfia ainda não acabou, diz interventor do IBAMA em Cuiabá Maggi diz que dará prioridade a ambiente Operação Curupira – Polícia Federal – desmatamento – Estado / líder. Quadrilha – indiciamento – crime ambiental – devastação – agronegócio. Inimigo da floresta – desenvolv. a qualquer custo – desmatamento – direito adquirido. UR – 115 A–3 90 UR – 116 C–9 156 UR – 117 C–2 90 Título Unitermos UA 24 Edição nº 27.829 Data 12.06.05 Nº de páginas 94 UA 25 Edição nº 27.836 Data 19.06.05 Nº de páginas 94 UA Edição nº Data Nº de páginas UA Edição nº Data Nº de páginas 26 27.843 26.06.05 98 Uma oportunidade de paz em Darfur (Kofi Annan) Choque de mundos: Estudo defende regulamentação do trabalho infantil Mídia – vergonha – socorro – vítimas – operaç. humanitária – 3 milhões de pessoas UNICEF – tese/doutorado – renda familiar – constituição – 14/16 anos –reconhecer. Danuza Leão: A moda Deusas – dizem o que usar – depressão – cabelos – infeliz – moderna – jovem. 27 27.850 03.07.05 86 312 Jornal n.1 (Folha de S. Paulo) Unidade de Amostragem Unidade de Registro UR – 118 Página Cm / col Título F-2 156 Programa corta gasto de água em até 50% UR – 119 Mais – 9 156 UR - 120 Mais - 9 48 O rei do clima: Reino Unido quer liderança com efeito estufa Ciência em dia: Nó na madeira (Marcelo Leite) Unitermos Consumo – restritor de vazão – “peneirinha”– trocar vasos – condomínios. Aerosóis – Kioto – mudança climática – ITER (reator termonuclear exp. internac.). Ignorância sobre a Amazônia – mito – consumo de toras – desmatamento - Imazon 313 Inventário de Títulos e Unidades Referenciais Jornal n. 2 - (Jornal da Cidade - JC - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col Título UR - 01 2 60 Deus Natureza UR - 02 UR – 03 8 13 288 76 Terra está escassa na área urbana Região de Bauru tem 2.389 ONGs Unitermos UA 01 Edição nº 11.780 Data 02.01.05 Nº de páginas 76 Tsunami – morte - cadáveres – destroços – espasmos do planeta - tragédias Erosão – prefeitura de Bauru – transporte de terra Sem fins lucrativos – proteção animal – meio ambiente – saúde - educação UR - 04 14 226 Falta de verba é pior inimigo de ONG Comunidade – apoio – poder público - verbas UR - 05 UR - 06 15 16 100 90 UR - 07 UR - 08 UR - 09 23 Esp.1 Esp.2 312 312 135 Hepatite C motiva ONG em São Manuel Bica de Pedra faz reflorestamento de manancial em Itapuí Província de Aceh recebe ajuda Tsunami: O dia em que o mar invadiu a terra Mortos podem chegar a 140 mil UR - 10 Esp. 3 312 Medicamentos – tratamento - Hospital da Unesp Mata ciliar – viveiro de mudas – respeito da população – não temos verbas Sobreviventes – ONU – Papa – governo - Indonésia Maremoto – Tsunami – Indonésia – catástrofe Cruz Vermelha – vítimas – turistas – países Natureza – placa tectônica – risco – tremor -ondas. UR - 11 Esp. 4/5 624 UR - 12 Esp. 6 312 UR – 13 Esp. - 7 312 Ondas gigantes não ocorrerão no Brasil, garante geólogo Movimentos das Placas Tectônicas (infográfico gigante) Terremoto pode ter acelerado eixo de rotação da Terra Piores terremotos da história Tsunami – oceano – placas tectônicas - mundo Fenômeno – cientistas – polos da terra – corais - petróleo Século – devastadores – graus – tremor - pior 314 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Página Registro UR - 14 Esp.