1
PEDRO CELSO CAMPOS
PROPOSTA DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA PARA A EDUCAÇÃO PERMANENTE
Tese de Doutorado
São Paulo
2006
2
PEDRO CELSO CAMPOS
Jornalismo Ambiental e
Consumo Sustentável
PROPOSTA DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA PARA A EDUCAÇÃO PERMANENTE
Tese apresentada à Escola de Comunicação
e Artes da Universidade de São Paulo para
obter o título de Doutor em Ciências da
Comunicação, Área de Concentração:
Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Barco
São Paulo
2006
3
AUTORIZO:
[ X ] divulgação do texto completo em bases de dados especializadas.
[ X ] reprodução total ou parcial, por processos
fotocopiadores, exclusivamente para fins acadêmicos e
científicos.
________________________________
PEDRO CELSO CAMPOS
São Paulo, 05 de Janeiro de 2006
4
CAMPOS, Pedro Celso
Jornalismo Ambiental e Consumo Sustentável - Proposta de
Comunicação
Integrada para a Educação Permanente / Pedro Celso
Campos. São Paulo: P. C. Campos. 2006
324 p.
Tese (doutorado) - Escola de Comunicação e Artes/USP, 2006.
Bibliografia.
O exemplar 1 não pode ser emprestado.
Biblioteca e sociedade
Memória e sociedade
Teses
t
5
Autor:
Título:
PEDRO CELSO CAMPOS
JORNALISMO AMBIENTAL E CONSUMO SUSTENTÁVEL
PROPOSTA DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA PARA A EDUCAÇÃO PERMANENTE
Presidente da Banca: Prof. Dr. Luiz Barco _________________________
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Edvaldo Pereira Lima Instituição:
Instituição: USP
Prof. Dr. José Coelho Sobrinho
Instituição: USP
Prof. Dr. Antonio Carlos de Jesus
Instituição: UNESP
Prof. Dr. Zarcillo Rodrigues Barbosa
Instituição: UNESP
Aprovada em
28/ 03/2006
6
Dando-se as mãos, os pais da humana prole,
vagarosos lá vão com passo errante,
afastando-se do Éden solitários.
MILTON
PARAÍSO PERDIDO CANTO XII
7
A você,
Maria Lúcia.
Aos nossos filhos
Thiago,
Fábio,
Junia.
8
AGRADEÇO...
A Deus ..................................................................................pela luz, pela persistência, pela fé.
Aos meus pais Clodomiro e Elidia Santolin
Campos Del´Horto [in memorian]............................................................ pelo amor, pela vida.
Ao Prof. Dr. Luiz Barco ......................................... pelos sábios conselhos e amizade sincera.
Ao Reitor da Unesp,
Prof. Dr. Marcos Macari ............................................. pela bolsa [sine qua non] do Programa
de Capacitação de Docentes.
Ao Diretor da FAAC/Unesp,
Prof. Dr. Antonio Carlos de Jesus ........................................................... pelo apoio irrestrito.
À Chefia do Dep. de Comunicação Social
da FAAC, através do Prof. Dr. Antonio Francisco
Magnoni (ex-chefe) e do Prof. Dr. Luiz Augusto
Teixeira Ribeiro (atual chefe) ........................................................................pelo afastamento,
por tantas cópias xerox.
Ao Prof. Dr. Edvaldo Pereira
Lima (USP) ........................................................................................... pela generosidade, pela
coerência intelectual e sistêmica.
Ao Prof. Dr. José Coelho Sobrinho (USP) .....................................pelo olhar sistêmico sobre
a formação do jornalista.
Ao Prof. Dr. Boris Kossoy (USP) ............................ pelas sábias aulas sobre Fotojornalismo.
Ao Prof. Dr. Zarcillo Barbosa (Unesp).....................................................pela paciente leitura.
Ao Prof. Dr. Adenil Domingos (Unesp) ..............................................pelos livros e conselhos.
À Profa. Dra. Nelyse Apparecida
Melro Salzedas (Unesp).......................pelo Mestrado em "Comunicação e Poéticas Visuais".
Ao Grupo de Jornalismo Literário
da ECA/USP ..............................................pelas trocas literárias e o apoio mútuo via Internet.
Ao Núcleo Paulista de
Jornalismo Ambiental ....................................... pelo debate virtual e permanente, por nossos
eventos, pelo amor à causa ambiental.
Ao Paulo Bontempi, Sec. da CJE/ECA/USP ...........................pelas utilíssimas informações.
Aos meus alunos de jornalismo,
público-alvo deste trabalho .................................................................... ontem, hoje, sempre.
9
CAMPOS, Pedro Celso. Jornalismo Ambiental e Consumo Sustentável - Proposta de Comunicação
Integrada para a Educação Permanente. São Paulo, 2006. Tese (Doutorado) - Escola de
Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo.
RESUMO: Em virtude da responsabilidade social que lhe é inerente, o jornalismo deve voltar-se
para a educação ambiental permanente. Para tanto, é necessário que os estudantes travem contato, na
Universidade, com uma abordagem sistêmica indispensável à compreensão das relações entre os
fenômenos, não só no que se refere ao meio ambiente - aqui tratado especificamente a partir do
consumo sustentável - mas em relação ao próprio ensino, como instância de educação libertadora,
para vencer os preconceitos, romper os paradigmas do racionalismo estabelecido, refundar a ética e
rever o conceito de objetividade. A pesquisa, tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo,
comprova que o jornalismo ambiental, tal como praticado hoje, não conduz à reflexão, não estimula
a visão crítica, não explica as causas e conseqüências das informações e não abre espaço para a livre
manifestação do receptor, atado que está a compromissos incompatíveis com a biofilia, isto é, com a
Vida e com a Paz. Estuda-se, também, o conceito de integração como forma de chegarmos à
cooperação solidária entre a mídia, a Universidade, os poderes constituídos e a sociedade em busca
de uma educação ambiental que vá além dos muros escolares, que supere as abordagens pontuais e
isoladas, que possa despertar a consciência ecológica ao nível da cidadania, o que se fará dotando o
jornalismo do necessário viés educativo, a partir do aprofundamento, da investigação, da
interpretação contextualizada, mediante as várias ferramentas à disposição do profissional,
destacando-se, entre elas, a própria abordagem sistêmica presente na recente proposta do Jornalismo
Literário Avançado e das histórias de vida. Por isto o trabalho também examina a questão dos
gêneros do jornalismo e as teorias da comunicação, através dos quais o discurso jornalístico é
apresentado. O aprofundamento sobre a temática ambiental se dá através do exame mais detalhado
sobre o fenômeno do consumismo e a sustentabilidade, fatores de importância fundamental na
abordagem da crise ecológica. São examinadas, ainda, propostas pró-ativas a favor de uma estética
da cultura da paz, do ecodesenvolvimento, do eco-socialismo etc, todas assentadas no conceito de
ecologia profunda, envolvendo o respeito intrínseco à natureza e aos animais, muito além do marco
antropocêntrico, de inspiração liberal.
Palavras-chave: Jornalismo - Educação Ambiental - Consumo Sustentável - Integração - Sistema Cidadania
10
CAMPOS, Pedro Celso. Environmental journalism and Maintainable Consumption - Proposal
of Communication Integrated for the Permanent Education. São Paulo, 2006. Theory
(Doctorate) - School of Communication and Arts, University of São Paulo.
ABSTRACT: Due to the social responsability that it comes with, journalism should walk
along with a permanent environmental education. So, it is necessary that the students get in
touch, at the university, through an indispensable systemic approach to the comprehension of
the relations among phenomenum, not only when it comes to the environment itself – but
relating teaching itself as a requirement of a freeing education to overcome the prejudice and to
hack the paradigm of the established rationalism, and re-found the ethics and to review the
concept of objectivity. The research, both in its quantity and quality aspects, proves that the
environmental journalism, as it’s practiced nowadays, does not lead to reflection, doesn’t
encourage the critic points of view, doesn’t explain the causes and consequences of the
information and doesn’t open up space to the free reaction of the receptor, being so attached
with commitments that are incompatible with the biofilia, that means, with life and peace. The
concept of integration is also studied as a way to get to the solidary cooperation among the
media, the University, the instituted powers and society looking for a environmental education
that goes beyond the school walls, that overcomes the ponctual and isolated approaches, that is
able to awake the ecological conscience as a part of citizenship itself, what shall be done by
supporting journalism with an educative approach, through deepening, investigation,
contextualized interpretation, through all the tools at the professional’s disposal, standing out,
among them, the sistemic approach itself presented by the recent proposal of the Advance
Literary Journalism and the life stories. So this project also examines the kinds of journalism
and the theories of communication, through which journalism is presented. The deeper studies
about the environmental theme are done through the detailed examination of the phenomenum
of the consumism and the sustainability, main factors in the approach of the ecological crisis.
Pro active proposals are also examined leading to the stetics of a culture of peace, the eco
development, the eco socialism, etc, all of them based on the concept of deep ecology,
involving the inherent respect to nature and animals, way ahead of the antropocentric mark,
with liberal inspiration.
Key-words: Journalism - Environmental Education - Consummate Maintainable - Integration
- System - Citizenship
11
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
RESUMO
ABSTRACT
1
1.1
INTRODUÇÃO .................................................................................... 14
Tema Central e Objetivos ...................................................................... 15
2.
2.1
2.2
2.3
2.4
Capítulo 1 - RESGATE HISTÓRICO............................................
Antecedentes...........................................................................................
Ecologia Profunda ..................................................................................
Ecologia e Ética ......................................................................................
Abordagem Estética................................................................................
23
24
35
44
52
3.
3.1
3.2
3.3
3.4
Capítulo 2 - O FENÔMENO DO CONSUMISMO .......................
Paradigma do Consumo..........................................................................
Consumo Globalizado ............................................................................
Os inimigos do Meio ..............................................................................
Os amigos do Meio.................................................................................
58
59
66
77
85
4.
4.1
4.2
4.3
4.4
Capítulo 3 - SUSTENTABILIDADE .............................................. 92
Conhecimento e Ecotecnologia .............................................................. 93
Crescer sem destruir: Ecodesenvolvimento ............................................100
A via política do Eco-socialismo ............................................................103
Posicionamento crítico: A Responsabilidade de Educar.........................107
5.
5.1
5.2
5.3
5.4
5.5
5.6
Capítulo 4 - TEORIAS DA COMUNICAÇÃO..............................117
Claude Shannon e Warren Weaver.........................................................118
A Cibernética de Robert Wiener.............................................................121
Os Teóricos de Chicago..........................................................................125
A Escola de Frankfurt.............................................................................128
Teorias do Jornalismo.............................................................................132
A Abordagem Sistêmica e a Informação Circular .................................139
6.
6.1
6.1.1
6.1.2
6.1.3
6.1.4
6.2
6.3
Capítulo 5 - FERRAMENTAS DO SISTEMA...............................146
Gêneros do Jornalismo .......................................................................... 147
Informativo ............................................................................................ 147
Recreativo.............................................................................................. 149
Opinativo ............................................................................................... 150
Interpretativo ........................................................................................ 151
Jornalismo Literário Avançado.............................................................. 155
Técnicas de Entrevista ........................................................................... 159
7.
Capítulo 6 -
7.1
7.2
7.3
FOTOGRAFIA: DOCUMENTAÇÃO
OU ILUSTRAÇÃO ? .................................................170
Semana do Meio Ambiente - 2004 .........................................................171
Análise....................................................................................................176
Considerações.........................................................................................185
12
8.
Capítulo 7 -
8.1
8.2
8.2.1
8.2.2
8.3
8.3.1
8.3.2
8.3.3
8.3.4
8.3.5
8.3.6
8.3.7
8.3.8
8.4
A NOTÍCIA AMBIENTAL NO
JORNAL IMPRESSO................................................ 189
Descrição do Método............................................................................. 190
Descrição da Mostra .............................................................................. 196
Jornal n. 1 .............................................................................................. 196
Jornal n. 2 .............................................................................................. 197
Análise dos dados coletados .................................................................. 199
Quantidade de matérias publicadas.........................................................199
Assuntos mais noticiados........................................................................200
Visualização das matérias.......................................................................203
Gênero das matérias................................................................................204
O lugar das matérias ...............................................................................206
As fontes de notícias...............................................................................209
Quem faz a notícia..................................................................................210
Global ou local?......................................................................................211
Conclusão ...............................................................................................213
9.
Capítulo 8 -
9.1
9.2
9.3
9.4
A PERCEPÇÃO DO TEMA
AMBIENTAL NA UNIVERSIDADE....................... 215
A necessária formação sistêmica ........................................................... 216
Definição dos estudantes ....................................................................... 222
Falha sistêmica ...................................................................................... 224
Educação para o consumo ..................................................................... 227
10.
Capítulo 9 -
10.1
10.2
10.3
10.4
11.
A DESCONSTRUÇÃO DA
OBJETIVIDADE: MODELOS ................................ 233
O rio que não fala .................................................................................. 234
Moradores em situação de rua ............................................................... 237
No meio da mata.................................................................................... 242
"Dia de Visita"....................................................................................... 244
11.1
11.2
11.3
11.3.1
11.3.2
11.4
11.4.1
11.5
Capítulo 10 - PROPOSTA DE EDUCAÇÃO
INTEGRADA E PERMANENTE.............................248
Conceito de Integração ...........................................................................249
Integração no Meio Ambiente ................................................................251
Integração na Educação ..........................................................................254
Educação Formal: Universidade.............................................................254
Educação Informal e Cidadania: Projeto Mesa Brasil ............................260
Integração na Comunicação....................................................................263
O Ministério do Meio Ambiente.............................................................263
Proposta ..................................................................................................269
12.
13.
14.
CONCLUSÃO.......................................................................................274
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................280
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ..............................................290
ANEXO
A)
B)
C)
D)
E)
F)
................................................................................................................295
Valorização visual das matérias..............................................................296
Classificação das matérias por Gênero ...................................................297
Origem das matérias ...............................................................................299
Inventário de Títulos e Unidades Referenciais .......................................300
Modelo de Formulário para análise do corpus .......................................324
Modelo de Formulário para entrevistas com os alunos...........................325
13
LISTA DE FIGURAS (GRÁFICOS)
Gráfico 1 - Valorização visual das matérias..................................................203
Gráfico 2 - Classificação das Matérias por Gênero.......................................205
Gráfico 3 - Origem das Matérias: Principais fontes......................................210
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
- Levantamento sobre matérias ambientais................................200
Quadro 2
- Levantamento de matérias por categoria.................................202
Quadro 3
- Formato editorial da publicação..............................................208
Quadro 4
- Procedência da Informação: Intermediário..............................211
Quadro 5
- Vinculação Geográfica das matérias........................................213
14
LISTA DE SIGLAS
ANJ
APJ
BBC
CAPES
CEPAL
CIESPAL
Associação Nacional de Jornais
Associação Paulista de Jornais
British Broadcasting Corporation
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior
Comissão de Estudos para a América Latina
Comissão Internacional de Estudos sobre a América Latina
CNBB
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CONAMA
ECA/USP
ECO-92
Conselho Nacional do Meio Ambiente
Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo
Sigla da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
(CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro, em 1992.
EIA
Estudo de Impacto Ambiental
ENUSEC
[Sigla em inglês de] Iniciativa para o Meio Ambiente e Segurança
FAAC/UNESP Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista
FAO
Food and Agriculture Organization (agência internacional da ONU para o alimento)
FAPESP
Fundação para o Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FLO
Fairtrade Labelling Organization
FNMA
Fundo Nacional do Meio Ambiente
IBAMA
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBDF
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
INPE
Instituto Nacional de Pesquisa Espacial
IPEA
Instituto de Pesquisa Econômica Ampliada
IPT
Instituto de Pesquisa e Tecnologia
IUCN
International Union for the Conservation of Nature
LBA
[Em inglês para] Experimento em Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia
MEC
Ministério Evangélicos do Cárcere
MIT
Massachusetts Institute of Tecnology
MMA
Ministério do Meio Ambiente
OMC
Organização Mundial do Comércio
OSCE
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa
PLACEA
Programa Latino-Americano e Caribenho de Educação Ambiental
PNUD
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNMA
Programa Nacional do Meio Ambiente
PNUMA
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PRP
Princípio de Responsabilidade do Produtor
PVEM
Partido Verde Ecologista Mexicano
RBJA
Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental
REBEA
Rede Brasileira de Educação Ambiental
RIMA
Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente
SABESP
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
SEMA
Secretaria do Meio Ambiente
SISNAMA
Sistema Nacional do Meio Ambiente
SUDEPE
Superintendência para o Desenvolvimento da Pesca
SUDHEVEA Superintendência para o Desenvolvimento da Borracha
TCC
Trabalho de Conclusão de Curso
TI
Teoria da Informação
TGS
Teoria Geral dos Sistemas
UA
Unidade de Amostragem
UBQ
União Brasileira para a Qualidade
UNEMAT
Universidade do Estado do Mato Grosso
UNIDERP
Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal
UNICEF
United Nations Children’s Fund (Fundo das Nações Unidas de Socorro à Infância)
UFSC
Universidade Federal de Santa Catarina
UFRP
Universidade Federal do Paraná
UFRGS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UMESP
Universidade Metodista de São Paulo
UR
Unidade de Registro
15
TEMA CENTRAL E OBJETIVOS
16
INTRODUÇÃO
Tema Central e Objetivos
A Natureza é um capital que o
homem não criou. Apenas
descobriu.
SCHUMACHER
Este trabalho dirige-se aos estudantes de jornalismo e está
estruturado em dez capítulos e um anexo. O tema central é o estudo do Jornalismo
Ambiental através da abordagem sistêmica e interdisciplinar. Aqui examinamos o ensino
de jornalismo na Universidade, o jornalismo propriamente dito e a questão ambiental. No
caso da Universidade foi possível constatar o interesse dos alunos pelos problemas do
meio ambiente, mas foi igualmente possível observar que eles se ressentem da falta de
uma formação sistêmica e do diálogo entre as disciplinas. Sobre o jornalismo,
especificamente, convidamos os estudantes para um olhar sobre as várias "ferramentas
de trabalho" disponíveis para que possam fazer diferente, para que possam romper com
os ranços da objetividade e mesmo da mal explicada imparcialidade que norteiam a
profissão de modo genérico sem se ater a certas especificidades e situações, como quando
se trata de combater a injustiça social, o que não admite dubiedades e meio termos, por
exemplo. Em relação ao meio ambiente, tendo em vista a amplidão da matéria, optamos
por delimitar um campo bem definido para estudo e que fosse representativo de toda a
questão. Por isto discutiremos, específicamente, o fenômeno do "consumismo".
O trabalho não se limita a constatar a situação do
jornalismo ambiental, mas apresenta modelos de reportagem produzidos por alunos de
jornalismo como possibilidades de exploração de novas linguagens. Parte de uma base
teórica, situada no Capítulo 1, que é um esforço para situar, do ponto de vista filosófico,
as complexas relações entre Natureza, Deus e Homem. Na tradição judaico-cristã, esta
questão já está presente no Livro das Origens (Gênesis), quando o homem recebe a
17
missão de "dominar a terra". Depois, ao longo de sua história, passando pela Idade
Média e até nossos dias, a Igreja discutirá, permanentemente, esse relacionamento.
Antigos textos, estudados na revisão bibliográfica do tema, tratam a ecologia e as
relações humanas através de páginas candentes de poesia e fé, como em Santo
Agostinho (séc. V) e São Francisco de Assis (séc. XIII); ou através da crítica aquilina de
Erasmo de Rotterdam (séc. XV), ou ainda da visão holística de Teilhard de Chardin
(séc. XX). Em Chardin temos já uma fundamentação do que o filósofo norueguês Arne
Naess chamaria de "ecologia profunda" no início da década de 1970, quando se inicia,
de fato, o movimento de conscientização ecológica, por todo o mundo. A "ecologia
profunda" defende o direito intrínseco dos animais à vida digna e reconhece a
"inteligência do universo". Essa compreensão do todo traduz a possibilidade de
aproximação ampla entre ciência e fé. Nas décadas de 1970 e 1980, autores como Amit
Goswami, Fritjof Capra e outros, partem da própria física de Einstein para especular que
o mundo não está dado, que tudo é um processo, que a mente humana ainda não
consegue compreender os mistérios da vida e que, portanto, o que existe é um mundo de
probabilidades, como ensina a Mecânica Quântica, e não um mundo de certezas, como
pregava a visão newtoniana. Trata-se, na verdade, de uma revisão do modo de vida
capitalista centrado no materialismo individualista e na acumulação. Isto implica na
refundação da própria Ética em busca de uma Estética que possa superar, por exemplo, o
"estetismo" da informação como um fim em si mesma, descompromissada com a
reflexão, como é possível verificar, especificamente, no empenho da mídia em estimular
o consumo a qualquer preço, sem se preocupar com suas características de injustiça
social, sobrecarga do ecossistema etc.
O Capítulo 2 está escrito em forma de ampla reportagem
sobre a situação do consumo no mundo atual. A fonte principal é o Relatório do
Worldwatch Institute sobre o avanço em direção a uma sociedade sustentável,
denominado "Estado do Mundo - 2004", veiculado, no Brasil, pela Universidade Livre
da Mata Atlântica, com sede em Salvador-BA. Por sua vez, o relatório é montado a
partir de dados da Organização das Nações Unidas-ONU, do Banco Mundial e de outras
instituições de prestígio internacional. É editado anualmente. Assim, o capítulo situa a
questão da publicidade na indução ao consumo de massa, discute o fenômeno do
consumismo em si (inclusive do sofrimento dos animais abatidos para consumo
humano) e trata da quantidade e do tipo de lixo gerado pelo consumo moderno,
18
instalando o necessário crivo crítico sobre o consumo conspícuo ou socialmente injusto.
Relaciona o excesso de consumo com as mudanças climáticas que hoje preocupam os
governos da maioria dos países, mas também informa sobre ações que vêm sendo
desenvolvidas por todo o mundo, às vezes silenciosamente, para limpar o ambiente e
proteger a natureza. Uma dessas iniciativas é o Princípio de Responsabilidade do
Produtor-PRP, um mecanismo oficial da legislação alemã que obriga o fabricante a
receber o produto usado de volta para reciclá-lo. Isto, além de reduzir a quantidade de
lixo, induz à confecção de produtos mais resistentes, com maior durabilidade, alterando
fundamentalmente a cultura do produto "descartável" que logo vai para o lixo, inclusive
itens tóxicos como embalagens químicas, baterias de celular etc. A exposição conduz ao
necessário conceito de consumo sustentável para a proteção do meio ambiente e a
salvação da vida no planeta.
Sustentabilidade é o tema do Capítulo 3. Mas, trata-se de
sustentar a vida ou sustentar o capital? Aqui entra o viés ideológico que muitas vezes
acaba roubando as bandeiras do movimento ecológico em causas nada nobres, como
denuncia o professor Wilson Bueno, da ECA-USP. O capítulo registra as principais
conferências da ONU sobre meio ambiente e define o conceito de "desenvolvimento" a
partir das observações de Lester Thurow (1997) para introduzir a apreciação de
Henrique Leff (2002) sobre "desenvolvimento sustentável" e, a seguir, a avaliação de
Ignacy Sachs (1986) sobre "eco-desenvolvimento". Discute também a proposta de
"ecosocialismo"
apresentada por José Pedro Soares Martins (1991) que recorre a
Schumacher (1977) para expor a visão budista de trabalho e desenvolvimento, a qual
não estabelece oposição entre tecnologia e espiritualidade. Para o budismo, o que
condena o homem não é a riqueza, mas o apego à riqueza. O capítulo também inclui
uma avaliação crítica do próprio movimento ambientalista, como convém ao bom
jornalismo de investigação proposto nesta obra. Se no capítulo anterior concluía-se pela
indispensável refundação da ética por um consumo sustentável, aqui avançamos para a
necessária educação da cidadania na direção dessa ética. Uma das principais instâncias
de educação da cidadania está nos Meios de Comunicação de Massa, por isto
começamos aqui um aprofundamento sobre o jornalismo propriamente dito, suas teorias,
seus gêneros, suas ferramentas etc.
Iniciamos com o debate sobre as teorias da Comunicação,
no Capítulo 4, para depois focar nas teorias do jornalismo, propriamente, concluindo
19
com o exame da Teoria Geral dos Sistemas que anima este trabalho. A primeira reflexão
é sobre a Teoria da Informação-TI, de Shannon e Weaver (década de 1940), que mede a
eficácia da comunicação entre dois pontos. A TI foi concebida para estudar quantidades
e capacidades de transmissibilidade, por isto não dá conta de estudar a qualidade dos
conteúdos, nem a intencionalidade do contexto produtor da informação. Quem vai
trazer essa contribuição, no mesmo período histórico, é a Cibernética de Norbert Wiener,
ao estudar exatamente a circularidade da informação que permite ao receptor tornar-se,
ele próprio, emissor, pelo princípio da retroatividade. Isto rompe com a idéia de
causalidade linear subjacente na TI, ao considerar a reorganização da informação a
partir do feed-back. Ainda no mesmo período, a Escola de Chicago discute,
pragmaticamente, as relações entre o homem e o meio ambiente ao tratar da
comunicação como fenômeno urbano, conforme as pesquisas de Cooley e Park. Ainda
na primeira metade do séc. XX, a Escola de Frankfurt opera a Teoria Crítica-TC,
firmando o conceito de "indústria cultural", segundo o qual a mídia seria responsável por
"coisificar" a informação, dirigindo-se às massas apenas para obter proveitos financeiros
e não para levá-las à reflexão através das obras culturais, como queria a dialética de
Adorno. Todavia, aceitar totalmente a TC seria ignorar o potencial da mente humana que
também é influenciada pelo contexto histórico, através da família, da escola, da
sociedade, da cultura adquirida etc. Os MCM não têm poder total sobre o homem, pelo
menos não na mesma intensidade para todos os segmentos de público. No campo
específico do jornalismo, já no séc. XIX discutia-se a Teoria do Espelho, que via no
jornalista um super-homem com a missão de corrigir as injustiças do mundo a partir da
realidade tal como ela se apresenta. Mas, a quem caberia decidir sobre o Bem e o Mal?
No séc. XX, no contexto da II Grande Guerra, prolifera o conceito de objetividade. Com
a globalização capitalista, surge, na segunda metade do século, a Teoria da Ação Social
que caracteriza a intencionalidade do gatekeeper como responsável pela seleção das
notícias. Na mesma época, a Teoria Organizacional
estudava
a conformação ou
adaptação "natural" do jornalista à política editorial do veículo onde trabalha, sem
questionamento. Mas é nas décadas de 1960 e 1970 - coincidindo com o crescimento da
conscientização ambientalista - que aparece a Teoria da Ação Política, segundo a qual é
a sociedade quem deve decidir como quer as notícias. Esse retorno, ou feed-back, chega
aos veículos através dos seus institutos de pesquisa, permitindo a "reorientação" do
veículo. Essa "reorientação", ou correção de rumo, está prevista na Teoria Geral dos
20
Sistemas que comporta três movimentos básicos: entrada (captação), estabilização
(processamento) e saída (publicação). O feed-back incidirá na melhoria da qualidade do
processamento da informação. Essa importância estratégica do receptor está consagrada
na Teoria Estética da Recepção, em Hans Robert Jauss (1994).
A abordagem sistêmica é operada, no jornalismo, através
dos vários gêneros que organizam a mensagem jornalística segundo seu objetivo de
informar, opinar, interpretar ou divertir. Os gêneros, destacando-se a modalidade do
Jornalismo Literário Avançado e as técnicas de entrevista, são apresentados como as
"ferramentas do sistema" no Capítulo 5. Destaque, também, para a construção de perfis
(com Sérgio Vilas Boas), enquanto o estudo da entrevista está baseado em Cremilda
Medina e a discussão sobre Jornalismo Literário Avançado apoia-se no próprio autor da
proposta, o professor Edvaldo Pereira Lima, os três da ECA-USP.
Outra ferramenta indispensável para o jornalista é a
Fotografia. Por isto o Capítulo 6 trata do fotojornalismo aplicado ao noticiário
ambiental. Este capítulo foi estruturado a partir de uma pesquisa sobre a cobertura da
Semana Nacional do Meio Ambiente de 2004 pelo maior jornal do país, a Folha de S.
Paulo. O que se discute é se a fotografia deve "documentar" ou apenas "ilustrar" as
notícias. Para realçar a estética da imagem é ético "corrigir" digitalmente a foto como
aconteceu no atentado ao metrô de Madri em setembro de 2004? Autores como Boris
Kossoy, Roland Barthes, Pierre Francastel ajudam a esclarecer essas questões
fundamentais no âmbito da comunicação não verbal. Por sinal, uma foto vale por mil
palavras? Novamente aqui insiste-se na importância do ensino de jornalismo com
qualidade e aprofundamento ético na Universidade.
A pesquisa quantitativa, que subsidia esta obra, está no
Capítulo 7. Através da Análise de Conteúdo (Bardin, 1952) - que abrange os estudos de
Jornalismo Comparado, Núcleo de Estudos da ECA-USP ao qual este trabalho está
filiado - e do Modelo de Bauer (2002), foram estudados, de janeiro a julho de 2005, 27
edições dominicais do maior jornal do país, a Folha de S. Paulo (aqui denominado Jornal
n. 1) e igual número de edições de um jornal diário do interior de São Paulo, o Jornal da
Cidade, de Bauru (aqui denominado Jornal n. 2). A pesquisa comprova a indiferença dos
jornais com o potencial educativo das mensagens em relação ao meio ambiente e,
especificamente, ao consumo sustentável. Também é praticamente nulo o espaço do
consumidor/receptor na produção de matérias ambientais. O levantamento ainda mostra
21
a falta de abordagem crítica das notícias, isto é, não há preocupação em explicar as
causas e as conseqüências das informações veiculadas. Foram estudadas 120 matérias
do Jornal n. 1, no total de 22.061,5 centímetros de coluna, e 100 matérias do Jornal n. 2,
no total de 24.012 centímetros de coluna. Os dois jornais foram analisados quanto a:
volume de publicação (Quadro 1), categorias veiculadas (Quadro 2), valorização visual
(Gráfico 1), gêneros (Gráfico 2), formato editorial (Quadro 3), fontes principais
(Gráfico 3), intermediário da notícia (Quadro 4) e vinculação geográfica (Quadro 5).
Novamente o capítulo remete a questão para a necessária formação ética e sistêmica que
possa romper os paradigmas tradicionais do racionalismo reducionista e da fria
objetividade observados nos jornais.
Para propor a indispensável ruptura da objetividade,
decidimos organizar o Capítulo 8 a partir de uma pesquisa qualitativa entre os estudantes
de jornalismo. Foram distribuídos formulários no I Congresso Brasileiro de Jornalismo
Ambiental, realizado no SESC de Santos entre 12 e 14 de outubro de 2005, com a
participação deste pesquisador na organização do evento e na seleção dos Trabalhos de
Conclusão de Curso-TCCs, apresentados, mas o retorno foi insignificante. A maior parte
dos alunos que responderam ao questionário (cuja íntegra está no Anexo F desta obra) é
da Unesp/Bauru. A intenção era saber o que pensam os alunos sobre o tema meio
ambiente e como vêem o jornalismo ambiental que ainda é uma novidade na maioria das
universidades brasileiras. Através da subjetividade espontânea da maioria das respostas,
foi possível constatar que os alunos ressentem-se da falta de uma formação sistêmica
capaz de libertá-los das amarras impostas pelo sistema tradicional, à luz da crítica que se
faz ao modelo compartimentalizado do ensino acadêmico, como se pode observar em
destacados autores citados no capítulo como Edgard Morin (2002) e Paulo Freire (2005),
entre outros.
Feita
a
pesquisa
quantitativa
sobre
o
mercado
convencional do jornalismo e ouvidas as aspirações dos estudantes de jornalismo, foi
possível, então, ir além das constatações, até certo ponto naturais, para mostrar como se
pode fazer um outro jornalismo, rompendo a objetividade. Este é o tema do Capítulo 9
que apresenta modelos produzidos por estudantes da Unesp na fase de conclusão do
curso, com ênfase para o Jornalismo Literário Avançado, uma ferramenta que se adapta,
como uma luva, ao jornalismo ambiental, por suas características de envolvimento
profissional com a fonte - mediante entrevistas de imersão -, de investigação
22
aprofundada e de criatividade na narrativa sempre a partir do fato real, com direito a
entrevistar e escrever sob impacto de forte emoção. Os textos citados como modelares
neste capítulo são de alunos que tiveram a ousadia de sair do lugar comum. Uma aluna única que não é da Unesp - dá voz ao rio de sua cidade e com isto "escandaliza" o editor
ao "convidar" o rio para sentar-se numa roda de bar entre outros moradores antigos do
lugar. A partir daí o rio fala, pensa, faz gestos...(Recusando-se a publicar a matéria, o
editor asseverou: "as pessoas não vão entender isto"). Outra aluna foi ao encontro dos
moradores de rua de São Paulo, convivendo em dezenas de horas de entrevistas com os
usuários de um albergue, sem pressa, para compreender a alma das pessoas que ela
descreve, respeitosamente, como "em situação de rua". Não consegue evitar as lágrimas
com as histórias que ouve e acaba chorando junto com o entrevistado, tamanha a dor dos
excluídos. ("As pessoas mudam de calçada quando nos avistam porque temos
dificuldade para tomar banho", lamentou-se um deles). A terceira aluna citada como
modelo foi parar no meio da mata para testemunhar como os mateiros lidam com a
natureza, com os animais silvestres, os passarinhos, imitando o som deles para atraí-los
numa reserva ambiental. Descreve a emoção de abraçar uma árvore, o acolhimento
respeitoso da gente simples que lhe deu pouso e comida durante os dias da reportagem.
O quarto trabalho vem de um presídio onde os preconceitos cedem lugar ao
reconhecimento do talento, da emoção e da grandeza que também existem no coração
de pessoas que erraram e que querem dar a volta por cima e que têm esse direito. São
histórias que falam de gente e não de números ou de estatísticas. São histórias onde o
coração abre passagem para a emoção e a diferença. São histórias apuradas e escritas
sem pressa, sem frieza, sem distanciamento, sem objetividade. E também sem
imparcialidade, pois há momentos em que é necessário assumir atitudes e deixar de lado
a suposta neutralidade para denunciar as injustiças. Por isto Marx diz que os filósofos
analisaram o mundo, mas chegou a hora de transformar o mundo. Já não basta "pensar"
com Descartes para existir, para não ser "mais um jornalista", é preciso escolher, optar,
sentir a dor do outro. Isto é jornalismo humanista.
O último Capítulo ( o 10 ),
tem a missão de expor, a partir de tudo o que foi visto antes, o principal objetivo desta
obra que é a proposta de educação ambiental integrada e permanente através do
jornalismo. O capítulo detém-se na fundamentação do conceito de integração e em
seguida relata exemplos concretos nos quais a integração ajuda a mostrar o mundo de
23
outra forma, a partir de uma cultura de paz, seja em regiões de conflito internacional,
seja nos exemplos de livros-reportagem produzidos pelo Projeto São Paulo de Perfil, sob
a coordenação de Cremilda Medina, na ECA-USP, ou nas atividades de jornalismo
ambiental de Ilza Girardi Trourinho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, seja
na integração dos comerciantes com as comunidades carentes através da pedagogia
cidadã presente no Projeto Mesa Brasil. A idéia de integração também é analisada no
âmbito do Ministério do Meio Ambiente, através da proposta de Educomunicação que
reconhece a necessidade de um jornalismo mais envolvido com o meio ambiente e a
educação popular, concluindo com a necessidade de ampliar os exemplos já citados e
inaugurar uma parceria permanente entre todas as entidades envolvidas e a sociedade,
com intensa participação popular, nos moldes da Agenda-21, emanada da Rio-Eco-92.
Entre os objetivos desta pesquisa avultam o de propugnar
pelo ensino de jornalismo com qualidade; a introdução do ensino de jornalismo
ambiental em todas as Universidades do país; a preparação de profissionais conscientes
e sensíveis aos problemas sociais e ambientais; a modificação da linguagem jornalística
de modo a introduzir um viés educativo para toda a cidadania no que se refere ao meio
ambiente, aqui exemplificado no "consumo sustentável"; a integração das mídias com as
Universidades e os poderes públicos para despertar na sociedade um sentido maior de
participação e de responsabilidades individual e coletiva pela sustentabilidade da vida no
planeta e um engajamento pessoal do jornalista, primeiro como estudante, logo depois
como profissional e como cidadão, nas ações pró-ativas a favor da causa ambiental.
Nossa esperança é que as informações contidas neste
trabalho possam ter alguma utilidade para os estudantes. Pretendemos atrair a atenção
deles para o problema ambiental a partir de um posicionamento crítico. Queremos que
eles estudem a abordagem sistêmica para estabelecer as necessárias relações entre os
fenômenos que testemunharão como jornalistas. Para que possam ser cidadãos de fato e
possam produzir suas matérias com ética, garra, emoção e criatividade.
24
RESGATE HISTÓRICO
1.
Antecedentes
2.
Ecologia Profunda
3.
Ecologia e Ética
4.
Abordagem Estética
25
Capítulo 1
RESGATE HISTÓRICO
A terra está de luto e todos os seus habitantes perecem.
Os animais selvagens, as aves do céu e até mesmo
os peixes do mar desaparecem
(OSÉIAS 4,3)
1. Antecedentes
Apesar da proximidade histórica, ainda presente na mídia e
na história do movimento ambientalista internacional, o problema do relacionamento
homem-natureza não pode ser datado a partir da fermentação político-cultural que culminou
com a revolta dos estudantes em Paris em 1968 (ano em que a ONU realizou, também em
Paris, a Conferência da Biosfera) e com o fim da guerra do Vietnã em 1975. Também não se
pode fixar como marco inicial a primeira conferência da ONU para o meio ambiente
realizada em Estocolmo em 1972. Certamente, se buscamos uma visão crítica do processo
de desenvolvimento que conduziu o mundo à situação caótica de nossos tempos, devemos
indagar sobre as razões de tamanho desatino, sobre as causas que originaram esse status
quo. Com efeito, foi a Revolução Industrial, que marcou a transição entre a sociedade
agrícola-artesanal
do Séc. XVIII
para a sociedade urbano-industrial, que alterou
profundamente as relações de produção, exatamente entre 1750 e 1830. Isto se tornou
possível a partir da mais radical manifestação contra o feudalismo que foi a Revolução
Francesa, de 1789/1794. Com os grandes descobrimentos e, em função deles, a formação
do mercado mundial, teve início o maior processo de globalização da história recente. A
burguesia nascente apoiou inicialmente o desenvolvimento das artes, favorecendo a pesquisa
e as invenções do Século das Luzes (Séc. XVIII) quando o poder da Razão se instalou nas
ciências (Racionalismo) e todo o conhecimento passou a ter uma finalidade prática, voltado
26
para o admirável mundo novo que então surgia, com promessa de vida nova para todos os
que aderissem e apoiassem as teses do capitalismo.
Mas, como num conto de fadas com sinal trocado, as
oportunidades que surgiram com o novo sistema não eram para todos. Pelo contrário, o que
era de todos ou estava à disposição de todos – como a água, a energia, as florestas, as praias,
os recantos naturais, a terra, os rios e mares, afinal, a natureza – passou a ter dono. Agora a
água gera energia e ambas são comercializadas. A terra ampla que poderia matar a fome de
tantos, está improdutiva no latifúndio. As praias estão cercadas por condomínios de luxo ou
por hotéis 5 estrelas. As florestas e o cerrado dão lugar à monocultura da soja ou à
pecuária...a concentração da renda, a acumulação do capital vão gerando a injustiça que
resulta na fome, na miséria, na violência, no desemprego, na infelicidade.
O estudo de antigos textos, entretanto, pode nos levar a
recuar ainda mais no tempo e no espaço em busca da preocupação do homem com a
natureza. 4 Já nos tempos bíblicos, por exemplo, a preocupação com o domínio da terra e
com a arte de cuidar dos rebanhos é causa de guerras encarniçadas. Talvez por ler a Sagrada
Escritura ao pé da letra, adaptando-a aos seus interesses imediatos, é que o homem passou a
destruir aquilo que devia preservar. No Livro das Origens, o Gênesis, não está escrito em
nenhum lugar que o homem deveria destruir a terra e apropriar-se dela com esperteza. Pelo
contrário. Está escrito: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine
sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a
terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra”. (Gen. 1,26). Logo em
seguida, disse Deus ao homem: “Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a.
Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se
arrastam sobre a terra...eis que vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas
as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que vos sirvam de
alimento” (Gen.1, 28-29).
Os termos imperativos “reinar”, “submeter” e “dominar” –
aqui grifados – devem ser relacionados com as categorias “doar” e “alimento”. A criação é
uma dádiva para o alimento do homem, isto é, para a sua felicidade. Como bem lembra
4
O último grande filósofo da Natureza foi Demócrito (460 - 370 a C), natural da cidade portuária de Abdera,
na costa norte do mar Egeu. Achava que todas as coisas eram constituídas por partículas minúsculas
chamadas átomos. Mas seriam indivisíveis e diferentes para, combinados, gerarem a transformação. Era uma
Teoria Atômica semi-perfeita. Hoje a ciência mostra que os átomos podem ser divididos em partículas ainda
menores, ou elementares: prótons, nêutrons e elétrons.. Mas a ciência acha que deve haver um limite para tal
divisão. Cf. GAARDEER,1995, p. 57.
27
Leonardo Boff, 5 em nenhum momento Deus “vendeu” a terra, nem passou escritura para uns
em detrimento de outros. A criação é para todos os homens, para que, usando-a com bom
senso, possam crescer e se multiplicar.
No entanto, a história do Antigo Testamento é uma história
de guerras e de lutas pela conquista da terra. Já no cap. 6 do Gênesis, vendo a ganância e a
maldade dos homens, Deus se arrepende: “Exterminarei da superfície da terra o homem que
criei, e com ele os animais, os répteis e as aves dos céus, porque eu me arrependo de os
haver criado”. (Gen. 6-7). Noé, entretanto, encontrou graça aos olhos do Senhor.
Percebemos que a centralização da história humana nos
interesses do próprio homem - escolha que lhe foi possível pelo livre-arbítrio – gerou uma
distorção no mandamento inicial da preservação para a vida. O que era dádiva, o homem
transformou em propriedade. Excluiu o que não servia aos seus propósitos imediatos, tanto
outros homens, como os bens naturais. Feriu, matou, destruiu, transformou amor em ódio. A
figura do dilúvio poderia ser vista como uma necessidade de reequilíbrio do sistema, uma
tentativa de zerar tudo para começar outra vez. Apesar de todo o mal, há sempre um
princípio de bondade suprema – ou cósmica, como preferem os agnósticos - oferecendo à
vida terrestre uma nova chance. Isto já ocorreu outras vezes, como nas Eras Glaciais entre
os períodos pré-cambriano e paleozóico em que grande parte da superfície da terra cobriu-se
de espessa camada de gelo. 6 O homem, que surgiu no Pleistoceno, como ancestral do atual
homo sapiens, sobreviveu, a duras penas, às glaciações do período, mesmo sem
compreender esse fenômeno de reciclagem da terra. Ainda hoje, com tanta informação
disponível, as pessoas descrêem dos cientistas ambientais, como na época de Noé, ignorando
os que manifestam preocupação com o futuro da humanidade diante de tanto descaso com a
natureza.
Mas os períodos glaciais são uma realidade e eles não
ocorrem por acaso, ainda que não estejam bem explicadas as várias teorias sobre a
5
"A Terra é paisagem, é fala, é mensagem que podemos escutar. A Terra também somos nós mesmos, os
seres humanos [...] O valor supremo é preservar este planeta - e só temos este - porque ele está
profundamente ameaçado e não temos uma Arca de Noé que salve alguns desta vez e deixe perder os outros.
Esta é a base para qualquer outro valor. O segundo valor é preservar a família humana, a espécie humana,
junto às demais espécies, e garantir as condições para que ela subsista e continue a desabrochar, a
desenvolver-se. São os dois valores supremos de uma ética planetária, terrenal." Cf. entrevista de Leonardo
Boff à Revista Caros Amigos. São Paulo, set. 1998.
6
A era glacial mais estudada foi a que ocorreu no período Quaternário e se estendeu por boa parte do
Pleistoceno – quando as geleiras chegaram a cobrir cerca de um terço da superfície terrestre - encerrando-se
há cerca de 10.000 anos, já no Holoceno, conforme estudamos na Geografia.
28
ocorrência do fenômeno. Para alguns estudiosos, as glaciações resultam de variações na
irradiação de energia solar sobre a Terra. Outros a atribuem a deslocamentos do eixo
terrestre. Para outros é a deriva dos continentes, movidos pelas placas tectônicas, que
provoca as alterações climáticas. Uma quarta teoria dá conta que o pó vulcânico em
suspensão na atmosfera reduz a quantidade de calor solar sobre a superfície do planeta.
Com muita razão podemos temer que o homem não tenha
tanta sorte como em períodos glaciais anteriores, se considerarmos a somatória de fatores
que parecem confluir, paulatinamente mas em progressão continuada, para o novo ciclo de
ajuste do ecossistema mundial. Não podemos esquecer que foi a quantidade de gás
carbônico presente na atmosfera que levou à última glaciação. Hoje, o efeito estufa é
preocupação universal e todos os governos se mobilizam para atender à Convenção do
Clima assinada por dezenas de países representados na Rio Eco-92, sob os auspícios da
ONU, depois consubstanciada no Protocolo de Kyoto. Mas só há pouco a Rússia aderiu ao
Protocolo, enquanto nos EUA, dez Estados invocaram o Pacto Federativo pelo direito de
aderir à luta a favor do clima, contrariando o governo Bush que reluta em reduzir os níveis
de lançamento de CO2 na atmosfera alegando que isto implicaria em prejuízos para a
economia americana.
Com a instantaneidade da notícia em tempo real, que é uma característica da
sociedade da informação, tomamos conhecimento de todas as catástrofes ambientais no
instante mesmo em que elas estão ocorrendo. Embora de modo insuficiente, a cobertura da
mídia chega acompanhada de explicações das ciências sobre as origens dos fenômenos.
Assim foi no caso da movimentação das placas tectônicas que provocou o maremoto na Ásia
matando mais de 300 mil pessoas em dezembro de 2004. A força do impacto levou a
conjecturas sobre o deslocamento do eixo da Terra. Muitos vêem nos verões europeus cada
vez mais quentes, nos invernos tropicais com dias de verão, em furacões como o Katrina que
destruiu Nova Orleans e arrasou Estados inteiros no sul dos EUA em agosto de 2005, ou
nos efeitos do fenômeno El Niño, com tantos desastres e inundações, uma manifestação
clara de que algo muito grave está acontecendo com o clima. Por isto, estudar o passado,
compreender o equívoco humano de centrar sua razão de ser apenas na acumulação de bens,
gerando exclusão e miséria, é fundamental se queremos educar e conscientizar as pessoas na
direção de um novo comportamento ambiental, de um novo modo de vida, mais solidário,
mais assentado no “ser”, no respeito às diferenças, na aceitação e na tolerância. A Terra não
29
é uma propriedade particular de alguns. 7 Ela não existe em função do homem. Ela existia
antes e tem meios de se auto regular para assegurar sua continuidade. É o homem que deve
se adaptar à Natureza e não o contrário. 8 Se não compreender isto, o homem será
“dispensado” pelo sistema em sua monumental e indomável marcha configurada na
expansão cósmica entrevista por Einstein.
Outra abordagem histórica que podemos analisar para compreender a questão
ambiental pode tomar como base os interesses da geopolítica humana. Do mesmo modo que
assistimos hoje ao desinteresse da maior potência nas questões ambientais - já que só a
hegemonia militar lhe interessa – também vimos no período das grandes descobertas como a
preocupação única era incorporar novas terras com suas jazidas, florestas e povos. A lei do
canhão interpretou ao pé da letra o princípio da dominação e a própria cruz do Crucificado símbolo de perdão, aceitação e paz – foi usada a serviço do poder temporal para reduzir e
desbaratar culturas autóctones em sua riqueza de variedade e diversidade.
A violência da dominação colonialista 9 desconfigurou o equilíbrio sistêmico
entre o índio e a natureza e entre as tribos. A chegada do branco não destruiu apenas a
natureza, também destruiu o elemento humano que estava enraizado nela. A política de
“gastar gente”, como na expressão de Darcy Ribeiro para se referir à utilização de mãode-obra escrava, não gerou o mundo novo e justo imaginado pelo Iluminismo. Gerou o
genocídio racial imposto a toda a América Latina que ainda hoje geme sob os efeitos da
voracidade colonizadora com seus índios morrendo à míngua em reduzidas áreas (inclusive
no Brasil); com seus elevados níveis de mortalidade infantil; com a humilhação da mulher
que se prostitui para alimentar os filhos; com o desesperante desemprego ou sub-salário;
com a violência patrocinada pelo tráfico de drogas; com a injustiça social que reúne em um
só ecossistema urbano o luxo, a miséria e o lixo, com as correntes migratórias
incessantemente procurando, esperançosas, o prometido eldorado; principalmente com a
7
Cf. BOFF, L. Revista Caros Amigos, São Paulo, set. 1998.
"Se considerarmos o tempo decorrido desde a data em que avaliamos o aparecimento do homem (entre
100.000 e 50.000 mil anos atrás ) de 2 a 5% desse tempo são ocupados pelo Homo sapiens e de 0,2 a 0,5%
pela evolução histórica. Ora, só podemos nos assustar com a criatividade e a destruição que se verificaram
nesse breve período" Cf. MORIN, 1975 p. 192.
9
"Todos nós brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós, brasileiros,
somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se
conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também
fomos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada
e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo
exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria".
Cf. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro, 1995, p. 120.
8
30
corrupção crônica que corrói as entranhas do poder e os políticos, para vergonha do país.
Todavia, se do Velho Continente saiu a Parca em seu passeio global, nos
séculos XV e XVI, para semear a morte entre outros povos e outras terras – ainda que tudo
isto tenha sido decantado em verso e prosa de magistral valor artístico 10 , mesmo quando a
arrogante nobreza (como é próprio das elites arrogantes, em qualquer lugar) votou ao seu
Poeta Maior o mesmo desprezo com que tratou as culturas de além mar 11 – também da
Europa vieram os primeiros exemplos de preocupação com a natureza. Antigos documentos
relatam fatos e histórias de vida que se impõem com expressiva e gritante atualidade, 500
ou 800 anos depois.
Há um caso emblemático na Idade Média: 12
Em muitas ocasiões, quando quer significar o grito dos
excluídos contra a exploração e a miséria, o teólogo Leonardo Boff cita o exemplo de um
jovem da Idade Média que ousou romper os paradigmas do seu tempo, contestando o
feudalismo e projetando-se no futuro a partir de um ideal de vida simples e coerente que
logo contagiou a juventude e conquistou grande número de seguidores. Ele fala de Francisco
de Assis (1182-1226), o fundador da Ordem Franciscana, que não quis ser sacerdote,
preferiu ser apenas diácono para ter possibilidade e liberdade para pregar, uma vez que a
pregação era proibida aos leigos, como lembra a Crônica de Frei Jordão de Jano. 13
Filho do comerciante Pietro di Bernardoni, da cidade
italiana de Assis, até os vinte anos Francisco era um jovem como todos os do seu tempo.
Estudava aplicadamente, trajava-se com ricas vestes, freqüentava
festas, saia com os
amigos, participava das guerras regionais, ia às missas e ouvia os sermões. Mas, em 1206,
após uma doença que lhe provocou febre intensa e inexplicável durante alguns dias, sentiu10
Não mais, Musa, não mais que a lira tenho
destemperada e a voz enrouquecida,
e não do canto, mas de ver que venho
cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
não no-lo dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
de uma austera, apagada e vil tristeza
CAMÕES. Os Lusíadas. Canto X-145.
11
Só no final de sua vida, Camões obteve uma “tença” (pensão) real para não morrer de fome. Mas já estava
tão endividado que morreu na miséria e foi enterrado como indigente, em Lisboa, vitimado pela Grande
Peste, em 1579. Não tinha sequer um lençol para amortalhar o corpo.
12
Alguns estudiosos consideram que "o movimento ecológico no mundo teve início na Idade Média, com a
criação das forests - áreas de reserva natural que deram origem às primeiras leis florestais. Com elas a coroa
inglesa obrigava os camponeses a proteger a fauna nativa e seu habitat ". Cf. artigo de Naná Prado: O Meio, o
Ambiente, a Paz. In: www.bonsventos.com.br Acesso em: 19 out. 2005.
13
Citado por STRABELI, 1993, p. 115.
31
se tocado para uma nova vida. Devolveu ao pai – diante do bispo de Assis – até mesmo a
roupa do corpo, anunciando que iria viver com os pobres e os leprosos, porque sentia que só
assim estaria imitando verdadeiramente a vida de Cristo. O episódio causou estranheza e
escândalo. Mas, vivendo como eremita fora dos muros da cidade, já em 1208 Francisco
contava com um grupo de amigos igualmente dispostos a viver na pobreza. Em 1210 a regra
franciscana foi aprovada pelo Papa Inocêncio III e os frades iniciaram a empresa missionária
na Itália, valorizando o exemplo de vida e a penitência como argumentos de transformação.
Em 1212, junto com Santa Clara, Francisco fundou a Ordem das Clarissas. Em 1221 fundou
a Ordem Terceira Franciscana que até hoje congrega leigos casados em uma fraternidade
universal. Seu profundo amor à natureza – que via como manifestação de Deus aos homens
– levou-o à criação do texto que é considerado uma das primeiras manifestações literárias
em língua italiana, o Cântico ao Irmão Sol. Canonizado em 1228, é considerado o patrono
da Itália, ao lado de Santa Catarina de Siena. Foi o criador do Presépio de Natal. É celebrado
a 4 de outubro.
Francisco de Assis obedecia às normas da Igreja, mas
encontrou formas diferentes de pregar o Evangelho, consagrando o princípio latino, segundo
o qual verba movent, exempla trahunt (as palavras comovem, os exemplos arrastam).
Para compreender melhor o grito ecológico que é o Cântico
ao Irmão Sol, é aconselhável traçar o contexto em que Francisco o escreveu. Entre os séc.
XI e XIII – entre as tantas manifestações místicas do período medieval – proliferou na
Europa uma seita herege conhecida como seita dos cátaros que professavam uma forma
maniqueísta de cristianismo. Acreditavam que as belezas da natureza eram uma
manifestação diabólica para desviar os homens do caminho do Bem. Entendiam que os
moribundos deviam ter seu sofrimento abreviado, por isto os sufocavam com almofadas,
motivo pelo qual seus seguidores também eram identificados como “abafadores”.
Francisco opõe a essa visão pessimista, um hino de louvor
às criaturas:
Quero cantar louvores ao Senhor por suas criaturas / louvado sejas, meu Senhor, por todas as tuas
criaturas / que no céu formaste / por nossa irmã e mãe Terra...pela irmã água, a qual é muito útil e
preciosa e casta / louvai e bendizei a meu Senhor e rendei-lhe graças / por nossa irmã e mãe Terra, que
nos alimenta e governa e produz variados frutos e coloridas flores e ervas / louvado sejas, meu Senhor,
pelo Irmão Sol / pela irmã Lua e as estrelas / louvado sejas, meu Senhor, por todas as tuas criaturas /
louvado sejas, meu Senhor, por todos aqueles que perdoam pelo teu amor. (STRABELI, 1993., p.19).
32
O cântico expressa mais uma experiência íntima, espiritual,
do que uma cosmologia. É a experiência da fraternidade entre os homens e os elementos
cósmicos. É a experiência da reconciliação do homem consigo mesmo e sua abertura ao ser
que é pleno. O hino canta a comunhão com a natureza, portanto é um hino de louvor. São
Francisco não fica nas coisas da natureza, mas, por elas, alcança o Criador (STRABELI 1993,
p. 115).
14
O sentido é que para ultrapassar as preocupações terrenas,
os interesses imediatos e atingir a Deus, o homem deve viver o perdão e a paz. No entanto,
se deixar que suas “instâncias econômicas” – como classifica Marx – ditem os rumos de sua
vida, o homem caminhará em direção oposta, para a guerra, a competitividade, a exclusão, o
individualismo, o desenvolvimento a qualquer preço, a destruição da própria nave cósmica
que o acolheu dadivosa há apenas 50 mil anos (homo sapiens), o que é bem pouco tempo
para tanta destruição, se considerarmos que a vida surgiu no planeta há 2 ou 3 bilhões de
anos e a própria Terra teria se formado há 5 ou 6 bilhões de anos, como revela a ciência. 15
Embora a manifestação franciscana seja a mais lembrada,
há outros exemplos, na Igreja, em que santos e ascetas contemplaram a face do Criador na
criatura: “Os animais e os seres do reino mineral Vos louvam pela boca daqueles que o
consideram” [aqui no sentido latino de refletir, meditar, ponderar] afirma Santo Agostinho
(354-430). Filho de Santa Mônica, quando jovem de 19 anos e irrequieto como Francisco,
deixa Cartago, ao norte da África, e vai para Roma estudar Direito e ensinar Retórica, no
séc. IV, travando enorme batalha entre permanecer com os amigos maniqueístas 16 ou
consagrar-se totalmente a Deus, como fará depois dos 30 anos, com a ajuda do sábio bispo
de Milão, Santo Ambrósio.
14
Cf. STRABELI, 1993, p. 19.
Universo
7 bilhões de anos
Antropóides
- 10 milhões de anos
Terra
5 bilhões de anos
Homínidas
- 4 milhões de anos
Vida
2 bilhões de anos
Homo Sapiens
- 100.000 a 50.000 anos
Vertebrados
600 milhões de anos
Cidade Estado
- 10.000 anos
Répteis
300 milhões de anos
Filosofia
- 2.500 anos
Mamíferos
200 milhões de anos
Ciência do Homem - 0
Cf. MORIN, 1975, p. 7.
16
A Seita dos Abafadores, ou cátaros, que era comum no tempo de São Francisco, teve origem em outro
movimento bem anterior que sobreviveu até o séc. XIII. Era o “maniqueísmo”, sistema religioso dualista
fundado pelo sábio Mani, no séc. III, segundo o qual o mundo é dominado por dois princípios antagônicos: o
Bem e o Mal, Deus e o Diabo. Era um amálgama de idéias orientais incluindo Budismo, Cristianismo,
Gnosticismo, Mitraísmo e, sobretudo, Zoroastrismo. Em sua cosmogomia da salvação, o homem teria sido
criado por Satã, mas trazia em si partículas de luminosidade divina que tinham de ser liberadas. Isto explica
porque, ao se converter, Agostinho proclamará que o homem, feito por Deus à sua imagem e semelhança, é
“todo bem”.
15
33
Em sua dúvida existencial, no âmago do processo de
conversão, Agostinho sentir-se-á impactado pela expressividade da natureza. Seu louvor às
criaturas, como em Francisco, é a manifestação de seu louvor a Deus, inspirado no salmo 143:
Os dragões da terra e todos os abismos, o fogo, o granizo, a neve, a geada, o vento das tempestades que
executam as Vossas ordens; os montes e todas as colinas; as árvores frutíferas e todos os cedros; os
répteis e as aves que voam; os reis da terra e todos os povos; os príncipes e todos os juizes da terra; os
jovens e as donzelas, os velhos e os mais novos louvam o Vosso nome”. (SANTO AGOSTINHO,
Confissões, 1988, p. 156).
Para continuar, com bom êxito, esta reflexão, devemos nos
lembrar que a filosofia medieval ostenta duas ramificações fundamentais: a patrística e a
escolástica. A primeira inicia-se no período decadente do Império Romano, no séc. III. Os
Padres da Igreja (Clemente de Alexandria, Orígenes, Tertuliano - principalmente Santo
Agostinho, figura principal da patrística, bispo de Hipona) tinham a preocupação principal
de relacionar fé e ciência, a natureza de Deus e da alma, a vida moral. A escolástica é a
especulação filosófico-teológica que se desenvolve do séc. IX até o Renascimento. Tem este
nome porque surgiu nas escolas monacais fundadas por Carlos Magno no séc. VIII, origem
das universidades (de Paris, Bolonha, Oxford etc) que, a partir do séc. XI, passam a fecundar
toda a Europa com a reflexão filosófica, surgindo, então, no séc. XII, as traduções dos
clássicos como Arquimedes, Hero de Alexandria, Euclides, Aristóteles e Ptolomeu. Santo
Tomás (1225-1274), na Suma teológica, recupera o texto original de Aristóteles que antes
passava por traduções árabes onde adquiria contornos panteístas. Com Aristóteles
cristianizado, surge a filosofia aristotélico-tomista, 17 que valoriza o conhecimento teórico
em detrimento das atividades práticas. É um contexto em que o modo de produção feudal
conduz ao desprezo pelo trabalho manual na gleba e à valorização do nobre guerreiro que
tem direito ao ócio com dignidade.
Do séc. XIV em diante a escolástica vai cedendo lugar a
posturas dogmáticas, contrárias à reflexão, que desembocam no período negro do Santo
Ofício, do index librorum prohibitorum ("lista dos livros proibidos"), do Nihil obstat ("nada
impede"). É a fase do magister dixit (“o mestre disse”) e ponto final. São deste período os
processos condenatórios - que levariam o papa João Paulo II a pedir perdão à humanidade
500 anos depois - como a condenação de Galileu (1564-1642) que se viu obrigado a abjurar
17
Cf. ARANHA & MARTINS, 1995, p. 143
34
o heliocentrismo para não ter o mesmo destino trágico de Giordano Bruno, queimado
vivo no séc. XVI por ter defendido a infinitude do universo e tê-lo concebido não como um
sistema rígido de seres articulados em uma ordem dada desde a eternidade (imutabilidade),
mas como um sistema em permanente transformação. 18
Esta leitura que fazemos, através dos tempos, para
identificar o contra-ponto filosófico entre homem/Deus, natureza/Deus, ciência/fé não tem
como escapar da abordagem religiosa, como se vê, porque é no âmbito da filosofia religiosa
que germinam os fundamentos da própria ciência, vista como saber matemático por
Descartes, como conhecimento intuitivo por Espinosa (“da idéia adequada da essência de
alguns atributos de Deus, procede-se ao conhecimento adequado da ciência das coisas”), 19
como “sistema” por Kant (a unidade sistemática) e por Fichte (a unidade no todo). Talvez
possamos concordar, a partir deste olhar, que os movimentos atuais de protesto contra as
agressões à natureza foram precedidos de outros “gritos” que surgiram, também no
Renascimento, quando a visão antropocêntrica do mundo foi reafirmada através do
questionamento do poder da Igreja, reiterando-se a idéia de que o homem podia controlar tudo
com as próprias mãos.
Se o brado de Agostinho era uma conscientização contra os
riscos do maniqueísmo, se a crítica de Francisco, apesar de eficiente, evitava o confronto
direto com a ordem eclesial e com a "Santa Igreja Romana" (expressão literal com que
Francisco se referia ao que hoje conhecemos como Vaticano) 20 , outros foram bem mais
diretos e veementes, já no contexto da reforma protestante 21 que levaria a Igreja a rever
posições. Paradoxalmente foi um dos maiores nomes do humanismo renascentista, Erasmo
de Rotterdam (pseudônimo de Desiderius Erasmus:1469-1536), que elaborou uma das
grandes peças de acusação contra a arrogância humanista de querer saber tudo e tudo poder.
Padre Erasmo foi um ácido crítico do poder eclesiástico e compartilhava as idéias humanistas do final
do séc. XV. Não se priva, contudo, de ridicularizar a aura divina de que os sábios, filósofos e sacerdotes
se revestiam através dos tempos. Em 1509, Erasmo vai à Inglaterra e, convalescente de crises renais
constantes, hospeda-se na casa de Tomas Morus, outro nome cardeal do humanismo renascentista e que
publicaria, em 1516, um dos documentos referenciais da luta histórica pela liberdade: A Utopia. Na
casa de Tomas Morus, Erasmo redige o Elogio da Loucura, no qual ironiza de forma demolidora para a
18
Cf. id. ibid., p. 146
19
Cf. ABBAGNANO, 2000, p. 137
20
Nos textos franciscanos nunca é nomeado o Vaticano pois é um epônimo posterior ao Santo. São Francisco
de Assis usava a expressão "O Senhor Papa" ou "A Santa Igreja Romana"(Explicação pessoal de Strabeli).
21
Para Hegel, "é a Reforma e não o Renascimento que deve ser descrita como ´o sol que a tudo ilumina´. A
Reforma resultou da corrupção da Igreja, através do comércio de indulgências plenárias (perdão dos pecados,
salvação eterna), [numa espécie de coisificação ou reificação do transcendente]. Cf. SINGER, 2003, p. 33.
35
época a aura divina auto-atribuída pelos sábios e filósofos. Com séculos de antecedência, ele fulmina a
ordem industrial-tecnológica: "Digamos, pois, francamente, que a ciência e a indústria se introduziram
no mundo com todas as outras pestes da vida humana, tendo sido inventadas pelos mesmos espíritos que
deram origem a todos os males, isto é, pelos demônios, que, por sinal, tiraram da ciência o seu nome". E
mais: "[...]afirmo que os que se aplicam ao estudo das ciências estão muito longe da felicidade e são
duplamente loucos, porque, esquecendo-se de sua condição natural e querendo viver como outros tantos
deuses, fazem à natureza, com suas máquinas de arte, uma guerra de gigantes". (MARTINS, 1991, p. 46
- 47). 22
Essa desconfiança de Erasmo em relação à ciência e ao
racionalismo em geral, ajuda-nos na compreensão de que nem só o homem é senhor de
direitos na natureza. A própria natureza tem direitos por si mesma, são os chamados
“direitos intrínsecos”, algo que em nossos dias alguns classificam como “loucura”, 23 sem
elogio, mas outros, tão sábios quanto sensíveis às questões da nova era, chamam de
“ecologia profunda”. São pessoas que se debruçam sobre o entendimento da unidade
sistêmica, da unidade no todo, da interdependência orgânica do sistema único formado pelo
binômio homem/natureza. A unidade estaria consubstanciada já na concepção da própria
Santíssima Trindade, o que nos permitiria contemplar, filosoficamente, a “face feminina” de
Deus, neste mundo historicamente machista, como estudamos em BOFF (1987:p. 283):
A humanidade, como masculino e feminino, foi criada à imagem e semelhança do Deus tri-uno. O
masculino e o feminino encontram sua última razão de ser no mistério da comunhão trinitária. Embora a
Trindade seja transexual, podemos falar em forma masculina e feminina das divinas pessoas. Assim
podemos dizer Deus-Pai maternal e Deus-mãe paternal (BOFF, 1987, p. 283).
A união profunda que leva todas as coisas à correlação
mútua, integrando inumeráveis sistemas abertos em permanente interatividade, no cosmo e
na terra, por todo o universo, pré-existe, portanto, já no conceito de Criador e criatura. Agora
podemos examinar as relações das criaturas entre si.
22
MARTINS, 1991, p. 46 - 47
Além de Erasmo, outros grandes nomes se ocuparam da loucura. Em 1880, ao escrever Aurora, Nietzsche
afirmou no parágrafo 14: " Através da loucura vieram os maiores bens à Grécia ", disse Platão com toda a
velha humanidade... Para todos aqueles homens superiores que foram irresistívelmente impulsionados a
quebrar o jugo de toda convenção e fazer novas leis, não havia alternativa, se não eram realmente loucos
[grifo de Nietzsche], a não ser fazerem-se de loucos. Cf. HAYMAN, R. NIETZSCH e suas vozes, 2000, p.
23
36
2. Ecologia Profunda
A crítica ao antropocentrismo está presente em outros textos
do séc. XVI, quando já se advogava o direito intrínseco dos animais e até mesmo de seres
considerados inanimados como as rochas, ilhas, florestas etc, numa atitude legal (em alguns
países) que já prefigurava a base da chamada “ecologia profunda” ou “ecologia radical”.
Segundo tal conceito, como entendido hoje, tratava-se de demonstrar que se o homem
continuar levando em conta apenas os seus interesses, isto é, se a sua relação com a natureza
considerar as criaturas tão somente em função do bem-estar do próprio homem, logo os
recursos irão se exaurir e o desequilíbrio do sistema ameaçará a vida. Além do manifesto
franciscano nos primeiros séculos do segundo milênio, outros documentos anteriores à
Revolução Industrial intuíam a necessidade de um respeito profundo aos bens naturais, de
modo que fossem usados com bom senso, parcimônia e critério, apenas para manutenção da
vida e não para causar morte e destruição. Desta forma, a natureza tem direito à própria vida
e à intocabilidade a partir dela mesma, por sua anterioridade histórica ao homem sobre a
face da Terra, por sua função vital de manter o equilíbrio do sistema, por sua destinação de
assegurar a continuidade da vida ao fornecer os insumos e recursos consubstanciais à própria
vida. Logo, seria apenas um ato de inteligência humana respeitá-la. Mas não foi o que
ocorreu desde o Cântico ao Irmão Sol. Hoje, seria algo estranho render louvores à água
fétida e negra do Rio Tietê – pelo menos no trecho da capital – enaltecendo-a como “irmã
casta e pura”, embora ela continue sendo, mesmo poluída, “preciosa e útil”. Mas se houve
um crime contra a natureza, não se pode culpar a água, que antes da explosão imobiliária e
da chegada dos esgotos industriais era usada até mesmo para campeonatos de remo ou
passeios turísticos. Do mesmo modo, quando uma chuva mais forte inunda as avenidas
marginais e as baixadas, não temos o direito de nos aborrecermos com o Tietê, pois o rio
não transborda, ele apenas volta para o seu leito natural formado pelas antigas várzeas,
agora transformadas em cidade de pedra a partir de uma ótica que privilegia o lucro. Pode-se
dizer o mesmo a respeito do direito dos cavalos e bois de não serem constrangidos
fisicamente para proporcionarem lazer ao homem nos rodeios e na vaquejada; ou o direito
que têm os galos de briga a não se auto destruírem nas rinhas para as apostas humanas; ou o
direito do ganso a não ser alimentado à força para que seu fígado fique mais fluído e
proporcione um foie-gras mais saboroso. E o caranguejo, siri, lagosta, que são cozidos
vivos?
37
Afigura-se-nos “escandaloso” pensar deste modo nestes
tempos pós modernos. Quando as associações protetoras dos animais conseguem uma
liminar para impedir um rodeio, surgem acirradas polêmicas na imprensa do interior do
Brasil. Certamente era mais “normal” tratar dos direitos intrínsecos da natureza, como
símbolo de respeito à vida, num período da história humana em que os bosques tinham alma,
a natureza era um mistério, o desconhecido estava encoberto pelos véus do respeito místico
e a imaginação das crianças era embalada pelos contos de fadas, duendes, a floresta de
Robin Hood em Nottingham...a sagrada luta em defesa dos excluídos, dos pobres, do bem...
Tudo isto foi rasgado e racionalizado depois que o anjo conversou com Descartes “ontem à
noite” 24 como sempre lembra o professor Barco em suas aulas na ECA/USP e nas palestras
sobre educação matemática por todo o país.
De qualquer forma, embora ainda pareça uma pregação
vazia, como foi, antes, a luta que aboliu a escravidão no Brasil, a ecologia profunda vai
conquistando mentes e corações. Um de seus eminentes defensores é o professor Luc Ferry,
doutor em filosofia e ciências políticas da Universidade de Caen-França. Ele publicou, em
1994, um brado de alerta a favor de um outro olhar sobre a questão ambiental, em seu livro
“A Nova Ordem Ecológica – A Árvore, o Animal, o Homem”.
25
Em sua pesquisa, ele
resgatou antigos processos em que a natureza era defendida por advogados especialmente
nomeados pelo Estado (na época o juiz episcopal).
Cita, por exemplo, um processo de 1545, em que o juiz
episcopal de Saint-Jean-de-Maurienne, na Savole, recusou-se a excomungar uma colônia de
carunchos que havia invadido os vinhedos do lugar, argumentando perante o advogado dos
proprietários que os animais, criados por Deus, possuíam o mesmo direito que os homens de
se alimentarem de vegetais, limitando-se, por um édito de 8 de maio de 1546, a prescrever
numerosas preces públicas e três dias consecutivos de procissões em torno dos vinhedos
invadidos para que os insetos deixassem o lugar. Em outros processos parecidos, foram
providenciadas novas áreas para acomodação de colônias de cupins, não sem antes o juiz
episcopal vistoriar a nova área para verificar se era adequada aos novos “inquilinos”. O
autor cita ampla bibliografia a respeito de costumes medievais em que árvores e outros
recursos naturais eram absolvidos ou processados a partir de processos legalmente instaurados.
24
25
Conta-se que Descartes começava com estas palavras suas descobertas sobre o Método e a Matemática.
Cf. FERRY, 1994, p. 12
38
A literatura específica também registra exemplos mais
recentes em que o meio ambiente foi considerado sujeito de direito, como ocorreu em 1970,
na Califórnia, quando o serviço de águas e florestas concedeu às empresas Walt Disney uma
licença para promover o “desenvolvimento” de um vale selvagem, o Mineral King, situado
na Sierra Nevada. Na ocasião, uma das mais eficazes associações de ecologistas do mundo,
o poderoso Sierra Club, apresentou queixa, alegando que o projeto – com investimentos de
35 milhões de dólares em hotelaria e turismo – iria destruir a estética e o equilíbrio natural
do Mineral King. Como a queixa foi rejeitada, o Sierra Club solicitou a assessoria do
professor Christopher Stone que, em suas aulas na universidade, defendia a tese da ecologia
profunda. Como não existia jurisprudência firmada sobre o tratamento legal da natureza
como sujeito de direito, Stone redigiu, às pressas, um suporte teórico para subsidiar a
apreciação dos juízes, na forma de um artigo publicado na seríssima Southem California
Law Review, propondo que “de maneira profundamente séria, sejam atribuídos direitos
legais às florestas, aos oceanos, aos rios e a todos esses objetos a que se dá a qualificação
de ´naturais´ no meio ambiente, inclusive ao meio ambiente inteiro”. Resultado: Dos nove
juízes, quatro votaram contra o argumento de Stone, dois abstiveram-se, mas três votaram a
favor, de modo que as árvores perderam o processo por apenas um voto.
Depois de narrar este fato, Luc Ferry argumenta que “teria
chegado a hora dos direitos da natureza, depois dos direitos das crianças, das mulheres,
dos negros, dos índios, até mesmo dos presos, dos loucos ou dos embriões (no âmbito da
pesquisa médica, senão no das legislações sobre o aborto...). Em suma, trata-se de sugerir
que o que parecia ´impensável´ numa dada época,
(FERRY, 1994, p.15 e 16).
converteu-se hoje em evidência
26
A problemática da ecologia profunda também está presente
na obra de Pièrre Teilhard de Chardin (1881-1955), paleontólogo, teólogo e pensador jesuíta
francês que escandalizou os conservadores católicos ao observar que o universo tem vida
inteligente e que até as pedras têm algum tipo de vida imanente, seguindo um finalismo que,
em Hegel, significa que o próprio mundo tem sua razão de ser em sua finalidade última.
Mas, enquanto outras filosofias, como o panteísmo, consideram a imanência divina na
própria natureza, negando, portanto, sua transcendência – isto é, Deus estaria na natureza,
não fora dela – a Igreja busca conciliar os princípios de imanência e transcendência,
26
id. ibid., 1994, p. 15 e 16
39
recuperando o conceito de enteléquia, em Aristóteles, pelo qual todos os entes, por serem
constituídos de matéria e forma, tendem para um estado de perfeição (neguentropia)
específico de cada um, ou seja, para um fim contido no próprio ente. Assim, Deus está
representado na natureza, mas a natureza não é Deus, tal como a fotografia ou a imagem
representa mas não é a pessoa ou objeto representado. Alberto Magno define claramente que
nem a natureza é Deus, nem a relação entre Deus e a natureza é arbitrária. A razão de Deus
manifesta-se na ordem da natureza, mas vai além dela. Na realidade, a criatura é mais do
que seu ser aparente. É uma questão de saber ver, de epistéme theoretiké, no sentido de
competência (appartenance) do olhar. Essa competência que Tomás de Aquino chama de
mirandum ao comentar a Metafísica, de Aristóteles, é o que aproxima o filósofo do poeta
(LAUAND, 2002, p.137). 27 A criação é um convite à meditação. É meditando sobre as
criaturas que admiramos e louvamos seu artífice. Divinorum factorum meditatio necessaria
est vai afirmar Santo Tomás de Aquino, no livro II, cap. 2 da Contra Gentiles.
Para Chardin o universo caminha para um ponto final de
amadurecimento e perfeita união com a realidade divina. O surgimento do homem, sua
socialização, a criação do mundo da cultura seriam apenas etapas de um plano maior onde o
equilíbrio do sistema está dado a priori, por isto não pode ser rompido sob pena de destruir a
própria vida. Neste sentido, o princípio do livre-arbítrio atribuído ao homem comporta a
noção de que ele será premiado ou punido pela natureza conforme as suas ações. Desse
modo a culpa pelas enchentes ou as destruições provocadas pelas variações climáticas deve
ser buscada na própria ação humana de passado recente, conforme já vimos. Quando surgiu
no planeta, o homem já encontrou o universo em perfeito funcionamento, com os planetas
seguindo suas órbitas regularmente, as estrelas brilhando, o sol aquecendo para o germinar e
a manutenção da vida, as árvores dando frutos e sementes, os elementos orgânicos evoluindo
conforme cada espécie...afinal, um sistema em perfeito equilíbrio. Estudando a ecologia
profunda – embora às vezes criticada por um radicalismo que, ao privilegiar as criaturas
acabaria excluindo o próprio homem, no sentido humanista do termo - será possível fazer o
homem entender que se alguém está colocando o sistema em risco é ele mesmo, com sua
cobiça e seu individualismo.
O pensamento de Chardin incomodou tanto a ortodoxia
religiosa, por integrar os resultados das ciências naturais ao pensamento da Igreja, que ele vive sob
27
LAUAND, 2002, p. 137
40
constante pressão e seus escritos tinham de circular mimeografados, sendo publicados somente
após sua morte.
Modernamente, os conceitos de integração entre homem,
natureza e Deus, ou entre ciência e religião, ciência e fé, racionalidade e espiritualidade,
objetividade e intuição são bem mais aceitáveis, mesmo entre renomados cientistas e
grandes pensadores. Soren Kierkegaard acha que a fé supera a razão: ("Creio, ainda que [a
existência de Deus] pareça um absurdo") credo quia absurdum! Com efeito, o homem ainda
não conseguiu explicar suficientemente a sua origem, o propósito da vida e o que ocorre
depois da morte. “A humanidade é tão limitada que não consegue compreender o início e o
fim de sua existência”, dirá o jovem Werther, personagem de Goethe 28 – defensor da
natureza – no séc. XVIII. Para Albert Einstein, quando nos voltamos para o Universo, o que
temos diante de nós é “o mundo imenso, que existe independente dos seres humanos e que se
nos apresenta como um enorme e eterno enigma, [só] em parte acessível à nossa
observação e ao nosso pensamento”(EINSTEIN, 1982, p.15).
29
A infinitude do Universo
ou a idéia de Deus não eram um mistério apenas para o pai da Teoria da Relatividade.
Muitos outros já se incomodaram com isto, como nesta bela página de Santo Agostinho,
baseada no salmo 99, em sua busca da espiritualidade:
Interroguei a terra, o mar, os abismos e os répteis animados e vivos e responderam-me: “Não somos o
teu Deus; busca-o acima de nós. Perguntei aos ventos que sopram; e o ar, com os seus habitantes,
respondeu-me [...]: “Eu não sou o teu Deus”. Interroguei o céu, o sol, a lua, as estrelas e disseram-me:
“Nós também não somos o Deus que procuras”. Disse a todos os seres que me rodeiam [...]: “Já que não
sois meu Deus, falai-me de meu Deus, dizei-me ao menos alguma coisa d´Ele”. E exclamaram com
alarido: “Foi Ele quem nos criou”. (SANTO AGOSTINHO, Confissões, 1988, Livro X - 6, p. 222 ). 30
O professor e físico quântico indiano, Amit Goswami, da
Universidade do Oregon, observa que todas as nossas ciências sociais, inclusive as
descobertas de Eistein, são baseadas na física que Isaac Newton fundou no séc. XVII. O
determinismo, a forte objetividade e o materialismo dela resultantes, são adequados quando
investigamos a ordem do mundo exterior, mas não dão conta de explicar, ou, pelo menos, de
tentar explicar, o que se passa com um universo muito mais próximo, o interior do próprio
28
GOETHE, Os Sofrimentos do Jovem Werther, 2002, p. 154.
EINSTEIN, 1982, p. 15
30
SANTO AGOSTINHO, Confissões, 1988, Livro X-6, p. 222.
29
41
homem. Por isto, na década de 1920,
a física clássica foi substituída por uma nova física, denominada mecânica quântica, ou física quântica.
[....] Algumas décadas depois, essa nova física está provocando uma revisão crucial no modo como nós
concebemos os sistemas vivos e no modo como praticamos a biologia, a psicologia e, assim, todas as
ciências sociais. No novo paradigma, há uma janela aberta para a oportunidade, uma janela visionária,
através da qual se pode reconhecer que a consciência tem um papel decisivo na configuração da
realidade; a espiritualidade pode, portanto, ser reconciliada com a ciência. (GOSWAMI, 2000, p. 20). 31
Outro físico de destaque, Fritjof Capra, doutorado em física
teórica pela Universidade de Viena, situa esse confronto de idéias entre um antigo
paradigma dominado pela física, lastreado no antropocentrismo (o homem é o centro), e um
novo paradigma, baseado nas chamadas Ciências da Vida, filiadas ao ecocentrismo (a Terra
é o centro). A relação contemplada neste novo paradigma não é uma relação hierárquica
centrada no verticalismo, onde alguém domina alguém, alguém manda e alguém obedece.
Trata-se de uma relação de “rede”, metáfora central da ecologia, como sistema, para
significar a paridade, a igualdade, a horizontalidade, a responsabilidade comum pela
preservação da vida, pois não há como escapar se os processos vitais se extinguirem.
Vivemos, portanto, todos integrados em uma ampla mas única rede, a rede sistêmica da vida.
Atentar contra qualquer ponto (ou nó, ou nódulo) da rede é atentar contra toda a rede. Todos
são iguais diante do imperativo categórico da continuidade da vida, daí a noção de ecologia
profunda, direitos intrínsecos da natureza etc. Trata-se de romper qualquer tipo de
separatismo ou dualismo porque não há duas ou dezenas de redes separadas: há uma só rede
que é a teia da vida. É como na Internet, ou no hipertexto, todos os pontos (ou links) estão
conectados, mas nenhum é mais importante que outro, todos têm a mesma importância do
ponto de vista da acessibilidade ao sistema total. Já não temos mais a relação de um para
muitos, como na mídia tradicional, mas de todos para todos, como ensina Pièrre Levy.
Ainda tomando a Internet como exemplo de integração, podemos aduzir o registro de M.
Castells (2003, p. 287) 32 : “A Internet é o coração de um novo paradigma sociotécnico que
constitui, na realidade, a base material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de
trabalho e de comunicação. O que a Internet faz é processar a virtualidade e transformá-la
em nossa realidade, constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos” .
31
GOSWAMI, 2000, p. 20.
CASTELLS, 2003, Internet e Sociedade em Rede. Apud MORAES, 2003, Por uma outra Comunicação,
2003, p. 287.
32
42
Assim, contra o antigo paradigma da crença no progresso
material ilimitado, que via no corpo humano apenas uma máquina produtiva, surge, neste
novo século, um novo modo de ver o mundo, que concebe o mundo como um todo
integrado,
holístico,
ecológico.
A
percepção
ecológica
profunda
reconhece
a
interdependência fundamental de todos os fenômenos e nos revela que, enquanto indivíduos
e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza, portanto somos
dependentes desses processos. 33
A literatura sobre ecologia radical vem se ampliando a
partir de Aldo Leopold, falecido em 1948, considerado o pai da ecologia profunda, pois nos
convida a derrubar os paradigmas que domimam as sociedades ocidentais em seu principal
livro A Sand County Almanac, uma coletânea de ensaios publicada em 1949 e que contém o
mais célebre entre eles, A Land Ethic, traduzido para o francês como L´éthique de la terre.
Neste ensaio, Leopold conclui que assim como soubemos rejeitar a escravatura – que era
uma instituição plenamente aceita na ética aristotélica, por exemplo, ou antes, na Odisséia,
de Homero, em que Ulisses, voltando a Ítaca, não elimina apenas os pretendentes de
Penélope, mas também as escravas que a eles se aliaram 34 – devemos, agora [lembremo-nos
que o texto é de 1949], dar um passo além, levando finalmente a natureza a sério,
considerando-a dotada de um valor intrínseco, como sujeito de direito. Trata-se, então, de
desconstruir o “chauvinismo humano”
que comporta o preconceito antropocêntrico por
excelência: aquele que nos leva a tomar o universo por teatro de nossas operações, simples
periferia de um centro instaurado em sujeito único de valor e de direito. (FERRY, 1994, p.95 - 96). 35
A visão de Leopold instalou amplo debate na ecologia
norte-americana que tende, hoje, via Alemanha, principalmente, a introduzir-se na Europa.
A questão central deste debate é a seguinte: trata-se, apenas, de cuidar dos nossos lugares de
vida porque sua deterioração ameaçaria nos atingir ou, pelo contrário, de proteger a natureza
como tal, porque descobrimos que ela não é um simples material bruto, mas um sistema
harmonioso e frágil,
mais
admirável
em si mesmo do que essa
parcela
ínfima, em suma, que nela constitui a vida humana?
33
CAPRA, 1996, p. 25.
“Não morram simples morte as que, nos braços de infames tais, enchiam-me de opróbio e a minha casta
mãe”, declara Telêmaco ao receber de seu pai, Ulisses, a ordem para punir com a morte as escravas que se
deitavam com os pretendentes de Penélope, durante a viagem mítica do herói. (HOMERO, 2003, p. 387.
Odisséia, livro XXII, c. 340).
35
Cf. FERRY, 1994, p. 95 - 96.
34
43
O debate expõe, na verdade, a existência de duas grandes
correntes ecologistas no séc. XX. A primeira é reformista. Tenta controlar as poluições mais
gritantes da água ou do ar, modificar as práticas agrícolas mais aberrantes nas nações
industrializadas e preservar algumas zonas selvagens que ainda subsistem nelas,
transformando-as em “reservas”. A outra corrente concorda com tais objetivos, mas é
revolucionária: visa uma epistemologia, uma metafísica e uma cosmologia novas, assim
como uma nova ética ambiental na relação pessoa/planeta, conforme a definição de um dos
principais teóricos do fundamentalismo ecológico, Bill Duval. 36
O termo “ecologia profunda” (deep ecology) foi utilizado no
início da década de 70 pelo filósofo norueguês Arne Naess para esclarecer esse debate
originado em Leopold, significando, hoje, um movimento mundial que está na raiz do
ativismo radical de entidades como o Greenpeace, o Earth first, o Sierra Club, alguns
Partidos Verdes (principalmente na França e na Alemanha), além de filósofos populares
como Hans Jonas ou Michel Serres. A escola de Naess 37 faz uma distinção entre “ecologia
rasa” e “ecologia profunda”. A primeira é antropocêntrica, o homem está acima da natureza,
é fonte de todos os valores. Ele atribui à natureza um valor de uso. A natureza é objeto a ser
consumido. Esta é a corrente que levou o princípio da “dominação bíblica” ao pé da letra e
que nem de longe aceitaria o protesto ecológico de um Francisco de Assis cultuando a água
como “irmã”. Do ponto de vista das nações, trata-se do desenvolvimento a qualquer preço.
Mesmo algumas empresas que poluem, praticam essa “ecologia rasa”
na tentativa de
“clarear” o seu produto junto à sociedade ou ao mercado de consumo. Trata-se de um termo
que corresponderia, em Leopold, à corrente “conservacionista” do ambientalismo
internacional. 38
A outra distinção de Naess, para designar os que pregam uma mudança
radical no comportamento ambiental, ainda a partir de Leopold, é a “ecologia profunda”. Ela
vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos
que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes. Ela reconhece o valor
36
Citado por FERRY, 1994, p. 96.
Citado por CAPRA, 1996, p. 26.
38
O professor Wilson Bueno, que ensina Jornalismo Científico na ECA/USP, tem alertado para o uso que
muitas empresas e entidades fazem das bandeiras ambientalistas, mesmo quando seu negócio é apenas o
próprio lucro, como no caso do agronegócio ou de empresas altamente poluidoras e destruidoras da paisagem
ambiental. O professor, através da Internet, também denunciou, em 2004, uma tentativa feita pela Monsanto
(multinacional que comercializa sementes de soja transgênica) no sentido de financiar a produção de livros
didáticos dirigidos às crianças da escola pública [o que, naturalmente, poderia dar margem para se amenizar
os efeitos nocivos do consumo de alimentos geneticamente modificados].
37
44
intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio
particular na teia da vida. Portanto, a natureza é sujeito da vida, não objeto. É ela que
alimenta o homem, e não o contrário. Ela sustenta a vida, regulando o equilíbrio do sistema
onde o homem é apenas um ser dependente.
A grande questão que se coloca, entretanto, é como
convencer o homem a abrir mão de sua visão antropocêntrica de mundo. Cabe indagar, até
mesmo, se não haveria um certo exagero anti-humanista nas concepções da ecologia
profunda. Não podemos, naturalmente, inverter as polaridades caindo no erro oposto de
considerar o homem como objeto da natureza. Trata-se, então, de corrigir os excessos, de
sustar a depredação, de recuperar o que foi danificado, de vivenciar um comportamento
ambientalmente correto, de dar cada um a sua participação, por menor que seja, na certeza
de que participar – ainda que seja separando o lixo reciclável no cantinho da cozinha – é
colocar um tijolinho a mais no esforço universal para limpar o planeta.
No que se refere às grandes corporações, onde o lucro é o
motor de todas as iniciativas, somente o revigoramento da ética seria capaz de alterar os
procedimentos. Mesmo entre as pessoas, como acabar com a chamada "Lei de Gerson" –
que nos leva a tentar obter vantagens em tudo, tentando tirar proveito das posições de
superioridade que eventualmente ocupamos na vida em relação aos nossos semelhantes,
como fazíamos no período da escravidão – se não internalizarmos uma consciência ética em
nosso comportamento?
Quem nos ensinará a ser éticos? Será a escola, a família, a
religião? Mas a escola está sucateada, a família se divorciou e a religião transformou-se num
supermercado de fórmulas prontas e comércio de ilusões através da proliferação das seitas
com seus sacos e malas de dinheiro...Que esperança temos de retomar os clássicos como no
Renascimento? Onde Agostinho, Tomás, Francisco, Erasmo, Chardin? Onde encontraremos
debates sérios sobre as questões que dizem respeito à sobrevivência do homem neste
planeta?
Se a resposta é difícil, não é menos verdade que o estudo da
ética (e da estética) se impõe, mais do que nunca.
45
3. Ecologia e Ética
Quais os elementos que podem induzir ao comportamento
ético?
Aqui há dois caminhos a seguir e ambos se complementam.
O primeiro é a educação – não só no ambiente escolar convencional, mas ao nível da
cidadania, com apoio da mídia. O segundo é a advertência – através de uma legislação firme,
coerente, pertinente, aplicável, funcional. Quando somos penalizados no bolso, então
compreendemos que é preciso repensar o consumo de energia, água, embalagens não
recicláveis, combustíveis fósseis, madeiras de florestas não controladas ou quando
queimamos, desmatamos, poluímos, “assassinamos” animais e árvores.
Não temos outro caminho que não a retomada e o
entranhamento da ética em nossas vidas, desde as atitudes mais simples que superam o
“penso, logo existo” norma da ecologia rasa, de origem cartesiana e racionalista, para um
“escolho, logo existo” – onde a participação responsável de cada um pressupõe níveis
aprofundados de consciência,
característica da ecologia profunda e do pensamento
sistêmico. Mas, do que trata a ética?
O misticismo neoplatônico colocou como propósito da
conduta humana o retorno do homem ao seu princípio criador e sua integração com ele.