- 8 Cm / col Título Unitermos 312 Choque entre a Índia e o continente causa os tsunamis na Ásia Escala Richter - fenômeno - terremoto - efeitos. Agenda 21 – CONAMA – ambientalista – sustentável – municípios. Licenciamento ambiental – impacto – fiscalização – municipalização – controle. Sugestões – viver feliz – trabalho – descanso – equilíbrio – cooperação. Atividade física – passeios – banho – tela do computador – comodismo. Ferimentos – socorro – ambulatório – cicatrização – curativos. Massagens – desidratação – cremes – oleosidade – tintura – corte –condicionador UA 02 Edição nº 11.787 Data 09.01.05 Nº de páginas 80 UR – 15 11 138 Gestão local é tendência nos municípios UR – 16 10 188 Municipalização é meta da SEMMA UR – 17 2 252 É preciso saber administrar o tempo UR – 18 Saúde - 1 312 Pequenas mudanças que fazem grande diferença UR – 19 Saúde - 3 312 Curativos têm técnicas específicas UR – 20 Saúde – 4 312 Brilho revela a saúde dos cabelos UR - 22 Inf. - 6/7 312 UR - 23 UR – 24 7 10/11 91 307 Garotada aprende a aproveitar sobras do material escolar CRAS Jaraguá inaugura computadores ONGS podem sofrer maior controle de suas atividades UA 03 Edição nº 11.794 Data 16.01.05 Nº de páginas 80 Cadernos – mochila – estojo – porta-lápis – escola – reciclagem. Cidadania – inclusão social – comunidade – jovens. Projeto – controle – cadastro – ABONG – comunidade. 315 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Registro UR – 25 Página Cm / col Título 25 72 Seca leva emergência a 136 municípios do RS UR - 26 C-1 312 Muito além das ONGS UR – 27 1 232 Buraco dá “taquicardia” em secretario UR – 28 2/3 564 Unitermos Agricultores – previsão – racionamento – chuvas – prejuízos - estiagem. Amizade – religiosidade – egoísmo – felicidade – comunidade – solidariedade. UA 04 Edição nº 11.801 Data 23.01.05 Nº de páginas 80 UR – 29 Saúde - 3 312 Tapa buraco muda atuação. Jaraguá e Comendador: Prioridades Brasil reduz mortalidade infantil UR – 30 4 72 Chuva prejudica mutirão no Bauru 16 UR – 31 10 251 Educação resolveria trabalho infantil UR - 32 12 232 UR - 33 1 232 Falta de cidadania motiva ciclo desvirtuado do lixo Bauru tem 44 caramujos por habitante UR - 34 2/3 564 Recape – falta de dinheiro – galerias – inundação – compactação. Moradores – reclamações – buracos – asfalto – chuva – mutirão – operação. Mortalidade infantil – neonatal – índices – capacitação – maternidade – óbitos. UA 05 Edição nº 11.808 Data 30.01.05 Nº de páginas 80 Infestação em 75 bairros. Não é caso de saúde pública Mutirão – mau tempo – bueiros – tapa-buraco – população – conscientização. Ministério público – empresas – direitos – deveres – escolas – ministério do trabalho. Catadores – sacos plásticos – autuações – terreno baldio – Emdurb. Ambiente – manejo – controle – moluscos – reclamações – combate. Doenças – crianças – orientação – bairro – oeste – moradores. 316 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col Título Unitermos UR – 35 10 205 Chuva interdita 4 pontes em Duartina Enxurrada – bombeiros – prefeito – rodovia – interditada. UR – 36 29 64,5 Missionária americana é morta no Pará Doroty Stang – madeireiros – polícia federal – gover. mobilizado – dir. humanos Chuvas torrenciais – desmoronamentos – grande operação – alojamentos oficiais. Gases – efeito estufa – co2 – queimadas – carbono – atmosfera – Kioto. UA 06 Edição nº 11.815 Data 06.02.05 Nº de páginas 72 UA 07 Edição nº 11.822 Data 13.02.05 Nº de páginas 86 UR – 37 UA Edição nº Data Nº de páginas 35 54 UR – 38 32 219 Tempestades e avalanches atingem 20 mil no Paquistão; 230 morrem Brasil contribui para poluição mundial UR – 39 2 57 Políticas energéticas UR – 40 17 82,5 08 11.829 20.02.05 84 UR - 41 10 280 UR – 42 18/19 382 UR - 43 20 112 Cidades estudam criação de comissões para Defesa Civil Cidadão deve exigir tecnologia limpa Cabrália prioriza incêndio florestal. Jaú terá micro-regional COMDEC de Duartina quer sair do papel para virar realidade Biodiesel – nuclear – pró-alcoól – ambiental – renováveis – investimento. Clima – aquecimento – catástrofes – voluntariado – prevenção – socorro. Energia solar – código de construção – efeito estufa – aquecimento – Kioto – EUA. Voluntários – mobilização – treinamento – pontos críticos – fogo – inundações. CONSEG – corpo de bombeiros – alagamentos – comunidade – risco. 317 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Registro UR – 44 Página Cm / col Título 24 148 Traidores podem ter levado freira à morte UR – 45 25 155 SP terá 20 milhões em 2015, diz ONU UR - 46 01 112,5 Brasileiros consomem cada vez mais fast-foods UR – 47 2 18 Multa da água (Carta dos leitores) UR – 48 7 168 Água será vendida a peso de ouro UR – 49 25 162,5 UR – 50 Bai. – 1 249 Como era verde meu vale UR – 51 Bai. –2/3 564 UR – 52 Saúde – 4 220 Só educação pode garantir conservação dos projetos ANVISA: Mais rigor com água mineral UR - 53 7 111 Idoso do século 21 é mais espontâneo UR - 54 6 102 Mulher ganha até 60% menos que homem Unitermos .Doroty Stang – colonos – PDS:Proj. de Des. Sust. – grileiros – exército - mídia 5ª maior – mortalidade em queda – envelhecimento – emergentes – países ricos McDonalds – sanduiche – consumidores – novas opções – shoppings - faturamento UA 09 Edição nº 11.836 Data 27.02.05 Nº de páginas 82 Freira era parceira de madeireiros legais Câmara – projeto – campanha educativa – conscientizar população Nestlé – Coca-cola – água mineral – ouro do século 21 – lençóes subterrâneos. Cortar madeira – CPT – reflorestamento – grilagem – extração ilegal – morte – PDS. Rebanhos – cerca – seca – mudas – córrego – assoreamento – entulho – lixo. Rio Batalha – mata ciliar – preservação – escola – criança – repressão – erosão. Higiene – normas – padronização – manual – comercialização – armazenamento. UA 10 Edição nº 11.843 Data 06.03.05 Nº de páginas 82 Terceira idade – realizações – mais tempo oportunidades – dizer o que pensa – curtir. Escolaridade superior – salário menor – OIT – mitos – creche – pesquisa.. 318 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Registro UR – 55 Página Bai. 1 312 Comunidade (re)organizada UR – 56 Bai. 2/3 546 Degradação de sedes paralisa associações Cm / col Título UR - 57 25 132 Índios sofrem com fome em reserva UR – 58 3 72 UR – 59 8/9 387 UR – 60 23 127 Moradores cobram limpeza e iluminação da Pç. do Penta Bauru reduz desnutrição infantil. SEBE dá assistência a carentes Governo quer monitorar terras do país UR – 61 25 61 UR – 62 Bai. 1 250 UR – 63 Bai. 2/3 564 Bebedouro registra 80 tremores em 15 dias. Sitiantes preocupam-se Velhos hábitos do interior sobrevivem ao progresso Tibiriça conserva estilo bucólico UR – 64 6 312 Crianças Guarani se divertem com a fama UR - 65 19 112 Música pode mudar realidade de crianças carentes na região Unitermos .Cadastramento – sede própria – autosuficiência – organização popular Imóveis abandonados – reformar – reconstruir – ONGS – Novo Código Civil Zilda Arns:Falta terra – plantar – cesta básica – kit miséria – auto-estima – cultural UA 11 Edição nº 11.850 Data 13.03.05 Nº de páginas 82 Sujeira – adoção- manutenção – SEMMA – cronograma - reclamações Diagnóstico – aconselhamento – pastoral – multimistura – aleitamento Satélites – big-brother – desmatamento – justiça – morosidade – deter destruição Sitiantes – abalos – Escala Richter – excesso de poços artesianos - sismólogos Vizinhança – família – baralho – cumprimentar – qualidade de vida Bate-papo – sem desconfiança – frutas – quintal – bicicleta – falta de lazer UA 12 Edição nº 11.857 Data 20.03.05 Nº de páginas 84 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Criança indígena – liberdade – natureza – caça – rituais – brincar à vontade Atividades artesanais – violino – projetos – profissionalização – música clássica 319 Unidade de Amostragem Unidade de Página Registro UR - 66 20/21 361 UR - 67 112 22 Cm / col Título Unitermos Projeto Guri quer tornar sua orquestra sinfônica profissional P. Alves oferece pagode e diversos cursos para profissionalizar menores Estação do som - Musicrescer - método suzuki - espaço amigo - Jaú Projeto criança - voluntários - ação social pintura - costura - artesanato - teo. e prát. UA 13 Edição nº 11.864 Data 27.03.05 Nº de páginas 78 UR – 68 3 280 Brasil amplia planejamento familiar Gravidez indesejada - aborto - métodos OMS - anticoncepcional - SUS UR – 69 Bai. 1 312 Poluição: O lado feio da cidade UR – 70 Bai. 2/3 564 Água contaminada corta o município Esgoto - lixo - barulho - poeira - carros pichações - córregos poluídos Mal cheiro - doenças - lixo hospitalar destinação - esgoto nos córregos Calorias - exercícios - colesterol - engordar - emagrecer - organismo UA 14 Edição nº 11.871 Data 03.04.05 Nº de páginas 90 UA Edição nº Data Nº de páginas UR – 71 Saú. 1/2 465 Alimentos termogênicos: comida que emagrece UR – 72 Inf. 6/7 312 UR – 73 Saú. 4 208 Povos da Araribá se preparam para o Dia do Índio Vacinação das Américas prioriza saúde indígena 15 11.878 10.04.05 84 UR - 74 Bai. 1 312 As sete pragas de Bauru Tribos - doentes - isolados - socorro artesanato - homem/natureza - progresso Pouca informação - imunização - vítimas da Aids - convívio - saneamento Baratas - escorpião - caramujo - rato aedes aegypti - leishmaniose - mosquito 320 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Página Registro UR - 75 Bai. – 2/3 UR - 76 27 Cm / col 564 Título Unitermos 171 Mosquitos, a grand e ameaça. Eliminação completa é contra-indicada Consumo de peixe crú deve ser evitado Formigas – criadouros – lixo doméstico – cadeia de controle – pessoas não limpam. Parasitas – bactérias – fungos – coliformes fecais – diarréia – Ass. Bras. de Cul. Jap.. Terrenos baldios – multa – capinação – denúncias – pouco caso – notificação. Hábito de queimar – lixo – matagal – até gambá – especulação – IPTU progressivo. UA 16 Edição nº 11.885 Data 17.04.05 Nº de páginas 82 UR – 77 Bai. - 1 312 Mato alto: A morada das pragas UR - 78 Bai. – 2/3 519 Convivência com pragas é pulverizada: Comodismo ‘chamusca ‘ a cidade UR – 79 10 312 Só soberania trará reforma agrária Sem-terra – assentados – MST – FMI – Banco Mundial – agricultura familiar. UR – 80 Eco. - 2 132 Eletrodomésticos de luxo chegam ao Brasil UR – 81 Inf. – 6/7 25 312 Trabalhar agora? Ainda é tempo de brincar e estudar Policiais federais são soltos por índios Sonhos de consumo – alto valor agregado – Daslu – folgada conta bancária – plasma. Trabalho infantil – PNAD – ANDI – ECA – conselho tutelar – ajudar família – escola. Reféns – demarcação – terras – reivindicações – chamar atenção. UA 17 Edição nº 11.892 Data 24.04.05 Nº de páginas 80 UA Edição nº Data Nº de páginas 18 11.899 01.05.05 118 UR - 82 108 321 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col UR –83 19/20 424 UR – 84 21/22 217 Álcool: De olho na expansão, usinas buscam melhoria na produtividade Do caldo ao bagaço, tudo é aproveitado UR - 85 Saúde - 3 275 Ovo bem preparado faz bem à saúde UR – 86 33 49,5 UR – 87 Bai – 2/3 564 Estação de esqui “embrulha” geleira na Suiça para evitar derretimento Campanha do Agasalho: Criatividade pode “turbinar” resultado Aquecimento global – CO2(dióxido de carbono) – energia limpa - degelo Cidadão – emancipação – parcerias – começar cedo - cobertores Tráfico de animais é foco de atuação da Polícia Ambiental Interpol critica apoio a trabalho em área devastada por tsunami Fauna silvestre – ecossistemas – denúncia anônima – IBAMA – maus tratos Identificação – restos mortais – famílias – sofrimento – diminuição dos recursos Título Unitermos UA 19 Edição nº 11.906 Data 08.05.05 Nº