Segundo Plotino, esse retorno é o objetivo da viagem do homem, é o afastamento de todas
as coisas exteriores, é a fuga do homem para a Unidade divina. Afinal, “não temos aqui
morada permanente”, vai dizer Santo Agostinho, é preciso buscar a Cidade Eterna e
Verdadeira. É este conceito de ética que domina todo o período medieval. Santo Tomás de
Aquino filia-se a Aristóteles para definir que “a felicidade é o fim da conduta humana,
dedutível da natureza racional do homem”. Esta visão já está presente em Platão, que, na
República, vai consagrar a justiça como princípio da ética. Do mesmo modo, Hegel
considera que o Estado é a “totalidade ética”, é o ápice da “eticidade”, é a moralidade que
ganha corpo e substância nas instituições históricas que a garantem. Como o Estado é
garantido pelo direito, a ética é filosofia do direito, enquanto a moralidade é a intenção ou a
vontade subjetiva de realizar o que se acha realizado no Estado. Recuperando o mito de
Prometeu – condenado por Zeus a ter o fígado reiteradamente devorado pelas aves de rapina
por ter roubado o fogo do Olimpo para os homens e de ter-lhes ensinado coisas úteis à
sobrevivência – Protágoras dirá, em 322aC, que o respeito mútuo e a justiça são as
46
condições para a sobrevivência do homem. O que move a conduta humana é a vontade de
sobreviver, é o apego à vida. Mas não há vida fora do direito e da moral. Para sobreviver, o
homem deve conformar-se às regras e não pode agir de outro modo. Em Epicuro, o que
move a conduta humana é o prazer e a dor, um ardentemente buscado, outro ferrenhamente
evitado, dentro do possível: “Prazer e dor são as duas afeições que se encontram em todo
animal, uma favorável, outra contrária, através das quais se julga o que se deve escolher e o
que se deve evitar”, diz. (ABBAGNANO, 2000, p. 380). 39
A filosofia epicurista foi evitada na Idade Média, mas foi
retomada no Renascimento quando Lorenzzo Valla foi o primeiro a reapresentá-la em De
voluptate afirmando que o prazer é o único fim da atividade humana e que a virtude consiste
em escolher o prazer e evitar a dor. Em Hobbes temos que a maior aspiração humana é a
auto-conservação. Ela é o fundamento da moral e do direito: “A natureza proveu a que
todos desejem o próprio bem, mas para que possam ser capazes disso, é necessário que
desejem a vida, a saúde e a maior segurança possível dessas coisas para o futuro. De todos
os males, porém, o primeiro é a morte, especialmente se acompanhada de sofrimento”.
(ABBAGNANO, 2000, p. 384) 40
O pensamento de Hobbes – para quem o homem é lobo do
próprio homem - acaba incorporando uma justificativa para comportamentos nem sempre
éticos ao defender que o fim justifica os meios, o que vem a legitimar o poder do Estado e o
próprio individualismo capitalista, pedra de toque da ecologia rasa.
Nietzsche, filiado à linhagem intelectual de Darwin e
Bismarck,
influenciado pelo pessimismo de Schopenhauer e por seu amigo Wagner,
considera que Bom é aquilo que sai vencedor (“dizeis que a boa causa santifica até a
guerra? Eu vos digo: a boa guerra santifica qualquer causa”, dirá por Zaratrusta). Mau é
aquilo que cede e falha. Trata-se de uma ética calcada em Spencer, na qual a força é a
virtude máxima e a fraqueza é o único defeito na luta pela sobrevivência. Ao criticar a
covardia vitoriana dos darwinistas ingleses – só preocupados com os negócios e os lucros,
herança genética que transmitiriam ao atual Império do Norte – e a respeitabilidade burguesa
dos positivistas franceses e dos socialistas alemães, Nietzsche dirá que “esses homens
tiveram a coragem de rejeitar a teologia cristã, mas não ousaram ser lógicos e rejeitar
39
40
Cf. ABBAGNANO, 2000, p. 380
Op. cit., 2000, p. 384
47
também as idéias morais, o respeito à humildade, mansidão e altruísmo que crescera com
essa teologia” (DURANT, 1983, p.10). 41
Espinosa viu na tendência do homem a buscar tudo que lhe
seja útil a ação da Substância divina: A razão nada exige contra a natureza, mas exige por si
mesma, acima de tudo, que cada um ame a si mesmo, que deseje tudo o que conduz o
homem à perfeição e que cada um se esforce para conservar o próprio ser, fazendo aquilo
que julga melhor para si (Cf. SCRUTON, 2000, p. 43). 42 Adotar a alegria e evitar a tristeza,
como fundamento da moral, é a proposta de Leibniz.
Mas, a partir do séc. XVIII, o conceito de ético superou a
questão do bem individual para ser visto como “a maior felicidade possível do maior número
possível de homens”, conforme a avaliação de Hutchinson, numa fórmula depois adotada
por Beccaria e por Bentham. Foi Hume que encontrou a palavra que exprimia a nova
tendência: o fundamento da moral é a utilidade, mas uma utilidade social, coletiva. É boa a
ação que proporciona felicidade e satisfação à sociedade. O homem está inclinado a
promover a felicidade dos seus semelhantes. O sentimento de humanidade, ou seja, a
tendência a ter prazer com a felicidade do próximo, é o fundamento da moral, o móvel
fundamental da conduta humana. Mais tarde Adam Smith chamará de simpatia esse
sentimento do espectador imparcial que olha e julga a sua conduta e a dos outros.
Em Kant há uma visão mais absolutista do problema. Não
se trata de emoção, mas de razão. A razão não pode ser medida apenas pela adequação dos
meios aos fins, mas depende do julgamento dos fins. Assim, a moral é um fim em si mesma.
Não está a serviço de nenhum outro objetivo. Não se deve agir moralmente para ser
respeitado ou para ganhar o céu, mas, simplesmente, porque é moral. Esta é a razão prática,
é um imperativo categórico. A norma de Kant é: “Age moralmente!”. (K. & HÖSLE, 2001,
p. 59). 43
Estudiosos e filósofos diretamente ligados à questão
ambiental também defendem o pressuposto ético como único capaz de mover o
comportamento humano para um estágio superior de relacionamento com o meio natural e
com o próprio homem. Assim, o economista-humanista polonês, naturalizado francês,
Ignacy Sacs, que morou 14 anos no Brasil, professor da Escola de Altos Estudos de Ciências
41
Cf. DURANT, 1983, p. 10.
Cf. SCRUTON, 2000, p. 43.
43
Cf. K. & HÖSLE, 2001, p. 59.
42
48
Sociais, em Paris, ao difundir o conceito de “ecodesenvolvimento”, como consultor do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), afirma que “o princípio
ético subjacente é o da solidariedade com as gerações futuras”, mas adverte que “a
solidariedade diacrônica não pode separar-se do seu princípio gêmeo de solidariedade
sincrônica com os nossos contemporâneos” (SACHS, 1986, p. 49). 44 Ele cita BENNETT
(1976, p. 311) para explicar que “a preocupação ecológica não deveria dissociar-se da
preocupação com a equidade social entre as nações e dentro delas... sobretudo porque o
uso que o homem faz da natureza está inextricavelmente entrelaçado com o uso do homem
pelo homem”. Percebemos, aqui, a presença inequívoca dos fundamentos éticos vistos
anteriormente, voltados para o bem coletivo, para a satisfação social, pela solidariedade.
Temos uma condensação preciosa de tudo isto em Hume quando ele atribuiu utilidade
prática à moral e à ética através do “prazer de ser solidário”, de tal modo que a ética estaria
centrada no respeito, no amor ao próximo. Se recuamos, então, ao séc. III de Agostinho,
nesta análise, porque não recuar de uma vez ao princípio da Nova História e relembrar na
própria origem: “Que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”?
45
Afinal, como separar
ciência e fé quando o objeto de estudo é a vida? O amor e a ética não se conciliam com a
“ecologia rasa”. Não seria ético, por exemplo, o programa de crescimento zero resultante do
encontro de empresários no chamado Clube de Roma, em 1968, quando os males da
humanidade foram atribuídos à explosão demográfica dos países pobres. Pelo contrário, para
Sachs (1986, id. ibid.) é necessário desenvolver aceleradamente os países do terceiro mundo
como pré-condição sine qua non para a diminuição das taxas demográficas no futuro.
Conforme este ponto de vista, não são as populações pobres
que desequilibram o meio ambiente, é o modo como a renda é distribuída, situação perversa
que está na raiz do comportamento não ético entre países e classes sociais. Mas é a
dependência cultural – muitas vezes capitaneada pela mídia – que leva ao mal
desenvolvimento dos países do terceiro mundo, devido à insistência em tentar imitar o modo
de vida dos países ricos onde economias mais fortes têm mais condições de absorver o
excesso de consumo – naturalmente com inevitáveis problemas para o meio ambiente por
sua conformação sistêmica. Nos países pobres o “crescimento imitativo” leva a mais
empobrecimento porque, ditado artificialmente pela moda, é insustentável. Aqui surge a
necessidade de educar para o consumo sustentável em conformidade com as
44
45
Cf. SACHS, 1986, p. 49.
Cf. João 15, 12
49
disponibilidades regionais. É um espaço que se abre para a valorização da cultura e dos
costumes nacionais, opondo-se o local ao global, como defendem vários pensadores, entre
eles BARBERO (1987), ORTIZ (1994) e o próprio professor Ignacy Sachs.
A pobreza nos países latino-americanos, por exemplo, não
resultou de um padrão ético de comportamento. Pelo contrário, ela resulta do mito do
desenvolvimento ilimitado que tende a concentrar a renda sempre mais. Não se pode
considerar ético que 6% da população mundial – residentes nos EUA - consumam 30% a
35% de todos os recursos da Terra. Segundo MOSER (1984, p. 55), 46 citando levantamentos
da ONU, só na década de 1959 a 1968 os Estados Unidos consumiram mais recursos do que
o mundo inteiro desde sua origem. Um norte-americano consome 16 vezes mais energia que
um chinês; 53 vezes mais que um indu; 109 vezes mais que um habitante do Sri Lanka; 438
vezes mais que um malásio e 1.072 vezes mais que um morador do Nepal. Enquanto isto,
10% de toda a renda mundial concentram-se nas mãos de pouco mais da metade dos 6
bilhões de habitantes do planeta, exatamente 60%.
Da mesma forma não se pode considerar que existem ética e
solidariedade humana em um contexto sócio-planetário onde o déficit habitacional dos
países pobres é de 150 milhões. Só na Ásia mais de 100 milhões de pessoas vivem em
habitações precárias. Na América Latina faltam mais de 20 milhões de moradias. Ao mesmo
tempo, um
tanque custa US$ 1 milhão (ou 100 mil toneladas de arroz, ou 1.000 salas de
aula para 30 mil crianças); um bombardeiro custa US$ 20 milhões (ou 40 mil pequenas
farmácias). E quantas crianças morrem de fome, todos os dias?
O desequilíbrio do ecossistema mundial provocado pela
falta de ética e de estética, levou o Papa João Paulo II a se manifestar assim na carta Dives in
Misericordia:
Sucede em nossos dias que, ao lado daqueles que são abastados e vivem na abundância, há centenas de
milhões que vivem na indigência, padecem a miséria e, muitas vezes, morrem de fome. É por isto que a
inquietude moral está destinada a tornar-se ainda mais profunda. Evidentemente, na base da economia
contemporânea e da civilização materialista, há uma falha fundamental, um mecanismo defeituoso, que
não permite à família humana sair de situações tão radicalmente injustas. (Osservatore Romano. 7
47
dez. 1981. n. 11, p. 12).
46
47
Cf. MOSER, 1984, p. 55
Cf. Osservatore Romano. 7 dez. 1981. n.11, p. 12.
50
A noção de que o problema do equilíbrio mundial é,
básicamente, uma questão ética foi a razão do surgimento de teologias de contestação, na
década de 1970, propondo uma Igreja mais presente e mais atuante nos problemas humanos,
como se deu com a Teologia da Libertação – do peruano Gutierrez e do brasileiro Leonardo
Boff – pregando a opção preferencial pelos pobres. Reunidos em Puebla, os bispos latinoamericanos já afirmavam em 1979: “Vemos, à luz da fé, como um escândalo e uma
contradição com o ser cristão, a brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de poucos é
um insulto para a miséria das grandes massas”.
48
Professor de Ética e Teologia Moral, na Pós-Graduação da
PUC-Rio, Antonio Moser aborda a ética como ciência categoricamente normativa dos atos
humanos, à luz da razão natural. Ela (a ética) não apenas descreve comportamentos humanos
mas traça imperativos para que o homem possa realizar-se na sua humanidade. É através da
vida humana ameaçada na terra que a ecologia e a ética encontram-se diante de um mesmo e
gigantesco desafio: o que fazer para possibilitar a continuidade da vida sobre o planeta?
Para dar conta do desafio à sua frente, a ética deixa o
eternismo platônico (mundo das idéias) para situar-se, hoje, no plano das preocupações
terrenas (mundo real). Segundo Moser, a ética desloca-se do antigo conceito de
“permanente” (esse) para o conceito hegeliano de evolução na continuidade (fieri). Agora
ela é constituída na e pela história. Por isto assume traços de “provisoriedade”.
(MOSER,1984, p. 31 - 32). 49
As atualizações (aggiornamento) promovidas pela Igreja
através do Concilio Vaticano II revelam essa preocupação com a ética do fieri, voltada para
o bem coletivo, desautorizando a ética do individualismo cartesiano que apresenta o homem
embevecido com a própria inteligência, como se pode verificar nesta declaração conciliar.
Cumprem-se cada vez melhor os deveres da justiça e caridade se cada um, contribuindo para o bem
comum segundo suas capacidades e as necessidades dos outros, promover e ajudar também as
instituições públicas e particulares que estão a serviço de um aprimoramento das condições de vida dos
homens...que todos considerem como sagrada obrigação enumerar as relações sociais entre os principais
deveres do homem de hoje. (Documento do Concílio Vaticano II, cit. por MOSER. 1984, p. 33). 50
48
Cf. Bispos Latino-Americanos. “Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina-Puebla”.
Petrópolis, 1979, cit. por MOSER, 1984, p. 29.
49
Cf. MOSER,1984, p. 31 - 32.
50
Cf. Documento do Concílio Vaticano II, cit. por MOSER. 1984, p. 33.
51
O professor Moser, à luz da ética, propõe uma nova
sociedade com um programa de quatro pontos: 1. Abandono da civilização do desperdício;
2. Mais justa distribuição dos recursos humanos; 3. Atenção central à produção de
alimentos; 4. Ação global contra a miséria e a fome.
Ele avalia que “só uma ação global, com a integração de
esforços das organizações e dos governos, de boa vontade, que não isole os problemas da
miséria e da fome, será capaz de tornar o panorama mundial menos sombrio para um futuro
próximo”. E conclui: Quem deve ir para o banco dos réus é o desperdício dos ricos, não as
migalhas que alimentam milhões de miseráveis.
A abordagem ética do relacionamento humano é, portanto,
presença marcante, tanto na hagiologia – desde a patrística e a escolástica, como vimos nesta
modesta diacronia – como também na filosofia clássica. Igualmente podemos considerar
que a partir da Revolução Industrial a desconfiguração do belo natural acentuou-se porque a
natureza passou a ter um valor de uso no processo de produção voltado para a acumulação.
A proposta de um mundo feliz para todos, presente no Iluminismo, só se realizou para
poucos, exatamente através do processo de acumulação capitalista, como efeito de uma
visão reducionista de mundo na qual o individualismo assumiu proporções de imperativo
categórico, exatamente ao contrário do prefigurado na ética kantiana. Não será difícil, então,
constatar que a utopia do mundo éticamente solidário ficou mesmo no campo da utopia, o
que não deve tirar o ânimo dos que ainda apostam na possibilidade de um outro mundo. É
certo que em muitos outros períodos da história humana, cada qual segundo as suas
características, o conceito de belo e estético sofreu transformações.
À luz da modernidade a Santa Inquisição não seria santa.
Confrontada com Gisele Bünchen a Mona Lisa não seria bela. O desprezo aos trabalhadores
braçais e artesãos – próprio do Feudalismo – não seria estético. A violação da propriedade
pela imposição do mais forte, na ausência do Direito, não tinha nada de belo. Por isto não se
pode, racionalmente, comparar as épocas, porque cada época deve ser comparada com ela
mesma. Hoje temos águas poluídas pelo esgoto urbano ou pelo derramamento de petróleo.
Mas ninguém mais corre o risco de receber o conteúdo de um penico esvaziado na cabeça ao
passar sob uma janela, mesmo de famílias nobres. Nem mesmo o Rei Sol contava com a
comodidade de um vazo sanitário instalado em qualquer favela do mundo civilizado. Os
bastidores da literatura inglesa dão conta que diante da casa do pai de Shakespeare, no
interior da Inglaterra, havia permanentemente um cheiro horrível por causa de uma
52
montanha de esterco bem em frente da janela. Então podemos dizer que o fenômeno da
urbanização – com o saneamento, por exemplo - trouxe a solução de todos os problemas?
Que hoje vivemos a estética do mundo em sua plenitude? Por certo que não.
Se concluímos, desta forma, que é indispensável a retomada
ética para conduzir o homem a um mundo mais feliz, também somos levados a este modo de
ver diante do resultado nada estético que a vida moderna nos apresenta. Com efeito,
considerando a estética como sinônimo do belo harmônico já estudado nos antigos gregos –
portanto da Verdade e do Bem - não temos qualquer condição de avaliar como belo o
desencontro do mundo moderno nos seus mais diferentes aspectos, seja o social, o
econômico, o cultural ou qualquer outro. Igualmente deveríamos perseguir um ideal ético e
estético para o próprio jornalismo dentro do sistema constituído pelos meios de
comunicação. Chegaremos lá.
No meio ambiente, a falha estética é ainda mais gritante,
pois se a “irmã água” de Francisco já não é casta e já começa a escassear, se ela é a
“presença de Deus na terra”, conforme o louvor agostiniano, e se Deus é a própria estética
do equilíbrio, da perfeição, da harmonia das partes, em Tomás de Aquino, o homem
moderno terá muita dificuldade para perceber a mesma extesia dos santos diante da natureza
poluída. Que tipo de emoção estética
nos conduzirá ao logos
divino – conforme o
pensamento aristotélico-tomista – se temos diante de nós a natureza desgrenhada, violentada
e semi-destruída ou, do ponto de vista da ecologia humana, um ser humano desesperançado,
estressado e confuso neste período de tão evidente mal-estar da civilização, como entrevisto
por Freud?
51
Que mundo é este em que a alma se questiona sobre o sentido da vida
quando a infra-estrutura da própria vida, que é a natureza, está atacada de morte? Onde está
o Belo que nos conduz à reflexão interior, ao mundo das idéias, à contemplação de Deus nas
criaturas? Qual a avaliação estética do nosso mundo? Haveria estética na guerra, na
corrupção?
Porque é importante refletir sobre a estética, após
analisarmos a questão ética?
51
“A questão fatídica para a espécie humana parece-me ser saber se, e até que ponto, seu desenvolvimento
cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal causada pelo instinto humano de agressão e
autodestruição. Talvez, precisamente com relação a isso, a época atual mereça um interesse especial. Os
homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda, não teriam dificuldade
em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que provém grande parte de
sua atual inquietação”. (FREUD, 1997, p. 111 - 112).
53
4. Abordagem Estética
De início é preciso reconhecer que não se pode conceber a
estética como valor absoluto, acima da moral, por exemplo. Conceber um modo estético de
ser, no relacionamento social, nas práticas profissionais, no trato com a natureza, na
concepção do texto ou da própria arte não pode ser uma obsessão, um fim em si mesmo, que
nos faria relegar a segundo plano outros compromissos como a ética, o respeito, a amizade,
o amor etc visto que isto nos levaria a uma vida artificial, vazia e hipócrita, como nessa
ditadura da moda atual que leva as top-models à autodesnutrição consciente – com riscos
para a saúde – para permanecerem “dentro do padrão”. De igual modo o estetismo de Don
Juan, o sedutor, leva a uma vida mesquinhamente tediosa. Sob este aspecto, é impossível
concordar com Oscar Wilde para quem a arte é mais importante que a própria vida, pois não
existe arte sem vida e é a vida que dá sentido à arte e a tudo o mais. Também Soren
Kierkegaard critica o estetismo consumista de quem vive no instante, apenas para colher
rosas, sem os espinhos, praticando um oportunismo que menospreza a solidariedade e o
verdadeiro amor ao próximo (desinteressado e puro), o que, não raro, acaba levando ao
desespero. (ABBAGNANO, 2000, p. 375).
52
O ideal estético, identificado aqui como a norma do gosto,
em Hume (1711-1776) vincula as noções de arte e de belo como objetos de uma única
investigação,
superando a separação encontrada nos antigos gregos onde Aristóteles
considera a arte enquanto poética (que consiste na ordem, na simetria), enquanto Platão
estuda o belo, separadamente, como a manifestação evidente das idéias, isto é, dos valores.
Entretanto, se só a arte é bela, fruto da inteligência e da inventividade, como considerar bela
a natureza que não é arte criada pelo homem? A conexão entre belo artístico e belo natural
desenvolveu-se a partir do séc. XVIII, com a já citada norma de Hume e, principalmente, em
Kant, para quem “a natureza é bela quando tem a aparência de arte” e “a arte só pode ser
chamada de bela quando nós, conquanto conscientes de que é arte, a consideramos como
natureza”. Em qualquer das definições, tanto do ponto de vista do observador, como por
parte do artista que cria (mesmo quando imita o modelo ou a natureza), está implícita a
imanência do transcendente, isto é, a inspiração espiritual, o traço divino que explica a
manifestação do gênio e a emoção estética do espectador. Para Hegel, a obra de arte não está
52
Cf. ABBAGNANO, 2000, p. 375.
54
na tela, na madeira ou na pedra; no caso da poesia ou do texto, não está nas letras e nas
palavras...ela está dada antes, está no espírito criador que ilumina e inspira. Assim, todos
vêem o bloco de pedra, só Michelangelo vê o Moisés, porque a inspiração é única. Muitos
jornalistas cobrem uma entrevista coletiva, mas só um capta detalhes que renderão outras
pautas até mais significativas ou que vão dar um toque especial na reportagem. O mesmo
vale para o trabalho de apuração, de investigação. Como dizer que jornalismo não é arte?
Como ser jornalista sem conhecer história da arte, sem ter noção de belo estético, belo
moral ou sem estudar filosofia?
Em sua rotina de trabalho, o jornalista bem formado sabe
que também fora da crítica da arte e da própria especulação filosófica, o domínio da estética
é cada vez mais utilizado para o debate de problemas de ordem psicológica, política, moral,
social etc. Por dever de ofício, eles igualmente sabem que, no parlamento brasileiro, quando
um deputado ou senador é cassado por “falta de decoro parlamentar” não significa,
propriamente, que ele transitou nos salões do Congresso com a braguilha aberta ou algo
assim (em outro contexto o presidente Bill Clinton acabou absolvido), mas que infringiu a
ética (a moral dos costumes) e a estética (do políticamente correto), portanto seu crime é de
corrupção por frustrar a expectativa da sociedade que o nomeou seu representante. O Belo
comportamento não se realizou. No caso dos presidentes essa falta de estética dá margem ao
impeachment ou à não-reeleição.
Para Nietzsche, é indispensável à arte a perfeição do ser e
das atitudes, o encaminhamento do ser para a plenitude, a divinização da existência, é o
estado apolíneo que resulta da embriaguez dionisíaca. 53 Para Hegel a tarefa da arte é
superar a própria arte conduzindo o homem para o transcendente, o espiritual, isto é, para a
religião e a filosofia, pensamento parecido com o de Benedetto Croce, para quem “a arte é
conhecimento”, como em Aristóteles. Só pela educação chegamos ao conhecimento, então a
arte tem uma função educativa. Adorno não considerava o surrealismo de André Breton
(1924) 54 – que contaminara seu companheiro na Escola de Frankfurt, Walter Benjamin -
53
Cf. ABBAGNANO, p. 372.
Aliás, o surrealismo era incompatível com o realismo socialista que se tornou a linha do Partido, por isto o
apoio de Breton a Moscou não era recíproco. Alguns surrealistas seguiram Louis Aragon que rompeu com
Breton e se uniu ao Partido Comunista em 1932. Breton foi ridicularizado em um congresso cultural em
Moscou em 1935. Se autodeclará trotskista e em 1936 purgou seu movimento de elementos comunistas
stalinistas. (BUCK-MORSS, 1981, p. 254).
54
55
como arte por não ver nele um propósito dialético. 55 Sob este aspecto, a arte está a serviço
da doutrinação política, como queriam os partidários do realismo ou da arte concreta, nos
países comunistas. Assim, em Lukács a arte é “reflexo da realidade”, é “expressão da
autoconsciência da humanidade em dado momento histórico”. Este pensamento leva ao pé
da letra a manifestação de Marx em 1843: “ Então se verá que o mundo possui desde há
muito tempo o sonho de uma coisa, e bastará adquirir consciência para que a possua
realmente” 56 . Por isto o movimento de André Breton pregava a reconciliação do sonho com
a realidade em um tipo de realidade absoluta, ou surrealidade. Tratava-se de transformar a
realidade de acordo com os desejos humanos.
O jornalista atento percebe, assim, que cobrir uma mostra
cultural ou uma sessão do Congresso não é muito diferente, quando podemos perceber a
estética da arte e a ética (ou falta de) do comportamento humano, analisando o seu conjunto
e as suas implicações.
A aplicação do paradigma estético para analisar, por
exemplo, a criatividade humana, é bem clara em filósofos mais recentes e nossos
contemporâneos como o bem humorado sociólogo italiano Domenico De Masi (1999),
freqüentador do excelente programa Roda Vida, comandado por Paulo Markun na TV
Cultura. Profeta do saboroso “ócio criativo”, Domenico conduziu uma pesquisa, nos anos
1980, sobre a sociedade pós-industrial , narrando a história de 13 grupos europeus que se
revelaram altamente criativos entre 1850 e 1950. 57
Defensor do senso estético como
parâmetro para o valor das coisas, o professor titular de sociologia do trabalho da
Universidade de Roma La Sapienza, mostra, na conclusão desse trabalho, que a criatividade,
no mundo da produção, é filha dileta de um equilíbrio delicado entre razão e emoção, entre
fantasia e senso prático. Para ele, essa equação é a mola propulsora do progresso do mundo
globalizado no que se refere à produção, à criação artística e ao bem-estar. Assim, não basta
ser criativo, é preciso espírito empreendedor e paixão motivadora. Ele compara que no
passado, exatamente há cinco séculos, Michelangelo Buonarroti precisou ser capaz de
55
Quando Adorno baseava sua filosofia marxista na experiência estética, seu objetivo não era “estetizar” a
filosofia ou a política, mas reconstituir a relação dialética entre sujeito e objeto que acreditava ser a base
estrutural correta de todas as atividades humanas: conhecimento, praxis política e arte. Neste sentido, tanto a
filosofia como a arte teriam uma função moral-pedagógica, a serviço da política e não como propaganda
manipuladora, mas ensinando com o exemplo. (BUCK-MORSS, 1981, p. 251).
56
Karl Marx (1843), citado em George Lukács, Historia y consciência de clase, p. 3. In BUCK-MORSS,
1981, p. 255.
57
Cf. De MASI, A Emoção e a Regra, 1999.
56
controlar milhares de operários, durante vários anos, para construir a monumental cúpula
da basílica de São Pedro, em Roma, enquanto hoje, no mundo pós-industrial, não basta a
genialidade isolada de alguns para condicionar movimentos históricos como foi o
Renascimento. É necessário o trabalho em equipes preparadas e motivadas que determinam
a sorte dos empreendimentos mais notáveis. Mas isto não exclui a “faísca de luz” que vem
do traço genial do líder, do condutor do grupo, no qual o grupo acredita e com o qual
interage.
No jornalismo o trabalho em equipe – onde a inteligência
emocional conta tanto quanto o preparo racional – é a estrutura básica na qual se apoia todo
o processo de criação intelectual e de produção industrial presentes nos modernos meios de
comunicação de massa. Naturalmente cumpre às boas escolas de jornalismo dotarem os
estudantes destas noções relacionadas com a capacidade de conviver com o diferente, de
aceitar o outro, de ser solidário e bom caráter para que o trabalho em grupo obtenha os
melhores resultados. Na própria escola o sentido de equipe deve ser despertado e valorizado
na produção acadêmica. Em uma de suas entrevistas ao Roda Viva, anos atrás, De Masi
contou que em determinada época de sua carreira acadêmica exigia que os alunos, ao
entregarem seus trabalhos de grau, comprovassem o esforço de alfabetização de certo
número de italianos. Propôs essa idéia para o Brasil, certamente por não compreender como
a universidade brasileira preza tanto a burocracia que tudo trava e tudo impede. Certamente
a estética da cultura nacional ou da educação brasileira seria outra com providências tão
simples. Isto evitaria o vexame do Tribunal Superior Eleitoral ter que exigir dos candidatos a
vereador, em algumas regiões, a prova de que sabem escrever o próprio nome.
Neste capítulo fizemos um breve levantamento histórico
sobre a relação dos homens com a natureza, onde emergem os conceitos filosóficos a
respeito da existência de Deus e sobre o sentido da vida. Depois discutimos o conceito de
“ecologia profunda”, puxando o debate para o plano do próprio homem onde a preservação
da natureza deve ser praticada em função dela mesma e não do homem em si, ficando
implícito, do mesmo modo, que a nossa aceitação do outro – do seu modo de vida, de ser, de
pensar, de se relacionar com o seu Deus, com a sua sexualidade, a sua etnia etc – deve se dar
a partir do outro mesmo e não a partir de mim, dos meus parâmetros, da minha aceitação ou
não. (“Discordo inteiramente do que dizeis, mas defendo até a morte vosso direito de
expressá-lo”, pontificava Voltaire). O encaminhamento natural para adquirirmos esse
respeito pelo outro – animal, árvore, pedra ou gente – seria a revalorização da ética,
57
disciplina tão desprezada, exatamente nestes tempos nos quais faz tanta falta, que em muitos
cursos de jornalismo é uma matéria que vale apenas a metade das demais, contando,
portanto, com apenas dois créditos na grade universitária, o que significa apenas duas horas
de aulas por semana e não quatro como as outras. Sem ética a sociedade não vai a lugar
nenhum. Só teremos a corrupção que resulta da já citada "Lei de Gerson". O resultado da
corrupção é mais corrupção, mais violência, mais desemprego, mais injustiça social, porque
é preciso pagar mais impostos para cobrir as despesas do governo e das empresas com as
vultosas propinas, o que encarece o custo-Brasil para os investidores externos. Através da
ética, poderemos aspirar a um comportamento estético nas artes, na sociedade, na cultura, na
educação e até na política. Poderemos pensar um “jornalismo estético” não do ponto de vista
da apresentação física dos meios, mas do ponto de vista do seu comprometimento social
com a comunidade, da sua capacidade de servir ao receptor e não de servir-se dele para obter
outras vantagens. Trata-se de colocar o receptor como sujeito e não como objeto da
informação.
Sob tal ponto de vista, podemos nos filiar à abordagem de
Hans Robert Jauss que trata exatamente de elevar o receptor da informação ao status de
sujeito, mas um sujeito que determina o próprio contexto de produção do discurso. Isto
talvez explique porque os grandes meios de comunicação contam sempre, em sua estratégia
operacional, com um braço forte que o grande público não percebe, chamado Instituto de
Pesquisa. Além das pesquisas de aplicação externa sobre assuntos de interesse político ou
econômico ou social, tais institutos também pesquisam a aceitação do próprio veículo, a
ponto de alguns apresentadores de TV, tempos atrás, tocarem um sino toda vez que o Índice
Verificador de Audiência, mantido pelo IBOPE, batia o concorrente...o que pode ser
considerado a própria estetização da informação, isto é, a informação (muitas vezes gritada,
como no programa do apresentador de TV, “Ratinho”) pela informação, apenas voltada para
o faturamento da audiência que resultará em “faturamento” da nova tabela de anúncios...Um
fim em si mesmo.
Foi com uma aula inaugural na Universidade de Constança,
na Alemanha, em 13 de abril de 1967, que Jauss lançou a sua Teoria Estética da Recepção,
com o texto “A História da Literatura como provocação à Teoria Literária”. Para ele, “a
obra literária não é um objeto que exista por si só, oferecendo a cada observador em cada
época o mesmo aspecto...ela é um processo de recepção e produção estética que se realiza
na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz
58
novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete” (JAUSS, 1994, p. 25). 58
Certamente, só pela educação ampla, integrando escola e
sociedade, com a estratégica utilização dos meios de comunicação, e através de uma
legislação que cumpra sua obrigação de coibir os crimes ambientais, de forma enérgica e
justa, será possível caminhar para o mundo estético também em relação ao meio ambiente e
não só na Literatura como visto em Jauss.
A boa norma de investigação metodológica, todavia, não
comporta generalidades. Por isto, ao tratar do meio ambiente e da educação ambiental e ao
juntar estas duas categorias com o exercício do jornalismo, escolhemos um campo
específico do meio ambiente que congrega, em si, toda a questão. Trata-se do Consumo
sustentável. Se tivermos uma formação ética para consumir sem afrontar a justiça social e os
direitos do outro, se formos educados a consumir sem consumir o meio ambiente, se
chegarmos a um acordo sobre a “estética do consumo” no mundo pós-industrial, então
poderemos propor uma estratégia de educação integrada e permanente para a
sustentabilidade do outro mundo possível. Poderíamos tratar de etnias, desenvolvimento,
geopolítica, urbanização, direitos sociais etc, mas entendemos que tudo isto pode ser visto
através do foco no consumo.
É o que vamos discutir no próximo capítulo.
58
Cf. JAUSS, 1994, p. 25.
59
O FENÔMENO DO CONSUMISMO
1.
O Paradigma do Consumo
2.
Consumo Globalizado
3.
Os Inimigos do Meio
4.
Os Amigos do Meio
60
Capítulo 2
O FENÔMENO DO CONSUMISMO
O problema da sociedade de massa
é o consumismo, a superficialidade.
H. ARENDT
1. O Paradigma do Consumo
Em Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, de 1687,
o
formulador da teoria da gravitação universal, sistematizador da mecânica e descobridor do
cálculo, Sir Isaac Newton (1642-1727), afirma que um novo paradigma somente surge
quando o anterior é totalmente explorado em todas as suas variáveis. 1
Com efeito, a
transitoriedade dos paradigmas está prevista em sua própria definição, pois são considerados
realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem
problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência. Já
vimos que o Paradigma Medieval - caracterizado pela Escolástica Aristotélico-Tomista,
com base no Teocentrismo, onde o homem conquista o paraíso pelo sofrimento e pela
submissão à hierarquia – deu lugar, nos séculos XVI e XVII, período que os historiadores
chamam de Idade da Revolução Científica, ao Paradigma Mecanicista, resultante das
mudanças revolucionárias na física e na astronomia, destacando-se as descobertas de
Copérnico, Galileu e Newton. O novo método de investigação, desenvolvido por Francis
Bacon, envolvia a descrição matemática da natureza, enquanto Descartes desenvolveu o
método analítico de raciocínio (Cogito, ergo sum – penso, logo existo). Nesse paradigma a
fé é questionada (antropocentrismo), impera a razão, toda a realidade é reduzida à soma das
partes, à fragmentação, à especialização.
Mas a passagem de uma sociedade fundamentalmente
1
Citado por K. & HÖSLE, 2001, p. 249.
61
agrícola-artesanal para o espaço urbano-industrial, que caracterizou a Revolução Industrial
nos séculos XVIII e XIX, deu início ao questionamento do pensamento mecanicista,
racionalista e reducionista. O sofrimento psíquico causado pela fragmentação do saber,
baseada nas técnicas de estímulo-resposta desenvolvidas, no ensino e na psicologia, por
Skinner e Pavlov (conhecimento reprodutivista), indicava o esgotamento do paradigma. O
homem moderno passou a relativizar os conceitos deterministas, observando que o universo
não pode ser uma equação de causa e efeito. A realidade é mais complexa, quando olhada
holísticamente, no seu conjunto, com suas nuances e seus detalhes que não podem ser
desprezados. O novo paradigma, chamado de Pensamento Complexo ou Era da Incerteza, é
assim formulado:
a) Visão sistêmica da realidade, percebendo que os componentes de cada unidade unem-se com
finalidade comum, mas o todo não é igual à soma das partes. Deve-se levar em consideração todas as
relações: todo + partes + relações entre as partes + relações do todo com as partes + relações das partes
com o todo.
b) Percepção de que a visão sistêmica leva à concepção de subsistemas, metasistemas, megasistemas
etc formando interligadas cadeias em que tudo se liga a tudo.
c) Ligação de tudo com tudo, que conduz à visão ecológica decorrente da cadeia mente – corpo – outro
- grupo social – humanidade – ecossistema - planeta etc.
d) Probabilismo no lugar do rígido determinismo da visão mecanicista ou do fatalismo da visão
religionista.
e) Busca de valores espirituais – não necessariamente religiosos ou denominacionais – compatíveis com
os anseios místicos e transcendentes do homem neste ciclo histórico.
f) Interdisciplinaridade, como metodologia, para a integração do conhecimento, propiciadora de uma
nova atitude mental, de outro nível de complexificação cerebral e de alternativa de expressão do saber.
Mais que uma reunião entre disciplinas no âmbito acadêmico, é um instrumento mental, intelectual,
cerebral, que possibilita o inclusivismo, a relativização, a priorização e a capacidade de integração do
conhecimento em relação ao objeto a ser conhecido.
g) Convivência com a entropia, propiciando nova concepção de equilíbrio; vigilância sobre o sistema,
redirecionando-o em busca de suas metas, atuando probabilisticamente e realimentando-o quando se
fizer necessário.
h) Compromisso ético, social e político e a abertura para a transcendência, sem os quais o ser humano
2
não se assume plenamente como tal. (MORIN, [s.d.]).
Também com um olhar sistêmico, podemos perceber, na sociedade
contemporânea, dentre os paradigmas gerais da complexidade ou da incerteza, o paradigma,
ou subparadigma do consumo que se impõe como norma de vida no mundo globalizado.
Tudo indica que ainda é cedo para vislumbrar nesse paradigma o esgotamento que, segundo
Sir Isaac Newton, cederia lugar ao novo paradigma, talvez um retorno à espiritualidade – em
bases mais consistentes e esclarecidas que o teocentrismo medieval - à relativização do
2
Cf. MORIN E. O Problema Epistemológico da Complexidade . Lisboa: Ed. Europa-América, [s. d.],
passim. Cf. também MORIN, E. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, passim.
62
estetismo consumista, à superação do consumo como um fim em si mesmo. De qualquer
modo, há muitas pessoas e organizações, em todo o mundo, empreendendo esforços no
sentido de superar esse paradigma. Resistindo à maldição do fatalismo e à peste da
desesperança de que fala o poeta uruguaio Eduardo Galeano, 3 autor de As Veias Abertas da
América Latina, elas compreendem que o consumo excessivo é uma doença psicológica e
uma grande injustiça contra a natureza e os outros homens, conforme tentaremos mostrar
neste capítulo. Elas também sugerem inúmeras formas de colaborar com o consumo
sustentável e ético. Entretanto, os avanços têm sido lentos, embora apresentando um
indicativo de crescimento constante, diante dos “recados fenomenais” que a própria natureza
está passando ao homem, de forma bastante inequívoca.
O que ocorre hoje é que, influenciados pela mídia, não
consumimos porque precisamos de determinados produtos, mas para ter o que os outros têm,
para não ficar “diferente”, para ter status, para atrair admiração e aprovação, para chamar
atenção, para tentar curar nossa ansiedade provocada pela necessidade de ter que jamais será
saciada...num círculo
vicioso que se repete ad aeternun, como no torturante Inferno de
Dante, sem trazer felicidade ou satisfação, pois é fisicamente impossível ter todas as coisas.
É impossível para o homem ter todos os bens e toda a ciência, embora nem sempre ele
pareça concordar com esta falta de omnisciência e de ubiqüidade ou de poder absoluto. A
este respeito, consideremos que o professor de Platão, Sócrates, não apresentava respostas
diretas às indagações que os discípulos lhe faziam. Propunha a todos uma atitude de
ceticismo, ensinando que só a indagação nos levará à descoberta do que procuramos e que só
nos tornamos donos daquilo que nós mesmos elaboramos. Por isto ele partia de uma
premissa básica: “Sei que nada sei.” Naquela época, conta-se, perambulava pelas ruas de
Atenas o filósofo Diógenes. Abandonara todas as suas posses para morar num barril e
esmolar pelas ruas, fugindo da falsidade dos pseudos amigos (aqueles que desaparecem
quando não podemos mais lhes ser úteis) e da hipocrisia do gênero humano. Costumava usar
uma lanterna acesa durante o dia e aos que indagavam a razão, respondia: “Procuro um
homem de bem”. Uma vez Alexandre, o Grande, que tinha tido Aristóteles como preceptor,
na Infância, deparou-se com ele, interpondo-se entre o filósofo e a luz do sol. Conhecedor da
sabedoria do grego, perguntou o que poderia fazer por ele: “Basta que me restituas a luz do
3
“Navega o navegante, embora saiba que jamais tocará as estrelas que o guiam”. In: “Dom Quixote dos
paradoxos”. Envolverde – Revista digital de Meio Ambiente e Cidadania –
http://www.aw4.com.br/envolverde/materia.php?cod=609. Acesso em: 3 fev. 2005.
63
sol”, respondeu Diógenes. O ceticismo de Sócrates ou o cinismo de Diógenes podem
parecer estapafúrdios aos nossos sensíveis olhos. Mas, infelizmente, todos conhecemos
muitas personalidades do nosso glamuroso mundo moderno que se escandalizam com essas
lições de humildade, considerando-se alguns centímetros acima da estatura humana
convencional por dominarem algumas fórmulas e princípios ou por se darem bem na vida
pública, acadêmica, social, ou por estarem momentaneamente em posições de destaque.
Mas nada que o tempo não corrija, se lembrarmos a caricatura que Chaplin faz de Hitler em
Tempos Modernos, na impagável cena do ditador brincando com o globo terrestre, ou como
está a nos lembrar a deliciosa poesia de Borges, 4 ao nos recordar a finitude das coisas e a
vaidade de nossas preocupações.
A grande verdade é que, embevecido diante da televisão,
por três horas, em média, por dia, o homem moderno revive o Mito da Caverna e passa a
acreditar muito mais na imagem do que na realidade. As cores e sons – tal qual o próprio
ambiente - parecem falar diretamente ao cérebro, numa sinestesia que “pula” a etapa do
olhar, 5 do meditar, do refletir. É a Teoria da Agulha Hipodérmica: As informações são
injetadas direto na mente. Como que subliminarmente, as pessoas vão sendo condicionadas a
aceitarem os padrões de consumo ostentados nas novelas e filmes, passando a desejar o
mesmo brinco da atriz, o mesmo sapato do ator, o mesmo vestido, o mesmo penteado, a
mesma bebida, o mesmo estilo de vida ou de comportamento...sem se perguntar: “Eu preciso
disto para ser feliz?”.
4
“Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, seria mais relaxado.
Seria mais bobo do que fui;
na verdade encararia muito poucas coisas com seriedade.
Se tivesse outra vez a vida pela frente ...
Mas já se vai, tenho 85 anos e estou morrendo”.
(JORGE LUIS BORGES – Instantes.)
5
"Se corpo e cérebro são indissociáveis [ao contrário do que pensava Descartes] e interagem entre si e com o
meio, existem vias que possibilitam esta interação: entre o corpo e o cérebro há aquela [via] mais antiga, em
termos evolutivos, que é a corrente sangüínea, transportadora de sinais químicos, como os hormônios, os
neurotransmissores e os neuromoduladores; mas também há aquela [via] constituída pelos nervos motores e
sensoriais periféricos que transportam sinais de todas as partes do corpo para o cérebro e do cérebro para toda
parte do corpo, enquanto entre corpo, cérebro e meio as relações são mediadas pelos aparelhos sensoriais....O
ambiente deixa sua marca no organismo de diversas maneiras. Uma delas é por meio da estimulação da
atividade neural dos olhos (dentro dos quais está a retina), dos ouvidos (dentro dos quais estão a cóclea, um
órgão sensível ao som, e o vestíbulo, um órgão sensível ao equilíbrio) e das miríades de terminações nervosas
localizadas na pele, nas papilas gustativas e na mucosa nasal. O que está proposto aqui é que os sentidos são as
vias de contato entre o que é interno ao homem e o que lhe é externo, e que tais relações não são exclusividade do
corpo, mas de um corpo com um cérebro". DAMÁSIO (2001), citado por TALAMONI, 2003, p. 49.
64
Indaguemos, entretanto, porque as coisas se passam desta
forma no mundo em que vivemos. Porque consumimos tão desenfreadamente gerando tanto
lixo e causando tantos danos à natureza? Será que estetizamos o consumo por vontade
própria? Por certo que não. Há poderosíssimos interesses que nos empurram
permanentemente nessa direção. Também aqui a Teoria Geral dos Sistemas vem nos
socorrer, pois nada acontece por acaso. Nem os consumidores, nem os fabricantes, nem os
comerciantes, nem a publicidade, nem os meios de comunicação formam sistemas isolados
e independentes um do outro.
Tudo está imbricado e interrelacionado. Os sistemas
funcionam porque estão permanentemente abertos um para o outro, em perfeita sintonia.
Em 1950, um analista de marketing americano, Victor
Lebow, escreveu que “...nossa economia altamente produtiva....exige que façamos do
consumo um meio de vida...Precisamos que as coisas sejam consumidas, queimadas,
desgastadas, substituídas e descartadas a um ritmo cada vez mais intenso”. 6 Mas “a
veneração compulsiva no altar do consumo colocou a humanidade à beira de um abismo
ambiental exaurindo recursos, disseminando poluentes perigosos, minando ecossistemas e
ameaçando conturbar o equilíbrio climático do planeta. Afastar-se desse precipício exigirá um
recuo radical das pretensões humanas sobre os recursos da Terra”. ("Estado do Mundo -
2004", p. 121).
7
Infelizmente, o crescimento econômico infindável, sustentado pelo
consumo descontrolado, tem sido elevado ao status de religião moderna. Para alguns
observadores, produção em massa, consumo em massa e sistemas de descarte em massa são
nada menos do que simples necessidade econômica. É isto que explica a pouca durabilidade
dos produtos que compramos hoje. Todos eles incluem uma “obsolescência programada”,
desde as lâminas de barbear que o caixeiro viajante King Camp Gillette começou a vender
em 1859, até nossos modernos carros, computadores, geladeiras, demais eletrodomésticos,
aparelhos de som etc. É isto que faz a felicidade dos acionistas das grandes corporações, que
robustece a conta bancária das agências de publicidade, que alegra os políticos interessados
na “felicidade do povo” (“Voltem às compras”, pediu o presidente dos EUA, George Bush,
após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001).
O que está em marcha, certamente, é uma epidemia difícil
de ser enfrentada porque, ao mesmo tempo que o consumismo vicia como as drogas, ele não
6
HALWEIL,B. e NIERENBERG D. Rumos para uma Economia Menos Consumista. In “Estado do Mundo,
2004: estado do consumo e o consumo sustentável" / Worldwatch Institute; apresentação: Enrique Iglesias;
tradução Henry Mallett e Célia Mallet. Universidade Livre da Mata Atlântica-UMA. Salvador-BA, 2004, p. 121.
7
Estado do Mundo - 2004, p. 121.
65
é atacado como se dá com o uso e o tráfico de drogas. Pelo contrário, ele é realçado, é visto
positivamente, como uma atitude “do bem”, é glamurisado. Todos estão interessados no
festival de consumo em que se transformaram as festas religiosas ou as datas de aniversário.
A família é vista como uma “unidade de consumo” e a publicidade já sabe que pode
aumentar as vendas segmentando o público-alvo. Por isto fala diretamente ora às crianças 8 ,
ora aos idosos 9 , ora às donas de casa, ora aos adolescentes e jovens etc. Isto conduz a pessoa
a contrair a “doença do consumo”. Ela compra livros que jamais terá tempo de ler, assina
jornais e revistas que vão para o lixo sem terem sido sequer folheados, compra mais sapatos
do que tem capacidade de usar, guarda no armário roupas que ficarão lá com a etiqueta
original porque nunca serão usadas, mora em regiões mais baratas da cidade para poder ter
um carro importado, compra tudo o que vê no supermercado e depois não tem sequer ânimo
de guardar – quando não ocorre de esquecer as compras no porta-malas do carro – vê
programas inúteis na TV pelo simples hábito de ver perdendo um tempo valioso que poderia
ser dedicado ao convívio com a família, os amigos ou a um lazer mais sadio, freqüenta
restaurantes caros com o cartão estourado por achar que só assim estará demonstrando afeto
à pessoa amada...
Como
nos defendermos da dependência psíquica do
consumo se todos estão interessados em sua permanência e, principalmente, em sua
ampliação? Que veículo de comunicação vai dispensar verbas publicitárias se depende delas
para sobreviver, reinvestir etc? Que comerciante deixará de anunciar exaustivamente seus
8
Segundo cálculos do Instituto da Criança, órgão que realiza estudos sócio-econômicos sobre a infância, na
França, os pequenos influenciam em mais ou menos a metade dos gastos familiares. Por exemplo:
determinam 75% das compras de cereais e 73% das de iogurte, assim como o destino das férias (43%) ou as
atividades nas horas de folga (72%)...Joël-Yves Bigot, diretor do Instituto, ressalta que há dez anos as
crianças influenciavam o consumo a partir dos 5 ou 6 anos...hoje começam a determinar o consumo aos 3
anos e fazem questão das marcas que antes pediam aos 6 ou 7 anos, devido a um relacionamento social que
começa mais cedo, inclusive com a escolaridade que, na França, é iniciada a partir dos 3 anos. Citado por
“Portal da Família – Filhos do Consumismo, disponível em www.portaldafamília.org Acesso em: 7 mar. 2005.
9
Quando Otto Von Bismarck, o nobre prussiano que fundou o que hoje conhecemos como Alemanha, criou,
em 1880, o primeiro plano de aposentadoria alemão, ele fixou a idade de 65 anos como marco de entrada na
velhice. A expectativa média de vida era de 45 anos. Hoje pessoas de 70, 80 e até 90 anos se mantém ativas e
movimentam a economia como qualquer outro segmento etário. Estima-se que em 2020, no Brasil, mais de
30 milhões de pessoas terão 60 anos ou mais, representando 13% da população. Em 2000 eles eram
8,6%.Entre os idosos o segmento que mais cresce é justamente o dos mais velhos: no grupo com 75 anos ou
mais, o crescimento foi de 49,3% entre 1991 e 2000. Calcula-se que em 2050, pela primeira vez na história
da humanidade, o número de idosos no planeta será igual ao número de crianças, situação que obrigará
vários países a mudar radicalmente a forma de organização de suas cidades, sua economia e suas instituições,
principalmente a Previdência diante do custo que será arcar com as aposentadorias. Também é intensa a
participação do idoso na economia. Em 2000 os idosos dos EUA controlavam 70% da riqueza do país, algo
como US$ 7 trilhões, segundo o pesquisador americano Ken Dychtwald. Em 30 anos deixaremos de ser um
país de jovens, diz o consultor Ricardo Neves, que estuda as mudanças no comportamento neste início de
século. Cf. Revista Época, São Paulo, 22 nov. 2004, p. 92-93.
66
produtos pouco importando sua origem, constituição ou destino? Quem se interessa se o
produto vem de um país distante, quando poderia estar gerando empregos aqui, ou se é
produzido em situações de trabalho infantil ou de escravização de imigrantes, ou se resulta
da humilhação de trabalhadores sub-assalariados e submetidos a condições desumanas de
produção, ou se o produto em si pode apresentar riscos à saúde, como no caso dos
transgênicos ou das embalagens tóxicas, ou se a embalagem do produto vai gerar resíduos
sólidos não degradáveis que ficarão poluindo o meio ambiente durante séculos? Quem se
preocupa se a propaganda dirigida à criança vai causar sérios problemas de obesidade 10 que
a prejudicarão por toda a vida? 11
É porque estamos doentes que não fazemos todas essas
perguntas. No máximo separamos o lixo reciclável na cozinha e lavamos as mãos como
Pilatos: “Este problema não me pertence mais”. Mas quando colocamos o lixo na rua não
estamos jogando o lixo “fora”. Estamos jogando o lixo “dentro” do ecossistema. Na calçada
de nossa casa a trajetória do lixo não está terminando. Ela está apenas começando. E isto nos
diz respeito. Muito. Lembremo-nos que o termo grego “oekologie” é composto de duas
palavras: oikos (casa) e logos (estudo, reflexão).
As pessoas que não perderam e jamais perderão a esperança
de mudar os rumos do consumismo, de transformá-lo em atitude consciente e de reflexão,
convidam-nos a estudar a nossa casa, a olhar para dentro de nós mesmos: “Estou fazendo a
minha parte? É suficiente? O que mais posso e devo fazer?”. O questionamento nos leva a
compreender que não estamos diante de uma crise de ambiente, estamos diante de uma crise
de valores éticos, uma falha moral da sociedade: “A crise ecológica também é uma crise dos
valores humanos, da ética em todas as dimensões, e traz à tona novos pensamentos, novos
conflitos, novas possibilidades, novas soluções e novos comportamentos diante do
planeta”. 12
10
O sócio diretor e vice-presidente de criação da agência de propaganda QG, Sérgio Lopes, reconhece que as
campanhas publicitárias conseguem transformar hábitos alimentares e, em alguns casos, realmente levam o
público ao consumo exagerado de determinados produtos: “O principal objetivo da publicidade é convencer
o público a consumir o produto anunciado, de preferência várias vezes ao dia. Mas a intenção é divulgar um
produto desconhecido e mostrar suas vantagens, e não fazer o consumidor engordar”, disse à Agência de
Notícias da FAPESP em 22 ago. 2005. Cf.
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_print.php?data[id_materia_boletim]=4212 Acesso em: 22 ago. 2005.
11
O Brasil gasta todos os anos R$ 15 milhões no tratamento de doenças associadas à obesidade, como
diabetes, infarto e hipertensão, enquanto uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
apontou recentemente que 10% dos adolescentes brasileiros entre 10 e 15 anos são obesos. (id. ibid.)
12
AZEVEDO, G.C. “Uso de jornais e revistas na perspectiva da representação social de meio ambiente em
sala de aula”. In: Verde cotidiano, p. 68. Cit. por TALAMONI, 2003. p. 61.
67
Os números do consumo mundial demonstram, à exaustão,
que não há ética nem estética nesse modo enlouquecido de comprar tudo. Examinemos os
números.
2. Consumo Globalizado
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), a parcela da sociedade que está francamente inserida no consumo
forma uma classe mundial estimada em 1,7 bilhão de adeptos fiéis, com renda anual média
de US$ 7.000. E, provando que a concentração da renda é o maior de todos os males do
mundo moderno (HOBSBAWM,1995, p. 393, 395 e 397) 13 , mais da metade desses
consumidores estão nos países “em desenvolvimento”. Nessas “ilhas de riqueza” do Terceiro
Mundo, a palavra-chave é imitar os padrões de consumo da Europa e dos EUA (o que
Roberto Campos chama de “crescimento imitativo”) 14 , a tal ponto que o Brasil é o segundo
maior comprador de aviões executivos do mundo, logo após os EUA, e São Paulo tem uma
das maiores frotas de helicópteros do planeta. Ora, se a mídia é mantida pelo capital das
elites e se as elites estão de costas para o Brasil, geralmente voltadas para os grandes
negócios internacionais, então resulta claro que a mídia, no Brasil, é um negócio das elites,
por isto, não está interessada em “notícias menores” que tratam de cooperativas, projetos
comunitários, críticas ao modelo consumista, ou líderes carismáticos que enfrentam o
poderio americano, como fazem os ambientalistas. 15 Assim, o noticiário econômico, que
interessa diretamente às elites, é o principal tema da mídia, conforme
denunciado,
reiteradamente, no âmbito do Forum Social Mundial. Até mesmo as receitas culinárias,
13
“A história mundial dos 20 anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas referências e resvalou para a
instabilidade e a crise...A maioria das pessoas se tornou mais pobre na década de 1980 que foi de severa
depressão...No Brasil, monumento de injustiça social, campeão mundial de desigualdade econômica, os 20%
mais pobres da população dividiam entre sí 2,5% da renda total da nação, enquanto os 20% mais ricos
ficavam com quase dois terços dessa renda conforme dados do início da década de 1990”.
14
“Entre um terço e a metade da renda dos países periféricos é apropriada pelos que reproduzem os padrões
de vida dos países cêntricos, e a outra parte (entre metade e dois terços) divide-se de forma mais ou menos
desigual com a massa da população; nesse caso, a minoria privilegiada não pode ir muito além de 5% da
população do país”. (Cf. FURTADO, C. O Mito do Desenvolvimento Econômico, 1974, p. 84).
15
A primeira entidade ambiental nasceu em 1948, quando foi criada a União Internacional para a
Conservação da Natureza (UICN) integrando agências governamentais e órgãos não - governamentais,com o
objetivo de garantir os recursos naturais. Com a criação da UICN, os movimentos conservacionistas,
inclusive aqueles pela criação de parques nacionais, difundiram-se pelo mundo e foram criadas inúmeras
entidades não-governamentais. (Cf. PRADO, N. www.bonsventos.com Acesso em: 19 out. 2005.
68
agora já apresentadas com o noticiário, ou os programas vespertinos sobre os bastidores dos
famosos ou sobre as grifes da moda, falam de uma realidade que as pessoas pobres
desconhecem, falam de um outro mundo, do mesmo modo que a linguagem da mídia é como
um código fechado para determinados segmentos de público. As grandes negociatas são
noticiadas apenas através do seu potencial explosivo de escândalos, tanto quanto os
“espetáculos” ambientais da natureza, como as tsunamis de 2004 na Ásia ou os furacões de
2005 no sul dos EUA. Porém, passado o “efeito IBOPE” capaz de galvanizar a audiência em
massa, o tema é totalmente esquecido e a mídia passa batido para o próximo escândalo. Em
recente artigo na Folha de S. Paulo - relacionado na pesquisa quantitativa deste livro – o
Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, disse que é uma vergonha que a ajuda humanitária
internacional só se faça presente nos locais de grande sofrimento humano enquanto os
holofotes da mídia estão acesos. Reclamou que a mídia não dá o mesmo destaque para
regiões de conflitos que estão matando milhares de pessoas no interior da África pelo
simples fato que ali vivem pessoas pobres, em cenários de abandono e miséria que
certamente não proporcionarão as imagens estéticas e anestesiantes que a mídia quer.
Enquanto isto, mais de seis mil corpos ficaram sem identificação, dentre os 300 mil mortos
do maremoto asiático – ou pelo menos tiveram essa identificação adiada, com grande
sofrimento para as famílias – porque os médicos legistas pegaram os aviões de volta para
casa assim que a mídia encerrou a cobertura, segundo documentado também na pesquisa
quantitativa sobre a presença do meio ambiente na mídia. 16
Não é difícil perceber que a falta de ética – procedente do
mau exemplo das elites arrogantes, bem como de governos corruptos, infelizmente - não é
fenômeno recente. É anterior à própria mídia, como vimos no início, ao tratarmos dos
grandes descobrimentos. É que o homem nasce bom, como defendem os humanistas, mas
não precisa de muito esforço para desenvolver, logo cedo, a tendência ao egoísmo e ao
individualismo, como também já vimos em Hobbes.
16
Em 30. ago. 2005, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o sub-secretário geral da ONU para
comunicações e informação pública, Shashi Tharoor, divulgou a lista dos 10 temas sobre os quais o mundo
deveria saber mais mas que são ignorados ou minimizados pelas redes de televisão e outros canais comerciais
de notícias. Esses temas incluem o processo para a paz na Somália, o problema da fístula obstétrica em países
pobres, a crise humanitária no norte de Uganda, o desarmamento de ex-combatentes em Serra Leoa, a
proliferação de organizações de direitos humanos e a violência contra as mulheres. Também não é dada
atenção às escassas possibilidades de os pequenos agricultores de países pobres obterem um preço justo por
sua produção, à luta de Granada para se recuperar da devastação do furacão Ivã, ao desenvolvimento como
ferramenta de luta contra as drogas, e à preservação ambiental para proteger potenciais curas para numerosas
doenças, conforme artigo de Thalif Deen, divulgado pelo Núcleo de Jornalistas Ambientais de São Paulo,
disponível em http:/www.jornalistasambientais.com.br/article/articleview/31/1/15/ Acesso em: 1 set. 2005.
69
Os números da ONU revelam ainda que em 2050 o mundo
deverá ter 9 bilhões de habitantes 17 e que, se nada for feito para reduzir o consumo, o
impacto sobre a oferta de água, a qualidade do ar, as florestas, o clima, a biodiversidade e a
saúde humana será extremamente grave. Ao nível das famílias, o consumo mundial foi de
US$4,8 trilhões em 1960, mas em 2000 ele já atingia US$20 trilhões, devido ao crescimento
da população e à prosperidade em vários países. Aqui é possível notar as grandes
disparidades do consumo não-ético, segundo a ONU: Os 12% da população mundial que
vivem na América do Norte e na Europa respondem por 60% do consumo privado global,
enquanto a terça parte da humanidade que vive no sul da Ásia e na África Subsaariana,
representam apenas 3,2%. 18 Enquanto a pobreza mata uma criança a cada três segundos – ou
seja, 1.200 crianças por hora - em algum lugar do planeta, conforme revelou o informe do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, em 7 de setembro de 2005,
duas entre cada cinco pessoas do globo terrestre, isto é 2,8 bilhões de seres humanos,
sobreviviam com menos de US$ 2 por dia, em 1999, o que as Nações Unidas e o Banco
Mundial consideram como mínimo para atender às necessidades básicas. Aproximadamente
1,2 bilhão de pessoas viviam sob “extrema pobreza”, medida por uma renda diária de menos
de US$ 1. Entre os mais pobres estão centenas de milhões de agricultores de subsistência,
que, por definição, não têm salário e raramente envolvem-se em transações comerciais. Para
eles, e para todos os pobres do mundo, os gastos em consumo resumem-se ao atendimento
às necessidades básicas.
Em termos percentuais, o crescimento populacional até
2050 deverá ser de 41%, segundo a Divisão de População das Nações Unidas. Assim, da
mesma forma que a crescente demanda de aparelhos eletrodomésticos e automóveis 19 pode
acabar com a economia de energia conquistada pelos programas de eficiência em
andamento, o crescimento da população mundial ameaça neutralizar qualquer avanço na
redução do volume de bens que cada pessoa consome. 20
A expectativa do Banco Mundial é que 99% do crescimento
populacional se dará nas nações em desenvolvimento, mas embora a população do país mais
17
World Population Prospects, The 2002 Revision, Nova York, 2003.
Cálculos do Worldwatch Institute, baseados em Banco Mundial, World Development Indicators Database,
em media.worldbank.org/secure/data/qquery.php. Acesso em: 2 jun. 2003. In: "Estado do Mundo-2004", p. 5.
19
As vendas de automóveis na China aumentaram 60% em 2002 e em mais de 80% no primeiro semestre de
2003. A tradicional bicicleta está sendo substituída ao ritmo de 4 milhões de carros novos por ano e até 2015,
nesse ritmo, segundo os analistas, 150 milhões de automóveis estarão congestionando as ruas chinesas. (id.,
ibid.).
20
"Estado do Mundo - 2004", p. 6 e 7.
18
70
consumista do mundo, os EUA, aumente a um ritmo de, aproximadamente, 3 milhões de
pessoas ao ano, e a Índia aumente em quase 16 milhões, o contingente adicional de
americanos causa maior impacto ambiental. Ele é responsável por 15,7 milhões de toneladas
a mais em emissões de carbono na atmosfera, contra apenas 4,9 milhões de toneladas na
Índia.
Quem está preocupado com o consumo ético, também deve
levar em conta a clamorosa injustiça que é a situação da África, [onde estivemos em 1998 e
1999]:
Enquanto boa parte do mundo entrega-se, desregradamente, à farra consumista, das 816 milhões de
pessoas que pertencem à Classe de Consumidores nos países em desenvolvimento, apenas 34 milhões
são da África Subsaariana, região que – como se vê - tem ficado à margem da prosperidade vivida pela
maior parte do mundo nas últimas décadas. Medidas em termos de gastos per capita de consumo
privado, a África Subsaariana caiu 20% em 2000, em comparação às duas décadas anteriores,
distanciando-se cada vez mais do mundo industrializado. 21
Até 2015 o Banco Mundial prevê que a classe de
consumidores globais atingirá 2 bilhões de pessoas, um aporte de 300 milhões de
compradores em relação aos números atuais. Apesar da tendência de crescimento do
consumo abranger praticamente qualquer tipo de bem ou serviço que esteja à venda, a
pressão maior no ecossistema mundial deverá se dar em itens fundamentais como água e
alimentos. Em 2000, 1,1 bilhão de pessoas não tinham acesso à água potável 22 e duas, em
cada cinco pessoas, ainda não dispunham de instalações sanitárias adequadas, como uma
ligação com sistemas de esgotos ou fossa séptica, ou até mesmo
latrina de fossa. O
problema era mais grave na zona rural, onde apenas 40% da população dispunham de
instalações sanitárias adequadas, em comparação com 85% dos habitantes urbanos, 23
enquanto, nos países mais pobres, uma em cada cinco crianças morre antes dos cinco anos
de idade por doenças relacionadas à água, conforme denunciado no Fórum Social Mundial
de 2003, em Porto Alegre, durante o seminário “Água para todos”, realizado nos dias 27 e
28 de janeiro.
A questão da água merece um espaço à parte. Esse líquido –
que não pode ser visto como uma commoditie, tal qual o petróleo ou o cobre, por exemplo,
21
id., ibid.
A ONU define como necessidade básica o mínimo de 20 litros por pessoa, por dia, a uma distância de até
1km da moradia do consumidor.
23
Dados sobre água limpa e saneamento do UNICEF, The State of the World`s Children 2003. Nova York, 2003, p. 95.
22
71
pois é indispensável à vida 24 , até mais que o próprio alimento - tem estado presente no
planeta há pelos menos 3 bilhões de anos, circulando entre terra, mar e ar, num cíclo
impelido pelo sol que cria uma ilusão de abundância: ela cai do céu, ano após ano. 25 Seu
maior volume de consumo se dá na agricultura (70%), seguida da indústria (22%) e das
cidades (8%). Acredita-se que a água será motivo de grandes conflitos nas próximas décadas
– como se dá hoje com o petróleo – porque sua distribuição é muito irregular no planeta. As
regiões hidrologicamente mais ricas da terra concentram 40.700 quilômetros cúbicos de
água doce que estão em apenas seis países: Brasil, Rússia, Canadá, Indonésia, China e
Colômbia. Assim, enquanto o Canadá apresenta um índice de 92.000 metros cúbicos de
água por habitante, a Jordânia tem 138, Israel tem 124 e o Kuwait não tem praticamente
nada. Mas também dentro dos países a distribuição é irregular. No caso do Brasil, por
exemplo, a maior quantidade de água está na região norte, onde a população é menor,
enquanto o sul/sudeste, com maior demanda populacional e industrial, precisa racionar para
não ficar sem. Isto também ocorre na China. Lá, entretanto, o problema é mais grave por
causa do contingente populacional. O país tem 21% da população mundial, mas apenas 7%
da água doce do planeta e a maior parte encontra-se na região sul. A Planície Norte da
China, que inclui o Rio Amarelo, é uma das regiões mais populosas do mundo com escassez
hídrica. Abrigando cerca de 450 milhões de pessoas, seu suprimento per capita é de menos
de 500 metros cúbicos por ano, quase igual à Argélia. Quase todo ano o baixo Rio Amarelo
seca completamente antes de alcançar o mar. No entanto, a Planície Norte é responsável pela
produção de um quarto dos grãos da China. Isto tem sido possível através da intensa
exploração dos lençóis freáticos que, por isto mesmo, estão caindo a uma taxa de 1 metro a
1,5 metro ao ano. 26 Assim, quando compra soja do Brasil, em grandes quantidades, na
verdade a China está importando água, pois são necessários um milhão de litros de água para
a produção de 1 tonelada de soja, segundo Lester Brow, do Worldwatch Institute. 27
24
Nós somos água. O corpo de um bebê é 90% água; o corpo de um adulto, 70%. Nosso planeta, à
semelhança de nosso corpo, tem 70% de sua superfície coberta por água. Nós nascemos numa bolha de água.
No ventre materno passamos nove meses dentro de uma bolsa com o líquido amniótico que contém todas as
substâncias necessárias para crescermos até saltarmos para o mundo. Podemos ficar várias semanas sem
comer, mas se não ingerirmos líquidos, em dois dias começa o processo de falência múltipla dos órgãos,
levando uma criança à morte em cinco dias, e em dez, um adulto. Todas as formas de vida dependem da
água. Não existe vida onde não há água. Por isto, do ponto de vista biológico [sistêmico], água e vida não
podem ser separadas. Cf. Água, fonte de Vida – Campanha da Fraternidade 2004. Manual da CNBB, p.50.
25
POSTEL A. e VICKERS A. Incrementando a Produtividade Hídrica. In “Estado do Mundo– 2004”, p. 55.
26
id. ibid.
27
Cf. Escassez de Água contribui para Déficit na Colheita Mundial de Grãos. Lester Brown. In
http://www.wwiuma.org.br/ Acesso em: 30 .mai.2004.
72
Quem mais pressiona os recursos hídricos do planeta são os
EUA, onde é comum manter jardins e áreas verdes “sempre verdes” o ano todo, nas
repartições públicas, nas grandes empresas, nas residências. 28 Desse modo, enquanto o
cidadão da Etiópia consome 42 metros cúbicos de água por ano e o nigeriano 70, o morador
dos EUA tira, da natureza, 1.932 metros cúbicos de água/ano. Para atender às Metas do
Milênio, aprovadas em 2000 pela Assembléia Geral das Nações Unidas e reafirmadas na
Cúpula Mundial de Joanesburgo em 2002, as nações comprometeram-se a reduzir à metade,
até 2015, a proporção de pessoas sem acesso à água potável e ao saneamento básico.
Quem pensa em consumo ético, deve lembrar que ao optar
por carros mais potentes, mais gastadores de gasolina, não está apenas lançando mais gases
estufa na atmosfera, também está gastando mais água, pois o processo de produção de um
litro de gasolina, do poço à boca do tanque do carro, consome 18 litros de água. Entretanto,
ao optar por materiais recicláveis – em substituição a produtos virgens – estamos
economizando água. O reprocessamento da sucata de alumínio, por exemplo, resulta na
economia de 17% menos água que no processamento do alumínio bruto. 29 Se os governos
tivessem a boa vontade de desenvolver um bom programa de rotulagem que ajudasse o
consumidor a identificar a origem do produto que está comprando e qual sua intensividade
em energia e água, por exemplo, o consumidor poderia fazer escolhas melhores.
Infelizmente, pelo menos no Brasil, até mesmo os rótulos dos produtos agrotóxicos são
apresentados em letras muito miúdas que dificultam o entendimento das normas de
segurança, levando a muitos casos de intoxicação e morte, como denuncia o ex-ministro do
meio ambiente, José Lutzenberger. 30
A falta de informação, muitas vezes, é que leva ao consumo
insustentável. Quando preferimos a água mineral engarrafada, por exemplo, estamos em
28
A irrigação diária dos gramados e jardins dos Estados Unidos consome cerca de 30 bilhões de litros de
água, um volume que encheria 14 bilhões de pacotes de 6 latas de cerveja. O gramado médio consome
38.000 litros por verão. Os Estados Unidos também possuem cerca de 60% dos campos de golfe mundiais e
seus 700 hectares absorvem cerca de 15 bilhões de litros de água por dia. (Cf. Estado do Mundo – 2004, p.
72).
29
Estado do Mundo – 2004, p. 60 e 76.
30
“De todas as orgias de venenos a que somos submetidos, talvez a mais absurda seja a dos domotóxicos, os
venenos que cada dia mais se aplicam em nossos lares e logradouros públicos. Os supermercados, armazéns e
botequins estão cheios de inseticidas, repelentes, aromatizantes, desinfetantes, em embalagens atrativas, às
vezes adicionadas de presentes para as crianças. Na TV se podem ver anúncios como aquele do bebê
dormindo enquanto a mãe aplica um spray de inseticida contra o mosquito em torno do berço...Venenos
como carbamatos, dicloros, diazinon, ácido crisantêmico e tantos outros – vendidos sem nenhuma
advertência quanto à sua real periculosidade – podem atacar o sistema nervoso central ou o sistema
respiratório ou causar problemas no sistema imunológico, renal, hepático e demais sistemas do organismo. In
LUTZENBERGER: 2004, p. 30.
73
busca de segurança alimentar e nos sentimentos muito bem informados com isto. Mas
ninguém nos diz que os lençóis freáticos podem estar contaminados com pesticidas ou que
os garrafões plásticos podem transportar bactérias durante o manejo ou que o próprio
plástico PET que embala a água pode conter produtos químicos poluentes. Um estudo
quadrienal do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais testou mil garrafas vendidas nos
EUA e detectou que um quinto continha produtos químicos tais como tolueno, xileno ou
estireno – tidos como, ou com possibilidades de serem cancerígenos – e neurotoxinas. Na
Índia, testes realizados em fevereiro de 2003 pelo Centro para Ciência e Meio Ambiente
encontraram níveis altos de pesticidas em amostras de água, resultando na retirada de
certificados oficiais de qualidade de uma série de marcas e em advertências dirigidas à
Coca-Cola e PepsiCo. A própria Perrier fez um recall mundial em 1990 por causa de alto
nível de benzeno em seu produto. 31
Nos lugares onde há água de boa qualidade, basta retirá-la
da torneira e filtrar, mantendo-se o filtro sempre limpo. Outra solução é cobrar das
autoridades mais rigor na fiscalização da água engarrafada que disparou a produção de PET
no mundo, passando de 738 milhões de quilos em 1999, mais que o dobro do volume
produzido em 1990. Porém, se é para ser politicamente correto, também vale lembrar que a
produção de 1kg de plástico PET requer 17,5 kg de água e resulta em emissões de 40 gramas
de hidrocarbonetos, 25 gramas de óxidos sulfúricos, 18 gramas de monóxido de carbono, 20
gramas de óxido de nitrogênio e 2,3 gramas de dióxido de carbono. Gasta-se mais água para
produzir a garrafa de água que a água contida no vasilhame. No caso do vasilhame one way ,
aquele que jogamos “dentro” do ecossistema, ele vai demorar 400 anos para se incorporar à
natureza, o que pode ser adiado se for para a reciclagem, gerando alguma renda para os
catadores e economizando água na produção de PET.
Sobre
a
água
disponível,
diante
do
crescimento
populacional e da exclusão sócio-econômica, a ONU adverte que faltará água potável para
40% da humanidade em 2050, enquanto especialistas antecipam esse prazo para 2025.
31
Estado do Mundo – 2004, p. 106 - 107.
74
O outro desafio para os planejadores, nas próximas décadas,
será produzir calorias para alimentar 9 bilhões de pessoas. A maior fonte de caloria vem da
carne. Em 2020 as populações dos países em desenvolvimento consumirão mais de 39kg por
pessoa, o dobro do que se comia nos anos 80. Nos países industrializados, todavia, as
pessoas ainda consumirão o maior volume de carne – 100 kg por ano em 2020, ou o
equivalente à lateral de um boi, 50 frangos e 1 porco, sendo a China o maior consumidor
mundial de carne suína. Esses números, entretanto, poderão sofrer alterações, na medida em
que vai crescendo a conscientização sobre os benefícios da substituição da carne pelo
pescado, pelos vegetais, 32 ou mesmo diante da preferência dos consumidores de carne por
produtos que tragam a certificação “Criado a Pasto”. Diante do custo da terra, criar o animal
a pasto fica muito mais caro, o que frearia a produção. Atualmente os criadores procuram
atender à demanda crescente através do sistema de confinamento. Entretanto, vacas e bois
são ruminantes, o que significa que digerem gramíneas, leguminosas e resíduos agrícolas.
Mas sua ração em confinamento consiste em um misto de milho e soja, o que proporciona
aquisição de peso rápido. Isto resulta em mais lucros para o criador, mas em sofrimento para
os animais que, também devido à falta de movimentação pelo pasto, tendem a sofrer de
inchaço, acidose, abscessos hepáticos, gases – que aumentam o efeito estufa – e outros
sintomas dessa dieta rica. Os alimentos artificiais podem transmitir doenças às vacas e a
fabricação de ração com resíduos de outros ruminantes gerou a doença chamada “vaca
louca”. Além do mais, o uso do esterco do gado confinado – cujo manejo torna-se difícil
devido ao acúmulo, o que não se daria com a criação a pasto, naturalmente – na adubação de
hortas pode contaminar hortaliças e legumes.
Para se prevenir, o criador recorre aos
antibióticos. Nos EUA o gado bovino consome oito vezes mais antibióticos que os seres
humanos, o que, segundo a FAO, vem ajudando a criar micróbios resistentes a antibióticos e
dificultando o combate às doenças. 33 Quem se preocupa com o meio ambiente também
busca maiores informações sobre a situação de stress e de sofrimento que os animais
32
Cientistas afirmam que uma dieta baseada em frutas, legumes e verduras pode reduzir em até 70% o risco
de alguns tipos de câncer e em 80% os males cardíacos, desde que o indivíduo não seja fumante e
sedentário...Outros especialistas pregam que uma dieta sadia não apenas retardaria o processo de
envelhecimento, mas rejuvenesceria uma pessoa em até 20 anos, visto que poderosos antioxidantes naturais
presentes nas frutas e verduras, bem lavadas, combatem os radicais livres que são moléculas tóxicas que se
formam no processo de conversão do oxigênio em energia para o corpo. Cf. Instituto Akatu pelo Consumo
Consciente. Acesso em: 12 fev. 2005.
33
“Estado do Mundo – 2004", p. 90.
75
enfrentam na hora do abate 34 , ainda que o uso de potentes pistolas pneumáticas seja descrito
como “abate humanitário”. Pelos abatedores, claro.
Na produção da carne de frango o processo industrial é
igualmente constrangedor para um olhar humanamente mais sensível. Nos enormes galpões
das granjas, o frango de corte é apinhado em compartimentos com pouco espaço – 22 cm x
22 cm cada um – com dias artificialmente longos porque os compartimentos, sem janelas,
são iluminados até 23 horas ininterruptamente. Essas aves comem, diariamente, 0,86kg de
ração especialmente formulada, podendo conter antibióticos e estimulantes de crescimento.
Embora eficientes na conversão de grãos em proteínas, os frangos são vulneráveis a doenças
respiratórias, devido às condições em que são criados. Por isto os criadores recorrem a mais
antibióticos, já não mais capazes de evitar epidemias que levaram ao sacrifício de milhares
de aves em Hong Kong em 2004. Em 2002, um estudo averiguou que 37% dos frangos
destinados ao corte, encontrados nos principais fornecedores, estavam contaminados com
patógenos resistentes a antibióticos. As aves ganham peso com tanta rapidez que muitas
vezes não suportam o peso do próprio corpo e morrem de ataque cardíaco 35 . Por isto existem
programas de certificação para granjas que voltam a criar as aves ao ar livre, como
antigamente, para que possam ciscar, se movimentar, fazer seus ninhos etc. Um programa
sério de rotulagem poderia exigir que os fabricantes incluíssem tal informação nas
embalagens dos produtos, favorecendo a opção do consumidor consciente.
Os processos operacionais de produção de carne e de água
potável, também envolvem grande consumo de energia. Assim, a geração de energia será
outro desafio com o crescimento populacional, tanto para uso doméstico e industrial como
34
“O cheiro de sangue é forte e pode ser sentido de longe. No mercado a céu aberto, o cliente escolhe o
animal que lhe parece mais suculento. O golpe na virilha do cachorro é rápido, mas a morte não vem
depressa. O sofrimento dura alguns minutos. Os animais que recebem o golpe na jugular têm mais sorte. Mas
os abatedores de cães temem a mordida e preferem atacar o animal por trás [...] Essa cena se repete
diariamente na China. [...] Não há diferença entre matar um cachorro e um boi para comer. O raciocínio vale
também para o esfolamento de galinhas, porcos e outros animais. Tortura, dor, sofrimento, desolação.
Animais de várias espécies são tratados como mercadoria, apenas mais um bem de consumo. Morrem
covardemente e seus cadáveres são vendidos aos pedaços. Crescem em ambientes naturais agressivos à sua
natureza. [...] Haverá um momento em que o homem, auxiliado por um novo tipo de abolicionistas – que
falam por seres que não podem falar por si – saberá que os outros animais não são sua propriedade. São seres
com direito à vida. Enquanto esse dia não chega, pagamos um alto preço sofrendo de doenças ligadas ao
consumo de produtos animais: obesidade, doenças cardiovasculares, diversos tipos de câncer, alergias” etc.
Esta é parte de um artigo que o nutricionista George Guimarães, especialista em nutrição clínica e nutrição
vegetariana, e-mail [email protected], publicou na revista Superinteressante de dezembro de 2000,
com o título “Vegetarianismo radical”, no qual defende a filosofia “vegan”, cujos seguidores se abstêm de
consumir qualquer produto animal, incluindo leite, ovos, mel, couro, lã, seda, cosméticos que tenham sido
testados em animais etc.
35
Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 109.
76
para a movimentação da crescente frota mundial de veículos. Janet L. Sawn trata desta
importante questão no Relatório sobre o Estado do Mundo – 2004. 36
Segundo ele,
raramente pensamos de onde vem a energia, quanto consumimos ou quanto realmente
precisamos ou, ainda, o impacto que nossos carros causam na alteração do clima com a
queima de combustíveis fósseis.
Também aqui os maiores problemas ao meio ambiente são
causados pelos países ricos. Eles consomem 25 vezes mais energia, per capita, do que os
pobres. Enquanto 2,5 bilhões de pessoas, a maioria na Ásia, dispõem apenas de madeira ou
outra biomassa para sua energia, o cidadão americano comum consome cinco vezes mais
energia que o cidadão global, 10 vezes mais que o chinês e quase 20 vezes mais que o
indiano. Em muitas residências dos EUA a quantidade de carros na garagem é maior que o
número de pessoas dentro de casa. A maioria das famílias possui dois ou mais carros. Com
apenas 2% das reservas globais e 4,5% da população mundial, os EUA duplicaram o
consumo de energia a partir de 1960 e hoje é o maior consumidor mundial de petróleo. Um
quarto dos 531 milhões [dados de 2003] de veículos movidos com energia de origem fóssil
que compõem a frota mundial circulam nas estradas americanas. Anualmente são produzidos
11 milhões de novos veículos. O que aumenta o consumo é a ineficiência dos transportes
públicos que induz ao excessivo uso do carro particular. Há um século os EUA lideravam o
mundo em transporte público, mas após a II Guerra o governo deu ênfase à construção de
rodovias e auto-estradas [fenômeno que muitos países periféricos, como o Brasil, 37
imitaram], sabendo-se que os caminhões requerem quatro a cinco vezes mais energia que as
ferrovias ou os navios para transportar o mesmo peso à mesma distância. Já na Europa e no
Japão, os governos fizeram a opção pelos trens e ônibus, após a II Guerra. Hoje, quase 92%
das pessoas que se deslocam ao centro de Tóquio utilizam trens. Os europeus ocidentais
utilizam transportes públicos em 10% de seus trajetos urbanos e os canadenses 7%, contra
apenas 2% dos americanos. Isto é significativo porque para cada quilômetro rodado
consome-se duas a três vezes mais combustível do que por transporte público. Também o
consumo dos aviões deve ser levado em conta: Apenas 0,5% da distância total que as
36
Cf. Escolhendo Melhor a Energia, cap. 2, p. 28 - 51.
No Brasil, 20 milhões de veículos contribuem com 70% da poluição atmosférica nas cidades. Só em São
Paulo, ônibus, caminhões, automóveis e motocicletas são responsáveis por 90% do monóxido de carbono,
cerca de 60 a 80% das partículas em suspensão e 80 a 90% de outros poluentes, causando sérios danos à
saúde da população e ao meio ambiente. Cf. Energia, a ordem é economizar, folheto distribuído em 2005
pelo MME em campanha permanente pela redução do consumo.
37
77
pessoas percorrem anualmente, no mundo, é realizada pelo ar; entretanto os aviões
consomem cerca de 5% dos 30% da energia global destinada aos transportes. 38
Os eletrodomésticos também pesam no consumo de
energia. Eles são responsáveis por 30% do consumo de eletricidade dos países
industrializados e 12% das emissões de gases estufa. Até mesmo a energia de stand-by - a
eletricidade consumida quando computadores, aparelhos de fac-símile, estéreos, televisores,
fornos de micro-ondas e muitos outros estão “desligados” mas não desconectados – precisa
ser lembrada, pois ela representará 10% do consumo mundial em 2020, exigindo quase 400
usinas adicionais de 500 megawatts que emitirão mais de 600 milhões de toneladas de
dióxido de carbono anualmente. Com base nas políticas vigentes, se não houver redução do
consumo 39 , a Agência Internacional de Energia prevê a duplicação da demanda até 2030.
A produção de alimentos requer, igualmente, volumes
maciços de energia. Embora grande parte venha do sol, 21% da energia fóssil que
consumimos destina-se ao sistema alimentar global. David Pimentel, da Universidade
Cornell, estima que os EUA destinam cerca de 17% de seu consumo de combustíveis fósseis
à produção e consumo de alimentos, sendo 6% para a produção agropecuária, 6% para
processamento e embalagem e 5% para distribuição e cozimento.
Apesar de inúmeros programas de contenção em andamento
no mundo, o consumo de energia nos países em desenvolvimento – onde vivem 75% da
população mundial – aumentará mais de oito vezes até 2050. Poderá a Terra sustentar nossas
necessidades crescentes de energia no século XXI? Ninguém sabe.
O que precisamos ter em mente é que não estamos sozinhos
no mundo. Toda vez que ligamos um interruptor elétrico ou viramos a chave do carro,
38
Um estudo do Stockholm Institute da Universidade de York, conduzido pelos professores John Whitelegg
e Howard Cambridge, em 2004, revelou que o aumento das viagens aéreas, estimulado pelas reduções de
tarifas oficiais, é uma das maiores ameaças ao meio ambiente mundial e que os planos do governo britânico
de expandir aeroportos estão em conflito direto com as metas de redução de emissão de gases causadores do
efeito estufa. Eles defendem que as companhias aéreas paguem taxas de poluição para compensar o dano
causado, que os aeroportos sejam tratados como complexos industriais – como já ocorre com o aeroporto de
Zurique, na Suiça -, que o setor privado deveria incentivar a vídeo-conferência para evitar viagens, que pelo
menos a metade dos passageiros deveriam chegar aos aeroportos por meio de transportes públicos e que
jornadas inferiores a 650km deveriam ser feitas de trem, o que eliminaria 45% dos vôos, na Grã-Bretanha.
Cf. BBC Brasil.com: , acesso em: 04 jul. 2004.
39
O Ministério do Meio Ambiente, no Brasil, faz uma campanha permanente pela redução do consumo de
energia. Um de seus folhetos lembra que o país possui “um dos maiores parques hidrelétricos do mundo,
responsável por 88,5% da nossa geração de energia elétrica”. Mas acrescenta: “Ao contrário do que muita
gente pensa, as hidrelétricas também poluem. A decomposição da vegetação submersa emana gases do efeito
estufa, como metano, gás carbônico e óxido nitroso”. Mas a formação dos lagos também destrói a fauna e
desaloja famílias. Só na construção de Itaipu foi inundada uma área de 1.350 quilômetros quadrados.
78
desencadeamos todo um processo de consumo que, somado ao consumo de outros bilhões
de pessoas, forma a massa do consumo mundial de energia com todas as suas conseqüências
para o meio ambiente.
A produção de alimentos e de água doce, bem como a
produção de energia fóssil ou elétrica, e tudo o mais que o homem consome, geram resíduos
gasosos, líquidos ou sólidos que poluem o meio ambiente. Veremos a seguir o impacto do
lixo no cenário mundial e imaginemos o que isto poderá custar ao ecossistema se o consumo
não for contido e se o lixo e a água não puderem ser reaproveitados em outras atividades
humanas, através da reciclagem e do reuso.
3. Os Inimigos do Meio
O lixo urbano é a parte mais visível entre os sólidos que
incomodam o meio ambiente devido ao fenômeno da urbanização que se intensificou depois
da II Guerra Mundial. Hoje a maioria das pessoas mora nas cidades. E as megalópoles, como
Nova York 40 , já não sabem como fazer com tanto lixo. Dados da ONU (1995) revelam que
cada pessoa gera, durante toda a vida, uma média de 25t. de lixo. 41 Mas esta cifra pode
dobrar nos 27 países mais ricos do mundo, representados na Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico-OCDE, nos quais a “produção” do cidadão comum é de
560kg de lixo urbano por ano. A Noruega, por exemplo, luta para reduzir seu fluxo de lixo e
mesmo assim o norueguês comum gerou 354 kg em 2002, 7% mais que no ano anterior. 42
Uma característica do lixo urbano, desde a década de 90, é o chamado e-lixo, gerado pelos
40
A prefeitura de Nova York se vê às voltas, todo o tempo, com o problema de dar fim a uma montanha de
11.000t de lixo produzidas diariamente. Quando o aterro sanitário de Fresh Kills foi desativado
permanentemente em março de 2001, a prefeitura passou a transportar o lixo para aterros distantes em Nova
Jersey, Pensilvânia e Virginia – alguns a quase 500km de distância. Tomando por base uma carga de 20t para
cada uma das caçambas-reboque, são necessários cerca de 550 reboques que formam um comboio de 14km
de extensão, congestionando o trânsito, poluindo o ar e elevando as emissões de carbono. Para o vice-prefeito
de Nova York, Joseph J. Lhota, “a eliminação do lixo urbano, hoje, é como uma operação militar cotidiana”.
Cf. Lester Brown, fundador do WWW-Worldwatch Institute e do EPI-Earth Policy Institute. In
http://www.wwiuma.org.br acesso em: 30 mai. 2004.
41
O paulistano gera 1,2kg de lixo domiciliar por dia, contra 2kg do americano e 2,8kg do japonês...Apesar de
não estar na lista dos países mais preocupados com o desperdício, o Brasil é campeão na reciclagem de
papelão (72% contra 65% na Europa) e de latas de alumínio (85% contra 82,5% no Japão). Mas não por
necessidade ou por conscientização, e sim porque os 300 mil catadores vivem do lixo para garantir uma renda
mensal de até R$500,00. Outros materiais são pouco reciclados: apenas 21% do plástico e 38% de vidro e
papel. Fonte: União Brasileira para a Qualidade-UBQ. In Folha/Ciência Online. Acesso em: 11 jun. 2004.
42
“Estado do Mundo – 2004”. p. 18.
79
equipamentos de informática, e as baterias de celulares43 , a respeito dos quais ninguém sabe,
ao certo, ainda, o que fazer. Enquanto no caso de outros resíduos mais antigos – como as
embalagens de agrotóxico – já existem normas para obrigar o fornecedor, através do
varejista, a recolher o vasilhame contaminado, após o uso, no caso do e-lixo a obsolescência
tecnológica é tão rápida que a quantidade de lixo cresce muito rapidamente, tornando-se um
desafio para a reciclagem, além de serem produtos bem mais intensivos em recursos da
natureza que outros mais “tradicionais”. Também por se tratar de uma tecnologia recente,
que inclui muito contaminante químico, 44 os locais de descarte desses equipamentos tornamse verdadeira cilada para as pessoas que entram em contato com eles e também para o meio
ambiente.
O número de computadores no mundo quintuplicou de 1988
a 2002, pulando de 105 milhões para mais de meio bilhão. Cada um desses aparelhos é uma
armadilha tóxica. Um monitor típico, com tubo catódico (CTR), contém de dois a quatro
quilogramas de chumbo, bem como fósforo, bário e cromo hexavalente. Outros ingredientes
tóxicos incluem o cádmio, nos resistores e semicondutores do chip, berílio, nas placas-mãe
e conectores, e retardadores de chama à base de bromo, nas placas de circuito e capas
plásticas. Plásticos, incluindo cloreto de polivinil (PVC), compõem até 6,3 kg de um
computador comum. A combinação de vários plásticos torna um desafio a reciclagem do elixo do qual provêm 70% dos metais pesados encontrados nos aterros americanos. As
empresas de reciclagem preferem recolher os equipamentos usados e enviá-los para a Ásia,
43
Nos EUA, segundo maior mercado mundial de celulares, depois da China, os aparelhos são rejeitados
depois de 18 meses de uso e o grupo de pesquisa INFORM calcula que até o final de 2005 os consumidores
teriam acumulado 500 milhões de aparelhos usados que, se jogados em um aterro, poderão lixiviar cerca de
141.500 kg de chumbo. Em todo o mundo os fabricantes lutam contra as tentativas da International
Telecommunication Union e de vários governos para obrigarem os fornecedores a receberem de volta o
equipamento usado. Duas diretivas, da Comissão Européia, entraram em vigor em 2003, com o mais forte
alerta ambiental jamais sinalizado à indústria eletrônica. Uma delas, a Waste Electrical and Electronic
Equipement (Descarte de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos) tornou cada empresa responsável pela coleta
e reciclagem de seus novos produtos após 13 de agosto de 2005. A Nókia tem trabalhado com cientistas
acadêmicos para desenvolver plásticos e telefones biodegradáveis, que se desmontam, para fácil reciclagem,
pela ação do calor. Enquanto isto a Silicon Valley Toxics Coalition, da Califórnia, está lutando para que os
EUA revoguem a legislação de devolução. No âmbito internacional, a questão está sendo discutida pela
Convenção da Basiléia. Cf. “Estado do Mundo – 2004”. p. 149-150.