de páginas 86 Demanda – crescimento – plantio – região – 24 horas – hidrovia – novas usinas Biomassa – hidratado(veículos) – anidro(aditivo) – Kyoto - Flex Colesterol – consumo – fritura – omelete – pochê – cozido - nutricional UA 20 Edição nº 11.913 Data 15.05.05 Nº de páginas 80 UA Edição nº Data Nº de páginas 21 11.920 22.05.05 80 UR – 88 20 112 UR – 89 27 79,5 322 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col Título Unitermos UR – 90 2 39 A Natureza grita por socorro (leitor) UR – 91 4 89 UR – 92 25 201 Instituto Vidágua inaugura base no Vale do Ribeira Brasil pode ter sete usinas nucleares UR - 93 6/7 312 Em busca de um ambiente limpo e inteiro UR – 94 10 304 Poder Público não usa água racionalmente, diz especialista Restritores de consumo – cobrar do adm. púb. – Sabesp – perdas - lei UR – 95 12 294 Hidrovia precisa de ação política, diz Carlos Nascimento Articulação política – controle ambiental – empenho – prefeituras - calado UR - 96 2 19 II Fórum Ambiental (leitor) Uso sustentável – diminuir consumo – envolver comunidade – futuro dos filhos UA 22 Edição nº 11.927 Data 29.05.05 Nº de páginas 80 Consciência – lixo – educação – preservação – cerrado – mão natureza Conservação – ecossistema – mata atlântica – educação – biodiversidade - sustentável Prog. Nuc. Bras. – sigilo – urânio cooperação/China – futuro do mundo Energia solar – gás natural – biopirataria – não renovável- petróleo – clima - impacto UA 23 Edição nº 11.934 Data 05.06.05 Nº de páginas 122 UA Edição nº Data Nº de páginas UA Edição nº Data Nº de páginas 24 11.941 12.06.05 86 25 11.948 19.06.05 84 323 Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP) Unidade de Amostragem Unidade de Registro Página Cm / col Título Unitermos UR – 97 Inf. – 6/7 249 Domingo diferente e musicado no Vitória Régia. Vidágua vai agitar a galerinha no parque Gincana do lixo – garrafas PET – evento gratuito – entulho - reciclável UR – 98 11 30 Conferência das cidades elege delegados UR – 99 8 96 UR – 100 8 126 Conta de energia tem maior impacto na despesa doméstica Serviços essenciais já pesam no bolso Meio ambiente – gestores – propostas – participação – questões urbanas Chuveiro – banho rápido – energia – economizar – água barata – maior despesa Desproporcional – exagero – padrão de consumo – classe média penalizada UA 26 Edição nº 11.955 Data 26.06.05 Nº de páginas 84 UA 27 Edição nº 11.962 Data 03.07.05 Nº de páginas 82 324 ANEXO E Modelo de Formulário para Análise do corpus FOLHA DE S. PAULO QUESTIONÁRIO Nº ANÁLISE DE CONTEÚDO - COBERTURA DA IMPRENSA SOBRE MEIO AMBIENTE FORMULÁRIO DE CODIFICAÇÃO Codificador: PEDRO CELSO CAMPOS Período: 01.01.05 a 03.07.05 Dia da Semana: Domingo Jornal: Folha de S. Paulo Unidade de Amostragem Nº Edição: Nº S. Paulo (Capital) Unidade de Registro Nº Pg.: Título da Matéria: Área total da página(cm/col) %:100 Área total da matéria(cm/col) ap/am(%): 312 % da matéria: área de texto(cm/col) % área de foto(cm/col): % 100 1. Presença de ilustrações/explicações: Não Sim Fotografias Box Gráficos Desenhos Infográficos 2. Gênero Predominante: Nota Notícia Reportagem Entrevista Comentário/Opinativo Crônica Carta Leitor 3. Formato Seção: país política economia cultura cidades ciência mundo outros Encarte: Suplemento: Meio Ambiente: Outros ANÁLISE DE TEXTO 4. Local da Notícia Brasil Sul Sudeste Centro-oeste Norte Nordeste Local Regional Urbano Rural Outro Exterior América do Sul América Central América do Norte Europa África Ásia Oceania 5. Conotação da mensagem Ambiental: Sensacionalista/espetáculo Superficial Contextualizada/explicativa Conservacionista Conservacionista-economicista Conservacionista-progressista Conservacionista-catastrófica Denúncia pela conservação Crítica Outra 6. Conteúdo da mensagem ambiental: Consumo Etnias Poluição Clima Desmatamento Direitos Humanos Corrupção Projetos Turismo Descobertas Erosão Enchente/Inundação Manifestações/protestos Agricultura Lixo Comportamento Outro Unidade de Contexto (palavras-chave): 7. 