44
Um simples microchip de 32 megabites requer pelo menos 72 gramas de produtos químicos, 700 gramas
de gases elementares, 32.000 gramas de água e 1.200 gramas de combustíveis fósseis. A operação do chip
durante seu ciclo de vida - cerca de quatro anos, operando três horas, diariamente – demanda outros 440
gramas de combustíveis fósseis. A massa total de materiais secundários usados na produção de um chip de
duas gramas é 630 vezes a do produto final. Só para comparar, os recursos necessários para a fabricação de
um automóvel pesam duas vezes o produto final. Cf. Eric D. Williams, Robert U. Ayres e Miriam Heller.
“The 1.7 Kilogram Microchip: Energy and Material Use in the Production of Semiconductor Devices”. In
Enviromental Science and Techonology, 15.12.02, citado por “Relatório do Mundo – 2004", p. 52.
80
principalmente China, Índia e Paquistão. É o que ocorre com 50 a 80% do e-lixo americano,
uma vez que, segundo a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, é 10 vezes
mais barato enviar monitores de CTR para a China do que reciclá-los internamente. Pela
Convenção de Basel – principal acordo internacional sobre resíduos perigosos – este tipo de
comércio é ilegal. Porém os Estados Unidos são o único país industrializado que não
ratificou o documento, por isto sua exportação de materiais tóxicos continua legal e
recentemente tornou-se isenta de regulamentos. Também não há regulamentos firmes nos
países que recebem o lixo tóxico. Por isto, em locais de reciclagem de e-lixo procedente dos
EUA, Japão, Coréia do Sul e Europa – como Guiyu, na China – os computadores são
desmontados a martelo, formões, chaves de fenda e até mesmo “na marra”. Os trabalhadores
quebram os monitores CTR para retirar o cabeçote de cobre, enquanto o resto do monitor é
jogado ao ar livre ou nos rios. Os moradores do lugar agora dizem que a água tem gosto
ruim, devido ao chumbo e outros contaminadores, conforme constatado e denunciado pelo
Greenpeace Chine, em conjunto com a Basel Action Network-BAN, em dezembro de 2001
(Relatório do Mundo – 2004, p.53). Em artigo para o Relatório do Mundo – 2004, Radhika
Sarin dá mais detalhes sobre o que acontece com o supra-sumo da tecnologia ocidental que
chega a Guiyu como lixo:
Sem nenhuma roupa de proteção ou máscaras, os trabalhadores usam pincéis ou as próprias mãos nuas
para abrir cartuchos vazios de impressoras e recolher o tonner restante em baldes, ignorando que,
conforme a Xerox e Canon, o negro-de-fumo e outros ingredientes do toner causam irritação
respiratória e pulmonar. Os trabalhadores também são expostos aos vapores tóxicos da solda de chumbo
e estanho quando aquecem as placas de circuito para recuperar o conteúdo de ouro dos chips, e os
banhos de ácidos usados para dissolver e precipitar o ouro emitem gases de cloro e dióxido sulfúrico.
Pilhas de cabos de PVC são queimadas ao ar livre, para recuperar a fiação de cobre. 45
Os Estados Unidos geram 19% do lixo do mundo, mas, a
exemplo da Europa, reciclam 40%. No Brasil, apenas 28% dos resíduos sólidos urbanos
recebem algum tipo de tratamento, sendo 23% depositados em aterros controlados ou
sanitários, 3% são tratados em unidades de compostagem e 2% são reciclados. Os 72%
restantes das 100 mil toneladas de lixo domiciliar coletado no Brasil diariamente são
depositadas em lixões a céu aberto. Ali o chorume – líquido negro gerado pela
decomposição orgânica – penetra no solo, contaminando as águas subterrâneas e os rios.
Além de provocarem explosões e fogo, os gases, incluindo o metano, contribuem com o
45
id. ibid.
81
efeito estufa. O mal cheiro empesteia o ar. O lixão atrai ratos, moscas, baratas e, sobretudo,
gente muito pobre – adultos e crianças - que não conseguem outro meio de subsistência
senão o aproveitamento de restos de comida ou de materiais que possam ser vendidos para a
reciclagem. Naturalmente elas se expõem a graves riscos de saúde, ao comerem comida
estragada ou contaminada, lidando com cacos de vidro, materiais pontudos, resíduos
químicos e tóxicos 46 . Entretanto, do mesmo modo que os países industrializados poluem
mais, em toda comunidade humana as pessoas mais prósperas, economicamente, geram lixo
com maior dificuldade de absorção pela natureza, como embalagens plásticas 47 que, depois
de “valorizarem” o produto - em muitos casos - e de nos encherem os olhos atraindo-nos
para a compra, levam 450 anos para se degradarem; latas de alumínio (200 anos); latas de
conserva (100 anos); náilon (30 anos); tampas de garrafas (15 anos); madeira pintada (13
anos); filtros de cigarro (2 anos); pano (1 ano); vidros (tempo indeterminado); pneus
(indeterminado). 48
Da prancheta do designer ou do seu programa de Autocad,
nascem as embalagens sugestivas que vão revestir os produtos a serem consumidos. Do
petróleo transformado em PET ou em polímeros, chegam as embalagens rígidas e as sacolas
dos supermercados e padarias 49 . Da mensagem publicitária, veiculada, vem o argumento de
venda. Da facilidade de crédito (cartões, cheques pré-datados sem juros, crédito direto das
46
Cf. GRIPPI, S. “Lixo: Reciclagem e sua História”. Rio de Janeiro: Interciência, 2001, p. 134. citado por
TALAMONI, 2003, p. 60
47
O consumo anual de plásticos no Brasil gira em torno de 19kg, por pessoa. É um volume relativamente
baixo se comparado com os índices de outros países como Estados Unidos (100kg/hab.) e a média na Europa
(80 kg/hab.). Em nosso país, 15% dos plásticos rígidos e filme retornam às linhas de produção como matériaprima reciclada, enquanto nos EUA este volume é quase cinco vezes maior. Em relação ao vidro, o Brasil
produz 800 mil t/ano para embalagens, das quais 35% são recicladas, somando 280 mil toneladas por ano. Os
EUA produziram 11 milhões de toneladas em 1997, das quais reciclaram 37%, correspondendo a 4,4 milhões
de toneladas. A reciclagem de vidro em outros países tem os seguintes percentuais: Alemanha (74,8%),
Reino Unido (27,5%), Suiça (83,9%) e Áustria (75,5%). Fonte: www.napoles.com.br/destino/quanto.htm
Acesso em: 26 ago. 2004.
48
Fonte: Compromisso Empresarial para a Reciclagem –CEMPRE. In: Folha/Ciência Online. Acesso em: 11
jun. 2004.
49
Em cada cinco sacos usados nos mercados, quatro são de plástico, do tipo de duas alças. [...] As primeiras
embalagens plásticas para pão, sanduíches, frutas e verduras surgiram nos EUA em 1957. Sacos plásticos
para lixo já estavam presentes nos lares e ao longo das calçadas de todo o mundo no final dos anos 60. Mas
esses itens popularizaram-se realmente em meados dos anos 70, quando um novo processo de produção
barata tornou possível para os grandes varejistas e supermercados oferecerem a seus clientes uma alternativa
para os sacos de papel. [...] Fábricas em todo o mundo produziram cerca de 4 a 5 trilhões de sacos plásticos
em 2002, de acordo com estimativas da Chemical Market Associates, uma firma de consultoria da indústria
petroquímica. A América do Norte e a Europa Ocidental são responsáveis por 80% do consumo. Os EUA
descartam, anualmente, 100 bilhões de sacos plásticos. [...] A caminho do aterro, muitos sacos são levados
pelo vento. No Quênia, fazendeiros e conservacionistas reclamam contra sacos presos em cercas, árvores e
mesmo nas goelas de pássaros. Em Xangai o governo estava gastando tanto com a limpeza de sarjetas,
esgotos e templos antigos que lançou uma campanha para as pessoas darem nós nos sacos impedindo que
fossem levados pelo vento. Cf. “Estado do Mundo – 2004”. p. 26
82
lojas) surge a decisão da compra complementando um processo que traz satisfação a todos
os personagens envolvidos, menos um, o ecossistema, para onde o plástico volta. Que fazer
com o lixo? Queimar geraria ainda mais poluição. Reciclar? Na maioria dos casos falta
vontade política para gerir corretamente os programas de reciclagem. (Em Bauru - SP, por
exemplo, a coleta do lixo reciclado não funciona porque há poucos caminhões e homens
nessa tarefa e quando eles passam, outros coletores avulsos já reviraram os sacos nas
calçadas, espalhando o lixo para retirar o reciclável, o que desestimula as pessoas de fazerem
a seleção).
Lester Brown, aqui citado, propõe a volta de alguns
costumes do passado que podem ser incômodos para uma sociedade tão apressada e
“pragmática” como a nossa, mas que ajudariam muito a evitar tanto lixo. Ele sugere que as
moças e rapazes dos caixas não deviam perguntar: “Papel ou plástico?” e sim “Você trouxe
a sua sacola?” , ou o seu vasilhame?. Nos EUA ainda existe a opção do enorme saco de
papel como vemos nos filmes. No Brasil, nem isto. É só sacola plástica. Quem sair do
supermercado com um produto nas mãos, fora da sacola plástica, pode ser barrado pela
segurança. Talvez as sacolas dêem aos dirigentes dos supermercados a sensação de que o
produto foi devidamente pago...Quem sabe! Aqui também, entretanto, o consumidor
consciente pode lavrar o seu protesto. Não faltam exemplos a respeito. Em Ladack, na Índia,
no início dos anos 90, a Aliança de Mulheres e outros grupos de cidadãos instituíram o dia
1º de Maio como o Dia da Proibição do Plástico. O exemplo foi seguido por Bangladesh.
Em janeiro de 2002 o governo da África do Sul conseguiu uma redução de 90% no uso de
sacos plásticos ao exigir a fabricação de sacos mais resistentes e mais caros. No mesmo ano
a Irlanda criou um imposto de 15 centavos por saco, a partir de março, levando a uma
redução de 95% no uso. Há estudos para a taxação também na Austrália, Canadá, Índia,
Nova Zelândia, Filipinas, Taiwan e Reino Unido. A mercearia comunitária Weaver Street
Market, na Carolina do Norte, passou a vender sacolas de lona com desconto. 50
Ao tratar da difícil questão de dispor o lixo urbano com
tanto plástico, José Lutzenberger adverte: “Uma sociedade que fosse racional em termos de
uso justo de recursos naturais finitos não produziria o tipo de lixo que produz hoje”...[diante]
dos elevados custos envolvidos na disposição final que não deixa qualquer lucro para as
50
Cf. id., ibid.
83
administrações municipais. Ainda segundo Lutzenberger,
as duas soluções oferecidas são as fábricas de compostagem e as usinas de incineração. Mas as
incineradoras exigem investimentos de US$20.000 por tonelada/dia e o custo de operação é de US$10
a US$20 por tonelada. Não se recicla nada. Em alguns casos, na Europa, o calor da incineração é
usado para calefação de bairros contíguos ou para geração de energia elétrica. Mas a produção de
energia é pequena e não cobre os gastos. Sobra a cinza que, por conter metais pesados, não pode ser
usada como adubo mineral. É levada para aterros. As usinas exigem chaminés muito altas, onde o
escape do efluente gasoso, além de causar os mesmos problemas que ocorrem nas fornalhas das usinas
térmicas comuns, como a chuva ácida, por exemplo, lança substâncias tóxicas na atmosfera como a
dioxina. (LUTZENBERGER, 2004, p. 35). 51
O que fazer?
Segundo o ex-ministro do meio ambiente, o melhor seria
adotar soluções humanas, de tecnologia branda e respeito ecológico:
Por que não aproveitar a mão-de-obra já existente no lixão, mas melhorando substancialmente suas
condições de trabalho, provendo os catadores de macacões, luvas, botas e ferramentas? No local
poderiam ser instalados WCs e chuveiros e construídas choupanas simples, com telhados de palha, com
mesas e locais de repouso e para pernoite. Assistentes sociais coordenariam o trabalho. O comércio dos
produtos catados seria igualmente disciplinado. Os catadores ganhariam o suficiente para não mais
terem de comer lixo. O próprio lixo seria despejado pelos caminhões de forma a facilitar o trabalho dos
catadores, ao invés de passarem o trator como se faz hoje, enterrando e aplastando o material. Um
administrador motivado e inteligente poderia organizar o despejo dos caminhões. Às vezes chegam
caminhões só com restos de jardins que poderia ir direto para a compostagem, onde fica o lixo orgânico
que sobra da catação.(LUTZENBERGER, 2004, p. 41-42). 52
O modo humano como Lutzenberger vê o problema poderia
envolver a própria comunidade para que colaborasse, separando o lixo reciclável (cobrando
eficiência na coleta ou organizando cooperativas bem administradas) e preferindo produtos
cuja embalagem cause menos danos ambientais. Não haverá publicidade que dê jeito quando
as pessoas começarem a tomar a atitude de dizer “basta, agora eu assumo o controle da
minha vida, portanto do meu consumo, porque isto interessa ao meu planeta, aos meus
filhos, aos meus netos”. Esta é a atitude do ser humano globalizado, que se percebe
integrado a um ecossistema planetário de vida. Não temos o direito de semear a morte (com
nosso lixo) nesse sistema de vida. Nós mesmos pagaremos o preço se a nossa consciência
não despertar em tempo. E o tempo é agora.
Como o plástico já se incorporou aos hábitos dos
consumidores, algumas empresas estão investindo no plástico biodegradável que se
51
52
Manual de Ecologia: Do jardim ao poder, 2004, p. 35.
id. p. 41- 42.
84
decompõe em até 18 meses em contato com o ar, a água e o sol. No Brasil essa tecnologia
inédita pertence à rEs Brasil, criada em 1997, que também distribui matéria prima de origem
100% vegetal para fabricação de artigos biodegradáveis e compostáveis. A empresa já
investiu 200 mil euros em pesquisas. No mundo todo, entretanto, apenas 1% do plástico
produzido é biodegradável. 53 Os plásticos rígidos e flexíveis representam a principal matéria
prima utilizada no Brasil pelo mercado de embalagens: cerca de 37% da produção nacional,
contra 21% das metálicas e 6% do vidro, entre outras.
Hoje as embalagens de plástico biodegradável ainda são
30% mais caras, mas o diretor-superintendente da rEs Brasil, Eduardo Van Roost, avalia que
elas deverão se popularizar na mesma velocidade do aumento do consumo ecologicamente
correto e socialmente responsável, caindo, então, seu custo comparativo com as embalagens
de plástico convencional para algo em torno de 15%. A empresa já conta com três parceiras
que adquirem seus produtos e fabricam sacolas de supermercados. Uma é a Sol Embalagens
(fornecedor do Pão de Açúcar, Carrefour e Wal-Mart). A outra é a Antilhas Soluções
Integradas para Embalagens (fornecedor da rede O Boticário). A terceira é a Nobelplast (que
fabrica sacolas e envelopes de segurança para os bancos e os Correios).
Outra boa notícia na área ambiental, relacionada com as
embalagens plásticas, foi a inauguração, em maio de 2005, em Piracicaba-SP, de uma
unidade fabril dotada de um processo tecnológico, inédito no mundo, capaz de fazer a
separação total do plástico e do alumínio que fazem parte das paredes das embalagens longavida. Com 2,2 mil metros quadrados de área construída, a fábrica consumiu investimentos de
R$12 milhões e sete anos de pesquisa, resultantes de parceria entre a Alcoa, que produz
alumínio; a TSL, de engenharia ambiental; a Klabin, produtora de papel, e a Tetra Pak,
fabricante das embalagens, segundo informa a Revista Pesquisa FAPESP. Por enquanto o
Brasil recicla apenas 25% das 160 mil toneladas de embalagens longa-vida utilizadas para
acondicionar leite, sucos, massa de tomate, água-de-coco etc. 54
Além dos grandes projetos, é necessário divulgar,
valorizar e incentivar tantas outras iniciativas comunitárias, oficiais ou
até mesmo
estudantis que ajudam a formar consciência, sobretudo entre as crianças e os jovens. Em
Bauru-SP, um projeto dos alunos da Universidade do Sagrado Coração-USC, propôs, em
2004, o retorno do uso da “caneca individual” nas empresas e repartições em substituição
53
54
Fonte: Associação Brasileira de Embalagem – ABRE. In www.conhecerparaconservar.com.br Acesso em: 30 dez. 2004.
Cf. www.ambientebrasil.com.br Acesso em: 21 ago. 2005.
85
aos copos plásticos de água e café. Em 05/09/2005, o presidente do Brasil, Luis Inácio Lula
da Silva, inaugurou, em Belo Horizonte, uma unidade industrial que reaproveitará 3,6 mil
toneladas de plásticos por ano que iriam para aterros sanitários, ao participar, juntamente
com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, da abertura do 4º Festival Lixo e
Cidadania promovido pela Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis. 55 Em São
Paulo a ONG Organização Auxílio Fraterno – OAF criou, em 1997, uma oficina para
produzir móveis e objetos de decoração a partir de materiais vindos do lixo, com apoio da
irmã Ivete de Jesus, reunindo moradores de rua num galpão do centro da cidade. A oficina
trabalha com 35 pessoas que, com pesquisa e criatividade, transformam ferro, pneus,
caixotes, garrafas etc em artigos de boa qualidade, como diz Ivete. 56 Retornando a Bauru,
onde são coletadas 200t de lixo por dia, um projeto dos alunos de Engenharia de Produção,
da Unesp, instalou lixeiras experimentais em prédios da cidade para incentivar os moradores
a se decidirem a separar o vidro, o papel, o plástico e os metais do lixo, facilitando a
reciclagem. O projeto é coordenado pelo prof. Jair Wagner de Souza Manfrinato.
Por todo o Brasil – e também pelo mundo – há milhares de
exemplos que atestam o crescimento da consciência ambiental, muitas vezes
silenciosamente. Por isto a mídia convencional não pode deixar apenas para a Internet a
tarefa de valorizar as iniciativas populares, pois os sites ambientais não contam com verbas
de publicidade, pelo menos enquanto a Internet ainda atinge apenas 10% da população
brasileira. Naturalmente isto vai mudar.
Se nosso propósito é educar para o consumo sustentável,
podemos concluir este capítulo relacionando outras boas iniciativas que estão em
andamento, em todo o mundo, a favor do “consumo justo”. São exemplos que servem para
nos ajudar a não perder a esperança diante de tantos problemas. Os seres humanos que se
lançam contra a corrente com disposição para pensar diferente e romper paradigmas
nefastos, como o do consumismo, são amigos da natureza. São amigos do meio ambiente.
55
56
Cf. www.ambientebrasil.com.br Acesso em: 4 set. 2005.
Cf. www.ambientebrasil.com.br . Acesso em: 5 ago. 2005.
86
4. Os Amigos do Meio
O marco inicial para a conduta de quem quer repensar o
comportamento do homem em relação à natureza é fugir da cômoda mania de achar que o
único responsável por tudo é o governo. Ou “os outros”.
Quem estuda a Teoria Geral dos Sistemas não pode se sentir
numa ilha, isento de responsabilidades e de compromissos sociais.
Todos, ricos e pobres, cada qual segundo a gravidade dos
males causados ao meio ambiente, são responsáveis por um mundo melhor para a futura
geração. Por isto toda e qualquer contribuição é bem vinda, desde sentir vergonha de jogar
lixo pela janela do carro (estejam ou não outras pessoas vendo, pois a natureza “vê” sempre,
mesmo nas estradas mais desertas), até sentir remorso de cantar sob o chuveiro quente,
manter a torneira aberta enquanto escova os dentes ou lava as panelas, ou mesmo conferir a
origem e constituição dos produtos consumidos, optando pelos que têm embalagens biodegradáveis. Mas, pressionar, democraticamente, os governantes para que produzam leis que
obriguem ao comércio justo, é totalmente válido, pois isto é cidadania, é civismo.
Também é importante, cada qual segundo as suas posses,
apoiar o esforço de ONGs e veículos ambientais que, através de congressos, eventos,
publicações etc trabalham como verdadeiros guardiões da natureza, portanto em nosso
legítimo interesse.
Infelizmente a Secretaria de Comunicação da Presidência da
República, responsável pela distribuição das verbas de publicidade, não reconhece o esforço
da mídia ambiental que já atinge milhares de brasileiros e milhões de pessoas no mundo,
através da Internet, realizando um trabalho sério e admirável, no que se refere à
conscientização e à cidadania, exatamente por atingir os formadores de opinião.
Os programas de rotulagem, por exemplo, são uma boa
ajuda para orientar o consumo consciente e o comércio justo. Infelizmente, mesmo nos
países desenvolvidos, eles informam bem menos do que deviam. No caso da energia, por
exemplo, citam o consumo direto que o equipamento exigirá em sua vida útil, mas não citam
a energia plena incorporada dificultando a comparação de um produto com outro.
87
Também os programas de certificação 57 podem nos ajudar a
consumir melhor. Eles são visíveis na forma dos já conhecidos - em alguns países - selos de
“comércio justo”, como ocorre com o selo da Fundação Max Havelaar, da Holanda, que
certifica, desde os anos 80, o café originário de plantações onde o trabalhador recebe a justa
remuneração para uma vida decente, tem acesso a requisitos básicos de segurança, tem o
direito de se organizar em cooperativas, entre outras condições sociais e ambientais
favoráveis. Em 1993 a fundação passou a certificar também o chocolate; o mel, em 1995; a
banana, em 1996; o chá, em 1998. Nos EUA a United Fruit Workers desenvolve uma
campanha de “maçã justa”, que é um programa de colaboração entre os supermercados e os
trabalhadores da maçã, muitos dos quais imigrantes recém-chegados sem direito a salário,
direito de organização e acesso aos benefícios sociais. No Reino Unido a Associação do Sol
e os agricultores mantém um programa de colaboração para estender a distinção de
“comércio justo” a produtos agrícolas locais, argumentando que os caprichos do mercado
livre e a consolidação do agronegócio causaram às áreas rurais da Grã-Bretanha os mesmos
danos provocados na África.
As pessoas que optam por fazer uma declaração política
quando comem são aquelas que se informam a respeito de tais programas e que se
organizam, em suas comunidades, para apoiar e ampliar os programas de certificação, cujo
critério mais elementar é a transparência, a competência e a seriedade como sinônimos de
valoração ética e de solidariedade humana. Quanto mais rápido crescer o número de pessoas
conscientes que optam pelos alimentos orgânicos e pelos selos de qualidade ambiental, mais
rápido decrescerá o preço desses produtos, regra básica da lei de oferta e procura. Agindo
assim, essas pessoas estarão se certificando de que podem consumir sem consumir o planeta
57
Somente no ano passado [2004], consumidores de países ricos gastaram mais de 1,2 bilhão de dólares
comprando produtos cujos fabricantes [ou produtores] comprovadamente coíbem abusos trabalhistas e
ambientais. Esses produtos levam o selo da Fairtrade Labelling Organization (FLO), instituição internacional
que certifica fabricantes ao redor do mundo que se comprometem a cumprir regras "solidárias" - uma espécie
de cartilha politicamente correta aplicada ao comércio internacional. As exigências do sistema de fairtrade
são:
1.Criar associações democráticas que reúnam os produtores.
2.Ser transparente na prestação de contas.
3.Não discriminar nem mulheres nem índios.
4.Reduzir o uso de agrotóxicos.
5.Abolir o trabalho forçado.
6.Não empregar crianças.
7.Criar empregos com carteira assinada.
8.Ter condições de trabalho saudáveis e seguras.
Fonte: BSD-Desenv. Econ. e Social (Consultoria especializada em comércio justo e responsabilidade social e
empresarial. Representante da FLO no Brasil). Cf. Revista Veja, São Paulo, 9 nov. 2005.
88
onde vivem. Prestar atenção em selos como “criado a pasto” para a carne bovina; “pescado
sustentável” para frutos do mar; “benéfico às aves” para café, cacau e lavouras tropicais;
“manejo sustentável” para madeiras da Amazônia; “Fundação Abrinc” para os brinquedos
brasileiros, bem como preferir produtos com embalagens menos poluentes são distinções
que caracterizam o consumidor proativo e inquisitivo que se comporta como “comedor
ativista”, mesmo quando não se dispõe a aderir a dietas mais radicais. Isto quer dizer que
todos podem dar a sua parcela de contribuição em maior ou menor medida, sem necessidade
de se revoltar contra os alertas dos ambientalistas.
Outra atitude lúcida e consciente, além de optar por
alimentos produzidos sem agrotóxico, é dar preferência aos alimentos produzidos
localmente, que não precisam viajar grandes distâncias para chegar até nossa mesa. Quanto
mais um produto viaja, mais ele gera poluentes para a natureza, inclusive gases do efeito
estufa. 58 Na Índia existem mais de três mil “Zonas de Liberdade” criadas pelo cientista e
ativista
Vandana Shiva. São regiões de culturas livres de agrotóxico, de insumos
corporativos, de sementes híbridas, de sementes transgênicas e de patentes. Os governos
podem encorajar as economias agrícolas domésticas preferindo, nas concorrências públicas,
os alimentos locais e limpos para o abastecimento de hospitais, restaurantes públicos,
merenda escolar etc.
Os governos também podem incentivar o consumo
sustentável impondo taxas crescentes aos produtos e atividades poluentes ou ao excesso de
consumo de bens como energia e água. No caso da água, o desperdício com os vazamentos é
motivo de críticas em todo o mundo. O movimento ambientalista internacional também
recomenda a luta
das comunidades contra os processos de privatização que vão
transformando a água em mercadoria para poucos.
Cabe ainda aos governos abrir mão de alguma receita para
fiscalizar e punir práticas desumanas relacionadas com o comércio dos alimentos de luxo,
como no caso da sopa de barbatana de tubarão – iguaria venerada na cozinha chinesa desde
960 d. C. – que pode ser vendida até a US$ 400 o quilo, representando o extermínio de 100
58
O item alimentar comum, nos Estados Unidos, viaja 2.500 a 4.00 quilômetros, cerca de 25% mais longe do
que em 1980. No Reino Unido os alimentos viajam 50% mais que há duas décadas. A Grã-Bretanha come
morangos da Califórnia, brócolis da Guatemala, carne bovina da Austrália, batatas da Itália, vagens da
Tailândia, cenouras da África do Sul, mirtilo da Nova Zelândia etc. Uma refeição “tradicional” domingueira
na Grã-Bretanha, feita com ingredientes importados, gera quase 650 vezes mais emissões de carbono
relacionadas aos transportes que a mesma refeição produzida localmente. Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p.
100.
89
milhões de tubarões a cada ano: os caçadores capturam e cortam as barbatanas com os
tubarões ainda vivos, lançando-os de volta ao mar onde morrem afogados ou de hemorragia.
Nos EUA, na Grã-Bretanha e na Holanda defensores do bem-estar dos animais fazem
campanhas para que chefs, nos restaurantes, retirem o foie gras de seus cardápios. A
Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Silvestre Ameaçadas
de Extinção solicitou um sistema universal de rotulagem de caviar que os americanos ricos
importam à base de 40.000kg por ano apesar do preço de até US$2.000 o quilo. 59 Em 2002,
cedendo à pressão de grupos de direitos animais e saúde pública, a rede McDonald`s
anunciou que não mais compraria ovos de galinhas confinadas e forçadas à postura adicional
por inanição e que, a partir de 2004, não compraria frangos de criadores que utilizam
antibióticos para promover o crescimento artificial. Na Lituânia o governo estimula os
agricultores a abrirem mão de produtos químicos porque os fertilizantes e pesticidas
contaminaram os lençóis freáticos na região norte de Karst, epicentro da produção agrícola
do país. Em 2001 o Banco Mundial mudou os critérios de financiamento de projetos
pecuários de porte nos países em desenvolvimento, adotando uma “abordagem focada nas
pessoas” que assegure a sustentabilidade ambiental, a segurança alimentar e o bem-estar
animal. A empresa de consultoria Organic Monitor constatou que as vendas globais de
alimentos orgânicos cresceram 10% de 2001 para 2002, ano em que atingiram a cifra de
US$ 23 bilhões nos negócios internacionais. Hoje os agricultores perdem uma parcela muito
maior de suas safras – em relação a 50 anos atrás – porque as pragas têm demonstrado uma
impressionante capacidade de se desviar, resistir e evoluir frente aos pesticidas.
Pesquisadores da Universidade Estadual de Iwoa descobriram pelo menos quatro espécies de
ervas daninhas comuns que desenvolveram resistência ao herbicida Roundup, produto usado
em lavouras transgênicas há menos de uma década. Quem se expõe a pesticidas corre risco
de contrair certos tipos de cânceres, distúrbios do sistema imunológico, doença mental etc.
No entanto, o pesticida mais vendido na Índia é o monocrotofós, altamente nocivo ao
sistema neurológico, cujo registro foi cancelado nos Estados Unidos em 1988 (Cf. “Estado
do Mundo”, p. 98).
59
Caviar é a ova não-fertilizada da fêmea do esturjão e, mais recentemente, do salmão, da espátula e outras
espécies que se popularizaram quando as populações do esturjão encolheram. Técnicos pesqueiros estimam
que todas as espécies de esturjão estão sob algum tipo de ameaça de extinção e que o esturjão beluga, a fonte
mais famosa de caviar, talvez não mais se reproduza na natureza. Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 86.
90
Em todo o mundo os consumidores conscientes examinam a
procedência dos produtos à base de cacau 60 porque se no Brasil ele é cultivado sob floresta
nativa rala, como na Bahia, por exemplo, em muitos outros lugares o plantio de cacau faz o
mesmo estrago que a soja faz na região amazônica, provocando o desmatamento de vastas
áreas, conforme se dá na Indonésia, na Costa do Marfim, na África Ocidental etc. Na Costa
do Marfim há denúncias de trabalho escravo que envolve mulheres, crianças e migrantes.
Outro alimento fino que vem atraindo a atenção dos
Ministérios do Meio Ambiente e as denúncias dos ambientalistas, em todo o mundo, é a
pesca e a criação de camarão 61 , o que também exige um programa adequado de rotulagem
para orientar o consumir consciente, pois trata-se de uma indústria altamente destrutiva. As
traineiras varrem o leito do mar, destruindo o habitat e escavando o que esteja no caminho
das redes. Tartarugas, peixes e outras espécies marinhas são jogados mortos de volta ao mar
como “pesca indesejada”. Nas regiões temperadas a pesca indesejada guarda uma relação de
5:1 com o camarão, mas nas regiões tropicais a relação chega a 10:1. Em 1989, com o
crescimento da demanda, criatórios de camarões floresceram ao longo do litoral em todo o
mundo, produzindo um quarto da safra mundial. Instaladas em manguezais nativos, as
fazendas de camarão jogam grande quantidade de lixo altamente tóxico diretamente no
oceano, além de extirparem os mangues. As fazendas envolvem confisco de terras,
intimidação violenta de pescadores locais e até assassinatos. Os investidores mantém pouco
ou nenhum laço com as comunidades locais. Segundo o advogado ambiental indiano
Vandana Shiva, uma fazenda de camarão cria talvez 15 empregos na própria fazenda e 50
empregos em segurança ao redor do empreendimento, enquanto desloca 50 mil pessoas pela
perda da terra e abandono da agricultura e da pesca tradicionais. 62 Um consórcio envolvendo
o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para Alimentos e Agricultura-FAO e o
Fundo Mundial para a Natureza está explorando normas de certificação ambiental para a
aqüicultura. No mundo todo grupos ambientais comunitários estão se unindo para promover
uma cultura mais ecologicamente segura do camarão, como o Sea Turtle Restoration Project,
nos EUA e o Projeto de Ação nos Manguezais, no Sri Lanka.
60
No varejo, o negócio do chocolate vale de 42 a 60 bilhões de dólares, anualmente, dependendo de como o
“produto chocolate” é definido. Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 112.
61
A China é o maior produtor mundial de camarão, com 1,2 milhão de toneladas em 2000, mais que o dobro
de uma década atrás. Mas o país que mais exporta camarão é a Tailândia. Os Estados Unidos são o principal
cliente, seguido do Japão, desde que, em 2001, o camarão substituiu o atum enlatado como a primeira
escolha em frutos do mar nos pratos americanos. Mas o maior consumo per capita é do Japão: 3 kg por
pessoa. Em 2000, só o Japão e os Estados Unidos importaram US$ 7 bilhões em camarão.
62
Cf. “Estado do Mundo – 2004”, p. 115.
91
Na Alemanha, o primeiro e mais abrangente programa de
rotulagem – o Anjo Azul – já completou 25 anos de atividades e o número de produtos
cobertos cresceu de 100 em 1981 para 3.800 hoje, como informam Brian Halweil e Danielle
Nierenberg no artigo “Rumos para uma Economia Menos Consumista (Estado do Mundo –
2004, p.120). Também na Alemanha, segundo eles, um “ecoimposto” sobre formas
diferenciadas de consumo de energia foi introduzido em 1999, com quatro aumentos anuais
subsequentes, o que ajudou a evitar emissões de mais de 7 milhões de toneladas de dióxido
de carbono (CO2). Em todo o mundo a intenção é que a receita “ecofiscal” seja aplicada no
alívio do ônus fiscal que hoje onera as folhas de pagamento e prejudica a geração de novos
empregos.
Ao mesmo tempo, projetos de reengenharia empresarial
contemplam a parceria sistêmica entre empresas cujos produtos geram resíduos que podem
ser reaproveitados entre elas, de tal modo que o lixo de uma torna-se insumo de outra, num
sistema de laço fechado em que a modalidade “berço-a-túmulo” da ortodoxia industrial,
cede lugar ao modelo alternativo “berço-a-berço”. 63 Esse sistema, aplicado ao nível do
consumidor, pode mudar o estilo do consumo, pois o produto seria visto como “produto de
serviço”, isto é, ao final de sua vida útil, o produto retornaria para o “berço” da fábrica (para
ser reprocessado, como se faz com os cartuchos de tonner) ao invés de ir para o “túmulo” do
lixo. Assim haveria mais pessoas – além dos governos – tentando resolver os graves
problemas ligados à gestão do lixo. Esse sistema é comum na União Européia e já existe na
Alemanha, desde 1991, onde é conhecido como Princípio de Responsabilidade do Produtor
–PRP, na forma de regulamentações governamentais que obrigam o produtor a receber o
produto de volta. Outro resultado positivo é a redução do índice de obsolescência dos
produtos, porque neste caso o produtor estará interessado no contrário, isto é, na longevidade
do produto, portanto no seu bom funcionamento e na durabilidade. Também seria uma
forma de combater a concorrência desleal de produtos chineses 64 que utilizam mão de obra
63
Por exemplo, o gás natural que queimava nas torres da maior refinaria da Dinamarca está sendo usado
como insumo numa fábrica de papelão; cinza em suspensão, dessulfurizada, de uma termelétrica a carvão
(também a maior do país), é destinada a uma fábrica de cimento; e lodo de uma indústria farmacêutica,
contendo nitrogênio e fósforo, é utilizado como fertilizante por agricultores vizinhos. Cf. “Estado do
Mundo – 2004”, p. 129.
64
A China surgiu como um grande produtor de bens de consumo baratos. Seu superavit comercial com os
Estados Unidos disparou de pouco mais de US$ 10 bilhões em 1990 para US$ 103 bilhões em 2002. Até o
México, há muito um polo de fábricas de baixo custo, vê-se cada vez mais incapaz de competir, uma vez
que os salários na China são, em média, apenas um quarto do que se paga nesse país. De 2001 para cá, um
sétimo das indústrias de exportação mexicana, as maquiladoras, fecharam. Cf. “Estado do Mundo – 2004”,
p. 122.
92
barata para inundar o mercado mundial com produtos reconhecidamente de baixa qualidade.
Entretanto, a indústria exerce forte influência nos governos
para derrubar as leis de devolução. Na Alemanha o setor de varejo está minando uma
tentativa ambiciosa de exigir a devolução de todas as garrafas e latas de bebida e
desencorajar o uso de descartáveis. 65
No que se refere ao consumo de energia, governos de todo o
mundo estão incentivando a instalação de tetos solares nas residências e de restritores de
consumo nos chuveiros, ou financiando programas de substituição de vasos sanitários
antigos por outros mais modernos, com descarga rápida, além da instalação de controladores
de tempo nas torneiras dos locais públicos (como aeroportos, rodoviárias, shoppings etc) ou
mesmo de aeradores (“peneirinha”) nas torneiras das cozinhas domésticas. Até a “parede
verde” (com plantas trepadeiras) é estimulada em edifícios da Alemanha como forma de
reduzir o calor e, assim, o consumo de energia com refrigeração. São milhares de iniciativas,
em todo o mundo, a favor do meio ambiente, sem contar fóruns, palestras, cursos,
publicações editoriais, manifestações, debates etc que se estabelece de forma crescente na
sociedade e na mídia diante da enormidade da crise ambiental.
Até este ponto, dedicamo-nos a construir, inicialmente, uma
base filosófica para tentar compreender as relações do homem com a natureza, conforme o
Capítulo I. No Capítulo II detivemo-nos no fulcro central desta tese que é a delimitação do
campo de estudo sobre o consumo sustentável – o que acabou exigindo, inclusive, um
espaço maior, diante do porte do problema. Com isto acreditamos ter deixado claro que,
enquanto jornalista, percebemos o meio ambiente como uma pauta inesgotável e muito rica.
Mas não é nossa intenção assumir a arrogante pretensão de ensinar os colegas do jornalismo
a fazerem jornal. Queremos apenas – em nossa vinculação com a docência – levar os alunos
a refletirem sobre a hipótese de um outro tipo de abordagem capaz de educar, mudar,
transformar, através das ferramentas estudadas no curso de graduação em jornalismo.
Por isto julgamos necessário discutir, no próximo capítulo,
juntamente com algumas questões prévias ligadas ao ensino de jornalismo, o conceito de
sustentabilidade, através da proposta do "ecodesenvolvimento", como forma de clarear o
debate sobre nosso objeto de estudo: a educação para o consumo [através do jornalismo].
65
id. ibid. p. 134.
93
SUSTENTABILIDADE
1.
Conhecimento e Ecotecnologia
2.
Crescer sem destruir: Ecodesenvolvimento
3.
A via política do Eco-socialismo
4.
Posicionamento crítico: A Responsabilidade de Educar
94
Capítulo 3
SUSTENTABILIDADE
O princípio ético subjacente é o da
solidariedade com as gerações futuras
I. SACHS
1. Conhecimento e Ecotecnologia
A percepção de que alguma coisa não ia bem na vida do
planeta, desde o aparecimento do smog londrino em 1952 como uma das primeiras
manifestações da poluição industrial urbana, levou Lester Brown, presidente
do
Worldwatch Institute, a criar a expressão "desenvolvimento sustentável" no início da década
de 1980. 1 O documento "Nosso Futuro Comum",
baseado no relatório da Comissão
2
Brundtland, consagrou a expressão em 1983. Entretanto, embora de modo ainda difuso, a
idéia da sustentação relacionada com o ecossistema mundial é imanente às primeiras
reuniões promovidas pela ONU para discutir o meio ambiente, como a Conferência da
Biosfera, coordenada pela Unesco, em 1968, em Paris. Sob a forma de direitos individuais
sobre o meio ambiente sadio e o equilíbrio do sistema, a noção de sustentabilidade também
era clara no encontro de 113 países, em 1972, durante a Conferência de Estocolmo, na
Suécia, cujo maior destaque foi despertar os governos mundiais para o problema da gestão
ambiental a partir de um programa que a conferência sugeriu à ONU, o Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). 3 Foi com base na Declaração de
1
Cf. CAPRA:2003, p. 19.
A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável foi criada pela ONU em 1983,
sob a presidência da 1ª Ministra da Noruega, Grã Harlem Brundtland, daí a origem da expressão "Relatório
Brundtland".
3
A partir da Conferência de Estocolmo foram criados mais de 70 ministérios do meio ambiente em todo o
mundo, que passaram a coordenar e integrar a normatização da política ambiental junto aos governos, o que
encaminharia a adoção de acordos internacionais, no futuro, dentro de uma abordagem sistêmica do
ecossistema mundial.
2
95
Estocolmo e a partir de seus próprios estudos, que a Comissão Brundtland oficializou o
termo "Desenvolvimento Sustentável", definitivamente popularizado pela ampla cobertura
da mídia à Rio-Eco 92 que, em junho daquele ano, reuniu, no Rio de Janeiro, nada menos
que 185 países, incluindo 172 chefes de estado, com a presença de 35 mil pessoas, 11 mil
membros de entidades internacionais, 3 mil ONGs (que fizeram um encontro paralelo) e 7
mil jornalistas, entre outros macro-números, sendo caracterizada como a conferência
ambiental que mais envolveu a sociedade civil, através das ONGs, do mesmo modo que a
conferência seguinte, a de Johannesburgo (Rio + 10), na África do Sul, em 2002, teria a
característica de atrair, decididamente, os empresários para a causa ambiental. A Declaração
de Johannesburgo 4 não envolveu novos acordos, compromissos ou convenções
internacionais, nem foi tão monumental como a Cúpula do Rio. Pelo contrário, teve o
sentido de implementar os acordos já firmados no Rio, destacando-se o Acordo do Clima e
os programas de erradicação da pobreza através da alteração dos padrões insustentáveis de
produção e consumo, conclamando a humanidade à proteção e gestão da base de recursos
naturais como ação indispensável para o desenvolvimento econômico e social sustentável.
Nota-se, então, que a noção de sustentabilidade é recorrente
e fundante no movimento ambientalista mundial, em todos os níveis de ação: governamental
(Estocolmo), social (Rio), empresarial (Johannesburgo) etc. É inerente às políticas nacionais
de todos os governos e conduz os acordos internacionais através da ONU. "Sustentar o
sistema", enquanto construção de uma consciência ecológica advinda da dicotomia homem x
natureza, é a preocupação de todos, pois sua falência seria o fim da própria espécie humana.
Todavia, embora o debate sobre sustentabilidade ajude a
democratizar e popularizar a troca de informações a respeito da crise ambiental, é certo que
não há um acordo muito claro sobre o que se pretende com o significado do termo. A julgar
pelo Relatório do Clube de Roma ao final de um encontro de grandes empresários em 1971,
4
A Delegação brasileira defendeu que todos os países usem pelo menos 10% de energia renovável até 2010,
enquanto o governo Bush boicotou o encontro recusando-se a assinar a Convenção do Clima, embora tenha
sido a Delegação Americana que, em 1996, apresentou, pela primeira vez no mundo, a idéia de cotas de
emissão de gases estufa durante a Conferência sobre a Mudança Climática, em Genebra-Suiça, o que leva a
crer que, sob Bush, os EUA recuaram na colaboração com a solução dos problemas ambientais. Por outro
lado, não se pode cometer a injustiça de afirmar que a política externa de Bush é apoiada por todos os
cidadãos dos Estados Unidos. Vários exemplos mostram que nem todos estão satisfeitos com o
encaminhamento da guerra contra o terrorismo ou com a presença de forças americanas em território
muçulmano. Preocupados com a possível ligação do efeito estufa com os tufões e fenômenos climáticos, dez
estados norte-americanos invocaram o Pacto Federativo, em 2005, para se opor ao governo central,
assinando o Protocolo de Kyoto que prevê esforços de todos na redução da emissão de CO2 e outros gases
que alimentam o efeito estufa na atmosfera.
96
a sustentabilidade, isto é, o crescimento econômico, só seria possível com a redução das
taxas de natalidade nos países em desenvolvimento. Culpava-se a explosão demográfica
pelos males do mundo. Sob esta ótica, tratava-se de "sustentar os negócios" e não o
ecossistema. Com efeito, já ficou comprovado que não é a imposição de restrições ao
crescimento dos países pobres que levará o mundo ao equilíbrio econômico e social, como
advertem estudiosos de grande prestígio como SACHS (1986, p. 15). 5 Pelo contrário, é
distribuindo melhor a riqueza mundial que se combaterá as injustiças e os desequilíbrios que
geram fome, miséria, violência, tráfico de drogas, terrorismo e todos os males.
A miopia política e o cinismo do Clube de Roma
(MENDOZA, 1992, p. 28) 6 cedem lugar a um debate mais maduro nos anos 90 quando os
economistas e os cientistas ambientais buscam, a partir de uma visão humanista e
equilibrada, dar respostas concretas à pergunta que aflige a todos: "Como atingir a
sustentabilidade?". Isto é, como garantir o crescimento que gera empregos sem destruir a
natureza? Como consumir sem consumir o mundo? Como assegurar que o acesso a bens
naturais como a água seja garantido a todos, impedindo que se transforme em mercadoria
acessível só a quem pode pagar? Como encaminhar a discussão sobre o conceito de
propriedade dos meios naturais? O que pode ser de alguns e o que deve ser de todos? Um
mangue pode ser comprado por uma empresa para instalar uma fazenda de camarões? 7 Ou
ele pertence à comunidade de seres humanos e marinhos que ali vivem e dele dependem?
Uma praia pode ser cercada com arame farpado ou com muros? Um animal ou uma floresta
podem ser abatidos porque estão em uma propriedade particular? Até onde vão os direitos
privados sobre os bens públicos? Como regular o acesso aos lençóis freáticos para a extração
de água mineral com fins comerciais?
São inúmeras questões, todas elas apontando para um
5
"Por si só, o tamanho da população não poderá ser um indicador da pressão desta sobre os recursos naturais,
dado que, devido a seu elevado consumo per capita, algumas centenas de habitantes de países ricos pesam
muito mais que alguns bilhões de habitantes do terceiro mundo". (Cf. SACHS, 1986, p. 15).
6
Denis Meadows, representante do Clube de Roma, vislumbrou, em seu Modelo de Sistema Mundial (1972),
denominado "World - 3" , um freio no crescimento econômico - e demográfico - resultante de uma espécie
de ajuste da natureza diante dos desequilíbrios que são conseqüência do esgotamento dos recursos renováveis
e que poderão levar a indústria ao colapso. Esse freio atingiria igualmente os serviços e a agricultura - muito
dependente dos insumos industriais - o que conduziria, por sua vez, a uma redução da população pela
elevação das taxas de mortalidade, devido à falta de alimentos e serviços sanitários. Tal modelo seria
implantado no séc. XXI. (Cf. MENDOZA: 1992, p. 28).
7
"O camarão vive melhor que nós. Eles têm eletricidade, nós não. O camarão tem água limpa, nós não. O
camarão tem muita comida, nós passamos fome" (Lamento de um pescador filipino contra as fazendas de
camarão que ocupam os manguezais, poluem os mares e desalojam as famílias. (Cf. "Estado do Mundo 2004", p. 115).
97
conceito de sustentabilidade que visa "sustentar a vida" e não apenas "sustentar o lucro",
pois neste último caso teríamos exatamente o efeito oposto caracterizado pela perversidade
da "dominação literal da natureza".
Classicamente, o conceito de Desenvolvimento Sustentável
envolve seis metas principais:
1. Satisfação das necessidades básicas da população, como alimentação, educação,
saúde,
lazer etc;
2. Solidariedade com as gerações futuras;
3. Participação da população, na linha da Agenda 21 exarada na Rio-Eco 92;
4. Preservação dos recursos vitais, como oxigênio e água;
5. Sistema social justo, que assegure emprego, seguridade e respeito às outras culturas,
erradicando a miséria, o preconceito e o massacre das populações oprimidas, como os índios
etc;
6. Efetivação de programas educativos.
Infelizmente este é um ideário que entra em conflito direto
com as políticas desenvolvimentistas em vigor. Com efeito, os países pobres querem
exportar produtos a qualquer custo porque precisam pagar a pesada dívida externa que os
torna reféns das metrópoles mundiais, enquanto os países ricos querem estimular o consumo
mundial de seus produtos para continuarem cada vez mais ricos. Então, que tipo de
desenvolvimento interessa à humanidade? A este respeito, afirma o professor do
Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), Lester C. Thurow (1997, p. 391): 8
Para que o capitalismo funcione a longo prazo, ele precisa fazer investimentos que são do interesse da
comunidade humana a longo prazo. Mas, como faz uma doutrina de individualismo radical a curto
prazo para enfatizar interesses comunais a longo prazo? [...] A resposta certa é forçar um alto nível de
investimento público e privado. A história nos mostra que são possíveis equilíbrios muito diferentes
entre o público e o privado e entre consumo e investimento, mas também nos mostra que não é possível
operar uma boa sociedade sem um equilíbrio em ambas as áreas. Tudo público (grifo nosso), o modelo
comunista, não funciona. Tudo privado, o modelo feudalista, e também o modelo implícito do
capitalismo, também não funciona. Nem tudo consumo, nem tudo investimento pode funcionar. Na era
que está à nossa frente, o capitalismo terá que criar novos valores e novas instituições que permitam um
novo equilíbrio estratégico em cada uma dessas áreas. 9
As novas instituições de que fala o autor seriam aquelas que
8
Cf. THUROW, 1997, p. 391.
A julgar pela análise de Thurow, é possível dizer que o sistema de produção e o sistema de consumo estão
interrelacionados. Também aí há a intermediação dos Meios de Comunicação.
9
98
explorassem as habilidades humanas, onde quer que esteja o ser humano, considerando essas
habilidades como "ativo estratégico", ao invés de contemplar apenas, como atualmente, as
instituições financeiras. Apostar no homem significa investir em infra-estrutura, ensino e
conhecimento. O conhecimento poderá, por exemplo, levar uma nação a instituir orientações
de planejamento familiar - seja para reduzir a expansão demográfica, seja para ampliá-la
para superar as taxas negativas de crescimento - de modo que as famílias possam tomar a
decisão consciente e soberana de adequarem seu número de filhos às suas condições
materiais para lhes dar uma vida digna. Mas o próprio conhecimento impedirá, por outro
lado, que governos autoritários imponham restrições à natalidade baseadas na força, na
coerção, na intimidação e até no assassinato puro e simples de bebês não desejados pelas
políticas oficiais.
Também o conhecimento - resultante dos programas
educativos como base do desenvolvimento sustentável - leva outro estudioso da questão
ambiental, Henrique Leff, a considerar a necessária integração da racionalidade tecnológica
com os saberes humanos, ao afirmar:
Uma racionalidade ambiental, fundada nas condições ecológicas para aproveitar a produtividade
primária dos ecossistemas e dar bases de sustentabilidade aos processos de industrialização, deve
integrar os processos ecológicos, que geram os valores de uso natural, com os processos tecnológicos
que os transformam em valores de uso socialmente necessários por meio da produção e apropriação dos
conhecimentos, saberes e valores culturais das comunidades para a auto-gestão de seus recursos
produtivos. (Cf. LEFF, 2002, p. 87). 10
Assim o autor lança a idéia de um paradigma produtivo
alternativo, fundado na produtividade ecotecnológica que emerge da articulação dos níveis
de produtividade ecológica, tecnológica e cultural na manipulação integrada dos recursos
produtivos, o que difere necessariamente da produtividade econômica tradicional e de sua
avaliação em termos de preços do mercado. Com efeito, a racionalidade econômica delimita
o reconhecimento e a valorização de certos recursos, enquanto outros são superexplorados,
transformados ou destruídos como resultado das demandas do mercado. 11
A racionalidade econômica determina a produtividade dos
meios de produção e da força de trabalho excluindo deste processo o homem e a natureza.
10
11
Cf. LEFF, 2002, p. 87.
id., ibid.
99
No entanto,
...o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico gerou um potencial
inovador, fundado no conhecimento da natureza, que pôde orientar-se para o desenvolvimento de
novos recursos naturais e tecnológicos para o aproveitamento de fontes alternativas de energia e para o
desenho de novos produtos, dando suporte a um projeto de civilização e a uma estratégia de
desenvolvimento que incorporam as condições de conservação e o potencial ecológico e cultural de
diferentes formações sociais. Abre-se, assim, a possibilidade de organizar um processo econômico a
partir do desenvolvimento das forças ecológicas, tecnológicas e sociais de produção, que não está
sujeito à lógica de economias concentradoras, de poderes centralizados e da maximização de lucros de
curto prazo, abrindo a via para um desenvolvimento igualitário, sustentável e sustentado. 12
O conceito de
produtividade ecotecnológica, em Leff,
persegue o que ele chama de efeito sistêmico de geração de novos potenciais produtivos, ao
congregar ordenamento ecológico, distribuição territorial e reorganização das atividades
produtivas. Trata-se de um processo que, segundo ele, "afeta, necessariamente, a
quantidade, a qualidade e a distribuição da riqueza por meio da socialização da natureza,
da descentralização das atividades econômicas, da gestão social da produtividade
ecológica e dos meios tecnológicos, do respeito pela diversidade cultural dos povos e do
estímulo a projetos alternativos de desenvolvimento sustentável". 13
Na verdade, a proposta de Leff (2002) complementa a de
Thurow (1997) ao defender uma integração de saberes que "coloca em produção" recursos
sociais potenciais, considerados um patrimônio cultural do homem. Por isto, ao tratarmos da
questão ambiental - profundamente sistêmica - não podemos adotar abordagens isoladas ou
unívocas, como diz Leff, nem adotar posições maniqueístas a favor deste ou daquele modelo
produtivo, seja socialista, capitalista ou qualquer outro, como ensina Thurow, pois só de
uma visão integrada, holística, capaz de abarcar o todo, poderá emergir o bom senso
econômico e social.
Este
modo
de
ver
também implica
um processo
interdisciplinar que leva a uma ressignificação do processo de civilização para gerar uma
estratégia discursiva que produza novas formas de identificação, novas possibilidades de ser,
novos estilos de vida, novos projetos de desenvolvimento, pois "todo conhecimento que não
seja palavra morta e documento sepultado requer um processo de assimilação subjetiva
que, mais do que a leitura repetitiva e o discurso dogmático que levam a uma aprendizagem
12
13
Cf. LEFF, 2002, p. 88.
id., ibid.
100
mimética, implica a necessidade de uma interpretação,"
14
como afirma Leff, ao relacionar
o "processo sem sujeito", de Althusser - no qual o sujeito psicológico está ausente como
princípio produtor do conhecimento - à proposição lacaniana que questiona a ciência como a
"ideologia da supressão do sujeito", e que introduz no processo do conhecimento não o
sujeito autoconsciente, mas o sujeito do inconsciente, aquele movido pelo desejo de saber. É
esta função do sujeito, sua pulsão apistemofílica, a que interessa destacar em seus efeitos
sobre a integração dos conhecimentos produzidos sobre a articulação possível das ciências,
sobre os processos transdisciplinares e interdisciplinares.
Na sua epistemologia ambiental, Henrique Leff contempla o
sujeito ideológico que,
condicionado pela potencialidade do que é possível pensar e dizer no terreno de uma teoria e no campo
da luta de classes pelo conhecimento, entrelaça saberes, transplanta conceitos, combate doutrinas. Isto
evita que as ciências estejam constituídas como monumentos para a contemplação mítica ou religiosa,
para o ritual dogmático das teorias elaboradas O sujeito pode assim profanar o templo do saber,
ressuscitar, mediante a exegese, o documento arquivado, para torná-lo ciência viva, ciência política
inscrita nas estratégias conceituais e discursivas que surgem das interpretações possíveis do
conhecimento a partir da oposição de interesses, de visões do mundo, de hierarquias e funções sociais.
Assim se produz uma contra-identificação com os saberes legitimados e se geram as condições de "des15
sujeição" ideológica dos homens para um novo projeto de civilização.(Cf. LEFF, 2002, p. 101).
Em que pese o olhar esperançoso de Leff sobre o "novo
homem" que há de nascer para habitar um outro mundo possível, um novo mundo voltado
para a justiça social e a solidariedade, o fato é que o mundo continua pondo em dúvida a
justificação do crescimento tal como ele se verifica presentemente. A necessidade de crescer
sem destruir continua desafiando o imaginário de todos os estudiosos que alimentam a
utopia do mundo novo. Outro grande nome, nesses estudos, é Ignacy Sachs, já citado no
primeiro capítulo, na verdade mentor do grupo de estudos ao qual Leff pertencia na Escola
de Altos Estudos Sociais, de Paris, na década de 1970. Ele desenvolveu o conceito de
"ecodesenvolvimento".
14
15
id., p. 100.
LEFF, 2002, p. 101.
101
2. Crescer sem destruir: Ecodesenvolvimento
A idéia de "ecodesenvolvimento" surgiu no decorrer da
primeira reunião do Conselho Administrativo do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), realizada em Genebra, em junho de 1973, sugerida pelo seu diretor
Maurice F. Strong . Na abordagem de Sachs, trata-se de um programa pensado para os
países do Terceiro Mundo. 16 É um projeto que se opõe, frontalmente, à arrogante proposta
de "crescimento zero" que os empresários dos países ricos propuseram para os países do
Terceiro Mundo no Clube de Roma. "Somente uma profunda desorientação poderia
explicar como este tema do não-crescimento tenha sido manifestado e se tenha imposto à
opinião pública em tão pouco tempo, já que ele constitui uma completa inversão da
perspectiva ideológica dos últimos dois séculos e, mais vincadamente, dos últimos cinqüenta
anos", revolta-se o autor ao contemplar "a inquietação generalizada da juventude, a
persistência da miséria, a agressão contra o ambiente, a frustração do Terceiro Mundo que
começa a se perguntar se o próprio conceito de desenvolvimento (grifo nosso), fundado na
eficácia, não deveria ser substituído pelo de libertação (grifo nosso), voltado para a justiça
social e criação de um homem novo" (Cf. SACHS, 1986, p. 9).17
O ecodesenvolvimento quer ser uma alternativa para
o
modo clássico de produção/consumo que perpetua o esgotamento dos recursos e as
desigualdade sociais, acentuando o desequilíbrio entre as regiões do mundo e no interior das
sociedades nacionais. É um estilo de desenvolvimento que, em cada ecorregião, insiste nas
soluções específicas de seus problemas particulares, levando em conta os dados ecológicos e
culturais, as necessidades imediatas, como também as de longo prazo. Ou seja, trata-se de
encaminhar a solução dos problemas locais ou regionais a partir das condições dadas na
própria realidade onde eles se manifestam. É o que caracteriza, por exemplo, o programa da
Agenda-21 resultante da Rio-Eco-92, conclamando intensa participação comunitária para o
encaminhamento mais adequado aos interesses da sociedade.
16
Ignacy Sachs é um economista muito interessado no Brasil e na América Latina. Polonês naturalizado
francês, morou 14 anos no Brasil e estudou economia na Faculdade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro; na
Universidade de Nova Delhi e na Escola de Planejamento e Estatística de Varsóvia, onde foi colaborador de
Kalecki. Desde 1968 ensina na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais, em Paris, onde fundou, em
1973, o Centro Internacional de Pesquisas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CIRED), do qual
participaram grandes nomes como o mexicano Enrique Leff.
17
SACHS, 1986, p. 9.
102
As características mais marcantes de um programa de
ecodesenvolvimento são definidas por Ignacy Sachs através de oito diretivas: 18
1. Em cada ecorregião, o esforço se concentra na valorização de seus recursos específicos, para a
satisfação das necessidades fundamentais da população em matéria de alimentação, habitação, saúde e
educação, sendo essas necessidades definidas de maneira realista e autônoma, com vista a evitar os
nefastos efeitos de demonstração do estilo de consumo dos países ricos. 19
2. Por ser o homem o recurso mais precioso, o ecodesenvolvimento deverá, antes de tudo, contribuir
para a sua realização. Emprego, segurança, qualidade das relações humanas, respeito à diversidade das
culturas, ou, se se prefere, implementação de um ecossistema social considerado satisfatório são partes
integrantes do conceito. Estabelece-se uma simetria entre a contribuição potencial da ecologia e a da
antropologia social ao planejamento.
3. A identificação, a exploração e a gestão dos recursos naturais [aqui identificados como a estimativa
cultural que cada civilização faz de seus meios] se fazem dentro de uma perspectiva de solidariedade
diacrônica com as gerações futuras: a depredação fica severamente proscrita e o esgotamento, inevitável
no longo prazo, de certos recursos não renováveis é mitigado por uma dupla ação que consiste em evitar
o seu desperdício e em utilizar, tanto quanto possível, recursos renováveis, os quais, se adequadamente
explorados, jamais deveriam exaurir-se.
4. Os impactos negativos das atividades humanas sobre o ambiente podem ser reduzidos através da
organização da produção, com o aproveitamento de todas as complementariedades e a utilização das
quebras 20 para fins produtivos.
5. Nas regiões tropicais e subtropicais, em particular, [...] o ecodesenvolvimento aposta na capacidade
natural da região para a fotossíntese sob todas as suas formas, estimulando-se, igualmente, o uso de
energia alternativa - inclusive outros meios de transporte que não o automóvel - do que deve resultar um
perfil reduzido de consumo de energia proveniente de fontes comerciais e, em especial, de
hidrocarbonetos.
6. O ecodesenvolvimento implica um estilo tecnológico particular [...], a ecotécnica que compatibilize
adequadamente objetivos diversos - econômicos, sociais, ecológicos - com novas modalidades de
organização social e um novo sistema de educação.
7. O ecodesenvolvimento exige a constituição de uma autoridade horizontal capaz de superar os
particularismos setoriais, preocupada com todas as facetas do desenvolvimento e que leve
constantemente em consideração a complementariedade das ações empreendidas. Essa autoridade não
poderia ser eficaz sem a participação efetiva das comunidades envolvidas, inclusive para a identificação
das potencialidades do ecossistema e para a organização do esforço coletivo com vistas ao
aproveitamento dessas potencialidades. Também é preciso assegurar-se que os resultados do
ecodesenvolvimento não sejam comprometidos pela espoliação das populações que o realizam, em
proveito dos intermediários que se inserem entre as comunidades locais e o mercado nacional ou
internacional. 21
8. Através da educação preparatória, o ecodesenvolvimento deve sensibilizar as pessoas quanto à
dimensão do ambiente e aos aspectos ecológicos do desenvolvimento, modificando o sistema de
18
id., p. 16-17.
O economista paquistanês Ul Haq escreveu: "Os países em desenvolvimento não têm outra opção senão
voltar-se para eles próprios da mesma forma que fez a China comunista [...] e adotar um estilo de vida
diferente, buscando um padrão de consumo mais coerente com a sua própria pobreza - potes e panelas e
bicicletas e hábitos simples de consumo - sem deixar se seduzir pelo estilo de vida do rico". In "Crisis in
Development Strategies", Worl Development, v. I, n. 7,1973,p. 29. Citado por SACHS, p. 16.
20
O autor refere-se às áreas rurais do Terceiro Mundo e "quebra" é um jargão agrícola para os restos da
colheita.
21
O autor estabelece, aqui, a importância da reforma agrária para levar justiça ao campo e o apoio do Banco
Mundial aos projetos comunitários para, finalmente, tornar eficaz a luta contra a pobreza.
19
103
valores em relação às atitudes de dominação da natureza., reforçando-se a atitude de respeito à natureza
que é característica de certas culturas. 22 Este resultado poderá ser obtido tanto através da educação
formal como da educação informal. A experiência chinesa é muito instrutiva a este respeito. As
ecotécnicas implantadas na China não diferem sensivelmente das conhecidas e praticadas por outras
sociedades camponesas. Nova, entretanto, é a tomada de consciência que precede e acompanha a
aplicação dessas ecotécnicas.
Não é difícil perceber que todos os teóricos - seja Thurow,
Leff ou Sachs - insistem na importância do conhecimento, portanto, da educação, da
conscientização, em suas abordagens sobre o desenvolvimento sustentável em busca do
"homem novo". Apostar no homem é, antes de tudo, educá-lo. Educar o homem é educar,
antes, a criança que ele é na escola e na família. Daí resulta que um país não sai do
subdesenvolvimento quando não investe em educação. Temos o exemplo da Coréia do Sul
que antes enviava emigrantes pobres para o Brasil, em busca de uma oportunidade, e, depois
de investir maciçamente em educação nos anos 1980, hoje está à frente do Brasil no ranking
econômico mundial, exportando largamente para o nosso país.
Os estudos de Ignacy Sachs guardam certa relação com o
papel da mídia (nosso objeto de estudo na seqência desta obra) como instituição capaz de
educar e transformar o modo de pensar a relação homem/natureza a partir de uma base de
sustentabilidade. Com efeito, suas idéias iniciais sobre o tema apareceram em julho de
1973, na forma de um trabalho solicitado pela Comissão de Estudos Para a América LatinaCEPAL, órgão da Organização dos Estados Americanos-OEA, com o título de
"Ecodesarrollo: un aporte a la definición de estilos de desarrollo para America Latina", no
qual já destacava "o desencadeamento dos meios de comunicação de massa e o uso intensivo
do computador" como propagador de idéias. Idéias, por exemplo, a favor da chamada "vida
simples", sem o consumo conspícuo, sem o desperdício, sem a imitação de países ricos,
lembrando que é possível viver bem com muito menos, sem esbanjamento de recursos e de
bens materiais, conforme já vimos no segundo capítulo. Entretanto, retomando a concepção
de Thurow ao especular sobre o tipo de regime que se adequaria ao "homem novo", quando
ele diz já estar provado que nem o comunismo, nem o capitalismo atenderam aos anseios de
felicidade do homem, e tendo em vista a situação de eterno empobrecimento do Terceiro
Mundo, será que não caberia indagar a respeito de um outro regime possível para chegarmos
22
O desenvolvimento tradicionalmente definido significa sempre uma prioridade incondicional dada à cultura
ao invés da natureza. Por outro lado, como salienta Claude Levi-Strauss, nos primitivos a relação entre a cultura e a
natureza se reveste de uma certa ambigüidade: esta última é ao mesmo tempo pré-cultura e sub-cultura, mas, sobretudo,
contém um componente sobrenatural. In Anthropologie Structurale II, Paris,1973, p. 374. Cit. por SACHS, p. 18.
104
ao Novo Mundo? Afinal, deve existir uma outra via, uma terceira via que garanta o
crescimento material mas não agrida o ser espiritual que há dentro de nós e na natureza. Já
vimos em GOSWAMI (2000) a possibilidade do salto quântico que une ciência e
espiritualidade e que nos revela o modo de vida oriental, muito menos consumista e
materialista que o do Ocidente. Também vimos em FREUD (1997) como o homem
tecnológico está mentalmente perturbado. Em O Medo à Liberdade 23 Erich Fromm expõe o
angustioso processo de individuação do ser humano desde romper os vínculos maternos até
se impor como pessoa no mundo. No segundo volume de "O Mundo Como Vontade e
Representação", em 1844, Schopenhauer se lamentará dizendo: "A vida é um negócio que
não cobre os custos".(Cf. TANNER, 2001, p. 24). 24 Não se poderia, então, refletir sobre
uma via socialista como alternativa à tecnoburocracia comunista e ao individualismo
capitalista? Teríamos espaço para a livre manifestação da espiritualidade em um regime
ecologicamente socialista?
Vamos refletir.
3. A Via Política do Eco-socialismo
Embora desenvolvido no Ocidente, a partir da década de
1970, como vimos, o conceito de sustentabilidade ecológica, ou ecodesenvolvimento, vem
sendo apregoado por alguns mentores do movimento ambientalista internacional a partir da
década de 1950 (MARTINS,1971, p. 81), 25 entre eles E. F. Schumacher, que publicou na
imprensa inglesa uma série de artigos
26
sob a rúbrica "Small is Beautifull" . Em um desses
artigos, "Economia Budista", publicado em 1966 - portanto dois anos antes da revolta
estudantil em Paris - ele utilizou uma visão oriental de mundo para criticar a formulação
ocidental de trabalho e desenvolvimento. Ele inicia o artigo citando alguns trechos do plano
econômico e social do governo da Birmânia para 1954: " A nova Birmânia não vê conflito
23
Zahar Editores, várias edições.
Cf. TANNER, Schopenhauer, 2002, p. 24.
25
Cf. MARTINS, 1971, p. 81.
26
Cf. SCHUMACHER, O Negócio é ser Pequeno. São Paulo: Zahar Editores, 1977. Citado por MARTINS:
1997, p. 82.
24
105
entre valores religiosos e progresso econômico. Saúde espiritual e bem-estar material não
são inimigos; são aliados naturais. [...] podemos combinar com sucesso os valores
religiosos e espirituais de nossa herança com os benefícios da tecnologia moderna".
Para Schumacher, a concepção budista de trabalho, que
contrasta com a visão ocidental, é um dos elementos que apontam para um novo modelo de
desenvolvimento. Ele diz que o ponto de vista budista considera a função do trabalho como
sendo no mínimo tríplice: dar a um homem a oportunidade de utilizar e desenvolver suas
faculdades; possibilitá-lo a superar seu egocentrismo unindo-se a outras pessoas em uma
tarefa comum; e gerar os produtos e serviços necessários a uma existência digna.
Certamente é o oposto do que temos no capitalismo, onde o
individualismo nos leva a sacrificar os valores mais sagrados - até mesmo o estar com a
família, o lazer, as relações sociais, a criatividade, o amor - para nos atirarmos
desenfreadamente ao trabalho como única saída para mantermos o padrão de consumo que
significa status, aceitação e respeitabilidade social, sem qualquer contemplação com o nosso
"eu" interior, sem nenhum momento para a reconfortante reflexão espiritual, o olhar interior
do qual emergimos mais irmanados com a Unidade que é Totalidade. Entretanto, segundo o
budismo, não é a riqueza que condena o homem, mas o "apego" à riqueza, a dependência, a
estetização do consumo, conforme também já vimos. É o consumo pelo consumo, sem um
sentido existencial, uma reflexão, uma atitude consciente. Para o budismo - sempre nas
pegadas de Schumacher - não é na fruição de coisas belas e agradáveis que está o mal, mas
no "desejo exagerado" delas, pois o budismo segue o preceito latino: Virtus in medium est.
(A virtude está no meio). Preceito, aliás, que está presente no Cristianismo através de uma
das quatro virtudes cardeais, a Temperança, 27 como antônimo de gula, cobiça etc.
O sucesso da filosofia budista parece antecipar, no plano
espiritual, o bom êxito da tecnologia do séc. XXI na miniaturização dos objetos de desejo do
consumismo mundial como são os equipamentos de vanguarda na comunicação eletrônica:
celulares, palm-tops, micro chips, ponto eletrônico etc Schumacher lembra que "a tônica da
economia budista é simplicidade e não violência (grifo nosso). A maravilha do estilo de vida
27
As Virtudes Cardeais são: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança. [...] A temperança é a virtude moral
que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da
vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade. Cf. Catecismo da Igreja
Católica. São Paulo: Vozes/Loyola, 1993. p. 486-487.
106
budista é a racionalidade absoluta de seu modelo - meios espantosamente reduzidos levando
a resultados extraordinariamente satisfatórios". 28
O artigo de Schumacher questiona, em suma, já em 1966, o
modelo de desenvolvimento ocidental que privilegia o superconsumo, levando à dilapidação
dos recursos naturais para a superprodução de objetos a serem consumidos e à utilização
prioritária das potencialidades humanas no trabalho destinado à alimentação do processo
produtivo-consumista, num círculo vicioso que só resulta em angústia e infelicidade.
Como seria, então, no eco-socialismo?
Inicialmente é bom lembrar, com MARTINS (1971), que o
que morreu e foi sepultado na União Soviética, a partir da unificação alemã de 3 de outubro
de 1990, após a queda do Muro de Berlim em 1989, foi o próprio comunismo soviético,
embora restando versões chinesas e cubanas em outros contextos de mundo, com outras
conformações capazes de incorporar ícones do capitalismo ocidental como coca-cola ou
hotéis cinco estrelas.
Mas o socialismo não morreu. O ideal socialista é o único a
se opor ao american way of life que sacraliza o mito da eterna juventude, o modismo, o
consumismo, a vida vazia e sem sentido, onde muitos tentam curar a ansiedade indo às
compras no shopping, no supermercado, na Daslu, em Miami...
O escritor e jornalista especializado em meio ambiente, José
Pedro Soares Martins,
29
de São Paulo, considera-se um otimista incurável ao vislumbrar um
mundo eco-socialista em que haverá desconcentração urbana, as pessoas poderão morar
perto do local de trabalho, viverão em pequenas comunidades (com menor necessidade de
energia e outros recursos naturais), bens comuns como terra-água-ar não serão mais objetos
comercializáveis e pertencerão a todos os viventes - homens, animais, vegetais etc - a
adubação química e os pesticidas serão proibidos.
Mas ele acredita que só é possível chegar à sustentabilidade
do eco-socialismo se o mundo moderno passar por uma valorização cultural e espiritual
[ressignificação] que leve ao verdadeiro ecumenismo e à tolerância com as diversas
manifestações culturais e religiosas. Não haverá mais lugar para a padronização cultural que
inferioriza as manifestações da cultura e da religião africana e asiática, por exemplo, frente
à cultura branca euro-americana. Não haverá mais preconceito de raça, religião, posição
28
29
id., ibid.
Cf. Terra, Nave Mãe. Por um socialismo ecológico. São Paulo: Traço Editorial, 1991.
107
política ou de qualquer espécie. A religião será usada para libertar e não para dominar o ser
humano, respeitando as convicções culturais e espirituais mais íntimas de homens e
mulheres que serão donos de seu destino.
Outro conceito que se destaca no mundo eco-socialista
imaginado por Martins é o de ecofeminismo, que será um dos pilares desse novo mundo
fundado na igualdade entre homens e mulheres, tendo como base a visão feminina de
mundo, que é intuitiva, global e de maior identificação com a natureza, geradora de vida.
Para o ecofeminismo, a vida é um processo, um fluir constante. O hoje é tão importante
quanto o amanhã, portanto a vida deve ser vivida em plenitude hoje, ao invés do que prega a
sociedade técnico-industrial na qual as pessoas vivem de promessas futuras e da visão de
que é preciso acumular e acumular para ter "um futuro melhor". O ecofeminismo assume
uma visão de mundo baseada na interação entre os diversos ciclos vitais e ecossistemas.
Assim como o homem não é superior à mulher, todos os seres vivos, homens, mulheres,
plantas, animais, água, terra etc são interdependentes e nenhum é superior ao outro.
Lugar de destaque terá, também, a ecopolítica, na qual não
será eleito aquele que conseguir elaborar o melhor produto de marketing, mas aqueles que
tiveram participação direta nas decisões de interesse público revelando efetivo compromisso
político, ético e social. Toda a administração será descentralizada, com os direitos
individuais sendo respeitados por inteiro, cada um sentindo-se responsável pelo todo e por
todos. A consulta popular será constante e os governantes corruptos serão substituídos
imediatamente. A energia será eólica, solar ou de fontes alternativas. Nada de hidrelétricas e
usinas nucleares. Não haverá grandes obras nem grandes cidades 30 que levam alegria aos
construtores e stress à população.
Por fim, porém não menos importante, há o conceito do
ecopacifismo que eliminará, de pronto, a necessidade de guerras, pois não haverá o que
disputar em um mundo construído na solidariedade e na paz, onde todas as etnias, povos e
religiões se respeitarão mutuamente. A indústria bélica que gera lucros para poucos e morte
para milhões - como ocorre com o próprio modelo de acumulação capitalista - ficará sem
sentido em um mundo onde não se gastará mais cerca de US$ 1,8 milhão a cada minuto em
30
A concentração urbana também produz mais consumo e gera mais lixo. Cada habitante urbano consome,
em média, diariamente, 560 litros de água, 1,8 kg de alimentos e 8,6 kg de combustíveis fósseis, gerando 450
litros de água suja, 1,8 kg de lixo e 0,9 kg de poluentes do ar. Cf. DIAS, Genebaldo Freire. Educação
Ambiental - Princípios e Práticas. São Paulo: Gaia, 2004, p. 28.
108
armas, conforme estimativa do Conselho Mundial de Igrejas, enquanto 40 mil crianças
morrem por dia, de fome.. 31
Afinal, o mundo de Martins parece um mundo distante e
utópico, mas talvez a própria natureza venha a ser a única potência capaz de forçar o homem
- à custa de muita dor e sofrimento - a achar o caminho desse mundo de paz entrevisto por
tantos filósofos do bem, per secula seculorum. De qualquer forma, propostas assim ajudamnos a pensar o desenvolvimento sustentável de forma sistêmica, ao observarmos a
complexidade de relações entre o homem, a natureza e a sociedade.
Quando se projetam utopias, entretanto, será que devemos
acreditar piamente em tudo o que nos dizem? O próprio movimento ambientalista nos ensina
a assumir um posicionamento crítico diante do mundo técno-industrial para fugir da
alienação. Fica implícito, então, que o movimento, em si, deve acatar a necessária revisão
crítica, do contrário não poderia pregar, por exemplo, a democratização das notícias
ambientais como exige da mídia convencional.
O próprio jornalismo nos ensina a ser céticos diante do que
vemos ou ouvimos, porque muitas vezes a primeira informação é apenas uma versão e a
notícia está escondida atrás da segunda, terceira ou quarta camada de informação, por isto
cumpre checar, estudar, pesquisar, duvidar. Só o posicionamento crítico nos ajudará a nos
aproximarmos, o mais possível, da verdade.
À crítica, então.
4. Posicionamento Crítico: A Responsabilidade de Educar
Desde a conferência do Rio, em 1992, a questão das mudanças
climáticas tornou-se central no movimento ambientalista, em todo o mundo. Muitos
cientistas vêm alguma relação entre o efeito estufa e as variações do clima, temendo que o
aquecimento da terra e, portanto, o aquecimento do oceano, seja uma das causas dos tufões e
furacões. O aquecimento tende a expandir o volume do mar que avançará sobre a terra
potencializado por outro efeito do aquecimento que seria o derretimento das geleiras. Já
existe ampla literatura a respeito. As estimativas da ONU prevêem um aquecimento de
1,4º C a 5,8º C até 2100. Mas o pior cenário, de 5,8º C, só ocorrerá se o mundo nada fizer
31
Cf. MARTINS, 1997, p. 134.
109
para reduzir a queima de combustíveis fósseis ao longo de todo o século, o que seria muito
improvável, porque os combustíveis alternativos deverão se tornar competitivos muito antes
disso. Assim, o cenário mais aceito pelos especialistas é um aquecimento de 2º C a 3º C, o
que provocará uma elevação de 30 a 50 centímetros no nível do mar, embora o nível do mar
já tenha subido 15 centímetros no século passado e ninguém notou.
Os dados acima partem do ex-professor e cientista da
Universidade de Arthus, na Dinamarca, Bjorn Lomborg, um dos principais críticos mundiais
da forma pessimista e apressada como os ambientalistas discutem a saúde do planeta.
Cientista aos 40 anos, Lomborg ficou mundialmente famoso em 2001 com a publicação do
polêmico livro "O Ambientalista Cético", no qual faz um diagnóstico bem menos assustador
- até positivo - do cenário mundial. Ele ataca diretamente a questão da mudança climática,
considerando que a pressa em conter o efeito estufa, na forma do Protocolo de Kyoto, está
custando muito caro: algo em torno de US$ 150 bilhões a US$ 300 bilhões para a redução da
emissão de gases, se incluídos os Estados Unidos, até 2008. O que incomoda o cientista é o
custo-benefício do esforço mundial, pois, na sua opinião, tudo o que se conseguirá é um
adiamento de seis anos no aquecimento global até 2100.
Em 2004, Lomborg
organizou, em Copenhague, um
encontro dos maiores economistas do mundo, incluindo três vencedores do Prêmio Nobel,
para analisar diferentes problemas do mundo e, através de um documento chamado
"Consenso de Copenhague", decidiram quais poderiam obter o maior benefício a partir de
investimentos disponíveis. A lista de prioridades incluiu prevenção da Aids (em primeiro
lugar), combate à desnutrição e acesso à água potável (em segundo lugar), eliminação de
barreiras comerciais (em terceiro), extinção da malária etc O Protocolo de Kyoto - que rege
as preocupações dos governos mundiais com a emissão de gases estufa - ficou em último
lugar. A justificativa, segundo Lomborg, está no custo-benefício: "Cada US$ 1 investido no
combate ao HIV, traz um retorno de US$ 40, em termos sociais, enquanto para Kyoto o
retorno é de US$ 0,02 a US$ 0,50.
Entretanto o "ambientalista cético" não defende o abandono
dos esforços para reduzir a geração de gases estufa. Apenas acha que ao invés de investir
tanto para adiar por seis anos os efeitos do aquecimento até o final do século, o mais
importante é preparar o mundo para o inevitável, isto é, para as conseqüências que o
aquecimento trará. "Preparar o mundo", para Lomborg, é investir em pesquisa
e
110
desenvolvimento de energias renováveis, é conseguir fazer com que a energia renovável se
torne mais barata que o combustível fóssil.
Escandalizando os ambientalistas, Bjorn Lomborg diz que
prefere investir no que o homem tem de pior, o egoísmo, para levá-lo a assegurar-se de que
seus filhos e netos terão acesso a energias renováveis e que eles optarão por usá-las em
interesse próprio e não por qualquer preocupação com o meio ambiente e
independentemente de tratados internacionais. Ele acha que é melhor investir em melhorias
das condições de vida hoje - como o acesso à água potável, o combate à malária - do que
gastar fortunas para resolver problemas que ocorrerão daqui a 50 anos.
Em entrevista ao repórter Herton Escobar, do jornal O
Estado de S. Paulo, 32 Lomborg disse qual é, na sua opinião, o maior problema ambiental da
atualidade, já que não crê na teoria do aquecimento global:
Depende de onde você está. No mundo desenvolvido, sem dúvida, é a poluição externa do ar. Nos
países em desenvolvimento é a poluição interna do ar (dentro das residências). A Organização Mundial
da Saúde estima que 2 milhões a 5 milhões de pessoas morram por ano por causa da poluição do ar, isto
significa 10% da mortalidade mundial. São principalmente mulheres e crianças, intoxicadas pelo uso de
contaminantes do ar como esterco, papelão ou qualquer outra coisa que possam queimar para cozinhar,
o que me leva a concluir que o que faz de um problema, um problema ambiental é a pobreza. A solução,
portanto, não é regular o uso de esterco, mas fazer com que essas pessoas se tornem ricas o suficiente
para comprar querosene, por exemplo. Quem não sabe como conseguir a próxima refeição não está
preocupado com o meio ambiente daqui a cem anos. A longo prazo, portanto, precisamos tornar o resto
do mundo rico e confortável o suficiente para que as pessoas possam parar de se preocupar em como
pôr comida no prato e começar a se preocupar com a saúde do planeta. (O Estado de S. Paulo, 14 nov.
2004, p. A-21).
Outro crítico mordaz do ambientalismo internacional e do
modo como são encaminhados os estudos sobre sustentabilidade, é o antropólogo americano
Michael Schellemberger. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ele questiona a "falta
de visibilidade" dos temas ambientais para o grande público:
Nos anos 60 e 70, mesmo no governo de Richard Nixon, você tinha uma cultura padrão muito mais
progressista. Hoje você tem um ambiente de valores culturais nos EUA que é muito mais conservador.
Por outro lado, os problemas ambientais de então eram muito mais visíveis e imediatos para o público.
Você ligava a TV e via o rio literalmente pegando fogo em Ohio, de tantos poluentes que ele tinha.
Tanto que em Washington queriam votar a Lei das Águas Limpas. No caso do efeito estufa, você tem
um problema que ninguém vê ou sente. É um problema totalmente diferente. E requer que nós
32
Matéria divulgada na Internet pelo Núcleo de Jornalistas Ambientais de São Paulo, presidido pelo
jornalista Adalberto Wodianer Marcondes, em 21.fev. 2005. Cf. também o jornal O Estado de S. Paulo, 14
nov. 2004, p. A-21.
111
transformemos radicalmente a economia energética do mundo. Como você motiva o público e os
políticos a apoiar essa transformação? Você precisa animá-los em relação aos benefícios. Mas os
ambientalistas só dizem que precisamos fazer isto porque o desastre está a caminho. Perguntamos isto
ao Sierra Club e eles disseram: "Olha aqui, o nosso trabalho é ambiente, não política industrial". Mas se
você tivesse de se preocupar com política industrial para obter ação em efeito estufa? É por isso que
falamos tanto em categorias mentais. O ambiente é visto como uma categoria mental, as pessoas
conceituam o ambiente como alguma coisa que está fora de nós, acham que é separado da economia.
(Folha de S. Paulo, de 14 fev. 2005). 33
Além do poderoso Sierra Club, outros ícones do movimento
ambientalista internacional, como The Nature Conservancy, o Greenpeace e o renomado
Worldwatch Institute, de Lester Brown, têm estado sob ataque do chamado discurso
"ecocrítico". O questionamento tem o objetivo de indagar se o alarmismo não acaba dando
sustentabilidade ao próprio capitalismo que pretende combater, embora reconhecendo que
"os e as ecologistas talvez tenham sido os primeiros a evidenciar um aspecto básico da
globalização que é a compreensão de um mundo sem fronteiras, no qual as
interdependências são inevitáveis", [...] "inscrevendo-se a crise eco-social em um
´babelismo` que não só dá conta das limitações do conhecimento humano, mas também da
pluralidade de sentidos que torna sumamente complexo compreender o mundo,"
34
como
afirma o professor da Universidade do México, Edgar Gonzáles Gaudiano, citando Reigota
(1999, p. 63) e Boaba (1998, p. 10) .
Algumas organizações ambientalistas são acusadas de
ignorar o homem ao defenderem a natureza, como se o homem não estivesse integrado nela,
como nesta passagem de Luke (1998) registrada por GAUDIANO:
35
...pese a su ardiente oposición a la destrucción del ambiente en general, The Nature Conservancy parece
conformarse com conservar pequeñas piezas de tierra sin desarrollar para preservar diminutos trocitos y piezas
de habitat como preciosos contenedores de la biodiversidad. Como resultado, la construcción de una
´Conservación de la Naturaleza´ empleando estrategias capitalistas es equivalente a mantener un ´cementerio
de la naturaleza´que verdaderamente preserva la naturaleza del capitalismo. (Cf. GAUDIANO, 1982). 36
33
Retransmitida aos membros do Núcleo de Jornalistas Ambientais de São Paulo na mesma data.
GAUDIANO, Edgar González, Discursos Ambientalistas e Discursos Pedagógicos. In: SANTOS, J. E. e
SATO, Michèle. A Contribuição da Educação Ambiental à Esperança de Pandora. São Carlos-SP: Rima,
2001, p. 394.
35
id. p. 393.
36
"Em que pese sua ardente oposição à destruição do ambiente em geral, The Nature Conservancy parece
conformar-se em conservar pequenas reservas de terra sem desenvolvimento para preservar diminutas
coisinhas e espécimes de habitat como preciosos contendores de biodiversidade. Como resultado, a
construção de uma ´Conservação da Natureza´ empregando estratégias capitalistas é equivalente a manter um
`cemitério da natureza´ que verdadeiramente preserva a natureza do capitalismo".
34
112
Gaudiano recorre ao mesmo autor para criticar o Instituto de
Lester Brown, embora não citando textualmente:
Esse Instituto freqüentemente opera como outra parte integral das alianças emergentes da grande
empresa, de organizações não governamentais, e dos ` think tanks` globais que têm colaborado na
invenção de novos discursos sobre a `governabilidade´ universal, articulados agora mediante
categorias disciplinares do `desenvolvimento sustentável`. 37
O
professor
mexicano
também
denuncia
o
grupo
ambientalista norte-americano Earth Island Institute, vinculado a interesses comerciais dos
atuneiros norte-americanos, de cobrar quase US$ 7 milhões, anualmente, por intermédio do
Earth Trust Fund, pelo selo de qualidade Dolphin Safe, o que resultou no embargo do atum
imposto ao México em 1990. Também tem críticas para os partidos Verdes que, segundo
ele, assumem posturas que oscilam fortemente de um país para outro. Conta que o Partido
Verde Ecologista Mexicano tem agrupado suas principais demandas em torno de temas
pontuais como as corridas de touros ou a baleia azul no Golfo da Califórnia, enfeitadas com
uma defesa dos direitos indígenas que tem sido amplamente criticada por seu caráter
cosmético. Diz que o PVEM nada tem a ver com os pressupostos de Rudolf Bahro, o
membro mais proeminente no surgimento do Die Grünen na Alemanha ou com o Green
Party na Grãs Bretanha, os quais apresentam suas próprias características inscritas no
ecosocialismo e no conservadorismo, respectivamente. 38
No Brasil, também, o movimento ambientalista está sob a
vigilância de pesquisadores de prestígio e da própria sociedade, ambos interessados em
transparência, coerência e ética, ainda que reconhecendo o importante papel de formação
cívica exercido pelas ONGs ambientais. Só a título de exemplo, até mesmo o conceituado
Instituto Ethos - que, entre outras atividades de valor, estimula o jornalismo ambiental
premiando as melhores reportagens - foi alvo, em 2005, da severa - mas necessária argüição do professor da ECA-USP, Wilson da Costa Bueno - especialista em jornalismo
científico e com intensa atividade a favor do jornalismo ambiental - que assim se manifestou
pela Internet em artigo sobre "Comunicação no Terceiro Setor":
Não poucas vezes a newsletter, falas, eventos etc do Instituto Ethos tem reforçado e consolidado, como
ações de responsabilidade social, propostas e atitudes que são, obviamente, esforços de ludibriar a
opinião pública e que, quando muito, com boa vontade e uma dose enorme de ingenuidade, poderiam
37
38
id., ibid.
id., ibid.
113
ser concebidos como meros projetos de marketing social, de gosto duvidoso, (o que, conceitualmente, a
nosso ver, é absolutamente distinto de responsabilidade social). Atribuir a campanhas como fumar ou
beber com moderação, desenvolvidas pela indústria tabagista ou de bebidas, o rótulo de
responsabilidade social, é atentar contra a inteligência das pessoas e, sobretudo, jogar no lixo a
qualificação de um conceito. Pelo que se entende por responsabilidade social, e o Instituto Ethos tem
contribuído decisivamente para reforçar este conceito, há um compromisso maior nele implícito, exigese, sobretudo, transparência e ética. Como temos insistido em debates e artigos, boas ações também
fazem os traficantes e os bicheiros, alguns verdadeiramente respeitados na comunidade em que se
inserem. Não se pode medir responsabilidade pelo número de cestas básicas doadas (seriam, desta
forma, socialmente responsáveis os traficantes, os políticos corruptos etc), muito menos pelo discurso
cínico de empresas que se valem da fluidez de um conceito para se proclamarem cidadãs. 39
No contexto desta polêmica, como se nota pelos exemplos
citados, entre tantos outros, alguns criticam o modus operandi e até os deslizes do
movimento ambientalista. Mas também há críticas, não menos contundentes, ao modo como
a mídia divulga o noticiário ambiental. Estes últimos advogam a responsabilidade que a
mídia tem de formar a cidadania, educar para um novo mundo etc. Mesmo não concordando
inteiramente com determinadas posições, como a de Schellemberger, por exemplo - pois
também hoje os problemas ambientais são bastante convincentes e os efeitos climáticos são
bem visíveis e trágicos em todo o mundo, todos os dias - críticas assim podem nos ser úteis
quando advogamos um jornalismo que vá além das aparências e do espetáculo, procurando
explicar a razão dos fenômenos
e dos problemas do meio ambiente, indo além da
objetividade engessada na fórmula clássica do lead e do sub-lead, certamente, pois trata-se
de informar muito mais que o simples "quem fez o que, quando, onde, como e porque". Com
efeito, o modo como a mídia veicula a questão, atualmente, parece comprovar a observação
de Guimarães (2000, p. 36):
A formação do consenso em uma concepção funcionalista despersonaliza o indivíduo em sua ação
intencional como participante da sociedade, resultando em alienação, já que o indivíduo perde espaço
para escolhas e interpretação pessoais dos fenômenos sociais. [...] Não há, em nenhum momento,
análises que questionem o modelo de sociedade e as relações de poder como causadores dos problemas
ambientais. [Todo o problema é deslocado para o homem, sem nenhuma vinculação com a sociedade de
consumo na qual ele está inserido]. 40
O que chega para o receptor da mensagem ambiental é um
conjunto de "quadros isolados" que ora tratam de inundações, ora de direitos humanos, ora
de desmatamento, mas não é feita uma ligação entre esse conjunto de fenômenos. "O
39
Cf. file://C:\Documents%20and20%Settings\noox\Desktop\CONVICOM%20wilson%20bueno.htm.
Acesso em 06 jun. 2005.
40
GUIMARÃES, M. Educação ambiental: No consenso um embate?. Campinas: Papirus, 2000.
114
empolamento constante de certos temas, aspectos e problemas constitui um quadro
interpretativo, um esquema de conhecimento, um frame [da realidade]", como assevera Wolf
(2002, p. 146). 41
Essa
fragmentação
que
reforça
uma
visão
compartimentalizada dos problemas ambientais, desestimulando o engajamento individual e
coletivo nos processos que reivindicam mudanças profundas no comportamento do poder
público e dos agentes da sociedade em relação ao meio ambiente, também é analisada por
Luis Fernando Angerami Ramos:
Considerando que não há comunicação desinteressada, é possível supor que o receptor possa estar
sendo submetido a uma mensagem que visa basicamente alimentar uma demanda crescente de consumo
na qual a informação ambiental é um produto que atrai cada vez mais audiência...[pois] os mecanismos
de dominação de uma sociedade não se manifestam apenas nas estruturas de produção de bens e
serviços, mas também nas estruturas de produção de signos e subjetividade, através da mídia, da
publicidade etc. (Cf. RAMOS, 1996, p.19 - 30). 42
Desta forma, os analistas percebem que há graves
deficiências de linguagem no modo como a questão ambiental é divulgada através da mídia
convencional. Para os educadores, isto significa que a mídia está perdendo deliberadamente ou não - uma grande oportunidade de contribuir com um debate sério e
consciente sobre a problemática ambiental, ajudando a educar a sociedade na direção de um
outro mundo possível. Ademais, custeada pela própria sociedade, a mídia não poderia fugir à
responsabilidade social dessa significativa contribuição, por mais que suas "necessidades de
caixa" ou seus interesses político-econômicos ditem outro caminho, certamente não tão
nobre. 43
Todavia, se há uma responsabilidade social da mídia pela
sustentabilidade ambiental - seguro que há, pois da mídia poderíamos dizer o que o Papa
Paulo VI já dizia sobre a necessidade da reforma agrária ("sobre toda terra pesa uma
41
WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 2002.
RAMOS, L.F.A. Meio Ambiente e Meios de Comunicação. São Paulo: Annablume / Fapesp, 1996.
43
Em palestra na Unesp, campus de Bauru, em 5 out. 2005, durante a Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia, promovida pelo ministério do mesmo nome e pela Associação Brasileira de Jornalismo
Científico, a produtora do quadro filosófico do "Fantástico" - Ser ou não Ser - Viviane Mosé - doutora em
Filosofia, detentora do Prêmio Jabuti de Literatura - informou que a TV Globo não lança nenhum novo
programa sem uma completa pesquisa de opinião pública porque seu objetivo maior é não perder tempo e
dinheiro com produtos que não interessem ao público. Uma pessoa presente no debate questionou se a
Globo, antes de fazer a pesquisa, não induz o receptor a pensar do modo como a política editorial do
veículo gostaria que ele pensasse...pelo menos foi o que ocorreu paralelamente às pesquisas eleitorais durante
o debate entre Lula e Collor, na campanha de 1989, quando a emissora "editou" a primeira versão do debate
42
115
hipoteca social") - igualmente haverá uma responsabilidade social da área acadêmica que
tem a missão de preparar melhor os jornalistas que vão tratar da questão ambiental. Do
contrário eles chegarão despreparados aos seus locais de trabalho, como ficou patente na
Declaração de Brasília, em 1997, que foi o documento resultante do I Encontro Nacional de
Educação Ambiental, vazado nos seguintes termos: O despreparo de profissionais da
Comunicação nas questões ambientais, e muito mais em relação à educação ambiental, leva
à transmissão de conceitos ambientais equivocados, de teor principalmente naturalista,
priorizando problemáticas globais, o que induz a população a pensar a realidade ambiental
a partir de temas distanciados de seu próprio cotidiano.
Todavia o ensino de jornalismo ambiental nas universidades
brasileiras ainda é um fato muito incipiente. Ainda se confunde muito jornalismo ambiental
e jornalismo em agribusiness, cujas propostas são bastante diferentes, uma vez que o
primeiro está na esfera da ciência política ou das ciências sociais aplicadas, enquanto o
segundo filia-se à tecnologia, cujo parâmetro não é o bem estar da sociedade e sim a
maximização dos lucros. O exemplo clássico é o da soja transgênica que exige enormes
áreas de terra para se tornar economicamente viável, o que leva ao desmatamento da floresta
e ao desalojamento da agricultura de subsistência familiar criando desestabilidade social e
mais miséria. A própria mídia - toda ela permeada pela instância econômica - valoriza
exageradamente, por motivos óbvios, o agronegócio, também chamado "revolução verde",
por seu peso na pauta de exportações do país. Um peso tão relevante que não raro antigos
simpatizantes do movimento ambientalista, ao assumirem posições de governo, deixam-se
levar por projetos que favorecem o agronegócio em detrimento da reforma agrária,
naturalmente em nome da governabilidade que assim se opõe, de frente, ao conceito de
sustentabilidade.
Sobre o ensino de jornalismo ambiental na universidade,
deve-se fazer justiça ao pioneirismo do Rio Grande do Sul que também foi o primeiro estado
a criar núcleos de estudos voltados para esta matéria já por ocasião da Rio-Eco-92,
destacando-se o atuante Núcleo de Ecojornalismo apoiado pelo Sindicato dos Jornalistas
daquele Estado. Foi na UFRGS que surgiu o primeiro curso de pós-graduação em jornalismo
ambiental, fruto dos esforços da professora Ilza Maria Tourinho Girardi, da Faculdade de
Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) que afirma: "Mesmo com modismos e marketing
pretensamente verdes, percebemos que nos últimos anos a imprensa, de um modo geral,
para reapresentá-lo em seguida de modo a prejudicar a imagem de Lula.
116
vem dedicando mais espaço às ações ecológicas e estudos ambientais. Entretanto, jornais e
jornalistas nem sempre estão em sintonia sobre a importância da informação no papel da
formação de uma nova consciência ecológica e como instrumento pedagógico". 44
É igualmente relevante o pioneirismo da Escola de
Comunicação e Artes-ECA, da Universidade de São Paulo-USP, no oferecimento de cursos
de graduação voltados para o jornalismo ambiental no contexto do Jornalismo Científico,
sob a responsabilidade do professor Wilson da Costa Bueno, com dezenas de TCCs,
dissertações e teses orientadas na área.
Também se destaca a Universidade Metodista de São Paulo
- UMESP, que mantém, de longa data, uma área de pesquisa em Comunicação Científica e
Tecnológica, sob a responsabilidade dos professores Isaac Epstein, Graça Caldas e Elizabeth
Gonçalves. A UMESP também mantém a Cátedra Unesco.
O jornalismo ambiental está se constituindo em uma
especialidade na qual a formação de profissionais capacitados se torna imprescindível, do
mesmo modo como ocorreu no caso dos cronistas esportivos na década de 1940 e dos
jornalistas especializados em economia e política nos últimos vinte anos. 45 Hoje, destacamse no mercado nomes como Washington Novaes (responsável pelo programa Repórter Eco
da TV Cultura de São Paulo), Liana John, Carlos Tautz, Vilmar Berna (Jornal do Meio
Ambiente), André Trigueiro (da Globo News, que neste segundo semestre de 2005 lançou
novo livro sobre o tema, pela Editora Globo: Mundo Sustentável), Roberto Vilar, Adalberto
Woldianer Marcondes (da agência Envolverde/Terramérica e fundador do Núcleo de
Jornalistas Ambientais de São Paulo que promoveu, no Sesc de Santos, em 12/15 de outubro
de 2005 o concorrido I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental).
O estudo de jornalismo ambiental na universidade
também é apoiado pela Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais (RBJA) criada para
debater os temas da área, integrar os profissionais do setor e divulgar sugestões de pauta.
Outro destaque é a Rede Mato-grossense de Educação
Ambiental, bem como
os cursos afins da Universidade Estadual de Mato Grosso
(UNEMAT), principalmente no campus de Cáceres, além dos importantes estudos
conduzidos pela Professora Michèle Sato na Universidade Federal de Mato Grosso, um
estado que apresenta três biomas a serem estudados: Pantanal, Cerrado e Amazônia. Há
44
Cf. ALVES, André. Jornalismo Ambiental: especialização e consciência. Artigo veiculado pela agência
de notícias ambientais Estação Vida. Disponível em www.jornalpress.com.br
117
ainda o trabalho da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do
Pantanal (UNIDERP), em Mato Grosso do Sul.
Pode-se
estudar
jornalismo
ambiental
também
na
Universidade de Uberaba, em Minas Gerais, ou na Universidade SEAMA, de Belém do
Pará. Ainda há cursos nas federais de Pernambuco, Bahia etc.
A tendência é que o jornalismo ambiental torne-se
disciplina obrigatória na graduação, como já está em estudos na UNESP, campus de Bauru,
como conseqüência desta pesquisa, por sinal.
Não bastasse o dever social intrínseco da mídia e da área
acadêmica, resta ainda a própria legislação a requerer dos meios de comunicação uma
participação cívica no esclarecimento da população sobre meio ambiente e sustentabilidade,
o que é um direito de todos, democraticamente, como se pode aferir da Lei 9.795/99, em seu
artigo 3º combinado com o parágrafo IV:
Como parte de processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo: IV
- Aos meios de comunicação de massa colaborar de maneira ativa e permanente (grifo nosso) na
disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão
ambiental em sua programação.
.
Deste modo, se a responsabilidade social (da mídia e da
área acadêmica) recomenda e se a legislação impõe, caberia estudar mais detidamente cada
um desses segmentos: O Mercado e o Ensino. Como funciona o mercado jornalístico? Quais
as teorias que norteiam os processos de comunicação? Quais os gêneros que regem o
jornalismo? Como se dá a veiculação do noticiário ambiental no Brasil? Por outro lado,
como os estudantes estão sendo preparados para atender aos anseios da sociedade por um
jornalismo melhor, mais sensível aos problemas da humanidade?
Estes temas serão abordados a seguir.
45
id., ibid.
118
TEORIAS DA COMUNICAÇÃO
1.
Claude Shannon e Warren Weaver
2.
A Cibernética de Norbert Wiener
3.
Os Teóricos de Chicago
4.
A Escola de Frankfurt
5.
Teorias do Jornalismo
6.
A Abordagem Sistêmica e a Informação Circular
119
Capítulo 4
TEORIAS DA COMUNICAÇÃO
Todas as teorias são abstrações.
Nenhuma teoria por si só,
revelará jamais a verdade.
S. LITTLEJOHN
1. Claude Shannon e Warren Weaver
Não se pode compreender, corretamente, o fenômeno da
comunicação sem estudar a Teoria da Informação, também conhecida como Teoria
Matemática da Informação ou, ainda, Modelo Matemático, proposta pelos engenheiros
americanos da Bell Telephone Laboratories, Shannon e Waever, em 1948. Nascido em 1916,
Claude Elwood Shannon começou a trabalhar na Bell em 1941, durante a II Guerra Mundial,
como criptografista. A rotina de lidar com os códigos secretos levou-o, após sete anos, a
formular as hipóteses presentes em sua monografia The Mathematical Theory of
Communication. Em 1949 a Universidade de Illinois publicou a monografia de Shannon
acrescida dos comentários de Warren Weaver, coordenador de um projeto de pesquisa sobre
grandes máquinas de calcular.
Além de seus estudos como matemático e de seu trabalho
como criptografista, Shannon inspirou-se em trabalhos anteriores, como os do matemático
Andrei Markov, em 1910, sobre as cadeias de símbolos na literatura; os de Ralph V. L.
Hartley, em 1927, sobre a medição precisa da informação (que viria a resultar no binary
digit, o bit da linguagem de oposição binária); os trabalhos de outro matemático famoso, o
britânico Alan Turing que, em 1936, concebeu uma máquina capaz de tratar a informação e,
finalmente, as pesquisas de John Von Neumann, que deram significativa contribuição para a
construção da última grande máquina de calcular, pouco antes da chegada do computador,
120
entre 1944 e 1946, por encomenda do Exército Americano interessado em cálculos mais
exatos na medição de trajetórias balísticas. 1
A história também registra que além da parceria com o
coordenador de projetos Warren
Weaver, Shannon contou com a inteligência de seu
professor Norbert Wiener, fundador da ciência do comando e do controle, a cibernética (que
estudaremos a seguir).
O modelo básico proposto pela teoria de Shannon é um
esquema linear destinado a medir, quantitativamente, a emissão e recepção de um sinal à
distância. Trata-se de estudar as possibilidades de redução das interferências, ou ruídos, que
possam prejudicar a eficácia do sinal emitido, ou seja, Shannon busca o equacionamento de
informação com previsibilidade estatística, duas quantidades que podem ser medidas com o
logarítmo da recíproca da probabilidade. Era bem este o propósito de uma companhia
telefônica como a Bell, visando maximizar e otimizar sua prestação de serviços ao
consumidor final. Adaptado aos meios de comunicação de massa, e a outras disciplinas
afins, o modelo apóia-se em seis pressupostos bem definidos: Uma fonte de informação
produz uma mensagem (neste caso a palavra ao telefone), utilizando um codificador (a
linguagem do emissor) que transforma a mensagem em oscilações elétricas, as quais
percorrem um canal (cabo telefônico) sendo reconvertidas em voz (decodificação),
completando o processo com
a destinação (pessoa ou coisa à qual a mensagem é
transmitida).
A preocupação da teoria com a eficiência da comunicação é
o principal enfoque dos matemáticos Shannon e Weaver. Foi muito útil para medir a
adequabilidade do tempo com a capacidade do canal transmissor e a quantidade de
mensagens a serem transmitidas. Mesmo hoje, com os canais de fibra ótica ou com a
transmissão por satélite, o modelo inicial é válido, do ponto de vista matemático.
Mas, na comunicação humana, não trabalhamos apenas com
quantidades. Não se trata apenas de utilizar um canal, transmitir, certificar-se que a emissão
teve bom êxito (através do retorno, ou feed-back). A mensagem comunicativa comporta uma
intencionalidade, está filtrada por outros pressupostos que condicionam o teor emitido, seja
por razões culturais, ideológicas, contextuais ou outras. Então é inevitável que falemos não
apenas de quantidades matemáticas mas de qualidades intrínsecas. A própria noção de ruído
é significativa porque não se trata da mera estática do campo eletro-magnético, mas de
1
Cf. MATTELART, 1999, p. 57.
121
questões outras, como deficiências de linguagem, de expressão ou de entendimento do texto,
bem como a liberdade que o emissor tem para escolher a mensagem a ser transmitida.
Assim, é possível dizer que a comunicação também envolve o processo de significação, do
fazer sentido. Não é apenas a forma, mas igualmente o conteúdo, que assegurará o bom
entendimento da mensagem.
Para o matemático Oswaldo Sangiorgi, da Universidade de
São Paulo, não se pode atribuir à Teoria da Informação uma autonomia absoluta em relação
à Teoria Geral da Comunicação - que trata dos aspectos qualitativos da mensagem
transmitida - exatamente por sua ênfase quantitativa. Neste caso, conforme Sangiorgi, a TI
seria apenas um capítulo (quantitativo) da Teoria Geral da Comunicação. Isaac Epstein,
também da USP, compreende, igualmente, este aspecto parcial da TI. Em obra escrita em
1961, o professor de engenharia eletrônica da Universidade de Siracusa, Fazlollah Reza,
reconheceu na TI um ramo novo da teoria da probabilidade, mas considerou que suas
aplicações se destinam a um amplo espectro de áreas de investigação, tais como a
matemática pura, o rádio, a televisão, o radar, a psicologia, a semântica, a economia e a
biologia. 2
Do ponto de vista de Shannon, a comunicação é um dado
bruto, mas os conceitos de informação, transmissão, codificação, decodificação,
redundância, ruído e liberdade de escolha serão refinados no contexto interdisciplinar com a
introdução de outras variáveis de pesquisa. Para Mattelart, 3 “o modelo de Shannon induziu
a uma abordagem da técnica que a reduz a um instrumento. Essa perspectiva exclui toda a
problematização que definiria a técnica em outros termos que não os de cálculo,
planejamento e predição”.
Neste sentido, quando aplicamos a TI ao jornalismo, não
podemos deixar de lado a responsabilidade ética e social do jornalista, do mesmo modo que
seria ingênuo ignorar que o jornalismo é uma atividade econômica, onde estão presentes os
imperativos dos custos operacionais e da esperada remuneração do capital investido. Desse
modo, ao produzir sua informação, com o seu próprio estilo e de acordo com suas
habilidades de escolha e de seleção, o jornalista situa-se como mero mediador entre o fato
acontecido – ou a declaração dada – e todos os demais interessados na questão, tanto do lado
do sistema de comunicação (a empresa, os editores etc) quanto do lado do receptor que está
2
3
Cf. BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 172.
Op. cit., p. 61.
122
à espera de uma informação útil à sua vida.
Mesmo assim, entretanto, nesse empenho em busca da
qualidade informativa, o processo de quantificação estará sempre presente na produção da
mensagem. Isto se dá, por exemplo, quando o profissional produz o lead da matéria,
reunindo ali o máximo de informações no menor espaço possível para informar quem fez o
que, quando, onde, como e porque, deixando as informações menos importantes para o “pé”
da matéria de tal modo que eventual corte por falta de espaço não prejudique o teor da
mensagem.
Com tais observações queremos constatar apenas que, para
o jornalismo de qualidade, a eficiência da informação não está relacionada apenas com a
forma técnica, mas, também, com os conteúdos da mensagem, com a boa apuração, o bom
texto, a edição à altura, o compromisso social.
Isto em nada reduz o brilho da TI, inclusive porque toda
teoria é parcial e deixa algo de fora, concentrando-se em certos aspectos à custa de outros,
conforme o objetivo da pesquisa. 4 Certamente a Bell Telephone Laboratories não pensava
no jornalismo quando financiou as pesquisas de seu criptografista Claude Shannon,
entretanto, como destaca Edgar Morin, essa "hibridação" de conhecimentos - no caso
específico da Teoria da Informação e em inúmeros outros exemplos - tornou-se possível
com o avanço da abordagem sistêmica que permitiu a articulação de áreas diversas como a
engenharia, a matemática, a geografia, a geologia, a bacteriologia, a zoologia, a botânica etc.
reunindo cientistas policompetentes que possuem, ademais, a competência dos problemas
fundamentais desse tipo de organização [sistêmica] do conhecimento. 5
2. A Cibernética de Norbert Wiener
No
mesmo
ano
em
que
Shannon
escreveu
sua
monografia,1948, seu professor, Norbert Wiener, (graduado na Universidade de Harvard aos
18 anos, sempre ligado ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts-MIT, desde 1919),
publicou Cybernetics or Control and Communication in the Animal and Machine
(“Cibernética: ou Controle e Comunicação no Animal e na Máquina”), obra que está na base
4
5
Cf. LITLEJOHN, 1982, p. 4.
Cf. MORIN, 2003, p. 111.
123
da teoria da automação industrial e da ciência dos computadores. Aqui também a
preocupação é com o grau de exatidão da informação que sempre comportará certo nível de
entropia, que é a tendência de todos os sistemas à desorganização interna, como ocorre na
natureza que destrói o ordenamento, precipitando a degradação biológica. Essa tendência ao
caos igualmente se verifica nos processos sociais, constituindo permanente ameaça em
confronto com a ordem estabelecida. Nos processos de comunicação, a entropia (termo
emprestado da Física: de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, “a quantidade de
calor na qual se transformou certa quantidade de trabalho não pode mais ser inteiramente
recuperada na mesma quantidade de trabalho originária") manifesta-se através de
eventuais limitações de código do emissor, falhas técnicas, deficiências de linguagem,
manipulações ideológicas, concentração dos meios etc, o que também pode ser percebido na
outra ponta, envolvendo as limitações do receptor para alcançar o pleno conteúdo da informação.
Pode-se entender como complementares os estudos de
Shannon e de Wiener, pois enquanto a Teoria da Informação estuda a “reprodução, em um
ponto dado, de maneira exata ou aproximativa, de uma mensagem selecionada em outro
ponto”, a Teoria Cibernética define que “a soma de informação em um sistema é a medida
de seu grau de organização”. A entropia, segundo Wiener, é, exatamente, esse grau de
desorganização. A verificação do grau de entropia se dará através do retorno (feedback)
obtido pelo emissor, surgindo, então, o conceito de circularidade da informação, 6 que é um
avanço sobre o conceito de linearidade (comunicação ponto-a-ponto) proposto por Shannon,
como veremos ao tratar da Abordagem Sistêmica, no final deste capítulo..
Ainda em termos comparativos, enquanto Shannon evita
comentar a evolução da sociedade, Norbert Wiener insiste nos riscos da
entropia,
condenando, por exemplo, o aumento do controle dos meios de comunicação que
acabaram em mãos daqueles que se preocupam acima de tudo com o poder e o dinheiro.
6
"O princípio do circuito retroativo, introduzido por Norbert Wiener, permite o conhecimento dos processos
auto-reguladores. Ele rompe com o princípio da causalidade-linear: a causa age sobre o efeito, e o efeito age
sobre a causa, como no sistema de aquecimento, em que o termostato regula o andamento do aquecedor. Esse
mecanismo de regulação permite, aqui, a autonomia térmica de um apartamento em relação ao frio externo. De
modo mais complexo, a "homoestasia" de um organismo vivo é um conjunto de processos reguladores
baseados em múltiplas retroações. Em sua forma negativa, o círculo de retroação (ou feedback) permite
reduzir o desvio e, assim, estabilizar um sistema. Em sua forma positiva, o feedback é um mecanismo
amplificador; por exemplo: a violência de um protagonista provoca uma reação violenta, que, por sua vez,
provoca uma reação mais violenta ainda. Inflacionárias ou estabilizadoras, são incontáveis as retroações nos
fenômenos econômicos, sociais, políticos ou psicológicos". Cf. MORIN, 2003, p. 94.
124
Esta concentração dos meios, tão acentuada em nossos dias, é o principal entrave para um
jornalismo mais democrático e mais aberto aos interesses diretos do receptor. No caso do
jornalismo ambiental, a restrição é ainda maior, tendo em vista tratar-se de um ramo do
jornalismo científico que não raro entra em confronto com as preocupações de poder e de
dinheiro denunciadas pelo pai da cibernética.
Em que consiste, precisamente, a teoria de Wiener?
Ela compara os sistemas de comunicação e controle de
aparelhos produzidos pelo homem com aqueles dos organismos biológicos. Podem ser feitas
muitas comparações como, por exemplo, o processamento de dados nos computadores e
várias funções do cérebro. O princípio da comunicação, tanto no cérebro do emissor
humano, quanto no computador, é a seleção da mensagem a ser emitida, dentro de um leque
de possibilidades, como se dá no procedimento de código binário (binary digit). Na verdade,
ainda que o princípio seja o mesmo, o computador é uma extensão do cérebro humano, uma
vez que as combinações cada vez mais variadas e mais firmes de circuitos integrados que se
completam, operando a uma velocidade altíssima, possibilitam imenso poder de seleção
relativamente a elevado número de dados.
Novamente, aqui, podemos questionar se a capacidade de
disponibilizar um excessivo volume de informações – referimo-nos à mídia em geral e não
aos computadores em si – é “um bem ou um mal”, para usar a expressão do professor Luiz
Barco 7 na avaliação da escola pública no Brasil. É bom que tenhamos, em nossa sociedade
de consumo, muito mais opções de escolha do que tinham nossos avós antes da televisão, da
Internet, do celular, dos satélites etc. Mas é mal que nos sintamos cada vez mais confusos
com a avalanche de informações redundantes, superficiais, manipuladas ou simplesmente
erradas (por causa da pressa em informar para concorrer). Neste caso um alto nível de
entropia – na forma de dúvida e confusão mental – instala-se ao nível do receptor que
certamente gostaria de receber informações fidedignas e de qualidade.
Não é difícil concluir que, embora o formalismo
matemático apresente-se como uma racionalização lógica da equação comunicativa,
definindo claramente seu funcionamento como convém a toda demonstração matemática,
jamais poderemos menosprezar o processo criativo e subjetivo da mensagem comunicativa.
7
Cf. BARCO, L. Escola, um bem ou um mal? Trabalho de livre-docência apresentado à ECA-USP, São Paulo,
em 1989.
125
A ficção científica está repleta de maravilhosos textos em
que as máquinas atingiriam uma complexidade tal que assumiriam o controle da vida
humana (como o supercomputador Hall, em 2001 Uma Odisséia no Espaço, de Stanley
Kubrik) ou textos nos quais a própria sociedade funcionaria com a cadência de uma máquina
que não precisa pensar (como em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, obra que teria
inspirado um filme emblemático como Matrix, dos irmãos Washowsky). Entretanto
podemos nos tranquilizar com
Aristóteles que nas primeiras páginas da “Política” já
observava que a principal diferença do homem em relação a toda criatura, inclusive as suas,
é a capacidade de discernir entre o moral e o imoral. É o livre arbítrio. O direito de duvidar é
a base da indagação científica. É próprio do ato de comunicar o gesto de duvidar, a
inclinação ao ceticismo com vistas a encontrar a versão mais confiável dos fatos, após
intensa checagem. Para Aristóteles, a surpresa é o começo do conhecimento e este resulta do
recebimento de informação. Descartes elevou a dúvida à categoria de princípio da Filosofia.
Mas ele mesmo reconheceu que quem duvida não pode duvidar que duvida.
O comunicador que não se basta com o modelo quantitativo
da informação, que não aceita verdades peremptórias e imutáveis, fatos prontos e acabados,
normalmente dá margem à dúvida mesmo quando tudo parece tão óbviamente explicado.
Esse potencial de visão crítica, no mundo tecnológico em que vivemos, será extremamente
útil para nos lembrarmos que “a intuição humana contrapõe-se à lógica mecânica”, como
menciona Luiz Barco ao descrever a grandiosidade do gênio da Matemática, Kurt Gödel
(1906-1978), também inspirador de um belo filme (Mente Brilhante):
Naturalizado americano e contratado como professor do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de Princeton, Gödel falava pouco. Gostava da solidão. Abrigava-se na cantina da
Universidade para fugir à curiosidade dos visitantes. Ele demonstrou que mesmo dentro de um sistema
rigidamente lógico, como o que foi desenvolvido para a Aritmética, podem ser formuladas proposições
que são indecidíveis, indemonstráveis [...] isto foi tão perturbador no séc. XX quanto a revelação de
Hiparcos, no séc. IV a. C. sobre a existência de grandezas incomensuráveis. Na verdade, quando Gödel
garantia que os formalistas são limitados, estava mostrando, em síntese, que o homem será sempre
superior à máquina. (BARCO, 1993, p. 55 e 56). 8
Reportando-nos, claramente, ao exercício do jornalismo,
principalmente quando nos dirigimos a futuros profissionais da mídia, a partir da Teoria da
Informação,
podemos nos socorrer, aqui, das oportunas conclusões de BELTRÃO e
QUIRINO:
8
BARCO, 1993, p. 55 e 56.
126
O que poderia ser feito pelos profissionais da Comunicação conscientes de sua função social? Sem
dúvida alguma, aproveitar as contribuições da Teoria da Informação e aplicá-las às atividades que
desenvolvem, cada um no seu próprio ramo da Indústria da Comunicação. Nessas atividades do dia-adia, não podem ser esquecidos os aparelhamentos aperfeiçoados que lhes facilitam a tarefa...mas não
pode ser esquecida, igualmente, a noção de Cibernética, concebida como ciência que estuda o processo
de obtenção do máximo de informações com o mínimo de deformações. Não pode ser esquecida a
pesquisa de opinião pública através de processos estatísticos que avaliam a reação da audiência a partir
de amostras significativas. (Op. cit., p. 179). 9
3. Os Teóricos de Chicago
Enquanto a cibernética de Wiener permite comparar
sistemas de comunicação humanos e mecânicos – como cérebros e computadores - outros
pesquisadores formulam a questão em termos de relações entre o homem e o meio ambiente.
Como o ser humano reage ao espaço à sua volta? O que acontece quando o homem já não
está mais “espalhado” pelo campo e se concentra nos espaços urbanos? Qual o papel da
informação neste novo contexto? Essa abordagem pragmática da comunicação marcou a
Escola de Chicago que, da década de 1910 até a década de 1940, estudou o papel da ciência
na resolução dos grandes desequilíbrios sociais. Operando com a pesquisa etnográfica
(monografias de bairros, observação participante e análise das histórias de vida), os
estudiosos de Chicago estavam filiados à filosofia americana do pragmatismo preconizada
pelo pedagogo John Dewey (1859-1952) e pelo psicossociólogo George Herbert Mead
(1863-1931). Esse pragmatismo influenciou sobretudo Charles Horton Cooley (1863-1929)
que estudou o impacto organizacional dos transportes ao analisar os fenômenos e processos
comunicativos no agrupamento humano. 10
Também conhecido como “ecologia humana” (termo
inventado em 1859 pelo biólogo alemão Ernest Haeckel), esse estudo identificava os grupos
sociais que apareciam no processo de urbanização, destacando o chamado “grupo primário”
caracterizado por Colley como aquele que preserva uma associação e cooperação íntimas.
Colley acreditava na capacidade do grupo primário de manter-se unido e preservado nos
espaços urbanos e industriais, enquanto outros, na mesma época, entendiam que tais grupos
9
BELTRÃO, L. e QUIRINO, N., 1986, p. 179.
Cf. MATTELART, op. cit., p. 35.
10
127
se diluíam, normalmente, na sociedade, reconfigurando-se em 11 outros níveis grupais,
menos coesos e identificados 11. A convicção de Colley era que o indivíduo é capaz de uma
experiência singular, única, que traduz sua história de vida, mesmo enquanto é submetido às
forças de nivelamento e homogeneização do comportamento urbano.
A tensão entre o indivíduo e a sociedade realça o papel da
comunicação seja realimentando as convicções do indivíduo (crenças, virtudes, tradições
etc) seja relativizando a vida em sociedade (consumismo, moda, violência, banalização da
morte). A riqueza dessa grandiosa epopéia humana está exatamente nesse entrechoque das
convicções individuais com a homogeneidade dos fatos coletivos. Daí surgem as grandes
histórias de vida, o aspecto mais importante do jornalismo que é a emoção, identificada com
a qualidade da informação, como contrapartida de um jornalismo frio, meramente
quantitativo, estatístico ou numérico. O jornalista observador e criativo, que parte do fato
real acontecido ou declarado, e desenvolve um perfil em profundidade, ou um livroreportagem corretamente documentado, através da observação participante, certamente
estará oferecendo ao leitor uma visão mais completa, uma abordagem mais ampla, uma
explicação melhor. Por sua singularidade – que muitas vezes opera como exemplo virtuoso
na sociedade – a história de vida é um método de apuração jornalística que anula a validade
universal da proposição de Aristóteles, segundo a qual, “só há ciência no geral”. Pelo
contrário, pode haver ciência no particular e no subjetivo. O que ocorre é que, muitas vezes
por vias paradoxais, esta ciência resulta em um conhecimento geral. Conhecimento e
“reconhecimento”, no sentido de que a informação nos traz o conhecimento sobre o fato ou a
pessoa, mas sua história de vida, se bem narrada, nos leva a reconhecer ali um exemplo
admirável (e por isto o jornalista selecionou aquela história para contar).
A partir das constatações de Cooley, outro pesquisador da
Escola de Chicago, Robert Ezra Park (1864-1944), aprofundou os estudos sobre “ecologia
humana” usando a metodologia etnográfica. Militante da causa negra, Park preparou sua tese
de doutorado aos 39 anos, em Heidelberg, conceituando “massa” e “público”. Como
repórter experiente em grandes investigações jornalísticas, ele elegeu como forma superior
de reportagem as pesquisas sociológicas que iria realizar nos bairros da periferia. Trata-se de
ver a cidade como laboratório social (com seus significados de desorganização, de
marginalidade, de aculturação, de assimilação); como lugar da mobilidade (por exemplo, a
11
id. ibid., p. 30.
128
migração interna nos EUA e a integração dos imigrantes à sociedade americana). Park vai
analisar o papel da informação dentro desse cenário social, identificando o que é jornalismo
- voltado para o interesse público - e propaganda - ideológica ou social. 12
As relações étnicas (competição, conflito, adaptação,
assimilação) nas comunidades de imigrantes, são estudadas por Park como aspectos dessa
ecologia humana que concebe toda mudança – seja na divisão do trabalho ou nas relações
entre a população e o solo - no âmbito de um pensamento do equilíbrio, da crise e do
retorno ao equilíbrio, bem de acordo, também, com o princípio de entropia presente não
apenas na Teoria da Informação, mas na própria Teoria Geral dos Sistemas
(BERTALANFY,1930). Assim, a comunicação é vista como uma espécie de direção e
controle, encaminhando-se sempre para o consenso (ordem moral) com o objetivo de regular
a competição, permitindo aos indivíduos, desse modo, partilhar uma experiência, vincular-se
à sociedade, sentir-se parte do todo.
Quando a matéria jornalística bem apurada revela aspectos
da pessoa humana que está atrás, ou bem no meio, dos fatos, o que o jornalista está fazendo,
na verdade, é retirar a pessoa da prateleira de números e lhe dar vida, resgatando sua
identidade, seu sentimento de pertença à comunidade humana, eliminando, de algum modo,
o perverso sentimento de exclusão. Cláudio Abramo tem um bom exemplo:
Existe o jornalista que só conta o fato: um muro caiu na cabeça da dona Maria e ela morreu debaixo de
35 tijolos. Mas outro dirá que o muro caiu porque o dono do terreno se recusou a gastar dinheiro e usou
um suporte ruim, que ameaçava cair. Aí começa-se a desenvolver o que se passa, da narrativa do fato
para a crítica social. (ABRAMO,1988, p. 110). 12
Não resta dúvida que o pragmatismo da Escola de Chicago
tem muito a nos ensinar enquanto jornalistas. Desde que, por pragmatismo, entendamos,
principalmente, a necessidade de dar conta do todo, como fez Park, a partir da pesquisa
sobre os grupos minoritários e mesmo sobre os indivíduos cuja história poderá ter interesse
para o conjunto da sociedade. Afinal, nem sempre precisamos concordar com Aristóteles.
12
Cf. ABRAMO, 1988, p. 110.
129
4. A Escola de Frankfurt
Amada
por uns, diminuída por outros, a Escola de
Frankfurt é síndrome de amor e ódio no estudo da comunicação no Séc. XX. A Teoria
Crítica dela emanada levou Umberto Eco a classificar de “apocalípticos” os que vêm na
“indústria cultural” uma espécie de fim da história, e de “integrados” os que se acomodam
com a situação rendendo graças e louvores ao “deus mercado”. Veiculado pela primeira vez
em 1947, por Horkheimer e Adorno no texto A Dialética do Iluminismo, o conceito de
Indústria Cultural está baseado na existência de uma categoria de operadores culturais que
produzem para as massas, usando na realidade as massas para fins de lucro, ao invés de
oferecer-lhes reais ocasiões de experiência crítica. 13 A TV, por exemplo, reduz o mundo a
fantasmas e bloqueia, portanto, toda reação crítica e toda resposta operativa nos seus
adeptos, segundo a Teoria Crítica.
A exemplo da corrente Funcionalista, a Escola de Frankfurt
– inspirada num marxismo em ruptura com a ortodoxia, buscando uma junção entre Marx
(interpretação da história) e Freud (psicologia do profundo) - concebe a idéia de uma mídia
todo-poderosa, capaz de decidir a vida das pessoas, capaz não somente de adaptar seus
produtos ao consumo das massas, mas também de determinar esse consumo. (Por exemplo,
quando a Disney adapta o clássico de Victor Hugo – O Corcunda de Notre Dame – para o
cinema/TV, a história é “adocicada” para se tornar mais palatável ao consumidor). Assim, a
Indústria Cultural pretende alienar e não conscientizar; acomodar e não incitar à reflexão
crítica. Seus produtos teriam apenas a função de a) serem comercializados; b) promoverem
a deturpação e a degradação do gosto popular; c) obterem uma atitude sempre passiva dos
seus consumidores. Como são feitos para serem vendidos, os produtos da Indústria Cultural
jamais devem desagradar os compradores. A produção, então, é homogeneizada e nivelada
por baixo. 14
Financiada por empresários da comunidade judaica, a
Escola operava sob a denominação de Instituto de Pesquisa Social, filiado à Universidade de
Frankfurt, sendo a primeira instituição alemã de pesquisa com orientação abertamente
marxista. Quando eclodiu o nazismo hitlerista, os pesquisadores exilaram-se nos Estados
Unidos e a Universidade de Columbia lhes cedeu um de seus prédios onde, a partir de
13
14
Cf. ECO, 1993, p. 19.
Cf. OLIVEIRA, 2003, p. 13.
130
1938,
Max Horkheimer(1895-1973), Leo Löwenthal e Theodor Adorno (1903-1969)
passaram a trabalhar. Mais tarde chegou Herbert Marcuse (1898-1979). Outro integrante da
Escola,
Walter Benjamim(1892-1940), exilou-se na França. Atualmente, o principal
herdeiro da Escola é o filósofo alemão Jürgen Habermas, nascido em 1929. Depois da
Guerra, Adorno e Horkheimer voltaram para a Alemanha. Löwenthal ficou nos EUA, onde
desenvolveu
notáveis estudos sobre cultura de massa, passando a trabalhar
no
Departamento de Estado, como responsável pelo setor de Avaliação dos programas de
rádio, ligando-se a estudos sobre A Voz da América, durante a guerra fria.
Também ficou nos EUA o filósofo Herbert Marcuse, como
professor da Universidade da Califórnia, tornando-se um ícone da juventude dos anos 60 por
sua intransigência crítica em relação à cultura e à civilização burguesas. Pretendia
desmascarar as novas formas de dominação política. Em O Homem Unidimensional, ele
escreveu:
Sob a aparência de um mundo cada vez mais modelado pela tecnologia e pela ciência, manifesta-se a
irracionalidade de um modelo organizacional da sociedade que subjuga o indivíduo ao invés de libertálo. A racionalidade técnica, a razão instrumental reduziram o discurso e o pensamento a uma dimensão
única que promove o acordo entre a coisa e sua função, entre a realidade e a aparência, a essência e a
existência. Essa “sociedade unidimensional” anulou o espaço do pensamento crítico. (MATTELART,
1999, p. 81). 15
Enquanto os escritos de Adorno e Horkheimer – que
marcaram, por sua clarividência, numerosas gerações de intelectuais – eclipsaram-se no final
dos anos 70, os escritos de um dos membros mais polêmicos e originais da Escola de
Frankfurt, Walter Benjamin, voltaram a despertar interesse nos anos 80. Um de seus escritos
mais famosos, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, de 1933, vai além da
visão adorniana da conjunção entre arte e tecnologia na qual se poderia notar uma certa
nostalgia de uma experiência cultural independente da técnica, ou mesmo um protesto
erudito contra a intrusão da técnica no mundo da cultura, uma defesa da sacralização da arte,
como analisa Mattelart. 16 Para Benjamim, uma arte como o cinema, por exemplo, só tem
razão de existir no estágio da reprodução, e não no da produção única. Fascinado por Paris –
onde viveu a maior parte de seu exílio antes de se suicidar na Espanha ao ser perseguido
pela polícia franquista - Benjamin passou a estudar a própria cidade. Influenciado pela
15
16
Citado por MATTELART, 1999, p. 81.
Cf. op. cit. p. 79.
131
fenomenologia de Husserl, voltou sua atenção para as manifestações de superfície, os
detalhes, os fragmentos das ruínas da história, buscando reconstituir a totalidade perdida,
conforme sua obra inacabada O livro das passagens, Paris, capital do século XIX.
Para completar este “olhar” sobre o que foi a Escola de
Frankfurt na teorização dos meios de comunicação, resta comentar o trabalho de Habermas
sobre o conceito de espaço público. Esse espaço de mediação entre Estado e sociedade –
permitindo a discussão pública, pelo confronto de idéias e opiniões esclarecidas –
desenvolveu-se com a constituição de uma “opinião pública” em fins do século XVII na
Inglaterra e na França. Segundo ele, o desenvolvimento das leis de mercado, sua intrusão na
esfera da produção cultural, substituem, hoje, esse princípio de “comunicação pública” por
formas de comunicação cada vez mais inspiradas em um modelo comercial de fabricação da
opinião, como se a sociedade estivesse passando por um novo tipo de “feudalismo”. O
cidadão tende a se tornar um consumidor de comportamento emocional e aclamatório. A
comunicação pública dissolve-se em atitudes estereotipadas de recepção isolada. Em O
Espaço Público, Habermas se interessa pelo fenômeno do consumismo em expansão nos
Estados Unidos, tema que envolve a chamada geração baby boomer, hoje com alto poder de
consumo, caracterizada como uma “bolha” de explosão demográfica no pós guerra. Parte
dessa geração está a caminho de outro “fenômeno” populacional preocupante para os
analistas da ONU: O enorme contingente de aposentados e idosos que sobrecarregará os
institutos previdenciários de vários países, com graves conseqüências para as economias
nacionais. Em 2020 mais de 30 milhões de brasileiros – 13% da população estimada – terão
mais de 60 anos. De 1991 a 2000, a população acima de 75 anos cresceu 49,3% no Brasil
Voltando a Habermas, a solução que ele propõe para uma
comunicação mais eficaz, do ponto de vista do receptor, é a restauração do espaço público
estendido ao conjunto da sociedade. Naturalmente isto nos devolve à idéia da
democratização dos meios de comunicação em contraposição à centralização em poucas
mãos como ocorre hoje no mundo inteiro.
Mas, será que a Teoria Crítica é acatada por todos sem
discussão? Por mais brilhante que seja, a argumentação dos frankfurtianos não apresenta
“furos”? Quais os pontos mais polêmicos dessa visão cultural dos meios de comunicação
lastreada no funcionalismo? Não se pode negar o objeto de estudo da Teoria Crítica, ou
Cultura de Massa, que aborda, em resumo, o predomínio do critério mercantil, desde a
concepção até a produção das obras culturais; o forte traço manipulatório da ideologia
132
dominante; a tendência à padronização e ao rebaixamento do nível estético da maioria dos
produtos. É um modo de ver que já está presente em Marx, quando observa que não são as
idéias (superestrutura) que governam o mundo, são as forças produtivas, vez que elas ditam
as tendências e as idéias.
Para os críticos da Cultura de Massas, essa conceituação
não pode pretender abranger a totalidade do fenômeno cultural, pois a cultura jamais se
deixa submeter integralmente pela categoria mercantil. Se isso pudesse ocorrer, a cultura
deixaria de ser uma praxis - status que o próprio Adorno lhe atribui -, portanto deixaria de
ser cultura. Além do mais é necessário reconhecer que o modo de produção capitalista não
existe apenas para satisfazer os interesses particulares da burguesia, mas, também, como um
processo histórico, um momento da história universal. 17 Nesse processo histórico os meios
evoluem, surgem novas tecnologias e não se pode aplicar a mesma análise a todos os
veículos sem levar em conta suas especificidades, como no caso da TV, que Adorno mal
chegou a conhecer, ou de um fenômeno tão recente como a Internet.
Mesmo
atacando
o
conformismo,
a
alienação,
o
esvaziamento crítico das pessoas, as idéias da Escola de Frankfurt acabaram se tornando um
discurso conformista, como se as pessoas se sentissem inúteis, nada podendo fazer perante o
poderio da racionalidade técnica, por isto quedariam em suas confortáveis poltronas, ou nos
cafés intelectualizados, apenas criticando a indústria cultural sem nada fazer, sem apresentar
solução, sem projeto, num embotamento geral.
O próprio jornalismo acaba
nessa vala comum do
conformismo agindo com tal espírito no instante mesmo em que produz a informação que
deveria ser transformadora, reflexiva, contundente, historicamente contextualizada.
Certamente isto deve começar a mudar a partir de bons
cursos de jornalismo onde a reflexão crítica não seja um privilégio mas uma norma de
estudos. Por isto mesmo estudaremos, a seguir, especificamente, as teorias do próprio
jornalismo.
17
Cf. GENRO, 1987, p. 101.
133
5. Teorias do Jornalismo
Nos anos 40, quando surgiram, no Brasil, os primeiros
cursos de jornalismo (Decreto-Lei nº 5.480,de 13 de maio de 1943), a nova disciplina, mais
valorizada a partir da regulamentação profissional conferida pelo Decreto-Lei nº 972, de 17
de outubro de 1969, (com a exigência do diploma de nível superior), apoiava-se nos corpos
teóricos da filosofia, sociologia, psicologia, antropologia etc. Até hoje, em universidades de
renome, os concursos para professor de jornalismo incluem bibliografia dessas áreas e não é
raro que disciplinas
relacionadas com a produção técnica do texto jornalístico sejam
ministradas por professores de Ciências Humanas, Letras, Filosofia etc quando deveriam ser
aplicadas por jornalistas devidamente qualificados para tal. Entretanto, com o
desenvolvimento dos cursos de pós-graduação na década de 60, o jornalismo foi adquirindo
status dentro do universo da comunicação. É bem verdade que muitas Faculdades ainda
fazem uma boa mistura de jornalismo com relações públicas, publicidade e propaganda, e
até turismo, mas,
seguindo orientações da própria CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior) a favor de linhas de pesquisas identificadas
com áreas de concentração mais claramente delimitadas, muitos cursos superiores já estão se
definindo em departamentos de Jornalismo, de Técnicas Jornalísticas ou de Jornalismo e
Editoração, em substituição aos antigos e amplos departamentos de Comunicação Social
surgidos nos anos 60/70 por influência do CIESPAL (Centro Internacional de Estudos
Superiores de Jornalismo para a América Latina), implantado pelos americanos em Quito
(Equador), com abordagem claramente colonialista, em plena ditadura brasileira.
A influência do CIESPAL se fez sentir já em 1961, quando
Luiz Beltrão criou o Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco, optando
pelas linhas de pesquisa emanadas de Quito. Por toda a América Latina, tais linhas
destinavam-se a produzir dóceis técnicos de comunicação que não incomodassem o
establishment, que se limitassem a reproduzir a visão burguesa de mundo que favoreceria o
ingresso dos investimentos estrangeiros desejados pelos militares. Naturalmente era um
contexto bastante impróprio para a reflexão crítica ou para teses como a de Lênin sobre a
necessidade do jornal partidário enquanto “organizador coletivo”, o que abriu espaço para a
chamada Imprensa Alternativa que fez o contra-ponto da mídia conivente durante os anos de
chumbo. Naquela época – e tampouco hoje - não havia interesse em discutir a questão da
concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos proprietários e muito menos o
134
caráter comercial da mídia. Ontem como hoje - e não é só no Brasil – “o jornalista coloca seu
talento, honestidade e ingenuidade a serviço do capital com a mesma naturalidade com que
compra cigarros no bar da esquina”, deixou registrado o saudoso professor Adelmo Genro,
da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Esta é a mesma opinião de Allan
Accardo, (do Le Monde Diplomatique), de Serge Halime,
18
de Gay Talese (a respeito, por
exemplo, da cobertura da imprensa americana, inclusive do New York Times, na invasão
americana do Iraque) etc.
Felizmente, nessa mesma época, isto é, na década de 60,
surgiu no Brasil um novo jornalismo (Revista Realidade, Jornal da Tarde) que trabalhava
na fronteira com a Literatura, possibilitando a conjunção do real acontecido com o
imaginário criado para dar a esse mesmo real um novo colorido, tornando-o palatável,
agradável, didático, dialético, sem jamais alterar a essência do que realmente aconteceu ou
foi declarado. Com o Novo Jornalismo no mercado produzindo uma abordagem
diferenciada, mais criativa, e os cursos de pós-graduação avançando a melhoria da qualidade
do ensino de jornalismo e da pesquisa na área acadêmica, tornou-se possível, então, falar em
um corpo teórico próprio desta nova disciplina, como veremos a seguir, tentando responder
a um pressuposto básico: Porque as notícias são como são?
Na primeira metade do séc. XIX, desenvolveu-se a
chamada Teoria do Espelho. O jornalista é um Super Homem. Tem a sagrada missão de
eliminar os Coringas e Máscaras que incomodam o sistema. Seu produto é uma transmissão não
expurgada da realidade, um espelho. As notícias são como são porque a realidade assim exige. A
função do jornalista é contar o que viu ou ouviu, doa a quem doer. O jornal é um contra-poder,
uma arma política. O jornalista milita no partido do dono do jornal. O jornal é o próprio partido.
Pratica-se um jornalismo fortemente opinativo onde poucas pessoas têm a missão diária de
combater o Mal e defender o Bem. A dificuldade é definir o que é o Mal (talvez o “eixo do
mal”) ou o que é o Bem (talvez uma multinacional que vem gerar “milhares” de empregos..). A
ideologia perpassa o jornalismo, por isto é sempre muito perigoso deixar tamanha
responsabilidade em poucas mãos, sob o risco de se cometerem terríveis injustiças.
18
Cf. Os Novos Cães de Guarda. São Paulo: Vozes, 1998.
135
Entretanto, o jornalismo patriarcal e artesanal vai sendo
substituído pela empresa industrial na virada para o séc. XX, embora continue sendo
administrado por “famílias” mesmo neste novo período empresarial. Em alguns países,
como nos EUA, já existem os cursos para jornalistas desde as primeiras décadas do novo
século. Assim, o mercado se moderniza, os repórteres se profissionalizam e os governos
nacionais vão se democratizando. O jornalismo adquire um papel social importante. Agora o
jornalista deve ter a cautela de não imiscuir opinião no texto informativo. Ocorre, assim, a
separação entre “fatos” e “opiniões”. O novo paradigma é adotado pelas agências de notícias
que começam a surgir: Havas (França), Associated Press (EUA), Reuters (Inglaterra), Wolfe
(Alemanha) etc. Isto propicia o surgimento, nos anos 20 e 30, do conceito de Objetividade
(do qual trataremos no final deste livro) que vem reforçar a Teoria do Espelho, condenando
todo tipo de subjetivismos quando se trata do texto informativo. Cumpre retratar a realidade
tal qual é. Walter Lippman, no célebre Opinião Pública, de 1922, chega a aconselhar os
jornalistas a se vacinarem contra a subjetividade recorrendo ao método científico. 19 É
preciso fazer um jornal cirurgicamente correto.
Nos anos 1950, a pesquisa acadêmica já está mais avançada.
O mundo mudou depois da guerra. A geopolítica global agora envolve interesses
específicos. Os americanos iniciam uma corrida mundial para vencer a guerra fria através
dos controles regionais. O exército americano - ou a “ajuda humanitária” - se faz presente,
estrategicamente, por todo o globo. Inicia-se um processo de hegemonia com a
mundialização cultural (que traz o rock, o jeans, a coca-cola, os shopping centers, os astros
de Hollywood, ...os glamourosos tempos da brilhantina, os supermercados etc) e a
globalização dos mercados (com a Organização Mundial do Comércio-OMC, o FMI, os
blocos de livre-comércio). Os jornais, impressos a cores, instalados em modernos edifícios,
equipados com parques gráficos de alta qualidade, já não se limitam a passar a realidade
como ela é, simplesmente. A notícia precisa ser selecionada, editada, trabalhada, tratada,
copidescada, reescrita. Além de informação, a notícia precisa comportar uma certa estética
(a ponto de vários jornais, inclusive europeus, terem “maquiado” uma foto veiculada no
mundo todo por ocasião do atentado terrorista em Madri, em 11.03.2004, eliminando uma
perna humana arrancada, que aparecia no canto esquerdo inferior, como veremos no
Capítulo 6, ao tratar do fotojornalismo). As notícias não são como são porque a realidade
assim exige, mas porque os editores e demais gatekeepers (controladores) assim querem. É a
19
Cf. TRAQUINA, 2004, p. 147 - 148.
136
Teoria da Ação Pessoal, ou do Gatekeeper, proposta por David Manning White. A idéia foi
tirada de um artigo publicado em 1947 pelo psicólogo social Kurt Lewin sobre decisões
domésticas relativas à compra de alimentos para a família, enquanto a expressão,
propriamente, foi inspirada num estudo sobre a atividade de um jornalista de meia-idade de
um jornal médio norte-americano, Mr. Gates, que anotou durante uma semana os motivos
que o levaram a rejeitar as notícias que não usou. 20 É preciso selecionar o que interessa ao
público. As notícias publicadas resultam da intencionalidade. Não são sequer produto da
organização jornalística, mas das convicções, quase exclusivamente psicológicas, de uma só
pessoa instalada na burocracia da empresa jornalística.
Um exemplo do poder pessoal conferido ao editor pela
Teoria da Ação Pessoal, é o caso do jornal Washington Post que denunciou o Escândalo
Watergate, em 1973. O Editor-Chefe confiou nos repórteres e tomou a decisão de publicar as
informações da fonte fornecidas em off. Mas, e se as informações fossem incorretas? Ao
invés da queda do Presidente Nixon ocorreria a queda do jornal, ou pelo menos do Editor,
com graves conseqüências para a imagem da publicação, sem contar os pesados processos
por injúria, calúnia e difamação.
Também nos anos 1950, surgiu a Teoria Organizacional,
lançada pelo sociólogo norte-americano Warren Breed, em 1955, reeditada em 1993,
baseada em seu estudo intitulado Controle Social da Redação: Uma análise funcional. A
premissa é que o jornalista está inserido na organização para a qual trabalha. Ele acaba se
conformando mais com as normas editoriais da organização do que com quaisquer crenças
pessoais que leve consigo para o trabalho. Não raro a própria norma editorial transforma-se
em biombo para a acomodação diante da profissão. Ninguém dirá claramente ao “foca” qual
a política editorial da empresa, mas ele a sentirá presente no ar, num primeiro momento, e
depois entranhada no próprio sangue quando chegarem os primeiros fios de cabelo branco
sem ter mudado de emprego. O jornal torna-se cosa nostra. A “visão de mundo” da empresa
ou o seu modo de “ver as coisas”, vai se infiltrando na mente do funcionário-jornalista au
fils du temps, para usar a oportuna expressão do professor de jornalismo da Universidade do
Porto, Nelson Traquina, 2004. 21
Mas, quais são os interesses de uma organização
jornalística? Avulta, aqui, de pronto, a dimensão econômica lembrada por Marx.
20
21
TRAQUINA, op. cit., p. 149 - 150.
id. ibid., TRAQUINA, 2004, p. 153.
137
Naturalmente os interesses da empresa são os mesmos interesses da elite econômica e
empresarial do país, os quais, por sua vez, são os mesmos interesses da elite governamental
que dirige o país, pois mesmo quando se elege um presidente de esquerda, a necessidade de
acordos com a “base aliada” acaba em uma política de subserviência aos dogmas do
mercado, visando a estabilização da moeda, como se vê no Brasil, presentemente.
O que se pode dizer, portanto, da Teoria Organizacional é
que ela não é melhor nem pior que a Teoria do Espelho – pois a realidade é sempre
fabricada, isto é, está sujeita aos “filtros” do observador – ou que a Teoria da Ação Pessoal –
com a qual guarda muita relação, além de ser sua contemporânea. O que se pode afirmar é
que, sob tal abordagem, as notícias não são como são porque a realidade assim exige ou
porque o gatekeeper, isto é, o jornalista, as quer assim. As notícias são como são porque a
Organização Empresarial (vale dizer, as elites) assim decidiu e para isto conta com editores
de confiança dentro da redação. Eles vão praticar aquele jornalismo de reverência que Serge
Halimi 22 , professor da Universidade Paris III, identifica na imprensa francesa e que
denuncia, com ênfase, em seu ontológico “Les nouveaux chiens de garde”, no qual escreve:
A grande imprensa se atribui o papel de `quarto poder`, isto é, além do Executivo, Legislativo e
Judiciário. Dentro do Estado ela desempenharia a função de controle externo do poder, do lado da
sociedade civil. Será? Será que seus vínculos fundamentais são com a cidadania ou com os centros de
poder que, por sua vez, se conectam promiscuamente com o Estado? [...] Diz-se que um jornal é
vendido duas vezes. Primeiro para as agências de publicidade. Depois para o leitor.
É oportuno observar, entretanto, que o jornal não é apenas
um produto que parte das elites – como bem observa Halimi. Ele também é um produto que
se dirige às elites. Mesmo o noticiário da televisão – que deveria ter uma linguagem
referencial para a generalidade das classes sociais que o acompanham – muitas vezes parece
falar para si mesmo, como ventríloquo, ou para meia dúzia de iniciados no assunto, muitas
vezes não só por causa do assunto em si, mas porque a anterioridade à qual a notícia se
refere não é retomada, como se todo o público estivesse acompanhando as edições daquele
telejornal todos os dias, tal qual seus próprios editores, repórteres e apresentadores. A
própria pauta já privilegia temas que interessam muito mais à elite que ao conjunto da
sociedade em geral. Por isto o jornalismo é frívolo e desinteressante como as próprias elites
em seu mundo de superficialidades, frieza, consumo conspícuo e desinformação. Como já
alertavam Adorno e Horkheimer, aqui o consumidor da informação não é o sujeito da
22
Cf. HALIMI, op. cit., p. 8.
138
informação, é mero objeto da indústria cultural. Serve para quantificar o Ibope e comprar
coisas ou serviços. A comunicação começa nas elites e volta para ela, num circuito (ou
sistema) fechado que só aparentemente está aberto a todos. Estudaremos a abordagem
sistêmica ainda neste capítulo.
Chegamos, então, à quarta teoria do jornalismo descrita pelo
professor Nelson Traquina. É a Teoria da Ação Política. Ela prosperou nas décadas de 1960
e 1970, em meio à onda de protestos nos espaços universitários, quando os jovens franceses
celebravam os famosos Três M: Marx, Mao e Marcuse. Aquela geração protestava contra a
estrutura acadêmica conservadora reivindicando a modernização dos currículos, contra a
guerra do Vietnã, contra as usinas nucleares, contra a sociedade estabelecida, contra as
tradições em geral, contra os padrões e paradigmas da época. Queriam uma sociedade de paz
e amor, onde fosse proibido proibir.
E o que esperavam do jornalismo os jovens de 60? Que ele
fosse mais honesto, mais comprometido com os interesses da sociedade, que – na qualidade
de Quarto Poder - correspondesse às enormes expectativas da própria teoria democrática.
Assim, em oposição à idéia reducionista e positivista da objetividade, surgiram estudos
sobre o conceito de Imparcialidade. Foi um período também influenciado pela visão social
de Antonio Gransci, pela problematização da linguagem (com Roland Barthes em 1967) e
pela escola culturalista britânica (Hall e outros, em 1978).
Pela nova ótica, o jornalista está a serviço da sociedade, não
de si mesmo ou da empresa. Assim, as notícias são como são porque a sociedade assim o
quer. Com as novas mídias, com a televisão, com a ampla exposição aos veículos de
comunicação, com os multi-meios, o público é mais exigente e pune o veículo com cartas de
reclamação (hoje com e-mails) ou cancelando a assinatura, ou mudando de canal, quando
percebe que o veículo está subestimando sua inteligência (bem ao contrário da visão
adorniana presente na Teoria Crítica). Para fidelizar o receptor, para não perder mercado –
muito mais que por amor a ideais considerados românticos – o jornal trata de indagar sobre
os interesses da sociedade, através de seus institutos de pesquisa.
Tudo estaria perfeito se as empresas jornalísticas não
vissem neste novo modelo a brecha para pesquisar também o gosto popular pelo espetáculo,
pelo mórbido, pelo escandaloso. Com um olho no público-alvo e outro no Ibope, as
empresas jornalísticas passam a operar o marketing de resultado (ou "marketing de
guerrilha") identificando tudo aquilo que pode, de algum modo, aumentar o alcance do
139
veículo, seja em número de assinaturas, seja em aparelhos de TV ligado, pois essa pontuação
será convertida em “milhões” na tabela de faturamento do Departamento de Publicidade.
Nos anos 1990, o marketing de guerrilha incluía até mesmo
a distribuição de fascículos de enciclopédia, pacotes de semente, jogos de montar etc dentro
dos jornais. Depois surgiu o telemarketing que transforma o telefone em ponto de venda.
Com a Internet, na virada do milênio, os jornais se duplicaram, isto é, têm uma versão
tradicional impressa para o dia seguinte, mas têm uma “segunda alma”, uma “outra vida”
dentro da rede mundial de computadores onde podem exercitar sua versão eletrônica,
concorrendo com a mídia do mesmo nome, principalmente com a TV.
Do ponto de vista do capital, até que tudo saiu bem, muito
embora o pesado endividamento sobre algumas empresas que ousaram investir mais por um
mercado maior, tanto no impresso como no eletrônico, onerando-se em dólar. Quanto às
Teorias do Jornalismo, continua sendo difícil justificar, pragmaticamente, porque as notícias
são como são. Os tempos mudam e as teorias vão tentando explicar os fatos à luz da
mudança. “As teorias representam vários modos como os observadores vêem o meio à sua
volta, mas as teorias não são, em si mesmas, a realidade. Muitos teóricos esquecem esse
princípio. Com freqüência os estudantes são ludibriados pela concepção de que a realidade
pode ser vista nesta ou naquela teoria”, afirma Stephen W. Littlejohn, da Humboldt State
University-EUA. 23
6. A Abordagem Sistêmica e a Informação Circular
Se é complicado definir, categoricamente, as motivações da
imprensa, talvez ajude estudar o contexto em que se dá o processo de comunicação de
massa. Neste breve olhar sobre as teorias da comunicação vimos a ênfase quantitativa no
experimento de Shannon, onde já estavam presentes os conceitos de redundância, feedbak,
linearidade, ruído, entropia etc. Mas foi a Teoria Cibernética que desenvolveu, nos anos
1940, o princípio da circularidade da informação como processo comunicativo,
incorporando as bases da Teoria Geral dos Sistemas formulada, no final dos anos 1930, pelo
biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy, o qual, por sua vez, inspirou-se nos estudos que
23
Cf. op. cit., p. 4.
140
o matemático e filósofo inglês Alfred North Witehead realizou, na década de 1920, sobre
uma filosofia fortemente orientada em termos de processo. Na década de 1940, Bertalanffy
tentou combinar os vários conceitos do pensamento sistêmico e da biologia organística em
uma teoria formal dos sistemas vivos. Embora desconhecido no ocidente, antes de
Bertalanffy um outro pesquisador formulou uma abordagem sistêmica que incluía também
os elementos não vivos. Foi o médico, filósofo e economista russo Alexander Bogdanov,
que deu nome à sua teoria de “Tectologia”, do grego “tekton” (construtor), o que pode ser
traduzido como Ciência das Estruturas. Esta foi a primeira tentativa, na história da ciência,
para chegar a uma formulação sistêmica dos princípios de organização que operam em
sistemas vivos e não vivos, apresentada como Ciência Universal da Organização e definida
como “a totalidade de conexões entre elementos sistêmicos”. Bogdanov distinguiu três tipos
de sistemas: Complexos organizados (onde o todo é maior que a soma das partes);
Complexos desorganizados (onde o todo é menor que a soma das partes) e Complexos
neutros (onde as atividades organizadora e desorganizadora se cancelam mutuamente). 24 A
estabilidade e o desenvolvimento de todos os sistemas podem ser entendidos por meio de
dois mecanismos organizacionais básicos: formação e regulação. A dinâmica da formação
consiste na junção de complexos por intermédio de vários tipos de articulações. Enfatiza, em
particular, que a tensão entre crise e transformação tem importância fundamental para a
formação de novos complexos. Podemos perceber com mais clareza através de exemplos
citados por Edgar Morin, quando trata da interdisciplinaridade:
A noção de informação, originada da prática social, adquiriu um sentido científico, preciso, novo, na
teoria de Shannon, depois, migrou para a Biologia para se inserir no gene, onde foi associada à noção de
código genético. A Biologia Molecular muitas vezes esquece que, sem essas noções de herança, código,
informação, mensagem de origem antropossociomorfa, a organização viva seria ininteligível. [...] Mais
importantes são as transposições de esquemas cognitivos de uma disciplina para outra. Assim, Claude
Lévi-Strauss não poderia ter elaborado sua antropologia estrutural sem os freqüentes encontros que teve
em Nova York - nos bares, parece - com R. Jakobson, que já havia elaborado a lingüística estrutural;
além disso, Jakobson e Lévi-Strauss não se teriam conhecido se ambos não fossem refugiados da
Europa: um escapara da Revolução Russa, algumas décadas antes, o outro deixara a França ocupada
pelos nazistas. [...] um poderoso antídoto contra o fechamento e o imobilismo das disciplinas vem dos
grandes abalos sísmicos da História (inclusive uma guerra mundial), das convulsões e revoltas sociais,
que, por acaso, provocam encontros e trocas que permitem a uma disciplina disseminar uma semente da
24
Blaise Pascal já afirmava três séculos atrás: " Uma vez que todas as coisas são causadas e
causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas estão presas por um elo natural e
imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes
sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes". Cf.
MORIN, op. cit. p. 116.
141
qual nascerá uma nova disciplina. (MORIN, 2003, p. 108 - 109). 25
Assim como Bogdanov, outros cientistas utilizavam, em sua
época, os termos “sistema” e “pensamento sistêmico”, mas foram as concepções de
Bertalanffy de um sistema aberto e de uma Teoria Geral dos Sistemas que desenvolveram o
pensamento sistêmico moderno como um movimento científico de primeira grandeza. Com
o forte apoio subsequente da cibernética, as concepções de pensamento sistêmico e de teoria
sistêmica tornaram-se partes integrais da linguagem científica estabelecida e levaram a
numerosas metodologias e aplicações novas como a engenharia de sistemas e a análise de
sistemas.
Estudando a teoria de Bertalanffy,
Norbert Wiener a
entendeu como uma “lógica da mente”, uma abordagem unificada dos problemas de
comunicação e controle, propondo, então, um novo nome: Cibernética, do grego Kybernetes
(timoneiro). Logo a Cibernética ganhou espaço próprio nos estudos científicos, pois os
ciberneticistas não eram nem biólogos, nem ecologistas. Eram matemáticos, neurocientistas,
cientistas sociais e engenheiros. Concentravam-se em padrões de comunicação,
especialmente em laços fechados e em redes, o que derivou em teorias afins, todas
relacionadas com o funcionamento de sistemas, como a própria Teoria das Redes (aplicada
atualmente por Pierre Levy et al no estudo do hipertexto), a Teoria dos Gráficos, a Teoria
dos Compartimentos, a Teoria do Caos (que comporta a noção de entropia), a Teoria dos
Jogos (desenvolvida por Neumann para explicar o comportamento dos jogadores
supostamente “racionais” para obter o máximo de ganhos com o mínimo de perdas mediante
adequadas estratégias contra o outro jogador), a Teoria dos Autômatos com entrada (input) e
saída (output) que pode ser aplicada no sistema de aprendizagem pelo modelo de tentativa e
erro e que foi a base da Máquina de Turing capaz de imprimir a combinação binária de “1” e
“0” numa fita, ao infinito, conforme já vimos antes. Também surgiram, daí, a Teoria da
Decisão (baseada na Teoria Matemática que trata de escolhas entre alternativas), a Teoria da
Fila (destinada à otimização de arranjos em condições de aglomeração) etc.
A partir da Teoria Geral dos Sistemas, os ciberneticistas
desenvolveram os conceitos de realimentação, auto-regulação e auto-organização. Como
também já vimos, os estudos cibernéticos estavam ligados à pesquisa militar norteamericana interessada na precisão de canhões anti-aéreos. Além de Norbert Wiener e Claude
25
Cf. MORIN, 1921, p. 108 - 109.
142
Shannon, os militares contavam com outros matemáticos e engenheiros renomados, como o
já citado John Von Neumann e Warren McCulloch. As pesquisas conduziram a estudos
relacionados com os mecanismos neurais subjacentes aos fenômenos mentais e o desafio era
expressá-los em linguagem matemática explícita, criando uma consciência exata da mente,
essa parte do corpo humano ainda tão desconhecida.
A abordagem sistêmica, sendo estritamente interdisciplinar,
permite integrar as várias especialidades que caracterizam a ciência moderna mediante a
interligação da complexa rede de dados, técnicas e estruturas teóricas de cada campo,
aproximando-nos da meta da unidade da ciência, além de ser um importante meio para
alcançarmos uma teoria exata nos campos não físicos ou morfogenéticos (como veremos no
estudo do Jornalismo Literário Avançado).
A este propósito, o físico indiano Amit Goswami, professor
de Física na Universidade do Oregon e de Física Nuclear Teórica na Universidade de
Calcutá, propõe um novo paradigma científico que prevê um salto “quântico” em relação ao
cartesianismo que separa a realidade em mente (o âmbito da religião) e matéria (o âmbito da
ciência) propondo, assim, uma janela visionária para a espiritualidade. Para Amit o
paradigma separatista newtoniano – baseado em Descartes - saiu-se vitorioso no universo
capitalista porque foi bem sucedido na explicação do cosmo sem Deus, sem consciência.
Hoje, porém, a situação de mal-estar que caracteriza o ser humano a partir de qualquer
abordagem filosófica,
só poderá ser vencida com o intercâmbio entre a ciência e a
espiritualidade. 26
Não podemos compreender o processo de comunicação
somente à luz do paradigma separatista. Matemáticos, engenheiros e ciberneticistas
explicam friamente o processo técnico da comunicação, mas trata-se de uma ênfase
quantitativa que nem sempre privilegia os amplos espaços da intencionalidade, do contexto,
das diversas influências que perpassam o processo comunicacional. É certo que do ponto de
vista lógico uma redação de jornal é como uma caixa preta – conforme a imagem proposta
por Umberto Eco. Ela recebe todo tipo de dados e informações (input), durante o dia, e no
outro dia toda aquela montanha de dados sai (output) devidamente organizada e
sistematizada para cumprir sua função de informar. É um modelo matematicamente correto,
técnicamente explicado. Entretanto, segundo a Teoria de Bertalanffy, esse sistema precisa
26
Cf. GOSWAMI, 2000, p. 12.
143
ser alimentado, o que se fará através do planejamento da edição (que inclui as tarefas do
pauteiro, a infra-estrutura de apoio operacional) etc. O sistema também precisa de retroalimentação e isto virá com a resposta (feedbak) do receptor. Nem sempre essa resposta será
linear como defendia a antiga Teoria da Agulha Hipodérmica, que aplicava o modelo
matemático de Shannon à comunicação de massa, imaginando que os meios agiam
instantaneamente sobre a mente do receptor dirigindo sua conduta como se fosse um
autômato.
Com o nível de informação dos dias atuais (basta
lembrar que uma edição do New York Times contém mais informação do que aquela que
as pessoas do séc. XVII conseguiam ter em toda a sua vida) não seria tão fácil levar as
pessoas a acreditarem na invasão da terra pelos marcianos como fez Orson Welles na
Rádio Mercury Theater numa transmissão para o Dia das Bruxas de 1938, a partir da
novela de H. G. Wells, Guerra dos Mundos, ainda que não se possa subestimar o poder de
persuasão da televisão, conforme o segmento de público atingido. Nem o talento de
Spielberg conseguiu fazer da refilmagem de Guerra dos Mundos, exibido em julho de
2005, um grande sucesso. O jovem de hoje – nascido e criado no computador e nos jogos
interativos - não se interessa por enredos menos complexos que Matrix, por exemplo.
O que se observa, de fato, é que a maioria das teorias
tradicionais
não dão conta de explicar, satisfatoriamente, o
processo comunicacional
porque, fundamentalmente, não existe uma comunicação direta entre emissor e receptor. O
que existe é a intercomunicação de sistemas. Como descreveu Bertalanfy, os sistemas são
abertos e estão relacionados com inúmeros subsistemas, acima ou abaixo. Se conceituarmos
a redação do jornal como um sistema de comunicação, veremos que trata-se de um sistema
aberto a outros sistemas que o alimentam com informações (fontes), que asseguram sua
sobrevivência física (empresa), que corrigem seus desvios (pesquisa, concorrência,
mercado), que selecionam o que será publicado (repórteres, editores) etc. Podem ser vistos
como sub-sistemas os demais vínculos de cada um desses sistemas com outros, como, por
exemplo, no caso da empresa, os fornecedores de matéria-prima, os anunciantes, os bancos
etc. Todavia, como já vimos que toda teoria é parcial na medida em que não dá conta de
explicar totalmente a verdade dos fenômenos - e é isto que impulsiona o processo de
conhecimento, através da pesquisa - também a Teoria Geral dos Sistemas é passível de
144
crítica. Para Habermas (1987), 27 por exemplo, "a Teoria de Sistemas, ao concentrar-se
exclusivamente sobre os mecanismos de regulação sistêmica, negligencia a questão da
`mudança no caráter da liberdade´, introduzido pela separação dos sistemas de ação do
mundo da vida e, sobretudo, a respeito dos impulsos prático-morais de seus membros".
Certamente Habermas está se referindo aos variados graus de consciência individual, isto
que Nietzsche chamará de "vontade de potência", diante da realidade concreta. Com efeito,
os graus de liberdade do indivíduo variam não apenas em decorrência da situação vivida,
mas de sua formação ética, moral, cultural etc. Assim, não basta explicar, mecanicamente, o
funcionamento dos sistemas. É necessário perceber a rica e incomensurável variedade de
sentidos que a ação do indivíduo exerce no interior do processo.
Feito o recorte crítico, é adequado reconhecer que o sistema
(de comunicação) se desarticulará (Teoria do Caos,) se não conseguir entrar em contato com
outro sistema de igual grandeza, o sistema de recepção da mensagem, formado pelos leitores
do jornal (ou telespectadores da TV etc). Do mesmo modo que o sistema de uma redação
está ligado aos sistemas das demais redações formando o sistema comunicacional, também o
sistema do receptor está interligado com o sistema das representações sociais.
Ao abordar a “estética da recepção”, o filósofo Hans Robert
Jauss (1994), já citado, refere-se a uma valorização do receptor, na literatura moderna, a
ponto dele determinar o contexto de produção do discurso. Para se retro-alimentar e corrigir
permanentemente sua rota – como um sistema que se auto-regenera e por isto sobrevive – o
sistema de comunicação precisa valorizar a opinião do seu receptor, respeitá-la, acatá-la,
levá-la a sério. Na mesma medida, cumpre ao sistema receptor organizar-se, dentro da
sociedade civil, para cobrar qualidade e ética dos meios de comunicação.
Concluiremos, assim, que a Teoria Geral dos Sistemas,
confirmando de certa forma, A Teoria da Ação Política, está a nos mostrar que o bom êxito
da comunicação não se encontra, separadamente, na emissão ou na recepção, mas na
contextualização do processo. Sendo assim, se considerarmos que o sistema do receptor está
interconectado com o sistema social de recepção, teremos que as notícias devem ser como a
sociedade quer e não como os jornalistas ou as organizações querem. Essa idéia de
circularidade da informação está presente já na formulação de Lazarsfeld
28
sobre a
importância dos formadores de opinião. Para ele a comunicação não é um processo
27
28
Cf. HABERMAS, Teoria de la Acción Comunicativa, Madrid: Taurus, 1987, p. 451.
Cf. MATTELART, 1999, p. 47 - 48
145
meramente vertical ou linear. Ela comporta uma horizontalidade (sistêmica) segundo a qual
os formadores de opinião são o primeiro degrau na instância de recepção da mensagem.
Na família ou no trabalho sempre encontramos alguém
“explicando” as notícias do dia. E porque é preciso explicá-las? Porque a mídia, no seu
elitismo, apresenta-se de costas para o sistema do receptor. Os vários segmentos de público
que integram o sistema social recebem de modo diferenciado a mensagem comunicativa.
Cada pessoa entende de um modo. Isto explica porque, nas pesquisas eleitorais e nas
apurações sobre o índice de popularidade do Presidente da República, por exemplo, são as
classes menos favorecidas e menos letradas que demoram mais para se manifestar, enquanto
as classes mais altas são as primeiras a reagirem (output) positiva ou negativamente por
entenderem melhor o que estão recebendo (input) do sistema de comunicação. Naturalmente
os estrategistas de marketing político servem-se desse “hiato de compreensão” para
ganharem eleições ou corrigirem rotas (alimentação da imagem midiática), enquanto há
tempo.
Após este olhar geral sobre as mais significativas teorias da
comunicação e, principalmente, sobre as teorias do jornalismo, cumpre examinar, no
próximo capítulo e nos seguintes, algumas "ferramentas de trabalho" que estão disponíveis
para os profissionais da mídia verdadeiramente comprometidos com um novo paradigma
jornalístico, capaz de superar os entraves da fria objetividade, abrindo espaço para a emoção
e a criatividade.
Por isto vamos estudar os gêneros através dos quais a
linguagem jornalística se manifesta, em suas variadas formas de comunicação, cada qual
perseguindo um objetivo específico, bem como técnicas específicas de entrevista e de
narrativa, destacando-se a nova proposta do Jornalismo Literário Avançado.
146
FERRAMENTAS DO SISTEMA
1.
Gêneros do Jornalismo
1.1
Informativo
1.2
Recreativo
1.3
Opinativo
1.4
Interpretativo
2.
Jornalismo Literário Avançado
3.
Técnicas de Entrevista
147
Capítulo 5
FERRAMENTAS DO SISTEMA
Porque os autores dos discursos de
atualidade não estão perto das vozes do
cotidiano como os artistas? Porque não
ouvir um anônimo motorista de táxi?
C. MEDINA
1. Gêneros do Jornalismo
1.1 Informativo
A questão dos gêneros na práxis informativa ainda é uma
área muito polêmica. Entretanto faz-se necessário estabelecer uma classificação de
tendências em que a informação se processa. 1 Pelo menos no impresso, ao abrir um jornal,
por exemplo, o leitor mais atento perceberá o predomínio de artigos assinados e matérias
claramente opinativas como o Editorial. Nas páginas seguintes terá notícias curtas e algumas
reportagens mais extensas. No caderno final e nos suplementos especializados terá uma
informação mais amena, até com uma linguagem mais alegre como na crônica esportiva ou
nas crônicas propriamente ditas. Há ainda reportagens fartamente ilustradas sobre viagens,
saúde, lazer, comportamento, literatura, além de palavras cruzadas, tiras, horóscopo,
adivinhações etc. Por isto alguns autores
2
classificam as matérias jornalísticas por seu
conteúdo Informativo (as notícias curtas), Opinativo (os editoriais e colunas assinadas),
Interpretativo (os textos mais explicativos, que interpretam o fato através de reportagens e
entrevistas contextualizadas) e Recreativo (mais voltado para o lazer e a diversão do leitor).
1
Cf. MEDINA,1988, p. 55
Para Todorov (citado por Manuel Carlos Chaparro, em Sotaques D´Aquém e D´Além Mar - Percursos e
Gêneros do Jornalismo Português e Brasileiro. Portugal: Editora Jortejo, 1998, p. 117) "gêneros são classes
de textos com propriedades comuns". Assim, outros autores reúnem os textos jornalísticos mais de acordo com
a forma que o conteúdo: Entrevistas, Reportagens, Artigos, Colunas, Editoriais, Pequenas Notas etc.
2
148
A professora Cremilda Medina entende que o Gênero Recreativo não é uma terminologia
adequada, tendo em vista as transformações que os jornais estão experimentando com as
novas tecnologias e com as pesquisas3 que identificam a adequada segmentação de público à
qual correspondem os conteúdos de cada gênero. Ao fim e ao cabo, o que os jornais e toda a
mídia buscam é alcançar a maior audiência possível porque é isto que atrai anunciantes e
melhora o faturamento publicitário. Esse interesse pelo aspecto econômico-financeiro que
permeia, de fato, todo o processo de produção capitalista voltado para a acumulação, 4 está
suficientemente resumido no título da obra clássica da professora Medina: Notícia – Um
Produto à Venda. 5
Neste capítulo vamos tentar caracterizar um pouco melhor
cada um desses quatro gêneros do jornalismo.
De início vale ressaltar que qualquer gênero é, antes de
tudo, Informativo, pois a notícia é a matéria-prima do jornalismo. “Que vem a ser essa
figura tão importante, espécie de
prima donna da imprensa, vedete insubstituível no
domínio jornalístico?”, indaga Luiz Amaral. 6
E responde com múltiplas definições:
“Notícia é algo que você não sabia antes”. “É um pedaço do social que volta ao social”. “É
tudo que o público necessita saber, tudo que o público deseja falar”. Ela se torna tanto mais
significativa e interessante em função de sua atualidade (imediatismo), proximidade (local),
importância (valor intrínseco), transmissibilidade (clareza), conflito (polêmica), suspense
(capacidade de prender a atenção), emoções (presença do ser humano) e conseqüências
(tendência futura). Encontramos no registro de Amaral 7 a grande lição que o jornalismo
deveria observar, sempre, quando produz notícia: “Um acontecimento só nos detém quando,
de uma forma ou de outra, temos a impressão de participação ou identificação...
Para
ser compreendido pelo público o repórter deve partir daquilo que ele conhece bem
3
Em palestra sobre Novos Paradigmas da Ciência, na Unesp, campus de Bauru, por ocasião da Semana Nacional
de Ciência e Tecnologia, em 5 out. 2005, a psicóloga e doutora em filosofia pela UFRJ, Viviane Mosé, produtora
do quadro do Fantástico (TV Globo), "Ser ou não Ser" , revelou que a emissora carioca - líder de audiência no
país - faz pesquisas permanentemente para verificar as demandas do gosto popular, com o objetivo de não investir
em gêneros e produtos de pouca aceitação. No caso do quadro sobre os grandes filósofos - Ser ou não Ser - a
pesquisa de opinião pública constatou, segundo ela, que as pessoas estão interessadas em formação, e não apenas
em informação.
4
"As flores do campo e as paisagens têm um grave defeito: são gratuitas. O amor à natureza não estimula a
atividade de nenhuma fábrica", afirma o Diretor de Incubação e Condicionamento em Admirável Mundo Novo, de
Aldous Huxley,1981, p. 20.
5
Cf. Editora Summus, 1988.
6
Cf. AMARAL, 1997, p. 39.
7
id., p. 42.
149
– ele próprio - e falar a linguagem do coração”. O mestre está nos ensinando a não abrir
mão da emoção, a colocar-nos no lugar do outro, a sentir a sua dor ou o seu prazer, suas
angústias, suas alegrias. Para tanto “é preciso descobrir na notícia um ponto de interesse, de
contato, uma brecha que sirva para atrair o espírito do leitor”. 8 Geralmente o leitor se
interessa por assuntos relacionados com sexo, morte, destino, dinheiro, situação do
tempo, atos de generosidade e a piedade presente nos casos absurdos e emocionantes. Para
Pierre Lévy, 9 “notícia é a virtualização do fato através do real simbólico”.
1.2 Recreativo
Como vimos, o recreativo é uma forma ainda mais
discutível de classificar os gêneros do jornalismo. Como relacionar na categoria de
"recreativa" uma matéria de comportamento que trata de situações extremas diante das
doenças graves ou terminais ou mesmo da própria morte? A reportagem sobre descobertas
científicas pode ser definida como recreativa? E as matérias sobre Educação? O que outros
autores defendem – como Alberto Dines - é um estilo leve, bem humorado, mais arejado,
que não deve ficar confinado a este ou aquele caderno, mas que deve perpassar todo o jornal,
do Esporte ao Editorial. A este respeito, o jornalista Márcio Moreira Alves critica a
linguagem rígida dos editoriais brasileiros que, na sua opinião, parecem querer atingir a
cabeça do leitor como uma pedrada, tentando enfiar-lhes goela abaixo a persuasão
imaginada pelo editorialista. 10
De qualquer forma – com esta ou aquela classificação – o
jornalismo precisa dar atenção ao leitor que busca um pouco de lazer, de recreação, de
divertimento, algo para passar o tempo, descompromissadamente. A cultura do lazer é uma
presença crescente no estressante ritmo da vida atual predominantemente urbana.
Antigamente condenado como “preguiça”, hoje o ócio com dignidade é visto como hábito
saudável, sinal de inteligência emocional, traço cultural e sócio-econômico, como define o
sociólogo italiano Domenico De Masi. Isto significa que os jornais e toda a mídia devem
valorizar o noticiário sobre cultura, esporte, teatro, cinema, viagens, humor, as crônicas e
sátiras, o humor em geral...a própria educação ambiental pode ser passada, com excelentes
8
id. ibid.
Cf. LÉVY, 1998, p. 55.
10
Citado por AMARAL, L. , 1978. Técnica de Jornal e Periódico, p. 140.
9
150
resultados, através da informação lúdica, dos jogos em forma de infográficos, dos desenhos
e tiras, das histórias em quadrinhos, das crônicas etc. 11
1.3 Opinativo
Mas o jornalismo não tem apenas o dever de informar e
divertir – mesmo quando educa. Também tem o direito e o dever de opinar. É com a opinião
segura, abalizada, bem fundamentada, que o veículo de comunicação cumpre seu papel
social a serviço do receptor, agindo com transparência, passando seriedade e credibilidade. É
necessário que os jornalistas tenham liberdade para comentar a realidade, orientando seus
leitores.
Infelizmente, entretanto, não é sempre assim, nem mesmo em países mais
desenvolvidos. Basta lembrar o sensacionalismo dos tablóides ingleses ou a demissão do
jornalista Peter Arnett, em 2004, nos EUA, por ter criticado a invasão do Iraque. É o que nos
leva a constatar, infelizmente, que não existe liberdade de imprensa, apenas liberdade de
empresa. Por isto muitos jornalistas se acomodam, como denuncia Ignacio Ramonet, do Le
Monde Diplomatique, aceitando as regras do mercado e silenciando quando deviam se
manifestar. Para Luiz Beltrão 12 é a opinião que “valoriza e engrandece a atividade do
jornalista, pois quando expressa com honestidade e dignidade, com a reta intenção de
orientar o leitor, sem tergiversar ou violentar a sacralidade das ocorrências, se torna fator
importante na opção da comunidade pelo mais seguro caminho à obtenção do bem-estar e
da harmonia social”.
No que se refere especificamente ao Jornalismo Ambiental,
o “dever de opinar” é igualmente sagrado, pois trata-se de informar claramente sobre
situações que aparentemente são vantajosas para a sociedade mas que escondem ciladas e
intenções não reveladas pelos interesses ideológicos em jogo. Mas para opinar é preciso
conhecer, estudar, pesquisar, checar dados, confrontar fontes, “gastar sola de sapato” como
se diz. É isto que faz o diferencial entre os bons e os maus jornalistas, entre os que têm garra
11
"Os momentos escolhidos para ler os jornais são os intervalos de repouso: o descanso que segue ao almoço, a
espera do jantar ou a hora de dormir. [...] a leitura dos jornais é a distração conscientemente procurada, nas salas
de espera, nos (domingos e) feriados, quando chove", afirma Jean Stoetzel ao relacionar a recreação como a
segunda função psicossocial da imprensa (após a função de atualização), acrescentando que o próprio público
considera a leitura dos jornais como uma atividade de prazer. Ao mesmo tempo, para o político e jornalista
francês Jean-Jacques Servan-Schreiber, em sua obra O Desafio Americano, "uma das principais características da
civilização pós-industrial é o número de horas de lazer, cada vez maior, que o homem poderá desfrutar". Cf.
AMARAL, 1978, p. 20-21
12
Cf. BELTRÃO, L. Jornalismo Opinativo. Porto Alegre: Sulina, 1980, p. 14.
151
e os que têm preguiça, entre os que são céticos e os que acatam tudo....qual jornalista se
lembrou de pesquisar melhor quando, décadas atrás, um laboratório lançou o medicamento
Talidomida para uso na gravidez? Mas todos noticiaram, anos mais tarde, o nascimento de
crianças com defeitos físicos em todo o país...
1.4 Interpretativo
Aparentemente o gênero Interpretativo - cuja base é a
investigação acurada - confunde-se com o Opinativo. Mas não se trata da mesma coisa.
Enquanto o Opinativo parte da informação ou de um pressuposto que configura uma
hipótese a ser provada, desenvolvendo em seguida uma argumentação lógica baseada em
boa pesquisa, terminando com uma conclusão persuasiva, o Interpretativo deixa para o
leitor a decisão de acatar ou não a informação passada do modo mais claro e mais
explicativo possível, sempre buscando a contextualização histórica, o entorno do fato, os
detalhes do acontecido ou declarado, para ir além do meramente declaratório. Advoga-se, na
verdade, um jornalismo que possa mostrar ao leitor as tendências futuras, isto é, o
encaminhamento que o fato pode tomar, mas não a partir de futurologia irresponsável, e sim
de um relacionamento "ótimo" com as fontes do setor. O relacionamento com a fonte é
ótimo quando a cumplicidade profissional preserva a ética e o respeito mútuo, quando o
profissional preserva o nome da fonte nas declarações em off e quando nem um nem outra
usam o jornalismo com outro propósito que não o de levar a informação verdadeira ao
público alvo. Naturalmente o bom repórter sabe que é necessário checar as informações e
também sabe que não existem dois lados na notícia, mas muitos lados, talvez alguns
conflitantes. Por isto é necessário checar, conferir, confrontar dados, ouvir de novo as
mesmas fontes, se necessário.
Este é, talvez, o gênero mais difícil - talvez por isto o mais
gratificante - do jornalismo porque exige ainda mais apuração, mais entrevistas, mais
consultas, mais investigação, mais envolvimento da equipe para que o trabalho saia
“redondo”, na expressão de Alberto Dines, 13 para que o leitor receba todas as informações
13
Alberto Dines lembra, entretanto, que "o gênero investigativo foi sendo abandonado, aos poucos, pela imprensa
brasileira, justamente quando os grandes jornais preferiram a linha ´empresarial´, que consiste basicamente em
informar sem se comprometer. O golpe fatal lhe foi desferido paradoxalmente quando a ´febre´ da comunicação e
do seu controle invadiu as instituições brasileiras [na década de 1970]. Organismos privados ou públicos passaram
a organizar seus departamentos de informações para filtrar e divulgar através de notas e releases, a matéria de seu
interesse ou que lhes era solicitada.". Cf. O Papel do Jornal, 1986, p. 91.
152
relacionadas com aquele tema e possa tirar, com segurança, suas próprias conclusões.
Entretanto, é neste gênero que se destacam os grandes
jornalistas, com destaque, nos Estados Unidos, para os textos da revista Time, em 1923,
que inaugurou um estilo mais explicativo para noticiar os fatos da semana, influenciando o
surgimento de publicações semelhantes como The New Yorker (celeiro dos primeiros
livros-reportagem como A Sangue Frio, de Truman Capote; O Segredo de Joe Gould, de
Joseph Mitchell etc), L´Express, na França; Der Spiegel, na Alemanha; L´Europeo, na
Itália etc. Grandes nomes se revelaram no gênero interpretativo como John Reed, Tom
Wolfe, Norman Mailler, Ernest Hemingway, Gay Talese, Gabriel Garcia Marques
(Colômbia) e também o herói nacional de Cuba, José Martí, entre outros.
No Brasil esse modo de fazer jornalismo de qualidade
apareceu em 1928, na revista O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, registrando seu auge nos
anos 50, com os memoráveis textos de David Nasser, Joel Silveira, Edmar Morel e tantos
outros. Mas foi em 1951, com a reforma do Diário Carioca, onde Pompeu de Souza
introduziu pela primeira vez na imprensa brasileira a técnica americana do lead e o Manual
de Redação - como forma de sistematizar e padronizar a produção de notícias - que teve
início a fase moderna da imprensa brasileira, já a essa altura operando em moldes
empresariais.
Outro passo importante na melhoria de qualidade do nosso
jornalismo foi a reforma do Jornal do Brasil, por Alberto Dines, que também trouxe da
imprensa americana a idéia do Caderno de Pesquisa e do Caderno Especial de Domingo
onde os profissionais poderiam escrever textos mais amenos, mais contextualizados, afinal,
interpretando melhor a realidade. Uma Realidade que surgiu como revista mensal em 1966
(preservando as características originais de narrativa diferenciada até 1968), ícone da
imprensa brasileira, consolidando em nosso país o "Novo Jornalismo", juntamente com o
Jornal da Tarde, em São Paulo, também em 1966, dando asas à imaginação criadora de
nomes ontológicos como José Hamilton Ribeiro, Luiz Fernando Mercadante, Domingos
Meirelles, Joel Silveira, Mauro Santayana e tantos outros que Audálio Dantas reuniu no
livro Repórteres, em 1997, com apoio da Editora Senac.