8. Origem da mensagem: Fontes Personalidades: Presidente Instituições: Estado Entidades: Empresas Escolas/Univ. Procedência da Informação: Repórter Correspondente Agência Governador Executivo Partidos políticos Mídia Colunista Prefeito Legislativo Sindicatos ONGS Judiciário Igrejas ONU Colaborador Leitor ANÁLISE DE FOTO 9. Local da foto: Brasil Sul Sudeste Centro-oeste Norte Nordeste Local Regional Urbano Rural Outro Exterior América do Sul América Central América do Norte Europa África Ásia Oceania Espacial 10. Forma da mensagem: Cor p&b Outra 11. Características Técnicas: Documental/registro real Arquivo/ilustração Indiciária/iconográfica Artística/estética Genérica Detalhista Outra 12. Intencionalidade: Tendenciosa/preconceituosa Publicitária Comovente Educativa Interpretativa/explicativa Outra 13. Observações sobre a matéria Outra 325 ANEXO F Modelo de Formulário para entrevistas com os estudantes de jornalismo Doe dois minutos do seu tempo à mãe terra: QUESTIONÁRIO PARA ESTUDANTES DE JORNALISMO TEMA: JORNALISMO AMBIENTAL E CONSUMO SUSTENTÁVEL Pesquisador: Pedro Celso Campos – ECA-USP. E-MAIL: [email protected] NOME: ESCOLA: UMA DISCIPLINA EM CURSO: RG: TERMO: IDADE: 01. Como futuro profissional dos Meios de Comunicação, e como cidadão, como v. define o Jornalismo Ambiental? 02. V. tem feito alguma coisa prática pela preservação do meio ambiente? Qual? 03. Na sua opinião, quais são os maiores problemas ambientais na atualidade? 04. Na sua opinião, para despertar a consciência ecológica das pessoas e a mudança de comportamento da população, o noticiário sobre meio ambiente, na mídia, é: _______SUFICIENTE ________INSUFICIENTE ________MAIS OU MENOS 05. Se o jornalismo – pautando mais, contextualizando, trabalhando a narrativa com histórias de vida, sendo mais criativo – educasse a cidadania para o consumo sustentável teríamos, no futuro, uma população mais consciente sobre as relações homem/natureza e também sobre a tolerância e o respeito entre as pessoas. V. concorda? O que pensa a respeito? Como vê a educação para o consumo? 06. De que modo o jornalismo poderia ser mais persuasivo para mudar comportamentos? Como o Jornalismo Ambiental poderia ser mais eficiente? 07. V. conhece algum exemplo de pessoas comuns (não ligadas a órgãos públicos ou fundações) que proporcionariam uma boa história de vida sobre educação ambiental para a mídia? Pode descrever o que fazem? 08. V. se informa, preferencialmente, sobre meio ambiente: ____NO RÁDIO____NA TV____NA INTERNET____NOS JORNAIS____NAS REVISTAS____OUTROS MEIOS. 09. Assinale, de um a 10, a intensidade com que os seguintes problemas ambientais o afetam: ____DESMATAMENTO____ESCASSEZ E POLUIÇÃO DA ÁGUA____COMBUSTÍVEIS POLUENTES____RESÍDUOS INDUSTRIAIS E DO TRÂNSITO ____CONSUMO SUPÉRFLUO____LIXO NÃO PERECÍVEL ____SOFRIMENTO DOS ANIMAIS____AGROTÓXICOS____AQUECIMENTO DO CLIMA/INUNDAÇÕES______MILITARISMO E GUERRAS_______INJUSTIÇAS SOCIAIS/DISCRIMINAÇÕES/DISTRIBUIÇÃO DA RENDA_______CORRUPÇÃO (Acrescente outros, se preferir). 10. V. acha que a Universidade deveria preparar os futuros jornalistas para que se tornem educadores ambientais? ______SIM ______NÃO 11. Que temas v. sugere para uma disciplina universitária sobre Jornalismo Ambiental? 12. Como as aulas de JA poderiam ser mais criativas e diferenciadas? Obrigado por sua participação. Use meu e-mail se tiver outras considerações a respeito. Prof. Pedro Celso Campos