O "Jornalismo de Autor" – como Dines chamava o "Novo
Jornalismo brasileiro" – também teve seu espaço na fase pioneira da revista Veja, seguindose, depois, os livros-reportagem de Fernando Morais, Zuenir Ventura, Ruy Castro, Caco
Barcelos e os estudos acadêmicos na área do Jornalismo Literário (como veremos a seguir)
153
com o professor Edvaldo Pereira Lima (ECA-USP) e Celso Falaschi (PUC-Campinas)
criadores do site www.textovivo.com.br
Hoje o texto interpretativo está desprestigiado, embora já se
observe uma tendência à sua retomada, diante do "cansaço" provocado pelo excesso de
informações curtas e superficiais que os meios despejam sobre o receptor sem apresentar
qualquer diferencial. O que tem ocorrido, infelizmente, é que a mesma tecnologia que situou
o jornalismo como uma atividade de ponta na indústria gráfica do país, empurra os meios de
comunicação para a necessidade de disputar mercado através da multiplicidade de pequenas
notícias, abordando todos os assuntos, porém de forma superficial e meramente quantitativa.
Parte-se do princípio que o apressado leitor de nossos dias não tem mais tempo para
“saborear” longas reportagens. Por isto mesmo as empresas não investem mais em
coberturas de fôlego, preferindo reduzir custos com a produção de notícias curtas que
muitas vezes chegam pelas Agências de Notícia dispensando
a contratação de bons
jornalistas. Quando o jornal é regional, então, a cobertura local fica praticamente entregue a
alguns interesses políticos e empresariais. Até mesmo parte expressiva do
noticiário
ambiental é “importado” de regiões distantes como se no “local” não existissem problemas
ambientais. Assim, não há interpretação da realidade, não há explicação do fato e o
jornalismo perde sua vocação principal que não é disputar espaço com os meios eletrônicos
mas fazer o aprofundamento que o leitor espera, a contextualizaçãp que o fato exige.
A este respeito, afirma o professor Ulisses Capozolli,
presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico:
A imprensa tem pela frente um enorme desafio: o de fazer jornalismo interpretativo, ou seja, de
contextualização histórica dos acontecimentos como esforço para oferecer uma inteligibilidade possível
do mundo. Essa deve ser a alternativa, ao menos para a imprensa escrita, de enfrentar o caos
informativo trazido pela Internet. Essa é a nova função da imprensa, resultado do impacto não só da
tecnologia..mas do que se poderia chamar, novamente, de ´novos tempos´.
Alguns observadores da mídia chegam a afirmar que o
espaço para o jornalismo interpretativo, de qualidade, já está de volta, em parte da mídia, e
que em muitas redações o que falta mesmo é profissional com a necessária sensibilidade, a
indispensável força de vontade e a natural capacidade de escrever bem para relançar o
gênero.
154
A se confirmarem tais prognósticos, caberá, naturalmente, à
escola preparar profissionais mais criativos, menos propensos aos bitolamentos tradicionais
da objetividade racionalista que teima em ter sempre a bordo os instrumentos inibidores da
criatividade que são a apuração apressada, o excessivo formalismo do lead, os rigores do
Manual da Redação, a pauta fechada (que não dá abertura de abordagem ao repórter) etc.
Com a flexibilização curricular aprovada pelo Ministério da
Educação e Cultura em 1996 e regulamentada em 2002, os cursos de jornalismo já têm
liberdade para montar currículos mais adaptados às caraterísticas sociais, culturais e
econômicas de cada região do país, o que abre perspectivas para currículos mais
compreensivos em relação às demandas sociais da atualidade. Novos métodos de ensino
centralizado no aluno, nos quais o professor é mais uma instância de aprendizado, e não a
única, com a necessária implosão das paredes que cercam a sala de aula - através do uso
adequado da Internet, ferramenta que revolucionou profissões como as dos comunicadores permitem à área acadêmica proporcionar um ensino em sintonia com os "novos tempos" de
que fala o professor Capozolli.
Algumas escolas do país - poucas ainda - estão introduzindo
a disciplina
"Jornalismo Ambiental" na graduação, na pós-graduação e também nas
especializações. Esta é uma disciplina que oferece a oportunidade de levar o aluno ao
questionamento da sociedade e dos modelos econômicos vigentes, despertando nele o senso
crítico inerente ao profissional que se destaca do lugar comum. Afinal, trata-se de uma
matéria intensamente interdisciplinar, que abarca várias áreas do conhecimento (economia,
antropologia, sociologia, política etc) e que pode servir de modelo para a preparação de
futuros jornalistas com visão ampliada na análise da complexidade do mundo. Este esforço
de estudo interdisciplinar é próprio da característica sistêmica que envolve o conceito de
meio ambiente permanentemente aberto em sua multiplicidade de abordagens e métodos.
Para Edgar Morin,
...devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais
graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro
lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente
humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada" (MORIN, 2003, p. 16). 14
14
Cf. MORIN, 2003, p. 16.
155
Por isto mesmo, sendo o foco deste trabalho a tentativa de
encontrar novos formatos, novas linguagens, novos paradigmas de informação e de
formação jornalística, optamos por tratar o estudo do jornalismo ambiental através de uma
nova abordagem que alia o honesto registro do fato acontecido (ou da declaração), como é
esperado do jornalismo, com a capacidade de ousar na criatividade, na imaginação, na
descrição de detalhes, na imersão em profundidade, no registro de histórias de vida das
pessoas do mundo real (e não só dos "olimpianos" - termo que tomamos emprestado
de
Cremilda Medina - e autoridades).
Estamos falando de uma nova linguagem jornalística, uma
ferramenta que pode mudar o modo de fazer jornal.
É a proposta do Jornalismo Literário Avançado.
2. Jornalismo Literário Avançado
A abordagem do Jornalismo Literário Avançado nasceu na
Escola de Comunicação e Artes - ECA, da Universidade de São Paulo, a partir da tese de
doutoramento do seu criador, professor Edvaldo Pereira Lima, na década de 1990. Trata-se
de um aperfeiçoamento da disciplina "Jornalismo Literário", que é ensinada na Europa e nos
EUA, constituindo-se, com a sua adaptação ao Brasil, uma significativa contribuição
acadêmica para a retomada do "jornalismo da totalidade" amparado na Teoria Geral dos
Sistemas.
A principal característica desse método é, exatamente, o
rompimento com o paradigma linear presente no reducionismo de filiação iluministacartesiana. Valoriza a capacidade de observar a realidade com outros olhos, literalmente com
"os olhos da mente", abrindo espaço para o lado direito do cérebro que é mais abrangente e
subjetivo. Com este método o jornalista poderá ver a floresta além da árvore, ou atingirá a
percepção diferencial de não ver apenas o dedo quando lhe apontarem as estrelas. Aquela
pauta que renderá uma simples entrevista para o jornalista convencionalmente lógico, poderá
significar um saboroso perfil para outro menos apressado, porque toda pessoa humana tem
uma história e, para o professor Edvaldo, "não existe história ruim, o que existe é história
mal contada". Isto também vale para as instituições, as cidades, os lugares. Nada nem
ninguém está isolado ou perdido no mundo. Buscar esses elos de interconexão do ser,
156
aparentemente individual, no Ser cósmico, relevar a plenitude da vida, sua jornada, suas
transformações, seus pontos de virada, sua trajetória, seus altos e baixos, suas glórias e
misérias..é isto que faz o Jornalismo Literário Avançado, seja através do livro-reportagem,
do flash-book , do perfil ou mesmo do texto curto.
Dessa forma, enquanto a mediação convencional transforma
uma entrevista em informações, as técnicas de "imersão" ou de "observação participante"
darão ao jornalista filiado ao JLA a oportunidade de transmitir idéias, o que é absolutamente
singular se aceitarmos que a mente humana pensa a partir de idéias e não de informações,
como nos lembra Roszak. 15 Por isto o JLA recomenda a História de Vida em substituição à
doutrinação quando o objetivo é a persuasão. Vimos isto lá atrás, em
Agostinho e
Francisco, que pregavam através de exemplos. Para CAPRA (1994, p. 69) "todo
conhecimento significativo é conhecimento contextual, e grande parte dele é vivencial e
tácita". Por outro lado, para transmitir a "vivência" do outro, é necessário que o próprio
jornalista se faça "outro", de tal modo a passar para o receptor não a narrativa da
experiência, mas a experiência em si que agora já será como que "sua" experiência, por estar
incorporado nela. A este respeito, afirma Pereira Lima
Na visão holística do mundo, o observador não pode ter uma leitura correta da realidade se não se
preparar, ele próprio, para a condição necessária à nova perspectiva de entendimento. Observador,
observado e a coisa observada transformam-se em interação sistêmica, crescem para novos níveis de
compreensão. Só assim, mediante a experiência própria, o jornalista terá capacidade de despertar, no
leitor, os estados de percepção similares aos que vivenciou. (Edvaldo Pereira Lima. In: Páginas
Ampliadas, 1995 p. 258-259). 16
Todavia, "descobrir o outro, revelá-lo para os outros
reivindica renúncia e coragem. Desvestir-se das crenças pessoais, das histórias de classe e
família, da fama efêmera, do sucesso com o chefe circunstancial, das facilidades
momentâneas e, literalmente, como se dizia há alguns anos, ´pisar no barro´, é um salto no
escuro", como adverte Cremilda Medina. 17 E acrescenta:
15
"A informação é apresentada como a base do pensamento, enquanto que, na realidade, a mente humana pensa
com idéias e não com informações. [...] Idéias são padrões integrativos que não derivam da informação, mas sim
da experiência". Cf. Theodore Roszak. In The Cult of Information. Citado por CAPRA, p. 69.
16
Edvaldo Pereira Lima. In: Páginas Ampliadas, 1995 p. 258-259.
17
Cf. A Arte de Tecer o Presente, p. 149.
157
São várias etapas. Abrir-se, aprender a ouvir, a respeitar o diverso, a lidar com os desiguais, a ser
descrente e apurar, a recuperar visões distintas, a eleger o pequeno como parte essencial do todo e a
todos tratar igualmente. Porque nessa tarefa o que equivale é a humanidade. E a informação bem
trabalhada é patrimônio da humanidade. Seja entre as mulheres afegãs, as africanas esterilizadas, as
nordestinas famintas e malcuidadas, as modelos tornadas objetos de consumo ou os senhores de todos
os poderes.
Contar boas histórias. Contá-las bem. Com emoção. Este é
o grande diferencial para a narrativa jornalística dos "novos tempos". Mas se agir friamente
e apressadamente, se não se preparar, o jornalista não alcançará a empatia que Erasmo de
Rotterdam ensina:
O homem é feito de maneira que as ficções lhe causam muito mais impressão que a verdade. Quereis
uma prova clara e sensível? Ide a vossas igrejas quando lá se prega. Se o orador trata de algum assunto
sério, as pessoas se aborrecem, bocejam, dormem; mas se, mudando subitamente de tom e de assunto,
[...] o pregador põe-se a recitar com ênfase alguma velha história popular, a audiência logo muda de
atitude: todos despertam, se aprumam, escutam, todos são olhos e ouvidos. (ROTTERDAM, Elogio da
Loucura, 2005: p .69 - 70). 18
Contudo, se a característica da narrativa pelo JLA é
o
rompimento do lead racionalista, para deixar passar todas as influências benéficas do nosso
campo morfo-genético, é preciso lembrar, com clareza, que a narrativa sempre parte do fato
real acontecido, vez que o JLA trabalha com a literatura da realidade. O que faz toda
diferença é que no JLA a pauta é totalmente flexível e a captação não é apressada, do mesmo
modo que a narrativa não está estrangulada pelo arcabouço das pirâmides invertidas, do
lead, do sub-lead, do dead-line imediato etc.
Já nos primeiros anos da faculdade, os estudantes de
jornalismo que pretendem se aprofundar na
opção pelo JLA para escreverem suas
reportagens experimentais ou seus trabalhos de conclusão de curso, geralmente preferem a
"cabeça bem-feita" à "cabeça bem cheia" de que fala Montaigne, explicado por Edgar
Morin:
O significado de uma cabeça bem cheia (g. n) é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado,
empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. Uma cabeça bemfeita (g. n.) significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de
uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas [e dispor, igualmente, de] ...princípios
organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido. (MORIN, 2003, p. 21). 19
18
19
Cf. Erasmo de Rotterdam. In Elogio da Loucura, 2005, p. 69 - 70.
MORIN, A Cabeça Bem-Feita - Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento, 2003, p. 21
158
Normalmente esses alunos pesquisam as novas ciências,
como as Ciências da Terra (entre elas a Geografia), a Cosmologia (que trata do Universo), a
Ecologia (que trata dos ecossistemas), a História das Civilizações (aprendendo mais sobre
Islã, China, Índia), a Psicologia Arquetípica de Jung, 20 a Teoria dos Campos Morfogenéticos
ampliada por Rupert Sheldrake, 21 a mitologia moderna estudada por Joseph Campbell 22
etc. Sobre a importância de estudar os mitos, e até mesmo o próprio sonho, Campbell dirá:
"Uma coisa que se revela nos mitos é que, no fundo do abismo, desponta a voz da salvação.
O momento crucial é aquele em que a verdadeira mensagem de transformação está prestes
a surgir. No momento mais sombrio surge a luz".
Eles igualmente lêem livros
de Fritjof
Capra, onde
aprendem sobre a complexidade da vida e a abordagem holística, ou de Amit Goswami,
sobre física quântica, isto é, sobre as ligações possíveis entre ciência e espiritualidade, ou
sobre o grande mestre do pensamento complexo que é Edgar Morin. Na verdade, esses
alunos identificados com as técnicas do JLA estudam a abordagem sistêmica do saber, como
em Bertalanfy, assim analisada por Morin:
A Teoria Geral dos Sistemas - que parte do fato de que a maior parte [sic] dos objetos da física, da
astronomia, da biologia, da sociologia, átomos, moléculas, células, organismos, sociedades, astros,
galáxias formam sistemas, ou seja, conjuntos de partes diversas que constituem um todo organizado retomou a idéia, freqüentemente formulada no passado, de que um todo é mais que o conjunto das
partes que o compõem...[...] assim as propriedades do ser vivo são desconhecidas na medida de seus
constituintes moleculares isolados, elas emergem neste e para esta organização. A rotina, fruto da
ciência disciplinar, era tão forte que, por muito tempo, o pensamento sistêmico permaneceu afastado das
ciências, tanto naturais como humanas, e, ainda hoje, é marginalizado. (MORIN, 2003, p. 26). 23
20
Carl Gustav Jung (1875- 1961), fundador da psicologia analítica, rompeu com o pai da psicanálise
(Freud) por discordar - dentre outras teses - que o subconsciente humano tivesse uma natureza
predominantemente sexual. Jung considerava, além do inconsciente individual, o inconsciente
coletivo, constituído por símbolos universais, transmitidos de geração em geração e cristalizados nos
arquétipos, como a anima, que é a faceta feminina da personalidade masculina, e o animus, que é a
faceta masculina da personalidade feminina [...] Os arquétipos, enquanto patrimônio comum a toda a
humanidade, podem ser encontrados na literatura, na arte, e em outros produtos culturais. No
indivíduo, eles se manifestam nos sonhos e constituem fatores determinantes da personalidade e da
conduta. Em Jung a terapia para os males psicológicos está na busca do equilíbrio. Exemplos de
arquétipos do inconsciente coletivo são o mito do paraíso perdido, a figura do velho sábio, o herói
etc. Cf. Eniclopédia Tudo. São Paulo: Abril Cultural, [s.d.], p. 131 e 748.
21
A Teoria dos Campos Morfogenéticos trata da determinação, da visualização e da projeção mental
que podem solucionar problemas aparentemente incontornáveis, segundo Pereira Lima (1995, p.
255). Rupert Sheldrake é autor de O Renascimento da Natureza e de Os Sete Experimentos que
Podem Mudar o Mundo", publicados pela Editora Cultrix, de São Paulo.
22
Os estudos de Campbell (1904-1987) sobre mitologia moderna, com vários livros publicados,
influenciaram grandes criadores do cinema mundial como Spielberg e George Lucas (de Guerra nas
Estrelas, Indiana Jones etc). A citação referida no texto está em O Poder do Mito, 1990, p. 39.
23
Cf. MORIN, 2003, p. 26.
159
Não faltaria assunto para tratar do JLA ao longo de todo
este trabalho se este fosse nosso único propósito. (Na fase de demonstração desta tese capítulo IX - vamos apresentar alguns trabalhos realizados pelos alunos de jornalismo da
Unesp com base nos ensinamentos do JLA). Mas o que buscamos aqui é apresentar as
"ferramentas do sistema", isto é, alguns recursos que os futuros jornalistas poderão utilizar
na proposta de um outro jornalismo possível, voltado para a leitura totalizante da realidade.
Como o JLA, em sua metodologia, contempla exatamente este modo de ver, e como o
estudo do meio ambiente apresenta características igualmente interdisciplinares por
excelência, entendemos que o JLA pode ser uma boa ferramenta de trabalho. Sendo assim,
podemos penetrar, agora - tendo adquirido, com humildade, o saber dos mentores - em
algumas minúcias da própria técnica do fazer jornalístico que tem, na entrevista, sua matéria
prima, etapa determinante nesta nossa jornada em busca do Graal do saber. Um saber que
não nos torna melhores nem mais felizes se não colocado a serviço de uma finalidade nobre
como é levar às pessoas um conhecimento integrado, inclusivo, holístico, que é muito mais
do que simples informação, para não incorrermos na dúvida de T. S. Eliot: 24 "Onde está o
saber que perdemos na informação? Onde está a sabedoria que perdemos no
conhecimento?"
3. Técnicas de Entrevista
Algumas técnicas são essenciais na entrevista para o JLA,
destacando-se, como já foi dito, o aspecto da "imersão". Nas histórias de vida, antes de mais
nada, é preciso conquistar a simpatia do entrevistado. E isto não se faz com meias-verdades,
com mentiras, com falsa identidade, com câmaras ocultas ou com qualquer outro expediente
escuso. Pelo contrário, para estabelecer uma boa interação com a fonte, o jornalista deve ser
honesto, transparente, amigo, companheiro. Ninguém abre a caixa preta da vida, na sua
intimidade mais crua e mais exposta, a uma pessoa não confiável, estranha, maquiavélica.
Por outro lado, o próprio jornalista deve se precaver para não se envolver em situações
ilegais. Em depoimento à imprensa, no início de 2003, sobre seu livro a respeito de um
24
Citado por MORIN, 2003, p. 17.
160
traficante, Caco Barcelos contou que estabeleceu algumas normas, segundo as quais não
tomaria conhecimento – durante as entrevistas – de fatos criminosos em andamento ou
futuros, apenas de fatos passados. Também é necessário obter, logo de início, um documento
assinado em que o entrevistado autoriza a divulgação de texto e imagem a seu respeito, o
que poderá livrar o profissional de futuros e caros processos por uso indevido de imagem.
Uma vez conquistada a simpatia do entrevistado, é
necessário passar a conviver com ele em seu próprio ambiente. Foi assim que Joseph
Mitchell escreveu uma das mais bonitas reportagens, em meados do séc. XX, contando a
história de um boêmio do Greenwich Village, em Nova York, o popular Joe Gould, que
estaria escrevendo uma História Oral maior que a Bíblia. Mitchell sempre evitava os
lugares-comuns do jornalismo: celebridades, poderosos, "olimpianos"... Seus personagens
viviam à sombra, anônimos. Suas reportagens eram buriladas anos a fio e foram elas que
melhor capturaram o espírito de Nova York entre as décadas de 30 e 60. O primeiro perfil de
Joe Gould foi publicado na revista The New Yorker no fim de 1942. Em 1964, Joseph
Mitchell completaria o perfil de Joe Gould, sete anos após a morte de seu personagem, com
o qual conviveu longamente nos bares da cidade até "percebê-lo" nos mínimos detalhes.
Não agiu diferente outro destacado jornalista-literário norteamericano, Norman Mailer, ao descrever "a luta do século" entre Cassius Clay (Muhamed
Ali) e George Foreman, realizada em 1974, no Zaire. O autor entrou "em comunhão" com
seu personagem, interagindo com ele, sentindo suas dores, experimentando suas alegrias,
participando de corridas com ele, convivendo em sua casa, no Zaire, tornando-se quase uma
"extensão" da pessoa. Afinal, essa luta tinha algo de ideológico entre o americanismo
escancarado de Foreman e o muçulmanismo combativo de Clay, aquela coisa de Bem contra
o Mal tão própria do judaísmo-cristão e tão cara aos que continuam se achando no direito de
mapear o "eixo do mal" sobre a terra.
O polêmico Truman Capote passou seis anos fazendo
entrevistas, coletando dados, lendo documentos, pesquisando, até publicar, em 1965, o
clássico A sangue frio [sic], por ele considerado o primeiro livro-reportagem com recursos
literários, baseado em fato real, narrando um crime ocorrido em 1959 no interior do Kansas,
no meio-oeste americano. Para uma verdadeira "imersão" no contexto dos fatos, o autor
mudou-se – por um ano – para a cidadezinha de Holcomb, onde um casal e seus dois filhos
foram assassinados friamente, numa tragédia que causou comoção nacional.
161
Ao posfaciar o relançamento de A sangue frio [sic], pela
Editora Companhia das Letras, em 2003, o jornalista Matinas Suzuki Jr. baseou-se em longa
entrevista concedida pelo próprio Capote a George Plimpton, publicada em 16 de janeiro de
1966, em The New York Times, para expor o método de apuração que o autor utilizou até
chegar ao que batizou de "romance de não-ficção". As informações que Matinas Suzuki Jr.
coletou no referido depoimento revelam que
Capote entrevistou por longo tempo um grande número de pessoas sem fazer anotações ou gravá-las.
Segundo ele, a anotação e a gravação prejudicam o tempo dedicado à observação dos personagens e do
ambiente, e intimidam os entrevistados, que perdem a naturalidade e deixam de fazer revelações
importantes. Gay Talese, outro expoente do jornalismo literário, também condena o uso de gravador e
das anotações na frente do entrevistado. Capote dizia ter treinado com um amigo uma técnica de prestar
atenção absoluta ao que ouvia (o amigo lia longos trechos de um livro em voz alta, e depois Capote,
qual um "fotógrafo literário", tentava reproduzir literalmente o trecho lido). Ele gabava-se de conseguir
cerca de 95% de total precisão.
A citação literal do texto tem o objetivo de lançar luz sobre
a já referida dúvida que muitos profissionais têm na hora de registrar a apuração. Entretanto,
mais do que a expressão mecânica do método - gravar ou anotar ou um dos dois ou nem um
nem outro, o que resulta bastante relativo conforme as situações profissionais que se
apresentam ou conforme as capacidades e limitações de cada entrevistador -
o mais
importante é reter o conceito do método. Trata-se, com efeito, de exigir do entrevistador
uma concentração especialíssima sobre o que está ouvindo, uma capacidade de percepção do
real muito superior ao que normalmente chamamos de "prestar atenção". Não basta prestar
atenção, é preciso "entrar" na história, pensar junto com o entrevistado, "copiar" o seu vôo,
como se diz no jargão da aviação quando o piloto precisa repetir, em vôo, as manobras do
colega ou da equipe, como faz a Esquadrilha da Fumaça. A segurança da manobra depende
literalmente dessa capacidade de interação do piloto com o grupo, numa fusão quase perfeita
entre homem e máquina, tal como conta Edvaldo Pereira Lima a respeito de Ayrton Senna 25
ao conquistar suas melhores marcas com pneus de chuva, exatamente quando os
concorrentes não conseguiam a concentração suficiente para evitar as fatídicas derrapagens.
Muitos fazem entrevistas, muitos se põem a fazer perguntas durante dias a fio a um
personagem determinado para escrever uma "história de vida". Mas poucos se perguntam
por que Mitchell, Capote e todos os ases do jornalismo literário eram tão cuidadosos na
25
Cf. Ayrton Senna, Guerreiro de Aquário, 1995, p. 94.
162
apuração e levavam tanto tempo para produzir o relato. Tudo bem que contavam com o
apoio (inclusive, ou principalmente, financeiro, coisa que falta hoje em dia) do fundador da
revista The New Yorker, Harold Ross, e do editor Willian Shawn, que financiaram os dois
autores e publicaram seus livros, inicialmente, em capítulos.
Na verdade, resolvido o problema financeiro, não se pode
ter pressa para produzir o jornalismo literário. Este é um gênero em que não basta registrar
os fatos, é preciso pensar a narrativa, rechecar informações, conferir dados, ficar atento ao
andamento da situação. No caso de A sangue frio, por exemplo, a obra pareceria incompleta
ou menos importante sem a solução final representada pela execução dos criminosos. Seria
transformar uma tragédia de grande repercussão em conto da carochinha, parodiando os
clássicos dos irmãos Grimm: "E ficaram presos para sempre"... Também J. Mitchell só
revelou o segredo do seu personagem depois que Joe Gould morreu.
Vejamos outro exemplo.
O jornalista e doutorando da ECA, Sergio Vilas Boas, 26
publicou novo livro sobre jornalismo em 2003 (Perfis e como escrevê-los. São Paulo:
Summus, 2003) contendo perfis de 10 escritores brasileiros. Para isto ele agendou
entrevistas nos "quatro cantos" do país, indo até o ambiente dos entrevistados para conversar
longamente com eles em seus próprios locais de atuação. Assim ficamos sabendo o que
pensam e como vivem Chico Dantas ("um cabra caladão") em Sergipe; Luiz Antônio de
Assis Brasil ("culto e cosmopolita") em Porto Alegre; João Ubaldo ("sua paciência estava
por um fio") no Rio; Cristóvão Tezza ("ex-hippie") em Curitiba; Ferreira Gullar ("o poeta
perseguido pela ditadura") em Copacabana; Lya Luft ("a tradutora") novamente em Porto
Alegre; Manoel de Barros ("e seu pequeno avião transpantaneiro") no Mato Grosso, Sérgio
Sant´Ana, outra vez no Rio ("o terror está superando a poesia") etc. Para Vilas Boas
perfil é uma história de vida, como a biografia. A diferença é que esta é duradoura, mais detalhada;
tanto que, geralmente, os biógrafos preferem contar a história de pessoas que já morreram há 10 anos
ou mais. Já o perfil é uma história mais rápida – embora possa ter até 150 páginas – que capta,
basicamente, duas coisas: o momento e o ser da pessoa. Devemos interpretar pessoas como
26
Perfis e como escrevê-los, São Paulo: Summus, 2003. Do mesmo autor: O Estilo Magazine - O Texto em
Revista. São Paulo: Summus, 1996, leitura básica nos cursos de jornalismo em todo o país.
163
interpretamos a arte, pois tanto a vida ilumina a obra como a obra ilumina a vida. Tudo está imbricado
na mesma árvore: a pessoa, em si, já é uma obra. 27
O novo livro de Vilas Boas traça o perfil de escritores
conhecidos. Entretanto, outros autores, como Mitchell, encontraram em pessoas anônimas
seus personagens preferidos. Isto seria possível no Brasil? Vilas Boas responde que isto
seria perfeitamente possível, daí sua explicação sobre o conteúdo "divino" de cada ser
humano, o que ele vê como "uma obra de arte". Citando Pareyson: "O biógrafo, da mesma
maneira que o crítico de arte, busca desvendar as ordens vital, humana e psíquica do seu
sujeito, pois não se trata de ficar inerte na contemplação da obra, mas de ir muito além
dela, até a oficina do artista, onde é necessário associar-se à sua criação, escutar com ele
as exigências da obra, ver a obra no ato de regular a sua própria formação". (Pareyson,
2001, p. 223).
28
Esse diálogo do leitor com a obra é feito de perguntas e
respostas, no processo de interpretação estética. Assim, a contemplação tanto premia quanto
recompensa o esforço do espectador, segundo explica Vilas Boas. Para ele essas perguntas e
respostas são perceptíveis num texto biográfico profundo, múltiplo. Nisto o perfil difere do
noticiário convencional da imprensa porque não é necessário aguardar um "gancho":
Geralmente o jornalismo convencional produz matérias especiais a partir de datas especiais: o
aniversário da pessoa, uma data marcante, uma comemoração, quando ela morre, a festa de bodas etc. O
perfil independe de ganchos. Vale pela pessoa mesmo, pelo ser humano que ela é. Mas não basta
colocar a pessoa diante de um gravador ligado. É preciso transmitir um significado sobre o sujeito. Por
isto é necessário estar muito atento durante a entrevista porque o corpo fala, o ambiente fala, tudo está
falando o tempo todo e o bom repórter é aquele que consegue captar todas essas falas. Depois é preciso
saber narrar porque sem narrativa não há jornalista.
A exemplo de Capote, Vilas Boas também não usa
gravador. Mas toma notas. Prefere anotar palavras-chave para reproduzir diálogos a partir
delas. "Registro o principal, o resto vem depois", ensina. Ele também acha que o jornalista
27
Esta observação e as demais, atribuídas a Vilas Boas, foram extraídas de palestra que o autor fez para os alunos
de Jornalismo Literário Avançado, no curso de pós graduação em Ciências da Comunicação - área de
Concentração Jornalismo, São Paulo, ECA - USP, em 21 out., 2003.
28
Pareyson, 2001, p. 223, citado por Vilas Boas, ibidem.
164
deve ser cético: "Não se pode apenas confiar no que a fonte diz. É preciso pesquisar, ler
tudo sobre a pessoa, tudo o que ela escreveu, fazer um trabalho de imersão mesmo".
Sérgio avalia que o contato pessoal, a presença no ambiente
do entrevistado é muito importante, a não ser quando isto é impossível como em dois
exemplos existentes em seu próprio livro: a história de Gabriel Garcia Marques e a do
escritor americano Paul Auster. Para perfilá-los, entretanto, leu tudo a respeito. Para dar
mostras da importância de estar no ambiente do entrevistado, conta um caso que não está
registrado no livro. Quando foi entrevistar Chico Dantas, no interior de Sergipe, notou
algum estranhamento em relação ao "paulista" que chegava do Sul para entrevistá-lo. Por
isto não titubeou em aceitar o "banho de bica" para o qual o anfitrião o convidou... foi aí que
obteve o "ambiente de informalidade, de relaxamento indispensável a uma boa entrevista".
No caso da entrevista com Sérgio Sant´Ana, Vilas Boas
também buscou essa "empatia" com o entrevistado, procurando colocar-se "no lugar dele",
quase que sentindo as dores e a depressão de um escritor competente, momentaneamente
sem dinheiro até para trocar o sofá da sala ou recuperar a pintura do apartamento...
A regra de ouro, segundo Sergio Vilas Boas, é ser leal e
transparente. Ninguém deve tomar o tempo de uma pessoa apenas com o propósito de
agredi-la, de prejudicá-la, porque isso não é ético. Por isso ele acha que é preciso dar acesso
às principais informações do texto. O entrevistado poderá ajudar a melhorar algumas
informações. O que não se deve usar, nunca, é a prepotência, a imposição.
Um conselho importante para os iniciantes, segundo Sergio:
"Não se deve aferrar-se demais ao método. O perfilador não deve se patrulhar demais.
Cada um tem um modo de agir. Mas não basta agir, é preciso pensar também. Eu, por
exemplo, começo com um título criado mentalmente. Depois crio um substantivo que defina
aquela situação, aquele contexto. Depois tudo isso pode ir mudando, é apenas um começo".
É necessário que o operador do JLA seja também uma
pessoa com uma visão de mundo mais ampla, com bom acervo de leitura e leitura de
qualidade, com boa disposição de fazer contato com as pessoas, de conhecer gente, de saber
como as pessoas pensam. Era assim que Balzac
29
29
escrevia seus livros, tornando-se um dos
Ninguém deve concluir o curso de jornalismo sem ler Ilusões Perdidas, de Balzac.
165
fundadores da Escola Realista na França do séc. XIX. Quem olha à sua volta, no mundo de
hoje, sente-se compelido a uma política de inclusão social. "O modelo elitista naufragou. A
insatisfação é crescente, o mal estar é geral. Também nas redações de jornal esse mal estar
está instalado. Uma grave crise existencial abate-se sobre as pessoas. Mais do que seguir
métodos preestabelecidos, eu me incomodo é com vidas", esclarece Sergio Vilas Boas.
Resumindo, o conceito de Jornalismo Literário Avançado
para o citado autor é: Pesquisa, Contato Pessoal e Narrativa Literária. Mas, como chegar a
uma boa narrativa?
Em suas obras e em suas aulas na ECA, o professor
Edvaldo Pereira Lima lembra que não se pode chegar a uma boa narrativa sem uma
adequada apuração, vale dizer, sem a entrevista cuidadosa. Se temos em mente o objetivo de
traçar um perfil ou de escrever uma grande reportagem contendo uma história de vida,
devemos levar em conta a Jornada do Herói, verificar os momentos de "ruptura" do
entrevistado com o seu estado de vida anterior, os momentos em que ele rendeu-se
humildemente a um poder maior para cumprir suas tarefas, bem como sua persistência, sua
disciplina em busca do ideal. Devemos compreender as passagens da vida em que a pessoa
colocou o "eu superior" (que trabalha pelo coletivo, pelo próximo, pela humanidade) acima
do "ego" (que é mais individualista, que trata das coisas materiais, dos interesses pessoais,
da sobrevivência etc.). Em que fases o entrevistado procurou ouvir o seu "sábio interior"?
Como ele buscou a ajuda dos seus mentores? Como o Universo "conspirou a favor" do
entrevistado através das inúmeras sincronicidades da vida, que também chamamos de
"coincidência" ou "oportunidade"? É possível perceber na entrevista que o herói não
caminha sozinho? O campo genérico sutil que envolve o entrevistado é negativo ou
positivo? Como ele lida com a vida, o ser humano, as diferenças? Há preconceitos contra as
minorias, as etnias, as religiões? O entrevistado cultiva o seu "Cristo interior"? Tem uma
ação pró-ativa no mundo?
Conduzindo adequadamente a entrevista, o bom repórter
deixará que o mundo do personagem se revele em sua narrativa, em lugar de ele, repórter,
invadir o mundo do personagem com "trombadas" agressivas ou com violência verbal.
Citamos, há pouco, grandes livros-reportagem que podem
servir de exemplo, de guia, para um trabalho nessa área do JLA. Quem se interessa por este
166
modo de expressão jornalística deve ler todos eles (e outros mais), procurando aprender a
técnica dos autores.
Outros livros-reportagem de grande sucesso no país, como
Olga, Chatô –O Rrei do Brasil, e Corações Sujos, todos de Fernando Morais - inclusive sua
coletânea de 2003, Cem Quilos de Ouro -
apresentam esse tipo de entrevista mais
aprofundada, com ampla documentação sobre os personagens e recriação dos ambientes em
que viveram. São livros de fôlego que permanecem para sempre, como leitura imperdível
para os estudantes de jornalismo, os comunicadores e o público em geral, consagrando
definitivamente seus autores.
A professora Cremilda Medina define bem o tipo de
envolvimento que a entrevista em profundidade exige:
Quando entrevistado e entrevistador saem alterados do encontro, a técnica foi ultrapassada pela
intimidade entre o EU e o TU. Tanto um como outro se modificaram, alguma coisa aconteceu que os
perturbou, fez-se luz em certo conceito ou comportamento, elucidou-se determinada auto compreensão
30
ou compreensão do mundo. [Ou seja, realizou-se o Diálogo Possível].
Para escrever as 732 páginas de Chatô – O Rei do Brasil, 31
Fernando Morais entrevistou 184 pessoas. Seu trabalho seguinte, sobre uma seita japonesa
que espalhou o terror entre os imigrantes japoneses logo após a Segunda Guerra Mundial,
ameaçando e matando quem afirmasse que o Japão havia perdido a guerra, Corações sujos,
com 349 páginas, 32 envolveu 88 entrevistas e grande número de consultas a jornais do
interior de São Paulo, onde a Shindo Renmei praticou atentados de 1946 a 1947, e seus
matadores (tokkotai) levaram à morte 23 imigrantes e deixaram cerca de 150 feridos.
Aqui é oportuno observar aos estudantes de jornalismo que
este último livro resultou de uma característica que todo bom repórter deve ter: a percepção
para o detalhe, o faro para a notícia. Morais estava realizando as últimas entrevistas para
Chatô, na casa do próprio Chateaubriand, no Rio, quando, ao comentar com uma enfermeira
de origem nipônica a prolongada doença do anfitrião, ouviu dela um comentário sobre outra
30
Cf. Entrevista, o diálogo possível, p. 7.
Companhia das Letras, 1994.
32
Companhia das Letras, 2000.
31
167
história igualmente trágica sobre parentes que tinham sido aterrorizados e mortos por uma
seita japonesa no interior de São Paulo. Ali nasceu Corações sujos, outro grande sucesso de
Fernando Morais.
Muitas vezes o repórter está participando de uma entrevista,
mas está tão distante, tão distraído, tão desligado que não é capaz de perceber o que significa
uma variação de voz, um gesto nervoso, uma frase inacabada, uma pausa inexplicável, uma
referência extemporânea, uma lágrima inesperada ... e pode até passar batido diante de uma
revelação extraordinária, só porque ela não estava na pauta.
Entrevistar é a arte de ouvir, perguntar e conversar. O
repórter está ali para realizar a mediação entre a fonte e o receptor através do suporte da
comunicação. Por isto deve agir como um observador participante, atento para a
subjetividade do encontro, para a riqueza informacional daquele momento único, agindo
interativamente como um profissional da área de humanidades. Naquele instante o repórter
não é cientista, não é árbitro do Bem e do Mal, não é dono da verdade: é um investigador da
realidade, uma pessoa que assume postura humilde diante dos fatos tentando compreendêlos. Cremilda Medina explica melhor:
Entramos numa especulação ilimitada, um mergulho na
Verdade de muitas faces, contradições, em que a atuação do jornalismo é sempre relativa,
nunca totalmente objetiva, cientificista, como pretendem os clássicos do mito da
objetividade. Diante de uma realidade cifrada (como Freud diante do Sonho), inicia-se um
processo de decifração. Trata-se da arte de tecer o presente e não a garantia científica de
atingir a Verdade Absoluta. 33
Ainda no terreno das estratégias e da comparação entre os
vários tipos de entrevista, é importante reter aqui os ensinamentos do professor Edvaldo
Pereira Lima a respeito do encontro com a fonte especialmente voltado para o livroreportagem:
O perfil humanizado é onde o livro-reportagem concede à entrevista a máxima possibilidade de alcançar
dimensão superior ao que raramente seria aceitável nos veículos periódicos. A exigüidade de espaço,
nestes, é uma condicionante limitadora a vôos mais elevados. No livro, todo o texto pode apresentar-se
33
Cf. MEDINA, 1990, p. 33.
168
em forma de entrevista, como é o caso de Conversas com Vargas Llosa, do jornalista brasileiro Ricardo
A. Setti, editado pela Brasiliense em 1986. Essa opção reservou ao autor o privilégio de conduzir um
diálogo interativo de qualidade com seu entrevistado, construindo-lhe um retrato humano ancorado em
cinco eixos básicos: seus amigos e inimigos, a confecção e os projetos de seus livros, o ofício de
escrever, a vida particular – fama, sexo, família, drogas, dinheiro, lazer – e a política. Há a pauta, mas
também coexiste a flexibilidade de o entrevistador momentaneamente abandoná-la para entrar numa
variante mais empática com seu entrevistado. Surge a emoção, surge a pessoa por detrás do mito.
Ascende-se o circuito e não é mais a corrida atrás desse produto volúvel, a informação, que se dá. O que
então desponta é, por parte do entrevistador e do público que lê seu trabalho, a descoberta compreensiva
do universo, por vezes misterioso, às vezes exuberante, nem sempre comum, de um ser humano, sempre
sendo um espelho das possibilidades disponíveis a toda a espécie. ( Pereira Lima, 1995, p. 89 - 90 ). 34
Além dessas técnicas de entrevista, de narrativa, dos
gêneros etc o jornalista conta com a valiosa ferramenta da fotografia para valorizar suas
reportagens. A fotografia dá vida ao texto, atrai a atenção do receptor, ajuda a explicar e
contextualizar as situações. Por isto o fotojornalismo é disciplina obrigatória no curso
superior, compondo-se de parte teórica e parte laboratorial. Na cobertura ambiental, a
fotografia exerce um destacado papel de documentação e de referência. Entretanto, como a
notícia ambiental ainda não merece da imprensa convencional a devida valorização, não é
raro o uso de fotos meramente "ilustrativas" nas matérias ambientais, isto é, fotos retiradas
de arquivo, portanto sem a presença participante do fotógrafo no local dos fatos, de tal modo
que a matéria passa uma informação, mas a foto transmite outro contexto que o editor,
arbitrariamente, superpõe. Em outras situações a foto é "tratada" para "dar conta" de
explicar o fato. Ainda há casos em que a foto de arquivo é publicada sem crédito e sem data,
de modo a dificultar o entendimento do receptor. No âmbito da fotografia são muitos os
atentados à ética da informação, enquanto se imagina estar preservando a estética da
diagramação à custa do sumário sacrifício da verdade.
Na tentativa de comprovar a pertinência destas observações,
escolhemos a Semana do Meio Ambiente de 2004 para analisar a cobertura ambiental do
jornal Folha de São Paulo, considerado o maior do país, com atenção especial para a
ferramenta fotográfica. É o tema do próximo capítulo.
34
Cf. PEREIRA LIMA, 1995, p. 89 - 90.
169
FOTOGRAFIA: DOCUMENTAÇÃO
OU ILUSTRAÇÃO?
1.
Semana do Meio Ambiente - 2004
2.
Análise
3.
Considerações
170
Capítulo 6
FOTOGRAFIA: DOCUMENTAÇÃO OU
ILUSTRAÇÃO?
As fotos de um jornal podem muito
bem nada dizer-me, o que quer
dizer que eu as olho sem pô-las
em posição de existência.
SARTRE
1. Semana do Meio Ambiente/2004
Diante da importância da fotografia como ferramenta de
trabalho no jornalismo ambiental, decidimos - no decorrer desta pesquisa - selecionar as
edições do maior jornal do país, a Folha de S. Paulo, que circularam na Semana do Meio
Ambiente de 2004, entre os dias 2 e 6 de junho, para tentar compreender o papel que a
imprensa convencional atribui ao fotojornalismo nas matérias sobre meio ambiente.
Optamos pelo jornalismo impresso - foco de estudo nesta tese - por acreditar que o meio
atinge mais diretamente o público formador de opinião por excelência, se comparado a
outros meios de comunicação, como a própria TV, onde o noticiário sobre meio ambiente é
mais abundante, mas o público é menos definido. Isto não invalida excelentes trabalhos que
têm sido apresentados através da TV, sendo o melhor exemplo de todos eles, o Repórter
Eco, da TV Cultura, apresentado aos domingos, sob a coordenação de Washington Novaes.
Também é natural que, operando a partir da imagem, a televisão acabe privilegiando o
noticiário ambiental que gera visual de qualidade, como as notícias sobre catástrofes ou os
documentários fornecidos pelo National Geographic. Hoje, nos telejornais ou em programas
como o Fantástico,
sempre há espaço para imagens ambientais. Também são comuns os
documentários do tipo Globo Repórter. A questão ambiental interessa, cada vez mais, a
todas as pessoas do mundo, pois qualquer que seja o local do planeta onde ocorram danos ao
meio ambiente, toda a humanidade é atingida, bem de acordo com a abordagem sistêmica
171
que explica a integração de todos e de tudo ao longo de todo o tempo. Além de ser
interessante, o ambiente rende imagens imponentes, daí o interesse permanente da televisão.
Entretanto, a decisão de pagar uma assinatura ou passar por
uma banca para comprar um exemplar de jornal faz do leitor um observador privilegiado
porque não ficará apenas no “olhar” que é próprio ao telespectador (muitas vezes
passivamente), terá que selecionar as notícias de seu interesse, terá que lê-las, poderá
concordar ou discordar, eventualmente arquivará informações relevantes ou usará tais
informações em seu ambiente de trabalho, de convivência etc, ou como fonte de pesquisa
documental. Talvez acessará o site do jornal para se manifestar a respeito do que leu. Não se
trata, convenhamos, de um observador comum. Conquistar sua atenção para os assuntos de
interesse ambiental e mobilizá-lo a favor de um novo comportamento diante do mundo à sua
volta é uma tarefa de bom tamanho que o jornalista especializado tem pela frente.
Na primeira edição estudada, a do dia 2 de junho, n. 27.454,
a análise quantitativa revelou apenas uma notícia sobre meio ambiente. Com foto colorida
de quatro colunas e chamada na primeira página, seguidas de matéria também de quatro
colunas e foto em preto e branco na pág. 4 do Caderno C, era uma pequena reportagem do
gênero “catástrofe”, a respeito da tempestade que desabou sobre Maceió, no dia anterior,
matando 14 pessoas. “Segundo informações do Corpo de Bombeiros, a última grande
tragédia ocorrida no Estado foi em 2000, com 20 mortos”, registrou a reportagem da
Agência Folhas, assinada por Silvia Freire. O coordenador do Radar Meteorológico de
Alagoas, professor Ricardo Sarmento Tenório, disse que a chuva foi provocada por uma
nebulosidade muito concentrada, proveniente do oceano Atlântico, possivelmente formada
na costa da África, que estacionou sobre Maceió. Na foto da primeira página, uma vista
aérea do Distrito Industrial, totalmente alagado.
“Chuva mata mais seis pessoas em Maceió, elevando para
20 o número de vítimas do temporal”. Esta foi a notícia relacionada com meio ambiente que
o jornal publicou na edição do dia 3 de junho, n. 27.455, porém sem chamada na primeira
página, apenas com foto em preto e branco e texto, ambos de quatro colunas, ocupando
pouco mais de um quarto da página C-5. Foram ouvidas as mesmas fontes: Defesa Civil,
Corpo de Bombeiros, Radar Meteorológico, Governador Ronaldo Lessa (PSB) e o prefeito
interino Alberto Sexta Feira (PSB). A matéria informava que “2.112 pessoas estão alojadas
em 17 abrigos montados pela Prefeitura de Maceió em escolas, associações de bairro e
igrejas. Na noite anterior, 1.090 pessoas estavam desabrigadas. A chuva destruiu 75 casas e
172
danificou outras 118, de acordo com levantamento parcial feito pela Defesa Civil do
Estado”. A foto mostrava funcionários da prefeitura e moradores procurando sobreviventes
em área de deslizamento.
É interessante observar que no canto inferior esquerdo da
pág. A-10, o jornal publicou, nesse dia (03.06.04), a seguinte nota, de uma coluna por 9
linhas, na seção Toda Mídia, assinada por Nelson de Sá: “As chuvas que caíram sobre
Maceió, em Alagoas, receberam destaque no JN e até em algumas agências internacionais.
Mas a rádio CBN foi a única a registrar que elas atingiram `regiões nobres` da capital e
provocaram até desabamento de mansões”.
A mesma edição trouxe outras notícias sobre
meio
ambiente, todas pulverizadas pelos cadernos do jornal, sem destaque mas com a retranca
“Ambiente”. Uma delas saiu na última página do primeiro caderno, A-16, que é a página do
jornal dedicada aos assuntos de Ciência. Com 18 linhas, assinada pela Sucursal de Brasília, a
nota de uma coluna, no pé direito da página, registrava que duas empresas brasileiras estão
desenvolvendo projeto para retirar do ar 30 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2),
responsável pelo efeito estufa, o que, segundo acordos internacionais, valerá ao país
US$150 milhões em créditos que poderão ser vendidos para empresas e países da União
Européia.
Também no canto inferior direito, desta vez na página C-4,
outra retranca “Ambiente” encabeçava o seguinte título de uma pequena matéria: “ONG diz
que lares de SP são os mais poluídos”. Depois de examinar escritórios e 50 lares, o
Greenpeace teria constatado que “nos lares de São Paulo foram encontradas as maiores
concentrações de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs), substâncias presentes na
fumaça dos carros”.
A terceira edição estudada foi a de 4 de junho, n. 27.456.
Um dos três editoriais do jornal, na página 2, tratava do Dia Mundial sem Tabaco –
celebrado
em
31 de maio daquele ano – quando autoridades sanitárias anunciaram
estatísticas que mostravam a redução do consumo de cigarros no país. Preocupava-se,
entretanto, o editorialista, com o fato de que os bolsões de resistência às campanhas antitabagistas encontram-se entre as “camadas de menor escolaridade e, presume-se, de menor
instrução, que só procuram os serviços de saúde quando as doenças relacionadas ao
tabagismo se tornaram mais difíceis de tratar”.
O Folha Ciência, na pág. A-14, usou um oitavo de página
173
com a retranca “Panorâmica” – que geralmente traz uma boa foto sobre assunto de destaque
– para publicar duas notas, uma sobre meio ambiente e outra sobre biotecnologia. A nota
ambiental de uma coluna dava conta que o governo criou novas áreas de conservação: “Para
comemorar a Semana do Meio Ambiente, de 31 de maio a 9 de junho, o governo criou
ontem, por decreto presidencial, duas florestas nacionais e igual número de reservas
extrativistas”. É importante registrar o pé da nota: “Sem a presença do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, a cerimônia foi esvaziada. Só dois governadores participaram. Foram
assinados convênios com mais de dez estados”. A outra nota – “Liberação de transgênico
tem crítica nos EUA” – informava que o governo americano pretende tornar mais
transparente o processo de aprovação de medidas relacionadas com os transgênicos, em
resposta a críticas recebidas do Centro para a Ciência do Interesse Público.
A coluna Painel S. A. do caderno Folha Dinheiro,
publicava, à pág. B-2, uma breve nota também relacionada com o meio ambiente:
“Embalagens – A Klabin lança o cartão KlaKold, para todos os tipos de embalagens
frigorificadas, desenvolvido em parceria com a Sadia. Reciclável, o produto acarretou
redução de 15% no preço, por ter eliminado pela metade as etapas de produção”.
A página B-10 trouxe ampla matéria sobre a decisão do
Ministério da Agricultura de ampliar a fiscalização e o controle de qualidade da soja
brasileira embarcada para a Ásia, tendo em vista as reiteradas devoluções de navios
brasileiros, pela China, acusados de transportarem soja contaminada com fungicidas.
Manchete da página, com linha fina e box explicativo, a matéria ocupava um quarto de
página mas não tinha foto, começando com uma retranca criativa: “Sinal Amarelo”. Na pág.
C-2 uma nota de serviço explicava o estado das praias do litoral de São Paulo para banho,
informando que das 20 praias poluídas na semana anterior apenas 7 continuavam
impróprias, após monitoramento de 65 praias. A região com pior situação continuava sendo
a cidade de Santos, com três de suas sete praias avaliadas como poluídas.
Na pág. C-3, sob a retranca “Ubatuba” e o título “Prefeitura
é acusada de dano ambiental”, nota de uma coluna registrava que uma área de 3.270 m2 de
mata atlântica foi desmatada pela prefeitura de Ubatuba, segundo o Ministério Público e o
Batalhão de Polícia Ambiental da cidade.
A sessão Panorâmica do caderno Cotidiano publicava, na
pág. C-3, uma boa foto (ainda que visivelmente ensaiada) relacionada com o meio ambiente.
Trata-se do fenômeno da invasão de caramujos que ocorre nesta época mais úmida do ano
174
na zona norte do Rio de Janeiro.
No sábado, dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente,
a edição n. 27.457 publicou poucas matérias sobre o assunto. Nenhuma na primeira página.
Na página 2, nenhum editorial. Na última página do primeiro caderno, o Folha Ciência
trazia uma matéria de três colunas por 9cm, com foto colorida ao lado, do mesmo tamanho.
O texto tem a retranca “Ambiente” seguida da linha fina “Espécies em risco são ainda
pouco compreendidas”, acima do seguinte título: “ONU diz que pesca insustentável é maior
ameaça à proteção de corais”. O alerta da ONU lembrava que os corais – ainda pouco
estudados - podem ser a chave para novos medicamentos e que estão sendo destruídos pela
pesca predatória, pela exploração de petróleo em alto mar, pela instalação de cabos
submarinos etc, conforme Klaus Töpfer, líder do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente-PNUMA.
Na pág. 6 do caderno B, o jornal deu prosseguimento à
retranca do dia anterior, “Sinal Amarelo” sobre a rejeição da soja sul americana pela China
sob acusação de contaminação por herbicidas. Embora igualmente sem foto, a matéria estava
mais contextualizada que na edição anterior. Um box mostrava que a soja é, de longe, o
principal item na pauta de exportações para a China, com US$ 355,8 milhões exportados de
janeiro a abril deste ano. Outro box tentava explicar a conduta chinesa e divulgava versões
segundo as quais a China teria feito compras na América do Sul quando o produto estava
em alta e agora estaria usando de estratégia para forçar a revisão dos contratos. O box ainda
informava que nos últimos dois meses 239 mil toneladas de soja brasileira já foram
devolvidas pela China.
A parte da edição dedicada ao público infantil, o
suplemento Folhinha deu três notas ilustradas sobre meio ambiente. Uma na pág. F 2, sobre
instalações com lixo reciclável no Sesc Interlagos, e outra na pág. F-3, sobre a decisão do
governo austríaco de adotar um regime de férias para os animais que trabalham em circos,
além de proibir a mutilação de rabos de cachorros.
Na mesma página, com mais destaque, uma reportagem
também ilustrada com foto colorida, acompanhada de um box com mais duas fotos
coloridas, menores, contava para as crianças como foi a mortandade criminosa de bichos no
Zoológico de São Paulo, onde 73 animais já morreram em situação "ainda misteriosa", pois
"as investigações continuam". No box uma nota sobre a volta da macaquinha Fafá que tinha
ficado muito triste com a morte de seu companheiro de jaula, o macaco Felipe, e passara
175
quatro meses de isolamento no hospital veterinário. Abaixo da foto de Fafá, duas pequenas
fotos mostravam um mico-leão-dourado e dois bisões, habitantes do lugar.
A última edição pesquisada foi a de n. 27.458, que circulou
no domingo, dia 6 de junho. Se durante a Semana do Meio Ambiente quase nada de
relevante foi publicado sobre o tema, se no Dia Internacional do Meio Ambiente (5 de
junho) também nada se publicou, o mesmo ocorreu nessa edição do domingo, dia em que o
jornal atinge seu maior índice de leitura, quando o valor do exemplar, no interior de São
Paulo, mais exatamente em Bauru, local desta pesquisa, passa de R$ 2,20 para R$ 3,50,
esgotando-se logo pela manhã nas bancas. Nessa edição foi dada continuidade à polêmica da
soja, agora com a China rebatendo as acusações dos produtores de que estaria denunciando a
presença do fungicida Carboxin (usado no tratamento de sementes destinadas ao plantio e
que estariam misturadas com a soja para consumo humano, conforme constatado nos navios
devolvidos), segundo publicado às páginas B-1, B-4 e B-5. A seqüência de matérias revelava
que o Brasil perdeu US$ 1 bilhão com o veto chinês à soja brasileira, por isto o Ministério
da Agricultura estava anunciando enérgicas providências de fiscalização para evitar a
contaminação do produto exportado. Pela primeira vez as reportagens sobre a soja traziam
uma foto destacada no alto da página B-4, colorida, em 4 colunas, documentando (grifo
nosso) a fiscalização do produto.
Na página B-12 havia apenas um
Informe Publicitário
(coluna paga) do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São PauloSindusCon elogiando o lançamento, na semana anterior, em São Paulo, do manual
“Madeira: Uso Sustentável na Construção Civil” – iniciativa do IPT-USP, Prefeitura
Municipal de São Paulo e SindusCon, destinado a orientar os consumidores na compra da
madeira adequada a cada uso e na destinação dos resíduos, visando preservar as florestas
nativas e as espécies hoje escassas, como a peroba-rosa e o pinho-do-paraná.
2. Análise
A pesquisa demonstra que o maior jornal do país ignorou a
Semana do Meio Ambiente. Se atribuirmos o “valor-notícia” das fotos sobre Maceió ao
efeito tragédia e se concordarmos que a cobertura sobre a soja está mais relacionada com o
agronegócio do que com o meio ambiente, sobram apenas notinhas esparsas, sem foto, ou
176
então matérias ilustradas com fotos que não passam mesmo de “ilustração”, como veremos,
restando apenas uma foto do tipo “documento”, que é a dos caramujos, mesmo assim sem
texto e ensaiada. Nenhum pauteiro achou interessante propor reportagens e entrevistas sobre
o tema da semana, embora a televisão tenha apresentado, na ocasião, sucessivas reportagens
denunciando a extinção da Mata Atlântica que em 1500 ocupava 15% do território nacional
e hoje está reduzida a menos da metade: 7%, conforme a ONG S.0.S Mata Atlântica,
constatando-se também que há mais pobreza e miséria, hoje, onde o desmatamento foi
maior.
Porque o jornalismo ambiental é tão fraco e tão
desprestigiado no Brasil?
Para responder a este questionamento, busquemos, de
início, uma definição para este tipo de especialização profissional que tem suas bases no
Jornalismo Científico, ou no jornalismo de investigação, isto é, no melhor jornalismo de
aprofundamento. Estamos falando da divulgação de fatos, processos, estudos e pesquisas
relacionados com a preservação do meio ambiente e da biodiversidade apenas, ou também
falamos de um jornalismo que coloca o homem no centro de suas preocupações? Este
dilema está na base do enfrentamento que se dá entre os que praticam o chamado
ecologismo 1 e os que vêem nas preocupações ambientais apenas uma ideologia de esquerda
destinada a conturbar o crescimento econômico do país. Os mais conservadores,
especialmente os de orientação neoliberal,
entendem que precisamos antes cuidar dos
problemas sociais, da pobreza extrema, da falta de saneamento para depois iniciarmos a
batalha de salvamento do mico leão dourado e da ararinha azul. Estes, porém, confundem a
preocupação ambiental, como um todo, com alguns setores do movimento ecológico que
trabalham pela salvação de espécies em extinção, trabalho este muito meritório, diga-se...
Também se esquecem que os problemas relacionados com a pobreza se agravaram
exatamente nos últimos 300 anos de crescimento ilimitado da economia à custa da natureza,
sendo, aliás, motivo de justa preocupação dos que se ocupam realmente do ambientalismo.
Na verdade, trata-se de um falso dilema, pois, como diz o presidente da Fundação O
Boticário de Proteção à Natureza, Miguel Milano: 2
1
Projeto político de transformação social, baseado em princípios ecológicos e no ideal de uma sociedade não
opressiva e comunitária. Defendido pelo Partido Verde na Alemanha e na França, como já vimos, este
princípio consagra a idéia de que não bastam medidas parciais de proteção ambiental. Trata-se de ampla
mudança na economia, na cultura e na própria maneira dos homens se relacionarem entre si e com a natureza.
2
Engenheiro Florestal, professor da UFPR e da Colorado State University, nos EUA, criador do primeiro curso
de pós-graduação em Ecologia do país.
177
Corremos o risco de matar os recursos naturais e inviabilizar o próprio desenvolvimento. Nossa
população já é tão grande e nosso território já foi tão devastado que não é possível suprir primeiro as
deficiências econômicas para depois discutir proteção ambiental. As duas coisas têm que ser feitas
juntas. (Época, São Paulo, 7 jun. 2004, ed. n. 316, p. 58 - 60). 3
Mas, retomando o campo das definições, que se entende
por jornalismo ambiental? Para Miguel Montaño:
se puede establecer como periodismo ambiental aquél que se ocupa de la información de actualidade
que contextualice, analice los procesos y enumere los efectos de aquellas intervenciones relacionadas
com la naturaleza y el médio ambiente y en especial de aquellos aspectos que tienen que ver com su
degradación. (MONTAÑO, 1999). 4
O autor fala-nos de um noticiário atual e contextualizado,
duas características que envolvem todo o empenho do profissional no sentido de manter
boas fontes de informação e de não poupar esforços para explicar os fatos dentro da situação
onde eles ocorrem, tendo em vista , mais uma vez, que nada está isolado, principalmente
quando se fala de meio ambiente. Desenvolvimento econômico e meio ambiente, como
também já vimos, estão fortemente relacionados.
Mesmo quando o jornalismo ambiental evita envolver-se
com as várias correntes do movimento ecológico, buscando a prática objetiva da informação
ambiental, desprovida de ideologia, esta é uma atividade que não está isenta de um certo
ativismo, tendo em vista que os meios de comunicação são o único instrumento capaz de
educar as pessoas na escala necessária visando uma mudança de comportamento. Filtrando
os interesses em jogo, o jornalista especializado em meio ambiente deve ter em mente que o
seu texto, a sua foto, não visam apenas dar uma informação superficial, visam, na verdade,
sensibilizar as pessoas para que engrossem a luta pela defesa do ambiente. Esta
especialidade “tem uma função educativa. É necessário que os futuros jornalistas tenham
presente a importância do jornalismo ambiental na formação dos cidadãos”, argumenta a
professora Ilza Girardi Tourinho, responsável pela introdução da disciplina "Jornalismo
Ambiental" na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Segundo ela “mais que uma
especialização, o jornalismo ambiental envolve uma visão de mundo comprometida com
3
Cf. revista Época, São Paulo, 7 jun. 2004, ed. n. 316, p. 58-60.
Cf. MONTAÑO, M. Periodismo Ambiental en Canal Sur Televisión. Universidad de La Laguna-Tenerife-ES.
In: Revista Latina de Comunicación Social, n. 6 abr. 1999.
4
178
novos parâmetros de convivência e solidariedade”. 5
Significa, naturalmente, atribuir ao jornalismo ambiental
uma motivação mais ampla, uma garra maior, um espaço mais adequado diante do seu
alcance e significação. Não é o que vemos, porém, nas edições analisadas nesta pesquisa.
Conforme descrito no estudo da forma e do conteúdo, em muitas situações as notícias foram
dadas em minúsculas notas de pé de página. Matérias maiores – como a da soja – mereciam,
desde o início da cobertura, uma boa foto colorida porque tratava-se de identificar sementes
(destinadas ao plantio, por isto mesmo de cor diferente devido ao tratamento com herbicida),
impróprias para consumo humano, misturadas com a soja exportada. Em outras situações, as
fotos foram usadas mais como ilustração – no caso do tigre siberiano da matéria sobre férias
para os animais austríacos – do que como documentação, pois tratava-se de mostrar animais
em situações de trabalho (em circos, em serviços policiais, em transportes de cargas, em
trabalhos no campo etc), portanto credenciados às referidas “férias” que acabaram de ser
criadas. Outras fotos, como na matéria sobre os corais, parecem explorar muito mais a
plástica da imagem que seu conteúdo informativo, usando-se a foto apenas para chamar a
atenção do leitor, já que não é possível identificar “no conteúdo da foto” algum tipo de dano
causado pela ação da pesca. Todo o corpus da pesquisa revela que o fotojornalismo tem sido
usado, no impresso, com a mesma displicência que se usam as imagens na TV, valorizandose o espetáculo da estética – inclusive com frias fotos de arquivo – sem maiores
preocupações com o caráter ético de documentação que é próprio da fotografia, conforme
KOSSOY(1989, p. 20). A foto dos corais foi extraída da revista “Science” - como dá conta
o crédito -
enquanto a foto do tigre siberiano - do fotógrafo Gerhard Gradwoht, da
Associated Press -, “ilustrando” uma decisão atual do governo austríaco, foi tirada em 27 de
maio de 1999, portanto cinco anos antes. Até mesmo as fotos do zôo de São Paulo haviam
sido produzidas três meses atrás.
Quando nos propomos a estudar fotos assim, desvinculadas
da realidade, constatamos que essa atitude de impingir ao leitor fotos de arquivo como se
5
"O movimento ecológico e o jornalismo ambiental, desde o início dos anos 1970, têm dado um bom
exemplo de compromisso com a cidadania na medida em que foram os primeiros a colocar na ordem
do dia conceitos e discussões que ficavam até então restritos às instituições de pesquisa e
universidades. Com o tempo as pessoas começaram a entender o que é poluição, o que é agrotóxico,
qual o problema da camada de ozônio, para ficar só nestes exemplos, e a se somarem aos grupos que
reivindicam melhoria da qualidade da água, do ar, do solo, enfim, da vida. Cf. Entrevista ao jornalista
Juarez Tosi, da EcoAgência de Notícias - http://www.ecoagencia.com.br. Acesso em: 20 dez 2004.
Cf. também http://www.boletinbit.tv.es - Información para profesionales de la TV. Acesso em: 9
out. 2003.
179
fossem atualizadas, contraria os cânones da fotografia, se considerarmos fundamentações
clássicas como em ANDRÉ BAZIN. 6 Ora, a gênese de uma foto tirada cinco anos atrás como no caso do tigre siberiano – não pode estar presente na foto agora apresentada em
outro contexto, totalmente diverso, por isto ela se reveste de mero caráter ilustrativo, sem
condições de “documentar” o fato a que se refere. Claro, também, que o leitor comum não
percebe tais detalhes, mas o exemplo remete a outros procedimentos igualmente
condenáveis de alterar, digitalmente, a foto original de modo a torná-la “mais plástica” –
como na bonita foto dos corais – ou menos agressiva – como ocorreu no atentado de Madri,
em 2004, em que vários jornais do mundo apagaram digitalmente a imagem de uma perna
humana que aparecia, isolada do corpo, no canto inferior esquerdo da foto, como já citado.
Não é possível pensar a fotografia fora do seu ato constitutivo (DUBOIS, 1994, p. 59), por
isto qualquer alteração é uma descaracterização, é uma manipulação do real acontecido.
Quando fazemos a opção de recorrer a uma foto fria, de arquivo, para ilustrar um fato
quente, do momento, certamente nos enquadramos na crítica que FRANCASTEL, (1993, p.
16) faz ao método educativo de Piaget por ignorar a arte:
Evitemos substituir o mito do realismo – tão poderoso desde o Quatrocentos – por aquele de um
estruturalismo que aceitaria a idéia de modelos de certa forma pré-fabricados e que o artista deveria
descobrir em vez de criar.
Atendo-nos ao que o fato representa em si, buscando ser fiel
ao acontecido, sem máscaras ou manipulações, estaremos passando ao leitor uma mensagem
mais transparente, mais clara, mais honesta, no que ainda podemos concordar com
FRANCASTEL (1993, p. 16): “O artista cria objetos para permitir à sociedade tomar
consciência dela mesma e comunicar as outras suas hipóteses” .
Ademais, a imagem pertence ao seu contexto, isto é, remete
sempre ao instante de sua produção, “ela não fala daquilo que não é mais, mas apenas, e com
certeza, daquilo que foi”. (BARTHES, 1984, p. 123). Como podemos compreender a bela
imagem do coral se ela nos fala de um instante passado que já não tem a ver com o fato
atualmente denunciado sobre os danos causados pela pesca? Essa falta de coerência entre
texto e imagem, entre passado e presente, entre a intencionalidade do ato fotográfico e a
6
“A característica essencial da imagem fotográfica deve ser procurada não no resultado, mas na
gênese”. Citado por Philippe Dubois (1994, p. 66).
180
contingência representada, remete-nos ao questionamento de DENIS ROCHE
7
sobre o que
interessa ver na foto: “A questão, decerto, não é mais ´qual a questão que nos é colocada
por uma foto?`, nem ´o que um filósofo pode fazer com uma foto?`..., mas, antes, “com
que uma fotografia pode ter algo a ver desde o momento em que se faz?”
Quando produzida junto com o texto escrito, isto é, no
mesmo tempo do fato acontecido, a fotografia complementa a informação, dando-lhe uma
dimensão de contexto histórico, ajudando o leitor a entender melhor do que se trata, pois ali
estará presente não uma imagem casual, mas um material jornalístico produzido com
determinada intencionalidade em relação ao fato noticiado ou acontecido. É assim que
podemos compreender melhor a informação sobre a tragédia de Maceió conferindo o
Distrito Industrial inundado ou a cena dos trabalhadores procurando vítimas nos escombros.
É o caso da foto mostrando a infestação de caramujos no Rio. O fotógrafo participou do
evento
noticioso,
acompanhou
o
repórter,
produziu
a
foto
com
determinada
intencionalidade, com o objetivo de esclarecer, de explicar, de completar a matéria. Foi a
única foto – nesta pesquisa – que documentou um fato ambiental, embora a falta de texto
revele o descaso do editor com o assunto, tratado de forma meramente episódica e sem
importância, como que cedendo à falsa premissa de que uma foto vale por mil palavras. A
este propósito, citado por KOSSOY (1989, p. 51), JEAN KEIM
8
esclarece:
Se a fotografia julga-se um documento e quer ser apresentada como tal, as informações escritas são de
primordial importância. Esta verdade elementar é freqüentemente esquecida pelos que consideram que a
fotografia basta-se a si mesma. A informação escrita é essencial.
Mesmo quando reconhecemos a impossibilidade da
neutralidade no jornalismo, teremos muito mais coerência na foto atual, criada, que na foto
“arranjada”, “descoberta” no arquivo. O professor BORIS KOSSOY (1989, p. 53) esclarece
bem a este respeito, em seu clássico “Fotografia e História”:
A fotografia não é apenas um documento por aquilo que mostra da cena passada, irreversível e
congelada na imagem, o assunto; faz saber também de seu autor, o fotógrafo, e da tecnologia que lhe
proporcionou uma configuração característica e viabilizou seu conteúdo.
7
8
Citado por DUBOIS, 1994, p. 58.
Cf. Histoire de la Photographie. Paris: Presse Universitaire, 1970:84.
181
Quando o jornal utiliza antigas fotos de arquivo para
“ilustrar” informações atuais – por comodidade ou para não ter de comprar a foto
verdadeiramente jornalística e documental – certamente está usando a foto como mera
descrição 9 e não como parte do texto informativo.
O uso inadequado do fotojornalismo no noticiário ambiental
e os minguados espaços de fim de página parecem identificar que esta especialização
profissional ainda é vista com muitas reservas por parte de editores e mesmo de empresários
da mídia. Com melhor aproveitamento, este tipo de noticiário poderia contribuir mais
significativamente para o engajamento de todos na tarefa de limpar o mundo e mantê-lo
limpo para as futuras gerações. Não é o que sentimos, entretanto, quando, trafegando atrás
de um veículo, percebemos, de modo bastante constrangedor, adultos e crianças atirando
lixo sobre o asfalto, até mesmo pontas de cigarro ou latas de alumínio, pedaços de papel,
restos de comida, tanto nas rodovias como em plena área urbana. Mais grave ainda é
constatarmos, no noticiário, que o desmatamento das florestas avança, apesar de tudo, para
dar lugar ao agronegócio, e que os animais silvestres continuam sendo contrabandeados no
bojo da biopirataria, entre tantos outros males ambientais que se perpetuam renitentemente.
Não se pode colocar toda a culpa no governo, mas tanto a
imprensa quanto os órgãos públicos deveriam se empenhar mais em uma campanha
permanente a favor do meio ambiente, acima de ideologias ou de denominações políticas. O
exercício da cidadania e da civilidade, por uma vida mais saudável, não deve ser
confrontado com a tendência ideológica do indivíduo, mas sim com sua noção de
patriotismo e de cidadania, melhor ainda, de cidadão do mundo, tendo em vista a integração
total de tudo e de todos. Não podemos ser, ao mesmo tempo, o cidadão que navega nas
estrelas e que joga lixo na rua. Não faz sentido.
A mídia
tem o poder de educar. Exemplo de
seu bom êxito, neste particular, é a continuada campanha contra o
hábito de fumar. É bem verdade que os meios de comunicação foram
obrigados a abrir mão da gorda receita publicitária proveniente dos
anunciantes de cigarro, já que a publicidade foi proibida pelo governo.
D e q u a l q u e r f o r m a o a p o i o a o a n t i - t a b a g i s m o r e s u l to u e m g r a n d e a v a n ç o ,
9
Cf. KOSSOY, 1989, p. 53.
182
segundo provam as estatísticas em todo o mundo. 10
Considerado o poder da mídia, o que se poderia
esperar, por exemplo, se as pessoas fossem persuadidas
- através de reportagens
devidamente contextualizadas e bem apuradas – a levarem menos plástico para dentro de
casa, especialmente para a cozinha? Isto significaria utilizar containeres ou sacos recicláveis
para acomodar as compras feitas no supermercado ou na padaria. Significaria voltar a
preferir garrafas de vidro na hora de comprar cerveja e refrigerante. Afinal, sabemos que o
plástico leva 450 anos para se incorporar à natureza. Também sabemos que, somente no
Brasil, mais de 700 milhões de sacos plásticos são utilizados mensalmente, apenas nos
supermercados, enquanto nos EUA e no Canadá o setor de plásticos cresce mais rápido que
o de manufaturas, como vimos no capítulo sobre Consumismo. No entanto, o plástico é o
maior poluente de oceanos e praias. No último dia 7 de maio o site BBC Brasil divulgou
nota da revista Science, segundo a qual pesquisadores da universidade de Plymouth
coletaram amostras de 17 praias e estuários da Grã-Bretanha e constataram, entre as
partículas não-naturais, uma variação de plásticos ou polímeros, incluindo nylon, poliéster e
acrílico. Tais evidências também foram encontradas no aparelho digestivo de minhocas e
crustáceos.
Um pauteiro não precisaria ser muito criativo para se
indagar onde vai parar tanto plástico que as pessoas levam para casa e o que poderia ser feito
para diminuir o impacto ambiental que este hábito, aparentemente tão inofensivo,
provoca na natureza. Mas seria preciso juntar a informação globalizada da agência de
notícia com a situação real do seu país, do seu estado, da sua cidade. Será que faltam
assuntos para um bom caderno na Semana do Meio Ambiente? Além do plástico há
problemas
graves que afetam o mundo e todos nós como o lixo, 11 a escassez de
água, 12
10
No Brasil, o hábito de fumar atingia quase um terço dos habitantes em 1989. Hoje os fumantes são apenas
17%, uma redução de aproximadamente 50%, segundo a OMS.
11
Pesquisas revelam que cada pessoa produz, ao longo da vida, 25t de lixo. Ora, até o final do século
a população mundial terá crescido dos atuais 6,5 bilhões de habitantes para algo em torno de 14
bilhões...onde colocar tanto lixo se ele continuar crescendo na mesma proporção? Cf. Lester Brown,
presidente do WWI-Worldwatch Institute e do EPI-Earth Policy Institute http://www.wwiuma.org.br/.
12
Dados da ONU revelam que nos próximos 20 anos a média mundial de abastecimento de água por
habitante diminuirá em um terço. Os mais atingidos serão os países pobres. As crianças nascidas em
países desenvolvidos consomem de 30 a 50 vezes mais água do que as dos países em desenvolvimento.
A maioria dos 80 milhões de pessoas que são adicionadas à população mundial, a cada ano, está sendo
adicionada em países que já sofrem escassez de água. Numa economia mundial cada vez mais
integrada, a escassez de água cruza fronteiras através do comércio de grãos, uma vez que são
183
necessárias 1.000t de água para a produção de 1t de grãos...assim, a guerra futura pela água se dará no
comércio internacional de grãos, segundo avaliação de Lester Brown.
184
a poluição química, 13 o aquecimento do clima 14 etc.
Não falta assunto para pautar o meio ambiente, mesmo
quando o jornalista se lembra que o jornal não é dele, é do patrão, como observa ABRAMO
(1988, p. 110).
Neste ponto é necessário refletir
sobre a questão
econômica, pois se os meios de comunicação são controlados pelas elites empresariais do
país – e assim também é no mundo - se eles visam apenas o lucro porque a notícia é um
produto à venda, como ensina MEDINA (1988), afinal, se todos visam apenas o lucro e não
o bem-estar das pessoas, porque abrir espaço para um jornalismo que vai refrear o consumo
e, consequentemente, reduzir o faturamento dos negócios? Embora aparentemente
escandalizados com o que se passa no mundo, neste momento, será que os empresários de
comunicação – e muitos jornalistas mais realistas que o rei - pensam muito diferente do Sr
Bush, para quem “o negócio da América são os negócios”?. Para Ignácio Ramonet, do Le
Monde Diplomatique,
a imprensa está contaminada pela ganância, pela subserviência, pela busca desenfreada do lucro. É
pautada pelo individualismo racionalista, frio, calculista, superficialista. Ela valoriza mais o espetáculo,
o consumismo, o desperdício. (Le Monde Diplomatique, 2002, p. 38). 15
13
Se é verdade que a Amazônia é o pulmão do mundo e que a floresta faz a limpeza do ar que respiramos na
América do Sul, segundo pesquisadores de prestígio, e se é verdade que tudo está integrado, que os danos
ocorridos em algum lugar do planeta acabam atingindo a todos, como ignorar as toneladas de veneno que estão
sendo despejadas sobre a Amazônia Colombiana para combater o narcotráfico? O Plano Colômbia já provocou
a contaminação de mais de 1 milhão de hectares da floresta com agentes químicos como o Round up Ultra,
cujo efeito é 26 vezes maior que o permitido pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA para uso agrícola.
Outro que preocupa é o fungo Fusarium Oxysporium, produzido pelo Departamento de Agricultura dos EUA.
Segundo a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) as fumigações estão matando as
crianças indígenas e destruindo a biodiversidade da região amazônica, ameaçando a segurança alimentar da
população, dizimando a flora e a fauna. (Cf. Sem Fronteiras Web – Notícias de um Novo Mundo).
14
Responsáveis por quase um quarto das emissões globais de dióxido de carbono, os EUA recusam-se a
assinar o Protocolo de Kyoto. Enquanto isto o efeito estufa, causado pela presença de CO2 derivado da queima
de combustíveis fósseis, aquece o clima da terra e provoca o derretimento das geleiras, causando elevação no
nível do mar. Mapa do Banco Mundial revela que a previsão de elevação de um metro até o final do século
inundaria metade dos arrozais de Bangladesch, forçando seus 134 milhões de habitantes a migrar. Um terço de
Xangai ficaria submerso. Donald F. Boesch, do Centro de Ciências Ambientais da Universidade de Maryland,
calcula que para cada milímetro de elevação, a faixa litorânea regride, em média, 1,5 metro. Assim, o mar
recuará 1.500 metros com uma elevação de 1 metro. Durante o século XX o nível do mar já subiu de 20 a 30
centímetros.
15
Cf. Le Monde Diplomatique (Cadernos Diplô), 3 jan. 2002, ed. n. 3, p. 38.
185
Este modo de abordar a questão parece deixar claro que as
empresas de comunicação, longe de serem uma promessa de solução para os problemas
ambientais ou de educação para a mudança, são parte do problema, daí a visível má vontade
com o jornalismo ambiental. Naturalmente esta é uma situação que vai mudar porque a
mídia terá que responder às demandas sociais por um ambiente mais saudável, assim as
concessões atuais de minguados espaços e fotos de arquivo tenderão a se ampliar até que o
JA se firme em seu lugar de destaque. Enquanto isto o que se tem visto é um grande
crescimento do debate sobre ambientalismo em veículos menos dependentes do poder
econômico, como a Internet e os jornais alternativos. A este propósito, TOURINHO (2003)
afirma:
Creio que o jornalismo ambiental tem muito futuro, mas temos que mudar a mentalidade dos
empresários e também temos que utilizar outros meios. Por exemplo, os meios comunitários, como o
jornal do Movimento dos Trabalhadores sem Terra-MST, um jornal que tem uma visão crítica sobre
esses temas ambientais, como no caso dos transgênicos. Por isto digo aos meus alunos que é preciso
buscar meios alternativos para mudar a situação. (Entrevista em 2003). 16
3. Considerações
Das indagações aqui levantadas, resulta que o jornalismo
ambiental é um modo de ver a realidade, não se tratando apenas de coletar e difundir
notícias, mas de difundir conhecimentos, criar consciência e incentivar a transformação de
práticas e comportamentos danosos ao meio ambiente e, logo, prejudiciais à vida, em toda a
sua extensão. Não se pode prescindir da imagem, enquanto documento, neste tipo de
jornalismo científico 17 porque a imagem, juntamente com a boa apuração, será a grande
aliada do texto persuasivo. Todavia, como se observou na pesquisa, nem sempre o jornal
usou fotografias nas matérias ambientais. Quando o fez, explorou apenas o aspecto
ilustrativo da fotografia, o que confere à notícia um caráter de mero entretenimento (como
16
Em entrevista ao site espanhol Boletinbit.tv – Información para profesionales de la TV, em
09.10.2003.
17
"O jornalismo ambiental deve ser tratado como um campo do Jornalismo Científico, que, pela
importância assumida na atualidade, precisa ter uma abordagem diferenciada, porque hoje, mais do
que nunca, estamos discutindo o futuro do Planeta. [...] esta é uma discussão que envolve todos os
setores, muitos dos quais já estão se especializando para atender as novas demandas da sociedade".
Cf. Ilza Tourinho. In: entrevista ao jornalista Juarez Tosi (ibid).
186
nas fotos do zoológico) ou de espetáculo (como na apresentação do tigre ou dos corais), em
prejuízo da função educativa da informação. Esse modo frio e distante de tratar a questão,
talvez explique o próprio desinteresse do público pelos temas ambientais, ou pela reflexão
que eles poderiam despertar. O que se tem visto é muita confusão de linguagem, muitas
vezes tratando-se como jornalismo ambiental o que não passa de agronegócio, 18 ecoturismo
ou jornalismo-catástrofe. A falta de arcabouço teórico que forneceria as bases para a
linguagem, a forma e o conteúdo adequado a esta especialização, resulta no jornalismo
ambiental que temos hoje, apenas preocupado com a veiculação de notícias oficiais ou com
um denuncismo insubsistente e escandaloso, às vezes até chantagista e inconfessável. Ao
contrário do que já acontece em muitas universidades da Europa e dos EUA - conforme
observado anteriormente -
em nosso país há pouquíssimos cursos universitários, na
graduação ou na pós-graduação, preparando os futuros jornalistas especializados em meio
ambiente. Se não há ensino, é natural reconhecer que também não há pesquisa, o que
empurra para um horizonte remoto o preenchimento dessa lacuna na área acadêmica,
deixando o Brasil bem atrás da própria América Latina onde prosperam centros de estudos a
respeito, em todos os níveis e nos mais variados fóruns.
Os estudantes de jornalismo também podem concluir, no
que se refere à prática profissional, que esta especialização exige uma indispensável prova
de coerência do próprio jornalista. O repórter que não está em harmonia com ele mesmo e
com a vida (de bem com o mundo, como se diz), não vai conseguir ser convincente quando
tiver que pautar, apurar, escrever, fotografar ou editar sobre meio ambiente, vida
saudável, desenvolvimento sustentável, tecnologia limpa, biodiversidade etc. Afinal,
jornalismo é emoção, é vida, e só quem está vivo pode falar de vida, com vida, esperança e
18
Depois de viver por quatro séculos de costas para o interior, o Brasil descobriu [de repente] a
competência do seu produtor rural. De Jeca Tatu, o agricultor virou celebridade, com direito a capa de
Exame e matéria especial no Jornal Nacional, da Rede Globo. Na verdade foi a imprensa estrangeira
- Newsweek, Financial Times e New York Times - e não a cabocla, quem primeiro descobriu a
força do agronegócio brasileiro. [De fato] o país lidera a produção mundial de soja, suco de laranja,
açúcar, carne bovina e frango. O agronegócio, responsável por 30% do PIB do país, deve exportar
US$ 30 bilhões [em 2004], o dobro da receita apurada em 2000. O setor, portanto, merece respeito e
destaque na mídia. O que preocupa é a qualidade da cobertura, que nos parece superficial e ufanista.
A maioria das reportagens comemora a conquista do cerrado pela agricultura, sem dedicar uma linha
que aponte os riscos para o ambiente com a expansão desenfreada da soja na região [amazônica].
Fala-se no sucesso do camarão do Nordeste, produto que ganhou mercado no exterior, mas não se
menciona os impactos desta produção sobre o frágil ecossistema do litoral nordestino. Destaca-se a
excelência da nossa pecuária de corte, hoje líder no mercado mundial de carne bovina, mas não se
aponta o crescente desmatamento na Amazônia [com impactos sobre o clima e o efeito estufa] para a
implantação de pastagens. Cf. Bruno Blecher, Observatório da Imprensa
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br . Acessado em 08/09/2004.
187
fé. Schopenhauer pode até dizer que "a vida é um negócio que não cobre os seus custos", 19
mas não é o que pensa Fichte, por exemplo, ao dizer que "nada tem valor e significado
incondicionados, a não ser a vida; todo o demais, pensamento, invenção e saber, só tem
valor na medida em que de algum modo se refere ao que é vivo, parte dele e visa refluir
para ele". 20
É permitido deduzir, afinal, que o jornalismo ambiental não
convence porque os jornalistas não estão convencidos. Estão muito “conformados” com a
linha editorial das empresas onde atuam, com manuais de redação que reduzem e bitolam,
sem capacidade de ousar e pensar, sem a emocionante experiência de se sentirem livres.
Muitas vezes nem mesmo os grandes jornais são tão livres como apregoam. Vejamos o que
diz um dos principais autores de Jornalismo Literário de todos os tempos, Gay Talese, a
respeito da imprensa, ao analisar a pseudo independência editorial do New York Times,
especificamente do jornalismo “chapa branca” que o jornalão tem praticado no caso da
invasão do Iraque:
O problema é que ela [a imprensa] não relata a notícia porque não a vê. A notícia é entregue à mídia
por alguém – pelos generais, pelo pessoal de relações públicas do presidente. No afã de conseguir
informações de dentro, exclusivas, os jornalistas se tornam `embutidos` justamente com as pessoas das
quais deviam estar desvinculados. (TALESE, Folha de S. Paulo, 2004). 21
Este tipo de militância certamente exigirá, por igual, um
posicionamento político que aceite lutar por um outro modo de ver o mundo, com um olhar
que vá além dos negócios, que possa contemplar o belo e o simples, o singelo e o feliz, o
autêntico e solidário. Só um jornalismo assim, emocionante e vivo, conseguirá superar a
passividade do homem moderno, situado em um contexto econômico erigido,
desafortunadamente, pelo neoliberalismo que privilegia o individualismo, o “salve-se quem
puder”, o alheamento diante das questões coletivas, a total ausência de solidariedade perante
19
Cf. O Mundo como Vontade e como Representação, vol. II, 1844, cap. "Da nulidade e do
sofrimento da vida", citado por TANNER, M. in Schopenhauer - Metafísica e Arte. São Paulo:
Editora Unesp, 2001, (Coleção Grandes Filósofos), p. 24.
20
Cf. FICHTE, J. G., citado por TORRES FILHO, R. R. O Espírito e a Letra. São Paulo: Ática,
1975, p. 54. In GOETHE, J.W. Doutrina das Cores. Apresentação e tradução de Marco Giannotti.
São Paulo: Nova Alexandria, 1993, p. 21.
21
Entrevista a Rafael Carrielo, de Nova York, para a Folha de São Paulo, 6 jun. 2004.
188
o problema “do outro”, sem se dar conta que o “outro” é ele mesmo do ponto de vista do
“outro”, ou seja, que nada nem ninguém está isolado. Tudo atinge a todos. Já se falou muito
sobre isto e ainda hoje é preciso correr o risco de ser olhado como lunático ou
desequilibrado para pensar em menos consumismo, menos concorrência, menos arrogância
e mais felicidade. Talvez este seja o espaço adequado para transcrever Oscar Niemeyer: 22
Sentia que essa preocupação com a modéstia e a importância que poderia assumir em qualquer
movimento de caráter político nunca tinham sido devidamente valorizadas. O que parece justificar o
empenho com que a elas costumo voltar, certo de que, mais modesto, o homem será um dia mais feliz.
O próximo capítulo está dedicado a uma pesquisa mais
aprofundada no corpus especificamente selecionado para esta tese, onde será possível
examinar, mais detidamente, algumas questões levantadas, neste capítulo e nos anteriores,
sobre o jornalismo ambiental, com o objetivo maior de interessar os alunos de comunicação
social, e públicos afins, na pertinência deste debate, mediante o indispensável olhar crítico
sobre o que está sendo produzido a respeito. Com tal objetivo examinaremos novamente o
jornal Folha de S. Paulo, desta vez por um período maior de tempo, e, também, um jornal
do interior do país, o Jornal da Cidade, de Bauru - SP. A grande indagação é:
- Tal como são feitos, os jornais ajudam a educar para o
comportamento ambiental correto?
22
Cf. Folha de S. Paulo, seção Tendências e Debates, 06/06/2004.
189
A NOTÍCIA AMBIENTAL NO
JORNAL IMPRESSO
1.
Descrição do Método
2.
Descrição da Mostra
3.
4.
2.1
Jornal n. 1
2.2
Jornal n. 2
Análise dos Dados Coletados
3.1
Quantidade de matérias publicadas
3.2
Assuntos mais noticiados
3.3
Visualização das matérias
3.4
Gênero das matérias
3.5
O lugar das matérias
3.6
As fontes de notícia
3.7
Quem faz a notícia
3.8
Global ou local?
Conclusão
190
Capítulo 7
A NOTÍCIA AMBIENTAL NOS
JORNAIS IMPRESSOS
Was íst denn die wissenschaft? Sie ist nur des
Lebens Kraft. Ihr erzeugt
nicht das Leben. Leben muss erst Leben geben. 1
GOETHE
1. Descrição do Método
Já vimos que o pensamento sistêmico é a base para uma
alfabetização ecológica da sociedade. Portanto, se a responsabilidade de melhorar o nosso
mundo toca a cada um de nós, em particular, toca também, com muito maiores motivos, aos
meios de comunicação, por seu compromisso social e por seu poder de influenciar o modo
como as pessoas pensam e agem, segundo está a nos lembrar a hipótese do agenda setting. 2
Acreditamos que o jornalismo irá incorporando mais e mais este viés de responsabilidade
histórica perante a causa ambiental na exata medida em que as novas gerações de jornalistas
forem educadas no contexto da visão sistêmica. Entretanto, não basta reivindicar "espaços
de poder" como editorias ou especialidades isoladas que não dialogam com as demais
disciplinas. Trata-se, isto sim, de permitir que o "olhar sistêmico" esteja presente o tempo
todo, na própria vida, no ensino e na aprendizagem de qualquer disciplina escolar, ou na
1
" O que é pois a Ciência? É apenas força da vida. Vocês não engendram a vida. A vida deve antes dar a vida"
(Goethe, Zahme Xenien).
2
"Agenda setting é o poder que a mídia teria de determinar os temas sobre os quais o público falará e
discutirá". Cf. BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na Comunicação: da informação ao receptor. São Paulo:
Moderna, 2001, p. 169. Consulte também, sobre o mesmo assunto, BRUM, Juliana de. A Hipótese do Agenda
Setting: Estudos e Perspectivas. Revista Eletrônica Razon y Palabra: México, 2003 ou HOHLFELDT,
Antônio. Os estudos sobre a hipótese de agendamento. Revista Famecos, Porto Alegre, n. 7, p. 42-51, nov.
1997. Consulte também McCOMBS, M. e SHAW, D L. A evolução da pesquisa sobre o agendamento: vinte e
cinco anos no mercado de idéias, 1993. In: TRAQUINA, N. O poder do jornalismo: análise e textos da teoria
do agendamento. Coimbra: Minerva, 2000.
191
cobertura de qualquer evento jornalístico. Como bem lembra Alberto Dines, o jornalismo,
antes de ser especializado, ambiental, científico, online ou qualquer outro designativo
classificatório, é jornalismo em si. Em qualquer país, em qualquer língua, em qualquer lugar,
nenhum tipo de jornalismo jamais poderá abrir mão da ética, da apuração rigorosa, da
checagem das fontes, do texto claro e correto, da contextualização, da criatividade.
Este capítulo está destinado ao exame da hipótese que
alimenta esta tese. Trata-se de indagar, a partir de pesquisa quantitativa, se, do modo como
vem sendo feito, o jornalismo está ajudando a educar, específicamente se está ajudando a
educar para o consumo sustentável, isto é, se o jornalismo "percebe", na sua prática diária,
as intercorrências inerentes ao conceito de sustentabilidade. Buscando respostas a tais
indagações, abordamos a questão através do método hipotético-dedutivo, também
amparados pelo método observacional (ou fenomenologia do visível). 3 Como método de
procedimento, selecionamos a Análise de Conteúdo, seguindo o delineamento de Laurence
Bardin 4 – formulado em 1952 -
lastreado em cinco etapas: Organização da análise,
Codificação, Categorização, Inferência e Tratamento informático. Bardin – entre outros
autores – refere-se à
AC como uma técnica de pesquisa para a descrição objetiva,
sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação. Entretanto, este método
não se limita aos aspectos quantitativos que, nas últimas décadas do século XIX, foram
utilizados exacerbadamente para medir o sensacionalismo da imprensa americana,
confundindo objetividade e cientificidade com a minúcia da análise de freqüências. 5 Na
verdade, um dos principais aspectos da formulação de Bardin é a perspectiva de Inferência
que o método internaliza, permitindo ao pesquisador extrair conhecimentos sobre os
aspectos latentes da mensagem analisada. Este aspecto contribuiu para amenizar o impacto
da herança positivista na análise de conteúdo, de tal modo que outro estudioso do método,
Krippendorff, 6 afirma: “A análise de conteúdo é uma técnica de investigação destinada a
formular, a partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem se aplicar
3
Método desenvolvido por Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) no clássico da literatura e da filosofia
"Doutrina das Cores", publicado em 1840. Pela observação metódica, Goethe tenta compreender a lógica das
cores, redescobrindo a cor como fenômeno da experiência vivida, cuja "verdade" só emerge de maneira pura
com a pintura. Cf. comentário de Bento Prado Júnior in GOETHE, Johann Wolfgang von, Doutrina das
Cores. Apresentação, seleção e tradução de Marco Giannotti. São Paulo: Nova Alexandria, 1993.
4
Cf. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edição 70, 1988.
5
Cf. FONSECA JÚNIOR, Wilson Corrêa da. "Análise do conteúdo" in DUARTE e BARROS (orgs.), 2005, p.
282.
6
KRIPPENDORF, Klaus. Metodologia de análisis de contenido. Barcelona: Paidós, 1990, p. 29, citado por
FONSECA JUNIOR, ibid.
192
a seu contexto". Assim, a análise da mostra coletada permite não apenas quantificar e
mensurar as publicações mas, também, aquilatar, dentro do possível, a intencionalidade, a
manipulação, as transformações da mensagem até a publicação, bem como as motivações
ideológicas e preconceituosas, proporcionando mais consistência investigativa ao trabalho
de pesquisa aqui proposto. Outra razão para a escolha deste método é o bom êxito revelado
em sua aplicação pioneira na América Latina através dos estudos de Jornalismo Comparado
realizados por Jacques Kayser, ex-diretor do Instituto Francês de Imprensa, quando esteve à
frente do Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América Latina
(Ciespal) 7 , em 1962, embora sendo nosso firme propósito não ingressar no mérito dos
conteúdos funcionalistas 8 desses estudos. Ademais, "transcendendo as noções normais de
conteúdo, envolvendo as idéias de mensagem, canal, comunicação e sistema, com
metodologia própria e orientação fundamentalmente empírica, exploratória, vinculada a
fenômenos reais e de finalidade preditiva", conforme Krippendorff (1990), a análise de
conteúdo afigura-se-nos como o método mais adequado a esta pesquisa filiada à Teoria
Geral dos Sistemas.
Os veículos selecionados para esta pesquisa sobre o
jornalismo ambiental são o jornal Folha de S. Paulo, de circulação nacional, e o Jornal da
Cidade, de Bauru, no interior do Estado de São Paulo.
De 01 de janeiro a 03 de julho de 2005, foram coletadas 27
edições dominicais de cada jornal, no total de 54 produtos.
Apesar de alguns desvios-padrão do noticiário regular,
quando a mídia dedicou espaço mais ampliado à catástrofe das tsunamis na Ásia, nos
primeiros meses da medição do corpus, (janeiro e fevereiro), à morte do Papa João Paulo II
(abril) e ao escândalo do "mensalão" (junho e julho), não foi necessário descartar nenhum
produto, pois a própria ênfase dada a tais assuntos configurou, na medição quantitativa, a
tendência ao chamado "jornalismo de espetáculo", que anuncia os grandes números e
7
"Fundado pela Unesco em 1958, em pleno contexto da Guerra Fria, o Ciespal estimulou, na década
seguinte, o ensino técnico-profissional em oposição à formação clássico-humanista que até então
predominava nos cursos de jornalismo. Reflexo de uma política de contra-insurgência à ameaça
comunista no continente, a atuação do Ciespal representou a modernização dos sistemas educacionais
latino-americanos pela valorização do funcionalismo norte-americano". Cf. MEDITSCH, Eduardo.
"Ciespal trouxe progresso...e o problema insolúvel do comunicólogo". Citado por FONSECA
JÚNIOR, in DUARTE e BARROS, op. cit., p. 284.
8
"O funcionalismo é uma variação do positivismo, adequado à sociologia por Émile Durkheim. As
idéias de Durkheim foram sistematizadas nos Estados Unidos por intermédio de Talcott Parsons e
Robert K. Merton, nomes considerados clássicos do funcionalismo norte-americano". Cf. FONSECA
JÚNIOR, ibid.
193
publica as grandes imagens, mas não esclarece suficientemente a respeito das causas dos
fenômenos e nem acompanha os desdobramentos relacionados com o sofrimento humano a
médio prazo tão logo surjam no horizonte outros espetáculos igualmente potencializadores
de audiência, como foi o escândalo do "mensalão".
Para cada notícia ambiental constatada na mostra final, foi
aplicado o modelo de codificação desenvolvido por Bauer 9 na aplicação prática da análise
de conteúdo proposta por Laurence Bardin. Após a seleção do corpus (Organização da
Análise), este esquema consiste em uma folha de papel no formato A-4
10
, contendo células
reservadas para cada código (é a fase da Codificação). A partir do exame minucioso de cada
notícia, o codificador registra seu julgamento para cada código na célula designada.
Completada a codificação, todas as folhas de codificação são juntadas e seus dados
transferidos para o computador visando a análise dos dados, agora reunidos em gráficos e
quadros explicativos (Tratamento Informático).
É natural que este processo, por implicar julgamento
humano (Inferência), não atinja a fidedignidade perfeita que seria ideal, mas é possível
esperar um nível aceitável de confiabilidade, desde que o pesquisador tenha tomado as
precauções iniciais relacionadas com a pré-análise da mostra a ser colhida, a identificação
clara do tema a ser pesquisado, a adoção de um referencial teórico, a formulação de
hipóteses e objetivos, a definição correta do corpus.
O modelo de Bauer
prevê a) o recorte – escolha das
unidades de registro e de contexto; b) a enumeração – escolha das regras de enumeração; c)
a classificação e agregação – escolha das categorias. (É a fase da Categorização).
Enquanto as Unidades de Amostragem (UA) referem-se ao
produto (ou edição de um jornal/telejornal etc) as Unidades de Registro (UR) reportamse a cada notícia selecionada, dela podendo-se extrair registros como palavras-chave,
personagens, acontecimentos específicos etc. As UR também são obtidas através das
unidades de enumeração (como na centimetragem por coluna dos veículos impressos) ou
unidades espaço-temporais (utilizadas na minutagem da mídia eletrônica). Muitas vezes,
para as unidades de registro serem compreendidas corretamente, torna-se necessário fazer
referência ao contexto no qual estão inseridas. Na análise de informações ambientais, por
9
Cf. BAUER, Martin W. "Análise de conteúdo clássica: uma revisão". In BAUER, Martin W. e GASKELL,
George (orgs.) Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 189 - 217.
10
Veja, no Anexo, o modelo de formulário utilizado para esta pesquisa.
194
exemplo, a contextualização de palavras-chave como consumo, sustentabilidade, cidadania,
sociedade, natureza etc pode auxiliar na compreensão de seu verdadeiro sentido. Bardin
também se refere às regras de enumeração, que são o modo de quantificação das UR, o que
levará ao estabelecimento de índices percentuais e gráficos explicativos, revelando idéias ou
temas que podem ser interpretados como medida de intensidade ou força de uma motivação,
convicção ou crença, bem como a importância, atenção ou ênfase dispensadas ao tema.
A terceira fase da codificação consiste no trabalho de
classificação e reagrupamento das UR em número reduzido de categorias, com o objetivo de
tornar inteligível a massa de dados e sua diversidade. Segundo Bardin (1988), os critérios de
categorização podem ser semântico (categorias temáticas), sintático (verbos, adjetivos),
léxico (classificação das palavras segundo seu sentido) e expressivo (categorias que
classificam as diversas perturbações da linguagem, por exemplo). A categorização envolve
duas etapas: o inventário (que consiste em isolar os elementos) e a classificação (que
consiste em repartir os elementos, reunindo-os em grupos similares de forma a impor certa
organização às mensagens). Esta explicação detalhada do método se faz necessária porque
nosso público-alvo é constituído pelos estudantes de jornalismo e a utilização de
metodologias é essencial para que exercitem, já na faculdade, a capacidade de observar,
pesquisar, sistematizar, generalizar, sintetizar etc. Este procedimento, trabalhado com
dedicação e rigor, fará um enorme diferencial para o futuro profissional. 11
Finalmente, porque os jornais e não a TV? Porque os jornais
de domingo e não dos dias de semana, aleatoriamente?
Apesar da televisão ser muito mais rica em imagens e ter
um potencial enorme de educação ambiental, ela tem uma dificuldade maior para encontrar a
linguagem referencial que consiga atribuir a cada notícia um valor igual para todos os
segmentos de público. O que é perfeitamente inteligível para um público determinado é
completamente estranho e incompreensível para outros segmentos, como no caso do
noticiário econômico, quando comparamos os públicos mais esclarecidos com as pessoas
mais humildes, valendo o mesmo para a questão cultural ou política. No caso do jornalismo
ambiental, trata-se de criar uma linguagem persuasiva que leve à mudança de
comportamento, sendo natural que a televisão ainda esteja pesquisando qual o melhor
11
"Temos o direito de exigir, daquele que se propõe a transmitir a história de qualquer ciência, que nos informe
como os fenômenos foram sendo pouco a pouco conhecidos, imaginados, supostos, concebidos e pensados".
Cf. Goethe - Doutrina das Cores. In: GIANOTTI, 1993, p. 39.
195
caminho a seguir. Já o jornal impresso tem um público mais definido, capaz de influenciar
outros segmentos menos esclarecidos. Dependendo do modo como o jornal apresenta a
matéria ambiental, os formadores de opinião conseguem retransmitir para a sociedade
exemplos de vida que podem desencadear procedimentos favoráveis à sustentabilidade. A
informação impressa é imediatamente documental, acessível, disponível. Todo estudante de
comunicação sabe como é difícil obter das emissoras de TV programas já veiculados cuja
gravação tenha apresentado problemas técnicos, por exemplo, enquanto os jornais mantém
arquivos permanentemente à disposição, o que favorece a consulta e a checagem de
informações para um trabalho mais confiável. Nada disso, entretanto, invalida os excelentes
trabalhos de pesquisa junto à TV, um veículo que revolucionou os meios de comunicação no
séc. XX. Tanto assim que este pesquisador, tendo exercido funções jornalísticas em
emissoras de TV por vários anos, em Brasília, na década de 1970, teve o cuidado de
selecionar, paralelamente aos jornais, um corpus de telejornais, no mesmo período da
mostra, entendendo melhor, entretanto, não incluí-lo nesta análise, ficando apenas como
documento de arquivo para investigações posteriores.
A seleção de uma mostra pode seguir diferentes rituais de
coleta. Entretanto, é aos domingos que o leitor está mais receptivo para examinar o jornal
mais vagarosamente, até com mais deleite. Uma outra pesquisa poderia comparar a
incidência de matérias ambientais nos dias de semana e aos domingos, o que seria muito útil.
Entretanto, pelas características do dia de descanso e pela maior quantidade de páginas das
edições dominicais, resulta bastante provável que as matérias ambientais saem em maior
número aos domingos e o objetivo desta mostra não era nivelar por baixo o levantamento
quantitativo para economizar trabalho mas, pelo contrário, buscar a maior quantidade
possível de notícias publicadas para submetê-las à análise, um trabalho bem maior, porém
muito mais compensador, do ponto de vista da pesquisa acadêmica.
196
2. Descrição da mostra
2.1 Jornal n. 1
O jornal Folha de S. Paulo (n. 1), em formato standard, é o
principal jornal do país. A edição nacional (diferentemente das edições regionais) circula
com tiragem média, aos domingos, de 400 mil exemplares e cerca de 80 a 90 páginas,
distribuídas em seis cadernos e um suplemento. O primeiro caderno contém, além da
manchete e das chamadas da primeira página, as editorias de Opinião (geralmente ocupando
as duas páginas internas iniciais), Brasil (dez páginas seguintes) e Mundo (em mais doze
páginas, conforme a quantidade de anúncios). O segundo caderno, Dinheiro (ou Caderno B),
sai com 12 páginas. O terceiro caderno, Cotidiano (ou Caderno C), com oito páginas,
substituiu, nos anos 1990, o caderno de Cidades. A cobertura esportiva está agrupada no
Caderno D, também com oito páginas. Em seguida há o noticiário de variedades, cultura,
espetáculos, lazer etc reunido no Caderno E (Folha Ilustrada), com dez páginas. O sexto
caderno da Folha, aos domingos (o F ), é o de Classificados, também com dez páginas. Tem
a característica de publicar pequenos artigos de colaboradores com formação técnica, às
vezes orientando sobre itens de consumo (como novas tecnologias em materiais de
construção, automóveis mais econômicos etc). A edição dominical também traz o
suplemento emblemático da Folha que é o Mais (não indexado na seqüência de cadernos),
com artigos e ensaios da (e para a) área acadêmica e cultural do Brasil e do mundo, com dez
páginas.
As fotos da Folha de S. Paulo são coloridas, em sua maior
parte, e a diagramação do jornal, em seis colunas, apresenta excelente nível técnico. A
própria identificação dos cadernos, com letras e números, facilita a navegação do leitor pelo
jornal de domingo, o que já não ocorre quando os jornais - do interior por exemplo - não
apresentam este detalhe que não acontece por acaso, visto que a não indexação dos cadernos,
isto é, a ausência de identificação própria, permite adicionar ou suprimir cadernos, conforme
o fluxo de notícias e anúncios. Para efeitos de pesquisa, por exemplo, a identificação clara
dos cadernos é uma grande ajuda. Outra dificuldade, também no interior, é a falta de tiragem
declarada, enquanto a Folha, como os grandes jornais, sempre traz esta informação na
primeira página, acompanhada da quantidade de páginas daquela edição. Publicado desde
1921, o jornal pertence à Família Frias, sendo editado pela Empresa Folha da Manhã S/A,
197
sob o slogan "Um jornal a serviço do Brasil". Seu presidente é Luís Frias e o diretor
editorial é Otávio Frias Filho. Além do seu corpo de repórteres e editores, incluindo
sucursais e correspondentes, o jornal assina agências internacionais de notícia e tem sua
própria agência (Agência Folha), além de um Instituto de Pesquisa (Data Folha).
Apesar de ter sido um baluarte da luta política brasileira no
passado, como na campanha pelas Eleições Diretas para Presidente da República (Emenda
Dante de Oliveira) e no impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, a Folha é
hostil às conquistas sociais dos próprios jornalistas, tem feito campanha contra a exigência
do diploma de nível superior para o exercício do jornalismo e dificulta a ação do Sindicato
dos Jornalistas de São Paulo que está sempre às voltas com o exercício ilegal da profissão
estimulado pela direção do jornal para burlar as leis trabalhistas e as orientações sindicais,
promovendo a desregulamentação da profissão através da contratação de profissionais
"avulsos", ou free lancers, que não têm direito a carteira assinada, fundo de garantia por
tempo de serviço, férias, décimo terceiro salário, aposentadoria, pensão etc. São "famosos",
no seio da categoria, os processos de demissão coletiva da redação na Folha de S. Paulo. É
um jornal voltado para as classes A e B.
Independente, portanto, de simpatias ou antipatias nada
acadêmicas, selecionamos este jornal para análise por sua importância no cenário da
imprensa brasileira, portanto, por sua capacidade de influenciar formadores de opinião na
direção de um comportamento ambientalmente correto e sustentável.
2.2 Jornal n. 2
O Jornal da Cidade (n. 2) é publicado em Bauru, cidade
de 330 mil habitantes, situada no centro geográfico do Estado de São Paulo, a 350 Km da
capital. Não divulga a tiragem, mas informações oficiosas dão conta que, aos domingos, são
impressos e distribuídos aproximadamente 25 mil exemplares. O formato é standard, com
diagramação em seis colunas e impressão a cores, embora com muitas fotos em preto e
branco também. Circulando regionalmente há 38 anos, num raio de aproximadamente
100km em torno de Bauru, 12 sob o lema "Promover a cidadania democratizando a
informação", o jornal pertence à família Franciscato (antigo político do lugar). É publicado
12
O JC chega diariamente às cidades da região como Pederneiras, Jaú, Pirajuí, Duartina, Garça,
Marilia, Agudos, Botucatu etc.
198
pela empresa "Jornal da Cidade de Bauru Ltda". O diretor administrativo e de marketing é
Renato Delicato Zaiden e o diretor industrial e de tecnologia é Marco Antonio Oliveira,
sendo João Jabbour o gerente de produtos editoriais.
Filiado à Associação Nacional de Jornais-ANJ e à
Associação Paulista de Jornais-APJ, o Jornal da Cidade tem 80 páginas, em média, aos
domingos, com oito cadernos, sem numeração ou identificação seqüencial, e um suplemento
Infantil (em formato tablóide, com oito páginas). Geralmente o primeiro caderno apresenta
18 páginas e está dividido da seguinte forma: 1ª página (manchete e chamadas), Opinião
(uma página), Política (duas páginas), Geral (nove páginas, incluindo uma Coluna Social e
a cobertura da Cidade) e Esportes (cinco páginas). A numeração das páginas do primeiro
caderno prossegue no segundo caderno, Regional, com quatro páginas, e também no terceiro
caderno, Brasil (oito páginas que incluem, aos domingos, uma página inteira com cartas dos
leitores, outra com um resumo do noticiário da semana e mais duas para a editoria de
Internacional). Os cadernos seguintes têm numeração independente de páginas: Cultura (8
páginas, com a programação de cinema, mais coluna social, fofocas da mídia - "mídia news"
- resumo das novelas, poesias, crônicas, receitas culinárias etc), Economia (com seis
páginas, sendo duas de merchandising - onde as empresas pagam pelas notícias - e uma de
Recursos Humanos - que inclui uma coluna de orientação vocacional), Bairros (com quatro
páginas, sendo uma para a programação de missas, cultos, feiras livres, telefones úteis,
grupos de apoio etc), Saúde (4 páginas) e Ser (4 páginas). O suplemento Infantil às vezes
publica matérias educativas sobre meio ambiente.
O JC assina agências de notícias nacionais e internacionais.
Apesar do esforço de reportagem do caderno Bairros, não pode ser considerado um jornal
popular. Até os últimos meses de 2005, quando esta tese estava sendo redigida, era o único
da cidade. Pode ser considerado um jornal voltado para os públicos A e B, privilegiando o
noticiário que envolve os negócios políticos, econômicos e financeiros, refletindo, de certa
forma, o provincianismo que caracteriza a cidade por sua formação histórica, seus
escândalos políticos, seus costumes tradicionais, seu apego ao passado. Entretanto o
bauruense revela orgulho pelo estilo de vida pacato da cidade, apresentado como ganho de
qualidade de vida em relação à estressante capital do Estado, São Paulo.
A escolha do JC para figurar nesta pesquisa não está
relacionada, diretamente, com a comodidade de acesso aos exemplares do jornal, visto que
este pesquisador não é assinante de nenhum dos dois jornais,
tendo comprado,
199
semanalmente, nas bancas, os exemplares aqui relacionados. Também não houve a intenção
de comparar um jornal com o outro tendo em vista a natural diferença de porte econômico e
social de cada um deles, o que invalidaria a intenção. O desenrolar da pesquisa, todavia,
acabou revelando surpresas curiosas que até contrariam determinadas hipóteses sobre os
jornais do interior, como veremos. Apesar do seu elitismo, o JC dá razoável espaço aos
bairros da cidade, ainda que se possa criticar o conteúdo meramente funcionalista das
matérias. O objetivo foi comparar cada jornal com ele mesmo no que se refere ao potencial
educativo das matérias ambientais, especificamente em relação ao problema do "consumo".
3. Análise dos Dados Coletados
3.1 Quantidade de matérias publicadas
Aplicando as categorias de Bardin à mostra selecionada, foi
possível identificar -
sob o inevitável crivo das intencionalidades ou inferências - a
quantidade de matérias publicadas sobre o tema "meio ambiente", cabendo aqui destacar
essa dificuldade natural de determinar o que é e o que não é "notícia ambiental". No
primeiro momento, os estudantes de jornalismo entendem por "ambiental" tudo o que se
refere à natureza, como as árvores, os animais, as paisagens, a água etc. Raramente esse
primeiro olhar é crítico ou sistêmico. Avançando nos estudos, entretanto, logo se percebe o
papel de cada um não só no que há de belo na natureza, mas também no que há de feio, de
conflituoso, de riscos, de incertezas, de injustiças...sobretudo de injustiça social na forma da
concentração de renda que permite a poucos consumir muito acima do necessário e a muitos
não ter nem mesmo o necessário para sobreviver acima da linha da pobreza (US$ 2 por dia).
Por isto a quantidade de matérias consideradas "ambientais" nesta pesquisa inclui,
naturalmente, a questão da fome, do índio, da reforma agrária, do esgoto a céu aberto, da corrupção
política além, necessariamente, dos desmatamentos, inundações, catástrofes naturais etc.
Assim, nos 27 exemplares (Unidades de Amostragem-UA) de
cada jornal observado, encontramos 120 matérias (Unidades de Registro-UR) sobre meio
ambiente no jornal Folha de S. Paulo (Jornal n. 1) e 100 matérias no Jornal da Cidade
(Jornal n. 2), conforme explicitado no Quadro 1. A medição constatou um total de 22.061,5
centímetros de coluna com matérias ambientais - dos quais 7.387 cm/col de fotos ou
200
ilustrações, 33% em relação ao total publicado, no jornal 1. Com seus cadernos voltados
para a saúde da população, para as cidades da região e para os bairros, além do suplemento
infantil (JC Criança), o pequeno jornal bauruense acabou publicando um volume maior de
matérias em relação ao gigante da imprensa brasileira: 24.012 cm/col., sendo 6.928,5 correspondentes a 29% do total de matérias ambientais - na forma de fotos, ilustrações,
gráficos etc. Confira no Quadro 1.
QUADRO I
LEVANTAMENTO REALIZADO NOS JORNAIS SOBRE MATÉRIAS AMBIENTAIS
Nº exempl
Matérias Selec.
Cm/col.matéria tot.
Cm/col. foto/ ilustr. Perc. Fot/ilustr
Mês /Ano
FSP
Jan. 2005
Fev. 2005
Mar. 2005
Abr. 2005
Mai. 2005
Jun. 2005
Jul. 2005
Total
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
.FSP
JC
5
4
4
4
5
4
1
5
4
4
4
5
4
1
47
22
17
8
13
9
4
34
18
16
11
14
4
3
8.682
3.988
3.431,5
1.708,5
2.078,5
1.723
450
8.835
3.253
3.841
4.051
2.914
866
252
3.152
1.186
1.366
482,5
578
557
65,5
3.080
726
1.153
1.201
545,5
163
60
36%
30%
40%
28%
28%
32%
15%
35%
22%
30%
30%
19%
19%
24%
27
27
120
100
22.061,5
24.012
7.387
6.928,5
33%
29%
Obs.: Embora menor, o jornal do interior publicou mais matérias, aos domingos, sobre
meio ambiente, em relação ao maior jornal do país.
3.2. Assuntos mais noticiados
Relacionadas em ordem alfabética, as categorias que
apresentam maior volume de centimetragem publicada são Consumo (16 matérias, com
centimetragem total de 2.266 cm/col., no jornal 1 e 14 matérias, com 2.747,5 cm/col., no
jornal 2); Desmatamento (13 matérias - ou 2.229 cm/col. - contra 7 - ou 1.534 cm/col),
Direitos ( 11 - ou 2.046 cm/col. - contra 4 - ou 724 cm/col.); Comportamento (10 matérias
no jornal 1, com 1.566,5 cm/col., e igual número no jornal 2, com uma quantidade bem
superior de centimetragem devido ao Caderno Ser: 2.576 cm/col.). É curioso observar,
também, que o jornal da capital abordou temas ambientais em 10 matérias sobre
Agricultura, com o total de 1.821,5 cm/col., enquanto o jornal do interior não publicou
matérias a respeito. Isto evidencia a tese de que muitos jornais do interior comportam-se
como "repetidores" do modo urbano de fazer jornalismo, fugindo da identificação com as
questões naturais da região onde circulam. Mas isto também pode refletir o fenômeno da
urbanização crescente. 13 Foi publicado igual número de matérias ambientais relacionadas
13
Quando estudamos a Amazônia, por exemplo, de imediato pensamos na floresta, nos homens da
201
com Catástrofes, no total de 9, sendo 2.917,5 cm/col. no jornal 1 e 2.610 cm/col. no jornal
2. Aqui o equilíbrio se deve à publicação de um caderno especial, em janeiro, nos dois
jornais, produzido pela Agência Folha, sobre o fenômeno das tsunamis. A quantidade de
centímetros de coluna - inclusive com os percentuais de textos e fotos - está no quadro
número 2 (Levantamento de matérias por categorias).
É necessário esclarecer, entretanto, que apesar da categoria
Consumo ter sido a mais citada no levantamento, revelando que a mídia já está se
preocupando com tal fenômeno, nem sempre a linguagem contempla a preocupação de
educar, persuadir, mudar, ensinar. A componente de "sustentabilidade", que levaria à
educação ambiental, geralmente não está presente. As matérias ficam apenas na superfície
da questão. Nenhuma matéria mereceu espaço suficiente para uma entrevista ou uma
investigação "de imersão" ou de aprofundamento no assunto. Nenhuma veiculou histórias de
vida com exemplos capazes de motivar as pessoas a agirem de outro modo em relação ao
consumo. De um modo geral os jornais não consideram importante "gastar tempo" com essa
questão, referindo-se ao consumo apenas como hábito de comprar. Em nenhum momento há
qualquer indagação sobre o contexto em que o consumo se insere no modelo de produção
capitalista ou sobre os resíduos sólidos que o consumo provoca. Não há qualquer matéria
que trate das embalagens dos produtos, do problema do plásticos ou do PVC-PET não
perecível etc. No máximo, fala-se sobre a indústria da reciclagem ou sobre o valor nutritivo
dos alimentos, assuntos claramente relacionados com interesses empresariais de possíveis
anunciantes.
A quantidade de categorias selecionadas atesta como a
questão ambiental está pulverizada entre os vários assuntos, com alguns temas importantes
(como Comunidade, ou Educação/Preservação) apresentando registros insignificantes. No
jornal 1 apenas uma matéria revelou preocupação com a educação ambiental e nenhuma
tratou de Comunidade, Ecologia propriamente dita, Erosão etc, do mesmo modo que o
jornal 2 também não tratou de Globalização, Pesquisa etc. Nos dois jornais foi localizado
apenas um registro, cada um, sobre Corrupção na área ambiental. Energia - que é um tema
recorrente no bojo da crise ambiental em todo o mundo - foi uma categoria abordada apenas
floresta, nas questões relacionadas com a vida na selva. Raramente nos damos conta que 62% da região
amazônica encontram-se em áreas urbanas...afinal, 17% da área brasileira da Amazônia já foi
desmatada. A área anual de florestas destruídas eqüivale à área do Estado de São Paulo, segundo dados
do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM, divulgados no I Congresso Brasileiro de
Jornalismo Ambiental promovido pelo Núcleo Paulista de Jornalismo Ambiental no SESC de Santos SP, de 12 a 14 de outubro de 2005.
202
duas vezes em cada veículo analisado. A própria Poluição foi notícia uma vez em São Paulo
e duas vezes em Bauru nos 27 domingos pesquisados. Os estudantes de jornalismo podem
examinar melhor os registros e pensarem, inclusive, outros desdobramentos para
levantamentos deste tipo, através do Quadro 2, a seguir.
Q UADRO 2
L EVANTAMENTO DE MATÉRIAS POR CATEGORIAS
Categoria
Quant,/ mat
Cm total da categor. Perc.de cada categ.
FSP
10
9
3
7
10
16
1
3
13
11
1
2
1
5
2
5
3
1
1
2
3
1
3
3
1
3
JC
Agricultura
Catástrofe
Cidadania
Clima
Comportamento
Comunidade
Consumo
Corrupção
Desastre
Desmatamento
Direitos
Ecologia
Educaç./Preserv.
Energia
Erosão
Favelas
Gestão
Globalização
Índios
Inund./enchentes
Lixo/Reciclagem
Pesquisa
Poluição
População
Projetos
Protestos
Reflorestamento
Saúde Pública
Solidariedade
Terras
Turismo
9
8
6
10
2
14
1
1
7
4
2
2
2
2
4
5
2
2
2
1
3
1
6
3
1
-
FSP
1.821,5
2.917,5
400,5
1.153,5
1.566,5
2.266
424
289,5
2.229
2.046
240
156
312
958
109,5
1.084
676,5
312
84,5
150,5
527
107
736
425
540,5
356,5
JC
2.610
2.690
1.120
2.576
302
2.747,5
307
61
1.534
724
201
561
258
852
692
1.072
437
544
876
155
503
90
2.084
703,5
312
-
total
120
100
22.061,5
24.012
FSP
8%
13%
2%
5%
7%
0
10%
2%
1%
10%
9%
0
1%
0,7%
0
1%
4%
0,5%
5%
0
3%
1%
0,4%
0,7%
2%
0,5%
0
3%
2%
2%
2%
JC
0
11%
11%
5%
11%
1%
11%
1%
0,3%
6%
3%
0,8%
2%
1%
3%
0
3%
0
4%
2%
2%
0
4%
0,6%
2%
0
0,4%
9%
3%
1%
0
C m de fotos/ilustraç
FSP
432
1.514,5
90,5
467,5
489,5
562,5
160
103,5
623
633,5
97,5
7
153
473
19
352
278,5
155
178
190
107
162,5
138
JC
7.387
6.928,5
1.298
696,5
137
1.088,5
70
717
20
355
150
20
102,5
27
204
111
333
177
108
272,5
28
116,5
30
640,5
193,5
33
-
Perc.foto p/ categ
FSP
24%
52%
23%
41%
31%
25%
38%
36%
28%
31%
41%
5%
49%
49%
17%
32%
41%
50%
34%
26%
25%
30%
39%
JC
50%
26%
12%
42%
23%
26%
7%
23%
21%
10%
18%
10%
24%
16%
31%
41%
20%
31%
18%
23%
33%
31%
28%
11%
-
Obs.: A centimetragem com matérias educativas corresponde a apenas 1% do material publicado no
jornal 1 e a 2% no jornal 2.
203
3.3 Visualização das matérias
Vimos no capítulo sobre Fotojornalismo a importância da
imagem como ferramenta de trabalho. Também vimos que as linguagens se complementam
em suas formas de expressão verbal e não-verbal. O texto que explica a foto, sem
redundância, com clareza e criatividade, é essencial para a adequada interpretação do leitor.
Quando a foto é produzida concomitantemente com o andamento da cobertura jornalística,
seu valor documental - portanto de contextualização - é mais expressivo. Não se dá o mesmo
com a foto de arquivo como também já vimos, pois ela é meramente "ilustrativa". Outros
destaques, como a inclusão de box explicativo, títulos destacados, chamadas na primeira
página, infográficos e outras ilustrações são atributos que atraem a atenção do leitor,
valorizando a matéria. No gráfico a seguir é impossível evitar o paralelo entre os dois jornais
estudados. Afinal, com o suplemento voltado para as crianças, com os cadernos sobre
bairros e sobre a região, o jornal de Bauru deu mais destaque ao noticiário ambiental,
explicando melhor as matérias. 14
GRÁfICO 1 : VALORIZAÇÃO VISUAL DAS MATÉRIAS (JAN A JUL 2005)
140
120
100
80
60
40
20
0
FSP
Quant. Mat
Selecionada
JC
FSP
Matér. com
chamada na
1ª página
JC
3. 4 Gênero das matérias
FSP
Fotos
documentais.
JC
FSP
Fotos de
arquivo
JC
FSP
Box
explicativo
JC
204
O gênero mais utilizado na cobertura sobre meio ambiente é
a reportagem, que permite um tratamento melhor das informações, embora uma entrevista
que vá além da superficialidade também possa ser considerada uma reportagem,
principalmente no caso das entrevistas de perfil que podem evoluir para o livro-reportagem
sobre pessoas, lugares, instituições etc. É necessário esclarecer, entretanto, que não é o
tamanho ou o volume de caracteres - como costuma lembrar o professor Celso Falaschi 15 que define um texto como grande reportagem, livro reportagem, perfil etc. Quando o tema é
meio ambiente, então, é necessário que a contextualização inclua o necessário viés crítico
sobre o fato noticiado. É natural que no mês de janeiro de 2005 a imprensa tenha publicado
matérias de página inteira e até suplementos com dados sobre o maremoto na Ásia - como se
percebe no Gráfico Nº 2. 16 Todavia, um olhar mais atento sobre esses textos-reportagem
não revela essa visão crítica. Fala-se da catástrofe, mas nada se diz sobre a falta de
segurança das populações nativas ou dos investimentos em turismo não sustentável que
depreda o meio ambiente e paga salários miseráveis aos nativos, conforme denunciado pela
própria mídia especializada em meio ambiente, principalmente na Internet, durante as
coberturas na Tailândia e demais países atingidos, onde a indústria turística privilegia apenas
o lucro. Também se investe pouco na história mais aprofundada de pessoas e famílias
vitimados pela catástrofe.
A preocupação com o mero espetáculo foi tanta que o
Secretário Geral da ONU, Koffi Annan, 17 chegou a reclamar da falta de divulgação para os
conflitos tribais do interior da África, criticando também a retirada da ajuda humanitária das
áreas atingidas pelas tsunamis tão logo a mídia apagou seus holofotes e partiu para outros
"espetáculos".
No que se refere aos gêneros do jornalismo (Gráfico 2),
tendo em vista as necessidades de convencimento do texto sobre meio ambiente, as
entrevistas, bem conduzidas, podem ser um campo fértil para a transmissão de idéias,
14
Veja o Gráfico 1 em detalhe no Anexo.
Cf. www.textovivo.com.br
16
Detalhes do Gráfico 2, no Anexo.
17
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o economista ganês e Secretario Geral da ONU, Kofi Annan, 67,
em co-autoria com o presidente da União Africana e ex-presidente de Mali, jornalista e doutor em História,
Alpha Oumar Konarê, lamentam a falta de solidariedade universal com a região de Darfur, no Sudão
Ocidental, onde conflitos entre as aldeias estão castigando cerca de 3 milhões de pessoas, das quais 1,9 milhão
já foram obrigadas a abandonar seus lares. No artigo, eles consideram uma vergonha que as pessoas só se
mobilizem onde a mídia se faz presente de forma intensa. Quando a mídia sai, ou não entra, o interesse acaba.
Cf. Uma oportunidade de Paz em Darfur. Folha de S. Paulo, 26 jun. 2005, p. A - 3.
15
205
opiniões, projetos, experiências. Todavia, a pesquisa revela que este gênero é pouco
utilizado. Naturalmente é mais fácil "costurar" um texto de várias páginas utilizando os
despachos das agências de notícia, que selecionar um entrevistado, combinar horário e lugar,
fazer a entrevista, redigir o texto, editar etc. Na verdade, a cobertura local é sempre mais
difícil e mais cara que a nacional ou de agência, pois envolve mais mão de obra
especializada (repórteres, fotógrafos etc) e cria mais áreas de atritos com autoridades,
anunciantes e demais interessados. Daí a opção pelo material "que vem de longe". Muitas
vezes os jornais de pequeno e médio porte publicam detalhes de ocorrências distantes como os conflitos do Oriente Médio - mas não têm espaço para denunciar um esgoto a céu
aberto ou a erosão em um bairro pobre. Muito menos para entrevistar pessoas humildes,
gente do povo que não gera editais, anúncios etc. Por outro lado, entretanto, apressam-se a
noticiar os grandes lançamentos industriais sem fazer perguntas, como já citado.
Outro gênero "precioso" para a cobertura ambiental é o
opinativo, onde o jornal tem a oportunidade de esclarecer, orientar, elucidar, conduzir...A
mostra aqui levantada revela que este gênero também é pouco exercitado e, na maioria das
vezes, as opiniões emitidas tentam ridicularizar a preocupação dos ambientalistas ou, então,
são opiniões de grandes empresários interessados nos grandes negócios, pouco importando
se isto significa poluição e danos ambientais.
GRÁFICO 2: CLASSIFICAÇÃO DAS MATÉRIAS POR GÊNERO JORNALÍSTICO (jan a jul 2005)
80
70
60
50
40
30
20
10
0
FSP
Reportagem
JC
FSP
Entrevista
JC
FSP
Opinativo
JC
FSP
Nota/notícia
JC
FSP
Leitor
JC
206
O quadro ainda revela pouca atenção com as notícias sobre
meio ambiente, as quais também devem mobilizar repórteres na cobertura local. O pior,
entretanto, é a ausência de espaço para as manifestações dos leitores sobre a questão
ambiental, o que vai na contra-mão da Agenda 21, por exemplo, que, emanada da Rio-Eco92, defende ampla participação da população em assuntos que lhe dizem respeito, como é o
caso do meio ambiente. Em outro quadro, sobre a origem das informações ambientais,
veremos a comprovação desse desinteresse pela opinião dos leitores.
3. 5 O lugar das matérias
Embora o conceito clássico de Editoria como um feudo
onde um manda e todos obedecem já venha sendo revisto em alguns veículos de
comunicação, a própria racionalidade do processo industrial de comunicação - organizado
como uma linha de montagem fordista, com estruturação tailorista, ou ainda conforme os
pressuspostos de alimentação (entrada), estabilização (processamento) e descarga (saída)
previstos na Teoria Geral dos Sistemas, 18 - implica em determinado padrão de produção. As
milhares de informações que um jornal recebe, full time, através de seus repórteres,
setoristas, correspondentes, colunistas, colaboradores, leitores, assessorias de imprensa,
agências de notícia, sucursais, enviados especiais etc só se transformam em material legível
para o receptor através do tratamento profissional no interior das redações. As editorias têm
essa função de agrupar assuntos afins para facilitar a cobertura, evitar "furos" (aqui no
sentido de "falhas"), agilizar o processo, "cercar" a notícia. Por isto os editores se reúnem
sucessivamente ao longo do dia, primeiro para trocarem idéias sobre o que está sendo
coberto e que pode ser importante para a manchete ou para chamadas na primeira página.
Depois para informar sobre matérias que "caíram" ou que tiveram bom êxito ou que geraram
pautas ainda mais interessantes, de modo que o editor da primeira página já vai definindo
suas prioridades, embora o processo mantenha-se em aberto todo o tempo para eventuais
alterações de última hora.
O sistema de editorias, todavia, às vezes acaba criando
competição entre os editores e repórteres de modo que se venha a ter vários "jornais" dentro
da redação de um mesmo jornal. Aí, ao invés de cooperação, o que se tem é competição,
18
"A Comunicação é um sistema aberto, semelhante à empresa. Como sistema, a comunicação é organizada
pelos elementos - fonte, codificador, canal, mensagem, decodificador, receptor, ingredientes que vitalizam o
207
como se o jornal pudesse caminhar bem enquanto atira contra o próprio pé. Por isto o
trabalho do diretor de redação, auxiliado pelo seu secretário, é da maior relevância. Bons
dirigentes de redação conseguem mudar o jogo da competição destrutiva para uma
cooperação construtiva, transformando a redação em um time unido que joga um
campeonato decisivo todos os dias, a cada edição. As editorias, por sua vez, devem estar
unidas como um homem só, firmes no propósito de chegar à classificação. Jogando com
amor pela camisa (a profissão) e pela torcida (seus leitores) o jornal perseguirá não somente
o "furo" (gol), mas o próprio troféu (melhor qualidade). Por isto o campeonato não é
semanal ou mensal, é de cada dia, de cada edição.
No que se refere às editorias de meio ambiente, elas
foram extintas algum tempo depois da Rio-Eco-92 e agora tendem a reaparecer com o
volume de matérias ambientais que está chegando às redações por força da própria crise
ambiental em si. Com o agravamento dos problemas relacionados com o clima, por
exemplo, o meio ambiente agora é capa de revistas semanais, está diariamente nos
telejornais, é tema de sucessivas conferências internacionais, movimenta ministérios (não só
do meio ambiente) e órgãos públicos por todo o país. É impossível ignorar um tema tão
abrangente e tão presente. Entretanto, e até por isto mesmo, do ponto de vista sistêmico, não
basta "confinar" a cobertura em uma Editoria de Meio Ambiente pois isto, como afirmou
André Trigueiro no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, já citado, seria criar
mais uma gaveta no armário da burocracia. O que precisa mesmo é que o jornalista tenha
uma visão sistêmica - que é característica da cobertura em meio ambiente - em qualquer
matéria com a qual esteja envolvido. E isto começa nos bancos da faculdade.
O quadro a seguir mostra um levantamento sobre a
distribuição das matérias ambientais apuradas pelas editorias dos dois jornais analisados.
Pelo menos aos domingos, o jornal Folha de S. Paulo não se dirige ao público infantil,
enquanto o Jornal da Cidade mantém uma editoria que produz o JC/Criança, onde publica
matérias sobre o Dia da Árvore, o Dia do Índio, o Dia do Meio Ambiente etc. valorizando
uma linguagem especialmente voltada para as crianças, com viés educativo. Os dois jornais
fizeram cadernos especiais sobre as catástrofes da Ásia. Por estar no interior e se dirigir a
um público menor e mais reconhecível, o JC também tem um caderno para Bairros e outro
para os municípios da Região, o que favorece o escoamento de assuntos relacionados ao
meio ambiente, enquanto na Folha de S. Paulo, por se tratar de uma edição nacional, a
processo". Cf. TORQUATO, 1986, p. 15.
208
QUADRO 3
FORMATO EDITORIAL DA PUBLICAÇÃO
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Editoria
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
Economia / Dinhei
6
1
2
2
1
-
3
-
3
1
3
-
-
-
Cultura / Mais
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
2
-
Ciência
-
-
-
-
-
-
-
-
1
-
2
-
-
-
Mundo / Internac
4
-
2
1
1
-
-
-
-
2
-
-
-
-
Opinião
4
1
2
2
3
-
-
-
2
1
1
1
-
-
Regional
-
-
-
2
-
3
-
-
-
3
-
-
-
-
Infantil
-
1
-
-
-
1
-
1
-
2
-
1
-
-
Geral
-
6
-
2
-
2
-
1
-
-
-
2
-
3
Bairros
-
4
-
2
-
4
-
6
-
1
-
-
-
-
Saúde
-
5
-
1
-
1
-
2
-
1
-
-
-
-
Política
-
1
-
-
-
1
-
-
-
1
-
-
-
-
Classificados
1
-
1
-
1
-
1
-
3
-
-
-
1
-
Cotidiano
5
-
4
-
6
-
2
-
3
-
3
-
1
-
Caderno especial
7
12
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Cidades
1
1
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Ilustrada
2
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
Comportamento
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Caderno & RH
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
17
1
10
5
5
3
1
1
1
2
-
-
-
-
País / Brasil
Obs.: Os traços indicam que o jornal não tem a editoria citada ou que não saiu matéria naquela editoria.
editoria que mais publicou matérias dessa área, nos 27 domingos do primeiro semestre de
2005,
foi
País / Brasil .
Entretanto,
Economia / Dinheiro
vem
logo
em
seguida, excetuando-se a eventualidade dos cadernos especiais sobre a Ásia, como já dito.
É um dado que também revela o interesse dos grandes
empresários pelo meio ambiente, inclusive porque as pressões para uma legislação cada vez
mais dura são constantes, por parte da sociedade, e isto tem a ver com os grandes negócios.
209
3.6 As fontes de notícias
Quando examinamos a origem das informações ambientais,
comprovamos, com naturalidade, uma tendência histórica da imprensa brasileira desde os
tempos áulicos da Gazeta do Rio de Janeiro, nascida na Impressão Régia de D. João VI,
em 10 de setembro de 1808 - por isto celebramos o Dia da Imprensa em 10 de setembro - ,
um jornal oficial que trazia notícias sobre os príncipes europeus mas nada sobre as lutas pela
democratização do Brasil, bem ao contrário do Correio Braziliense, que chegava
contrabandeado de Londres, feito por Hipólíto José da Costa, combatendo os atos imperiais
e o absolutismo. Era igualmente oficialista o jornal que surgiu em seguida, em 14 de maio de
1811, na antiga capital brasileira, Salvador, segunda maior cidade do Brasil. A Idade de
Ouro do Brasil foi lançado sob os auspícios do Conde dos Arcos que traçou as regras a
que o periódico deveria obedecer, agindo sempre com "isenção", porém, mostrando "como o
caráter nacional ganha em consideração no mundo pela adesão ao seu governo e à
religião", ainda que ostentasse na primeira página os versos de Sá de Miranda: "Falai em
tudo verdades / A quem em tudo as deveis". 19
Por afinidade ideológica, por interesses políticos ou
financeiros, a imprensa brasileira guarda, com zelo, esse "ideário chapa branca" de tão cara
memória. Intelectuais de renome como a professora Cremilda Medina, 20 da ECA-USP;
Juarez Bahia 59 e tantos outros cobram esse necessário "desapego" da nossa imprensa ao
poder, voltando-se mais para os interesses diretos da população. O Gráfico 3, a seguir,
mostra que a grande maioria das informações ambientais é colhida junto a fontes oficiais,
19
Cf. SODRÉ, 1999, p. 19 - 29.
"Como se pode pretender vender ao consumidor uma informação respeitosa da demanda social, se sua
produção se processa dentro do contexto cultural da retórica patriarcal? Examinem-se os editoriais da imprensa
brasileira: será seu discurso o da argumentação dialógica com a sociedade ou o pregão de uma voz de poder,
monológica? Verifiquem-se, por outro lado, os discursos dos grandes entrevistadores/apresentadores de rádio e
de televisão [...] será um discurso dialógico com a sociedade ou um discurso que, a partir da seleção de
protagonistas ou fontes de informação, já começa comprometido com a retórica tradicional? Histórica e
culturalmente falando, não se rompem os circuitos fechados, os conteúdos consagrados, os cercos do poder. A
leitura aberta da realidade social não ocorre, embora se monte cotidianamente uma farsa ao abrir os microfones
para conteúdos populares, na rua, na prática do modismo chamado ´Povo Fala` , que da televisão e do rádio se
expandiu para as ´pesquisas de opinião` dos jornais". Cf. MEDINA, 1988, p. 141.
21
Juarez Bahia registra que além de oficialista, nossa imprensa já nasceu com atraso histórico: "A primeira
tipografia do continente americano data de 1533, no México. A segunda, de 1584, no Peru. Há jornais que mais
de século antes da Gazeta do Rio de Janeiro (1808) são tradicionais. Nos Estados Unidos, em fins de 1600,
algumas tipografias estão preparadas para imprimir jornais". Cf. BAHIA (1990, p. 12).
20
210
enquanto as representações populares (neste caso igrejas, entidades assistenciais, índios,
Legislativo, sindicatos e crianças) estão em último lugar.
Os estudantes que têm visão crítica sabem que um outro jornalismo é
possível, conforme pretendemos demonstrar até o final deste trabalho.
GRÁFICO 3 ORIGEM DA MENSAGEM: FONTES PRINCIPAIS (de janeiro a julho)
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Ongs
Executivo / Estado
Cientistas/Pesquisadores
Onu
Empresas
População / Família
Mídia
Polícia / Bombeiros
Judiciário
Igrejas / Entidades
Índios
Legislativo Sindicatos Crianças
3.7 Quem faz a notícia
O próximo quadro identifica a autoria da notícia sobre meio ambiente. A
maior parte desse noticiário é escrita pelos repórteres. Nos jornais empresarialmente
estruturados, o material produzido pelas agências de notícia vem em segundo lugar. Jornais
de porte maior também contam com colunistas especializados que tratam da questão. No
caso da Folha de S. Paulo há colaboradores que escrevem sobre matérias de interesse
ambiental no caderno de Classificados, certamente porque este assunto atrai a atenção dos
211
leitores para os pequenos anúncios. Nos dois jornais pesquisados, todavia, a participação do
leitor é praticamente nula.
QUADRO 4
PROCEDÊNCIA DA INFORMAÇÃO: INTERMEDIÁRIO
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
Agência
10
9
5
7
1
4
1
3
1
6
2
-
-
-
Colabor.
3
-
1
-
1
-
1
-
1
-
-
-
1
-
Colunista
7
1
4
1
5
-
-
-
5
-
2
-
2
-
Corresp.
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Da redaç.
1
1
-
-
-
-
-
-
-
1
-
1
-
1
Da sucurs.
1
-
2
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Enviado(a
1
-
1
-
-
-
-
-
-
-
2
-
-
-
Editor(a)
1
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
Editorial
1
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Leitor
-
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
22
22
7
9
10
13
6
7
5
7
3
2
1
2
Repórter
212
3. 8 Global ou local?
O meio ambiente é um assunto tanto de interesse global
quanto local pelo próprio caráter sistêmico que o caracteriza. "Somos todos cidadãos do
mundo, mesmo quando não nos deslocamos, porque o mundo chegou até nós, penetrou
nosso quotidiano, através das palavras, das marcas, dos suspermercados, dos filmes, dos
aviões, da Internet, modificando nossos hábitos, nossos valores, nossos comportamentos",
lembra Renato Ortiz. 22 A notícia sobre grande mortandade de peixes no interior do Estado
por causa do vinhoto de cana despejado nos rios ou a contaminação do manancial que
abastece uma cidade , em nossa região, pode ser notícia nos mais diferentes veículos
do mundo e vice-versa. O mesmo se dá com descobertas, pesquisas etc. A tecnologia da
informação deu forma à "aldeia global" imaginada por Marshall McLuhan na década de
1960. O mundo "encolheu". O conceito de "espaço e tempo" tomou outra configuração. O
"espaço" desapareceu e o tempo se presentificou na virtualização. 23 Para Milton Santos, "o
espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo, senão como metáfora. Todos os
lugares são mundiais, mas não há um espaço mundial. Quem se globaliza, mesmo, são as
pessoas e os lugares".
24
Na aldeia global, a notícia sobre meio ambiente está presente o
tempo todo, em qualquer lugar do mundo. Entretanto - como vimos no Quadro 2 - ela não
traz o viés crítico que educa, é meramente pontual (Dia da Árvore, Dia do Índio...uma
catástrofe aqui, outra ali, grandes números, imagens impressionantes...), denuncista ou
espetaculosa, o que em nada ajuda a educar, mudar, transformar. 25
O quadro a seguir mostra a vinculação geográfica das matérias. É possível
perceber que a cobertura local é expressiva no Jornal da Cidade, graças aos cadernos
22
Cf. ORTIZ ,1994, p. 9.
"A virtualização reinventa uma cultura nômade [...] Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma
informação se virtualizam, eles se tornam `não presentes´ , se desterritorializam. Uma espécie de `desengate`
os separa do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário". Cf. LÉVY,
P. O que é virtual?. Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1998, p. 21.
24
Cf. SANTOS, 1997, p. 31.
25
"Bradamos contra certos efeitos da exploração selvagem da natureza, mas não falamos bastante da relação
entre sua dominação tecnicamente fundada, as forças mundiais que insistem em manter o mesmo modelo de
vida e o fato apontado, desde os anos 1950, por G. Friedmann, de a tecnicização estar levando ao
condicionamento anárquico do homem moderno. A racionalização da existência, tão dependente das relações
atuais entre técnica e sociedade, é um dos seus pilares." Cf. SANTOS, op. cit. p. 24.
23
.
213
Bairros, Saúde, Região e Criança, enquanto a Folha de S. Paulo tem mais volume de
cobertura, por suas próprias características, a nível nacional, especialmente no centro-oeste,
onde estão os problemas da soja, desmatamento da floresta amazônica, as declarações
ministeriais e dos órgãos públicos de Brasília etc. Novamente aparece o pico de publicações
sobre o maremoto da Ásia, no mês de janeiro, nos dois jornais pesquisados. O gráfico
também revela uma concentração de matérias sobre meio ambiente no país, em contraste
com uma rala cobertura internacional. Entretanto, os assuntos internacionais podem ser
repercutidos a nível local, rendendo excelentes pautas, se considerarmos que tudo está
interligado e que tudo interessa a todos.
QUADRO 5
VINCULAÇÃO GEOGRÁFICA DAS MATÉRIAS
Janeiro
BRASIL
FSP
Fevereiro
JC
FSP
Março
JC
FSP
Abril
JC
FSP
Maio
JC
FSP
Junho
JC
FSP
julho
JC
FSP
JC
Sul
1
1
1
-
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
Sudeste
5
1
2
2
7
3
4
1
4
3
1
-
2
-
Centro
Oeste
8
-
2
-
6
2
1
-
-
-
3
-
-
-
Norte
3
-
6
2
-
-
1
1
1
2
-
1
-
Nordeste
1
-
2
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Local
4
18
1
4
3
7
-
8
2
6
2
2
1
3
Regional
-
4
-
5
-
4
-
2
-
2
-
2
-
-
País
8
1
3
4
-
-
-
-
6
-
-
-
-
-
América /
Sul
3
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
América.
Central
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
América/
Norte
-
-
3
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Europa
-
-
1
-
1
-
1
-
-
1
-
-
-
-
África
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
11
9
1
1
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
MUNDO
Ásia
Oceania
-
Obs.: A África recebe cobertura insignificante, apesar de suas vinculações históricas com o
214
Brasil e o mundo, notadamente na área ambiental e dos direitos humanos.
4. Conclusão
O presente capítulo constata o que já era esperado na hipótese. Isto é, do
modo como é feito, o jornalismo não contribui para educar e transformar o comportamento
das pessoas. Específicamente no caso do consumo, não há qualquer preocupação em educar
para a sustentabilidade. Em 120 matérias ambientais selecionadas no jornal 1, apenas seis
apresentavam conteúdos parcialmente educativos. Nas 100 matérias colhidas no jornal 2,
constatamos 11 com preocupação educativa, mas também de forma insuficiente.
Naturalmente, esta conclusão não pode ser considerada uma novidade,
pois várias outras pesquisas têm constatado o desinteresse da imprensa em educar. Alguns
comunicadores chegam a questionar se a televisão, por exemplo, tem o dever de educar,
achando que "isto é problema da escola" e "da família", por certo ignorando a influência da
mídia na sociedade e a responsabilidade ética e social decorrente da concessão e do próprio
exercício da profissão de comunicador.
Por isto, exatamente para não ficar na mera constatação,
encerramos aqui a nossa pesquisa quantitativa e, nos capítulos finais deste trabalho,
estaremos demonstrando o que nossos estudantes de jornalismo podem fazer para propor um
outro jornalismo possível, que realmente possa ajudar a mudar o modo como a sociedade vê
o meio ambiente, rumo à sustentabilidade.
Trata-se, portanto, de uma ruptura, como veremos.
215
A PERCEPÇÃO DO TEMA
AMBIENTAL NA UNIVERSIDADE
1.
A necessária formação sistêmica
2.
Definição dos estudantes
3.
Falha sistêmica
4.
Educação para o consumo
216
Capítulo 8
A PERCEPÇÃO DO TEMA AMBIENTAL
NA UNIVERSIDADE
Estamos no início do conhecimento.
Estamos no início da consciência.
MORIN
1. A Necessária Formação Sistêmica
É impossível romper os padrões estabelecidos na produção
e nas linguagens do jornalismo sem repensar o próprio ensino universitário. 1 Quando Paulo
Freire dirige sua pregação pedagógica aos "oprimidos", com certeza devemos incluir entre
esses "oprimidos", de alguma forma, também os estudantes e nós, os professores
universitários, herdeiros que somos
de um sistema de ensino atrelado e aferrado aos
pressupostos de um passado distante, por suas metodologias reducionistas, por sua infraestrutura institucional arcaica, por seus conceitos cientificistas, por sua dificuldade crônica
em se abrir para o novo, o diferente. Esta é uma autocrítica construtiva, como se verá a
seguir.
1
No séc. XIX, a Universidade soube responder ao desafio do desenvolvimento das ciências, ao realizar sua
grande transformação, a partir de 1809. Tornou-se laica, quando instituiu sua liberdade interna frente à religião
e ao poder; abriu-se à grande problematização, surgida com o Renascimento, que interrroga o mundo, a
natureza, a vida, o homem, Deus. [...] a reforma criou Departamentos onde introduziu as ciências modernas. A
partir daí, a Universidade faz com que coexistam - mas não se comuniquem - as duas culturas: a das
humanidades e a cultura científica. Ao criar os Departamentos, Humboldt percebera bem o caráter transecular
da integração das ciências na Universidade. Para ele, a formação profissional [conveniente às escolas técnicas]
não deveria ser tomada como a vocação direta da Universidade, mas apenas como vocação indireta, pela
formação de uma postura de pesquisa. [...] A Universidade deve adaptar-se à sociedade ou a sociedade deve
adaptar-se à Universidade? Há complementaridade e antagonismo entre as duas missões, [...] uma remete à
outra em um círculo que deve ser produtivo. Não se trata apenas de modernizar a cultura: trata-se, também, de
culturalizar a modernidade. Cf. MORIN, 2003, p. 81-82.
217
Com efeito, não se pode dizer que um curso universitário
pratica uma "educação libertadora" quando está preocupado apenas em enroscar parafusos
no mercado, através das especialidades e do conhecimento utilitário, fechado em si mesmo.
É muito pouco ensinar ao estudante de jornalismo o "bê-a-bá" da profissão: Pegar a sugestão
do pauteiro, comparecer a um local determinado, presenciar um evento ou conversar com
alguém, voltar para a redação, abrir o arquivo de texto e declarar, na sua matéria, quem fez o
que, quando, onde, como e porque; depois deste resumo-lead, fazer um segundo parágrafo
contendo um sub-lead; empilhar os demais dados em ordem de importância decrescente, de
tal modo que as últimas linhas do texto possam ser cortadas a qualquer momento sem
prejuízo do entendimento da matéria, conforme a técnica da "pirâmide invertida", um padrão
americano de produtividade e objetividade que tomou conta da imprensa brasileira no séc.
XX.
É fundamental, sem qualquer dúvida, que o futuro jornalista
aprenda as técnicas de reportagem e de entrevista. Também é muito importante que aprenda
a sintetizar o que escreve. Esse poder de síntese resultará em bons leads e, principalmente,
ajudará o profissional a "jogar fora o cascalho", isto é, a desprezar as informações menos
importantes, privilegiando as que realmente interessam ao leitor. Nisto consiste a
objetividade. Em muitas situações do jornalismo, saber sintetizar é fundamental.
Se este modelo funciona, se todos fazem assim, se o
mercado quer assim, porque ensinar diferente? Afinal, o mundo do mercado está dado, resta
apenas que os futuros profissionais se adaptem a ele. Neste caso, bastará "depositar" na
cabeça "vazia" dos jovens os conhecimentos teóricos e a experiência de vida do professor.
Nada tão simples e tão funcional. Ao final do curso, tendo "memorizado" todas as técnicas,
o aluno estará pronto, será um profissional "acabado". Este modelo reducionista consagra os
mitos estabelecidos pela dominação, pelos quais o professor sabe tudo e o aluno não sabe
nada. A estrutura atrás do professor lhe confere poderes para perpetuar essa planificação
simplificada do conhecimento a partir da "inferioridade intrínseca" do educando cuja mente
é "invadida", é "tomada de assalto" pelo culto "educador" que impõe uma visão de mundo
conformista, freiando e minando a criatividade, retirando do aluno o sentido de "cultivar a
vida" (biofilia), com alegria e emoção, e inculcando-lhe o pessimismo dos que "cultivam a
morte" (necrofilia), como observa Paulo Freire.
218
...na invasão cultural, como de resto em todas as modalidades da ação antidialógica, os invasores são
autores e atores do processo, seu sujeito; os invadidos, seus objetos. Os invasores modelam; os
invadidos são modelados. Os invasores optam; os invadidos seguem sua opção. Pelo menos é esta a
expectativa daqueles. Os invasores atuam; os invadidos têm a ilusão de que atuam, na atuação dos
invasores. [...] A invasão cultural tem uma dupla face. De um lado, é já dominação; de outro, é tática de
dominação. Na verdade, toda dominação implica uma invasão, não apenas física, visível, mas às vezes
2
camuflada, em que o invasor se apresenta como se fosse o amigo que ajuda. (FREIRE, 2005, p. 173).
Para não haver dúvidas sobre a abrangência do público ao
qual o educador se dirige - pois não é raro que nós, professores universitários, estejamos
"perpassados" por uma cultura de dominação cultural, reproduzindo tais modelos até
imperceptivelmente - convém registrar a advertência do pedagogo:
Os lares e as escolas, primárias, médias e universitárias, que não existem no ar, mas no tempo e no
espaço, não podem escapar às influências das condições objetivas estruturais. Funcionam, em grande
medida, nas estruturas dominadoras, como agências formadoras de futuros `invasores`` . 3
O próprio Paulo Freire informa, claramente, que a
pedagogia do oprimido, voltada para a educação dialógica em que educandos e educadores
se educam mutuamente, num continuado processo de crescimento no qual ambos são
"sujeitos", "comensura-se ao homem todo, e seus princípios fundam toda pedagogia, desde
a alfabetização até os mais altos níveis do labor universitário".
Portanto não podemos entender o Método Paulo Freire
apenas como um método voltado para a alfabetização propriamente dita, mas sim à
"alfabetização dos alfabetizados", do mesmo modo que o presidente da Sociedade Brasileira
de Jornalismo Científico, prof. Ulisses Capozólli, prega a "alfabetização científica
da
população brasileira", enquanto o escritor especializado em temas ambientais e professor de
jornalismo da PUC-Rio, André Trigueiro, defende a "alfabetização ecológica dos
jornalistas".
2
4
Cf. Pedagogia do Oprimido, 2005, p. 173.
id. ibid., p. 176.
4
Cf. Palestra de André Trigueiro sobre "A Formação do Jornalista", no I Congresso Brasileiro de Jornalismo
Ambiental. Santos-SP, de 12 a 14 de outubro de 2005. In: CAMPOS, Pedro Celso. "Comunicação: Curso não
HYPERLINK
está completo sem Jornalismo Ambiental", diz André Trigueiro em Santos". Disponível em
file://A:\\EcoAgência file://A:\EcoAgência Solidária de Notícias Ambientais - Brasil. htm, Acesso em: 27
out. 2005
3
219
Por certo a alfabetização ecológica dos jornalistas implicará
no ensino-aprendizagem de inspiração sistêmica, único capaz de "libertar" o futuro
profissional dos preconceitos e dos condicionamentos dominadores que traz de origem se
considerarmos que, como país periférico, temos a "dominação" inscrita em nosso DNA
sócio-cultural. Só aprendendo a objetivar essa dominação, reconhecendo-a para conhecê-la,
seremos capazes de julgar e sacudir esse jugo opressor. É na sala de aula que temos a
oportunidade de ensinar os alunos a julgarem o mundo ao invés de acatá-lo. O estudante de
jornalismo - por sua própria formação de generalista - não pode se render a fórmulas que
enquadram o mundo no rol das coisas simples. Não pode aceitar o refrão do rap: "Tá tudo
dominado".
É lendo, é estudando muito que o estudante conseguirá
romper os paradigmas estabelecidos. Deve inspirar-se em grandes homens que tiveram a
ousadia de pensar diferente como Galileu enfrentando o poder eclesial, como Einstein 5
contrariando o mundo mecanicamente simples de Newton. Em 1666, o pai da ciência
moderna, Sir Isaac Newton, como já vimos antes, concebia o mundo como um lugar sólido,
estável, um todo organizado pelo paradigma gravitacional. Foi o annus mirabilis (período
admirável) do grande cientista. Tão grande que só em 1905 a expressão latina para definir a
obra dos grandes gênios da humanidade foi novamente empregada para qualificar a
genialidade da Teoria da Relatividade, através da qual Einstein ousou dizer que não é nada
disso. O mundo é também um lugar instável, repleto de moléculas e átomos em colisão
constante, portanto é também um mundo invisível, misterioso, uma obra aberta ao estudo da
mente humana. O mundo de Einstein, que é o nosso mundo, não está dado, está em aberto,
está em processo, do mesmo modo que o próprio homem é um ser inconcluso que busca a
integração no Todo.
Depois de afirmar que "os sinos dobram por uma teoria
fechada, fragmentada e simplificadora do homem" e que "a era da teoria aberta,
multidimensional e complexa já começou", Edgar Morin 6 também reafirma o homem como
uma maravilhosa obra aberta à criatividade, ao devir, à emoção, a todas as infinitas
5
"A principal qualidade de Einstein é o conhecimento aliado à imaginação. Ele demonstrou que a resposta às
questões que desafiam a humanidade nem sempre depende de equações matemáticas e experiências de
laboratório. Embora fundamentais, vieram a reboque de uma contemplação dos fenômenos, de uma busca
incessante pela solução das charadas do cosmo, de uma estesia diante do que era aparentemente inexplicável".
Cf. VENTUROLI, Thereza. In: Reportagem Especial sobre os 100 anos da Teoria da Relatividade. Revista
Veja, ed. 1915, ano 38, São Paulo: Ed. Abril, 27 jul. 2002, p. 109.
6
MORIN, E. O Enigma do Homem - Para uma Nova Antropologia, 1975, p. 199.
220
possibilidades do desconhecido, o homem neguentrópico, o demens criativo que
complementa o faber operoso. Ainda que necessariamente longa, a página de Morin é
ontológica, impagável, fundante em seu incorrigível otimismo sobre a espécie humana,
[lembrando-nos a loucura como sinônimo de criatividade, conforme já vimos em Erasmo, no
Capítulo I]:
Somos chamados a procurar alguma ligação consubstancial entre o homo faber e o homem mitológico;
entre o pensamento objetivo - técnico - lógico - empírico e o pensamento subjetivo - fantástico - mítico
- mágico; entre o homem racional, apto ao controle de si próprio, a duvidar, a verificar, a construir, a
organizar, a realizar ou acabar (to achieve) e, por outro lado, o homem irracional, inconsciente de si
próprio, incontrolado, inacabado, destruidor, iluminado por quimeras, temerário; enfim, a expansão
conquistadora do sapiens, a sociedade cada vez mais complexa e, por outro lado, a proliferação das
desordens e dos delírios. [...] Já não se pode imputar desordens e erros às insuficiências ingênuas, às
incompetências da humanidade primitiva, que seriam reduzidas progressivamente pela ordem policiada
e pela verdade civilizada. O processo é, na verdade, até hoje, inverso. Já não se pode opor
substancialmente, abstratamente, razão e loucura. Precisamos, ao contrário, sobrepor ao rosto sério,
trabalhador, aplicado do homo sapiens, o rosto ao mesmo tempo diverso e idêntico do homo demens. O
homem é louco-sábio. A verdade humana comporta o erro. A ordem humana comporta a desordem.
Trata-se, então, de perguntar se os progressos da complexidade, da invenção, da inteligência, da
sociedade se realizaram apesar, com ou por causa da desordem, do erro, do fantástico. E
responderemos, ao mesmo tempo, por causa de, com e apesar de, com a resposta certa só podendo ser
complexa e contraditória. (MORIN, 1975, p. 118-119). 7
A tese do homem como ser inconcluso, consciente de sua
inconclusão, e seu permanente movimento em busca de ser mais também está presente,
novamente, em Paulo Freire: "Diferentemente dos animais que são apenas inacabados, mas
não são históricos, os homens se sabem inacabados [...] daí que seja a educação um
quefazer permanente".
Assim, o pedagogo denuncia o "humanitarismo", que não é
humanismo, dos educadores que procuram, de todos os meios, preservar a situação de que
são beneficiários e que lhes possibilita a manutenção de sua falsa generosidade na
"distribuição" do saber. E também por isto reagem, até instintivamente, contra qualquer
tentativa de uma educação estimulante do pensar autêntico, que não se deixa emaranhar
pelas visões parciais da realidade, buscando sempre os nexos que prendem um ponto a
7Cf. MORIN, 1975, p. 118 - 119.
221
outro, ou um problema a outro . 8
A educação plena se faz na relação educador-educando com
educando-educador, de modo que o educador já não é o que apenas educa, mas o que,
enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também
educa, tornando-se ambos sujeitos do processo no qual crescem juntos, onde os "argumentos
de autoridade" já não valem, em que, para ser-se , funcionalmente, autoridade, se necessita
de estar sendo com as liberdades e não contra elas, segundo Freire. 9
A mudança no modo de ensinar certamente terá efeitos
altamente significativos na vida profissional do futuro jornalista. O estudante acostumado
com a reflexão crítica, com o pensamento sistêmico, que trava contato com os autores dessa
abordagem do holismo e da complexidade, estará mais preparado para compreender e
respeitar as diferenças, será um profissional menos preconceituoso, menos arrogante, menos
"acomodado" diante da linha editorial do seu veículo, certamente mais criativo ao sacudir da
sua bagagem cultural os paradigmas estranguladores das normas impostas.
Tratando-se do jornalismo ambiental, a bagagem sistêmica é
inevitável. Não apenas inevitável pelo próprio caráter de interdisciplinaridade da matéria,
como já visto exaustivamente, mas, principalmente, porque aprender a "pensar o todo" é
mais que uma disciplina, é uma gnosiologia, é um método de procedimento que pode e deve
ser aplicado não apenas em relação ao meio ambiente mas em relação a tudo o mais na vida.
Tanto na vida acadêmica (ao questionar o modo como as disciplinas são aplicadas, como
elas estão distribuídas na grade curricular, qual a participação dos alunos na formação do
currículo, qual a disponibilidade de laboratórios, quais os projetos de extensão que
interconectam a escola com a sociedade, quais as pesquisas em andamento etc), como na
vida profissional (no seu relacionamento dentro da redação, nas relações com as fontes de
informação, em qualquer tipo de cobertura jornalística), o estudante, depois o profissional,
estará sempre agindo sistemicamente. Ele produzirá um trabalho com mais qualidade se
souber fazer as relações certas e se não abrir mão da emoção, da vida, do amor que o leva a
ser ele no outro, a entregar-se ao jornalismo de corpo e alma, com fé, com o desprendimento
de um Camilo Torres no seu amor à causa revolucionária. 10
8
FREIRE, op. cit. p. 69.
id., ibid.
10
De Camilo Torres, disse Germano Guzman: "Jogou-se inteiro porque entregou tudo. A cada hora manteve
com o povo uma atitude vital de compromisso, como sacerdote, como cristão e como revolucionário".
Cf.
GUZMAN G. "Camilo, El Cura Guerrillero". Bogotá: Servicios Especiales de Prensa, 1967, p. 5. In:
FREIRE, 2005, p. 186.
9
222
Quando chega à Universidade, geralmente, o jovem está
vindo de uma refrega competitiva e desenfreada que é o vestibular. Pela primeira vez
encontra-se longe da família, tendo que administrar a própria vida: desde cozinhar macarrão
a pagar contas, marcar presença nas "baladas" - o que não é a parte mais difícil, por certo - a
relacionar-se com pessoas estranhas. Os professores que ministram aulas no primeiro termo,
por exemplo, precisam ter a compreensão desse instante de "estupefação" que o jovem está
vivendo. Muitas vezes, nessas circunstâncias, o jovem precisa mais de um pai, um amigo,
um companheiro do que de um brilhante conferencista, até aprender a lidar com a realidade
à sua volta. Respeitar essa fase de fragilidade pessoal no processo de iniciação à vida
universitária, também é educativo, é pedagógico, é sistêmico. É generosidade autêntica, é
humanismo e não humanitarismo.
2. Definição dos Estudantes
O primeiro tópico deste capítulo introduziu um olhar crítico
sobre a paisagem do ensino de jornalismo com o objetivo de assentar as bases para a
apresentação dos resultados de uma sondagem qualitativa que realizamos entre os estudantes
no mês de outubro de 2005, especialmente para este estudo acadêmico. Foram impressos
100 questionários 11 com perguntas estruturadas e não estruturadas sobre jornalismo
ambiental, meio ambiente, ensino e mídia. A maior parte dos questionários foi respondida
pelos alunos da Unesp/Bauru, mas também obtivemos algum retorno - embora pequeno entre alunos presentes no I Congresso de Jornalismo Ambiental que ajudamos a organizar no
SESC de Santos, de 12 a 14 de outubro do mesmo ano, como já lembrado.
Apenas 48% dos questionários voltaram preenchidos,
alguns parcialmente. A indagação básica era: "Os estudantes de jornalismo conseguem ter
uma visão integrada, ou sistêmica, do problema ambiental?". Apesar da Unesp ainda não
contar, em seu currículo de Comunicação, com a disciplina específica, consideramos que os
estudantes são, antes de tudo, cidadãos inseridos no mundo. Por aspirarem à profissão de
comunicadores, também são receptores privilegiados da mídia, na qual a questão
ambiental está cada vez mais fortemente inserida. Portanto, consideramos importante saber
11
Veja no Anexo F o modelo de questionário usado nas entrevistas com os estudantes.
223
se, como estudantes de jornalismo, estão recebendo uma "formação sistêmica" e se, como
cidadãos e futuros jornalistas, têm uma visão crítica sobre a mídia e sobre o noticiário
ambiental nela veiculado.
Na primeira questão pedia-se que o jovem - a maioria na
faixa de 20 anos - definisse o que entendia por "jornalismo ambiental". Exatamente 24
respostas (50%) associaram o jornalismo ambiental com as categorias "educação",
"preservação", "conscientização". Algumas respostas foram mais elaboradas, como nestes
exemplos:
- Encaro o jornalismo ambiental como uma área que irá tratar de um dos temas mais importantes da
futura civilização. Isso porque, com a destruição de todo o ecossistema, é óbvio que a preservação será
necessidade plena para a manutenção da vida. Desse modo, os meios de comunicação, através do
jornalismo ambiental, estarão diretamente ligados à conscientização e ao combate à destruição da
natureza.
- O jornalismo ambiental engloba reportagens que abordam as relações do homem com o meio
ambiente e as implicações da exploração da natureza; explica o que são, como ocorrem e quais são as
conseqüências dos problemas resultantes da interferência do homem sobre o meio. Também relaciona a
questão ambiental com economia, política, saúde etc.
- Assim como cresce a preocupação com o meio ambiente e sua degradação, o jornalismo ambiental tem
ganhado força nos últimos tempos. Eu o defino como um espelho da realidade em que se encontra a
natureza. É ele quem traz à tona a situação péssima em que o meio ambiente se encontra devido à ação
do homem.
- [Trata-se de] uma prática jornalística que procura aprofundar e discutir as questões ambientais,
"traduzindo" sua complexidade para a sociedade. 12
Em outras respostas à mesma questão,
os estudantes
criticaram o estágio atual do jornalismo ambiental praticado na mídia. a) "[Trata-se de] um
processo, infelizmente, ainda muito distante pelo seu grau de importância". b) "O
jornalismo ambiental é uma ferramenta mal utilizada de melhoria da qualidade de vida da
população". c) " [É um jornalismo] ausente nos meios de comunicação, destacando-se
alguns sites, o que privilegia pequena parte. [É] pouco aprofundado, superficial e
desinformativo". 13
12
Esta última resposta é de uma aluna da Universidade Federal da Bahia-UFBA, estagiária de comunicação em
uma ONG ambiental. As demais são de alunos da Unesp.
13
Resposta de uma aluna da Unisantos.
224
Nestes dois grupos de respostas é possível perceber duas
preocupações: uma sobre o que ou como deveria ser o jornalismo ambiental, isto é, voltado
para a educação, a preservação, a conscientização; outra sobre como ele é: distante, mal
utilizado, ausente, superficial, desinformativo.
Esta constatação fica mais evidente quando cruzamos as
respostas da primeira pergunta com as que foram dadas à pergunta número 4, na qual os
alunos puderam optar, objetivamente, qualificando o noticiário sobre meio ambiente na
mídia de a) suficiente, b) insuficiente, c) mais ou menos. Poucos alunos optaram por "mais
ou menos". Ninguém registrou "suficiente". A maioria esmagadora anotou "Insuficiente".
A segunda pergunta testou a coerência entre discurso e
prática, inquirindo dos alunos alguma atitude prática que tomam, na sua vida diária, a favor
da preservação ambiental. A maioria respondeu que separa o lixo reciclável em casa, tenta
economizar água, não joga lixo no chão de jeito nenhum. Alguns disseram que plantam
diariamente uma árvore através do site
www.clickarvore.com.br
HYPERLINK http://www.clickarvore.com.br
e uma aluna informou que faz parte do Greenpeace e do WWF.
São respostas esperadas de futuros jornalistas, com exceção
de um aluno de 26 anos que respondeu nada estar fazendo pelo meio ambiente e
acrescentou, literalmente: "Embora saiba [que é errado] eu mesmo jogo papéis de lixo nas
ruas". Ainda que a sinceridade deste aluno constitua uma informação decepcionante, a
verdade é que ele não está sozinho: o hábito de jogar lixo pela janela do carro ou enquanto
caminhamos pelas ruas ou mesmo nos ambientes de circulação interna ou em veículos
coletivos ainda é muito comum em nosso país. É mais um motivo a justificar uma educação
ambiental permanente integrando mídia, escola, família, sociedade, órgãos públicos e
privados etc. Em muitos países já existem severas multas para quem joga papel ou qualquer
outro lixo no chão. Curitiba, por exemplo, é uma cidade que se destaca no país pela
conscientização ecológica de seus habitantes que, ajudando a zelar pela limpeza das ruas,
contribuem com o status de cidade com a melhor qualidade de vida do país que a capital do
Paraná ostenta com justificado orgulho em todo o mundo. No caso de Curitiba não foi
necessário introduzir legislação punitiva, bastou educar a sociedade.
225
3. Falha Sistêmica
À pergunta (de número 3) "na sua opinião, quais são os
maiores problemas ambientais da atualidade?" a maioria respondeu com os temas mais
presentes na mídia: Poluição e risco de escassez da água, desmatamento, lixo, aquecimento
global. Apenas dois alunos lembraram-se do "excesso de embalagens de produtos que polui
os rios e sobrecarrega os lixões". A aluna estagiária de uma ONG ambiental citou, entre os
maiores problemas ambientais do momento, o projeto de transposição do Rio São Francisco.
Mas, no meio ambiente, um problema decorre do outro.
Nada está isolado. Assim, o conceito de "maior" ou "menor" é relativo. Uma aluna de 19
anos percebeu isto e respondeu: "Não há maiores problemas ou problema de maior
relevância, todos afetam o meio ambiente como um todo". Esta é uma resposta sistêmica,
infelizmente única, isolada.
Relacionando-se as respostas a esta pergunta com as que
foram dadas à pergunta número 9 sobre o modo como cada problema "afeta" o(a) aluno(a),
foi possível observar, do mesmo modo, a falta de uma visão de conjunto, a dificuldade em
estabelecer relações lógicas entre os problemas ambientais. Assim, uma aluna que citou,
entre os principais problemas, a camada de ozônio, a poluição, o efeito estufa e o
superaquecimento do planeta atribuiu - em uma escala de 1 a 10 - nota 5 ao item
"combustíveis poluentes" e igual nota ao item "resíduos industriais e do trânsito". Também
deu 5 para "lixo" e novamente 5 para "agrotóxicos".
Outra aluna citou o "excesso de carros nas ruas" como fator
de poluição, mas, em seguida, atribuiu nota 3 ao item "resíduos industriais e do trânsito",
enquanto o item "aquecimento" mereceu apenas 2. Uma terceira aluna que se revelou
preocupada com o "desperdício da água", também deu nota 2 ao item "escassez e poluição
da água". Já o aluno que confessou jogar lixo na rua na pergunta número 2, revelou
"preocupação máxima" (nota 10) com o problema ambiental do lixo, na pergunta número 9.
Este mesmo aluno foi o único a dar nota mínima (1) ao item "corrupção"...Embora de outra
forma, aqui também a questão é sistêmica.
"O despejo de lixo industrial na natureza" foi o principal
problema ambiental apontado por uma aluna na questão número 3, mas na pontuação dos
problemas que mais a incomodam, a mesma aluna atribuiu 7 pontos ao item "resíduos
industriais e do trânsito" e 6 pontos ao item "lixo não perecível".
226
Entre outras incoerências nas duas questões apontadas,
observou-se a "falha sistêmica" na formação de pessoas que estão com os olhos voltados
para a mídia - portanto têm um bom nível de informação - cabendo indagar quanto mais
grave não será, então, a dificuldade do cidadão comum, das pessoas com menos acesso à
informação, para estabelecer a necessária conexão entre os problemas ambientais, suas
causas e seus efeitos. Isto aponta para a obrigação que a mídia deve se impor para ir além da
mera descrição, apresentando as causas e conseqüências dos problemas ambientais, mesmo
quando se trata de criticar paradigmas secularmente estabelecidos como o conceito de
"produção e consumo".
A dificuldade em mirar além do que "está dado", de romper
o que é comum, de perceber o "mundo invisível", também fica patente quando se combina
as respostas dadas às perguntas número 11 e 12. A primeira dizia, textualmente: "Que temas
v. sugere para uma disciplina universitária sobre jornalismo ambiental?". A seguinte
indagava: "Como as aulas de jornalismo ambiental poderiam ser mais criativas e
diferenciadas?". Ora, sabe-se que a UNESP ainda não tem esta disciplina, mas nada impede
que se possa conceituá-la. Isto, entretanto, não foi possível para aqueles alunos que
responderam simplesmente: a) nunca participei de uma aula de jornalismo ambiental, b)
não conheço as aulas de jornalismo ambiental, c) não tenho aulas de jornalismo ambiental
ainda, d) elas ainda não existem.
Em compensação, vários sugeriram aulas "de campo", "de
sensibilização com a realidade", "de contatos com a população", "de debates com
ambientalistas", "de relatos de experiências", "de projetos de extensão"...afinal, aulas com
abordagem sistêmica, que fujam do cansativo verbalismo professoral. É exatamente isto que
faz a professora Ilza Girardi Tourinho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Suas
aulas de jornalismo ambiental incluem danças típicas, contatos com os alunos do ensino
básico, encontros com ambientalistas, visitas a locais-problemas, audição de boa música etc.
Em São Paulo a professora Cremilda Medina, da ECA-USP, conduz, há vários anos, o
projeto "São Paulo de Perfil" que já publicou dezenas de livros-reportagem sobre bairros,
instituições, locais e pessoas da cidade (como veremos, detalhadamente, no Capítulo 9).
As
duas
professoras
citadas,
entre
tantos
outros
profissionais competentes da universidade brasileira, trabalham integralmente com a
abordagem sistêmica. E por todo o Brasil os estudantes de comunicação decidem escrever
Trabalhos de Conclusão de Curso-TCCs, na forma de grandes reportagens depois de lerem o
227
clássico "Páginas Ampliadas", do professor Edvaldo Pereira Lima, também da ECA. Na
disciplina "Jornalismo Científico", ainda na ECA, o professor Luiz Barco incita os alunos a
voarem alto nas leituras que tratam da aventura humana, estimulando-os a publicarem seus
textos para que a pesquisa não fique restrita aos muros da universidade. Age da mesma
forma o professor Wilson Bueno - que ajudou a promover o I Congresso Brasileiro de
Jornalismo Ambiental em Santos - também ele da área de Jornalismo Científico, ajudando e
orientando estudantes do Brasil inteiro através de quatro sites na Internet, com bravos e bem
fundamentados artigos em defesa do meio ambiente.
O que não falta é bom exemplo para quem quer melhorar
suas aulas de jornalismo.
4. Educação para o Consumo
Tendo em vista o objetivo de "educar para o consumo" que este
trabalho defende, levantamos, na pergunta n. 5 do questionário qualitativo, uma reflexão
para os futuros jornalistas: "Se o jornalismo - pautando mais, contextualizando, trabalhando
a narrativa com histórias de vida, sendo mais criativo - educasse a cidadania para o
consumo sustentável teríamos, no futuro, uma população mais consciente sobre as relações
homem/natureza e também sobre a tolerância e o respeito entre as pessoas. V. concorda? O
que pensa a respeito? Como vê a educação para o consumo?" Várias respostas englobaram
a pergunta seguinte (n. 6): "De que modo o jornalismo poderia ser mais persuasivo para
mudar comportamentos? Como o jornalismo ambiental poderia ser mais eficiente?".
As respostas foram encorajadoras:
Iris Cristina Ferreira Bernardes, da Universidade Federal do Paraná, escreveu: " O jornalismo não é o
único responsável pela educação da sociedade para o meio ambiente. Outras instituições, como escola,
família e, até mesmo, a igreja também devem contribuir. No entanto, num país como o Brasil, que
carece de educação formal de qualidade e que, ainda, lê pouco, a importância da mídia aumenta e sua
responsabilidade social também é potencializada. Assim, considero que o jornalismo deve assumir um
papel de formador, além de informador. E, devido à emergência das questões ambientais, deveria
assumir essa responsabilidade social e se tornar um instrumento de educação ambiental. Deveria,
portanto, contrapor-se à corrente consumista e estimular o consumo consciente, mostrando as
conseqüências do consumo excessivo e o que pode ser feito para alterar esse padrão vigente. [Sobre a
pergunta seguinte] o jornalismo ambiental deve esclarecer conceitos científicos e termos desconhecidos
pela maior parte da população. Também considero necessário não fazer apenas abordagens catastróficas
e futuras (como, por exemplo, em X anos a temperatura da Terra aumentará Y graus celsius), mas
também mostrar como os problemas ambientais alteram nosso dia-a-dia e a cidade em que vivemos; e
quais são as soluções...A população precisa entender que os problemas ambientais estão bem próximos
228
dela e que elas serão e são afetadas pela poluição (por exemplo, a emissão de gases poluentes por
indústrias causa problemas respiratórios).
Felipe Prado, da Unesp: "...Para conscientizar em grande massa, é necessário envolver os grandes
meios de comunicação...A disciplina `educação para o consumo` deveria constar das grandes escolares,
já que o tema é de extrema importância; as pessoas estariam mais aptas a comentarem e discutirem as
soluções, além, é claro, de se conscientizarem muito mais do que nos dias atuais. Para ser mais
persuasivo, o jornalismo deveria aprofundar melhor as matérias, dar mais tempo de duração, no caso da
televisão, e narrar mais as histórias, aproveitar as personagens, tanto na televisão como no radiofônico e
no escrito, na Internet ou no impresso".
Ana Carolina Teles Garcia, da Universidade Federal da Bahia: " Penso que a educação para o
consumo consciente e sustentável é uma questão de mudança de cultura, de hábitos, e a mídia e os
profissionais da comunicação têm uma enorme responsabilidade e poder para fazer isto. Acho que falta
maior capacidade de investigação e aprofundamento dos temas ambientais e uma linguagem mais
acessível à população". 14
Heloisa Pisani, Unesp: "Acredito que o jornalismo deveria trabalhar mais o aspecto educativo dos
conteúdos transmitidos e deixar de tentar se mostrar apenas informativo (o que, na maioria das vezes,
esconde conclusões veladas pré-estabelecidas). Deveria fazer análises mais profundas dos temas
abordados e de forma mais explicativa, pedagógica".
Renata Leão Balistieri, da Unisantos: " A base da humanidade e da civilização é a educação. O
jornalismo é a ponte para isso. Certamente melhoraria (abordando o assunto profundamente). [Também
é necessário] criar veículos e espaço destinados ao jornalismo ambiental e implantá-lo naqueles veículos
que já existem".
Priscila Medina de Castro, Unesp: "O jornalismo ambiental poderia ser mais persuasivo se contasse
com jornalistas que também fossem ecólogos. [Sobre a educação], concordo, entretanto devemos
encarar que em uma sociedade capitalista isto será difícil".
Renata Leite, da Paraíba (escola não citada): "A educação é o caminho para a consciência dos povos.
[O jornalismo ambiental poderia ser mais persuasivo} nas histórias que já aconteceram, nas narrativas
dos fatos como exemplos".
Maíra Soares, Unesp: "Acho que não depende só do jornalismo, mas também acho que o jornalismo
deve parar de tentar educar via moralização. [Deve] tentar mostrar causas e conseqüências reais e mais
próximas do leitor (receptor)".
Beatriz Maia, Unesp: "A educação existe, mas acho que é feita de modo errado. Não coloca em
perspectiva o que cada cidadão pode fazer para colaborar. Falta mostrar como as ações individuais
podem melhorar o planeta".
Mozarth Dias de A.. Miranda, Unesp: "[A colaboração da mídia] estabeleceria nova forma de educação
e chegaríamos, no futuro, a uma tolerância homem/natureza completa. O jornalismo poderia ser mais
persuasivo com a conscientização política do receptor e com maior presença das ONGs de notícias
ambientais na mídia".
Guilherme Henrique N. Campos, Unesp: "Considero que poderia ser feito o mesmo que acontece com
estratégias para eleger políticos: desenvolver mensagens figurativas com o intuito de induzir o receptor
ao espírito consciente. Uma via seria a exposição impactante da realidade, seguida de projeções
retratando as conseqüências a longo prazo da falta de preservação".
14
A aluna está coberta de razão. O grande público não tem a obrigação de saber, num primeiro momento, o
que é bioma, ecossistema, efeito estufa, sustentabilidade, crédito-carbono etc. É necessário explicar.
229
Mayra F. Ferreira, Unesp: "O jornalismo tem como princípio a educação do leitor/expectador. Desta
forma, suas pautas devem valorizar o papel do indivíduo na natureza [...] reportando exemplos
concretos e ilustrativos dos problemas, com destaque para seus efeitos e conseqüências". 15
Andressa S. Silva, Unesp: "Hoje, por mais que alguns tentem reverter a situação, a maior parte da
população não tem acesso à educação ambiental. Os meios de comunicação têm um papel importante na
divulgação e educação para o consumo".
Thais Batisa Nucci, Unesp: "Penso que falta cidadania até mesmo entre pessoas que estão próximas.
Não é necessário pensar longe, um gesto pequeno pode mudar uma pequena comunidade (como juntar o
lixo reciclável, não jogar produtos ácidos na terra etc)".
Luciano Guaraldo de Lima, Unesp: "A informação bem dada também possui essa função educativa e de
conscientização. Se as matérias sobre desenvolvimento sustentável fossem realizadas de maneira
interessante e não cansativa, a relação homem/natureza melhoraria. Creio que as reportagens devem ser
mais dinâmicas, evitando temas cansativos como os do Globo Repórter, por exemplo".
Roberto Maida, Unesp: "As pessoas, hoje em dia, estão lutando pela própria sobrevivência, muitas
delas olhando para o próprio umbigo. Pela conquista de algo [acham que] vale tudo. O processo de
consciência parte primeiramente do eu. Como conscientizar pessoas se elas precisam entender o real
significado de consciência? Para ser mais persuasivo, o jornalismo deve ser mais preciso e menos
imparcial, porque neste foco é impossível a imparcialidade".
Juliana S. Ogassawara,Unesp: "O jornalismo ambiental pode ser mais persuasivo, por exemplo,
relacionando problemas ambientais em outros países ou presentes em todos os países e destacar como as
atitudes locais podem influenciar no cenário ambiental global".
Mariana Versolato, Unesp: "O jornalismo ambiental poderia ser mais eficiente atingindo a grande
população e não estando preso apenas à universidade".
Danilo de Almeida Gil, Unesp: "As pessoas desrespeitam a natureza por considerarem [os assuntos
tratados] distantes do seu dia a dia".
Morena Madureira de Souza, Unesp: "Para se conscientizarem, as pessoas precisam ver a situação em
que estamos: extrema poluição, consumo desenfreado..."
Eduardo Yashimura, Unesp: "A educação para o consumo deveria ser um processo contínuo [na mídia].
A pauta não deveria sair nunca da agenda".
Kelly Tatiane Martins Quirino, Unesp: "Penso que a estimulação ao consumo, nos meios de
comunicação, aumenta a produção de lixo e absorve mais produtos da natureza, entre outros males".
Thaís Coimbra, Unesp: "Acredito que conscientizar o homem é uma tarefa extremamente complexa,
mas que precisa ser vencida pela mídia. A educação para o consumo hoje é precária, falta muita
informação, essa área precisa ser mais trabalhada pelos meios de comunicação".
João Eduardo Justi, Unesp: "[...] O jornalismo ambiental pode e deve ajudar na conscientização de
toda a sociedade [...] demonstrando, através de casos individuais, o que os danos à natureza podem
acarretar na vida das pessoas, ou seja, evidenciando nas reportagens que sem meio ambiente não há
vida".
Talita Bollini, Unesp: "Falta os meios de comunicação colocarem o meio ambiente mais próximo das
pessoas, colocar o ser humano como parte dele. Em relação ao consumo, é uma questão complicada,
pois a mudança deve ser estrutural: reduzir o consumismo, mudar as embalagens da indústria (usando o
15
A aluna informa que tem testemunhado exemplos de professores do interior que trabalham com reciclagem
e questões ambientais na sala de aula.
230
mínimo de material possível) etc. Como medida emergencial há a reciclagem para diminuir a
quantidade de lixo".
Vitor Marques, Unesp: "Acho que a capacidade interpretativa do jornalismo é a solução. Quando se
noticia algo a respeito de questões ambientais deve-se fazer um gancho com as soluções possíveis para
o problema".
Danielle Castro, Unesp: "Acredito que a mudança de pensamento na mídia com relação ao meio
ambiente pode tornar-se, gradualmente, uma mudança na cultura da população. Já a educação para o
consumo causa o oposto, porque reforça uma postura antiga de preconceito e ignorância voltada para a
questão ambiental. Aprendemos que podemos consumir à vontade desde que tenhamos dinheiro e isso
precisa mudar, pois é insustentável. Daí a importância do jornalismo ambiental para fazer este alerta e
chamar a população à realidade. Por isto é preciso pautar permanentemente".
As respostas dos alunos se por um lado revelam a
necessidade de uma formação sistêmica para melhor perceber a questão ambiental e todas as
demais, de outro, como na reflexão levantada por último, mostram que eles sabem o que
querem, sabem o que falta para um jornalismo ambiental de melhor qualidade.
Compreendem os problemas da linguagem tecnicista que atropela e confunde a
comunicação. Querem um jornalismo mais explicativo e reconhecem que para persuadir e
educar não se pode ser "imparcial", é preciso assumir a opção preferencial pela vida,
denunciando os projetos da morte que visam apenas os lucros do agronegócio ou dos
grandes empreendimentos capitalistas. Querem que a pesquisa não fique restrita aos muros
da universidade, que se estenda à sociedade, de onde saem os recursos humanos e
financeiros para manter o ensino de nível superior.
A formação sistêmica sobre essa riquíssima plataforma de
inquietação ambiental dos jovens estudantes de jornalismo poderá resultar em novas
gerações de profissionais muito mais conscientes, muito mais comprometidos com a
sociedade e com o novo mundo possível.
Dessa forma, por maiores que sejam os problemas, apesar
da falta de verbas para a educação de qualidade, da falta de incentivo aos professores, da
falta de equipamento para os laboratórios e até de carteiras decentes para os alunos se
sentarem, ou de substratos culturais favoráveis à educação libertadora, as pessoas realmente
interessadas em fazer com que os quatro anos de jornalismo não sejam um tempo perdido tanto alunos como professores - sempre saberão que a noção de crise também faz parte da
análise sistêmica, porque ela é entrópica. Não é a crise que deve barrar nossa caminhada,
conforme aprendemos com Morin (1975):
231
Crise é o aumento da desordem e da incerteza no seio de um sistema (individual ou social). A máquina
hipercomplexa funciona "normalmente" até o limite da crise, no sentido em que funciona com desordem
e no limite da desordem. A crise pode solucionar-se no regresso in statu quo ante, mas é próprio do
sistema hipercomplexo em crise desencadear a busca de soluções novas e estas podem ser imaginárias,
mitológicas, mágicas ou, então, ao contrário, práticas e criadoras. Assim, a crise é, potencialmente,
geradora de ilusões e/ou de atividades inventivas. Pode ser fonte de progresso (solução nova, aumento
da complexidade do sistema) ou de regressão (redução da complexidade do sistema). O sapiens é
naturalmente um animal crísico. A crise é, ao mesmo tempo, a fonte de seus fracassos, de seus sucessos,
de suas invenções e, também, de sua neurose fundamental. (MORIN, 1975, p. 145 - 146) 16
O homem hipercomplexo é um enigma também para Pascal:
"Que quimera será, então, o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que tema de
contradição, que prodígio! Juiz de todas as coisas, imbecil minhoca; depositário da
verdade, cloaca de incerteza e de erro; glória e refugo do Universo. Quem deslindará esta
embrulhada?" 17
A superação dos paradigmas em crise fará nascer o homem
novo, portanto o ensino novo, o novo jornalismo. Para muitos alunos ouvir falar sobre
jornalismo ambiental ainda é uma novidade. Nas respostas qualitativas alguns se referiram a
este modo de pensar a realidade como algo "do futuro", uma ferramenta que "será muito
importante", um espaço "a ser conquistado" à medida que a crise ambiental se agrava.
Por isto é necessário que o tema meio ambiente esteja presente na
formação dos futuros jornalistas, do mesmo modo que deve estar presente na escola de
primeiro e segundo graus, tanto quanto na mídia e em todos os lugares onde possa ser
discutido.
Já vimos que a formação sistêmica do futuro jornalista o
leva a romper os padrões estabelecidos, partindo decididamente para o ilimitado campo da
criatividade em suas narrativas da contemporaneidade, para usar uma expressão de Cremilda
Medina.
O tempo na Universidade é o tempo de ousar, criar,
imaginar, voar, refletir, deixar sair de dentro de si o ser construtivo e criativo, o demens de
que fala Morin, o louco imaginativo de que falam Erasmo, Nietzsche e tantos outros gênios.
É o único tempo que temos na vida para ousar fazer diferente como fez Einstein diante das
pétreas leis de Newton. É o tempo de olhar a pedra e ver o Moisés.
16
17
Op. Cit. p. 145-146
Citado por MORIN, 1976, p. 138
232
É
um
fato
auspicioso
que
tenhamos
em
nossas
universidades muitos jovens talentosos que aproveitam bem os seus quatro anos de
jornalismo - independentemente de legislações que exijam ou não o diploma - ousando
romper o objetivismo do lead, da pirâmide invertida, dos manuais de redação, das
entrevistas preferenciais com os famosos, do comodismo de ouvir só as fontes oficiais, da
linguagem hermética e engessada no rigorismo que foge da simplicidade comunicativa e
explicativa.
Por isto, separamos o próximo capítulo para mostrar alguns
exemplos, alguns modelos de jornalismo que nossos alunos já estão praticando a partir dos
ensinamentos da escola sistêmica que, felizmente, está se espalhando por todas as escolas
bem intencionadas, sejam públicas ou particulares. Essa nova ciência benfazeja, que espanca
a poeira dos preconceitos, da objetividade e da visão estreita, tanto quanto da intolerância e
do cientificismo reducionista, está poeticamente inscrita na profissão de fé que Edgar Morin
faz nos sistemas abertos:
É estimulante arrancar-se para sempre da palavra-mestra que explica tudo, da ladainha que pretende
tudo resolver. É estimulante, enfim, considerar o mundo, a vida, o homem, o conhecimento, a ação
como sistemas abertos (g. n.). A abertura, brecha entre o insondável e o vazio, ferida original do nosso
espírito e da nossa vida, também é a boca sedenta e faminta pela qual nosso espírito e nossa vida
desejam, respiram, bebem, comem, beijam. (MORIN, 1975, p. 219) 18
18
MORIN, 1975, p. 219.
233
A DESCONSTRUÇÃO DA
OBJETIVIDADE: MODELOS
1.
O rio que não fala
2.
Moradores em situação de rua
3.
No meio da mata
4.
"Dia de Visita"
234
CAPÍTULO 9
A DESCONSTRUÇÃO DA OBJETIVIDADE:
MODELOS
Recusando e rejeitando a morte
que o aterroriza, o homo sapiens
a soluciona no mito e na magia.
MORIN
Os modelos de reportagens
mostrados a seguir não
guardam qualquer relação com a objetividade da pirâmide invertida, do lead, do sub-lead ou
de qualquer manual de redação. Todos, entretanto, partem de fatos reais, documentados
mediante acurada apuração. Mas a narrativa é saborosa, ela não foge da emoção, pelo
contrário, dá vida aos detalhes e também às coisas, numa onomatopéia luxuriante que
confere direito de voz, gestos e pensamentos aos objetos inanimados. Quando fala de gente é
com amor, carinho, paixão, admiração, emoção. Aqui pessoa não é número, gente não é
estatística e texto também pode ser poesia. Só que, além de saber escrever criativamente, é
preciso apurar muito bem. O resultado da narrativa é maravilhoso, mas para chegar até ela é
preciso trabalhar muito. O Jornalismo Literário Avançado 1 não é uma ferramenta para quem
tem preguiça.
Vejamos.
1. O Rio que Não Fala
Um dos TCCs selecionados para exposição no já citado I
Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em Santos, foi "Memórias de um Pedaço de
1
No momento vários projetos estão em andamento na Unesp-Bauru com base no JLA, tanto reportagens
laboratoriais, como Projetos de Extensão e Trabalhos de Conclusão de Curso-TCCs.
235
Rio ... O resgate do passado e da cultura de uma região faz surgir o relato humano de um
velho rio: o Paraitinga", da aluna Deize Renó, da Universidade Braz Cubas, de Mogi das
Cruzes-SP. A sessão de comunicação dos trabalhos foi presidida por este pesquisador e
todos os presentes ficaram surpresos com uma revelação feita pela aluna. Ela contou que ao
tentar publicar sua grande reportagem em um jornal, o editor, depois de ouvi-la dizer que
parte da história era contada pelo rio Paraitinga, respondeu que não poderia publicar porque
os leitores não entenderiam. E acrescentou, peremptório: "Rio não fala". 2
Deize convida o rio Paraitinga a se sentar para um café na
mesa de um bar, com "outras" pessoas antigas, em algum lugar de Salesópolis - SP. De
início, ela pede ao leitor que se liberte de normas e idéias pré-concebidas ao ler sua
reportagem, alertando que, apesar da linguagem e dos "pensamentos" do rio, o resultado é
uma matéria jornalística e não uma ficção, bem na linha ensinada pelo autor que ela mais
estudou para produzir o seu TCC: Edvaldo Pereira Lima.
Antes de dar a palavra ao rio, Deize apresenta alguns dados
para situar o leitor: 3
O Paraitinga nasce em Paraibuna, na divisa com Salesópolis-SP, bem no meio da roça. E quem primeiro
usa a sua água é o Toninho Venâncio, que mora no terreno. Ele é filho do Seu Zé. Aparentemente, a
história de um rio tão sem importância nada tem a ver com Mogi das Cruzes, Suzano, Ferraz, São
Paulo. Mas a polêmica de uma barragem trouxe o velho Paraitinga para as manchetes dos jornais. Ficou
até importante. Olhando assim, nem parece que esse fiozinho de água vai encher uma área de 18.200
hectares na cidade de Salesópolis. De acordo com as informações da Companhia de Saneamento Básico
do Estado de São Paulo (Sabesp), quando as barragens dos rios Paraitinga e Biritiba (as últimas
barragens do Sistema Produtor do Alto Tietê) encherem, vai ser possível abastecer mais 900.000
habitantes, e as enchentes na região, só com a barragem do Paraitinga, podem diminuir no mínimo em
82,4%. Ao mesmo tempo, como toda grande obra de represamento, elas também trazem impactos
ambientais, os quais podem ser estudados e compensados. Daqui pra frente, quem conta a história é o
próprio Paraitinga, presente na memória e na vida das pessoas que moram ao seu redor.
O espaço aqui é insuficiente para publicar a criativa
reportagem de Deize Renó, mas, a título de modelo, ouçamos alguns trechos da fala do rio,
2
Que maravilhoso seria se editores assim pudessem sentir o prazer de ler João Cabral de Melo Neto que, em "O
Rio", relata, nas asas da poesia, uma viagem que fez pelo Capiberibe, desde sua nascente à cidade do Recife, em
1953: "Sempre pensara em ir/ caminho do mar./ Para os bichos e rios/ nascer já é caminhar./ Eu não sei o que os
rios/ têm de homem e de mar;/ sei que se sente o mesmo/ e exigente chamar./ Eu já nasci descendo/ a serra que
se diz Jacarará,/ entre caraïbeiras/ de que só sei por ouvir contar/ (pois, também como gente,/ não consigo me
lembrar/ dessas primeiras léguas/ de meu caminhar)". Cf. MELO NETO, João Cabral. Poemas. Seleção de
Antonio Carlos Secchin, 4ª ed. São Paulo: Global, 1994, p. 57.
3
Cf. RENÓ, D. Olhares no Meio Ambiente. In Mogi News - Suplemento Especial Meio Ambiente". Mogi News
Empresa Jornalística LTDA: Mogi das Cruzes-SP, 5 jun. 2005, p. 2.
236
antecedidos da sua "ficha técnica": Nome: rio Paraitinga. Nascimento: cidade de ParaibunaSP, na divisa com Salesópolis-SP. Extensão: 26 km. Bacia de drenagem: 225 km. É o
principal afluente da margem direita do rio Tietê. Seu desaguar é na cidade de Biritiba
Mirim-SP. Nasce na divisa com a bacia do rio Paraíba do Sul, mas pertence à bacia do Alto
Tietê.
Trecho 01
Dizem que no passado eu era largo e muito fundo. Dizem que não dava pé. Dizem que minhas águas
banhavam quase todos os quintais da cidade e tinha muitos peixes: lambari, traíra, bagre, cascudo,
mandi e um outro que chamavam cambeva, um peixinho esperto, branquinho. Quando seguravam ele na
mão, como se fosse uma enguia, ele escapava de todo lado. Era a diversão das crianças. Podia fechar a
mão assim, que ele varava do vão do dedo e, se varasse, nem adiantava procurar nas capituvas. Ele
desaparecia. Era ágil, esperto e liso. Só tinha praticamente a coluna vertebral. Não tinha espinho. E na
luz era quase transparente. Tinha no máximo 15 centímetros de comprimento e, de espessura, uns três
ou quatro centímetros. Dava para fazer bolinhos. Era limpo. Hoje não existe mais nas minhas águas.
Também não existem os campeonatos de natação. Puxa, era divertido e difícil escolher pra quem torcer.
Por isso, eu torcia pra que cada dia fosse a vez de um. Como aprontavam aqueles moleques! O Raul
conhecia cada canto de minhas águas. Era ele, muitas vezes, o professor de natação. Alguns, depois da
enchente, gostavam de me chamar de prainha por causa do areião que se formava ao meu redor. Aí sim,
ficava rasinho e dava pra toda criançada brincar de mar. Alguns perdiam tempo me observando. Outros
preferiam mariscar, pegando peixes com peneira de taquara. Às vezes eu dava uma grande traíra, mas
eles se assustavam e acabavam jogando na água de novo. Riam muito. Às vezes eu mandava uma cobra,
mas era só pra brincar. Era daquelas cobras mansas da água... 4
Trecho 02
No passado, matei a sede de muitos transportadores e comerciantes que saiam de Mogi ou de Jacarei e
iam até São Sebastião, atravessando a rota do sal. As primeiras pessoas que ajudaram a fundar a minha
vila [São José do Paraitinga] eram comerciantes e moravam em minhas margens, no bairro hoje
chamado Capela Nova. Mais tarde, para ficar mais fácil, o ponto de encontro dos tropeiros foi mudado
cerca de uma légua para frente, foi aí que decidiram nomear Vila de São José do Paraitinga, há pouco
mais de 166 anos [...] Vi a cidade crescer e vi, como dizem os homens, o progresso chegar. 5
Trecho 03
{Os antigos moradores, como Geralda Fonseca Wuo -Ada - 81 anos, participam da conversa): - Do lado
de lá tinha uma grande pedra, aponta Ada. Quando estava frio, depois de pular na água, todos iam para
as pedras e ficavam lá até enxugar um pouco, porque molhava toda a roupa. A gente falava que as
pedras escondiam o ouro. "Vamos quebrar pra pegar o ouro !", diziam as crianças.
Volta o rio:
A pedra. Ela sempre ficou ali parada, grande, bela. Tão grande que dava medo [...] A criançada ficava lá
deitada, só saía na hora que a mãe começava a chamar. Pedra é algo que não se move, mas sente. Água
quente. Faz da água, quente. A pedra chorou. Escondia o ouro e ninguém notou. A pedra do ouro. Do
outro ouro que não volta mais. Do passado-ouro. Pedra que escondia o outro. O outro viver. ..Saudade
de um tempo que não volta mais. Tempo de amizades. Tempo que o dinheiro nem tinha tanto valor.
Tempo de calmaria, de alegria, tempo em que a natureza era mãe sem rancor, sem dor. Tempo em que
eu era águas, águas que batiam na pedra, sorriam, divertiam. Tempo em que eu era visto. Dava pra ver
de longe. Tempo de amizades longas e eternas. Tempo de simplicidade. De águas, pedras e saudade. 6
4
id. ibid., p. 4.
id. ibid., p. 4.
6
id., ibid., p. 12.
5
237
2. Moradores em Situação de Rua
"Moradores em situação de albergue", "moradores em
situação de rua", "moradores em situação de emergência"...expressões assim revelam a
delicadeza, a sensibilidade, o respeito da jornalista Maíra Martins de Carvalho quando
entrevistou moradores de rua de São Paulo para o TCC apresentado à Unesp-Bauru em
dezembro de 2003. Este pesquisador participou da banca de professores que deu nota
máxima ao trabalho de Maíra: "Em Busca do caminho de Casa", também construído a partir
dos ensinamentos de Cremilda Medina, Edvaldo Pereira Lima e outros bons professores de
jornalismo.
Durante vários dias Maíra gravou ou anotou longas e
repetidas conversas (algumas de três horas ou mais) com sete moradores do albergue Casa
Abrigo São Francisco de Assis, em São Paulo, atrás da Estação Carandiru, do metrô,
utilizando uma saleta cedida pela assistente social (Érica, 23 anos) que também a ajudou a
escolher os entrevistados. Foram ouvidos seis homens e uma mulher, entre 42 e 57 anos.
"Eu tinha um roteiro para guiar as entrevistas, mas quando o entrevistado dispunha de tempo eu
permitia que a entrevista fugisse para outros assuntos a fim de deixá-lo mais à vontade, portanto era
mais uma conversa que uma entrevista. Eu não queria ´tirar´ deles, queria deixar algo também, por isto
a estrutura de conversa. Havia muita vergonha por parte deles em dizer o porquê de terem ido parar
nas ruas, e eu acreditava que a estrutura entrevistador-entrevistado inibiria ainda mais essas pessoas,
pois não haveria uma troca onde um pergunta e o outro responde. Uma entrevista pode ser mais
interativa e esclarecedora do que a praticada normalmente pela imprensa, conforme aponta Cremilda
Medina, em seu livro `Entrevista - O diálogo possível`", esclarece Maíra. 7
Seu texto é uma página de respeito pelo ser humano, de
amor e carinho por pessoas que foram parar em situação tão constrangedora pelos motivos
mais variados, entre eles, depressão, traições, desemprego, alcoolismo, drogas, inveja etc,
arcando com enorme preconceito social e ignorados pela
mídia, a não ser quando
envolvidos em escândalos e outras situações inusitadas. No entanto, a repórter se indaga:
"Eles têm nome, pais, filhos, esposas...onde está a família deles?". É isto que Maíra busca: o
ser humano dentro do homem brutalizado pelo abandono social, pelo desprezo, pela
7
Cf. CARVALHO, M.M. de. Projeto Experimental - Livro Reportagem Em Busca do Caminho de Casa.
Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso-TCC, ao Departamento de Comunicação Social da
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp-Bauru, em 5 dez. 2003, p. 8.
238
coisificação, pelo nojo. Como ensina Paulo Freire ela vai em busca da realidade para
reconhecê-la e, assim, poder conhecê-la. Ela conta:
Os possíveis preconceitos que eu pudesse ter quanto às pessoas em situação de rua começaram a ruir
naquele dia [frio, de agosto de 2003] quando entrei no prédio cinzento que abrigava 100 pessoas. A
Casa São Francisco de Assis é um dos 5.500 albergues ou abrigos especiais de São Paulo. Quando
cheguei, havia uma grande fila. Entrei também na fila. Chegou a minha vez. Falei sobre a hora marcada
com a assistente social. Ela estava à minha espera no último andar do prédio. Subi as escadas e entrei
numa sala de espera em que havia várias cadeiras de plástico branco, encostadas nas paredes...
Começava, então, o processo de destruição da falta de informação, da ignorância e dos estereótipos, e a
reconstrução de uma nova visão da realidade dessa população de rua. 8
Também aqui não é possível transcrever as sete entrevistas,
todas elas tão emocionantes e tão cheias de lições de legítima humanidade, 9 mas o TCC da
aluna está disponível na biblioteca da Unesp, em Bauru. Alguns trechos:
Após a longa "conversa" com seu primeiro entrevistado,
Miguel, que tinha o segundo grau completo e falava alemão, italiano, espanhol e arranhava
inglês, sendo sobrinho de um padre alemão que lhe conseguira a vaga no abrigo, e que ali
estava por problemas de depressão que levaram ao alcoolismo, a repórter foi convidada, pelo
entrevistado, a visitar, na semana seguinte, uma outra instituição, o Centro Comunitário São
Martinho de Lima Povo da Rua, perto da estação Belém, do metrô. Era uma Casa de
Convivência, dessas mantidas por organizações sociais ou empresas, com espaços dotados
de recursos humanos e materiais para promoção de trabalho sócio-educativo em regime de
atendimento diário, com atividades culturais e de lazer, oferecendo almoço, lanche e banho.
À noite, entre 17:30h e 8:00 da manhã seguinte, as pessoas voltam para os albergues,
explica.
Texto 01
Quando entrei no salão em que mesas retangulares e compridas estavam dispostas paralelamente umas
às outras, Miguel apresentou-me para alguns de seus conhecidos que também se encontravam na mesma
situação que ele. A primeira impressão [...] era de um galpão, uma garagem, um porão. O local era
muito limpo, mas o chão acimentado, as paredes brancas e as janelas altas, as cores e os tons frios
predominantes emprestavam ao ambiente um aspecto triste e de abandono. [...] Houve um momento em
que Miguel deixou-me na mesa sozinha e foi ao banheiro. No salão, alguns conversavam ou liam o
jornal, como Giusepe, outros permaneciam calados e solitários num canto da mesa, observando as faces
8
id., ibid., p. 8.
Como no registro da sentida reclamação do albergado Wilson (50 anos), no inverno de 2003 " A gente dorme na
rua, pra tomar um banho num tempo desses é difícil; a maioria das pessoas que vêem a gente, vê [sic] tudo sujo,
sem tomar banho [...], pensa que vai roubá-la quando a gente passa perto delas".
9
239
novas e antigas ali presentes, ou deixavam o olhar vagar vazio pelo nada, encerrados em si mesmos.
Faces sorridentes, tristes, sofridas, cansadas, animadas. Era uma mistura de faces e sentimentos oculta
no Centro de Convivência. Eu não conseguia desviar por muito tempo os olhos de Giusepe, sentado em
uma das pontas de nossa mesa: era um homem muito idoso, beirando os 80 anos, protegido do frio por
agasalhos de lã, magro, de cabelos e cavanhaque branco-pérola, com miúdos olhos azuis, lembrou-me a
figura de Dom Quixote. Era uma imagem frágil e simpática. Miguel disse-me que era um italiano que
vivia há muito tempo no Brasil e que não gostava de lavar a própria roupa. Fui interrompida em minha
observação por um homem vestido com um surrado terno amarelo que sentou-se à minha frente, abriu o
Jornal do Metrô e começou a comentar sobre as notícias, a terra e a agricultura [...] Um outro homem
magro, alto, usando óculos e barba, sentou-se ao lado do de terno amarelo e perguntou se eu tinha
caneta e papel. Abri a bolsa, emprestando-lhe uma caneta e o meu caderno de capa amarela com
perguntas para orientar-me nas entrevistas. Ele abriu o caderno e começou a fazer alguns traços na capa
interna dele, mas antes de prosseguir, olhou para mim e perguntou: "Posso te desenhar?" Eu sabia quem
ele era. Era o James, o desenhista, que estava, ainda em plena manhã, sob o efeito do álcool. [...] James
iniciou uma série de desenhos em conjunto, ou seja, ele desenhava um traço, eu desenhava outro. As
pessoas que tinham vindo sentar-se ali perto também quiseram participar. Então o caderno foi passando
de mão em mão, e das páginas em branco, traços feitos às cegas deram vida a figuras engraçadas e
divertidas. James colocava ordem no caos dos traços de caneta, orientando os desenhistas iniciantes,
incluindo eu. Mal percebi a volta de Miguel, tão entretida estava eu com o James e o pessoal dos
desenhos. O desenhista traçou dois olhos e uma boca numa folha em branco e passou-a ao seu vizinho
de banco, o qual, dando continuidade à figura, fez um nariz de batata no rosto feminino. James irritou-se
e disse-lhe: "Estragou tudo. Vamos começar outro". Estragar e começar. Seriam eles vistos pela própria
sociedade e por eles mesmos como a parte "estragada" dela? O que seria o "estragado" no meio social?
De acordo com o primeiro Censo da População de Rua, realizado em 2000, "a principal causa para as
pessoas estarem nas ruas é a falta de dinheiro provocada pelo desemprego, aparecendo, em seguida,
outras causas como desavenças familiares, uso excessivo de drogas e álcool e doenças mentais". Quem
seria o responsável por esse "estrago" social? A sociedade? O indivíduo? Ou ambos? O ato de
reconhecer o "estrago", virar a página e começar de novo. Eis um desafio mais do que individual, social. 10
Texto 02
A assistente social, Érica, avisou -me que o meu próximo entrevistado era calado. Sammy foi-me
apresentado e eu me apresentei a ele. Pareceu-me tímido num primeiro momento. A conversa inicial foi
lenta. Mas se estendeu por três horas comigo e Sammy trocando acontecimentos particulares de nossas
vidas e opiniões acerca do mundo. Sammy era uma daquelas raras pessoas que conservam a
espontaneidade e a inocência do riso infantil. Um ser humano que, apesar de seus 49 anos de idade,
ainda conseguia se surpreender com o mundo como se fosse uma criança. A história de Sammy é a de
muitos nordestinos que vieram para São Paulo em busca de trabalho. Quando saiu de sua cidade natal,
Itabuna, era apenas um garoto de 17 anos. Ao chegar em São Paulo, foi morar na casa de conhecidos na
Vila Carrão e trabalhar nas indústrias. Até que um dia ele e um primo resolveram abrir um negócio
juntos. Compraram um trailer de lanches e começaram a construir suas vidas com trabalho. Depois de
juntarem algum capital, compraram um "copo sujo" (bar de esquina). Mas, com a queda no movimento
do bar, decidiram vender tudo, depositar o dinheiro no banco, voltar para a Bahia, comprar um terreno
na praia e construir uma pousada. Foram para Prado, uma cidade litorânea da Bahia, e compraram uma
cabana na praia, um quiosque...Então todos os sonhos, todo o trabalho a eles dedicado, perderam-se.
Todo o dinheiro economizado e poupado no banco, perdeu-se com o Plano Collor. Sammy e o primo
brigaram na beira da praia. O primo culpava-o pela perda, já que tinha sido Sammy a sugerir que
voltassem para a Bahia... [De volta a São Paulo] Sammy não queria pedir ajuda ao pai e aos irmãos:
"Na época em que eu tinha as coisas, ia lá de carro, levava presentes, agora pra chegar com uma mão na
frente e outra atrás é...eu num vou não". Senti, ao ouvi-lo, que pedir ajuda à sua família significaria
uma ferida em seu orgulho, uma vergonha. A honra acaba sendo o único bem valioso para quem tudo
perdeu. Apesar de todas as dificuldades por que passou, Sammy fez questão de deixar claro que nunca
roubou, porque, segundo ele, "é muito fácil a pessoa mencionar isso de caráter, que é bom, que é
honesto, tendo casa pra morar, um bom trabalho, é muito fácil. Eu quero ver a pessoa falar isto
desempregada, sem casa pra morar, passando fome..." - a voz dele foi falhando, saindo entrecortada por
soluços e lágrimas. Sammy chorava. Não sabia o que fazer. Era a primeira vez que eu presenciava um
dos meus entrevistados chorar. Nada lhe disse, pois não havia palavras a serem ditas naquele momento.
10
id. ibid., p. 16 - 22.
240
Pensei em desligar o gravador, mas Sammy continuou a contar a sua história em meio ao choro,
pedindo desculpas, acalmando-se. [...] Na volta a São Paulo, Sammy conseguiu um trabalho de
ajudante de cozinha em uma instituição filantrópica. Com o tempo comprou um vídeo, uma TV, um
aparelho de som e um computador antigo por ele chamado de "microssauro". No "microssauro" escrevia
as suas poesias, os seus pensamentos e as suas crônicas. Sammy era um poeta. Havia descoberto o amor
pelas palavras, depois de perder tudo na Bahia e se ver só. Permaneceu como ajudante de cozinha quase
dois anos, mas foi despedido quando a cozinha da Instituição foi terceirizada. Passou a vender tudo o
que tinha para pagar o aluguel do quarto. Foi para o albergue Lygia Jardim, depois para o São Francisco
de Assis. [...] O desejo de Sammy continua sendo arranjar um emprego e alugar um quartinho
novamente. Mas o seu sonho é gravar um disco com as letras que compõe e editar um livro com as suas
"coisitas", este é o modo como chama os seus escritos. Um de seus medos é que as suas "coisitas"
percam-se depois que ele morrer. Durante a nossa conversa, Sammy narrou-me algumas de suas
crônicas e recitou-me algumas de suas poesias. Confesso que tive de me esforçar para equilibrar as
lágrimas nos meus olhos, engolindo-as uma a uma, ao ver Sammy levantar-se da cadeira e recitar de
memória uma bela e triste poesia de sua autoria. Antes de eu ir embora, ele fez questão de buscar, entre
os seus pertences, duas encadernações que continham toda uma vida em poesia, crônicas e sonhos.
Estava tarde e eu precisava partir, pois o metrô e os ônibus deixavam de circular à meia noite. Numa
demonstração de confiança, Sammy disse que eu levasse as suas "coisitas" e que as devolvesse só
quando as tivesse lido. [...] Saí do albergue com as "coisitas". Devia ser um pouco mais de 9h da
noite. Aquele dia foi o de maior responsabilidade da minha vida, o mundo nunca me foi tão pesado, pois
carregava toda uma vida que não me pertencia. No caminho do albergue para o metrô era preciso
atravessar por um beco escuro. Todas as noites, ao sair de minhas entrevistas, sentia receio ao passar por
lá, mas naquele dia o meu medo era maior, não por mim, mas por Sammy. Saí abraçando com força as
duas encadernações contra o meu peito e pensando: "Que roubem tudo, menos os dois cadernos". Dias
depois [após a leitura] voltei ao albergue para devolver as "coisitas" de Sammy. 11
Texto 03
Cabelos curtos e tingidos de loiro com as raízes num tom castanho aparecendo. Olhos escuros e voz
rouca. Era a Leny. A primeira e única mulher dentre os meus sete entrevistados. Paulistana de 54 anos,
nasceu numa família de classe média alta e começou a trabalhar aos 15 anos de idade contra a vontade
do pai, pois ele acreditava que filha mulher não devia trabalhar, apenas estudar. Formou-se em Letras e
trabalhou como secretária em importantes empresas como a Petrobrás. Segundo a FIPE, o número de
mulheres na rua caiu em comparação com a pesquisa anterior. O Censo de 2003 apontou que 15,4% dos
moradores de rua eram mulheres, contra 18,6% em 2000. Uma das razões para essa queda estaria no
aumento do número de famílias chefiadas por mulheres. Os dados revelaram também que o número de
moradores nos albergues municipais cresceu. Em 2000, São Paulo tinha 3.693 albergados. Após três
anos, este número foi para 6.186, o que representou um aumento de 67,5%. Entre os usuários de
albergues, 92% tinham nível de escolaridade básico, 4% possuíam nível técnico e os outros 4% nível
universitário. Há 20 anos Leny conheceu o homem com quem permaneceria casada quase 10 anos, até
separar-se dele, não chegando a ter filhos. Morava com os pais que ficaram doentes. Como a sua única
irmã era casada e vivia no litoral, teve de cuidar sozinha dos pais, até virem a falecer. Primeiro foi a
mãe, depois o pai. Ela e o marido continuaram vivendo no mesmo bairro em que seus pais moravam, o
bairro de Santana. Seu marido era muito ciumento, não a deixava nem ir ao supermercado. Era ele quem
fazia as compras. Mas, apesar disso, era uma pessoa muito boa, segundo Leny. Para ela, a série de
problemas que a levaria à situação atual de albergue, havia começado justamente por causa do
tratamento dedicado do marido. Leny não chegou a usar a palavra "inveja", mas era isto que me ficava
subentendido ao ouvir a sua história. Pessoas invejavam a relação que ela e o marido haviam
construído. "Eu tinha uma vida muito boa, mas me caluniaram, fizeram um pandemônio na minha
vida". Leny separou-se do marido e há cinco anos perdeu o emprego de secretária. Abriu um escritório
no Ibirapuera com a prima, fazendo licenciamento de carros, pois também era despachante policial. Mas
brigaram e a sociedade acabou. Sem trabalho, prestou concursos, passou mas não foi chamada. Passou a
ter problemas de pressão alta e foi parar no pronto-socorro. Morando sozinha em São Paulo e sem nada
conseguir, decidiu ir morar com a irmã, em Praia Grande. Mas acabaram brigando e ela voltou para São
Paulo disposta a continuar prestando concursos. Hospedou-se numa pensão em Santana, num sábado,
dia 9 de dezembro, pois prestaria concurso no dia seguinte. Pagou o quarto e não lhe deram recibo.
Leny permaneceu ali 19 dias até que na noite de 28 de dezembro, ao voltar do bingo e tentar abrir o
11
id., ibid., p. 30 - 38.
241
cadeado do portão de ferro, descobriu que sua chave não servia mais. Havia um bilhete: "Leny não
pagou, não entra". Ela ficou incrédula: "Como não paguei?". Já era quase uma hora da manhã. Pensou
em tocar a campainha, mas poderia acordar todo mundo da casa. Não queria confusão. Pegou o bilhete e
voltou para o metrô. Ali, sentada, ficou observando o movimento das pessoas, enquanto esperava a
manhã chegar. [...] Logo cedo foi falar com a dona da pensão, uma advogada, mas ela não quis recebêla nem entregar-lhe suas coisas e roupas. Tudo que possuía ficara lá. Leny passou um mês indo todos os
dias à pensão, mas não lhe atendiam na porta e quando a atendiam por telefone, batiam-lhe na cara. "Eu
passei o final de ano sem nada, sem roupa. Durante 15 dias eu lavava a roupa e ficava com a roupa
molhada". Então Leny foi ao Bingo e colocou Cr$5,00 numa máquina. Ganhou R$ 1.400,00 que usou
para comprar roupas e algumas coisas de que precisava. Passava as noites e as madrugadas nos Bingos
porque quando eles fechavam os funcionários ficavam conversando até de manhã, enquanto esperavam
a condução, havendo sempre movimento, o que tornava a situação menos perigosa para Leny, ao passar
a noite na rua. Quando o dia chegava, ela costumava ir ao Horto Florestal para cochilar. Deitava-se
sempre com os pés para cima como recomendara o seu médico, pois a pele dos pés e das mãos sofria
ressecamento a ponto de abrir-se, expondo a carne viva, o que a impossibilitava de andar e procurar
emprego. Os funcionários do bingo jamais souberam de sua real situação...[...] Mal sabiam que
enquanto voltavam para as suas casas e camas macias, Leny ia para os bancos de cimento do Horto... 12
Texto 04
Hoje Benedito é um homem de 47 anos, mas, há 23, era um rapaz que saía sozinho de São Luiz, no
Maranhão, para São Paulo. "Eu vim pra São Paulo pra ver se arrumava um meio melhor, uma condição
de vida melhor e, depois, comprar uma casa aqui e chamar os meus familiares mas..." Já haviam se
passado 23 anos e, durante esse tempo, conseguiu trabalho, perdeu-o, conseguiu casa, perdeu -a. Sua
vida foi uma história de ganhos e perdas. Perdas irreparáveis. Não havia muitos anos que estava em São
Paulo, conheceu uma moça com quem foi morar e teve uma menina. Cinco anos depois do nascimento
dela, estava ele fora da cidade a trabalho, quando sua mulher morreu por infecção hospitalar após uma
cirurgia para retirar as amígdalas. Sem condições de criar a filha pequena, resolveu deixá-la com os tios
maternos. Então um dia, ao ir ver a criança, descobriu que eles haviam se mudado, levando-a. Não lhe
deixaram qualquer aviso ou endereço. Desapareceram. A única foto que tinha da filha, perdeu-a numa
enchente. Hoje ela estaria com 19 anos. Vivendo sozinho, entrou em depressão, perdeu o emprego.
Antes de conseguir uma vaga no albergue, para não dormir nas ruas, costumava ir para a rodoviária à
noite e sentar-se num dos bancos do saguão de espera. Às vezes conversava com as pessoas que se
sentavam ao seu lado, enquanto esperavam o horário de embarque. Benedito fingia-se de futuro
viajante, inventando viagens que faria . Mas a única viagem dele era até a rodoviária para passar a noite.
Pessoas chegavam e partiam. O horário de embarque de Benedito nunca chegava. Seu ônibus não tinha
destino nem plataforma. Ele passou muitas noites à espera da partida de seu ônibus imaginário, até que
conseguiu a vaga no albergue e sua espera acabou.
3. No Meio da Mata
O TCC de Ana Carolina Prado na Unesp-Bauru, em janeiro
de 2005, também obteve nota 10 e este pesquisador participou da banca julgadora,
juntamente com os colegas doutores da Unesp Ângelo Sottovia Aranha e o orientador
Luciano Guimarães. Em 2005 o trabalho foi classificado em primeiro lugar na Expocom-Rio
e foi selecionado para ser apresentado no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental e
para outro congresso na Bolívia. Mediante acurada pesquisa e prolongado trabalho de
12
id. ibid., p. 39 - 45.
242
imersão junto às fontes, Ana Carolina (Naná Prado) documenta o trabalho da ONG
Ecofuturo, de São Paulo, na manutenção do Parque das Neblinas (ou Sertão dos Freires),
uma área de preservação ambiental situada no distrito de Taiaçupeba, em Mogi das CruzesSP. Com estudo intensivo de fauna e flora, monitoramento via satélite, extenso banco de
imagens, o Instituto Ecofuturo desenvolve, permanentemente, pesquisas científicas sobre a
biodiversidade do lugar para estudar a sustentabilidade dos ecossistemas, além de propiciar
visitas orientadas por monitores com finalidade de educação ambiental. Os recursos para as
pesquisas são provenientes da empresa proprietária da área, a Companhia Suzano de Papel e
Celulose, interessada na ampliação da sua base florestal para dar suporte à produção de
papel a partir da polpa de eucalipto. Daí a criação do instituto em 1999. O trabalho de Ana
Carolina - "Parque das Neblinas - Um cenário socioambiental" - é apresentado em CDROM e está à disposição na biblioteca da Unesp, em Bauru. Sua narrativa do contato inicial
(primeiro de muitos, e prolongados) com o local e os personagens da sua grande reportagem
(também ela ancorada no estudo dos professores da ECA-USP), tem cheiro de povo, tem
sabor de gente, tem o sentido da imersão total no fenômeno observado:
Texto 01
Aquelas pessoas de Taiaçupeba, apesar de simples, têm um conhecimento muito grande. Levam uma
vida humilde, rudimentar até. Muitas vezes nos fechamos em nossos mundos e desconhecemos a
riqueza cultural que há por esse Brasil. Elas falam um português popular que, para os "letrados" (como
elas mesmas os caracterizam), estaria incorreto. Entretanto, quando entram na mata parecem
personagens dela. Uns piam como pássaros, com o objetivo de chamá-los até perto; outros conhecem
cada árvore, cada detalhe da fauna na imensidão das trilhas. É inacreditável. O passeio vira uma lição de
vida. As histórias são transmitidas com uma riqueza de detalhes fantástica. Passamos tantos anos na
escola. Temos aulas sobre a fauna e a flora brasileiras e quando nos deparamos com esses "nativos", nos
sentimos ignorantes. É fascinante observar nos olhos deles o carinho e a preocupação que têm pela
natureza. Falam dela com orgulho. Descrevem a mata como se eles tivessem plantado cada uma
daquelas árvores que outrora alguns cortaram. [...] Quando a monitora Helena Ronchi fez a dinâmica de
abraçar a árvore-mãe, percebi o valor que aquelas crianças passaram a dar para o meio ambiente.
Entendi, então, como é possível educar para uma vivência harmoniosa entre o homem e o meio
ambiente. E é assim que todos os funcionários do Parque das Neblinas e do Ecofuturo trabalham:
angariando mais e mais `voluntários` para as causas ambientais. É como se quisessem abraçar as causas
da preservação - todos unidos, como filhos daquela árvore. E quando digo `todos os funcionários`, me
refiro tanto 'àqueles engravatados` nas salas com ar condicionado da capital, quanto ao mateiro sem
curso superior que resolveu participar dos projetos do Parque e mostrar um pouco do seu conhecimento.
E foi com esta mesma vontade de contribuir, pelo menos um pouco, para a preservação do nosso meio
ambiente, que resolvi fazer este trabalho. Pretendo, com ele, ser mais uma gestora ambiental. 13
Texto 02
13
Cf. PRADO, A. C. Parque das Neblinas - Um cenário socioambiental. Trabalho monográfico em forma de
CD-ROM apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Arte e
Comunicação da Unesp-Bauru, para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo, em 26 jan. 2005.
243
A pequena Taiaçupeba, curiosa, prestou atenção na moça estranha que chegou de ônibus, carregando
as malas, e parou na praça, em frente à igreja. Sozinha, perdida, com um bloco de anotações nas mãos,
observando cada detalhe. Uns vieram perguntar o que eu ia fazer: "O que trouxe você para este fim de
mundo?", perguntou um senhor. Mal sabia ele que, nos últimos meses e nos próximos outros, minha
vida estaria resumida àquele lugarzinho no meio do nada. No meio do nada, mas repleto de tesouros a
serem descobertos. Confesso que descobri mais coisas do que imaginava. Conheci personagens
interessantes e aprendi muito com cada um deles.
Texto 03
Para muita gente, o cheiro de suor de 30 homens e mulheres dentro de um ônibus no final de uma tarde
de trabalho poderia ser ruim. Para mim, a sensação foi maravilhosa. Sensação de dever cumprido - tanto
deles, quanto meu. A música sertaneja de raiz tocando no rádio. As pessoas falando sobre o trabalho
cansativo. O sol se pondo. Sete horas da noite, horário de verão. Este era o cenário em que eu voltava
para casa, após um dia de muitas entrevistas, muitas caminhadas, muito aprendizado. A cabeça estava a
mil. Os pensamentos se cruzavam, a vontade era sentar e transcrever todos aqueles momentos. Foram
três dias de trabalho intenso e marcante. Dias com o pensamento voltado, exclusivamente, ao Parque
das Neblinas e às pessoas que por ali vivem. Cheguei até a sonhar com tudo aquilo. Outros dias de visita
não foram tão intensos. Talvez pelo fato desta vez eu estar sozinha. Estava sem carro, consegui um
lugar para dormir na casa de uma pessoa com quem tinha conversado uma vez na vida. Por isso, devo
agradecer demais à comunidade de Taiaçupeba. Todos foram muito atenciosos, muito prestativos.
Acolheram-me com muito carinho.
Texto 04
O Sr. Toninho (Antonio de Souza Mendes) me ofereceu um almoço caseiro muito saboroso; deixei
minha mala no mercadinho em frente à praça para não precisar ficar carregando; o monitor Sandro
Custódio me deu pouso no sítio: tudo muito limpinho, organizado e com direito a explicações sobre
árvores, sobre criação de rãs e sobre o canto dos pássaros. Na casa do Luis Martins, do Grupo de Apoio
ao Desenvolvimento Social Solidário (GADESS), o cheiro da lenha queimando no fogão se misturava
ao cheiro do tempero à base de alho e manjericão. As compotas de pimenta organizadas numa dispensa
ao lado da cozinha me chamaram a atenção. Na sala, dezenas de potes de vidro com cobras preservadas
em álcool. A simplicidade da casa do Luís fez com que eu me sentisse mais à vontade para o nosso bate
papo. O carinho e a atenção dele foram impressionantes. [...] Se eu resolvesse contar um pouco de cada
pessoa que eu conheci durante os dias de trabalho, poderia fazer um outro trabalho. Sairiam reportagens
comportamentais muito interessantes. História para contar é o que esse povo mais tem. Todos esses
fluxos de pensamento foram conseqüência de uma mente inquieta, querendo registrar a alegria de um
dever minimamente cumprido. Carrego comigo um pouco de cada um, "do patrão ao empregado". As
palavras, os gestos, as imagens registradas e muita informação transmitida. Afinal, é como os monitores
sempre dizem: "Da natureza nada se tira, além de fotos; nada se deixa, além de pegadas; nada se leva,
além de recordações".
4. "Dia de Visita"
A penitenciária "Dr. Eduardo de Oliveira Vianna", a PII, de
Bauru, no quilômetro 354 da Rodovia Marechal Rondon, é considerada modelo no Estado
de São Paulo e no país. No segundo semestre de 2003, sob orientação deste pesquisador, um
grupo de alunos do último ano de jornalismo da Unesp - Alisson Sbrana, Fernanda Conti,
Kátia
Perches e
Poliana Brasil - iniciou um projeto de comunicação no interior da
penitenciária. Hoje o projeto ainda existe - com os alunos já graduados - na forma de
244
intervenção cultural regular e mensal junto ao presídio - mas nos dois primeiros anos ele
teve o formato de um jornal bimensal, tablóide, de oito páginas, com a primeira e última
página a cores, financiado pelas empresas que se relacionam, comercialmente, com o
presídio, já que a Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) da Unesp estava sem verbas. O que
consagrou o projeto - citado no site especializado www.textovivo.com.br e comentado em sala
de aula na ECA-USP pelo professor Edvaldo Pereira Lima, além de ter sido destaque de
primeira página em boletim da ONG "Sou da Paz", de São Paulo, em 2003 - foi a ousadia
dos alunos de fazerem o jornal a partir não da visão deles, mas a partir da visão dos próprios
presos, com a pauta indicada por eles, numa tentativa laboratorial de furar o natural
preconceito que temos contra os que praticaram atos ilegais contra a sociedade, um
preconceito entranhado em nossa própria cultura, tão inamovível como todos os outros que
temos, herdados de nossa formação familiar, cultural, religiosa, escolar, intelectual etc.
Além de revelar situações nunca imaginadas de criatividade, talento, determinação,
organização e vontade firme de auto-regeneração, o jornal, também criativamente chamado
Dia de Visita, abria espaço para que os presos se manifestassem livremente. Ao receber os
primeiros exemplares do jornal, o professor Fernando Salla, do Núcleo de Estudos da
Violência (NEV) da USP, campus de São Paulo, escreveu na seção Carta dos Leitores, na
edição de fevereiro de 2003:
Temos recebido o jornal Dia de Visita. Queremos agradecer a gentileza pelo envio e manifestar nosso
apoio a essa e a todas as iniciativas que abram espaços para o trabalho em conjunto da sociedade com as
prisões. Todas as experiências relevantes de funcionamento das prisões com baixos índices de violência
são aquelas que têm um envolvimento da comunidade com a prisão. Além disso, acreditamos que para o
preso é um espaço importante para a manifestação de suas capacidades e habilidades. 14
Um outro leitor, na mesma edição, assim se manifestou:
Recebi os cinco primeiros exemplares do "Dia de Visita", publicação da PII de Bauru, elaborada pelos
alunos de Jornalismo da Unesp. Li os exemplares e os achei muito bons, bem escritos, leitura fácil e
agradável. Mesmo assim, fui perguntar ao Dr. Furukawa (Secretário da Administração Penitenciária de
São Paulo) o que ele achava da publicação. Sua resposta foi positiva e elogiosa, porque o trabalho que
vocês fazem mostra a face desconhecida de uma penitenciária, que é a da recuperação dos sentenciados.
E, quando um grupo de estudantes produz um jornal, está, de alguma forma, iniciando uma carreira de
sucesso. O "Dia de Visita" terá vida longa, porque não vão faltar pautas interessantes. Parabéns a todos.
Geraldo Alckmin - Governador do Estado de São Paulo. 15
14
15
Cf. Jornal Dia de Visita, Ano II, ed. n. 8, Bauru-SP, agosto de 2003, p. 2. e-mail [email protected]
id. ibid., p. 2.
245
O congraçamento do dia reservado à visita dos familiares,
uma vez por semana, é uma lição de vida e de sensibilidade humana, quando afastamos o
véu espesso dos preconceitos e a viseira estreita do egoísmo, como neste texto que descreve,
na edição citada, a espera dos familiares na fila de ingresso no presídio:
Texto 01
Mulheres diferentes, de locais diferentes, mas com a mesma sina, tornam-se amigas na via-sacra dos
domingos. As conversas animadas entre os familiares dos detentos da PI e da PII fazem o tempo passar
mais rápido. Para quem fica a noite inteira de sábado ansiando pelo horário das visitas, a amizade e as
brincadeiras são as opções para superar a solidão e a angústia da espera. Na semana do Natal, cerca de
30 mulheres - todas se conheceram nas visitas aos familiares - fizeram um amigo secreto entre elas.
Gisele vem de São José dos Campos com o filho para visitar o marido toda semana. Sua sogra vem uma
vez por mês. Adriana é a única visita do marido e traz seus dois filhos para visitar o pai. As duas pegam
o mesmo ônibus de linha e ficaram amigas durante as visitas. Gisele resume a situação dos familiares
dos detentos: "Aqui é uma pela outra. Todo mundo tá no mesmo barco". Perto da guarita do presídio,
mulheres e crianças se apertam na sacada onde ficam os quartinhos nos quais passam as noites em dias
de visita. Varais improvisados com toalhas, mães amamentando crianças, sacolas com lençóis e
cobertores, colchões estendidos pelo chão dão um clima de acampamento ao lugar. Na fila para pegar a
senha de entrada no presídio, um retrato das várias faixas etárias: recém-nascidos, crianças,
adolescentes, mães e avós que vêem na fila a oportunidade de rever seus familiares. Lá dentro, outra
fila: a da revista. D. Vera Lúcia, mãe do detento Roberto, diz que pela falta de costume a revista é
sofrida no começo. "Depois fica mecânico", completa a nora Patrícia. As crianças passam o dia todo se
divertindo. Chegam arrumadas para o Domingo, mas em poucos minutos já estão correndo, jogando
futebol e improvisando brincadeiras. Mães como Gisele e Adriana acreditam que levar seus filhos para
visitar os pais faz parte de uma boa educação. "Tem muita gente que critica, mas eu acho até bom eles
verem a situação do pai deles. É um exemplo do que não deve ser feito", enfatiza Adriana, que chegou a
visitar seu marido ainda com os pontos da cesariana. O detento - e pai - Sérgio, diz que se preocupa
muito quando seus filhos chegam no presídio. "Sempre que a gente pode, nós preparamos umas
brincadeiras, uma festinha para eles. Meu medo é eles crescerem achando que aqui é um lugar legal". 16
Texto 02
Há cerca de cinco anos, o suíço Paul Scheiwiller levava a vida de um verdadeiro astro da música.
Baterista de uma famosa banda de rock, costumava viajar em turnês por toda a Europa - já dividiu o
palco com feras como Scorpions, Whitesnake, Lennie Kravitz, Brian Adams, Van Helen e Alice
Cooper. Casado, morando em Zurique e contratado por uma grande gravadora, Paul viu tudo isso ruir
em maio de 1999: junto com um amigo também estrangeiro, com quem viajara para o Brasil a turismo,
acabou preso no aeroporto de Cumbica, em São Paulo, dentro do avião que o levaria de volta à Suiça.
Paul Scheiwiller, hoje com 40 anos, viu sua viagem de férias se transformar num inferno. Não sabia
nada sobre o Brasil, não entendia uma só palavra do português - o idioma falado na Suíça é o alemão - e
tampouco tinha noção do que eram as "cadeias daqui". De repente, o músico viu-se acusado por tráfico
internacional de drogas, em razão de uma suposta cocaína encontrada em caixas de som compradas por
ele e que chegariam à Suíça. "Pra mim o mundo inteiro caiu, eu pensei: o que faço agora?", relembra
Paul, que sempre alegou inocência. "Eu só pensava: eu vou lutar, eu vou provar que eu não sou
traficante, que eu não cometi esse crime". Preso, o baterista amargou a solidão de não conseguir se
comunicar com ninguém, nem mesmo com o juiz brasileiro que acabaria por condená-lo a 6 anos e 8
meses de cárcere. "Eu ficava sentado num lugar, todo dia, sozinho como se estivesse numa ilha", conta
o sentenciado. [...] Scheiwiller chegou na PII de Bauru em 2000, "no dia 17 de outubro". Tentava
"falar" com as pessoas através de gestos, e usando o pequeno dicionário alemão/português enviado pela
esposa. Sua adaptação foi lenta, e contou com a ajuda de um colega de cela que trabalhava na biblioteca
do presídio. Foi lá que Paul teve a oportunidade de aprimorar o inglês e aprender com calma a nossa
16
Cf. Jornal "Dia de Visita", Ano II, ed. n. 3, fev. 2003, p. 7.
246
língua, que hoje domina o suficiente para se expressar e, finalmente, tomar conhecimento pleno do que
consta em seu processo condenatório no Brasil. Por trás de um computador na sala onde trabalha
atualmente, no presídio, a fala tranqüila do europeu não apaga a mágoa de quem sente muita saudade da
vida que levava em seu país e "aguarda justiça". Mais que juras de inocência, o músico carrega consigo
toda a papelada vinda da Suíça, onde foi absolvido do mesmo crime que hoje ainda o mantém atrás das
grades brasileiras - na Europa, as investigações contra Paul foram suspensas já em 15 de março de 2001.
As cartas e telefonemas mensais são o vínculo que Scheiwiller mantém com a família, e da vida de astro
ainda lhe resta o talento. Na PII de Bauru, Paul Scheiwiller comprou uma bateria, toca na banda da
igreja todos os domingos e continua apaixonado pelo rock. "Eu ouço música todo dia, é a minha vida,
sempre foi, e quando eu sair vai continuar sendo. Com certeza". 17
Texto 03
Luciano Ghirardelli faz parte do corpo de funcionários do setor de Educação da PII. Porém, além das
atividades burocráticas, o preso é o responsável pelo ensino de cerca de cem sentenciados - dez por
cento da PII - da alfabetização a curso profissionalizante. E não é para menos; o professor tem um
currículo estudantil invejável: técnico em física, Química, Biologia, Matemática e Contabilidade, cursou
um ano de Arquitetura e Urbanismo. "Tudo isso e nenhum diploma superior", lamenta Ghirardelli, que
ministra o único curso profissionalizante da unidade ( "Módulos para um futuro Curso de Construção
Civil"). Além das aulas de segunda a sábado, o reeducando desenha plantas para as reformas da
penitenciária e colabora com as atividades do Posto Cultural. Ghirardelli aposta na educação como
possibilidade de um futuro melhor para os sentenciados. Marcus Roberto Bosqueiro, Diretor do Núcleo
de Educação, concorda: "Para não vir parar aqui, educação é a resposta. Para sair daqui, também". 18
Texto 04
Marcos Roberto se emocionou quando viu sua esposa, Maria Aparecida, entrar vestida de noiva na
pequena igreja do Ministério Evangélicos do Cárcere (MEC), no raio III da PII. Foi o primeiro
casamento realizado dentro de um raio na Penitenciária "Dr. Eduardo de Oliveira Vianna". [...] "Há dois
anos eu estava lutando para conseguir os documentos necessários para casar. No começo não tínhamos
dinheiro, depois que conseguimos pedir os papéis, veio um documento errado, daí só conseguimos
marcar para o dia 6 de julho", disse o noivo Marcos Roberto, que já morava com Maria Aparecida antes
de ir preso. Maria Aparecida sempre que pode vem visitar o seu marido. Nesse final de semana veio
junto com seu irmão, com seus filhos e parentes que vieram prestigiar o casamento. Mas a surpresa foi
outra: "Ele não sabia que eu ia entrar vestida de noiva. Ele chorou tanto, quase morreu", conta Cida.
Para todos que estavam ali foi um dia inusitado. Os sentenciados se aglomeravam em frente à pequena
igreja para acompanhar a cerimônia, depois todos participaram da comemoração, com direito a muito
bolo e refrigerantes. Para Marcos foi mais que um casamento, foi uma conquista: "Não é toda mulher
que assume um compromisso com preso, é muita humilhação", reconhece o noivo, orgulhoso de sua
esposa.
Os exemplos/modelos aqui citados que se somam a tantos
outros - impossível citar todos, claro - mostram que é possível fazer jornalismo fora das
esferas de poder, fora do deslumbramento dos ricos e famosos. É perfeitamente possível
seguir os ensinamentos dos professores Edvaldo Pereira Lima e Cremilda Medina no sentido
de buscar a notícia na horizontalidade da planície, lá onde o povo está, com seus dramas,
suas lutas, sua jornada mitológica através da vida, no meio da angústia, da solidão, da
alegria, da inventividade, da resistência diante da brutalidade também presente na entropia
17
18
Cf. Jornal Dia de Visita, ano II, ed. n. 8, agosto de 2003, p. 6.
id. ibid., p. 8.
247
sistêmica. O estudante de jornalismo não precisa ter receio de dar voz aos rios ou sentimento
às pedras e árvores. Basta ler muito, estudar muito para ver como faziam os grandes sábios
aqui citados: Francisco, Erasmo, Chardin, João Cabral...O novo jornalismo pode romper
com o excesso de objetividade sem prejudicar a clareza e o bom entendimento do texto.
Pode dar conta do quem, fez o que, quando, onde, como e porque sem reduzir a entrevista
ou o fato real acontecido a um relato anódino, sem vida, sem emoção, sem sentimento, sem
paixão.
No jornalismo ambiental só será possível educar, de forma
integral, o ser humano presente em nossos receptores se conseguirmos atingir a sua mente e,
principalmente, o seu coração, através da narrativa da contemporaneidade, uma narrativa
que conta histórias de vida de outros seres humanos. Só é preciso contar bem.
No capítulo final, vamos estudar as possibilidades de
integração do jornalismo, da educação, da cidadania, da escola, dos órgãos públicos, no
esforço comum de mudar o comportamento social no que se refere ao meio ambiente,
principalmente educando para o consumo sustentável.
248
PROPOSTA DE EDUCAÇÃO
INTEGRADA E PERMANENTE
1. Conceito de Integração
2. Integração no Meio Ambiente
3. Integração na Educação
3.1
Educação Formal: Universidade
3.2
Educação Informal e Cidadania:
Projeto Mesa Brasil
4. Integração na Comunicação
4.1.
O Ministério do Meio Ambiente
5. Proposta
249
Capítulo 10
PROPOSTA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
INTEGRADA E PERMANENTE
A história universal não é senão a
história do progresso da
consciência de liberdade.
HEGEL
1. Conceito de Integração
Considerar meio ambiente, jornalismo ambiental ou
educação ambiental - que são os três eixos deste estudo acadêmico - significa considerar a
epistemologia da Integração, da visão sistêmica, da interdisciplinaridade, do holismo, da
educação libertadora dentro e fora da escola.. Em Spencer 1 a integração é uma das
características fundamentais da evolução cósmica enquanto passagem de um estado
indiferenciado, amorfo e indistinto para um estado diferenciado, formado e unificado.
Quando imaginamos conformações sistêmicas, como na biologia,
podemos pensar a
integração como o grau de interdependência entre as partes para a formação do todo. Em
psicologia, integração é a organização da personalidade, do mesmo modo que, em
sociologia, é o grau de organização do grupo social.
Entretanto, é preciso considerar que, na estética pósmoderna, a busca da integração não se dá pela soma das partes, mas na desconstrução da
forma, no rompimento dos paradigmas, na re-criação do que está dado, tal como vimos no
capítulo anterior ao mencionarmos modelos de jornalismo que vão além da apuração
apressada e do apego às normas clássicas da objetividade estilística. Por outro lado,
devemos observar também que a estética da objetividade, no jornalismo, esconde um
1
Cf. Primeiros Princípios, 1862, par. 94, citado por ABBAGNANO, 2000, p. 571.
250
viés ideológico que tenta nos convencer a respeito da "naturalidade" dos padrões
estabelecidos, de modo a não percebermos as contradições presentes no mundo moderno.
Por exemplo, nos meios de comunicação - através dos seus produtos e gêneros, como
notícias, editoriais, artigos, novelas, telejornais etc - fica-nos a impressão de que riqueza e
pobreza fazem parte da natureza das coisas, quando, na verdade, são o resultado da ação dos
homens. No imaginário popular, resta aos pobres a "paciência" e aos ricos a
"generosidade", 2 porque "Deus quer assim", porque "é assim mesmo", ou "o que se pode
fazer?". Os telejornais passam a impressão de que presenciamos os acontecimentos ao vivo.
O que fica escondido é o fato de que, ao selecionar as imagens que vão ser mostradas, ao
cortá-las, ao montá-las numa determinada ordem, a produção do telejornal já mutilou a
realidade, já a interpretou e nos mostra o produto final manipulado como se fosse o fato em
si. 3
O estudante de jornalismo que adota a visão sistêmica na
tentativa de compreender melhor o mundo, com certeza vai incorporar aos seus estudos essa
imprescindível reflexão crítica a respeito da origem e da conseqüência das coisas, isto é,
aprenderá a indagar das causas e efeitos para julgar o que está sendo dado como real
acontecido a partir da representação do mundo. Temos aqui a formulação clássica da
dialética hegeliana. O conhecimento estabelecido a partir de uma realidade dada, imediata,
enquanto simples aparência do mundo real, é chamado por Hegel de conhecimento
"abstrato", ao qual se opõe o conhecimento do ser real, concreto, que consiste em descrever
o modo como uma realidade é produzida. Para ele, conhecer a gênese, o processo de
constituição pelas mediações contraditórias é conhecer o real. Hegel não vê a história como
simples justaposição de fatos acontecidos no tempo, mas como um verdadeiro
engendramento, um processo cujo motor interno é a contradição. Isto aplicado ao
jornalismo, por exemplo, significa dizer que a informação inicial (tese), deve ser negada
pela indagação crítica (antítese) para, numa etapa seguinte, ser confirmada - ou não - com a
negação da negação (síntese). São as três etapas da dialética.
2
"Talvez dês esmolas. Mas, de onde as tiras, senão de tuas rapinas cruéis, do sofrimento, das lágrimas, dos
suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu óbolo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a
carne de seus irmãos e de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a
minha sede com as lágrimas de meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de meus
companheiros de miséria. Devolve a teu semelhante aquilo que reclamaste e eu te serei muito grato. De que
vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem?". São Gregório de Nissa, "Sermão contra os Usurários". In:
FREIRE, 2005, p. 33.
3
Cf. ARANHA, 1995, p. 367.
251
O pensamento sistêmico nos conduzirá, então, ao mundo
complexo que precisa ser reconhecido e decifrado para ser entendido. A integração
consistirá, assim, no estudo das partes em busca da compreensão do todo.
Em muitas situações, o meio ambiente, na riqueza de suas
diversidades e contradições, pode ser o denominador comum, isto é, o ponto de confluência
de fundamentais aspirações humanas na solução de conflitos e na busca da paz, síntese da
experiência do homem que quer a felicidade. Como construir a paz a partir da integração e
da cooperação com o meio ambiente?
2. Integração no Meio Ambiente
Cultivar a paz, através do meio ambiente, é uma
possibilidade perfeitamente coerente. No conturbado mundo atual há vários exemplos de
situações em que antigos desentendimentos entre as nações são colocados de lado enquanto
todos somam esforços para solucionar problemas comuns ligados ao meio ambiente. Deste
mesmo modo é possível supor que, mais cedo ou mais tarde, o empenho para superar ou
solucionar os problemas diretamente ligados à sobrevivência da vida sobre o planeta unirá
todas as nações, governos, sociedades, partidos, etnias etc. fazendo pela paz o que tantas
outras pregações não conseguiram fazer em milhares de anos: integrar o ser humano no
mutirão comum da solidariedade, da cooperação e da paz na construção de outra sociedade,
de outro mundo, de outro modo de viver neste planeta azul.
Quando um país em guerra faz uma trégua para assistir a
uma partida de futebol, percebemos que o ser humano sente a necessidade de dar uma
chance à paz. Por outro lado, quando assistimos ao filme "Senhor das Armas", de Andrew
Niccol, percebemos que a paz não acontece, exatamente, porque a mesma guerra que é
morte e destruição para tantas vidas inocentes, é razão de vida, de emprego, de lucros
fantásticos, de vantagens para outras pessoas, comprovando que vida e morte, morte e vida
também são partes do nosso sistema. Seria preciso expor, criticamente, como faz o filme, a
denúncia contra o egoísmo dos que constróem a própria vida sobre a morte, a sua felicidade
sobre a infelicidade, como faz, de resto, a lógica perversa do próprio capitalismo, através da
acumulação. Para superarmos o derrotismo que muitas vezes insiste em nos levar ao
252
desânimo diante de um mundo tão injusto, vejamos alguns exemplos recentes em que a
tolerância supera todo o ódio. Antes, algumas resoluções da ONU a respeito:
Em abril de 2001, o Conselho de Assuntos Gerais da União
Européia apresentou sua estratégia de integração ambiental sobre a questão de meio
ambiente e segurança e a contribuição do desenvolvimento sustentável à segurança regional.
Tal estratégia foi adotada em março de 2002 e está em pleno vigor desde a Cúpula Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável da União Européia, realizada naquele ano. Também em
2002, o secretário-geral da ONU, Koffi Annan, solicitou uma melhor integração das
contribuições ambientais a conflitos e instabilidades, na estratégia da organização sobre
prevenção de conflitos e nas deliberações do seu Painel de Alto Nível sobre Ameaças,
Desafios e Mudanças. Em 2004, o Plano de Ação Federal sobre Prevenção de Crise Civil,
Resolução de Conflito e Consolidação da Paz Pós-conflito identificou o desenvolvimento
sustentável e a cooperação ambiental transfronteiriça como fatores decisivos para a
promoção da paz e da estabilidade. 4
Com o objetivo de identificar, mapear e responder a
situações onde problemas ambientais ameaçam gerar tensões ou ofereçam oportunidades
para sinergias cooperativas entre comunidades, países ou regiões, foi criada, no outono de
2002, a ENVSEC (sigla em inglês da Iniciativa para o Meio Ambiente e Segurança) uma
parceria entre a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), PNUMA e
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Alguns exemplos:
* Na primavera de 2004 velhos inimigos reuniram-se, pela primeira vez, para discutir conjuntamente o
compartilhamento dos pântanos da Mesopotâmia, depois que um dos principais projetos do regime de
Saddam Hussein - drenagem dos pântanos e a construção de canais artificiais - arruinou algumas das
mais ricas áreas de biodiversidade do Iraque, onde a poluição hídrica, causada principalmente pela
indústria petrolífera, está afetando não somente os rios Eufrates e Tigre, mas toda a região do Golfo
Pérsico. Outro problema para a população iraquiana é a poluição tóxica resultante do uso de armas de
urânio enfraquecido durante a Guerra do Golfo em 1991 e na Guerra do Iraque em 2003, conforme
avaliação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
* Em 1999, nos Balcãs, enquanto as instalações industriais alvejadas em Kosovo, Sérvia e Montenegro
ainda ardiam, as equipes do PNUMA realizaram a primeira "avaliação ambiental pós-conflito",
concluindo que o rio Danúbio estava ameaçado por mais de 60 produtos químicos diferentes, incluindo
mercúrio, por causa da guerra. Isto levou a comunidade internacional, pela primeira vez, a incluir a
limpeza do meio ambiente na sua ajuda humanitária pós-conflito, como tem ocorrido na Libéria, em
territórios palestinos ocupados, no Afeganistão e no Iraque. Tais iniciativas revelam que a gestão de
problemas comuns pode desenvolver confiança entre países anteriormente hostis.
4
Cf. artigo de Ken Conca, Alexander Carins e Geoffrey D. Dabelko publicado no "Relatório do Mundo - 2005",
disponível em www.worldwatchinstitute.org.br. Acessado em 19.10.2005, p. 170.
253
* Apesar dos interesses conflitantes, os governos do sul do Cáucaso (Armênia, Geórgia e Azerbaijão),
região que faz uma ponte entre Ásia e Europa, com perigo constante de violência relacionada com
conflitos de identidade herdados do colapso da União soviética, reconhecem que alguns desafios
ambientais exigem ação conjunta, como no caso da gestão da bacia do rio Kura-Araks.
* O Mar de Aral é um exemplo dos desafios de paz efetiva através de cooperação ambiental. Quando a
União soviética entrou em colapso em 1991, o que havia sido o maior corpo d´água interiorano, em
1960, era apenas uma sombra do seu passado. Com seus rios tributários represados e desviados para
programas de irrigação, o nível do Mar de Aral caiu cerca de 15 metros, foi dividido ao meio, a
salinidade triplicou, o volume de água diminuiu em dois terços. Uma crise sócioeconômica se abateu
entre os novos estados independentes da Ásia Central. Mas, com ajuda do Banco Mundial, os países
situados em torno do Mar de Aral organizaram uma estrutura cooperativa para responder à crise,
superando suas divergências políticas regionais.
* Uma tentativa semelhante está sendo feita na Cashemira, alvo de uma disputa acirrada entre Índia e
Paquistão, desde a descolonização britânica e o fim da II Guerra Mundial. Conservacionistas
internacionais estão agindo para a implantação de um "parque da paz" nas montanhas Karakoram, entre
os dois países, na extremidade ocidental do Himalaia, a ser administrado conjuntamente, o que,
considerando os períodos de cessar-fogo e o recente esfriamento de tensões, pode ajudar na
transformação do conflito, segundo observadores internacionais.
* Muitas organizações civis e grupos locais no México e EUA, que se opõem ao Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (ALCA), estão envolvidos em esforços conjuntos de proteção ambiental
ao longo e através da fronteira.
* Apesar das batalhas diárias nas ruas da Margem Ocidental e na Faixa de Gaza, os palestinos e
israelenses continuam a se reunir informalmente para administrar aspectos de seus recursos hídricos
compartilhados.
* Muitos brasileiros vêem como suspeita a caracterização da Amazônia como "pulmão da Terra", por
parte dos países do Hemisfério Norte, considerando-a como parte de uma campanha de
"internacionalização" da floresta e obstrução do desenvolvimento. Assim, acredita-se, entre os
conservadores ecológicos, que focar a paz e não a segurança poderá ser mais positivo quando a intenção
é prevenir conflitos ao invés de estimulá-los. 5
Mas os defensores da paz não podem ser ingênuos. É
preciso analisar criticamente as situações dadas que podem camuflar outros interesses. Por
exemplo, o interesse militar dos Estados Unidos nos campos devastadoramente desnudos do
Haiti poderia estar fundamentado num desejo de barrar ondas de refugiados haitianos ao
invés de buscar formas de lidar com a pobreza sistêmica ou de reverter a degradação de
recursos naturais vitais.
O que pensar, então, da construção de bases militares
americanas providas de pistas de pouso para aviões de grande porte em países situados em
torno da floresta amazônica? O que pensar dos milhões de dólares destinados ao Plano
Colômbia com a justificativa de que aquele país produz 90% da cocaína traficada nos EUA?
5
id. ibid., p. 165 -183.
254
O fato é que pensar a integração é pensá-la de modo
abrangente, do mesmo modo que apurar uma notícia é pensar o contexto, as situações em
que ela é produzida, é verificar causas e conseqüências.
Entretanto devemos saber que não estamos sozinhos em
nossos esforços de paz mundial através da integração com o meio ambiente. Se há tantas
pessoas buscando a cooperação e a integração, em todo o mundo, mesmo nas regiões de
conflito, porque nós, através de nossas profissões (estudantes, jornalistas e professores), de
nossa atuação na sociedade, não poderíamos dar a nossa colaboração, modesta que fosse,
seja no jornalismo ou na educação?
3. Integração na Educação
3.1 Educação Formal: Universidade
A primeira definição internacional da educação ambiental
foi adotada pela International Union for the Conservation of Nature (IUCN,1971) que
enfatizou os aspectos ecológicos da conservação. Basicamente a educação ambiental estava
relacionada à conservação da biodiversidade e dos sistemas de vida. A conferência de
Estocolmo (1972) ampliou sua definição a outras esferas do conhecimento e, finalmente, a
Conferência Intergovernamental de Tbilisi 6 (1977), internacionalmente mais aceita, definiu que:
A educação ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificação de conceitos,
objetivando o desenvolvimento das habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio ambiente,
para entender e apreciar as inter-relações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios biofísicos.
A educação ambiental também está relacionada com a prática das tomadas de decisão e a ética que
conduzem para a melhoria da qualidade de vida. 7
Ao definirem os objetivos da educação ambiental, alguns
autores têm se baseado na taxionomia de objetivos educacionais de Benjamin S. Bloom, 8
entre eles Smyth, 9 para o qual tais objetivos envolvem:
6
Capital da Geórgia, no Sudoeste da Rússia, às margens do rio Kura.
Cf. SATO, 2003, p. 23.
8
Cf. BLOOM, 1974.
9
Cf. SMYTH, J.C. Environmental education: a view of a changing scene. In: "Environmental Education
Research", vol. 1, n.1. Citado por SATO, 2003, p. 24.
7
255
Sensibilização Ambiental - Processo de alerta, considerado como primeiro objetivo para alcançar o
pensamento sistêmico da educação ambiental.
Compreensão Ambiental - Conhecimento dos componentes e dos mecanismos que regem o sistema
natural.
Responsabilidade Ambiental - Reconhecimento do ser humano como principal protagonista para
determinar e garantir a manutenção do planeta.
Competência Ambiental - Capacidade de avaliar e agir efetivamente no sistema (ambiental).
Cidadania Ambiental - Capacidade de participar ativamente, resgatando os direitos e promovendo uma
nova ética capaz de conciliar a natureza e a sociedade.
Nas Universidades - conforme a Recomendação n. 13 da
Conferência de Tbilisi (1977) - a educação ambiental deve romper com os modelos
tradicionais de ensino, encorajando a aceitação da interdisciplinaridade na solução dos
problemas ambientais em todas as áreas de conhecimento - tanto nas ciências da educação,
nas ciências sociais ou nas ciências naturais. É recomendável desenvolver materiais
pedagógicos locais estabelecendo vinculação direta com a realidade regional - o que foi
favorecido pelo regime de flexibilização curricular do ensino de jornalismo, regulamentada
em 2002, no âmbito do Ministério da Educação e Cultura. Outra recomendação é o
estabelecimento de cooperações locais, nacionais e internacionais no sentido de promover
capacitação humana e troca de experiências tendo em vista a característica eminentemente
sistêmica da questão ambiental que atinge todo o mundo.
A importância do ensino da educação ambiental nas Universidades
voltou a ser discutida no Seminário Regional de Educação Ambiental em Budapeste,
Hungria, em 1983, quando foram discutidos os seguintes tópicos:
a) Definir os conceitos da educação ambiental nas universidades considerando os aspectos culturais e
naturais do planeta.
b) Focalizar atenções para os trabalhos de campo, em níveis local e global.
c) Definir os conteúdos da educação ambiental.
d) Promover a interdisciplinaridade e estabelecer normas para a implementação da educação ambiental
numa perspectiva supradepartamental.
e) Estabelecer programas de pós-graduação compatíveis com os programas das graduações.
As áreas de concentração, nos programas de educação
ambiental, geralmente estão contempladas no Relatório Brundtland (1987), enfatizando a
importância da sustentabilidade ecológica, em níveis regional e internacional, por meio de
gerenciamento ambiental adequado, reforçando ainda a importância das pesquisas
interdisiplinares que conduzem às ações participativas para as tomadas de decisões em
256
relação às mudanças ambientais ocorridas no planeta. 10 Tais áreas de concentração estão
assim distribuídas na maioria dos programas:
- Valores Humanos Universais e Responsabilidades Globais.
- Economia e Desenvolvimento Sustentável.
- Sistemas Globais de Vida.
- Ciência e Tecnologia.
- Dinâmica Populacional e Riquezas Humanas.
As estratégias previstas pela Conferência de Tbilisi (1977)
para a educação ambiental nas Universidades consideram que as universidades são centros
de pesquisas, ensino e qualificação humana para as nações, devendo, portanto, estabelecer
Programas de Educação Ambiental, em seus aspectos formais e não-formais. A proposta de
ensino deve ser a capacitação profissional no sentido de aplicar seus conhecimentos para
reduzir os problemas ambientais do mundo contemporâneo. Os alunos devem ser
familiarizados com os problemas ambientais complexos, sempre na perspectiva
interdisciplinar. O professor deve conduzí-los ao diálogo e à verificação da relação entre os
diversos componentes do currículo. Assim, é preciso romper com o enclausuramento dos
departamentos e com o pensamento cartesiano que conduzem os profissionais às pequenas
esferas de suas especializações. 11
Além de seminários e palestras, a estratégia inclui a
produção de materiais locais baseados nos problemas ambientais do entorno relacionados
com a conservação da biodiversidade e com o desenvolvimento das sociedades humanas, é
estimulada a integração com os níveis do ensino de primeiro e segundo graus, devendo a
universidade
estar
equipada
com
materiais
educacionais
apropriados,
utilizando
metodologias atuais que promovam a percepção e a sensibilização dos problemas
ambientais.
Específicamente no ensino de jornalismo há excelentes
exemplos de sucesso baseados na integração da universidade com os demais níveis de
ensino. Tomemos o caso do "Projeto São Paulo de Perfil" nascido da tese de doutoramento
da professora Cremilda Medina na ECA-USP, em 1986, que envolve a publicação regular
de livros reportagem contendo narrativas da contemporaneidade sobre São Paulo, desde
1987. Em 2003 o projeto
10
Cf. SATO, 2003, p. 39.
257
11
id. ibid.
258
publicou seu 25º livro, sempre escritos pelos alunos de jornalismo da professora Medina
(diplomada em Letras e em Jornalismo, ao mesmo tempo, pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul em 1970). A indagação básica de cada livro, ambientado no caos urbano e
nas tribos que habitam São Paulo, é: "Quem são os anônimos que fazem o cotidiano da
cidade-síntese do país?" Deixemos que a própria professora Medina explique:
O projeto se funda nos objetivos assentados no tripé ensino, pesquisa e extensão, não se podendo
desvincular nenhuma das três finalidades. Essa, a vocação plena de uma universidade. [...] No
laboratório de formação de novos jornalistas, na pesquisa de uma linguagem dialógica (desenvolvida
também com grupos interdisciplinares de jovens ou de alunos da terceira idade) e na recepção ativa dos
leitores externos à universidade se acumulam preciosos subsídios para a narrativa que se reporta à
realidade contemporânea. ( MEDINA, 2003, p. 33 ). 12
Seduzida - desde o Segundo Grau que concluiu em 1967 pela pesquisa do diálogo social, Medina elegeu como prioridade, no exercício do jornalismo,
a prática do repórter como um mediador social dos discursos da atualidade. Hoje, com todo
o saber acumulado, a professora observa que os alunos chegam à sua disciplina de
Narrativas da Contemporaneidade, na ECA-USP, com "certas atrofias que impedem a
criatividade". E esclarece:
A formação técnica do jornalista se sintoniza com o histórico da escolaridade que, por sua vez, reflete a
visão de mundo corrente na cultura ocidental, filha das Luzes: usamos, no dia-a-dia, uma racionalidade
esquemática que não se alimenta da intuição criativa e, por isso, nos contentamos com a rotina. [...] A
oficina pedagógica provoca a ressensibilização do hemisfério direito [do cérebro], ou as intuições
sintéticas e, em conseqüência, a aceleração de ações criativas, organizadas, aí sim, pela inteligência
lógico-analítica. [...] Trata-se de humanizar as fórmulas que constituem as técnicas da inércia
profissional, na vitalidade do cotidiano anônimo. A pedagogia do novo jornalismo recupera o prazer e o
desejo solidário de descobrir pessoas anônimas, [...] refletindo uma marca autoral inovadora. A
experiência, no entanto, não se inscreve no experimentalismo gratuito ou sedento de modismos. (id.
ibid., p. 34). 13
Em 1994, em entrevista ao jornal Unidade, do Sindicato
dos Jornalistas de São Paulo, Cremilda Medina explicou que "no projeto de formação de
jornalistas [...] tem sido cada vez mais oportuno enfrentar a complexidade ao mesmo tempo
ética, técnica e estética". Segundo ela, "o avanço da cidadania, as conquistas democráticas
ou as lutas da sobrevivência se refletem na história do jornalismo, que põe em evidência os
12
13
Cf. MEDINA, 2003, p. 33.
id. ibid., p. 34.
259
impasses morais. Por outro lado, a tradição profissional acumula, para além das
facilidades tecnológicas, os desafios técnicos. E as assinaturas autorais mostram o
significado social quando inovam na estética da narrativa".( id. ibid., p. 35). 14
Na origem, em 1987, a série São Paulo de Perfil não tinha
uma pauta definida. Os alunos do terceiro ano de jornalismo se envolviam com a rehumanização das pautas, a reportagem de aprofundamento, a busca de identidade cultural, a
compreensão do cotidiano, dos tempos e dos espaços da atualidade brasileira, paulistana e
paulista. O final do semestre culminaria com um produto coletivo, um livro-reportagem
monotemático. 15
A partir de 1989 o projeto passou a interagir com alunos da segunda série do segundo grau de uma
escola pública da Zona Leste de São Paulo (o Colégio São Vicente de Paula, na Penha). Os estudantes
de jornalismo levaram três livros-reportagem produzidos pelos colegas dos anos anteriores para que os
estudantes do segundo grau, divididos em grupos, lessem, um por grupo, para depois fazerem
comentários por escrito que depois seriam analisados na universidade. O curioso é que os grupos
decidiram ler não apenas um, mas os três livros. Depois, nos comentários, revelaram três aspectos
muito fortes:
1) A sedução da linguagem e dos temas - muitos deles destacaram sérias desavenças, em suas histórias
escolares, com a leitura de clássicos, de obras recomendadas pelos professores. Jornais e revistas,
achavam chatos. Mas os livros da coleção eram, para eles, rápidos de ler, bonitos e diferentes. 2) A
solidariedade de um olhar carinhoso - jovens da classe média, moradores de um bairro periférico, eles
estavam na incômoda proximidade da pobreza sem serem pobres. Uma posição muito propícia ao
desenvolvimento de preconceitos. O choque de ver o outro - o nordestino, o morador de rua, o
estudante com militância acadêmico-partidária - tratado com carinho foi uma iluminação para aqueles
jovens. 3) A desmontagem da moral da história - mergulhados nos textos os nossos jovens rapidamente
captaram uma diferença: não havia moral da história - tão comum em livros didáticos. Eles estranharam
que nem sempre os finais eram "justos", que os personagens sentiam as dores do acaso, que o grande
imponderável dos sonhos e dos desejos não era suscetível à lógica. Desmontaram, ou começaram a
desmontar, a mentalidade de simplificação humana. (MEDINA, 2003, p. 39). 16
A partir de 1989, além da institucionalização do projeto na
Secretaria de Educação do Estado de são Paulo, o São Paulo de Perfil também foi estendido
ao Programa da Terceira Idade da USP. Conta a professora Medina que esperava das
pessoas mais maduras - impropriamente chamadas de terceira idade, segundo ela observa - o
aporte de histórias vividas, um repertório de informações, mas a grande descoberta foi "a
ação, o movimento dialógico e, ao mesmo tempo, a disposição dos idosos para se
encontrarem com pessoas desconhecidas", enquanto os jovens da graduação revelam "certa
14
id. ibid., p. 35.
id. ibid., p. 37.
16
Depoimento de Elen Geraldes, hoje doutora em Sociologia, como ex-bolsista do Projeto São Paulo de Perfil em
1994. In: MEDINA, 2003, p. 39.
15
260
preguiça para ir ao mundo exterior, ao mundo do outro. A juventude está quase sempre
imersa na insegurança pessoal e os adultos vivem encarcerados na afirmação do seu poder.
Os colegas mais experientes, sábios e cuidadosos, lançam-se à vida. Não alienam o
presente que ainda pode ser tecido".
Em 1994 o convênio entre a ECA-USP e a Secretaria de
Educação de São Paulo levou o projeto São Paulo de Perfil à EEPSG "Henfil", na área da
16ª Delegacia de Ensino de São Paulo. A ex-bolsista de iniciação científica do projeto,
Patrícia Patrício, jornalista, mestre em Ciências da Comunicação, conta como foi:
O professor de sociologia trabalhou com os alunos [o livro] "A Escola do Outono", sobre educação, e
aprendeu com a leitura: "Há informações ali que nem os professores têm acesso". No segundo semestre
de 2004, o professor Cido quis desenvolver um trabalho sobre religiões e "Guia das Almas", o 13º livro
da série, foi utilizado como estímulo à pesquisa e fonte de consulta. Os alunos no princípio desanimam
diante de volumes grossos, de mais de duzentas páginas [...] Tanto professores como alunos da 16ª
Delegacia de Ensino de São Paulo gostam e pedem as visitas dos jovens repórteres às escolas, como
aconteceu na escola "Henfil". Ver quem faz e como se faz um livro desperta o interesse dos alunos.
17
(MEDINA, 2003, p. 43).
Outra gaúcha de boa cepa, a professora Ilza Girardi
Tourinho - uma referência na pesquisa sobre jornalismo ambiental dentro e fora do país desenvolve um projeto semelhante na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde, em
2002, implantou o primeiro curso de pós graduação em Jornalismo Ambiental do país. Seus
alunos de jornalismo vão às escolas de primeiro e segundo grau onde incentivam os "guris"
a produzirem qualquer tipo de mensagem sobre o meio ambiente. O material é analisado na
Universidade e depois os futuros jornalistas voltam à escola para comentá-los com os
pequenos estudantes e também com os adolescentes do Colegial. Os cursos da Profa. Ilza
envolvem ampla interação com as comunidades de Porto Alegre e entorno, focando as
questões ambientais que mais interessam aos moradores. Há também dinâmicas de dança,
audições musicais, promoções ligadas ao folclore e à cultura popular etc, conforme a
professora revelou em palestra no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em
Santos-SP ( já citado).
Certamente existem inúmeros outros exemplos, no Brasil,
em que a Universidade e a escola pública de primeiro e segundo grau integram esforços a
serviço da educação ambiental permanente.
17
Op. cit. p. 43.
261
3.2 Educação Informal e Cidadania: Projeto Mesa Brasil
A educação permanente precisa estar presente no seio da
sociedade. Há inúmeros exemplos de Organizações Não Governamentais e entidades afins,
incluindo igrejas, associações, sindicatos etc, que desenvolvem projetos práticos sobre a
preservação do meio ambiente e sobre o exercício da paz, da solidariedade, do respeito pelas
diferenças, da aceitação do outro, incorporando uma visão crítica da sociedade e das causas
dos fenômenos sociais.
Não seria possível citar aqui todos esses exemplos.
Escolhemos um para simbolizar os demais: O Projeto Mesa Brasil, por seu caráter de
permanência, pela preocupação em educar e pelo nível de organização (porque a seriedade é
fundamental quando se busca a integração social pela solidariedade, pelo voluntariado, pela
doação etc).
Em junho de 1993, com o slogan "a fome não pode
esperar", o sociólogo Herbert de Souza, Betinho, 18 lançou, no Rio, a Ação da Cidadania
contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Segundo o IBOPE, 30 milhões de pessoas
participaram da ação comunitária realizada pelos comitês em todo o Brasil. A ação de
Betinho foi uma resposta concreta e solidária contra o "Mapa da Fome" divulgado naquele
ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, segundo o qual o Brasil tinha
32 milhões de cidadãos vivendo abaixo da linha da pobreza, sob ameaça constante da fome,
enquanto o país perdia, então, o equivalente a 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) com os
alimentos que deixavam de ser aproveitados em toda a cadeia produtiva. 19 Em novembro
daquele ano o Serviço Social do Comércio - SESC, deu sua contribuição à campanha
18
Betinho morreu no dia 9 de agosto de 1997, aos 61 anos. O Brasil dos excluídos chorou a sua perda. Mineiro de
Bocaiúva, era o terceiro de oito irmãos, entre eles o cartunista Henfil. Estudou sociologia e administração pública
e abraçou todas as causas que envolviam algum tipo de transformação social. Nos anos 1960 militou no
movimento estudantil contra a ditadura. No início dos anos 1970 partiu para o exílio. Viveu no Chile, Panamá,
Canadá e México. Seu nome era um símbolo do movimento pela redemocratização do Brasil e pela anistia. Em
1979 voltou. Em 1981 fundou o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE). Foi uma das
lideranças do Movimento pela Ética na Política que culminou com o impeachment de Collor, em 1992. Um ano
depois veio a Campanha contra a Fome. Em 1996, Betinho inspirou o enredo da Escola de Samba Império
Serrano, no Rio de Janeiro, com o tema "Verás que um filho teu não foge à luta". Cf. id. ibid., p. 49.
19
O prejuízo do Brasil com o desperdício alcança um valor astronômico: ultrapassa R$ 12 bilhões por ano, soma
que daria para alimentar, anualmente, com cestas básicas mensais no valor de um salário mínimo, 8 milhões de
famílias carentes. Outro número espantoso de desperdício: a Associação Paulista de Supermercados (APAS, 1999)
identificou uma perda da ordem de 23% na produção nacional de hortifrutícolas. São aproximadamente 13 milhões
de toneladas de legumes, verduras e frutas que não chegam aos consumidores. Enquanto isto, mais de três milhões
de crianças brasileiras com até 6 anos de idade sofrem por falta de alimentação adequada. Segundo dados da
Pastoral da Criança (1999), a média nacional de desnutridos nessa faixa etária é de 16%. O relatório Situação
Mundial da Infância 1998, do Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef, aponta mais de 200 milhões de
menores de 5 anos atingidos pelo problema nos países em desenvolvimento. A desnutrição também é responsável
por mais da metade de quase 12 milhões de mortes anuais de crianças nessa faixa etária. Cf. Hélio Junqueira. O
Desafio Social da Fome, 1995. In: Op. cit. p. 12.
262
promovendo no SESC-Interlagos a Vigília Musical Contra a Fome, com artistas famosos
revezando-se no palco durante 24 horas de boa música. A partir daí o SESC-SP resolveu
adotar uma atividade permanente e empresarial voltada para a cidadania. Nascia, em outubro
de 1994, o "Projeto Mesa São Paulo - Ação contra a Fome e o Desperdício pela Qualidade
de Vida" que, em 2002, já funcionando em 43 unidades do SESC, nos vários Estados, com
apoio de ampla rede de parceiros e voluntários, recebeu o nome de Mesa Brasil.
Para modelar o projeto, o SESC enviou um diretor regional
a Nova York, em 1994, para conhecer o City Harvest, que é a "colheita urbana", o qual
participou, em seguida, de um concorrido congresso na cidade de Atlanta, que reuniu
centenas de programas de combate à fome daquele país. 20 O SESC também se inspirou nos
bancos de alimentos que surgiram nos EUA por ocasião da Grande Depressão causada pela
quebra da Bolsa de Nova York em 1929. 21 O modelo principal foi o Banco de Alimentos de
Lisboa, baseado no modelo francês, que aceita doações de todos os tipos e tem sua estrutura
formada basicamente pelo trabalho voluntário. Os alimentos são distribuídos a instituições
que fornecem refeições gratuitas ou doam alimentos em cestas básicas. Programas como o
"Mesa São Paulo" ajudam o Brasil 22 a atender ao compromisso firmado na Cúpula Mundial
da Alimentação promovida pela FAO em Roma, de 13 a 17 de novembro de 1996. Chefes de
Estado de 186 países comprometeram-se a reduzir pela metade, até 2015, a quantidade de
pessoas famintas no mundo: cerca de 800 milhões de pessoas. O programa foi reconhecido
pelo governo brasileiro como importante contribuição ao Programa Fome Zero implantado
pelo Governo Lula.
20
A fome também ameaça a nação mais desenvolvida do mundo. Durante o simpósio "O Desafio Social da
Fome", realizado em 1995, em Nova York, a representante da organização norte-americana Foodchain,
Heather Dennis Parsons, revelou que 15% da população dos Estados Unidos passava fome, incluindo 12
milhões de crianças, enquanto 18 mil toneladas de alimentos perecíveis, ainda em bom estado, eram jogados no
lixo todo dia. Cf. Mesa São Paulo - Ação contra a Fome e o Desperdício, pela Qualidade de Vida. São Paulo:
SESC, 1999, p. 52.
21
Os bancos de alimentos funcionam como centros de distribuição de alimentos e de produtos secos e molhados.
São grandes armazéns, equipados com câmaras frigoríficas, empilhadeiras e veículos refrigerados para conservar
melhor os alimentos. Contam com suporte administrativo informatizado e muito bem estruturado. Ali são
estocadas as grandes doações feitas por empresas do ramo alimentício de todo o país. Por meio da Second Harvest
- com sede em Chicago, congregando 188 bancos de alimentos - são distribuídas 454 mil toneladas de alimentos,
anualmente. Hoje os bancos de alimentos são organizações presentes em vários países, como Bélgica, Espanha,
França, Grécia, Irlanda, Israel, Itália, México, Polônia, Portugal, República Theca, Rússia etc. Cf. op.cit. p. 54.
22
São vários os motivos da fome. O principal é a falta de oportunidades diante do profundo abismo existente entre
ricos e pobres, especialmente no Brasil. No Relatório de 1999 do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD, o país aparece como campeão em concentração de renda: os 20% mais ricos ganham
32 vezes mais que os 20% mais pobres. Cerca de 26 milhões de brasileiros - 15,8% da população - não têm acesso
às condições mínimas de saúde, educação e serviços básicos.
263
Nas unidades do SESC em todo o Brasil o
projeto funciona com seis atividades
consideradas tradicionais: Captação de doadores de alimentos; seleção das instituições que
recebem os alimentos; Controle de Qualidade e Armazenamento dos produtos; Seleção de
Voluntários; Imagem do Programa; Contabilidade. Diariamente um furgão e um caminhão
com o logotipo do Mesa São Paulo percorre um trajeto pré-estabelecido - de 150 a 200
km/dia cada veículo - retirando e entregando alimentos doados. Cada passo é monitorado e
todas as operações são documentadas com recibos específicos emitidos pelo programa para
os doadores e para as instituições receptoras. As atividades da Colheita Urbana na capital
paulista começam às 6h e só terminam às 19h, de segunda a sábado. A idéia principal do
projeto é fazer a ligação entre quem pode dar e quem precisa receber. Mas, do mesmo modo
que somente são aceitos produtos em condições de consumo e higiene, também se exige a
contrapartida da educação cidadã para as entidades cadastradas, como asilos, albergues,
creches, orfanatos, centro de juventude, casas de convivência etc. Permanentemente há
cursos de treinamento e distribuição de cartilhas que ensinam o aproveitamento integral dos
alimentos, as noções de higiene, o consumo sustentável, a preservação do meio ambiente
etc. O voluntariado presente no projeto envolve tanto profissionais liberais - como médicos,
sanitaristas, microbiologistas, contadores etc - como motoristas, ajudantes, carregadores etc.
Em todo o país o programa oferece estágios aos universitários de Serviço Social e cursos
afins.
Em 2004, o programa, com sede na Unidade Carmo do
SESC-São Paulo, comemorou 10 anos de pleno sucesso graças ao apoio solidário que tem
recebido dos empresários, comerciantes, voluntários e da sociedade em geral, inclusive da
mídia. Em 2003, o Mesa São Paulo contava com 108 empresas doadoras e 135 instituições
receptoras, movimentando 72 toneladas de alimentos e 288 mil refeições mensalmente. Uma
nutricionista percorre permanentemente as instituições receptoras para verificar as condições
de manipulação dos alimentos.
As "situações educativas" criadas pelo programa funcionam
quase como armadilhas, segundo explica a bióloga e educadora Maria Alice Oieno de
Oliveira, gerente adjunta de Programas Sócio-Educativos do SESC-São Paulo:
É próprio de nossa estratégia educativa criar situações em que as pessoas de repente se vêem capturadas
e acabam se dando conta de alguma coisa importante. [...] Só o fato de o SESC ter desenvolvido um
modelo próprio vinculando a fome ao desperdício pode ser considerado um aspecto educativo do
programa. [Afinal] de um lado temos 35% da população brasileira vivendo abaixo da linha da pobreza,
de outro as estatísticas dão conta de 40% de desperdício de alimentos. Os números falam por si. Esse
264
contraste é bastante educativo. Ao mesmo tempo, aprendemos que o nosso modelo econômico gera
ambas as coisas - todo esse desperdício e toda essa exclusão (SESC, 2004, p. 129) 23
4. Integração na Comunicação
4.1 O Ministério do Meio Ambiente
O Brasil demorou a ter um órgão máximo como o
Ministério do Meio Ambiente para coordenar a política ambiental, pois em vários países tal
providência foi tomada a partir da Conferência de Estocolmo, em 1972. 24 No ano seguinte à
Conferência, o governo militar criou a Secretaria Especial de Meio Ambiente-SEMA, 25
vinculada ao Ministério do Interior e mais voltada ao combate à poluição ambiental. O gesto
teria tido, segundo observadores, o objetivo de amenizar a posição "negativa" que o Brasil
deixara em Estocolmo perante os demais países, 26 tanto assim que a SEMA, com quadro
técnico e orçamento insuficientes, nunca exerceu qualquer influência na formulação de
políticas de planejamento ambiental, pois as decisões que afetassem as atividades industriais
de base, consideradas "de interesse da segurança nacional" eram centralizadas na
Presidência da República. 27 Só em 1983, já com o movimento ambientalista em franca
atividade no país e cobrando providências a favor da preservação ambiental, é que o Decreto
n. 83.351/83 veio regulamentar a Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, instalando-se,
assim, a Política Nacional de Meio Ambiente, através da qual foram criados o Conselho
Nacional de Meio Ambiente-CONAMA 28 e o Sistema Nacional de Meio Ambiente-
23
Cf. Mesa Brasil São Paulo - 10 Anos. São Paulo: SESC, 2004, p. 129.
Na verdade o Brasil revelou uma posição equivocada na Conferência de Estocolmo. Preocupada com a política
de "soberania nacional", a delegação brasileira defendeu a tese do desenvolvimento a qualquer custo, considerando
que só o crescimento econômico levaria o país a alcançar um nível mínimo satisfatório para atender às
necessidades sociais da população. Tal retórica, amplamente utilizada pela ditadura militar (o "crescimento do
bolo") foi duramente criticada pela oposição. Na ocasião o Brasil perdeu a oportunidade de emergir como legítimo
portador dos interesses do terceiro mundo não fosse a vinculação do tema ambiental com o crescimento
econômico. Cf. GUIMARÃES, R. P. "The ecopolitics of development in the Third World: politics & environmen
in Brazil". London: Lynne Rienner Publishers, 1991, citado por SILVA-SÁNCHES, 2000, p. 70.
25
Cf. Decreto n. 73.030, de 30 de outubro de 1973.
26
Cf. MONOSOWSKI, E. Políticas ambientais e desenvolvimento no Brasil. Cadernos FUNDAP - Planejamento
e Gerenciamento Ambiental, 1989. Citado por SILVA-SÁNCHES, 2000, p. 73.
27
id. ibid., p. 76.
28
A Resolução CONAMA 001/86 estabeleceu as diretrizes básicas para a elaboração de estudos de impacto
ambiental representando um importante avanço na política ambiental brasileira. Essa Resolução exige dois
relatórios do empreender público ou privado: o Estudo de Impacto Ambiental-EIA e o Relatório de Impacto sobre
o Meio Ambiente -RIMA.
24
265
SISNAMA. A Lei Ambiental também concedeu legitimação ao Ministério Público 29 para
propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente. Em
1988 a questão ambiental entrou na Constituição Brasileira: "Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
para as presentes e futuras gerações", 30 o que pode ser considerado mais uma vitória do
movimento ambientalista que desde 1984 vinha organizando eventos, em todo o país,
mobilizando a sociedade em preparação à Constituinte, destacando-se o I Encontro Nacional
de Entidades Ambientalistas Autônomas, em Belo Horizonte, em maio de 1986, com a
proposta de "ecologizar a Constituinte". Em 1989 foi criado o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA 31 , que fundiu, em sua estrutura, a
SEMA, IBDF, SUDEPE e SUDHEVEA. No mesmo ano, foi criado o Fundo Nacional do
Meio Ambiente-FNMA. 32 Em janeiro de 1990 foi criado o Programa Nacional de Meio
Ambiente-PNMA, 33 encerrando-se o Governo Sarney com saldo positivo para a política
ambiental do país. Em março do mesmo ano assumiu Collor que não tinha uma política
ambiental e estava interessado em usar a questão apenas para projetar no exterior uma falsa
imagem de preocupação com o tema, tratado a partir de uma perspectiva neoliberal, 34 de
olho na projeção internacional que a Conferência do Rio traria em 1992. Criou a Secretaria
Nacional do Meio Ambiente, mas vinculou-a à Presidência da República, embora com status
29
A função do Ministério Público é defender os interesses públicos perante o Poder Judiciário. Também pode ser
encarregado de defender o Poder executivo. Sua origem remonta ao antigo direito francês, de 1302, mas sua forma
atual só foi fixada depois da Revolução Francesa. Cf. Enciclopédia Tudo, [s.d.], p. 880.
30
Cap. VI, art. 225.
31
O IBAMA foi criado pela Lei n. 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, com o objetivo de coordenar, no plano
federal, a política nacional de meio ambiente, aplicar a legislação em vigor e atuar, em caráter supletivo, nos
estados onde os órgãos ambientais não estivessem cumprindo suas funções. O IBAMA também tem a função de
atuar como secretaria executiva do CONAMA. Cf. SILVA-SÁNCHES, 2000, p. 92 - 93.
32
Criado pela Lei n. 7.797, de 10 de julho de 1989, o FNMA tem como objetivo desenvolver projetos que visem
ao uso sustentável dos recursos naturais, de modo a garantir a melhoria ou recuperação da qualidade de vida no
país. Assim, está voltado, prioritariamente, para as unidades de conservação; pesquisa e desenvolvimento
tecnológico; educação ambiental; manejo florestal; desenvolvimento institucional e controle ambiental. Cf. id.
ibid., p. 94.
33
Os objetivos básicos do PNMA são o desenvolvimento e fortalecimento das instituições ambientais como o
IBAMA e os órgãos vinculados ao SISNAMA, a melhoria e preservação das unidades de conservação já existentes
e a criação de novas unidades representativas dos principais ecossistemas do país, o gerenciamento e fiscalização
de ecossistemas ameaçados como o Pantanal, Mata Atlântica e Zona Costeira. Cf. id. ibid., p. 95.
34
Em linhas gerais, o ideário neoliberal funda-se no pressuposto do Estado mínimo, privilegia a iniciativa privada,
a livre concorrência e as leis de mercado; mercantiliza as relações sociais. Em suma, reduz o social ao econômico.
[...] Nos países em desenvolvimento, cujas políticas sociais não foram capazes de garantir um desenvolvimento
econômico e social mínimo, o neoliberalismo está atrelado à política formulada pelos organismos internacionais,
que têm exigido destes países, além da abertura de sua economia, a redução do tamanho do Estado. Cf. id. ibid., p. 99.
266
ministerial. Agradou e surpreendeu os ambientalistas convidando José Lutzenberger para
presidi-la. Mas logo surgiram desavenças porque o próprio ministro passou a denunciar a
falta de uma política ambiental no país, além de denunciar a corrupção no IBAMA. A visão
holística de Lutzenberger sobre os problemas da Amazônia, por exemplo, despertou a fúria
dos militares que o acusaram de tentar "internacionalizar" a região. No final Lutzenberger
falava muito mais por conta própria que em nome do governo. Collor não resistiu à pressão
dos conservadores - com os quais seu governo de fato se alinhava - e demitiu o ministro, em
março de 1992, a dois meses da Eco-92, 35 chamando para substituí-lo o então Ministro da
Educação, José Goldemberg, na verdade defensor da energia nuclear, ficando claro que o
convite audacioso a Lutzenberger tivera apenas o propósito de fazer boa figura internacional
em preparação à Conferência do Rio, no bojo de uma estratégia de imagem que o presidente
chamava de "marketing verde". Em outubro Collor foi afastado do governo por
impeachment. Seu vice, Itamar Franco, não fez grandes progressos. Nos dois governos
seguintes, de Fernando Henrique Cardoso, a área ambiental também não apresentou grandes
destaques. A própria mídia reduziu drasticamente a cobertura do noticiário sobre meio
ambiente depois da Rio Eco-92, conforme já atestado em várias pesquisas acadêmicas pelo
método comparativo. Com efeito, o programa "Avança Brasil", do governo FHC,
estruturado em quinze frentes de atuação, desconsiderou a variável ambiental na fase de
planejamento, por isto muitos dos projetos foram bloqueados na Justiça, causando perda de
tempo e de dinheiro, conforme analistas da área ambiental.
Ao assumir, o presidente seguinte, Luis Inácio Lula da
Silva, convidou para o MMA uma companheira de Chico Mendes nos seringais do Acre, a
Senadora Marina Silva. Em que pese a boa vontade da ministra, o próprio governo tem sido
obrigado a se curvar perante poderosos interesses internacionais, como no caso da soja
transgênica, 36 defendida pelos grandes agricultores e também pelo Ministério da
Agricultura.
35
Cf. Folha de S. Paulo, 22 mar. 1992, "Lutzenberger é demitido a dois meses da Eco-92", p. 3.
"Para aprovar a plantação de transgênicos, o governo colocou no mesmo projeto de lei a aprovação de
pesquisas científicas com células tronco, mobilizando centenas de portadores de doenças graves, esperançosos
de uma cura pela genética. O debate acabou sendo polarizado em torno das pesquisas com células tronco, algo
distinto de alimentos geneticamente modificados. A oposição à pesquisa com células tronco estava limitada a
alguns grupos religiosos, católicos e evangélicos, assim mesmo os mais radicais. [...] Com suas dimensões, o
Brasil tem condições de abrigar transgênicos, convencionais e orgânicos em sua produção agrícola. Entretanto,
assim como no nuclear, o governo não tem recursos para importar uma tecnologia mais as medidas de
segurança que requer. No caso dos transgênicos, a incapacidade de rotular, segregar, transportar isoladamente,
pode comprometer o objetivo de produzir outras modalidades de alimentos, pelo potencial de contaminação.
Cf. GABEIRA, F. "Política ambiental de Lula". Revista Eletrônica "Ambiente Brasil",
36
267
www.ambientebrasil.org.br Acesso em: 13 set. 2005.
268
Por outro lado, apesar de tantas siglas, o MMA não consegue evitar o constrangimento
internacional dos 25 mil quilômetros quadrados de desmatamento da Amazônia, anualmente.
Se a situação não mudar, o desmatamento e as mudanças climáticas vão transformar a
floresta amazônica em cerrado nas próximas décadas, segundo observou o climatologista
Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, durante a 3ª Conferência
Científica do LBA (sigla em inglês para Experimento em Grande Escala da BiosferaAtmosfera na Amazônia), realizada em julho de 2004, em Brasília, com a participação de
800 pesquisadores brasileiros, europeus e americanos. "Não é possível que com toda a
tecnologia não consigamos lidar com as questões ambientais", inconformou-se a ministra
Marina Silva na palestra de abertura do evento. 37 Há esperanças de que o quadro se reverta,
pois em agosto de 2004 o Brasil fechou com o Banco Mundial (BIRD) o maior programa de
empréstimos já concedido pela instituição ao país: US$1,2 bilhão a serem liberados em
quatro anos, com prazo de 17 anos para amortização, a juros de 4,5% ao ano. Em
teleconferência, durante o anúncio do programa, em 24 de agosto de 2004, com a presença
dos ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente), o vice-presidente
do Bird e diretor para o Brasil, Vinod Thomas, disse que a instituição fechou o programa
em reconhecimento aos esforços do país na área ambiental. Acrescentou que "os países não
podem buscar só o crescimento econômico, têm de associar o desenvolvimento sustentado
com a proteção ao meio ambiente".
38
Esta, como se vê, é uma visão diametralmente oposta
à política ambiental dos militares, durante a Conferência de Estocolmo, e de Collor, por
ocasião da Rio-92.
Outro constrangimento do governo atual na área ambiental é
a falta de propostas para o saneamento básico nos grandes centros urbanos do país. As
últimas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizadas em
5.500 municípios brasileiros, indicam que o problema foi considerado o mais grave de todos
por 53% dos prefeitos. A hesitação diante do tema deriva também das contradições entre as
diferentes correntes de governo. Há dúvidas se o serviço de saneamento deve ser particular
37
O organizador da Conferência e pesquisador da USP, Paulo Artaxo, disse, na ocasião do evento, que o
Inventário Nacional de Emissão de Gases Poluentes preparado pelo governo brasileiro revela um dado considerado
alarmante pelas autoridades e ambientalistas: mais de 75% da emissão de CO2 no país, são provenientes das
queimadas das florestas brasileiras e só 25% são conseqüência da queima de combustíveis nas cidades. [...] Do
total de emissões de CO2 no mundo, o Brasil só contribui com 3%, sendo que os EUA contribuem com 24%, a
maior parte em conseqüência da queima de combustível. Cf. Jornal da Cidade, 28 jul. 2004, p. 20. Bauru - SP
(Material distribuído pela Agência Folha).
38
Cf. Despacho da Agência Folha publicado no Jornal da Cidade, em 25 ago. 2004.
269
ou estatal.
39
No atual governo também houve retrocesso no debate do maior problema
ecológico do planeta, as mudanças climáticas. Depois de importante papel nos debates que
levaram ao Protocolo de Kyoto - quando a delegação brasileira conquistou aprovação
internacional com a proposta de desenvolvimento limpo através do seqüestro de carbono da
atmosfera, com a possibilidade de os países mais avançados reduzirem suas cotas de
emissão, através de projetos nos países emergentes - o Brasil desfez sua equipe de
negociadores ao invés de criar oportunidades para o mecanismo de desenvolvimento limpo
que interessa a ambas às partes, pois de um lado os países emergentes se beneficiam de
capitais para seus projetos, de outro os mais ricos reduziriam suas emissões a um preço
menor por tonelada de CO2, conforme analisa o deputado Fernando Gabeira, do Partido
Verde que compunha a base de sustentação do governo antes do Escândalo do Mensalão.
Apesar dos percalços, na atual administração é perceptível a
preocupação com a educação ambiental e a conscientização da sociedade. Entidades
vinculadas ao MMA, como a Rede Brasileira de Educação Ambiental-REBEA, a Rede
Brasileira de Educomunicação Socioambiental-REBECA 40 etc, têm promovido eventos e
atividades formadoras regularmente. Com o mesmo objetivo, o governo criou a Semana
Nacional do Meio Ambiente (na primeira semana de junho, sempre incluindo o Dia
Internacional do Meio Ambiente, celebrado no dia 5 desse mês). Quando este livro estava
sendo concluído, no segundo semestre de 2005, o MMA estava promovendo uma consulta
pública, chamando a sociedade a discutir o "Programa de Educomunicação Socioambiental",
sob a coordenação de Cláudio Langone. Entre seus objetivos está, exatamente, "empreender
esforços por um melhor nível de diálogo entre os educadores ambientais e o setor do
jornalismo ambiental". Outro aspecto importante é buscar a integração entre a Rede
Brasileira de Educomunicadores (Rede Educom) e as redes Latino-Americana e Caribenha
de Educação Ambiental e de Educomunicação (esta última animada a partir de Cuba), como
instrumento para favorecer as formulações pertinentes à comunicação no âmbito de um
39
"Cerca de 70% das doenças atendidas em hospitais brasileiros derivam de contaminação hídrica. A própria
Organização Mundial de Saúde já advertiu o país de que cada dólar investido em saneamento público representa
uma economia de quatro dólares nos gastos com saúde." Cf. GABEIRA, 2005, id. ibid.
40
Criada durante o V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental, em Goiânia, no dia 5 de novembro de 2004, a
Rede Brasileira de Educomunicação Ambiental-REBECA reúne instituições e profissionais da comunicação,
educadores que atuam com a comunicação e em processos educativos, gestores públicos, ambientalistas etc. A
REBECA vem se colocando como o principal canal de diálogo entre o governo e a sociedade, incluindo
comunicadores, pesquisadores, educadores populares etc na elaboração e implementação do Programa de
Educomunicação Socioambiental lançado pelo Governo Federal em junho de 2005, em Salvador, por ocasião do
primeiro encontro da rede. Os interessados em participar da rede podem se inscrever em
rebecainscriçõ[email protected] .
270
Programa Latino-Americano e Caribenho de Educação Ambiental (PLACEA), conforme
consta do documento submetido à consulta pública, em sua página 23.
Outra medida do programa que se relaciona com a proposta
desta pesquisa acadêmica voltada para a educação ambiental permanente através do
jornalismo, está redigida nos seguintes termos:
Promover a produção interativa e veiculação de programas e campanhas de educação ambiental para
a mídia massiva. Esta ação comporta a oferta contínua de conteúdos, promoção de pesquisa para a
produção de novos conteúdos, e o fomento à produção educativa ambiental para os meios de educação
difusa, com foco no rádio e na TV como veículos prioritários. O aspecto interativo, princípio do
Programa, implica no privilégio àquelas iniciativas de produção que reflitam um processo educativo em
torno de si, e também um plano de difusão pedagógica. A produção interativa visa fomentar os sistemas
de produção e veiculação de comunicação socioambiental; induzir a gestão popular nos MCM;
alimentar canais públicos demandantes de conteúdos socioambientais; "ambientalizar" os veículos de
comunicação comerciais de alcance nacional; abrir oportunidades de divulgação e apropriação dos
conteúdos sobre educação ambiental produzidos em diversos âmbitos. Uma boa forma de promover
estas dinâmicas de produção interativa pode ser a realização de seleções públicas de campanhas e
programas, o que pode incrementar dinâmicas de criação em grupo em todo o país, e gerar processos
educativos participativos em diversos níveis e ambientes, especialmente nas escolas e universidades.
Os principais objetivos e ações do Programa correspondem, em
grande parte, às recomendações do coletivo presente na I Oficina de Comunicação e Educação
Ambiental promovida pelo Ministério do Meio Ambiente em Brasília, em 20 e 21 de outubro de 2004.
A grande dúvida é como tirar mais este projeto do papel,
pois o que continua faltando para o MMA é o antigo problema de aparelhamento técnico no
cumprimento pleno de suas atividades, não só de fiscalização ambiental, como na produção
de notícias sobre tão vasta área. Bastaria lembrar que a Assessoria de Comunicação Social
do MMA conta com apenas cinco funcionários e não tem aparelhamento para fornecer
material audiovisual, embora sendo este um segmento de mídia considerado fundamental
pelo Programa de Educomunicação. Por isto o trabalho da Assessoria fica restrito à
produção de textos ("frios" para os eventos fixos e "quentes" para o noticiário dos fatos em
andamento, como é normal em toda assessoria de comunicação), conforme este pesquisador
apurou em entrevista com a chefia da referida Assessoria em 25 set. 2005. Na ocasião, a
assessora 41 reconheceu que o material enviado à mídia não recebe o aproveitamento e o
tratamento que a área ambiental merece e que a produção de pautas
41
42
segue o modelo
Optamos por não citar o nome da assessora.
"A pauta é feita com base nas ações do ministério e nas agendas da ministra e dos secretários. Inicialmente
levantamos informações, preparamos material de apoio (texto) etc.", informou a assessora.
42
271
tradicional usado em qualquer redação, transformando-se em releases convencionais
distribuídos à imprensa e disponibilizados no site do ministério
www.mma.gov.br.
Na mesma entrevista a Assessora informou que "em breve" seria iniciada a produção de
notícias para rádio com distribuição pela Radiobrás.
Até aqui procuramos fundamentar nossa proposta de
Educação Ambiental Permanente através do jornalismo. Vimos os conceitos de Integração e
observamos que até nas regiões de conflito bélico isto vem sendo possível, ainda que
silenciosamente. Depois vimos admiráveis exemplos de Integração no ensino universitário
(citando as bem sucedidas experiências das professoras Cremilda Medina e Ilza Girardi
Tourinho) e na sociedade civil, tomando como exemplo o Projeto Mesa Brasil
implementado pelos comerciantes através de sua entidade, o SESC (aliás, uma entidade que
sempre apoia as atividades ambientais e culturais em todo o país). Por último repassamos
um rápido olhar sobre a política brasileira na área ambiental, destacando a preocupação do
atual governo com a educação e a conscientização. Assim, já é possível propor medidas
práticas voltadas para o escopo desta pesquisa: educar permanentemente invocando o
princípio da responsabilidade social do jornalismo, com amplo envolvimento da cidadania.
Uma tarefa de todos e de cada um.
5. Proposta
Estes são os eixos principais de uma proposta que integre
Jornalismo e Educação:
Que a Universidade, no âmbito do MEC, com assessoria
do MMA, assuma a coordenação de um Programa Nacional de Educação Ambiental
Permanente a ser implementado e acompanhado com a participação efetiva dos
segmentos produtores de saber e comunicação, tais como a Escola, a própria
Universidade, a Mídia e os órgãos públicos, com ampla integração da sociedade nos
moldes propostos pela Agenda 21.
Tal Programa deverá ser instrumentalizado na forma de
um fórum permanente de debates interdisciplinares destinado a orientar a reflexão e
atualizar os saberes para a continuidade do processo, surgindo, daí, as indicações
adequadas a uma praxis social a favor da preservação ambiental. As ações anuais
272
devem culminar na Semana Nacional do Meio Ambiente, celebrada na primeira
semana de junho, sempre englobando o Dia Iternacional do Meio Ambiente: 5 de
junho, comemorado pela ONU.
Tendo em vista o foco deste estudo específico voltado
para o ensino de jornalismo e o consumo sustentável, é possível sugerir, de imediato e
apenas como indicativo de debate, algumas atitudes práticas, tais como:
A) Em relação à mídia:
- Estudar a perspectiva de pautas voltadas para o
consumo sustentável, discutindo causas e efeitos do consumo supérfluo e do consumo
de produtos que, de alguma forma, geram sobrecarga para o ecossistema, sempre com
a preocupação de indicar substitutivos viáveis; estudar pautas que valorizem e ajudem
a fiscalizar os
programas de comércio justo e os selos de qualidade ambiental;
introduzir, na produção das matérias, o viés educativamente crítico em relação ao
consumo buscando a mudança do comportamento social, negando-se a validar o
consumo insustentável por omitir o debate crítico.
B) Em relação ao Poder Público:
- Estudar a possibilidade de parcerias com os veículos de
comunicação voltadas não ao tutelamento ou a qualquer tipo de imposição ou censura,
mas na linha da participação cidadã e da responsabilidade social. Isto inclui também o
apoio à mídia propriamente ambiental tradicionalmente excluída das campanhas
patrocinadas com verbas da Secretaria de Comunicação da Presidência da República.
Outra prerrogativa do poder público é criar condições viáveis para a gestão da
solidariedade a nível nacional, coordenando transparentemente as ações solidárias e
canalizando competentemente (conforme o exemplo empresarial do Mesa Brasil) as
disponibilidades de tempo ou de recursos materiais que os cidadãos muitas vezes
desejam oferecer mas não sabem a quem, como, quando e onde. Só sabem o porque.
Isto também significa que a questão ambiental é, antes de tudo, uma questão de
gerenciamento inteligente. O poder público também deve contemplar o caráter
educativo da própria legislação ambiental, de tal modo que vigiar não signifique tão
273
somente punir. Este detalhe precisa ser observado também pela mídia ao explicar as
razões legais que impedem ou retardam certos projetos, ao invés de ceder aos apelos
dos empreendedores ou do próprio governo (veja-se o caso do projeto de transposição
das águas do Rio São Francisco) que, na ânsia de suas realizações, ridicularizam a
legislação, apresentando-a para o grande público, através dos MCM, como "inimiga do
progresso", criando antipatia contra as ações de preservação ambiental e os
ambientalistas em geral.
C) Em relação à Universidade
Coordenar,
mediante
rodízio
regional
entre
as
principais instituições públicas de ensino superior, com ampla participação social, o
Fórum Nacional de Educação Ambiental Permanente, estabelecer relação de ensinoaprendizagem com a escola de primeiro e segundo graus, divulgar adequadamente e
permanentemente, para a mídia, as pesquisas em andamento na área ambiental,
incentivar atividades de extensão voltadas para a formação cidadã. Além de eventos
ambientais envolvendo a comunidade, tais medidas podem ser colocadas em prática
pelos professores e estudantes de jornalismo na forma de Agências de Notícias
Ambientais, produção de livros-reportagem sobre o meio ambiente local em parceria
com os alunos do Segundo Grau, instituição de prêmios para estimular a participação
em produtos de Comunicação Ambiental, estímulo ao intercâmbio cultural,
principalmente entre os países da América Latina onde o debate ambiental é bastante
intenso e com a necessária visão crítica sobre os fundamentos do nosso processo de
desenvolvimento.
D) Em relação ao Jornalista:
D-1) Enquanto estudante:
Provocar os professores universitários a se envolverem
em projetos de extensão comunitária e à participação cidadã na área do meio
ambiente, sempre incorporando visão crítica em relação aos modelos de produção
econômica que conduzem à crise ambiental. Nessa linha, os projetos de intervenção
social visam ecologizar a sociedade, tanto em relação ao respeito à natureza quanto em
274
relação ao respeito entre as pessoas. Aqui reabre-se a linha da "pesquisa urbana" que
já vimos em Park, 43 ou como vemos em Thiollent 44 com amplas possibilidades de
aprofundamento para o Jornalismo Ambiental, através das ferramentas do Jornalismo
Literário Avançado, por exemplo.
D-2) Enquanto Profissional:
Ser jornalista 24 horas por dia, como ensina Cláudio
Abramo.
Estar presente na sociedade enquanto cidadão participante e atuante,
sacudindo o viés cartorial, elitista ou burocratizante da profissão. Atuar
permanentemente em atividades sociais relacionadas com a melhoria da vida, os
debates sobre o meio ambiente, o futuro da espécie, exercendo atividade de educação e
conscientização em todos os ambientes, e não apenas na redação ou no âmbito
profissional.
Independente
do tamanho desta lista de sugestões, o
jornalismo ambiental prestará relevantes serviços à educação cidadã se os futuros jornalistas
forem persuadidos a estudar a questão a partir de uma abordagem sistêmica que contempla a
refundação da Ética em todos os níveis das atividades humanas, na busca de uma Estética
que não violente a consciência e a própria natureza. O mais importante, porém, é que o
debate incorpore ampla participação de todos os atores (especialistas ou não) envolvidos
neste processo comandado, em última análise, por Gaia: O bicho homem.
Para Hegel, "nossos desejos e necessidades são moldados
pela sociedade. Uma comunidade orgânica favorece os desejos que mais a beneficiam". 45
Afinal, de que adianta todo o nosso conhecimento se não o atualizamos na práxis? Para
Hume "nossos pensamentos estão desprovidos de conteúdo, e nossas palavras, de
significado, a menos que estejam conectados com a experiência [prática]". 46
Porque teimamos em agir incoerente e diferentemente de
nosso principal interesse que é a Vida?
43
Cf. Capítulo 4.
Cf. THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez, 2000.
45
Cf. SINGER, P. Hegel. São Paulo: Loyola, 2003. Trad. Luciana Pudenzi, p. 52.
46
Cf. HUME, Tratado. Citado por QUINTON, 1999, p. 15.
44
275
276
CONCLUSÃO
A vida humana só tem sentido na Comunicação
PAULO FREIRE
No decorrer deste trabalho procuramos demonstrar que o jornalismo ambiental vem
crescendo de importância nas últimas décadas, tendo em vista o agravamento da crise ecológica que
desperta o interesse de toda a sociedade. Neste convite aos estudantes de jornalismo para que voltem o
olhar para a centralidade da questão ambiental, tivemos a preocupação de mostrar que o tema é
essencialmente interdisciplinar, o que exige uma abordagem sistêmica para a sua compreensão.
Podemos concluir, pois, que a formação sistêmica leva ao
rompimento da objetividade, abrindo espaço para o Novo Paradigma, o Paradigma da
Compreensão Holística, da Hipercomplexidade.
Mesmo delimitando o objeto de estudo ao item específico
do
consumo sustentável, dentre tantos outros que poderiam ser aqui abordados, foi
necessário buscar o amparo de várias disciplinas e de vários pontos de vista, num ampliado
olhar sobre filosofia, religião, sociologia, economia, midiologia, pedagogia, psicologia etc.
Também ficou demonstrado que nem a mídia nem o ensino
de jornalismo apresentam esse viés sistêmico na abordagem do tema. A pesquisa
demonstrou que a mídia não se preocupa em educar permanentemente para o consumo
sustentável, nem busca nenhum tipo de integração com outros segmentos para viabilizar tal
compromisso social, enquanto a escola, sequer está empenhada, ainda, com a introdução de
estudos de graduação e de pós-graduação sobre educação ambiental através do jornalismo,
salvo raras e honrosas exceções.
Do mesmo modo que ocorreu com a conscientização
ecológica universal nos idos da década de 1970, principalmente a partir dos jovens, resta
claro que, também hoje, é a sociedade civil organizada que vem impulsionando os debates e
cobrando posições da Universidade, da Sociedade, do Poder Público, dos Meios de
Comunicação. Entretanto, as Organização Não Governamentais, que são incansáveis na
promoção de eventos, na divulgação de notícias ambientais pela Internet, no apoio à
publicação de livros e teses sobre a questão, no incentivo aos TCCs sobre jornalismo
ambiental, não contam com qualquer apoio oficial em seu trabalho. As verbas de
publicidade da Secretaria de Comunicação da Presidência da República destinam-se apenas
277
à mídia convencional, por considerar que a mídia ambiental não é vista nem lida. Ignoram
que essa mídia dirige-se a um público formador de opinião que age em todos os países,
tendo, portanto, enorme poder de persuasão e convencimento, além de idéias claras sobre
um ambientalismo voltado para a defesa da vida e um conservacionismo ambiental voltado
apenas para a sustentação do capital e dos grandes projetos. Nem sempre a mídia
convencional "pode" ter essa clareza, tendo em vista os inúmeros interesses que envolvem
os grandes anunciantes, entre eles a área oficial, muitas vezes inviabilizando qualquer pauta
que contenha visões críticas sobre o atual modelo de produção, ou sobre um consumismo
exacerbado, que aprofunda a injustiça social, sobrecarrega o meio ambiente - com a profusa
geração de lixo não orgânico - e transforma as pessoas em consumidores psicologicamente
dependentes, distanciados da vida simples que poderia lhes trazer mais felicidade, embora
com menos anúncios para a mídia.
Esta obra também analisa outro ponto importante que é o
papel do Ministério do Meio Ambiente no Brasil. Tradicionalmente esse ministério opera
com falta de quadros especializados e de recursos suficientes, diante do tamanho do desafio
à sua frente, além de ser visto, pelos grandes interesses econômicos, como fator limitante de
suas ambições. Nota-se, ainda, uma forte pressão internacional sobre as ações do ministério,
como se viu recentemente no caso da soja transgênica que acabou sendo plantada e colhida
com apoio do próprio Ministério da Agricultura, da Federação Nacional da Agricultura e de
outros grupos de pressão liderados pela multinacional Monsanto, mesmo à revelia da
ministra do meio ambiente, Marina Silva.
Todavia, no atual governo, nota-se um esforço no sentido da
educação ambiental, através de entidades de formação vinculadas ao ministério, das quais
têm emanado boas iniciativas como o Projeto de Educomunicação Ambiental, envolvendo
jornalismo e educação. Mesmo assim, caberia mais apoio, por exemplo, à Assesseria de
Comunicação Social do próprio ministério que opera com apenas cinco funcionários,
andando a reboque dos acontecimentos, quando poderia ser uma central de pautas
ambientais que poderiam ser "sugeridas" (não impostas, claro) a toda a mídia.
Esta pesquisa, ao mesmo tempo que critica a falta de espaço
para a manifestação do consumidor na mídia convencional, também relaciona as boas
iniciativas que vêm sendo realizadas em todo o mundo, seja no âmbito dos governos
nacionais (com legislação ambientalmente correta que impõe freios à ambição capitalista),
seja na área da iniciativa privada (com empresas que apoiam o comércio socialmente justo,
278
aquele que não explora crianças e nem exclui índios e mulheres no processo de produção).
Por todo o mundo, às vezes silenciosamente, milhares de pessoas estão trabalhando pela paz
através do meio ambiente. Esse valioso trabalho se verifica tanto no recolhimento de uma
sala de aula (através da visão sistêmica de um professor e de seus alunos), como nas
ruidosas áreas de conflitos internacionais (sob os auspícios da ONU e de entidades
voluntárias voltadas para a paz mundial); ou ainda no âmbito da sociedade civil, como
fazem os comerciantes brasileiros, através do projeto Mesa Brasil, gerido pelo SESC, uma
entidade amiga do movimento ambientalista. São pessoas que reconhecem o perigo da crise
ambiental, mas têm uma visão sistêmica suficientemente ampla para abarcar todo o processo
e não apenas parte dele. Elas vislumbram a possibilidade de outro mundo, por isto não
desistem nunca.
O outro ponto destacado ao longo dos dez capítulos desta
obra, é a necessária integração de todos os esforços para que, através da refundação da ética
- privilegiando o coletivo ao invés do individual - se possa chegar a uma estética
socialmente justa, a estética da harmonia e da solidariedade, para substituir o egoísmo, a
violência, a prepotência, a corrupção, a frieza que caracterizam o mundo pós-moderno.
Por isto os estudantes de jornalismo são convidados a
romper o paradigma da objetividade, aparelhando-se com amplo volume de boas leituras,
mergulhando no aprendizado sistêmico para que, através de ferramentas como o Jornalismo
Literário Avançado, os gêneros do jornalismo, as entrevistas e perfis de imersão, capacitemse a produzir um jornalismo diferente, desapegado das estatísticas frias e dos procedimentospadrão do jornalismo americanizado, herança funcionalista da CEPAL. Que se possa fazer
jornalismo com emoção e com garra, sem jamais fazer concessões à ética e ao
comportamento moral, privilegiando as minorias e os excluídos, buscando suas fontes lá
onde o povo está com sua dor, sua alegria, suas conquistas, seus sofrimentos; reconhecendo
que nem sempre a verdade está nos palácios e nas salas com ar condicionado. Que nossos
jornalistas possam aprender a "reconhecer" o mundo, com seus fenômenos complexos, para,
só então, "compreendê-lo", como ensinam Paulo Freire e Edgard Morin. Que o ensino de
filosofia e de ética sejam valorizados na área acadêmica, que os estudantes sejam ouvidos
quando das reformas curriculares, que o ensino se abra para o mundo sem fronteiras e que os
estudantes adquiram condições de estar no mundo para julgá-lo e não apenas para presenciálo, se realmente querem transformá-lo, como desejava Marx.
279
Por fim, que nossos futuros jornalistas compreendam a
importância do seu papel na sociedade e que não fujam desta missão. Pelo contrário, que se
atirem a ela a partir do estudo sério e acurado das grandes questões que interessam a todos,
entre elas a questão ambiental que não envolve, naturalmente, apenas o consumo sustentável
aqui explorado para efeito de delimitação acadêmica da pesquisa. Trata-se, isto sim, de um
processo em permanente transformação visando estudar as relações entre o homem, a
natureza e o Ser Cósmico que dá sentido à própria Vida e que cada um nomina, na
intimidade das suas convicções, segundo o seu coração, como vimos no Capítulo 1.
Que tenham o amor de Che Guevara ("El verdadero
revolucionario es animado por fuertes sentimientos de amor. Es imposible pensar un
revolucionario autentico sin esta cualidad") e a paixão de Camilo Torres (a respeito do qual
se disse, como já citado: "Jogou-se inteiro porque entregou tudo. A cada hora manteve com
o povo uma atitude vital de compromisso, como sacerdote, como cristão e como
revolucionário"). Que nossos jovens voltem o seu olhara para a América Latina cujas elites
insistem no "crescimento imitativo" que permite a poucos viverem como que em "ilhas de
fantasia" enquanto milhões não têm moradia, saneamento básico, água potável, atendimento
à saúde, à infância, aos pobres e aos excluídos. Que estudem Jesus Martin Barbero,1987 ("A
chave para a América Latina é adotar a tecnologia dos países ricos sem perder de vista a
realidade regional").
Que nossos jovens também se voltem para a África, um
continente humilhado, vilipendiado, roubado e atirado à própria sorte para que irmãos se
matem no desespero das guerras fratricidas que não são gratuitas, que têm um motivo, que
foram geradas no ventre malévolo da exploração capitalista das grandes potências agora
voltadas para o combate a um inimigo sem cabeça e que não se pode ver, que é o terrorismo
internacional, uma ameaça para todos, resultante da ganância exclusivista de poucos.
Tudo o que esta obra quer é que nossos jovens, nossos
estudantes de jornalismo, não se voltem contra a sociedade de onde vieram, que não traiam
jamais o grande ideal que os animou a serem jornalistas, que tenham fé na humanidade, que
possam compreender a complexidade do mundo e que jamais percam a esperança de
transformá-lo, para que seja mais humano e mais justo.
Para terminar, uma palavra de Marx, a mostrar a
necessidade de rever as estruturas, de não aceitar o que está dado: "La teoria materialista de
que los hombres son producto de las circunstancias y de la educación, y de que, por tanto,
280
los hombres modificados son producto de circunstancias distintas y de una educacion
distinta, olvida que las circunstancias se hacen cambiar precisamente por los hombres y
que el próprio educador necessita ser educado". (Tercera Tesis sobre Feuerbah)...
e uma das páginas mais ternas da literatura universal, para
complementar a epígrafe de abertura desta obra sistêmica, com Milton, para que a
humanidade desperte em tempo e não perca o seu paraíso novamente, agora já não mais
metafórico:
"De suas cinzas brotarão mais belos, novo céu,
nova Terra, onde, já livres de longos males,
morarão os justos de altas virtudes, desfrutando em prêmio - dias dourados, alegria pura, do
Amor Celeste e da Verdade os mimos".
MILTON
Paraíso Perdido Canto III
281
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www.conhecerparaconservar.com.br
www.ecoagencia.com.br
www.semfronteiras.com.br
www.terramerica.com.br
www.estadao.com.br
www.ull.es/publicaciones/latina/a1999lab/100a/montano.htm
www.superinteressante.com.br
[email protected]
www.jornaldomeioambiente.com.br
www.meioambiente.org.br
www.ecoamericas.com
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Agência Européia de Meio Ambiente
Informe Ecológico “O Ambienteiro”
Periodismo Ambiental – Jukofsky (Quito Equador)
ECOM – Ecologia e Comunicação
Jornal do Meio Ambiente (Vilma Berna)
Agência USP de Notícias
ADITAL – Agência de Informação Frei Tito para a América Latina
Sala de Prensa – web
Ambiente Global
Núcleo de Fotografia – UFRGS
Dw-World.de (Deutsche Welle)
Natuweb.htm
Comunicación para el Neotropico.htm
Portal da Pesquisa (CNPq)
296
A.
Valorização visual das matérias
(Quadro correspondente ao Gráfico 1)
B.
Classificação das matérias por gênero
(Quadro correspondente ao Gráfico 2)
C.
Origem das matérias
(Quadro correspondente ao Gráfico 3)
D.
Inventário de Títulos e Unidades Referenciais
E.
Modelo de Formulário para Análise do corpus
F.
Modelo de Formulário para entrevistas com os alunos
297
ANEXO A
Valorização Visual das Matérias
QUADRO CORRESPONDENTE AO GRÁFICO 1
Quant. Mat
selecionada
Mat c/ chamada
na 1ª pág.
Fotos
docomentais.
Fotos
de arquivo
Box
explicativo
FSP
FSP
JC
FSP
Mês /Ano
FSP
JC
FSP
JC
JC
JC
Jan. 2005
47
34
19
18
20
20
9
5
7
15
Fev. 2005
22
18
8
6
4
8
5
4
6
4
Mar. 2005
17
16
-
7
8
10
5
4
5
7
Abr. 2005
8
14
1
3
3
6
5
6
3
5
Mai. 2005
13
14
2
6
4
5
4
6
6
5
Jun. 2005
9
4
3
2
4
1
1
2
3
1
Jul. 2005
4
3
-
2
1
1
-
1
1
-
298
ANEXO B
Classificação das Matérias por Gênero
QUADRO CORRESPONDENTE AO GRÁFICO 2
Mês /Ano
Reportagem
Entrevista
FSP
JC
FSP
JC
Jan. 2005
29
30
5
Fev. 2005
12
13
Mar. 2005
9
Abr. 2005
Opinativo
Nota/notícia
Leitor
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
1
9
1
6
2
-
-
2
1
6
1
3
2
-
1
13
1
-
6
-
1
1
-
-
6
9
2
1
1
-
-
-
-
-
Mai. 2005
8
7
1
-
4
-
-
2
-
1
Jun. 2005
4
2
2
1
2
-
-
-
-
1
Jul. 2005
1
2
1
1
1
-
-
1
1
-
299
ANEXO C
Origem das Matérias
QUADRO CORRESPONDENTE AO GRÁFICO 3
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
julho
ITEM
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
FSP
JC
10
10
2
1
2
-
3
2
5
4
3
1
1
1
Crianças
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Empresas
4
1
1
1
1
-
1
-
1
1
-
-
-
-
Executivo / Estado
15
9
12
7
9
7
4
6
3
4
5
-
1
-
Igrejas / Entidades
-
-
-
1
-
2
-
-
-
-
-
-
-
-
Índios
-
-
1
-
-
1
-
1
-
-
-
-
-
-
Judiciário
2
1
-
-
-
-
-
2
-
-
-
-
-
-
Legislativo
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
-
Mídia
6
2
1
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
Ongs
2
8
1
2
3
-
-
-
-
1
-
3
1
1
Onu
4
1
2
1
-
1
-
-
2
1
1
-
-
-
Polícia / Bombeiros
1
-
1
4
1
-
-
-
-
1
-
-
-
-
População / Família
3
1
-
1
-
5
-
-
-
1
-
-
-
1
Sindicatos
-
-
-
-
1
-
-
-
-
1
-
-
-
-
Cientistas/Pesquisadores
300
ANEXO D
Inventário de Títulos e Unidades Referenciais
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo - FSP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
UR - 01
A-4
208
UR - 02
A - 12
312
UR – 03
A - 13
109,5
UR - 04
A - 14
294
UR - 05
A - 15
109,5
UR - 06
C-3
60
UR - 07
UR - 08
UR - 09
C-8
C-8
F-3
105
21
156
UR - 10
B-2
UR - 11
B-4
Título
Unitermos
UA
01
Edição nº
27.668
Data
02.01.05
Nº de páginas
60
Estudo do Exército detecta cinturão militar dos
EUA
Tragédia na Ásia: Voluntários separam corpos
em Khao Lack
Aos poucos, Aceh recebe água e arroz
Região Amazônica – bases – missão militar operações.
150 mil grávidas esperam ajuda, diz ONU
Kits de higiene – partos – Unicef – ONU.
Boates – tragédia – enterro – segurança.
102
Buenos Aires fecha casas noturnas por 15 dias
para vistorias
Escolhido tem vida ligada à questão ecológica
(Novo pres. da CM/SP- Roberto Trípoli -PSDB)
Ônibus cai no rio em MG e 11 desaparecem
Nova colunista aborda direitos do consumidor
Construção: Chuva se alia ao reuso e combate à
umidade
Opinião Econômica: Há sentido na catástrofe?
312
Mercado de reciclagem se moderniza
PET – sucata – carrinheiros – parceria.
Cadáveres – cheiro – caixões – necrotério – sacos
plástico.
Ajuda – comida – cobertores – médicos – doenças.
Partido Verde – CPI do lixo – questão ambiental.
Neblina – madrugada – guincho – assistência - motorista
Cliente – PROCOM – experiência – direitos.
Infiltrações – captação – caixas d´água –
reaproveitamento.
Ciência – natureza – Deus – solidariedade.
301
Jornal 1 (Folha de S. Paulo)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
Título
Unitermos
UA
02
Edição nº
27.675
Data
09.01.05
Nº de páginas
76
UR - 12
A-2
41
UR - 13
UR - 14
A-6
A-8
227
312
UR - 15
A-9
112
UR - 16
UR - 17
A - 10
C-1
222
312
Solidariedade mais do que nunca (Antonio
Ermírio de Moraes)
Projeto leva tecnologia para aldeia em MT
Questão Agrária: Governo paga sobrepreço por
indenização
Segundo INCRA, cálculos das indenizações são
seguros
Há indícios fortes de irregularidades, diz juiz
Após 17 anos, Césio pode ter mais vítimas
Tragédia – reconstrução – Ásia – natureza.
UR - 18
UR - 19
UR - 20
C-8
E-3
E-8
75
104
156
Dentista brasileiro morre no pico Aconcágua
Catástrofes naturais reúnem fãs na TV
Catastrofismos (Ferreira Gullar)
UR - 21
Esp. 1
312
TSUNAMI (capa do caderno)
UR - 22
UR - 23
Esp. 2
Esp. 3
312
312
Operação resgate é uma das maiores já vistas
Pobreza é fundamental para explicar tragédia
Sobrepreço – custo médio – cartório – Poder Público.
Contaminação – câncer de pele –
radiação – Césio 137.
Desafio – topo – baixa temperatura – acampamento.
Sadismo – documentário – programas de TV.
Ozônio – aquecimento – pânico ecológico.
Abalo sísmico – onda gigante – mortos – catástrofe
ecológica.
ONU – doações oficiais – morte – tailandeses.
IDH – nativos – turismo – impacto.
UR - 24
Esp. 4-5
624
Risco para o Brasil existe mas é mínimo
Sismógrafo – avisar – onda – terremoto.
Bororos – registro cultural – demarcação – fazendeiros
Metodologia – recursos – preço – proprietários
Descaso – métodos – preço – proprietários.
302
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Unidade de Amostragem
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
Unidade de
Registro
UR - 25
Página
Cm / col
Esp. 06
312
Tsunamis une destinos de negros e brancos
UR - 26
Esp. 07
312
Dilúvio é um mito comum a vários povos
UR - 27
Esp. 8
312
Diplomata e seu filho são enterrados no Rio
UR - 28
A-2
58
Comer, beber e fumar (editorial)
Ur - 29
A-4
208
UR - 30
A-6
234
Gasto com saneamento no país é o menor em 10
anos
Investimento menor breca queda de doenças
UR -31
A 13
113
UR - 32
UR - 33
B-8
B -9
72
148
Governo não possui plano para combate à seca,
diz professor
Para ONGS, soja acentua o desmatamento
Merchandising agressivo sofre rejeição
UR - 34
UR - 35
C -1
C-8
112
156
Sem capina, mato toma conta de praça
Praia isolada compensa falta de estrutura
Título
Unitermos
Tribos – remanescentes – florestas – crianças suecas –
férias na Tailândia.
Bíblia/ Noé-Babilônia/Guilgâmesh- Grécia/TimeuÍndia/Puranas-Incas/Lhamas.
Dor – genocídio – cemitério do Caju – omissão –
Itamaraty – tragédia.
03
27.682
16.01.05
76
Consumismo – publicidade – obesidade – doenças – valor
nutricional.
Esgoto – investimentos – saneamento urbano – orçamento
– doenças.
Esgoto a céu aberto – diarréia – crianças – recursos –
doenças.
Lavoura arcaica – estiagem – poços – semi-árido.
Exportações – fotografias aéreas – Amazônia
Consumidores – merchandetes – shows – testemunhal –
tentação de consumo – cachê.
Insetos – crianças – entulho – medo – sub-prefeitura
Coqueirais – litoral – turismo – fazendeiros – acesso –
lazer.
303
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
Título
Unitermos
UA
04
Edição nº
27.689
Data
23.01.05
Nº de páginas
84
UR – 36
UR - 37
UR – 38
A–3
A–6
A – 13
63
144
112
Carvão: A trágica esperança negra
Hidrocarbonetos – energia – aquecimento – calota polar.
Divergência no governo paralisa projeto Angra-3 Urânio – auto-suficiência – Programa nuclear – custo..
Nem onedólar, nem one solution
Mapa da vulnerabilidade social – Projeto do Milênio –
Relatório Sachs – ONU.
Para ONG soja provoca devastação
Expansão – cerrado – floresta – cultivo – desmatamento.
Verdes querem demonizar soja, diz IPEA
Relação impossível – área cultivada – soja –
desmatamento
Lula está angustiado, afirma Blairo Maggi
Transgênico – grãos – balança comercial – ambientalistas
– dívidas do estado.
UR – 39
UR – 40
A – 15
A – 17
110
110
UR - 41
B-9
312
UR - 42
A–3
57
Tráfico de seres humanos
UR - 43
UR – 44
A – 16
A – 17
144
11
UR – 45
B–7
108
UR – 46
B – 10
252
Cultura afro estimula turismo.
Meio ambiente: Família de Chico Mendes deve
ser indenizada
Exportações de plástico aumentam 22% em
2004.
Nobel elabora Índice de Felicidade Nacional
UA
05
Edição nº
27.696
Data
30.01.05
Nº de páginas
84
Mulher – exploração sexual – depressão – droga –
prevenção - repressão.
Remanescentes – comunidade – titulação – terras.
Danos morais – assassinato – proteção – filhos desmatamento
Petroquímica – exportação – dólar – setor – produção.
Indicador – PIB – bem-estar – riqueza – saúde – pesquisa.
304
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
UR – 47
Página
Cm / col
C–7
312
Título
Unitermos
Praias de nudismo abrigam público eclético
Manual ético – adeptos – feminilidade – biquinis – sunga
- entrada.
Motoristas isolados têm de reconstruir ponte no
Pará
Estudo decifra o perfil dos clientes de prostitutas
Manejo florestal – madeireiros – protesto – Greenpeace –
bloqueio.
Sexo pago – cliente – sociólogo – relação – motivos –
prazer.
Publicidade – paisagismo – empresas particulares.
Ambiental – conservação – cadastramento –ônibus – lixo.
UA
06
Edição nº
27.703
Data
06.02.05
Nº de páginas
66
UR – 48
A–9
107
UR - 49
A – 16
96
UR – 50
UR – 51
C–5
C–7
59
56,5
Serra negocia “parceria verde” com empresas
Ilhabela quer taxar turismo de um dia
UR - 52
A–6
156
UR - 53
B–4
312
UR – 54
C – 10
156
Missionária é morta com três tiros em área rural
do Pará
Despesa corrente cresce R$ 30 bi no governo
Lula
Um fato novo na agenda social brasileira
UR – 55
F–2
138
UA
07
Edição nº
27.710
Data
13.02.05
Nº de páginas
76
Na China bicicleta começa a ser substituída por
carro
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Doroty Stang – CPI – encomenda – floresta – fazendeiros.
Sustentabilidade – desenvolvimento – salário mínimo –
área social – dívida.
Desenvolvimento sustentável – UNESCO – Sou da Paz –
jovens – políticas públicas.
Caos – população – motoristas – explosão nas vendas.
305
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
Título
Unitermos
UA
08
Edição nº
27.717
Data
20.02.05
Nº de páginas
88
UR – 56
A–2
42
Ignorância ou má fé (Protocolo de Kioto)
UR – 57
A–2
44
Águas do São Francisco (editorial)
UR – 58
A–4
212
UR – 59
CA– 6
156
UR – 60
A–8
312
Governo usa só 40% da verba do programa Paz
no Campo
Pará vive situação de “guerra civil rural” ,
aponta relatório
Aparato de segurança muda rotina no Pará
UR – 61
A – 10
273
Suspeito no caso Doroty se entrega no Pará
UR – 62
A – 18
312
A quem serve a transposição (do São Francisco)
UR – 63
B–9
312
Governo adia decisão de banir amianto do país
UR – 64
C–8
312
Amyr Klink registra vida no sul do Atlântico
UR - 65
Mais - 10
312
Chumbo grosso
UR - 66
A – 12
312
Regularização fundiária atinge 3% da meta
Gás carbônico – aquecimento – geleiras – Estados Unidos
– omissão.
Transposição – controvérsias – açudes – gestão –
revitalização – semi-árido.
Invasões – assassinatos – conflitos – prevenção –
reforma-agrária.
Assentados – invasões – Doroty Stang – fazendeiros –
INCRA – sul do Pará
Exército – estrutura urbana – minério – CVRD – 2007:
100 milhões de ton. ano
Protestos – moradores – Paraupebas – testemunhas –
inquérito – igreja.
Segurança hídrica – preservação ambiental – volume
suficiente – projeto – energia.
Eternit (a favor) – Brasilit (contra) – lobby – pulmão –
justiça – Rússia (1º produtor ).
Paraty II – comunicação via satélite – buraco de ozônio –
fotografia - pesquisa.
Empresas químicas – câncer – historiadores – advogados
– desacreditar.
UA
09
Edição nº
27.724
Data
27.02.05
Nº de páginas
102
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Pistoleiros – polícia federal – INCRA – GPS – violência
no Pará..
306
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
UR – 67
Página
Cm / col
A -16
87
Artigo: Explorar sem destruir
UR - 68
A -17
112
Violência e alcoól degradam aldeias
UR - 69
A - 23
109,5
UR – 70
A–3
96
UR – 71
A – 16
312
UR – 72
A – 18
189
UR – 73
A – 20
244
UR – 74
B–9
312
Presidente da FUNAI diz faltar fôlego e verba
para Fundação
Sob Lula,, saneamento passa por pior crise
UR – 75
C-1
312
Favelas escalam morro da Serra do Mar
UR - 76
C–7
264
Fim de aterro pode desempregar 15 mil
UR – 77
A–2
40
Antonio Ermírio de Morais: O Brasil e o
Primeiro Mundo
Título
Por que a ONU é importante (Kofi Annan)
Unitermos
Preservacionistas – ecológico – ciência – biotecnologia –
sustentabilidade.
Desempregados – crianças – barraco de lona – bebida –
droga – doentes.
Ataques à ONU – fortalecer – experiência – líder natural
– imparcial – independente.
UA
10
Edição nº
27.731
Data
06.03.05
Nº de páginas
90
Caminhos diferentes. Um só destino (Bem. dos
EUA, sobre Kyoto)
Questão indígena: Mortalidade supera média de
70% de áreas
FUNASA reduziu em 19% repasse a entidades
Mudança climática – esperança – ONGS –
EUA/Brasil:Caminhos diferentes
Desnutrição – cultura de subsistência – agro negócio –
fome – Xavante – Guarani.
Infecção – pneumonia – desnutrição – repasse reduzido –
descontinuidade.
Crescimento demográfico – demarcação – judiciário –
governo tíbio – ONGS fictícias
Dinheiro não chega – promessa – empresas estaduais :
caixas pretas.
Palmito – caça – contaminação – mananciais – mata
Atlântica.
Catadores – fome – insalubridade – 7.000 ton lixo / dia –
Bx fluminense – parque.
UA
11
Edição nº
27.738
Data
13.03.05
Nº de páginas
106
China – água – grãos – população – futuro do Brasil –
exportações – soja – estradas.
307
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
UR – 78
UR - 79
Página
Cm / col
A -16
312
Judiciário ainda é machista, diz estudo
421,5
População descrê de obra no São Francisco
A –18/19
Título
UR - 80
C-6
100,5
Ambiente hostil: Terreno abandonado vira
“lixão” em SP
Gravidez de adolescentes tem cura (Gilberto
Dimenstein)
UR – 81
C - 12
156
UR – 82
A–2
41
UR – 83
C – 11
252
O planeta e o grande desafio do futuro (Antonio
Ermírio de Morais)
Brasil tem 1,5 milhão de imigrantes irregulares
UR – 84
F–1
114
Vício ao volante aumenta gasto com carro
UR – 85
A–6
156
UR - 86
A - 19
109,5
8% do pagamento do Bolsa Família fica retido
no banco
Partos em baixa questionam família alemã
Unitermos
Políticas afirmativas – discriminação – ambiente de
trabalho – poder decisório
Licença ambiental – cadastro – seca – emergência –
açudes.
Rua Cardeal Arcoverde – entulho – código de obras –
chuva – lama – calçada.
Famílias pobres – precoce – pílula – camisinha – rejeição
– projeto de vida.
UA
12
Edição nº
27.745
Data
20.03.05
Nº de páginas
94
Demógrafos – 2050: 9 bilhões – explosão – alimentação –
países pobres.
Preconceito – estrangeiro – família – aluguél – dívidas –
trabalho – polícia feder.
Consumo – acelerador – freios – pastilha – vidro fechado
– óleo – bateria – combustíve
UA
13
Edição nº
27.752
Data
27.03.05
Nº de páginas
72
Linha da pobreza – cadastro único – PNUD – benefícios –
não sacados – CEF.
Taxa de fecundidade – emancipação – salário/educadora
– mães/corvo.
308
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
UR – 87
B–3
112
Dilma descarta nova usina nuclear até 2010
UR – 88
E–6
156
Performer argentina leva nudismo às ruas.
UR – 89
F–1
156
Voluntário ajuda aos outros e a si próprio.
UR – 90
C–5
208
Pesquisa reprova sashimi em restaurantes de SP.
UR – 91
C–6
312
Satélite mostra expansão menor de favelas
Rocinha – Rio das Pedras – diminuiu – qualidade de vida
– imagens – 1980 / 2000.
UR – 92
A – 12/13
540,5
UR – 93
B–7
112
Questão indígena: Governo de Roraima quer
compensação do INCRA
Multimarcas sustentam comércio de luxo
Reserva Raposa Serra do Sol – terras da União –
constituição – demarcação.
Daslu – expansão – estratégia – lojas - faturamento –
high low: luxo básico.
Título
Unitermos
UA
14
Edição nº
27.759
Data
03.04.05
Nº de páginas
96
Angra 3 - meio ambiente - apagão - fluxo - hidrelétricas alternativas mais baratas.
Nua - ensaios fotográficos - tumulto - escândalo - polícia timidez.
UA
15
Edição nº
27.666
Data
10.04.05
Nº de páginas
86
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
Pós graduados - causa - RH - público - mulheres: 53% identificação.
Parasitas – bactérias – fungos – coliformes fecais –
diarréia – exagero .
16
27.773
17.04.05
86
17
27.850
04.04.05
88
309
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
UR – 94
Página
Cm / col
Título
Unitermos
B – 11
112
Sem licença, usina perde R$ 1mi ao dia
Hidrelétrica – Barra Grande – Rio Pelotas – IBAMA –
licença – desmatamento.
Após 9 dias, índios libertam agentes da PF em
Roraima
Comércio global: OMC tenta, de novo, avanço
na Rodada Doha
Dia do trabalho: Trabalho é a principal fonte de
estresse
Reféns – demarcação – Lei Marluce – reivindicações flexibilização
Tarifa – protecionismo – agricultura – ricos e pobres polarização
Ambiente profissional – qualidade de vida – modo como
trabalham - sobrecarga
Flonas (Forestas Nacionais) – Unidades de Conservação
– bioma – SNUC - satélite
Consumismo- anoréxica – vaidade – narcisismo –
futilidade – ficar - utopia
Bactérias – cheiro – cloro – INMETRO – carvão – vela gravidade - pressão
UA
18
Edição nº
27.787
Data
01.05.05
Nº de páginas
106
UR – 95
A – 20
148
UR - 96
B – 14
172,5
UR – 97
F–1
156
UR - 98
A – 35
292
UR - 99
C–6
156
Ambiente: Áreas de conservação ganham seu 1º
Atlas
A Epidemia da Beleza (Gilberto Dimenstein)
UR – 100
F–1
156
Novos filtros e normas deixam água mais pura
UR - 101
A-3
88,5
A Lógica do Planejamento Familiar
UR - 102
B-8
312
Sangue de boi: Brasil quer ampliar defesa
fitossanitária
UA
19
Edição nº
27.794
Data
08.05.05
Nº de páginas
92
UA
20
Edição nº
27.801
Data
15.05.05
Nº de páginas
94
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Pílulas – camisinha gratuita – cidadania – inserção –
maioria a favor: 82,9%
Pavor – sangue – destreza – sofrimento – indiferença –
lógica do lucro
310
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
Título
UR – 103
A–2
44
UR – 104
C–6
88,5
UR - 105
F – 10
156
Prioridade brasileira para o gás natural (Antonio
Ermírio de Morais)
USP promove campanha contra abandono de
animal
Enigma: Embalagens embrulham consumidor
Dependência – energia fóssil – metas próprias –
estatização – combinar fontes.
Maus tratos – CRUSP – cães e gatos – problema grave –
debate.
Siglas – indecifráveis – vida útil – resistência – sopa de
letrinhas.
UR – 106
B–2
69
UR – 107
C-5
240
Corrupção e consumo conspícuo (Rubens
Ricupero)
São Paulo submersa: Urbanização sem controle
sufocou o Tiête
Ilhas de luxo – ostentação – suntuário – corrupção –
falcatruas – lavag. de dinheiro.
Ocupação de várzeas – leito original – lixo – educar –
canalização – enchente.
UR – 108
A – 39
232,5
UR - 109
A – 40
84,5
UR - 110
C-8
156
Ambiente: Agronegócio contamina rios da
Amazônia
Ambiente: Secretario diz temer escassez
qualitativa (de água)
Ambiente: SP bane uso de madeira ilegal em
obra pública
Fronteira agrícola – agrotóxicos – igarapés – soja – arroz
– contaminação.
Agronegócio – gestão – macrozoneamento econômico /
ecológico do Pará.
Dia do meio-ambiente - cidade amiga – compromisso Greenpeace – desmatamento
Unitermos
UA
21
Edição nº
27.808
Data
22.05.05
Nº de páginas
94
UA
22
Edição nº
27.815
Data
29.05.05
Nº de páginas
80
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
23
27.822
05.06.05
110
311
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
UR – 111
C–5
156
Quem não entende a Daslu não entende São
Paulo (Gilberto Dimenstein)
Grifes de luxo – endinheirados – sofisticada –
responsabilidade social – Casas Bahia.
UR – 112
B–1
112
Agronegócio e corrupção devastam MT
UR – 113
B – 4 /5
424
UR – 114
B–6
312
Máfia ainda não acabou, diz interventor do
IBAMA em Cuiabá
Maggi diz que dará prioridade a ambiente
Operação Curupira – Polícia Federal – desmatamento –
Estado / líder.
Quadrilha – indiciamento – crime ambiental – devastação
– agronegócio.
Inimigo da floresta – desenvolv. a qualquer custo –
desmatamento – direito adquirido.
UR – 115
A–3
90
UR – 116
C–9
156
UR – 117
C–2
90
Título
Unitermos
UA
24
Edição nº
27.829
Data
12.06.05
Nº de páginas
94
UA
25
Edição nº
27.836
Data
19.06.05
Nº de páginas
94
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
26
27.843
26.06.05
98
Uma oportunidade de paz em Darfur (Kofi
Annan)
Choque de mundos: Estudo defende
regulamentação do trabalho infantil
Mídia – vergonha – socorro – vítimas – operaç.
humanitária – 3 milhões de pessoas
UNICEF – tese/doutorado – renda familiar – constituição
– 14/16 anos –reconhecer.
Danuza Leão: A moda
Deusas – dizem o que usar – depressão – cabelos – infeliz
– moderna – jovem.
27
27.850
03.07.05
86
312
Jornal n.1 (Folha de S. Paulo)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
UR – 118
Página
Cm / col
Título
F-2
156
Programa corta gasto de água em até 50%
UR – 119
Mais – 9
156
UR - 120
Mais - 9
48
O rei do clima: Reino Unido quer liderança com
efeito estufa
Ciência em dia: Nó na madeira (Marcelo Leite)
Unitermos
Consumo – restritor de vazão – “peneirinha”– trocar
vasos – condomínios.
Aerosóis – Kioto – mudança climática – ITER (reator
termonuclear exp. internac.).
Ignorância sobre a Amazônia – mito – consumo de toras –
desmatamento - Imazon
313
Inventário de Títulos e Unidades Referenciais
Jornal n. 2 - (Jornal da Cidade - JC - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
Título
UR - 01
2
60
Deus Natureza
UR - 02
UR – 03
8
13
288
76
Terra está escassa na área urbana
Região de Bauru tem 2.389 ONGs
Unitermos
UA
01
Edição nº
11.780
Data
02.01.05
Nº de páginas
76
Tsunami – morte - cadáveres – destroços – espasmos do
planeta - tragédias
Erosão – prefeitura de Bauru – transporte de terra
Sem fins lucrativos – proteção animal – meio
ambiente – saúde - educação
UR - 04
14
226
Falta de verba é pior inimigo de ONG
Comunidade – apoio – poder público - verbas
UR - 05
UR - 06
15
16
100
90
UR - 07
UR - 08
UR - 09
23
Esp.1
Esp.2
312
312
135
Hepatite C motiva ONG em São Manuel
Bica de Pedra faz reflorestamento de manancial
em Itapuí
Província de Aceh recebe ajuda
Tsunami: O dia em que o mar invadiu a terra
Mortos podem chegar a 140 mil
UR - 10
Esp. 3
312
Medicamentos – tratamento - Hospital da Unesp
Mata ciliar – viveiro de mudas – respeito da população –
não temos verbas
Sobreviventes – ONU – Papa – governo - Indonésia
Maremoto – Tsunami – Indonésia – catástrofe Cruz Vermelha – vítimas – turistas –
países
Natureza – placa tectônica – risco – tremor -ondas.
UR - 11
Esp. 4/5
624
UR - 12
Esp. 6
312
UR – 13
Esp. - 7
312
Ondas gigantes não ocorrerão no Brasil, garante
geólogo
Movimentos das Placas Tectônicas
(infográfico gigante)
Terremoto pode ter acelerado eixo de rotação da
Terra
Piores terremotos da história
Tsunami – oceano – placas tectônicas - mundo
Fenômeno – cientistas – polos da terra – corais - petróleo
Século – devastadores – graus – tremor - pior
314
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Página
Registro
UR - 14
Esp.- 8
Cm / col
Título
Unitermos
312
Choque entre a Índia e o continente causa os
tsunamis na Ásia
Escala Richter - fenômeno - terremoto - efeitos.
Agenda 21 – CONAMA – ambientalista – sustentável –
municípios.
Licenciamento ambiental – impacto – fiscalização –
municipalização – controle.
Sugestões – viver feliz – trabalho – descanso – equilíbrio
– cooperação.
Atividade física – passeios – banho – tela do computador
– comodismo.
Ferimentos – socorro – ambulatório – cicatrização –
curativos.
Massagens – desidratação – cremes – oleosidade – tintura
– corte –condicionador
UA
02
Edição nº
11.787
Data
09.01.05
Nº de páginas
80
UR – 15
11
138
Gestão local é tendência nos municípios
UR – 16
10
188
Municipalização é meta da SEMMA
UR – 17
2
252
É preciso saber administrar o tempo
UR – 18
Saúde - 1
312
Pequenas mudanças que fazem grande diferença
UR – 19
Saúde - 3
312
Curativos têm técnicas específicas
UR – 20
Saúde – 4
312
Brilho revela a saúde dos cabelos
UR - 22
Inf. - 6/7
312
UR - 23
UR – 24
7
10/11
91
307
Garotada aprende a aproveitar sobras do material
escolar
CRAS Jaraguá inaugura computadores
ONGS podem sofrer maior controle de suas
atividades
UA
03
Edição nº
11.794
Data
16.01.05
Nº de páginas
80
Cadernos – mochila – estojo – porta-lápis – escola –
reciclagem.
Cidadania – inclusão social – comunidade – jovens.
Projeto – controle – cadastro – ABONG – comunidade.
315
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
UR – 25
Página
Cm / col
Título
25
72
Seca leva emergência a 136 municípios do RS
UR - 26
C-1
312
Muito além das ONGS
UR – 27
1
232
Buraco dá “taquicardia” em secretario
UR – 28
2/3
564
Unitermos
Agricultores – previsão – racionamento – chuvas –
prejuízos - estiagem.
Amizade – religiosidade – egoísmo – felicidade –
comunidade – solidariedade.
UA
04
Edição nº
11.801
Data
23.01.05
Nº de páginas
80
UR – 29
Saúde - 3
312
Tapa buraco muda atuação. Jaraguá e
Comendador: Prioridades
Brasil reduz mortalidade infantil
UR – 30
4
72
Chuva prejudica mutirão no Bauru 16
UR – 31
10
251
Educação resolveria trabalho infantil
UR - 32
12
232
UR - 33
1
232
Falta de cidadania motiva ciclo desvirtuado do
lixo
Bauru tem 44 caramujos por habitante
UR - 34
2/3
564
Recape – falta de dinheiro – galerias – inundação –
compactação.
Moradores – reclamações – buracos – asfalto – chuva –
mutirão – operação.
Mortalidade infantil – neonatal – índices – capacitação –
maternidade – óbitos.
UA
05
Edição nº
11.808
Data
30.01.05
Nº de páginas
80
Infestação em 75 bairros. Não é caso de saúde
pública
Mutirão – mau tempo – bueiros – tapa-buraco –
população – conscientização.
Ministério público – empresas – direitos – deveres –
escolas – ministério do trabalho.
Catadores – sacos plásticos – autuações – terreno baldio
– Emdurb.
Ambiente – manejo – controle – moluscos – reclamações –
combate.
Doenças – crianças – orientação – bairro – oeste –
moradores.
316
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
Título
Unitermos
UR – 35
10
205
Chuva interdita 4 pontes em Duartina
Enxurrada – bombeiros – prefeito – rodovia
– interditada.
UR – 36
29
64,5
Missionária americana é morta no Pará
Doroty Stang – madeireiros – polícia
federal – gover. mobilizado – dir. humanos
Chuvas torrenciais – desmoronamentos –
grande operação – alojamentos oficiais.
Gases – efeito estufa – co2 – queimadas –
carbono – atmosfera – Kioto.
UA
06
Edição nº
11.815
Data
06.02.05
Nº de páginas
72
UA
07
Edição nº
11.822
Data
13.02.05
Nº de páginas
86
UR – 37
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
35
54
UR – 38
32
219
Tempestades e avalanches atingem 20 mil no
Paquistão; 230 morrem
Brasil contribui para poluição mundial
UR – 39
2
57
Políticas energéticas
UR – 40
17
82,5
08
11.829
20.02.05
84
UR - 41
10
280
UR – 42
18/19
382
UR - 43
20
112
Cidades estudam criação de comissões para
Defesa Civil
Cidadão deve exigir tecnologia limpa
Cabrália prioriza incêndio florestal. Jaú terá
micro-regional
COMDEC de Duartina quer sair do papel para
virar realidade
Biodiesel – nuclear – pró-alcoól –
ambiental – renováveis – investimento.
Clima – aquecimento – catástrofes –
voluntariado – prevenção – socorro.
Energia solar – código de construção –
efeito estufa – aquecimento – Kioto – EUA.
Voluntários – mobilização – treinamento –
pontos críticos – fogo – inundações.
CONSEG – corpo de bombeiros –
alagamentos – comunidade – risco.
317
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
UR – 44
Página
Cm / col
Título
24
148
Traidores podem ter levado freira à morte
UR – 45
25
155
SP terá 20 milhões em 2015, diz ONU
UR - 46
01
112,5
Brasileiros consomem cada vez mais fast-foods
UR – 47
2
18
Multa da água (Carta dos leitores)
UR – 48
7
168
Água será vendida a peso de ouro
UR – 49
25
162,5
UR – 50
Bai. – 1
249
Como era verde meu vale
UR – 51
Bai. –2/3
564
UR – 52
Saúde – 4
220
Só educação pode garantir conservação dos
projetos
ANVISA: Mais rigor com água mineral
UR - 53
7
111
Idoso do século 21 é mais espontâneo
UR - 54
6
102
Mulher ganha até 60% menos que homem
Unitermos
.Doroty Stang – colonos – PDS:Proj. de
Des. Sust. – grileiros – exército - mídia
5ª maior – mortalidade em queda –
envelhecimento – emergentes – países ricos
McDonalds – sanduiche – consumidores –
novas opções – shoppings - faturamento
UA
09
Edição nº
11.836
Data
27.02.05
Nº de páginas
82
Freira era parceira de madeireiros legais
Câmara – projeto – campanha educativa –
conscientizar população
Nestlé – Coca-cola – água mineral – ouro
do século 21 – lençóes subterrâneos.
Cortar madeira – CPT – reflorestamento –
grilagem – extração ilegal – morte – PDS.
Rebanhos – cerca – seca – mudas – córrego
– assoreamento – entulho – lixo.
Rio Batalha – mata ciliar – preservação –
escola – criança – repressão – erosão.
Higiene – normas – padronização – manual
– comercialização – armazenamento.
UA
10
Edição nº
11.843
Data
06.03.05
Nº de páginas
82
Terceira idade – realizações – mais tempo
oportunidades – dizer o que pensa – curtir.
Escolaridade superior – salário menor –
OIT – mitos – creche – pesquisa..
318
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
UR – 55
Página
Bai. 1
312
Comunidade (re)organizada
UR – 56
Bai. 2/3
546
Degradação de sedes paralisa associações
Cm / col
Título
UR - 57
25
132
Índios sofrem com fome em reserva
UR – 58
3
72
UR – 59
8/9
387
UR – 60
23
127
Moradores cobram limpeza e iluminação da Pç.
do Penta
Bauru reduz desnutrição infantil. SEBE dá
assistência a carentes
Governo quer monitorar terras do país
UR – 61
25
61
UR – 62
Bai. 1
250
UR – 63
Bai. 2/3
564
Bebedouro registra 80 tremores em 15 dias.
Sitiantes preocupam-se
Velhos hábitos do interior sobrevivem ao
progresso
Tibiriça conserva estilo bucólico
UR – 64
6
312
Crianças Guarani se divertem com a fama
UR - 65
19
112
Música pode mudar realidade de crianças
carentes na região
Unitermos
.Cadastramento – sede própria – autosuficiência – organização popular
Imóveis abandonados – reformar –
reconstruir – ONGS – Novo Código Civil
Zilda Arns:Falta terra – plantar – cesta
básica – kit miséria – auto-estima – cultural
UA
11
Edição nº
11.850
Data
13.03.05
Nº de páginas
82
Sujeira – adoção- manutenção – SEMMA –
cronograma - reclamações
Diagnóstico – aconselhamento – pastoral –
multimistura – aleitamento
Satélites – big-brother – desmatamento –
justiça – morosidade – deter destruição
Sitiantes – abalos – Escala Richter –
excesso de poços artesianos - sismólogos
Vizinhança – família – baralho –
cumprimentar – qualidade de vida
Bate-papo – sem desconfiança – frutas –
quintal – bicicleta – falta de lazer
UA
12
Edição nº
11.857
Data
20.03.05
Nº de páginas
84
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Criança indígena – liberdade – natureza –
caça – rituais – brincar à vontade
Atividades artesanais – violino – projetos –
profissionalização – música clássica
319
Unidade de Amostragem
Unidade de
Página
Registro
UR - 66
20/21
361
UR - 67
112
22
Cm / col
Título
Unitermos
Projeto Guri quer tornar sua orquestra sinfônica
profissional
P. Alves oferece pagode e diversos cursos para
profissionalizar menores
Estação do som - Musicrescer - método
suzuki - espaço amigo - Jaú
Projeto criança - voluntários - ação social pintura - costura - artesanato - teo. e prát.
UA
13
Edição nº
11.864
Data
27.03.05
Nº de páginas
78
UR – 68
3
280
Brasil amplia planejamento familiar
Gravidez indesejada - aborto - métodos OMS - anticoncepcional - SUS
UR – 69
Bai. 1
312
Poluição: O lado feio da cidade
UR – 70
Bai. 2/3
564
Água contaminada corta o município
Esgoto - lixo - barulho - poeira - carros pichações - córregos poluídos
Mal cheiro - doenças - lixo hospitalar destinação - esgoto nos córregos
Calorias - exercícios - colesterol - engordar
- emagrecer - organismo
UA
14
Edição nº
11.871
Data
03.04.05
Nº de páginas
90
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
UR – 71
Saú. 1/2
465
Alimentos termogênicos: comida que emagrece
UR – 72
Inf. 6/7
312
UR – 73
Saú. 4
208
Povos da Araribá se preparam para o Dia do
Índio
Vacinação das Américas prioriza saúde indígena
15
11.878
10.04.05
84
UR - 74
Bai. 1
312
As sete pragas de Bauru
Tribos - doentes - isolados - socorro artesanato - homem/natureza - progresso
Pouca informação - imunização - vítimas da
Aids - convívio - saneamento
Baratas - escorpião - caramujo - rato aedes aegypti - leishmaniose - mosquito
320
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Página
Registro
UR - 75
Bai. – 2/3
UR - 76
27
Cm / col
564
Título
Unitermos
171
Mosquitos, a grand e ameaça. Eliminação
completa é contra-indicada
Consumo de peixe crú deve ser evitado
Formigas – criadouros – lixo doméstico –
cadeia de controle – pessoas não limpam.
Parasitas – bactérias – fungos – coliformes
fecais – diarréia – Ass. Bras. de Cul. Jap..
Terrenos baldios – multa – capinação –
denúncias – pouco caso – notificação.
Hábito de queimar – lixo – matagal – até
gambá – especulação – IPTU progressivo.
UA
16
Edição nº
11.885
Data
17.04.05
Nº de páginas
82
UR – 77
Bai. - 1
312
Mato alto: A morada das pragas
UR - 78
Bai. – 2/3
519
Convivência com pragas é pulverizada:
Comodismo ‘chamusca ‘ a cidade
UR – 79
10
312
Só soberania trará reforma agrária
Sem-terra – assentados – MST – FMI –
Banco Mundial – agricultura familiar.
UR – 80
Eco. - 2
132
Eletrodomésticos de luxo chegam ao Brasil
UR – 81
Inf. –
6/7
25
312
Trabalhar agora? Ainda é tempo de brincar e
estudar
Policiais federais são soltos por índios
Sonhos de consumo – alto valor agregado –
Daslu – folgada conta bancária – plasma.
Trabalho infantil – PNAD – ANDI – ECA –
conselho tutelar – ajudar família – escola.
Reféns – demarcação – terras –
reivindicações – chamar atenção.
UA
17
Edição nº
11.892
Data
24.04.05
Nº de páginas
80
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
18
11.899
01.05.05
118
UR - 82
108
321
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
UR –83
19/20
424
UR – 84
21/22
217
Álcool: De olho na expansão, usinas buscam
melhoria na produtividade
Do caldo ao bagaço, tudo é aproveitado
UR - 85
Saúde - 3
275
Ovo bem preparado faz bem à saúde
UR – 86
33
49,5
UR – 87
Bai – 2/3
564
Estação de esqui “embrulha” geleira na Suiça
para evitar derretimento
Campanha do Agasalho: Criatividade pode
“turbinar” resultado
Aquecimento global – CO2(dióxido de
carbono) – energia limpa - degelo
Cidadão – emancipação – parcerias –
começar cedo - cobertores
Tráfico de animais é foco de atuação da Polícia
Ambiental
Interpol critica apoio a trabalho em área
devastada por tsunami
Fauna silvestre – ecossistemas – denúncia
anônima – IBAMA – maus tratos
Identificação – restos mortais – famílias –
sofrimento – diminuição dos recursos
Título
Unitermos
UA
19
Edição nº
11.906
Data
08.05.05
Nº de páginas
86
Demanda – crescimento – plantio – região –
24 horas – hidrovia – novas usinas
Biomassa – hidratado(veículos) –
anidro(aditivo) – Kyoto - Flex
Colesterol – consumo – fritura – omelete –
pochê – cozido - nutricional
UA
20
Edição nº
11.913
Data
15.05.05
Nº de páginas
80
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
21
11.920
22.05.05
80
UR – 88
20
112
UR – 89
27
79,5
322
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
Título
Unitermos
UR – 90
2
39
A Natureza grita por socorro (leitor)
UR – 91
4
89
UR – 92
25
201
Instituto Vidágua inaugura base no Vale do
Ribeira
Brasil pode ter sete usinas nucleares
UR - 93
6/7
312
Em busca de um ambiente limpo e inteiro
UR – 94
10
304
Poder Público não usa água racionalmente, diz
especialista
Restritores de consumo – cobrar do adm.
púb. – Sabesp – perdas - lei
UR – 95
12
294
Hidrovia precisa de ação política, diz Carlos
Nascimento
Articulação política – controle ambiental –
empenho – prefeituras - calado
UR - 96
2
19
II Fórum Ambiental (leitor)
Uso sustentável – diminuir consumo –
envolver comunidade – futuro dos filhos
UA
22
Edição nº
11.927
Data
29.05.05
Nº de páginas
80
Consciência – lixo – educação –
preservação – cerrado – mão natureza
Conservação – ecossistema – mata atlântica
– educação – biodiversidade - sustentável
Prog. Nuc. Bras. – sigilo – urânio cooperação/China – futuro do mundo
Energia solar – gás natural – biopirataria –
não renovável- petróleo – clima - impacto
UA
23
Edição nº
11.934
Data
05.06.05
Nº de páginas
122
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
UA
Edição nº
Data
Nº de páginas
24
11.941
12.06.05
86
25
11.948
19.06.05
84
323
Jornal n. 2 (Jornal da Cidade - Bauru - SP)
Unidade de Amostragem
Unidade de
Registro
Página
Cm / col
Título
Unitermos
UR – 97
Inf. – 6/7
249
Domingo diferente e musicado no Vitória Régia.
Vidágua vai agitar a galerinha no parque
Gincana do lixo – garrafas PET – evento
gratuito – entulho - reciclável
UR – 98
11
30
Conferência das cidades elege delegados
UR – 99
8
96
UR – 100
8
126
Conta de energia tem maior impacto na despesa
doméstica
Serviços essenciais já pesam no bolso
Meio ambiente – gestores – propostas –
participação – questões urbanas
Chuveiro – banho rápido – energia –
economizar – água barata – maior despesa
Desproporcional – exagero – padrão de
consumo – classe média penalizada
UA
26
Edição nº
11.955
Data
26.06.05
Nº de páginas
84
UA
27
Edição nº
11.962
Data
03.07.05
Nº de páginas
82
324
ANEXO E
Modelo de Formulário para Análise do corpus
FOLHA DE S. PAULO
QUESTIONÁRIO Nº
ANÁLISE DE CONTEÚDO - COBERTURA DA IMPRENSA SOBRE MEIO AMBIENTE
FORMULÁRIO DE CODIFICAÇÃO
Codificador: PEDRO CELSO CAMPOS
Período: 01.01.05 a 03.07.05
Dia da Semana: Domingo
Jornal:
Folha de S. Paulo
Unidade de Amostragem Nº
Edição: Nº
S. Paulo
(Capital)
Unidade de Registro Nº
Pg.:
Título da Matéria:
Área total da página(cm/col)
%:100
Área total da matéria(cm/col)
ap/am(%):
312
% da matéria:
área de texto(cm/col)
%
área de foto(cm/col):
%
100
1.
Presença de ilustrações/explicações:
Não
Sim
Fotografias
Box
Gráficos
Desenhos
Infográficos
2.
Gênero Predominante:
Nota
Notícia
Reportagem
Entrevista
Comentário/Opinativo
Crônica
Carta Leitor
3.
Formato
Seção:
país
política
economia
cultura
cidades
ciência
mundo
outros
Encarte:
Suplemento:
Meio Ambiente:
Outros
ANÁLISE DE TEXTO
4.
Local da Notícia
Brasil
Sul
Sudeste
Centro-oeste
Norte
Nordeste
Local
Regional
Urbano
Rural
Outro
Exterior
América do Sul
América Central
América do Norte
Europa
África
Ásia
Oceania
5.
Conotação da mensagem Ambiental:
Sensacionalista/espetáculo
Superficial
Contextualizada/explicativa
Conservacionista
Conservacionista-economicista
Conservacionista-progressista
Conservacionista-catastrófica
Denúncia pela conservação
Crítica
Outra
6.
Conteúdo da mensagem ambiental:
Consumo
Etnias
Poluição
Clima
Desmatamento
Direitos Humanos
Corrupção
Projetos
Turismo
Descobertas Erosão
Enchente/Inundação
Manifestações/protestos Agricultura
Lixo
Comportamento
Outro
Unidade de Contexto (palavras-chave):
7.
8.
Origem da mensagem: Fontes
Personalidades:
Presidente
Instituições:
Estado
Entidades:
Empresas
Escolas/Univ.
Procedência da Informação:
Repórter
Correspondente
Agência
Governador
Executivo
Partidos políticos
Mídia
Colunista
Prefeito
Legislativo
Sindicatos
ONGS
Judiciário
Igrejas
ONU
Colaborador
Leitor
ANÁLISE DE FOTO
9.
Local da foto:
Brasil
Sul
Sudeste
Centro-oeste
Norte
Nordeste
Local
Regional
Urbano
Rural
Outro
Exterior
América do Sul
América Central
América do Norte
Europa
África
Ásia
Oceania
Espacial
10. Forma da mensagem:
Cor
p&b
Outra
11. Características Técnicas:
Documental/registro real
Arquivo/ilustração
Indiciária/iconográfica
Artística/estética
Genérica
Detalhista
Outra
12. Intencionalidade:
Tendenciosa/preconceituosa
Publicitária
Comovente
Educativa
Interpretativa/explicativa
Outra
13. Observações sobre a matéria
Outra
325
ANEXO F
Modelo de Formulário para entrevistas com
os estudantes de jornalismo
Doe dois minutos do seu tempo à mãe terra:
QUESTIONÁRIO PARA ESTUDANTES DE JORNALISMO
TEMA: JORNALISMO AMBIENTAL E CONSUMO SUSTENTÁVEL
Pesquisador: Pedro Celso Campos – ECA-USP. E-MAIL: [email protected]
NOME:
ESCOLA:
UMA DISCIPLINA EM CURSO:
RG:
TERMO:
IDADE:
01. Como futuro profissional dos Meios de Comunicação, e como cidadão, como v. define o Jornalismo Ambiental?
02. V. tem feito alguma coisa prática pela preservação do meio ambiente? Qual?
03. Na sua opinião, quais são os maiores problemas ambientais na atualidade?
04. Na sua opinião, para despertar a consciência ecológica das pessoas e a mudança de comportamento da população, o noticiário
sobre meio ambiente, na mídia, é:
_______SUFICIENTE ________INSUFICIENTE ________MAIS OU MENOS
05. Se o jornalismo – pautando mais, contextualizando, trabalhando a narrativa com histórias de vida, sendo mais criativo – educasse
a cidadania para o consumo sustentável teríamos, no futuro, uma população mais consciente sobre as relações homem/natureza e
também sobre a tolerância e o respeito entre as pessoas. V. concorda? O que pensa a respeito? Como vê a educação para o
consumo?
06. De que modo o jornalismo poderia ser mais persuasivo para mudar comportamentos? Como o Jornalismo Ambiental poderia ser
mais eficiente?
07. V. conhece algum exemplo de pessoas comuns (não ligadas a órgãos públicos ou fundações) que proporcionariam uma boa
história de vida sobre educação ambiental para a mídia? Pode descrever o que fazem?
08. V. se informa, preferencialmente, sobre meio ambiente:
____NO RÁDIO____NA TV____NA INTERNET____NOS JORNAIS____NAS REVISTAS____OUTROS MEIOS.
09. Assinale, de um a 10, a intensidade com que os seguintes problemas ambientais o afetam:
____DESMATAMENTO____ESCASSEZ E POLUIÇÃO DA ÁGUA____COMBUSTÍVEIS POLUENTES____RESÍDUOS
INDUSTRIAIS E DO TRÂNSITO ____CONSUMO SUPÉRFLUO____LIXO NÃO PERECÍVEL ____SOFRIMENTO DOS
ANIMAIS____AGROTÓXICOS____AQUECIMENTO
DO
CLIMA/INUNDAÇÕES______MILITARISMO
E
GUERRAS_______INJUSTIÇAS SOCIAIS/DISCRIMINAÇÕES/DISTRIBUIÇÃO DA RENDA_______CORRUPÇÃO
(Acrescente outros, se preferir).
10. V. acha que a Universidade deveria preparar os futuros jornalistas para que se tornem educadores ambientais? ______SIM
______NÃO
11. Que temas v. sugere para uma disciplina universitária sobre Jornalismo Ambiental?
12. Como as aulas de JA poderiam ser mais criativas e diferenciadas?
Obrigado por sua participação. Use meu e-mail se tiver outras considerações a respeito.
Prof. Pedro Celso Campos
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Jornalismo Ambiental e Consumo Sustentável